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Uma breve história da interpretação bíblica

Diogo Cavalcanti 6 de dezembro de 2017 Artigos, Destaques 1 Comment

Linha do tempo mostra os principais capítulos das batalhas travadas em torno do sentido
das Escrituras
Diogo Cavalcanti

Desde o início, a interpretação da Palavra de Deus tem estado no centro de um grande conflito
cósmico. Em jogo está o sentido simples e claro das comunicações divinas, das próprias
intenções de Deus e de Seu caráter. Os guardiões da Palavra têm sido perseguidos, e muitos
manuscritos e livros da Bíblia e sobre ela foram destruídos. Porém, talvez a forma mais eficaz
de neutralizar o poder das Escrituras é justamente perverter seu sentido, sufocar sua voz,
substituindo-a, em diferentes épocas, por falsas profecias (2Pe 2:1-3), pelo espiritualismo (Is
8:19, 20) e por filosofias e tradições humanas (Cl 2:8).

Ao longo da história, é exatamente isso que vemos acontecer: o surgimento de hermenêuticas


(formas de interpretar) que distorcem o sentido original da Palavra, substituindo-o por
alegorias, misticismo, construções filosóficas e, mais recentemente, pela crítica, pela lógica
humanista e pela desagregação pós-moderna. Atravessamos hoje uma verdadeira crise
hermenêutica, com inúmeros pontos de vista contrastantes sobre a Bíblia e sua mensagem.

Quando a fé se torna um artigo raro na prateleira religiosa, quanto mais se aproxima a segunda
vinda de Cristo, a maior característica do povo de Deus é justamente sua fidelidade à Palavra –
à Palavra escrita e à Palavra encarnada (Ap 14:6, 7; Jo 1:1-3, 14). Os fiéis se apegam à boa
notícia eterna de um Salvador que também não muda (Hb 13:8). Não permitem que essa boa-
nova seja corrompida pelas tendências que os cercam.

Cientes disso, vale acompanharmos alguns capítulos dessa guerra ao longo da história,
marcada por verdadeiras batalhas intelectuais em torno do sentido das Escrituras. Registram-
se apenas alguns dos nomes, fatos e correntes mais importantes. Muito mais poderia ser
exposto. Contudo, a amostra revela que a verdadeira luz das Escrituras jamais deixou de
brilhar, pois “seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece
eternamente” (Is 40:8).

6º século a.C.
Esdras e Neemias
O retorno dos judeus do exílio representou uma volta às Escrituras. Como o povo falava
aramaico, os levitas precisavam ler em hebraico e traduzir o texto, “dando explicações, de
maneira que entendessem o que se lia” (Ne 8:8). Porém, esse esforço pela compreensão do
texto parece ter envolvido mais do que uma simples tradução. Os horizontes do texto bíblico e
do povo bíblico tardio já eram distantes naquela época. Era preciso traduzir, interpretar,
esclarecer o sentido do texto.

200 a.C. a 200 d.C.


Qumran e os essênios

A comunidade reclusa dos essênios, localizada no


noroeste do Mar Morto, em Khirbet Qumran, preservou um tesouro de manuscritos e
comentários bíblicos, os quais foram descobertos nas décadas de 1940 e 1950. Os essênios
aplicavam sua hermenêutica, chamada em aramaico raz pesher, “interpretação de mistério”,
para compreender as Escrituras Hebraicas. Comumente, citavam uma passagem bíblica
seguida das palavras “isto significa” ou “seu pesher é…”. Fragmentavam os textos, buscando
identificar aplicações diretas à comunidade essênia. Identificavam enigmas e criptogramas, os
quais lhes explicavam a realidade escatológica que entendiam atravessar.

1º século a.C. ao 1° século d.C.


Hillel

Rabino Hillel
Hillel (60 a.C.-20 d.C.) foi o mestre do mestre de Gamaliel que, por sua vez, foi mestre de
Paulo e defendeu os primeiros cristãos (At 5:34-39). As chamadas Sete Regras de Hillel
estabeleceram a base de uma interpretação sistemática das Escrituras. A escola de
interpretação de Hillel, chamada beit Hillel, ou “casa de Hillel”, fundamentada em torno do amor
ao semelhante, prevaleceu na tradição judaica sobre a “casa de Shammai”, que adotou uma
linha mais legalista de interpretação. Jesus apresentou uma percepção da síntese da Lei de
modo muito semelhante ao que Hillel ensinava – “O que é odioso para você não faça ao seu
próximo, pois isto é toda a Torá. O resto é comentário” (b.Shabbat 31a; cf. Mt 7:12). Em seu
sepultamento, Hillel foi chamado de discípulo de Esdras.

Pós-70 d.C. ao 2º século d.C.


Interpretação rabínica
As 13 Regras do rabi Ishmael ben Elisha (2° século d.C.), baseadas nas Sete Regras de Hillel,
impulsionaram o desenvolvimento do método midráshico utilizado para explicar
a Halachá judaica, ou seja, os textos bíblicos e comentários rabínicos referentes à
Lei. Midrash é uma forma de leitura que vai além da interpretação literal ou simples (pshat), em
busca de um sentido mais profundo e essencial do texto bíblico. As 32 Regras do rabi Eliezer
ben Yosef (2º século d.C.) foram empregadas na interpretação da Hagadá, ou seja, textos
bíblicos e comentários rabínicos compostos de histórias, parábolas, anedotas e provérbios.
Rabinos posteriores identificaram múltiplos significados em um único texto: (1) o significado
primário, que apontava para um significado embutido no texto, (2) o significado secundário, ou
alegórico, e (3) um significado místico oculto nas próprias letras das palavras.

1º século d.C.
Filo de Alexandria

Filo de Alexandria
Judeu helenizado e rejeitado pela tradição rabínica desde sua época até o presente, Filo (20
a.C. a 50 d.C.) popularizou a interpretação alegórica da Bíblia. Ele aplicava uma leitura
platônica, segundo a qual tudo o que existe e é considerado real se trata de um reflexo do
mundo das ideias. Assim, qualquer dificuldade no texto bíblico era motivo para abandonar o
sentido literal, em busca de uma interpretação alegórica. O sentido simples e claro não
passaria de uma camada externa que escondia um sentido mais profundo e espiritual.

2º século d.C.
Marcion, Irineu e Tertuliano
Marcion de Sinope
Marcion de Sinope (c. 85-c.160 d.C.), filho do bispo de Ponto, desenvolveu uma teologia
hermenêutica de ruptura. Em sua obra Anthitesis, cortou qualquer ligação entre o Antigo e o
Novo Testamento, assim como entre as figuras de Deus apresentadas em ambos; rejeitou
também a ideia de que Jesus fosse o Filho de Deus encarnado. Dessa forma, Marcion rejeitou
todos os livros do Antigo Testamento, bem como os do Novo Testamento que tivessem
qualquer raiz hebraica mais acentuada, ficando com O Evangelho de Cristo, uma versão
modificada do Evangelho de Lucas, preparada por ele mesmo, e com dez das 14 epístolas de
Paulo. Em resposta à heresia de Marcion, Irineu, bispo de Lyon (c. 130-c. 200), utilizou o
princípio da “regra de fé” para defender a doutrina cristã correta ou ortodoxa. Defendia que a
tradição havia sido preservada nas igrejas e que as Escrituras deveriam ser interpretadas pela
autoridade da igreja. Por sua vez, Tertuliano (c. 160-c. 240) utilizou a tipologia para demonstrar
a unidade do Antigo e do Novo Testamento. Porém, frequentemente, a relação tipológica
degenerava em alegoria.

3º século d.C.
Hermenêutica alexandrina

Clemente de Alexandria
Clemente de Alexandria (c. 150-c. 220 d.C.) adotou o alegorismo de Filo, propondo cinco
significados das Escrituras: histórico, doutrinal, profético, filosófico e místico. Para Orígenes (c.
185-c. 254 d.C.), o texto da Escritura tinha um sentido triplo, conforme a natureza tricotômica
do homem (corpo, alma e espírito): o corporal ou literal, considerado menos importante; o
psíquico ou moral, envolvendo aspectos éticos; e o espiritual ou alegórico/místico, tido como o
mais importante e captado apenas pelos intérpretes experimentados. Nesse caso, o objetivo da
interpretação é retirar a camada tida como superficial do sentido expresso, a fim de chegar à
essência alegórica espiritualizada do texto.

4º e 5º séculos d.C.
Hermenêutica antioquiense

Teodoro de Mopsuéstia
Em oposição à escola alexandrina de interpretação, os intérpretes de Antioquia tinham em alta
conta o sentido literal, expresso e claro dos textos bíblicos. Entre seus maiores nomes,
encontram-se Teodoro de Mopsuéstia (c. 350-428) e o pregador Crisóstomo (c. 347-407). Os
princípios da hermenêutica antioquiense são praticamente os mesmos da hermenêutica
gramática-histórica.

5º século ao século 16
Hermenêutica medieval

João Cassiano
Infelizmente, a hermenêutica antioquiense não prevaleceu sobre a alexandrina, que
permaneceu por toda a Idade Média em uma nova versão. João Cassiano (c. 360-435)
expandiu o sentido tríplice de Orígenes para quatro, na chamada quadriga (carruagem puxada
pelos quatro cavalos do método alegórico de Cassiano). Assim, o texto adquire quatro
sentidos: histórico (literal), o tropológico (moral), alegórico (místico ou cristológico) e o
anagógico (escatológico ou celestial). Apesar de haver pequenos focos de resistência, os quais
eram duramente combatidos, a quadriga medieval foi conduzida pelos intérpretes por mil anos,
até o advento da Reforma Protestante.

Século 16
Hermenêutica protestante

Martinho Lutero
Os reformadores procuraram romper com a autoridade da tradição e da filosofia, para propor a
Bíblia como sua própria intérprete (Scriptura sui ipsus interpres). Assim, também lançaram as
bases dos princípios sola Scriptura (somente as Escrituras), analogia Scriptura (analogia das
Escrituras) e tota Scriptura (toda a Escritura) como as maiores bandeiras hermenêuticas da
Reforma. Por outro lado, na aplicação de um princípio cristocêntrico de interpretação, Lutero
contraditoriamente rejeitou a Epístola de Tiago, que considerava em oposição ao genuíno
evangelho da graça apresentado por Paulo. Apesar disso, a Reforma produziu o chamado
método gramático-histórico, que considera o texto em seu sentido expresso ou literal e analisa
aspectos literários, morfológicos e sintáticos, em conjunto com o contexto histórico. Esse
método permanece até hoje, sendo utilizado por evangélicos conservadores, assim como pelos
adventistas do sétimo dia.

Século 17
Nascimento da crítica-histórica

Baruch Spinoza
O método crítico-histórico foi o primeiro a aplicar a suspeita à interpretação bíblica. Seus
pressupostos surgiram com Baruch Spinoza (1632-1677), ou Benedito Espinoza, judeu
holandês, filho de pais portugueses. Ele foi o primeiro a questionar abertamente a origem
divina do Pentateuco. Em seu Tractatus Theologico-Politicus, Spinoza argumentou que as
religiões serviam apenas para defender interpretações preestabelecidas. Defendia que a Bíblia
continha erros como qualquer outro livro e que, por isso, não deveria receber um tratamento
especial. Por suas ideias, foi excomungado da vida religiosa e comunitária judaica. Suas ideias
influenciaram o sacerdote católico francês Richard Simon (1638-1712), que escreveu Histoire
Critique du Vieux Testament (História Crítica do Velho Testamento), em 1678. Nela, Simon
levantou questionamentos, visando destruir a confiança na autoridade da Bíblia. Argumentou
em favor de um longo processo de redação e compilação do Pentateuco, rejeitou o
princípio sola Scriptura e proclamou a Igreja Romana como única autoridade confiável em
termos de fé (David Lyle Jeffrey e Gregory Maillet. Christianity and Literature: Philosophical
Foundations and Critical Practice. Downer Grove, IL: IVP Academic, 2011, p. 221).

Séculos 18 e 19
Surgimento do método crítico-histórico

Jean Astruc
Em resposta a Richard Simon, Jean Astruc (1684-1766) procurou defender a autoria mosaica
do Pentateuco. Em sua obra, Conjectures Sur Les Mémoires Originaux Dont Il Paroit Que
Moyse S’Est Servi Pour Composer Le Livre de La Genèse (Conjecturas Sobre as Memórias
Originais das Quais Parece que Moisés se Serviu Para Compor o Livro de Gênesis), ele
compara o uso de certas palavras hebraicas em manuscritos antigos organizados em colunas,
demonstrando como Moisés as escreveu a partir de diferentes fontes, as quais foram reunidas
em um só material por um editor posterior. Esse método foi adotado e desenvolvido por
eruditos alemães. Basicamente, a crítica histórica busca as supostas “origens verdadeiras” do
texto bíblico: quem foi seu autor, as fontes do texto, possíveis intervenções editoriais e a
possível “situação de vida” (sitz im leben), o contexto em que teria sido escrito. Ou seja, mais
que entender o que o texto diz, qual é sua mensagem, a crítica bíblica tem uma abordagem
mais “genética”, procurando descobrir de onde o texto veio e qual é seu verdadeiro contexto.
No século 19, a crítica bíblica se converteu em método científico e dominou os meios
acadêmicos até o fim do século 20. Contemporâneos ao surgimento do método crítico-
histórico, os adventistas, assim como Ellen G. White, o rejeitaram completamente.
Século 19
Guilherme Miller

Guilherme Miller
Antes deísta e racionalista, Guilherme Miller se converteu à fé cristã, trazendo consigo uma
perspectiva lógica da Bíblia – enquanto revelação de Deus, ela deveria ser coerente consigo
mesma. Como fruto de seus estudos, Miller registrou suas 14 regras de interpretação da Bíblia,
amparadas em textos-prova. Miller se fundamentou em grandes princípios protestantes de
interpretação, os quais são identificados em suas regras, envolvendo afirmações como “toda a
Escritura é necessária” (regra 2), a comparação entre textos bíblicos (regra 3) e a ideia da
Bíblia como sua “própria expositora” (regra 5). Miller também deu sua contribuição ao afirmar
que certos textos marcados por figuras e parábolas devem ter tratamento especial (regras 6 a
9, 11 e 12). Ele ainda levou em consideração o princípio dia-ano (regra 10), o cumprimento de
profecias (regra 13) e a necessidade de fé (regra 14). Ellen G. White afirmou que a pregação
da mensagem adventista está assentada sobre as regras hermenêuticas de Miller (Review and
Herald, 25 de novembro de 1884).

Século 20
Ressurgimento da filosofia hermenêutica

Martin Heidegger
Por séculos reduzida à área da Teologia, a trilha da hermenêutica passou a cortar os campos
das ciências humanas no fim do século 19 e nas primeiras décadas do século 20. A questão do
sentido (se ele é inerente às palavras ou apenas atribuído a elas), analisada pelos antigos
gregos, como Sócrates e Platão, voltou pouco a pouco ao centro do debate. Seguindo as
contribuições de Emmanuel Kant, Wilhelm Dilthey e outros separaram as ciências naturais das
ciências humanas, colocando ambas no mesmo patamar – as ciências naturais, explicando as
causas, e as humanas, os sentidos. A hermenêutica surge como um elo entre os saberes.
Após isso, Dilthey, Heidegger e seu discípulo, Hans-Georg Gadamer, propuseram a
hermenêutica como parte essencial do próprio ser humano, dentro do qual se desfaz a
separação entre sujeito (intérprete) e objeto (o que é interpretado), ideia que ganhou força nos
anos 1930. Gadamer, em sua obra Verdade e Método (1960), foi mais além ao propor a fusão
dos horizontes do intérprete e do evento histórico interpretado, o qual é também idealizado pelo
intérprete. Segundo seu raciocínio, no processo interpretativo, o intérprete não consegue
exercer uma compreensão neutra das informações históricas, pois está imerso em sua própria
historicidade e lê o passado conforme sua compreensão particular do presente. Junto a
Gadamer, o pensamento de Paul Ricoeur colocou a hermenêutica no centro da função da
filosofia, que é interpretar o sentido da existência por meio da leitura dos fenômenos. Distingue
a hermenêutica da tradição (que ouve o texto atentamente) e hermenêutica da suspeição (que
duvida do texto, buscando encontrar a verdade por trás dele). As ideias desses e de vários
outros nomes abriram as portas para dezenas de perspectivas hermenêuticas nas décadas
seguintes até o presente.

Séculos 20 e 21
Crise hermenêutica
Se a trilha da hermenêutica extrapolou o campo da Teologia e se fixou também na área das
humanidades, ela voltou transformada para os estudos bíblicos, originando inúmeras novas
formas de compreensão do texto bíblico. A fusão dos horizontes do texto e do leitor permitiu a
construção de interpretações bíblicas a partir de qualquer ponto de vista. Surgiram, assim, as
abordagens crítico-literárias, que consideram o texto bíblico enquanto literatura. Também
surgiram as abordagens sociocríticas (antropológica, sociológica e psicológica) e as pós-
modernas – desconstrucionismo, crítica pós-colonial, teologia da libertação, reader-response,
crítica feminista, críticas ideológicas (asiática, africana, latina, pós-holocausto, gay, lésbica,
etc.), entre outras. A multiplicidade de interpretações e de escolas causam vertigem e
provocam uma verdadeira crise hermenêutica.

DIOGO CAVALCANTI, pastor, jornalista e mestrando em estudos judaicos, com ênfase na


Bíblia Hebraica, na Universidade de São Paulo (USP), é coordenador da editoria de livros na
CPB

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