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Resumo
O crescimento das alianças estratégicas na indústria aeronáutica mostra uma tendência dos
principais fabricantes de avião (Boeing, Airbus, Embraer e Bombardier) em direção a um
modelo de integração de sistemas. Este trabalho discute este modelo, assim como algumas
conseqüências que decorrem da sua adoção. As conseqüências identificadas foram: a
internacionalização das cadeias de suprimentos aeronáuticas; o surgimento ou fortalecimento
de atividades produtivas em algumas regiões; a ampliação das alianças estratégicas; o maior
poder dos fornecedores da primeira camada; desafios à base de fornecedores domésticos; a
disseminação do conhecimento entre cadeias de suprimentos; e o potencial surgimento de
novos competidores.
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nossos parceiros estratégicos de compartilhamento de risco e outros importantes
fornecedores” (EMBRAER, 2007, p.120).
No caso da Boeing, pode-se destacar os programas 767, 777 e, principalmente, o novo
programa 787 Dreamliner. Quanto ao último, a empresa divulga em seu site (o último acesso
dos autores foi feito em janeiro de 2010) que sua meta é alcançar um ciclo total de montagem
final de apenas 3 dias (a Boeing não dá detalhes, mas logicamente trata-se de uma meta a ser
alcançada quando o programa estiver em regime, embora seja difícil precisar em qual número
de série a empresa planeja alcançá-la). Embora o 787 tenha uma capacidade de 250 a 330
passageiros e preço em torno de 150 a 200 milhões de dólares, este ciclo não representa um
milagre produtivo: trata-se de uma evidência de que os fornecedores da Boeing assumiram um
grau tão elevado de responsabilidade pelo produto que facilitará a montagem final da Boeing.
Já na Airbus, pode-se destacar o gigante A380 (já em operação) e, principalmente, o novo
programa A350 XWB, futuro concorrente do 787 (mais detalhes podem ser obtidos em:
HORNG, 2007; PRITCHARD e MacPHERSON, 2007). Por fim, no caso da Bombardier,
pode-se citar o novo programa CSeries.
Qual modelo tem sustentado as decisões relacionadas à desintegração vertical dos
principais fabricantes de avião do mundo? Quais são as possíveis conseqüências, para a
indústria aeronáutica, da adoção deste modelo?
Este trabalho aproveita a fragmentada literatura disponível que aborda, direta ou
indiretamente, o modelo de integração de sistemas da indústria aeronáutica e observa a
movimentação dos principais fabricantes de avião do mundo para responder estas questões.
No caso da literatura disponível, o fato dela estar fragmentada significa que os autores, de
modo geral, mesmo aqueles que analisam este assunto diretamente, costumam abordar o
modelo de integração de sistemas da indústria aeronáutica adotando uma ou outra perspectiva.
Este trabalho procurou reunir a contribuição de diferentes autores visando construir um
quadro mais amplo e, portanto, completo sobre o que é o modelo de integração de sistemas e
suas conseqüências para a indústria aeronáutica. É importante esclarecer que, no caso
nacional, a literatura que trata diretamente sobre o modelo de integração de sistemas da
indústria aeronáutica é praticamente inexistente. Uma exceção é o trabalho de Souza (2007).
2 - Alianças estratégicas
Embora não haja consenso na literatura sobre a definição de aliança estratégica
(KLOTZLE, 2002), pode-se conhecer este tipo de aliança por meio de suas características.
Eiriz (2001), por exemplo, cita que uma aliança estratégica: é um meio para desenvolver uma
vantagem competitiva sustentável; um meio para responder a oportunidades e ameaças
externas; tem um impacto organizacional de longo prazo; é baseada em recursos
organizacionais que mostram forças e fraquezas; envolve todos os níveis hierárquicos da
organização; é influenciada pelo seu contexto cultural e político; envolve, direta ou
indiretamente, todas as atividades da organização; afeta decisões operacionais.
Pode-se dizer então que as alianças estratégicas dependem de decisões da alta
administração, são sustentadas por relacionamentos mais colaborativos entre as empresas e a
validade dos acordos tendem a cobrir um horizonte de longo prazo.
É uma preferência do autor a forma de classificar os tipos de alianças estratégicas
existentes. Como este trabalho não tem o objetivo de propor ou apresentar uma classificação,
ele limita-se a citar algumas das alianças estratégicas mais comuns encontradas na indústria
aeronáutica, explicitadas a seguir (as duas primeiras referem-se a alianças verticais, ou seja,
envolvem empresas que ocupam camadas diferentes da cadeia de suprimentos, enquanto que
as outras duas referem-se a alianças horizontais, por envolverem empresas que geralmente
ocupam a mesma posição relativa na cadeia):
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• Subcontratação: quando uma empresa subcontrata a outra uma parte do seu processo
de produção (EIRIZ, 2001);
• Parceria de risco: caracteriza-se por ser um tipo de aliança estratégica na qual a
empresa parceira é envolvida em etapas iniciais do desenvolvimento de um novo
programa e fica responsável pelo projeto e produção do sistema que lhe cabe no
acordo, sendo este geralmente uma parte importante e complexa do avião; por ser uma
espécie de “sócia” do fabricante de avião no novo programa, os parceiros assumem
riscos (tecnológicos, financeiros e de mercado; ver: ESPOSITO, 2004; BOWEN
JUNIOR, 2007) e recompensas (lucros adicionais caso o número de aviões vendidos
for maior do que o esperado; ver HORNG, 2007);
• Consórcio: estabelecido entre duas ou mais empresas que possuem capacidades e
competências geralmente complementares, visando o desenvolvimento de um projeto
técnico de grande envergadura e duração no tempo (EIRIZ, 2001);
• Joint-venture: quando duas ou mais empresas constituem uma nova entidade (EIRIZ,
2001).
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avião estaria na integração, em termos de projeto e produção, dos diferentes sistemas que
compõem um avião.
• Marketing: participação em feiras, apresentações, contatos com clientes atuais e
potenciais, gestão da marca, além das outras atividades típicas desta função.
• Desenvolvimento de produto: inclui tanto as primeiras etapas, quando o fabricante
de avião define os requisitos básicos do produto, quanto as etapas posteriores, quando
ocorre a participação dos fornecedores (parceiros de risco ou não), com forte interação
tanto entre os fornecedores e o fabricante quanto entre os próprios fornecedores. Os
sistemas que serão projetados, fabricados e fornecidos por diferentes fornecedores
devem “conversar” e se ajustar entre si de tal modo que o avião tenha as características
e atenda os requisitos definidos pelo fabricante de avião. No papel de líder, o
fabricante de avião deve definir padrões, implementar processos comuns, garantir que
as informações sejam compartilhadas entre todos os envolvidos, coordenar o seu time
e os times de projeto dos vários fornecedores de modo a garantir a total integração
entre todos os sistemas, armazenar informações sobre o programa e manter contato
próximo com o governo e as agências de certificação (o fabricante é legalmente
responsável pela certificação do avião, independentemente de quem tenha projetado e
produzido os seus sistemas isolados). O fato de não ser mais o único responsável por
todas as etapas do desenvolvimento (pois ele deve compartilhar esta responsabilidade
com os fornecedores, embora continue sendo o líder) não significa que o fabricante
deixará de preocupar-se com o desenvolvimento de novas tecnologias ou novos
materiais. A questão, neste caso, é que como a vantagem da especialização estará com
seus fornecedores, caberá a eles este desenvolvimento.
• Montagem final, ensaios e entrega: o fabricante recebe os sistemas dos fornecedores,
monta-os, pinta o avião nas cores da bandeira do cliente e conclui o avião, realiza os
testes e ensaios e, finalmente, faz a entrega. Isto exige que ele tenha certo controle
sobre o que ocorre nas fábricas dos seus fornecedores, visando o atendimento de
prazos e a definição de planos de contingência, se e quando necessário. Assim, ainda
que ele execute apenas parte das atividades relacionadas à produção do avião, ele deve
ter um papel de gestor (direto ou indireto) de todo o processo produtivo. Em paralelo,
ele deve perpetuamente buscar a melhoria das tecnologias e processos relacionados às
atividades sob sua responsabilidade. Além disso, deve fazer a gestão de toda a
documentação gerada durante o processo produtivo, visando garantir o histórico de
cada avião (rastreabilidade).
• Comercialização: venda de aviões (inclui a questão do financiamento e o contrato de
venda).
• Serviços ao cliente: publicações técnicas, treinamento (pilotos, engenheiros, técnicos,
etc), serviços de manutenção, reparo e revisão, etc.
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tamanhos e especializações diferentes, que estão espacialmente dispersas e que podem
inclusive atuar em diferentes indústrias.
Como exemplo, no EMB 120 Brasília a Embraer era responsável por praticamente
toda a parte estrutural (aeroestruturas) do avião. No caso do ERJ 145, posterior ao Brasília, a
espanhola Gamesa assumiu as asas, a chilena ENAER assumiu a empenagem (estabilizadores
horizontal e vertical) e a belga Sonaca a fuselagem traseira e uma central. No EMB 170/190,
posterior ao 145 e principal programa da empresa atualmente, a Gamesa ficou com a
empenagem e a fuselagem traseira e a francesa Latecoere com duas fuselagens centrais. As
parcerias de risco (que não estão restritas aos sistemas aeroestruturais) formadas pela empresa
subiram de 4 (no 145) para 16 (no 170/190) (ver BASTOS, 2006). Todos os parceiros de risco
da Embraer nestes dois programas são empresas estrangeiras (a Eleb, que atualmente pertence
à Embraer, embora seja um fornecedor da primeira camada, não é parceiro de risco da
empresa).
No 787 da Boeing, as japonesas Kawasaki, Mitsubishi e Fuji estão responsáveis pelo
fornecimento de aeroestruturas importantes - inclusive a asa, que é o sistema aeroestrutural
mais importante sob os pontos de vista de custo, sofisticação tecnológica e efeito sobre o
desempenho do avião (ver BOWEN JUNIOR, 2007).
Neste ponto é importante esclarecer que as atividades explicitadas anteriormente não
representam a realidade atual dos fabricantes de avião. Atualmente eles ainda projetam e
fabricam vários componentes e sistemas que, em tese, poderiam ser assumidas por outras
empresas (por exemplo, no programa 170/190, a Embraer é responsável pela fuselagem
dianteira e por uma central). Assim, seria muito limitado e frágil definir o modelo de
integração de sistemas da indústria aeronáutica de uma forma estática, única e perfeitamente
identificável, tal qual as atividades anteriores parecem sugerir. Ao contrário, faz mais sentido
considerar este modelo como um processo evolutivo no qual as atividades anteriores
representam seu limite final (último estágio).
Neste contexto, uma questão procedente é se os fabricantes de avião desejam
realmente alcançar este último estágio. Embora seja possível imaginar um limite final para o
modelo de integração de sistemas, o modelo ideal buscado por um fabricante específico pode
estar um ou alguns estágios antes deste limite. Assim, propõe-se aqui que a idéia do modelo
como um processo evolutivo deve ser complementada pela idéia de que o limite buscado por
cada fabricante pode estar ao longo de um continuum, ou seja, os limites dos diferentes
fabricantes podem não coincidir em um ponto final comum. As empresas são diferentes
porque têm estratégias diferentes; portanto, a decisão de qual é o ponto ideal a ser adotado ao
longo deste continuum deve estar subordinada a esta estratégia.
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A internacionalização das cadeias de suprimentos não é um fenômeno recente, tendo
começado em alguns setores há algumas décadas e atualmente afeta diferentes indústrias, tal
como a de automóveis, a eletrônica, entre outras (ESPOSITO e RAFFA, 2006).
Uma porcentagem considerável do valor de um avião (motores, aviônicos, interiores,
etc) tradicionalmente sempre foi fornecida aos fabricantes de avião por outras empresas
(ABOULAFIA, 2007), embora não necessariamente do exterior. Mas a internacionalização
também é algo tradicional na indústria aeronáutica, por ser empregado há muito tempo
(NIOSI e ZHEGU, 2005; ESPOSITO e RAFFA, 2006).
O modelo de integração de sistemas fortalece esta tradição ao impulsionar este
fenômeno de forma drástica. Na verdade, a internacionalização da indústria aeronáutica não
só representa uma das características mais marcantes deste modelo (sendo a forma como ele é
observado explicitamente), mas se confunde com ele; mais do que isso: ela praticamente o
define. Tanto que eles passam a ser quase a mesma coisa; neste contexto, é procedente até
uma proposta de discussão sobre o que cria o que (embora este trabalho não se proponha a
discuti-la): atualmente é o modelo de integração de sistemas que gera a internacionalização da
indústria aeronáutica ou este modelo é apenas o ponto culminante da história da
internacionalização desta indústria?
O processo de internacionalização tornou a indústria aeronáutica uma rede produtiva
organizada globalmente, com cadeias de suprimentos cada vez mais dispersas (ver:
JOHNSON, 1999; ESPOSITO, 2004; NIOSI e ZHEGU, 2005; BEDAQUE JUNIOR, 2006;
ESPOSITO e RAFFA, 2006, 2007; HORNG, 2007; MARTINEZ, 2007).
No caso da Embraer, com base em dados e informações de Bernardes e Pinho (2002),
Dorna et al. (2004), Lima et al. (2005), Netto (2005), Bastos (2006) e Martinez (2007) sobre
os parceiros e fornecedores da empresa e sobre a distribuição relativa dos materiais fornecidos
em termos da sua origem, percebe-se que o fluxo de suprimentos que vem do exterior é muito
maior do que o nacional nos programas 145 e 170/190, tanto em termos do número de
fornecedores quanto em termos do valor dos materiais fornecidos. Como resultado, tem-se
que o conteúdo nacional dos aviões tem reduzido, conforme observado por Martinez (2007) e
por Pinto, Migon e Montoro (2007). Mas isto também é observado em outros fabricantes de
avião (ver: MacPHERSON e PRITCHARD, 2003; PRITCHARD e MacPHERSON, 2004).
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proporção crescente dos grandes aviões tem operado em rotas asiáticas, as limitações de
densidade de tráfego e capacidade dos seus aeroportos têm influenciado as especificações de
projeto dos novos programas. Além disso, alguns dados colhidos pelo autor mostram que esta
região tem algumas das mais importantes companhias aéreas do mundo, em termos de
lucratividade e competência técnica.
Os países asiáticos que mais têm recebido destaque na literatura são: Japão, Coréia do
Sul, Rússia, Taiwan, China, Singapura e Índia. Existem muitas informações disponíveis sobre
a participação desses países em atividades da indústria aeronáutica (ver: ANTOINE et al.,
2003; MacPHERSON e PRITCHARD, 2003, 2007; BALES, MAULL e RADNOR, 2004;
BOWEN JUNIOR, 2007; HORNG, 2007; BÉDIER, VANCAUWENBERGHE e van
SINTERN, 2008). O Japão, por exemplo, tem uma importância histórica crescente: o país tem
uma longa tradição nesta indústria e sua participação nos últimos três programas da Boeing
(767, 777 e 787) foi ascendente.
A Embraer, por sua vez, ainda tem privilegiado suas principais alianças estratégicas
com empresas dos Estados Unidos e de países da Europa. Mas a empresa também tem feito
sua contribuição para ajudar a começar ou fortalecer as atividades aeronáuticas em outras
regiões. Fora do eixo EUA-Europa, a fábrica da empresa na China (uma joint-venture
formada em 2002 com duas subsidiárias da China Aviation Industry Corporation II) é um
exemplo obrigatório por ter sido seu primeiro empreendimento industrial fora do Brasil
(NETTO, 2005).
Outro exemplo envolvendo a Embraer, mais recente, refere-se à decisão da empresa de
construir duas fábricas em Portugal (um país sem muita tradição na indústria aeronáutica),
“uma dedicada à fabricação de estruturas metálicas usinadas e outra à fabricação de conjuntos
em materiais compósitos, ambas localizadas na cidade de Évora” (informação à imprensa
divulgada pela empresa em seu site em 26 de julho de 2008).
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NETTO, 2005). A tendência, portanto, é que a empresa continue a implementar este tipo de
aliança em seus programas futuros.
Cabe destacar que a camada ocupada por uma empresa em uma cadeia de suprimentos
aeronáutica tem relação com o tipo de aliança estratégica formada: na camada do fabricante
de avião são comuns a formação de consórcios e joint-ventures com outros fabricantes,
enquanto que na primeira camada de fornecedores tem sido uma tendência a formação das
parcerias de risco e nas camadas mais inferiores, a subcontratação; ou seja, é comum que
quanto mais alta a posição ocupada por uma aliança na cadeia, maior é a possibilidade dela
ser de um tipo em que o relacionamento entre as empresas envolvidas é mais profundo e
próximo.
Para o caso específico dos fornecedores que ocupam a primeira camada da cadeia, há
uma pena e uma recompensa: (i) quanto mais alto um fornecedor está na cadeia, maior o risco
que ele corre (JOHANSEN, COMSTOCK e WINROTH, 2005), pois maiores são suas
responsabilidades (o risco é proporcional à camada da cadeia); (ii) como contrapartida por
participarem de alianças mais profundas e próximas com o fabricante de avião e serem
“sócios” dele em um programa, compartilhando seus riscos, esses fornecedores são
envolvidos cedo no projeto, assinam compromissos de longo prazo e são selecionados como
fonte única (HORNG, 2007).
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Mas existe outro fator relacionado à idiossincrasia dos sistemas fornecidos. De acordo
com Cizmeci (2005), existem exigências relacionadas à certificação do avião que tornam o
processo de obtenção de uma segunda fonte custoso e demorado. Ao se obter um fornecedor
alternativo, não só o sistema deste segundo fornecedor teria que ser certificado, mas seus
componentes e o próprio avião (que teria que ser certificado novamente). Ou seja: variações
de sistemas importantes significam diferentes configurações (da estrutura de produto) o que,
por sua vez, exigem diferentes certificações.
Os fatores anteriores ilustram que a indústria aeronáutica tem algumas características
que favorecem a opção pela fonte única, pelo menos no caso dos fornecedores mais
importantes. Isto não significa, porém, que é improvável encontrar dois fornecedores
fornecendo um mesmo tipo de sistema importante para um mesmo avião. A Boeing e a
Airbus, por exemplo, costumam oferecer a seus clientes duas opções de motores (de
fabricantes diferentes) para cada modelo de avião.
Intrinsecamente relacionada à questão da fonte única (por também ser motivada pelos
fatores anteriores), está a questão da fidelidade no relacionamento do fabricante de avião com
seus fornecedores da primeira camada - que parece muito presente na indústria aeronáutica.
Conforme já foi citado, uma característica geral das alianças estratégicas é que a validade dos
seus acordos tende a cobrir um horizonte de longo prazo. O fato dos programas terem uma
vida útil longa impõe esta característica como necessidade. Além do mais, conforme
argumentam Tan, Lyman e Wisner (2002), trocar de fornecedor pode ser muito caro.
Outra característica relacionada aos fornecedores da primeira camada tem se tornado
evidente na indústria aeronáutica. Quem observa esta indústria mais de perto assiste uma
reação em cadeia em pleno movimento: os fabricantes de avião, sem mais condições de,
sozinhos, vencer as enormes barreiras e os gigantescos riscos associados ao lançamento de um
novo programa, têm compartilhado estes fardos com seus fornecedores da primeira camada
(por meio, por exemplo, das parcerias de risco); estes, então, passam a assumir mais
responsabilidades, projetando e produzindo sistemas mais complexos e integrados (BALES,
MAULL e RADNOR, 2004; DESTEFANI, 2004; CIZMECI, 2005; ESPOSITO e RAFFA,
2007; MacPHERSON e PRITCHARD, 2007). Como consequência, estes fornecedores vêem-
se em uma situação em que as barreiras e os riscos que recaem sobre eles criam um cenário
igualmente difícil de gerenciar sozinho. O resultado é que eles estão transferindo parte das
suas barreiras e riscos aos seus próprios fornecedores (NETTO, 2005; HORNG, 2007; no caso
dos fabricantes de motores, ver: OLIVEIRA, 2005; TIWARI, 2005). Assim, os fornecedores
da primeira camada tendem, eles próprios, a se transformarem em integradores de sistemas
(ver: TIWARI, 2005; HORNG, 2007).
Tem-se, então: concentração de fornecedores (“poucos grandes” fornecedores),
compartilhamento de fornecedores (fornecedores comuns entre os fabricantes de avião), fonte
única, fidelidade entre o fabricante de avião e seus fornecedores e, finalmente, transformação
dos fornecedores em integradores de sistemas. Estas várias características, por conferirem
robustez à relação fabricante de avião-fornecedores da primeira camada, fortalecem ambos os
lados do duopolo, porém, quem parece ser mais favorecido em termos relativos é o pólo que
tradicionalmente sempre foi o mais fraco, pelo menos em termos de decisões sobre o
programa e a gestão da cadeia: o dos fornecedores. Estes, então, crescem em importância.
Assim, parece que não são apenas barreiras e riscos que estão sendo transferidos do fabricante
de avião para os fornecedores, mas também poder, principalmente quando esta questão é
analisada sob o ponto de vista de um programa já em fase de produção seriada, com os aviões
já sendo produzidos para atender os pedidos firmes dos clientes.
Esta questão do maior poder dos fornecedores e, consequentemente, da maior
dependência dos fabricantes de avião em relação a eles não passa despercebida na literatura
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(ver: BALES, MAULL e RADNOR, 2004; ABOULAFIA, 2007) e, de fato, é assumida, por
exemplo, pela própria Embraer (ver EMBRAER, 2004).
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internacionalização da cadeia. Foi esta preocupação (sobre seu futuro) que Bernardes e Pinho
(2002) sentiram dos pequenos e médios fornecedores locais da cadeia da Embraer durante sua
pesquisa.
Para Horng (2007), a competição global e os requisitos técnicos e financeiros podem
fazer com que fornecedores das camadas mais baixas da cadeia (como é o caso daquelas que
orbitam a empresa-âncora em um cluster) sofram fusões ou sejam adquiridos por empresas
maiores visando terem uma posição suficientemente robusta para competir. Desta forma, este
autor ainda acredita na ocorrência de fusões e aquisições que historicamente sempre
caracterizaram a indústria aeronáutica (apesar dele também acreditar que formas mais soltas
de colaboração entre as empresas poderiam ser uma alternativa).
Outros autores, por outro lado, são mais críticos: MacPherson e Pritchard, por
exemplo, são pessimistas no que se refere às conseqüências do modelo de integração de
sistemas sobre a base de fornecedores domésticos da Boeing, os empregos na indústria
aeronáutica americana e sua capacidade tecnológica (ver, por exemplo: MacPHERSON e
PRITCHARD, 2003, 2007; PRITCHARD e MacPHERSON, 2007). Estas questões, no
entanto, são bastante complexas e geram debate (no caso do emprego, sugere-se a leitura de
SCOTT, 1999).
De qualquer forma, pelo fato do modelo de integração de sistemas estar favorecendo
uma internacionalização que começa em um ponto estratégico da cadeia - a primeira camada,
ocupada por grandes fornecedores com poder de decisão sobre as camadas inferiores -, parece
que serão gerados desafios: (i) ao adensamento das cadeias locais dos fabricantes de avião;
(ii) à base de fornecedores domésticos atuais.
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programa anterior, o caça Tornado, com a participação de dois outros fabricantes de avião:
um inglês e outro alemão. Por sua vez, Martinez (2007) cita que a parceria da empresa
espanhola Gamesa no programa 145 da Embraer foi um dos seus primeiros negócios no setor
aeronáutico; a experiência foi, posteriormente, aproveitada no relacionamento com outros
fabricantes.
Portanto, a disseminação do conhecimento na indústria aeronáutica ocorre através dos
diferentes níveis das cadeias, seja por meio da existência de alianças entre empresas que
ocupam cadeias diferentes (entre fabricantes de avião ou entre fornecedores), seja por meio de
fornecedores comuns que atendem diferentes fabricantes.
Baseado em Esposito (2004) e Oliveira (2005), pode-se dizer que o resultado de todo
esse processo de propagação do conhecimento é um tanto quanto esperado: (i) redução da
distância (tecnológica) entre as empresas (entre fabricantes de avião e entre fornecedores); (ii)
homogeneização dos produtos, inclusive dos aviões (evidentemente, dentro de uma mesma
categoria); (iii) por fim, acaba ocorrendo uma melhoria geral do produto avião.
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aliança seria uma forma de resolver pelo menos uma parte do problema dos países que
potencialmente estariam interessados em participar dessa indústria olhando o mercado do topo
da cadeia.
5 - Considerações finais
O modelo de integração de sistemas da indústria aeronáutica encontra similaridades
com o modelo de sistemistas da indústria automobilística. Tanto que, se atualmente as
empresas que fabricam automóveis são designadas por “montadoras”, a literatura relacionada
à indústria aeronáutica já começa a adotar o termo “integradora de sistemas” para designar as
empresas que fabricam aviões (ver: JOHANSEN, COMSTOCK e WINROTH, 2005;
OLIVEIRA, 2005; HORNG, 2007; MAZAUD e LAGASSE, 2007; PINTO, MIGON e
MONTORO, 2007). O termo “integração de sistemas” tem a vantagem de representar melhor
a arquitetura integral do produto avião. Além disso, o termo resume, em si, a tendência da
indústria aeronáutica: a necessidade de integração é conseqüência da opção dos fabricantes de
avião em focar esta atividade, o que implica que os sistemas e seus componentes sejam
projetados e fabricados por outras empresas que, cada vez mais, formam uma rede global de
suprimentos.
Os programas mais recentes dos principais fabricantes de avião do mundo mostram
que estes fabricantes evoluem, programa a programa, em direção a este modelo. Assim, este
modelo representa um importante meio pelo qual atualmente ocorre a desintegração vertical
na indústria aeronáutica, pois nele os fabricantes de avião concentram o seu foco em
atividades relacionadas às suas competências essenciais enquanto que as atividades associadas
às suas competências não essenciais são transferidas a outras empresas.
Embora o modelo de integração de sistemas tenha sido definido neste trabalho em
termos de atividades, algumas competências claramente terão que ser dominadas pelos
fabricantes de avião que desejam evoluir ao longo do continuum que foi proposto neste
trabalho para representar este modelo. De fato, algumas destas competências se tornam mais
claras quando consideradas as conseqüências, discutidas anteriormente, que decorrem da
adoção deste modelo pelos fabricantes de avião.
A evolução do modelo de integração de sistemas está intrinsecamente relacionada ao
crescimento das alianças na indústria aeronáutica, em termos de quantidade e intensidade. Isto
porque os fabricantes de avião implementam o modelo de integração de sistemas, em termos
práticos, por meio da formação de alianças estratégicas, já que é por meio dessas alianças que
as atividades associadas às suas competências não essenciais são transferidas a outras
empresas. Assim, uma das competências que os fabricantes de avião devem dominar visando
evoluir no modelo de integração de sistemas refere-se à capacidade de formação de boas
(colaborativas e de longo prazo) alianças estratégicas. Outra competência, intrinsecamente
relacionada a esta, refere-se à capacidade de gerir a cadeia de suprimentos - considerando que
os fabricantes de avião têm transferido para a sua base de fornecimento uma responsabilidade
cada vez maior pelo valor agregado do produto avião.
Neste contexto, embora o desenvolvimento de trabalhos que coloquem o modelo de
integração de sistemas como elemento central de análise possam ser justificados por si só,
considerando que este assunto ainda é pouco explorado na literatura (em especial a nacional),
sugere-se que sejam priorizados trabalhos que abordem este modelo sob a perspectiva das
dificuldades, exigências e oportunidades relacionadas à gestão da cadeia de suprimentos. Esta
sugestão se justifica pelo fato deste modelo implicar em mudanças profundas nas cadeias de
suprimentos aeronáuticas.
Por fim, cabe ressaltar que estas mudanças exigirão mais de algumas funções do que
de outras. Duas que são profundamente impactadas pelas transformações geradas pelo modelo
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de integração de sistemas são a função desenvolvimento de produto (responsável pela
integração de sistemas no contexto de projeto) e a função compras (responsável pela interface
entre o fabricante de avião e sua base de fornecimento).
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