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METODOLOGIAS

DE PESQUISA:
abordagens críticas e reflexivas
Antonina Mendes Feitosa Soares
Wirla Risany Lima Carvalho
Ana Teresa Silva Sousa
Organizadoras

METODOLOGIAS
DE PESQUISA:
abordagens críticas e reflexivas

2017
Reitor
Prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes

Vice-Reitora
Profª. Drª. Nadir do Nascimento Nogueira

Superintendente de Comunicação
Profª. Drª. Jacqueline Lima Dourado

METODOLOGIAS DE PESQUISA: abordagens críticas e reflexivas

© Antonina Mendes Feitosa Soares • Wirla Risany Lima Carvalho • Ana Teresa Silva Sousa

1ª edição: 2017

Revisão
Francisco Antonio Machado Araujo

Editoração
Francisco Antonio Machado Araujo

Diagramação
Wellington Silva

Capa
Mediação Acadêmica

Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro

EDUFPI – Conselho Editorial


Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Cláudia Simone de Oliveira Andrade
Solimar Oliveira Lima
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Viriato Campelo

Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no


Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR2)

M593 Metodologias de pesquisa: abordagens críticas e reflexivas / Antonina Mendes Feitosa


Soares, Wirla Risany Lima Carvalho, Ana Teresa Silva Sousa, organizadoras. –
Teresina: EDUFPI, 2017.
53 módulos

E-Book.

ISBN: 978-85-509-0222-7

1. Educação.  2. Pesquisas em Educação.  3. Formação Docente.  I. Soares,


Antonina Mendes Feitosa.  II. Carvalho, Wirla Risani Lima.  III. Sousa, Ana Teresa
Silva.  IV. Título.

CDD: 370.7

Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Ana Teresa Silva Sousa
9
INTRODUÇÃO
Antonina Mendes Feitosa Soares 19
Wirla Risany Lima Carvalho

A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO


CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
33
Maria Salonilde Ferreira

A ENTREVISTA COMPREENSIVA E ABORDAGEM


MULTIRREFERENCIAL, FUNDAMENTOS QUE 53
NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE
LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, MATEMÁTICA
E PEDAGOGIA
Ana Lúcia Andruchak
Adir Luiz Ferreira

A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE


NA PRODUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM 73
EDUCAÇÃO
Isana Cristina dos Santos Lima

A EXTREVISTA REFLEXIVA NA
PESQUISA EM EDUCAÇÃO
87
Francisco Antônio Machado Araújo

A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:


CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI
105
Rosimeyre Vieira da Silva
Carla Daiane Alencar Mendes
A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS
DE PESQUISA, ENSINO E APRENDIZAGEM: 123
COMPARTILHANDO AS FORMAS DE PENSAR E DE AGIR
Márcia Ribeiro Silva Fernandes
Marlinda Pessôa Araujo

A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O


ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO EM CONTEXTO 139
FORMATIVO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
Valdirene Gomes de Sousa

AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO:


UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA 155
Conceição de Maria Ribeiro dos Santos
Maria Lemos da Costa
Patrícia da Cunha Gonzaga

CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA


QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
171
Eliana de Sousa Alencar Marques

COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO


CONTÍNUA DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO 191
ENSINO FUNDAMENTAL
Elieide do Nascimento Silva

O USO DA PROPOSTA ANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE


SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 211
Francisco Antônio Machado Araújo
Maria Vilani Cosme de Carvalho

DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE UMA


PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA:
229
BREVES CONSIDERAÇÕES
Erineide Cunha de Sousa

DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA


PERPESCTIVA SÓCIO-HISTÓRICA 243
Sílvia Maria Costa Barbosa

NARRATIVIDADE DE PROFESSORES
ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA: 257
EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS
Ana Luiza Floriano de Moura
PERCEBER E APRENDER
Maria Salonilde Ferreira 273
Marineide Gomes de Oliveira da Cunha

PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE


SACIAR A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR 289
AS PRÁTICAS DOCENTES
Rosalina de Souza Rocha da Silva
Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES


UNIVERSITÁRIOS: DUPLA ESTIMULAÇÃO PARA A 307
COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

A SOCIOPOÉTICA COMO ABORDAGEM DE PESQUISA


E ENSINO-APRENDIZAGEM COM/ENTRE 327
ADOLESCENTES E JOVENS
Shara Jane Holanda Costa Adad
Sandra Haydèe Petit

PERFIL CIENTÍFICO DAS ORGANIZADORAS


E DOS AUTORES
337
APRESENTAÇÃO

Ana Teresa Silva Sousa - UFPI

Depreendemos das distinções apresentadas,


que método e metodologia têm peculiaridades
próprias que lhes dão singularidade. No entanto,
estabelecem entre si relação dialética de unidade,
mantendo cada um a sua identidade.

(FERREIRA, 2017, p. 58)

A epígrafe supracitada está dialeticamente relacionada ao


título desta obra que ora me proponho a apresentar aos leitores e que
possibilitara refletir acerca do que trata e orienta cada investigação
em educação proposta pelos autores deste exemplar.
Depreender das distinções apresentadas para compreender
a essência que está na aparência de cada artigo subjaz fazermos o
movimento do pensamento de cada autor na busca de desvelar o que
objetivou suas pesquisas, causas e efeitos produzidos nos contextos,
espaços e tempos em que ocorreram os estudos.
Desse modo, as perspectivas teórico-metodológicas podem
ou não estabelecer entre si relações dialéticas de unidade,
conforme expressa alguns artigos. Todavia, as distinções de
estrutura e composição são necessárias e fundamentais para
APRESENTAÇÃO 9
9
manter a identidade e as circunstâncias de produção das pesquisas
realizadas no âmbito das instituições de ensino superior e das
escolas básicas dos professores, nos seus diversos contextos de
atuação e trabalho.
Na perspectiva de divulgar os conhecimentos produzidos por
professores, pesquisadores e educadores em geral, a Associação
Francofone de Pesquisa Científica em Educação - AFIRSE- Secção
Brasileira tem como prática recorrente partilhar com seus leitores
todas as formas de publicação, de informação e de documentação,
estabelecendo intercâmbio acadêmico entre esses atores sociais.
A publicação deste livro, intitulado “METODOLOGIAS DE
PESQUISAS: Abordagens críticas e reflexivas” constituem mais uma
obra acadêmica, dentre outras já produzidas com o aval da referida
instituição, conforme propõe o seu estatuto em termos nacional e
internacional: “fomentar a produção do saber, a difusão e utilização
de resultados de pesquisa em educação”.
A múltipla articulação dos diversos artigos que compõem o
presente volume possibilitará ao leitor fazer incursão na diversidade
de pesquisas, referenciais teóricos e metodológicos, bem como nos
procedimentos investigativos. O livro contempla, portanto, produções
de conhecimentos situados historicamente e de estudos que têm
como núcleo temático as pesquisas em educação. E se apresenta
como caminhos para a construção de mudanças, transformações e
emancipação dos professores no processo de formação e atuação
docente.
Considerando as particularidades, os diversos campos
específicos do conhecimento e de investigação de modo a assegurar
a relação ou ligação do método que propõe cada autor e de seu lugar
na produção, assim, especificar o que trata cada artigo constitui a
atividade principal desta obra.
Na introdução, Antonina Mendes Feitosa Soares e Wirla Risany
Lima Carvalho apresentam uma reflexão sobre a importância da
relação intrínseca que existe entre teoria, método e metodologias,
para a idealização e implementação da pesquisa acadêmica. Destarte,
enfatizam que, para o pesquisador, o método é alicerce relevante e
unifica o sentido do paradigma que o constituiu. Defendem, ademais,

10 Ana Teresa Silva Sousa


10
um olhar complexo, holístico e não fragmentado do investigador, pois
seus objetos de estudo estão mergulhados em contextos sócio-históricos,
repletos de redes de conexão, devendo, portanto, ser investigados com
a riqueza de possibilidades inerentes à pesquisa qualitativa que tem na
reflexão e na crítica seus pontos altos de apresentação.
O artigo “A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO
CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIEDADE” a autora Maria
Salonilde Ferreira traz reflexão sobre uma proposta curricular na
perspectiva de elaboração conceitual e a relação com os saberes
de um curso de especialização em educação infantil. O objetivo
foi compreender o papel do professor e da escola no processo de
ruptura que conduziria a interdisciplinariedade e fragmentação
das disciplinas. A adesão à pesquisa foi composta por professores
responsáveis pela execução do curso. No estudo constatou indícios
relativos à natureza conceitual pelos seus significados expressos
estabelecidos nas conexões de generalidade, singularidade e
particularidade, sem os quais o conceito não existiria.
O artigo “A ENTREVISTA COMPREENSIVA E ABORDAGEM
MULTIRREFERENCIAL, FUNDAMENTOS QUE NORTEIAM A
PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURAS EM LETRAS,
BIOLOGIA, MATEMÁTICA E PEDAGOGIA”, cujos autores são
Ana Lúcia Andruchak e Adir Luiz Ferreira, apresenta reflexões na
perspectiva da multirreferencialidadade no sentido de compreender
a complexidade, pluralidade e heterogeneidade dos fenômenos
sociais sobre os sentidos formativos atribuídos por estudantes
das licenciaturas em Letras, Biologia, Matemática e Pedagogia,
da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, sobre
seu processo de socialização e de aprendizagem, envolvidos na
construção da identidade docente. Destacam que a abordagem
foi fundamental para aproximar o pesquisador aos estudantes
porque eles falam de seu processo formativo, da trajetória escolar
e a construção de imagens e representações que influenciam o
processo de constituição identitária para o exercício da docência.
O que contribuiu para o entendimento das relações sociais, de suas
linguagens e de seus sentidos, impedindo a realização de análises
reducionistas.
APRESENTAÇÃO 11
11
O artigo “A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE
NA CONSTRUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO” de
autoria de Isana Cristina dos Santos Lima trata dos significados e os
sentidos do mal estar docente de professores em início de carreira
e suas relações com a identidade docente que está se constituindo.
A entrevista narrativa como ferramenta mediadora da pesquisa
possibilitou a compreensão de que a professora entrevistada foi além
da aparência, pois foram considerados os processos constitutivos de
sua identidade como suas relações com o mundo objetivo, isto é, o
contexto social, histórico e cultural e suas relações com os outros.
O artigo “A ENTREVISTA REFLEXIVA: ASPECTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS DE UMA PESQUISA EM EDUCAÇÃO”, cuja
autoria é Francisco Antônio Machado Araújo, utilizou a entrevista
reflexiva como fundamentação teórico-metodológica na educação
para abordar a dimensão subjetiva do trabalho docente mediado pelas
TIC’s. Considera que esse instrumento se destaca pelo seu caráter
amenizador das relações de poder e de desigualdades estabelecidas
entre pesquisador e pesquisado. O movimento reflexivo produzido
por meio da entrevista faz com que o sujeito entrevistado reorganize
seu pensamento, produzindo reflexões que antes não haviam sido
tematizadas, além de possibilitar oportunidade de diálogo aberto em
que se levam em conta tanto as intenções do pesquisador quanto do
sujeito investigado sobre o objeto de estudo.
No artigo “A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI” as autoras Rosimeyre Vieira
da Silva e Carla Daiane Alencar Mendes analisam se as práticas de
pesquisa favorecem reflexões sobre a formação docente dos professores
do IFPI. O estudo é um ensaio que usa a entrevista compreensiva para
compreender o registro de um saber social incorporado pelos indivíduos
à sua historicidade, às suas orientações e as definições de sua ação em
relação ao conjunto da sociedade. Os saberes foram obtidos a partir
da interpretação compreensiva das falas dos sujeitos mediada por
meio do trabalho do pesquisador. Destacam o estudo como relevante
para construção do conhecimento em sala de aula, que, embora a
reflexão, não seja o único ponto de destaque na educação brasileira,
emerge continuamente com nítida necessidade de exposição.

12 Ana Teresa Silva Sousa


12
No artigo “A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS DE
PESQUISA, ENSINO E APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS
FORMAS DE PENSAR E AGIR” as autoras se propõem a evidenciar
as contribuições da prática colaborativa nos contextos de pesquisa,
ensino e aprendizagem. Tomando como referência pesquisas
publicada em formato de artigos. O estudo foi organizado a partir
dos subtemas: A arte de colaborar na pesquisa; o ensino e o processo
de colaboração; o aprender colaborativamente. Destacam que há a
necessidade de maior aprofundamento da temática porque o estudo
possibilitou uma visão inicial do trabalho com pesquisa colaborativa
no contexto da educação.
O artigo “A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O
ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO EM CONTEXTO FORMATIVO
DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS” de autoria de Valdirene Gomes
de Sousa está organizado a partir da questão: quais as necessidades
que os professores apontam sobre a realidade desenvolvida na
prática docente em matemática, nos anos iniciais, a partir do estudo
da proposição davydoviana? A pesquisa foi desenvolvida com cinco
professores do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental com o
objetivo de compreender o desenvolvimento de suas práticas sobre o
conceito de número. O estudo foi organizado a partir das categorias
necessidades como fragilidades e necessidades como possibilidades.
A autora conclui que a tomada de consciência do distanciamento
entre as duas perspectivas de organização do ensino do conceito
de número modificou substancialmente a necessidade formativa,
vista na perspectiva do ensino desenvolvimental, em relação ao que
vivenciam no contexto promovido pela rede municipal de ensino. E
a prática docente na perspectiva desenvolvimental apresenta como
possibilidade para os professores repensar os processos formativos
para essa área do conhecimento.
O artigo “AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM
EDUCAÇÃO: UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA”, organizados
pelas autoras Conceição de Maria Ribeiro dos Santos, Maria Lemos
da Costa e Patrícia da Cunha Gonzaga, apresenta a contribuição das
narrativas como abordagem metodológica no desenvolvimento de
pesquisas em estudos de cunho científico, empenhada em alcançar
APRESENTAÇÃO 13
13
este propósito. As autoras destacam as análises produzidas sobre
as narrativas a partir de seus direcionamentos e dinamismo, estas
proporcionam uma gama de interações das quais avultam dimensões
subjetivas que retratam a evolução do enredo exposto pelo narrador
em suas experiências de vida, logo, narrar no estudo significa reviver
uma face oculta do passado que permite a reelaboração do futuro.
O artigo “CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO”, autoria de
Eliana de Sousa Alencar Marques, objetiva evidenciar o potencial
heurístico da Psicologia Sócio-Histórica para fundamentar pesquisas
em educação. Ao explicar a constituição e o desenvolvimento do
humano em seu desenvolvimento histórico e os processos sociais que
medeiam esse desenvolvimento, a autora faz alusão ao potencial dessa
abordagem no desenvolvimento de investigações que se proponham
a explicar o homem considerando-o na sua relação dialética com a
realidade.
No artigo “COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO
CONTÍNUA DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO
FUNDAMENTAL” foi produzido a partir do recorte da tese de
doutorado, no Programa de Pós-Graduação da UFPI, a autora
Elieide do Nascimento Silva toma como base de estudo os princípios
do Materialismo Histórico Dialético, da Teoria Sócio-Histórica, da
Pesquisa Colaborativa e, ao questionar a relação da prática educativa
problematizadora com práticas criativas na resolução de problemas
matemáticos realizadas pelo professor do sexto ano do Ensino
Fundamental, mostra que a colaboração e a reflexividade tornam
possível à compreensão da relação das práticas, porque contribui
para formação profissional dos professores.
No artigo “CONTRIBUIÇÕES À PROPOSTA ANALÍTICA DOS
NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO: ASPECTOS METODOLÓGICOS DE
UMA PESQUISA”, os autores Francisco Antônio Machado Araújo e
Maria Vilani Cosme de Carvalho, a partir do trabalho de mestrado
intitulado “Educação com tecnologia: conectando a dimensão
subjetiva do trabalho docente mediado pelas TIC’s”, discutem a
proposta analítica dos Núcleos de Significação por meio da exposição
do processo de análise de uma pesquisa qualitativa mediada pela

14 Ana Teresa Silva Sousa


14
Psicologia Sócio-Histórica. Por considerar que a proposta, não
consiste na reunião de procedimentos fechados, mas dinâmica e
aberta à contribuições metodológicas, a pesquisa permitiu ampliar
a aproximação das zonas de sentido produzidas pelos sujeitos
investigados e o desvelamento de sua subjetividade, através de um
novo movimento analítico das notas indicativas de significação e dos
núcleos temáticos.
No artigo “DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE
UMA PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA: BREVES
CONSIDERAÇÕES” Erineide Cunha de Sousa propõe analisar a
importância da definição da base epistemológica de uma pesquisa
qualitativa, bem como discorrer sobre a formação continuada de
professores na melhoria da prática pedagógica. Está é uma pesquisa
bibliográfica inconclusa de mestrado em Educação da UFPI de
natureza qualitativa, em que a autora caracteriza a teoria crítica
como pressuposto teórico que fundamenta a base epistemológica
dos estudos que está desenvolvendo. Nas discussões realizadas,
destaca que a formação continuada de professores nos últimos
tempos tem se afirmado como uma nova categoria que precisa ser
revista rotineiramente no intuito de concretizar a formação do ser
humano, para uma atuação compromissada com realidade.
No artigo “DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA
PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA” o texto de autoria de Silva Maria
Costa Barbosa trata de um projeto de pesquisa intitulado: “Trabalho
docente e desenvolvimento profissional: estudo sobre a dimensão
subjetiva das formas de enfrentamento às dificuldades vividas por
professores do ensino fundamental em sala de aula”. O objetivo foi
de identificar e apreender os sentidos e significados produzidos por
uma professora do ensino fundamental de uma escola pública acerca
da sua atividade pedagógica no enfrentamento das dificuldades. A
base teórico-metodológica advém da Psicologia Sócio-Histórica e
dos fundamentos do Materialismo Histórico Dialético. A análise e
interpretação dos dados foram realizadas a partir dos núcleos de
significação com base em Aguiar e Ozella (2006).
No artigo “NARRATIVIDADE DE PROFESSORES
ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA: EXPERIÊNCIAS E
APRESENTAÇÃO 15
15
APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS”, Ana Lúcia Floriano de Moura e
Antônia Edna Brito, a partir do eixo de análise Aprendizagens docentes:
relação teoria e prática no contexto alfabetizador, desenvolveram
pesquisa qualitativa com abordagem narrativa sobre formação
inicial de professores alfabetizadores que, segundo as autoras, torna
possível conhecer a subjetividade que norteia os sujeitos pesquisados.
Orienta-se teoricamente em Garcia (1999); Nono (2011), dentre
outros. O estudo teve como análise Bardin e Franco, concluindo que
o espaço de atuação profissional, proporciona aos alfabetizadores
iniciantes aprendizagens significativas, fato que requer uma formação
reflexiva dotada de uma base sólida de conhecimentos profissionais
e com capacidade para uma competente tomada de decisões diante
dos desafios da prática pedagógica.
O artigo “PERCEBER E APRENDER”, de autoria de Maria
Salonilde e Marineide Gomes de Oliveira da Cunha, analisa relação
entre o desenvolvimento da percepção e o aprendizado da leitura de
alunos da educação infantil de uma escola pública da cidade de Poço
Branco/RN. O trabalho fundamenta-se no Materialismo Histórico
Dialético, a neurociência (RATEY, 2002) e a bio psicologia (PINEL,
2005), tendo a pesquisa colaborativa e o paradigma colaborativo
critico reflexivo como aporte metodológico. O resultado parcial da
pesquisa apontado pelas autoras é que as crianças percebem apenas
a relação espacial de distância, o que demostra a necessidade de
continuidade do estudo, para outras apreciações.
O artigo “PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE
DE SACIAR A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS
DOCENTES” é um estudo desenvolvido pelas autoras Rosalina de
Sousa Rocha da Silva e Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina e objetiva
explorar questões relativas à Pesquisa Colaborativa conduzida no
contexto da educação básica e as possibilidades de transformações
dessas práticas na educação. O estudo foi realizado com os
professores de Artes Visuais na educação profissional técnica de nível
médio, na perspectiva de que estes se fortaleçam ética e afetivamente,
a partir de ações colaborativas que promovam o questionamento
acerca do seu fazer pedagógico e das teorias que o embasam. As
autoras evidenciam que na Pesquisa Colaborativa os partícipes, em

16 Ana Teresa Silva Sousa


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colaboração, são capazes de descrever, de informar, de confrontar
e de reelaborar suas ações, potencializando seu agir em favor do
compartilhamento de significados e da negociação de sentidos.
No artigo “REFLEXÕES E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES
UNIVERSITÁRIOS: DUPLA ESTIMULAÇÃO PARA COMPREENSÃO
DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA’’, a pesquisa relatada é tem como
autoria Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina e foi desenvolvida a
partir da identificação das necessidades formativas dos professores
e se propôs, por meio do significado de reflexão, a organizar estudo
para que houvesse dupla estimulação: reflexão e colaboração na
produção compartilhada dos saberes necessários à reflexão crítica.
A opção teórica metodológica orientou-se pelos princípios do
Materialismo Histórico Dialético e da pesquisa colaborativa. No
estudo, os significados e sentidos enunciados de reflexão produzidos
pelos professores, na sua maioria, ocorreu através de apreensões
sistematizadas de experiências concretas e de abstrações que
advém das perspectivas técnica e pragmática. O processo formativo
vivenciado na pesquisa contribuiu para que as compreensões
compartilhadas expandissem os sentidos e significados de reflexão.
Centrado no processo colaborativo, os docentes se apropriam do
significado de reflexão crítica enunciando e, inclusive, de quais os
saberes necessários ao processo reflexivo crítico.
Por fim, o artigo “A SOCIOPOÈTICA COMO ABORDAGEM
DE PESQUISA E ENSINO-APRENDIZAGEM COM/ENTRE
ADOLESCENTES E JOVENS”, Shara Jane Holanda Costa Adad e
Sandra Haydèe Petit, tem como foco de discussões adolescentes e
jovens. A compreensão das autoras é de que, pesquisar e lidar com
jovens é possível desde que se acredite neles e em suas capacidades.
Com base na sociopoética (GAUTHIER, 2003; 2004), aprenderam a
pesquisar e lidar com jovens imbuídas de sensibilidade. Chamam a
atenção na conclusão do estudo para a necessidade das artes para
viver, e no dizer delas: essa é a condição para que os jovens possam
viver, brincar e, principalmente, apaixonar-se pela vida. Para as
autoras, há necessidade de destituição dos conceitos considerados
eternos e também com a verdade que pode ser rasgada pela criação
artística.
APRESENTAÇÃO 17
17
A coletânea de textos que compõe este livro configura o
compromisso da AFIRSE em colocar a disposição da comunidade
científica acadêmica as mais diversas produções de pesquisas em
educação, no sentido de oferecer aos leitores de diversas instituições
formativas uma rica e variada produção de conhecimentos que
contribuirão para a melhoria da qualidade da educação no campo
em que se inserem os professores formadores.
O resultado dos artigos desta publicação traz no amalgamo
o sentido do inacabamento, processo contínuo de pesquisas nas
diversas perspectivas teóricas e metodológicas. Os diversos objetos
de estudo propostos pelos autores se conectaram dialeticamente
nesta obra, posto que, depreendeu-se das distinções apresentadas
para manter a identidade de cada proponente desta obra, um livro
que inicia e encerra reflexões atuais no campo educacional.

18 Ana Teresa Silva Sousa


18
INTRODUÇÃO

Antonina Mendes Feitosa Soares - UFPI


Wirla Risany Lima Carvalho - UFPI

Uma teoria não é o conhecimento; ela permite o


conhecimento. Uma teoria não é uma chegada;
é a possibilidade de uma partida. Uma teoria
não é uma solução; é a possibilidade de tratar
um problema. Em outras palavras, uma teoria só
realiza seu papel cognitivo, só ganha vida com o
pleno emprego da atividade mental do sujeito.
É essa intervenção do sujeito que dá ao termo
método seu papel indispensável.
(MORIN, 2015)

D
iante da intencionalidade de discorrermos sobre
conhecimentos que são produzidos em contextos
históricos e sociais, bem como almejando fugir de uma
visão dualista que ainda predomina na sociedade contemporânea
alicerçada nos sentimentos e princípios que caracterizam o egocentrismo
humano, fez-nos recorrer ao pensamento de Morin (2015) ao tratar
das teorias que orientam os métodos e suas metodologias. Para
tanto, introduzimos palavras repletas de significados e sentidos com o
desejo de provocar reflexões sobre as aproximações e distanciamentos

INTRODUÇÃO 19
existentes entre método e metodologia, no contexto das abordagens
críticas e reflexivas, objeto desse livro.
A reflexão, desenvolvida neste exemplar vem como contraponto
aos que ainda defendem paradigmas conservadores, em que os
conhecimentos são produzidos de forma fragmentada e dissociada,
posto que concordamos com Morin (2012, p. 15), ao instigar
uma reflexão em seus questionamentos: “[...] pode-se comer sem
conhecer as leis da digestão? Respirar sem conhecer as leis da
respiração? Pensar sem conhecer nem as leis da natureza, nem as
do pensamento? Nesse sentido, questionamos a compreensão dos
fenômenos dissociados das suas relações e ressaltamos a necessidade
de pensar, sentir e desenvolver ações orientadas pelos pressupostos
de novos paradigmas, nos quais a busca por relações e complexidades
intrínsecas, geram a sua própria forma de conceber o homem e a
sociedade em que está inserido.
Ressalta Morin (2012, p.7-8) que:

As representações tradicionais do homem ajudaram a despedaçá-


lo, a fragmentá-lo, privando-o de sua riqueza multidimensional
(sua identidade é ao mesmo tempo biológica, psicológica e
social). Trata-se agora e urgentemente de costurar, de articular
aquilo que as ciências humanas e as ciências clássicas haviam
dispersado.

Pensar sobre esse “homem velho” e superá-lo, torna-se


exigência diante dos problemas da sociedade complexa, dando-lhe
o devido crédito de se inserir em um novo contexto de construção
sócio-histórica, em redes de conexão com funções essencialmente
colaborativas. (MORIN, 2012)
Indubitavelmente, nesse ínterim, surge o “novo homem” com
um olhar mais apurado e desafiador, de si mesmo, do outro e de
tudo que o cerca, utilizando-se de um meta ponto de vista, alicerçado
em uma autoética crítica e reflexiva de si mesmo, como norteador
de suas intencionalidades educativas, assim como de suas pesquisas.
(MORIN, 2011).
Esse olhar de pesquisador envolvido com a autoética e com um
meta ponto de vista transforma o campo de pesquisa em mundo,

20 Antonina Mendes Feitosa Soares • Wirla Risany Lima Carvalho


assim como o objeto de estudo em realidade. Nesse sentido, suas
intencionalidades não são mais ‘de’ e ‘para’ si mesmo apenas, mas
‘do’ e ‘para’ o mundo que o cerca, que o recebe e transforma como
partícipe. (MORIN, 2011).
Aspectos que nos faz lembrar de Milton Nascimento ao cantar
“Cidadão do mundo eu sou”, destacando a colaboração entre
os vários olhares que convivem‘como’ e ‘para uma’ “janela para
o mundo”. Assim são os campos de pesquisa, em que métodos e
metodologias colaboram no olhar paradigmático e complexo, que
desperta campo repleto de possibilidades diante da materialidade,
historicidade e movimento inerentes. (AFANASIEV, 1968).
Em face da observação sobre paradigmas e sua relação com um
método, Morin (2014, p.335) ressalta que não devemos compreender
a palavra método com o sentido que se lhe atribui a ciência clássica,
pelo contrário, deveríamos analisá-la a partir de seu sentido original.
Uma vez que no viés clássico nada mais é que: “[...] um corpus de
receitas, de aplicações quase mecânicas, que visa à excluir todo
sujeito de seu exercício.” Afirma, portanto, que “O método degrada-
se em técnica porque a teoria se tornou um programa.”
Certamente, quando Morin (2014, p.335) enfatiza que teoria
e método estabelecem relações recorrentes, na complexidade, “[...]
a teoria é engrama, e o método, para ser estabelecido, precisa
de estratégia, iniciativa, invenção, arte.”. Porquanto, destaca
invariavelmente a função do pesquisador nesse processo quando
advoga que

O método, gerado pela teoria, regenera-a. O método é a praxis


fenomenal, subjetiva, concreta, que precisa de geratividade
paradigmática/teórica, mas que, por sua vez, regenera esta
geratividade. Assim, a teoria não é o fim do conhecimento, mas
um meio-fim inscrito em permanente recorrência. (MORIN,
2014, p.335-336)

Ainda em relação à recorrência entre método e teoria, o


autor avulta que a complexidade intrínseca à uma teoria complexa
necessita de uma constante recriação intelectual, pois não estando
em movimento, “[...] Arrisca-se incessantemente a degradar-se, isto

INTRODUÇÃO 21
é, a simplificar-se. Toda teoria entregue a seu peso tende a achatar-
se, a unidimensionalizar-se, a reificar-se, a psitacizar-se.”. (MORIN,
2014, p. 336)
Ainda em relação aos perigos que correm as teorias, diante
de um contexto de complexidade, Morin (2014, p. 339) afirma
que “[...] Em todo pensamento, em toda investigação, há sempre
o perigo de simplificação, de nivelamento, de rigidez, de moleza,
de enclausuramento, de esclerose, de não retroação; há sempre a
necessidade, reciprocamente, de estratégia, reflexão, arte.”
Porquanto, para Morin (2014, p.337), “[...] a teoria não é
nada sem o método, a teoria quase se confunde com o método ou,
melhor, teoria e método são dois componentes indispensáveis do
conhecimento complexo.”. O método seria, portanto, uma atividade
pensante e consciente do sujeito pesquisador e, por acréscimo – em
alusão à fala de Descartes (2012) que ressalta o método como arte
de guiar a razão nas ciências –, o autor enfatiza que “[...] é a arte de
guiar a ciência na razão.”. (MORIN, 2014, p. 339).
Diante do exposto, nesse olhar complexo, dinâmico e
pesquisador, visando à não simplificação das teorias complexas, não
há como falar das metodologias sem ressaltar o método ou vários
métodos existentes que dão sentido às metodologias. Destarte,
entre métodos e metodologias, há muito o que se compreender. Há
muito se confundem as nuances e peculiaridades que lhes cercam na
construção do conhecimento e de uma consciência humana.
Notório se faz, no entanto, que são complementares em suas
funções de fundamentação e produção de saberes, uma vez que,
ressaltando o que Marx (2002) preconiza a respeito da formação
da consciência que se adquire ou se determina, a partir da vivência
material. Assim, destaca este, que não é a consciência que determina
a vida. Desta forma, podemos inferir que da aplicação do método e
das metodologias, surgem campos de possibilidades de formação de
consciência antes, durante e depoisda pesquisa aplicada.
O método, instância maior dentro dessa relação, apresenta-se
como um status quo a ser definido para um momento a ser pesquisado.
Um olhar direcionado e inserido num contexto, onde as metodologias
irão, complementarmente, desenhar os caminhos a serem trilhados

22 Antonina Mendes Feitosa Soares • Wirla Risany Lima Carvalho


pelo pesquisador, visando a obtenção de resultados em relação ao
objeto investigado. Kopnin (1978, p. 92) ao tratar dessa temática
defende “[...] método como certo procedimento, como um conjunto
de meios e ações exercidas sobre o objeto estudado”.
Referindo-se ao método, Viera Pinto (1969, p. 373) afirma que:

O método brota na natureza da consciência, é uma exigência


dela, e por isso não pode ser dissociada da consideração do
ser do homem, enquanto animal naturalmente investigador da
realidade. O método é, na verdade, a forma exterior, materializada
em atos, assumida pela propriedade fundamental da consciência,
a sua intencionalidade.

Esse entendimento nos leva a inferir que o conhecimento em


seus diversos entendimentos e a prática social vivenciada criam
seus métodos com base na unidade orgânica entre objetividade e
subjetividade. Portanto, a consciência é por essência o “caminho
para” algo diferente dela, que está fora dela em um mundo que a
circunda e que consegue aprender pela capacidade ideativa que
possui. No entendimento desse teórico, a consciência é por definição
método. (VIEIRA PINTO, 1969).
Esse entendimento de método não remete à estagnação, mas
ao devir e, considerando que tanto o conteúdo quanto as relações
desenvolvem-se com o progresso da Ciência e com o entendimento
histórico de método, condição que nos coloca na oposição daqueles
que defendem o essencialismo, o racionalismo, e nos encaminha
para pensar o homem e a realidade na perspectiva histórico-social, a
partir de um modo dialético materialista de pensar, uma vez que este
se constitui em “[...] meio e método de transformação por meio da
análise crítica do material factual concreto” (KOPNIN, 1978, p. 83).
Constitui-se, portanto, em um modo de análise concreta do
objeto real, dos fatos reais. Partindo dessa lógica, o conhecimento
constitui-se não no campo do espírito, mas elaborado e significado
pelos sujeitos nas relações sociais ao vivenciarem determinada
realidade. Como afirma Viera Pinto (1969), a base do conhecimento
do método é objetiva, tem caráter material, realiza-se no
desenvolvimento histórico do conceito de método.

INTRODUÇÃO 23
Referindo-se ao caráter objetivo do método, Pavlov (1948, p.
401, grifo do autor) destaca alguns de seus atributos “[...] como
lei objetiva ‘transplantada’ e ‘transferida’ na consciência humana
empregada de modo consciente e planificado como vínculo de
explicação e mudança do mundo.”. Para esse teórico o método
científico é a regularidade interna do movimento do pensamento
humano, tomada como reflexo subjetivo do mundo objetivo.
Em nosso entendimento, neste exemplar, os autores evidenciam
a importância do método no contexto das pesquisas, pois ressaltam
seu caráter regulador interno no momento da internalização
e construção do pensamento e da ação humana. É um pensar
ordenadamente subjetivo que regula ações objetivas, por assim dizer.
Como preconiza Perujo (2011, p. 101), “o método justamente, tem
a missão de nos guiar por esse caminho, eivado e tortuoso, trazendo
pautas anteriormente validadas, procedimentos que contem com o
reconhecimento da ciência”.
Assim, depreendemos que os autores atentaram para o fato de
que vislumbrar uma pesquisa sem um método é um caminhar sem
sentido, sem as lentes a projetar a realidade. O método, pois, orienta
o processo e sugere, por assim dizer, a utilização de metodologias
para a sua aplicação prática. Como afirma Perujo (2011, p.103):

Todo método requer sua própria metodologia. Ele não permanece


isolado na órbita das conceitualizações gerais. Ele desce ao plano
da práxis, recomendando um catálogo de ferramentas que dotam
de operacionalidade a intenção de apreender um ponto exato da
realidade (delimitação do objeto de estudo) com a finalidade de
analisa-lo para, finalmente, estabelecer contribuições.

No entanto, as metodologias, parcialmente trabalhadas, sem


sua interlocução direta com o método, também podem chegar a
resultados e possibilidades, muito embora percam em consistência
e robustez. Nas discussões empreendidas no volume em foco, as
metodologias nos contextos complexos de pesquisa, são essenciais
na produção de um novo olhar educacional para um homem e para
uma sociedade, humanamente, mais crítica.
Para exemplificar, utilizamos a analogia que destaca, as
metodologias como filhos que necessitam de um olhar do tutor, que

24 Antonina Mendes Feitosa Soares • Wirla Risany Lima Carvalho


as direcionem em sentidos e significados que advêm de leis e princípios
consolidados por um método. Da mesma maneira, apresentam-se
como órfãos que anseiam por um seio que jorra consistência teórico-
metodológica nas definições dos olhares categóricos advindos do
Método escolhido, para enfim investigar a relação entre sujeitos e
objetos de estudo.
Nesse contexto, destacamos a necessidade que os autores
desse livro sentiram de pensar sobre o método e de torna-lo o alicerce
para a pesquisa e para as metodologias escolhidas. Dessa maneira,
discutiremos, vez que foi a escolha predominante dos autores, o
Materialismo Histórico Dialético (MHD) como método.
Partindo do pressuposto de que no MHD, método criado por
Marx (2002), o homem – a partir de uma necessidade que se origina
em um contexto de materialidade – é o agente principal de atividade
consciente, sendo ao mesmo tempo transformador e transformado
nesse ínterim, assim, inferimos que não há objetividade apenas, mas
um processo de internalização subjetiva, na qual se denominam de
sentido e significação, porquanto não há porque pensar que apenas
as metodologias – sozinhas, como procedimentos e técnicas – deem
conta de tanta complexidade sem um método como pano de fundo.
O método, portanto, é um alicerce lógico que promove
direcionamento aos procedimentos, em um sentido de
operacionalização da compreensão da essência dos fenômenos
pesquisados, partindo também do olhar do próprio método, ou seja,
parte-se dele a construção subjetiva de um olhar pesquisador e volta-
se a ele, concatenando as metodologias ao seu direcionamento.
(FERREIRA, 2017).
As metodologias são, por assim dizer, a execução de
procedimentos técnico-científicos que foram construídos,
subjetivamente, por um pensamento alicerçado em uma estrutura
lógica que as definem. E qual a melhor metodologia a aplicar?
Poderemos nos deparar com esse questionamento, já que existem
metodologias quantitativas, qualitativas e mistas (que seria a junção
dessas duas).
Em resposta, Sampieri, Collado e Lucio (2013), apresentam
opiniões de pesquisadores que destacam que na década de 1970

INTRODUÇÃO 25
havia uma tendência forte para metodologias quantitativas pela forte
influência do positivismo, no entanto, por volta do final do século
XX, à medida que o paradigma qualitativo foi sendo desenvolvido, as
metodologias qualitativas ganharam seu espaço e se solidificaram no
campo da pesquisa, como extremamente pertinentes às discussões
de compreensão e intervenção nos fenômenos que interferem na
vivência social humana.
Destarte, precisamos destacar um posicionamento bastante
pertinente à nossa reflexão, a partir do que os autores supracitados
trazem em suas indagações e de outros pesquisadores, acerca de que
tipo de metodologia é mais fidedigna: “O que é melhor: um serrote,
uma chave de fenda ou um martelo?” (SAMPIERI, COLLADO,
LUCIO, 2013, p. 400).
Afirmam estes autores que a melhor resposta seria a de que
tudo depende para que vamos utilizar. Nesse sentido, podemos
incorporar aqui a necessidade de um método que nos direcione nessa
escolha. Muito embora saibamos, que muitos “[...] por inexperiência
ou inaptidão, insistem em utilizar um serrote para pregar um prego
ou uma chave de fenda para cortar uma madeira [...]”. (SAMPIERI,
COLLADO, LUCIO, 2013, p. 400).
A partir desse olhar crítico dos autores, podemos destacar
ainda que muitos pesquisadores cometem o erro de insistir em
uma metodologia apenas por modismos ou comodismos de sua
preferência. Destarte, faz-se necessário que chamemos à atenção para
esse fato, pois fundamentar-se em um método, conscienciosamente,
minimiza esses efeitos danosos de agir metodologicamente à revelia.
Ressalta Gonsalves (2001, p.61), que o registro metodológico
está para além de apenas percorrer um caminho e, sim, na capacidade
de apresentar uma postura epistemológica, no momento em que
explicita “[...] a relação entre sujeito-objeto do conhecimento.”.
Nesse mesmo sentido, a autora supracitada apresenta que:

Méthodos significa o caminho para chegar a um fim, enquanto


logos indica estudo sistemático, investigação. Assim, no sentido
etimológico, metodologia significa o estudo dos caminhos
a serem seguidos, incluindo aí os procedimentos escolhidos.
(GONSALVES, 2001, p. 62, grifos da autora).

26 Antonina Mendes Feitosa Soares • Wirla Risany Lima Carvalho


Sendo que, nesse ínterim, também destaca a compreensão de
que a metodologia é intrinsecamente ligada ao Método escolhido, uma
vez que“entendida como o caminho e o instrumental próprios para
abordar aspectos do real, a metodologia inclui concepções teóricas,
técnicas de pesquisa e a criatividade do pesquisador.”(GONSALVES,
2001, p. 62).
Assim, destaca Gonsalves (2001, p. 62):

Incluir concepções teóricas na metodologia não significa que


você deverá fazer outra revisão bibliográfica. O que está sendo
colocado é que a escolha do método remete para uma posição
teórica (positivista, estruturalista, dialética, fenomenológica,
dentre outras) e que deve ser explicitada.

Dessa maneira, devemos demonstrar de que forma aproximou-


se de seu objeto de estudo e a forma com que deseja estudá-lo. Para
tanto, lançamos mão de procedimentos que devem ficar claros no
momento e com a intenção de uma coleta de dados, não só em sua
forma técnica de aplicação, mas em sua própria escolha. Como
exemplo, citamos a preferência por entrevistas deve ser explicada
como procedimento escolhido e depois a sua forma proposta de
aplicação com os partícipes da pesquisa. (GONSALVES, 2001).
Nesse sentido, um destaque interessante nas metodologias
qualitativas é a criatividade, também desenvolvida, a partir de certa
experiência em pesquisas científicas, em que o próprio pesquisador
tem liberdade de apresentar seu percurso metodológico, desde que
seja fiel aos pressupostos do método que utiliza como alicerce.
(GONSALVES, 2001).
Nesse contexto, Gonsalves (2001, p. 63) afirma que, “Assim, a
criatividade é um poderoso elemento do processo de pesquisa, que
está posto desde seu início e que não pode ser definido a priori, pois
está na dependência do processo de investigação.”
Em face ao exposto, sendo o que se apresenta no contexto das
inter-relações entre teoria, método, metodologias, conhecimento,
consciência e criatividade, precisamos indubitavelmente destacar o
papel da crítica e da reflexão nesse cenário como meio e produto do
pesquisador.

INTRODUÇÃO 27
Inicialmente, faz-se necessário ressaltar que para se falar em
crítica e em reflexão, tanto na pesquisa, quanto fora desta, devemos
desenvolver a escuta, pois não há diálogo e dialogicidade sem haver
um processo de ouvir o outro e isto, notadamente, está relacionado ao
respeito à existência e aos pensamentos/pontos de vista desse outro,
mesmo que adversos aos nossos, internalizando-o como partícipe
de uma construção de conhecimento. Apresentando-se, dessa
forma, a crítica e a reflexão como categorias de suma importância às
pesquisas no paradigma qualitativo, pois das contradições reveladas
pelos partícipes, originam-se também conhecimentos e concepções,
a partir dessas inter-relações contextualizadas no objeto de estudo.
Em reforço a este pensamento, Morin (2014, p. 29) apresenta
que:

O princípio de explicação da ciência clássica via no aparecimento


de uma contradição o sinal de um erro de pensamento e
supunha que o universo obedecia à lógica aristotélica. As ciências
modernas reconhecem e enfrentam as contradições quando os
dados apelam, de forma coerente e lógica, à associação de duas
idéias contrárias para conceber o mesmo fenômeno (a partícula
que se manifesta quer como onda, quer como corpúsculo, por
exemplo).

Destarte, havia na ciência clássica uma concepção de que
o observador deveria distanciar-se da observação, já nas ciências
modernas há uma conclamação à participação e envolvimento deste.
Sendo que, a partir desse olhar de observador, automaticamente,
a necessidade de auto-relativização surge como sentimento de
modéstia e humildade, no momento em que internaliza que o seu
ponto de vista, a sua crítica e a sua reflexão são parciais, relativas e
não são as únicas a existirem. (MORIN, 2014).
Tendo em vista a afirmação acima, com excelência destaca Morin
(2014, 29), “[...] vemos que o próprio progresso do conhecimento
científico exige que o observador se inclua em sua observação, o que
concebe em sua concepção; em suma, que o sujeito se reintroduza
de forma autocrítica e auto-reflexiva em seu conhecimento dos
objetos.”.

28 Antonina Mendes Feitosa Soares • Wirla Risany Lima Carvalho


Neste livro, em busca de agir e pesquisar, a partir de princípios
que deem conta da complexidade que vivemos, os autores necessitam
distinguir e analisar, estabelecendo uma comunicação, inter-relações,
co-participações, entre o objeto de estudo e o seu contexto, bem
como entre o seu observador e a coisa observada. (MORIN, 2014).
Pois, afirma Morin (2014, p. 30), que o observador:

[...] Esforça-se não por sacrificar o todo à parte, a parte ao todo,


mas por conceber a difícil problemática da organização, em que,
como dizia Pascal, ‘é impossível conhecer as partes sem o todo,
como é impossível conhecer o todo sem conhecer particularmente
as partes’.

Sendo que, nesse movimento é relevante que os pesquisadores


– diante das dimensões físicas, biológicas, espirituais, culturais,
sociológicas e históricas da própria concepção daquilo que é humano
– desenvolvam “[...] amplamente o diálogo entre ordem, desordem
e organização, para conceber, na sua especificidade, em cada um
dos seus níveis, os fenômenos [...]”, pois se outrora a ciência reduzia
seu conhecimento apenas ao que se podia manipular, atualmente,
“[...] há que insistir fortemente na utilidade de um conhecimento
que possa servir à reflexão, meditação, discussão, incorporação por
todos, cada um no seu saber, na sua experiência, na sua vida [...]”.
(MORIN, 2014, p. 30).
Porquanto, ao introduzirmos essas reflexões sobre a tessitura
entre método e metodologia, ressaltamos que – mesmo que não
explicitado – o método deve apresentar-se no contexto da pesquisa
aplicada e definida pelo pesquisador.
Sob esse viés, destacamos que este livro, intitulado Metodologias
de pesquisa: abordagens críticas e reflexivas, apresenta múltiplos
caminhos que demonstram, clara ou implicitamente, suas escolhas
por métodos e metodologias próprias e estabelecidas, dentro da
diversidade de críticas e reflexões que coexistem no paradigma
qualitativo, proporcionando de forma criativa uma contextura que
se fundamenta na experiência histórica da pesquisa científica.
Decisivamente, finalizamos este excerto, agraciadas com os
olhares dos autores, a partir dessa tessitura, pois não só nos brindam

INTRODUÇÃO 29
com artigos e conhecimentos advindos de seus achados, assim como
com oportunidades, ou seja, possibilidades de se refletir e pensar
criticamente sobre a pesquisa acadêmica e suas especificidades no
cenário brasileiro.

Referências

AFANASIEV, V. Fundamentos da Filosofia. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1968.

FERREIRA, M. S. Para não dizer que não falei de método. In:


IBIAPINA, I.M.L. de M.; BANDEIRA, H. M. M. B. Formação de
professores na perspectiva histórico-cultural: vivências no Formar.
Teresina: EDUFPI, 2017. p. 57-78.

DESCARTES, R. Discurso do Método: meditações. Tradução de


Roberto Leal Ferreira. 2.ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. Coleção
a obra prima de cada autor – 45.

GONSALVES, E. P. Conversas sobre iniciação à pesquisa científica.


Campinas, SP: Editora Alínea, 2001.

KOPNIN, P.V. A Dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio


de janeiro: Civilização Brasileira.1978.
MARX, K.A ideologia alemã. São Paulo: Centauro, 2002.

MORIN, E.Ciência com consciência. Tradução de Maria D.


Alexandre e Maria Alice Araripe de Sampaio Dória. Ed. Revista e
modificada pelo autor. 16.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

____. Para onde vai o mundo? Tradução de Francisco Morás. 3.ed.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

____. O Método 6: Ética. Tradução de Juremir Machado da Silva.


4.ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.

30 Antonina Mendes Feitosa Soares • Wirla Risany Lima Carvalho


PAVLOV, I. Teoria do Reflexo. Moscou: Edições Progresso, 1948.

PERUJO, S. F. Pesquisar no labirinto: a tese doutorado, um desafio.


Tradução: Marcos Maecionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.
SAMPIERI, R.H; COLLADO, C.F; LUCIO, M.del P.B. Metodologia
de Pesquisa. Tradução de Daisy Vaz de Morais. Revisão Técnica de
Ana Gracinda Queluz Garcia, Dirceu Silva, MarcosJúlio. 5.ed. Porto
Alegre: Penso, 2013.

VIEIRA PINTO, A. Ciência e existência: problemas filosóficos da


pesquisa científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.

INTRODUÇÃO 31
A CONEXÃO DE SABERES:
ELABORAÇÃO CONCEITUAL E
INTERDISCIPLINARIDADE

Maria Salonilde Ferreira


AFIRSE – Seção Brasileira

O Estrangeiro: Distinto amigo, esmerar-se em separar


tudo de tudo é algo não somente discordante, como
também é prova de desconhecimento das Musas e
da filosofia.
Teeteto: Por quê?
O Estrangeiro: É a mais radical maneira de aniquilar
toda argumentação, esta de separar cada coisa de
todas as outras, pois a razão nos vem da ligação
mútua entre as figuras.
Platão

A
busca da unidade é uma questão posta desde a
antiguidade, como pode ser observado no diálogo
entre Teeteto e o Estrangeiro. Essa questão tão
antiga é ao mesmo tempo muito atual, particularmente, em se
tratando de produção de saberes. Os conhecimentos histórica
e socialmente produzidos foram se fragmentando em áreas
distintas, configurando uma visão dualista que se tornou um
paradigma ainda predominante. Essa forma como se configura o
A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO
CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
33
saber tem feito, historicamente, com que continue, na produção
do conhecimento, a separação, caracterizada pela fragmentação,
disjunção e isolamento. Cada um desses fragmentos ignora as
relações que poderão exercer entre si, assim como, as relações
com o universo do qual fazem parte.
É verdade que esforços são empreendidos no sentido de
superar essa fragmentação, em particular, as propostas relativas
à interdisciplinaridade. No entanto, observamos frequentemente
resistências em relação a se estabelecer o diálogo, e as instituições de
ensino continuam a fortalecer o modelo fragmentado das disciplinas
escolares que no entender de Morin (2004, p.5609) advém:

[...] do princípio da separação, muito bem formulado por


Descartes. No que diz respeito ao conhecimento objetivo,
ele separa as matérias umas das outras, e ele separa o objeto
conhecido do sujeito conhecedor. Ele leva ao princípio da
especialização, que adquiriu uma dimensão extraordinária pela
organização das disciplinas [...].

Na tentativa de romper com essa postura hegemônica, foi que


desenvolvemos junto a um grupo de educadores, uma experiência de
formação continuada onde reaprendêssemos, como advertia Platão,
a unidade entre as coisas.
A reflexão a seguir tem como parâmetro a investigação que se
efetivou no contexto de uma proposição curricular onde se privilegia
a elaboração conceitual e suas inter-relações entre os saberes. Deter-
nos-emos na análise da avaliação efetivada pelos professores que
vivenciaram a experiência de pesquisa e formação.

A BUSCA

Para viabilizar o que foi objetivado, elaboramos a proposta


de um curso de especialização em Educação Infantil (2007),
a fim de possibilitar a compreensão da realidade existente, o
desenvolvimento de novas concepções de conhecimento e de
ciência, à redução do processo de fragmentação das disciplinas,
assim como, à apreensão do papel da escola e particularmente do

34 Maria Salonilde Ferreira


professor nesse processo de ruptura que poderia conduzir a uma
efetiva interdisciplinaridade.
Esse desafio desencadeou a busca de adesão dos professores
da universidade responsável pelo Curso – Universidade Federal do
Piauí/UFPI. Nove (9) professores aderiram à proposta, compondo o
grupo responsável pelo a execução do curso, sendo que dentre eles
dois (2) coordenariam a pesquisa e dois (2) ficariam responsáveis
pela coordenação do Curso.
Para manter o anonimato os professores serão identificados
pelas letras iniciais do nome.
O grupo de alunos compreendia quarenta (40) professoras
de educação infantil, das redes particular e pública (estadual e
municipal).
O curso foi realizado na cidade de Parnaíba/PI na Escola X às
sextas-feiras (17h às 22h) e aos sábados (07h30min às 12h30min e
das 14h às 17h).
Constituído o grupo de professores, realizamos uma reunião
em que discutimos os objetivos da proposta e os princípios que
a orientam, destacando a pertinência de superar a tendência
programática das disciplinas e estruturarmos o currículo por áreas de
estudos organizadas em redes conceituais. Os professores aceitaram
em participar da experiência o que passou a exigir a definição de
algumas estratégias relativas à sua execução:

• Seminário para estudo e discussão do procedimento


metodológico adotado: “Metodologia da Elaboração
Conceitual”.
• Opção pelas áreas do conhecimento que compunham os
módulos constitutivos da grade curricular, conforme o quadro
a seguir.

A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO


CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
35
Quadro – 1 Grade Curricular

Módulos Áreas do Conhecimento


Fundamentos Filosóficos da educação
Fundamentos Sociológicos da educação
I
Fundamentos Psicológicos da educação
Teorias Educacionais

Processos do Conhecer
II
Pesquisa Educacional I
Seminário de Pesquisa I
Atividade Brincar
III Planejamento e Organização Escolar
Currículo e Avaliação na Educação Infantil
Pesquisa Educacional II
IV
Seminário de Pesquisa II

•  Reflexão no sentido de precisar os conceitos que comporiam


o corpus teórico do conhecimento de cada área, delimitando
os conceitos que constituiriam a rede de conhecimentos.

A proposição de nos centramos na elaboração conceitual como


elemento de integração de conhecimentos tem como referência,
entre outros, os estudos de Vigotski (2000), Kopnin (1978), Burlatski
(1987), Guetmanova (1989) e resultados de pesquisas realizadas por
alguns componentes do grupo (FERREIRA, 2009).
Os resultados desses estudos apontam indícios relativos à
natureza dos conceitos. Os seus significados formam uma rede
de conexões, pois cada conceito é uma generalização, e a relação
entre eles é uma relação de generalidade que expressa ao mesmo
tempo seu grau de abstração e sua concretude, como também
a singularidade e a particularidade, conexões sem as quais o
conceito não existiria. Isso possibilita interconexões as quais se
urdem multidimensionalmente incluindo tanto as dimensões
socioculturais e bio-psicológicas quanto às lógicas e semióticas
inerentes aos processos de produção de significados, possibilitando
sua estruturação em redes;

36 Maria Salonilde Ferreira


• Organização das redes conceituais, considerando que a
imagem produzida pelo momento icônico do conhecimento
em rede cria possibilidades de mudança de perspectiva na
configuração das ações pedagógicas no interior da escola,
particularmente, a organização do conhecimento escolarizado.

Na organização do conhecimento em redes conceituais,


a unidade do diverso se evidencia sem que tal conexão pareça
uma arbitrariedade ou uma usurpação, permitindo direcionar os
significados que os conceitos adquirem em cada área das ciências
para a progressiva elaboração, pelo aluno, do conhecimento acerca
do universo, do ser humano e das relações que este estabelece com o
mundo, como também com os seus semelhantes. Possibilita, ainda, a
apreensão do estatuto social e histórico do conhecimento produzido
por seres humanos dotados de espírito e consciência, biológica e
psicologicamente capazes de refletir sobre si mesmo, sobre o mundo,
a vida, a sociedade e o próprio conhecimento.
As metáforas que tentam dar concretude ao currículo são
múltiplas. Poderemos iniciar com a etimologia do próprio termo
“currículo”. Este advém do vocábulo latino currere – caminho, jornada,
percurso. Essas metáforas se diversificam, percorrendo um caminho
que passa pelo artefato social (GOODSON, 1997), território (SILVA,
1995) até os atratores ou caos (MACPERSON apud PACHECO,
1996).
A metáfora concretiza, contraditoriamente, objetividade e
subjetividade, uma vez que contém a variedade da realidade, assim
como a intencionalidade e as múltiplas perspectivas dessa realidade.
Esse fato torna-se mais evidente à medida que se avança na análise da
metáfora rede. Os aspectos constitutivos de sua estrutura começam
a emergir a partir do momento em que se expande, tornando-se
momento icônico de diversas áreas do conhecimento.
A história, que nos conduziu a utilizar a metáfora da rede
como elemento estrutural da proposta curricular do Curso é
longa. Envolve nossas concepções de sociedade, educação, ser
humano, conhecimento, ensino, aprendizagem, assim como a nossa
compreensão de como esses fatores se inter-relacionam. Inclui,
A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO
CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
37
também, opções teórico-metodológicas e resultados alcançados em
estudos e investigações efetivadas no interior de escolas públicas.
Para representar graficamente as redes inspiramo-nos nos
princípios indicados por Galagovisky (1993). Segundo esse autor,
cada conceito representa os nós da rede unidos por frases que
indicam a direção da leitura da rede. Essa poderá se iniciar a partir
de quaisquer conceitos (nós) da rede, com a condição de respeitar o
sentido das flechas.
Fundamentando-se nas contribuições das ciências
neuropsicológicas e do construtivismo, o autor considera, ainda,
que as redes conceituais podem ser interpretadas, ao mesmo tempo,
como análogos semânticos de um recorte de estrutura cognitiva que
simboliza nossos saberes e, como análogos semânticos dos modelos
neurônicos constitutivos físicos desses saberes. Assim, ele afirma que
as redes conceituais constituem-se uma imagem icônica dos análogos
semânticos dos modelos neurônicos, ou seja, são circuitos de orações
nucleares que codificam significados fundamentais e aprendizagens
entretecidos de acordo com as conexões que cada sujeito é capaz de
executar (GALAGOVSKI, 1993).
Apresentaremos, a título de ilustração, redes conceituais de
algumas áreas de conhecimento constitutivas da proposta curricular
do Curso.

38 Maria Salonilde Ferreira


Fonte: Pesquisa Currículo em Rede: ativando a formação crítico-reflexiva – 2006/7

A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO


CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
39
Fonte: Pesquisa Currículo em Rede: ativando a formação crítico-reflexiva – 2006/7

40 Maria Salonilde Ferreira


Fonte: Pesquisa Currículo em Rede: ativando a formação crítico reflexiva – 2006/7

A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO


CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
41
Operacionalizar o currículo exigiu que se definissem situações
de aprendizagem propícias à elaboração e internalização de conceitos
e ao desenvolvimento de funções mentais, processos e procedimentos
psíquicos peculiares à formação de conceitos.
Nessa direção, foram definidos procedimentos para a
sondagem dos conhecimentos prévios, sistematização dos conceitos
e acompanhamento do processo de elaboração conceitual, como
também da proposta curricular. Para construir a parte empírica relativa
à proposta em seu conjunto optamos pela entrevista temática com os
professores e pela aplicação de um questionário junto às alunas.
Nesse texto, ater-nos-emos ao procedimento da entrevista.
Essa abrangeu os aspectos metodológicos, a interação com as
alunas-professoras, as dificuldades e sugestões para sua superação.
Foram realizadas em grupo, no dia 25/10/2007, na Sala de Estudo
do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Piauí –
UFPI. Participaram desse momento sete (7) dos nove (9) professores
envolvidos. As falas foram registradas em fita cassete e transcritas
integralmente.
Passaremos a seguir, a refletir sobre as considerações tecidas
pelos professores.

(RE) LIGANDO CONHECIMENTOS

A imagem icônica do conhecimento em rede cria possibilidades


de mudança de perspectiva na configuração da ação pedagógica do
professor, particularmente no que diz respeito à internalização do
conhecimento escolarizado, à prática docente e à interdisciplinaridade
do conhecimento.
Fato constatado a partir da experiência vivenciada de integrar
os conhecimentos curriculares desencadeando um processo de ensino
aprendizagem cujo elemento articulador é as redes conceituais.
De um modo geral, os professores consideram a metodologia
adequada aos objetivos propostos, destacando como aspectos
relevantes, o momento de reconstrução ou (re) elaboração, a
reflexão, a motivação e a interatividade, conforme evidencia as falas
a seguir.

42 Maria Salonilde Ferreira


A metodologia de trabalho do curso foi diferenciada. Nós
trabalhamos com o processo de formação e desenvolvimento
de conceitos, começando com o conceito prévio das alunas e
posteriormente fizemos a reconstrução desse conceito com o
apoio dos textos teóricos e as discussões que foram realizadas em
sala de aula. Então, a metodologia foi muito positiva pelo próprio
depoimento das alunas. Elas acharam muito interessante a forma de
trabalho. Eu também, como professora, considero que o trabalho
foi muito válido porque analisando os conceitos (elaborados pelas
alunas) mesmo que ainda não de forma bem sistematizada, mas
fazendo uma avaliação, uma análise do que já foi produzido, a
gente percebe claramente a evolução das alunas no que se refere à
internalização do conceito [...]. (I. M.).

Essa ideia da reconstrução dos conceitos, do conceito inicial,


da teoria e do refazer acho que é uma ideia muito importante.
[...] Agora, eu acho que o essencial dessa metodologia é que ela
proporciona de uma forma muito mais precisa a passagem pela
prática porque esses conceitos iniciais muitas vezes têm essa base.
(A. P.).

Achei a proposta superinteressante. Inclusive agora, numa


disciplina que eu estou trabalhando [...] eu, antes de ir para a sala
de aula, pensei nos conceitos que eu poderia trabalhar, aí optei
por trabalhar com cartas pedagógicas para que eles pudessem
elaborar o conceito, pra eu ver o conceito prévio dos alunos e
depois voltar com outra carta pra que eles mostrem o conceito que
foi reconstruído (A. E.).

E um momento muito importante foi a questão da construção do


conhecimento prévio e o momento de reelaboração, quando elas
ficaram encantadas quando viram, depois de todas as discussões
que foram feitas, como é que elas viam, como é que era o ensino,
o que era aprendizagem. E isso, depois que foi discutido, que foi
trabalhado, que elas passaram a entender que se tratava de uma
atividade (N.).

O processo de formação e desenvolvimento de conceitos implica


a unidade entre as modalidades de conhecimento (espontâneo e
A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO
CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
43
científico) e a direção do seu movimento (ascendente/descendente e
espiralado), assim como as suas inter-relações cria as condições nas
quais se torna possível considerarmos os significados já elaborados
pelos alunos e a partir dos quais se iniciar o processo de reelaboração.
É Vigotski que nos dá o apoio teórico quando afirma:

Acreditamos que os dois processos – o desenvolvimento dos


conceitos espontâneos e dos conceitos não espontâneos – se
relacionam e se influenciam constantemente. Fazem parte de um
único processo: o desenvolvimento da formação de conceitos,
que é afetado por diferentes condições externas e internas, mas
que é essencialmente um processo unitário, e não um conflito
entre formas de intelecção antagônicas e mutuamente exclusivas.
(VYGOTSKY, 1987, p. 74).

A compreensão dessa unidade e da sua mútua influência,


como também, a relevância dada ao processo faz com que o aluno
se descubra como ser capaz de produzir conhecimentos, criando
uma das condições internas essenciais para aprender – a motivação
–, desvelando, desse modo, os vínculos entre cognição e afetividade.
Como Vigotski (1987) demonstra, em toda ideia reelaborada está
presente a relação afetiva do homem perante a realidade representada
nessa ideia. Assim, torna-se compreensível o destaque dos professores
ao fator motivacional.

É. A participação foi bastante motivadora, elas se sentiram


motivadas para dizer (inaudível) comparar os conceitos com outros
conceitos e os seus próprios conceitos. Eu acho isso aí o mais
importante, foi a comparação que elas fizeram entre o conceito
que elas emitiram no início e depois no processo de reelaboração.
(I. M.).
Quero destacar também o interesse das alunas. Elas se mostravam
muito interessadas, questionando, procurando esclarecimentos
e isso é um fator que eu considero bastante positivo para uma
metodologia que é a primeira vez que está sendo experimentada
no ensino superior [...] e que, pelos depoimentos, tudo indica que
funciona. (M. S.).

44 Maria Salonilde Ferreira


Só complementando. É a questão do interesse do grupo em relação
ao desenvolvimento das atividades, porque mesmo chegando
cansadinhas, elas tinham sempre aquela preocupação de já ter
feito a leitura do texto, essa coisa toda. (N.).

No que se refere à interação em sala de aula e de sua relação com


o aprender, ela é resultante das peculiaridades da própria abordagem
metodológica que propicia a integração dos conhecimentos pela
unidade epistemológica dos significados conceituais, cuja extensão
permite que a interdisciplinaridade se efetive sem artifícios externos.
Perpassa essa proposta a concepção de aprendizagem como
atividade do sujeito que aprende mediado pelo outro, instrumentos
e símbolos.
Como afirma Luria (1994, p. 17):

A solução de tarefas construtivas é uma das formas de atividade


intelectual do homem. A forma segunda e consideravelmente mais
elevada é o pensamento verbal ou lógico verbal, através do qual
o homem, baseando-se nos códigos da língua, está em condições
de ultrapassar os limites da percepção sensorial imediata do
mundo exterior, refletir conexões e relações complexas, formar
conceitos, fazer conclusões e resolver complexas tarefas teóricas.

Desse modo, o processo interativo desencadeado teve um papel


singular como evidencia a fala dos professores.

Nesse processo as alunas participaram bastante tanto no momento


em que elas (inaudível) dos conhecimentos prévios fazendo as
colocações iniciais e interagindo na sala de aula, na troca desses
significados. No momento da reconstrução também, o apoio
dos textos ajudou muito no processo de reflexão e no processo
de reelaboração do conceito [...]. Aquelas que participaram do
processo de colaboração tiveram com certeza mais possibilidades
e seus conceitos reelaborados tiveram os atributos de forma mais
sistematizada. Aquelas que fizeram de forma solitária, isoladas
porque não estavam participando das interações tiveram uma
dificuldade maior do que aquelas que estavam no processo de sala
de aula interagindo com as colegas. (I.M.).

A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO


CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
45
Claro que as discussões em sala de aula são muito ricas, são
valiosas porque você está trocando ideias, você está discutindo as
suas dúvidas, colocando a sua opinião. (A. E.).

E também com relação à reconstrução dos conceitos, a exemplo


também dos outros professores, a gente cita a questão do trabalho
solitário, do estudo solitário. Quando a gente vai fazer uma
avaliação dessa reconstrução dos conceitos e se for comparar com
a lista de presença, a gente percebe que na hora de reconstruir
aquelas pessoas que não participaram das discussões coletivas,
realmente, elas têm uma dificuldade maior para alcançar o nível de
elaboração de conceitos mais evoluído. (O.)

Como já foi destacado, aquelas alunas que não participavam das


discussões, elas tiveram mais dificuldades na reelaboração dos
conceitos. (M. S.).

Isso torna, ainda, evidente que a passagem dos conceitos


espontâneos aos científicos, assim como o desenvolvimento das
capacidades que conduzem ao processo de elaborar conhecimentos
identificados e adequados à realidade não ocorrem de modo
espontâneo. Esse processo requer uma ação sistemática, consciente
e voluntária daqueles que nele estão implicados.
Os fatores apontados como aqueles que dificultaram ou se
constituíram entraves para o processo se desenrolar a contento estão
associados aos elementos funcionais do curso, como por exemplo,
o horário das aulas (noite, manhã e tarde); as alunas-professoras
não serem liberadas das suas atividades na sexta-feira à tarde, vindo
diretamente do trabalho para a sala de aula, algumas alunas, por
circunstâncias alheias a sua vontade, tinham que faltar às aulas
ou chegarem com um retardo considerável. Isso, no entender dos
professores, de certa forma, prejudicou a aprendizagem dessas
alunas, como fica evidenciado nos depoimentos a seguir.

46 Maria Salonilde Ferreira


A única desvantagem foi a falta de algumas alunas na sala de aula.
Isso atrapalhou o processo de reelaboração. Elas não estavam
presentes no momento da discussão dos conhecimentos prévios e
na interação, na troca de conhecimentos com as colegas. Então,
algumas que faltaram as atividades tiveram que fazer esse processo
solitário. É, ai eu considero a metodologia no sentido que a gente
tem que permitir que os alunos façam, mas, quando eles fazem
sozinhos, elaboram sozinhos, eles perdem a oportunidade da
interação com os colegas e do aprendizado em colaboração (I. M.).

[...] muitas vezes no horário da noite a aluna já chegava (inaudível)


do dia intensivo que ela teve de trabalho. Aí, bom, ela não tinha
nem tempo de se recuperar porque no dia seguinte intensivamente
(inaudível), aí, às vezes não conseguia certo ritmo; o ritmo era de
certa forma meio lento por causa do modo como a gente teve que
funcionar, eu acho que esse foi um dos entraves do trabalho que a
gente fez. (A. P.).

[...] o que a gente percebeu ao longo do trabalho foi exatamente


a questão da intensidade das atividades que foram desenvolvidas.
Esse foi um ponto que prejudicou um pouco a forma de trabalhar.
(O.).

Por conta do tempo e das atribuições que as alunas tinham, em


toda disciplina teve problemas em relação à chegada do pessoal,
principalmente na sexta-feira que a gente começava sempre com
um atraso bem considerável porque elas vinham dos seus trabalhos.
(N.).

As dificuldades são semelhantes as dos outros professores. A


questão do tempo, das professoras-alunas passarem o dia todo
trabalhando e chegarem com certo atraso, algumas alunas,
por contingências diversas, tiveram que faltar. Então isso gerou
dificuldades, principalmente na reconstrução, na reelaboração dos
conceitos. (M. S.).

A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO


CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
47
Face às dificuldades geradas, particularmente, pelo modo
como foi estruturado o funcionamento do curso, foi sugerido que
se pensasse uma estratégia de funcionamento que não implicasse
desgaste nem trabalho excessivo por parte dos professores nem dos
alunos, havendo, desse modo, maior aproveitamento, rentabilidade
e sucesso na aprendizagem.
Apesar dos impasses advindos dessa situação, trabalhar com o
processo de elaboração conceitual a partir da estruturação das redes
conceituais foi o fator que permitiu as alunas irem gradativamente
superando as dificuldades, à medida que ia desenvolvendo os processos
e procedimentos psíquicos inerentes à atividade cognoscitiva de
conceituar, uma vez que essas redes se articulam pela unidade interna
configurada no próprio conceito, sem que a interdisciplinaridade pela
integração entre os conhecimentos seja arbitrária nem usurpadora,
como foi evidenciado pela professora A. E.

E na realidade foi uma experiência extremamente interessante,


porque, quando cheguei à sala de aula, começando a desenvolver
o trabalho, eu percebi que eu ia poder aprender com as alunas,
porque elas estavam tão empenhadas na metodologia que elas
estavam sabendo que passos seguir, como fazer [...].

Portanto, a elaboração conceitual envolve processos de


construção desconstrução e reconstrução de conhecimentos e de sua
organização em patamares mais amplos e complexos, possibilitando
o desenvolvimento, dentre outras funções, da capacidade de pensar
teoricamente e de generalizar aprendizagens. No entanto, a sua
efetivação exige determinadas condições sem as quais não se realizará
a contento.

VIABILIDADE DA INTERDISCIPLINARIDADE

Fundamentada não só nessa investigação, mas também


em outros estudos e pesquisas, tendo como objeto o processo de
elaboração conceitual em situações formais de ensino-aprendizagem,
com vista também à interdisciplinaridade mediada por esse processo,
podemos, entre outras condições, destacar:

48 Maria Salonilde Ferreira


•  Criar nos sistemas de educação formal (infantil, fundamental,
médio e superior) espaços de reflexão que provoque a ruptura,
por um lado, com a concepção fragmentária, disjuntiva e
isolada do universo, da vida, da humanidade, da sociedade,
do conhecimento e, por outro lado, com o modo linear e
mecanicista de pensar, a partir do entendimento das conexões
que produzem a unidade sem a perda das identidades; da
cognição como processo da vida, abrangendo das sensações
ao pensamento, das emoções à consciência e comportamentos
e mudanças de nosso foco conceitual, incluindo fenômenos
e relações, algo que implica a expansão de nosso arcabouço
filosófico e científico;
•  Operacionalizar currículos escolares que conduzam o aluno
à apropriação do conhecimento como elemento de mediação
do desenvolvimento de capacidades e formação de atitudes.
Currículos cujos conteúdos sejam programados de forma
integrada, pois as descobertas no campo das neurociências
e da cognição, entre outras, têm demonstrado que os vários
sistemas que constituem nosso corpo e nossa mente funcionam
de forma conectada numa única rede. A visão fragmentária
que permeia nossos sistemas educacionais vai de encontro a
nossa própria natureza. Como esclarece Capra (2006, p.223):
“[...] a cognição é um fenômeno que se expande por todo
organismo, operando por intermédio de uma intrincada rede
de peptídios que integra nossas atividades mentais, emocionais
e biológicas”.
•  Dominar o significado dos conceitos científicos centrais que
compõem o corpus de conhecimento das áreas que integram
o currículo escolar, pela qual o professor é responsável, dos
nexos e relações entre esses conceitos e destes com aqueles das
outras áreas, assim como, de conceitos mais gerais, como por
exemplo, cultura, sociedade, desenvolvimento, ser humano,
ensino aprendizagem e outros;
• Conhecer os processos biopsíquicos e sociais implicados
na atividade de ensinar e aprender e as inter-relações entre
aprendizado e desenvolvimento. Vygotsky, (1978, p. 74) chama
A CONEXÃO DE SABERES: ELABORAÇÃO
CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
49
a atenção para esse aspecto ao afirmar que “a aprendizagem
é uma das principais fontes de conceitos da criança em
idade escolar, e é também uma poderosa força que direciona
seu desenvolvimento, determinando o destino de todo seu
desenvolvimento mental”.
•  Desenvolver procedimentos pedagógicos propícios à
elaboração e internalização de conhecimentos, a formação de
atitudes, de valores e ao desenvolvimento de funções mentais,
processos e procedimentos psíquicos, habilidades intelectuais
e sociais;
•  Planejar de forma consciente e sistemática o processo que se
efetiva nas várias instâncias de educação escolarizada;
•  Propiciar estratégias de formação continuada, tendo como
ponto de partida as necessidades formativas do professor,
buscando a compreensão da unidade dialética entre teoria
e prática com enfoque na reflexão crítica colaborativa como
elemento de mediação. Há uma multiplicidade de estudos
centrados nessa questão apontando esses fatores como
indispensáveis a formação e construção da docência enquanto
profissão.
Os aspectos, por nós, destacados nos conduzem a questionar
até que ponto as políticas públicas de formação visam propiciar ao
educador competência para mediar à ação educativa face às exigências
da atualidade, ao atual perfil traçado para esse profissional e o que
é proposto, nos últimos anos, como princípios norteadores de sua
formação.
Há forças sociais significativas que exijam um sistema educativo
mais eficaz?
As instituições formativas estão empenhadas em desencadear
processos de formação que atendam aos princípios propostos ou
esses não passam de “boas intenções” e meros discursos?
Quem realmente se preocupa com o fato de que o sistema
educativo cumpra as suas promessas?
Apesar das respostas a essas questões serem, em sua maioria,
de ordem negativa e que se justifique que o sistema não tem interesse

50 Maria Salonilde Ferreira


em formar professores do mais alto nível porque o seu objetivo real
é aumentar a eficácia do sistema sem aumentar os custos, teme que
professores crítico-reflexivo sejam contestadores ou interlocutores
incômodos; que tenham consciência da falta de unanimidade em
relação ao atual paradigma de profissionalização e seus corolários
(status, renda, nível de formação, postura crítico-reflexiva e
colaborativa, mobilização coletiva, gestão democrática) isso não é
motivo para renunciarmos e nos acomodarmos ao status quo.
Concordamos com Perrenoud (2002, p. 194) quando nos adverte:
“Embora tenha poucas chances de se realizar de forma integral, a curto
ou médio prazo, ele pode contribuir na orientação das reformas da
formação inicial e contínua no sentido de preparar para o futuro”.
Como o amanhã se faz agora, urge, no nosso entender,
mobilizar todos os meios disponíveis para que ocorram processos de
efetiva profissionalização dos educadores, uma vez que os estudos
e as experiências realizadas nessa direção demonstram não só a sua
validade, mas muito mais a sua viabilidade.

Referências

BURLATSKI, Fédor Fundamentos da Filosofia Marxista-Leninista


Trado: Asryants K. Moscovo: Edições Progresso, 1987.

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica


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editora Cultrix, 2006.

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para o ensino-aprendizagem de conceitos. Brasília: Liberlivro, 2009.

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implicaciones para el processo de enseñanza-aprendizaje de las ciencias.
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GOODSON, Ivor F. A Construção Social do Currículo. Trado: Maria


João Carvalho. Lisboa: Educa, 1997.
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CONCEITUAL E INTERDISCIPLINARIDADE
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Bezerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.

MORIN, Edgar. (Org.) A Religação dos Saberes: o desafio do século


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PERRENOUD, Philippe. A Prática Reflexiva no Oficio de Professor:


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Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

___________. A Construção do Pensamento e da Linguagem. Trado:


Paulo Bezerra. São Paulo. 2000.

52 Maria Salonilde Ferreira


A ENTREVISTA COMPREENSIVA E
ABORDAGEM MULTIRREFERENCIAL,
FUNDAMENTOS QUE NORTEIAM A PESQUISA
COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS,
BIOLOGIA, MATEMÁTICA E PEDAGOGIA

Ana Lúcia Andruchak - UFRN


Adir Luiz Ferreira - UFRN

C
omo orientação epistemológica buscamos embasamento
na perspectiva da multirreferencialidadade, para
compreender a complexidade, pluralidade e
heterogeneidade dos fenômenos sociais, complementando esse
olhar a partir de novas perspectivas teóricas, promovendo uma
aproximação mais sensível do pesquisador com os sujeitos, permitindo
momentos reflexivos sobre os sentidos formativos atribuídos por
estudantes das licenciaturas em Letras, Biologia, Matemática e
Pedagogia, da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT,
sobre seu processo de socialização e de aprendizagem, envolvidos na
construção da identidade docente.
Essa abordagem multirreferencial foi desenvolvida por Jacques
Ardoino, professor da Universidade de Vincennes (Paris VIII), com
objetivo de contribuir para a compreensão dos fenômenos sociais,
centrando no âmbito da educação, com enfoque epistemológico que
A ENTREVISTA COMPREENSIVA E ABORDAGEM MULTIRREFERENCIAL, FUNDAMENTOS
QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 53
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
aproxima do reconhecimento da complexidade e da heterogeneidade
que caracterizam as práticas sociais. Segundo Ardoino, em meados
de 1966/1967, surgem as primeiras noções da compreensão de
representações complexas em contextos educativos, aproximando
a necessidade de explicar o latente, de compreender as entrelinhas,
de embrenhar-se entre as práticas sociais e a educação. (MARTINS,
2004, p.03).
Os estudos sobre as ciências da educação têm mostrado que
o uso de teorias isoladas, não alcança a complexidade das práticas
educativas e a abordagem multirreferencial, propõe contribuir para
a construção de um olhar mais plural sobre os objetos em estudo
presentes no universo, considerando a heterogeneidade presente
na prática social, reunindo várias correntes teóricas. Sua origem
está associada à necessidade de ser evidenciada a importância
das pesquisas que se propõem interrogar as práticas sem se eximir
do compromisso ético científico, se apresentando como uma
nova perspectiva epistemológica no processo de construção do
conhecimento sobre os fenômenos sociais especialmente relacionados
à educação. (ARDOINO, 1998, p.24).
Entendemos que essa abordagem nos ofereceu elementos
fundamentais para aproximar o objeto em estudo, considerando
que os licenciandos falam de seu processo formativo, sua trajetória
escolar e a construção de imagens e representações que influenciam
o processo de constituição identitária à docência, lugar que é ao
mesmo tempo histórico e social e encontram-se em permanente
movimento. Nos apropriamos desse espaço investigativo, tomando-o
como fio condutor para alicerçar a pesquisa, compreendendo que
estaria contribuindo para o entendimento das relações sociais, de
suas linguagens e de seus sentidos, impedindo a realização de análises
reducionistas.
Essa abordagem nos permite compreender que as questões
teóricas abordadas e as práticas pesquisadas a partir das experiências
e representações apresentadas pelos licenciandos, são analisados
a partir de um conjunto de variáveis, tão distintas que podem ter
conexões com temporalidades que a princípio não teriam relações,
evidenciando que a complexidade presente no objeto envolve um
Ana Lúcia Andruchak • Adir Luiz Ferreira
54
holismo global, permitindo compreender a heterogeneidade dos
fenômenos. Deste modo, entendemos que a complexidade não é
própria de alguns objetos de estudo, ela está imbricada no objeto e a
abordagem multirreferencial se propõe ler os fenômenos, a partir de
múltiplas leituras e múltiplas metodologias.
Ao compreender que a realidade está prenhe de perspectivas,
como pontos de vista sobre a realidade, diversidade de ângulos e
óticas, a multirreferencialidade nos oportuniza “dar amplo lugar a uma
relatividade com referência às condições de apreensão e de produção
do objeto”. (Ardoino, 1998, p. 39). Portanto essa abordagem se revela
realista e relativista, contribuindo para analisarmos a inteligibilidade
da realidade investigada, direcionando o olhar para os sentidos
subjetivos que os estudantes das licenciaturas atribuem ao processo
formativo e a sua construção identitária docente.
Esta forma de análise tem se revelado útil para estudos
no campo da formação docente, pela praxiologia presente nas
ciências da educação, sendo uma importante aliada para o estudo
que ora desenvolvemos. No entanto, segundo Ardoino (1998), a
multirreferencialidade não se propõe fazer leituras justapostas de
pontos de vista, seu objetivo é possibilitar questionar a natureza
e o processo de construção dos objetos em estudo, a partir da
pluralidade de olhares e de linguagens, sem comprometer-se em
buscar “respostas” à complexidade evidenciada. A perspectiva
epistemológica positivista, marcada pelo pensamento cartesiano
ocidental, apresenta uma concepção da realidade estável e qualquer
mudança que se apresente é descartada. Esse pensamento se
caracteriza pela supervalorização de um método único e desprezo
pela teoria e interpretação, pela separação excludente entre sujeito
(pesquisador) e objeto de estudo, pelo entendimento em que
subjetividade e a afetividade são consideradas fontes de erro, pela
defesa da neutralidade e imparcialidade científica. Para embasar esse
pensamento, a abordagem positivista, busca sustentação na defesa
de leis da natureza imutáveis, que embasam os métodos defendidos
como válidos cientificamente. Seguindo essa lógica, a complexidade
seria apenas ilusão, pois a realidade encontra-se organizada por leis
que determinam fenômenos físicos, biológicos e sociais e descrevê-
A ENTREVISTA COMPREENSIVA E ABORDAGEM MULTIRREFERENCIAL, FUNDAMENTOS
QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 55
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
la só é possível pelo uso de métodos controlados pela comunidade
científica. (MARTINS, 2004, p.86).
A adoção da abordagem multirreferencial emerge da necessidade
de responder ao caráter extremamente complexo da prática social e
das práticas educativas que se revelam no meio educacional e são
difíceis de compreender. A base dessa epistemologia reconhece o
caráter plural dos fenômenos sociais defendendo a necessidade de
um olhar multifacetado que contribua para direcionar a construção
de um sistema explicativo para tais práticas. Essa compreensão
é defendida muito mais como concepção epistemológica do que
necessidade metodológica. (ARDOINO apud MARTINS, 2004, p.88).
Considerando esse caráter plural dos fenômenos sociais e buscando
esse olhar multifacetado é que nos propomos analisar as falas dos
licenciandos, com o objetivo de compreender os sentidos atribuídos
por eles a seu processo de construção das aprendizagens docentes,
pondo em evidência as relações estabelecidas para a construção de
suas identidades docentes.
Martins (2004, p. 89), nos chama atenção para os propósitos
educacionais numa perspectiva macro que circunda a “formação
integral do educando”. Segundo ele está aí implícita uma formação
única, igual a todos e para todos. Ou seja, um processo de ensino inteiro
promovendo um mesmo resultado, passando a ideia a educadores e
educandos de dever cumprido, mas indo muito além, formando uma
humanidade de “robôs” e “robotizando” todo o sistema educativo
regular com as eternas repetições. Nessa perspectiva, entendemos
que os sentidos dados pelos sujeitos a sua formação, as condições
institucionais e as relações construídas no âmbito da universidade e das
escolas em que eles desenvolvem suas práticas formativas, são fontes
de informação que estarão oportunizando evidenciar em que medida
esse pensamento mecanicista está presente e que consequências eles
produzem na construção da identidade profissional docente.
A compreensão de um universo educacional regular, se modifica
sob o prisma da complexidade. Para entender melhor essa mudança,
é necessária sua fundamentação, a partir de pensadores que se
dedicam a explicá-la, como Ardoino e Morin. Para estes autores,
quando não compreendemos algo afirmamos que é complexo.
Ana Lúcia Andruchak • Adir Luiz Ferreira
56
Esse termo é carregado de incertezas que geram um sentimento de
impotência para compreender os fenômenos que se apresentam. Para
Martins, (2004, p. 89), a busca pela compreensão do pensamento
complexo em Morin, passa pelo respeito a realidade multidimensional
ou multirreferencial no olhar de Ardoino (1998), em oposição a
compreensão da realidade dimensional cartesiana. Passa também
pela compreensão de que o pensamento positivista e cartesiano,
não dá conta de explicar a realidade. Nem a complexidade em si
apresenta inteligibilidade para explicar os fenômenos, ela aponta
na possibilidade da construção de uma racionalidade estratégica
construída pelo pesquisador ao envolver-se com o seu objeto de
estudo.
Segundo Martins (2004, p. 90), Ardoino entende a educação
“como uma função global, que atravessa o conjunto dos campos das
ciências do homem e da sociedade” e reconhece a complexidade dos
fenômenos educativos, exigindo uma epistemologia que o sustente
para além do patente, perpassando pelo espírito investigativo e
pelo olhar holístico sobre a realidade. Nesse sentido a perspectiva
multirreferencial permite a aproximação de um universo dialético
em permanente construção, em que se insere a produção do
conhecimento.
Compreender a necessidade de um olhar multirreferencial é
superar o olhar linear “e privilegiar o heterogêneo, como ponto de
partida para a construção do conhecimento”. Para Morin (1996),
a estruturação do conhecimento científico, a partir do paradigma
da complexidade, comporta diferenças e contradições defendidas
por Ardoino (1998), ao considerar a pluralidade como princípio
da multirreferencilidade. No entanto, para dar conta de explicar os
fenômenos é necessário o uso articulado de múltiplas linguagens
promovendo seu imbricamento, produzindo um “conhecimento
bricolado”, articulado sem homogeneizá-lo (MARTINS, 2004, p. 91).
Em oposição ao pensamento complexo Morin (1996, p. 100),
nos alerta para a visão do mundo ordenado onde “A visão não
complexa das ciências humanas, das ciências sociais, implica pensar
que existe uma realidade econômica, por um lado, uma realidade
psicológica, por outro, uma realidade demográfica, mais além
A ENTREVISTA COMPREENSIVA E ABORDAGEM MULTIRREFERENCIAL, FUNDAMENTOS
QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 57
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
etc.” Esse pensamento representa a realidade sob uma perspectiva
“[...] mas esquecemos que, no econômico, por exemplo, estão as
necessidades e os desejos humanos. Por trás do dinheiro, existe
todo um mundo de paixões.” Ou seja, ao tomar consciência da
complexidade da realidade a pesquisa “[...] nos faz compreender que
não poderemos escapar jamais à incerteza e que é impossível ter um
saber total: porque ‘a totalidade é a não verdade’. ” (Martin, 2004,
p. 92). Para Ardoino (1995, p.9) análise multirreferencial não tem
a intensão de exaurir o fenômeno estudado, tomando por base sua
epistemologia, o que está posto é a compreensão dos fenômenos a
partir da perspectiva de sua dinamicidade.
Ampliando esse referencial teórico, tendo como perspectiva
uma abordagem que dê sustentação para o processo de desvelamento
do objeto em estudo e ao mesmo tempo nos dê autonomia para
articular os instrumentos de coleta de dados, às necessidades de
cada momento da pesquisa, nos embasamos na abordagem da
metodologia da Entrevista Compreensiva “situada em um plano
epistemológico de base nitidamente etnográfica” (SILVA, 2012, p.
01). Esse referencial oportuniza a construção do objeto de estudo,
ao mesmo tempo em que as hipóteses são levantadas junto ao
campo da pesquisa, apresentando-se como uma nova forma de
percorrer o caminho investigativo, situação análoga ao poeta que
constrói sua poesia ao mesmo tempo que a vive. Assim a pesquisa
sob essa abordagem, adquire dinâmica própria ao enfatizar os
valores explicitados pelos sujeitos sobre o real, através de suas vozes,
pois estes “são mediadores para a compreensão da ação social”.
Desta forma, enquanto pesquisadora cabe a tarefa desafiadora de
interpretar os sentidos dados pelos licenciados sobre seu processo
de construção da aprendizagem e a constituição de identidades
docentes, considerando que suas palavras serão tomadas como guia
do real.
Segundo seu idealizador, Kaufmann (2000, apud SILVA, 2012,
p.01), “a entrevista compreensiva se constitui como uma metodologia
específica”, em que o pesquisador é um artesão que busca
compreender o todo sem seguir uma norma rígida. É autoconstruída
a partir do processo de bricolagem, ou seja, ao mesmo tempo em
Ana Lúcia Andruchak • Adir Luiz Ferreira
58
que se definem os caminhos da pesquisa é estruturado o caminhar,
permitindo construir-se no processo de produção, que é ao mesmo
tempo artesanal sem deixar de ser científico. (KAUFMANN, 2013, p.
07). Compreendemos então que essa abordagem não é uma técnica
e sim um método de pesquisa que propõe produzir ciência a partir
dos dados, tendo o campo empírico como núcleo central, passando
a ter status prioritário no campo da pesquisa social. Essa abordagem
propõe desconstruir relações hierárquicas durante o processo
de pesquisa, priorizando relações dialógicas entre pesquisado
e pesquisador, promovendo uma aproximação que pretende ir
além da relação superficial, estabelecendo relações de confiança
que permitam o desvelamento reflexivo da realidade investigada.
(KAUFMANN, 2013, p. 08).
Pela aproximação do objeto em estudo, enquanto docente na
instituição pesquisada, tendo conhecimento da estrutura dos cursos
de licenciatura envolvidos no estudo e uma proximidade com os
atuais professores dos sujeitos, assim como um envolvimento com
os próprios licenciandos, na condição de ex-alunos, percebemos que
a relação superficial entre pesquisador e pesquisado foi minimizada.
Percebemos também que o próprio objeto em estudo é foi um fator
instigante que aproximou o envolvimento dos licenciandos, uma vez
que esta foi para eles uma importante oportunidade de falar sobre
o processo de formação que estão submetidos, pondo a mostra as
relações construídas e os sentidos dados por eles a própria formação.
Entendemos então, que nosso olhar atento sobre o sentido dado
pelos sujeitos ao seu processo formativo, a partir das experiências
e representações oriundas do processo de socialização acadêmica e
de aprendizagem profissional, sendo assumidas como constituintes
da construção de suas identidades docentes, é uma forma de
concretizar o real por eles vivido, sendo possível a partir do olhar em
profundidade sobre os dados, buscar elementos que aproximem à
centralidade do ambiente em que o estudo se desenvolve, sem deixar
de considerar as especificidades do objeto. (Kaufmann, 2013, p.
09).
Para Wright Mills e Kaufmann, o pesquisador é compreendido
como um “artesão intelectual” que constrói suas ferramentas
A ENTREVISTA COMPREENSIVA E ABORDAGEM MULTIRREFERENCIAL, FUNDAMENTOS
QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 59
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
bem como os procedimentos para coleta dos dados, ou seja, cria
sua teoria, sob um olhar dinâmico e construtivista. Segundo estes
autores, seguindo o pensamento de Norbert Elias (1980), em sua
obra Introdução Sociológica, essa abordagem opõe-se ao tecnicismo
burocratizante de pesquisas científicas, que reproduzem técnicas e
empobrecem o debate teórico e o olhar sociológico. (Kaufmann,
2013, p. 9-10). Essa dinâmica investigativa nos permite sentir mais
liberdade e ao mesmo tempo maior responsabilidade, assegurando
rigor para construir o caminho a ser percorrido e estruturar os
instrumentos de coleta de dados. Liberdade que se traduz numa
maior identidade com a pesquisa que vai sendo construída, sentido
maior autonomia para entrelaçar o referencial teórico e construir
os instrumentos que permitem ler a realidade ora investigada.
Responsabilidade por, ao mesmo tempo ser condutora e construtora
do percurso investigado que inevitavelmente produz em nós sensações
de angústia quando perdemos o fio condutor ou desconstruímos
nossas crenças, pelas incertezas que um processo de pesquisa em
construção produz, associadas a sentimentos prazerosos quando
conseguimos ler a realidade indo muito além do patente, ao perceber
que compreendemos as entrelinhas e conseguimos elementos teórico
metodológicos que nos permitem alinhavar a trajetória investigada,
ao mesmo tempo em que nos modificamos enquanto pesquisadora.
Essa abordagem teórica tornou-se ao mesmo tempo atraente
e desafiadora, pois nos incentivou desenvolver estratégias de
aproximação com os sujeitos sem perder as diretrizes da pesquisa.
O encantamento dessa abordagem teórica está em promover a
criatividade científica exercitando o olhar social particular sobre micro
contextos. (KAUFMANN, 2013, p. 13). Permite ao mesmo tempo uma
reflexão desafiadora sobre o modo de se fazer pesquisa de construir
os registros. Em geral há uma busca teórica pela comprovação de
hipóteses, no entanto, os atores sociais podem revelar fenômenos
exclusivos que permitem construir a teoria, desta forma os fatos se
tornam o ponto de partida para a problematização teórica, como
fazem os antropólogos.
Essa metodologia não está centrada apenas no momento da
realização da entrevista, nos direciona para a preocupação com o
Ana Lúcia Andruchak • Adir Luiz Ferreira
60
ambiente investigativo e a liberdade de contato com os sujeitos, o que
nos permitiu estabelecer tantos contatos quantos foram necessários,
para assegurar a aproximação dos sujeitos e os momentos de
reflexões sobre o estudo. Foi possível quebrar a rigidez da relação
entre pesquisador e sujeitos, a partir das conversas, sem seguir o rigor
de uma listagem de perguntas, mas sem deixar de explorar um roteiro
guia que nos oportunizou seguir as lógicas projetadas, possibilitando
apreender o real vivido em torno das falas. Os sujeitos conseguiram
se soltar, percebendo a importância de suas contribuições,
desenvolveram importantes reflexões acerca de sua trajetória escolar,
rememorando passagens importantes que marcaram a construção
de imagens significativas sobre a docência. Estabeleceram relações
reflexivas sobre a realidade social por eles vivida entre seus familiares,
nas comunidades em que habitaram, perpassando por todo o processo
de formação em que foram submetidos. As conversas permitiram que
os sujeitos construíssem relações entre a trajetória escolar, anterior a
entrada nos cursos de licenciatura, suas escolhas profissionais e as
influências das imagens e representações, construídas socialmente
sobre a docência, marcando o momento de formação vivido e as
expectativas profissionais futuras.
Para este momento do contato com os sujeitos, seguimos as
orientações de Kaufmann (2013, p. 14), que incentiva a criação de
um modo próprio de envolvimento, que vá além da relação pergunta/
resposta, considerando toda ambiência que envolve a pesquisa e que
seja relevante para a produção dos dados, assegurando condições
agradáveis no momento da coleta dos dados, para ser também
tranquila a produção científica. Entendemos então, que ao seguir
essa abordagem metodológica, nos aproximamos dos licenciandos,
oportunizando liberdade para envolve-los, dando maior naturalidade
a pesquisa pela sua flexibilidade, potencializando a reflexividade
dos sujeitos sobre o sentido dado por eles ao processo formativo
que estão submetidos, contribuindo para a construção de uma a
sociologia compreensiva centrada no indivíduo, aproximando do
pensamento de Weber e Norbert Elias. (KAUFMANN, 2013, p. 17).
Percebemos que essa abordagem é proposta a partir de uma
perspectiva simples do ponto de vista de sua realização, no entanto,
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QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 61
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
exige feeling do pesquisador para aproveitar bem as oportunidades
empenhando-se em dar, segundo Kaufmann (2013, p. 19) “voz aos
sujeitos que falam a voz da sociedade, quando pensam expressar
unicamente a si mesmos. ” Tivemos então a oportunidade de captar
os fatos a partir de questões construídas previamente, com o objetivo
de envolver os licenciandos nessa “conversa reflexiva”, que foi
conduzida com tranquilidade e perspicácia investigativa, tendo ciente
da importância deste momento como a base fundamental do estudo.
Para organizar o momento das entrevistas, essa abordagem se baseia
na orientação técnica de pesquisa advinda da abordagem qualitativa,
com orientação etnográfica, tendo a entrevista semidiretiva como
suporte, pois é centrado no gravador o registro do dado, tendo como
principal princípio a “formalização de um conhecimento pessoal
advindo do trabalho de campo”. (KAUFMANN, 2013, p. 27 - 28).
Desta forma, podemos perceber que essa abordagem se
apresenta com uma perspectiva de superação do tecnicismo
especializado que engessa a pesquisa, valorizando a criatividade
científica e a personalização do método, dos instrumentos e da
teoria resultante deste processo, seguindo o pensamento de Wright
Mills (1959) e Norbert Elias (1991), sendo enaltecidos por Kaufmann
(2013, p. 33). Compreendemos então que esta não é uma simples
entrevista, que segue um roteiro de questões padronizadas, que
podem ser aplicadas a qualquer sujeito por qualquer pesquisador,
ela tem características de originalidade, pois se permite um olhar
centrado para o objeto, e exige uma “escuta atenta” para as reflexões
que o pesquisador cuidadosamente elabora, com o intuito de envolver
o pesquisado, não sendo necessário ser aplicada da mesma forma a
cada sujeito entrevistado, considerando a heterogeneidade do olhar
do sujeitos.
Kaufmann (2013), chama atenção para o perigo de acreditar ser
possível realizar uma análise em profundidade tendo a compreensão
total do objeto. É importante compreender que a complexidade
que revela o dado é infinita. Ou seja, sempre que for realizada uma
interpretação de dados haverá uma redução, muito embora é preciso
ter ciência de que a entrevista revela complexidades irredutíveis. Para
tanto, os instrumentos de coleta de dados são importantes, mas a
Ana Lúcia Andruchak • Adir Luiz Ferreira
62
centralidade da produção científica está na análise e interpretação
dos dados, ou seja, no processo de construção do objeto em estudo,
“o objeto é aquilo que consegue se separar do conhecimento
comum e da percepção subjetiva do sujeito graças a procedimentos
científicos de objetivação”. (KAUFMANN, 2013, p. 42). Segundo
Norbert Elias (1993 apud Kaufmann 2013), essa separação que
origina o conhecimento científico, passa pelo distanciamento do
conhecimento espontâneo e depende da forma como os problemas
são explorados.
Para diferenciar a construção do objeto na perspectiva
formalista e na perspectiva da entrevista compreensiva, embasada
na indução analítica, Kaufmann (2013, p. 44), se refere a Bourdieu
(1993) e Becker (2006). A primeira parte da elaboração da
hipótese, fundamentada em teoria consolidada é acompanhada
de formas de verificação, a segunda inverte as fases de construção
do objeto tomando o momento de recolha dos dados, não mais
como evento que busca comprovar a teoria, mas como momento
de sua construção. Assim, o objeto é alicerçado diariamente,
surgindo em meio a hipóteses que também são construídas no
campo da pesquisa, resultando em uma teoria original que nasce
dos dados. Essa concepção valoriza o conhecimento do homem
comum, embasando-se na Sociologia Compreensiva, dedicando-se
a compreensão do conhecimento social dos sujeitos, envolvendo-os
por meio da empatia espontânea, valorizando-os como produtores
sociais, que detém um saber social interno e não simples agentes
reprodutores de estruturas sociais.
Desta forma, enquanto pesquisadora, nos cabe a tarefa de
captar esse saber, interpretar e explicar os dados, considerando que
a o olhar dos licenciandos é apenas o ponto de partida para construir
uma explicação compreensiva sobre os sentidos construídos por eles,
sobre o processo formativo que estão submetidos. Ao inverter a
forma como normalmente se constroem os objetos de estudo, essa
abordagem metodológica orienta-nos tomar por base a interpretação
das falas dos sujeitos, tendo como primeiro passo, a construção de um
roteiro de questões que vão sendo expandidas ao longo da pesquisa.
Como segundo passo, são construídas categorias de análise a partir
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MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
das falas, e como terceiro passo as falas são interpretadas buscando
lógicas que deem sentido. Ao adotar a entrevista compreensiva como
abordagem metodológica, encontramos suporte para interpretar a
explicação dos sentidos dados pelos sujeitos, ou seja, seus princípios,
seus saberes cotidianos, suas representações, despertando a
sensibilidade com do olhar, na direção do que nos ensina Geertz
(1999), ao tratar sobre o saber local ele propõe “perceber o mundo
do ponto de vista do outro. ”
Podemos perceber que a interpretação das falas dos sujeitos,
na metodologia da entrevista compreensiva se torna o eixo central
do trabalho, pois permite retratar a cultura, as interações vividas
pelos sujeitos e suas relações, dentro do sistema complexo da vida.
Enquanto pesquisadora, assumimos a importante tarefa de apreender
o mundo dos sujeitos de forma reflexiva, considerando seu ponto
de vista para auxiliar na interpretação e análise das experiências por
eles vivida, assim como auxiliar no entrelaçamento de conceitos que
melhor definem as imagens e representações docentes construídas ao
longo do processo de formação, pondo em evidências a construção
identitária à docência.
Segundo Kaufmann (1996, idem, p. 03), a construção dos
sentidos da pesquisa é direcionada pelas questões levantadas no
momento da entrevista, quando o pesquisador capta o discurso
sobre a ação, buscando relacionar ao objeto em estudo ao sentido
mais amplo da vida considerado pelos sujeitos. É o momento de
compreender as lógicas que produzem sentido social (AUGÉ,1999, p.
4). Esse processo de constituição de sentidos desperta à compreensão
do processo de construção da linguagem das identidades e
alteridades. Segundo Augé (1997; 1999), a linguagem da identidade
ajuda compreender o sentimento de “inclusão”, de pertencer a uma
classe, assim como o sentimento de “acumulação”, de pertencer a
mais de uma classe ao mesmo tempo e o sentimento de “exclusão”,
de pertencer a uma classe que sofre segregação. A linguagem da
alteridade ajuda compreender a capacidade de apreender o outro,
de interagir com interdependência.
Segundo Norbert Elias (1991 apud Kaufmann 2013, p. 98),
numa visão dialética de construção da realidade, o indivíduo pode
Ana Lúcia Andruchak • Adir Luiz Ferreira
64
ser compreendido como sujeito que concentra em seu tempo toda a
sociedade, por isso manifesta-se de forma, por vezes, contraditória
ao confrontar-se com o real, pois nesse processo está construindo
sua identidade, seu sentido social, manifestando sua compreensão
do real por meio de representações que se revelam de forma dialética.
Neste processo de construção da realidade o subjetivo e objetivo
não se separam. Então o pesquisador precisa compreender que seu
desafio está em captar o “olhar do outro”, ou seja, a forma como o
sujeito vê o social.
Quanto mais perspicaz é o pesquisador, mais envolvente se
torna a entrevista caracterizando o seu sentido compreensivo, pois
este consegue fazer com que o sujeito perceba que não estará dando
respostas superficiais, que precisa explicar sua compreensão do real com
respostas reflexivas. Agindo desta forma tanto sujeito como pesquisador
podem perceber contradições, que despertam maior aprofundamento.
Quando a Entrevista Compreensiva atinge esse nível de empatia, o
sujeito contribui de forma espontânea, pois começa a perceber o grau
de comprometimento que suas informações estão atingindo e se solta,
pois começa a refletir para assegurar a convicção de seu pensamento ou
questionar sua própria compreensão do real de forma analítica.
As relações cotidianas contribuem para a construção da
identidade, porém esse processo é complexo e conflituoso. O
sujeito a princípio revela algumas particularidades, na medida em
que se envolve com a pesquisa passa a contribuir de forma mais
aprofundada, este é um momento oportuno para o pesquisador
aprofundar as reflexões, sendo perspicaz, sabendo que os dados
apreendidos poderão mais facilmente revelar o sublimado, no
momento da análise. (SILVA, 2012, p. 5). A entrevista compreensiva
tem como base os fatos que são postos em evidência a partir das
falas dos sujeitos, no entanto, para compreender a problematização
proposta com a pesquisa é necessário que o pesquisador conheça
sobre o assunto, tenha leituras sobre o tema, ou seja, tenha uma
proximidade significativa com o objeto da pesquisa, revelando sua
implicação com o estudo.
Sendo assim, a nossa implicação com os sujeitos e com o
tema em estudo, é assegurada pela aproximação com os cursos
A ENTREVISTA COMPREENSIVA E ABORDAGEM MULTIRREFERENCIAL, FUNDAMENTOS
QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 65
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
de licenciatura, sendo professora formadora, atuante na área da
formação de professores, no campo da formação inicial e continuada
estando, portanto, diretamente envolvida com a formação e o
desenvolvimento profissional docente. A familiaridade apresentada
permitiu o acesso aos sujeitos e ao objeto em estudo, facilitando a
compreensão do espaço da pesquisa e as condições dos sujeitos, assim
como o domínio da linguagem própria dos sujeitos e o conhecimento
da realidade local, torno acessível a compreensão dos sentidos que
fazem com que os sujeitos ajam de uma forma e não de outra.
Para o momento da entrevista compreensiva foram seguidos
alguns passos: as entrevistas foram realizadas em blocos temáticos e na
medida em que as conversas iam se desenrolando, algumas questões
foram inseridas e outras excluídas, sendo esse processo diferente para
cada sujeito, mesmo seguindo uma orientação guia com questões
semiestruturadas que são exigência necessária para orientar. Esse
roteiro guia, na medida em que as gravações foram sendo realizadas,
foi sendo ampliado em busca de maior profundidade com o tema
pesquisado. As questões guia que elaboramos, se constituem em
categorias que estruturam o estudo. Essas questões foram revisadas
e revisitadas a cada nova entrevista, para sentir se estávamos de fato
conseguindo apreender o mundo dos sujeitos, permitindo que eles
revelem a construção de imagens e representações que direcionam à
construção de identidades sobre a docência.
No momento da análise, percebemos que as lógicas
apresentadas pelos sujeitos direcionam para a exploração de teorias,
que auxiliam na interpretação das falas, permitindo dialogar com os
sujeitos. Um primeiro plano evolutivo, ou roteiro de escuta é então
construído com a categorização das ideias, sendo ampliado a cada
escuta, servindo como um encadeamento das falas (SILVA, 2006, p.
45, apud SILVA, 2012, p. 12). Compreendemos, portanto, que nosso
empenho enquanto pesquisadora, está na compreensão do sentido
social dado pelos sujeitos, ao compreender simbolismos, valores,
identidades, pertencimentos e relações representadas nas falas,
compondo assim o universo estudado.
Em fichas, a interpretação das falas foi registrada, bem como
detalhes das escutas e o desenvolvimento das nossas ideias e hipóteses
Ana Lúcia Andruchak • Adir Luiz Ferreira
66
enquanto pesquisadora. Neste espaço anotamos os conceitos que
vão dando estrutura científica aos relatos. Esse momento também
é muito significativo, enquanto propositura metodológica, pois é
durante a releitura das gravações, sendo realizada através da escuta
das vozes dos sujeitos, que compreendemos o que vem a ser uma
“escuta sensível” para René Barbier (1998). A “escuta sensível”, é uma
escuta atenta, decisiva, em que a interpretação do pesquisador sobre
as falas capta o processo reflexivo refletido, sob o olhar dos sujeitos,
num processo que evolui a cada escuta. Os fatos são captados e
contextualizados de modo a emergir a problemática em estudo, que
é paulatinamente desenhada em forma de categorias e subcategorias
embasadas pelas teorias que o orientam. (SILVA, 2012).
A escuta sensível é a forma com que o pesquisador toma
consciência das práticas e dos discursos (BARBIER, 1998, p. 172).
Este momento oportuniza perceber que as recorrências ou mesmo
as ausências são dados importantes, que falam por si. As coerências
ou incoerências, indicam lógicas que o pesquisador atento estará
entrecruzando para compreender as relações entre o saber local -
realidades factíveis, e o saber global - realidade conceitual, tendo a
competência investigativa para captar os valores patentes ou latentes
de modo a compreender os simbolismos o mais próximo do olhar
dos sujeitos.
Esse exercício de escuta envolve o pesquisador permitindo que
este desenvolva uma refinada sensibilidade para “entrar no sentir” do
outro, sem se eximir de emoções. (BARBIER, 1998, p. 178). Permite
se colocar na situação do outro e compreender a “complexidade
sistêmica” que envolve a escuta. (Idem, 1998, p. 180). O sentimento
que envolve a escuta sensível pode ser aqui compreendido como
ferramenta que permite a imersão na complexidade investigada
potencializando a interação e a interdependência entre os sujeitos
envolvidos na pesquisa. (BARBIER, 1998. p.181).
Destacamos que esse sentido atribuído pelos sujeitos em suas
falas nem sempre é manifesto, ao mesmo tempo em que revelam uma
lógica argumentativa visível é necessária atenção para elementos
que exigem desvelamento, ou seja, além dos sentidos explícitos
os dados podem revelar sentidos implícitos, uma vez que a fala é
A ENTREVISTA COMPREENSIVA E ABORDAGEM MULTIRREFERENCIAL, FUNDAMENTOS
QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 67
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
uma reconstrução de significados e representações do real. Desta
forma, nosso posicionamento durante a análise se volta para uma
perspectiva abrangente que busca envolver o patente e o latente.
As confusões ou mesmo contradições que surgem em meio aos
dados podem confundir o pesquisador levando-o a fazer análises
superficiais do que podem ser pérolas a serem lapidadas, quando se
busca compreender a racionalidade empreendida, que potencializa
a exposição em um dado momento, de uma linha de pensamento e
a mudança de opinião em outro momento. É importante salientar
que a escuta sensível descarta juízos outros, ela propõe “deixar-se
surpreender pelo desconhecido”, não se apoia na interpretação de
fatos, busca a totalidade complexa do sujeito. (BARBIER, 1998, p.
188-189).
Deste modo, sentimos o encantamento da tarefa investigativa,
enquanto pesquisadora, buscando com autonomia e criatividade,
construir os contornos essenciais para a problematização do estudo
proposto, em meio aos dados brutos, sem perder o rigor do trabalho,
compreendendo que nosso trabalho pode se assemelhar ao do
artista, que com rigor e criatividade, transforma a matéria bruta em
preciosidades. Como todo artista precisa munir-se de equipamentos
precisos para produzir sua arte, também o pesquisador precisa lançar
mão de alguns instrumentos fundamentais para a construção de sua
teoria.
Sendo assim, para a construção deste estudo, os instrumentos
básicos utilizados para a coleta e análise dos dados foram: um
instrumento para gravar a fala dos sujeitos, o roteiro guia criado para
orientar as gravações contendo questões abertas que direcionam
ao tema numa perspectiva não diretiva, o quadro de entrevistados
contendo algumas características que envolvem os critérios de escolha
dos sujeitos, as entrevistas gravadas, as fichas para anotações das
audições, o roteiro guia como orientador da primeira escuta e os
planos evolutivos.
Antes de dar o primeiro passo envolvendo diretamente os sujeitos
escolhidos para a pesquisa, construímos um questionário que foi
apresentado nos quatro (4) cursos evolvidos nesse estudo, em todas
as turmas em que alunos encontravam-se realizando alguma etapa
Ana Lúcia Andruchak • Adir Luiz Ferreira
68
de seus estágios de licenciatura. Considerando que o preenchimento
do questionário era livre, obtivemos uma participação maciça dos
licenciandos, permitindo visualizar de modo amplo e preliminar o
contexto estudado. Esse questionário de caracterização dos sujeitos
e dos cursos serviu como instrumento de registro do primeiro contato
com o campo empírico, bem como ajudou a conhecer os possíveis
sujeitos além de dar o primeiro direcionamento para a construção
do roteiro guia.
As questões presentes no roteiro guia foram elaboradas
com o objetivo de nortear a conversa reflexiva, estabelecida
entre pesquisadora e sujeitos, durante a realização da entrevista
compreensiva, direcionando para esse momento de coleta de dados, o
olhar sobre o sentido dado pelos licenciandos sobre suas experiências
e representações, acerca do processo de socialização que repercutem
na construção da sua identidade docente. Desta forma ao mesmo
tempo em que a problemática foi surgindo no campo empírico, o
instrumento de coleta de dados foi sendo produzido, tornando
possível a compreensão do objeto, permitindo a construção das
explicações, que foram construídas em meio as escutas das gravações,
sendo realizadas anotações. Seguimos anotando a transcrição
das falas essenciais, que julgamos reveladoras para nosso estudo.
Segundo Silva (2012, p. 17), a transcrição das entrevistas muda o
processo de escuta sensível para o processo de leitura, fazendo
com que o pesquisador se concentre sob a escrita, sem descartar
totalmente os momentos de escuta e sem necessariamente realizar
uma transcrição completa das falas nas fichas, anotando somente as
partes essenciais.
Nas fichas os sujeitos foram identificados e caracterizados,
sendo registradas impressões sobre as falas, bem como referências
às teorias para posteriormente aprofundar o assunto. Também
foram construídos planos evolutivos, como o próprio nome sugere,
são planos de escuta que evoluem a partir da compreensão dos
sentidos formativos atribuídos pelos estudantes das licenciaturas
ao seu processo de construção da identidade docente. Ao final da
escuta temos em mãos um material consistente, para desenvolver
a argumentação teórica, emprestando a pesquisa nossa identidade
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QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 69
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
enquanto pesquisadora, envolvendo todos as fases, entrelaçando o
olhar dos sujeitos, as interpretações da pesquisadora e as abordagens
teóricas, compondo uma triangulação forjada durante o percurso
da pesquisa. Concordamos com Silva (2012, p. 19), que é possível
sentir o domínio sobre o processo investigativo ao trabalhar os
dados brutos e as hipóteses que vão transformando-se aos poucos,
permitindo que se revele a teoria. Também sentimos a leveza de se
desprender do rigor necessário que o método exige, tendo sempre em
mente que o trabalho científico não é uma operação linear.

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QUE NORTEIAM A PESQUISA COM ALUNOS DE LICENCIATURA EM LETRAS, BIOLOGIA, 71
MATEMÁTICA E PEDAGOGIA
A ENTREVISTA NARRATIVA COMO
POSSIBILIDADE NA PRODUÇÃO DE DADOS
NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Isana Cristina dos Santos Lima - FAMEP

INTRODUÇÃO

E
m trabalhos científicos investigativos são importantes as
escolhas adequadas dos instrumentos e procedimentos
metodológicos para se atingir os objetivos propostos.
No presente relato apresentaremos a Entrevista Narrativa como
possibilidade na construção de dados na pesquisa em educação.
Considerando que a narrativa privilegia a realidade do que é
vivenciado pelas pessoas, ou seja, a realidade de uma narrativa refere-
se ao que é real para quem conta sua história (JOVCHELOVITCH ;
BAUER, 2008).
Desse modo, considerando o uso de entrevista importante
para uma pesquisa, compreendemos que se tornar mais relevante
quando ela é narrativa, pois além das vantagens que outros
tipos proporcionam como, por exemplo, estar frente a frente
o entrevistador e o entrevistado, de observar a tonalidade de
voz, as expressões corporais e faciais, a Entrevista Narrativa, por
partir de uma questão gerativa possibilita respostas mais longas e
consequentemente com riqueza de detalhes em que se tem liberdade
A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE NA
PRODUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
73
de voltar ao passado utilizando a memória para pensar e explicar
fatos presentes.
Com este relato pretendemos apresentar algumas considerações
sobre os aspectos metodológicos da Entrevista Narrativa em uma
pesquisa concentrada na área da educação. O texto é resultado
de parte da Dissertação de Mestrado em Educação realizada na
Universidade Federal do Piauí que teve o objetivo geral de investigar
os significados e os sentidos do mal estar docente produzidos por
professores em início de carreira e suas relações com a identidade
docente que está se constituindo.
Apresentaremos a seguir o percurso metodológico que
trilhamos, iniciando pela nossa abordagem metodológica que é
qualitativa apoiada em Lüdke e André (1986) e Chizzotti (2003),
logo após, os procedimentos metodológicos, considerando o
contexto da pesquisa e a historicidade da professora participante,
o processo de construção dos dados que aconteceu inicialmente
com de entrevista semiestruturada (TRIVIÑOS, 2009) com a gestora
da escola e professora em início de carreira, observação direta
(GIL, 1999), finalizando com a Entrevista Narrativa (FLICK, 2009;
JOVCHELOVITCH E BAUER 2008).

ABORDAGEM METODOLÓGICA: PONTO DE PARTIDA

A pesquisa realizada é de natureza qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ,


1986), por que entendemos que nessa abordagem há descrição do
sujeito em determinado momento e determinada cultura em que é
considerada a diversidade dos sujeitos ou dos fenômenos estudados.
Conforme Chizzotti (2003, p. 79):

A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há


uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma
interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito.
(Grifos nossos).

Com base na afirmação do autor compreendemos aspectos


da profissão docente a partir do estudo das vivências da professora

74 Isana Cristina dos Santos Lima


que foi participante desta investigação, considerando a relação
dinâmica e o vínculo de indissocialibidade com o mundo real que
são para nós as condições objetivas da profissão. Nessa abordagem,
ao propormos esta pesquisa, buscamos compreender a dimensão
afetiva dos profissionais docentes de Teresina, porque geralmente
essa abordagem possibilita maiores informações sobre um sujeito ou
fenômeno, com maior relevância em relação ao simples levantamento
de dados quantitativos.
A opção por essa abordagem se justifica também, porque
não nos preocupamos apenas com o produto, pois consideramos
relevante o processo, as transformações ocorridas. Portanto, o
que a participante pensa, o modo como se sente, suas expectativas
e práticas são importantes e foram consideradas. Lüdke e
André (1986, p. 12) defendem que na pesquisa qualitativa, “o
‘significado’ que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos
de atenção especial pelo pesquisador”, porque nessa abordagem
não importou apenas a quantificação de fenômenos sociais, mas
compreendê-los em sua dimensão mais ampla, isto é, a partir das
significações de nossa interlocutora. No caso de nossa pesquisa,
os significados e os sentidos dos professores em início de carreira
sobre o mal estar docente nos causaram interesse e a partir desta
pesquisa tivemos uma amostra da significação social dada a esse
fenômeno.
Considerando a complexidade do fenômeno estudado nos
fundamentamos também nos princípios do método de Vygotsky
(1998), pois esses nos permitiram desenvolver a investigação
mostrando a complexidade e as contradições desse fenômeno em
que intencionamos estudar o processo em vez do produto, promover
explicações e não apenas descrições e considerar a gênese do processo.
Em síntese, buscamos compreender o caráter histórico e social do
nosso objeto de estudo. Vejamos os procedimentos utilizados no
tópico a seguir.

A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE NA


PRODUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
75
O CONTEXTO DA PESQUISA: ESCOLHA DO LOCAL E DA
PROFESSORA

Em relação ao contexto da pesquisa, as escolas públicas


municipais foram o alvo de nossa investigação por sua importância
na sociedade. Essas escolas são de responsabilidade da Secretaria
Municipal de Educação e Cultura de Teresina (SEMEC) que de
acordo com a Lei nº 9.394/96 cabe ao município oferecer a Educação
Infantil e prioritariamente o Ensino Fundamental. Essa lei se refere
à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Dessa forma, cabe
à essa Secretaria administrar as escolas, promover capacitação dos
professores e inclusão social dos alunos. Atualmente, a SEMEC
dispõe de 326 escolas, de acordo com informações retiradas em
seu sítio eletrônico, para atender ambos os níveis de ensino, por
meio dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) e Escolas
Municipais (EM) na zona urbana e rural de Teresina.
Ao visitarmos CMEIs e EMs de Teresina encontramos um CMEI
localizado no bairro Alvorada, zona norte de Teresina, que tomamos
conhecimento por meio de algumas professoras em início de carreira,
no qual havia professoras de carreira com mal estar docente. Esse
CMEI atende cerca de 260 alunos desse bairro e de bairros vizinhos.
São desenvolvidos vários projetos para a integração dos pais na
escola, e no ano de 2011 a equipe técnica e docente da escola recebeu
o certificado de participação no “Prêmio Piauí de Inclusão Social”
da TV Meio Norte por seu trabalho desenvolvido na comunidade em
que está localizada. A escola possui cinco salas de aula e conta com
13 professoras, sendo oito estagiárias e cinco efetivas, entre elas a
participante de nossa pesquisa.
Ao visitar a escola para realizar a entrevista semiestruturada
com a gestora fomos bem recebidas por ela que se propôs ajudar
no que fosse preciso. Ela nos mostrou toda a escola, falou sobre
seus projetos, sobre as professoras, mencionou o prêmio já relatado
anteriormente e criou condições para que pudéssemos desenvolver
nossa pesquisa. Na entrevista, a diretora confirma ter três professoras
em início de carreira e quando perguntada sobre a insatisfação das
professoras de carreira da escola em relação ao trabalho, a gestora

76 Isana Cristina dos Santos Lima


afirma que isso tem relação com o cumprimento de horários, baixo
salário, falta de estrutura da escola e quantidade de alunos na sala
de aula. Perguntamos também para a gestora e ela percebia algum
indício de mal estar docente nas professoras da escola e ela responde
que aparentemente não, mas mostrou-se preocupada por achar em
alguns momentos que algumas professoras não se identificam com a
profissão. Compreendemos que a não identificação com a profissão,
as queixas constantes em relação ao cumprimento de horários, aos
baixos salários, a falta de estrutura e a quantidade de alunos na sala
de aula sinalizam o mal estar docente, por isso resolvemos realizar
nossa investigação nesse CMEI.
Após a realização da entrevista com a gestora, durante o
horário do intervalo fomos conhecer as professoras em início
de carreira, explicamos como seria a pesquisa e uma delas se
prontificou a participar. Ressaltamos que esta professora escolheu
ser identificada, no presente trabalho escrito, pelo seu próprio nome,
assim apresentaremos. Ressaltamos que na escolha da professora
participante foi levado em consideração o interesse e a disponibilidade
para participar da pesquisa.
A professora Julieny durante a investigação tinha 27 anos,
natural de São Luís do Maranhão, reside em Timon, cidade
maranhense que fica ao lado de Teresina no Piauí. Recém casada,
evangélica, sempre trabalhou em sua igreja com crianças, o que a
fez gostar e pensar em se formar para ser professora. Fez o curso de
Licenciatura em Pedagogia na Universidade Federal do Piauí (UFPI)
entre o período de 2006 a 2010. Durante o mesmo período iniciou
o curso de Licenciatura em Geografia na Universidade Estadual do
Piauí (UESPI), mas não concluiu. Resolveu sair e se dedicar apenas
à Pedagogia. No mesmo ano em que concluiu sua formação inicial,
fez o concurso público para o cargo de professora da Prefeitura
Municipal de Teresina e foi lotada nesse CMEI no mesmo ano. Julieny
é professora da Educação Infantil e está lecionando nas turmas de 1º
Período, 40 horas semanais.
Ao conversarmos sobre a realização da pesquisa, combinamos
de começarmos pela entrevista semiestruturada. Na entrevista a
professora Julieny nos confirma trabalhar com professoras com
A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE NA
PRODUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
77
mal estar docente, pois estas vivem mal humoradas, desanimadas
e insatisfeitas com a profissão. Nos conta, ainda, que em alguns
momentos já até a aconselharam a procurar outra profissão.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: DA ENTREVISTA


SEMIESTRUTURADA À ENTREVISTA NARRATIVA

A pesquisa de campo aconteceu em três momentos. No primeiro


momento visitamos CMEIs e escolas públicas de Teresina para
identificar professores em início de carreira que tinham estabelecido
relações interpessoais com professores que desenvolveram mal
estar docente. No segundo momento, ao encontrar professoras
com as características que procurávamos em um CMEI, utilizamos
a entrevista semiestruturada (TRIVIÑOS, 2009) inicialmente com a
gestora e finalmente com uma das professoras que se prontificou a
participar da investigação como mencionado anteriormente. Sobre
as perguntas feitas à professora, confiram no quadro 1 a seguir:

Quadro 1: Entrevista Semiestruturada com a professora

ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

1.  Há quanto tempo você está na carreira docente?


Eu estou na carreira docente a um ano e quatro meses
2. Como está sendo sua relação com os demais professores desta
escola?
Bem, inicialmente era melhor. Quando nós chegamos aqui... nós somos
seis. Três delas já estavam e nós que assumimos o concurso ano passado
em 2011 chegamos. Inicialmente foi boa, a relação era muito boa.
Depois com o decorrer do ano que foram acontecendo alguns fatos e
esse ano também foi que ficou mais conturbada, porque a gente chega e
traz ideias novas, projetos para executar na sala de aula. Meus projetos
não foram muito aceitos. Elas acabaram se afastando de mim... não
sei... falando que eu sou a preferida da diretora. É assim mesmo. Agora
somos seis... tirando eu fica cinco, né? Dessas cinca só duas falam

78 Isana Cristina dos Santos Lima


comigo, as outras não falam porque... eu acho assim, porque a gente
está... nós trabalhamos com crianças de educação infantil, crianças de
dois a cinco anos e numa região que é um pouco periférica, porque
aqui é a região do São Joaquim, Parque Alvorada, Nova Brasília e é uma
região que já... passa o tempo todo na mídia a questão do tráfico de
drogas, né? Da violência e são crianças que são filhos de pessoas que
não têm boa índole, né? Já são crianças tão sofridas que já tem em casa
problemas familiares, traumas, muitos deles já perderam seus pais que
foram assassinados até na frente da própria criança. Então, o que acho
é que criança já tem esse sofrimento de casa e você vem para a escola
e ainda é mal tratado por uma professora... que não tem coragem
de trazer uma coisa nova, que tem preguiça, é preguiça mesmo... e
acaba frustrando ainda mais a realidade dessa criança. Então, a minha
opinião... eu na minha sala de aula eu procuro que ali, aquele ambiente
seja o melhor possível para a criança, onde ela se sinta amada, que
se sinta em um ambiente aconchegante, onde haja paz, brincadeira e
ludicidade, onde a criança possa sentir vontade de vir para a escola e de
estar na escola e aquele momento, aquelas quatro horas que fico com
ela seja o momento mais prazeroso da vida dela. Então, essa minha
visão não é muito aceita pelas outras professoras que já estão com
mais tempo na profissão, que já realmente perderam a paciência, né?
Que dizem muitas vezes que não querem ficar nessa profissão, mas que
acabam “levando com a barriga” vinte, vinte e cinco anos até chegar a
aposentadoria. A relação não é muito boa.
3. Você percebe em seus colegas insafistação em relação a docência?
Demais, principalmente quando eu tento trazer projetos para ser
executado na sala de aula, projetos novos, inovadores, atividade que a
gente vá sair da sala de aula, que a gente vá visitar um parque, visitar um
mercado, alguma coisa, experiência nova para a criança aí eu vejo essa
insatisfação, a dificuldade de executar e sempre colocam dificuldade,
só dificuldade, chego lá eu não vejo aquela... “Não, vamos fazer,
vamos fazer, vamos ver nossa escola crescer”. Eu vejo muita, muita
insatisfação, apesar que algumas nem tem tanto tempo de carreira
assim e já estão muito insatisfeitas... e também devido aqui trabalhar
40 horas, trabalhar em Timon, trabalhar no Brejinho e
trabalhar não sei aonde e... a vida já é corrida. Realmente, e até por
parte eu entendo, você corre, corre, corre tanto que não dá de fazer
uma coisa bem feita. A pessoa tem que optar por uma coisa ou outra,
mas, as vezes, infelizmente a pessoa não pode abrir mão por causa da
questão financeira. Mas eu vejo sim insatisfação.

A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE NA


PRODUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
79
4. Você acha que há desânimo em relação a profissão por parte de
algum dos seus colegas?
Com certeza há desânimo, muito desânimo... No ano passado quando
eu entrei... depois do meio do ano que eu senti muita dificuldade em
trabalhar porque quer queira quer não quando você quer influenciar
uma pessoa para o bem você influencia e quando você quer influenciar
ela para o lado negativo você também influencia e trabalhar em um
lugar assim que as pessoas já chegam mal humoradas de manhã... Na
segunda feira, já chega mal humorada, você vê ali que a pessoa já chega
se arrastando, aquela coisa,
você vê o desânimo no rosto da pessoa e acaba... Eu fico assim aflita,
fico pensando nas crianças, fico com pena dos alunos. Eu vejo desânimo
sim.
5. No seu modo de compreender, os professores com mais tempo de
serviço desta escola ou de outra em que você já trabalhou apresenta
sentimentos negativos em relação à docência?
Apresenta sim, eu me lembro quando eu estava no estágio da
universidade ano retrasado, em 2010 que a gente estava lá, eu e minhas
amigas, cumprindo nossa obrigação lá no estágio tinha umas professora
que estavam assim já só esperando o tempo de se aposentar. A que eu
fiquei na sala dela ela... a gente foi estagiar do começo ao meio do
ano, mas em dezembro ela já ia se aposentar iria completar os vinte e
cinco anos dela de carreira. Eu sentia, ela falando assim: “Minha filha,
é isso mesmo que você quer? Olha esses meninos são muito difíceis.
Essa profissão é muito difícil, ninguém valoriza, os pais não valoriza, o
sistema não valoriza”. De certa forma... eu já
tinha até me inscrito no concurso. Você já vai assim, meio desconfiada,
né? Eita será se é isso mesmo que eu quero? Será que é tão ruim assim?
Eu ficava com essas indagações, porque de tanto as pessoas falarem
que é ruim... Tinha outra professora lá que essa é que falava: “Eita que
é ruim de mais, esses meninos são insuportáveis. Não aguento mais.
Tomara que chegue logo essa carta para mim”. É como se fosse uma
carta de alforria, né? Me livrei! Me livrei! Senti muito mesmo, muito
mesmo, principalmente no estágio esse sentimento negativo, essa
insatisfação das professoras.
6. Algum dos seus colegas de trabalho já lhe estimulou a mudar de
profissão? Se sim, como você se sentiu?
Já, como eu acabei de relatar no estágio ela ficava falando o tempo
todo não só para mim, mas para minhas amigas: “Vocês tem que

80 Isana Cristina dos Santos Lima


mudar de profissão. Vocês são novas, isso aqui não dá futuro não é
só cansativo, o salário é baixo”. E também até aqui mesmo na escola
já senti isso... a questão das outras professoras, das companheiras de
trabalho: “Tu é nova mulher, vai estudar, vai procurar outro concurso”.
Minha resposta é sempre assim: “Não, enquanto eu puder fazer meu
trabalho bem feito eu vou ficar aqui, mas no dia que eu sentir que essa
insatisfação já me atingiu...” Enquanto ela não me atingir tudo bem, eu
vou continuar aqui fazendo o meu serviço, dando o melhor de mim para
que essas crianças tenham uma educação de qualidade aqui dentro da
escola. Mas, quando eu vir que não dá mais para mim, quando eu vir
que estou no meu limite eu não vou ficar “levando com a barriga” de
qualquer jeito esperando a aposentadoria. Com certeza eu irei procurar
uma... algo em que me encaixe, que se adeque as minhas condições.
Mas eu sempre digo que vou ficar aqui até conseguir fazer um trabalho
bem feito, porque quando for para não fazer mais eu não vou mais
ficar, porque as crianças não merecem, né? Elas acabam “pagando o
pato” por uma insatisfação, por você ter escolhido uma profissão que
você... foi você que escolheu e elas não merecem pagar porque você está
insatisfeito com a profissão. Acho que é mais justo é você pegar e falar
não dá para mim e vai procurar outra coisa para fazer.

Conteúdo da Entrevista Narrativa realizada por Lima (2013).

Partindo dessas resposta fomos para o terceiro momento em


que utilizamos a observação (GIL, 1999) e a entrevista narrativa
(FLICK, 2009) em um espaço de tempo de seis meses entre uma
entrevista e outra.
Iniciamos pela observação sistemática (GIL, 1999). Esse
instrumento permitiu apreendermos o modo como nossa participante
significa a realidade e, em especial, a profissão docente, pois por
meio da observação acompanhamos as experiências cotidianas
da professora. Registramos as situações nas quais os sentidos e os
significados sobre o mal estar docente são produzidos.
Fizemos duas observações das aulas em dias não sequenciais
da professora Julieny seguindo o roteiro em que os aspectos a serem
observados foram:

Quadro 2: Roteiro de Observação da Pesquisa

A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE NA


PRODUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
81
ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO
1)  As relações interpessoais entre as professoras;
2)  As relações interpessoais entre professora e alunos;
3)  O modo de agir da professora em início de carreira.

Conteúdo da Entrevista Narrativa realizada por Lima (2013).

No primeiro dia de observação, fomos convidadas a observar


a reunião das professoras na diretoria da escola no horário após o
intervalo para o lanche, o qual nos permitiu compreender melhor o
primeiro aspecto do roteiro. Esse foi um instrumento importante,
pois, os dados produzidos por meio dele nos aproximaram da
realidade social que é a profissão docente. Gil (1999, p. 110) afirma
que “a observação nada mais é que o uso dos sentidos com vista a
adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano”. Nesse caso,
buscamos de modo sistemático chegar mais perto da perspectiva da
professora em início de carreira e que tenha estabelecido relações
interpessoais com professores que desenvolveram mal estar docente.
A fim de registrar a observação, utilizamos anotações de campo de
natureza descritiva, conforme orienta Triviños (2009).
O uso das observações nos proporcionou momento de inter-
relações com a participante de nossa investigação, porque estivemos
por determinado período inseridos no espaço de trabalho dela a fim
de acompanhar suas rotinas para, com isso, investigar os significados
e os sentidos que produz do mal estar docente. Os registros
foram utilizados para a contextualização da pesquisa e professora
participante de nossa pesquisa.
A opção pela Entrevista Narrativa como um de nossos
instrumentos para a produção dos dados se justifica porque essa é
uma forma de entrevista não estruturada que estimula os entrevistados
a refletir e a narrar acontecimentos importantes de sua vida, seja
pessoal ou profissional. Geralmente, na educação o emprego das
narrativas possibilita aos participantes como, por exemplo, professor
ou aluno passar por um processo de formação, já que oportuniza
reflexões que podem se constituir em novas aprendizagens.
A narrativa é bastante difundida nas ciências sociais que tem
como objetivo estudar as diferentes maneiras como os seres humanos

82 Isana Cristina dos Santos Lima


vivenciam o mundo, estimulando sua capacidade crítica e reflexiva,
por meio da utilização de sua memória. Segundo Jovchelovitch e
Bauer (2008, p. 92):

[...] a narrativa não é apenas uma listagem de acontecimentos,


mas uma tentativa de ligá-los, tanto no tempo, como no
sentido. Se nós considerarmos os acontecimentos isolados, eles
se nos apresentam como simples proposições que descrevem
acontecimentos independentes. Mas se eles são contados
permitem a operação de produção de sentido do enredo.

A forma de registrar a narrativa pode ser por meio de diários


reflexivos, memoriais, cartas pedagógicas, história de vida, narrativa
oral e Entrevista Narrativa. Nesta investigação, optamos por trabalhar
com a Entrevista Narrativa, porque com ela é possível estabelecermos
contato direto com os sujeitos no momento da produção da narrativa.
Isso nos possibilitou redirecionar a fala da professora entrevistada
quando parte da questão gerativa da narrativa não foi contemplada
na narração.
Em nossa investigação, ao entrevistar a professora em início
de carreira, buscamos captar fatos, acontecimentos e situações
reveladores dos: a) sentimentos que os professores em início de
carreira desenvolveram em relação à profissão docente; b) das
expectativas dos professores em início de carreira em relação à
profissão docente e; c) das vivências entre professores em início de
carreira e professores de carreira que desenvolvem mal estar docente
e a relação com a constituição da identidade.
Questionamentos como estes podem remeter os professores
a pensarem sobre suas expectativas, sua forma de atuação, sua
relação com os demais colegas de trabalho e com os alunos. Além
disso, significa que os professores por meio de pesquisas como esta
refletem e analisam aspectos vinculados a suas identidades, aos
saberes e aos repertórios de conhecimentos no exercício da profissão
(SOUZA, 2008).
Realizamos a Entrevista Narrativa partindo de uma questão
gerativa que, segundo Flick (2009), “se refere ao tópico de estudo e que
tem por finalidade estimular a narrativa principal do entrevistado”.
Vejamos a questão no quadro a seguir:
A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE NA
PRODUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
83
Quadro 3: Questão Gerativa da Entrevista Narrativa

QUESTÃO GERATIVA
Gostaríamos que você nos contasse como está se sentindo sendo professora.
Você pode iniciar nos contando suas vivências como professora, sobretudo
as experiências com professores que desenvolveram mal estar docente e suas
expectativas em relação à profissão.

Conteúdo da Entrevista Narrativa realizada por Lima (2013).

Nesse momento, não houve interrupções por parte da


entrevistadora. Posteriormente, partimos para questionamentos,
que são perguntas feitas pela pesquisadora quando percebeu que a
entrevistada deixou de explorar algum aspecto importante ou explorou
pouco. Com isso, intencionamos compreender as ideias desenvolvidas
pela participante entrevistada que não tenham ficado claras.
Para considerar a historicidade da nossa interlocutora,
executamos a Entrevista Narrativa em duas ocasiões. A primeira
aconteceu quando a professora estava completando um ano e quatro
meses na profissão, após as observações sistemáticas de seu cotidiano
escolar. Terminada a entrevista que durou cerca de 20 minutos,
transcrevemos e fizemos a devolutiva, para que a professora Julieny
pudesse refletir sobre a fala narrada, de modo que pudesse reiterar
ou alterar informações. A segunda entrevista aconteceu seis meses
depois para apreender novos significados e sentidos, pois entendemos
que a professora tinha novas vivências para ser narradas. Na segunda
Entrevista Narrativa, que durou 40 minutos, a professora reiterou fatos
narrados na primeira entrevista e narrou novos fatos e mais detalhes.
Também fizemos a devolutiva dos fatos narrados, para reiterações
ou alterações das informações manifestas por ela.Vale destacar que
utilizamos a mesma questão gerativa nos dois momentos e devido a
extensão das respostas não apresentamos no relato.
Após a leitura, ele concordou com o conteúdo narrado e transcrito
sem necessidade de alterações. Essa fase foi muito importante,
porque tratou de compromisso assumido pelo pesquisador durante
a negociação da entrevista. Ao enviarmos a transcrição ao professor
e, na sequencia recebermos sua concordância, validamos a entrevista
e legitimamos o conhecimento produzido durante o processo de
produção de dados.

84 Isana Cristina dos Santos Lima


Concluída a Entrevista Narrativa e após a devolutiva recebida a
anuência da professora Julieny, seguimos para um novo movimento
que é o processo de análise dos dados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização da Entrevista Narrativa como possibilidade de


construção de dados na pesquisa qualitativa foi relevante por permitir
uma amplitude de informações aliada a outros instrumentos. Sua
importância não é apenas para os pesquisadores, mas para quem
se submete a narrar. No caso nossa professora teve a oportunidade
de rememorar fatos sobre o processo de tornar-se e ser professora.
A prática da narrativa em pesquisas com professores permite que os
mesmo a reflexão sobre sua prática.
A professora Julieny ficou a vontade para expressar o que
pensava e sentia nos permitindo apreender os significados e sentidos
produzidos por ela a respeito do nosso objeto de estudo. E dos
momentos da pesquisa esse, pelo que pudemos observar, se tornou
o menos cansativo, embora tenha sido demorado, pois sentadas
começamos a ter uma conversa que a aparentemente foi informal,
mas só aparentemente. Durante a Entrevista Narrativa falou de sua
vida pessoal e profissional sem ser interrompida a não ser quando
desviava o assunto.
Em síntese, a utilização da Entrevista Narrativa possibilitou a
compreensão de que a professora entrevistada além da aparência,
pois foram considerados os processos constitutivos de sua identidade
como suas relações com o mundo objetivo, isto é, o contexto social,
histórico e cultural e, suas relações com os outros.

Referências

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 6. ed. São


Paulo: Cortez, 2003.

DEMO, P. Metodologia Científica em Ciências Sociais. 3. ed. São


Paulo: Atlas, 1995.

A ENTREVISTA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE NA


PRODUÇÃO DE DADOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
85
FLICK, W. Introdução à pesquisa qualitativa. Tradução de Joice
Elias Costa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo:


Atlas, 1999.

LIMA, I. C. dos S. Significados e sentidos do mal estar docente:


o que pensam e sentem professores em início de carreira. 2013.
157 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Educação, Centro de Ciências da Educação,
Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2013.

JOVCHELOVITCH, S.; BAUER, M. W. Entrevista narrativa. In:


BAUER, M. W.; GASKELL, G. (Org.). Pesquisa qualitativa com
texto, imagem e som: um manual prático. Tradução de Pedrinho A.
Guareschi. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

SOUZA, E. C. Modos de narração e discursos de memórias:


biografização, experiências e formação. In: PASSEGI, M da C. C.;
SOUZA, E. C. (Org.). (Auto)biografia: formação, territórios e
saberes. Natal: EDUFRN. São Paulo: Paulus, 2008.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a


pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2009.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento


dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cipolla
Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. Ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.

86 Isana Cristina dos Santos Lima


A EXTREVISTA REFLEXIVA NA
PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Francisco Antonio Machado Araujo - UFPI

INTRODUÇÃO

[...] a pesquisa deve dominar a matéria até o detalhe;


analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e
descobrir a conexão íntima que existe entre elas. Só depois
de concluído esse trabalho é que o movimento real pode
ser adequadamente exposto. Quando se consegue isto e
a vida da matéria se reflete no plano ideal, seu resultado
pode até parecer alguma construção a priori.

(Marx, 1983)

N
uma investigação qualitativa, a escolha dos
instrumentos e procedimentos para produção de
dados, é definida pela possibilidade de adequação
apropriada do instrumento à investigação.
Bogdan e Biklen (1994) em suas discussões sobre Pesquisa
Qualitativa em Educação, apresentam algumas características que
evidenciam a possibilidade de se fazer essa adequação, a saber:
a) Numa investigação qualitativa a fonte essencial dos dados é o
A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 87
ambiente natural, e o pesquisador o principal instrumento; b) Os
pesquisadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que
simplesmente pelos resultados ou produtos; c) Os pesquisadores
qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva; d) O
significado é de importância vital na abordagem qualitativa.
Nesse sentido, entendemos que a entrevista é um instrumento
apropriado e apresenta as condições necessárias para atender os
objetivos da pesquisa que visa produzir dados destinados à análise
subjetiva dos sujeitos, visto que, segundo Gil (1999, p. 117), esta é
“uma forma de interação social. Especificamente, é uma forma de
diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a
outra se apresenta como fonte de informação”.
Para Marconi e Lakatos (1999, p. 94), a entrevista é
entendida como um “encontro entre duas pessoas, a fim de que
uma delas obtenha informações a respeito de um determinado
assunto”. Em ambos os casos, o sujeito é visto de forma neutra
e passiva, um informante. No entanto, compreendemos que o
sujeito investigado é muito mais do que um simples informante,
ele detém conhecimento que é importante para o investigador dar
conta dos seus objetivos.
Em face dos conceitos definidos por esses autores, consideramos
a necessidade de outra compreensão. Àquela que considera a ideia
de uma entrevista que se constituísse em encontro interpessoal
e que incluísse a subjetividade dos protagonistas nela envolvidos
(pesquisador e sujeito). Esse formato de entrevista precisa levar em
conta a recorrência de significados em qualquer ato comunicativo
quanto à busca de horizontalidade.
Localizamos em Szymanski (2004) a entrevista reflexiva, que,
segundo a autora, é um procedimento que tem sido utilizado por
vários anos na produção de dados em seus projetos e orientações
aplicados a pesquisas qualitativas e estudos de significações. Para
Szymanski (2004, p. 11) “ao considerarmos o caráter de interação
social da entrevista passamos a vê-la submetida às condições comuns
de toda interação face a face, na qual a natureza das relações
entrevistador e entrevistado influencia tanto o seu curso como o tipo
de informação que aparece”.
O movimento reflexivo que esse tipo de entrevista exige, faz com

88 Francisco Antônio Machado Araújo


que o sujeito entrevistado reorganize o seu pensamento, produzindo
reflexões que antes não haviam sido tematizadas e possibilitando ao
pesquisador oportunidade de diálogo aberto em que se levam em
conta tanto as intenções do pesquisador tanto do sujeito investigado.
Sobre esse movimento, Szymanski (2004, p.14) destaca que “o
movimento que a reflexão exige, acaba por colocar o entrevistado
diante de um pensamento organizado de uma forma inédita para ele
mesmo”.
Esse caráter reflexivo tem o sentido de “refletir a fala
do entrevistado, expressando a compreensão da mesma pelo
entrevistador e submeter tão compreensão ao próprio entrevistado,
que é uma forma de aprimorar a fidedignidade” (SZYMANSKI, 2004,
p. 15). Desse modo, é importante que o pesquisador construa um
ambiente de confiança e segurança para com o sujeito entrevistado,
mantendo postura atenta, clara, horizontal e sincera. Pois, ao
retornar a compressão do discurso ao sujeito entrevistado, o mesmo
terá voz e empoderamento para fazer as considerações que achar
necessário.
Considerando as discussões iniciais deste texto, pretendemos
apresentar algumas considerações sobre os aspectos teórico-
metodológicos da entrevista reflexiva em uma pesquisa em educação.
A discussão que Marx (1983), produz na epígrafe deste texto, coincide
com a ideia aqui desenvolvida de que a atividade de investigação deve
desvelar as conexões entre as partes que constitui a totalidade de
dado fenômeno, orienta o pesquisador a compreender seu objeto de
estudo considerando as múltiplas determinações que se articulam
entre si e o constitui.
Este texto é parte da Dissertação de Mestrado que teve o
objetivo geral de investigar os significados e os sentidos que o
professor constitui sobre o trabalho docente mediado pelas TIC’s
como recursos da tecnologia educacional e foi dividido em três
partes.
Na primeira parte, realizamos o desvelamento do processo que
culminou na definição do sujeito da pesquisa. Na segunda parte,
apresentamos o movimento realizado durante a produção dos dados
da investigação, destacando o percurso e a estrutura da entrevista
A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 89
reflexiva na prática. Na terceira parte, apresentamos algumas
considerações finais e as contribuições da entrevista reflexiva no
processo de produção de dados na pesquisa em educação.

O SUJEITO DA INVESTIGAÇÃO

Compreendendo que a escolha do sujeito deve estar articulada


intimamente com o objeto e os objetivos da investigação, definimos
os seguintes critérios: a) Fazer uso das TIC’s como recursos da
tecnologia educacional no trabalho docente; d) Disponibilidade
para participar da investigação por videoconferência.
Considerando que o geral está contido no singular e que é a
qualidade da informação produzida que reside as possibilidades do
pesquisador penetrar na essência do processo em questão, optamos
por desenvolver a investigação com um único professor. Em relação a
essa escolha, Minayo (2001) afirma que na investigação de natureza
qualitativa, a quantidade de sujeitos não deve ser muito grande,
uma vez que esse tipo de investigação é legitimado pela qualidade
das informações e não pela quantidade de sujeitos. Dessa forma,
ao escolhermos apenas um professor, tivemos a oportunidade de
compreender e identificar nas informações produzidas por ele,
dados não mensuráveis, como percepções, sensações, sentimentos,
emoções, motivações, intenções, significados e sentidos constituídos
sobre o objeto de estudo.
Diante dessas definições, realizamos pesquisa exploratória
na internet (Blogs de Professores, Facebook, Sites de Educação) e
localizamos dois professores que apresentaram o perfil necessário
e demonstraram disponibilidade para participar: uma professora e
um professor, a quem denominamos respectivamente de Cristiane e
Cláudio.
Ao localizarmos esses dois professores, passamos a conversar
com eles por meio de chat1 e definimos que Cláudio tinha o perfil
para a investigação que estávamos desenvolvendo. Além de atender
aos critérios estabelecidos para sua escolha, Cláudio apresentava


1
Meio de comunicação por mensagens instantâneas. Exemplo: Messenger,
ICQ, Facebook Messenger, dentre outros.

90 Francisco Antônio Machado Araújo


formação acadêmica e conhecimento sobre o uso das TIC’s
compatíveis com as expectativas que existem atualmente em relação
ao uso das TIC’s como recursos da tecnologia educacional no
trabalho docente.
Cláudio ensina História no ensino médio e atua na rede privada
da cidade de Criciúma, Santa Catarina, Brasil. Quanto à formação
desse professor, além de licenciado em História, é graduado em
Arqueologia, especialista em Metodologia do Ensino Superior e
durante a realização da investigação era mestrando em Educação.
Para esse professor, sua trajetória na educação está intimamente
conectada às TIC’s, ou seja, a escolha pela docência se deu pela
possibilidade de utilizar as TIC’s no seu trabalho docente. Antes de
atuar como professor de História da rede privada, ele teve algumas
experiências na escola pública. Mas, em virtude do baixo salário e das
dificuldades para se utilizar as TIC’s, renunciou a atuar nessa rede
de ensino. Finalizada a etapa exploratória, iniciamos o processo de
produção de dados, conforme apresentamos no item seguinte.

O PERCURSO E A ESTRUTURA DA ENTREVISTA REFLEXIVA:


ARTICULANDO A REALIZAÇÃO

A entrevista reflexiva consiste numa entrevista semi-dirigida,


cujo direcionamento está baseado na fala do sujeito entrevistado.
Szymanski (2004) sugere que sejam realizados no mínimo dois
encontros, o importante é que os objetivos da entrevista estejam
claros, do mesmo modo que a informação que se deseja obter.
Assim, após confirmarmos com Cláudio que ele era o sujeito
da investigação, marcamos o primeiro encontro para o dia 06 de
junho de 2014 às 19h00min. A entrevista reflexiva foi realizada na
forma de vídeo gravação. A gravação dos dados foi possível por meio
do software de comunicação instantânea Skype, sincronizado a outro
software, o Free Video Call Recorder for Skype. Para isso, preparamos
uma sala com acesso à internet equipada com computador e câmera
de vídeo. Para o caso de imprevistos ou a necessidade de suportes
extras, convidamos uma colega do curso de mestrado, a quem
iremos denominar de “Lu”, para nos assessorar. Do outro lado,
A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 91
Cláudio também foi orientado previamente de como seria realizada a
entrevista e os recursos tecnológicos necessários à conexão de internet.
Em todo o processo de produção de dados, as ideias de
Szymanski (2004) e Bogdan e Biklen (1991) nos orientaram na
realização da entrevista reflexiva com Cláudio. Szymanski (2004),
por exemplo, nos orienta que no desenvolvimento da entrevista
reflexiva a primeira fase é denominada de contato inicial, para essa
autora, essa fase deve ser conduzida pelo pesquisador, pois consiste
no momento em que:

[...] o entrevistador se apresentará para o entrevistado,


fornecendo-lhes dados sobre a sua própria pessoa, sua instituição
de origem e o tema de sua pesquisa. Deverá ser solicitada sua
permissão para a gravação da entrevista e assegurado o seu direito
não só ao anonimato, acesso às gravações e análises, como ainda
ser aberta a possibilidade de ele também fazer as perguntas que
desejar (SZYMANSKI, 2004, p. 19-20).

O contato inicial também se desdobra numa fase de


aquecimento para a entrevista propriamente dita. Nesse momento
de aquecimento se estabelece um clima mais informal entre ambas
as partes. Para Bogdan e Biklen (1991, p. 135), “a maior parte das
entrevistas começam por uma conversa banal, os tópicos podem
passar pelo futebol ou pela cozinha”. É nesse momento que se
constitui a relação entre os protagonistas da entrevista e em que “se
obtém os dados que se consideram a respeito dos participantes, que
eventualmente poderão ser completados no final” (SZYMANSKI,
2004, p. 24). Desse modo organizamos nosso contato inicial e o
aquecimento conforme descrito no quadro 1:

92 Francisco Antônio Machado Araújo


Quadro 1 - O contato inicial e o aquecimento:
fases iniciais da entrevista reflexiva

O CONTATO INICIAL E O AQUECIMENTO – ER2

PESQUISADOR - Caro professor, meu nome é Francisco, sou


discente do curso de mestrado em educação da Universidade
Federal do Piauí. Também sou professor de História e adepto
do uso consciente das TIC’s na Educação, me identifico muito
com seu trabalho, aliás, antes de me tornar pesquisador, já
conhecia esse trabalho maravilhoso que você desenvolve por
meio do Blog História Digital. Confesso que o História Digital
permitiu importantes contribuições no meu Trabalho Docente.
Por exemplo: inspirado no História Digital criei em 2008 um Blog
intitulado “O Historiador”, no qual passei a partilhar diversos
materiais didáticos para professores e estudantes de todo o país.
PROFESSOR – O seu Blog ainda está no ar?
PESQUISADOR – Está sim! Infelizmente por conta das pesquisas
não venho tendo disponibilidade para atualiza-lo com frequência!
PROFESSOR – Legal. Pode prosseguir!
PESQUISADOR – Outro exemplo foi quando encontrei um artigo
sobre Jogos Operatórios no História Digital, acredito que você deva
está lembrado!
PROFESSOR – Exatamente!
PESQUISADOR – A partir do mesmo e com auxílio do Power
Point criei o “Game História”. O Game História é um conjunto de
jogos educativos que envolvem os conteúdos trabalhados em sala
de aula e que ainda hoje utilizo em todos os níveis de ensino que
leciono.
PROFESSOR – Eu lembro quando você publicou em seu Blog
alguns jogos utilizando ferramentas como o “ProProfs”.
PESQUISADOR – Justamente professor! Esses desafios faziam
parte de um Quiz Virtual onde eu realizava diariamente no
Blog e no fim de cada mês premiava os melhores participantes.
Retomando!!! Bem, antes de iniciar essa entrevista, quero


2
Entrevista reflexiva

A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 93


destacar o prazer de estar conversando com você e agradecê-lo
pelas contribuições que têm sido importantes na realização do
meu trabalho docente. E nesse contexto que envolve educação
e tecnologias, tenho interesse em saber sobre o seu trabalho
docente mediado pelas TIC’s como recursos da Tecnologia
educacional. As transformações que o emprego das TIC’s tem
gestado no seu trabalho, os contatos iniciais, suas estratégias de
utilização, o processo de aprendizagem para lidar com as TIC’s, as
relações estabelecidas, e de que forma essa relação fez a diferença
no seu trabalho docente. (Nesse momento o professor realizava
algumas anotações sobre o propósito da entrevista) Seu depoimento é
muito importante para mim, pois ao longo de sua vivência com
as TIC’s você deve ter aprendido e compreendido muita coisa.
E, naturalmente, para apreender essas informações, preciso
conversar com você. Gostaria de saber se você está disposto a
conceder essa entrevista? Tendo em vista que tudo que você disser
é muito importante gostaria de sua autorização para gravá-la.
PROFESSOR – aham!!!
PESQUISADOR – Informo que somente eu e minha orientadora
teremos acesso a essa videogravação. No texto final da pesquisa
que estou realizando, irei utilizar um nome fictício que pode ficar
a sua escolha e desta forma estarei preservando a identificação de
sua pessoa. Assim que concluir essa entrevista irei encaminhar-lhe
uma cópia da mesma, bem como da transcrição realizada. Além
disso, você terá acesso à todos os dados da pesquisa, a qualquer
momento que sentir necessidade e também poderá retirar da sua
entrevista o que achar necessário. Durante essa entrevista, gostaria
que você ficasse a vontade para realizar qualquer pergunta, caso
tenha interesse.
PROFESSOR – Francisco!
PESQUISADOR – Sim!?
PROFESSOR – Qual o referencial teórico que você está utilizando
na sua pesquisa?
PESQUISADOR – Nossa pesquisa se fundamenta na Psicologia
Sócio-Histórica que têm como principais representantes Vigotski,
Leontiev e Luria. Utilizamos a categoria Significados e Sentidos

94 Francisco Antônio Machado Araújo


como categoria central, mas existem outras. (O professor
realizava anotações). É a partir dessa teoria que irei realizar
todo o processo de pesquisa, inclusive a análise dos dados
produzidos. A pesquisa se propõe a investigar os significados e
sentidos constituídos pelo professor sobre o trabalho docente
mediado pelas tecnologias educacionais. No que diz respeito aos
referenciais que me fundamentarão aos estudos sobre Tecnologia
educacional utilizarei Edith Litwin e Juana Sancho. Essas autoras
defendem o uso das TIC’s na educação de forma consciente.
Pensar a tecnologia para além do instrumental! Pensar as TIC’s
como recursos da Tecnologia educacional e não a partir de uma
visão tecnicista.
PROFESSOR – Me passe novamente o nome dessas autoras que
você me falou!
PESQUISADOR – Edith Litwin e Juana Sancho.
PROFESSOR – Tecla pra mim no Skype, porque depois quero dá
uma olhadinha! Porque também estou fazendo Dissertação de
Mestrado!
PESQUISADOR – Professor, se você quiser posso encaminhar por
e-mail todo esse material que tenho disponível sobre tecnologias
educacionais, inclusive minhas referencias.
PROFESSOR – Ok. Quando é que você vai defender sua
Dissertação?
PESQUISADOR – Pretendo defender em fevereiro de 2015 e
agora em agosto já estarei qualificando!
PROFESSOR – Eh, eu também!
PESQUISADOR – E você pesquisa sobre o que?
PROFESSOR – Então, eu estou trabalhando a tecnologia numa
perspectiva filosófica. Estou utilizando a Teoria Crítica, A escola
de Frankfurt, e um autor chamado “Jesse Bering”. Ele é da terceira
ou quarta geração da Escola de Frankfurt e possui um conceito chamado
“Tecnocentrismo”. É justamente essa ideia de como a tecnologia é vista,
inclusive como ela é vista em sala de aula. É um pouquinho dentro do seu
pensamento, mas eu trabalho mais no sentido da filosofia.
PESQUISADOR – Muito bom!!! Então pra iniciar nossa
entrevista gostaria que você narrasse fatos e acontecimento da

A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 95


sua trajetória como professor. Conte-nos sobre sua formação e
acadêmica e trajetória profissional e, se possível, o que lhe levou
a ser professor e em que momento as TIC’s passaram a fazer parte
de seu trabalho docente. Comente também como surgiu a ideia
de criar o História Digital.
Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

Ao concluirmos essa fase da entrevista, o aquecimento,


compreendemos que havia chegado o momento exato para
aprofundarmos nossa conversa em direção ao objeto de estudo da
investigação. Para esse momento, Szymanski (2004) sugere que essa
é uma nova fase, na qual o pesquisador deverá propor uma questão
desencadeadora. Essa questão foi cuidadosamente formulada,
por ter se tratado do início da fala do professor, na qual o mesmo
discutiu pela primeira vez sobre o objeto de estudo da investigação. A
questão desencadeadora, nesse caso, foi proposta tomando por base
os objetivos específicos da investigação. Com base nesses objetivos,
propomos no quadro 2 a seguinte questão desencadeadora:

Quadro 2: A questão desencadeadora da investigação

A QUESTÃO DESENCADEADORA – ER
PESQUISADOR - Justamente Professor! Então assim: O uso das TIC’s
hoje, nos diferentes contextos educacionais, é uma realidade da qual os
diferentes profissionais não podem fugir. Na profissão docente, o senhor
é um exemplo de profissional que tem usado as TIC’s nas diferentes
situações de realização do seu trabalho docente. A pergunta que eu
gostaria de fazer agora é a seguinte: Além do Blog História Digital ou dos
recursos tecnológicos utilizados numa aula, ou algo referente a própria
prática de ensino. Eu gostaria de saber em que outros momentos você
utiliza a as TIC’s nessa relação com a escola, no processo educacional, e
mediando o seu trabalho docente?

Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

Realizada a entrevista, recorremos a outros recursos propostos


por Szymanski (2004) numa entrevista reflexiva, a saber: a expressão

96 Francisco Antônio Machado Araújo


da compreensão; sínteses; questões de esclarecimento, focalizadoras
e de aprofundamento.
A expressão da compreensão é o recurso que se refere a
apresentação gradativa que o pesquisador vai realizando sobre o
discurso do sujeito entrevistado ao longo da entrevista. É importante
destacar que não se constitui interpretação da fala do sujeito, mas
síntese que procura expressar a compreensão dessa fala nas palavras
do pesquisador, conforme veremos no quadro 3:

Quadro 3 - Recursos da entrevista reflexiva: a expressão da compreensão

A EXPRESSÃO DA COMPREESÃO – ER
PESQUISADOR – Professor! E na sua relação com a escola, você usa as
TIC’s em outras situações para além da sala de aula?
PROFESSOR – Sim! Eu vou te mostrar um método que eu uso com os
alunos... Eu fiz uma pesquisa pessoal e acabei criando um método que
os alunos gostam muito tá! Eu não sei por que gostam, mas gostam!
Eu utilizo uma coisa que eu chamo de roteiro de atividade (...). Aí eles
vão lá pesquisar e trazem a resposta. Então o que eu tô fazendo? Eu tô
agregando o recurso do site a uma atividade pedagógica que é feita em
sala de aula.
Então tem várias coisas que eu uso, os jogos, por exemplo, mas sempre
com uma atividade correspondente. Por quê? Porque eu acredito que
toda ferramenta, toda atividade que o professor usa, tem que produzir
conhecimento, alguma forma de conhecimento! Então não basta ele
ir lá, realizar a navegação e visitar a Caverna de Lascaux2. Ele precisa
saber por que está fazendo isso! Tem que ter um fundamento, tem que
ter um objetivo! Então aí o objetivo vai ser produzir alguma forma de
conhecimento.
PESQUISADOR – Professor! Então assim: Pelo que pude perceber
você coloca as TIC’s como sendo importante no auxílio à mediação da
aprendizagem em sala de aula. Você coloca também a importância do
planejamento e de um trabalho mais objetivo. Não pensar as TIC’s apenas
como lazer, ou divertimento, mas algo permita a aprendizagem do aluno.
Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

As sínteses são realizadas a cada fase durante a entrevista


A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 97
reflexiva. Para Szymanski (2004, p. 41-42), esse recurso “é uma forma
de manter uma postura descritiva, além de buscar uma imersão no
discurso do entrevistado. Essas sínteses podem ter a função de trazer
a entrevista para o foco que se deseja estudar e aprofundá-los ao
encerrar uma digressão”. No quadro 4 mostramos um exemplo de
como realizamos as sínteses em nossa investigação:

Quadro 4 - Recursos da entrevista reflexiva: sínteses

SÍNTESES – ER
PESQUISADOR – Professor, eu tenho mais uma pergunta para você!
PROFESSOR – Manda!
PESQUISADOR – Em linhas gerais, você nos colocou sua trajetória, pro-
cesso de formação com as TIC’s, do Blog História Digital. Nos informou
também as melhorias que as TIC’s promoveram no seu trabalho docente.
Enfim, essa presença das TIC’s promoveu melhorias no seu trabalho do-
cente? Quais?
Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

As questões de esclarecimento são utilizadas quando o discurso


parece confuso, por que é uma forma de o pesquisador expressar o
que não ficou claro. Muitas das vezes isso ocorre quando o sujeito
entrevistado oculta parte da fala ou não tem as informações necessárias
para responder a pergunta. Em alguns casos, o sujeito entrevistado
inicia um diálogo interno, mas não conclui (SZYMANSKI, 2004).
Nesta investigação, raros foram os casos em que Cláudio ocultou ou
ficou impossibilitado de dar alguma informação. Apresentamos um
exemplo e questão de esclarecimento no quadro 5:

98 Francisco Antônio Machado Araújo


Quadro 5 - Recursos da entrevista reflexiva: questões de esclarecimento

QUESTÕES DE ESCLARECIMENTO – ER
PROFESSOR – Pode repetir a pergunta por favor!?
PESQUISADOR – ok. Irei ser mais sintético. Eu gostaria de saber em que
outros momentos você utiliza as TIC’s, além do site e da própria aula em
si?
PROFESSOR – Tá, então vamos lá! Posso pegar um copo d’água? Você
que é professor sabe que quando a gente começa a falar muito bate
aquela sede.
PESQUISADOR – Fique a vontade!
PROFESSOR – Então vamos lá! A pergunta é em que outros aspectos eu
utilizo as TIC’s?
PESQUISADOR – Sim, no seu trabalho docente. Por que é o seguinte
professor. Deixe-me esclarecer algumas coisas: O trabalho docente vai
para além do ato de ensinar, de estar em sala de aula. Ele abrange processos
bem mais amplos como a relação professor-escola, o planejamento, a
formação, outras atividades realizadas para a escola que não envolva
a prática de ensino, e é claro, abrange também a própria atividade de
ensino. Então eu gostaria que você me colocasse o seguinte: Além da
sua prática de ensino, além de preparar materiais para uma aula, ou da
organização e utilização do Blog História Digital, em que outras situações
a tecnologia faz parte do seu trabalho docente?
Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

As questões focalizadoras compõe um recurso da entrevista


reflexiva que tem a função de colocar o sujeito entrevistado no
foco do objeto de reflexão. Isso se dá durante alguns momentos
da entrevista quando o entrevistado se alonga demais na fala e,
consequentemente, muda o rumo da discussão. Szymanski (2004)
destaca que é importante que, nesses casos, prevaleça o bom senso
e o respeito ao entrevistado. Isso porque as questões focalizadoras
“são aquelas que trazem o discurso para o foco desejado da pesquisa,
quando a digressão se prolonga demasiadamente (SZYMANSKI,
2004, p. 46). Durante a entrevista reflexiva que fizemos com Cláudio,
em apenas um único momento, constatamos a necessidade de fazer
intervenção para retomar o foco da conversa. Mesmo realizando
A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 99
falas prolongadas, compreendemos que o professor permaneceu na
discussão que nos propusemos investigar. No quadro 6, apresentamos
esse momento em que fizemos uso das questões focalizadoras:

Quadro 6 - Recursos da entrevista reflexiva: questões focalizadoras

QUESTÕES FOCALIZADORAS – ER
PROFESSOR – Trocando em miúdos: O que eu acredito é que as TIC’s
podem potencializar a aprendizagem, porém, elas por si só não significam
quase nada. E esse potencializar da aprendizagem vai depender muito da
maneira como o professor vai utilizar isso na sala de aula...
PESQUISADOR – Eu gostaria que a gente saísse da sala de aula e fossemos
agora conhecer as TIC’s que você utiliza no seu trabalho docente, isto é,
de forma mais ampla. E eu gostaria de saber quais foram as principais
mudanças ou transformações que você consegue identificar após o uso
das TIC’s no seu trabalho docente?
Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

Nesse trecho de fala, o pesquisador chama atenção do


professor para mudar o foco da entrevista. Isso aconteceu em virtude
da necessidade de o pesquisador ampliar a discussão sobre as TIC’s
como recursos da tecnologia educacional no trabalho docente, tendo
em vista que Cláudio a todo instante identificava o trabalho docente
apenas como as atividades realizadas em sala de aula.
As questões de aprofundamento são aquelas “que podem ser
feitas quando o discurso do entrevistado toca nos focos de modo
superficial, mas trazem a sugestão de que uma investigação mais
aprofundada seria desejável” (SZYMANSKI, 2004, p. 48-49). No
quadro 7 descrevemos o momento em que tivemos necessidade de
perguntar ao professor sobre as mudanças que a presença desses
recursos produziram no seu trabalho docente. Levando em conta
que esta discussão atenderia a um dos objetivos desta investigação.

100 Francisco Antônio Machado Araújo


Quadro 7 - Recursos da entrevista reflexiva: questões de aprofundamento

QUESTÕES DE APROFUNDAMENTO – ER
PROFESSOR – Tá! Sim! Eu uso! Eu tenho usado algumas ferramentas
para a produção de provas, [...] Pô rapaz, tô tentando inventar um
aplicativo e se eu conseguir vou ficar rico! Por que não tem coisa mais chata
do que corrigir questão discursiva. Exige tutano, concentração, muito
detalhezinho. Mas é claro que eu tô brincando né! Não sei nem se isso
seria possível por que envolve uma série de questões. Mas, a tecnologia eu
uso sempre cara. Tem a questão desses trabalhos de produção de prova,
o próprio diário on line que eu uso aqui, de certa maneira é bastidor, eu
vou usar em sala de aula, mas é uma exigência do colégio. Então eu uso!
PESQUISADOR – Ok. Aproveitando que você falou de correção de
provas e tendo em vista que também sou professor e levo muitas provas
para corrigir em casa, gostaria de saber se com a inclusão das TIC’s no
seu trabalho docente houve alguma mudança nesse trabalho?

Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

Na última fase da entrevista reflexiva, que ocorreu 15 dias depois


do primeiro contato virtual, enviamos por e-mail cópia do conteúdo
que transcrevemos da entrevista realizada com Cláudio. Após a leitura,
ele concordou com o conteúdo narrado e transcrito sem necessidade
de alterações. Essa fase foi muito importante, porque tratou de
compromisso assumido pelo pesquisador durante a negociação da
entrevista. Ao enviarmos a transcrição ao professor e, na sequencia
recebermos sua concordância, validamos a entrevista e legitimamos o
conhecimento produzido durante o processo de produção de dados.
Concluída a entrevista reflexiva, realizada a transcrição dos
conteúdos e recebida a anuência do professor, a investigação seguiu
para outro movimento que se direcionou para o processo de análise
dos dados e a sistematização do meta-texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao utilizamos a entrevista reflexiva no processo de produção


de dados, entendemos que esse tipo de entrevista possibilita ao
pesquisador, diversas possibilidades. Isto é, o movimento reflexivo
A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 101
que esse tipo de entrevista exige, faz com que o sujeito entrevistado
reorganize o seu pensamento, produzindo reflexões que antes não
haviam sido tematizadas e possibilitando ao pesquisador uma
oportunidade de um diálogo aberto em que se levam em conta tanto
as intenções do pesquisador como do sujeito investigado.
Outro aspecto que nos fez optar pela entrevista reflexiva, foi
seu caráter amenizador das relações de poder e de desigualdades
estabelecidas entre pesquisador e pesquisado durante a entrevista.
Vejamos bem: sendo o pesquisador aquele que propõe o encontro,
define o objeto de estudo, escolhe o sujeito entrevistado e conduz
a entrevista, recai sobre ele um estatus de autoridade que pode
dificultar todo o processo. Na entrevista reflexiva esse obstáculo é
amenizado pelo diálogo, no qual o pesquisador acolhe e respeita os
saberes do sujeito entrevistado, considerando-os como o resultado
da compreensão de mundo.
Considerando essas informações, Cláudio foi muito mais
que um simples informante nesta investigação. Foi um importante
parceiro que atuou na descoberta dos significados e sentidos que o
mesmo constituiu sobre o seu trabalho docente mediado pelas TIC’s
como recursos da tecnologia educacional. Na entrevista reflexiva
temos um processo de construção de conhecimento coletivo, de
retomada de consciência, em que a fala de um influencia na fala do
outro.

Referências

ARAUJO, F.A.M.. Educação com tecnologia: conectando a dimensão


subjetiva do trabalho docente mediado pelas TIC´s. Teresina, 2005.
178 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal
do Piauí, 2005

BOGDAN, R., BIKLEN, S.. Investigação Qualitativa em Educação:


uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto. 1994.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo:


Atlas, 2002.

102 Francisco Antônio Machado Araújo


MARCONI, M. A; LAKATOS, E. M.. Técnicas de Pesquisa:
planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de
pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 1999.

MARX, K.. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1983. v.1

MINAYO, M. C. S. (Org). Pesquisa social: teoria, método e


criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

SZYMANSKI, Heloisa (Org.). A entrevista na pesquisa em educação:


a prática reflexiva. Brasília: Liber Livro, 2004.

A EXTREVISTA REFLEXIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO 103


A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: CONCEPÇÕES DOS
DOCENTES DO IFPI

Rosimeyre Vieira da Silva - UFPI


Carla Daiane Alencar Mendes - UFPI

INTRODUÇÃO

N
o contexto da formação acadêmica sabe-se que, em
qualquer nível de escolaridade, esta demanda análises
consistentes e aprofundadas, de modo permanente,
em especial no que diz respeito aos processos de formação
profissional docente. Nesse sentido, percebe-se, dentre as muitas
dificuldades inerentes ao currículo, lacunas quanto às formas de
aplicar e articular os saberes teóricos com a prática docente e, em
particular, com a prática investigativa.
Frente à necessidade cada vez mais iminente de os acadêmicos
apreenderem e compreenderem a complexidade da ação escolar
e educativa, atualmente vem ganhando força o pressuposto da
pesquisa como saber imprescindível na formação dos estudantes de
todos os níveis de escolaridade.
Assim, considerando o espaço formativo de graduandos, em
seus diversos contextos, em particular daqueles que exercerão a
docência, faz-se necessário realizar estudos que tragam como eixo
A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI
105
norteador não apenas a identificação quantitativa sobre quais
saberes docentes relativos à pesquisa são produzidos na prática,
mas, sobretudo, como são mobilizados, construídos, aprimorados
e valorizados na formação de licenciandos, em uma perspectiva
qualitativa.
Entende-se que é de grande relevância nutrir reflexões sobre a
formação do professor, neste quadro específico procurando analisar
a formação de graduandos para a prática da pesquisa pois o próprio
Projeto Nacional de Educação trata, na sua base de sustentação,
sobre a garantia que deve ser dada a todos os estudantes quanto
a um ensino que atenda ao princípio da liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber (Parecer CNE/
CEB Nº: 7/2010).
Diante da complexidade do campo empírico aposta-se na
possibilidade de contribuir para a ampliação do debate sobre a
formação de professores em seus contornos teóricos e metodológicos,
com uma investigação que procura auxiliar na sistematização e
socialização de conhecimentos produzidos pelas discussões e ações
desencadeadas.
Nesta perspectiva direcionou-se a pesquisa para o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), Campus
Teresina Central, que é uma instituição que oferece educação
básica, técnica e tecnológica, além da Licenciatura em Matemática,
Química, Física e Biologia no âmbito piauiense há apenas 13 anos,
no desenvolvimento de uma proposta educativa que visa atender as
demandas municipais e estaduais de professores para a Educação
Básica.
As reflexões aqui apresentadas partem do seguinte problema:
Até que ponto as práticas de pesquisa dos professores do IFPI
favorecem a formação do professor-pesquisador?
Para sistematização da pesquisa delineou-se alguma questões
norteadores como: Que recursos e dispositivos são empregados pelos
docentes na formação dos licenciandos para pesquisa? Quais as
concepções de pesquisa dos professores que atuam nas licenciaturas
do IFPI? Que atividades de pesquisa realizam os professores
formadores de professor?

106 Rosimeyre Vieira da Silva • Carla Daiane Alencar Mendes


O estudo apresenta-se como um ensaio no universo de trabalho
com a metodologia da Entrevista Compreensiva (KAUFMAN, 1996;
SILVA, 2006; 1996). A opção por este método de trabalho deu-se
a partir de estudos e orientações para reestruturação da proposta
de pesquisa do curso de mestrado em que o objeto de estudo
necessitava de uma abordagem metodológica capaz de compreender
a multiplicidade de sentidos que emergem nos discursos sobre
pesquisa.
A idealização da pesquisa justifica-se na crença de que é uma
temática que precisa ser melhor discutida nos meios acadêmicos e
que necessita de produção de conhecimentos capazes de favorecer
melhoria e fortalecimento da prática docente tanto no contexto da
Educação Superior como da Educação Básica.
É necessário refletirmos sobre os ambientes educacionais,
considerando-se que neles ainda se destacam as contraposições entre
teoria e prática e a influência de referenciais teóricos diversos, sem
um norte direcional ou perspectivas de mudanças efetivas, enquanto
sabemos que a escola é institucionalmente a maior responsável, ao
mesmo tempo, pela construção do conhecimento sistematizado,
quanto pelo fracasso escolar.
Uma reflexão sobre essa temática destaca a relevância da
construção do conhecimento em sala de aula, que, embora não
seja o único ponto merecedor de destaque na educação brasileira,
emerge continuamente com nítida necessidade de exposição.
Docentes e discentes podem agir potencialmente sobre os
processos de ensino e aprendizagem, a partir do trabalho com
o conhecimento, em uma relação de aproximação entre teoria e
prática, para permitir que ambos enfrentem os novos desafios
propostos na escola e fora dela, em outras condições, e, se
possível, mediatizados pela pesquisa.
Para fundamentar as reflexões têm-se como base referenciais
ideias de teóricos que discutem a temática como André (1996), Demo
(2011; 2012), Ludk (2014), Freire (1996), Nóvoa (1992), Pimenta
(2002), Tardif (2002) e Zeichner (1993) entre outros.

A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:


CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI
107
FUNDAMENTOS PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
PESQUISADOR

Numa análise histórica verifica-se que no início do século XX,


os Pioneiros da Educação Nova, na já distante década de 1930, ao
lado da defesa da co-educação na escola pública, laica, gratuita e
obrigatória, concebem o professor intelectual e cientista social,
funções que não prescindem da reflexão e da pesquisa como fonte
organizativa de seu fazer pedagógico.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova afirma que o
professor deve ser profissional diferenciado e possuidor de formação
geral, “cultura múltipla e bem diversa”, de tal forma solidificada que
nada deve escapar aos seus instrumentos de análise da realidade, ideia
que direciona a uma postura investigativa por parte do professor.
A Unesco em seu relatório editado em 1996, que aponta
caminhos para a educação no século XXI (DELORS, 2003) advoga
que estes processos para a autonomia de aprender devem ocorrer de
forma participativa e possibilitar a reflexão e a crítica.
Esses momentos sinalizam para uma proposta de formação em
que alunos/as e professores/as críticos/as, reflexivos/as e preparados/
as para o exercício da cidadania surgem como exigência da realidade,
concepções que passam a permear os discursos e documentos oficiais
no contexto educativo.
No Brasil o movimento de valorização da pesquisa na formação
do professor é recente. No final dos anos 80 surgem intensas
manifestações em prol da pesquisa na formação e prática dos
professores e cresce substancialmente na década de 1990 ao mesmo
tempo em que a pesquisa do tipo etnográfico e a investigação-ação
apresentam avanços.
Analisando o movimento que valoriza a pesquisa no Brasil
evidencia-se diferentes posições tomadas pelos teóricos: pregando
a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, e o caráter formador
da atividade de pesquisa (DEMO, 1991; 2011; 2012); estimulando
o desenvolvimento da pesquisa-ação entre grupos de professores
(GERALDI, 1998); Marli André, inspirando a prática da pesquisa
docente, por meio da colaboração entre pesquisadores da

108 Rosimeyre Vieira da Silva • Carla Daiane Alencar Mendes


universidade e professores da rede pública (ANDRÉ, 1996; 1997;
1999); já Ludke (1993; 2014) argumenta em favor da combinação
de pesquisa e prática no trabalho e na formação de professores;
Passos(1997) e Garrido(2000) evidenciam , a partir de seus trabalhos,
a possibilidade de trabalho conjunto da universidade com as escolas
públicas, por meio da pesquisa colaborativa.
No cenário internacional, é oportuno destacar o pensamento e
ações desenvolvidas por Keneth Zeichner, que há bastante tempo se
dedica à defesa do exercício de uma pesquisa próxima à realidade do
professor que atua em sala de aula, ou na escola. O próprio Zeichner,
pesquisador ativo da Universidade de Madison, tem colocado sua
preparação e sua experiência de pesquisador a serviço deste tipo de
pesquisa, deslocando suas atividades para centros escolares e até
para outros países, onde ele sente que elas correspondem melhor às
necessidades dos professores e alunos (ZEICHNER, 1998).
A concepção de professor pesquisador nos últimos anos tem
recebido uma atenção crescente. Já na década de 1970 no trabalho
pioneiro de L. Stenhouse, sobre o desenvolvimento do currículo a
pesquisa foi colocada em posição de destaque, pois esse autor, numa
bela metáfora, reivindicava para o professor a mesma situação do
artista, que ensaia com seus diferentes materiais as melhores soluções
para os problemas de criação.
Corroborando com a ideia Lüdke explica que:

É preciso entender essa ideia dentro do contexto da metáfora


do professor como artista, na qual o autor visualiza o trabalho
docente em contínua experimentação, cada mestre procurando
encontrar os melhores meios, as mais adequadas estratégias e os
recursos mais propícios para o ensino efetivo, em inteira liberdade,
dentro da sala de aula; do mesmo modo como o artista plástico
experimentam suas tintas e outros materiais, com os quais cria
sua obras de arte. (LÜDKE, 2014 p. 97).

Nesse sentido, segundo Stenhouse (1975), o professor deveria


experimentar em cada sala de aula, tal como num laboratório, as
melhores maneiras de atingir seus alunos, no processo de ensino-
aprendizagem.
A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI
109
Seguindo a tradição fundada em Stenhouse (1975), John Elliott
(1998), também na Inglaterra, desenvolve a ideia de pesquisa-ação,
como aliada do trabalho e do crescimento profissional do professor,
expandindo essa ideia para outros países, especialmente a Espanha,
onde ela tem integrado planos de reforma do sistema educacional
(ELLIOTT, 1993). Na linha de trabalho de Stenhouse e de Elliott, outros
autores do Reino Unido têm produzido trabalhos instigantes, como
Carr e Kemmis, com sua análise sobre a importância da dimensão
crítica no pensamento do professor (CARR E KEMMIS, 1986).
Contribuindo com as ideias expostas acima ressalta-se o
pensamento de Marli André quando expõe que:

Embora enfatizem pontos diferentes, essas proposições têm


raízes comuns, pois todas elas valorizam a articulação entre
teoria e prática na formação docente, reconhecem a importância
dos saberes da experiência e da reflexão crítica na melhoria
da prática, atribuem ao professor um papel ativo no próprio
processo de desenvolvimento profissional, e defendem a criação
de espaços coletivos na escola para desenvolver comunidades
reflexivas. (ANDRÉ, 2012 p. 57)

Assim, as proposições expostas supõem uma mudança nas
concepções correntes do ensinar e aprender. Afirmando um caráter
dinâmico do aprender que exige do aluno a mobilização de atividades
mentais que o levem a compreender a realidade que o cerca,
analisando-a para uma ação modificadora. Nesta perspectiva o
papel do professor é o do mediador que planeja e orienta o processo
de aprendizado, avaliando os resultados alcançados durante todo o
processo.

POR UMA PRÁTICA DOCENTE COM PESQUISA

Atualmente a formação de professores tem sido objeto de


estudos e pesquisas de inúmeros autores tanto no campo nacional
como internacional, em conseqüência da preocupação com uma
formação mais consistente em relação ao exercício da docência e
com a complexidade da prática educativa.

110 Rosimeyre Vieira da Silva • Carla Daiane Alencar Mendes


No cenário brasileiro e internacional os estudos e as pesquisas
que discutem a formação docente intensificaram-se ao longo da
década de 80 e coincidem com a afirmação da importância da
pesquisa na formação e na prática docente.
Com a finalidade de superar a racionalidade técnica presente
nas práticas pedagógicas e também na política educacional
brasileira, e avançar para uma racionalidade comprometida com
as práticas pedagógicas emancipadoras, a crítica ao tecnicismo e à
racionalidade instrumental aguçou o debate entre os pesquisadores
a favor da reflexividade e da necessidade da pesquisa no processo
de formação do professor como possibilidade de desenvolvimento
profissional e melhoria do ensino.
São diversas as contribuições e pode-se destacar, no
campo internacional, as reflexões de Schön sobre a formação
de profissionais reflexivos; as concepções de Nóvoa (1992), que
discute a possibilidade da diversificação dos modelos e das práticas
de formação que valorizem os saberes do próprio professor como
sujeito ativo na implementação das políticas educativas; e as ideias e
defesas de Giroux (1997) em prol dos professores como intelectuais
transformadores, que rejeita a possibilidade de redução do trabalho
do professor a meios técnicos, que favorecem a reprodução das ideias
pensadas por outros.
Ao pensar a formação de professores nesta última década, tem
sido discutida uma nova abordagem de formação de professores,
“que propicia a superação da racionalidade técnica com vistas a uma
concepção prática centrada no saber profissional, tomando como
base o conceito de reflexão” (SCHÖN, 2000, p. 83), destaca-se aqui
a importância da análise e da reflexão sobre a experiência concreta
da vida, como um processo de reconstituição e de reconstrução da
experiência.
Os momentos de reflexão significam oportunidades para a
formação pessoal e profissional. O desenvolvimento do educador
faz-se pelas possibilidades que o mesmo teve na vida, desde as de
caráter sistemático, como a formação acadêmica, até a simples
forma de viver em sua cultura. Daí a necessidade do professor refletir
sobre ação, ou ainda, sobre a reflexão na ação. Isto implica refletir
A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI
111
sobre as consequências pessoais, sociais e políticas dos efeitos da sua
ação no processo de aprendizagem dos alunos.
Nóvoa (1992, p. 25) em colaboração com vários outros autores
num processo de investigação propõe a formação na perspectiva
crítico-reflexiva, que “forneça aos professores os meios de um
pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de formação
autoparticipada”. Significa considerar na formação docente os
processos: de desenvolvimento pessoal que implica valorização de
seu trabalho crítico-reflexivo sobre a prática; de desenvolvimento
profissional que significa produzir a prática docente; de
desenvolvimento organizacional que implica compreender a escola
como espaço de trabalho e formação a partir de práticas de gestão
democrática e práticas curriculares participativas.
No diálogo reflexivo com a prática o professor estabelece um
dinamismo de novas ideias e novas pistas, que demandam dele
uma forma de pensar e agir mais flexíveis, anuncia-se assim novos
caminhos para a formação docente.
Atualmente diversas teorias voltam a atenção para uma nova
linha de investigação que é a epistemologia da prática, ou saberes
docentes que abordam as doutrinas ou concepções provenientes de
reflexões sobre a prática educativa, reflexões racionais e normativas.
Seguindo esta linha de estudo Freire (1996) expõe alguns
saberes necessários à prática educativa. Dentre estes destaca a
pesquisa como saber necessário ao ensino e afirma que “ensinar
exige pesquisa”, “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”
(FREIRE, 1996, p. 32). Reafirma seu posicionamento sobre ensino
e pesquisa ao pontuar que “enquanto ensino continuo procurando,
reprocurando” (FREIRE, 1996, p. 32).
Zeichner (1998) ao admitir a importância da pesquisa para
a atuação docente, aponta algumas limitações e possibilidades da
realização de pesquisas pelos docentes que derivam de diversos
condicionantes como composição multicultural de estudantes e
burocracias da escola. Contudo, o referido autor propõe o exercício de
uma pesquisa próxima à realidade do professor que atua em sala de aula.
Na visão de Perrenoud (1999), a pesquisa docente possibilita o
desenvolvimento de novas competências do educador a fim de que
ofereça respostas rápidas e criativas para realidades complexas.

112 Rosimeyre Vieira da Silva • Carla Daiane Alencar Mendes


Assim, todos esses posicionamentos teóricos expressam a ideia
de que toda a prática investigativa pressupõe e realiza-se mediante
um processo reflexivo, e neste sentido, toda a pesquisa é uma forma
especial de reflexão. Contudo, cabe evidenciar nesta proposição que
nem toda reflexão é necessariamente pesquisa e ambas, pesquisa e
reflexão, são na verdade, duas práticas distintas, complementares e
essenciais no processo de formação docente.
Importante destacar o conceito, que considera o professor
pesquisador como alguém que obrigatoriamente não se prende à
atuação em sala de aula, estando mais preocupado com a atividade
propriamente de pesquisa científica nos moldes da academia em
detrimento da docência. Conceito este que denota certa confusão
entre a ideia de professor pesquisador e a ideia de pesquisador
professor, este último envolve-se e centra seu fazer muito mais com a
atividade de pesquisador do que de ser professor.
Não existe uma concepção formada e bem definida a respeito
do que é um professor pesquisador, o professor de sala de aula torna-
se um professor pesquisador por meio de uma postura investigativa e
reflexiva de sua prática e da atividade docente como um todo. Assim,
os professores pesquisadores são os que produzem conhecimentos
sobre a sua docência, de modo que o desenvolvimento dessas atitudes
e capacidades permite reconstruir saberes, articular conhecimentos
teóricos e práticos e produzir mudanças no seu cotidiano.

ESTRUTURAS TEÓRICO- METODOLÓGICA DA PESQUISA

Partindo do pressuposto de que a prática docente exige a


coexistência de múltiplas referências teóricas para a compreensão
do fenômeno educacional e que para melhor compreensão dos
fenômenos relacionados a prática docente, pela complexidade dos
fatos educativos, têm-se como exigência uma leitura plural, sob
diferentes ângulos e um pesquisador com a capacidade de ter uma
postura aberta para as análise multirreferencial das situações fez-se
uma opção neste estudo pela metodologia da entrevista compreensiva.
Na entrevista compreensiva o objeto de pesquisa é construído
por meio de elaboração teórica das hipóteses forjadas no campo
A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI
113
de investigação. Neste sentido, no processo de construção da
pesquisa o pesquisador busca entender o registro de um saber social
incorporado pelos indivíduos à sua historicidade, às suas orientações
e as definições de sua ação em relação ao conjunto da sociedade.
No desenvolvimento da entrevista compreensiva tomando como
conceito mediador a escuta sensível foi possível reconstituir todo o
sistema simbólico e ver as coisas do ponto de vista do outro, no caso
o professor, pois valores e valoração explicitados por meio das falas
dos sujeitos são mediadores da compreensão e da explicação dos
sentidos dados por eles à sua ação social.
De acordo com Martins (1998, p. 20) “as inovações
tecnológicas, científicas e artísticas estão criando um mundo no qual
os indivíduos devem realizar seu próprio caminho sem o benefício
de referentes fixos ou ancoragem filosófica”. Esta realidade exige
o estabelecimento de uma nova leitura ou releitura dos conceitos
implícitos na construção científica deste real e para tanto a noção de
multirreferencialidade surge como um conceito capaz de estabelecer
uma nova leitura da realidade.
Elegemos como colaboradores da pesquisa dez professores
que são docentes nos cursos de licenciatura do IFPI, campus Teresina
Central atuando nos cursos de Matemática, Química, Física e Biologia.
No processo de construção da pesquisa o pesquisador busca
entender o registro de um saber social incorporado pelos indivíduos
à sua historicidade, às suas orientações e as definições de sua
ação em relação com o conjunto da sociedade obtidos a partir da
interpretação compreensiva das falas dos sujeitos. O pesquisador é
considerado um artesão, na busca de encadeamentos e regularidades
de sentido sobre a ação social.
Neste contexto como dispositivos organizativos, constituintes
da pesquisa utilizou-se o roteiro da entrevista, o quadro de
entrevistados, as fichas de interpretação e os planos evolutivos.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A partir das entrevistas acreditamos na relevância de mostrar


o que os professores pontuaram sobre as metodologias e trabalhos
adotados em sala de aula com vistas a formação com, para e pela

114 Rosimeyre Vieira da Silva • Carla Daiane Alencar Mendes


pesquisa. Assim, ressaltaram a construção de projetos de pesquisa,
artigo para submissão a eventos científicos, orientações, resenhas,
pesquisas em sites e livros, leituras diversas como ações docentes que
favorecem a investigação.
É nesse sentido que Vasconcellos (2005) destaca uma reflexão
sobre os ambientes educacionais, que, para ele, ainda se caracterizam
pelas contraposições entre teoria e prática, sem um norte direcional,
nem mesmo uma perspectiva de mudanças efetivas. Propõe a busca
por superação dessa estrutura, sendo imprescindível que a instituição
formadora, propicie às novas gerações uma compreensão científica,
filosófica, estética da realidade em que vivem, ou seja, a construção
do pensamento, uma forma de ressignificar seu pensar e agir de tal
forma que o conhecimento para o aluno seja significativo, crítico,
criativo e duradouro.
Os docentes investigados assumem que o principal eixo de
formação profissional é aquele em que as ações educativas possam
ser mediatizadas pela tríade teoria, prática e pesquisa, capaz de ampliar
as possibilidades de desenvolvimento de saberes fundamentais
à realização do trabalho docente do professor, os quais envolvem
simultaneamente aspectos teóricos e práticos, conceituais e
didático-pedagógicos, fundindo-se ao saber fazer e ao saber ser. É
em função desse eixo que, segundo os professores, os demais devem
orbitar durante o Curso de Licenciatura. Neste sentido os docentes
acreditam que:

São as atividades que envolvem a prática que potencializam a formação, pois remete a
uma reflexão sobre a ação, consequentemente provoca a pesquisa. (PROFESSOR A)
Alguns elementos e momentos limitam ensinar através da pesquisa tais como: o tempo,
pois muitos realmente estudam por necessidade, sem muito tempo para se envolver
com todos os eixos de sua formação; falta de organização do tempo, por parte daqueles
que ainda não possuem tantas ocupações; a falta de orientação, pois nós os professores
formadores precisamos nos preocupar e buscar sempre está à frente, buscando formação
permanente para fortalecer a nossa prática e consequentemente termos segurança para
ensinar e acompanhar o nosso aluno. (PROFESSOR B)
Algumas atividades potencializam o desenvolvimentos da pesquisa nos alunos como:
participação em eventos; integração como os projetos PIBIC, PIBID, Ciências sem
Fronteira; cumprir os estágios com compromisso. (PROFESSOR C)

A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:


CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI
115
Ponte (1996) defende, em contraposição à ideia tradicional de
formação, que é preciso conceber o desenvolvimento profissional
do professor vinculado à sua participação em múltiplas formas e
processos, mas que possibilitem aos professores a ampliação de seus
saberes profissionais a partir do que já sabem e vêm desenvolvendo.
Mas torna-se imprescindível reconhecer nas falas destacadas, que os
docentes possuem consciência de que a prática pode desencadear
a pesquisa e que é essencial a orientação do professor nas ações
educativas.
Em resposta a terceira questão norteadora da pesquisa:
Que atividades de pesquisa realizam os professores formadores de
professor do IFPI? Os docentes reconhecem a extrema importância da
formação permanente do professor-formador, e que seja dispensada
uma atenção maior aos investimentos em eventos para os alunos,
bem como sua integração nos projetos PIBIC, PIBID, Ciências sem
Fronteira. E expressão que articulação TCC
Na análise das falas constatou-se que diversos conhecimentos
são mobilizados pelos docentes com a finalidade de resolver
diferentes demandas que envolvem o processo ensino-aprendizagem.
Para realização dessa análise elencamos os quatro pressupostos
destacados por Demo (2007, p. 15), em relação à proposta de educar
pela pesquisa. Em primeiro lugar, a convicção de que a educação
pela pesquisa é a especificidade própria da educação escolar e
cidadania: o que melhor distingue a educação escolar de outros
tipos e espaços educativos é o fazer-se e refazer-se na e pela pesquisa.
Nesse pressuposto, as falas demonstraram que apenas três dos dez
investigados acreditam que “a base da educação escolar é a pesquisa,
não a aula, ou o ambiente de socialização, ou a ambiência física, ou
o mero contato entre professor e aluno” (DEMO, 2007, p.6), visto
que os depoimentos comprovam que grande parte das atividades
docentes estão voltadas para o ensino.
O segundo pressuposto compreende o reconhecimento de que
a educação pela pesquisa consagra o questionamento reconstrutivo,
com qualidade formal e política, como traço distintivo da pesquisa.
Neste aspecto Demo (2007), expressa:

116 Rosimeyre Vieira da Silva • Carla Daiane Alencar Mendes


[...] este é o espírito que perpassa a pesquisa, realizando-se de
maneiras diversas conforme o estágio de desenvolvimento das
pessoas. Assim, no questionamento aparece tanto a descoberta
crítica, quanto a capacidade de mudar, e a reconstrução como
instrumentalização mais competente da cidadania, que é o
conhecimento inovador e sempre renovado (DEMO, 2007, pp.10-
11).

O terceiro ponto destacado por Demo (2007) trata-se da


necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana no professor
e no aluno. Aqui o autor destaca “que esta postura não pode ser
vista como algo que cabe num momento e noutro não, ou em certos
ambientes especiais, mas como típica atitude, que faz de nossa
maneira de ser e ver permanentemente” (DEMO, 2007, p. 12). Os
discursos revelaram que a talvez a falta de formação para pesquisa dos
professores formadores tenha um impacto negativo na consolidação
de tal postura, pois para maioria deles tal atitude se evidencia de
forma pontual, em algumas situações ou momentos quando eles e os
alunos estão envolvidos com um TCC, PIBIC ou eventos científicos.
Finalmente, destaca-se a definição de educação como processo
de formação da competência histórica humana. Demo(2007) entende
por competência não apenas o ato de executar bem alguma coisa,
mas “refazer-se todo dia, para postar-se na frente dos tempos. É a
forma inovadora de manejar a inovação. Assim, o conhecimento só
pode ser inovador, se, antes de mais nada, souber inovar-se” (DEMO,
2007, p. 13). Para os docentes investigados este pressuposto para
se consolidar necessitaria de mudanças curriculares nas propostas
dos cursos de formação de professores e formação permanente, para
os docentes, envolvendo diversos aspectos da prática docente, por
meio da intencionalidade para uma formação problematizadora e
transformadora.
Em síntese todas as demandas analisadas ao se referirem
aos Conhecimentos da Pesquisa expressam que o domínio destes
facilitam uma ação mais efetiva do professor. Pode-se inferir que os
saberes relacionados com o contexto da prática pedagógica, quando
vinculados ao saber da pesquisa podem permitir identificar as teias
sociais e culturais que definem o espaço em que os processos de
A PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
CONCEPÇÕES DOS DOCENTES DO IFPI
117
ensinar e aprender acontecem e como se dá a interrelação entre elas.
Contudo, compreende-se que as ações, práticas docentes de pesquisa
ainda são tímidas e não suficientes para formação do professor-
pesquisador.
Conclui-se a partir da análise dos dados que os conhecimentos
da pesquisa em muito contribui para uma prática docente
problematizadora, sobretudo se forem mobilizados a partir dos
problemas que a própria prática coloca. Assim um curso de formação
inicial deve contribuir procurando desde o início da formação
desenvolver com os futuros professores pesquisas sobre a realidade
escolar com o objetivo de levá-los a refletir sobre suas atividades
docentes, formando-se um professor-pesquisador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notória a importância da formação inicial para o


desenvolvimento da percepção, construção e organização de diversos
saberes docentes, que de forma conjunta, se manifestarão, e exercerão
influência, dia após dia, no processo de ensino. Dessa forma, existe
a necessidade de os novos professores compreenderem nos diversos
campos do conhecimento seja na Matemática, na Física, na Química
ou na Biologia como uma disciplina de investigação, que cumprirá
esse propósito, desde que situações mobilizadoras ocorram, como,
por exemplo, através do estímulo às atividades de pesquisa e por
meio de resoluções de problemas próximos a realidade.
O aprendizado a partir da prática é a melhor descrição do que
se poderia denominar de aprendizado para ensinar, pois é por meio
dele que se tem a oportunidade de aprender a lidar com a surpresa,
a incerteza e a complexidade intrínsecas ao cotidiano da sala de aula.
Após um processo de reflexão no decorrer desse estudo, entende-
se que o ato reflexivo no processo de formação e na prática docente
constitui razões fundamentais para a produção de conhecimento e
transformação do contexto escolar.
Diante dessas considerações, acreditamos que uma prática
reflexiva é elemento essencial na construção de saberes, visto que
uma postura reflexiva é intrínseca ao trabalho docente, tanto nas

118 Rosimeyre Vieira da Silva • Carla Daiane Alencar Mendes


situações incertas e caóticas, quanto nas que despertam emoção e
prazer. Em decorrência, uma prática reflexiva jamais é inteiramente
solitária, pois se apóia no diálogo, na análise do trabalho executado,
na avaliação do que se faz, nos grupos de formação, na interação
com as leituras e tantos outros elementos.
Nesse sentido, não há como dissociar reflexão e pesquisa, teoria
e prática, são faces integrantes e constituintes de um todo, ciência e
prática, articulando-se no desenvolvimento formativo do professor,
num momento de mudança que vem caracterizando a profissão
docente. Sendo o professor protagonista fundamental do processo
educativo, é cada vez mais solicitado a dar resposta a questões que
lhes são colocadas e para os quais nem sempre recebeu uma formação
adequada. Assim torna-se pertinente a formação permanente pois só
agindo sobre aquilo que se conhece se consegue analisar e transformar,
como revela Freire (1996, p.109), “o espaço pedagógico é um texto
para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito”.
Por fim, embora a reflexão e a pesquisa venha se tornando uma
exigência para o fazer docente, muito mais do que simples atributo,
não escapa das tensões e dilemas vivenciados pelos professores.
Todavia devemos acreditar que é possível construir esse caminho
através de um trabalho árduo de desconstrução e reconstrução dos
protagonistas desse processo.

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ZEICHNER, Kenneth M. A Formação Reflexiva de Professores,


Ideias e Práticas. EDUCA, Lisboa 1993.

______. Para além da divisão entre professor-pesquisador e


pesquisador acadêmico. In: GERALDI, Corinta; FIORENTINI, Dário
e PEREIRA, E.M. de A. (orgs.). Cartografias do trabalho docente:
Professor(a)-pesquisador(a). Campinas: ALB/Mercado de Letras
(Coleção Leituras do Brasil)

122 Rosimeyre Vieira da Silva • Carla Daiane Alencar Mendes


A PRÁTICA COLABORATIVA NOS
PROCESSOS DE PESQUISA, ENSINO E
APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS
FORMAS DE PENSAR E DE AGIR

Márcia Ribeiro Silva Fernandes - SESI


Marlinda Pessôa Araujo - Fac. Maurício de Nassau

As práticas colaborativas propiciam as trocas de


saberes, principalmente se conduzidas pelo diálogo.
E geram um potencial emancipatório, na medida
em que as ações são conceitual e criticamente
orientadas para a mudança e, neste movimento,
realça-se o significado das ações coletivas, talhando
transformações no essencial, ou seja, no espírito
dos participantes, deste modo, transformam-se as
pessoas e com elas as instituições.
(AZEVEDO, 2002, p. 54)

COLABORAR: O COMEÇO...

O
interesse em trabalhar com a pesquisa colaborativa
teve início a partir da minha experiência como
colaboradora de um grupo de pesquisa em nível de
mestrado1 que fazia uso desse tipo de pesquisa. Posteriormente,


1
Desenvolvido por Araujo (2010), na dissertação “O processo dialógico:

A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS DE PESQUISA, ENSINO E


APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS FORMAS DE PENSAR E DE AGIR
123
esse interesse foi fortalecido ao cursarmos a disciplina Seminários
Temáticos, no curso de pós-graduação em Docência do Ensino
Superior2, que oportunizou estudos sobre a pesquisa colaborativa,
resultando em um artigo como trabalho de conclusão de curso, que
ora apresentamos.
Nesse contexto, refletimos sobre a pesquisa colaborativa sob
o olhar do pesquisador, do professor e de estudantes, em busca
de relacionar a colaboração com esses três processos, ou seja, a
pesquisa, o ensino e a aprendizagem. Assim, elaboramos nossa
questão central: quais os benefícios da abordagem colaborativa nos
processos de pesquisa, ensino e aprendizagem?
Com o objetivo geral de evidenciar as contribuições da
prática colaborativa inserida nos contextos da pesquisa, ensino e
aprendizagem; e os benefícios trazidos para os envolvidos, propomos,
especificamente: refletir sobre a prática da pesquisa na ótica da
colaboração; compreender o fazer pedagógico no âmbito da prática
colaborativa e; evidenciar os ganhos da aprendizagem quando essa
se dá por meio da colaboração.
As práticas colaborativas, conforme explicitado na epígrafe inicial,
oportunizam a troca de saberes. Os indivíduos se responsabilizam
pelas suas ações, pelo seu aprendizado, respeitando as contribuições
dos outros colaboradores. A partir do momento em que as interações
são oportunizadas, os processos de reflexão são favorecidos e a
aprendizagem se torna mútua, criando-se melhores condições para o
enfrentamento de obstáculos e de incertezas que possam surgir.
No percurso deste trabalho, será observado que tanto no ato
de pesquisar quanto no ato de ensinar e de aprender, as práticas
cotidianas têm, em seu alicerce, a sinergia, o respeito mútuo e a
solidariedade entre as partes e a colaboração – valor que deve ser
agregado nesse processo.
Trazemos, no presente artigo, uma revisão de literatura sobre
a prática colaborativa inserida nos contextos de pesquisa, ensino

conceito de planejamento de ensino internalizado pelos professores de ensino


superior e a prática pedagógica.”

2
Cursado em 2010, na Sociedade de Ensino Superior Piauiense, hoje Faculdade
Maurício de Nassau.

124 Márcia Ribeiro Silva Fernandes • Marlinda Pessôa Araujo


e aprendizagem, o qual aborda as ideias de três pesquisadores
do tema: Ibiapina (2008), Grícoli, (2006) e Damiani (2008) que
abordam, respectivamente, sobre A Conquista: pesquisadores e professores
pesquisando colaborativamente; A formação do professor investigador na escola:
possibilidades e limites da pesquisa colaborativa; e Entendendo o trabalho
colaborativo em educação e revelando seus benefícios, dentre outros que
fundamentaram a pesquisa.
Dividimos o trabalho em três partes: na primeira, destacamos
“A arte de colaborar na pesquisa”; na segunda “O ensino e o processo
de colaboração”; e a terceira, sobre “O aprender colaborativamente”.
O trabalho se encerra com algumas considerações acerca do que foi
apresentado a respeito do fazer colaborativo.
Para iníciar, refletimos agora sobre a colaboração no fazer
pesquisa:

[...] envolve a necessidade de compreender que, para mudar a


teoria, a política e a cultura escolar, é necessário optar pelo desafio
de co-produzir conhecimentos com os professores, aproximando
o mundo da pesquisa e ao da prática. Na démarche de pesquisa
colaborativa, o pesquisador não dirige um olhar normativo e
exterior “sobre” o que fazem os docentes, mas procura “com” eles
compreender as teorias que regulam a prática docente, de forma
a favorecer o desenvolvimento da capacidade de transformar
reflexivamente e discursivamente a atividade desenvolvida por
esse profissional. (IBIAPINA, 2008, p. 25).

Pesquisar colaborativamente desperta a necessidade dos


partícipes envolvidos, tanto pesquisador, como pesquisado, para
a busca de compreensão das causas de sua história pessoal e
profissional, oportunizando desenvolvimento e possibilidades de
transformação da realidade concreta.
A seguir, discorremos sobre a arte de colaborar na pesquisa.

A ARTE DE COLABORAR NA PESQUISA

O primeiro trabalho analisado – A conquista: pesquisadores e


professores pesquisando colaborativamente – de Ibiapina (2008), discute
a pesquisa-ação e apresenta a abordagem colaborativa como
A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS DE PESQUISA, ENSINO E
APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS FORMAS DE PENSAR E DE AGIR
125
modalidade de investigação e de formação em que processos de
compreensão, de interpretação e de transformação das realidades
sociais são levados a cabo.
A autora compartilha ideias de outros pesquisadores como
Carr e Kemmis (1986, 1988), Kemmis (1987), Desgagné (1997,
2001), Liberali (1999, 2003), Magalhães (2002, 2004), Ferreira
(2002), Giovani (1998, 2003), Celani (2003), Fiorentini (2004,
2006), Pereira (2002, 2003), principalmente, quando reafirmam o
papel da colaboração e da reflexão crítica nos processos de mudança
das pesquisas em educação.
A autora, na referida obra, utiliza como referencial teórico
e metodológico o Materialismo Histórico Dialético, a partir da
abordagem Sócio-Histórica, apoiado nos estudos de Vigotski (2000,
2001), Kopnin (1978) e Bakhtin (2000, 2002).
Ibiapina (2008) apresenta as principais contribuições da
pesquisa colaborativa para o processo de produção de conhecimentos
e para a formação de professores. Dentre elas, estão: a possibilidade de
investigar e de intervir na própria ação educativa; o desenvolvimento
da autoconsciência do que-fazer educativo; e a investigação realizada
com o professor e não sobre o professor, favorecendo a construção
do conhecimento.
Considerando a pesquisa-ação, Ibiapina faz referência aos
estudos de Kemmis (1987) e de Pereira (2002) afirmando que a
pesquisa colaborativa utilizada nas investigações em educação
se renova para atender às preocupações dos professores e de sua
profissão, buscando estratégias de mudança e de transformação
para melhoraria de sua prática. Nesse momento, compreende-se que
esse tipo de pesquisa se desenvolve a partir do planejamento de ciclos
reflexivos sobre a prática docente, ampliando a visão de que, não
somente os pesquisadores, mas também os professores devem ser
vistos como produtores de conhecimentos.
Dessa forma, Ibiapina (2008) entende que o pesquisador tem o
objetivo de intervir e de reelaborar a dialética da ação docente desde
que permita a reconstrução da realidade por parte do professor,
que é libertado de hábitos e de costumes burocráticos, adquirindo
autonomia para coproduzir e refletir sobre sua ação de forma
colaborativa. Assim, a pesquisa-ação em educação passa a adquirir

126 Márcia Ribeiro Silva Fernandes • Marlinda Pessôa Araujo


intencionalidade emancipatória, desenvolvendo no professor um
poder transformador a partir do momento em que faz análise crítica
e reflexiva das situações-problemas que vivencia no processo de
ensino e de aprendizagem.
Nesse contexto, a colaboração é vista e entendida como
um desafio para pesquisadores e professores. Ambos tornam-se
parceiros na investigação de suas práticas, na medida em que se
permitem participar dos ciclos colaborativos de reflexão, convergindo
para o desenvolvimento da pesquisa. Assim, o professor torna-se
pesquisador de sua própria prática.
A pesquisa colaborativa se faz quando há envolvimento dos
professores na investigação de um determinado objeto de pesquisa.
Na constatação do distanciamento entre a prática profissional e a
pesquisa, entre universidade e escola, entre teoria e prática, a ideia
de colaboração emerge para envolver professores e pesquisadores
e incentivá-los a enfrentar o desafio de reelaborar as práticas
escolares, assim como de contribuir para o desenvolvimento de seus
participantes.
Ibiapina (2008) compreende que a pesquisa colaborativa é
prática social empreendida pelos pesquisadores e professores com o
objetivo de melhorar ou de modificar a compreensão de determinada
realidade, e as condições materiais nas quais o trabalho docente é
realizado, considerando, principalmente, o exercício reflexivo para
a produção de conhecimento e para a formação. Para isso, fazem-
se necessárias três condições, a saber: investigação colaborativa,
ciclos sucessivos de reflexão crítica e a coprodução de saberes entre
pesquisadores e professores.
A primeira condição – investigação colaborativa – aborda
conceitos de pesquisa colaborativa em que os professores participam
de todas as etapas ligadas à investigação formal e são responsáveis
por delimitar e definir, juntamente com o pesquisador, o objeto
de pesquisa, os processos de construção de análise dos dados, a
apresentação e a publicação dos resultados obtidos. Contudo, o
que caracteriza esse tipo de pesquisa é, sobretudo, a contribuição
específica de cada participante, não excluindo a possibilidade de o
professor participar das tarefas formais da pesquisa.
A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS DE PESQUISA, ENSINO E
APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS FORMAS DE PENSAR E DE AGIR
127
A autora alerta para não confundir o significado de
colaborar com o processo de pesquisa. O professor deve participar
como coprodutor da investigação e não copesquisador, tendo a
possibilidade de compreender melhor sua prática, e o pesquisador,
de fazer análise, contribuindo para a formação a partir de atividades
reflexivas que tragam transformações no agir docente.
Há a necessidade de se diferenciar cooperar de colaborar,
frequentemente confundidos. Na cooperação, deve-se entender que
uns ajudam os outros (co-operam). Na colaboração, compreende-
se o trabalho conjunto, envolvendo todos (co-laboram), o que
significa oportunidade igual e negociação de responsabilidades. É
oportunizado aos partícipes ter voz e vez em todos os momentos
da pesquisa, de modo que um par mais experiente compartilha com
o outro, menos experiente, o conhecimento na realização de uma
atividade com o objetivo de elevar o nível de consciência de ambos.
O processo colaborativo, segundo a autora, é mais complexo
do que aparenta, pois tem função dupla: formação e construção de
conhecimentos. Ibiapina (2008) deixa evidente que, no processo de
pesquisa, o pesquisador deverá ter uma atenção especial para com o
professor em cada uma das etapas planejadas.
Os ciclos sucessivos de reflexão crítica – segunda condição para
realização da pesquisa colaborativa –, são compreendidos como ações
sistematizadas de reflexividade que auxiliam os professores a mudar
a compreensão das ideias construídas socialmente sobre o trabalho
docente; a modificar o sentido de sua própria ação no processo
sócio-histórico de construção dessas ideias; motiva-os a descobrir
as relações contraditórias e a possibilidade de superá-las. Ibiapina
(2008), ao utilizar a abordagem Sócio-Histórica – compreendida
como facilitadora da compreensão do conceito de reflexividade,
pois está associada à internalização, à atividade –, discorre sobre
a reflexão como um processo de base material responsável pela
recordação e o exame da realidade com o objetivo de transformá-la.
Enfatiza que a reflexão concede poder aos professores, permitindo-
os (re)construírem os seus contextos sociais, dando condições
para compreenderem que, para mudar o processo educacional, é
necessário transformar sua própria forma de pensar e de agir.

128 Márcia Ribeiro Silva Fernandes • Marlinda Pessôa Araujo


Na última condição – envolvimento da coprodução de saberes
entre pesquisadores e professores – é compreendido que, para o
professor tornar-se coprodutor de saberes na pesquisa colaborativa,
é necessário envolvimento e liberdade para falar de sua prática, assim
como para ouvir a fala de outros. A pesquisa colaborativa possibilita
um entendimento entre os docentes em torno de seu contexto real,
pois na medida em que os permite explorar esse contexto, os orienta
a construir novas oportunidades de aprendizado.
Nesse tipo de pesquisa, o professor se desenvolve por meio de
seu engajamento no processo de reflexão crítica sobre determinado
aspecto de sua prática, processo que o levará a explorar situações
novas e a compreender teorias e hábitos até então não compreendidos
devido ao seu nível de consciência, para, com base na reflexividade,
construir o entendimento das determinações históricas e dos vieses
ideológicos que ancoram a prática escolar.
Para tanto, reafirma que, para se realizar a pesquisa
colaborativa, é necessária a defesa do uso da investigação como
estratégia de formação e de desenvolvimento profissional, o que
serve de fundamento para a coprodução de conhecimentos e uma
possível mudança das práticas educativas.
Passamos, então, a discutir sobre o modo de ensinar
fundamentado num pensamento colaborativo.

O ENSINO E O PROCESSO DE COLABORAÇÃO

Quando falamos do ensino focado no processo de colaboração,


o trabalho “A formação do professor investigador na escola: possibilidades
e limites da pesquisa colaborativa”, de Grícoli et al. (2006), traz uma
investigação das formas de aprender do professor e as razões que os
levam a mudar ou a resistir às mudanças da prática, ocorrida numa
escola da Rede Municipal de Campo Grande – MS.
Organizado em cinco partes, esse trabalho, no primeiro
momento, faz considerações importantes sobre a construção dos
saberes docentes e a prática reflexiva. A pesquisa é fundamentada
sob a ótica de vários pesquisadores, dentre eles: Perrenoud (1997),
Tardif, Lessard e Lahaye (1991), Pimenta (1999), Carr e Kemmis
A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS DE PESQUISA, ENSINO E
APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS FORMAS DE PENSAR E DE AGIR
129
(1985), Bourdieu (2000), Piaget (1977), Malglaive (1995), Shön
(1995), Zeichner (1993), Hernandez (1998), Hargreaves et al. (2002).
Os autores do artigo depreendem “[...] um raciocínio
obrigatório para a formação de professores: compreender a lógica
da ação, que sustenta a prática docente, se faz pela lógica da reflexão
que possibilita, não só desvendar a lógica da ação como alimentá-la,
corrigindo-a ou complementando-a.” (GRÍCOLI et al., 2006, p. 4). O
professor, então, para se tornar um investigador de sua prática, deve
possibilitar a convergência entre teoria e prática, deixando de ser um
mero técnico que reproduz práticas convencionais para transformar
com autonomia o seu fazer docente.
Para Grícoli et al. (2006, p. 5):

[...] Transformar a prática docente é uma tarefa complexa e é


fundamental que se compreenda como os professores constroem
seus saberes, como eles aprendem quando se estabelece um
ambiente colaborativo dentro da escola, no qual se possibilita
sua prática reflexiva, diferentemente das situações tradicionais
em que os programas de capacitação são impostos ao professor.

A prática reflexiva possibilita aos professores a produção da


teoria e, ao mesmo tempo, a explicação dessa, a partir da análise
crítica e discursiva da realidade, o que não necessariamente leva à
mudança, mas contribui para ampliar a compreensão do processo
pedagógico desenvolvido pelo professor.
A transformação da prática é uma tarefa complexa. Os processos
de formação dos professores raramente se integram a suas práticas,
levando os autores à indagação: como os professores aprendem? Ou,
qual é a origem de suas resistências frente aos desafios da prática?
Sabendo que o professor necessita desenvolver conhecimentos,
atitudes e habilidades necessárias à investigação da própria
prática, os autores utilizam a pesquisa colaborativa, que promove
o desenvolvimento profissional e a coprodução de conhecimento,
afinal, as pesquisas colaborativas possibilitam intervenções na
busca de favorecer o processo de construção da autonomia e de
emancipação dos professores, propiciando o aperfeiçoamento
autogestado de seu fazer pedagógico.

130 Márcia Ribeiro Silva Fernandes • Marlinda Pessôa Araujo


Os autores se preocupam em fazer a distinção entre os termos
cooperação e colaboração tendo em vista a diversidade de termos
empregados na literatura para designar as diferentes formas de
trabalho conjunto, enfatizando que a diferença do segundo termo
para o primeiro está nos níveis de autonomia dos participantes e na
hierarquia que legitima a tomada de decisões pelos pesquisadores
mais experientes.
Acrescenta que grupos cooperativos podem evoluir para
os colaborativos, cuja evolução se dá de forma mais lenta e mais
complexa, a não ser que os participantes estabeleçam relações de
confiança, apoio mútuo e maior aproximação e afeto. Reafirmam
que as práticas colaborativas – seja nos grupos de estudo, seja
em atividades de pesquisa propriamente –, supõem sempre a
adesão voluntária e espontânea do professor, e responsabilidades
compartilhadas.
Considerando que, na pesquisa colaborativa, as questões
norteadoras da investigação relacionam-se aos problemas e/ou às
dificuldades identificadas pelos professores na sua prática, a pesquisa
do trabalho analisado foi realizada em três etapas: participação
dos pesquisadores na vida da escola, com a intenção de apreender
a “cultura da escola” no que se refere aos aspectos investigados;
encontro de formação com os professores para levantamento e
discussão de questões capazes de mobilizá-los para uma reflexão
sobre a prática; relato, pelos professores, de suas experiências no
magistério, de suas trajetórias profissionais, da construção dos
saberes docentes.
Foram envolvidos na pesquisa analisada 10 professores dos anos
iniciais do ensino fundamental, a diretora, a supervisora pedagógica
e a orientadora educacional. Essa pesquisa foi desenvolvida em 10
reuniões de estudo, em que todos os procedimentos foram registrados
sistematicamente com o intuito de futuras reflexões sobre o processo
de formação.
Os resultados alcançados na pesquisa foram mostrados
sob dois planos: um mais específico, relacionado com a questão
dos desafios de se trabalhar com crianças com dificuldades de
atenção e de concentração (tema definido colaborativamente entre
os partícipes nas reuniões reflexivas, como elemento gerador das
A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS DE PESQUISA, ENSINO E
APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS FORMAS DE PENSAR E DE AGIR
131
discussões sobre a prática docente); e um mais amplo, como parte
do movimento de reflexão sobre a prática docente, instalado entre os
participantes da pesquisa.
No primeiro plano, o trabalho desenvolvido possibilitou relato
e seleção dos casos, formulação de hipóteses explicativas, leitura e
discussão de material de apoio teórico, observação orientada dos
casos selecionados e desenvolvimento de novos padrões de interação
com esses alunos.
No segundo plano, a partir das reflexões colaborativas, os
professores participantes da pesquisa reconheceram a importância e
a necessidade de trabalhar colaborativamente, envolvendo a tomada
de consciência de suas práticas; a necessidade de identificação e de
compreensão dos diferentes estilos de gestão docente; a consciência
da complexidade da prática pedagógica, sentido a necessidade de
pensar, de fazer escolhas diante de cada situação; a importância da
discussão conjunta sobre os problemas da escola e de que forma
enfrentá-los como parte da construção coletiva da identidade do
grupo e do fazer escolar; a necessidade de assegurar espaços de
formação e trocas conjuntas dentro da própria escola, dentre outras.
Por último, os autores destacam que os professores passaram
a ver o elemento gerador de discussões de forma menos genérica,
ultrapassando o senso comum e conseguindo fazer uma análise
mais globalizada, ao deslocarem o foco de atenção, antes centrado
somente no aluno e na sua família, para o professor e suas práticas,
o que reforça a ideia de que a aprendizagem dos professores se faz
quando o ponto de partida é um problema por ele vivenciado e para
o qual ele está empenhado em encontrar saídas.
Sobre a modalidade de pesquisa assumida (colaborativa),
ficou evidenciado que os professores dão importância a
momentos específicos para a discussão dos seus problemas, para
o compartilhamento desses, como forma de amainar a solidão do
trabalho docente, assim como para reforçar a ideia, ainda frágil, de
que as respostas aos problemas poderiam nascer do próprio grupo.
No entanto, os autores deixam claro que a intenção inicial de
formar um grupo colaborativo e realizar uma pesquisa na qual os
professores fossem considerados não como objetos de pesquisa, mas

132 Márcia Ribeiro Silva Fernandes • Marlinda Pessôa Araujo


como sujeitos detentores de saberes específicos à docência, não se
realizou completamente, devido a atividades assumidas pela escola,
entre outras, o que inviabilizou a participação de alguns, levando
os autores a considerarem o fator tempo, disponível para formação
reflexiva, ainda insuficiente, e a indagar sobre as reais possibilidades
de se desenvolver um processo de formação na escola, embasada na
pesquisa colaborativa que supõe a adesão espontânea e voluntária
do professor, o que dificilmente é previsto para um trabalho de
formação no espaço institucional.
Se o ensinar colaborativamente abre portas para a emancipação
docente, como será, então, o aprender nessa perspectiva? Veremos a
seguir.

O APRENDER COLABORATIVAMENTE

Em “Entendendo o trabalho colaborativo em educação e revelando


seus benefícios”, Damiani (2008) discute e reafirma a importância do
desenvolvimento de atividades colaborativas nas escolas e nos mostra
como é possível aprender colaborativamente.
O referido trabalho, organizado em seis partes, revela
ampla revisão de literatura. A autora apresenta dados de estudos
considerados metodologicamente sólidos e teoricamente relevantes
sobre o trabalho colaborativo na Educação.
Dentre os teóricos pesquisados pela autora: Parrilla (1996),
Costa (2005), Fullan e Hargreaves (2000), Torres, Alcântara e Irala
(2004). No estudo, Damiani (2008) discorre sobre o significado
dos termos colaboração e cooperação, entendidos, inicialmente,
como sinônimos, mas logo em seguida descritos com suas
diferenças, ganhando destaque o significado de colaboração, em
que os participantes de um grupo compartilham decisões, visando
atingir objetivos comuns negociados pelo coletivo, chegando a ser
compreendido como uma filosofia de vida.
Na perspectiva de evidenciar as contribuições da Psicologia para
o entendimento dos processos envolvidos no trabalho colaborativo,
Damiani (2008) compreende que a constituição dos sujeitos, o seu
aprendizado e suas formas de pensar, ocorrem por meio das relações
com o outro. Esse outro se torna imprescindível, pois sem ele o
A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS DE PESQUISA, ENSINO E
APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS FORMAS DE PENSAR E DE AGIR
133
homem não mergulha no seu mundo interior, não se desenvolve por
não identificar suas potencialidades. Dessa forma, não se permite
aprender, e suas funções psíquicas, sua consciência não progridem,
enfim, o sujeito não se constitui enquanto tal.
Para a autora, o ato de pensar está aninhado em atividades
socialmente organizadas e historicamente formadas, o que
demonstra um caráter interativo, dialógico e argumentativo. Dessa
forma, podemos considerar que parte essencial do processo de
aprendizagem se dá quando um grupo de pessoas tenta resolver um
problema e estabelece um diálogo em que soluções são propostas,
ampliadas, modificadas ou contrapostas, convergindo, assim, para
o que chamamos de coprodução de conhecimento.
Quando se trata da importância do trabalho colaborativo entre
professores, a autora destaca as dificuldades do trabalho docente,
visto como solitário, e questiona a superação dessas dificuldades por
meio de ações que promovam o engajamento ativo, a tolerância, o
desenvolvimento da cultura colaborativa como provedora de trocas
de experiências. Compreende que essa forma de trabalho apresenta
potencial para enriquecer a maneira de o professor pensar, agir e
resolver problemas.
Ao repensar os momentos de dispersão dos professores e os de
organização, que segundo a autora, acabam sendo mal utilizados,
ela sugere a utilização desses momentos como espaços de reflexão,
de planejamento e de transformação de prática docente. Não nega a
importância da atividade individual do professor, mas compreende a
importância dos dois tipos de atividades – grupais e individuais: uma
complementando a outra.
Sobre os efeitos do trabalho colaborativo entre professores, a
pesquisa mostra que as escolas que trabalham nessa perspectiva são
mais inclusivas, apresentam baixos índices de repetência e de evasão,
alto grau de satisfação e de investimento em formação contínua de
seus docentes. Escolas com esse perfil constituem-se em excelente
espaço de aprendizagem. Seus professores organizam-se e gerenciam
os seus próprios processos de formação, valorizando o trabalho em
conjunto, desenvolvendo o sentimento de respeito e de valorização
próprios, assim como sua autonomia.

134 Márcia Ribeiro Silva Fernandes • Marlinda Pessôa Araujo


Entre os ganhos apresentados para os estudantes no
desenvolvimento do trabalho colaborativo estão a socialização;
o controle dos impulsos agressivos; a adaptação às normas
estabelecidas; a superação do egocentrismo; a aquisição de aptidões
e habilidades; e o aumento do nível de aspiração escolar. É verificado
que as crianças, ao trabalharem juntas, “[...] orientam, apóiam,
dão respostas e inclusive avaliam e corrigem a atividade do colega,
com a qual dividem a parceria do trabalho, assumindo posturas e
gêneros discursivos semelhantes aos do professor.” (DAMIANI apud
COLAÇO, 2004, p. 339).
Sobre os efeitos do trabalho colaborativo entre os discentes,
Damiani (2008) reforça a existência de maior compartilhamento
dos modelos mentais e dos conhecimentos, exposição de diferentes
raciocínios e comportamentos que podem ser apropriados,
enriquecendo o repertório de pensamento e a ação dos estudantes.
Há compreensão conceitual e entusiasmo em relação à
aprendizagem em contextos colaborativos. Foi evidenciado aumento
significativo de motivação e de aprendizagens que se ampliaram além
dos conteúdos escolares, desenvolvendo também a autonomia na
resolução de problemas. De acordo com Damiani (2008, p. 224):
“[...] o desenvolvimento de atividade de maneira colegiada pode criar
um ambiente rico em aprendizagens acadêmicas e sociais tanto para
estudantes como para professores”.
A autora, a favor do desenvolvimento de atividades
colaborativas entre professores e estudantes, compreende como
promissora a realização desses trabalhos para o enfrentamento
dos desafios presentes na escola atual, pois resgata valores como
compartilhamento e solidariedade, valores esses em desuso na
sociedade competitiva e individualista em que vivemos.

COLABORANDO PARA NOVAS REFLEXÕES

Baseada nas discussões anteriores, ratificamos os pontos de


vistas dos autores pesquisados quando abordam a compreensão
do conceito de colaboração, para um, entendida como “[...]
trabalho conjunto com oportunidades iguais e negociação de
A PRÁTICA COLABORATIVA NOS PROCESSOS DE PESQUISA, ENSINO E
APRENDIZAGEM: COMPARTILHANDO AS FORMAS DE PENSAR E DE AGIR
135
responsabilidades [...]” (IBIAPINA, 2008, p. 18); para outro, “[...]
desenvolve a autonomia dos participantes e hierarquia para a tomada
de decisões dos mais experientes. [...] oportunizada pela confiança,
apoio mútuo e maior aproximação e afeto [...]” (GRÍCOLI et al, 2006,
p. 6-7); e mais outro, colaborar “[...] é compartilhar decisões com
objetivos comuns negociados pelo coletivo, uma filosofia de vida
[...]” (DAMIANI, 2008, p. 215).
Com as reflexões trazidas no presente trabalho, fica evidente
que a prática colaborativa, no âmbito da pesquisa com foco no
processo de ensino e de aprendizagem geram benefícios não só
do ponto de vista profissional, para os sujeitos da educação, mas
pessoal, pois desenvolve valores importantes para se viver e se
aprender coletivamente.
A pesquisa colaborativa, nos contextos de pesquisa e de ensino
e de aprendizagem, pode e deve ser considerada como estratégia
de formação e de desenvolvimento pessoal e profissional, pois, a
partir dos ciclos sucessivos de reflexão crítica, ampliam a visão do
pesquisador e do professor, considerando-os como produtores
de conhecimento além de envolvê-los na coprodução de saberes,
oportunizando os atores a falar de sua prática e a ouvir sobre a
do outro. A ideia de colaboração nessa perspectiva emerge como
alternativa para envolver seus atores e incentivá-los a enfrentar o
desafio de reelaborar suas práticas, assim como contribuir para o
desenvolvimento de seus partícipes.
Assim como os partícipes dos trabalhos analisados, nós também,
enquanto partícipes de uma pesquisa colaborativa3, fundamentada
no Materialismo Histórico Dialético4 e na abordagem Sócio-Histórica,
compreendemos que evoluímos pessoal e profissionalmente, pois
a partir das reflexões críticas sobre a prática que desenvolvemos,


3
Trabalho intitulado: “Planejamento de Ensino: potencial de transformação da
prática pedagógica nos anos finais do ensino fundamental.”
Objetiva “compreender a realidade, com o fim de transformá-la. [...] na relação
4

sujeito-objeto, os dois têm papel ativo na construção do conhecimento.


Ambos sofrem transformações durante o processo, que é contraditório,
dinâmico e histórico” (CUNHA, 2014, 251)

136 Márcia Ribeiro Silva Fernandes • Marlinda Pessôa Araujo


fomos estimuladas a iniciar a Pós-Graduação Stricto sensu5, na qual
estamos utilizando esse tipo de pesquisa. Esperamos, com esse e
com futuros trabalhos, contribuir para que os partícipes da pesquisa
possam desenvolver ações formativas transformadoras no âmbito da
educação.

REFERÊNCIAS

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compartilhadas escola e comunidade. (Dissertação de mestrado em
Educação). Santa Maria: UFSN, 2002.

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(Org.). O método dialético na pesquisa em educação. Campinas,
SP: Autores Associados/Brasília, DF: Faculdade de Educação,
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DAMIANI, Magda Floriana. Entendendo o trabalho colaborativo em


educação e revelando seus benefícios. Educar em Revista [online],
n. 31, p. 213-230, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.
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138 Márcia Ribeiro Silva Fernandes • Marlinda Pessôa Araujo


A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA
SUBSIDIANDO O ESTUDO DO CONCEITO DE
NÚMERO EM CONTEXTO FORMATIVO DE
PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS

Valdirene Gomes de Sousa - UESPI

INTRODUÇÃO

I
niciamos nossas reflexões partindo do pressuposto de que
“A totalidade das objetivações humanas que resultaram de
todo o processo histórico desenvolvido pela humanidade,
não sendo herdada, deve ser apropriada pelo homem. E esse processo
de apropriação é o que se denomina educação.” (SAVIANI, 2013, p.
80). Assim, entendemos que o referido pressuposto fundamenta-se
na tese de que as práticas do homem, enquanto ser sócio-histórico,
são determinadas pelas condições produzidas socialmente. Nessa
perspectiva, a educação, enquanto produção social, deve possibilitar
ao homem a apropriação da cultura acumulada ao longo da história
da humanidade. Desse ponto, entendemos o papel fundamental que
tem a escola e, por extensão, propomos uma reflexão sobre o modo
como esta tem organizado o ensino. Especificamente, no que se refere
ao contexto de apropriação do conceito de número nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, a partir das condições formativas que sejam
A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO
EM CONTEXTO FORMATIVO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
139
favoráveis às manifestações das necessidades docentes oriundas de
suas práticas cotidianas de ensinar Matemática.
Tal intento, parte de inquietações que permeiam o contexto
dessa disciplina no âmbito escolar, diretamente entrelaçado à
formação docente por compreendermos a relevância que tem os
conteúdos da Matemática, para além dos conhecimentos cotidianos,
como elementos científico-culturais e que, por isso, devem ser
apropriados por todos os estudantes.
Assim, delimitamos tais inquietações na seguinte questão
que nos proporemos a discutir e responder neste texto: quais
as necessidades que os professores apontam sobre a realidade
desenvolvida na prática docente em Matemática, nos anos iniciais, a
partir do estudo da proposição davydoviana? Mediante a necessidade
de buscar resposta(s) a esse questionamento, encaminhamos nossa
discussão a partir de nossa pesquisa de doutorado1 que envolveu 05
professores do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental para
entender o desenvolvimento de suas práticas em torno do conceito
de número. A partir desse olhar, propormos o estudo da proposta de
Davydov sobre o referido conceito, o que fez emergir as necessidades
que constituiam tais práticas.
Neste texto, com base no problema apresentado, o objetivo é o
de argumentar em favor de que a prática docente em Matemática a
partir do estudo da proposta de Davydov para o ensino do conceito
de número configura-se como condição favorável à promoção de
uma prática docente desenvolvimental. Para tal estudo, buscamos
fundamentação teórico-metodológica na pesquisa-ação formativa,
na Teoria Histórico-Cultural e no Materialismo Histórico Dialético.
Tais fundamentos revelam que a maneira como os homens
produzem e reproduzem as suas condições de existência, representa
uma estreita relação entre o modo de ser dos homens, seus modos
de produção e o tipo de relações que delas decorrem. (MARX;
ENGELS, 2002; VIGOTSKI, 2009). Essa perspectiva teórica nos


1
Tese defendida em abril de 2014 pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFPI intitulada “Realidade e possibilidades da prática docente
em Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental: um estudo mediado
pelas proposições davydovianas”.

140 Valdirene Gomes de Sousa


ajuda a compreender que são as condições (objetivas e subjetivas)
do trabalho realizado pelos professores que determinam o tipo de
atividade a ser alcançada.
Inicialmente, abordamos o movimento dialético entre realidade
e possibilidade mediado pelas necessidades, em seguida destacam-
se os relatos docentes sobre as necessidades reveladas em contexto
formativo sobre o ensino do conceito de número, possibilitado pelo
estudo proposto. Para finalizar, apresentamos algumas considerações
acerca das possibilidades apontadas pelas interlocutoras sobre
a proposta de Davydov para o ensino de Matemática no contexto
escolar por elas vivenciado.

O MOVIMENTO DIALÉTICO ENTRE REALIDADE E


POSSIBILIDADE MEDIADO PELAS NECESSIDADES

A discussão desta seção traz explícita a articulação entre a


realidade das interlocutoras com a disciplina Matemática nos anos
iniciais e as possibilidades que se apresentam a partir de condições
formativas favoráveis às manifestações das necessidades oriundas
do contexto dessa disciplina em suas práticas cotidianas de ensinar.
Para tal intento, partimos de nossa compreensão de existência do
mundo real não como um mundo de objetos “reais” fixados, mas
de realização da verdade, não dada e predestinada, não pronta e
acabada, mas que se desenvolve e se realiza. (KOSIK, 1976).
A reflexão sobre a categoria realidade torna-se imprescindível
por partirmos do lugar em que as interlocutoras se encontram em
sua prática de ensinar Matemática nos anos iniciais. Essa opção
é intencional, na medida em que, para propor um estudo da
proposição davydoviana sobre o conceito de número, é necessário
que as professoras pensem a realidade dialeticamente que possibilite
o surgimento do conflito com as afirmações constituídas como
verdades.
Com o olhar consciente sobre o agir na prática real é possível
conhecer as necessidades e, então, estabelecer relações com as
possibilidades emanadas do estudo sobre o conceito teórico de
número como ferramenta de transformações para os sujeitos
A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO
EM CONTEXTO FORMATIVO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
141
envolvidos. A esse respeito, Afanasiev (1968, p. 172) explana
que, “qualquer ciência deve orientar-se, sobretudo, a conhecer a
necessidade, daí dizer-se que a ciência é inimiga da casualidade”.
Nesse processo, consideramos as necessidades da prática
manifestadas nos estudos sobre a proposição davydoviana para o ensino
do referido conceito sob a forma de atividade consciente. Desse modo,
um olhar sobre a realidade mediado pelo estudo é condição objetiva para
que as necessidades se manifestem. Assim também, compreendemos
que os acontecimentos relatados pelas interlocutoras como casuais
possam existir, em princípio, como possibilidades. Cheptulin (2004, p.
337) assevera que “[...] do ponto de vista do materialismo dialético, a
realidade é o que existe realmente e a possibilidade é o que pode produzir-
se quando as condições são propícias”.
Face as considerações, partimos do pressuposto de que o
estudo apresenta possibilidades para o ensino do conceito teórico
de número no contexto da prática docente em Matemática dos anos
iniciais. Para tanto, consideramos necessária a reflexão crítica sobre
a realidade, ou seja, de como as interlocutoras pensam e ensinam
número com base na proposição brasileira.
Nesse contexto, ao considerarmos as necessidades de criar
condições favoráveis para que as possibilidades pudessem ser
levantadas e, por conseguinte, compreendidas como passíveis de
serem transformadas em nova realidade, estabelecemos alguns
procedimentos metodológicos que dispusemos nesta pesquisa,
conforme destacamos: relatos orais das professoras por meio de
entrevista reflexiva individual e coletiva sobre a influência de suas
vivências com Matemática, bem como sobre a forma como entendem
e desenvolvem o conceito de número; a participação no ciclo de
estudos que deu condições para que as professoras estudassem
a proposição de Davydov para o ensino do conceito teórico de
número em contexto de reflexão crítica sobre a prática desenvolvida
para que, posteriormente, fosse possível apontar as possibilidades
desse contexto. Pois, para Afanasiev (1968, p. 173), “O novo, o que
se desenvolve, é necessário, mas não surge de repente. Criam-se
primeiro as premissas ou fatores necessários de seu nascimento, que
amadurecem e se desenvolvem, e, em virtude das leis objetivas”.

142 Valdirene Gomes de Sousa


É oportuno destacarmos que o desenvolvimento das etapas
descritas foi necessário para a identificação de práticas fossilizadas
no contexto das salas de aula de Matemática dos anos iniciais. Por
decorrência, foi possível a produção de espaços de reflexão crítica
mediado pela proposta de ensino de Davydov para se vislumbrar a
transformação das possibilidades apontadas no estudo, enquanto
objeto ideal, em uma nova realidade, ou seja, em objeto real.
Esse movimento de transformação, segundo Afanasiev (1968),
sobrevém na natureza, espontaneamente, de maneira inconsciente.
Na sociedade, entretanto, para que isso ocorra, tem importância
decisiva a atividade consciente dos sujeitos.

POSSIBILIDADES QUE EMERGEM DAS RELAÇÕES ENTRE O


ESTUDO DA PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA E O PROCESSO DE
CONSCIENTIZAÇÃO DAS NECESSIDADES DO CONTEXTO VIVIDO

Subsidiados pelos discursos empreendidos em contextos


de entrevista reflexiva e nos ciclos de estudo sobre a proposição
davydoviana para o ensino do conceito teórico de número,
propomos a discussão que revela as expressões de interpretações das
interlocutoras sobre o teor das necessidades relacionadas à prática
docente vivenciada no contexto das aulas de Matemática dos anos
iniciais. Para tanto, consideramos necessária ainda a compreensão
das condições em que as necessidades são desveladas. T a l
discussão remete à reflexão sobre as implicações de tais condições
que venham influenciar a conexão entre a prática docente e as
possibilidades de sua transformação. Além disso, nos conduz a
refletir, inicialmente, acerca da concepção de necessidade com
base na psicologia histórico-cultural. No bojo dessa compreensão,
buscamos o referido conceito em Leontiev (1978, p. 115). Para o
autor, a necessidade encontra-se articulada à atividade. E, desse
modo, esclarece:

Assim como as crianças só se apropriam de algo em forma de


atividade de estudo quando experimentam uma necessidade
interna para tal apropriação (ROSA, 2012), entendemos que as
professoras, para a realização de sua atividade de ensinar, também

A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO


EM CONTEXTO FORMATIVO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
143
precisam experimentar uma necessidade (interna e externa).
Nesse sentido, o estudo da proposta de ensino de Davydov, em
condições formativas, constitui-se, enquanto conhecimento
teórico, gerador dessa necessidade, cujo fim é a apropriação dos
conteúdos teóricos e o desenvolvimento de sua capacidade de
operar com tais conteúdos.

No item a seguir discutimos acerca das necessidades das


professoras oriundas da disciplina foco deste estudo, o que foi possível
a partir das condições de envolvimento do grupo na realização dos
ciclos de estudo. Para tal desígnio, desencadeamos o processo de
formação com a intenção de criar um espaço de discussões entre
pesquisadora, professoras e a proposta de ensino do conceito teórico
de número em Davydov, de modo a possibilitar que a atividade de
formação fosse assumida como uma necessidade coletiva.

NECESSIDADES DOCENTES E AS CONDIÇÕES QUE


FAVORECEM O SEU DESVELAMENTO

Os dados organizados foram categorizados em necessidades


como fragilidades e necessidades como possibilidades. As primeiras
correspondem àquelas necessidades que permeiam o contexto da
prática docente a partir de descrições que evidenciam fragilidades,
seja em relação às lacunas na formação matemática, como também,
às dificuldades apresentadas pelos alunos em torno dessa área de
conhecimento. Entretanto, tem caráter instável e temporário, o que
dificulta o alcance de mudanças necessárias na prática docente. É
importante ressaltar que, na primeira etapa da investigação, não
constatamos as manifestações das necessidades pelas interlocutoras,
o que nos levou a refletir, nesse estágio do estudo, sobre a contradição
entre a prática docente em Matemática descrita e os resultados
apresentados nos índices avaliativos da instituição.
Foi, então, a partir da etapa seguinte da investigação, quando
iniciamos os ciclos de estudos, que os discursos docentes foram
desvelando as necessidades oriundas da prática. As segundas referem-
se às necessidades de uma prática docente desenvolvimental e que
estão no plano das possibilidades de realizar-se sob determinadas

144 Valdirene Gomes de Sousa


condições favoráveis. As necessidades manifestadas evidenciam o
movimento que impulsiona o sujeito a tomada de atitude em busca
de mudanças na prática. Nesse aspecto, encontra-se o estudo da
proposição davydoviana sobre o conceito teórico de número, a
partir de sua relação com a análise crítica do ensino desse conceito
na prática vivida.
Durante os ciclos de estudo, indagávamos às professoras
aspectos de relatos que tinham sido expressados em momentos
anteriores e que, em contexto formativo, se apresentavam
contraditórios. O objetivo dos questionamentos era desnudar a
realidade antes apresentada, colocando em xeque, no grupo, os
dizeres proferidos durante as entrevistas, ocorridas individualmente.
Sobre as orientações para o ensino do conceito de número propostas
nas formações oferecidas pelos formadores do Centro de Formação,
mantido pela SEMEC2, destacamos o relato de Rejane:

A formação não apresenta nada que a gente não conheça. Tudo


o que na formação é apresentado a gente já sabe o que é. Então,
não é nada novo. Porque quando a gente chega nas formações,
a gente praticamente já sabe o sistema que elas vão sugerir pra
gente usar com os meninos. (REJANE).

O discurso de Rejane, confirmado pelas demais interlocutoras,


demonstrou a visão sobre os encontros formativos. Para elas, as
orientações têm se limitado a retratar as ações realizadas no interior
das salas de aula. Além disso, revelaram a inexistência de mudanças
de um ano para o outro em aspectos como os formadores, os
conteúdos e as propostas de ensino. Outro aspecto apontado sobre
o que têm vivenciado nos encontros se aproxima de suas vivências
com a disciplina no decorrer do seu percurso estudantil.
Parece que as experiências enquanto alunas da educação básica
têm sido o principal modelo de formação acadêmica e estendido ao
âmbito da formação continuada, segundo relatam. As necessidades
que se manifestam, em relação à formação, se situam na esfera do
empirismo, o que demonstra o nível elementar de compreensão do


2
Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Teresina-PI.

A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO


EM CONTEXTO FORMATIVO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
145
sentido para as professoras, o que dificulta as mudanças de sua
atividade docente em algo significativo para os indivíduos envolvidos
no processo educacional, ou seja, professores e alunos. Os problemas
de ensino e aprendizagem na área de conhecimento em foco, nesse
momento da pesquisa, ainda apresentam caráter instável. Isso
porque a própria dinâmica da sala de aula impossibilita visualizar
os problemas que, apenas em contexto de interação discursiva,
começaram a ser demarcados.
Nessa ótica, compreendemos que o modelo atual de formação
docente vivenciado pelas interlocutoras não tem possibilitado, aos
sujeitos nele inseridos, a apropriação do ensino como atividade. Isso
nos encaminha para a compreensão de que, segundo Moretti (2007,
p. 113), “[...] o coletivo é tomado como espaço de reflexão, muito
mais associado à troca de experiências do que a espaço de proposição
de ações pedagógicas [...]”, o que possibilitaria a conscientização de
mudanças necessárias à prática vivenciada pelos professores.
Assim, o modo como o processo formativo tem sido organizado,
no panorama de contextos vivenciados pelas interlocutoras,
apresenta-se na perspectiva de necessidade como fragilidade. Seu
caráter contraditório, portanto instável, frente às concepções que
têm sido apresentadas sobre sua conjuntura estrutural dificulta a
conscientização das necessidades da prática docente em Matemática
nos anos iniciais e, por conseguinte, de sua transformação.
Vejamos a seguir, outros excertos retirados de um momento
ocorrido no segundo ciclo de estudo. Nele, realizamos a leitura e
discussão do texto “O ensino do conceito de número: uma leitura
com base em Davydov”. (ROSA; DAMAZIO, 2012).

Eu estava aqui pensado durante a leitura... Comparando com


Português. A gente pega a letra e isola a letra como se ela não
estivesse dentro de um contexto. Vai partir pra sílaba, palavra e
texto. E a gente se dá conta que faz a mesma coisa com a ideia
de número... Será que é necessário realmente fazer isso? A gente
isola o número como se quando chegasse lá em álgebra e o estudo
de geometria, fosse garantia de o aluno aprender. (FERNANDA).

Fernanda exprime, pela primeira vez, uma reflexão num


movimento inverso ao apresentado na primeira etapa da pesquisa,

146 Valdirene Gomes de Sousa


acerca da prática docente que realiza em torno do conceito de
número, ao compará-la ao processo de leitura e escrita. Diante
do que apresenta, manifesta sua inquietação questionando-
se e questionando o grupo sobre a garantia que podem ter da
aprendizagem dos alunos a partir dos conteúdos e métodos que
utilizam. Entretanto, nesse momento da investigação, a ênfase do
grupo ainda está no método. Ao perceber a aflição da interlocutora,
instigamos o grupo à participação ao trazer à tona a dissociação feita
pela escola entre aritmética, álgebra e geometria, na organização
do ensino da Matemática nos anos iniciais, apontada pela referida
professora:

Quando a gente vai ensinar as crianças em sala de aula, como é


que costumamos fazer isso? É apresentando somente o 1 ou vai
trabalhar com o material concreto, colocando-a para manipular
esse material, porque temos a ideia de que ela fazendo isso ela vai
aprender. (REJANE).

Eu acho que mesmo quando você desenvolve esse tipo de atividade


e você não tiver conhecimento sobre o que está fazendo... Não
significa dizer que o fato de ela estar manipulando o material ela
vai aprender. (FERNANDA).

Ao ser indagada sobre a afirmação feita em relação ao tempo


para o início do estudo com álgebra na escola, a professora Fernanda
consegue expressar um pensamento que se expandiu ao compararmos
com a primeira etapa da investigação: a defesa do ensino do conceito
de número envolvendo apenas a contagem. Rejane toma para si a
discussão e manifesta-se a esse respeito. Para essa interlocutora,
além de ensinar limitando-se à apresentação dos números, um a
um, ainda informa o uso de materiais manipuláveis, comumente
usado na prática do ensino desse conceito, subentendendo um
aspecto a ser questionado. A professora Fernanda, então, retoma a
palavra para enfatizar o discurso de Rejane e, com isso, expressar um
movimento de afetação diante de uma prática até então desenvolvida
e que passa a ser arguida. Conforme podemos observar, diante
dos elementos novos e dos argumentos apresentados, entendemos
que os discursos revelam, em parte, um movimento em direção ao
A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO
EM CONTEXTO FORMATIVO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
147
estado de desenvolvimento dos professores, porém, apenas quanto
às limitações da contagem no ensino do conceito de número. Por
outro lado, não houve, nesse momento da interação, em relação a
nenhuma das interlocutoras, explanação acerca da tricotomia entre
aritmética, álgebra e geometria, aspecto esse discutido no texto e por
nós incitado no questionamento. Ou seja, até reconheceram a ênfase
que tem sido dada na aritmética, mas não conseguiram levar como
teor das discussões a relevância de sua inter-relação com a álgebra e
a geometria.
No terceiro ciclo de estudo, quando iniciamos o estudo
das tarefas particulares propostas por Davydov, para o ensino do
conceito teórico de número, foi enfatizada com detalhes as relações
entre as vivências dos professores acerca de tarefas por eles propostas
e aquelas apresentadas no livro didático elaborado por Davydov
e seus colaboradores. Segundo esse autor, para que a criança, ao
ingressar na escola, se aproprie dos conteúdos teóricos e desenvolva
a capacidade de estudar, faz-se necessário conduzi-la à elaboração
de perguntas, colocando-a em ação investigativa. (ROSA, 2012).
É a partir desse pressuposto que selecionamos para apresentar
as discussões realizadas em torno da possibilidade real enquanto
indicador interpretativo do discurso que envolve a prática docente
das interlocutoras. Para nós, esse indicador representa ponto
fundamental de ruptura com as práticas consolidadas no contexto
das aulas de Matemática que envolve o conceito de número e, desse
modo, de estabelecimento de condições favoráveis à realização da
prática docente desenvolvimental.
Durante os ciclos de estudos com vistas à concretização
desta pesquisa, evidenciamos momentos em que os interlocutores
expressavam um movimento de conscientização das necessidades do
contexto da prática e, com isso, compartilhavam possibilidades reais
de reorganização do ensino, a partir de perspectivas das condições
que favorecessem a efetivação de um contexto de aprendizagem
matemática com base nos pressupostos defendidos pela proposição
davydoviana.
Nesse cenário, as mudanças refletem a relevância do desempenho
coletivo para os interlocutores. Porém, conforme apresentados

148 Valdirene Gomes de Sousa


nos excertos que seguem, tais mudanças ocorrem à medida que os
professores estabelecem relações entre o vivido e o estudo proposto, o
que torna possível o processo de tomada de consciência da realidade
para além do que se apresenta de modo imediato.
Considerando, portanto, o objeto de análise, analisamos o que
foi emitido no excerto a seguir, ocorrido no sétimo ciclo de estudo:

Eu acho muito interessante ser desenvolvido um projeto, porque


cada dia que passa me angustia mais entrar em sala de aula e
trabalhar nesse sistema que a gente sabe que não ajuda o aluno.
(FERNANDA).

Eu acho que a gente só tem a ganhar com a possibilidade de


organizar uma nova prática que a gente está conhecendo agora
e que nos faz pensar muito sobre o que fazemos em nossa sala.
(REJANE).

Esse excerto nos permite observar, no grupo envolvido,


uma nova perspectiva para a organização do ensino nas aulas de
Matemática nos anos iniciais. Mesmo o projeto didático tendo
sido, em encontro anterior, apontado como possibilidade pelas
interlocutoras, ao mesmo tempo foi apresentado uma série de
dificuldades para a sua concretização. No entanto, observamos nos
discursos de Fernanda e Rejane, necessidades do contexto de suas
vivências que as impulsionam à visualização de condições favoráveis
ao seu atendimento.
Outro ponto observado foi o de que, ao relatar a possibilidade
de aplicação do projeto didático como um meio de organização do
ensino com base na proposição davydoviana, Fernanda relaciona-o
à possibilidade real de sanar sua angústia vivida diariamente com a
forma que o ensino tem sido proposto. Aspecto possibilitado a partir
do processo de conscientização proporcionado pelo estudo, haja vista
que em etapas anteriores Fernanda era uma das interlocutoras que se
dizia satisfeita com a prática docente desenvolvida e, sobretudo, com
o alcance dos objetivos que propunha.
Desse modo, a necessidade de criação de espaços que favoreçam
a atividade humana do pensar, proposto por Vigotski (2009), é
A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO
EM CONTEXTO FORMATIVO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
149
confirmado neste estudo como meio que promove a tomada de
consciência da realidade.
Rejane explicita a relevância que tem, para ela, uma mudança na
organização da prática docente, tendo como parâmetro a proposta
estudada. Entendemos que, para essa professora, isso se justifica
pelas relações estabelecidas quando afirma que tal proposta “nos faz
pensar muito sobre o que fazemos em nossa sala”. Os discursos que
compuseram o excerto trazem elementos acerca das necessidades
vivenciadas, pois vêm conjuntamente com as possibilidades para a
sua mudança, sem o argumento dos obstáculos.
Entendemos ainda, conforme explicitado pelos interlocutores,
para que o professor possa desempenhar sua função docente na
perspectiva defendida neste estudo, em que foram apontados apenas
relações de distanciamento com a proposta de ensino vigente, é
essencial que ele se aproprie dessa proposta. Afinal, se a qualidade
do tipo de pensamento que será desenvolvido no aluno depende
do professor, como essa qualidade pode ser garantida diante das
condições formativas que o mesmo tem tido acesso? Nessa ótica,
algumas questões foram consideradas pelos interlocutores: a
complexidade da proposta e, desse modo, a necessidade de estudo; a
discussão que envolve os resultados do processo; embora apontada
a possibilidade real de desenvolvimento da proposta, salientamos a
necessidade de envolvimento do grupo para que sejam garantidas
condições mínimas de estudo e compartilhamento de conhecimentos
que fundamentam a proposição de ensino davydoviana, considerada
fundamental para a sua apropriação. Como mencionado por
Vigotski (2009), qualquer atividade individual, como processo de
propriedades internas do pensamento tem origem na atividade
coletiva.
Ressaltamos a importância que o compartilhamento das ações
tem para o processo de formação dos conhecimentos vinculados à
docência. Para Ibiapina (2004, p. 355), quando o professor adquire
a capacidade de questionar a prática construída, entrando em
conflito com seus conhecimentos, é possível a criação das condições
de mudança. Porém, não é um processo espontâneo, mas “requer
a mediação tanto de ferramentas psicológicas quanto de um par

150 Valdirene Gomes de Sousa


mais experiente que possa contribuir para a internalização das novas
significações”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o procedimento de análise, revelamos a estrutura de


organização da escola com as concepções presentes nesse contexto
e que tem relação com a compreensão que tem sido posta sobre
a função do professor nos anos iniciais. As análises dos dados
revelaram que somente a partir da segunda etapa da investigação,
quando iniciamos os ciclos de estudos, foram sendo desveladas
as necessidades da prática. O processo de desencadeamento da
formação, criado intencionalmente para atender os objetivos da
pesquisa, permitiu o estudo e compartilhamento da proposta de
ensino do conceito teórico de número em Davydov. Assim, a inserção
do grupo nos ciclos de estudo foi condição essencial para desnudar
as necessidades, antes veladas, o que nos leva a confirmar a tese
aqui defendida de que a inserção de professoras em contexto de
formação sobre a proposição davydoviana para o ensino do conceito
teórico de número propicia estabelecer relações entre as vivências
com Matemática e as possibilidades para a prática docente. A essa
constatação, acrescentamos que tal intento ocorre promovido pelo
processo de tomada de consciência das necessidades de não limitar-
se à realidade imediata.
As necessidades que vislumbram a transformação da prática
docente vivenciada em uma perspectiva desenvolvimental precisaram
ser, antes, desveladas para que tornassem possíveis de serem
alcançadas, a partir das condições que se mostram favoráveis
à aquisição da prática vislumbrada. Porém, para isso, o estudo
proposto, nesta pesquisa, foi dado como condição primeira ao
favorecimento da prática almejada. Em seguida, as necessidades
docentes em torno do ensino de Matemática, como possibilidades,
foram sendo desveladas a partir das indagações que retrataram as
inquietações das interlocutoras, à medida que íamos avançando nos
estudos da proposição davydoviana em conexão com a proposição
de ensino vivenciada.
A PROPOSIÇÃO DAVYDOVIANA SUBSIDIANDO O ESTUDO DO CONCEITO DE NÚMERO
EM CONTEXTO FORMATIVO DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
151
A tomada de consciência do distanciamento entre as duas
perspectivas de organização do ensino do conceito de número
modificou substancialmente o interesse pela necessidade formativa,
vista na perspectiva do ensino desenvolvimental, em relação ao que
vivenciam no contexto promovido pela rede municipal de ensino.
A manifestação de perspectivas em relação ao contexto
formativo envolvendo a proposição davydoviana como possibilidade
para a prática docente em Matemática nos anos iniciais,
proporcionou, na análise dessa última etapa da pesquisa, apontar
condições que se apresentaram, no momento dado, desfavoráveis.
Como consequência, se mostraram limitadoras das possibilidades
perspectivadas para transformação da prática e que está diretamente
articulado com as barreiras impostas pela proposta curricular. Com
isso, a incerteza que permeia um processo de mudança, de ruptura
da prática vigente ganha força e, muitas vezes, limita a tomada de
decisão que implica a mudança.
Compreendemos, ainda, que o caminho de possibilidades
para a promoção da prática docente em Matemática, na perspectiva
desenvolvimental, contribui para que possamos repensar os processos
formativos para essa área do conhecimento. Mas, fundamentalmente,
no que tange aos aspectos concernentes à organização do ensino
para o conceito de número, nos anos iniciais, de modo a garantir a
objetivação e a apropriação dos conhecimentos científicos àqueles
que têm na escola, único meio de desenvolvimento que atenda às
necessidades impostas pela sociedade contemporânea.

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154 Valdirene Gomes de Sousa


AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO
EM EDUCAÇÃO: UM NOVO DESIGN
PARA A PESQUISA

Conceição de Maria Ribeiro dos Santos - UFPI


Maria Lemos da Costa - SEMEC
Patricia da Cunha Gonzaga - UFPI

INTRODUÇÃO

O
presente texto resulta das discussões acerca de estudos
feitos sobre abordagens metodológicas, o qual
valoriza a utilização de narrativas no desenvolvimento
de pesquisas. Para tanto, tem como eixo central contribuir com
o aprofundamento teórico-metodológico na aplicabilidade das
narrativas em estudos de cunho científico, empenhada em alcançar
este propósito, especificamente, pretendemos: identificar algumas
concepções de pesquisa narrativa; caracterizar o contexto e os
instrumentos que a envolve; e por fim, reconhecer a importância desta
na atual gama investigativa. Assim, tomamos como fio dissertativo
o entendimento, que a pesquisa narrativa tem como foco central de
interação o diálogo da pessoa consigo mesmo, e que perspectiva o
futuro em terrenos presentes com o intuito de reelaborar o passado
a partir de experiências vividas. A partir deste fio, nossa intenção
será oportunizar aos interessados pelas narrativas, mesmo que forma
AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO:
UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA
155
breve, o real significado que estas propiciam ao pesquisador no
deleito das informações fidedignas de seus colaboradores da qual,
Cunha (1997) nos chama atenção à dupla dimensão das narrativas,
que podem ser utilizadas tanto para fins de ensino com uso didático,
quanto para a pesquisa com fins investigativos. É com base nesse
último propósito elencado pelo autor, que residirá à fala descrita pelo
colaborador sobre o conhecimento de si. Isso se dá sob a influência
de seus atos sociais, políticos, éticos e culturais, porque ao narrar
suas histórias de vida a pessoa se apropria de conhecimentos que
consolidam pelo processo de autoformação.
Ao relatar fatos do passado a pessoa está trazendo a tona
suas lembranças, talvez na intriga ou realizando pequenos recortes,
mas que apresentam detalhes inesperados por envolver pessoas em
reflexões passadas que ressurgem, e por sua vez, são colocadas como
fatos reais e atuais. É importante que o narrador veja a narrativa
como a arte, que mergulha no encanto sobre a proeza da busca
incansável para desvendar a história do sujeito a que se investiga. Por
ser uma comunicação artesanal, não a transmite de forma pura em
si, mas sim, indaga sobre coisas na vida do narrador para em seguida
retirá-la dele. Descrever experiências posteriores resulta de reflexões
sobre saberes já consolidados que se lapidam ao longo do tempo,
envolvendo cada vez mais o que escrevemos sobre nós, estabelecendo
uma relação dicotômica entre pessoa e profissão (BENJAMIN, 1994).
É importante, primeiramente, entendermos o que é a narrativa na
perspectiva de investigação?

TRILHANDO SOBRE AS CONCEPÇÕES DA PESQUISA


NARRATIVA

A concepção do como proceder metodologicamente é inerente


na construção de qualquer pesquisa. Para tanto, iniciamos esse
discurso colocando ao palco, primeiramente, sua caracterização,
dando ênfase aos aspectos relevantes da abordagem desta como
método, técnica para, em seguida, relatar: seu campo de utilização,
lembrando que esta se define como sendo uma investigação de
ampla dinamicidade, conforme Bertaux (2010) a narrativa de vida
constitui uma descrição próxima da história ‘realmente vivida’, seja

156 Conceição de Maria Ribeiro dos Santos • Maria Lemos da Costa


Patrícia da Cunha Gonzaga
objetivamente e subjetiva da pessoa que a conta, olhando pelo foco
das Ciências Sociais percebe-se a sincronia que este tipo de estudo
resulta de uma forma particular de entrevista – a entrevista narrativa.
É com esse pensar que nos propusemos a discutir a Pesquisa
Narrativa, visualizando a distinção entre a autobiografia/histórias
de vida e autobiografia/narrativa de vida, tomando por suporte
compreensivo as leituras teórico-metodológicas, que apresentam
ambas como subjetivas, dinâmicas, interacionais, confiáveis, mas o
que as diferenciam reside no “como” são articulada as informações
dos colaboradores envolvidos no contexto de intencionalidade
investigativa. Esse jogo de interesse por métodos de natureza tão
diferente faz condicionar-se a partir de uma base comum: a tarefa
de descrever e analisar fenômenos coletivos, não em forma limitada
(BERTAUX, 2010).
Se entendermos a narração como uma produção discursiva da
pessoa sobre experiência vivida por outro sujeito, compreenderemos
que o ato de narrar demanda aspectos relevantes ao teor das descrições,
explicações e avaliações que irão contribuir significativamente ao
explicar suas razões no agir sobre as ações que refletem em si, assim
como no outro. Esses fatores desencadearão consequências que
envolveram eixos pertinentes ao conduzir da pesquisa, os sujeitos
envolvidos, bem como os instrumentos e técnicas de coleta dos
dados, e ainda os procedimentos de análises desses dados coletados
e, que implicará no desvelar da investigação empírica, essa por vez,
fixa ancora sobre o vislumbro do ouvir o narrado, com o fulgor de
garimpar a essência de ar puro do meio de uma cidade metrópoles.
O modo de ver a vida apoiado no encanto que semeia a palavra,
proporciona a arte de contar algo que foge aos padrões de limitações
e, que Benjamin (1994, p.11) denomina de “movimentos precisos do
artesão”, porque respeita a matéria que transforma, desempenhando
uma relação profunda com a atividade narrada. Contudo, [...] “esta
também é, de certo modo, uma maneira de dar forma à imensa
matéria narrável, possibilitando assim da ligação secular entre a mão
e a voz, entre o gesto e a palavra”. São esses elementos essenciais
ao espectro da magia de narrar à vida do outro não se esquecendo
de abordar a dinamicidade sociohistórica em acontece/aconteceu os
fatos interrelacionado ao contexto real. Então, torna-se importante
AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO:
UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA
157
salutar que todo processo de formação no contexto das narrativas,
deve ser percebido e discutido a partir da dinâmica do sujeito como
pessoa contrapondo com o sujeito profissional. Partindo dessa
concepção, utilizaremos técnicas de coleta de dados que priorizem a
voz dos sujeitos desta pesquisa, as de histórias de vida, visto que estas
permitem apreender as aspirações, as atitudes e condutas, crenças e
valores dos sujeitos pesquisados. Isto realça o desejo de trazer a pessoa
(professores) para o centro da pesquisa. Sobre este cenário, Nóvoa
(1995) enfatiza que apesar de todas as fragilidades e ambiguidades,
é inegável que as narrativas das histórias de vida têm dado origem a
práticas e reflexões que estimulam, nutrem o cruzamento de diversas
matérias e recursos variados de enquadramentos conceituais e
metodológicos. Sobre a importância do método autobiográfico
Lima (2011), pontua que as histórias de vidas devem ter espaços para
serem lidas, ouvidas e contadas, uma vez que estas permitem aos seus
partícipes um olhar interdisciplinar no exercício reflexivo de si, quer
seja na formação inicial ou continuada, permitido a estes sujeitos a
valorização sobre desenvolvimento pessoal e profissional. Por meio
do método autobiográfico torna-se possível descobrir modelos e
princípios que alicerçam os discursos pedagógicos que compõem o
agir e o pensar do professor, permitindo que este reconstrua suas
experiências ao refletir sobre aspectos formativos (SOUSA, 2006)
e, assim trará espaços que possibilite a se autoformar a partir da
compreensão de suas práticas cotidianas. Então, como ocorre a
coleta narrativa dessa matéria-prima?

A PESQUISA NARRATIVA E SEUS INSTRUMENTOS

A realização de uma pesquisa cientifica exige do pesquisador


não somente a escolha do referencial teórico, mas também a opção
por uma metodologia que melhor se adeque ao objeto de estudo
que será pesquisado, pois é a ela que norteia e orienta a execução
dos objetivos pretendidos. Dessa forma, é necessário explicar a
abordagem metodológica que fundamentará a realização de uma
pesquisa. Nesse sentido, a escolha pelo método mais adequado
revela-se como um constante processo de idas e vindas, avanços
e recuos, como enfatizam Gatti (1998, p.10) “[...] não é apenas

158 Conceição de Maria Ribeiro dos Santos • Maria Lemos da Costa


Patrícia da Cunha Gonzaga
uma questão de rotinas de passos e etapas, de receitas, mas de
vivência, com pertinência e consistência em termos de perspectivas
e metas”, mas que é construído na prática, no exercício do fazer, no
desenvolvimento do estudo, portanto, ele está sempre na construção
e em movimento. Trilhar sobre esse caminho permite ao pesquisador
observar o narrador como ser humano inerente das condições sociais
e sentimental. A Pesquisa Narrativa é uma investigação de caráter
descritivo, que se insere nos parâmetros qualitativo, pois segundo
Teixeira (2005, p.140) na abordagem qualitativa, onde o “[...] social
é visto como um mundo de significados passível de investigação e
a linguagem dos atores e suas práticas as matérias-primas dessa
abordagem”. Entendemos que, esse tipo de pesquisa objetiva atingir
uma interpretação da realidade da visão qualitativa. Uma vez que
esta se concretiza não pelas “causas”, nem pelas “consequências” da
existência dos fenômenos sociais, e sim pelas características deles, na
qual seu proposito principal é descrever com dinamismo e atenção
o narrado pelo investigado. Para trabalhar com essa peculiaridade
significa nos capacitar para buscar explicações de situações da vida
social humana no contexto sua existência em um dado momento e
tempo da contextualização social.
Assim, as narrativas de histórias de vida traz uma convicção da
coerência entre o fato vivido com o narrado, por sujeitos se constituem
como seres concretos, sociais, históricos e culturais, imersos em uma
dada realidade, encontrando-se em constante movimento, em eterno
devir, seres singulares inseridos numa coletividade. Nessa perspectiva,
as narrativas de histórias de vida são vistas como técnicas que
nos ajudam a apreender dados necessários à compreensão de um
dado fenômeno, a exemplo apresentaram a formação contínua em
matemática do professor dos anos iniciais e suas contribuições para a
prática docente. Ressaltamos, segundo Imbernón (2007, p. 09) que,
[...] a narração é uma técnica que nos permite conhecer os meandros
do que acontece no mundo através da interação com os símbolos
compartilhados, com a experiência de outros. E a capacidade de
ouvir os outros é também uma demonstração de sociabilidade.
Josso (1988) nos permite firmar nossa compreensão sobre essa
técnica, ao dizer que a narrativa é uma construção que tem lugar num
AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO:
UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA
159
processo de reflexão, que emerge sobre dois momentos distintos,
sendo o primeiro o de maturação que constitui a partir de seu
percurso formativo e experiências consolidando um amadurecimento
profissional e o outro, a rememoração que consiste no processo de
reflexividade de suas histórias de vida, firmando uma autoformação de
o seu fazer docente. Sendo o processo de maturação e rememoração
para a autora o cerne do método autobiográfico. Por ocasião das
leituras que fundamentam as abordagens metodológicas, as quais
norteiam o desenvolvimento de Pesquisas no campo subjetivo da
vida humana, é observável que estes demandam certo consenso ao
serem selecionados, por isso é importante que os instrumentos para
a coleta dos dados, bem como as técnicas sejam compatíveis com o
discurso ideológico e prático do uso de narrativas de histórias de vida
para o desfecho dos procedimentos metodológicos investigativo.
Sendo assim, nos cabe de forma suscita alguns elementos que outrora
autores, pesquisadores e, em modesto entendimento, também
consideramos relevante estes recursos de recolha de informações tão
antigo em sua constituição, mas tão novos na exploração no âmbito
científico, e mais que trazem uma gama de sentimentos do passado e,
mais ainda, sensações reais, e porque não dizer atual, tendo em vista
a composição da sociedade. A “Carta Pedagógica” atualmente se
constitui uma prática um tanto nova e desafiadora neste meio, pode
também ser entendida como uma forma de contestação à ausência de
formação de novos escrevedores de cartas, se comparada há outros
tempos. Nessa perspectiva, conhecer o pensamento e a mística de
alguns escrevedores de cartas ao longo da história da humanidade,
tem por objetivo melhorar a prática de escrever cartas e, também
da escrita de Cartas Pedagógicas, bem como incentivar e promover
esta prática, especialmente no âmbito dos movimentos sociais. A
prática de escrever cartas, endereçá-las e postá-las no correio vêm
sendo deixada de lado por grande número de pessoas, rompendo-se
a tradição e perdendo-se, com isto, um importante registro para a
história. Isto se deve ao fato de o avanço e a rapidez da tecnologia das
multimídias, cuja parcela significativa da população tem acesso, mas
que influencia também aquela outra parte da população, para quem
a tecnologia ainda lhe é desconhecida e estranha (CAMINI, 2012).

160 Conceição de Maria Ribeiro dos Santos • Maria Lemos da Costa


Patrícia da Cunha Gonzaga
Hoje, parece não haver mais dúvidas: ao se incentivar a construção e
redação de Cartas Pedagógicas, de alguma forma, esse instrumento
de coleta de dado proporciona o encontro com a formação contínua
e em serviço sobre a vida e o trabalho dos docentes, e até sobre o
processo de ensinar e aprender na formação e ambiente escolar.
Segundo Lima (2006, p. 138) este recurso propicia “[...] uma reflexão
sobre as experiências vivenciadas na prática docente em situações de
ensino e pesquisa”.
Ao ver a Carta Pedagógica na perspectiva investigativa abre
portas para uma comunicação distanciada, onde pesquisado e
pesquisador apresentam informações por correspondência, mas que
selecionam essa modalidade. Autorizam-se pessoas e legitima-se a elas
o direito de escrever em situações inusitadas. Recupera-se uma prática
secular, pois, escrever cartas foi sempre uma forma de se comunicar,
com um recurso à mão, e ao alcance das pessoas, onde quer que elas se
encontrem. Um papel em branco, um lápis ou caneta, são suficientes
para incentivar a reflexão sobre algum fato que se deseja passar a
diante. A narrativa é uma das maneiras mais correntes nas cartas,
especialmente porque nela estão os detalhes e as por menoridades que
ajudam o leitor a compreender o contexto dos fatos. Por isso, cartas
bem escritas nos estimulam a ler e a depreender o mundo dos homens
e mulheres que as escrevem, que registram e fazem história através
delas; cartas que, por sua natureza, exigem e estimulam uma resposta.
Ao falar de Memorial, como mais um instrumento de coleta de dado
que abarca um conjunto de escritas de si, ou seja, um conjunto de
narrativas de si entrelaçando experiências de vida pessoal e profissional
da pessoa investigada. No entanto a escrita das historias de vida tem
por propósito de incluir as expressões vividas que englobam a escrita,
fala, foto, vídeo, cinema, tevê, internet, dentre outros. Segundo Passeggi
(2008): os memoriais constituem forma e conteúdo que se entrelaçam
nessa busca de conhecimento e de exposição de si. Não se trata de vê
o memorial como uma prática apenas avaliativa e, sim que propicie ao
investigador juntamente com o narrador um pensamento reflexivo de
certa forma, o olhar auxiliador de ambos a construir saberes e assumir-
se como sujeito do seu próprio pensar. Que outrora, desvela os
significados da arte relembrar episódios passados, os quais compõem
AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO:
UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA
161
a disponibilidade do colaborador em dialogar com o papel na escrita
de informações inerente a conhecimentos de si, identificados pela sua
trajetória de vida e, seus movimentos variantes. Esse instrumento,
segundo Josso (1988) nos permite a construção conhecimento em
meio ao processo de reflexão, que emerge da maturação que constitui
a partir de seu percurso formativo e experiências consolidando um
amadurecimento profissional e, da rememoração que consiste no
processo de reflexividade de suas histórias de vida do narrador. O
“Diário”, outro recurso, desde sua concepção em tempos passados
demandava uma o registro de fatos que marcavam seus donos, hoje
além desta função os diários passam a assumir outro espaço ainda mais
relevante, o que integra os dizeres e fazeres da autuação profissional,
isso é concretizado, quando eles contribuem com desenvolvimento
formativo da sociedade em demanda atual. Por falta de referencias
e discussões mais claras sobre esse instrumento de requisitos de
pesquisa qualitativa. No qual se apresenta como um novo acessório
útil ao campo de investigação acadêmica por conceder ao narrador
uma reelaboração do passado refletida face a face consigo mesmo, o
qual conta neste momento somente com o auxílio do papel e caneta/
lápis para o registro da memória agora revisitada depois de passadas
experiências que hora por outra se entrecruzam com o contexto da
pessoa e profissão.
Para finalizar, Zabalza (2004) pontua que os diários trazem
sempre uma análise negociada, mesmo sendo um documento
privado com interesse público. A “entrevista narrativa” no enfoque
investigativo pode ser vista com olhares voltado o enredo técnico,
metódico e, também instrumentalista, é centrado nesse último
tópico que postaremos algumas informações a partir de estudos
desenvolvidos neste campo de pesquisa, o qual a pessoa colaboradora
encontra-se movimentando no espaço e tempo. É observável em
boa parte das pesquisas, especialmente na área educacional, a
importância dada aos escritos e as falas dos sujeitos envolvidos nos
estudos e o contexto que os contemplam.
Para tanto, lançamos mão da narração sob a dimensão
holística de ver e observar o objeto a partir da perspectiva fenológica,
conforme Jovchelovitch e Bauer (2010, p. 90) este fato decorre

162 Conceição de Maria Ribeiro dos Santos • Maria Lemos da Costa


Patrícia da Cunha Gonzaga
devido “[...] a crescente consciência do papel que o contar histórias
desempenha na conformação de fenômenos sociais”. Sobre esta
questão entendemos ser necessário um conjunto de habilidades
que ora permite o controle dos sentimentos na hora de narrar sua
própria história, implicando em ações intencionais que aliviam,
ou ainda que tornem acessível, acontecimentos e emoções que
confrontam sua vida cotidiana normal. Ver a entrevista narrativa
como instrumento de coleta de dado, nos encoraja a vê-la não no
sentido de fim sobre o objeto, mais sim os meios dimensionais não
cronológicos que propõe ao contador da história expressar-se pelas
funções e sentidos dos relatos. Logo, para se realizar uma entrevista
com base nesse parâmetro, torna-se imprescindível oportunizar ao
narrador um esquema autogerador, que segundo Jovchelovitch e
Bauer (2010) a textura detalhada permite que pesquisador na hora
da transcrição der conta, razoavelmente, das informações contidas
entre um acontecimento e outro; a fixação da relevância instiga o
contador de história a narrar apenas aspectos que são importantes
do acontecimento, seguindo perspectiva do mundo, fazendo uma
breve seleção de todo contexto já vivido; no caso do fechamento
da Gestalt, os autores explicitam que nesta parte do processo, é
observado o sentido do acontecimento, sendo oportuno que a
narrativa constitua-se em sua totalidade, com começo, meio e fim. A
ideia que provem a proposta da utilização desse instrumento surge a
partir da crítica que recai sobre o esquema pergunta-respostas num
entendimento objetivo aligeirado. O projeto de constituição dessa
ferramenta, recurso de investigação que impulsiona os colaboradores
a apresentação um novo contexto que envolve a comunicação
cotidiana, o contar e escutar história atentamente, sem inferir e, assim
conseguir o objetivo desejado. Não, é de qualquer maneira que o
pesquisador irá vislumbrar o sugar de uma boa história do narrador,
ele precisa de liberdade, segurança e, acima de tudo, confiança
para contar a sua história de vida, inerente a pessoa e a profissão. A
entrevista narrativa deve ser conduzida a partir do objeto da pesquisa
articulado aos objetivos sobre a luz do tema gerador que trará as
diretrizes elencadas para a iniciação do enredo pelo narrador. A
contribuição das narrativas no campo investigativo.
AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO:
UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA
163
As narrativas na perspectiva de investigação e conhecimento
proporcionam marcas significativas tanto para o pesquisado como
ao pesquisador, sobre a nuança de um possível movimento de
compreensão de si e do outro, onde ambos os sujeitos são levados a
formar-se a partir das experiências vivenciadas nesses momentos de
contato resultante de aprendizagens diversificadas, mas singulares
para cada um dos partícipes dessa interação socioeducativa. As
narrativas de histórias de vida, no entendimento de Souza (2006)
ajudam a demarcar a compreensão do espaço formativo num
movimento constante e contínuo de construção e reconstrução
da aprendizagem pessoal e profissional, articulando saberes,
experiências e práticas. Permitindo ao investigador um maior
aprofundamento acerca da temática que se propôs a estudar e,
ainda a forma de articulação e dinamicidade, bem como do laço de
confiança que permitirá ao objeto em estudo maior probabilidade
de argumentações e hipóteses verídicas e fidedignas no contexto
da pesquisa. Sobre essa evidência, Nóvoa (1995) enfatiza que a
utilização de histórias de vida ou abordagem autobiográfica nas
investigações contemporâneas, é fruto da insatisfação das ciências
sociais com relação a produção regicida do conhecimento científico
e da necessidade de renovação desses modos através da valorização
da dinamicidade de todo o contexto em que acontece o fenômeno.
Um método de interesse crescente no campo educacional, tendo
em vista sua amplitude e seu dinamismo social, que permite
ver as realidades escolares e o cotidiano dos professores. No
entendimento de Ferrarotti (2010) o contexto biográfico surge da
necessidade da renovação metodológica científica, contrapondo
o sentido objetivo dos objetos, exigindo uma mediação estrutural
do indivíduo, como ser partícipe de uma história individual à
história social, onde este totaliza sinteticamente a sua vida com
a interação ao meio investigativo. Portanto, este método viabiliza
os sujeitos interlocutores de uma pesquisa ser percebidos como
pessoas que pensam, se emocionam, que tem voz e, que precisam
ser reconhecido dentro de suas particularidades subjetivas. Sob
esse enfoque é notório o terreno firmado pela pesquisa qualitativa
ao direcionar seu foco de investigação para a multiplicidade da

164 Conceição de Maria Ribeiro dos Santos • Maria Lemos da Costa


Patrícia da Cunha Gonzaga
fenomenologia social e cultural. Assim é visível a gama significativa e
o espaço identitário da pesquisa narrativa no patamar investigativo
da atualidade.

A METODOLOGIA DESVELANDO O ESTUDO

A escolha do campo de pesquisa tem sido considerada de


fundamental importância para responder a problemática da
investigação, visto que a coleta de dados na modalidade pesquisa
empírica “[...] é realizada diretamente no local do problema ou
fenômeno acontece” e pode dar-se por várias maneiras as recolhas
de informações inerente ao contexto pesquisado. (FIORENTINI;
LORENZATO, 2009, p.116). Contudo, a metodologia exerce
influencias importantes à realização do projeto. Tomando
como guisa o problema e objetivo geral que se constitui em
contribuir com o aprofundamento teórico-metodológico sobre a
aplicabilidade das narrativas em estudos de cunho científico, do
qual classificamos a pesquisa como bibliográfica. Para tanto, o
método que mais se adequa ao estudo é o exploratório que se insere
na abordagem qualitativa, que segundo Bogdan e Biklen (1994)
essa abordagem exige que o mundo seja investigado com a ideia
de que nada é trivial, mas que tudo tem potencial para constituir
uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais
esclarecedora do objeto de investigação. Sobre esse contexto,
os instrumentos de coleta de dados que lançamos mão foram
informações advindas a partir da visitação a varias literaturas que
vitalizaram a discussão acerca da questão concepções de Pesquisas
narrativas. No caso dos dados coletados nesse tipo de estudo
torna-se relevante priorizar a literatura como fonte em analise de
forma objetiva. A qual tem por objetivo meta central, colocar o
pesquisador em contato direto com tudo que já foi produzido na
área da temática em questão. Esse tipo de investigação não é uma
mera repetição do que já foi dito e escrito por outros estudiosos
sobre determinado assunto, mas exige deste uma reflexão crítica
sobre os textos consultados e incluídos no desenvolvimento da
pesquisa.
AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO:
UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas análises dos dados coletados através de


instrumentos da pesquisa bibliográfica com a abordagem
qualitativa de caráter exploratória, que se desencadeou a partir da
diretriz: Que investigação tem como foco central de interação o
diálogo da pessoa consigo mesmo, o qual perspectiva o futuro em
terrenos presentes com o intuito de reelaborar o passado a partir
de experiências vividas. Para responder essa questão complexa
diante das demandas social, cultural e econômica da atualidade
nos propomos
como pesquisadora, contribuir com o aprofundamento
teórico-metodológico sobre a aplicabilidade das narrativas em
estudos de cunho científico. Contudo, podemos inferir que meio às
modificações constantes da sociedade é de fundamental importância
que se perceba a necessidade de trabalhar com modalidades de
pesquisa que englobe as condições sociais circunstanciado no
espaço e tempo. No dizer de Connelly e Clandinin (1995) pontuam
que a cada vez que escrevemos sobre nós estabelecemos a relação
entre pessoa e profissão, resultando, desse modo, a reflexão em
ação que viabiliza a autoformação de si próprio. Na verdade,
não há como escapar das novas propostas investigativas, apesar
da dificuldade de narrar e de explicitar maneiras de entender e de
escrever a complexidade das relações que existem nas histórias
que são contadas continuamente, varias vezes na investigação na
perspectiva de dar sentido ao enredo (CONNELLY; CLANDININ,
1995). Neste entorno, é relevante se percebe a preocupação dos
estudiosos com a constituição da identidade das narrativas de vida
no desenvolvimento de pesquisa no campo educacional, em especial
o da formação de professores, tendo a vista os reflexos sobre o
ensino-aprendizagem. As transformações não acontecem somente
por querer, sonhar, idealizar, mais sim, pelo agir. São as ações que
conduzem a dinâmica do ser ao ter. Portanto, as narrativas a partir
de seus direcionamentos e dinamismo proporcionam uma gama
interações das quais avultam dimensões subjetivas que retratam a
evolução do enredo exposto pelo narrador em suas experiências de

166 Conceição de Maria Ribeiro dos Santos • Maria Lemos da Costa


Patrícia da Cunha Gonzaga
vida, logo, narrar é reviver uma face oculta do passado que permite
a reelaboração do futuro. Por fim, esta pesquisa não esgota a
discussão sobre a temática, mas que aguce seu aprofundamento a
partir do problema, foco deste trabalho.

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AS NARRATIVAS E A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO:


UM NOVO DESIGN PARA A PESQUISA
169
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA
SÓCIO-HISTÓRICA QUE EXPLICAM A
CONSTITUIÇÃO DO HUMANO

Eliana de Sousa Alencar Marques - UFPI/NEPSH

INTRODUÇÃO

O
texto apresentado no VIII Colóquio Nacional da AFIRSE
tem como objetivo evidenciar o potencial heurístico da
Psicologia Sócio-Histórica para fundamentar pesquisas
em educação. A discussão tem como ponto de partida a análise
conceitual de algumas categorias dessa abordagem utilizadas em
pesquisas que tratam de explicar a constituição e o desenvolvimento
do humano em seu desenvolvimento histórico e os processos sociais
que medeiam esse desenvolvimento, dentre eles, a educação.
Em pesquisa recente1 realizada com o objetivo analisar as
mediações constitutivas de professores e alunos que desenvolvem
práticas educativas bem sucedidas, as categorias da PSH foram
fundamentais para comprovar a seguinte assertiva teórica “o homem
é constituído historicamente a partir de múltiplas determinações”.


1
Tese de Doutorado realizada no Programa de Pós-graduação em Educação
da UFPI, com o título “O sócio-afetivo mediando a constituição de práticas
educativas bem sucedidas na escola” de autoria de Eliana de Sousa Alencar
Marques, orientada pela Professora Doutora Maria Vilani Cosme de Carvalho.

CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA


QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
171
(VIGOTSKI, 1998, 2000, 2004, 2009; MARX e ENGEL, 2002). Parte
dos resultados da pesquisa bibliográfica resultante dessa investigação
serão apresentados nesse texto.
O texto apresenta-se dividido em duas partes. Na primeira,
fazemos a discussão nuclear do texto, isto é, a apresentação e
discussão acerca das categorias da PSH com forte inserção nas
pesquisas educacionais. Na segunda e última parte, finalizamos
fazendo alusão ao potencial dessa abordagem no desenvolvimento de
investigações que se proponham a explicar o homem considerando-o
na sua relação dialética com a realidade.

MEDIAÇÕES CONSTITUTIVAS DO HUMANO

A Psicologia Sócio-Histórica idealizada por Vigotski (2009)


e seus discípulos, representa um projeto de ciência psicológica
fundamentada nos princípios do Materialismo Histórico e Dialético.
Com base nesses princípios, concebe o homem como ser social
e historicamente constituído, o que significa situar o psiquismo
humano no tempo e na materialidade. A adoção dessa concepção de
homem implica analisá-lo no seu processo histórico de constituição
e desenvolvimento, ou seja, estudá-lo na sua relação dialética com
o mundo e com os outros homens. A Psicologia Sócio-Histórica
propõe, para realização dessa análise, a adoção de algumas categorias
teóricas que se aplicam ao estudo dialético do homem. Dentre essas
categorias, consideramos que atividade, consciência, subjetividade,
significados e sentidos e vivência são centrais para esse estudo.
O estudo dessas categorias permite esclarecer como o homem,
na sua relação com o mundo e com os outros homens, constitui-se,
mediado por múltiplas determinações sociais, históricas e culturais.
Iniciamos o estudo pela análise da relação entre as categorias
“atividade” e “consciência”.

Atividade e Consciência

O desenvolvimento do psiquismo humano marca o início de


etapa superior do desenvolvimento do homem; etapa em que as
leis gerais que vão determinar o seu curso e desenvolvimento não

172 Eliana de Sousa Alencar Marques


serão mais as leis biológicas, mas sim, as leis socio-históricas. Nesse
processo, a atividade representa a condição fundamental para o
desenvolvimento da forma superior do psiquismo, que é a consciência
humana. Portanto, a consciência encontra na atividade humana a
condição de desenvolvimento e transformação. Isso significa que a
consciência humana tem natureza socio-histórica.
De acordo com Leontiev (1978), a psicologia soviética
entregou-se à tarefa de elaborar uma ciência psicológica de base
materialista dialética e marxista. Para isso, seus representantes
tomaram consciência imediata da importância decisiva do problema
da determinação socio-histórica da consciência humana. Vigotski
foi, entre os soviéticos, o primeiro a exprimir a tese de que a história
deveria tornar-se “o princípio diretor da edificação da psicologia
do homem.”(LEONTIEV, 1978, p. 153). Para isso, passou a realizar
estudos com o propósito de efetuar críticas contundentes às
concepções biológicas e naturalistas que se detinham em explicar
o comportamento humano a partir do comportamento animal. Os
acontecimentos históricos mostraram que esse teórico não efetuou
apenas críticas a essas correntes, mas, sobretudo, opôs-lhe a sua
teoria do desenvolvimento histórico e cultural.
Vigostki (2004) introduziu duas ideias consideradas
importantes para o avanço de uma psicologia concreta: a ideia da
historicidade da natureza do psiquismo humano e da reorganização
dos mecanismos naturais dos processos psíquicos no decurso da
sua evolução socio-histórica e ontogenética. Essa reorganização
acontecia com base na apropriação pelo homem dos produtos da
cultura humana, por meio das relações sociais.
O autor difunde a ideia de que o homem, diferente do que
postulam as demais correntes naturalistas, não só se adapta à natureza,
mas sim produz meios de sua própria existência, mediatizando,
regulando e controlando este processo pela sua atividade. O resultado
é o surgimento de funções humanas, historicamente formadas, ou
seja, das funções psíquicas superiores.
Para comprovar a tese de que o psiquismo tem natureza social,
cultural e histórica, Vigotski (1998) desenvolve, em especial, os
seguintes argumentos: as funções psíquicas superiores do homem
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
173
são de caráter cultural e os processos interiores intelectuais têm
sua origem em atividade inicialmente exterior. Conforme ressalta
o próprio autor “Uma operação que inicialmente representa uma
atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente.
(...). Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre
os indivíduos”. (VIGOTSKI, 1998, p. 75).
Dito de outra forma, a estrutura mediatizada dos processos
psíquicos aparece sempre a partir da apropriação pelo indivíduo
das formas de comportamento que foram inicialmente formas
de comportamento dos outros, imediatamente social. Ou seja,
introduz-se a ideia de que o principal mecanismo de desenvolvimento
do psiquismo do homem é a atividade real2; mecanismo que
possibilita a apropriação das diferentes experiências e formas sociais
historicamente constituídas.
Tendo como matriz os fundamentos ontológicos e socio-
históricos do pensamento marxista, a atividade passa a ser
compreendida como categoria importante na obra de Vigotski (1998)
e Leontiev (1978). Kozulin (2002) esclarece que Vigotski buscou e
encontrou nas ideias marxistas os fundamentos que lhe permitiram
desenvolver uma teoria social da atividade humana, colocada em
oposição ao naturalismo e à receptividade passiva da tradição
empirista que serviam de base para explicar o desenvolvimento do
comportamento humano.
Marx e Engels (2002, p. 26) atraíram Vigotski com a explicação
de como se constitui a consciência humana a partir atividade real
quando postularam que “Não é a consciência que determina a vida, é
a vida que determina a consciência.” Partilhando desse pensamento,
Vigotski (1998) considera a atividade, sobretudo a psíquica, como
produto e derivada do desenvolvimento da vida material; da atividade
exterior material, que se transforma no decurso do desenvolvimento
socio-histórico em atividade interna, em atividade da consciência.


2
Nesse texto consideramos atividade real, atividade material, atividade humana
como sinônimos, ou seja, representando a atividade do homem no mundo
pela qual este se produz a si mesmo e produz transformações na natureza.
Faremos também referencia ao trabalho humano como a principal atividade
do homem.

174 Eliana de Sousa Alencar Marques


Essa ideia é desenvolvida tomando como fundamento o pensamento
marxista na construção da sua teoria:

A produção das idéias, de representações e da consciência,


está em princípio, diretamente ligada à atividade material e
ao comércio material dos homens, é a linguagem da vida real.
As representações, o pensamento e o pensamento intelectual
dos homens aparecem aqui como emanação direta do seu
comportamento material. (MARX, ENGELS, 2002, p. 25).

Nesse sentido, os autores reafirmam a ideia de que é pelo


exame do processo de vida ativa que a história humana deixa de
ser mera coleção de fatos sem vida e passa a ser significada pelos
homens. Consideram, pois, que “é na vida real, onde termina a
especulação, que começa a ciência real, positiva, a representação
da atividade prática, do processo de desenvolvimento prático dos
homens.”(MARX; ENGELS, 2002, p. 27).
Para compreender a gênese da consciência na óptica da
psicologia concreta, Leontiev (1978) considera fundamental
descobrir as características psicológicas da consciência, mas, para
isso, esta não pode ser isolada da vida real, porque para o soviético
a atividade é a base material da consciência humana; a unidade que
torna possível estudar concretamente a consciência do homem,
sobretudo, a sua consciência em movimento.
O estudo da consciência em movimento, realizado por meio do
estudo da atividade humana, torna-se possível pela caracterização
psicológica dessa atividade. Ou seja, pela identificação das
necessidades, motivos e objetivos que dão origem a uma ação, esta,
por sua vez, “não reflete relações e ligações naturais, mas ligações
e relações objetivas e sociais” (LEONTIEV, 1978, p. 78). Em outras
palavras, a consciência que o homem tem acerca da atividade que
realiza, ou seja, o que ela representa para ele; como ele a compreende,
as modificações que ela engendra na sua vida, tudo isso se reflete nas
suas relações objetivas, no desenvolvimento da atividade, ou seja, na
significação dessa atividade, algo que se cria na vida. Portanto, do
ponto de vista psicológico concreto quer dizer:

CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA


QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
175
Este sentido consciente é criado pela relação objetiva que se
reflete no cérebro do homem, entre aquilo que o incita a agir e
aquilo para o qual sua ação se orienta como resultado imediato.
Por outras palavras, o sentido consciente traduz a relação do
motivo ao fim. (LEONTIEV, 1978, p. 97).

Segundo o autor, o sentido é dado pela ligação, na consciência


do sujeito, entre o objeto da sua ação e o motivo dessa ação. Esta
ligação só acontece porque a atividade desenvolvida tem caráter
essencialmente social. A importância disso reside no fato de que
somente quando essa relação está presente na consciência do
homem, a ação que ele realiza estando em atividade torna-se, de fato,
consciente. É preciso que o sentido das suas ações seja descoberto,
torne-se consciente; em outras palavras, é preciso saber o “porquê”
fazer.
Outro autor da PSH a explicar que o psíquico e a consciência
formam-se pela atividade é Rubinstein (1977). Esse teórico defende
o estudo do homem em atividade, por meio de seus atos, ações e,
especificamente, por meio de sua atuação. Entretanto, engana-se
quem vislumbra nessa tese a defesa do comportamento humano ou
da atividade humana como objeto da psicologia,

A psicologia do comportamento, que colocou esse problema em


primeiro plano, desfigurou-o e comprometeu-o pelo fato de que,
por um lado, converteu toda atuação em objeto da psicologia e,
por outro, eliminou o psíquico da sua particularidade qualitativa.
(RUBINSTEIN, 1977, p. 11).

Rubinstein (1977, p. 11) propõe que a nova psicologia estude


não a atuação humana em si mesma, mas, sobretudo, “o aspecto
psíquico da atividade”. Ou seja, o seu conteúdo psicológico,
a totalidade dos processos internos que determinam a atitude
humana na atuação. A compreensão dessa totalidade envolve a
relação entre o que é socialmente importante para o homem com
o que é pessoalmente importante. Dito de outra forma, “para o ser
humano que é um ser social, a importância pessoal de um possível
objetivo está condicionada e mediada pela sua importância social.”
(RUBINSTEIN, 1977, p. 27).

176 Eliana de Sousa Alencar Marques


A relação entre o significado social e o sentido pessoal revela
a totalidade do conteúdo psicológico que determina a atuação
humana. Essa atuação, desvelada nas atitudes do homem, leva
à produção da realidade objetiva e dos bens que a compõem,
assim como, à formação e autoformação do homem, processos
tornados possíveis pela atividade e na atividade. (LEONTIEV, 1978;
RUBINESTEIN, 1977).
Duarte (2004b, p. 55) considera que a análise da relação entre
significado e sentido das ações humanas tem decisivas implicações
para uma das atividades mais importantes no curso da evolução
humana, a educação. Segundo ele, a análise dessa relação pode
trazer respostas a duas questões:

Um dos grandes desafios da educação escolar contemporânea


não seria justamente o de fazer com que a aprendizagem dos
conteúdos escolares possua sentido para os alunos? Uma das
armadilhas contida nas proposições de boa parte das correntes
pedagógicas em voga não seria justamente a de postular uma
relação imediatista e pragmática entre o significado e o sentido
da aprendizagem dos conteúdos escolares, atrelando essa
aprendizagem ao utilitarismo tão forte no alienante cotidiano da
sociedade capitalista contemporânea?

O autor considera que a resposta a essas questões pode ser


alcançada pela reflexão acerca das relações sociais e de trabalho
na sociedade capitalista que se consolidam pela dissociação entre
o significado e o sentido das ações humanas e, sobretudo, pelas
condições educativas engendradas nessa sociedade que servem ao
propósito de dificultar e, às vezes, impossibilitar o acesso à educação
de qualidade à boa parte da população.
A concretização da educação como processo de formação do
gênero humano por meio da cultura acumulada e sistematizada,
que acontece nas instituições educativas formais, como a escola,
só se realiza mediante a atividade de ensino, organizada para este
fim. Entretanto, são necessárias condições para que isso aconteça. É
preciso analisar quais são as condições que estão sendo produzidas
para o professor realizar a atividade de ensino aprendizagem; quais
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
177
são os motivos que orientam essa atividade; como ele compreende
o que faz; de que forma os significados e os sentidos que ele produz
em atividade medeiam a sua relação com os alunos promovendo a
mediação cultural necessária e fundamental para que a educação se
efetive.

Significado e Sentido

Significado e sentido são duas categorias importantes da


Psicologia Sócio-Histórica (PSH), estudadas por Vigotski (2009), no
percurso de sua investigação acerca do desenvolvimento do psiquismo
humano. Para esse teórico, a compreensão do desenvolvimento
do psiquismo está relacionada diretamente com o estudo do
desenvolvimento histórico-cultural das funções psíquicas superiores.
Nesse estudo, o autor demonstra que o pensamento é inseparável
da linguagem e que compreender a dialética dessa relação é um
dos principais caminhos para a descoberta do funcionamento e do
desenvolvimento da consciência. Percorrendo caminho inverso do
estabelecido em sua época, esse teórico postula que as relações entre
pensamento e palavra não são dadas a priori, mas se constituem
unicamente no processo de desenvolvimento histórico e cultural da
consciência humana, sendo elas próprias produto e não premissa da
formação do homem.
O autor explica as análises realizadas pela ciência psicológica
para explicar a relação entre pensamento e linguagem tendiam a
fragmentação da realidade em elementos que não possuíam as
propriedades do todo, dificultando assim a compreensão dos
processos em sua totalidade. Vigostki (2009, p.08) propõe, então, a
substituição dessa análise por outra que ele qualifica como “análise
que decompõe em unidades a totalidade complexa”. Na verdade, a
proposta é analisar “o pensamento discursivo como uma totalidade
constituída por unidades que possuem propriedades inerentes a essa
totalidade e são suscetíveis de explicação”. Essa unidade Vigotski
(2009, p. 398) denominou de significado.
O significado da palavra é, ao mesmo tempo, fenômeno do
pensamento e do discurso, o que significa a unidade da palavra com

178 Eliana de Sousa Alencar Marques


o pensamento. No campo semântico, corresponde a relações que a
palavra encerra. No campo psicológico, são generalizações, conceitos
que são partilhados, construídos e reconstruídos historicamente
pelos homens que dividem a mesma cultura. Em outras palavras, é
o que possibilita a comunicação entre os homens. Ele é, ao mesmo
tempo, linguagem e pensamento, porque é unidade do pensamento
verbalizado. Assim, Vigotski (2009, p. 10) considera que “o método
de investigação do problema não pode ser outro senão o método de
análise semântica, da análise do sentido da linguagem, do significado
da palavra”.
A identificação do significado como a unidade que representa
a totalidade do pensamento discursivo possibilitou a Vigotski (2009)
o estudo concreto do desenvolvimento da linguagem discursiva e da
explicação das suas mais importantes peculiaridades nos diferentes
estágios do desenvolvimento do psiquismo. Entretanto, a sua mais
importante descoberta está no fato de que o significado das palavras
se desenvolve. De acordo com Vigotski (2009, p. 399):

A descoberta da mudança dos significados das palavras e do seu


desenvolvimento é a nossa descoberta principal, que permite pela
primeira vez, superar definitivamente o postulado da constância
e da imutabilidade do significado da palavra, que serve de base a
todas as teorias anteriores do pensamento e da linguagem.

Essa descoberta, segundo Vigotski (2009; 2004), foi o caminho


encontrado para tirar do impasse a teoria do pensamento e da
linguagem. Conceber o significado como formação dinâmica e não
estática é o que leva a compreensão da relação entre pensamento e
linguagem como processo; um movimento que vai do pensamento
à palavra e da palavra ao pensamento. Assim, o autor esclarece que
o pensamento não se expressa, mas se realiza na palavra, razão pela
qual considera ser possível fazer referência à “formação (unidade do
ser e não ser) do pensamento na palavra”, revelando dessa forma
toda a dialética que caracteriza esse processo. (VIGOTSKI, 2009, p.
409).
O pensamento é um processo interno, gigantesco, de modo
que sua expressão em palavras é quase impossível. É por esse motivo
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
179
que Vigotski (2009, p. 479) conclui que “o pensamento não coincide
diretamente com a sua expressão verbalizada”, ou seja, “o significado
medeia o pensamento em sua caminhada rumo á expressão verbal, isto
é, o caminho entre o pensamento e a palavra é um caminho indireto,
internamente mediatizado”, sobretudo pelas motivações que estão
na consciência desse sujeito. Portanto, para entender o pensamento
do outro é preciso fazer uma análise psicológica do enunciado, o que
envolve descobrir a sua motivação. Segundo Vigostki (2009), essa
descoberta dos motivos que medeiam o nascimento do pensamento
e orientam o seu fluxo pode nos levar ao encontro das zonas mais
fluídas, dinâmicas e complexas que se configuram na soma de todos
os eventos psicológicos despertados em nossa consciência, ou seja,
ao encontro dos sentidos.
Enquanto os significados implicam generalizações e, por isso,
são mais fixos e cristalizados pela cultura, os sentidos, embora
também sejam produzidos historicamente, porque têm a mediação
do social, revelam construções pessoais ligadas aos aspectos afetivos.
São, assim, determinados pelo conjunto de momentos afetivo-
volitivos existentes na nossa consciência, portanto, são mais amplos
que os significados. Para explicar melhor a relação entre significado
e sentido na formação do pensamento verbal, tomamos de Vigostki
(2009, p. 475) a seguinte explicação:

O sentido real de uma palavra é inconstante. Em uma operação


ela aparece com um sentido, em outra, adquiri outro. Esse
dinamismo do sentido é o que nos leva ao problema de Paulham,
ao problema da correlação entre significado e sentido. Tomada
isoladamente, no léxico, a palavra tem apenas um significado.
Mas este não é mais que uma potência que se realiza no discurso
vivo, no qual o significado é apenas uma pedra no edifício do
sentido.

Essa ideia demonstra que são os sentidos que conferem


riqueza de significados às palavras. O pensamento nunca é igual ao
significado direto das palavras. O significado medeia o pensamento
em sua caminhada rumo á expressão verbal, mediatizado pelos
sentidos. Nessa direção, entendemos o sentido como fenômeno

180 Eliana de Sousa Alencar Marques


do pensamento e do discurso mediatizado pelas motivações que
subverte o significado. Na análise psicológica da linguagem, Vigotski
(2009, p.465) considera que há diferenças entre o sentido e o
significado da palavra, “ O sentido de uma palavra é a soma de todos
os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. (...)
O significado é apenas uma dessas zonas de sentido que a palavra
adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais
estável, uniforme e exata”
Assim entendido, o sentido da palavra é inconstante, muda
conforme o contexto em que é empregada e o estado afetivo do
sujeito que a emprega. Já o significado, este é a expressão do que
a palavra carrega na sua materialidade e historicidade, no seu
conceito. A análise que envolve a relação entre significado e sentido
não pode perder de vista que o sentido é o que enriquece a palavra;
é o que dinamiza o seu significado. Isso porque, de acordo com
Vigotski (2009), a palavra incorpora, de todo o contexto no qual
está entrelaçada, os conteúdos intelectuais e afetivos. Os sentidos
são, portanto, constituídos a partir dos processos cognitivos, mas
também afetivos.
É com base nessa ideia, de que o pensamento tem também
uma dimensão afetiva e volitiva, que esse autor, ao estudar a
consciência humana em sua materialidade, ou seja, o indivíduo em
atividade, esclarece que toda atividade humana é significada e que
a análise dos sentidos da atividade envolve, sobretudo, a análise
das motivações, interesses, expectativas e emoções dos sujeitos
que se encontram em atividade. São os motivos que dão vida aos
pensamentos e orientam seu curso. Portanto, para entendermos
o pensamento do outro, não podemos nos deter apenas em
palavras soltas, em expressões desconexas. É preciso entendermos
o pensamento em sua totalidade, que, em última instância, requer
a compreensão da sua motivação.
Em sua análise acerca da relação entre pensamento e palavra,
Vigotski (2009) conclui que esta relação é a chave para a compreensão
da natureza da consciência humana. Isso porque, na base dessa
relação, está a palavra. A palavra, segundo o teórico, é a expressão
mais direta da natureza histórica da consciência humana,
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
181
A consciência se reflete na palavra como o sol em uma gota
de água. A palavra está para a consciência como o pequeno
mundo está para o grande mundo, como a célula viva está para
o organismo, como o átomo para o cosmo. Ela é o pequeno
mundo da consciência. A palavra consciente é o microcosmo da
consciência humana. (VIGOTSKI, 2009, p. 486).

Essa explicação evidencia que o pensamento, que ganha vida


pela e na palavra, revela aspectos da singularidade dos sujeitos, pois
nos permite o acesso a sua consciência. Nisso reside a importância
de estudar a atividade humana tendo como base os significados e
os sentidos que são compartilhados e negociados nos diferentes
espaços intersubjetivos.
A análise do significado e do sentido na perspectiva da
Psicologia Sócio-Histórica nos permite compreendê-las como
categorias teórico-metodológicas com valor heurístico em pesquisas
que investigam a totalidade dos processos constitutivos dos sujeitos.
Isso porque carregam a materialidade e as contradições do mundo
real presentes na consciência, além de revelar aspectos contraditórios
da mediação dialética entre a realidade objetiva e subjetiva.
Os significados e os sentidos medeiam ainda a transformação
de determinadas experiências em vivências à medida que levam à
produção de sentidos que alteram a forma do homem relacionar-se
com a realidade. As vivências são fonte de afetos, portanto, medeiam
a produção de sentidos que constituem modos de ser pensar e agir
dos homens, constituindo-se assim em mais uma categoria da PSH
importante na explicação da constituição e desenvolvimento do ser
humano.

Vivência e Produção de Sentidos

Vivência, na língua portuguesa, é a palavra que mais se


aproxima de perejivanie, termo usado no cotidiano da língua russa
para designar uma experiência acompanhada por sentimentos e
comoções vividas; “situação espiritual, provocada, de um modo ou
de outro, por fortes sentimentos, impressões”. (DELARI JUNIOR;
PASSOS, 2009, p. 09).

182 Eliana de Sousa Alencar Marques


Vigotski começa a utilizar o conceito perejivanie (vivência) nos
textos que escreveu como crítico de arte. A obra de maior repercussão
na sua carreira como crítico de arte foi “A tragédia de Hamlet –
príncipe da Dinamarca.” Toassa (2010) explica que Vigotski usa
perejivânie (vivência) nessa obra para explicar que elas são as principais
responsáveis pela criação de tantas possíveis interpretações que o
ator encontra para atuar, esclarecendo que vivências não têm relação
com os acontecimentos imediatos do mundo exterior, ou seja, ao
que é visível à plateia, mas com o sentido atribuído a elas pelo ator.
A autora enfatiza que, “para Vigotski, as vivências são os processos
dinâmicos, participativos, que envolvem indivíduo e meio. Seus
exemplos remetem a uma análise profunda da vivência humana e dos
sentidos atribuídos a ela” (TOASSA, 2011, p. 215).
O aprofundamento acerca desse conceito na obra de Vigotski
dá-se no momento em que o autor volta-se para construir os
fundamentos da Psicologia Sócio-Histórica. Com a intenção de
esclarecer que o psiquismo humano constitui-se culturalmente,
Vigotski (1996) recorre à categoria vivência para explicar que o
desenvolvimento da consciência é um processo, ao mesmo tempo,
racional, emocional, afetivo; ligado à vida real das pessoas, ou seja,
“as vivências englobam tanto a tomada de consciência quanto a
relação afetiva com o meio e da pessoa consigo mesma, pela qual se
dispõem, na atividade consciente, a compreensão dos acontecimentos
e a relação afetiva com eles”. (TOASSA, 2011, p. 231).
Ao esclarecer sobre a importância desse conceito na obra
de Vigotski, Prestes (2012) ressalta que para esse autor o conceito
de perejivanie está muito ligado ao conceito de situação social de
desenvolvimento. Ou seja, para Vigotski, a situação social e as
especificidades da criança formam uma unidade, nesse sentido,
perejivanie não diz respeito a uma particularidade da criança e nem ao
ambiente social em que ela se encontra, mas à relação entre os dois.
Tal processo se explica porque o ambiente não existe em absoluto, ao
contrário, o ambiente social tem sentidos diferentes para a criança
em fases de vida diferentes, ou seja, crianças em idades diferentes
podem viver na mesma situação social, mas cada uma terá sua
perejivanie (vivência) de modo diferenciado.
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
183
Vigotski (1996) parte do pressuposto de que o processo de
tomada de consciência tem início mediante a relação dialética entre
indivíduo e meio, tendo como mediador fundamental as vivências.
Sua preocupação passa a ser esclarecer em que momento dada
situação deixa de ser mera experiência e passa a ser vivência na vida
da criança. No texto “La crisis de los siete años”, Vigotski (1996)
inicia sua análise explicando que a criança de sete anos, enfrenta uma
situação de crise ou virada, descrita por cientistas como a crise dos
sete anos. Nesse momento de crise, a criança tem como característica
mais marcante a perda da espontaneidade. Vigotski (1996, p. 377)
esclarece:

A razão da espontaneidade infantil radica no fato de que não se


diferencia suficientemente a vida interior da exterior. As vivências
da criança, seus desejos, a manifestação dos mesmos, isto é, a
conduta e a atividade não constituem no pré-escolar um todo
suficientemente diferenciado. Nos adultos essa diferenciação é
muito grande e por isso o comportamento dos adultos não é tão
espontâneo ou ingênuo como o da criança.3

Ou seja, a criança, antes dos sete anos, manifesta o que sente


da forma como sente, não há aqui ainda traços dessa diferenciação.
A criança não separa sensações internas de sensações externas, seus
sentimentos estão em situação sincrética. Isso faz com que a criança
não camufle suas emoções; ao contrário, ela as manifesta exatamente
como ela as sente. Isso acontece porque a criança simplesmente sente
e expressa de forma espontânea esse sentimento.
A perda da espontaneidade pela criança de sete anos acontece,
esclarece Vigotski (1996), quando ela incorpora à sua conduta, ao
seu modo de agir, à sua atividade, um fator intelectual, ou seja, “o
fator intelectual que se insere entre a vivência e o ato direto, o que


3
Tradução livre de “La razón de la espontaneidad infantil radica em que no se
diferencia suficientemente la vida interior de la exterior. Las vivencias del niño,
sus deseos, la manifestción de los mismos, es decir, la condua y la actividad
no constituyen em el preescolar um todo suficientemente diferenciado. Em
los adultos esa diferencia es muy grande y por ello el comportamiento de los
adultos no es tan espontáneo e ingenuo como la del niño.”

184 Eliana de Sousa Alencar Marques


vem a ser o pólo oposto da ação ingênua e direta própria da criança”
4
. (p. 378). Pode parecer estranho essa afirmação de que a criança
tem ação direta no mundo, quando sabemos que para Vigotski a
relação do homem com o mundo é sempre mediada, entretanto,
entendemos que o autor usa a expressão “direta” para referir-se a
ação que ainda não é totalmente conscientizada pela criança.
Explicando de outra forma, esse fator intelectual faz a mediação
entre a vivência e a percepção da criança acerca dessa vivência, o que,
para Vigotski (1996), significa a atribuição consciente de sentido à
aquilo que se vive. Fato que se torna possível porque a criança, ao
se apropriar da linguagem, apropria-se do seu conteúdo semântico,
ou seja, dos significados, tornando-se capaz de generalizar. As
generalizações ajudam a criança a estabelecer diferenciação entre
mundo interior e mundo exterior, passando então a ter consciência
de seus estados afetivos, ou seja, passa a compreender o que vive e
atribuir sentido a isso. A criança passa a compreender seus afetos e,
especialmente, o que a afeta. Se antes ela sentia fome, frio, sede, mas
não tinha consciência disso, agora ela não só sente fome, frio e sede
como toma consciência desses estados. Isso significa que “aos sete
anos se forma na criança uma estrutura de vivencias que lhe permite
compreender o que significa “estou alegre”, “estou angustiada”,
“estou enfadada”, “sou boa”, “sou má” 5.” (VIGOTSKI, 1996, p.
380).
O fato de a criança passar a significar de forma consciente seus
estados afetivos determina o desenvolvimento de uma nova relação
dela com o meio. O meio a que se refere Vigotski (2003, p. 197) é
o social, nunca visto como invariável e permanente, mas, sim, como
“Uma imensa quantidade de aspectos e elementos muito diversos,
que sempre estão em flagrante contradição e luta entre si (...) como
um processo dinâmico que se desenvolve dialeticamente.” Essa


4
Tradução livre de “El factor intelectual que se inserta entre la vivencia y el
acto directo, lo que viene a ser el pólo opuestro de la acción ingenua y directa
propia del niño”

5
Tradução livre de: “a los siete años se forma en el niño uma estructura de
vivencias que le permite comprender lo que significa “estoy alegre”, “estoy
disgustado”, “estoy enfadado”, “soy bueno”, “soy malo”.

CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA


QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
185
análise requer a consideração do meio como algo que vai além do que
é exterior à criança. Não pode ser superficial, se atendo somente aos
aspectos que circundam a criança, mas que não chegam a penetrar
naquilo que lhe é essencial, no modo como essa criança se relaciona
com esses aspectos, ou seja, ao modo como esse meio é subjetivado.
Para Vigotski, portanto, o meio jamais permanece imutável
para a criança. Uma mesma situação pode ser vivenciada de
diferentes maneiras. A investigação que parte da influência do meio
deve, pois, analisar a dinâmica dessas relações, sem ignorar a criança
e o que o meio representa para ela. O meio pra a criança é sempre
social. A criança, como ser social, é parte do social. Assim, o meio,
sendo social, nunca é externo para ela; constitui e é constituído pela
criança que o vivencia. Para estudar a relação da criança com o meio,
Vigotski (1996) propõe como unidade de análise a vivência:

A vivência da criança é aquela simples unidade sobre a qual é


difícil dizer se representa a influência do meio sobre a criança
ou uma peculiaridade da própria criança. A vivência constitui
a unidade da personalidade e do entorno tal como figura no
desenvolvimento. Portanto, no desenvolvimento, a unidade
dos elementos pessoais e ambientais se realiza em uma série de
diversas vivências da criança. 6 (VIGOTSKI, 1996, p. 383)

A vivência é a verdadeira unidade dinâmica da consciência. Ou


seja, a vivência é o que permite compreender como cada pessoa se
relaciona com o mundo e como esse mundo é subjetivado porque ela
envolve a produção de afetos e sentidos Tal análise, entretanto, não
se produz de forma simples, pois requer o entendimento de como
a criança toma consciência do meio e o concebe, de como ela se
relaciona afetivamente com certos acontecimentos e de como esse
relacionamento afetivo com meio (re) orienta a produção de sentidos


6
Traduação livre de: “La vivencia del niño es aquella simple unidad sobre la
cual es difícil decir que representa la influencia del médio sobre el niño o
uma peculiaridad del próprio niño. La vivencia constituye la unidad de la
personalidad y del entorno tal como figura em el dessarrollo. Por tanto, em el
desarrollo, la unidad de los elementos personales y ambientales se realiza em
uma serie de diversas vivencias del niño.”

186 Eliana de Sousa Alencar Marques


que são produzidos pela criança sobre o mundo que a constitui e que
é constituído por ela.
As vivências são fontes de afetos. Os afetos levam à eclosão
de sentidos. Disso decorre que as vivências não podem produzir as
mesmas afetações em pessoas distintas, mesmo em se tratando de
pessoas que participam do mesmo meio social. A relação do homem
com o mundo e com os outros é sempre relação afetiva produtora
de sentido. Ou seja, os sentidos são produzidos em função dos
afetos constituídos na vivência. Entendemos com isso que são os
afetos que colocam os indivíduos em atividade, porque são os afetos
que determinam a qualidade do sentido produzido pelo indivíduo
na relação com a realidade.. Analisando os processos educativos
sob essa ótica, entendemos que, dentre as mediações constitutivas
dos professores e alunos que desenvolvem práticas educativas bem
sucedidas, estão as diversas disposições afetivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisas em educação fundamentadas nos aportes teórico-


metodológicos da Psicologia Sócio-histórica orientam-se pela
premissa de que a realidade é uma totalidade dialética que está
sempre em movimento, “é um todo estruturado que se desenvolve e
se cria.” (KOSIK, 1969, p.41). O pesquisador quando se orienta por
essa premissa produz as condições para se relacionar com a realidade
investigada e se apropriar dela dialeticamente. Pensar dialeticamente
sobre a realidade é a condição essencial para realizar pesquisa a
partir dos fundamentos da Psicologia Sócio-histórica.
Além de fornecer as premissas que permitem estabelecer relação
dialética com a realidade e com o conhecimento, a Psicologia sócio-
histórica oferece um arcabouço de categorias teórico-metodológicos
que possibilitam ao pesquisador penetrar na realidade investigada
e assim chegar a sua essência. Ao longo do texto mostramos que
atividade, consciência, significado, sentido e vivência explicam a constituição
e o desenvolvimento do humano. Os estudos realizados com base
nos teóricos da sócio-histórica mostram que a atividade, ao mesmo
tempo em que é produtora da consciência do homem, é ela mesma
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
187
produto dessa consciência e, que, essa atividade está relacionada ao
processo de significação. Ou seja, é um fato psicológico.
A análise do fato psicológico orienta a investigação com
base na Psicologia Socio-Histórica. Realizar análise psicológica do
sujeito significa desvelar o processo histórico em que se constitui
a sua consciência, e, sobretudo, e o mais importante, conhecer as
condições históricas pelas quais essa consciência se constitui e se
desenvolve.

REFERÊNCIAS

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palavra “Perejivanie” em L. S. Vigotski: notas para estudo futuro
junto à Psicologia russa. Trabalho de natureza voluntária, sem
vinculo institucional. A versão atual foi preparada para o III
Seminário Interno do GPPL ( Grupo de pesquisa pensamento e
linguagem ) da FE da UNICAMPI. Urumuarama ( Brasil) e Ivanovo (
Federação Russa), outubro de 2009.

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Vygotsky, seus discípulos, seus críticos. In. DANIELS, Herry. (Org.).
Uma introdução à Vygotsky. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

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TOASSA, G. Emoções e vivências em Vigotski. Campinas, SP: Papirus,
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vivências:  questões de tradução, sentidos e fontes epistemológicas
no legado de Vigotski.  Psicol. USP. São Paulo, vol.21, n.4,
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CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA


QUE EXPLICAM A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO
189
COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE
FORMAÇÃO CONTÍNUA DO PROFESSOR DE
MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL

Elieide do Nascimento Silva - UFPI

INTRODUÇÃO

N
a pesquisa, a colaboração foi decisiva para o
desenvolvimento do processo investigativo, haja vista
que possibilitou o processo reflexivo crítico necessário
para compreensão e interpretação das práticas realizadas pelo
professor de Matemática na resolução de problemas. Na colaboração,
o movimento de reflexividade possibilita a transformação da prática
de resolução de problemas matemáticos, tendo em vista que implica
em negociação dos conflitos, por meio da tomada de decisões
democráticas entre os partícipes do estudo.
Estudos, por exemplo, de Magalhães (2004), evidenciam
a importância da colaboração para o compartilhamento de
significados e a negociação de ideias e práticas docentes em processos
de pesquisa que visam ao desenvolvimento dos indivíduos que dela
participam. Com base no entendimento exposto, desenvolvemos o
trabalho investigativo com um professor de matemática do sexto
ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do município de
Parnaíba-PI, com o objetivo de investigar, colaborativamente, a partir
COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
191
da problematização, a relação da prática educativa com as práticas
criativas desenvolvidas na resolução de problemas matemáticos.
Para identificação dos partícipes deste estudo, decidimos
conjuntamente, usar codinomes. Assim, para o professor de
Matemática do sexto ano do Ensino Fundamental, adotamos o
pseudônimo de Phardal, tendo em vista este ser o nome que o
professor é carinhosamente chamado. Este é o nome de um inventor
nas histórias em quadrinhos que o identifica e o relaciona com o que
desenvolve na internet1. Leda foi o pseudônimo que escolhemos, pelo
motivo de ser o apelido adotado pelo nosso pai.
Na investigação, portanto, além da adesão voluntária de um
professor, foi imprescindível a discussão e a negociação conjunta
do planejamento das situações colaborativas que aconteceram em
cada etapa da pesquisa. Na realização de suas práticas o professor de
Matemática com sua atividade singular, modos de desenvolver suas
práticas de resolução de problemas a partir de suas experiências,
estabelece relação com as práticas educativas de forma mediada pelos
professores do Ensino Fundamental, grupo ao qual faz parte. Assim
sendo, suas práticas conservam propriedades de práticas educativas
de modo geral, ou seja, é a unidade que representa a totalidade.
No ambiente colaborativo produzido na investigação, ao
expor os nossos pensamentos nos apropriamos do pensamento do
outro, nos desenvolvendo mutuamente. Assim, ao questionarmos
os entendimentos e, também, a realização das práticas na resolução
de problemas matemáticos, promovemos condições para que as
contradições sobre as teorias e as práticas, bem como sobre os
contextos em que elas se desenvolvem fossem trazidas à tona. O
foco da reflexividade se constituiu na ação intencional, significativa
e responsiva2, ou seja, na produção com o outro, dos objetos de
discussão. As escolhas que surgiram a partir desta perspectiva foram


1
Atualmente são mais de 120 vídeos no You Tube, com mais de 298. 727
visualizações e ainda, o blog criado por ele: A arte de aprender brincando
(professorphardal.blogspot.com).

2
Assumimos atitude responsiva quando consideramos as condições reais de
comunicação discursiva, somente assim poderemos confrontar, acolher, confirmar
ou rejeitar a réplica, no sentido de buscar o seu sentido e ampliá-la (BAKHTIN, 2000).

192 Elieide do Nascimento Silva


escolhas que não se refletiram apenas no agir e no pensar, mas no
agir e pensar com outros de forma crítica e intencional (BAKHTIN,
2011).
A respeito da possibilidade de expansão que a colaboração
proporcionou na pesquisa, recorremos a afirmação de Sawyer
(2003, p. 82) de que a colaboração é a produção compartilhada
de “[...] dois ou mais indivíduos com habilidades complementares
interagindo para criar um entendimento partilhado que nenhum
deles tinha possuído antes ou poderia ter conhecido por si só”.
Portanto, em contexto colaborativo, desenvolvemos a reflexividade
crítica que sozinhos não conseguiríamos. Esse movimento possibilitou
compreender o que fizemos e por que fizemos e, por conseguinte, nos
permitiu criar modos de pensar e agir mais desenvolvidos e críticos, o
que caracteriza a transformação almejada.
O ambiente colaborativo não somente trouxe à tona as
concordâncias, mas, também, as discordâncias em relação ao
ponto de vista do outro, possibilitando a ampliação do nível de
desenvolvimento de todos. O respeito mútuo que ocorreu neste
ambiente nos deixou mais à vontade para refletirmos e fazermos
novas interpretações sobre a compreensão das práticas criativas
de resolução de problemas, o que compreendemos produziu
desenvolvimento pessoal e profissional. Para Magalhães (2009)
a colaboração diminui o distanciamento entre pesquisador e
pesquisado. Nela, há uma valorização das vozes dos partícipes, todos
se sentem prestigiados e entendem a importância do seu papel para a
realização da pesquisa.
Organizamos os procedimentos para que a colaboração
ocorresse, de acordo com o que recomenda Larraín e Hernández
(2003): criação de sinergia entre os pares de modo que possa haver,
ao mesmo tempo, produção de conhecimentos novos que promovam
melhoria da prática, aprendizagem compartilhada da teoria e,
também, desenvolvimento pessoal e profissional dos participantes.
Neste artigo, portanto, a discussão foi organizada com a
finalidade de apresentar o referencial teórico-metodológico, a
concepção de colaboração e a sua importância como instrumento
decisivo para o desenvolvimento do processo investigativo, tendo em
COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
193
vista que ela possibilita condições para que o processo reflexivo seja
produzido com a intencionalidade de trazer à tona compreensões
que permitam o desenvolvimento de práticas educativas criativas
na resolução de problemas matemáticos por parte do professor,
levando-o, também, a pensar e agir criticamente, contribuindo para
o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

MOVIMENTOS DE PRODUÇÃO DE MATERIALIDADE DA


PESQUISA

A pesquisa foi fundamentada nos princípios do Materialismo


Histórico Dialético. A escolha dos princípios, leis e categorias deste
Método se deu por considerar que ele nos possibilita entender o
movimento que representa o desenvolvimento apresentado pelo
professor na resolução de problemas matemáticos. Para Afanasiev
(1968, p. 8), o método “[...] é constituído pelos caminhos que
levam ao fim proposto, o conjunto de princípios e procedimentos
determinados de investigação teórica e de atividade prática”
(AFANASIEV, 1968, p. 08).
No Materialismo Histórico Dialético as práticas educativas
realizadas na resolução de problemas matemáticos no Ensino
Fundamental são investigadas tendo como base que sua materialidade
é fruto do permanente movimento de desenvolvimento e renovação,
produzidos nas relações sociais estabelecidas dentro e fora da sala
de aula.
No mencionado método, a materialidade do objeto, seu
princípio orientador, encontra-se na realidade concreta, fruto do
permanente movimento de desenvolvimento e renovação do novo, a
partir de uma realidade existente. Logo, para entender a prática do
professor é preciso estudá-las levando em consideração as relações
derivadas da sucessão e da simultaneidade desses fatos (MARX;
ENGELS, 2002).
Com base no exposto, fizemos também a opção por
trabalhar com os princípios da Abordagem Sócio-Histórica, vez
que consideramos os partícipes seres ativos, que se desenvolvem na
relação com os outros e com os instrumentos disponíveis no social.
Na visão de Vigotski (2007), é a partir das relações sociais que o

194 Elieide do Nascimento Silva


homem transforma a si mesmo e a realidade na qual está inserido.
A Abordagem Sócio-Histórica nos possibilitou investigar e
compreender as práticas educativas do professor de Matemática
a partir do contexto sócio-histórico em que elas se configuram.
A historicidade, princípio do método a que nos referendamos,
ajuda a entender como essas práticas vêm se desenvolvendo e as
transformações nelas ocorridas, considerando-se as interações
mantidas pelos indivíduos na realidade material e concreta na qual
se encontram.
Assim, investigar utilizando os princípios dessa perspectiva
implica em produzir, de forma compartilhada, conhecimentos que
nos torne possível conhecer, descrever, explicar, interpretar a prática
educativa criativa, promovendo, coletivamente, transformação das
práticas de resolução de problemas matemáticos e dos partícipes.
A partir do entendimento exposto foi necessária à utilização
de uma perspectiva de pesquisa que nos possibilitasse a criação de
espaços em que o conhecimento acontecesse por meio dos sentidos
negociados em contexto de reflexividade crítica, de modo a entender
o pensar e o agir do professor de matemática e a origem de suas
práticas, considerando o processo de mudança e a compreensão de
como elas foram se constituindo a partir das transformações sofridas
(VIGOTSKI, 1989).
Nessa direção, escolhemos a Pesquisa Colaborativa para
desenvolver o estudo por concebê-la como modo de compreensão
da realidade e dos sujeitos que nela se encontram. Para Magalhães
(2009, 2011), Desgagné (1998), Ibiapina (2007, 2008), entre
outros, a Pesquisa Colaborativa, ao apoiar-se nos princípios da
Abordagem Sócio-Histórica, é uma concepção de investigação que
possibilita entender como os participes se desenvolvem mutuamente
e transformam suas práticas por meio das relações sociais.
Neste estudo, a Pesquisa Colaborativa foi utilizada como
instrumental teórico-metodológico, pois nos permitiu criar condições
à reflexão crítica da prática de resolução de problemas matemáticos,
relacionando-a a realidade mais ampla, que é o ensino de matemática
no Ensino Fundamental. Na visão de Ibiapina e Ferreira (2007, p.31):

COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DO


PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
195
[...] o potencial da investigação colaborativa está justamente
em dar conta não somente da compreensão da realidade
macrossocial, mas, sobretudo, em dar poder aos professores para
que eles possam compreender, analisar e produzir conhecimentos
que mudem essa realidade, desvelando as ideologias existentes
nas relações mantidas no contexto escolar.

Diante do pensamento explicitado, nesta Pesquisa Colaborativa,
o professor foi considerado produtor de conhecimentos sobre a
teoria e a prática, capaz de transformar as suas práticas educativas,
o que se deu a partir da compreensão da teoria por meio da prática
que desenvolve e da prática que desenvolve a partir da teoria. Ao
utilizarmos esse tipo de pesquisa, deixamos de investigar sobre o
professor de Matemática, e passamos a fazer pesquisa com ele, como
nosso parceiro na investigação, propiciando condições ao professor
de compreender as práticas que utiliza na resolução de problemas
matemáticos no Ensino Fundamental por meio do processo
colaborativo desencadeado na pesquisa (MAGALHÃES, 2004).
Nesse sentido, a Pesquisa Colaborativa nos deu a possibilidade
de trabalharmos em dois campos, o da pesquisa e o da formação,
haja vista que esse modo de fazer pesquisa promove espaços de
formação que favorecem o desenvolvimento profissional para os
envolvidos (pesquisadora e docente), assim como o da pesquisa em
si. Por conseguinte, proporciona conhecimentos que possibilitam
caminhar rumo a um novo pensar e agir na resolução de problemas
matemáticos.
As ações desenvolvidas na pesquisa possibilitaram aos partícipes
olhar às práticas educativas desenvolvidas na resolução de problemas
matemáticos de maneira mais crítica, levando-os a compreender as
teorias e as ações não conscientes que as sustentam. Nesta Pesquisa
Colaborativa, a negociação de conflitos e o compartilhamento
mútuo, proporciona aos partícipes mais poder (empowerment) para
agir no sentido de transformar as práticas que realizam (IBIAPINA,
2008).
Para o entendimento do movimento em tela, utilizamos
a observação colaborativa como instrumento de produção e
compreensão das informações. Na observação colaborativa, por

196 Elieide do Nascimento Silva


meio da mediação do outro, somos capazes de desenvolver o processo
crítico reflexivo, que nos torna possível mudanças nas práticas e nos
contexto que estamos inseridos (COELHO, 2012).
Os estudos de Paiva (2002), Guedes (2006), Ibiapina (2008),
Coelho (2012) e Bandeira (2014) apresentam a observação
colaborativa como procedimento metodológico desencadeador de
um processo reflexivo que culmina na participação e colaboração que
possibilitam a transformação da teoria, das práticas, dos professores
e dos contextos.
Na visão de Ibiapina (2008, p. 90), a observação colaborativa
“[...] é um procedimento que faz articulação entre ensino e pesquisa,
teoria e prática, bem como possibilita o pensar com os professores
em formação sobre a prática pedagógica no próprio contexto de
aula”, o que também possibilita a colaboração e a reflexão crítica.
Esse procedimento metodológico, além de valorizar a
participação e a colaboração, possibilita aos partícipes a formação e
o desenvolvimento de uma prática mais consciente, pois se constitui
em um momento de reflexão crítica sobre o nosso fazer.
Na observação colaborativa, os partícipes apresentam as
contradições da prática educativa na resolução de problemas
matemáticos por meio de ações intencionais e planejadas que os
permitem nesse momento, como observadores, descreverem o
contexto observado, bem como interpretarem os resultados descritos
conjuntamente (pesquisadora e professor).
Na pesquisa, as etapas do planejamento da metodologia, do
registro e das reflexões acerca das informações obtidas na observação
foram desenvolvidas levando em consideração a pré-observação, a
observação e a pós-observação, fases que constituem o movimento
da observação colaborativa (COELHO, 2012).
Assim, nas sessões de pós-observação buscamos, por meio da
voz do professor prescindir o que teoricamente fundamentam suas
práticas e desenvolver o movimento que o possibilitasse reelaborar as
práticas, se assim julgasse necessário. Na sessão de pós-observação, a
partir das ações da reflexão crítica “[...] há uma reconstrução interna
de processos externos, a partir da apropriação gradual do discurso
de outrem na análise da própria ação” (LIBERALI, 2010, p. 24).
COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
197
Na investigação, esta fase promoveu situações nas quais os
envolvidos exercitaram novas formas de compreensão da prática, por
exemplo, quando Phardal diz “Não, aí talvez seja uma cooperação.
Se fosse fazer uma paralela entre cooperação e colaboração aí foi
meramente apenas uma cooperação. Estou lhe dando aqui algo.
Não houve assim algo que transformasse aquele momento. Ali foi
uma simples cooperação”. O exemplo evidencia o potencial da
colaboração na produção das compreensões que fundamentaram o
pensar e o agir dos partícipes no processo de reflexividade sobre o
desenvolvimento de práticas educativas na resolução de problemas
matemáticos, bem como para o desenvolvimento posterior dos
partícipes. A respeito do movimento em foco, tratamos a seguir.

COLABORAÇÃO: MOVIMENTO QUE POSSIBILITA A


COMPREENSÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA

Na pesquisa, a colaboração produziu o processo reflexivo


necessário para compreensão e interpretação das práticas realizadas
pelo professor de Matemática na resolução de problemas, por meio
dos questionamentos desencadeados nas interações discursivas que
ocorreram, principalmente, nas sessões de pós-observação.
Nesse sentido, na investigação foi fundamental distinguir
colaboração de cooperação, no sentido de elucidar traços distintivos
entre as definições destes termos. E, ainda, para distinguir da maneira
popular em que o termo colaboração é empregado (JOHN-STEINER;
WEBER; MINNIS; 1998). Na visão de Fiorentini (2004, p. 50):

[...], na cooperação, uns ajudam os outros (co-operam),


executando tarefas cujas finalidades geralmente resultam de
negociação conjunta do grupo, podendo haver subserviência de
uns em relação a outros e/ou relações desiguais e hierárquicas.
Na colaboração, todos trabalham conjuntamente (co-laboram)
e se apoiam mutuamente, visando atingir objetivos comuns
negociados pelo coletivo do grupo.
Compreendendo que colaborar não é fácil, mas algo que
deve ser aprendido de forma volitiva e deliberativamente consciente
pelos partícipes, tornou-se necessário distinguir colaboração de

198 Elieide do Nascimento Silva


cooperação. Assim, com o objetivo de conhecermos o entendimento
de colaboração e cooperação internalizado pelo professor de
matemática, bem como desenvolver o processo de reflexividade crítica
necessário para a compreensão das práticas criativas na resolução
de problemas matemáticos, desenvolvemos o primeiro movimento
em busca dessa compreensão, desencadeado por meio da entrevista
diagnóstica.
Essa entrevista, assim como os outros instrumentos de
pesquisa, foi desenvolvida na residência do professor colaborador no
dia 19 de outubro de 2013, às oito horas e 30 minutos e teve como
objetivo obter informações acerca das temáticas que envolvem a
pesquisa e, ainda, organizar o movimento reflexivo imprescindível em
contexto de colaboração. Os questionamentos a seguir mostram os
conhecimentos prévios de colaboração e de cooperação apresentado
por Phardal.

Leda: Para você o que é colaboração?


Phardal: É uma forma de trabalhar onde um grupo de pessoas
se ajudam de tal forma que todos contribuem igualmente.
Leda: E cooperação?
Phardal: É uma forma de trabalhar onde um grupo de pessoas
se ajudam, porém, uns podem ter um maior envolvimento na
atividade.
(Entrevista diagnóstica realizada em 19/10/2013)

Nesse momento Phardal responde objetivamente o


questionamento colocado por Leda revelando que apresenta indícios
de compreensão acerca de colaboração e de cooperação quando
relaciona ambas a concepção de Ajuda, diferenciando uma da outra
conforme a forma de participação de cada um no grupo. Para o
partícipe o que distingue colaboração de cooperação é a natureza da
participação, conforme apresentado em sua compreensão “É uma
forma de trabalhar onde um grupo de pessoas se ajudam de tal forma
que todos contribuem igualmente”, faz-nos entender que o professor
não considera o compartilhamento negociado no grupo como
característica determinante da colaboração como asseveram Moran
COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
199
e John-Steiner (2003) quando evidenciam que colaborar vai além
de trabalho em cooperação com outros, em que todos participam,
uma vez que o trabalho em colaboração reflete não a ajuda dos
participantes, mas o compartilhamento negociado no grupo, ou seja,
representa a contribuição individual compartilhada no grupo.
Embora a enunciação do partícipe, conforme observado.
apresente anúncio da compreensão do sentido de colaboração
associada a trabalho conjunto, quando evidencia que “todos
contribuem igualmente”, visão que se aproxima das compreensões
de Fiorentini (2004) e Magalhães (2004), em que esclarecem que
na colaboração todos trabalham conjuntamente visando atingir
objetivos negociados sem subserviência dos indivíduos ao grupo. De
acordo com Magalhães (2004, p. 56), “[...] colaboração pressupõe
que todos os agentes tenham voz para colocar suas experiências,
compreensões e suas concordâncias em relação aos discursos dos
outros participantes e seu próprio”.
Com base no entendimento explicitado, na colaboração é
imprescindível a negociação de ideias, haja vista que colaborar
não significa apenas organizar espaços de discussão em que
todos participam de determinada conversa ou façam trabalho em
cooperação com outros (MORAN; JOHN-STEINER, 2003). Para
John-Steiner, Weber e Minnis (1998, p.4):

[...] em uma verdadeira colaboração há compromisso para a


produção de recursos compartilhados, poder compartilhado
e talento compartilhado não há o domínio de ponto de vista
individual, [...], e o produto do trabalho reflete um pouco de
cada uma das contribuições individuais dos participantes.

Diante do entendimento exposto, partimos para o


desenvolvimento de interações discursivas que o processo de produção
do conhecimento estivesse associado a conflitos de opiniões.
Assim, com o objetivo de expandir a compreensão do professor
de Matemática acerca de colaboração e demonstrar a função desta
no processo de reflexividade necessário para a compreensão de
práticas educativas criativas na resolução de problemas matemáticos,
na segunda sessão de pós-observação, realizada às 9 horas do dia

200 Elieide do Nascimento Silva


24 de agosto de 2014, na residência do professor colaborador,
desenvolvemos movimento que nos possibilitou discutir a respeito
de situações caracterizadas por ele como colaborativas e evidenciar
como, em colaboração, o questionamento pode propiciar condições
para que os partícipes compreendam a função das perguntas e
respostas na e para a compreensão e reelaboração do pensar e do
agir postos em discussão.
Nos excertos, a seguir, apresentamos enunciações evidenciadas
por Phardal desencadeados em colaboração por meio dos
questionamentos mediados por Leda.

Leda: Quando você coloca ajuda, o que você está querendo


dizer com ajuda? O que sugere ajuda? Ajudar uma pessoa, por
exemplo, uma pessoa, quando um colega, num jogo qualquer,
‘ele’ simplesmente dá a peça que está faltando ele ajudou, dá a
peça é esse tipo de ajuda? Há uma transformação nessa ajuda?

Phardal: Não, aí talvez seja uma cooperação. Se fosse fazer


uma paralela entre cooperação e colaboração aí foi meramente
apenas uma cooperação. Estou lhe dando aqui algo. Não
houve assim algo que transformasse aquele momento. Ali foi
uma simples cooperação.

Leda: Então podemos dizer que a colaboração seria ajuda?

Phardal: É, seria uma ajuda transformada. Uma ajuda onde


aquela ajuda trouxe uma consequência, um entendimento além
do que o companheiro já tinha.[...]

[...]

Leda: Então, que situações dessa aula filmada você considera


que são colaborativas e que não são colaborativas?
Phardal: Quando o aluno ‘tá’ individualmente, certo? Não
existe uma situação colaborativa ‘pra’ um grupo não, só para
ele, colaborando pra si mesmo. A colaboração, eu creio, no
COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
201
meu ponto de vista é que tem que haver uma participação de
no mínimo duas pessoas ‘pra’ que haja uma troca, no mínimo
duas pessoas.
(Segunda sessão de pós-observação ocorrida em 24/08/2014)

Leda ao perguntar para Phardal “O que sugere ajuda? Há uma
transformação nessa ajuda?” utiliza a Resolução de Problemas,
categoria da colaboração, com o objetivo de possibilitar novas
significações que torne possível a reelaboração da compreensão do
seja colaboração, bem como, o desencadeamento de movimento
reflexivo que novas configurações acerca das interações desenvolvidas
na sala de aula. O que fica evidenciado na discussão quando
Phardal apresenta a seguinte réplica colaborativa, representa pela
discordância de opinião de maneira justificada: “Se fosse fazer uma
paralela entre cooperação e colaboração aí foi meramente apenas
uma cooperação”.
Com o intuito de dar continuidade ao movimento que tornasse
possível a expansão do pensamento acerca de colaboração, logo em
seguida Leda faz o seguinte questionamento: “Então podemos dizer
que a colaboração seria ajuda?”, de acordo com Oliveira (2009), na
colaboração, o Questionamento, enquanto função da colaboração,
o questionamento feito tem como objetivo preservar a contradição
como forma de negociação e expansão do tema tratado. Para o
autor (2009): a colaboração contribui para que se desenvolva atitude
reflexiva sobre a própria prática, quando na interação discursiva, via
questionamento, é usada como instrumento de desenvolvimento
do pensamento e da ação, uma vez que é na própria prática que os
partícipes encontram as alternativas para mudá-la.
Esse pensamento corrobora com o de Ninin (2013), quando
ela afirma que a colaboração modifica a forma de pensamento
do indivíduo, o seu nível de consciência. Neste caso, a partir do
momento que modificamos o padrão das perguntas, ou seja, quando
abandonamos as perguntas que são meramente interativas e que
buscam resposta ou avaliação, em detrimento de questionamentos
problematizadores, que buscam evidenciar e negociar pontos de
vistas, perspectivando a transformação do professor e da atividade

202 Elieide do Nascimento Silva


que ele desenvolve. Essa possibilidade foi demonstrada por Phardal ao
responder: “É, seria uma ajuda transformada.” quando questionado
por Leda se colaboração seria o mesmo que ajuda, o partícipe
expande a compreensão inicial de colaboração, quando acrescenta o
atributo transformação, isto é, esclarece que a colaboração acontece
quando há transformação.
No excerto seguinte, que também faz parte das discussões
que aconteceram na segunda sessão de pós-observação, ficou
evidenciado a importância do contexto colaborativo para o processo
de reflexividade crítico necessário para a compreensão da prática que
o professor utiliza como segue:

[...]

Leda: [...] Você modificaria alguma coisa em suas práticas, de


forma que essas práticas elas tenham como ‘sustentar’, [...] a
colaboração, o agir colaborativo, para que tudo isso que você
falou seja conseguido?

Phardal: Sim, na verdade não é que mudaria, eu estaria


trabalhando de uma maneira mais consciente porque eu passei
20 anos fazendo vários procedimentos muito parecidos com
isso, mas um pouco empírico mesmo, corriqueiro, mas dessa
forma, com esse diálogo que a gente ‘tá’ tendo, a gente vê, sim,
que existem possibilidades da gente ‘tá’ sempre ampliando
esse campo de visão sobre a prática [...]. Então acredito que
nunca uma aula seria a mesma diante de tantos conhecimentos
adquiridos nesse trabalho que a gente está fazendo.
(Segunda sessão de pós-observação ocorrida em 24/08/2014)

Phardal ao ser questionado: Você modificaria alguma coisa


em suas práticas [...] ? responde: “eu estaria trabalhando de uma
maneira mais consciente [..] Então acredito que nunca uma aula
seria a mesma diante de tantos conhecimentos adquiridos nesse
trabalho que a gente está fazendo”. Na colaboração a voz do outro
cria possibilidades de expandir as aprendizagens internalizadas por
COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
203
meio das relações interpessoais que nela ocorrem (MORAN; JOHN-
STEINER, 2003). As interações discursivas advindas das negociações
das contradições provocadas pelos questionamentos levaram-nos
a refletir sobre o pensar e o agir enquanto ações determinantes da
prática educativa.
De acordo com Magalhães (2010, p. 29):

Colaboração envolve uma intencionalidade em agir e falar para


ouvir o outro e ser ouvido, revelar interesse e respeito às colocações
feitas por todos, pedir e/ou responder a um participante para
clarificar ou retornar algo do que foi dito, pedir esclarecimentos,
aprofundar a discussão, relacionar práticas a questões teóricas,
relacionar necessidades, ações-discursos, objetivos.

O que sugere dizer que, em colaboração, o questionamento


possibilita o desenvolvimento do nível de compreensão a partir das
contradições produzidas nas interações discursivas, o que implica
respeito pelas vozes e compreensões do outro, contribuindo para o
movimento da reflexividade crítica.
Em colaboração, a problematização dos questionamentos,
vislumbra o avanço do nível de consciência por parte dos partícipes,
provocado pelas discussões que acontecem durante as interações.
O desenvolvimento que este movimento proporciona nos possibilita
compreender o que fazemos e por que fazemos. Enfim, um movimento
reflexivo que nos permite criar novos modos de pensar e agir (NININ,
2013).

NOTAS CONCLUSIVAS

Neste artigo, portanto, reiteramos a importância da colaboração


no movimento investigativo voltado para o desenvolvimento pessoal
e profissional dos partícipes. Em colaboração, a problematização
possibilita a transformação da prática educativa, tendo em vista que
proporciona um movimento de reflexividade sobre a própria prática,
pois torna possível o aprofundamento teórico e crítico acerca da
mesma.
Na pesquisa, compartilhamos e negociamos pontos de vistas,

204 Elieide do Nascimento Silva


produzimos compreensões sobre as ideias socialmente construídas
acerca das práticas realizadas na resolução de problemas, bem como
o sentido das ações na produção dessas ideias. De acordo com as
discussões apresentadas neste artigo, a colaboração que ocorreu no
contexto desta pesquisa e no processo de formação, tornou possível
que os colaboradores demonstrassem, questionassem e tornassem
seus pontos de vista claros para si e para os outros diante do que foi
posto em negociação, a partir do conflito de opiniões que aconteceu
no decorrer das reflexões.
Dessa forma, por meio desta pesquisa, colaboramos com
o professor de Matemática ao desenvolver com ele o movimento
crítico reflexivo no sentido de desvelar as práticas de resolução de
problemas matemáticos. Em suma, a colaboração proporciona o
movimento de reflexividade que trouxe à tona contradições existentes
nos pensamento e nas práticas e, ainda, a possibilidade de reelaborá-
las. O processo formativo que ocorreu em contexto colaborativo
possibilitou aos partícipes expandirem a compreensão da prática
de resolução de problemas matemáticos potencializando-as para o
desenvolvimento de práticas criativas.

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COLABORAÇÃO E O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DO


PROFESSOR DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
209
O USO DA PROPOSTA
ANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE
SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM
EDUCAÇÃO

Francisco Antonio Machado Araujo - UFPI


Maria Vilani Cosme de Carvalho - UFPI

INTRODUÇÃO

Depois que aprenderem a observar a vida a sua


volta e a explorá-la para o seu trabalho, vocês se
voltarão para o estudo do material emocional mais
necessário, importante e vivo, em que se baseia a
sua principal criatividade. Refiro-me às impressões
que vocês obtêm no intercâmbio direto e pessoal
com os outros seres humanos. Esse material é difícil
de conseguir porque é em grande parte inatingível,
indefinível e só perceptível no íntimo. É verdade que
muitas experiências invisíveis, espirituais, se refletem
na nossa expressão facial, nos nossos olhos, voz,
palavra, gestos, mas ainda assim não é nada fácil
sentir, perceber o âmago de um outro ser, porque as
pessoas nem sempre abrem as portas de suas almas
e deixam que outros as vejam como realmente são .

(STANISLÁVSKI, 1989)

O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE


SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
211
N
as palavras de Stanislávski (1989) fica evidente
a complexidade de adentrar na subjetividade do
sujeito humano. Como o autor coloca, “não é nada
fácil sentir, perceber o âmago de um outro ser, porque as pessoas
nem sempre abrem as portas de suas almas e deixam que outros as
vejam como realmente são”. Nesse entendimento, a realização de
pesquisa cuja objetivação direciona-se para a apreensão de sentidos
dos indivíduos, é tarefa complexa e cuidadosa. Para Aguiar e Ozella
(2013, p.307):

A apreensão dos sentidos não significa apreendermos uma


resposta única, coerente, absolutamente definida, completa, mas
expressões muitas vezes parciais, prenhes de contradições, muitas
vezes não significadas pelo sujeito, mas que nos apresentam
indicadores das formas de ser do sujeito, vividos por ele.

O que esses autores nos propõem é que a compreensão da fala


do indivíduo não passa apenas pelas palavras, mas pelo pensamento
e pela apreensão significado da fala. Essa compreensão é importante
porque o significado da palavra é uma generalização do pensamento,
uma unidade indecomponível, um fenômeno do pensamento
discursivo e da palavra consciente.
Nessa compreensão, apenas palavras não são suficientes para
entender o discurso do indivíduo investigado, é necessário a apreensão
de suas zonas de sentido. Isso, porque numa análise psicológica, o
foco é apreendermos os significados das palavras que expressam
partes do pensamento e, do mesmo modo, apreendemos os sentidos
que expressam os fatos psicológicos vividos, pois somente assim é
possível compreender a maneira de pensar, sentir e agir do indivíduo.
Desse modo apresentamos neste texto, algumas discussões
sobre a proposta analítica dos Núcleos de Significação, criada por
Aguiar e Ozella (2006; 2013), como possibilidade para apreensão
de sentidos em pesquisas qualitativas mediadas pela Psicologia
Sócio-Histórica. O texto foi produzido com base nos aspectos
metodológicos da Dissertação de Mestrado intitulada “EDUCAÇÃO.
COM TECNOLOGIA: conectando a dimensão subjetiva do trabalho
docente mediado pelas TIC’s”.

212 Francisco Antônio Machado Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


Também contribuíram para o desenvolvimento deste texto, os
fundamentos teórico-metodológicos da Psicologia Sócio-Histórica
com base em Vigotski (1996; 2000; 2001; 2010a; 2010b), e no
conceito de Pesquisa Qualitativa em Chizzotti (2006), Bogdan e
Biklen (1994).
Considerando que a proposta analítica dos Núcleos de
Significação não consiste na reunião de procedimentos fechados,
mas dinâmica e aberta à contribuições metodológicas, inserimos
nessa discussão, um novo movimento analítico por meio das notas
indicativas de significação e dos núcleos temáticos (MARQUES, 2014).
O texto está organizado em três partes. Na primeira parte,
apresentamos algumas considerações sobre Psicologia Sócio-
Histórica e sua articulação com a pesquisa qualitativa. A segunda
parte constitui-se na discussão que envolve a proposta analítica
dos Núcleos de Significação por meio da exposição dos aspectos
metodológicos de uma pesquisa em educação. E na terceira parte,
propomos algumas considerações sobre a relevância da proposta
de Aguiar e Ozella (2006; 2013) para a apreensão de sentidos em
pesquisas qualitativas mediadas pela Psicologia Sócio-Histórica.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PSICOLOGIA SÓCIO-


HISTÓRICA NA PESQUISA QUALITATIVA

A Psicológica Sócio-Histórica tem suas bases teórico-


metodológicas fundamentadas no Materialismo Histórico Dialético,
segundo o qual orienta que:

[...] a pesquisa deve dominar a matéria até o detalhe; analisar


suas diferentes formas de desenvolvimento e descobrir a conexão
íntima que existe entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é
que o movimento real pode ser adequadamente exposto. Quando
se consegue isto e a vida da matéria se reflete no plano ideal, seu
resultado pode até parecer alguma construção a priori (MARX,
1983, p. 15).

A ideia aqui desenvolvida de que a atividade de investigação


deve desvelar as conexões entre as partes que constitui a totalidade
O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE
SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
213
de dado fenômeno, orienta o pesquisador a compreender seu
objeto de estudo considerando as múltiplas determinações que
se articulam entre si e o constitui. Marx (1983) contribui para
a ideia, de que os homens se constituem na materialidade, em
contextos sócio-históricos, e que a consciência é ao mesmo tempo
premissa e produto desse processo. Vigotski (1996), por sua vez,
ao se preocupar em não transferir mecanicamente o Materialismo
Histórico Dialético para a produção de conhecimentos em
Psicologia, propôs a criação de um método próprio que, ao
se fundamentar nas ideias de Marx, priorizou o caráter sócio-
histórico dos fenômenos.
Com base nas ideias do método vigotskiano, compreendemos
que numa análise sócio-histórica dos fenômenos, utilizando como
exemplo, o trabalho docente e suas relações com as TIC’s, a
historicidade das experiências humanas é referência básica. Assim,
ao se analisar a historicidade das experiências do professor com as
TIC’s em seu trabalho, não estaríamos apenas estudando o passado
desse fenômeno, mas também o professor no movimento dialético
que o constitui, evidenciando, com isso, que esse profissional não é
um ser acabado, mas, ao contrário, está em continua transformação.
Vigotski (2010a, p. 68) deixa claro essa ideia quando afirma que:

Estudar alguma coisa historicamente, significa estudá-la no


processo de mudança: esse é o requisito básico do método
dialético. Numa pesquisa, abranger o processo de desenvolvimento
de determinada coisa, em todas suas fases e mudanças, [...],
significa fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência,
uma vez que é somente em movimento que o corpo mostra o que
é.

Considerando a historicidade das experiências humanas, o


método proposto por Vigotski (2010a) caracteriza-se por apresentar
três princípios básicos que devem orientar investigações que têm
por base os pressupostos teóricos da Psicologia Sócio-Histórica. O
primeiro princípio se refere à análise dos processos em substituição
do objeto/produto. Ao se realizar análise do processo e não do
objeto, o pesquisador faz a reconstrução de cada um dos estágios

214 Francisco Antônio Machado Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


que o constitui e, consequentemente, o objeto passa a ser analisado
como processo em constante mudança e transformação. Sobre esse
processo, Vigotski (2010a, p. 63) afirma: “A análise psicológica de
objetos deve ser diferenciada da análise de processos, a qual requer
uma exposição dinâmica dos principais pontos constituintes da
história dos processos”.
O segundo princípio propõe uma análise genotípica
(explicativa) ao invés de fenotípica (descritiva). Isso porque o
pesquisador substituindo a descrição pela explicação na análise tem
a possibilidade de compreender o fenômeno, isto é, dado processo
psicológico em sua essência e não apenas suas características
perceptíveis. Nesse tipo de processo, é revelada relações dinâmicas
ou causais, reais, em oposição à enumeração das características
externas, isto é, as interrelações entre as determinações que compõe
a essência do processo em análise.
Considerando o problema dos comportamentos fossilizados como o
terceiro princípio, Vigotski (2010a, p. 67) se refere àqueles comportamentos
que “esmaeceram ao longo do tempo, isto é, processos que passaram
por meio de um estágio bastante longo do desenvolvimento histórico e
tornaram-se fossilizados”. Desse modo, exclusivamente a análise histórica
pode penetrar na essência de dado processo, por exemplo, o torna-se
homem, evidenciando, pois, o movimento dialético que o constitui em sua
materialidade histórico-social.
Tendo por base esses princípios do método vigotskiano e
as possibilidades de articulá-los com os princípios da Pesquisa
Qualitativa, a natureza da investigação empírica que desenvolvemos
é qualitativa. Uma condição que torna possível articular esses
princípios está na ideia de Chizzotti (2006, p. 28) que “o termo
qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais
que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os
significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma
atenção sensível”. E por meio da atenção sensível, isto é, da capacidade
de penetrar na essência do processo em análise, criamos as condições
para desvelar as significações constituídas pelo professor sobre o
trabalho docente mediado pelas TIC’s como recursos da tecnologia
educacional.
O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE
SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
215
Buscando identificação que permitisse articulação teórica
entre a pesquisa qualitativa e o método vigotskiano, encontramos
na discussão que Bogdan e Biklen (1994) fazem sobre Pesquisa
Qualitativa em Educação, algumas características que evidenciam
a possibilidade de se fazer essa articulação, a saber: a) Numa
investigação qualitativa a fonte essencial dos dados é o ambiente
natural, e o pesquisador o principal instrumento; b) Os pesquisadores
qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente
pelos resultados ou produtos; c) Os pesquisadores qualitativos
tendem a analisar os seus dados de forma indutiva; d) O significado
é de importância vital na abordagem qualitativa.
Desse modo, o movimento investigativo que se deu do empírico
ao científico, a análise da historicidade do professor investigado, o
desvelamento das significações constituídas por ele sobre o trabalho
realizado e as relações que envolveram suas experiências com as
TIC’s, constituíram-se em articulações do método vigotskiano
com a Pesquisa Qualitativa nesta investigação. Nesse movimento
de articulação, a Psicologia Sócio-Histórica e os fundamentos da
Pesquisa Qualitativa converteram-se em tecnologias que orientaram
a escolha e o uso dos procedimentos metodológicos necessários à
realização e consolidação da investigação.

A PROPOSTA ANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO:


COMPREENSÕES E CONTRIBUIÇÕES

Considerando as discussões expostas anteriormente, a proposta


analítica dos Núcleos de Significação auxiliam o pesquisador no
processo de apreensão e desvelamento da subjetividade do indivíduo
analisado, isto é, seus modos de pensar, sentir e agir ao discutir as zonas
de significado e sentido que estão sendo produzidas (AGUIAR; OZELLA,
2013). Essa proposta é de uso específico em investigações de natureza
qualitativa, e prioriza análise mais aprofundada dos dados produzidos,
bem como das significações constituídas pelo indivíduo investigado.
Outro aspecto relevante do uso dessa proposta está na
possibilidade do pesquisador ir além dos dados descritivos, chegando,
assim, as zonas de sentido. Para Aguiar e Ozella (2006, p. 226):

216 Francisco Antônio Machado Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


[...] a perspectiva de melhor compreender o sujeito, os significados
constituem o ponto de partida: sabe-se que eles contêm mais
do que aparentam, e por meio de um trabalho de análise e
interpretação, pode-se caminhar para as zonas mais instáveis,
fluidas e profundas, ou seja, para as zonas do sentido.

Para apresentar a discussão que envolve o movimento realizado


durante processo de análise de dados mediado pelos Núcleos de
Significação, utilizamos como referência uma pesquisa cujo objetivo
geral foi o de investigar os significados e os sentidos que o professor
constitui sobre o trabalho docente mediado pelas TIC’s como
recursos da tecnologia educacional. Nessa pesquisa, utilizou-se como
sujeito investigado um professor de História do ensino médio na rede
privada, o qual foi denominado de Cláudio.
Nessa pesquisa, ao empregar a proposta analítica dos Núcleos
de Significação, conseguiu-se apreender algumas zonas de sentido
que constituem e explicam o trabalho docente mediado pelas
TIC’s como recursos da tecnologia educacional. Nesse processo
de análise, realizou-se os seguintes procedimentos metodológicos:
leituras sucessivas do corpus empírico, seleção dos pré-indicadores,
elaboração das notas indicativas de significações, apreensão do
conteúdo temático, aglutinação dos pré-indicadores em indicadores
e constituição dos núcleos de significação.
Durante o processo de análise dos dados a primeira ação foi a
realização de várias leituras sucessivas, objetivando a familiarização
com o texto produzido. Outra ação realizada no momento das
leituras sucessivas foi a de destacar em negrito diversos trechos que
passariam a ser os pré-indicadores. Durantes as leituras, alguns
trechos em destaque eram suprimidos e outros tomavam lugar. Essa
alteração deveu-se ao fato de que estávamos nos apropriando do
material produzido e nos aproximando dos pré-indicadores.
Como esse procedimento é complexo, explicamos, nos próximos
itens, cada uma das fases do movimento analítico que culminou na
constituição dos núcleos de significação. Buscando exemplificar
cada uma das fases do movimento analítico, apresentamos quadros
demostrando essa organização.

O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE


SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
217
Os pré-indicadores

Como linguagem é elemento fundamental do processo


investigativo, considerar apenas seu aspecto externo, caracterizado
pela fala, não foi suficiente para revelar os sentidos constituídos por
Cláudio, ao longo da historicidade e sua relação que tem mantido
com as TIC’s como recursos da tecnologia educacional no trabalho
docente.
Foi necessário avançar para a compreensão da linguagem
interna, isto é, entender o movimento realizado pelo pensamento
em direção à fala. Para ter acesso a essa linguagem, o ponto de
partida foi a análise do corpus empírico que iria revelar os significados
constituídos e expressos na fala do professor. Daí a importância
de termos iniciado essa análise pela busca dos pré-indicadores que
representaram nesse caso, a porta de entrada para o desvelamento
das significações de Cláudio.
Os pré-indicadores constituem-se em trechos da fala do sujeito.
Neste texto, compreendem trechos da narrativa de Cláudio, os quais
foram produzidos por meio de uma entrevista reflexiva e transcritos.
Não são quaisquer trechos da fala, mas aquelas falas temáticas
carregadas de significações que demonstrem maior carga emocional
ou ambivalências e que poderiam, em princípio, contribuir para o
analista dar conta do objeto de estudo.
Sobre essa fase do processo analítico, Aguiar e Ozella (2013)
ressaltam que a palavra com significado é a primeira unidade
de destaque no momento empírico da investigação, e parte dela
também a primeira análise em direção ao sujeito e, por isso, os pré-
indicadores constituem uma unidade do pensamento e linguagem.
Ao todo para nessa investigação foram organizados quarenta
e cinco pré-indicadores. Ao serem selecionados do corpo do texto
da entrevista, destacamos em negrito aqueles trechos de palavras
ou frases que revelaram o conteúdo temático principal de cada pré-
indicador. Apresentamos como exemplo, no quadro 1, um dos pré-
indicadores da investigação utilizada.

218 Francisco Antônio Machado Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


Quadro 1 – Exemplo de pré-indicador1

PRÉ-INDICADOR – ER1
Representa tudo cara! As TIC’s estão hoje 100% agregadas à minha vida
profissional. Fora o fato que também é uma fonte de renda extra pra
mim também. Em sala de aula ou fora dela, essa questão da aplicação
feita por mim representa tudo cara! Eu sou um apaixonado, bom assim
como você, eu sou suspeito de falar que eu sou apaixonado pelo uso
dessas ferramentas. E você também! Por que se não fosse não estaria
trabalhando com um tema relacionado aos recursos tecnológicos
aplicados à educação. Mas pra mim significa tudo! E é um tesão tu buscar
essas... E a verdade é que sempre estão aparecendo recursos novos.
Fonte: Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

As notas indicativas de significações

Após a seleção dos pré-indicadores e iniciarmos a segunda fase


analítica proposta por Aguiar e Ozella (2006; 2013), constatamos a
necessidade de sistematizar e nomear o conteúdo temático de cada
um dos pré-indicadores. Com esse propósito, criamos, em nosso
entender, mais uma fase analítica que passamos a denominar de
notas indicativas de significações. Eis nossa contribuição à proposta
analítica dos Núcleos de Significação!
As notas indicativas de significações revelam as significações
constituídas pelo sujeito em cada pré-indicador, ao mesmo tempo
em que apresentam análise prévia do pesquisador por meio de
reflexões, dúvidas, interrogações ou hipóteses, sobre o pré-indicador
analisado.
São importantes, portanto, porque conduzem e orientam
o pesquisador na articulação dos indicadores e constituição dos
núcleos de significação, focando no objeto de estudo e evitando um
trabalho árduo nas fases seguintes. No quadro 2, segue um exemplo
de nota indicativa de significação.


1
Entrevista Reflexiva

O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE


SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
219
Quadro 2 – Exemplo de notas indicativas de significação

NOTA INDICATIVA DE SIGNIFICAÇÃO – ER


NOTA INDICATIVA DE
PRÉ-INDICADOR
SIGNIFICAÇÃO

Para o professor, a escola pública


Trabalhar em escola pública não não oferece condições estruturais e
estimula! E aí eu passei a trabalhar financeiras para sua profissão. Daí a
na rede particular. E a rede particular escolha pela escola privada, segundo o
bem ou mal, oferecia esse suporte ao mesmo, esta apresenta boas condições
uso da tecnologia melhor que a escola principalmente no que diz respeito
pública. ao uso das TIC’s como recursos da
Tecnologia educacional.

Fonte: Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

Conforme observamos no quadro 2, as notas indicativas de


significação são possibilidades ou meios para sistematizar o conteúdo
temático de cada pré-indicador ao pesquisador. Na ausência desse
procedimento, o pesquisador tem apenas uma compreensão do pré-
indicador, e somente na interpretação dos dados da pesquisa é que
essa compreensão aparece. Mas, ao inserirmos essa compreensão
por meio das notas indicativas de significação, preservamos a
compreensão de cada pré-indicador em sua totalidade, não correndo
o risco de perda de informações ao término do processo analítico.
Desse modo, sempre que constatar necessidade, o pesquisador
poderá retornar à compreensão de cada pré-indicador, por meio da
nota indicativa de significação correspondente.
Convém pontuar que ao inserirmos as notas indicativas
de significação no processo de análise dos dados, não estamos
suprimindo, nem tampouco substituindo, nenhuma das fases da
proposta analítica dos Núcleos de Significação. Ao contrário,
estamos ampliando a possibilidade de nos aproximarmos das zonas
de sentido produzidas pelo sujeito investigado.

220 Francisco Antônio Machado Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


Os conteúdos temáticos

Concluída a seleção dos pré-indicadores e a elaboração das notas


indicativas de significações, o nosso trabalho em nomear os conteúdos
temáticos ficou menos complexo. Pois, ao produzirmos as notas indicativas
de significações, tínhamos uma visão geral de cada pré-indicador,
inclusive de seu conteúdo temático, que se caracteriza pela informação
que se expressa nesse pré-indicador. Para Marques (2014, p.127), no
processo de organização dos conteúdos temáticos, “aglutinamos aqueles
que possuíam relação entre si, ou melhor, que se articulavam em torno
da mesma ideia, que caminhavam na mesma direção”. Um exemplo de
conteúdo temático é apresentado no quadro 3:

Quadro 3 – Exemplo de conteúdos temáticos

CONTEÚDO TEMÁTICO – ER
PRÉ-INDICADOR CONTEÚDO TEMÁTICO
Certo, beleza! Então, iniciei a ser
professor de História meio que
de gaiato! Eu estudei Arqueologia A docência imprevista em História
(interrompe)... Gaiato dá pra e ausência de identificação com a
entender né? Mas enfim, eu estudei Arqueologia.
arqueologia no Rio de Janeiro, mas
eu não me identifiquei não!
Fonte: Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

OS INDICADORES
Concluído essas três fases, descritas anteriormente, que vão
deste a seleção dos pré-indicadores, sistematização das notas
indicativas de significações até a nomeação dos conteúdos temáticos,
criamos condições suficientes pra aglutinar esses pré-indicadores
e transformá-los em indicadores. Esse processo de aglutinação se
deu com base nos critérios de complementaridade, similaridade
e contraposição, considerando as relações dialéticas entre eles
(AGUIAR; OZELLA, 2013). O quadro 4 apresenta uma ideia de como
procedemos durante a aglutinação dos conteúdos temáticos para
formar e nomear os indicadores.
O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE
SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
221
Quadro 4 – Exemplo de indicadores

INDICADOR – ER
PRÉ-INDICADOR INDICADOR
E aí eu trabalhei em uma escola pública, só
que aí começaram a vir os primeiros contra
cheques e a coisa começou a desandar
o desanimo veio. Não dá! Trabalhar em A opção do professor pelo trabalho
escola pública não estimula. na escola privada: a rede particular
bem ou mal, oferecia esse suporte
Trabalhar em escola pública não estimula! ao uso da tecnologia melhor o que
E aí eu passei a trabalhar na rede particular. a escola pública.
E a rede particular bem ou mal, oferecia
esse suporte ao uso da tecnologia melhor
que a escola pública.

Fonte: Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

Ao todo, foram constituídos 11 indicadores que passaram


a ter significados, conforme foram articulados à totalidade dos
conteúdos temáticos contidos nas expressões linguísticas de Cláudio,
e constituíram os núcleos de significação. Para Aguiar e Ozella (2013,
p. 309), “de posse desse conjunto (os indicadores e seus conteúdos),
devemos, neste momento, voltar ao material das entrevistas e iniciar
uma primeira seleção de seus trechos que ilustram e esclarecem os
indicadores”. Esse momento o movimento analítico, proposto pelos
autores, anuncia a próxima fase da análise que consiste na nuclearização
desses indicadores, conforme apresentamos no item seguinte.

OS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO

Com a constituição dos núcleos de significação, concluímos


a análise propriamente dita dos sentidos constituídos por Cláudio,
na medida em que avançamos o empírico em direção ao concreto
pensado à interpretação de cada um dos indicadores e, portanto,
dos núcleos. Isso é possível porque de acordo com Aguiar e Ozella
(2013), “os núcleos devem expressar aspectos essenciais do sujeito.
(...) Devem, assim, ser entendidos como um momento superior de
abstração, o qual, por meio da articulação dialética das partes –

222 Francisco Antônio Machado Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


movimento subordinado à teoria –, avança em direção ao concreto
pensado, às zonas de sentido”. Com base nessa afirmação,
compartilhamos da ideia de que o processo de construção dos
núcleos de significação é permeado pelo olhar crítico do pesquisador
em relação à realidade que está sendo pesquisada.
A constituição e nomeação dos núcleos de significação se
deram por meio da articulação dos indicadores. Esses núcleos nos
possibilitaram apreender o movimento dialético de constituição do
ser professor Cláudio e realizarmos uma síntese sobre seu modo
de pensar, sentir e agir acerca do trabalho docente mediado pelas
TIC’s como recursos da tecnologia educacional. Para Aguiar e Ozella
(2013, p. 310):

É neste momento que efetivamente avançamos do empírico para


o interpretativo (apesar de todo o procedimento ser, desde o
início da entrevista, um processo construtivo/interpretativo).
Os núcleos resultantes devem expressar os pontos centrais e
fundamentais que tragam implicações para o sujeito, que o
envolvam emocionalmente e que revelem as determinações
constitutivas do sujeito.

Por conta disso, ao longo de todo o processo de análise, o


propósito foi nos aproximarmos das zonas de sentido constituídas
por Cláudio, sobre o trabalho que desenvolve mediado pelas TIC’s
como recursos da tecnologia educacional. Essa aproximação nos
permitiu organizar três núcleos de significação, assim nomeados:
a) As TIC’s como recursos da tecnologia educacional orientando a
escolha profissional e o seu uso no trabalho docente; b) As TIC’s
como recursos da tecnologia educacional e os desafios no trabalho
docente: a formação técnica e a intensificação do trabalho; c) As
TIC’s como recursos da tecnologia educacional e o trabalho docente:
considerações sobre seu uso e as mudanças produzidas no professor e
no seu trabalho docente. No Quadro 5, exemplificamos o movimento
realizado dos indicadores a constituição dos núcleos de significação:

O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE


SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
223
Quadro 5 - Da articulação dos indicadores à constituição dos núcleos de
significação

NÚCLEOS DE
INDICADORES
SIGNIFICAÇÃO
A relação com as TIC’s orientando a escolha
pela profissão docente: “Inventar alguma coisa
pra fazer de diferente”.
A formação acadêmica e a discordância com o
termo tecnologia educacional: “A relação com
a tecnologia é muito empírica”. As TIC’s como recursos
A opção pelo trabalho na escola privada: da tecnologia educacional
“A rede particular bem ou mal, oferecia esse orientando a escolha
suporte ao uso da tecnologia melhor que a profissional e o seu uso no
escola pública”. trabalho docente.
A ambivalência de fatores que têm orientado
o uso das TIC’s como recursos da tecnologia
educacional no trabalho docente: “A
tecnologia está hoje 100% agregada à minha
vida profissional”.
Sobre a formação para usar as TIC’s como
recursos da tecnologia educacional no trabalho
docente: “O professor não está sendo formado
para isso”.
A internet, as redes sociais, o Blog, roteiros
de atividade, planilhas e processadores de
texto dentre as principais TIC’s utilizadas pelo
professor em seu trabalho docente: “Eu sou um As TIC’s como recursos da
entusiasta dessas ferramentas que a internet tecnologia educacional e os
propicia”. desafios no trabalho docente:
Sobre a função burocrática das TIC’s como a formação técnica e a
recursos da tecnologia educacional no trabalho intensificação do trabalho.
docente: “Tem a parte que todo mundo tem
que usar”.
A intensificação do trabalho docente
explicando a resistência ou desinteresse dos
professores para usar as TIC’s como recursos
da tecnologia educacional: “Professor não tem
sossego”.

224 Francisco Antônio Machado Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


O discurso sobre o uso ideal das TIC’s como
recursos da tecnologia educacional no trabalho
docente: “O professor tem que tá mediando o
tempo todo”.
O discurso sobre o uso das TIC’s como recursos
da tecnologia educacional que potencializam As TIC’s como recursos
a aprendizagem: “Eu acredito que as TIC’s da tecnologia educacional
são ferramentas com grande potencial para a e o trabalho docente:
aprendizagem”. considerações sobre seu uso
O discurso sobre o uso das TIC’s como recursos e as mudanças produzidas
da tecnologia educacional e a função social no trabalho docente e no
da escola e do professor: “Se o aluno tiver professor.
aprendendo a escola vai tá cumprindo o papel
dela, o professor já vai tá cumprindo o papel
dele”.
As contribuições que o uso das TIC’s
como recursos da tecnologia educacional
possibilitam ao professor e ao trabalho
docente: “Então a gente fica mais eficiente”.

Fonte: Conteúdo da entrevista reflexiva realizada por Araujo (2015)

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Embora tenhamos realizado uma produção escrita em partes,


os núcleos de significação não se constituíram independentes
das demais partes da produção. Todo o processo de análise e de
interpretação deu-se por meio da compreensão e articulação dos
Núcleos, que a todo instante se conectavam como uma rede de
dados interligados, ora por similaridade, ora por contradição e, ora
por complementaridade.
Nesse processo, que é dialético, a Psicologia Sócio-Histórica
se fez presente por meio de suas categorias teóricas, nos orientando
sobre o percurso da rede e possibilitando a conexão internúcleos.
Aguiar e Ozella (2013, p. 319), colaboram nessa compreensão
quando esclarecem:

Acreditamos que, neste movimento de articulação dos núcleos


entre si – e com as condições sociais, históricas, ideológicas,
de classe, gênero, e, sem dúvida, com os conhecimentos

O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE


SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
225
cientificamente produzidos sobre a área em questão –, uma
nova realidade surge, mais complexa, integrada, reveladora das
contradições, movimento este fundamental para a apreensão da
constituição dos sentidos.

Foi com essa compreensão que após a constituição dos núcleos


de significação e a produção do corpus teórico, desenvolvemos a
conexão internúcleos. A discussão produzida nesta conexão visou
sistematizar as mediações constitutivas de Cláudio e, portanto, revelar
uma síntese, mesmo provisória, do ser professor, no caso, a dimensão
subjetiva do trabalho docente mediado pelas TIC’s como recursos
da tecnologia educacional. Desse modo, realizamos a conexão que
se articulou ao processo de formação às motivações constituídas
pelo professor para fazer uso das TIC’s como recursos da tecnologia
educacional no trabalho docente, bem como a identificação das
TIC’s utilizadas no trabalho docente e os desafios enfrentados para
usar esses recursos tecnológicos no contexto educacional.
Nossa motivação na produção deste texto foi a de destacar
a relevância da proposta analítica dos Núcleos de Significação em
pesquisas qualitativas, sobretudo àquelas mediadas pela Psicologia
Sócio-Histórica, cuja objetivação se direciona para apreensão de
sentidos. Neste texto, ressaltamos nossa contribuição ao inserir
no movimento analítico dessa proposta as notas indicativas de
significação, as quais nos possibilitam uma melhor aproximação das
zonas de sentido produzidas pelos sujeitos investigados e, posterior
desvelamento de sua subjetividade.

REFERÊNCIAS

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contribuições para o debate metodológico. A. M. B. Bock, O.
Furtado; M. G. Gonçalves (Orgs.), Psicologia Sócio-Histórica: uma
perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez. 2011a.

______. Consciência e atividade: categorias fundamentais da


Psicologia Sócio-Histórica. M. B. Bock, O. Furtado; M. G.
Gonçalves (Orgs.), Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva
crítica em psicologia. São Paulo: Cortez. 2011b.

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Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 94, n. 236, p. 299-
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(Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Piauí.
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ARAUJO, F.A.M.. EDUCAÇÃO.COM TECNOLOGIA: conectando a


dimensão subjetiva do trabalho docente mediado pelas TIC’s’. 2015.
178 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal
do Piauí. 2015.

BOGDAN, R., BIKLEN, S.. Investigação Qualitativa em Educação:


uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto. 1994.

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STANISLÁVSKY, C. Minha vida na arte. Tradução de Paulo Bezerra.


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VIGOTSKI, L. S. Teoria e método em psicologia. Tradução de


Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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21-44.

O USO DA PROPOSTAANALÍTICA DOS NÚCLEOS DE


SIGNIFICAÇÃO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
227
______. Obras Escogidas. Madri: Machado Libros, 2001. v.2.

______. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,


2010a.

______. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2010b.

228 Francisco Antônio Machado Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA
DE UMA PESQUISA SOBRE FORMAÇÃzO
CONTINUADA: BREVES CONSIDERAÇÕES

Erineide Cunha de Sousa - UFPI

INTRODUÇÃO

R
ecorrendo a literatura sobre ciência e filosofia, pode-se
constatar que a ciência produz teoria sobre a realidade,
e a filosofia sobre o conhecimento da realidade. No
campo da ciência a teoria tem sua origem através da metodologia
da pesquisa, que está no pensar reflexivo dos filósofos para explicar
o conhecimento. Portanto a teoria tem sua origem no método de
investigação de cada saber.
Tanto no campo das ciências quanto da filosofia estão
presentes diversas teorias relacionadas com os mais diversos aspectos
dessas áreas. Portanto, as várias concepções existentes nas bases
epistemológicas conduzem para a busca de soluções dos problemas
que surgem no cotidiano da prática educacional.
Na ciência moderna o rompimento epistemológico significa um
passo significativo do senso comum para o conhecimento cientifico;
na ciência pós-moderna, o passo mais importante é o que é dado do
conhecimento cientifico para o conhecimento do senso comum.
DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE UMA PESQUISA SOBRE
FORMAÇÃO CONTINUADA: BREVES CONSIDERAÇÕES
229
Diante desse contexto serão apresentados os pressupostos
teóricos que fundamentam a base epistemológica da pesquisa que
estou desenvolvendo nesse curso de pós-graduação, a referida base
será definida através do pensamento dos teóricos: Adorno (1995),
Denzin (2006), Jaehn (2005), Nobre (2004), dentre outros. Este
artigo aborda ainda sobre alguns aspectos da formação continuada
de professores.
Conforme acrescenta André (2004 p.123) a pesquisa pode
tornar um sujeito professor capaz de refletir sobre sua prática
profissional e de buscar formas (conhecimentos, habilidades,
atitudes, relações) que o ajudem a aperfeiçoar cada vez mais seu
trabalho docente, de modo que possa participar efetivamente do
processo de emancipação das pessoas.
Portanto, a ênfase nos processos investigativos no campo
social, ressalta o sujeito como agente significativo na construção
e interpretação das experiências pessoais e profissionais. Esses
aspectos vêm caracterizando, nos últimos anos, as pesquisas em
educação, as quais têm destacado a pessoa do professor e suas
formas de autogestão das aprendizagens de formação, sublinhando as
dimensões biográficas de investigação e as dinâmicas de intervenção
docente, na definição da prática pedagógica.
Orientadas por esse entendimento, nossa pesquisa enfocará
as peculiaridades subjetivas interferentes na prática pedagógica,
considerando a autonomia dos sujeitos como base de apreensão
das experiências de formação docente significativa, portanto, para
o entendimento das atividades periódicas no cotidiano do professor.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS - TEORIA CRÍTICA

Discorrer sobre os diversos aspectos que perpassam pela


educação torna-se importante identificar a base epistemológica que
se insere nesse campo. Primeiramente faz-se salutar definir o que
vem a ser epistemologia, também chamada teoria do conhecimento
ou teoria da ciência, ou seja, é o ramo da filosofia que trata dos
problemas relacionados à crença e ao conhecimento, ou seja, estuda
a origem, a estrutura, os métodos e a veracidade do conhecimento,

230 Erineide Cunha de Sousa


que está ligado a lógica e o empirismo, é indispensável no estudo da
ciência.
Segundo Giddens (2005) ciência é o emprego de métodos
sistemáticos de investigação empírica, de análise de dados do
pensamento teórico e da avaliação lógica dos argumentos a fim de
desenvolver um corpo de conhecimento a respeito de um tema. A
ciência social surgiu na Europa do século IX, porém foi no século
XX em decorrência das obras de Karl Marx, Emile Durkheim e Max
Weber que se desenvolveu, existem várias vertentes sobre as ciências
sociais.
A teoria crítica nas ciências sociais tem bastante tradição
intelectual. Falar da teoria crítica é significativo conhecer um pouco
sobre sua história, representando, o pensamento marxista no início
dos anos 20. Intitula-se Teoria Crítica ao corpo teórico dos filósofos
e pensadores de outras disciplinas ligadas à Escola de Frankfurt,
criada em 1923. O instituto trabalhava de modo autônomo e com
intelectuais originários de distintas áreas de pensamento – estética,
artes, antropologia, sociologia e filosofia.
Diante do quadro político, por volta de 1933, Horkheimer,
Theodor Adorno, dentre outros, saíram da Alemanha Nazista, fugidos
da perseguição de Hitler e nos Estados Unidos acompanharam
o surgimento da cultura de massa. A Teoria Crítica tem como
representantes principais Adorno, Benjamin, Marcuse, Habermas e o
então diretor da Escola de Frankfurt, Max Horkheimer.
De acordo com Jaehn (2005) a ideia de uma teoria crítica
embora apresentada pela primeira vez em forma de conceito por
Horkheimer em Teoria tradicional e teoria crítica em 1937, foi
desenvolvida originalmente por Karl Marx. O termo teoria crítica foi
usado pela primeira vez em 1937 em um artigo de Max Horkheimer.
Entre outros representantes dessa corrente está Theodore Adorno,
Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Habermas dentre outros. Em
comum, entre outras coisas, todos eles possuíam uma mesma origem
comum no pensamento marxista.
A teoria crítica como matriz analisa o capitalismo como uma
forma histórica que se caracteriza por compreender a natureza do
mercado capitalista, sendo este o centro no qual se direcionam todas
DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE UMA PESQUISA SOBRE
FORMAÇÃO CONTINUADA: BREVES CONSIDERAÇÕES
231
as atividades de produção e de reprodução da sociedade. Nesse
aspecto Nobre afirma:

Compreender como se estrutura o mercado e de que maneira


o conjunto da sociedade se organiza a partir dessa estrutura
significa, simultaneamente, compreender como se distribui o
poder político e a riqueza, qual a forma do Estado, que papéis
desempenham a família e a religião, e muitas outras coisas mais.
(NOBRE, 2004, p. 25)

Segundo Jaehn (2005) trata-se, portanto, de uma crítica a partir


da economia política para a superação da dominação capitalista,
que busca a efetivação da liberdade e da igualdade, impossíveis, para
Marx, sob o capitalismo, mas inscrita como uma possibilidade real
na própria lógica social do capitalismo.
Para os propósitos dessas análises, é importante verificar
uma das ideias principais da obra: a dialética do esclarecimento.
Adorno e Horkheimer chamavam atenção para o papel da
racionalidade restritiva no desenvolvimento da civilização ocidental,
no desencantamento do mundo.
Concluída a era das explicações metafísicas, a racionalidade
apontava como critério único e absoluto para a validação do
conhecimento humano. Acreditava-se no caráter emancipatório desse
novo modo de conhecer. A racionalidade instrumental da ciência
moderna distanciou-se da busca pela emancipação, passando a
apreciar a dominação da natureza pelo homem: conhecer para prever,
prever para controlar. Essa contradição precisava ser esclarecida.
Surge a necessidade de diferenciar teoria tradicional e a teoria
“crítica”: a primeira enxerga o mundo como um conjunto de fatos que
esperam ser descobertos pelo uso da ciência - positivismo. A teoria
tradicional estimulava o aumento da manipulação de vidas humanas.
Ela via o mundo social como uma área para controle e dominação,
como a natureza, e, portanto, indiferente às possibilidades da
emancipação humana.
Então, Horkheimer propôs a adoção da teoria crítica. Esta
não enxerga fatos da mesma forma que a teoria tradicional. Para
teóricos críticos, fatos são produtos de estruturas sociais e históricas

232 Erineide Cunha de Sousa


específicas. A percepção de que teorias estão fixadas nessas estruturas
permite que os teóricos críticos reflitam sobre os interesses atendidos
por uma teoria particular.
O objetivo explícito da teoria crítica é promover a emancipação
humana, o que significa que a teoria é abertamente normativa,
assumindo uma função até no debate político. Como afirma
McLaren:

Os teóricos críticos estão interessados no conhecimento


emancipatório, demonstrando o quanto as relações sociais são
distorcidas e manipuladas e como criar condições favoráveis para
transformar e superar esta situação com atitudes coletivas. Para
o autor, este conhecimento emancipatório ou esclarecimento:
“[...] cria as bases para a justiça social, igualdade e distribuição
de poder”. (MCLAREN, 1997, p. 203)

Ainda de acordo com Jaehn (2005) nos escritos pedagógicos
de Adorno da década de 60, pode ser observado que o sistema
educacional está diretamente atrelado ao processo produtivo da
sociedade, ao mundo do trabalho, sustentado pelo sistema de
dominação e exploração sobre a natureza e o próprio homem.
Com a finalidade de questionar o autoritarismo e confrontá-
lo, os pensadores vinculados à Teoria Crítica percebem claramente a
importância fundamental na questão da emancipação humana para
superar o domínio e a repressão.
Falar em educação para a emancipação nos leva a não perder
de vista a necessidade bastante clara da adaptação dos indivíduos
à sociedade tecnológica, não apenas como uma condição para se
mover nela como também para sua sobrevivência. Tal educação
precisa ter explícito o conceito central da autonomia, que é a
capacidade de autodeterminação, sendo possível apenas a partir
de um comportamento crítico diante da realidade. Nesse contexto
MacLaren afirma:

Uma teoria social crítica preocupa-se, particularmente, com as


questões relacionadas ao poder e à justiça e como os modos pelos
quais a economia, os assuntos que envolvem a raça, a classe e o
gênero, as ideologias, os discursos, a educação, a religião e outras

DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE UMA PESQUISA SOBRE


FORMAÇÃO CONTINUADA: BREVES CONSIDERAÇÕES
233
instituições sociais e dinâmicas culturais interagem para construir
um sistema social. (MACLAREN, 2006, p. 283).

Nesse aspecto a teoria crítica sintetiza que o comum entre os


estudos de todos os autores permite inferir uma escola de pensamento
que critica um mundo onde a instrumentalização das coisas torna-
se a dos indivíduos, ou seja, através das influências da Escola de
Frankfurt temos a concepção negativa da mídia (que manipula,
aliena e engana) além dos elementos de comunicação de massa que
são apenas instrumentos de controle e manipulação do pensamento
coletivo.

ALGUNS ASPECTOS DA FORMAÇÃO CONTINUADA

No atual cenário de contemporaneidade observamos que


estamos passando por uma época em que a informação e o
conhecimento são condições imprescindíveis para a vida profissional.
Para um melhor entendimento é importante esclarecer que os termos
informação e conhecimento, embora semanticamente afins, não são
sinônimos. Informação refere-se a tudo aquilo que é disponibilizado
às pessoas. No entanto, a informação só se torna conhecimento
quando o indivíduo lhe atribui sentido, quando a interpreta.
Desse modo, tais transformações têm afetado particularmente a
educação, sugerindo a adoção de novos paradigmas educacionais, nos
instigando a refletir sobre a prática docente e suas diversas formas de
conceber a relação a professor aluno; teoria prática; ensino pesquisa,
organização do trabalho em sala de aula e possibilidades de inovação
em ambiente acadêmico específico, entre tantas outras situações.
Adotando este entendimento, assinalamos que a escola
continua tendo uma função essencial para o desenvolvimento do ser
humano. Compete à escola permitir a edificação do conhecimento,
pois o que há nos livros e na internet, por exemplo, são informações.
No entanto, constatamos que a escola ainda não mudou de
forma significativa. A educação reprodutivista, ou seja, a simples
transmissão de informações, ainda se faz intensamente presente,
mas não se adequa ao mundo contemporâneo.

234 Erineide Cunha de Sousa


Assim a busca de um redirecionamento da ação docente para
que possa acolher às novas demandas de aprendizagens se torna
imprescindível, ou seja, em tempos atuais a educação exige um
profissional cada vez mais qualificado, disposto e hábil às mudanças
inerentes a sociedade contemporânea, o que se torna cada vez mais
imperativo destacar a importância da formação continuada.
Nesse ponto de vista, a formação continuada dos profissionais
da educação se torna o principal caminho para estimular
transformações expressivas na práxis educativa, de modo a permitir
que vários docentes possam refletir sobre formação em serviço e
discutir sobre os aspectos contemplados em tal formação, podendo
ainda ressignificar seus conceitos sobre a educação.
Em relação a esse professor em serviço também sucedem
algumas novas cobranças. Ao mesmo tempo, mais do que nunca, o
docente deve estar sempre atualizado e bem informado, não apenas
em relação aos eventos e ocorrências do mundo, mas, sobretudo,
em relação aos conhecimentos curriculares e pedagógicos e às novas
tendências educacionais.
Diante deste panorama, vale ressaltar algumas observações
a respeito da ampliação do reconhecimento da necessidade e
importância da capacitação dos profissionais da educação por meio
da formação continuada.
Primeiramente podemos destacar que a abordagem que se dá
ao processo de formação continuada de professores não é novidade.
Vários são os autores que apresentam discussões sobre este tema e
ressaltam sua importância para os profissionais do ensino, como
Candau (1997), Imbérnon (2010), Liberali (2010), Pimenta (2002),
entre outros.
No entanto, salientamos sua importância, relacionando-a com
a necessidade de mudança da escola. Faz-se necessário a existência
de um novo profissional do ensino, ou seja, um profissional que
valorize a investigação como estratégia de ensino, que expanda a
reflexão crítica na prática pedagógica e permaneça continuamente
preocupado com a formação continuada.
Essa formação passa a ser um dos pré-requisitos fundamentais
para a transformação do professor, pois é através do estudo, da
DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE UMA PESQUISA SOBRE
FORMAÇÃO CONTINUADA: BREVES CONSIDERAÇÕES
235
pesquisa, da reflexão, do constante contato com novas concepções,
fornecido pelos programas de formação continuada, que é possível
a mudança e o aumento do crescimento profissional do professor.
De acordo com Pimenta (2002) é na formação continuada
que a identidade docente se efetiva, somada aos vários fatores,
como a bagagem científica e a prática docente construída ao longo
da profissão. Torna-se mais difícil para o professor modificar sua
maneira de pensar o fazer pedagógico se ele não tiver a chance de
vivenciar novas experiências, novas pesquisas, novas formas de ver e
pensar a escola.
Segundo Imbérnon (2010) formação continuada é entendida
como toda intervenção que provoca mudança no comportamento, na
informação, nos conhecimentos, na compreensão e nas atitudes dos
professores em exercício. A formação continuada de professores tem
sido percebida como um processo permanente de aperfeiçoamento
dos saberes necessários à atividade profissional, realizado após a
formação inicial, com o objetivo de assegurar um ensino de melhor
qualidade aos educandos.
Sendo assim, a profissão docente necessita sair do processo de
senso comum e atingir a subjetividade do conhecimento científico,
pois supõe uma sustentação teórica e prática para ser reconhecida e
valorizada como um fator importante no contexto social.

DEFINIÇÃO DA BASE EPISTEMOLÓGICA

Um dos aspectos mais importante de uma pesquisa qualitativa


que tem por base epistemológica a teoria crítica envolve o domínio
da interpretação das informações. Tal situação favorece um maior
esclarecimento sobre o objeto de estudo que está sendo investigado.
Logo, em relação ao objeto de estudo de minha pesquisa vale
ressaltar que estamos vivendo em uma sociedade que vem passando por
profundas mudanças e rápidas transformações nos mais variados setores
sociais. Por vez, vivemos isso, em diversos níveis, o desenvolvimento
tecnológico das áreas de informática e telecomunicação, oportunizando
deveras, acesso fácil a informações, causando um redimensionamento
na busca e produção de conhecimento.

236 Erineide Cunha de Sousa


Isso tem afetado particularmente a educação, sugerindo a
adoção de novos paradigmas educacionais, nos instigando a refletir
sobre a prática docente e suas diversas formas de conceber a relação
professor aluno; teoria prática; ensino pesquisa, organização do
trabalho em sala de aula e possibilidades de inovação em ambiente
acadêmico específico, entre tantas outras situações.
Partindo da constatação de que a escola enquanto instituição
social está inserida nessa realidade através da qual sofre e exerce
influência, ela não se encontra de forma neutra frente às interferências
do poder político, do conhecimento científico e do desenvolvimento
da tecnologia.
Portanto, compreendendo a realidade dos processos de
mudança na sociedade, a escola se configura como local de
transformação, onde o professor através de sua atuação pode
contribuir de forma significativa na formação do sujeito.
Diante do exposto esse estudo em andamento brota de minha
experiência de 08 (oito) anos, como professora dos anos iniciais
do ensino fundamental e 12 (doze) anos como pedagoga da rede
municipal de Teresina - PI, bem como, de inquietações, não somente
minhas, mas dos meus pares, em que tenho vivenciado as angústias
dos professores alfabetizadores a respeito de como ocorre a reflexão
crítica na formação continuada.
Nesse aspecto, constatamos que são muitas as crianças que
apresentam dificuldades durante o processo de alfabetização,
bem como os constantes desafios e dificuldades que permeiam
constantemente nossa prática docente. Detectamos que elas concluem
o 3º ano não dominando a leitura e a escrita e chega aos anos finais
sem atingir avanço significativo, o que tem levado à retenção.
Com base nesta realidade a presente pesquisa faz uma
investigação em torno da reflexão na formação continuada dos
professores alfabetizadores do 1º ao 3º anos do Ensino Fundamental.
Acreditamos que esta pesquisa será de suma importância, pois a
formação continuada dos professores no momento atual, bem como
a condução do processo de aprendizagem da leitura e escrita na
sociedade contemporânea, precisa ter como primícias a necessidade
de uma reformulação pedagógica que priorize uma prática docente
DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE UMA PESQUISA SOBRE
FORMAÇÃO CONTINUADA: BREVES CONSIDERAÇÕES
237
significativa e efetiva, que possibilite ao aluno a construção das
habilidades de leitura e escrita, de modo que conheça distintos usos
expressivos da tradição escrita, vivenciando diversos aprendizados de
letramento determinantes para o exercício da cidadania no mundo
atual.
Levando em consideração as ideias explicitadas, priorizamos
a seguinte inquietação que pretendemos desvelar: Como ocorre
o desenvolvimento da reflexão na formação continuada de
alfabetizadores? Com a demarcação da problemática, este projeto de
pesquisa surge, portanto, com o intuito de investigar o desenvolvimento
da reflexão na formação continuada de alfabetizadores.
Perante esses aspectos procuraremos desvelar essa inquietação
através das narrativas das professoras alfabetizadoras, a partir das
seguintes questões norteadoras: Como se caracteriza o processo
de formação continuada dos alfabetizadores? Que conhecimentos
são privilegiados na formação continuada de alfabetizadores? Quais
situações formativas possibilitam a reflexão na formação continuada
de alfabetizadores? Que aspectos relativos à alfabetização e ao ser
alfabetizador são considerados na reflexão desenvolvida na formação
continuada?
Neste contexto, é de fundamental importância investigar
o desenvolvimento da reflexão na formação continuada de
alfabetizadores, sendo esse o meu objeto de estudo, que terá como
base epistemológica a teoria crítica.
Transpondo as ideias defendidas nessa teoria para a educação,
especificamente para a atuação docente pode-se considerar que
através de um comportamento crítico o professor tem a possibilidade
de desenvolver uma prática docente voltada para emancipação do
sujeito. Diante disso, Jaehn afirma que:

A educação para a emancipação não significa uma educação


apolítica ou neutra nem uma educação que assume uma posição
político-partidária. Contudo, ela necessita ter presente o conceito
central da autonomia, que é a capacidade de autodeterminação,
o que somente é possível a partir de um comportamento crítico
diante da realidade [...] a exigência que Adorno aponta quanto à
educação para a emancipação está direcionada para que assuma

238 Erineide Cunha de Sousa


o comportamento crítico como o objetivo educacional central
e que, através da contradição e da resistência à racionalidade
instrumental e, portanto, para a formação cultural (Bildung)1,
seja possível ao processo educacional fazer alguma coisa a favor
da emancipação do sujeito. (JAEHN, 2005, p. 109).

Ao se fazer uma reflexão sobre a finalidade da educação


percebe-se a exigência de reflexões profundas e complexas, para quais
muitos educadores não estão preparados, principalmente devido a
falta dessa formação cultural (Bildung) e, consequentemente, a falta
de um comportamento crítico.
Segundo Nobre (2004) a teoria crítica não pode se confirmar
senão na prática transformadora das relações sociais vigentes. As
ações a serem empreendidas para a superação dos obstáculos à
emancipação constituem-se em um momento da própria teoria.
Finalizo acreditando que a teoria crítica como base
epistemológica que fundamentará minha pesquisa foi uma escolha
pertinente e de suma importância, pois a formação continuada que
direciona a prática pedagógica dos professores alfabetizadores no
momento atual, bem como a condução do processo de aprendizagem
da leitura e escrita na sociedade contemporânea, precisa ter como
primícias a necessidade de uma reformulação pedagógica que
priorize uma prática significativa e efetiva, através de um processo
de formação e autorreflexão para a tomada de consciência, para que
ocorra levando-se em conta uma realidade política social.
De acordo com os pensamentos e discussões propostas por
teóricos contemporâneos progressistas a respeito da educação da
atualidade percebe-se a emergente necessidade de estender a reflexão
sobre a prática pedagógica, formação, competência e saberes.
A prática pedagógica revela traços da identidade do professor,
sua concepção de vida, mundo, homem e educação. Através de
didática realizada pelo professor é que se vai saber qual o paradigma
em que ele acredita sua competência e seus saberes através da
capacidade de gerir situações de aprendizagem em relação à leitura e
escrita dos alunos.


1
É uma ideia de formação integral do ser humano.

DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE UMA PESQUISA SOBRE


FORMAÇÃO CONTINUADA: BREVES CONSIDERAÇÕES
239
De acordo com Ibiapina (2007) ensinar é o processo sistemático
no qual o professor e o aluno participam da ressignificação de
conhecimento de maneira essencialmente mediadora. Portanto,
há uma preocupação com a educação de qualidade norteada por
princípios éticos e emancipatório que vise a formação integral do
indivíduo para vida.
Contudo, ter competência para ensinar significa adquirir uma
aprendizagem da autonomia profissional e pessoal e para isso é
necessário um entendimento prioritário, ou seja, uma interiorização
das responsabilidades relacionadas à tarefa de educador. Na procura
por essa competência, é imprescindível que o professor atue na escola,
como sendo a mesma um ambiente de desenvolvimento pessoal e
profissional para que possa desenvolver de forma significativa a sua
prática pedagógica através de uma formação continuada voltada a
realidade do contexto social de nossos educandos.
Cada vez mais, os profissionais da educação são reconhecidos
como protagonistas das mudanças das quais depende a construção
de um novo tempo para prática pedagógica. A perspectiva da
formação de profissionais reflexivos, que vem se consolidando como
uma tendência na sociedade educacional, ao mesmo tempo reflete
esse reconhecimento social e contribui consolidá-lo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

ANDRÉ, Marli E. D. de. Etnografia da Pratica Escolar. Campinas:


Papirus, 2004.

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atuais. In: CANDAU, V. M. (Org.). Magistério: construção cotidiana.
Petrópolis: Vozes, 1997, p. 51-68.

DENZIN, Norman K.; YVONNA S. Lincoln. O planejamento da


pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Tradução de NETZ,
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240 Erineide Cunha de Sousa


GIDDENS, Anthony. Sociologia. Editora Porto Alegre: Artmed, 2005.

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desafios. In: IBIAPINA, I. M. L. M. (Org.). Formação de Professores:
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McLAREN, Peter. A vida nas Escolas: uma introdução à pedagogia


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Pellande. Life in schools. 2. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

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Editora, 2004.

PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Orgs.) Professor reflexivo no Brasil:


gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.

DEFININDO A BASE EPISTEMOLÓGICA DE UMA PESQUISA SOBRE


FORMAÇÃO CONTINUADA: BREVES CONSIDERAÇÕES
241
DESENVOLVENDO O MÉTODO DE
PESQUISA NA PERPESCTIVA SÓCIO-
HISTÓRICA

Sílvia Maria Costa Barbosa - UERN

INTRODUÇÃO

N
a realização de uma pesquisa o método é uma das
questões mais relevantes. É à luz da base teórico-
metodológica escolhida que se constitui as normas
e procedimentos a serem utilizados no processo de obtenção/
produção, análise e síntese de informações, da realidade
pesquisada.
Discutiremos neste artigo o método de investigação que
emergiu do projeto “Trabalho docente e desenvolvimento
profissional: estudo sobre a dimensão subjetiva das formas de
enfrentamento às dificuldades vividas por professores do ensino
fundamental em sala de aula”. Nosso objetivo foi identificar e
apreender os sentidos e significados produzidos pela professora
de uma escola pública acerca da sua atividade pedagógica, tendo
como foco as estratégias de ensino para enfrentar as dificuldades
vivenciadas durante as aulas. A discussão incide na seguinte
questão: quais os sentidos e significados atribuídos pela professora
acerca da sua atividade pedagógica, tendo como foco as estratégias
DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA
PERPESCTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
243
de ensino utilizadas durante as aulas para enfrentar as dificuldades
vivenciadas durante as aulas?
Os pressupostos teórico-metodológicos que alicerçaram essa
pesquisa advêm da Psicologia Sócio-Histórica, a qual se sustenta na
matriz filosófica do materialismo histórico e dialético. Para análise
da realidade investigada, adotamos os três princípios teórico-
metodológicos que compõem a base da abordagem de análise das
funções psicológicas superiores apresentadas por Vigotski (1998).
O primeiro princípio afirma que os fenômenos humanos devem
ser estudados em processo de transformação e mudanças. Nessa
perspectiva, o pesquisador deve focar sua atenção no processo em
observação e não no produto. Assim, as mediações fazem parte do
processo constitutivo do objeto estudado.
O segundo princípio indica que a simples descrição dos fatos
não desvela as relações dinâmica-causais, reais, subjacentes aos
fenômenos. A esse respeito Vigotski (1998) alerta que não devemos
nos contentar somente com a descrição da experiência imediata,
pois é necessário ir além da aparência, procurando compreender as
ligações reais entre os estímulos externos e as respostas internas que
são á base das formas superiores de comportamento. É necessário
compreendermos que nessa abordagem teórico-metodológica
Vigotski (1998) procura mostrar a essência dos fenômenos
psicológicos, ao invés de analisar as suas características evidentes.
Vigotski (1998, p. 71) exemplifica esse princípio: “uma baleia, do
ponto de vista de sua aparência externa, situa-se mais próximo dos
peixes do que dos mamíferos; mas, quanto à sua natureza biológica
está mais próxima de uma vaca ou de um veado do que de uma
barracuda ou de um tubarão”.
O terceiro princípio básico da abordagem Sócio-Histórica -
o problema do comportamento fossilizado - explica a posição de
Vigotski segundo a qual estudar algo historicamente implica estudá-
lo no processo de mudança, significa “descobrir sua natureza, sua
essência uma vez que é somente em movimento que um corpo mostra
o que é” (VIGOTSKI, 1998, p. 86). Ou seja, um ponto nuclear desse
método é que todos os fenômenos sejam estudados como processos
em movimento e em mudança. Portanto, a investigação deve ser capaz

244 Sílvia Maria Costa Barbosa


de captar elementos que possam tornar possível a compreensão do
sujeito da investigação nesse processo. Para tanto é necessário ir à
gênese da questão, procurando reconstruir a história de sua origem
e de seu desenvolvimento, pois focalizar o processo de realização
de uma tarefa pode levar à descoberta das estruturas internas de
desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Sendo
assim, faz-se necessário que o pesquisador rompa com o paradigma
da aparência, do perceptível do objeto estudado e busque conhecer
em profundidade a sua essência, sua origem. Vigotski (2001) observa
que é importante ver o outro lado da lua, pois somente a aparência
não condiz com a realidade.
O sujeito por ser criativo, produtor e transformador vai se
desenvolvendo ao longo da sua vida, na relação com o outro, por meio
dos instrumentos sociais e culturais disponíveis na sociedade, através
das mediações entre o mundo objetivo e subjetivo, apreendendo
assim a realidade para transformá-la. Com essa posição, adentramos
na escola para produzir informações via conversas e diálogos que se
constituíram nas relações estabelecidas com o corpo de funcionários
que compõem a instituição escolar na qual realizamos a investigação
empírica.
Assumimos a ideia que o pesquisador deve desenvolver diálogos
com os sujeitos ativos, participantes que constroem suas ideias e
desenvolvem suas reflexões ao serem abordados pelo pesquisador.
Adotamos tal posicionamento a respeito do que é pesquisar, por
entendermos que esse processo implica na reflexão permanente,
tanto por parte do pesquisador quanto do sujeito pesquisado,
resultando em transformações de ambos.

SITUANDO A REALIDADE A SER ESTUDADA

Escolhemos uma escola onde o Programa Institucional de


Bolsas de Iniciação a Docência – PIBID/UERN atua desde o ano de
2012, para fazermos a apresentação do nosso projeto de pesquisa
com seus objetivos e procedimentos de produção de informações.
Para tanto solicitamos a direção um espaço para conversarmos
com todas as professoras, coordenação pedagógica e direção da
DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA
PERPESCTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
245
escola. A receptividade ao projeto foi boa e tivemos a adesão de duas
professoras do turno matutino, tais professoras supervisoras atuam
no PIBID/UERN até hoje.
Feita as devidas explicações a respeito da pesquisa, as duas
professoras, Luciane e Tatiane, (nomes fictícios) justificaram
quererem participar da pesquisa, pois “precisavam estudar, aprender,
trocar e crescer”. Elas se mostraram interessadas em participar de um
estudo com estas proposições, no qual poderiam refletir sobre sua
atividade pedagógica através do seu olhar sobre a sua imagem, como
também o olhar de outro sujeito, ou seja, a pesquisadora, quando da
realização da Autoconfrontação Simples (ACS).
Mas apesar de ambas se mostrarem disponíveis no processo
de informações obtidas, durante a realização das ACS, percebemos
o quanto seria difícil trabalharmos com a professora Tatiana que
apresentava dificuldades em dialogar sobre as suas atividades e
procurava fugir das questões formuladas. Para o uso da técnica
de ACS entendemos que o sujeito tem que ter desejo, se sentir a
vontade para falar sobre as suas atividades projetadas através de
sua imagem na tela, objetivando a realização da reflexão sobre a sua
prática em sala de aula. É mister elucidar que a sua participação é
de suma importância para o processo e sem o seu empenho durante
a participação, não há como fazer ACS, uma vez que para isso é
necessário a reflexão, análise, sugestões, dúvidas e questionamentos
do sujeito sobre sua atuação. Para este trabalho utilizamos os
depoimentos, disponibilidade para prestar informações a respeito
da sua atividade docente.

PROCEDIMENTOS UTILIZADOS PARA A PRODUÇÃO DE


INFORMAÇÕES

Para alcançar o objetivo desta pesquisa utilizamos vários


procedimentos que possibilitaram gerar informações de qualidade
para compreender o movimento do sujeito da pesquisa. Isso permitiu
o diálogo entre a professora e a pesquisadora sobre como a docente
enfrenta suas dificuldades em sala de aula. Segundo González Rey
(1999, p. 89) é necessário “una organización propia, donde los

246 Sílvia Maria Costa Barbosa


participantes se convierten en sujetos activos...” Para tanto, fizemos
uso de: entrevista, vídeogravação e Autoconfrontação Simples
(ACS). Consideramos, na escolha dos procedimentos e na forma de
utilizá-los a necessária coerência proposta pela abordagem teórico-
metodológica adotada.
Nessa abordagem teórico-metodológica o pesquisador ao
adentrar no campo de pesquisa, não ingressa como um sujeito
neutro, frio, distante da realidade investigada.  Segundo Barbosa
(2006) é necessário estabelecer com clareza, desde o início, que a
pesquisa visa compreender a situação como ela se apresenta e que os
sujeitos jamais serão incomodados ou prejudicados nos seus afazeres
cotidianos e nas suas relações. Por isso, é necessário que o pesquisador
saiba transitar no campo de pesquisa, evitando aborrecimentos
desnecessários. Não adianta querer impor um trabalho do qual
o sujeito não queira participar, pois essa participação demanda
paciência, cautela, responsabilidade, honestidade e capacidade de
persuasão.
Com a determinação de produzirmos informações, realizamos
em primeiro lugar as entrevistas por entendermos que elas
possibilitam o contato direto com o sujeito-alvo. Tal instrumento
nos permitiu um primeiro contato com a professora, fornecendo-
nos material relevante para nos apoiar nas discussões nos momentos
das autoconfrontações simples. Em seguida, adentramos na sala de
aula e realizamos as filmagens da atuação da professora. Em seguida
discutimos a vídeogravação e a Autoconfrontação Simples e sua
utilização para o processo de formação do professor.

ENTREVISTA

Elegemos a entrevista semi-estruturada por ser aberta e flexível


e por se constituir em um instrumento que possibilita produzir
informações tanto a respeito da história de vida da professora
pesquisada, quanto a respeito da sua atuação em sala de aula.
A nossa atenção voltou-se sempre aos acontecimentos, fatos,
entrefalas e entretextos. De acordo com Aguiar (2001a, p. 134), “A
fala do sujeito histórico expressa muito mais do que uma resposta ao
DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA
PERPESCTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
247
estímulo apresentado, ou, de outra forma, ela revela uma construção
do sujeito, uma construção que é histórica [...]”, sendo portando, a
entrevista, um instrumento fundamental para apreensão da realidade.
Elaboramos um roteiro semi-estruturado para conduzir os
diálogos, haja vista ser um procedimento cujo objetivo está explícito,
projetado, guiado por uma problemática e por questões de alguma
forma já estão organizadas. Assim, elaboramos um roteiro flexível,
no qual a informação inesperada pode ser incluída e explorada.
No processo da entrevista, é necessário que o pesquisador
esteja atento às palavras, frases e que volte a ela tantas vezes quantas
forem necessárias para esclarecimentos e questionamentos. Esse é
o momento para refletir e complementar informações inerentes ao
objetivo da investigação.
A entrevista é concebida por Aguiar e Ozella (2013, p. 308)
“como um instrumento rico que permite acesso aos processos
psíquicos que nos interessam, particularmente os seus sentidos e
significados”. Utilizamos também princípios da entrevista reflexiva,
de Szymanski (2011), que nos orienta a refletir continuamente e
acuradamente sobre as falas durante o processo ocorrido.
A entrevista reflexiva como instrumento de construção de
informações nas pesquisas qualitativas tem sido utilizada “como
uma solução para o estudo de significados subjetivos e de tópicos
complexos demais para serem investigados por instrumentos fechados
e padronizados” (SZYMANSKI, 2011, p. 10). Conforme a autora, a
entrevista feita face a face, “é fundamentalmente uma situação de
interação humana, em que estão em jogo às percepções do outro e
de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para
os protagonistas: entrevistador e entrevistado”.
Desse modo, adotamos a entrevista semiestruturada e reflexiva
por permitir a discussão e reflexão das aulas da professora focando
nas suas dificuldades e como ela buscava estratégias para superar
tais dificuldades.

248 Sílvia Maria Costa Barbosa


A PRODUÇÃO DAS VÍDEOGRAVAÇÕES COMO INSTRUMENTO
DE REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE

O vídeo é como um espelho que devolve sua imagem


invertida. O fato do sujeito se observar, escutar sua voz, perceber
seus gestos, atitudes, postura, a maneira de atuar e ser quando do
desenvolvimento das suas atividades, faz muito provavelmente, que
as imagens provoquem reflexões e mudanças na sua atuação.
A vídeogravação provoca no sujeito a contemplação e a reflexão
sobre a sua própria atuação. Nesse processo, é provável que o sujeito
perceba aspectos que passaram despercebidos. Por isso, Sadalla e
Larocca (2004) enfatizam que a vídeogravação permite registrar,
até mesmo, acontecimentos fugazes e não-receptíveis que muito
provavelmente escapariam a uma observação direta. Não há como
colocar o sujeito frente a frente consigo mesmo sem esse recurso. É
necessário reconhecer que esse procedimento de filmagem do sujeito
na atividade docente demanda tempo, atenção de quem filma,
paciência, já que, algumas vezes, por motivos alheios à vontade do
pesquisador, esse procedimento pode ser adiado para outro dia. A
paciência é um dos requisitos essenciais para o êxito esperado, pois
esse processo não pode ser efetivado de maneira aligeirada.

A IMAGEM REFLETIDA DO SUJEITO PESQUISADO:


AUTOCONFRONTAÇÃO SIMPLES

A realização das sessões de autoconfrontações simples


possibilita que as atividades efetivadas e filmadas sejam discutidas
e refletidas pelo sujeito ao assisti-las em uma tela de televisão; é a
interação entre o sujeito, a imagem e o pesquisador. Para Aguiar
e Davis (2008) a discussão na ACS focaliza as expressões de dois
sujeitos: a) o professor ao se olhar nos episódios selecionados,
fala sobre o que fez e o que poderia (ou não) ter realizado; e, b) o
pesquisador querendo se assegurar da compreensão dos comentários
do docente, faz suposição sobre eles. Assim, o professor explica o que
ele pretende com as atividades selecionadas para a discussão. Nessa
perspectiva, nas autoconfrontações simples, criam-se possibilidades
DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA
PERPESCTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
249
de gestar mudanças na sua forma de atuar como professora,
conforme discussão em seguida.
Para realização das sessões de autoconfrontação simples foi
fundamental a explicação de como seria as ACS e da importância de
sua adesão para esse procedimento. Sem a sua adesão e participação
não há como realizá-la tendo em vista que ela é marcada por
reflexões, análises, sugestões, dúvidas, questionamentos, no qual o
sujeito pesquisado será o personagem central.
A ACS se caracteriza fundamentalmente como uma “atividade
em si em que o trabalhador descreve sua situação de trabalho para o
pesquisador” (CLOT, 2006a, p.135). Este participa com perguntas e
questionamentos.
Ao descrever sua atividade para o pesquisador, o sujeito,
mediado pelo recurso da sua imagem, atravessa crises e é implicado a
pensar sobre suas ações, sobre o que pode ser possível e o que parece
impossível em sua atividade. Mas ele não é implicado apenas pela
filmagem, mas também, pelo pesquisador, que ao participar desse
processo com perguntas e questionamentos, tecendo conjecturas
acerca dos comentários do sujeito, oxigeniza o processo de reflexão
deste e, ao mesmo tempo, se apropria das possibilidades de suas
mudanças gestadas por esse processo.

O PROCESSO DA REALIZAÇÃO DAS AUTOCONFRONTAÇÃO


SIMPLES (ACS)

O nosso caminho para realização das Autoconfrontações
Simples (ACS) se deu da seguinte maneira: após analisarmos as
vídeogravações, por várias vezes, entregamos os DVD’s, à professora
para que ela assistisse e começasse se auto-observar. Isso possibilitou
diálogos mais proveitosos nas sessões de ACS. Ela se mostrou
curiosidade em saber como dava aulas e como seriam as nossas
conversas a partir dos vídeos.
Durante as sessões ACS a professora se mostrou a vontade
e discutiu os episódios selecionados, algumas vezes com surpresas
quanto ao seu posicionamento perante os alunos, outras vezes
concordando com as atitudes pomadas.

250 Sílvia Maria Costa Barbosa


Durante o procedimento das sessões de ACS, tornou-se evidente,
em diversos momentos, o engendramento de inúmeras modificações
no sujeito que, ao olhar sua própria imagem na atividade, deixa de
ser “observado” para ser “observador” da sua própria atividade.
Constatamos que ao assistir à atividade vídeogravada, a professora
conseguiu identificar situações que poderiam ter sido melhor
conduzidas por ela e já apresentou soluções procurando melhorá-
las. Isso foi acentuado na seguinte fala da professora: procuro pesquisar
atividades que os alunos gostam, não fácil, mas sei mais ou menos que interessam,
e chamem atenção dos alunos. A professora percebeu durante o processo
nas ACS, que o desenvolvimento da aula poderia ter sido melhor. Vou
melhorar não faço mais atividades que eles não gostem.
Segundo Clot (2006a, p.136), na AC “a tarefa apresentada
aos sujeitos consiste em elucidar para o outro e para si mesmo as
questões que surgem durante o desenvolvimento das atividades
com as imagens”. É desse modo que, quando toma a atividade
realizada como objeto de análise, a AC tem o potencial de evidenciar
características da atividade que, no momento de sua execução,
passam despercebidas.
O processo de produção de informações teve um clima de
sinceridade, respeito e confiança, possibilitando, assim, discussões
bastante proveitosas e sem nenhum constrangimento. Desse modo,
estabelecemos diálogos abertos, francos e sem subterfúgios no
decorrer das ACS.

O PROCESSO DE ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES

Em consonância com as discussões expostas no decorrer


desse trabalho, a análise tem como foco inicial a realidade empírica
referente à fala da professora, obtida através das entrevistas, das
conversas informais, das vídeogravações, das ACS sobre as atividades
desenvolvidas em sala de aula, vislumbrando apreender a palavra com
significado e, deste modo, nos aproximar das zonas de sentidos. Vale
salientar que todo o material da pesquisa foi filmado e transcrito,
esse processo se constituiu de várias leituras “flutuantes” para que
pudéssemos nos familiarizar com o material, visando uma melhor
DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA
PERPESCTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
251
apropriação do seu conteúdo, conforme orientam Aguiar e Ozella
(2006).
A opção para análise das informações baseia-se na proposta de
Aguiar e Ozella (2006); Aguiar (2009), tendo em vista a organização
dos núcleos de significação. A construção desse procedimento
se desvenda através de três momentos: os pré-indicadores, os
indicadores e os núcleos de significação.
Os pré-indicadores são destacados através de várias leituras
flutuantes a partir das transcrições das entrevistas recorrentes e das
ACS. A realização de tais leituras possibilitou o destaque de palavras,
frases carregadas de conteúdos e temas relevantes para o objetivo
da pesquisa. Chamamos esse trabalho de garimpagem, haja vista
possibilitar a apreensão, por parte do pesquisador, de palavras,
frases com significados para compreensão da professora. Por isso,
é importante ir além da aparência, perceber aquilo que não está
exposto claramente e que muitas vezes o sujeito não se dá conta.
Segundo Aguiar e Ozella (2006), os pré-indicadores são
em grande número, em geral, compondo um quadro amplo de
possibilidades para a organização dos indicadores. Os autores
afirmam que “um critério básico para filtrar estes pré-indicadores
é verificar sua importância para a compreensão do objetivo da
investigação” (2006, p. 11). Observam, ainda que a organização dos
pré-indicadores, para que resultem nos indicadores, deve ter como
critérios a “semelhança”, “complementaridade” e “contraposição”.
Quanto à organização dos indicadores segundo Aguiar e Ozella
(2008) é um processo de aglutinação de pré-indicadores, no qual há
uma junção de conteúdos temáticos, sendo que os temas, quando
organizados, possibilitam uma melhor percepção dos fatos e suas
contradições.
A terceira etapa constitui-se na organização dos núcleos de
significação.

Nesse processo de organização dos núcleos de significação –


que tem como critério a articulação de conteúdos semelhantes,
complementares ou contraditórios – é possível verificar as
transformações e contradições que ocorrem no processo de
construção dos sentidos e dos significados, o que possibilita ir além

252 Sílvia Maria Costa Barbosa


do aparente e considerar tanto as contradições subjetivas quanto
as contextuais e históricas (AGUIAR E OZELLA, 2006 p. 12-13).

Nessa perspectiva, cada núcleo de significação busca revelar


o sujeito na sua totalidade, no seu movimento, de forma não
fragmentada. Ao trabalharmos com a proposta de Clot (2006a)
e agregarmos outros elementos da perspectiva sócio-histórica,
admitimos que a análise deva ser adequada ao tipo de informação
que se tem e ao tipo de realidade que se apresenta.
Ao eleger uma estratégia como autoconfrontação simples tem-se
a clareza da complexidade de informações que podem surgir. Temos que
considerar que ACS provoca intencionalmente movimentos no sujeito,
tendo o potencial de gerar informações carregadas, provavelmente,
de momentos de transformações, impasses, dilemas que ainda não
se configuraram numa contradição efetiva, mas que podem ou não
caminhar na direção da contradição e, assim, de sua superação. Dito
isto, é fundamental que os procedimentos de análise devem estar
atentos para captar o processo que, de certa forma, foi provocado.
Nessa perspectiva, a análise dos núcleos de significação se
efetiva, segundo Aguiar e Ozella, (2006 p. 13) “por um processo
intra-núcleos avançando para uma articulação inter-núcleos. Em
geral esse procedimento identificará semelhanças e/ou contradições
que vão novamente revelar o movimento do sujeito”. É necessário o
pesquisador levar em consideração os aspectos referentes ao contexto
social, político, econômico e cultural, de onde foram produzidas
as informações. Somente assim, é avançará na compreensão dos
sentidos. Todo esse esforço para apreensão do movimento, da
historicidade, das contradições da análise, avança na apreensão das
zonas de sentidos (AGUIAR, 2006b).
É mister destacar que a análise, tendo como sustentáculo
teórico o materialismo dialético, considera que a realidade está
sempre em movimento, que não podemos entender uma parte sem
olhá-la à luz da totalidade Nessa perspectiva, não devemos fazer uma
análise fragmentada das informações.
Para uma melhor compreensão desse processo, apresentaremos
e discutiremos sucintamente um núcleo de significação, cujo nome
aglutina e revela zonas de sentidos da professora.
DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA
PERPESCTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
253
ATIVIDADE DOCENTE: AS DIFICULDADES ADVINDAS DO
FAZER NA SALA DE AULA

Esse núcleo é abalizado pelas incertezas e dificuldades vividas


pela professora acerca das atividades em sala de aula, mas também
aponta caminhos de superação. Segundo ela enfatiza as dificuldades
vivenciadas em decorrência familiar

Na sala de aula mesmo é a falta de limite por alguns alunos e essa


questão decorre da maioria dos pais deixar a responsabilidade maior
pra escola, não só do ensinar, mais assim do educar, de por limites
em casa pode tudo e quando chega aqui não, a gente é que tem que
trabalhar, além da linguagem escrita, valores, eu acho mais difícil
esta forma, na escola trabalha de um jeito, e em casa é outro. [...]
nossa clientela aqui, é muito difícil, nem todos, vivem com os pais,
alguns são o tio, avô, avó, parentes ou mesmo, até com vizinho.
É difícil, mas a gente tenta na medida do possível, a começar pelas
atividades na sala de aula, não tem como você trabalhar mais a
questão do conscientizar, trabalhar mesmo os valores, a gente tem
projetos na escola, pra ver se eles tem pelo menos aquela consciência,
do respeito, a começar a responsabilidades que eles tem que vim a
escola. A gente tenta ajudar, também temos um projeto, um projeto
que trabalhamos com muita palestra aqui na escola, com os pais,
com alunos, trabalha juntamente com o professor, um dia pra cada
sala de aula, tem parceria com a escola, então a gente monta assim
palestra, oficina pra ver se supera esse lado. Agora com ajuda do
PIBID/UERN, melhorou muito com atividades diferenciadas, as
coisas que a gente planeja, ajuda muito a superar essas dificuldades.

A fala da professora demonstra uma preocupação com o


processo ensino-aprendizagem, como também o reconhecimento
da responsabilidade com aprendizagem do aluno na escola. Apesar
de relatar que os pais não ajudam na educação escolar ela procurar
trabalhar com projetos que envolvam não só os alunos, mas
também o responsável por ele, objetivando o interesse em querer
estudar. Destacou a importância do PIBID/UERN como aliado para
planejamento e efetivação de atividades criativas que despertem no
aluno o gosto pela aprendizagem.

254 Sílvia Maria Costa Barbosa


Ela tem consciência acerca do seu papel na construção do saber
escolar junto aos alunos que frequentam esse espaço educacional.
E completou: “Essa clientela deste bairro é muito difícil. Os alunos
precisam muito da gente professores e por isso procuro dar o melhor
e me esforço muito, não é fácil”. Essa fala evidencia “o momento
específico do sujeito” (AGUIAR e outros, 2009, p. 63), ou seja,
elementos de sentidos que, no caso, parecem ser essenciais à maneira
de significar as dificuldades e também o respeito pelo o aluno. Por isso
podemos deduzir que a expressão “procuro ser uma boa professora
e contribuir, não é fácil, mas tento não ser pessimista, gosto deles e
quero o melhor para eles”. Na a professora expressa o respeito e
carinho, deixando transparecer elementos de sentidos constituídos
pela vivência afetiva e cognitiva na sala de aula.
Ao longo das discussões a professora revela que já ensinou
numa escola particular por muito tempo, mas que ensinar na escola
pública se constitui num desafio constante a cada dia. Aponta vários
problemas que podem levar a criança não ter sucesso na escola e que
se constituem em dificuldades, como por exemplo: adaptação a rede
escolar, a maneira como a professora conduz as aulas, direção de
escolas sem a devida preparação para assumir, família desestruturada,
sem limites, sem condições básicas, doenças na família, criminalidade
familiar, pais que não se interessam pelos seus filhos e não acreditam
que eles possam aprender, e tantos outros problemas que poderíamos
listar que repercutem negativamente no desenvolvimento da criança
na escola.
As informações sucintas nesse núcleo de significação expressam
conteúdos relevantes sobre o fazer da professora durante as atividades
pedagógicas. Foi possível perceber qualidades e dificuldades da
professora tais como: o esforço, a dedicação, a responsabilidade, o
compromisso, o respeito pelo o aluno, dentre outros.
Os resultados apontaram para várias dificuldades, mas, também
apontaram para estratégias de superação dessas dificuldades. A nossa
conclusão está na direção que a professora da nossa pesquisa não se
acomodou diante dos conflitos vividos na sala de aula, ao contrário, ela
sempre busca de novas estratégias diante de cada questão levantada.
Uma das contribuições deste trabalho está não diretamente na
visibilidade/simplificação dos resultados empíricos alcançados, mas
na potencialidade das explicações inferidas/interpretadas acerca dos
elementos de mediação que constituem o trabalho docente.
DESENVOLVENDO O MÉTODO DE PESQUISA NA
PERPESCTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
255
REFERÊNCIAS

AGUIAR, Wanda Maria J (coord.). Trabalho docente e


subjetividade: aspectos indissociáveis da formação do professor.
Programa de Cooperação Acadêmica – PROCAD, edital 01/ 2007.

AGUIAR, Wanda Maria J. e OZELLA, Sergio. Núcleos de


Significação Como Instrumento para a Apreensão da Constituição
dos Sentidos. Psicologia – Ciência e Profissão. 2006, ano 26,
Número 2, São Paulo.

CLOT, Yves. Psicologia do Trabalho. Rio de Janeiro: Vozes,


2006.

CLOT, Yves; FAÏTA, Daiel; FERNANDEZ, Gabriel e SCHELLER, Livia.


Entretiens em autoconfrontation croisée: une méthode en clinique
látivité. In: Education Permanente,n 146/ 2001. Paris: Group Caísse
dês Dépots et Consignations. 2001. P. 17-25.

DAVIS, Claudia L. F.; AGUIAR, Wanda M. J. Atividade docente:


uma análise das trans-formações do professor na perspectiva da
psicologia sócio-histórica. (Artigo no prelo) 2009.

SADALLA, A. M. F. A; LAROCCA, P. Autoscopia: um procedimento


de pesquisa e de formação profissional reflexiva na educação e na
pesquisa. FE-USP-SP, v. 30, n.3, p. 419 - 433, 2004.

SZYMANSKI, Heloísa. Entrevista reflexiva: um olhar psicológico


para a entrevista em educação. Mimeo, 2011.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins


Fontes, 1998.

______. A Construção do Pensamento e Linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2001.

256 Sílvia Maria Costa Barbosa


NARRATIVIDADE DE PROFESSORES
ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA:
EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS
CONSTRUÍDAS

Ana Luiza Floriano de Moura - UFPI


APONTAMENTOS INICIAIS

Q
ue percursos formativos vivenciou o professor
alfabetizador em sua formação inicial no âmbito do
curso superior? A formação acadêmica recebida/
construída contribuiu com sua prática pedagógica no início da
carreira? Com estes questionamentos iniciais, nossa pretensão
é registrar que o texto desta comunicação decorre de pesquisa
que desenvolvemos, cuja temática central investigou a formação
inicial de alfabetizadores iniciantes na vida docente profissional.
Consideramos a pesquisa qualitativa na perspectiva de
Minayo (1994, p.21-22), que afirma: “[...] a pesquisa qualitativa
se preocupa com um nível de realidade que não pode ser
quantificado, trabalha com o universo de significados”. Diante,
pois, do entendimento de que a investigação realizada propiciou
respostas as nossas indagações pelas narratividades dos
interlocutores do estudo.
NARRATIVIDADE DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA:
EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS
257
Quanto à formação inicial, a compreensão baseia-se em
autores como Imbérnon (2002), García (1999) que, entre outros, a
compreendem como um processo onde há o contato inicial com a
área profissional, num contexto organizacional e curricular. No que
concerne à alfabetização o encaminhamento teórico desenvolveu-
se na perspectiva de Pérez (2008). Segundo o autor mencionado,
a alfabetização tornou-se alfabetizações, isto é, um termo plural,
repleto de significados. Diante de tal questão, estudiosos na área
vêm pesquisando sobre o tema e modificando algumas práticas
pedagógicas, devido às transformações econômicas, sociais e
culturais ocorridas ao longo do tempo. Os programas do governo
federal e a exigência de se alfabetizar a criança cada vez mais cedo
reacendem o levantamento de questões referentes ao que tem sido
realizado nas classes de alfabetização.
Não obstante estas aproximações teóricas e metodológicas
iniciais, anunciamos que a contribuição deste artigo reside no
realce que imprimimos acerca da análise de dados e das principais
constatações do estudo em discussão. Desse modo, o texto apresenta
a seguinte estrutura: apontamentos iniciais, discutindo a formação
inicial e no seu bojo a formação do professor alfabetizador; o cenário
metodológico do estudo; visualizações e descrições analíticas e
apontamentos finais.

SOBRE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: ASPECTOS


HISTÓRICOS

Nesta seção nosso intuito é apresentar um visual configurativo
do aporte teórico que subsidiou a pesquisa que deu margem à
presente comunicação. Assim, começamos dizendo que todas as
coisas que se vê e vive hoje é reflexo, de alguma forma, de algo que
aconteceu no passado, seja uma teoria, uma criação ou uma ação
humana. Tal fato não é diferente no âmbito do professorado.
Para se chegar à formação dos professores que conhecemos
atualmente, com suas particularidades e intencionalidades, foi
necessário que homens e mulheres agissem no sentido de favorecer
sua efetiva contribuição corroborando com essa temática.

258 Ana Luiza Floriano de Moura


Corroborando, nesse sentido, a afirmação de Nóvoa (1992, p.15),
“[...] o professorado constitui-se em profissão graças à intervenção e
ao enquadramento do Estado, que substitui a Igreja como entidade
de tutela do ensino”.
Diante dessa compreensão, faz-se necessário conhecer as
influências e os aspectos que marcaram a formação dos professores
em cada época da história, no âmbito da educação brasileira.
Citamos, inicialmente, um fato marcante representado pela chegada
dos jesuítas ao Brasil. A Igreja Católica tentava de todas as formas
inserir os princípios cristãos na colônia portuguesa.
Segundo Vieira (2008), os pregadores que anunciavam a
mensagem, eram preparados nos seminários, assim a formação dos
“futuros professores” era baseada nos teóricos antigos, como Cícero.
Segundo a Wikipédia (2013), “Cícero é normalmente visto como
sendo uma das mentes mais versáteis da Roma antiga. Foi ele quem
apresentou aos Romanos as escolas da filosofia grega e criou um
vocabulário filosófico em Latim, distinguindo-se como um linguista,
tradutor, e filósofo. Um orador impressionante”.
Em 1757, inicia-se a Reforma Pombalina idealizada e
conscientizada para acabar com o ensino jesuítico. É bem verdade
que suas ações contribuíram, de alguma maneira, com a educação na
colônia. O controle da educação passou para o domínio do Estado
português. Um fato marcante da reforma pombalina foi a instituição
das Aulas Régias de latim, grego e retórica.
Estas foram características do sistema de ensino público. No
que diz respeito à formação dos professores, observa-se que, nesse
período, segundo Vieira (2008), ocorreu o primeiro concurso público
para a carreira docente. Porém, os professores não usufruíam de uma
formação que lhes proporcionassem um auxílio para a sua prática
pedagógica. Assim como, em alguns casos, acontece atualmente, em
que os professores, em certos momentos, têm que adquirir os seus
próprios instrumentos de trabalho, os quais deveriam ser fornecidos
pela escola em que leciona.
Saviani (2009, p. 144) nos diz que os dois momentos citados
anteriormente são importantes, porém não mais que a Lei das Escolas
de Primeiras Letras, de 15 de outubro de 1827, que determinava
NARRATIVIDADE DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA:
EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS
259
a criação dessas escolas em todas as cidades, vilas e lugares mais
populosos do Império, assim diz o autor sobre:

Ao determinar que o ensino, nessas escolas, deveria ser


desenvolvido pelo método mútuo, a referida lei estipula no artigo
4º que os professores deverão ser treinados nesse método, às
próprias custas, nas capitais das respectivas províncias. Portanto,
está colocada aí a exigência de preparo didático, embora não se
faça referência propriamente à questão pedagógica.

Mediante o ordenamento dessa Lei, até então, não era


necessário uma formação pedagógica para ser professor. Qualquer
pessoa poderia ministrar aulas, desde que observasse e estudasse
os conteúdos inseridos na lei. Com relação às mulheres, estas eram
preparadas para serem damas do lar. Com o Ato Adicional de 1834,
surgiram as primeiras Escolas Normais no país. Estas escolas tinham
a finalidade de formar professores para trabalharem no ensino
primário. No que tange às atribuições, as Escolas Normais exigiam
que os futuros professores fossem: ser cidadão brasileiro, maior de
18 anos e saber ler e escrever. Segundo Ranghetti (2008), durante
a formação, os docentes eram preparados para reproduzirem os
valores e não estudavam uma didática específica.
Observava-se, nesse contexto, que tais escolas não estavam
proporcionando uma formação adequada para os futuros
professores. Tal situação deu início a uma série de discussões. O
início da República e a reforma da instrução pública de São Paulo
marcaram esse período. Os métodos de ensino e a melhoria da
educação brasileira foram discutidos no tocante à formação dos
professores.
A partir da década de 30, é importante ressaltar que o
capitalismo começava a se firmar no território brasileiro. O Brasil
avançava economicamente, porém no quesito educação estava muito
atrasado em relação a muitos países, como por exemplo, o México.
Um fato marcante foi o Manifesto dos Pioneiros, de 1932. Este
tratou de questões referentes à formação docente, isto é, abordou os
aspectos que devem nortear a prática pedagógica do professor nessa
nova fase que o país estava vivenciando.

260 Ana Luiza Floriano de Moura


Era necessária também uma educação pública e gratuita de
qualidade, que oferecesse um ensino adequado para as crianças. A
formação de professores adquire uma tradição humanista. Dessa
maneira, segundo Saviani (2009), os alunos iniciam seus estudos
na psicologia e sociologia, tornando-se mais críticos e cientes dos
seus papéis na sociedade. É importante ressaltar sobre a criação dos
Institutos de Educação, principalmente o de São Paulo.
De 1939 a 1971, começam a surgir os primeiros cursos de
Pedagogia o que consolida as primeiras escolas normais. O estudo
universitário ganhava destaque. Nesse sentido, nasce a necessidade
de se preparar os profissionais para atuarem nessas classes
universitárias. As escolas normais foram substituídas pela habilitação
do magistério. Segundo Martelli (2004, p. 2-3):

A criação do curso de Pedagogia no Brasil foi consequência


da preocupação com a formação de docentes para o curso
normal. Surgiu através do Decreto Lei nº 1.190 de 1939. Aos que
concluíssem o bacharelado, seria conferido o diploma de bacharel
em Pedagogia, ou Técnico em Educação, e quando concluído o
curso de Didática, o de licenciado para atuar como professor da
Escola Normal caracterizando esta forma de organização como
o esquema “3+1”, seguindo o padrão federal universitário. Esta
organização curricular baseava-se na separação bacharelado-
licenciatura, causando a dicotomia entre dois elementos
componentes do processo pedagógico: o conteúdo e o método,
a teoria e a prática.

Sobre a década de 90 é importante destacar a Lei de Diretrizes


e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96). Nela, a formação de
professores adquire uma estrutura mais ampla. A preocupação agora
gira em torno da reflexão e da modificação da sua prática diária.
Dez anos mais tarde, isto é, em 2006, as Diretrizes Curriculares para
o curso de Pedagogia debatem sobre a identidade do curso e suas
peculiaridades.
Este breve resumo da história da formação dos professores
mostra como a temática em questão é discutida desde os primeiros
anos de colonização do Brasil. E esta discussão não se finda, pois está
intrínseca no processo de formação de professores. Esta, por sua vez,
perpassa os campos da universidade e vai além da prática profissional.
NARRATIVIDADE DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA:
EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS
261
SOBRE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: ESPAÇOS DE
APRENDIZAGENS

Partimos, nesta seção, do olhar interpretativo da Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no seu artigo 62,

A formação de docentes para atuar na educação básica far-


se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena, em universidades e institutos superiores de educação,
admitida, como formação mínima para o exercício do magistério
na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
Normal. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios,
em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial,
a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério
(BRASIL, 1996, p.18).

Observa-se que a formação inicial é de fundamental


importância. Ela é a base para auxiliar o professor na sua prática
cotidiana. Além disso, fornece saberes necessários à prática docente.
Dentro desta perspectiva, é importante discutir, no interior dessa
temática, sobre o curso que forma esses profissionais tão importantes
para a sociedade.
Através da formação inicial, o futuro professor conhece as
teorias e metodologias de cada área da educação. A partir disso,
traça suas estratégias de ação, interpretando-as e organizando-as
de acordo com as suas práticas e necessidades. Segundo Imbérnon
(2002), nestes cursos de formação inicial acontecem os primeiros
contatos com a área profissional escolhido pelo acadêmico. As
escolhas feitas refletirão no exercício da sua profissão, reforça o
autor.
Dentro deste contexto, nota-se que, com essa quantidade de
informações a que se está sujeito e a competitividade do mercado
de trabalho, faz-se necessário uma atualização constante e uma
contínua reflexão em cima do nosso saber-fazer. Schön (1997) fala
sobre essa reflexão, intitulando-a de “reflexão na ação” e a “reflexão
sobre a reflexão na ação”. A primeira, de acordo com o autor (1997),
se dá em quatro momentos. O primeiro analisa as ações do aluno.

262 Ana Luiza Floriano de Moura


No segundo, há a reflexão sobre essas atitudes do alunado. Já no
terceiro, o professor analisa sobre as aprendizagens e dificuldades
dos discentes. E em um último momento, existe um refletir sobre o
pensar do aluno.
Dessa maneira, ressalta-se que formar professores que agem
sobre o seu fazer é prioridade nos cursos de formação inicial. A
contemplação de conteúdos e métodos que auxiliem o professor,
na busca de uma prática pedagógica satisfatória, sempre será
considerada por autores e pesquisas na área formativa. Os cursos de
formação inicial e a prática baseada na reflexão, apoio profissional e
supervisão diária, estrutura e organiza o exercício profissional.
Segundo García (1999, p. 139), “esse desenvolvimento
não ocorre no vazio, mas inserido num contexto mais vasto de
desenvolvimento organizacional e curricular”. A referida citação nos
remete ao fato de que a atuação do professor trabalhará juntamente
com a organização da escola. Se a instituição escolar agir como
unidade de mudança, é primordial que o professor se integre nesse
campo de mudanças, a fim de se obter a relação de saberes escolares-
curriculares-ensino.

APORTES METODOLÓGICOS

A pesquisa realizada, do ponto de vista da abordagem do


problema, é de natureza qualitativa, do tipo narrativa, na qual
não há a preocupação em medir ou enumerar, mas em conhecer e
desvelar pessoas, seus saberes e seus fazeres, em que o pesquisador
entra em contato com a questão a ser estudada e analisada. Como é
intrínseco à terminologia, o nome, qualitativo significa qualidade e
não quantidade. Segundo Minayo (1994, p. 21-22), “[...] a pesquisa
qualitativa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser
quantificado, trabalha com o universo de significados”.
A narrativa, denominada também de história de vida, foi
utilizada neste trabalho como recurso metodológico. Através dela,
é possível se conhecer a subjetividade que norteia os sujeitos que
serão pesquisados. Suas abordagens, seus relatos ou até mesmo a
transmissão de histórias vividas são aspectos a serem analisados
NARRATIVIDADE DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA:
EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS
263
dentro desta abordagem. Narrar um fato é escrever sobre o mesmo,
isto é, voltar a uma determinada época que foi significativa na vida
profissional. Neste sentido, como afirma Brito:

Quem escreve evoca, portanto, os contornos de sua existência, re-


cria suas histórias e estabelece conexões entre passado e presente.
Escrever sobre a formação, por exemplo, oportuniza a reflexão
sobre o desenrolar dos processos formativos no contexto onde
se desenvolvem, ou seja, no calor das experiências vivenciadas
(2010, p. 54).

Através da pesquisa de natureza qualitativa, do tipo narrativa,


tem-se os conhecimentos das práticas do cotidiano, que, em certos
casos, são esquecidas. A partir do momento que se inicia um estudo
com a finalidade de desvelar as histórias de formação intrínsecas em
cada profissional, faz-necessário utilizar uma pesquisa, tendo em
vista a sua especificidade. Através das histórias narradas, acaba-se
por conhecer as bases de seus percursos formativos e suas respectivas
contribuições para o contexto da ação-pedagógica.

Sobre a análise de dados: uma ilustração

O olhar sobre os dados narrativos apreendeu ou mesmo inferiu,


como é próprio de estudos que se utilizam do contributo de análise de
conteúdo apoiada em Bardin (1977). Para tanto, ilustrativamente,
registramos duas categorias de análise que integram a pesquisa
referenciada: o eixo categorial 1 denominado “Aprendizagens
docentes: a relação teoria e prática” e o eixo categorial 2 intitulado
“Desafios da prática”.

CATEGORIA 1: APRENDIZAGENS DOCENTES: A RELAÇÃO
TEORIA E PRÁTICA

Desse modo, passam a ilustrar o traçado analítico de categoria


“Formação continuada e aprendizagens construídas”, que se encontra
vinculada ao eixo categorial 1. Nesta categoria, aborda-se os saberes
docentes adquiridos na teoria e na prática. É primordial conhecer

264 Ana Luiza Floriano de Moura


o processo de educação continuada e as aprendizagens construídas
no decorrer da prática cotidiana. Dessa maneira, os profissionais
da educação devem sempre buscar alternativas de aprendizagem,
objetivando a atualização constante, refletindo sobre as suas ações
pedagógicas. É a reflexão baseada na criticidade, com o objetivo de
mudar e transformar. Os dados são reveladores, nesse sentido, como
se percebe nas narrativas de D1, D2, D3 e D4.

Quadro 1: Formação continuada e as aprendizagens construídas


Aprendizagens construídas
Como se dá o processo de educação
Sujeitos nos primeiros anos de
continuada?
atuação
-Acontece de 15 em 15 dias, no
Centro de Formação Odilon Nunes, - A própria prática fora
em Teresina. construída no decorrer da
“Cada semana tem o dia da ação pedagógica;
formação continuada para o ensino “A escola precisa ser
fundamental. O meu é um dia de reformulada e o que eu
D1 sexta-feira. A gente vê todos esses aprendi também foi a minha
recursos da nossa prática em sala de prática pedagógica, que eu
aula, elas dão várias oportunidades não tinha construído na
para a gente explanar as nossas universidade, que era apenas
dificuldades, dão sugestões de estudante e assim também a
atividade, do nosso trabalho mesmo experiência”.
no dia a dia”.
-Aspectos relacionados à
relação professor e aluno;
- Com cursos, pós-graduação, “Na universidade a gente
palestras e congressos; só vê a parte da teoria e
D2 “Na escola que trabalho acontece a quando a gente está na sala
Semana Pedagógica, com diversos de aula é que percebemos as
profissionais, que nos auxiliam com dificuldades, tem aluno que é
palestras”. bastante resistente e é nessa
hora que a gente põe em
prática”.

NARRATIVIDADE DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA:


EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS
265
-Aspectos sobre déficit de
atenção e hiperatividade;
- É baseada em cursos e palestras “Quando a gente vê na
que são anuais; teoria, a professora falando
sobre déficit de atenção,
“No início do ano, toda escola onde
D3 hiperatividade é uma coisa,
trabalhei, tem a semana pedagógica
agora você vê a realidade
baseada em palestras, com vários
na prática e identificar
temas de problemas que a gente
o problema é uma coisa
passa com várias situações”.
totalmente diferente. É uma
coisa que eu ainda hoje paro
para pensar”.
-O contato com a turma de
1º ano a fez aprender, além de
-Através de cursos de pós-graduação;
estratégias de leitura e escrita;
“Eu busquei entrar no curso de
“É sempre está fazendo
Psicopedagogia, para entender
D4 a interdisciplinaridade,
mais das dificuldades, para agir
trazendo algo de fora,
diretamente na sala de aula, para
para ser mais fácil de eles
saber conversar com o pai sobre
associarem, isso tudo foi na
isso”.
vivência no 1º ano que foi me
acrescentando”.
Fonte: Dados da pesquisa

Através da análise dos dados deste quadro, destacamos que


as interlocutoras procuram sempre se aperfeiçoar e atualizar seus
conhecimentos a exemplo de D1 que afirma que adora estar presente
na formação continuada. “É muito bom, é como se você tivesse
fazendo uma especialização. Acontece de 15 em 15 dias, é como
se fossem oficinas, a gente apresenta trabalhos”. D2 e D3 assistem
palestras com o intuito de se atualizarem. Elas afirmam que diversas
temáticas são trabalhadas, a fim de que as professoras desenvolvam
um bom trabalho, apoiado nessa autonomia docente.
Diante de tais questões, é possível ressaltar que não é certo
criticar a formação inicial. Em virtude do formato acadêmico em
que realizou, uma vez que o professor deve ter consciência que os
seus estudos não acabam na primeira formação. Os espaços de
aprendizagem docente são inúmeros, justamente para que o professor
preencha lacunas de conhecimentos que não foram contemplados,
no seu primeiro momento formativo.

266 Ana Luiza Floriano de Moura


No que diz respeito às aprendizagens construídas, observa-
se uma convergência para o que discute Tardif (2002), ao fazer
alusão dentro do contexto de profissão do professor, estão inseridos
variados saberes que integram a prática docente cotidiana. Dentre
estes, ressalta-se sobre os saberes experienciais, que vão sendo
acrescentados no cotidiano do professor. Cada uma enumera
aprendizagens diversas, caracterizando as peculiaridades de suas
atividades na escola. O fato é que, como destaca Cunha (2011), as
aprendizagens docentes podem ser entendidas como um processo
em que o professor produz conhecimentos, pautados em diversas
experiências, para, dessa forma, resolver problemas e superar dúvidas
vivenciadas no contexto educativo.

Categoria 2: Desafios da prática

Em continuidade ao registro ilustrativo do traçado analítico,


neste item passamos à categoria “Desafios da prática”, que se vincula
ao eixo categorial 2. Para iniciar somos partidários do entendimento
de que a prática pedagógica está repleta de obstáculos a serem
superados a cada dia. Cada profissional, em sua vivência diária,
elenca dificuldades que o cercam, buscando sempre a resolução dos
possíveis impasses que venham a ocorrer. Nesse contexto, durante
as entrevistas realizadas, discutiu-se com as professoras sobre quais
eram os principais desafios enfrentados na prática pedagógica.
Seguem os relatos de D1, D2, D3 e D4 em torno dos desafios da
prática pedagógica.

Quadro 2: Desafios da prática


Sujeitos Desafios enfrentados na prática pedagógica
- A indisciplina e a ausência dos pais;
-“O que a gente mais reclama é a falta da tarefa de casa feita, porque
D1 você pode aprender aqui na escola o conteúdo, mas quando chegar
a casa, não tem o apoio. As crianças que são acompanhadas pela
família se desempenham melhor”.

NARRATIVIDADE DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA:


EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS
267
-Alunos com dificuldades de aprendizagem;
-“Eles não são acompanhados pelos pais ou por profissionais,
D2 geralmente esses alunos, os pais não buscam ajuda aos especialistas,
então os alunos ficam com dificuldades e para a gente trabalhar
com esses alunos em sala fica complicado por não ter esse apoio”.
-A diversidade de alunos em sala;
D3 -“Porque você está na sala de aula com 25 cabeças diferentes e você
tem que dar uma aula diferenciada para cada um”.
-Falta de participação dos pais na educação dos filhos;

D4 -“Porque a gente sabe que o aluno não tem maturidade para ter
tamanha responsabilidade, se os pais não tiverem por trás disso,
incentivando, orientando e acompanhando, fica complicado”.

Fonte: Dados da pesquisa

Nesses relatos são perceptíveis as variedades de respostas


apresentadas pelas interlocutoras. Elas enumeram quatro desafios
que fazem parte das suas práticas pedagógicas atuais. D1 e D4 citam
a ausência dos pais na educação dos alunos. Como afirma a D1:

Mas a maior dificuldade, aqui na sala, na turma da tarde, eu


tenho duas crianças, que só elas duas atrapalham a aula toda,
tem um que é acompanhado pelo psiquiatra, toma remédio
controlado, parece que a mãe deixou de dar. A maior dificuldade
é a indisciplina das crianças, porque por parte mesmo pedagógica
a gente não encontra tanta dificuldade, até mesmo se não tiver o
acompanhamento da pedagoga, a gente mesmo troca atividades
entre nós mesmos professores (D1).

O desafio principal dessa interlocutora, a exemplo das demais


depoentes, é que só vêm problemas nos alunos, na família, na
imaturidade das crianças, entre outros pontos elencados em suas
narrativas. Essa concepção, esse modo de reflexividade em torno
do papel do professor alfabetizador, parece levar tanto o docente
como os alunos a processos de descontinuidades no processo de
ensino e de aprendizagem. Parece haver uma negação, ou mesmo
uma incompreensão dos dispositivos teóricos sinalizados em Nóvoa
(1992), em Cunha (2011) e demais teóricos citados que orientam

268 Ana Luiza Floriano de Moura


acerca do enfrentamento dos inevitáveis impasses que permeiam o
cenário da escola e da prática do professor.
Nesse contexto, é importante discutir que os desafios para o
professor iniciante são mais intensos, pois o docente não tem aporte
anterior. As dificuldades vão conduzir para a formação. O simples
estar em uma sala de aula é um desafio.Segundo Mariano (2006,
p.44), “[...] durante os cursos de formação inicial, os estudantes
visualizam a docência por meio de seu caráter normativo, o que ela
deveria ser. Todavia, quando se deparam com o caráter prescritivo,
aquilo que realmente acontece na prática, passam pela sensação de
choque com a realidade”.

APONTAMENTOS FINAIS

Como proposto no início deste trabalho a finalidade desta


comunicação reside no propósito de apresentar um recorte da
formação inicial no desenvolvimento da prática docente dos
professores iniciantes que atuam no 1º ano do ensino fundamental.
Dentro desta perspectiva, discutimos a formação inicial dos
professores alfabetizadores, mediante o intuito de contribuir com as
pesquisas referentes ao assunto.
Um pressuposto inicial refere que o professor alfabetizador
é desafiado a mobilizar e articular diferentes conhecimentos no
desenvolvimento do trabalho docente. Diante desse entendimento,
o estudo desenvolveu-se com o propósito de buscar respostas às
indagações da pesquisa, entre estas, questionou-se se a formação
inicial do professor alfabetizador responde às demandas de sua prática
pedagógica. Entre tantas constatações, emerge a compreensão de
que trata de uma temática instigante, pois envolve tanto a formação
profissional, quanto a pessoal, emergindo como instrumento que
pode gerar mudanças na trajetória docente.
A partir dos dados da pesquisa realizados durante o trabalho,
percebeu-se que a formação inicial fornece subsídios para a obtenção
uma boa prática alfabetizadora. Entretanto, o enfoque da realidade
desanima o professor, prejudica os alunos. Não obstante esses casos,
o fato é que a formação inicial facultou a esse professorado os meios
NARRATIVIDADE DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM INÍCIO DE CARREIRA:
EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS CONSTRUÍDAS
269
e os caminhos formativos no sentido de dotá-los dos conhecimentos
e destrezas mínimas necessárias ao exercício docente alfabetizador.
Além disso, a aludida formação, viabilizou, também, a
produção e a aquisição de saberes professorais, aspectos necessários
à prática docente profissional dos professores. Além disso, viabiliza a
produção e a aquisição de saberes professorais, aspectos necessários
à prática docente profissional dos professores ingressantes na
carreira, na condição de professores alfabetizadores. Não seria
então o caso de encerrarmos esta comunicação, também lançando
questionamentos: onde está a formação pedagógica do professor?
Onde estão os seus saberes experienciais? Onde...?

REFERÊNCIAS

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272 Ana Luiza Floriano de Moura


PERCEBER E APRENDER

Maria Salonilde Ferreira - AFIRSE – Secção BrasileiraMarineide Gomes de


Oliveira da Cunha - S M E C

Qualquer ato executado por um ser provido de


psique compreende um conjunto, mais ou menos
complexo, mais ou menos imediato ou mediato de
fatores sensoriais e motores, receptores e ativos,
cognoscitivos e de adaptação ou de influência.
(Rubinstein, 1973)

Considerando como premissa o aporte de Rubinstein e


entendendo o ser humano como provido de psique, nosso interesse
se voltou para o estudo da percepção enquanto uma das funções
receptoras, ativas e cognitivas essenciais para os processos de
adaptação e desenvolvimento dos indivíduos.
Para Ratey (2002, p. 67 e 69):

[...] a percepção é muito mais do que simplesmente captar e


registrar estimulos oriundos do mundo exterior. É um fator de
imensa importância para o desenvolvimento da personalidade.
[...] Entender como vemos, ouvimos, tateamos, cheiramos e até
saboreamos o mundo pode dizer-nos muita coisa sobre o modo
como funcionamos nele.

PERCEBER E APRENDER 273


Do ponto de vista neurológico, a percepção se processa, no
cérebro, a partir de informações sensoriais advindas do interior do
indivíduo e do seu entorno, apreendidas pelas vias sensoriais (tátil,
visual, auditiva, olfativa, gustativa, espaço/temporal, dolorosa, entre
outras). Apesar de seguirem trajetórias específicas, todas, exceto
a olfativa, passam pelo tronco cerebral, trafegam até o tálamo e
são enviadas para o córtex somatossensorial para processamento
adcional. Na percepção olfativa as informações seguem diretamente
da amígdala para o córtex. (Ver figura a seguir).

SISTEMA PERCEPTIVO

Como nos adverte Ratey (2002) o nosso cérebro se estrutura


em função das informações que recebe, e a forma como percebe
essas informações determina o seu desenvolvimento. Reportando-
se a percepção ele destaca: “use-a ou perca-a”. (RATEY 2002, p.
68).
Liublinskaia (1979) destaca que a compreensão correta
da estrutura e do funcionamento das vias sensoriais permitem a
apreensão das leis que determinam o desenvolvimento do processo
complexo da cognição da realidade e da percepção. No que se refere

274 Maria Salonilde Ferreira • Marineide Gomes de Oliveira da Cunha


ao aspecto cognitivo, a percepção de um fenômeno (objeto, fato,
acontecimento) baseia-se nas informações sensoriais enviadas ao
cérebro, motivadas pela configuração completa do fenômeno.
A imagem que se forma não é a reprodução exata do fenômeno
dado, como o reflexo no espelho. Ao contrário, trata-se da imagem
subjetiva de uma realidade objetiva que inclui a análise dos aspectos
essenciais, a descoberta das conexões que entre eles existem (síntese),
as vivências, as experiências práticas, e os conhecimentos acerca do
fenômeno percebido.
Para essa autora, a percepção se desenvolve a partir da
reestruturação da cognição sensorial. Esse processo se acentua
com o domínio da linguagem. Essa relação destacada pela autora
deve-se à importância da função do significado da palavra no
desenvolvimento de todas as funções, processos e procedimentos
mentais (VIGOTSKI, 2000). Ao transforma-se em linguagem, eles se
reestruturam, pois se despreendem do factual e imediato. Ao designar,
por exemplo, a cor vermelha da bola com que a criança brinca pela
palavra vermelho, ela facilmente a identificará em outras situações.
A palavra generaliza as características destacadas e estas passam a
ser reconhecidas em qualquer outro fenômeno, convertendo-se em
objetos do conhecimento.
Ferreira e Soares (2001, p. 59) assinalam que:

[...] o domínio da língua encontra-se estreitamente relacionado


à possibilidade do indivíduo participar, enquanto cidadão,
da produção e da apropriação dos bens culturais e de plena
participação social. Nessa perspectiva, a língua é um sistema de
signos constituídos pelo ser humano para significar o mundo,
a realidade. Aprendê-la não é apenas aprender palavras, mas,
acima de tudo, apreender os significados culturais que estes
signos representam e, com eles, as formas pelas quais as pessoas
entendem e interpretam a realidade, a si mesmo e os outros.

A linguagem é uma atividade humana, histórica e social.


Constitui uma forma de ação interindividual tendo como finalidade
específica o processo de interlocução entre diferentes grupos de uma
sociedade, mediado pelas práticas sociais.

PERCEBER E APRENDER 275


Essa interlocução ocorre seja de forma oral, seja escrita. Essa
última implica o desenvolvimento da capacidade de leitura.
Segundo De Pietri (2009, p.23):

A atividade de leitura exige muito trabalho, e o prazer da leitura


se origina das possibilidades de realizar esse trabalho. Essas
possibilidades são construídas – não nascemos com elas, mas
as adquirimos e desenvolvemos – e podem ser aperfeiçoadas
continuamente.

Geralmente, a leitura é entendida como objeto de ensino.


Porém é necessário que seja entendida, também, como objeto de
aprendizagem. Para isso, é importante que a escola rompa com a
concepção predominante acerca da leitura.
Como destaca Cagliari (1997, p. 167), “na escola, a leitura tem
sido relegada à segundo plano. Quando utilizada, a ênfase é dada à
leitura mecânica, isto é, à decodificação dos signos, letra por letra,
palavra por palavra”.
Face às conexões existentes entre desenvolvimento da linguagem
e das funções e processos mentais, poderemos aventar a hipótese de
que percepção e linguagem verbal constituem-se elementos básicos
da aprendizagem da leitura e da escrita.
Nesse sentido, é da maior importância que a escola, um dos
espaços da sociedade destinados à formação dos seres humanos,
volte-se para essa problemática.
Entendendo que a capacidade de ler é uma exigência crucial
na organização social em que vivemos e que a escola tem, até hoje,
encontrado sérias dificuldades em capacitar as crianças que nela
ingressam para ler e escrever, nosso interesse se volta para o estudo
das relações entre o desenvolvimento da percepção e o aprendizado
da leitura, em particular, a percepção visoespacial.
Neste trabalho analisaremos os resultados do diagnóstico do
desenvolvimento da percepção de crianças de uma creche da rede
municipal da cidade de Poço Branco/RN.

276 Maria Salonilde Ferreira • Marineide Gomes de Oliveira da Cunha


INVESTIGANDO A PROBLEMÁTICA

O aporte metodológico que orienta o trabalho situa-se em


um paradigma colaborativo critico reflexivo, ou seja, a pesquisa
colaborativa (FERREIRA, 2014; IBIAPINA, 2008; MAGALHÃES,
2004; CELANE, 2003; DESGAGNÉ, 2003), uma abordagem de
investigação que visa a mudanças e transformações em todos que
dela participam, nesse caso particular, pesquisadores, professores,
alunos, isto é, educadores em geral, assim como do próprio entorno
onde estão inseridos.
Nessa perspectiva, a colaboração se apresenta como uma
estratégia a ser privilegiada para se atingir os fins a que a pesquisa se
propõe. Posição que coloca, em primeiro plano, o ponto de vista do
partícipe, sua compreensão de uma situação que alguém lhe propõe
ou que ele mesmo propõe a investigar em colaboração, , considerando
sua “competência de ator em contexto” (GIDDENS, 1987).
Referindo-se à colaboração, Ferreira (2014 p. 368) afirma:

Seja qual for à perspectiva de colaboração predominante na


investigação, o foco se volta também para a produção de
conhecimentos, envolvendo todos os participantes (pesquisadores
e professores). Essa condição requer a superação da concepção
do professor receptor de saberes produzidos por outros e introduz
a de professor construtor de conhecimentos.

Tendo como princípios a tríade: colaboração, reflexão, e


produção de conhecimentos, e a díade: pesquisa e formação,
a abordagem colaborativa busca formas investigativas que se
configuram como rupturas referentes a modelos empiristas de
investigação dos fenômenos educativos, uma vez que professores
(pesquisadores da academia ou não) exercem funções interativas na
perspectiva de encontrar soluções alternativas para problemas que
emergem no campo da educação.
O interesse por essa problemática nos induziu a buscar uma
referência empírica que nos fornecesse elementos de comprovação
ou não de nossa hipotese investigativa. Assim, passaremos a descrever
os encaminhamentos dados ao nosso estudo.

PERCEBER E APRENDER 277


O PROCESSSO COLABORATIVO

Para a abordagem colaborativa constituir-se um espaço de


colaboração, estar consciente da problemática e querer encontrar
uma solução é a condição básica para sua efetivação. Nesse estudo,
a constituição desse processo ocorreu a partir do relato de situações-
problema evidenciados na Creche onde uma das professoras trabalham.
As questões abrangem tanto as condições materiais quanto a prática
pedagógica desenvolvida. Segundo a professora, as crianças chegam
no ensino fundamental sem a aquisição das condições básicas para o
aprendizado, em particular, a leitura e a escrita.
Após a discussão de alguns aspectos da problemática, o foco
passa a ser a questão do aprendizado. Quais as possibilidades
de se criar, num contexto adverso, condições para um ensino e
aprendizagem mais efetiva.
Nos seus estudos, Liublinskaia (1979) constata que as crianças
na idade correspondente a educação infantil (4 e 5 anos) apresentam
a estrutura do córtex num grau elevado de desenvolvimento. As
zonas frontais e parietais se estruturam mais intensamente, “[...]
o que depende diretamente do reforço das formas superiores da
atividade psíquica da criança: do desenvolvimento da sua linguagem
e raciocínio lógico” (LIUBLINSKAIA, 1979, p. 114).
Partindo desses aportes e da hipótese da conexão entre
desenvolvimento da percepção e linguagem, estabelecemos um
parceria nos moldes colaborativo-reflexivo. Assim são partícipes
nesse estudo a professora e a pesquisadora, as quais identificaremos
apenas pelas iniciais do seus nome: M e MS, respectivamente. A
escola, por sua vez, será nomeada Creche X, mantendo, desse modo,
seu anonimato.

AS PARTICÌPES

Para caracterizar as partícipes consideramos apenas a


escolaridade e as experiências no campo da educação.
M é licenciada em pedagogia, possui especialização em
psicopedagogia e em coordenação pedagógica, tem vasta experiência

278 Maria Salonilde Ferreira • Marineide Gomes de Oliveira da Cunha


em educação (gestão, coordenação pedagógica e professora),
perfazendo um total de 22 anos, sendo 10 em sala de aula. Integra
o grupo de pesquisa Docência e Aprendizagem – DOAPRE, da
Associação Francofone de Pesquisa Ciemtífica em Educação –
AFIRSE.
MS é licenciada em pedagogia, doutora em ciências da
educação e tem mais de 30 anos de experiência em ensino e pesquisa.
Coordena o grupo de pesquisa Docência e Aprendizagem – DOAPRE,
da Associação Francofone de Pesquisa Ciemtífica em Educação –
AFIRSE.

A ESCOLA

A Creche X, onde a investigação se desenvolve, situa-se no


conjunto Novos Tempos na cidade de Poço Branco/RN. No ano
de 2014 atendia uma clientela de 200 alunos distribuídos em 2
turnos (matutino e vespertino), compreendendo: duas turmas do
Maternal, três turmas do Pré 1 e três turmas do Pré 2, funcionando
nos horários de 7h às 11h e de 13h às 17h. Cada turma com trinta
crianças acompanhadas por duas professoras.
No que se refere ao espaço físico, a creche possui 04 salas de
aula, 01 secretaria, 04 banheiros, 01 cozinha e 01 dispensa. Não
dispõe de espaço para a realização de situações de aprendizagem
fora da sala de aula, nem de biblioteca e sala de professores.
Quanto a materiais de apoio pedagógico, conta com livros,
jogos, aparelho de som, dvd e televisão, guardados na secretaria e na
dispensa. Alguns desses recursos são limitados e outros inadequados
para a educação infantil, principalmente os jogos, indicados para
crianças numa faixa etária diferente daquela atendida pela escola.
Em relação a recursos humano, dispõe de um corpo docente
constituido de 20 professores, corpo administrativo composto por
01 diretora, uma secretária, 01 coordenadora pedagógica e pessoal
de apoio abrangendo 06 ASG (04 merendeiras e 02 zeladoras).
As professoras são graduadas em pedagogia, exceto 04 que
ainda são alunas. Destas, 06 tem formação em educação infantil e
04 em psicopedagogia.

PERCEBER E APRENDER 279


A interação com as famílias das crianças ocorre em reuniões e
contato com professoras e diretora.
Apesar de formalmente existir uma Proposta Pedagógica
construída segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil, “contemplando práticas educativas de qualidade
necessárias para o exercicio da cidadania das crianças” ( p. ), a rotina
diária limita-se a acolhida, oração, música, roda de conversa, lanche,
atividade dirigida (mimeografadas de péssima qualidade dificultando
a visualização), momento lúdico, organização da sala e saida. Tudo
se efetiva numa sala de aula medindo em média x metros quadrados.

OS ALUNOS

Os alunos são crianças, em sua maioria, inseridas num contexto


de famílias desestruturada, de baixa renda familiar e semianalfabetas,
sem muita expectativa de mudança na vida, dificultando dessa forma o
desenvolvimento das crianças no processo de ensino e aprendizagem.
Das 200 crianças inscritas no ano de 2014, X são meninas e Y são
meninos.

PROCEDIMENTO DE ANÁLISE

Constui-se objeto de análise do diagnóstico do desenvolvimento


visoespacial das crianças as palavras que elas utilizam para designar
as relações dos objetos no espaço. Isso se deve ao fato da importância
da linguagem (vocabulário, sistema gramatical, significado, sentido)
no desenvolvimento da percepção espacial e consequentemente da
leitura e da escrita.
Como afirma Liublinskaia (1979, p. 186):

A palavra tem uma importância especial quando se trata de


conhecer as relações espaciais entre os objetos. [...] convertem-se
em sinais generalizados de determinadas relações espaciais que a
criança dissocia, fazendo abstração de uma situação concreta e
singular e de certos objetos determinados.

280 Maria Salonilde Ferreira • Marineide Gomes de Oliveira da Cunha


Essa modalidade de percepção compreende a distância, a
localização e a lateralidade. Assim, consideramos essas modalidades
como categorias de análise das relações espaciais tendo como
indicadores as expressões que as designam.

Categorias de Análise

Categorias Indicadores
Designação de caráter geral:
Distância acolá, lá, ali
Vocábulos concretos: longe, perto
Designação de caráter geral:
aqui, cá, diante atrás em frente
Localização
Vocábulos concretos:
em cima, em baixo, sobre, sob
Designação de caráter geral: ao lado
Lateralidade
Vocábulos concretos: direita, esquerda

Fonte: Liublinskaia, 1979

O PROCEDIMENTO DE SONDAGEM

A criança não chega à escola como uma “folha em branco”.


Apesar da sua pouca idade, ela já passou por inúmeras experiências,
criando um lastro a partir do qual se desenvolverão novas
aprendizagens. Fazer a sondagem do que ela internalizou em termos
de conhecimento, assim como dos estágios de seu desenvolvimento
cognitivo e socioafetivo constitue a condição inicial para se efetivar
os processo de ensino e de prendizagem.
A partir dessa compreensão, foi efetivada a sondagem
dos estágios de desenvolvimento da percepção espacial das
crianças.
A sondagem foi realizada com 90 meninos e 62 meninas
perfazendo um total de 152 das 200 crianças inscritas.
As crianças do turno matutino permaneceram na própria sala
de aula e utilizamos uma cadeira e um apagador como referência
para a observação das crianças.

PERCEBER E APRENDER 281


Na sequência, as crianças tinham que observar o apagador
que ia mudando de lugar conforme a intervenção da partícipe e
consequentemente responder onde o objeto se encontrava. Desse
modo o apagador era colocado propositadamente em cima da
cadeira, atrás da cadeira, do lado da cadeira, na frente da cadeira,
embaixo da cadeira. A questão posta era: Fulano onde está o
apagador?
Como na sala de aula houve momentos de dispersão, com as
crianças inscritas no turno vespertino adotamos outro procedimento.
Elas foram em duplas para um espaço diferente da sala de aula (a
cozinha) e utilizamos a mesa como referência. A questão proposta era:
Onde está fulano? Nas duas situações, as respostas eram anotadas
no Caderno de Campo. Esses dados constituíram o componente
empírico do processo descritivo analítico que passaremos a
desenvolver.

COMO AS CRIANÇAS PERCEBEM O ESPAÇO

Os estudos sobre percepção demonstram que o seu


desenvolvimento se inicia a partir das informações captadas pelos
órgãos sensoriais, estabelecendo-se uma interrelação entre a sensação
e a percepção, exigindo, essa última, uma atividade complexa
analítico-sintética do córtex cerebral. Desse modo, a percepção,
particularmente das crianças, poderá ser confusa, inexata ou até
mesmo errônea.
Assim, constatamos que em relação ao desenvolvimento da
percepção espacial, 62,5% (95) demonstraram perceber ralações de
distância e localização em termos de designação geral (acolá, lá, ali
para distância) e (aqui para localização). Todavia, 34,2% (52) das
crianças se mostraram confusas no que se refere as suas modalidades
seja de distância, seja de localização, mesmo em se tratando de
designação de caráter geral. Por exemplo, a criança estava atrás da
mesa, a que estava observando dizia: “está ali”; estava ao lado, “está
encostado”. (Ver gráfico a seguir)

282 Maria Salonilde Ferreira • Marineide Gomes de Oliveira da Cunha


estava observando dizia: “está ali”; estava ao lado, “está encostado”. (Ver gráfico a
seguir)

Diagnósticos do Desenvolvimento de Percepção Espacial


3%
Distância e localização
62,5 %
34% Confusa e inexata 34,2%

63%
Sem resposta 3,3%

A relação
A relação espacial maisespacial mais entre
desenvolvida, desenvolvida,
as criançasentre as crianças é a de
diagnosticadas,
diagnosticadas, é a de distância, uma vez que algumas já a designaram
distância, uma
comveztermos
que algumas já a como
concretos designaram
perto com termos
e longe. concretos
Fato como perto e
compreensivel,
considerando que
longe. Fato compreensivel, essa cognição
considerando quese essa
efetiva a partir se
cognição da efetiva
locomoção,
a partir da
experiência que as crianças adquirem desde o engatinhar. Essa
locomoção, diferenciação
experiência que as crianças
é ainda adquiremmas
bem elementar, desde
já seo constitui
engatinhar.
a Essa
diferenciaçãointernalização
é ainda bem de algumas mas
elementar, conexões
já se espaciais.
constitui a internalização de algumas
Os estudos e pesquisas de Liublinskaia (1979), Rubinstein
conexões espaciais.
(1973), Ratey (2002), entre outros, evidenciam que a percepção
humana não se constitue, apenas, de um ato sensorial devido a
Os estudos e pesquisas de Liublinskaia (1979), Rubinstein (1973), Ratey
natureza fisiológica dos órgãos dos sentidos. É um também um ato
(2002), entrede conhecimento
outros, evidenciamqueque
depende das esperiências
a percepção humana não vivenciadas pelosapenas,
se constitue,
indivíduos.
de um ato sensorial devido
Assim, a natureza
torna-se fisiológica
compeensível dos de
o fato órgãos dos sentidos.
nenhuma criança É um
também um demonstrar percepção que
ato de conhecimento da relação
dependededas lateralidade.
esperiências Algumas que pelos
vivenciadas
utilizaram os vocábulos ao lado, direita, esquerda, fizeram-no de
indivíduos. forma inexata. Elas estão percebendo o factual (objeto ou pessoa)
Assim,nãotorna-se
a relaçãocompeensível
de um para com o outro.
o fato de Nesse estágio,
nenhuma o centro
criança de
demonstrar
referência do espaço imediato se encontra no indivíduo que o percebe.
percepção da relação de lateralidade.
Liublinskaia (1979, p.Algumas que utilizaram os vocábulos ao lado,
188) assinala:
direita, esquerda, fizeram-no de forma inexata. Elas estão percebendo o factual
Quando uma criança não assimilou os conhecimentos das
relações espaciais
(objeto ou pessoa) não a relação de um parae não sabe
comvê-las, destacá-las
o outro. Nesse e compreendê-las,
estágio, o centro de
ela dará uma descrição [...] omitindo a ideia de espaço, mesmo
referência do espaço imediato se encontra
que pertença nodas
ao grupo indivíduo que odopercebe.
mais crescidas jardim e infância.

Liublinskaia (1979, p. 188) assinala: PERCEBER E APRENDER 283

Quando uma criança não assimilou os conhecimentos das


Efetivamente, não identificamos diferenças significativas em
relação à idade. Se crianças de 3 anos de idade não demonstraram
perceber nenhuma das relações espaciais ou o fizeram de forma
confusa o mesmo ocorreu com aquelas de 4, 5 e até 6 anos de idade.
Isso ocorre em consequência da complexidade que envolve
a percepção das relações espaciais. Em relação à complexidade,
Rubinstein (1973) adverte que na percepção do espaço se encontram
entrelaçados muitos componentes, como por exemplo, a extensão, a
direção, o tamanho e a forma do fenômeno percebido, assim como,
a consciência do sistema de relações. Conclui que não se trata de
“um dado primário dos sentidos. É o produto de uma evolução
considerável” (RUBINSTEIN, 1973, p. 159).
Esse autor acrescenta:

A percepção humana [...] caracteriza-se pelo fato do indivíduo


perceber o individual ou isolado e, regra geral, ter consciência dele
como de um caso especial do geral. O nível dessa generalização
varia consoante o grau ou nível do pensamento teórico. Por isso,
a nossa percepção depende do contexto intelectual em que se
encontra (RUBINSTEIN, 1973, p. 154).

Pelo exposto, podemos inferir que a percepção não é algo


que seja relegado a um segundo plano. Implica o desenvolvimento
de outros processos e funções mentais essenciais à elaboração do
conhecimento e ao estar no mundo e relacionar-se com ele.
Para essa evolução se efetivar é necessário colocar o indivíduo
em situações que lhes permitam vivenciar essas relações, tornando-
se conscientes delas. Como processo consciente, a perceção está
conectada ao processo de evolução histórica da própria consciência
do ser humano e esta é o resultado do conhecimento e da prática dos
seres humanos.
Considerando que, no caso especifico desse estudo, as crianças
se encontram em um contexto que não estimula a ruptura com o
imediatamente dado pelos sentidos, mas de outros que se encontram
em situações opostas, elas precisam de uma ação consciente e
sistemática no sentido de possipilitar tais aprendizagens. A escola é a
instituição social responsável pela sua efetivação.

284 Maria Salonilde Ferreira • Marineide Gomes de Oliveira da Cunha


Desse modo, não podemos nos limitar a essas constatações,
temos o desafio de propiciar as condições necessárias mesmo em
contexto de adversidade.

EM CONTINUIDADE

Na continuidade desse estudo nos referendamos na concepção


vigotskiana de zona proximal de desenvolvimento (ZDP), isto é,
consideramos tanto o que a criança é capaz de fazer sozinha,
assim como, o que é capaz de fazer com ajuda (ZDP) e o que é
incapaz de realizar. Assim como, no princípio de que o essencial no
desenvolvimento da percepção espacial é a capacidade de poder
mudar o próprio ponto de partida, definido inicialmente como
referência, para qualquer outro ponto do espaço e expressar as
relações que se estabelecem a partir do ponto referendado, fazendo
a transição do fixado no próprio corpo para um sistema com pontos
de referência móveis.
Entendemos, também, que a aprendizagem é atividade
do aprendiz e que ele aprende quando colocado em situações
estimulantes, de modo que o aprender se torne, para ele, uma
atividade.
Nessa direção, nos inspiramos na sistemática de trabalho
proposta por Liublinskaia (1979) compreendendo:

•  Mudanças das relações em situações variadas designando-


as com expressões que exprimem a sua concretude;
•  Permanência de uma mesma relação designando-a com o
mesmo termo, mudando as situações;
• Designação verbal das relações espaciais abstraindo-as
das relações fatuais presentes nas situações de aprendizagem
propostas;
•  Abstração de uma situação empírica singular;
•  Compeensão da lógica das relações espaciais.

As situações de aprendizagem serão diversificadas, tendo como


ponto inicial os estágios de desenvolvimento das crianças e centradas

PERCEBER E APRENDER 285


em jogos e brincadeiras que envolvam ao mesmo tempo a leitura e
as relações espaciais.
Segundo Leontiev (1988, p. 59):

A infância pré-escolar é o periodo da vida em que o mundo da


realidade humana que cerca a criança abre-se cada vez mais
para ela. Em toda sua atividade e, sobretudo, em seus jogos que
ultrapassaram agora os estreitos limites da manipulação dos
objetos que a cercam, a criança penetra um mundo mais amplo,
assimilando-o de forma eficaz.

Pelo exposto, podemos observar que a escolha de jogos


e brincadeiras está relacionada ao papel significativo que estes
desempenham no desenvolvimento das crianças e suas posssibilidades
educativas, como apontadas por Leontiev (1988) que as considera a
atividade principal da primeira infância.

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PERCEBER E APRENDER 287


PESQUISA COLABORATIVA:
POSSIBILIDADE DE SACIAR
A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS
PRÁTICAS DOCENTES

Rosalina de Souza Rocha da Silva - UFPI


Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina - UFPI

Você tem sede de quê? 


Você tem fome de quê? 
(Arnaldo Antunes)

E
nquanto profissionais da educação, além dessas
duas perguntas que Arnaldo Antunes expressa muito
bem na epígrafe que principia este texto, devemos
indagar: Temos sede e fome de apreender mais conhecimentos
para acompanhar as mudanças que vêm ocorrendo no mundo
contemporâneo e no comportamento dos jovens?
A ressignificação da formação inicial é necessária para
romper com o velho e criar o novo. Compreendendo que o velho
e o novo são contrários que “Coexistem em um mesmo objeto
ou fenômeno, e um é absolutamente inconcebível sem o outro.” O
rompimento proposto se baseia nas concepções velhas, mas não
da mesma forma. O velho deve dar lugar a novas concepções, que
PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE SACIAR
A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS DOCENTES
289
foram se transformando no decorrer do processo (AFANASIEV, 1968,
p. 108).
Os professores de Artes Visuais (AV), que atuam na educação
profissional técnica de nível médio (EPTNM) estão com sede e fome
de quê? Fórmulas milagrosas não existem, o que existem, de fato,
são profissionais que precisam se fortalecer para agir diariamente,
planejando e executando suas aulas com seus pares e estudantes em
favor de cidadania fundamentada em valores humanos.
Considerando os aspectos mencionados, esta pesquisa, em
andamento, tem por objetivo refletir sobre a prática dos professores
de Artes Visuais (AV) na educação profissional técnica de nível médio
(EPTNM), na perspectiva de que esses se fortaleçam ético-afetiva
e cognitivamente, explorando mecanismos que possibilitem as
transformações das práticas docentes. Para tanto, fundamentamo-
nos teórico-metodologicamente no discurso dialógico de Bakhtin
(2011), em Vigotski (2009), em Ibiapina (2008, 2014), em Spinoza
(2013), entre outros.
Além da introdução e da conclusão, o texto apresenta duas
seções. Nesta introdução, situamos o leitor quanto ao objetivo deste
texto. Na primeira seção tratamos sobre a Pesquisa Colaborativa
como metodologia de produção de novos conhecimentos na/sobre
a prática docente dos professores de AV que ensinam na EPTNM, a
partir da criação de contextos de investigação e formação contínua,
em que os partícipes tenham objetivos comuns tanto na pesquisa,
quanto nas atividades realizadas. Esse contexto deve permitir a
reelaboração de ações e conhecimentos que vão além da sala
de aula, abrindo espaço-tempo para discutir dialogicamente os
conhecimentos sistematizados para fins educativos (IBIAPINA, 2008;
SÁNCHEZ VÁSQUEZ, 2011).
Na segunda seção, destacamos a pesquisa como instrumento
que favorece a reelaboração do pensamento e das ações dos
professores da educação básica, em especial dos professores de Artes
Visuais, no tocante às suas práticas. Destacamos que as Pesquisas
Colaborativas se fundamentam na necessidade de relacionar,
simultaneamente, ensino e pesquisa.
Na conclusão, realçamos as possibilidades dos professores de
AV na EPTNM participarem da pesquisa e utilizarem os princípios
inerentes à Pesquisa Colaborativa. Trataremos a seguir sobre

290 Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
a Pesquisa Colaborativa e o professor de Artes Visuais como
pesquisador de sua prática.

A PESQUISA COLABORATIVA: O PROFESSOR DE ARTES VISUAIS


COMO PESQUISADOR DE SUA PRÁTICA

Escolhemos a Pesquisa Colaborativa como modalidade de


pesquisa por considerá-la suficiente e necessária para investigar as
práticas dos professores de AV na EPTNM e porque quem a adota tem
a possibilidade de compreender a prática docente no seu processo
de desenvolvimento. Para tanto, fundamentamo-nos em Ibiapina
(2008), Anadón (2009), Magalhães (2002), entre outros.
A Pesquisa Colaborativa tem por princípios a adesão volitiva,
a corresponsabilidade nas ações investigativas e a formação dos
partícipes envolvidos. Pesquisas dessa natureza exigem confiança
mútua em todo o processo para que se alcance resultados com fins
educativos, que extrapolem os muros da escola.
Segundo Anadón (2009), esse tipo de pesquisa implica no
envolvimento dos docentes na busca de soluções de problemas
relacionadas à formação profissional. Para Magalhães (2002), a
Pesquisa Colaborativa proporciona reflexão crítica, e negociação
sobre as práticas dialógicas. Nessa direção, Ibiapina (2008) realça
que os professores devem refletir sobre suas atividades, criar situações
que os motivem a questionar sobre suas preocupações e práticas,
beneficiando não somente a escola, mas, também, os professores.
A Pesquisa Colaborativa propicia aos professores que a ela
aderem, voluntariamente, refletir na/sobre a prática de modo que
esses questionem sua formação inicial e contínua, e, principalmente,
sua prática docente. Além disso, valoriza a ação dos professores e a
autenticidade ontológica da prática, ou seja, conhecer e compreender
a unidade teoria-prática, tornando esse profissional responsivo1 pelo
seu discurso.


1
É a relação ativa de pessoas que interagem de forma mútua, adotando posição
de concordância ou discordância, total ou parcial, sobre uma ação discursiva,
compreendendo-as. Segundo Bakhtin (2011, p. 271) a posição responsiva é “toda
compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva”
e ainda conforme o autor, a posição responsiva é “prenhe de resposta, e nessa ou
naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante.”

PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE SACIAR


A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS DOCENTES
291
Tal discurso deve ser analisado, relacionando-o às práticas
realizadas, a partir da provocação e do incentivo por parte do
pesquisador para que os professores descrevam suas práticas, em
detalhe; informem o que está implícito nelas, revelando a teoria que
a fundamenta; confrontem as decisões, questionando se o que estão
fazendo é o que realmente acreditam ser o mais adequado aos
interesses do sistema, ou de suas crenças e valores e, reelaborem suas
práticas, procurando agir de outra forma, bem como questionem
posicionamentos adotados até então e reorganizem os aspectos
pertinentes à prática, conduzindo-os à reflexões críticas.
Os professores que têm essa compreensão conseguem
desenvolver sua prática, expandindo as discussões dos conteúdos
com formas adequadas para alcançar possibilidade exitosa junto
aos discentes, para além de resultados imediatistas, sistematizando
o ensino, em seus vários âmbitos. Tal compreensão nos motiva a
ação diária, favorecendo o ensino ético-afetivo, fundamentado em
Spinoza (2013), Scruton (2001), Merçon (2009), Gleizer (2005) e
Ibiapina (2014).
Nessa perspectiva, o ensino ético-afetivo no processo
educacional visa ao “[...] aprendizado2 afetivo corresponde ao devir
ético e ao processo de ativação do desejo.” (MERÇON, 2009, p. 15).
Ativar o desejo, conatus3, favorece o ensino de AV na EPTNM, pois

Os professores que agem ética e afetivamente se tornam conscientes


das necessidades que os compelem a agir de determinada forma,
bem como das causas de suas ações e compreendem a necessidade
de produzir ideias adequadas, aumentando o poder de existir,
bem como a capacidade de organizar contextos de educação que
também sejam ético-afetivos. (IBIAPINA, 2014, p. 08).


2
Aprender relacionado à potência de afetar e ser afetada (encontro). Segundo
Vigotski (2009, p. 297) “[...] a relação existente entre o desenvolvimento e a
aprendizagem: o primeiro cria as potencialidades, e o segundo as realiza.”.

3
Referimo-nos à palavra “conatus”, fundamentada em Spinoza (2013), Scruton
(2001), Merçon (2009), Gleizer (2005) e Ibiapina (2014) como sendo vontade
(alma), consciência do apetite (homem), desejo (consciência de si) ou potência
de pensar, sentir e agir (esforço).

292 Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
Nesse sentido, os professores, que trabalham com essa
compreensão impulsionam a qualidade do ensino, potencializando
as condições para que os envolvidos, em sinergia, produzam
transformações da prática docente, levando em conta o
desenvolvimento cognitivo e sócio-histórico.
Romper com a estrutura que engessa o sistema educacional
não é fácil, mas vislumbramos que, em colaboração, exista essa
possibilidade, pois os professores que refletem criticamente, com
seus pares, procuram analisar não só aspectos teóricos isolados
das práticas, mas a teoria-prática como uma unidade. O caráter
de unicidade, monista, é a relação que se estabelece entre unidades
antagônicas, que não são concebidas separadas, pois

Esse ponto de vista monista integral consiste precisamente


em analisar um fenômeno em sua totalidade como uma
configuração e suas partes como elementos orgânicos da mesma.
[...] descobrir a conexão significativa entre as partes e o todo, em
saber considerar o processo [...] em conexão orgânica nos limites
de um processo integral mais complexo. (VIGOTSKY, 2004 p.
148-149).

Quando compreendemos a complexidade monista, ao


analisar os fatos em unidades e não isolados (preservando a
identidade de cada parte), podemos alçar saltos qualitativos nas
práticas docentes dos professores de AV na EPTNM, vislumbrando
que, quantitativamente, os demais profissionais de AV ensinem
com intencionalidade.
Para Ibiapina (2014, p. 13), o professor pode ser estimulado a
refletir sobre sua atividade, e essa reflexão, pode se constituir “[...]
na colaboração que produz aprendizagem, no questionamento
e no desenvolvimento do pensamento, da atenção dirigida, da
imaginação, da memória mediada, da afetividade e de valores
humanos que aumentem o conatus.”. Dessa forma, a potência de
agir da classe de professores se expande na medida em que pode
questionar suas ações diárias, procurando definir a que interesses
estão servindo; se à expansão dos conhecimentos dos discentes que
interagem com eles cotidianamente ou aos interesses do status quo.
PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE SACIAR
A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS DOCENTES
293
Nessa perspectiva, compreendemos que encontros educativos
entre discentes e docentes devem ser carregados de sinergia que
proporcione condições fundamentais para que o pensamento inicial
seja desenvolvido por meio da imaginação iminente, que pode gerar
a mudança/transformação da estrutura dos pensamentos dos
envolvidos nesse processo. Os desafios de alcançar esses intentos se
fazem necessários em todos os aspectos que envolvem o processo
educativo, pois a escola concebe a possibilidade do novo com
estranheza, o novo assusta, principalmente se esse novo é concebido
em ações coletivas organizadas, sistematizadas para alcançar fins
educativos transformativos.
Para que os professores sejam estimulados a produzir
transformações em suas práticas, deve-se investir na formação contínua,
visando romper com práticas de natureza técnica e pragmática, em
busca do ato educativo ético-afetivo; fazer escolhas conscientes para
saciar a “sede” e a “fome” de conhecimentos que mudem a estrutura
do pensamento que se tinha inicialmente; e o maior desafio é que “[...]
para educar ético-afetivamente, é necessário ser ético-afetivo [...]”
(IBIAPINA, 2014, p. 14). Em um mundo que nos ensina ser brutos e
insensíveis, com as atrocidades que acontecem diariamente, ser ético-
afetivo se torna um desafio, mas é preciso saciar a “sede” e a “fome” de
transformar a relação que existe entre docentes e discentes.
Ibiapina (2008) chama atenção para a necessidade de significar
a palavra colaborar, em pesquisas colaborativas. Compreendemos
colaborar como sendo a criação de circunstâncias com possibilidade
de compartilhar significados constituídos socialmente, levando-se
em consideração aspectos éticos e negociar sentidos afetivos em que
os partícipes tenham objetivos comuns, relação afetivo-responsiva,
analisando as comunicações dialógicas para socializar as novas
significações produzidas no grupo.
A Pesquisa Colaborativa é uma via de mão dupla que favorece
o pesquisador e os colaboradores; o pesquisador, ao refletirem sobre
suas práticas e compreende os conflitos e contradições inerentes às
práticas dos partícipes; e os colaboradores, ao refletirem sobre a sua
prática docente e questionarem as possíveis contradições entre o dito
e o feito em sala de aula ou vice-versa (IBIAPINA, 2008).

294 Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
Pesquisas Colaborativas se fundamentam na criação de espaço-
tempo que se propõe a questionar e a reelaborar as práticas exercidas
pelos professores por meio de comunicação discursiva, agregada aos
valores que podem desenvolver a compreensão reflexiva da ação.
O espaço-tempo, para discutir as ações a serem transformadas
no âmbito educativo, é considerado colaborativo, pois promove
as condições para que a reelaboração das práticas possa ocorrer
(BAKHTIN, 2011).
O processo da Pesquisa Colaborativa é complexo, pois,
simultaneamente, busca pesquisar e formar, produzindo
conhecimentos por intermédio dos procedimentos de pesquisa. Essa
modalidade de pesquisa não traz receitas prontas aos partícipes, e
nem tem interesse em avaliar os professores envolvidos, mas analisar
a sua prática docente, ela, sim, é fundamental para ser descrita,
interpretada, analisada e sintetizada a fim de que a prática seja
reelaborada em processo dialógico; constituindo o sustentáculo,
com responsividade mútua e sinergia, durante todo o processo de
pesquisar e formar.
Segundo Vigotski (2009, p. 398), o significado da palavra
é “[...] um fenômeno do pensamento discursivo ou da palavra
consciente, é a unidade da palavra com o pensamento.”. Então, o
pensamento expresso pela fala/enunciados dos colaboradores instiga
a reflexão de todos os envolvidos; a fala/enunciados, portanto, é a
mola propulsora para o pesquisador saber quais são as necessidades
formativas que eles têm para agir; ou, como chamamos no início
deste artigo, parafraseando Arnaldo Antunes, os professores de AV
que atuam na EPTNM tem sede e fome de quê? São as necessidades,
motivações e desejos dos partícipes que conduzem a pesquisa em tela.
A seguir nos deteremos sobre a pesquisa como princípio formativo
do professor de Artes Visuais.

PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE SACIAR


A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS DOCENTES
295
A PESQUISA COMO PRINCÍPIO FORMATIVO DO PROFESSOR
DE ARTES VISUAIS

Segundo Vigotski4 (2009) e Prestes (2012), as Zonas de


Desenvolvimento Iminente (ZDI) são caracterizadas pela relação
de pares5 mais-experientes e menos-experientes que, ao serem
questionados sobre a prática, podem expandir as compreensões
iniciais, criando zonas de desenvolvimento.
Nessa perspectiva, em contexto de colaboração, é possível
alcançar o desenvolvimento, em que os professores põem à prova
sua própria prática docente, buscando compreender os interesses
dessas. A criação de espaços formativos favorece, por conseguinte, o
desenvolvimento de possibilidades de colocar em prática os princípios
da Pesquisa Colaborativa – pesquisar e formar, simultaneamente.
Para Magalhães (2009, p. 63), as pesquisas realizadas sobre
a formação docente em contexto escolar colaborativo devem
ter como premissa o desenvolvimento e, nesse processo, existe a
necessidade de “[...] criar espaços de ação e de transformação, em
que todos os participantes aprendam uns com os outros e, juntos,
negociem a produção de conhecimento sobre ensino-aprendizagem
e desenvolvimento nos contextos em que trabalham.”. Além de criar
esses espaços de compartilhamento de significados e negociação de
sentidos, o pesquisador necessita promover estratégias que favoreçam
novas compreensões referentes ao modo de agir e de pensar do que
vinha fazendo antes.
A potência de agir, relacionada à ação do professor de AV na
EPTNM, deve conduzi-lo a questionar seus pensamentos e ações. Esse
processo de se tornar consciente não é fácil, mas cercado de tensões
e contradições, que trazem conflitos emocionais (SPINOZA, 2013).


4
Usaremos essa forma de escrita para designar esse autor.

5
Em que esses pares mais-experientes auxiliem, cognitivamente, os pares menos-
experientes na passagem de conceitos espontâneos, transformando-os em
conceitos científicos ou, como expressa Vigotski (2009, p. 244), a colaboração
surge quando “[...] o amadurecimento precoce dos conceitos científicos e o
fato de que o nível de desenvolvimento desses conceitos entra na zona das
possibilidades imediatas em relação aos conceitos espontâneos, abrindo-lhes
caminho e sendo uma espécie de propedêutica do seu desenvolvimento.”

296 Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
Contudo, o pesquisador deve envolver seus partícipes com sinergia,
e os discursos dialógicos devem ser responsivos, buscando respeito
pelos enunciados dos pares no processo de colaboração (BAKHTIN,
2011).
No contexto do Materialismo Histórico Dialético, “A
contradição, a luta de contrários, constitui precisamente a fonte
essencial do desenvolvimento da matéria e da consciência.”
(AFANASIEV, 1968, p. 109). De acordo com essa premissa, o
desenvolvimento só se processa quando as contradições formam
uma unidade, os objetos ou fenômenos a serem estudados, mesmo
estando em constante luta, um não é concebido isoladamente, mas
em relação mútua.
Nessa direção, Rios (2001) discute que são as contradições
que favorecem a superação dos problemas, tornando os indivíduos
livres e autônomos, para viver as possibilidades que são criadas a
partir do respeito mútuo, promovendo “[...] o desenvolvimento das
potencialidades e de estimular novas capacidades.” (RIOS, 2001, p.
126).
Esse desenvolvimento será possível por meio de uma educação
que procura/provoca aquilo que nos deixa felizes, seguindo a
premissa de transformação vital, sentir essa vitalidade no que a
gente faz (SPINOZA, 2013) para além dos espaços da sala de aula,
uma educação que promova um projeto coletivo que envolva toda
a comunidade escolar, que produza a transformação criativamente
dos grupos, com rigor e afetividade, superando a fragmentação, a
massificação e a individualidade, a partir de caminhos que possibilitem
o conhecimento sem discriminação, permitindo a interação entre os
grupos.
A comunidade escolar, nessa perspectiva, fortalece-se na medida
em que ressignifica a compreensão que tem sobre os significados e
sentidos de ensinar AV na EPTNM, desenvolvendo a aprendizagem
para os valores6 críticos e criativos dos cidadãos entre os pares.


6
Para Sánchez Vázquez (2008, p. 147), os valores “[...] não existem em si e
por si independentemente dos objetos reais – cujas propriedades objetivas
se apresentam então como propriedades valiosas (isto é, humanas, sociais)
-, nem tampouco independentemente da relação com o sujeito (o homem

PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE SACIAR


A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS DOCENTES
297
Nessa direção, Barros (2011) destaca que a arte não deve se
limitar às obras artísticas expostas em espaços convencionais, mas
deve ter valor social, sendo assim,

A arte como linguagem social não deve ser reduzida somente
como um atributo da inspiração humana que serve como objeto
de apreciação situado em galerias, museus, e teatros ou privilégio
das classes sociais favorecidas. O valor deve ser socializado e
incorporado no pensamento humano a fim de atingir valores
universais para a compreensão da totalidade. (BARROS, 2011, p.
100).

Nesse processo, Barros (2011, p. 104) defende que o ensino


de Arte “[...] é possibilidade permanente de [...] agregar a emoção
humana e o conhecimento artístico e tornar-se instrumento de
mediação social a fim de colaborar com o potencial educativo
do processo de ensino-aprendizagem”. Fundamentados nesse
pensamento, compreendemos que os professores de AV que atuam
na EPTNM podem mediar o conhecimento com os pares em seu meio
sócio-histórico-cultural.
Nesse sentido, os professores que ensinam AV devem considerar
a unidade teoria-prática como nas teses um e dois de Feuerbach7,
que trata sobre a prática como fundamento de verdade e cognitivo.
Giesta (2001) apresenta a discussão sobre a teoria e prática como
bipolar, referindo-se à concepção fragmentada, que pensa o ensino
contemplando somente a teoria ou só a prática de forma dissociada,
a concepção que essa autora apresenta não está fundamentada no
Materialismo Histórico Dialético que concebe teoria-prática como
unidade. Consideramos, portanto, que a concepção não materialista
limita a ação dos professores de AV na EPTNM, pois ora é concebida
como ensino idealizado, ora pragmático, essas concepções não
estabelecem relações de unidade teoria-prática.

social). [...]. Os valores, por conseguinte, existem unicamente em um mundo


social; isto é, pelo homem e para o homem.” (No livro, Ética. 30 ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008).

7
Mais informações acessar: MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia Alemã, 1º capítulo:
seguido das teses sobre Feuerbach. São Paulo: Centauro, 2002. p. 121-122.

298 Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
Toda e qualquer prática possui uma teoria que a fundamenta.
Os professores podem ser motivados a sentirem necessidades de
revolucionar o ensino de AV na EPTNM do ponto de vista teórico-
prático, na medida em que esses profissionais traçam uma linha de
ação, com estratégias e táticas, e reformulam a teoria para organizar
os desejos que permitam dirigir e aglutinar os esforços dos professores
de AV que atuam na EPTNM, relacionando-os aos fins e às condições
práticas que existem (SÁNCHEZ VÁSQUEZ, 2011, p. 162).
Os esforços para revolucionar as práticas docentes se fazem
necessários desde os primórdios, porém são as necessidades práticas
que devem ser a mola propulsora da motivação desses profissionais
em buscar o ensino com interesses monistas. Toda necessidade surge
na/sobre a prática, tendo em vista que essa constitui fundamento e
critério de verdade, uma vez que partimos dela e voltamos a ela. É no
estabelecimento dessas relações que alcançamos a essência inerente
às práticas.
Rios (2001), ao explicitar a relação da Didática e da Filosofia
realça a importância da compreensão do mundo por meio da presença
sócio-educativa do homem. Dessa forma, devemos levar em conta
os conhecimentos que contemplem o afeto e a ética, bem como,
a reflexão crítica sobre a prática docente, analisando os aspectos
positivos e negativos. Nesse sentido, “[...] toda a vida afetiva e ética
do homem depende da natureza do seu conhecimento” (GLEIZER,
2005, p. 24). Conhecer, para agir com, sensibilidade, criatividade e
reflexão, baseado na ética e nas relações sócio-históricas.
Barros (2011, p. 96) destaca que “[...] o trabalho humano
permite ao homem transpor para a realidade a sua condição
social”, afirma, ainda, que “[...] por meio das suas ações é criado
um contexto onde as pessoas podem através da arte ter um novo
olhar sobre si e sobre o outro.”. Nas relações entre o individual e o
social, potencializamos o pensar e o agir em favor do ensino de AV,
compreendendo-o como prática social exercida por professores de
AV que desenvolvem possibilidades de expandir os conhecimentos
sobre os conteúdos artísticos e suas relações sociais e históricas.
Nessa perspectiva, segundo Barros (2011), as relações sócio-
históricas, entre discentes e docentes que envolvem a arte na escola se
PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE SACIAR
A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS DOCENTES
299
potencializam, a partir de movimentos que ora se equilibram, ora se
desequilibram, integrando as ações no mundo, conforme evidencia:

A arte na escola é uma possibilidade de vivenciar a beleza da


vida humana pelas situações de equilíbrio e desequilíbrio. Tais
situações promovem o pensamento acerca da presença ou da
ausência da beleza nas relações entre os elementos sociais,
culturais e políticos que integram o indivíduo às suas ações no
mundo. (BARROS, 2011, p. 102).

As relações estabelecidas, nesse contexto, são vivenciadas


para favorecer a expansão dos conhecimentos de si e do outro, em
momentos criados pelos professores de AV, nas escolas que trabalham
a estética, nas manifestações artísticas realizadas. A maneira como
esses conhecimentos serão trabalhados possibilitará o alcance de
momentos exitosos ou não; tudo dependerá das relações exercidas
pelos docentes-discentes.
Magalhães (2002), ao apresentar resultados de pesquisas
realizadas por seus colaboradores sobre a formação de professores,
conclui que esses, embora tenham domínio do conteúdo,
apresentando objetivos bem definidos quanto ao quê e como
ensinar, não conseguem essa mesma dinâmica, quando se refere ao
conhecimento prático, mas têm a clareza da necessidade de dar saltos
qualitativos em suas práticas e anseiam transformá-las. Embora
eles tenham essa necessidade de transformação, têm dificuldade
de pôr em prática as mudanças, pois se encontram engessados em
formações que vão contra as novas concepções que tentam adotar, e
também contra o sistema escolar.
Tomando por base as pesquisas realizadas por Magalhães
(2002), podemos relacioná-las às práticas dos professores de
AV na EPTNM que procuram mudar/transformar, mas somos
formados em concepções fundamentadas no positivismo, e a
literatura referente ao ensino de Arte no Brasil se fundamenta no
pragmatismo de Dewey, o que implica dizer que as possibilidades
de romper com essas concepções devem ser cercadas de resiliência
e de luta constante. Nessa perspectiva, concordamos com Afanasiev
(1968, p. 113) ao declarar que “Estas contradições são, sobretudo,

300 Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
a fonte do movimento.”. Nesse movimento, procuramos desenvolver
compreensões e possibilidades para que o ensino de AV na EPTNM
favoreça os questionamentos discursivos, valorizando e respeitando
as falas dos partícipes da pesquisa.
A potencialização do pensar e do agir dos profissionais da
educação necessita da passagem das transformações quantitativas
em qualitativas, pois quanto mais os professores se apropriam de
concepções novas e adequadas, favorecem o salto qualitativo das
ações educativas, tendo mais condições para mudá-las e quiçá
transformá-las.
O cotidiano escolar precisa ser organizado de modo a
possibilitar o alcance de êxito, nesse sentido, é necessário ter
clareza das razões das escolhas que realizamos, desde a seleção e
planejamento curricular até a postura em sala de aula, procurando
questionar a que interesses a prática está servindo e, em consonância
com esse pensamento, também deve estar o compromisso com o
tipo de discente que se quer formar.
Com relação a esses aspectos, a própria escola interfere
diretamente nas ações dos professores de AV. O sistema impõe
regras diariamente, cabendo a cada professor compreender a sua
prática, refletindo colaborativamente com seus pares sobre as
complexas situações que os envolvem. A forma como pensamos e
agimos em nossas aulas é a mesma que nos guia em nossas relações
sociais.
A prática dos professores de AV reflete e refrata as posturas
que internalizam na vida. Dessa forma, precisamos nos apropriar
de conhecimentos que nos fortaleça ético-afetiva e cognitivamente,
para fazermos o melhor possível, coletivamente, nas comunidades às
quais pertencemos socialmente e em nosso cotidiano escolar.
As ações docentes que se fundamentam nessas premissas
podem alcançar ensino e pesquisa para além da técnica e do
pragmatismo, vislumbrando vivenciar práticas ético-afetivas, e este
agir deve ser crítico e criativo, em que os compartilhamentos de
significados já existentes possam ser reelaborados e a negociação
dos sentidos, inerentes a cada professor, possa revolucionar suas
ações no cotidiano escolar.
PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE SACIAR
A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS DOCENTES
301
O ensino de AV na EPTNM está estabelecido em práticas
fossilizadas; e refletir sobre essas, e criar circunstâncias a serem
empregadas, é o meio adequado para que se alcance a colaboração
entre os envolvidos. Os professores que têm a coragem de romper
com comparações qualitativas entre seus discentes, e se propõem a
“Educar para viver com os outros, mantendo relações de cooperação,
colaboração, solidariedade, tolerância; para além de reconhecer
direitos e deveres, formar para a cidadania crítica e criativa. [...]”
(IBIAPINA, 2014, p. 15), contribuem para que a educação almejada
e idealizada em ação se torne, desta feita, algo materializado em sua
prática revolucionária, como defendem Sánches Vásquez (2011) e
Marx e Engels (2002). O ensino que se respalda na comparação entre
os discentes mais-experientes e os menos-experientes será estanque.
Assim, poderemos buscar as respostas às duas inquirições
iniciais: nós, professores, temos “sede” e “fome” de quê? Recorremos
mais uma vez a Arnaldo Antunes quando diz: “A gente não quer
só comida, a gente quer comida, diversão e arte, a gente não
quer só comida, a gente quer saída, para qualquer parte.”. Nós,
enquanto agentes que buscamos, por eminência, a transformação
do estabelecido; queremos mais que um ensino de AV na EPTNM,
técnico e pragmático. Precisamos, pois, vislumbrar para além
da “comida”, queremos alternativas que possam romper com o
estabelecido, alcançar na prática docente de AV na EPTNM o caráter
ético-afetivo em encontros e observações colaborativas, refletindo
sobre os caminhos para saciar a “sede” e a “fome” de conhecimentos
que favoreçam o processo educativo, para além da sala de aula.
A realidade é muito complexa para ser rompida, mas como vimos
existe a possibilidade, em colaboração, de não somente mudar, mas
transformar as práticas dos professores de AV que ensinam na EPTNM.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, nos propusemos a explorar questões relativas


à pesquisa conduzida no contexto da educação básica e as
transformações das práticas educativas. Existem vários tipos de
pesquisas, e com objetivos diversos, mas compreendemos que

302 Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
a Pesquisa Colaborativa cria oportunidade de colaborar com
professores em seu próprio espaço-tempo escolar. Nesse sentido, é
necessário que os professores de AV produzam a necessidade de educar
por meio de práticas ético-afetivas, que possibilitem aos envolvidos
na relação discentes/docentes a superação de quem manda e quem
obedece, favorecendo a relação mútua entre si, e rompendo com
práticas fundamentadas na técnica e no pragmatismo.
A Pesquisa Colaborativa produz a necessidade de os professores
de AV que trabalham na EPTNM conhecerem as causas que
influenciam suas práticas docentes e de implementar práticas com
intencionalidade ético-afetiva e cognitiva, para poderem expandir
a qualidade na educação. Nesse sentido, a prática de pesquisar
colaborativamente propicia as condições para que os partícipes
se tornem multiplicadores dos conhecimentos internalizados e
procurem romper com as práticas reiterativas.
Almejamos que a estrutura do pensamento dos professores de
AV na EPTNM possa ser alterada e que ocorram transformações dos
significados e dos sentidos de ensinar AV, para que seja saciada a sede e
a fome ao transformar práticas docentes que favoreça o coletivo, tendo
por premissas os aspectos sócio-históricos e as práticas ético-afetivas.

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PESQUISA COLABORATIVA: POSSIBILIDADE DE SACIAR


A FOME E A SEDE DE INVESTIGAR AS PRÁTICAS DOCENTES
305
REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA
ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO
DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA

Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina - UFPI

INTRODUÇÃO

S
elecionamos, para discutir neste artigo, episódios do acervo de
informações produzido no decorrer da pesquisa colaborativa
desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Educação, no ano de 2010. Os episódios analisados foram extraídos do
banco de dados que produzimos no âmbito da referida pesquisa.
A investigação foi organizada para identificar necessidades
formativas de professores universitários. Dentre as necessidades
formativas enunciadas pelos partícipes do estudo, para análise neste
texto, foram selecionadas enunciações dos significados e sentidos de
reflexão e de quais os saberes necessários à reflexão crítica. De forma
colaborativa, as necessidades formativas foram compartilhadas
por meio da dupla estimulação: refletir e colaborar no processo de
pesquisa que visa à formação docente.
O referencial teórico e metodológico utilizado tem como base
os princípios do Materialismo Histórico Dialético e da Pesquisa
REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA
ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
307
Colaborativa. A análise focalizará o movimento de produção de
significados e sentidos, considerando que as ideias e práticas que os
professores universitários desenvolvem são decorrentes de processos
de internalização que produzem motivos para que eles permaneçam
aprendendo a se tornar professores, especialmente no que se refere
ao significado de reflexão, problemática bastante enfatizada nos
processos formativos de docentes nas últimas décadas (IBIAPINA,
2004).
A análise proposta é relevante em virtude da necessidade de
trazer à tona a formação de professores que ocorre no contexto de
uma Pesquisa Colaborativa, demonstrando que é possível sanar a
preocupação marcante com a formação destes profissionais desde o
século passado - século XX (MASETTO, 2000). A exploração do tema
se justifica também em virtude da lacuna que existe nos trabalhos
científicos de pesquisas no que se refere à compreensão dos modos de
pensar e de agir do professor universitário a respeito dos significados
de reflexão e de quais saberes são necessários à reflexão crítica
(IBIAPINA, 2004).
Considerando os aspectos mencionados, organizamos
este artigo para discutir o significado e o sentido de reflexão,
confrontando-os com as compreensões elaboradas pelos professores
que participaram da Pesquisa Colaborativa, no ano de 2010, na UFPI.

O SIGNIFICADO E O SENTIDO DE REFLEXÃO:


COMPREENSÕES PRODUZIDAS NA PESQUISA

Nesta pesquisa, identificamos que é consenso na literatura


educacional que o caminho para a redefinição da profissão docente
passa pelo processo de formação que leva em consideração as
expectativas e as necessidades dos professores. Considerando esse
aspecto, esta pesquisa iniciou com o diagnóstico das necessidades
formativas de professores universitários e, de forma colaborativa,
organizamos, no decorrer da pesquisa, processos formativos em
que estas necessidades fossem discutidas e refletidas, criando-se a
possibilidade para a reelaboração de significados e sentidos. Entre
os vários significados enunciados pelos partícipes como essenciais

308 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


ao aprendizado do ser professor, bem como ao desenvolvimento
da docência na universidade, o significado de reflexão foi o que se
sobrepôs para a maioria do grupo de professores que participou desta
pesquisa. Neste artigo, portanto, fizemos o recorte para explorar os
significados e sentidos enunciados por professores universitários
sobre o que é reflexão, bem como sobre as práticas e os saberes
necessários à reflexão crítica.
A necessidade formativa de compreensão do significado de
reflexão manifestada pelos partícipes, bem como de quais são as
práticas e os saberes necessários à reflexão crítica, motivou-nos
a organizar espaço-tempo de reflexão e de colaboração em que
tivéssemos a oportunidade de discutir sobre os significados de
reflexão e ampliar os sentidos internalizados com base em referenciais
teóricos e práticos disponibilizados para o estudo sistemático
desencadeado no processo de pesquisa. Ferreira (2003) afirma
que a associação entre pesquisa e formação cria condições para a
reelaboração de significados, o que, consequentemente, contribui
para o desenvolvimento de práticas docentes profissionais.
Com base na referida compreensão, iniciamos o processo de
pesquisa com a discussão sobre os sentidos de reflexão internalizados
pelos professores antes de se submeterem ao processo formativo
proposto para acontecer na pesquisa. Posteriormente, organizamos
ações formativas no sentido de fazer com que o grupo estudasse e
se apropriasse dos significados compartilhados e enunciassem suas
próprias compreensões sobre o que é reflexão e sobre as práticas
reflexivas e os saberes necessários à reflexão crítica.

INTERFACES DA REFLEXÃO: SIGNIFICADOS E SENTIDOS,


PRÁTICAS E SABERES

O dinamismo das transformações que ocorrem no mundo


do trabalho traz, de acordo com Batista e Batista (2002, p. 186),
demanda capaz de fazer com que os professores desenvolvam “[...]
quadros teóricos e analíticos que lhes permitam acompanhar e
transformar o desenvolvimento do conhecimento e as demandas de
reconversão profissional”.
REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA
ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
309
Para que essa reconversão profissional seja possível, é
preciso mudar os termos nos quais se dá sua comunicação, isto
é, torna-se necessário apreender conceitos diferenciados no seio
do qual seja possível ampliar o espaço de construção, criando
zonas de desenvolvimento. A reconversão, portanto, depende da
mediação de parceiros mais capazes e de instrumentos simbólicos
(VIGOTSKI, 2000; BAHKTIN, 2002). Neste artigo, apresentamos a
dupla estimulação: reflexão e colaboração que se propõem a criar
condições para que a mencionada reconversão possa acontecer por
meio da enunciação de significados e sentidos de reflexão por parte
dos professores universitários.
Para Vigotski (2001), os significados e sentidos possuem vínculo
que os unem, fazendo com que eles se relacionem e se influenciem
constantemente nas práticas reais. A inter-relação entre significados
e sentidos é denotada nas colocações feitas pelos professores que,
colaborativamente, estudaram, compreenderam e enunciaram novos
sentidos para a palavra reflexão, relacionando-o aos significados
socialmente produzidos.
Os significados socialmente produzidos para o termo reflexão
vem da palavra latina reflectere, que significa recuar, dobrar, ver,
voltar para trás. Nos dicionários da língua portuguesa parece ser
consensual a definição de reflexão, que é citada comumente da
seguinte maneira: espelhar, retratar, revelar, mostrar, que reflete, que
pensa, que se comunica, que se volta para si mesmo.
Na literatura educacional, porém, a definição de reflexão
produzida nas últimas décadas do século XX e na primeira década
do século XXI, segundo Pérez Gomes (1998, p. 372), não é tão
consensual quanto as dicionarizadas, pois, o autor considera
que “[...] sob este termo se ocultam conceitos bem distintos que
originaram práticas também diversas e inclusive contraditórias [...]”
do significado de reflexão. A crítica formulada pelo autor encontra
respaldo principalmente nos referenciais de formação de professores,
cujo papel da reflexão no processo de desenvolvimento profissional
do professorado é realçado, porém não explicitado de forma clara.
Observação que se confirma na colocação de Zeichner (1993) de que
a maioria dos trabalhos recentes, na área da educação, destaca a

310 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


reflexão como fundamental para a ação do professorado, porém,
não explicita, de forma clara, em qual conceito de reflexão se
fundamenta, fato que causa imprecisão conceptual com relação ao
que significa reflexão.
Smyth (1992), apontando os problemas advindos da
indefinição da palavra reflexão, afirma que não sabemos muito sobre
uma prática se esta é simplesmente descrita como alguma coisa cujo
objetivo é facilitar o desenvolvimento de professores reflexivos. Não
há um só formador de professores que se diria não preocupado em
preparar professores que sejam reflexivos. Nesse caso, a ideia de que
os professores devem ser reflexivos faz parte do senso comum, sendo
quase inquestionável, pois a capacidade de refletir é característica
humana aprendida no convívio social.
As reflexões explicitadas pelos autores citados consolidaram a
necessidade de precisar o significado de reflexão, principalmente em
se tratando de formação de professores, o que nos encaminhou, no
percurso da pesquisa, a fazer uma imersão na literatura educacional
com o objetivo de resgatar e esclarecer os diferentes sentidos
encontrados para reflexão e sua prática na formação de professores.
Observamos que a definição de reflexão é utilizada com muita
frequência entre os pesquisadores e formadores de professores, tendo
sido de tal maneira popularizada, que é difícil encontrar referências
sobre a formação de professores que não inclua respostas para as
perguntas: o que é reflexão? Como se deve refletir? Entretanto, ao
identificar os diferentes significados atribuídos à palavra reflexão,
chegamos a conclusão de que a maioria das compreensões
apresentadas são confusas e dispersas e se refere a perspectivas
prático-teóricas diferentes.
Na tentativa de esclarecer os diferentes significados existentes
para reflexão, selecionamos para estudar em colaboração as
concepções mais citadas e indicadas para a formação docente, as
quais serão exploradas em seguida.
Dentre as várias concepções que encontramos na literatura,
escolhemos para explorar a de Zeichner (1993), Manen (1991),
Liberali (2006), Ibiapina (2004, 2008) e Magalhães (2009).
Zeichner (1993) aponta quatro tradições de formação,
destacando diferentes práticas reflexivas focalizadas por cada
REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA
ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
311
uma delas. A tradição acadêmica, cuja prática reflexiva se centra
no conteúdo da disciplina e na representação que os professores
possuem desse conteúdo quando eles são transmitido aos alunos; a
tradição da eficiência social, cuja prática reflexiva foca a aplicação de
estratégias de ensino sugeridas nas pesquisas científicas; a tradição
desenvolvimentista, cuja prática reflexiva está direcionada à atender
aos interesses práticos de professores; e a tradição de reconstrução
social, cuja prática de reflexão é a análise do contexto social, político
e histórico dos processos de escolarização, bem como a avaliação
das práticas docentes em função do potencial que elas possuem para
promover a formação cidadã crítica, que é mais igualitária e justa, e
atende as necessidades sociais e escolares.
Manen (1991) agrupa três modelos de reflexividade, eles são
o técnico, o prático e o crítico. Para o autor, cada modelo elabora
o significado de reflexão de acordo com os interesses a que serve.
Por exemplo, no modelo técnico, a reflexão é compreendida segundo
os pressupostos do positivismo, que separam realidade interior
da realidade exterior, admitindo-se que os resultados da reflexão
configuram à realidade e governam as ações dos professores em
uma direção previa, o que gera as concepções de que a formação
se resume ao treinamento de habilidades comportamentais. Nesse
caso, a reflexão é o processo em que os professores são preparados
para serem obedientes e eficientemente no cumprimento das ordens
de terceiros quando aplicam os componentes do conhecimento
científico ao conhecimento do conteúdo a ensinar de forma linear e
sem críticas, bem como analisam situações de ensino que os levem a
atuar eficazmente na sala de aula.
Liberali (2006) destaca que a reflexão técnica está voltada para
a eficiência e eficácia dos meios (tais como métodos e técnicas de
ensino), para atingir determinados fins (objetivos de ensino), bem
como da teoria (tais como os resultados de pesquisas científicas)
como meio para previsão e controle dos eventos (no caso, o que
acontece em sala de aula). Ao refletir, o professor procura encontrar
soluções para os problemas do dia a dia, fundamentando-se
nas descobertas científicas e nas sugestões de especialistas, não
relacionando teorias com a experiência profissional. Durante a ação

312 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


docente, os professores aplicam os conhecimentos produzidos por
especialistas no contexto de sua atuação de forma objetiva e por meio
de procedimentos racionais da ciência sem analisarem as implicações
práticas dessas escolhas.
De acordo com Manen (1991), nessa perspectiva, reflexão é a
introspecção feita com o objetivo de abrir as mentes dos professores,
fazendo-os receptivos e dispostos a assumir responsabilidades para
decidir e agir racionalmente. A prática reflexiva técnica é definida por
Libâneo (2002, p. 56) como “[...] visão platônica, cristã, idealista [...]
”, que leva ao emprego de ações imitativas de práticas consideradas
pelas teorias como eficazes.
Zeichner (2002) ressalta que as principais críticas que esse
modelo reflexivo recebe são as seguintes: os professores são
considerados aplicadores das teorias produzidas pelos intelectuais
que atuam nas universidades; a reflexão enfatiza a ação individual
de professores, que pensam sobre as teorias que podem tornar o
seu trabalho mais eficiente; há pouca ou nenhuma valorização da
colaboração de outros pares no desenvolvimento reflexivo.
Retomando a classificação de Manen (1991), na reflexão prática,
refletir é sinônimo de pensar, é a capacidade de premeditação. Para
Liberali (2006), na reflexão prática o que predomina é o pensamento
deliberadamente instituído para se antecipar aos acontecimentos
e as emergências da vida professoral, é o dispositivo que registra
a natureza dos acontecimentos contingenciais da prática, dando
condições para os professores repelirem o que é desfavorável ou, pelo
menos, para protegê-lo dos conflitos.
A concepção de reflexão prática advém do pensamento
de Dewey (1979), para quem a reflexividade permite exercitar o
pensamento em direção às possibilidades futuras de ação útil.
Para o autor, refletir implica reconsiderar aquilo que se acredita ou
aquilo que se pratica, eliminando os conflitos. Nessa perspectiva, a
reflexão é o ato mental de pensar sobre os problemas pedagógicos
que geram as ações particulares realizadas em sala de aula, extraindo
significados decorrentes das experiências, da ação concreta, no
sentido de entender os problemas advindos da ação professoral,
tornando reflexão e ação úteis ao ensino.
REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA
ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
313
Neste tipo de reflexão, os professores refletem para procurar
respostas na própria prática para os problemas cotidianos,
fundamentando-se no conhecimento espontâneo e nas teorias
produzidas na ação. Assim, o professor reflete para definir um modo
de agir útil. Pensamento e reflexão se confundem, possuindo a função
de dar nova direção ao fazer, uma direção mais utilitária. Na visão de
Dewey (1979), a reflexão esclarece como o professor deve agir e como
pode resolver os problemas e as situações divergentes surgidas na aula.
Zeichner (2002) cita algumas críticas provenientes da
compreensão e utilização da reflexão prática, as principais são:
o processo reflexivo é utilitarista; toma como base as explicações
produzidas pelo próprio professor na ação prática; o resultado da
reflexão é sempre para atingir objetivos pragmáticos; e, geralmente, a
reflexão é solitária. O autor ressalta também que o alvo da reflexão
prática é o ensino, não se considera os aspectos estruturais e as
condições históricas e sociais que influenciam o trabalho docente,
tampouco levam em consideração os macros propósitos e os objetivos
da educação escolar e há pouco fomento no papel do professor nas
mudanças educacionais e sociais.
Liberali (2006) traz sua contribuição para compreendermos
a classificação de Manen (1991), expondo que a reflexão crítica
acentua a ideia de que o homem não nasce reflexivo, ele aprende
a refletir na medida em que interage com seus semelhantes no
meio sócio, histórico e cultural. No processo de reflexão, a pessoa
se debruça sobre as informações transmitidas pelo contexto sócio-
histórico em que está inserida, analisa as ações, operações e as
tarefas e produz novas compreensões, novos conhecimentos e novas
práticas, ampliando cada vez mais a capacidade de refletir.
Por essa razão não se pode falar de reflexão crítica apenas
vinculando-a ao pensar crítico. Refletir criticamente é compreender-
se em ação, compreender-se como produtor de história, saber-se
participante ativo das atividades sociais e de que é capaz de fazer
escolhas e críticas relacionando o contexto da escola com a realidade
social mais ampla. Para Kemmis (1987), a reflexão crítica requer a
compreensão das consequências sociais do agir e do potencial para a
transformação das práticas sociais reiterativas.

314 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


Na perspectiva crítica, reflexão é instrumento-e-resultado do
constante questionamento do que se pensa (teoria orientadora da
prática) e do que se faz (prática real). É o questionamento volitivo
que se faz do mundo, do agir dos outros neste mundo, bem como
do nosso próprio agir implicado neste mundo e com os outros. A
reflexão é mediada por linguagens que representam os conteúdos
externos e por linguagens que representam os conteúdos internos,
que demonstram a produção de sentidos e a apropriação dos
significados. Sua finalidade é de produzir substrato (teórico e prático)
para compreender a realidade e ter o potencial para transformá-la.
Nesse sentido, recorremos ao pensamento de Vigotski (2000),
que esclarece que refletir é o movimento do pensamento que gera
autoconhecimento e autoconsciência. Segundo o autor, refletir
requer mediação simbólica e a colaboração de outras pessoas. A
mediação simbólica e a colaboração de outras pessoas contribuem
para a compreensão e a transformação dos significados e sentidos
que embasam as ações e para a produção de um novo agir,
qualitativamente superior e com mais poder transformativo.
O significado de reflexão, nessa perspectiva, é de atividade
mental, movida por necessidades (motivos) e orientada por objetivos,
mediada pelos instrumentos simbólicos, como as linguagens, o que
não ocorre sem a colaboração de outras pessoas. Mesmo ocorrendo
no plano intramental, é interpsicológica, porque é mediada por
signos que advém das inter-relações sociais.
Considerando o exposto, defendemos que não se deve esperar
que a reflexão crítica ocorra de forma natural, espontânea, porque é
atividade que necessita de motivos e objetivos, necessitando, portanto,
de planejamento e de organicidade e sistematização intencional.
O que requer condições como as seguintes: o indivíduo necessita
de motivos para refletir, isto é, precisa debruçar-se volitivamente
sobre as situações sociais práticas, sobre as condições em que essas
situações são desenvolvidas, o que supõe também compreender
quem são os agentes sociais implicados na situação e quem são os
agentes sociais produtores dessas condições, reconhecendo-se como
agente ativo, que também produz as contingências e transforma
realidades. Refletir é atividade mental que vai além da simples análise
REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA
ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
315
de pensamentos e práticas particulares e/ou singulares, é necessário
reconhecer quais são as relações e os nexos existentes entre o real e o
ideal, para intervir no real e transformá-lo.
No contexto educacional, portanto, produzir as condições para
que a reflexão crítica possa acontecer implica criar espaço-tempo de
colaboração em que o professor tenha a oportunidade para esclarecer,
para ele mesmo e para os seus parceiros, o que faz, como faz, porque
faz e quais são as referências usadas para orientar o seu agir, isto é,
demonstre estar consciente da relação sócio-histórica existente entre o
seu agir, o agir de outros professores, o agir dos alunos, o que almeja
a instituição escolar e a sociedade propriamente dita, isto é, significa
ter condições para estabelecer relações com as teorias, com os seus
pensamentos e com o seu agir professoral. É especialmente importante
lembrar que essas relações não ficam restritas ao campo abstrato, elas
necessitam partir de práticas professorais, que devem ser interpretadas
e transformadas. As compreensões expostas estão fundamentadas na
concepção de Leontiev (1988), que afirma que a reflexão é o processo
mental em que os indivíduos se tornam conscientes das relações
sociais, interpretando-as e transformando-as.
Na perspectiva vigotskiana, que defendemos, os professores
refletem criticamente quando a nuvem (o pensamento) se dissolve
em gotas (as palavras) de modo que nesse movimento os professores
se tornam conscientes dos mecanismos que regulam o pensamento e
o agir. Tornar-se professor crítico requer refletir para produzir ações e
operações que produzam transformação de significados cristalizados
e de práticas e saberes consolidadas.
Considerando a dupla estimulação proposta nesta pesquisa,
compreendemos, com base em Magalhães (2009) que, para refletir
criticamente, é necessário que além de crítica, a reflexão precisa ser
também colaborativa. Nesse caso, citamos três condições necessárias
e suficientes, para que a reflexão possa ser crítica e colaborativa ao
mesmo tempo: os parceiros necessitam refletir sobre a situação para
compreender as teorias e os valores mobilizados no agir; porque, para
que e para quem se agem, o que implica também descobrir o que agir
de determinada forma significa, para transformar as teorias, os valores
e o agir, isto é, para compreender as contradições, resolver os conflitos

316 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


e transformar as situações práticas. Nesse movimento, a colaboração
é fundamental para que os significados e sentidos cristalizados sejam
negociados e se transformem atingindo a realidade prática.
Na formação de professores, denotamos que a acepção mais
difundida de colaboração se tece a partir da ideia de produzir
conhecimentos ‘com’, principalmente em se tratando das práticas
professorais. Colaboração representa negociação de significados
e sentidos em que são analisadas as contradições advindas do
desenvolvimento professoral. Nesse caso, colaborar significa o agir
volitivo que faz avançar o nível de desenvolvimento dos envolvidos
na medida em que se atua na Zona Iminente de Desenvolvimento
(VIGOTSKI, 2001).
Compreendemos, portanto, que fazer avançar o desenvolvimento
do professor implica em investir na colaboração crítica, isto é, na
colaboração que almeja a reflexão crítica, porque é produzida para que
haja negociação de significados e sentidos, trazendo à tona práticas,
teorias, valores e conflitos que são questionados e transformados.
O que implica produzir questionamentos que estimulam responder
as seguintes questões: Qual a função social da escola? Qual a minha
função? Que relações existem entre essas funções? A que interesses
servem o nosso agir? O que agir de determinada forma significa? Que
teorias e que valores embasam o nosso pensar e agir? Que tipo de
homem/de mulher queremos formar? Serve a quem o nosso agir? O
que é possível fazer para transformar as condições sociais, políticas,
históricas e culturais? A principal crítica que essa prática recebe é a
de que nem sempre ocorre a colaboração, mesmo quando condições
são produzidas para que ela aconteça. Vários são os motivos para
que isso ocorra, entre eles, destacamos os conflitos emocionais que
regem as situações colaborativas.
O quadro 1, a seguir, sintetiza as principais compreensões do
que é reflexão, das práticas de reflexividade utilizadas na formação
de professores, bem como dos saberes necessários à condução de
processos reflexivos.

REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA


ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
317
Quadro 1 – Práticas reflexivas e significados de reflexão

Práticas de Crítica e colabo-


Técnica Prática Crítica
reflexividade rativa

Acadêmico
Eficiência Social Reconstrução
– reflexão
– reflexão nas social – reflexão é
se constituí
estratégias de a análise do con-
a partir da
ensino texto social, po- Classificação
Modelo de teoria cien-
Desenvolvimen- lítico e histórico não especificada
Zeichner tifica que é
tista – reflexão em que ocorrem pelo autor
(1993) aplicada ao
das práticas de os processos de
conteúdo
sala de aula escolarização.
disciplinar
(Saber a utilida- (Saber o porquê
(Saber apli-
de de) do agir)
car)

Reflexividade
crítica
Reflexão extrapo-
Reflexivida- Reflexividade
la o ‘saber-fazer’-
de técnica prática
a reflexão é mais
A reflexão é A reflexão fica
do que apenas
restrita ao restrita a utilida-
Modelo pensar sobre os Classificação
domínio da de de dominar a
de Manen interesses do agir não especificada
técnica de técnica. Domí-
(1991) e sobre os valores pelo autor
pensar sobre nio da técnica
que subjazem as
as questões para orientar o
ações práticas,
do ensinar fazer (saber-fa-
é também trans-
(Saber que) zer)
formar o pensar
e o agir
(Saber mudar)

318 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


Reflexividade
crítica e cola-
Reflexividade crí- borativa – ques-
Reflexivida- tica – questionar tionamentos
Reflexividade
Liberali de técnica as teorias e os produzidos com
prática – envolve
(2006), – envolve valores que ser- a finalidade de
questionar qual
Magalhães questionar o vem de referência negociar e trans-
é a vinculação
(2009) que se fez e ao agir, para formar sentidos
teórica das
Ibiapina como se faz reelaborá-los e significados,
ações realizadas
(2008) (Saber des- criticamente. bem como prá-
(Saber informar)
crever) (Saber confron- ticas
tar e reelaborar) (Saber-se agente
ativo de trans-
formação)

Reflexão é o
Reflexão
pensar deli- Refletir é com-
é a intros-
berado que se preender-se em Reflexão é pro-
pecção que
antecipa aos ação, compreen- cesso intramen-
SENTIDO E abre as
acontecimen- der-se como tal de base mate-
SIGNIFICA- mentes dos
tos e as várias produtor da rial responsável
DO DE professores,
contingências história, saber-se pela recordação,
REFLEXAO fazendo-os
e emergências participante das exame e análise
Para os pro- receptivos
da vida prática atividades sociais da realidade com
fessores e dispostos
com o objetivo e ser capaz de o objetivo de
a agir racio-
de solucionar os transformar as transformá-la
nalmente
problemas da situações vividas
vida real

Fonte: quadro elaborado com o grupo de professores, a partir dos ciclos de


estudos realizados.

O quadro 1 apresenta as sínteses formuladas pelo grupo,


a partir da análise empreendida dos significados e sentidos de
reflexão enunciados pelos autores estudados. De forma sintética as
concepções foram definidas da seguinte forma: reflexão técnica é
deliberativa, é instrumento do pensamento que serve para orientar
a prática docente; a reflexão prática é ato de pensar que oferece
o apoio para a tomada de decisões e resolução de problemas de
ordem prática; a reflexão crítica é atividade do pensamento em que o
professor tem objetivo e motivo para se debruçar sobre si mesmo, sem
REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA
ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
319
perder de vista a realidade global, para aprender a se autoconhecer,
a confrontar conhecimentos e práticas e produzir condições para
transformar a si mesmo e a escola; a reflexão crítica e colaborativa
é planejada e organizada sistemática e volitivamente para promover
questionamentos e fazer avançar significados e sentidos de modo que
haja transformação de pensamentos e de ações não de indivíduos
isolados, mas de indivíduos em interação.
Nas sínteses que apresentamos neste artigo, as discussões
promoveram a produção de conhecimentos mediante a concatenação
de pensamentos coletivos que passaram de uma pessoa para outra,
de forma que a enunciação deixou de ser apenas de uma pessoa,
passando a ter mais polifonia (mais vozes) e mais polissemia (mais
sentidos). Os enunciados foram produzidos por meio da contribuição
de vários interlocutores, que pensaram coletivamente. Nesse caso, as
ideias e práticas apresentadas não correspondem mais aos indivíduos
isolados, representam a síntese do grupo colaborativo que se apropriou
das interpretações dos outros, compartilhando objetivos e motivos, e
os significados e sentidos de reflexão (PONTECORVO, 2005).
Os sentidos de reflexão enunciados pelos professores
são resultantes de suas experiências pessoais, profissionais e
formativas acumuladas ao longo das vivências e de seus estudos.
Compreendemos que as compreensões produzidas são fruto de
um tipo de organização coletiva que não é comumente encontrada
em pesquisas, tampouco em processos formativos. Partindo dos
conhecimentos que os professores já possuíam sobre o que é reflexão,
estudamos coletivamente o significado de reflexão, as práticas e
os saberes, recorrendo a literatura educacional que trata do tema,
realizando análise e sínteses como procedimentos de desenvolvimento
profissional, conforme explicitados no quadro 1.
Nos enunciados iniciais dos professores, encontramos certa
imprecisão na emissão dos sentidos sobre o que eles consideravam
que era reflexão, talvez justamente pela dificuldade em encontrar
na literatura educacional significados sistematizados com nível de
generalização que abarcassem a complexidade de enunciar o que é
reflexão de forma científica. A análise dessa imprecisão conceptual,
motivou os professores a responder a seguinte pergunta: o que é

320 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


reflexão? A procura pela resposta à questão formulada desvelou os
sentidos e significados ao qual passamos a conhecer a partir dos
ciclos de estudos, que permitiram estabelecermos relações entre os
diversos significados historicamente construídos para reflexão.
Os sentidos e os significados compartilhados pelos professores
demonstraram a apropriação das significações relacionadas a
reflexão como a capacidade que o professor tem de atribuir sentido
à ação docente. Essas compreensões se encontram vinculadas ao
significado de que a reflexão torna os professores capazes de ter
clareza necessária ao agir racional. Fundamentados em Domingues
(2002), o grupo formulou a seguinte crítica às concepções técnicas de
reflexão: além de supervalorizarem a razão, restringem o significado
de reflexão na medida em que a evidenciam como ação essencialmente
individualista, destacando o sujeito como se ele tivesse consciência
de si e em si. Para os partícipes, esse significado considera que
todos têm a mesma capacidade de refletir e que todos refletem de
igual forma e chegam aos mesmos resultados, desconsiderando-se,
portanto, a historicidade dos processos psíquicos humanos, bem
como que, para refletir, é necessário interconectar processos inter e
intrapsicológicos.
Foi consensual no grupo, a opinião de que na formação
de professores há predominância de pensamentos e práticas de
reflexão como ato responsável pela aplicação de informações e de
conhecimentos teóricos na prática docente. Por essa razão, esses
foram os sentidos de reflexão que, para o grupo colaborativo, ainda
possuem bastante representatividade para a maioria dos professores.
Os sentidos de reflexão associados ao contexto em que o ensino
ocorre foram também citados como representativos nos contextos
de formação de professores. Os significados guiados pela acepção
prática de reflexão, compreendida como o pensar espontâneo sobre
a ação prática do professor foram evidenciados como um limite para
os docentes saberem-se conscientes e reconhecerem as implicações
sociais, econômicas e políticas da sua função e do potencial que eles
possuem para transformar a escola.
Nas enunciações dos professores também constatamos o realce
ao atributo filosófico de reflexão como retorno, como a capacidade
REFLEXÃO E COLABORAÇÃO COM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DUPLA
ESTIMULAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO QUE É REFLEXÃO CRÍTICA
321
de voltarmos a nós mesmos e nos interrogarmos, mas com o destaque
de que a reflexão não pode ser um movimento puramente interno,
de operações que a mente realiza por si só, deve ser produzida com
base em situações reais, porém, deve favorecer compreensões que
permitam a transformação de modos de pensar e agir, isto é, os
professores defenderam que é necessário refletir, também, sobre o
aspecto interior dos objetos, suas leis e fundamentos, isto é, é preciso
pensar abstratamente, refletindo tanto sobre os aspectos externos
quanto sobre os aspectos internos dos fenômenos, bem como sobre
as relações que expressam o que há de universal, particular e singular
na prática docente. Essa concepção pode ser classifica como crítica,
vez que liberta os professores dos sentidos enunciados incialmente,
que se fundamentavam em pressupostos, hábitos e tradições
tecnicistas e/ou pragmáticas.
Destacamos, portanto, que houve, nesse caso, concordância
com a visão de Zeichner (1993) de que na formação do professor
não se chega a refletir criticamente porque os processos formativos
são organizados, na sua maioria, com base na racionalidade técnica,
impedindo que a reflexão avance ao nível crítico. Para o grupo:
quando a prática reflexiva se limita aos aspectos técnicos ou aos
práticos da docência, dirigindo o pensamento aos objetivos do
ensino, as estratégias, aos meios de instrução, limitando-se a avaliar
o micro contexto da aula, são deixados de lado questionamentos
sobre as condições sociais de desenvolvimento do ensino, valores
e relações de poder, entre outros aspectos que impossibilitam a
reflexão de galgar o estágio crítico.
Na opinião dos professores desta pesquisa, essa tendência
impede os docentes e mesmo o grupo (eles se incluíram), de
confrontarem e transformarem os aspectos estruturais do seu trabalho,
impossibilitando-os de modificar a cultura docente e a escolar.

CONCLUSÃO

A análise dos sentidos enunciados pelos professores permitiu


esclarecer que nos encontramos em um sistema de significação
elaborado historicamente. Na medida em que interagimos com outros

322 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


professores, por meio de processos interpessoais, apropriamo-nos
dos significados produzidos pela categoria docente. Essa apropriação
pode variar quantitativa e qualitativamente tanto nos aspectos
subjetivos quanto nos objetivos, repercutindo significativamente no
processo de significação da realidade que nos cerca e nos nossos
modos de pensar e agir, fazendo-nos mais ou menos conscientes,
mais ou menos críticos, mais ou menos responsáveis e responsivos
pelos nossos atos.
Em síntese, os significados e sentidos de reflexão que
analisamos fazem parte das produções feitas pelos docentes sobre
a realidade escolar e são eles que guiam e orientam as atuações
desses profissionais no desenvolvimento da atividade docente.
Especialmente, os sentidos enunciados de reflexão compartilhados
neste texto são produções que demonstram, na sua maioria,
apreensões sistematizadas com base em autores e em experiências
concretas, que geram abstrações compatíveis com as concepções e
as teorias que sistematizam significados na literatura educacional
para reflexão.
Destacamos, entretanto, que após as análises e sínteses, o grupo
chegou a conclusão que ainda são poucos os processos formativos
que se fundamentam nas acepções de reflexão crítica e ainda são
menos significativos aqueles críticos e colaborativos, o que demonstra
um campo vasto de possibilidades para a apropriação e a utilização
de processos desta natureza na universidade, principalmente em
se tratando da formação de professores formadores. Para os
professores, esse é o desafio da docência de professores formadores:
a apropriação da reflexão crítica e a colaboração para que a formação
desses profissionais se transforme em crítica e colaborativa.

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326 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


A SOCIOPOÉTICA COMO ABORDAGEM
DE PESQUISA E ENSINO-APRENDIZAGEM
COM/ENTRE ADOLESCENTES E JOVENS

Shara Jane Holanda Costa Adad - UFPI


Sandra Haydèe Petit - UFC

O
que dizer das violências que envolvem especialmente
o jovem, que adentra principalmente as escolas
públicas, vira manchete de jornais, transforma-se em
discurso científico de entidades locais, nacionais e internacionais? Há
inclusive quem fale em um caleidoscópio de violência para enfatizar
a multiplicidade dessas situações, cristalizando-se imagens negativas
sobre os jovens e por isso alvo de intervenções no sentido de conter
um possível risco, conforme a mídia em larga escala associa-os às
temáticas ligadas aos problemas sociais − drogas, violência, crimes.
Neste caso, quando não aparecem em primeiro plano como
atores, catalisam as atenções públicas no sentido de identificar ações
capazes de contornar a situação. De forma geral, as instituições e
as políticas públicas envolvidas nessa questão visam dirimir, ou pelo
menos diminuir as dificuldades de “integração social” dos jovens
em programas de “ressocialização”, de capacitação profissional e
de encaminhamento para o mercado de trabalho. Observa-se, com
frequência que, apesar das boas intenções contidas nos programas,
o que se busca é uma contenção real do risco ou potencial desses
A SOCIOPOÉTICA COMO ABORDAGEM DE PESQUISA E
ENSINO-APRENDIZAGEM COM/ENTRE ADOLESCENTES E JOVENS
327
meninos. Normalmente a transgressão é associada à ociosidade − ao
vazio − pela ausência do trabalho. Tem-se em mente que os próprios
jovens são os problemas sociais sobre os quais é necessário intervir,
para “salvá-los” e “integrá-los” à ordem social. São vistos sob a lógica
do sistema e das instituições, como atores que operam à margem
deles ou contra os mesmos: jamais por sua própria lógica.
As instituições que formulam ações dirigidas à infância
e à juventude enfocam o risco, a ameaça e a desordem que os
jovens representam para si e para a sociedade. Essas imagens são
paradigmáticas desde os anos 90, sendo as crianças e os jovens que
aparecem nas ruas, as figuras emblemáticas marcados pela exclusão
e pela violência: meninos de rua, adolescentes infratores, gangues,
galeras e principalmente jovens em situação de risco para si e para a
ordem social. Jovens que matam e morrem é uma das imagens mais
dramáticas e ameaçadoras dos nossos tempos (ABRAMO, 1997).
As ações desses jovens são quase sempre vistas como ações
inconseqüentes, desvairadas, imediatistas, desvinculadas de uma
dimensão de projeto e de finalidade. Atualmente ainda é marcante a
imagem dos jovens que assustam e ameaçam a integridade social. A
sociedade os vê com medo e com perplexidade. Nessas interpretações
e/ou abordagens parece existir certa dificuldade em considerar os
jovens como capazes de formular questões significativas, de propor
ações relevantes, de efetuar uma relação dialógica com outros atores,
de contribuir para a solução dos problemas sociais (ABRAMO,
1997). Embora o “discurso dos direitos” sustente as ações dirigidas
à infância, à adolescência e à juventude, a compreensão que permeia
os programas públicos é a de que os jovens são incompletos e
incapazes de se guiarem por sua própria lógica. Abramo, inclusive,
acrescenta que o segmento juvenil relaciona-se ao tema da cidadania
como privação, denúncia e negação dos direitos, e não como sujeitos
capazes de participar dos processos de invenção e negociação dos
seus próprios direitos.
É necessário considerar a riqueza de possibilidades
experimentadas nos momentos da juventude, que se expressam em
manifestações de sociabilidades ligadas ao universo da produção
cultural e das artes, em especial a música, a poesia, o teatro e a

328 Shara Jane Holanda Costa Adad • Sandra Haydèe Petit


dança ocupam grande parte do universo de interesse juvenil e são
mais importantes que as dimensões de caráter racional-instrumental.
(SPÓSITO, 1996) Ao privilegiar o foco de atenção sobre o jovem
como expressões dos problemas sociais, negam-se significados e
realidades gestados por esses sujeitos em suas experiências, como,
por exemplo, os inúmeros jovens que teimam em mostrar e descobrir
aquilo que queremos ignorar, relegar e esconder.
Por isso, ao longo dos meus trabalhos com/entre jovens aprendi
que pesquisar e lidar com eles é possível desde que se acredite neles
e em suas capacidades. Neste caso, o trabalho da escola deve partir
dos interesses dos estudantes e levar em conta o que eles gostam
e sabem fazer e não especialmente suas carências e/ou faltas, por
exemplo. Assim sendo, tomar os jovens como potência é percebê-los
como sujeitos e protagonistas de sua própria história, contrariando
as adversidades a que estão submetidos. São justamente as maneiras
de lidar com as adversidades que os tornam melhores, ao tomar suas
vidas nas mãos, resistindo, valorizando e criando outras formas de
vida capazes, portanto, de romper com a “perspectiva da falta” e as
imagens estigmatizantes que os envolvem.
É com este modo de reparar as situações evidentes, bem
com a posição de pensar os jovens como instância de formulação
de ações propositivas, que me pergunto: O que é a paz nesse
contexto? Pensando nestas questões, realço o subtítulo da minha
fala: “abraçando a vida como obra de arte”, para dizer que este é
seu objetivo primordial. Abraçar a vida como uma das dimensões
do convívio entre adolescentes e jovens. Mas o que é abraçar a vida?
Penso que podemos dizer que abraçar a vida é tomá-la nos braços,
incorporá-la!
Mas, o que é a vida, em especial a vida de adolescentes e jovens?
Diga lá meu irmão? Pergunto, parafraseando Gonzaguinha. A vida é
expansão, movimento, deslocamento contínuo, em particular aquela
que envolve adolescentes e jovens, por que como nos ensina Nietzsche
a vida é obra de arte, porque sendo expansão é criação. Sentindo
assim, pensar em jovens é agregar vida e arte, pois para a maioria
das juventudes viver é criar, é ir além de si mesmo, é superar-se. A
vida nesse sentido é força criadora não só para jovens ou o homem,
A SOCIOPOÉTICA COMO ABORDAGEM DE PESQUISA E
ENSINO-APRENDIZAGEM COM/ENTRE ADOLESCENTES E JOVENS
329
mas em tudo o que vive. É por isso que criar não é uma escolha,
não depende de nossa vontade. Criar é movimento da própria
natureza − do universo. Todos os seres vivos criam e se renovam. A
vida é um fenômeno artístico, portanto. E no caso de atores como
adolescentes e jovens, eles criam para dar vazão a este processo. A
arte como produto de suas vidas é uma elaboração desta força que
existe na vida, sendo possível a todos os envolvidos com estes atores
levar adiante e estimular esta força criadora, e moldar obras de arte
grandiosas. Além disso, o jovem, diante de suas dificuldades e dores,
pode tomar a si mesmo nas mãos e fazer de sua vida uma obra de
arte, enfatiza Nietzsche. Pois, para ele, o homem não é um animal
racional, é um animal artístico (MOSÉ, 2006).
O que potencializa os jovens a ponto de tornar a sua vida uma
obra de arte? Ora, se viver é ir além de si mesmo, é sair do narcisismo,
do etnocentrismo, o que leva os jovens a tornar-se obra de arte são
as quedas, os erros, as perdas. Tudo é importante porque são as
perdas, os erros, as quedas que os obrigam a ser melhores e maiores
do que são. Diante da dor e das perdas o jovem vai além de si mesmo,
ultrapassa as dificuldades e se reinventa − potencializa seu corpo,
torna-se forte.
Para isto, é preciso que entendamos que a vida dos jovens não
como algo sossegado e cômodo, pelo contrário, pois os conflitos
e as perdas que mobilizam podem ser vistas como inevitáveis e não
como um mal, ao contrário, as perdas estimulam a vida.
Por isso, entendemos que somente teremos uma sociedade
ética quando conseguirmos tornar o homem forte, guerreiro e
capaz de lidar com a dor e com as frustrações − transformá-las em
fonte de vida. Elas são uma espécie de “núcleo nômade” dentro do
mundo sedentário, e os jovens são ícones nômades e suas vidas uma
máquina de guerra ao constantemente libertarem-se das pressões
morais que tanto os impedem de exercer sua mais nobre atividade:
a criação.
Diante disto, perguntamos: E como os jovens podem entender
a dor, como fonte de vida, se fomos drasticamente ensinados pela
sociedade Ocidental, a rejeitar a dor, as frustrações e a interditar
a morte? Como nossa sociedade inventou esses valores em torno

330 Shara Jane Holanda Costa Adad • Sandra Haydèe Petit


dos nossos encontros com as dificuldades, com as perdas, com as
frustrações, com os outros diferentes de nós?
Peter Pal Pebart (2000) nos mostra que, desde os gregos, há uma
cisão entre a vida e as formas de vida. Para eles existiam dois termos
para a vida: zoé que expressava o simples fato do viver comum a todos
os seres (animais, homens e deuses) e bios que significava a forma
ou a maneira de viver peculiar a um individuo ou grupo particular.
Hoje, parece-nos ser inaceitável esta cisão. É preciso conceber a vida
como algo universal e particular ao mesmo tempo. Só assim, a vida
pode tornar-se uma obra de arte - um leque de possibilidades, isto é,
potência de variação de formas de vida.
O que quero dizer? É preciso entender a vida para além de seu
aspecto homogeneizante. Não basta dizer que quem respira está vivo.
É preciso se perguntar sobre que forma de vida se vive. E tudo isto
parece ser característica do nosso mundo ocidental moderno que
massificou a vida a apenas uma forma de viver, ou seja, reduziu a vida
ao consumo e a nossa capacidade de consumir. Parece que é possível
comprar todos os desejos. Parece que não precisamos criar mais
nada, porque podemos comprar tudo pronto. Não precisamos nem
usar mais as palavras para dizer o que sentimos, basta comprar as
palavras, porque do modo como estão parece que podem exprimir o
que sentimos melhor do que nós. Há um grande buraco no meio das
pessoas que lhes abafa a fala e absorve as vozes que vêm dos outros.
Vivemos numa vida pobre, esvaziada de sentidos, porque reduzida
ao nosso Eu narcísico, etnocêntrico. A pessoa “bem de vida” é aquela
que tem bens, que pode comprar, que se adequou ao modelo de vida
que é dado, ao que está pronto!
Diante de tudo isto, pergunto: Como valorizar a vida de
adolescentes e jovens enquanto criação, diante desses valores? Como
poderem se expandir em meio a esse contexto? Como poderem criar
um outro corpo capaz de perceber as potencialidades da vida, capaz
de se transformá-la em obra de arte? É preciso transvalorar os valores
continuamente e em especial se os valores estigmatizantes em torno
de adolescentes e jovens foram inventados pelos homens, se eles são
históricos é possível constantemente reavaliá-los. Pois então, para se
repensar esses valores é preciso estimular a criação do jovem guerreiro
A SOCIOPOÉTICA COMO ABORDAGEM DE PESQUISA E
ENSINO-APRENDIZAGEM COM/ENTRE ADOLESCENTES E JOVENS
331
e forte, aquele que incorpora as perdas como parte da vida, como
campo fértil para a vida, percebendo-as no seu valor positivo. Isto
permite a este jovem ir além de si mesmo, superar-se como já disse.
Pois, como sentenciou Manoel de Barros, das ruínas pode nascer o
amor!

Um monge descabelado me disse no caminho: Eu queria construir


uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução.
Minha ideia era fazer uma coisa com jeito de tapera. Alguma
coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas
abrigam. Porque o abandono não pode ser apenas um homem
debaixo da ponte, mas pode ser também um gato no beco ou
uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também
de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo
de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro.
(o olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou:
digamos a palavra AMOR... A palavra amor está quase vazia. Não
tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para salvar
a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio
pode nascer de um monturo. E o monge se calou descabelado
(BARROS, 2010, p. 385).

Assim, percebemos que uma das formas positivas e


interessantes de estimulação da vida, como obra de arte entre
adolescentes e jovens, é a utilização de variados estilos artísticos e
literários. Conforme enfatizamos a arte é a elaboração da força vital
que existe em nós e, especificamente, entre adolescentes e jovens. E
isto significa que os valores serão outros se os adolescentes e jovens
constituírem-se guerreiros plenamente preenchidos pela beleza de
uma ética da existência, como preconizou Foucault, ao tratar do
sujeito consigo mesmo − aquela que é capaz de sair de si e encontrar-
se com os outros; que é capaz de cuidar de si, cuidando também
do outro. Desconstruindo, portanto, uma lógica perversa que nos
constituiu até agora: o individualismo e o narcisismo. Como nos
ensina Deleuze é preciso criar novas armas, o intempestivo. E as
armas que escolhemos e que mais nos ensinaram a viver, a conviver e
a abraçar a vida foram a arte e o corpo, ao utilizar a sociopoética nas
pesquisas com os jovens e no trabalho em sala de aula.

332 Shara Jane Holanda Costa Adad • Sandra Haydèe Petit


Ao escolher a sociopoética (GAUTHIER, 2003; 2004) para
trabalhar, aprendemos que pesquisar e lidar com jovens, imbuídas
de sensibilidade, é possível, entre outros caminhos, com o uso das
suas cinco orientações:
1. A instituição do dispositivo do grupo-pesquisador, no qual
cada participante da pesquisa está ativo em todas as suas etapas
(produção dos dados, leituras analíticas e transversais desses dados,
socialização...), e poder interferir no devir da pesquisa. Isso garante
formas variadas de racionalidade bem como a possibilidade de que
entrem em jogo outras fontes de conhecimento, não racionais e sim
emocionais, intuitivas, sensíveis, imaginativas e motrizes.
2. A valorização das culturas dominadas e de resistência é uma
orientação que, diretamente, aponta para outras maneiras
de interpretar o mundo, não eurodescendentes e que foram
marginalizadas pela colonização e pelo capitalismo. Portanto,
estas outras maneiras de interpretar o mundo estão colocadas em
interação dialógica com as teorias em vigor no mundo acadêmico,
pois são modos diferentes de interpretar os dados de pesquisa (até,
produzindo esses dados nas próprias formas dessas culturas, onde o
corpo possui um papel essencial).
3. Os sociopoetas pretendem pensar, conhecer, pesquisar, aprender
com o corpo inteiro, ao equilibrarem as potências da razão com
as da emoção, das sensações, da intuição, da gestualidade, da
imaginação... Muitos saberes não se expressam com palavras, por
terem sido recalcados nos nossos músculos e nervos, por opressões
diversas ou por pertencerem à ordem do silêncio, do sagrado ou da
dança.
4. Ao privilegiarem formas artísticas de produção dos dados, os
sociopoetas colocam em jogo capacidades criadoras que mobilizam
o corpo inteiro e revelam fontes não conscientes de conhecimento
– fontes que muitos atores e atrizes da pesquisa ignoravam possuir
antes do decorrer da pesquisa; logo, eles não teriam podido utilizar
essas fontes em formas mais convencionais de pesquisa, tais como
entrevistas, as quais são muito mais relevantes após o estudo coletivo
das produções artísticas, no sentido de precisar, aprofundar ou
ampliar os problemas construídos.
A SOCIOPOÉTICA COMO ABORDAGEM DE PESQUISA E
ENSINO-APRENDIZAGEM COM/ENTRE ADOLESCENTES E JOVENS
333
5. Enfim, os sociopoetas insistem na responsabilidade ética,
política, noética e espiritual do grupo-pesquisador, em todo o
processo de pesquisa, que não é propriedade dos pesquisadores
“profissionais”, que não é somente voltado para o mundo
acadêmico, e sim deve interferir com as necessidades e desejos dos
grupos que acolhem as pesquisas. Essa última orientação favorece
a desconstrução dos corpos assim como a emergência de desejos
e devires imprevisíveis.
Neste sentido, recito o poema da bailarina Vera Mantero:

[...] necessitamos das artes para não morrermos, as artes falam


conosco, as artes dizem-nos coisas, não se calam, não se calam,
não nos deixam no silêncio, não nos deixam no silêncio em que
se morre de tédio... [por isso] [...] é preciso sair do porta-moedas
e entrar na associação [...] na acoplagem, acoplagem de sentidos
ao nosso corpo, [...] é preciso entrar na transformação, é preciso
entrar no êxtase, na contemplação, na calma, nos sentidos do
corpo, na poesia, [...] no despreendimento, na queda, é preciso tirar
os sapatos, é preciso deitarmo-nos no chão, é preciso entrarmos
na imaginação, nas histórias, no pensamento, nas palavras [...] na
relação com os outros. Nós precisamos muito disto, [...] e estamos
a ter muito pouco disto e é por isso que [...] as vezes estamos muito
tristes ou temos a sensação de que a vida desapareceu de cá de
dentro. (MANTERO apud PELBART, 2000, p. 24).

Para concluir repito: necessitamos das artes para viver... e


convidamos os jovens, os pesquisadores, professores, enfim, as
pessoas presentes neste auditório a serem sementes de paz enquanto
promotores de vida. Nem qualquer paz, nem qualquer vida, mas
aquela que nos tira do sossego de um mundo anestesiado e nos faz
guerreiros de mundos diversos, múltiplos, infinitamente capazes de
modificar valores. Essa é a condição para que os jovens possam viver,
brincar e, principalmente, apaixonar-se pela vida. E tudo isso tem a
ver com a destituição dos conceitos eternos e com a verdade que
podem ser rasgados pela criação artística. É a cantiga da vida que
se celebra e a estética da existência que se instaura com seus rasgos
e riscos, pois como nos atravessa Marcelo Yuka, do Rappa a nossa
alma está cansada da paz que nos deixa sem voz, com medo!

334 Shara Jane Holanda Costa Adad • Sandra Haydèe Petit


Minha alma (A paz que eu não quero)
O Rappa
Composição: Marcelo Yuka
A minha alma tá armada e apontada
Para a cara do sossego!
(Sêgo! Sêgo! Sêgo! Sêgo!)
Pois paz sem voz, paz sem voz
Não é paz, é medo!
(Medo! Medo! Medo! Medo!)
Às vezes eu falo com a vida,
Às vezes é ela quem diz:
“Qual a paz que eu não quero conservar, Prá tentar ser feliz?”
As grades do condomínio
São prá trazer proteção
Mas também trazem a dúvida
Se é você que tá nessa prisão
Me abrace e me dê um beijo,
Faça um filho comigo!
Mas não me deixe sentar na poltrona
No dia de domingo, domingo!
Procurando novas drogas de aluguel
Neste vídeo coagido...
É pela paz que eu não quero seguir admitindo
É pela paz que eu não quero seguir
É pela paz que eu não quero seguir
É pela paz que eu não quero seguir admitindo
E é nisto que eu acredito! Obrigada!

Referências

ABRAMO, Helena. Considerações sobre a tematização da juventude


no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n 5/6,
maio/ago, 1997, set./dez., 1997.

BARROS, Manoel de. A ruína. In: BARROS, Manoel de: Poesia


completa. São Paulo: Leya, 2010.
A SOCIOPOÉTICA COMO ABORDAGEM DE PESQUISA E
ENSINO-APRENDIZAGEM COM/ENTRE ADOLESCENTES E JOVENS
335
GUATHIER, Jacques. Notícias de rodapé do nascimento da
Sociopoética, 2003.

GUATHIER, Jacques. Trilhando a vertente filosófica da montanha


sociopoética: a criação coletiva de confetos. In: SANTOS, Iraci dos;
FIGUEIREDO, Nébia Maria Almeida de; GAUTHIER, Jaques; PETIT,
Sandra Haydée. Prática da pesquisa nas ciências humanas e sociais:
aplicação da abordagem sociopoética. São Paulo: Atheneu, 2004.

MOSÉ, Viviane. É possível viver sem arte? 2006.


Disponível em: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/
FANT/0,,MUL696219-15607-157,00.html Acesso em: 24 maio 2011

PELBART, Peter Pál. A vertigem por um fio: políticas da


subjetividade contemporânea. São Paulo: Iluminuras, 2000.

SPÓSITO, Marilia Pontes. Juventude: crise, identidade e escola. In:


DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos Olhares. Belo Horizonte: UFMG,
1996.

336 Shara Jane Holanda Costa Adad • Sandra Haydèe Petit


PERFIL CIENTÍFICO DAS
ORGANIZADORAS E DOS AUTORES

ADIR LUIZ FERREIRA - Professor titular do Departamento de


Fundamentos e Políticas da Educação na UFRN. É professor,
pesquisador e orientador de mestrado e doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Educação da UFRN. Coordenador do grupo
de pesquisa ECOS-Escola Contemporânea e Olhar Sociológico,
certificado no Diretório Nacional de Pesquisas do CNPq. Tem pós-
Doutorado em Educação (UQAM - Université du Québec à Montréal),
1999). Doutorado em Études des Sociétés Latinoamericaines -
Université de Paris III, Sorbonne-Nouvelle), 1992. Especialização em
Politicas Públicas em Educação (Universidad Católica de Córdoba),
1995. Mestrado em Ciência Política (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul), 1986. Licenciatura e bacharelado em História pela
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul) 1981. Tem experiência de
pesquisa e no ensino superior, com ênfase em Sociologia da Educação
e Metodologia Qualitativa em Educação, atuando principalmente
nos seguintes temas: sociologia da educação, vida estudantil no
ensino superior, cultura acadêmica e cultura profissional, estudos
etnográficos da escola e metodologias qualitativas para pesquisa
educacional.

ANA TERESA SILVA SOUSA - Doutora em Educação pela


Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN desde agosto
de 2011, linha de pesquisa - Práticas Pedagógicas e Currículo, com
ênfase em Formação de Professores, Formação de Conceitos,
PERFIL CIENTÍFICO DAS ORGANIZADORAS E DOS AUTORES
337
Pesquisa Colaborativa, Práticas Docentes e Saberes. É Mestre em
Educação pela Universidade Federal do Piauí (2002). É Especialista
em Educação Infantil. Possui graduação em Pedagogia Magistério
pela Universidade Federal do Piauí (1990) Atualmente é professora
Adjunta da Universidade Federal do Piauí. Tem experiência na área
de Educação, Formação de Professores, Pesquisa Colaborativa,
atuando principalmente nos seguintes temas: Didática, Metodologia
do Ensino Superior, Práticas Pedagógicas e Currículo, Metodologia
da Educação Infantil, Estágio Supervisionado em Educação Infantil. 

ANTONINA MENDES FEITOSA SOARES - Professora da


Universidade Federal do Piauí/DMTE; Doutora em Educação
pela Universidade Federal do Piauí; Mestra em Educação pela
Universidade Federal do Piauí/UFPI; Licenciada em Ciências/Biologia
pela Universidade Federal do Piauí/UFPI; Especialista em Supervisão
Escolar pela Universidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO;
Especialista em Metodologia do Ensino Ciências Naturais (UFPI);
Especialista em Metodologia do Ensino de Biologia (UFPI). Integrante
da base de pesquisa FORMAR. Sócia da Associação Francofone de
Pesquisa Científica em Educação - AFIRSE. Possui experiência na
área na educação básica e superior. Desenvolve pesquisa na área
de concentração Formação de Professores, Práticas Pedagógicas e
Saberes Docentes. 

ANA LÚCIA ANDRUCHAK - Professora assistente na UNEMAT


- Universidade do Estado de Mato Grosso, concursada na área da
Metodologia Científica. Professora Efetiva na rede estadual de
Educação do Estado do Mato Grosso. Vinculada ao CEFAPRO -
Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação
Básica. Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado de
Mato Grosso (1994). Mestre em Educação pela Universidade Federal
de Mato Grosso (2007). Doutora em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (2016). Pesquisadora na Área da
Formação de Professores, Currículo, Escola Organizada por ciclos
de Formação Humana, Políticas Educacionais e Financiamento da
Educação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em

338
Formação de Professores, atuando principalmente nas seguintes
temáticas: Didática, Currículo, Estágio Curricular Supervisionado,
Metodologia Científica, História da Educação, Educação Infantil,
Ensino Fundamental e disciplinas específicas para a Formação
Docente. 

ANA LUIZA FLORIANO DE MOURA - Mestre em Educação, pela


Universidade Federal do Piauí - UFPI. Graduada em Pedagogia
pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI. Possui experiência na
Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e Ensino
Superior. Com trabalhos e pesquisas sobre a formação de professores,
educação infantil, prática pedagógica e alfabetização.

CARLA DAIANE ALENCAR MENDES - Mestra em Educação - UFPI,


professora efetiva da rede estadual de ensino do Piauí, graduada
em Filosofia e Pedagogia pela UFPI, pós-graduada em Metodologia
do Ensino Superior e Gestão Pública Municipal e orientadora de
TCC - UFPI. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa sobre Formação e
Profissionalização em Pedagogia - NUPPED, da Uiniversidade Federal
do Piauí. Com publicações na área de Filosofia e de Educação. 

CONCEIÇÃO DE MARIA RIBEIRO DOS SANTOS - Graduada em


Normal Superior pela Universidade Estadual do Piauí (2005) e em
Pedagogia pela Faculdade Latino Americana de Educação (2012).
Especialista em Docência Superior (UESPI), em Psicopedagogia
institucional e clínica para os anos iniciais (FAM), Mestre em
Educação pela Universidade Federal do Piauí (2013). Professora
efetiva da Prefeitura Municipal de José de Freitas-PI. Realiza pesquisas
envolvendo, principalmente os seguintes temas: formação inicial
e contínua de professores, ensino de Matemática, dificuldade de
aprendizagem, prática docente. Atua também como coordenadora
pedagógica adjunta de curso de extensão em empresa privada no
município de José de Freitas-PI

ERINEIDE CUNHA DE SOUSA - Possui graduação em PEDAGOGIA


pela Universidade Federal do Piauí (1991) e graduação em
PERFIL CIENTÍFICO DAS ORGANIZADORAS E DOS AUTORES
339
SUPERVISÃO ESCOLAR pela Universidade Federal do Piauí
(1992). Possui pós-graduação em SUPERVISÃO ESCOLAR pela
Universidade Estadual do Piauí (2000), PSICOPEDAGOGIA CLINICA
E INSTITUCIONAL pela Universidade Estadual do Piauí (2006) com
Complementação em PSICOPEDAGOGIA HOSPITALAR pelo Centro
de Orientação Especializada do Piauí COEPI (2007) e MESTRADO
em educação pela Universidade Federal do Piauí (2016). Atualmente
exerce a função de pedagoga da EJA e professora de matemática em
turmas do 1º ano do ensino fundamental.

ELIANA DE SOUSA ALENCAR MARQUES - Doutorado em


Educação pela Universidade Federal do Piauí. Professora do Programa
de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí.
Professora adjunta do Curso de Pedagogia no Departamento de
Métodos e Técnicas de Ensino na Universidade Federal do Piauí. É
vice-coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação na
Psicologia Sócio-Histórica (NEPSH) vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFPI. Desenvolve estudos e pesquisas em
educação a partir do Materialismo Histórico Dialético e da Psicologia
Sócio-Histórica envolvendo as seguintes temáticas: prática educativa
e transformação social, formação de professores, trabalho docente e
subjetividade; atividade de ensino e aprendizagem.

ELIEIDE DO NASCIMENTO SILVA - Doutorado em Educação pela


Universidade Federal do Piauí (2015). Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Piauí (2002). Atualmente é professora
Adjunta da Universidade Federal do Piauí-Campus Ministro Reis
Velloso. Membro do Grupo de Pesquisa FORMAR -UFPI. Linhas de
Pesquisa: Educação Matemática, Práticas criativas, Formação de
professor. Área de atuação: Didática da Matemática, Didática Geral,
Didática da Alfabetização e Educação Infantil.

FRANCISCO ANTÔNIO MACHADO ARAÚJO - Doutorando


em Educação (UFPI), Mestre em Educação (UFPI), Licenciado em
História (UESPI). Graduado em Pedagogia (ISEPRO), Especialista em
História das Culturas Afro-Brasileiras (FTC). Professor de História da

340
Rede Privada e Substituto do Curso de História da UFPI. Pesquisador
do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação na Psicologia Sócio-
Histórica - NEPSH. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7901115696539402.
Parnaíba - Piauí- Brasil, E-mail: chiquinhophb@gmail.com. Editor de
Publicações Acadêmicas ( Mediação Acadêmica)

IVANA MARIA LOPES DE MELO IBIAPINA - Graduada em Pedagogia


pela Universidade Federal do Piauí (1994), graduada em Ciências
Econômicas pela Universidade Federal do Piauí (1989), Mestrado em
Educação pela Universidade Federal do Piauí (2002) e Doutorado em
Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2004).
Estágio pós-doutoral (2009) realizado na PUC-SP, supervisionado
pela Professora Doutora Maria Cecilia Camargo Magalhães, na área
de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Atualmente (2017),
é professora aposentada da Universidade Federal do Piauí, Centro
de Ciências da Educação, Departamento de Métodos e Técnicas de
Ensino e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFPI. Coordenadora da base de pesquisa FORMAR. Presidente da
Associação Francofone de Pesquisa Científica em Educação - AFIRSE.
Possui experiência na área na educação básica e superior. Estuda e
pesquisa os seguintes temas: Prática educativa e formação docente,
docência universitária. Desenvolve estudos e pesquisas com base
nos princípios do Materialismo Histórico Dialético e da Pesquisa
Colaborativa.

ISANA CRISTINA DOS SANTOS LIMA - Mestrado em Educação,


com área de concentração em Formação de Professores, Práticas
Pedagógicas e Ensino, pela Universidade Federal do Piauí - UFPI
(2013), graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia (2010)
pela UFPI com habilitação em docência na Educação Infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental e Gestão Educacional. É professora
do quadro temporário da Universidade Estadual do Piauí - UESPI,
campus Clóvis Moura. É coordenadora do curso de Pedagogia da
Faculdade do Médio Parnaíba - FAMEP. É membro do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação na Psicologia Sócio-Histórica
- NEPSH do Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGEd
PERFIL CIENTÍFICO DAS ORGANIZADORAS E DOS AUTORES
341
da UFPI. Desenvolve pesquisas relativas à profissão docente, em
especial da dimensão subjetiva dessa profissão: a construção da
identidade do professor e os processos de produção de significados e
sentidos da profissão docente, com base na fundamentação teórico-
metodológica da Psicologia Sócio-Histórica. 

MARIA SALONILDE FERREIRA - Possui graduação em Pedagogia


pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1967), mestrado
em Mestrado Em Educação pela Universidade Federal de São Carlos
(1979) e doutorado em Doutorado Em Educação - Université de
Caen (1984). Atualmente aposentada da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, é professora colaboradora do Programa de
Pós-graduação em Educação. Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Fundamentos da Educação, atuando principalmente
nos seguintes temas: currículo, ensino-aprendizagem, ensino
fundamental, formação de conceitos e formação de professores.

MÁRCIA RIBEIRO SILVA FERNANDES - Mestra em Educação pela


Universidade Federal do Piauí (2016), especialista em Docência
Superior pela Faculdade Piauiense (2012), licenciada em Ciências
Biológicas pela Universidade Estadual do Piauí (2005). Professora
efetiva de Ciências da Prefeitura Municipal de Parnaíba. Assessora
Pedagógica da Rede SESI de Ensino do Piauí.

MARLINDA PESSÔA ARAUJO - Mestre em Educação pelo Programa


de Pós-Graduação em Educação da UFPI (2010) com área de
pesquisa em práticas pedagógicas do Ensino Superior. É especialista
em Administração de Organizações Educacionais (2002) e graduada
em Pedagogia (2000) pela mesma instituição. É diretora acadêmica
da Faculdade Piauiense (FAP) desde 2009 e professora efetiva do
Instituto Superior de Educação (ISEAF) desde 2005. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Didática, Supervisão/
Coordenação Pedagógica e Planejamento. Possui experiência na
docência do Ensino Superior desde 2000.

342
MARIA LEMOS DA COSTA - Doutora em Educação pela
Universidade Federal do Piauí - UFPI (2017), Professora Mestre em
Educação pela Universidade Federal do Piauí - UFPI (2012), graduada
em Licenciatura Plena em Normal Superior pela Universidade
Estadual do Piauí - UESPI (2005) e graduada em Licenciatura em
Pedagogia pela Faculdade Latino-Americana de Educação - FLATED
(2013). Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela
Faculdades Monte Negro - FAM (2008). Trabalhou como professora
efetiva da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC)
do município de Teresina no período de 2006 a 2017 da Secretaria
da Educação do Estado do Piauí (SEDUC-PI) no período de 2001
a 2017. Tem experiência na área de Educação como Coordenadora
Pedagógica com ênfase no Ensino-Aprendizagem. É membro ativa do
NUPPED - Núcleo de Pesquisa sobre Formação e Profissionalização
em Pedagogia da UFPI desde 2010. Atua como formadora do Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).

MARIA VILANI COSME DE CARVALHO - Tem pós-doutorado


(2011), doutorado (2004) e mestrado (1997) em Educação, com
área de concentração em Psicologia da Educação, pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. É professora-pesquisadora da
Universidade Federal do Piauí, na categoria associado, lotada no
Departamento de Fundamentos da Educação e no Programa de
Pós-graduação em Educação no Centro de Ciências da Educação,
atuando na área de Educação, em especial com a Psicologia da
Educação, ministrando disciplinas e orientando Trabalhos de
Conclusão de Curso e Dissertações e Teses.Tem estudado e publicado
sobre temáticas relativas à dimensão subjetiva da educação, como:
os processos constitutivos da (trans)formação humana, os processos
de construção da identidade do educador, os processos de produção
de significados e sentidos da profissão docente, notadamente da
formação e atividade docente, tendo como fundamentação teórico-
metodológica o Materialismo Histórico Dialético e a Psicologia
Sócio-Histórica.

PERFIL CIENTÍFICO DAS ORGANIZADORAS E DOS AUTORES


343
MARINEIDE GOMES DE OLIVEIRA DA CUNHA - Possui graduação
em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2006),
possui especialização em Psicopedagogia pela Universidade Estadual
Vale do Acaraú (2008); especialização a distância em Coordenação
Pedagógica pela Universidade Federal do Rio grande do Norte
(2014);especialização em Docência na Educação Infantil pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2016) e mestrado
em CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO - UNIVERSIDAD EVANGÉLICA DEL
PARAGUAY (2016). Atualmente é participante da base de pesquisa
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na
área de Educação, com ênfase em Educação 

PATRÍCIA DA CUNHA GONZAGA - Doutora em Educação (UFPI).


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí - UFPI. Pós-
graduada em Metodologia do Ensino de Ciências Biológicas com
ênfase em Educação Ambiental, pela Universidade Estadual do Piauí
- UESPI. Graduada em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas,
pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI. Professor Assistente
DE, na área Ensino de Ciências, no curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas, da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Membro do
Núcleo de Pesquisa sobre Formação de Professores e do Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Ensino e Formação de Professores de
Ciências (GRUPEC).

ROSALINA DE SOUZA ROCHA DA SILVA - Mestra em Educação pela


Universidade Federal do Piauí desde 25 de junho de 2016, orientada
pela Professora doutora IVANA MARIA LOPES DE MELO IBIAPINA.
Possui especialização em História da Arte e da Arquitetura pelo
Instituto Camillo Filho e Metodologia do Ensino: Fundamental, Médio
e Superior pela Faculdade de Ensino Superior do Piauí, graduação em
Licenciatura Plena em Educação Artística com Habilitação em Artes
Plásticas pela Universidade Federal do Piauí (1999). Atualmente
Professora do Instituto Federal de Educação, Cultura e Tecnologia
do Piauí-IFPI em Parnaíba, trabalhou na Secretaria de Educação do
Estado do Piauí e na SEMEC - Secretaria Municipal de Educação de
Teresina Piauí. Foi professora substituta na Universidade Federal do

344
Piauí por duas vezes e bolsista do Programa de aperfeiçoamento de
professores da educação básica - PARFOR-UFPI.

ROSIMEYRE VIEIRA DA SILVA - Possui graduação em LICENCIATURA


PLENA EM PEDAGOGIA pela Universidade Federal do Piauí (1999).
Mestrado em Educação (UFPI). Especialização em Docência do
Ensino Superior(UESPI). Especialista em Supervisão Escolar(UESPI).
Experiência na área de Educação no Ensino Fundamental como
professora e coordenadora pedagógica. Atualmente atua na Educação
Superior com as Disciplinas Pedagógicas no curso de Licenciatura em
Matemática no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Piauí-IFPI. Professora Formadora I do PARFOR

SHARA JANE HOLANDA COSTA ADAD - Bacharelado em Ciências


Sociais pela Universidade Federal do Piauí (2009). Especialista em
História do Piauí (1995). Doutorado em Educação pela Universidade
Federal do Ceará? UFC (2004). Professora adjunto da Universidade
Federal do Piauí - UFPI, lotada no Departamento de Fundamentos
da Educação - DEFE/CCE, atuando na área de Fundamentos
Sociológicos e Antropológicos da Educação no Curso de Licenciatura
em Pedagogia e na área Educação e Diversidades Culturais - Linha
de Pesquisa Educação, Políticas Públicas e Movimentos Sociais,
no Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma IES.
Integra o Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero e Cidadania?
NEPEGECI e o Observatório das Juventudes, cultura de paz e
violências na Escola - OBJUVE. Tem formação em arte-terapia. Atua
principalmente nos seguintes temas: Corpo. Juventudes. Práticas
educativas que envolvem a diversidade cultural em contextos
escolares e não escolares. Sociopoetica e Cartografia como
abordagens metodológicas. Desenvolve o projeto Educação, Corpo
e Movimento: agenciamentos de afectos, processos de criação e de
resistências nas práticas educativas com/entre crianças e jovens como
produção de outros modos de educar na contemporaneidade com
graduandos, pós-graduandos e professores da UFPI. As questões que
norteiam as práticas de pesquisa e de aprender são: Que vidas de
crianças e jovens há fora da geografia instituída? Quais os dizíveis
PERFIL CIENTÍFICO DAS ORGANIZADORAS E DOS AUTORES
345
e indizíveis das vidas de crianças e jovens escapam na educação?
Que possibilidades outras há de sentidos para as vidas de crianças e
jovens que são supostamente conhecidas? Ocupar-se justamente do
Fora, do não visto na Educação, do que se encontram em recantos a
serem perscrutados por corpos sensíveis à sua presença. 

SANDRA HAYDÈE PETIT - De origem caribenha, é mãe de


Kanyin (quem traz a benção). Seus estudos universitários foram
na Universidade Paris VIII de onde possui graduação em Línguas
Estrangeiras Aplicadas bem como Mestrado e Doutorado (1995)
em Ciências da Educação. Há 15 anos é professora da Universidade
Federal do Ceará. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
na Educação Popular e nas relações étnico-raciais (negros e índios),
hoje dedicada essencialmente aos temas: sociopoética, cosmovisão
africana educação afrodescendente, pretagogia. É coordenadora do
NACE- Núcleo das Africanidades Cearenses, que congrega professores/
as, alunos/as, pesquisadores/as e membros do movimento negro
que intervêm na área das africanidades, notadamente no apoio à
implementação da lei 10.639/03 que institui a obrigatoriedade do
ensino da cultura e história africana e afrodescendente nas escolas
públicas e particulares. Membro do GT Regional Nordeste 1 de
Inovação Pedagógica do MEC. Pretende realizar pós-doutorado
sobre a dança afro enquanto filosofia e fonte de conhecimento. E
ainda: gosta de dançar, correr (treinar), cozinhar, viajar, contemplar
a lua e o sol, tomar banho de água doce (Oxum), conversar com
Iemanjá, andar no mato e namorar.

SÍLVIA MARIA COSTA BARBOSA - Possui graduação em Pedagogia


pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (1982),
mestrado em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo
(2006) e doutorado em Educação (Psicologia da Educação) pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2011). Atualmente é
professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, é
membro do Grupo de Pesquisas em Formação e Profissionalização
do Professor.Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Formação de Professores, atuando principalmente nos seguintes

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temas: formação de professor, autoconfrontação, mediação,
atividade docente, subjetividade. 

VALDIRENE GOMES DE SOUSA - Doutora pelo Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí (2014). É
mestre em Educação (PPGEd/UFPI/2010), especialista em Docência
do Ensino Superior pela Faculdade Piauiense (FAP/2005). É graduada
em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí. Possui experiência
profissional na Educação Básica e no Ensino Superior. Atualmente
é Professora Adjunto I da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas Histórico-Culturais em
Formação de Professores e Prática Pedagógica (GEHFOP/UESPI) e
integrante do Grupo de Pesquisa em Educação matemática: uma
abordagem histórico-cultural (GPEMAHC). Orienta alunos da
graduação em atividades relativas à monitoria, projetos de pesquisa
(PIBIC) e trabalhos de conclusão de curso. Discute principalmente os
seguintes temas: educação matemática, formação docente, prática
pedagógica, proposições de ensino brasileira e davydoviana.

WIRLA RISANY LIMA CARVALHO - Professora Adjunta da


Universidade Federal do Piauí (UFPI) no Dpto. Métodos e Técnicas
de Ensino do CCE. Doutora em Educação Brasileira (UFC) na linha
de Avaliação Educacional; Experiências em Ensino Superior Público
(UFC) e Privado, com atuações também em EAD, orientações
de TCC (graduação e pós-graduação), parecerista, coordenação
pedagógica, ex-bolsista CAPES/DS, entre outras; Assessoria em
Projetos Sociais em Educação e Assistência Social para Terceiro Setor
(ONGs); Especializações em Docência do Ensino Superior (UFRJ) e
Psicopedagogia (UFC); Pedagoga e Bacharel em Ciências Contábeis
(UFC); Ex-Professora na Educação Básica (PMF).

PERFIL CIENTÍFICO DAS ORGANIZADORAS E DOS AUTORES


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Ebook disponível em:
http://leg.ufpi.br/ppged/index/pagi a/id/8517
ISBN 978-85-509-0222-7

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