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Um fantasma assombra o k-pop

Suicídios e depressão que vitimam artistas são parte de problema maior na Coreia do Sul

Chung Sung-Jun/Getty Images


Chung Sung-Jun/Getty Images
NATALIA ENGLER
DO UOL, EM SÃO PAULO

A perda repentina de Kim Dong Yoon, 20, no fim de julho, foi mais um sinal
alarmante de que algo não está bem no mundo do k-pop. Quando as causas de sua
morte forem esclarecidas, é provável que o rapper do grupo Spectrum se junte à
crescente lista de expoentes do pop coreano que perderam a vida cedo demais por
razões ligadas a sua saúde mental.

Foram três mortes em um período de menos de sete meses: em dezembro, Kim


Jong-hyun, principal vocalista do grupo SHINee, suicidou-se aos 27 anos; e Seo 
Min-woo, líder do 100%, morreu em maio, após uma parada cardíaca possivelmente
causada por overdose. Outros integrantes desse universo também tiveram que se
afastar dos holofotes no último ano para tratar depressão, anorexia e dependência
química.

Mas esses não são casos isolados: é alto o número de artistas que se suicidaram na
Coreia do Sul desde meados dos anos 2000, quando o país passou a investir
fortemente na indústria do entretenimento –uma pesquisa realizada em 2010 pela
atriz Park Jin-hee para seu mestrado indicava que 40% de seus pares sofriam de
depressão e 20% já haviam comprado agentes tóxicos ou outros "dispositivos" para
o suicídio.

Vítimas do sucesso
Divulgação/WYNN Entertainment Reprodução/Instagram Ilgan Sports/Getty Images

Kim Dong Yoon Seo Min-woo Kim Jong-hyun

(1998-2018) (1985-2018) (1990-2017)


A perda mais recente no mundo do O líder do grupo 100%, que tinha Principal vocalista do grupo
k-pop ainda não foi esclarecida, 33 anos, foi encontrado SHINee, um dos maiores
mas a notícia de que as inconsciente em sua casa em Seul expoentes do k-pop, Jong-hyun se
autoridades iriam realizar uma no fim de março. A causa da morte suicidou em dezembro, deixando
autópsia no corpo do rapper de 20 divulgada pela agência do artista uma mensagem em que detalhava
anos do grupo Spectrum, que foi parada cardíaca, mas a seu estado depressivo: "Estou
morreu repentinamente no fim de imprensa local aventou a partido por dentro. A depressão
julho, indica que a causa da morte possibilidade de uma overdose que lentamente foi me destruindo
não foi natural. acidental de drogas, já que ele não já me devorou e não consegui
tinha problemas de saúde. superá-la".

Divulgação Chung Sung-Jun/Getty Images Chung Sung-Jun/Getty Images

JinE T.O.P. ChoA

A integrante do grupo Oh My Girl O rapper do grupo Big Bang foi A atriz e cantora anunciou sua
decidiu fazer uma pausa na internado após uma overdose de saída do grupo AOA em junho do
carreira em agosto do ano medicação controlada em junho do ano passado, aos 27 anos, para se
passado, aos 22 anos, para tratar ano passado, aos 29 anos, durante tratar. Ela sofria de depressão,
sua anorexia. Ela dava sinais da seu período de dois anos de insônia e exaustão e afirmou na
doença desde pelo menos 2015, serviço militar obrigatório, quando época que sua saúde mental não
quando teve problemas de saúde foi acusado de uso de maconha e havia melhorado mesmo depois de
após perder 9 kg para "estar em aguardava julgamento pelo crime, ser medicada, e que isso estava
forma" para a promoção do álbum que pode render até cinco anos de afetando seu trabalho e
"Closer". prisão no país. prejudicando as colegas de grupo.

Questão de saúde pública

A notoriedade desses casos joga luz sobre o que é um problema mais amplo de
saúde pública na Coreia do Sul. O país tem a maior taxa de suicídios no mundo
desenvolvido (é o 10º colocado no ranking geral), com 24,1 mortes a cada 100 mil
habitantes, segundo dados reunidos pela Organização Mundial da Saúde em 2015.
No mesmo ano, os suicídios foram a principal causa de morte de pessoas entre 10 e
39 anos no país, de acordo com o Serviço Coreano de Informação Estatística.

"Óbvio que o problema na indústria musical é muito sério, mas na verdade o k-


pop não passa de um microcosmo do que é a vida do jovem sul-coreano desde muito
cedo. E é provavelmente o maior problema de saúde pública que a Coreia enfrenta
hoje em dia", diz Thiago Mattos, mestre em relações internacionais e especialista em
Leste Asiático, que trabalha para a embaixada do Brasil na Coreia do Sul há um ano.

"O sistema de ensino é muito pautado na ideia de que você tem que ser o melhor,
tem que vencer", acrescenta ele, apontando que no Ensino Médio os jovens sul-
coreanos têm uma jornada escolar de cerca de 12 horas diárias, desde cedo com o
objetivo de entrar nas melhores universidades.

Essa competitividade tem relação com a rápida ascensão econômica da Coreia do


Sul, que em duas gerações se transformou de uma sociedade pobre e agrária para
a 11ª maior economia do mundo, e se acirrou depois da crise do fim dos anos 1990.

"Historicamente, em países que num curto espaço de tempo ascendem de uma


situação de pobreza para uma situação de abundância econômica, aumenta muito
o desejo entre as pessoas de conseguirem ser vencedoras nessa sociedade, e isso
pode aumentar o individualismo e a competitividade entre adolescentes, e pode
aumentar a frustração quando eles não conseguem chegar onde pensaram", explica
o psiquiatra Neury Jose Botega, professor da Unicamp e especialista em saúde
mental.

"A sociedade sul-coreana lembra um pouco algumas coisas da sociedade japonesa,


muito voltada para o trabalho, onde há uma pressão social muito forte. Isso acaba
sendo um fator, entre vários outros, que pesa para o aumento de suicídios entre os
jovens sul-coreanos", completa.

Mattos vai no mesmo sentido: "De tanto investir na educação sem pensar muito nas
pessoas, mas sim no propósito econômico do ensino, chegou-se a um ponto de
sociabilidade em que uma das consequências é essa pressão sobre os jovens e,
como consequência, as altas taxas de suicídio", diz. "Com certeza isso se insere e
transborda para o mundo do k-pop, mas é um problema generalizado do país".

"Cultura descartável"

As pressões sociais e competitividade ganham


contornos específicos na grande indústria de
entretenimento chamada k-pop, que ascendeu a
partir dos anos 1990, quando o governo sul-
coreano percebeu o potencial econômico do setor
e passou a incentivá-lo.

É um setor com pouco espaço para a


espontaneidade, com escolas preparatórias em que
os adolescentes entram muito cedo para
desenvolver talentos como cantar, dançar e
interpretar, e onde esperam ser notados pelas
grandes agências que gerem as carreiras dos
artistas e lançam os grupos.

"Quando o artista passa em uma audição em


alguma agência, geralmente leva pelo menos 2 a 5
anos de treino até que esteja preparado para
debutar (lançar o artista na indústria), às vezes
mais", explica Natalia Pak, brasileira filha de
imigrantes coreanos e coautora do livro "K-Pop:
Manual de Sobrevivência" (Gutenberg, 2017).

“É um processo muito competitivo, porque


mensalmente os trainees (quem está em
treinamento para ser 'idol', nome dado aos astros
do k-pop) precisam mostrar o que estão
aprendendo, e se não mostram evolução as
agências acabam não continuando com eles. As
agências têm uma alta rotatividade de trainees",
conta a jornalista Érica Imenes, coautora de "K-Pop:
Manual de Sobrevivência".

"Quando um grupo consegue estrear, mesmo


depois de muitos anos como trainees, eles
encontram pela frente uma agenda apertada, muito
trabalho, nenhum descanso, distância da família e
dos amigos", continua.

Tudo isso para tentar chegar ao topo, em meio à


forte concorrência, e se manter lá.

 Todo verão, surgem dúzias de


bandas de k-pop. Eles sabem
que são, de uma certa forma,
cultura descartável. Então há
uma pressão muito grande de
chegar ao sucesso o mais
rápido possível, de uma forma
mais intensa, porque sabem
que têm pouco tempo debaixo
dos holofotes. É uma vida
muito cruel.
Thiago Mattos

Jean Chung/Getty Images

Padrões rígidos

Além do trabalho intenso, o preparo de um artista de k-pop também envolve moldar


seu estilo de vida, comportamento e aparência. Até 2009, quando o governo sul-
coreano começou a regular os contratos, as agências podiam transformar os artistas
praticamente em escravos, submetendo-os as cláusulas rígidas.

"O nome 'ídolo' já diz tudo. A imagem deve ser perfeita. Não somente em cima dos
palcos, mas fora deles também devem mostrar uma imagem impecável, boa postura,
educação", diz Pak. "Apesar de hoje em dia muitos artistas estarem 'quebrando as
regras', relações de namoro também são 'mal vistas' pelos fãs sul-coreanos".

Não se posicionar politicamente também faz parte das regras, o que inclui falar sobre
sexualidade. "No caso do integrante do SHINee que se suicidou, especula-se que ele
era homossexual e não podia falar sobre a homossexualidade, porque falar sobre a
orientação sexual seria um ato político e você não pode expressar isso, de acordo
com o contrato da banda. Então, a pressão é muito grande", aponta Mattos.

Todos esses fatores podem se combinar para fragilizar a saúde mental desses
artistas.

"É óbvio que isso interfere, que deixa algo negativo, mas não porque são artistas ou
porque é k-pop, mas porque qualquer tipo de pressão, expectativa não é positivo
para as pessoas, no geral", acredita Imenes.

"Ainda é um grande tabu para os sul-coreanos falarem abertamente sobre depressão


e ansiedade. Mas com certeza muitos artistas, e muitos já afirmaram isso, sofrem
bastante devido às pressões e regras impostas pela sociedade sobre como ser e se
comportar como 'idol'", completa Pak.

Tabu

O tabu em torno de doenças mentais é outro fator que contribui para a


vulnerabilidade desses astros, e dos jovens sul-coreanos de modo geral, que não se
sentem seguros para falar sobre depressão, ansiedade ou outros problemas.

"Nas culturas orientais, é feio uma pessoa falar que está deprimida ou desanimada.
Lá eles se queixam com o corpo, porque é muito difícil para eles ver isso como um
problema de saúde", explica Botega. "Então, tem a questão do estigma também.
Confunde-se depressão com fraqueza moral. Só os frágeis ficam deprimidos",
completa o psiquiatra.

"Por mais grave que isso seja, o suicídio é sim um tabu no país. Ainda há muito a
ideia de que o suicida é uma pessoa fraca, que não conseguiu ser bem-sucedida.
Mas quando esses casos vêm a público, sempre reacende essa questão", concorda
Mattos.

Para Imenes, é por isso que a discussão sobre suicídio não pode se restringir ao
universo do k-pop. "Alguns 'idols' que têm mais coragem ou mais liberdade têm
falado a respeito, mas o problema é que não tem que começar a discussão somente
focada no entretenimento. Isso é uma mudança social".

Membros do BTS, grupo de maior sucesso do k-pop atualmente, foram alguns dos
que tocaram no assunto após o suicídio de Jong-hyun, ainda que timidamente. Em
entrevista à revista Billboard, Suga disse: "Se sabemos que todos estão sofrendo e
se sentem solitários, espero que possamos criar um ambiente em que seja possível
pedir ajuda". RM, por sua vez, afirmou esperar que as autoridades coloquem em
prática políticas para aliviar o estresse dos jovens que estão sofrendo.

O governo sul-coreano vem tentando implementar algumas medidas, como uma


reforma trabalhista prometida pelo atual presidente Moon Jae-in para reduzir a
jornada de trabalho, que encontra resistência do setor privado. Há também
intervenções mais diretas, como uma tentativa de transformar em símbolo de vida
uma ponte em Seul de onde muitas pessoas se jogavam para a morte (o que
acabou tendo efeito contrário), e proibição de substâncias usadas por suicidas.

"O país tem realmente tentado encontrar um caminho, mas isso pede transformações
muito profundas naquilo que até hoje é o maior orgulho da Coreia, que foi a
revolução na educação, que subsequentemente levou ao desenvolvimento, mas que
é uma educação feita sobre uma premissa muito prejudicial aos próprios coreanos.
É doloroso para a Coreia admitir que o modelo que trouxe desenvolvimento é o
mesmo que hoje em dia mata seus jovens, que causa tanta infelicidade para o país",
conclui Mattos.

Jovens vulneráveis

Além de ser sintoma de um problema maior, o


suicídio de jovens astros ainda pode ter o efeito
indireto de atingir negativamente os fãs que já
estejam em uma situação mais vulnerável. O
fenômeno é conhecido desde ao menos o século
18, quando o livro "Os Sofrimentos do Jovem
Werther", de Johan Wolfgang von Goethe, contribuiu
para uma onda de suicídios na Europa.
Chung Sung-Jun/Getty Images

"Isso deixou um alerta para todos os estudiosos de


que um caso de suicídio de uma figura pública, de
uma pessoa admirada, de uma pessoa com quem a
gente se identifica, pode levar ao suicídio outras
pessoas vulneráveis", aponta Botega. "Quando
ídolos do pop se matam, dependendo de como a
notícia é veiculada, pode haver de fato o
desencadeamento de novos suicídios em pessoas
vulneráveis, principalmente adolescentes, jovens",
diz o psiquiatra.

Ele vê essa questão como preocupante em um país


em que os suicídios são um problema grave, como
a Coreia do Sul, mas não descarta que o reflexo
possa chegar também aos fãs no Brasil, onde o
índice desse tipo de morte entre jovens de 15 a 29
anos cresceu 27,2% de 1980 a 2014, segundo o
Mapa da Violência, que reúne dados do Ministério
da Saúde.

"Nós estamos no terreno das possibilidades. Se


eles têm um fã-clube aqui, é porque jovens
brasileiros se identificam com a música. Ou seja,
nesse momento de suicídio de um ídolo pop, há
uma subpopulação de jovens do Brasil que, se é
um jovem que está mais vulnerável, pode pensar
em suicídio, pode tentar um suicídio. A gente já viu
isso acontecer com '13 Reasons Why', com a Baleia
Azul, e há outros relatos científicos", afirma o
médico.

Para ele, uma das maneiras de se lidar com o


problema é falando sobre o assunto. "A gente não
pode jogar o problema para baixo do tapete, se não
dá a impressão de que ele não existe".

Nesse sentido, Pak acredita que o fandom (como


são chamados os grupos de fãs de determinado
artista, gênero ou obra) do k-pop pode contribuir.
"Eu particularmente conheci muitos fãs de k-pop
brasileiros que têm depressão, ansiedade, que
precisam de apoio e encontraram no k-pop e nos
'idols' uma terapia, uma ajuda".

Imenes vê com preocupação os possíveis efeitos


negativos dessa onda de suicídios sobre os fãs
mais jovens e que sofrem com depressão,
ansiedade, bipolaridade e outros transtornos, mas
concorda com Pak.

"As pessoas se apoiam e é um momento de reflexão


para todo mundo, de pedir mais amor,
compreensão e respeito. Ninguém deveria ter uma
lição dessa a partir de uma tragédia como a morte
de alguém, mas são momentos em que o fandom
se fortalece, se apoia, e em que a gente pode pôr a
mão na consciência e tentar ser um ser humano
melhor", conclui.

O que a OMS diz para NÃO fazer


ao falar de suicídio

Não publicar fotografias do Não informar detalhes específicos


falecido ou cartas suicidas do método utilizado

Não fornecer explicações Não glorificar o suicídio ou fazer


simplistas sensacionalismo sobre o caso

Não usar estereótipos religiosos Não atribuir culpas


ou culturais

Contato de ajuda

Se precisar de ajuda, entre em contato com o CVV (Centro de Valorização da Vida),


no telefone 188 (ligação gratuita) ou pelo site da organização.

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Reprodução Montagem UOL Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

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momento com você Ainda bem. Brasil

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Publicado em 10 de agosto de 2018.

Edição: Lello Lopes; Reportagem: Natalia Engler.

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