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CPL

Contra o Pensamento Liberal


Tempos de glória: O essencial

V 1.0

In memoriam
Contents
Sobre o capitalismo e o socialismo ............................................................................................... 4
10 mitos sobre o socialismo ...................................................................................................... 5
Capitalismo e Crise .................................................................................................................. 17
NÃO, O CAPITALISMO NÃO É APENAS TROCAS VOLUNTÁRIAS .............................................. 17
O que é o neoliberalismo ........................................................................................................ 28
A MITIFICAÇÃO E A MISTIFICAÇÃO DO CAPITALISMO ............................................................ 43
O liberalismo no pensamento do ocidente ............................................................................. 49
Trabalho como categoria fundante do ser social .................................................................... 57
ENTERRANDO MISES .......................................................................Error! Bookmark not defined.
MISES: IGNORÂNCIA OU DESONESTIDADE INTELECTUAL? ..................................................... 62
As contradições e incoerências de Ludwig Von Mises ............................................................ 73
UMA CRÍTICA À PRAXEOLOGIA ............................................................................................... 82
Enterrando Bawerk ................................................................................................................... 121
Apresentação teórica da proposição do valor subjetivo - V.B .............................................. 121
Mais Valia: Bawerk x Marx .................................................................................................... 132
Complemento........................................................................................................................ 150
Complemento pt. 2 ............................................................................................................... 156
RESPOSTA AO “DEVANEIOS LIBERAIS” .................................................................................. 160
Enterrando Hoppe ..................................................................................................................... 169
Uma crítica à ética argumentativa ........................................................................................ 169
Extra: debates nos comentários........................................................................................ 178
Uma crítica à definição de socialismo para Hoppe ............................................................... 183
Extra: debates nos comentários........................................................................................ 186
Resposta ................................................................................................................................ 201
Enterrando Rothbard ................................................................................................................ 206
DESTRUINDO O CRITICISMO ROTHBARDIANO ............................Error! Bookmark not defined.
Crítica à Ayn Rand ..................................................................................................................... 230
LIBERALISMO AONDE? .............................................................................................................. 233
A CRISE DE 29 NÃO FOI CAUSADA POR INTERVENÇÃO DO ESTADO .................................... 234
DESTRUINDO MENTIRAS LIBERAIS ........................................................................................ 241
ORDOLIBERALISMO E A ALEMANHA OCIDENTAL ................................................................. 266
CHILE E O EXPERIMENTO NEOLIBERAL ................................................................................. 269
MAS... E A AUSTRÁLIA? ......................................................................................................... 293
COMO A SUÉCIA SE TORNOU O QUE É HOJE? ...................................................................... 298
RECADOS RÁPIDOS .................................................................................................................... 367
Explicando marxismo pra ILISP.............................................................................................. 368
Imposto e Roubo .........................................................................Error! Bookmark not defined.
O que é imposto, afinal? .............................................................Error! Bookmark not defined.
Saúde Pública e Privada ..............................................................Error! Bookmark not defined.
PROPRIEDADE INTELECTUAL DEVIA EXISTIR? ....................................................................... 385
EM DEFESA DO SOCIALISMO REAL! .......................................................................................... 303
A VIDA EM 1940 NA URSS (Antes da fase revisionista de N. Kruschov)................................ 304
DISSOLUÇÃO SOVIÉTICA: UMA CONTRA-REVOLUÇÃO A SERVIÇO DO CAPITALISMO .......... 311
HOLODOMOR ........................................................................................................................ 325
DESMENTINDO MITOS DE SUPOSTAS ATROCIDADES SOVIÉTICAS ....................................... 329
BERLIM ORIENTAL E A MITIFICAÇÃO DO MURO – A QUEDA DE UM SONHO....................... 351
TRADUÇÃO: "Como engordei na URSS à procura de quem passasse fome" ........................ 356
Sobre o capitalismo e o
socialismo
10 mitos sobre o socialismo
Rian Lobato 29/1/2017

Visando destruir alguns mitos básicos acerca do socialismo, de forma mais ou menos rápida e suscinta,
vamos quebrar aqui alguns mitos:

1 - Comunista não pode comprar X coisa, pois X coisa é capitalista; o comunista deve se abster de
consumir tudo do capitalismo.

R: Existem relações de produção capitalistas, tal como existe o modo de produção capitalista, mas nunca
o Capitalismo como objeto. É impossível você pegar um iPhone e dizer que um modo de produção
socialista não poderia fornecer ele. O Capitalismo trouxe muitos avanços sim, Marx não nega isso, pelo
contrário, ressalta que o Capitalismo foi de vital importância, e que este iria desenvolver as forças
produtivas para o próximo estágio (socialismo), que por sua vez iria desenvolver mais forças produtivas.

Tanto é que os países socialistas tiveram um avanço tecnológico enorme, mais do que muitos
capitalistas. Isso acontecia pq todo mundo tinha como estudar, e contribuir, assim como não haviam
empecilhos: propriedade intelectual não existia, por exemplo.

Muito do que temos hoje vem de outras sociedades com outros modos de produção, e nós usamos
mesmo assim. Isso não significa nada. É a mesma lógica de eu dizer que não posso criticar o feudalismo
pq uso óculos, e o feudalismo criou ele. É a mesma lógica de eu dizer que, na época escravista, eu não
poderia criticar o escravismo, pq eu como a comida dada pelo sistema, e uso roupas feitas por ele
também. Marx analisava essa constante evolução material dos modos de produção e na seara
tecnológica através do 'materialismo histórico'.

E por fim, se quem acusa for liberal, ele entra em contradição. A tal da tecnologia criada no Capitalismo,
foi em grande parte, desenvolvida pelo Estado ou por corporativismo, não da iniciativa privada ou livre-
concorrência. O IPhone usa muita tecnologia que até então era exclusiva do exército, por exemplo, tal
como a própria iniciativa privada, por vezes, vai tentar estagnar o processo tecnológico ou os avanços
para manter o lucro. Eu tenho certeza que se quisessem de verdade, já teriam achado a cura pra muita
coisa, mas simplesmente não querem agora. É mais favorável que existam pessoas doentes para
comprar remédios, que por sua vez, irão intoxicar mais as pessoas. A recente compra da Monsanto pela
Bayer, é um grande exemplo disso.

A critica de Marx não é pautada numa moralidade ou ética, para designar uma forma de
comportamento como se o comunista tivesse que viver como um São Francisco de Assis ou um eremita
da floresta; mesmo pelo motivo de que não é tarefa do socialista ter que se 'adequar' a vivência do
capitalismo, como se fosse uma questão primordial de ética ou um dogma religioso. O papel é construir
consciência de classe.

Com certeza é reprovável, do ponto de vista da postura, uma pessoa excessivamente consumista; mas
não é disso que o marxismo trata, não é esse o foco do estudo dele, isto é, o comportamento individual
que você deve ter ou proceder.

2 - No Socialismo, todo mundo ganha o mesmo salário

R: Acredito que qualquer um aqui já tenha se deparado com uma mensagem em alguma rede social
acerca de um experimento socialista em sala de aula, aonde o professor dá a mesma nota para todos
através de uma média tirada da sala toda, e os preguiçosos iriam encostar nos inteligentes e estudiosos,
que iriam desanimar, e no fim, todo mundo zera. Bem, acontece que é um mito isso de que 'no
socialismo todo mundo ganha a mesma nota (salário)'.

Por exemplo, já fizemos um post sobre as diferenças de salário na URSS. Como Marx já dizia, não há
uma igualdade plena e irreal no socialismo/Comunismo. O que há é uma comunidade onde todos
ganham integralmente pelo fruto de seu trabalho, sem exploradores em cima; uma associação na qual o
livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.

Lenin em "O Estado e a Revolução", diz o seguinte:

"Os economistas vulgares, e entre eles os professores burgueses, inclusive o "nosso" Tugan, acusam
continuamente os socialistas de não levarem em conta a desigualdade dos homens e "sonharem" com a
supressão dessa desigualdade. Essas censuras, como o vemos, não fazem senão denunciar a extrema
ignorância dos senhores ideólogos burgueses.

Não só Marx leva em conta, muito precisamente, essa desigualdade inevitável, como ainda tem em
conta o fato de que a socialização dos meios de produção - o "socialismo", no sentido tradicional da
palavra - não suprime, por si só, os vícios de repartição e de desigualdade do "direito burguês", que
continua a predominar enquanto os produtos forem repartidos "conforme o trabalho".

Mas isto, continua Marx, são dificuldades inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como
saiu, depois de um longo e doloroso parto, da sociedade capitalista. O direito não pode nunca estar em
nível mais elevado do que o estado econômico e do que o grau de divisão social correspondente."

Stalin, numa entrevista em 1932, diz o seguinte quando confrontado com a questão do "igualitarismo"
salarial:

"O tipo de socialismo no qual todos receberiam o mesmo pagamento, a mesma quantidade de carne e a
mesma quantidade de pão, vestiriam as mesmas roupas e receberiam os mesmos artigos nas mesmas
quantidades – tal socialismo é desconhecido para o marxismo.

Tudo que o marxismo diz é que até que as classes tenham sido finalmente abolidas e até que o trabalho
tenha sido transformado de um meio de subsistência na necessidade básica do homem, no trabalho
voluntário pela sociedade, as pessoas serão pagas por seu esforço de acordo com o trabalho executado.
“De cada um de acordo com sua habilidade, para cada um de acordo com seu trabalho.” Esta é a
fórmula marxista do socialismo, a fórmula para o primeiro estágio do comunismo, o primeiro estágio da
sociedade comunista.

Apenas no mais alto estágio do comunismo, apenas em sua fase mais desenvolvida, é que cada um,
trabalhando de acordo com a sua habilidade, será recompensado por seu trabalho de acordo com suas
necessidades. “De cada um de acordo com sua habilidade, para cada um de acordo com suas
necessidades.”"

Temos então que a ideia de igualdade salarial no socialismo não faz o menor sentido, é uma falácia
3- O Socialismo / Comunismo querem abolir a propriedade privada de tudo, e socializar sua casa,
família e etc

R: O que o socialismo ambiciona, é o fim da propriedade privada dos meios de produção: terras,
fazendas, indústrias, fábricas e etc.

No Estado-burguês, os mais ricos detém o monopólio desses meios, e os que não tem condições, devem
vender sua mão de obra para esses detentores privados. A função do Estado-burguês, como mostrava
Engels, é garantir (coercitivamente) a propriedade privada desses meios de produção, que são o pilar da
sociedade capitalista; o Estado-burguês, como revelará Marx, é somente a secretaria dos interesses
diversos dessa burguesia corporativista. A coletivização dos meios de produção é impossível senão pela
derrubada violenta do status quo e do Estado, por meio de uma revolução socialista.

Há uma distinção, para o marxismo, entre objetos pessoais e para a propriedade privada; é importante
não confundi-los. Propriedade implica em ter um título. Quando marxistas falam em propriedade
coletiva de terras ou meios de produção, estamos no campo das propriedades; quando falam em coisas
como cueca, roupas, escova de dentes e etc estamos no campo dos objetos pessoais. O ideal marxista
visa coletivizar o primeiro.

Em outras palavras, o comunismo não está interessado em tomar e coletivizar sua casa e seu celular,
ok?

Para completar, vamos ver o próprio Marx dissertando sobre isso no Manifesto:

"A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em proveito da propriedade burguesa.
O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade geral, mas a abolição da propriedade
burguesa. Ora, a propriedade privada atual, a propriedade burguesa, é a última e mais perfeita
expressão do modo de produção e de apropriação baseado nos antagonismos de classes, na exploração
de uns pelos outros. Neste sentido, os comunistas podem resumir sua teoria nesta fórmula única: a
abolição da propriedade privada. Censuram-nos, a nós comunistas, o querer abolir a propriedade
pessoalmente adquirida, fruto do trabalho do indivíduo, propriedade que se declara ser base de toda
liberdade, de toda atividade, de toda independência individual. A propriedade pessoal, fruto do trabalho
e do mérito! Pretende-se falar da propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, forma de
propriedade anterior à propriedade burguesa? Não precisamos aboli-la, porque o progresso da indústria
já a aboliu e continua a aboli-la diariamente.[...]Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade
privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus
membros. E é precisamente porque não existe para estes nove décimos que ela existe para vós. Acusai-
nos, portanto, de querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir com a condição de privar
a imensa maioria da sociedade de toda propriedade.Em resumo, acusai-nos de querer abolir vossa
propriedade. De fato, é isso que queremos. Desde o momento em que o trabalho não mais pode ser
convertido em capital, em dinheiro, em renda da terra, numa palavra, em poder social capaz de ser
monopolizado, isto é, desde o momento em que a propriedade individual não possa mais converter-se
em propriedade burguesa declarais que a individualidade está suprimida. Confessais, pois, que quando
falais do indivíduo, quereis referir-vos unicamente ao burguês, ao proprietário burguês. E este indivíduo,
sem dúvida, deve ser suprimido. O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se de sua
parte dos produtos sociais, apenas suprime o poder de escravizar o trabalho de outrem por meio dessa
apropriação." - Karl Marx, Part 02, 1848.

4- O Comunismo quer dividir as mulheres de todo mundo

R: Mito antigo. Em nenhuma parte, nem Marx nem Engels propuseram socializar sexualmente a mulher.
No Manifesto Comunista, Marx e Engels propõem uma sociedade socialista onde a produção seja
planificada sob controle operário, onde as colunas que movem a economia estejam em poder da
maioria proletária, onde a necessidade de todos seja satisfeita, onde se libere a mulher do papel de
escrava a que o capitalismo a condena. Em uma sociedade assim, os casais estariam juntos por um
vínculo real, livres de interesses materiais.
Em lugar nenhum encontraremos na teoria marxista tal deformação como essa da “socialização da
mulher”, que significa condená-la à escravidão sexual, conforme entendida pelos censores do marxismo.

Marx fala sobre isso no Manifesto:

"Mas vocês, comunistas, querem introduzir a comunidade das mulheres, grita em coro, aos nossos
ouvidos, a burguesia inteira!

O burguês enxerga em sua mulher um mero instrumento de produção. Ele ouve dizer que os
instrumentos de produção devem ser explorados comunitariamente, e é natural que não consiga pensar
outra coisa senão que o destino do sistema de comunidade irá atingir igualmente as mulheres.

Ele não imagina que se trata precisamente de suprimir a posição das mulheres enquanto meros
instrumentos de produção.

De resto, nada mais ridículo do que o espanto altamente moralista dos nossos burgueses diante da
comunidade oficial de mulheres pretensamente proposta pelos comunistas. Os comunistas não
precisam introduzir a comunidade de mulheres, ela existiu quase sempre.

Os nossos burgueses, não satisfeitos em ter à sua disposição as mulheres e as filhas dos seus proletários,
para não falar da prostituição oficial, encontram supremo divertimento em seduzir mutuamente suas
esposas.

O casamento burguês é na realidade a comunidade das esposas. Poder-se-ia, no máximo, censurar aos
comunistas que, em lugar de uma comunidade de mulheres hipocritamente ocultada, eles queiram
introduzir uma oficial, franca. De resto, entende-se de imediato que, com a supressão das atuais
relações de produção, também a comunidade de mulheres delas derivada, isto é, a prostituição oficial e
não-oficial desaparece"

5- Lenin: o 'Decálogo de Lenin', o 'Idiota Útil' e o 'Xingue-os do que você é, acuse-os do que você faz'

R: Na internet, tem-se pipocado por aí várias frases e coisas atribuídas ao revolucionário Lenin. Vamos
analisar três delas:

5.1 - O Decálogo de Lenin

DECÁLOGO DE LENIN

1.Corrompa a juventude e dê-lhe liberdade sexual;

2.Infiltre e depois controle todos os veículos de comunicação de massa;

3.Divida a população em grupos antagônicos, incitando-os a discussões sobre assuntos sociais;

4.Fale sempre sobre Democracia e em Estado de Direito, mas, tão logo haja oportunidade, assuma o
Poder sem nenhum escrúpulo;

5.Colabore para o esbanjamento do dinheiro público;

6.Coloque em descrédito a imagem do País, especialmente no exterior e provoque o pânico e o


desassossego na população por meio da inflação;

7.Promova greves, mesmo ilegais, nas indústrias vitais do País;

8.Promova distúrbios e contribua para que as autoridades constituídas não as coíbam;

9.Contribua para a derrocada dos valores morais, da honestidade e da crença nas promessas dos
governantes. Nossos parlamentares infiltrados nos partidos democráticos devem acusar os não-
comunistas, obrigando-os, sem pena de expô-los ao ridículo, a votar somente no que for de interesse da
causa socialista;

10.Procure catalogar todos aqueles que possuam armas de fogo, para que elas sejam confiscadas no
momento oportuno, tornando impossível qualquer resistência à causa…

O “Decálogo de Lênin”, amplamente repetido em sites nacionais, nada mais é do que uma versão
abrasileirada de um documento apócrifo, supostamente soviético, difundido nos Estados Unidos há
décadas, intitulado “Rules for Revolution” (Regras para a Revolução), transcrito a seguir:

A. Corrupt the young. Get them away from religion. Get them interested in sex. Make them superficial,
destroy their ruggedness.

B. Get control of all means of publicity and thereby:

1. Get people’s minds off their government from religion [sic]. Get them interested in sex, books and
plays and other trivialities.

2. Divide the people into hostile groups by constantly harping on controversial matters of no
importance.

3. Destroy the people’s faith in their natural leaders by holding these latter up to ridicule, obloquy, and
contempt.

4.Always preach true democracy, but seize power as fast and as ruthlessly as possible.

5. By encouraging government extravagance, destroy its credit, produce fear of inflation with rising
prices and general discontent.

6. Foment unnecessary strikes in vital industries, encourage civil disorders and foster a lenient and soft
attitude on the part of government toward such disorders.

7. By specious arguments cause the breakdown of the old moral virtues: honesty, sobriety, continence,
faith in the pledged word, ruggedness.

C. Cause the registration of all firearms on some pretext, with a view to confiscating them and leaving
the population helpless.

TRADUÇÃO LIVRE:

A. Corrompa os jovens, afaste-os da religião. Faça com que se interessem por sexo. Torne-os
superficiais, destrua sua robustez.

B. Controle todos os meios de publicidade e assim:

1. Mantenha as mentes das pessoas desligadas do governo e da religião. Torne-os interessados em sexo,
livros, peças e outras trivialidades.

2. Divida as pessoas em grupos hostis ao, constantemente, insistir em assuntos controversos sem
importância.

3. Destrua a fé das pessoas nos seus líderes naturais ao ridicularizá-los de desprezá-los.

4. Sempre pregue uma democracia verdadeira, mas tome o poder o mais rápido e impiedosamente
possível.

5. Ao encorajar a extravagância governamental, destrua sua reputação, produza pavor de inflação com
aumento de preços e descontentamento geral.

6. Fomente greves desnecessárias em indústrias vitais, incentive a desordem civil e alimente uma
atitude leve do governo contra essa desordem.
7. Através de argumentos capciosos, cause a ruptura das antigas virtudes morais: honestidade,
sobriedade, continência, fé na palavra empenhada, robustez.

C. Faça, sob algum pretexto, com que todas as armas sejam registradas, com o objetivo de confiscá-las e
deixar a população indefesa.

Facilmente, pode-se perceber que o “Decálogo de Lênin” constitui mera repetição adaptada das “Regras
para a Revolução” (que jamais foram atribuídas ao revolucionário russo). Deste modo, surge uma
pergunta óbvia: este último documento é verdadeiro? A resposta é negativa, segundo lecionam Paul F.
Boller Jr. (falecido em 2014, era historiador, Ph.D. por Yale e Professor Emérito da Texas Christian
University) e John George Jr. (Ph.D., professor aposentado de Ciências Políticas na Central State
University), nas páginas 114-116 do livro “They never said it: a Book of Fake Quotes, Misquotes, and
Misleading Attributions (“Eles nunca disseram: um livro de citações falsas, errôneas e enganosas”),
publicado pela Universidade de Oxford (tradução livre):

Uma virtual abundância de citações malucas para serem utilizadas pela direita irritadiça assim que
necessário, as chamadas ‘Regras para a Revolução’ supostamente se originaram no ‘secreto quartel
general soviético’ em Düsseldorf, Alemanha, logo após a segunda guerra mundial, e foram parar às
mãos de dois oficiais da inteligência aliada, entre eles, o Capitão Thomas Baber, que disse ter infiltrado o
local. Entretanto, por alguma razão, o documento não apareceu até 1946, quando foi apresentado na
edição de fevereiro de uma publicação britânica chamada ‘New World News’. Por conseguinte, o
‘American Opinion’ da ‘John Birch Society’, deu importância ao documento, como também fizeram os
porta-vozes da extrema direita, Dan Smoot, Frank Capell, e Billy James Hargis. Nos anos 1970, a NRA
(Associação Nacional de Rifles) entrou em cena. No ‘The American Rifleman’, órgão da NRA, em janeiro
de 1973, o editor Ashley Halsey relatou que o Capitão Barber, um dos agentes da inteligência que
supostamente capturara o documento ‘Regras para a Revolução’ em Düsseldorf, deixou uma cópia
manuscrita de próprio punho, antes da sua morte em 1962.

Mas as ‘Regras’ são obviamente falsas; não aparentam ser nem um pouco de 1919. Conservadores
respeitáveis como William F. Buckley,Jr., M. Stanton Evans, e James J. Kilpatrick, classificaram o
documento como uma falsificação. Ele foi denominado como uma farsa pelo boletim anticomunista, o
‘Combat’. Uma cuidadosa pesquisa nos arquivos do FBI, CIA, Subcomitê de Segurança Interna do
Senado, e nas Bibliotecas do Congresso, falhou em apresentar qualquer vestígio ‘das regras’. J. Edgar
Hoover, falecido diretor do FBI, declarou que se pode ‘especular logicamente que o documento é
espúrio’. Ainda assim, continuou a ser citado como autoridade nos anos 80.

Alias, nem precisava chegar a tanto. Basta parar para ver que nenhuma das medidas do suposto
Decálogo foram implementadas na Era Lenin.

5.2. "O Idiota Útil"

R: De acordo com seus idealizadores (quem?), a expressão "idiota útil" se refere a uma pessoa que
ingenuamente pensa ser aliada dos comunistas porém seria supostamente desprezada e cinicamente
usada por estes comunistas. Em sentido estrito, refere-se a jornalistas ocidentais, viajantes e
intelectuais que deram a sua bênção - muitas vezes com fervor - ao Comunismo assim convencer o
público a apoiar.

A autoria é atribuída a Lenin, e é constantemente reproduzida em sites direitistas e reacionários. Ela é


representada assim:

"Usaremos o “idiota útil” na linha de frente. Incitaremos o ódio de classes. Destruiremos sua base
moral, a família e a espiritualidade. Comerão as migalhas que caírem de nossas mesas. O Estado será
Deus“.
A confusão resultante fez com que em 1987, Grant Harris, membro sênior da Biblioteca do Congresso
fosse consultado. Após extensa pesquisa declarou que a equipe a sua disposição foi "incapaz de
identificar a utilização desta expressão dentre as publicações de Lênin"

http://www.nytimes.com/1987/04/12/magazine/on-language.html?pagewanted=1

Boller, Jr., Paul F.; George, John (1989). They Never Said It: A Book of Fake Quotes, Misquotes, and
Misleading Attributions. New York: Oxford University Press. ISBN 0-19-505541-1

5.3: “XINGUE-OS DO QUE VOCÊ É, ACUSE-OS DO QUE VOCÊ FAZ”

R: Em vários sites brasileiros (principalmente, os críticos da esquerda), encontra-se alguma versão da


frase acima (também costuma ser relatada, por exemplo, como: “Acuse os adversários do que você faz,
chame-os do que você é”). Por outro lado, nas páginas em inglês, há raras menções a afirmações
similares ligadas a Lênin.

Nenhum autor brasileiro de matérias na internet, ainda quando questionado por seus leitores, aponta
uma fonte primária comprovadamente autêntica da suposta citação. Pesquisei e não encontrei nada. A
explicação mais provável é a de que se trata apenas de outra farsa online. Inclusive, acredito que tenha
sido formulada originalmente da seguinte maneira: um amálgama entre outra frase falsa de Lênin e um
trecho de um texto apócrifo na internet. Explico a seguir.

“Destroying all opposition by invective slander, smear, and blackmail is one of the techniques of
Communism” (“Destruir toda a oposição através de calúnia, difamação e chantagem é umas das técnicas
do Comunismo”). Nos Estados Unidos, esta afirmação é atribuída a Lênin em mais de 8960 sites.
Entretanto os supramencionados Paul F. Boller Jr. e John George Jr, explicam, na página 70 do seu livro,
que a citação, originalmente, apareceu em uma das publicações do evangelista Billy James Hargis nos
anos 60, e que especialistas soviéticos na biblioteca do congresso americano não encontraram nenhuma
informação nesse sentido. Ademais, Julian Williams, gerente de pesquisa de Hargis naquela década,
admitiu que a citação “parece ser uma daquelas ocasiões nas quais alguém inventou uma frase de Lênin
para se encaixar nas táticas do comunismo”.

Em 728 páginas na internet, encontramos um texto apócrifo (publicado em sites ultradireitistas)


chamado The Tactics of Disinformers (As táticas dos “desinformantes”), que contém o seguinte trecho:
“Always accuse your adversary of whatever is true about yourself…“ (“Sempre acuse seus adversários do
que é verdadeiro sobre você mesmo…”). Ora, pode-se perceber facilmente sua semelhança com a
suposta citação de Lênin.

Há, portanto, três informações importantes para alcançar uma conclusão sobre o tema:

1. A “citação de Lênin” aparenta ser difundida apenas em sites brasileiros críticos da esquerda;

2. Há uma comprovada frase falsa de Lênin que menciona calúnia e difamação como táticas do
comunismo;

3. Em sites ultradireitistas americanos, encontramos o seguinte trecho num texto apócrifo: “sempre
acuse seus adversários do que é verdadeiro sobre você mesmo”.

Assim, em razão desses três pontos, considero plausível acreditar que a falsa citação teve sua origem
quando algum brasileiro, por conhecer a pretensa frase de Lênin sobre calúnia e difamação, criou uma
versão em português do trecho do texto americano e a atribuiu ao revolucionário russo.

6- O Comunismo quer suprimir cada mínima diferença e fazer todos totalmente iguais
R: A intenção do socialismo e comunismo não é fazer todos iguais em cada detalhe, mas dar a igualdade
social aliada a dignidade humana, e onde as diferenças de todos possam ser maximizadas para o uso do
bem comum; de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.

No Estado e a Revolução Lenin diz isso:

"Com efeito, cada um recebe, por uma parte igual de trabalho social, uma parte igual da produção social
(dedução feita da quantidade destinada ao fundo social).

Ora, os indivíduos não são iguais; é um mais forte, outro mais fraco; um é casado, outro celibatário; este
tem mais filhos, aquele tem menos, etc.

Com igualdade de trabalho, conclui Marx, e, por conseqüência, com igualdade de participação no fundo
social de consumo, um recebe, efetivamente, mais do que o outro, um é mais rico do que o outro, etc.
Para evitar todas essas dificuldades o direito deveria ser, não igual, mas desigual.

A primeira fase do comunismo ainda não pode, pois, realizar a justiça e a igualdade; hão de subsistir
diferenças de riqueza e diferenças injustas; mas, o que não poderia subsistir é a exploração do homem
pelo homem, pois que ninguém poderá mais dispor, a título de propriedade privada, dos meios de
produção, das fábricas, das máquinas, da terra. Destruindo a fórmula confusa e pequeno-burguesa de
Lassalle, sobre a "desigualdade" e a "justiça" em geral, Marx indica as fases por que deve passar a
sociedade comunista, obrigada, no início, a destruir apenas o "injusto" açambarcamento privado dos
meios de produção, mas incapaz de destruir, ao mesmo tempo, a injusta repartição dos objetos de
consumo, conforme o trabalho e não conforme as necessidades.

Os economistas vulgares, e entre eles os professores burgueses, inclusive o "nosso" Tugan, acusam
continuamente os socialistas de não levarem em conta a desigualdade dos homens e "sonharem" com a
supressão dessa desigualdade. Essas censuras, como o vemos, não fazem senão denunciar a extrema
ignorância dos senhores ideólogos burgueses".

Como já dizia Rosa Luxemburgo:

"Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres"

7- "É socialista?! Tem que doar tudo o que você tem viu!"

R: É engraçado, pois Marx nunca disse isso. Quem disse foi Jesus, em Mateus 19:21:

"Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um
tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”."

A maior parte dos críticos do marxismo são justamente conservadores cristãos, então é irônico alertar
para esse fato.

De qualquer forma, como já dito anteriormente, não é esse o desígnio dos socialistas; e aliás, não ia
adiantar nada. Rosa Luxemburgo explica isso em 'O Socialismo e as Igrejas':

"Suponhamos, por exemplo, que os ricos proprietários, influenciados pela doutrina cristã, oferecessem
para distribuir para o povo todas as riquezas que possuíam em forma de dinheiro, cereais, frutas,
vestuário e animais. Qual seria o resultado? A pobreza desapareceria por algumas semanas e , durante
este tempo, a população poderia alimentar-se e vestir-se. Mas os produtos acabados são rapidamente
consumidos. Após um pequeno lapso de tempo, as pessoas, tendo consumido as riquezas distribuídas,
teriam uma vez mais as mãos vazias. Os proprietários da terra e dos instrumentos de produção podiam
produzir mais, graças ao poder laboral dos escravos, e assim nada se mudaria. Bem. Aqui está porque os
sociais democratas consideram estas coisas de um modo diferente dos comunistas cristãos. Eles dizem:
"Não queremos que os ricos repartam com os pobres: não queremos nem caridade nem esmolas;
ambas as coisas são incapazes de impedir o retorno da desigualdade entre os homens. Não é de modo
algum uma partilha entre ricos e pobres que nós desejamos, mas a completa supressão de ricos e
pobres". Isto é possível desde que as fontes de toda a riqueza, a terra, em comum com todos os outros
meios de produção e instrumentos de trabalho, se tornem propriedade coletiva do povo trabalhador
que irá produzir para si próprio, de acordo com as necessidades de cada um. Os primeiros cristãos
acreditaram que podiam remediar a pobreza do proletariado por meio das riquezas oferecidas pelos
possuidores. Isso seria deitar água numa peneira!"

8 - Marx pediu por genocídio racial por meio de um 'holocausto revolucionário'

R: Colocam “na boca” do teórico comunista uma frase que ele nunca falou. Segundo a forjada citação,
ele teria determinado que as lutas dos comunistas promovessem um “holocausto revolucionário” e,
com ele, iniciassem o extermínio de determinadas classes e raças. Induz-se aqueles que leem tal ditado
a crer que ele foi um inspirador dos nazistas.

""As classes e as raças fracas demais para conduzir as novas condições da vida devem deixar de existir.
Elas devem perecer no holocausto revolucionário."

Na verdade, a frase em questão é uma adulteração maliciosa de um trecho de um texto escrito por
Marx em março de 1853 e publicado no New York Daily Tribune e no People’s Paper

algumas semanas depois – ele pode ser acessado no site Marxists.org. O artigo, intitulado Forced
Emigration(Emigração forçada), descreve como o avanço do capitalismo industrial nas Ilhas Britânicas
forçou a migração de milhares de ingleses, escoceses e irlandeses para outras partes do mundo em
meados do século 19.

Nesse texto, Marx fez essa declaração:

Society is undergoing a silent revolution, which must be submitted to, and which takes no more notice
of the human existences it breaks down than an earthquake regards the houses it subverts. The classes
and the races, too weak to master the new conditions of life, must give way. But can there be anything
more puerile, more short-sighted, than the views of those Economists who believe in all earnest that
this woeful transitory state means nothing but adapting society to the acquisitive propensities of
capitalists, both landlords and money-lords?

Essa é a sua tradução:

A sociedade está passando por uma revolução silenciosa, à qual é obrigada a se submeter e que leva em
conta as existências humanas que ela fragmenta tanto quanto um terremoto se importa com as casas
que subverte. As classes e as raças, fracas demais para dominar as novas condições de vida, são
obrigadas a ceder. Mas pode haver alguma coisa mais pueril, mais visão estreita, do que as visões
daqueles economistas que acreditam com toda sinceridade que esse lastimável estado transitório não
significa nada além de adaptar a sociedade às propensões aquisitivas dos capitalistas, tanto senhores de
terra como senhores de dinheiro?

A “revolução silenciosa” que ele menciona não era comunista ou socialista, mas sim a altamente
capitalista Revolução Industrial, que estava promovendo na Europa e nos Estados Unidos uma
configuração social, econômica e tecnológica muito diferente da que existia até o século 18. Era
“silenciosa” porque, ao contrário das revoluções burguesas do século 18, não consistia em promover
guerras contra o poder vigente. Nenhuma revolução socialista ou comunista vitoriosa havia acontecido
até então, apesar dos levantes de 1848.

E o trecho adulterado e transformado na falsa frase “protonazista” diz: “As classes e as raças, fracas
demais para dominar as novas condições de vida, são obrigadas a ceder [must give way].” As “classes e
raças” citadas não estavam sendo exterminadas, nem sendo vitimadas por nenhum “holocausto
revolucionário”. O que acontecia é que elas estavam sendo tolhidas de seu modo original de vida e
forçadas ou a se adaptar à nova tradição econômica, social e cultural, geralmente de maneira sofrível,
ou a emigrar para outros países, nos casos em que a vida no seu país de origem havia se tornado
insuportável.

Ou seja, a suposta menção de Marx a “raças fracas” e “holocausto revolucionário” é falsa. É uma
distorção, feita com fins escusos de manipulação política, de um trecho de um artigo dele sobre o que o
capitalismo estava fazendo com pessoas de diversas classes e culturas nos países britânicos de sua
época.

9 - Marx era um vagabundo sustentado por Engels.

Em primeiro lugar, isso é ad hominem, ou seja, não deveria sequer ser levado a sério, pois não ataca as
ideias do autor.

É engraçado lembrar que essas mesmas pessoas que dizem que 'Marx nunca trabalhou, então não podia
falar de trabalho', são hipócritas, pois são as mesmas que criticam mulheres do movimento feminista
que dizem que 'se você não é mulher, não pode falar de estupro ou aborto'.

É de conhecimento geral que Marx foi auxiliado financeiramente por Engels durante um tempo, mas
disso podemos dizer que: (1) se havia uma amizade e boa vontade de Engels de ajudá-lo, então não
existe problema algum nisso; (2) Mas acontece que Marx não viveu apenas da ajuda de Engels. Marx
recebeu uma herança de sua mãe com a qual pôde custear suas despesas por um tempo; ele também
trabalhou como jornalista e autor independente para alguns veículos de imprensa, como o Rhineland
News, de Colônia, onde se tornou editor e também onde teve contato pela primeira vez com questões
sociais referentes às condições de vida e trabalho do operariado, e a partir de então aderiu às ideias
comunistas.

Contudo, sofreu com a censura à imprensa na Alemanha e com perseguições políticas em outros
lugares, até finalmente se exilar em Londres em 1849, onde permaneceu até o fim da vida. Essa relação
com Engels também nunca foi apenas de mão única: em 1848, Marx também enviou dinheiro para
ajudar o amigo e, mesmo com poucos recursos, ajudava até mesmo outros amigos que passavam
necessidade.

Mas o exílio em Londres trouxe grandes dificuldades para ele e outros ativistas alemães que viviam na
capital britânica. O elevado custo de vida e o desemprego levou muitos a dormirem nas ruas. Antes do
exílio, Marx era editor chefe de um jornal, onde ganhava bem, mas os primeiros seis anos em Londres
foram marcados por agudas dificuldades financeiras e crises familiares. A situação melhorou quando
Engels mudou para Manchester para cuidar dos negócios do pai e iniciou os envios de dinheiro para
Marx.

10 - Marx deturpou os documentos que usou para escrever “O Capital”.

Essa tese é desenvolvida por Paul Johnson no livro Os Intelectuais. Johnson é um historiador britânico
ultraconservador e essa obra, publicada originalmente em 1988, foi escrita com um tom estritamente
pessoal. O capítulo dedicado a Marx está eivado de ataques pessoais e afirmações descontextualizadas
de sua obra e de sua vida. Obviamente o fato de Johnson ser um conservador não é um problema em si,
mas sua escolha política interferiu claramente em sua obra, que falha por falta de rigor metodológico e
por não haver o distanciamento necessário de seu objeto de abordagem.

Johnson afirma que Marx era seletivo e falsificava suas fontes de informação, mas em nenhum
momento ele especifica quais foram essas falsificações, como e quando foram feitas. Ele se reporta aos
Livros Azuis do British Museum de Londres, analisados por Marx. Mas é preciso ter em mente que é a
partir do desenvolvimento da teoria do valor-trabalho de Adam Smith, David Ricard e Stuart Mill que
Marx elabora seus conceitos básicos sobre os tipos de capital. Os Livros Azuis eram “relatórios das
comissões parlamentares de inquérito britânicas" e foi neles que Marx encontrou descrições sobre a
miséria dos trabalhadores, como o caso da lavadeira Mary Anne Walkley, de Londres, “que, esfalfando-
se na limpeza dos vestidos das madames que se preparavam para o baile da Princesa de Gales, em 1863,
literalmente morreu de trabalhar".

Sperber comenta que “Marx compreendia que a extensão da jornada de trabalho, mesmo não havendo
oposição da classe trabalhadora, acabaria esbarrando em limitações físicas, a menos que todos os
trabalhadores fossem se juntar a Mary Anne Walkley na cova". Johnson não menciona nada disso em
seu texto.

Foi após a derrota e violenta repressão aos trabalhadores na Comuna de Paris que os editores de um
jornal suíço, ligado a Marx, propuseram uma reforma do capitalismo em vez de uma revolução violenta
que conduzisse ao socialismo. Era um projeto reformista e de cooperação de classes com o objetivo de
atrair a atenção e o apoio da sociedade para as necessidades dos trabalhadores. Eduard Bernstein e
Ferdinand Lassalle foram os principais defensores dessa linha na década de 1870.

Marx encarou essa tese com estranheza, embora a considerasse inovadora. Na verdade, desde 1857 ele
já não nutria esperança de uma revolução socialista de curto prazo e chegou até mesmo a pensar em
caminhos alternativos para a derrubada do capitalismo na década de 1860.

Paul Johnson também afirma que Marx não podia compreender que “desde os primórdios da Revolução
Industrial, de 1760 a 1790, os industriais mais eficientes, que tinham amplo acesso ao capital,
geralmente propiciavam melhores condições para seus empregados" E ainda: “Desse modo, as
condições melhoravam e, por conta disso, os trabalhadores paravam de se revoltar, contrariando o que
Marx tinha previsto". Essas afirmações não são verdadeiras. No período mencionado por Johnson, a
Revolução Industrial apenas dava seus primeiros passos e seu impacto social apenas começou a ser
verdadeiramente sentido a partir de 1780. Ele não menciona que a Revolução Industrial foi responsável
pelos levantes de trabalhadores da indústria e de populações pobres nas cidades, culminando nas
revoluções de 1848 em todo o continente e nos movimentos cartistas e luditas na Grã-Bretanha. E não
eram apenas operários, mas também setores da pequena burguesia, como pequenos comerciantes.

Ele também não menciona o crescimento das cidades industriais sem planejamento, sem saneamento
básico, com condições habitacionais precárias, que levaram ao reaparecimento de doenças contagiosas
como a cólera e o tifo, além do aumento do alcoolismo, infanticídio, prostituição, suicídio, criminalidade
e demência decorrentes do depauperamento social e jornadas de trabalho extenuantes.

Johnson também não menciona a rígida disciplina imposta nas fábricas por patrões e seus supervisores
que incluíam multas abusivas e até castigos físicos, ou obrigatoriedade de os trabalhadores comprarem
mercadorias em lojas de patrões. Johnson não menciona que o movimento operário nasceu das
condições desumanas de vida nos distritos e cidades industriais como mecanismo de autodefesa e de
protesto. As melhoras nas condições de vida dos trabalhadores não era algo palpável até pelo menos a
década de 1850, quando havia forte tendência de deterioração da situação material do proletariado
fabril. Foi isso que ocasionou em parte as revoluções sociais de 1848, a partir das quais Marx e Engels
publicaram o Manifesto Comunista, um panfleto político que se tornou um clássico.

Johnson também fala que “Marx não tinha qualquer interesse pela democracia".

O pensamento de Marx não foi linear da juventude à maturidade. No início da década de 1840, por
exemplo, apenas cinco anos antes de redigir o Manifesto Comunista, Marx considerava as ideias
comunistas perigosas, capazes de derrotar a inteligência humana, impraticáveis e que deveriam ser
combatidas com canhões. Ele também era defensor da liberdade de imprensa. Posteriormente, Marx
realmente não via a democracia liberal com bons olhos, mas o Partido Social Democrata da Alemanha
(SPD), foi fundado em 1875 por marxistas lassallianos (Ferdinand Lassalle era seguidor de Marx e um
radical-democrata defensor do sufrágio universal). Se Marx preteriu a democracia em favor da ação
revolucionária e da ditadura do proletariado, a socialdemocracia, por outro lado, nasceu como uma
ramificação do marxismo.

Paul Johnson, definitivamente, não é uma boa referência para se compreender Marx.
NÃO, O CAPITALISMO NÃO É APENAS TROCAS VOLUNTÁRIAS
? 31/12/2016

O Capitalismo é o sistema posterior ao feudalismo, que surgiu de suas ruínas, através das revoluções
burguesas que destituíram a velha ordem feudal, e substituiu o poder dos reis, pela dominação da classe
burguesa. Tanto sistematicamente, quanto economicamente e ideologicamente.

O Capitalismo nem sempre existiu, mas é um sistema que passou a existir a partir dos escombros do
feudalismo, tendo se consolidado a partir da Revolução Industrial. Ele se caracteriza por ser uma
sociedade complexa, que não representa a sua abstração jurídica, seja na forma da esfera de consumo
ou da superestrutura, mas sim que se revela através das características práticas, da qual "escravizam um
homem sem ele saber", através da constante briga e troca de poderes, e da coercitividades político-
econômica. Mais-valia, trabalho assalariado, condicionamento de consumo, democracia burguesa,
impostos, horas extras, divisão do trabalho são algumas das formas que o sistema capitalista te explora
sem a maioria perceber, na dialética marxista.

Marx definia a relação das forças produtivas e o abstrato, ou seja, a totalidade do Capitalismo, como
uma “via de mão dupla”. Para isso, dividiu, de forma analítica, a sociedade em dois níveis. O primeiro é a
infraestrutura, que constitui a base fundamental da economia, com a relação do proprietário e não-
proprietário, e entre o não-proprietário e os meios e objetos do trabalho. Ou seja, a infraestrutura é a
economia em si.

Já o segundo nível é a superestrutura, que consiste na camada político-ideológica, e é constituído pela


estrutura jurídico-política, representada pelo Estado e pelo direito, e a estrutura ideológica, referente às
formas de consciência social, tais como a religião, a educação, a filosofia, a ciência, a arte e as leis.

A infraestrutura e a superestrutura, ou o concreto e o abstrato vão se influenciar para trazer uma ideia
de qualidade para a primeira. Ou seja, a ideologia e o estado vão se moldar para aperfeiçoar as relações
econômicas, ou, a noção de realidade é feita para trazer mais “conforto” para o homem, e para o
manter inerte frente a essas explorações e injustiças que, quando não são indiretas, a mídia e a
conformidade da sociedade tende a normalizar, como se fosse algo natural é imutável, quase como um
plano divino.

Tendo em vista que as forças produtivas têm interesses difusos na economia, elas vão disputar o
controle da noção de realidade, ou, tentar alterar, a seu modo, o controle da abstração, e do próprio
funcionamento da infraestrutura. Um exemplo disso é a taxa de juros, que é apenas um número gerado
pelo Banco Central, em outras palavras, uma abstração da superestrutura. Trabalhadores e empresários
vão desejar uma taxa de juros menor, enquanto banqueiros vão desejar uma taxa de juros maior. Para
isso, vão usar argumentos como inflação e desemprego. Pela dialética marxista, ao contrário da
hegeliana, ganhará essa batalha quem tiver mais força, seja coercitiva, econômica ou política, quem
conhece o conceito de luta de classes sabe do que estou falando. Em uma sociedade baseada em classes
diferentes, com interesses socio-economicos e ideológicos diferentes, tais interesses entram em
constante contradição, que se manifesta em vários planos diferentes e que leva a história a frente. E é
aqui que o Estado tem o seu papel como um dos sustentadores do Capitalismo, desde o legitimador da
propriedade privada dos meios de produção, mantenedor da superestrutura, coercitividade política, e
mantenedor da ordem de uma sociedade em constante briga política por interesses divergentes. Ou
seja, como o principal conciliador dessas constantes contradições.

O Estado atual surgiu, como explica Lenin ,para dar sustento a tudo isso, e manter essa dialética e fluxo
entre a abstração e a realidade, em favorecimento a uma classe em especial. Com essa abstração, as
coisas nunca são como parecem ser, mas ficam apenas no papel.

Basicamente, o Capitalismo é uma sociedade complexa que se baseia nesse intenso jogo de poderes, da
qual o Estado tem o seu papel importante, e que se pauta em coisas como: trabalho assalariado, intenso
desenvolvimento tecnológico, divisão de classes, alienação, divisão do trabalho, propriedade privada
dos meios de produção. Feitas essas condições, se desenvolvem as contradições e realidades, crises,
características típicas da sociedade capitalista, e da qual o Estado ajuda a manter, quando o sistema está
prestes a quebrar por suas próprias contradições.

Já os austrolibertários interpretam as coisas de uma forma diferente.

Eles veem as relações de forma individual, e do individual entre o objeto. O Capitalismo seria então,
apenas uma ordem natural, baseada em trocas livres e espontâneas dos indivíduos, para outros
indivíduos, em condições que propiciem isso. O que Marx chamava de "Esfera de Trocas/Esfera do
Consumo" (e que para o marxismo é apenas uma parte, a superfície do Capitalismo, pois o buraco é
mais embaixo), os austrolibertários enxergam o Capitalismo pleno, como sistema em si.

Filosoficamente, se ligam a questão da propriedade e liberdade, já que é a única garantia para que o
Capitalismo (como trocas livres) exista, logo, não há necessidade do Estado para eles.

Há ainda liberais que definem o Capitalismo como qualquer sistema onde há acúmulo de capital, o que
levaria a crer que qualquer sistema (incluindo o socialismo) seriam teria um pano-de-fundo de
Capitalismo, mas não um pleno ou real.

As duas visões levam a crer que o Capitalismo sempre existiu, e que ele é natural ao ser humano. Essa
asserção, é claro, é ahistórica. O Capitalismo, e a própria economia (mais especificamente o que
entendemos como mercado hoje, ainda mais em níveis tão integrados globalmente como os atuais) nem
sempre existiu, nem a monetização (não tem nem 400 anos) , mercado consumidor interno, a prática de
juros, economia política e etc, ela passa a existir através de um determinado ponto da capacidade e
intervenção humana. Ela necessita desta para existir, logo, segue os mesmos limitadores e escopos que
esta segue. Ela é uma construção social, não uma lei natural - embora alguns tratem como se o mercado
fosse alguma espécie de ser divino transcendental.

Nao há nenhuma sociedade não estatal em que se pratica o puro capitalismo. Nunca houve algum
antropólogo que tenha achado alguma tribo "primitiva" capitalista. Não existe. Porque o capitalismo
depende de estruturas definidas e não-naturais, um mercado impessoal, o mercado como uma
instituição que passa a existir, e não que tenha sempre existido como se fosse algo já pronto. Porém, em
qualquer sociedade humana pré-estado, o mercado interno, praticamente inexiste, e mesmo o mercado
externo, importante pra se adquirir mercadorias estrangeiras que não existem dentro daquela
sociedade, mesmo sendo bem antigo, nem sempre existiu. Toda a economia interna se baseia nas
relações e integrações humanas, na tradição, na cultura e está incrustada nas outras instituições sociais.
Valores morais e religiosos irão ditar a economia, querendo ou não. O caso da igreja católica e a usura é
um exemplo disso. Dificilmente alguém que não pense na sociedade antes de si mesmo iria ser aceito no
grupo. E isso seguiu assim até o advento do estado moderno, a criação do indivíduo no século XVI e do
liberalismo logo após.

Dizer que o indivíduo é egoísta por natureza, também é uma visão ahistorica. O homem é um produto
do seu meio, não coordenado ou determinado por desejos ou aspirações já inerentes, no máximo
sobrevivência para si e a espécie, que é o instinto, apenas o básico que está programado no nosso
comportamento, para sobreviver. Obviamente, em um meio que privilegia e incentiva o individualismo,
como a sociedade capitalista, o egoísmo se torna natural. Você nunca vai achar tribos primitivas, onde já
havia uma natureza egoísta e individualista do ser humano, na antropologia.

Por outro lado, essa visão é também contraditória, o que é uma má noticia aos liberais. Se o homem é
egoísta, por qual motivo ele deveria liberar sua essência, deixá-la solta? Seria isso moral?

E por qual motivo o Estado, que é um conjunto de homens igualmente egoístas, poderia dar conta de
segurar o "homem mal"? Aqui já começamos a notar as contradições da filosofia burguesa. Ela não foi
feita realmente para estar certa, mas tão somente para legitimar a hegemonia da classe dominante, e
sua propriedade e ideologia. Não atoa, o Estado moderno teve suas características dissertadas e criadas
através de autores e filósofos liberais e burgueses, como Locke e o Adam Smith, Porém, isso fica para
outro artigo.

É sempre bom lembrar que a raça humana tem 2,5 milhões de anos, o homo sapiens tem 200 mil, o
homo sapiens sapiens tem 70.000 e a ideia do indivíduo ser mais importante que a sociedade só tem
300 no máximo.

Enquanto isso, a visão marxista tem uma visão histórica do começo do Capitalismo (pós-revoluções
burguesas, com seu estabelecimento pleno a partir da revolução industrial), como ele agiria realmente
na prática através da influência de poderes, além de uma abordagem materialista, não só filosófica ou
ético-jurídica.

Porem, analisando de uma certa forma, os austrolibertários estão certos. Na verdade, o certo é afirmar
que "não estão totalmente errados". Estão certos e ao mesmo tempo não estão. Sim, isso é possível. No
capitalismo, como uma sociedade formada por categorias sociais contraditórias em si, é possível estar
certo e errado sobre algo ao mesmo tempo.

No capitalismo, ao contrário das outras formas sociais, ninguém está submetido à dominação direta,
pessoal. Não há um senhor de terras que é praticamente seu dono e que exerce a coerção política e
econômica ao mesmo tempo. No capitalismo, a vontade dos que não possuem meios de produção não é
propriamente a vontade, e nem está submetida à vontade do patrão. No escravismo, a vontade do
escravo é a vontade do senhor. No feudalismo, a vontade do servo está totalmente submetida à
vontade do senhor. Juridicamente, no capitalismo, somos todos sujeitos de direito de vontade livre.
Nossa vontade não está submetida à vontade de ninguém (apesar de estar submetida a princípios
abstratos).

Legalmente, ninguém está submetido à vontade de ninguém. E isso é verdade. Mas isso, diz respeito
apenas à esfera de circulação. Nessa esfera, como dizia o velho Marx, cada um é livre para vender o que
é seu em iguais condições jurídicas. Lembram-se daquele formalismo de que somos todos iguais? É
verdade. Perante a lei somos todos iguais, mesmo que alguns possam contratar 600 advogados e outros
nem com a defensoria pública possam contar. É ideológico toda aquela posição que reduz tudo ao reino
superficial da circulação de mercadoria, pois não olha para as condições concretas das pessoas.

Formalmente somos todos livres em vontade e iguais. Mas concretamente estamos todos submetidos à
fome, frio, sofrimento, doenças, necessidades naturais. E, depois que o contrato de trabalho é assinado,
o trabalhador passa a estar submetido ao reino do trabalho abstrato, comandado por um tempo
abstrato onde cada um deve gastar sua energia para gerar valor ou realizar o valor gerado. Nesse Reino
da produção reina a hierarquia, desigualdade, voluntarismo do patrão. Reina a alienação. Por detrás do
Jardim do Éden da circulação, está a desigualdade e injustiça da produção, e para esse reino quase
ninguém ousa olhar.

Então, formalmente, o Capitalismo enquanto "trocas livres" está certo. Concretamente, errado.

Há uma pura abstração da realidade social quando se fala do Capitalismo com tanto teor voluntarista. É
necessário que existam pobres e miseráveis, que vendam sua força de trabalho em troca de uma chance
de sobreviver. E em um mundo globalizado e interligado como no capitalismo moderno, isso é a base
que o mantém. A realidade é o bastante para mostrar que, boa parte do Capitalismo, não é nada
voluntário em sua base fundamental. Se o for, pessoas que estão sendo assaltadas também estão
apenas submetidas a uma troca voluntária, a uma relação de igualdade, já que elas têm a opção de
serem mortas se não quiserem colaborar. O mesmo acontece com a classe proletária que se recusa a
vender sua força de trabalho em troca de sobrevivência. Há uma grande diferença sobre como as coisas
deveriam funcionar na teoria, e da parede de concreto que é a realidade.

Apesar de haver um discurso de que somos todos livres, de que a liberdade de um começa onde termina
a do outro, essas coisas também entram em choque com a realidade. Isso não é feito por acaso, mas é
algo calculado e sistemático, como becos sem saída. Somos todos livres formalmente, mesmo que a
maioria não possa usar essa liberdade formal para ir passear em Paris a hora que der na sua telha, ao
contrário de alguns poucos. É um exemplo claro de que as coisas não correspondem ao que está posto
na teoria, um exemplo um tanto exagerado, mas de como a liberdade jurídica prometida a todos é
reduzida a pó pelos fatos concretos. Não há nem como se falar de que essa igualdade jurídica seria
"igualdade de oportunidades", e não de "resultados". A começar pelo fato de ninguém ter igualdade de
oportunidades, e de os resultados de alguns são ganhos justamente pela maioria não ter as mesmas
oportunidades, não por algum tipo de meritocracia ou algo do tipo.

Como o próprio Hayek admitia, não somos, formalmente, submetidos às vontades uns dos outros no
capitalismo, mas somos todos submetidos a um princípio abstrato: o dinheiro que faz mais dinheiro. A
dominação no capitalismo é abstrata e não pessoal. Capital, Direito, Estado, Dinheiro. Todos princípios
abstratos que dominam a vontade de todos. Como diz Moishe Postone, a dominação no capitalismo não
se dá entre pessoas diretamente, mas indiretamente por meio de estruturas abstratas. Max Weber e
Marx entenderam isso perfeitamente.
Capitalismo e Crise
Vinícius Bessi, 11/1/2017

"Só duma aspiração tens consciência;


Oh, não queiras jamais sentir a outra!
Duas almas habitam no meu peito,
Uma da outra separar-se anseiam:
Uma com órgãos materiais se aferra
Amorosa e ardente ao mundo físico;
Outra quer insofrida remontar-se
De sua excelsa origem às alturas.

Falas assim porque só tens uma aflição,


Não procures jamais as outras desvendar!
No meu corpo há duas almas em competição,
Anseia cada qual da outra se apartar.
Uma rude me arrasta aos prazeres da terra
E se apega a êste mundo, anseios redobrados;
Aspira à vida eterna a seus antepassados.

Tiveste consciência de um impulso, apenas,


oh! nunca aprendas a conhecer o outro!
Duas almas, ai de mim!, moram em meu peito,
uma quer apartar-se da outra; uma prende-se
ao mundo em violento prazer de amor, com
órgãos que seguram como garras; a outra
alça-se fortemente do pó para as moradas dos
velhos antepassados.

Sim. Por enquanto


não aspiras a mais. Conheces uma
das duas sedes d’alma; o céu te livre
de sentires a outra.

Albergo dentro
dois espíritos, dois; forcejam ambos
por se fugir: - um deles, voluptuoso,
abraça a terra; os órgãos o segundam;
o arraigam nela; - o outro, desdenhando
este mundo, este pó, se evade em busca
das regiões que nossos pais habitam.
Apenas tens consciência de um anseio;
A conhecer o outro, oh, nunca aprendas!
Vivem-me duas almas, ah! no seio,
Querem trilhar em tudo opostas sendas;
Uma se agarra, com sensual enleio
É órgãos de ferro, ao mundo e à matéria;
A outra, soltando à fôrça o térreo freio,
De nobres manes busca a plaga etérea.

Não conheces mais que uma aspiração,


Da outra melhor é nada saber!
Duas almas tenho em meu coração,
Uma da outra a querer-se separar:
Uma apega-se, em paixão rasteira,
Com todos os seus órgãos à matéria;
A outra quer erguer-se da poeira
E subir ao reino da sua origem etérea". (GOETHE)

Pode parecer estranho um texto que tem a pretensão de dar explicações sociais, econômicas e políticas
ser aberto com trechos de Fausto, obra canônica de Goethe. Porém, por de trás da frieza calculista dos
números econométricos, há a estética do lirismo impessoal da tragédia que é a epopeia desse sujeito
cego e automático chamado capital.

Nossa proposta com esse texto é debater a respeito do que é a "crise" no capitalismo, e Goethe, o
"amado de Hegel", na pele da ganância do mundo no pacto entre Fausto e o demônio Mefistófeles, é
aqui chamado para ilustrar com a beleza de suas palavras aquilo que os argumentos mais científicos não
podem retratar, mas que a eles servem para a alma do seu objeto possam capturar.

Muito além da robinsonada liberal de que as crises econômicas são simplesmente causadas por
intervenções governamentais, em especial nas taxas de juros e no fornecimento de crédito, levando
agentes econômicos a cometerem "erros" na sua alocação de recursos, a crise tem um conjunto de
determinações muito mais profundas como causa de sua existência. E isso a universalização de um
simples elemento tomado em abstrato, fora da realidade concreta da totalidade estruturada de todas as
coisas existentes, como o Estado, não pode explicar.

A própria etimologia da palavra "crise" já fornece pistas valiosas do que gera aquilo que esse vocábulo
significa para a economia. Crise, do grego krisis, significa separação. Por isso, não é à toa que as palavras
de Goethe (Duas almas habitam no meu peito / Uma da outra separar-se anseiam) foram aqui evocadas
para explicar este fenômeno tão determinante da nossa vida que é a "crise".

A princípio, gostaríamos de avisar que esse é o ponto de vista marxista do que é a crise, e para
compreendê-lo, faremos uma breve apresentação do método utilizado.

Marx parte de uma premissa que é axiomática. É a autoevidência de que tudo que existe só pode existir
como existe sendo parte da totalidade de coisas existentes. Desse modo, as coisas só existem isoladas
em si mesmas como abstrações da mente. Na realidade concreta, as partes apenas existem em relação
de determinação estruturada entre si e com o todo que elas constituem e por ele são constituídas. As
partes só são como são por causa do todo que elas fazem parte. Por isso que não se pode explicar as
partes por si mesmas.

Contudo, pela investigação histórica, descobriu-se que as partes não se determinam entre si igualmente.
Há uma hierarquia de determinações nas relações entre as partes que se caracteriza na estrutura
formadora do todo.

Na sua obra preparatória de O Capital, "Contribuição à crítica da Economia Política", Marx mostra essa
premissa em ação no método da Economia Política, que é, ontologicamente, o único método possível
para descobrir a realidade concreta.

Sendo a realidade concreta uma totalidade estruturada em sínteses de múltiplas determinações entre
suas relações constituintes (um complexo de complexos), que possuem uma hierarquia entre o que
determina mais e o que determina menos, e que só assim tudo pode existir, a única forma de saber o
que é cada coisa é saber o seu processo histórico de formação na constituição do todo, de como é
historicamente determinado por ele e como historicamente o determina. Para fazer isso, deve-se, no
ponto da realidade concreta que se encontra, portanto, de como a totalidade é na sua síntese mais
recente de múltiplas determinações, que é o presente mais presente, porque não se pode estar em
outro lugar e nem desconsiderar como esse lugar afeta a análise, deduzir o que é imprescindivelmente
necessário para o que está sendo estudado seja da maneira que é. Assim, temos a investigação
histórica, que vai do presente ao passado, de um lado, e a exposição categorial de como é a realidade,
por meio das representações feitas da sua concretude na análise da investigação, do passado ao
presente, do outro. Com isso, partimos na explicação do mais simples e geral do que está sendo
estudado, ou seja, suas características mais determinantes e que tudo que é o objeto estudado precisa
compartilhar entre si para ser o que é, para o mais complexo e específico. Portanto, é a explicação do
movimento do objeto, que vai do que lhe é geral às suas possibilidades de variação concreta, que em
última instância é a única forma pela qual a realidade pode existir.

Para traçar esse caminho, temos que apreender separadamente o mais simples e geral que aquilo que
está sendo analisado pressupõe, através de abstrações que vão isolá-lo na mente, onde somente lá
pode existir isolado, sendo representado conceitualmente por uma categoria mais abstrata. E conforme
aproximamos e apreendemos mais características das variações concretas que o objeto estudado pode
assumir a partir do seu geral e do que externamente se relaciona com ele, as abstraímos na mente com
representações de categorias mais concretas. Então, abstraímos o mais simples e mais geral que é o
mais determinante, porque diz respeito as determinações mais imprescindíveis e assim generalizadas,
em representações de categorias mais abstratas, porque são categorias com menos determinações, já
que as determinações mais simples e gerais, por estarem em tudo, tem menor variação e quantidade. E
vamos abstraindo os elementos mais complexos e específicos, as variações possíveis do objeto no
processo histórico de transformação da realidade concreta, em representações de categorias mais
concretas, isto é, categorias com mais determinações. Depois disso, a estrutura hierarquizada de
relações e determinações mais determinantes e menos determinantes é representada na mente como
um concreto de pensamento, a partir da relação de determinação que se opera entre as categorias mais
abstratas com as categorias mais concretas. Contudo, como a realidade não para de transformar, e a
explicação assim que existe torna-se parte constituinte da realidade, o procedimento continua, vai
sempre completando a concretude que vem se fazendo na realidade por si própria.

Dito isso, podemos adentrar agora especificamente no tema da crise no capitalismo.

Do ponto de vista marxista, as crises são causadas pela "separação daquilo que não pode se separar", ou
seja, a separação entre Capital e Trabalho. Essa separação se dá pela busca de aumento da
produtividade (produzir mais em menos tempo) que cada proprietário privado dos meios de produção
faz, através do aumento do trabalho morto (máquinas de novas forças produtivas que necessitam
menos trabalhadores para operá-las) em relação ao trabalho vivo (força de trabalho) na composição
orgânica do capital (quanto de capital constante [trabalho morto] e quanto de capital variável [trabalho
vivo] é necessário no processo de produção de um determinado momento histórico para que seu
processo de trabalho gere o processo de valorização), para ter vantagens na margem dos preços (ter
condições de exercer preços menores e com maior margem de lucro) perante a concorrência. O
aumento da composição orgânica do capital reduz a parte da jornada de trabalho necessária para pagar
o salário da força de trabalho de cada proprietário privado dos meios de produção que a aplicar, porque
faz seus trabalhadores produzirem mais em menos tempo recebendo o mesmo salário, e quando isso
chega aos nichos de meios de consumo necessários à subsistência dos trabalhadores, diminuindo seus
valores e preços, o salário em geral diminui porque passa a ser necessário menos valor para equivaler à
sua reprodução.

Quando aumenta a composição orgânica do capital, aumentando o capital constante e diminuindo o


variável, fazendo com que menos trabalho vivo produza mais em menos tempo porque a maior parte do
trabalho objetivado nas mercadorias é a transposição do trabalho morto antes cristalizado em parte dos
novo meios de produção, aumenta-se a taxa de mais-valia, pois uma parcela menor da jornada de
trabalho é necessária para pagar o salário que reproduz a força de trabalho, ainda mais quando o
aumento de produtividade chega nos meios de produção com os quais são produzidas as mercadorias
que são meios de consumo para a subsistência dos trabalhadores, reduzindo seu valor e seu preço, e
consequentemente aumenta a massa de mais-valia porque é produzido um montante maior de
mercadorias. Contudo, a taxa de lucro diminui porque o capital constante teve de aumentar para
diminuir o capital variável e aumentar a taxa de mais-valia, mesmo que a massa de lucro também
aumente por ser produzido um montante maior de mercadorias. Isso significa que, para diminuir o custo
de produção, os capitalistas são levados necessariamente a diminuir o capital variável, que é o único que
produz mais-valia, aumentando o capital constante, que não cria valor, passando o custo com o que cria
valor para o que não cria. Por isso as taxas de lucro caem e cada vez mais fica necessário expandir mais a
produção para compensar a queda da taxa de lucro, o que gera cada vez mais o efeito contrário, diminui
mais as taxas de lucro, além de fazer os meios de produção terem o valor do seu capital constante
depreciado a cada inovação tecnológica que chega cada vez mais rápido na produção para expulsar mais
trabalhadores no intuito de diminuir o custo da produção.

É importante pontuar que não é o aumento da composição orgânica do capital de um único proprietário
privado de meios de produção que vai fazer cair a taxa de lucro. Enquanto esse aumento da composição
orgânica não for generalizado em todos os proprietários ainda existentes - o aumento de produtividade
afeta mais ou menos a princípio cada nicho de mercado isolado, mas há nichos que influenciam em
alguma medida alguns outros ou todos os demais, como os setores de energia ou da produção dos
meios de consumo dos trabalhadores - que competem no mercado, aqueles que já a tem antes, porque
aumentaram sua produtividade com a inovação tecnológica primeiro, vão lucrar mais porque além de
realizarem sua mais-valia vão sugar a mais-valia da concorrência (que não vai realizá-la) pelo sobrelucro,
porque vão ter preços mais baratos e com margens de lucro maiores, ganhando a concorrência mesmo
com mais lucro porque são mais produtivos. É quando o aumento da composição orgânica se generaliza,
fazendo com que ninguém mais possa realizar a mais-valia do outro além da sua porque todos estão
com mais ou menos a mesma produtividade e podem cobrar os mesmos preços, que há queda nas taxas
de lucro.

Também é importante ressaltar que há pequenas fases de aumento salarial, devido a períodos de pleno
emprego, dentro desse processo. Esse aumento dos salários é uma das fases do aumento de
composição orgânica do capital. Quando os proprietários privados dos meios de produção pioneiros do
aumento de produtividade pela inovação tecnológica aumentam a escala da sua produção, conforme
produzem mais em menos tempo, empregam mais e diminui o exército de reserva, o que aumenta os
salários, o que, junto à queda do preço das mercadorias pelo aumento da produtividade, quebra os
concorrentes, que são engolidos, gerando, seguidamente, desemprego e aumento do exército de
reserva que puxa os salários para baixo de novo. Com isso a inovação tecnológica do aumento da
composição orgânica se generaliza, tendo como consequência o fim do sobre lucro e a equiparação dos
preços.

Além disso, há alguns pormenores que constituem estas estruturas de determinação. Por exemplo, há
uma separação da burguesia produtiva (os industriais) em dois grandes "departamentos". A burguesia
produtora das mercadorias que são meios de produção e a produtora de mercadorias que são meios de
consumo. A burguesia que produz meios de produção produz para ela própria e para a burguesia que
produz meios de consumo. Assim, o capital constante da burguesia que produz meios de produção é
pago por ela mesma, enquanto seu capital variável e a sua mais-valia são pagos pela burguesia dos
meios de consumo. Já a burguesia dos meios de consumo é subdividida entre dois setores, o setor dos
meios de vida (subsistência) e o setor dos artigos de luxo. O capital constante da burguesia dos meios de
consumo é gasto com a burguesia dos meios de produção, e o capital variável dela é pago pelos próprios
salários dos trabalhadores que trabalham para ela e para a burguesia dos artigos de luxo e dos meios de
produção que compram da própria burguesia dos meios de consumo de subsistência os seus meios de
vida, enquanto a sua mais-valia é paga pelos meios de vida e artigos de luxo comprados por ela própria,
a burguesia dos meios de consumo em geral (os dois setores) e pela burguesia dos meios de produção,
além de uma parte desta mais-valia ser reinvestida para sua expansão. Portanto, em última instância,
todo o valor criado no capitalismo é remunerado pelo capital da mais-valia dos trabalhadores que
produzem meios de consumo. Nas fases intermitentes de pleno emprego e alto salário, trabalhadores
passam a ter acessos a alguns artigos de luxo. Contudo, na crise, é evidente que primeiro seca o acesso
dos trabalhadores aos artigos de luxo e até aos seus próprios meios de vida com o desemprego, do que
os artigos de luxo, os meios de vida e o reinvestimento para expansão da produção da burguesia.

Para entender o que é a remuneração dos capitais que constituem o modo de produção capitalista,
precisamos fazer uma rápida alusão ao seu processo típico de produção. Ele é a relação entre processo
de trabalho e processo de valorização, e as formas de capitais existentes são "constante", "variável" e
"mais-valia". Os dois primeiros tipos de capitais estão no processo de trabalho e o último no processo de
valorização. É a famosa fórmula do C = c + v + m; na qual C = Capital Final (o D' do modo de circulação), c
= capital constante e m = mais-valia, além de que c + v = Capital Inicial (D). Então era isso que eu me
referia com "capital da mais-valia".
Assim, podemos recapitular rapidamente: os meios de produção da burguesia que produz meios de
produção é o seu próprio capital constante. Todo o valor criado no capitalismo é apenas a mais-valia
explorada nesse sistema, que posteriormente se torna no refluxo de investimentos de uma nova
"rodada" de produção capital constante e variável. Ela é remunerada pelos proprietários privados de
meios de produção que produzem artigos de consumo. A parte do capital variável e a mais-valia dos
proprietários privados dos meios de produção que produzem meios de produção é remunerado pelo
capital constante dos proprietários privados dos meios de produção que produzem meios de consumo,
enquanto o capital variável desses proprietários dos meios de produção que produzem os meios de
consumo é remunerado pelos seus próprios trabalhadores, e a sua mais-valia vem dos burgueses e as
vezes dos trabalhadores. Então é a burguesia produtora de consumo que remunera o capital da mais-
valia tanto dela quanto da burguesia produtora dos meios de produção.

Quando se consolida esse processo de separação entre capital e trabalho pelas reestruturações de
desenvolvimento das novas forças produtivas que aumentam a composição orgânica do capital e
consequentemente a produtividade, o capitalismo chega a um ponto em que passa a destruir capital no
lugar de criar. Esse fenômeno acontece porque não há mais trabalhadores e salário para valorizar a
produção e nem para realizar o capital com a compra de mercadorias, o que culmina na superprodução,
que se acrescenta à depreciação do capital constante e à depreciação das demais mercadorias
estocadas e empilhadas sem ninguém para consumi-las, mesmo havendo milhões de trabalhadores
morrendo de fome sem emprego no exército de reserva. Nisso também estão os bancos e os
arrendatários de terra que emprestam dinheiro e alugam propriedades para os proprietários privados
dos meios sociais de produção criarem valor com a exploração do trabalho pela produção assalariada,
do qual dividem o lucro que dele é realizado nas formas de juros e renda/aluguel a serem pagos pelos
capitalistas produtivos aos banqueiros, especuladores, latifundiários e rentistas. Disso decorre que,
quando as taxas de lucro caem e o valor dos meios de produção depreciam ao mesmo tempo que há
superprodução depreciando cada vez mais os meios de consumo, os capitalistas se endividam ainda
mais com os bancos e arrendatários para continuar produzindo na tentativa de pagar a dívida anterior
que não pôde ser paga mais a nova dívida de "salvamento", chegando ao ponto que a única coisa que
resta é o patrimônio dos meios de produção e propriedades pessoais dos capitalistas a serem
expropriados pelos credores, que por não serem produtores vão apenas entesoura-los sem liquidez,
causando o colapso.

Daí, entra o Estado, que com a expectativa orçamentária do seu tesouro nacional (a expectativa do
dinheiro arrecadado ou a ser arrecadado dos impostos e suas estatais) vai se endividar com esses
mesmos banqueiros, especuladores e arrendatários emitindo títulos para salvar tanto estes setores não
produtivos da burguesia, quanto os grandes capitalistas industriais. Isso ocorre às custas da
infraestrutura da nação, dos direitos sociais e econômicos e dos serviços públicos universais da
população. Trata-se, desse modo, de uma medida para retardar a tendência das crises cíclicas de
superprodução do capitalismo. Dentre essas medidas, há a perda do lastro do dinheiro, que mesmo
antes da crise propriamente dita já começa desde o seu adiantamento, feito pelo setor financeiro como
empréstimo a juros através dos multiplicadores financeiros das reservas fracionárias, até chegar na
emissão sem lastro oficial, o que deprecia a moeda e, somando-se à parada da produção (como
consequência da deflação da superprodução), gera inflação.
E ficamos num ciclo infinito entre essas fases até não existir mais trabalho vivo na produção.

Para entender sobre a emissão da moeda, o que acontece é o seguinte:


Como os juros e a renda da terra são preços de propriedades que são mercadoria sem valor (porque
dinheiro e terra não são produzidos por trabalho humano vivo abstrato), eles se baseiam nas taxas de
lucro da produção capitalista de valor para serem definidos (isso porque os bancos necessitam saber
quais os preços do dinheiro emprestado por determinado tempo, é plausível para a própria solvência da
dívida). Então quanto maior a massa de valor criado e realizado em massa de lucro, maiores serão os
preços do dinheiro e da terra, ou seja, dos juros e da renda/aluguel. Porém, quando se emite dinheiro
sem lastro, o que o próprio empréstimo a juros já faz, por adiantar dinheiro de valor que ainda não
existe na economia, o total de dinheiro disponível não é mais a soma de todos os preços de mercado
sob a razão da sua quantidade de cursos como meios de compra e pagamentos, pois não está mais
baseado no valor já criado pela produção. E os bancos, especuladores e arrendatários se baseiam nas
taxas e massas de lucro a partir do dinheiro em circulação que essas taxas e massas colocam para definir
os preços de juros e renda/aluguel. Como há dinheiro sem lastro em preços de produção real, os juros
aumentam sem ter produção que corresponda (os juros contribuindo para essa emissão de dinheiro
sem lastro, contribui para o seu próprio aumento). Então, como o dinheiro foi emitido (seja pelos
próprios juros, seja pelo crédito ou impressão estatal de dinheiro) para continuarem os investimentos
parados pela deflação da superprodução e assim manter a produção e sua expansão, o aumento de
juros acontece numa situação de produção com crescimento em queda, o que leva os capitalistas a
preferirem usar seu capital para especular no setor financeiro, ainda mais com o Estado
comprometendo seu orçamento em dívidas pela emissão de títulos, do que para investir na produção.
Em acréscimo a outros fatores que podem agravar a situação (como impostos na cadeia produtiva
encarecendo as mercadorias finais ou alta de demanda gerada por condições excepcionais e câmbio),
tanto o aumento de dinheiro em circulação quanto o não crescimento da produção contribuem para
gerar inflação. Contudo, a ideia não é de que a crise é gerada pela inflação. Do ponto de vista marxista, a
crise é superprodução e deflação. A inflação é justamente uma das possíveis consequências das medidas
que visam remediar o colapso da superprodução, como a emissão de dinheiro sem lastro, a
desregulamentação da especulação financeira e fundiária (o que também aumenta a emissão de
dinheiro sem lastro), o endividamento do Estado, etc.

Os juros só podem se basear na expectativa das taxas de lucro porque eles não têm valor próprio, então
é necessário um padrão de valor externo, que é a própria produção de valor pela exploração da força de
trabalho. Toda autoridade monetária tem que ter essa base. Outros fatores, como quantidade de
dinheiro em circulação, podem influenciar, mas porque eles apontam para uma expectativa de valor a
ser criado e realizado em taxas e massas de lucro. Os capitalistas do setor produtivo encontram-se num
momento da história que não dá para prescindir dos empréstimos bancários para fazer seus
investimentos na produção, mas os bancos fazem esses empréstimos baseados em quanto pode ser
produzido de excedente a ser realizado em dinheiro, senão não há parâmetro. O banco tem que saber o
quanto pode cobrar pelo empréstimo para que o capitalista produtivo possa ao mesmo tempo pagar a
dívida e continuar pegando emprestado para produzir (disso se tem também a determinação dos juros
na produção, é uma via de mão dupla de determinação, mas que o valor criado determina os juros que
por sua vez sobredetermina o valor). Diferente do usureiro da Idade Média, o banco busca ser funcional
ao capitalismo. Ele só executa a propriedade do capitalista que lhe deve, quando não tem mais jeito de
extrair mais nada da exploração do trabalho através desse capitalista, ou quando parasita capitalistas e
Estados menores empurrando para estes dívidas dos monopólios e Estados imperialistas.

Para não haver qualquer confusão é importante se atentar para o fato de que os preços do dinheiro e da
propriedade fundiária, juros e renda/aluguel, são definidos pela expectativa das taxas e massas de lucro
da produção que cria valor. Contudo, valor, por ser trabalho abstrato socialmente necessário para
produzir mercadorias, não é apreensível na sua forma imediata. Por isso que existe valor de troca, já que
dispêndio de energia, nervos e músculos constituem uma abstração não diretamente apreensível, sendo
assim imensuráveis diretamente, e precisando ser expressos por uma convenção social capaz de
representá-los de uma forma apreensível e mensurável, que é o tempo socialmente necessário para a
produção. Então, como o valor apenas é observável pela sua expressão no valor de troca, o lucro, que é
realização de valor em equivalente geral, só pode ser observado pelo dinheiro. Portanto, a expectativa
das taxas e massas de lucro que os bancos e arrendatários se baseiam para definir juros e renda/aluguel
é observada pelo dinheiro em circulação. E se tem dinheiro em circulação sem lastro na produção, os
bancos e arrendatários especulam que tem e terá mais valor criado do que de fato tem e definem os
juros e a renda/aluguel baseado nisso, ao mesmo tempo que capitalistas podem ser levados a usar esse
dinheiro a mais na economia para especular no lugar de produzir. Portanto, uma coisa não exclui a
outra. A definição dos juros e da renda/aluguel pela expectativa de lucro a partir da circulação de
dinheiro não exclui a preferência de capitalistas especularem no lugar de produzir.

Portanto, a crise no capitalismo, enquanto a separação que não pode acontecer (a separação entre
capital e trabalho), é realizada, contraditoriamente, pelas próprias relações sociais de produção
tipicamente capitalistas, devido à sua necessidade de reduzir o custo de produção. O modo de produção
capitalista caminha para a contradição entre as forças produtivas e as suas relações de produção. As
reestruturações produtivas que foram realizadas na sua história - como corporação, manufatura,
maquinaria e grande indústria, taylorismo, fordismo e acumulação flexível -, que tanto desenvolveram
as forças produtivas quanto os processos de trabalho, os tornando, além de formalmente capitalistas
também tipicamente capitalistas (por fazer com que o trabalho além de ser alienado dos trabalhadores
juridicamente pela propriedade privada dos seus meios e produtos o também fosse em sua forma de
fruição pelas divisões técnica e social do hiper-parcelamento de tarefas ou da polivalência profissional
toyotista), decorreram das necessidades circunstanciais da burguesia em manter vantagem perante o
proletariado na correlação de forças da luta de classes. Assim, a melhor maneira para isso acontecer é
diminuir cada vez mais a necessidade de trabalhadores na produção. No entanto, as relações sociais de
produção tipicamente capitalistas só existem a partir da criação de valor, o que só pode ser feito pela
exploração de trabalho humano vivo, de trabalhadores vivos externalizando a sua natureza na
transformação das formas naturais e sociais existentes externamente aos seus corpos. Como o trabalho
morto do cadáver da natureza de trabalho humano externalizado por gerações anteriores de
trabalhadores que se subjetivou na objetivação do metal frio e cinzento das máquinas não cria valor, e
além disso expulsa cada vez mais trabalhadores vivos, a quantidade de valor proporcional ao montante
produzido cada vez mais diminui, levando o capitalismo a respirar por aparelhos com a promessa de
coma na nova revolução industrial que se aproxima.
A quarta revolução industrial da produção homogênea aditiva das impressoras 3D, a nanotecnologia e a
inteligência artificial separarão definitivamente capital e trabalho, sepultando ambos. Como capital se
separa do trabalho para que não seja morto pelos seus martelos e foices, ao mesmo tempo que sem ele
não tem os pescoços que todo vampiro precisa para chupar sangue e continuar imortal, duas portas se
abrem como possibilidades de destino da tragédia dessas duas almas que habitam o peito do
capitalismo e que se aproximam do que sempre ansiavam (da sua separação), a barbárie (já notável pelo
retorno da escalada conservadora e nazifascista que só aumenta em todo o planeta) ou o socialismo.
O que é o neoliberalismo
Vinicius Bessi 15/4/2017

Sempre que liberais identificam o fato de eu ter como filiação científico-filosófica o marxismo, e por
consequência um posicionamento político a favor do comunismo, logo presumem o contrário, ou seja,
que eu só posso ser marxista porque sou comunista. O que isto quer dizer é que atribuem a mim, assim
como deve ser para toda pessoa que se afirma (e por isso é identificada) como comunista, uma suposta
necessidade de que as convicções ideológicas do posicionamento político comunista teria um suporte
científico aparente, para mantê-las de pé, como a única causa possível de aderência teórica ao
“absurdo” que seria o marxismo. Portanto, camaradas, nós não pensamos a nossa realidade concreta
pelo marxismo simplesmente por sua própria consistência ou plausibilidade, e sim porque é o mais
conveniente para nossas posições políticas, como afirmam os liberais que abrem os olhos do povo para
nossas manobras charlatanistas.

Por isso gostaria de perguntar a estes críticos o seguinte: Se as aderências ao marxismo não resultam da
factibilidade do próprio marxismo, e sim de algo que vem por necessidade do posicionamento político
comunista, o que por sua vez faz os comunistas serem comunistas?

Diz a direita – e principalmente os [neo]liberais (por mais que não se identifiquem assim) que dela
fazem parte – que a aderência ao posicionamento a favor do comunismo pelos comunistas decorre pelo
menos de três grandes fatores:
– Devido à incompetência em empreender no mercado, a única possibilidade que nos resta para
ascender socialmente é instaurar o socialismo/comunismo no nosso país e sermos a casta burocrática
do Estado que irá escravizar toda a população;

– Somos pessoas oriundas de famílias ricas ou de classe média, que apesar de não abdicarmos do nosso
padrão de vida conquistado por nossos pais e demais antepassados com muito suor, nos poupando da
necessidade de trabalhar, sentimos uma culpa da nossa condição privilegiada pelo fato de quase todo o
resto da população não ter a mesma sorte. E por isso odiamos os “empresários malvadões”, para
limparmos nossa consciência, pois estamos remediando toda a desgraça que nossa linhagem rica fez
com os pobres coitados;

– Se somos comunistas mesmo sendo pobres, não tendo então do que ter remorso, ou pretensões tão
grandes assim de ascensão social, tal posicionamento simplesmente se deve porque não tivemos a
oportunidade de nos informar em outro lugar que não na Globo e nas páginas comunistas financiadas
por George Soros, Fundação Ford, Rockefeller etc, ou por não termos acesso à instrução e formação
mais adequadas, o que nos tornou massa de manobra da doutrinação comunista de nossos professores
de humanas.

Qual a razão de mencionar isso?

É muito simples, quando nós comunistas debatemos a respeito do neoliberalismo, liberais


contemporâneos (muitos dos quais que se autodeclaram como “libertários”) nos acusam de atacar um
espantalho, já que supostamente nenhum autor liberal e/ou libertário publicou qualquer coisa sob a
alcunha de “neoliberalismo”. Além desta mentira (já que o próprio Milton Friedman[1] teoriza a respeito
da sua concepção de neoliberalismo), também há casos nos quais a classificação de determinados
Estados Nacionais como “neoliberais” é rechaçada por estes liberais/libertários, devido a saliências
seletivas que atribuem a estes Estados (como o tamanho de sua burocracia, por exemplo).

Com relação à crítica de que a categoria neoliberalismo é inexistente, uma vez que não há “teoria
neoliberal”, vale ressaltar que o verdadeiro espantalho é a própria “crítica”. Não apenas porque há
teorias liberais sobre o neoliberalismo, mas também porque de fato o neoliberalismo não é uma teoria,
nunca nenhum intelectual que menciona esta categoria nas suas análises críticas à sociedade capitalista
contemporânea a considera assim.

O que é chamado de neoliberalismo não é uma nova linha, corrente e/ou escola teórico-científica de
revisão ou atualização do arcabouço intelectual do até então liberalismo econômico, e sim um conceito
que explica um modo de regulação[2] do capitalismo correspondente a seu regime de “acumulação
flexível”[3].

Todavia, apesar desta primeira desmistificação sobre o imbróglio da problemática aqui em questão, o
marxismo – e principalmente o chamado “novo marxismo”, como a escola francesa da regulação (que
há pouco foi evocada neste texto) ou a escola alemã da derivação – não foi o único a dar explicações
importantes sobre o que é o neoliberalismo. Portanto, além de comprar esta briga com liberais e
libertários, possivelmente esteja agora comprando também alguma rusga com alguns camaradas
lukacsianos que se afirmam no campo do “marxismo ortodoxo”. Também me considero um “marxista
ortodoxo”, ou seja, comprometido com os princípios da ciência do proletariado, com a concepção
materialista e dialética da história desdobrada para o método de crítica da Economia Política.

Por mais que a própria questão da existência ou não do materialismo histórico-dialético (enquanto
método) seja uma arena teórica ainda não esgotada do marxismo (ou entre o marxismo e o
“marxianismo”), experimento aqui a possibilidade de manter a ortodoxia marxista sem deixar de
selecionar descobertas pertinentes fora do espectro marxista sobre o objeto aqui analisado, ao mesmo
tempo que não pretendo cair no ecletismo. Por isso, camaradas, peço para que deixemos nossas
controvérsias internas de pormenores do marxismo para outros momentos mais adequados.

Sendo assim, prosseguimos com o porquê de usar ou não teorias não-marxistas em análises necessárias
à ciência do proletariado, além de apontar como podemos usá-las. O materialismo histórico dialético
não é a única forma (ou mesmo a melhor forma) de explicar a realidade porque as teorias não-
materialistas histórico-dialéticas não podem explicar absolutamente nada. Teorias e conceitos não-
marxistas, como algumas asserções que vem dos próprios liberais, não são “equívocos completos”. Seus
principais problemas não estão no conteúdo em si que as ciências não-marxistas delimitam, e sim nessa
própria delimitação do conteúdo, pois o abstrai de parte importante da estrutura de determinações
causantes do que é analisado por elas, distorcendo assim as explicações dos seus objetos.

No caso de teorias liberais, o que acontece é a tão famosa “robinsonada”, que é a universalização de
alguma parte (ou conjunto restrito de partes) dos fenômenos como se fosse(m) a totalidade destes
mesmos fenômenos. Ao tomar a parte pelo todo, mesmo se tal parte existir de fato como a asserção
liberal diz que ela existe dentro da abstração pela qual ela é apreensível isoladamente, os liberais
incorrem no erro de concluir que esta parte é como é por si mesma porque assim que ela é apreendida.
Ou seja, confundem a abstração com a realidade, como se cada parte se bastasse para ser o que é e
assim se explicar.

Um exemplo muito claro disso é a referência do Robinson Crusoé para a teoria da preferência temporal
de Eugen von Böhm-Bawerk. Robinson Crusoé é o herói idílico que vive completamente sozinho, isolado
de qualquer outro ser humano (algo inexistente para a maioria absoluta de pessoas na realidade
concreta) e que para sobreviver caça e pesca a sua própria comida.

Contudo, Robinson percebe que se poupar uma parte da sua comida, para assim também poupar tempo
da produção desta nos dias seguintes, e sobrando assim parte de seu dia para produzir ferramentas, no
futuro ele terá uma produção muito maior do que tinha antes quando utilizava todo o seu tempo para
produzir a comida que já comia no presente. Com isso, o pai da Escola Austríaca demonstra que o
acúmulo de riquezas é resultado da preferência subjetiva individual de poupar recursos no presente
para investi-los na produção de algo, que quando terminado no futuro, tem mais valor do que aqueles
recursos iniciais que não foram consumidos.

Percebam que esta teoria reduz a totalidade da produção humana de riquezas para as preferências de
consumir recursos no presente, ou poupá-los para investir no que tenha mais valor no futuro, sem
considerar as condições historicamente dadas que determinam o porquê da escolha de uns em poupar e
de outros em já consumir no presente – como já ter ou não recursos suficientes para suprir
necessidades básicas que são imprescindíveis independente de vontades subjetivas.

É por isso que neste caso muitos liberais e libertários vociferam a inexistência do neoliberalismo ou que
nenhum Estado possa ser classificado como neoliberal, já que não existe nenhum “Estado Mínimo”
como eles idealizam pelas suas robinsonadas de redução da totalidade do Estado a elementos
específicos que jamais vão existir isoladamente. Mais adiante darei um panorama geral da tipicidade
característica do neoliberalismo. Já em casos de teorias não-marxistas que também não fazem parte do
liberalismo econômico, o erro mais recorrente está na abdicação de explicar a totalidade – seja por
considera-la inexistente ou inapreensível – para apenas explicar cada uma das partes que seriam
possíveis de fato apreender em si mesmas.

Aqui cito o exemplo da teoria metodológica weberiana, que por ter como premissa a infinitude da
realidade social, por ser esta um amontoado de sentidos que cada indivíduo atribui nas suas ações e
relações orientadas para os outros, considera que apenas é possível compreender a objetividade do que
é subjetivamente pinçável pelos “valores do cientista” que está analisando um objeto por ele
construído. Ora, para as ciências do espírito não se explica o mundo, apenas se tem mais uma nova
perspectiva possível de como observá-lo. Nisso está ficando de fora o fato do próprio cientista, assim
como seus valores subjetivos que o leva a pinçar uma parte da realidade e não outra para compreender
sua factibilidade, também estar objetivamente determinado pelas condições historicamente dadas, e
que tal determinação faz parte, em alguma medida, daquilo que foi recortado para ser construído como
objeto, mesmo que a compreensão da objetividade circunscrita deste recorte esteja, nesta abstração,
correta.

Portanto, o que o marxismo pode fazer, além das contribuições já dadas, é corrigir o que de bom foi
feito nas explicações não-marxistas da realidade, as tirando de todas as restrições parcializantes que
elas se encontram, e as encaixá-las nas devidas posições em movimento da hierarquia de determinações
que faz a totalidade estruturada ser sintetizada na única forma que tudo pode existir como existe, que é
a unidade do diverso, a realidade concreta. Este é um procedimento que foi feito pelo próprio Marx com
o idealismo alemão hegeliano, a Economia Política clássica inglesa e o socialismo utópico francês.

A proposta é fazer um levantamento de todos os elementos constituintes da síntese de múltiplas


determinações que hoje se caracteriza pela tipicidade do “neoliberalismo”, desde a infraestrutura
produtiva de reestruturação da força produtiva do taylor-fordismo na força produtiva da acumulação
flexível com a Terceira Revolução Industrial – a revolução da automação robótica e da microeletrônica –
até as determinações de sua expressão para a superestrutura com o crescimento da mão direita do
Leviatã (que se dá em contrapartida do encolhimento de sua mão esquerda) e a subjetividade ideológica
do homo economicus, que sobredetermina as relações sociais de produção capitalistas, as
reproduzindo.

Na postagem que vem a seguir, discuto como o neoliberalismo é uma forma social superestrutural de
desmonte do Estado keynesiano social-democrata e o seu welfare state – que era a superestrutura
típica do modo de regulação do regime de acumulação da força produtiva taylor-fordista –, sendo assim
o modo de regulação da força produtiva do regime de “acumulação flexível”.
____________________________

[1] FRIEDMAN, Milton. Neoliberalism and Its Prospects. Farmand, February 17, 1951.

(*) O termo "neoliberalismo" foi criado pelo liberal Alexander Rüstow, e o termo foi reforçado e apoiado
por outros liberais como Ludwig Erhard da sociedade Mont Pelèrin, o Milton Friedman (citado acima), e
Ollivier Williamson.

[2] CORIAT, B. La théorie de la régulation: origines, spécificités et perspectives. In: SEBAÏ, F;


VERCELLONE, C (Eds.). Ecole de la régulation et critique de la raison économique. Paris, L’Harmattan
(número especial da Futur Antérieur), 1994.

[3] HARVEY, D. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 1993.

A história do capitalismo é a história da luta entre suas classes antagônicas típicas, a burguesia e o
proletariado. Não obstante, o movimento desta história ocorre pela forma como se configuram as
correlações de forças entre estas duas classes. Processo dado pelas sínteses das relações sociais de
produção capitalistas como “forças produtivas”.

As relações sociais de produção do modo de produção capitalista são a exploração de mais-valia do


proletariado pela burguesia no Processo de Produção do capitalismo: a soma entre os Processos de
Trabalho e Valorização. O primeiro é a forma social (trabalho concreto) de “cristalização” do trabalho
abstrato (dispêndio do nexo psicofísico humano: energia, músculos, nervos, etc) em mercadorias; e o
último é a subordinação de tal forma social (do processo anterior) à valorização do capital (que nele foi
inicialmente investido) pela exploração do trabalho com o assalariamento. O salário é o valor
equivalente da força de trabalho comprada da classe do proletariado pelos capitalistas, que não paga o
trabalho excedente realizado na jornada de trabalho após já ter sido dispendido em parte desta todo o
necessário para reproduzir esta própria força de trabalho comprada.

Contudo, os trabalhadores se organizam politicamente durante todo o seu percurso histórico no


capitalismo para resistir, quando não se rebelar, contra a exploração de mais-valia do seu trabalho. O
quanto é bem-sucedida a resistência de antagonismo à burguesia é outra parte dessa história que faz
variar as correlações de força.

Outro fator determinante para esta história é a queda tendencial das taxas de lucro, que resulta das
próprias dinâmicas internas do capitalismo, conforme crescem as taxas e a massa da mais-valia no
aumento da composição orgânica do capital. Por sua vez este é o aumento da proporção de capital
constante (trabalho morto [tecnologia, máquinas]) em comparação ao capital variável (trabalho vivo [a
força de trabalho dos trabalhadores]), na soma total de capital investido. Isso expulsa os trabalhadores
da produção – ao passo que somente eles podem criar valor – gerando assim as crises de
superprodução.

Em meio ao percurso que tende a culminar na queda tendencial das taxas de lucro, quando a escala de
produção aumenta com o crescimento da produtividade, a exploração diminui devido à maior oferta de
empregos em relação à demanda dos trabalhadores, que assim tem mais condições de barganha para se
organizarem e exigir melhorias nos salários e condições de trabalho. Por isso, assim que a produtividade
da composição orgânica que está vigente se iguala em toda a concorrência restante no mercado,
acabando com a mais-valia extraordinária e o sobre-lucro, e que assim realiza a tendência da queda das
taxas de lucro, a superprodução e a depreciação do capital investido, a burguesia busca sobreviver por
um novo salto qualitativo da produtividade com a realização de um processo chamado de
“reestruturação produtiva”.

As reestruturações produtivas são as transformações das forças produtivas em que as relações sociais
de produção capitalistas passam a se expressar/sintetizar conforme as correlações de força da luta de
classes na diversidade de conjunturas geográficas, político-institucionais e socioculturais do planeta. Isto
mata provisoriamente todos os coelhos com a cajadada de tornar cada vez ainda mais desnecessários os
trabalhadores para a produção.

Podemos então concluir que o papel das reestruturações produtivas, na história do capitalismo, é o da
reprodução, reificação e expansão de suas relações típicas de produção (velho) pelo desenvolvimento
das forças produtivas (novo). É como a burguesia enfrenta a realidade rebelde que lhe é imposta pela
queda tendencial da taxa de lucro e a resistência política do proletariado.

Na primeira metade do século XX, tal forma mais geral da história do capitalismo se deu na consolidação
do taylorismo (implantado nas últimas décadas do século XIX) e na implementação do fordismo nos
EUA. O taylorismo é a separação entre concepção e execução do trabalho, isto é, a cisão entre o
planejamento científico do trabalho[4] (designado a estratos sociais médios alocados na função de
gerência) e a produção. Esta gerência cronometra procedimentos de trabalho para identificar a sua
porosidade, os tempos mortos em que nenhuma atividade é exercida. E para preencher os poros, o
trabalho é submetido a um parcelamento[5] que simplifica as suas atividades até elas se tornarem
meras “tarefas”. Com isso, o trabalhador artesão, que detinha o monopólio do conhecimento complexo
de atividades necessárias à execução do trabalho, ao ter sua exclusividade do como fazer furtado pela
gerência, perdeu o controle do Processo de Trabalho e consequentemente parte vital de suas condições
de organização política para resistir à exploração, o que aumentou a produtividade do ponto de vista
dos capitalistas.

Já o fordismo é a reestruturação produtiva primeiramente realizada na conjuntura estadunidense das


primeiras décadas do século XX, e que veio a se estender até o período do pós-segunda guerra em boa
parte do planeta. O fordismo é a produção de massa pelo acréscimo da esteira mecânica automática
(que leva a tarefa a cada trabalhador da linha de montagem) ao gerenciamento e fragmentação do
taylorismo, o que se deu pelo controle político (com a repressão dos sindicatos de ofício) e sociocultural
(de seus modos de vida) dos trabalhadores.

Trata-se de uma força produtiva que cria as condições para a maior produtividade do nexo psicofísico
dos trabalhadores num Processo de Trabalho caracterizado por árdua repetição de movimentos de
baixa complexidade. Para isso, eram reprimidas práticas que comprometessem a recuperação das suas
disposições de energia física e psíquica para as próximas jornadas, como vícios psicoquímicos e uma vida
sexual ativa não monogâmica. Por isso, trabalhadores adeptos das religiões protestantes calvinistas e
puritanas, e chefes de família monogâmica eram preferidos para as vagas de emprego nos EUA. Por
conta destas características, o fordismo americanista pode ser entendido como a manifestação da
hegemonia da fábrica no modo de vida doméstico dos trabalhadores, o que criou um novo tipo de
trabalhador, o “trabalhador massa”[6] (chamado pelos burgueses da época como “gorila domesticado”)
– recompensado pelos altos salários dos empregos na indústria, podendo assim ter um consumo de
massa e serviços públicos universais de qualidade do welfare state.

A hegemonia mundial do taylor-fordismo submeteu a economia nacional de países capitalistas


avançados a regulamentações sociopolíticas do keynesianismo como resposta à grande depressão de
1929, sendo assim a força produtiva de um regime de acumulação que possui um modo de regulação
ainda dentro da democracia burguesa como alternativa aos regimes nazifascistas de alguns países
europeus no entre guerras (fato que desnudou a incapacidade das primeiras democracias liberais em
lidar com as crises do capitalismo). A derrota do nazifascismo na Segunda Guerra consolidara a
produção taylor-fordista e sua superestrutura tipicamente social-democrata (de welfare state
keynesiano) nos principais países capitalistas do mundo.

Portanto, a hegemonia do fordismo no pós-guerra foi conduzida pelo “regime de regulamentação” das
relações entre Estado, trabalho e capital sob o sindicalismo radical nos países da Europa Ocidental e a
ameaça de adesão das massas ao socialismo soviético.

Um pacto entre burguesia e proletariado que foi mediado pelo Estado keynesiano, no qual eram
garantidos salários capazes de manter certo padrão de consumo aos trabalhadores e o atendimento de
demandas públicas (estradas ou vias públicas, ferrovias, comunicações, saneamento básico, educação,
saúde, segurança, habitação etc) pelo welfare state (já que a produção privada fordista não era capaz de
prover este tipo de oferta), sem comprometer as taxas de lucro das empresas (o que obviamente só se
sustentava devido às explorações imperialistas sobre os países de capitalismo dependente na periferia
do mundo).

Porém, como as relações de produção capitalistas devem se expressar de diversas maneiras para se
manterem vivas nas correlações de forças entre burguesia e proletariado, em um dado contexto
histórico, e a reestruturação produtiva não consegue esgotar toda a energia da diversidade humana,
outros pontos de sociabilidade – que remanescem desde configurações estruturais historicamente
anteriores –, como gênero, regionalidade e etnia, passam a ser parâmetro de “mais ou menos” inclusão
de trabalhadores dentro do que era considerado os “benefícios” do fordismo.

O fordismo criou uma expectativa de modo de vida padrão, calcado em um padrão de consumo ideal,
mas que não conseguiu ser acessível a todos os indivíduos, devido ao fato de proletários negros,
mulheres e imigrantes não terem sido integrados na produção e no welfare state. Com isso, diversos
movimentos sociais de minorias eclodiram (a partir da década de 1960) e a inclusão restrita do
operariado branco masculino sindicalizado foi pressionada. Os sindicatos foram assim cada vez mais
perdendo a sua força combativa – já que os movimentos de minorias passaram a aderir o liberalismo – e
ficaram presos em negociações defensivas do capital, afastando-se definitivamente de aspirações
socialistas.

A rigidez do fordismo criou um regime de acumulação baseado na produção de massa para demandas
vistas como homogêneas, e em condições excessivamente fixas de acesso ao trabalho para uma
sociedade “heterogeneizada” pelas internacionalizações do mercado e as imigrações. As crises de
produtividade resultantes deste processo, e no caso alarmadas por conflitos militares com o Oriente
Médio – que cessou o abastecimento de petróleo e comprometeu assim as necessidades energéticas da
produção –, diminuíram as receitas do welfare state. Mesmo assim os sindicatos pressionaram por sua
continuidade, que foi provisoriamente garantida com a emissão sem lastro em ouro de papel moeda do
dólar, gerando assim inflação seguida de deflação, excedentes de produção sem demanda nos
complexos industriais da maioria das empresas que passaram a precisar de ainda mais racionalização do
trabalho.

A racionalização veio por uma nova reestruturação produtiva, a da força produtiva chamada de
acumulação flexível[7], expressa emblematicamente no toyotismo. Trata-se do conjunto de inovações
tecnológicas da tterceira Revolução Industrial (automação robótica e microeletrônica no Processo de
Trabalho, substituindo trabalho vivo [trabalhadores] por trabalho morto [máquinas]). Com isso, criou-se
mais um novo tipo de trabalhador para os trabalhadores remanescentes ainda necessários à exploração
de mais-valia, o “trabalhador polivalente”, o sujeito que tem o conhecimento necessário para operar
simultaneamente diversas máquinas.

A acumulação flexível também horizontalizou aparentemente o gerenciamento ao dar algum controle


do Processo de Trabalho aos próprios operários polivalentes. Porém, em contrapartida, esta força
produtiva descentralizou a produção e flexibilizou as relações de trabalho. Os parques industriais foram
reduzidos e espalhados por diversas localidades, como a “terceira Itália”, Flandres, Vale do Silício, além
de Japão e dos Tigres Asiáticos.
A produção em massa foi trocada por uma produção de nicho, abolindo grandes estoques, já que
passou-se a produzir muito mais rápido e a referência de logística industrial adotada foi o procedimento
dos supermercados de repor suas prateleiras apenas quando estas são esvaziadas pelo consumo da
sociedade e a demanda pela recompra já está batendo à porta.

Com o aumento da diversificação das mercadorias, a concorrência aparentemente aumentou (devido às


redes de pequenos produtores subordinados às transnacionais) e um mercado de serviços se abriu para
satisfação das necessidades e desejos mais variados da pluralidade de nichos socioculturais locais. Com
a descentralização da produção, padrões de consumo foram mundializados, o trabalho de chão de
fábrica diminuiu, tendo em vista as conjunturas de Europa e EUA do pós-guerra e os anos 1960 (apesar
de terem crescido em alguns países emergentes, principalmente nos países do extremo oriente).
Relações e regulamentações do trabalho se flexibilizaram com a terceirização, regime de contratação
part time e a utilização de trabalhos atípicos (do ponto de vista da tipicidade do Processo de Valorização
[assalariamento]), como casos de trabalho escravo e prestação individual de serviços.

Nesta nova força produtiva, o regime de acumulação flexível permitiu às empresas se


transnacionalizarem, ou seja, dispersar diversas partes do seu processo de produção em praticamente
qualquer local do planeta, se conectando entre si numa cadeia de produção e circulação global que
funciona em rede. Toda megacorporação transnacional se tornou independente de qualquer território
nacional específico (tomado isoladamente), tanto em produção quanto em mercado consumidor, já
que, com as novas tecnologias de transporte logístico e de informação pode escolher com baixos custos
de tempo onde deseja operar seus negócios.

A força produtiva do modo de acumulação flexível tem gradualmente erodido com as condições
essenciais da superestrutura do Estado social-democrata keynesiano, e como consequência, das
possibilidades de welfare state, tanto para os países que já eram de um capitalismo mais avançado,
quanto para emergentes que ainda lutam para tentar aumentar a social-democracia mínima que
conseguiram no começo deste século. Uma economia de dimensão global, por transnacionalizar a
produção e a circulação, se livra da necessidade que o fordismo tinha do pacto entre capital e trabalho
mediado pelo Estado keynesiano e coloca a comunidade internacional de Estados Nacionais para se
digladiarem entre si por investimentos das empresas, que chantageiam os governos e suas populações
por lugares com menos impostos e força de trabalho cada vez mais especializada e barata. Doravante,
aumenta a desigualdade social com tal divisão translocal do trabalho, e consequentemente a
pauperização, o que por sua vez compromete as condições de manter a democracia por parte das
burocracias dos Estados Nacionais. Além disso, o que o welfare state antes tinha como tarefa
compensatória à inabilidade do fordismo em prover infraestrutura e serviços públicos básicos, que por
isso eram produzidos fora da sociabilidade produtiva capitalista, sendo fornecidos pelo Estado (que os
produzia pela taxação de impostos do produto social nacional) como direitos universais, na força
produtiva do regime de acumulação flexível perde o seu papel, pois com esta a produção tipicamente
capitalista adquiriu a forma social concreta necessária para transformar em mercadoria os direitos e
levando a mão esquerda do Estado à privatização. Portanto, o modo de regulação da superestrutura
estatal da social-democracia keynesiana passou para o modo de regulação neoliberal com o acréscimo
da força produtiva do regime de acumulação flexível à até então hegemônica força produtiva taylor-
fordista. Fenômeno que representa a passagem dos recursos de aparelhagem da mão esquerda para a
mão direita do Leviatã que é o Estado Nacional.

Assunto que tratarei mais minuciosamente com a próxima postagem.


[4] BRAVERMAN, Harry. Parte 1. Trabalho e Gerência. Trabalho e Capital Monopolista. A Degradação do
Trabalho no Século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

[5] MARGLIN, Stephen. Origem e funções do parcelamento das tarefas (para que servem os patrões?).
In: GORZ, André (org.). Crítica da Divisão do Trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

[6] GRAMSCI, Antonio. Americanismo e Fordismo. In: Cadernos do Cárcere. São Paulo: Civilização
Brasileira, 2011.

[7] HARVEY, D. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 1993.

O Estado é a principal forma social jurídico-política que constitui a superestrutura assentada na base
material (infraestrutura) típica do modo de produção capitalista. É uma estrutura de aparelhos
institucionais formalmente impessoal, técnica, neutra e apartada da sociedade civil, pois só dessa
maneira podem ser protegidos os contratos e por consequência a propriedade privada dentro das
relações sociais de produção capitalista. Portanto, trata-se de uma “forma política” que deriva da forma
mercadoria.
Na Europa, onde nasceu o capitalismo, essa forma social jurídico-política que é o Estado, e que é de vital
importância para o modo de produção vigente, foi gerada por três tipos de percurso histórico: a
acumulação com concentração de capital, a acumulação com concentração dos meios de violência e
coerção e, por fim, a acumulação com concentração de capital e dos meios de coerção e violência
combinados. Um processo que decorreu do germe daquilo que hoje chamamos de “relações
internacionais”.

Além disso, dentro das “sociedades nacionais”, o Estado também se formara como “invenção jurídica”
daqueles que vieram, posteriormente, a ser sua burocracia. Portanto, esta gênese endógena foi
realizada pela formação de um “campo simbólico” (microcosmo social) com autonomia relativa da
economia e da política por parte dos juristas emergentes da divisão social do trabalho na transição do
Estado Dinástico para o Moderno. Burgueses de uma nobreza togada que atendiam às demandas dos
reis – enquanto elas eram social e politicamente legítimas – como uma estratégia para atingir os seus
interesses nas disputas que travavam com a nobreza de espada (a aristocracia tradicional [de sangue] do
Antigo Regime), que ao derrotá-la, monopolizaram, sob um reconhecimento social de legitimidade, a
violência material, simbólica e os bens públicos da sociedade.

Como invenção jurídica, o Estado é o conjunto de operações de encenação da sua oficialidade para a
legitimação social do exercício de suas funções, que são colocadas por sua própria burocracia como a
representação do consenso coletivo (a “vontade geral”) no imaginário popular. É algo que tem como
condição de ser o acúmulo histórico de recursos raros e desigualmente distribuídos (na divisão do
trabalho de dominação) de oficialização teatralizada de ordens sociais específicas, que foram
universalizadas como conformismos lógicos e morais advindos da violência de desapossamento das
representações simbólicas locais anteriores que estavam dispersas. Língua, moeda e mapa oficiais dos
países são alguns dos exemplos de maior notoriedade deste fenômeno.

Pelo fato dos microcosmos sociais terem sua autonomia relativizada por condições externas,
historicamente determinadas pela estrutura da sociedade de classes, o campo da burocracia que
constitui o Estado Moderno redistribui seus recursos de oficialização para os grupos de agentes sociais
(estratos e frações de classe) com maior eficiência em atender as necessidades das classes dominantes
naquilo que estas dependem do Estado para reproduzir sua dominação. É a mudança de necessidades
que as classes dominantes têm do Estado – que no fordismo o fazia ser orientado a garantir certo
padrão de bem-estar social, pois era necessário um ajuste pleno da sociedade para o fornecimento de
uma força de trabalho de massa – que altera as políticas da burocracia estatal.

Sendo assim, quando na conjuntura de desenvolvimento das forças produtivas, da queda tendencial das
taxas de lucro e das correlações de força da luta entre proletariado e burguesia a hegemonia do regime
de acumulação deixa de ser fordista e passa a ser da acumulação flexível, o capitalismo necessita da
burocracia de Estado a mudança do modo de regulação social democrata para o neoliberal. Esse
processo consiste em um conjunto de transformações que aludem à imagem de Hobbes do Estado
soberano, o Leviatã. Nele a mão esquerda possui o caráter “feminino” de prover o que for função social
necessária à sua população, enquanto a mão direita, que possui caráter “masculino”, é disciplinadora e
repressora. No Estado Nacional Moderno a mão esquerda é materializada nos direitos e políticas de
assistência social, mobilizando os recursos do orçamento para prover saúde, educação, habitação e
redistribuição de renda pelas regulações econômicas, enquanto a mão direita faz cortes orçamentários,
incentivos fiscais ao setor privado e desregulamenta a economia para resguardar as bases materiais das
classes dominantes em detrimento da universalização dos recursos da sociedade para toda a sociedade.
Essa imagem consegue representar como ocorre a determinação da transformação do Estado pela
transformação da economia, a transformação da superestrutura decorrente da transformação da
infraestrutura. Na conjuntura de abundância material para as sociedades centrais do capitalismo, nos
anos dourados do welfare state, a mão esquerda do Leviatã prevalece nos Estados que as administra. Já
na conjuntura de acumulação flexível, devido às novas condições materiais, os recursos de oficialização
da burocracia estatal são realocados da mão esquerda para a mão direita do Leviatã. Isso acontece
porque as classes dominantes não necessitam mais da harmonia e disciplinarização da sociedade para
utilizá-la ao máximo como força de trabalho. O que elas passam a necessitar é controlar a sociedade na
sua nova condição de desemprego em massa, aprofundamento das desigualdades e da pobreza, para
que assim não haja riscos à propriedade privada.

Desse modo, as políticas de assistência social se tornam trabalho social (passam a ser exigidas
compensações dos indivíduos pelos benefícios recebidos) e o aparato penal, policial, as tecnologias de
monitoramento e o sistema prisional-carcerário aumentam vertiginosamente no intuito de conter os
riscos mensurados de crime, representados simbolicamente nas frações mais empobrecidas dos
trabalhadores e das minorias étnicas. A prisão deixou de ser entendida como recuperadora de quem
não teve as devidas condições de socialização para conviver trabalhando em sociedade – pois o crime
passou a ser visto como “ação racional”, ou seja, consciente e voluntária de quem o comete – para ser
depósito daqueles que não estiverem devidamente controlados nas novas condições de sociabilidade
material, fechados apenas dentro de seus guetos que espacializam os novos bolsões de pobreza. Com
isso, o que era antes um controle único do poder disciplinar, passou a ser um controle duplo, o trabalho
social em substituição à assistência social sem contraprestação e a punição de controle do risco ao crime
simbolizado na pobreza e na negritude. Esse fenômeno, além de privatizar os recursos da mão esquerda
do Estado para os grandes setores patronais da sociedade via desregulamentação econômica do
mercado e investimentos deslocados da sociedade para as empresas, também concede à indústria da
segurança a prestação dos serviços públicos de segurança pública, que responde a insegurança social ao
mesmo tempo que fornece as condições para o exercício do controle e globaliza as inovações punitivas
ao exportar suas tecnologias e processos.

Portanto, aqui foi derrubada a constante crítica cretina de liberais e libertários, na qual afirmam que o
neoliberalismo não existe, pois, nenhum Estado do planeta seria para eles pequeno o suficiente para ser
considerado “mínimo”. Isso porque não é, em absoluto, apenas o tamanho do Estado (seja pelo
tamanho de seu corpo burocrático ou a quantidade de impostos taxados) tomado em abstrato que o faz
ser ou não “neoliberal”. É o desmonte de todas as formas de social-democracia (que até então eram
necessárias ao capitalismo para disciplinarizar o trabalho) – através da realocação de recursos materiais
e simbólicos estatais da assistência social para a repressão policialesca de vigilância e encarceramento
em massa – que criou o neoliberalismo, o novo modo de regulação voltado para o controle de uma
sociedade de desempregados ou pauperizados pela descentralização da economia e a flexibilização do
trabalho nas redes da cadeia global de produção e circulação com a acumulação flexível (a substituição
da predominância da mão esquerda pela mão direita do Leviatã).

Destarte, esse controle da mão direita repressiva do Estado neoliberal não é capaz de cumprir o seu
papel sozinho – não há margens violentas o bastante para conter um rio furioso. É por causa disso que é
necessária uma ideologia que produza uma subjetividade capaz de fazer os próprios trabalhadores
concordarem e até mesmo gostarem da sua nova condição, um autocontrole inscrito por todo o corpo
dos proletários. E é sobre este assunto que falaremos na próxima postagem para fechar essa série “O
que é neoliberalismo? ”.
Referências Bibliográficas:

MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2. ed. São Paulo, SP: Expressão Popular. 2008.

MASCARO, A. L. B. Estado e Forma Política. 1. ed. São Paulo, SP: Boitempo Editorial. 2013.

TILLY, Charles. Coerção, Capital e Estados europeus. SP: Edusp. 1990-1992.

BOURDIEU, P. Sobre o Estado. Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo, SP: Companhia das
Letras. 2012.

A produção social da existência é a estrutura econômica da sociedade – a sua base real – da qual deriva
uma superestrutura jurídico-política correspondente a certas formas sociais historicamente
determinadas de consciência. É por isso, que até aqui, vimos como o neoliberalismo nasceu de uma
transformação da base real pela reestruturação produtiva do regime de acumulação taylor-fordista para
a acumulação flexível, que então modificara a superestrutura do modo de regulação social-democrata e
keynesiano do welfare state para o Estado policial repressivo, controlador e privatista. Contudo, ainda
falta saber quais são as formas sociais da consciência típica do neoliberalismo, isto é, a sua ideologia.
No neoliberalismo, o arquétipo do herói idílico, o indivíduo isolado que existe por si mesmo, que
inspirou alguns dos arautos do liberalismo econômico, como Adam Smith e Eugen von Böhm-Bawerk, é
ressuscitado em uma forma atualizada de Homo economicus. Assim como no liberalismo clássico, o
Homo economicus neoliberal é a expressão de que a liberdade somente pode existir como exercício da
vontade subjetiva própria de cada um dos indivíduos. Trata-se de algo que, além de ser a substância da
ideologia liberal, é aquilo que constitui o reflexo da forma mercadoria na forma social-jurídica, a
categoria do sujeito de direito que permite a redução da diferença qualitativa entre todas as pessoas à
condição de proprietários privados que apenas se relacionam através das trocas de direitos e deveres
entre si, que são voluntariamente consentidas pela celebração dos contratos entre as partes envolvidas,
possibilitando assim a existência do circuito de trocas comerciais necessário à legitimação da venda e
compra de força de trabalho dos proletários para explorar a mais-valia.

O neoliberalismo eleva à máxima potência essa individualidade abstrata e absoluta do sujeito de direito
com o novo Homo economicus. A partir de uma série de práticas dos aparelhos ideológicos, como as
experiências sociais produzidas por instituições jurídicas, políticas e culturais do Estado e do mercado,
uma nova forma de subjetividade foi gerada na consciência dos trabalhadores. A racionalidade
econômica utilitarista, que foi até então a essência do Homo economicus, libertou-se de qualquer
consciência ou desejo a respeito do pertencimento de classe por parte dos trabalhadores, que passaram
a se ver apenas sob a roupagem da forma de “empresa de si mesmo”.

Portanto, os trabalhadores não se veem mais como trabalhadores, caíram na ilusão de que a tecnologia
de alguns pequenos instrumentos das novas forças produtivas - por ter uma portabilidade e custos de
maior acessibilidade individual a pequenos capitais, e pelo fato deles terem o conhecimento necessário
para operá-la para uma produção de serviços e informação cada vez maior - são seus meios de produção
e eles podem perfeitamente competir no mercado e serem prestadores de serviços para diversas outras
empresas. Com isso, a capacidade de organização coletiva dos trabalhadores (seja pelos sindicatos ou
por partidos), que já estava drasticamente comprometida com a transnacionalização do capital e da
produção, ficou sem energia e disposições conscientes da própria classe para resistir à sua exploração. A
flexibilização do trabalho por meio da terceirização e a perda dos direitos sociais com a privatização do
Estado e dos serviços públicos foram assim facilitadas pelo mergulho apaixonado dos trabalhadores na
sua própria exploração, acreditando assim ser parte do sistema. Desse modo, as empresas reais
reduzem cada vez mais seus custos necessários para contar com a força de trabalho que ainda
permanecem precisando para produzir, pois os trabalhadores, ao serem levados a se sentir como
empresas de si mesmos, são um empreendimento de si próprios e de sua família, a fonte do seu capital
inicial com o qual estudam, garantem sua saúde e aposentadoria privadas, estando prontinhos, melhor
que todos os outros, para serem os abençoados pela meritocracia do mercado, como recompensa por
sua obediência às novas exigências do Capital.

Assim como a ideologia cristã faz seus fiéis acreditarem ser tanto filhos quanto a imagem e semelhança
do seu Senhor, ou seja, uma parte daquele que os domina, o Capital, no neoliberalismo, faz como nunca
os trabalhadores acreditarem, pelo Homo economicus na forma empresa de si mesmo, que eles, mais
do que plenamente livres apenas dentro da individualidade e vontade abstratas do sujeito de direito,
por seus próprios méritos, são os filhos pródigos do deus mercado, a sua imagem e semelhança. A
burguesia imperialista global conseguiu, ainda melhor que a serpente, dar o fruto do conhecimento do
bem e do mal aos trabalhadores os fazendo pensar estar comendo o fruto da vida, caindo assim, os
pobres mortais, no inferno achando que ainda estão no paraíso justamente porque o fruto amaldiçoado
que comeram mantém o cheiro do Éden em suas bocas. É uma tragédia!
Apesar das trevas, não nos deixemos abater e cair em pânico e agonia, camaradas. Igual a promessa da
mulher de esmagar a cabeça da serpente que antes feriu seu calcanhar, seja a esperança da nossa
vitória, a vitória dos trabalhadores do mundo, a vitória de toda a humanidade.
A MITIFICAÇÃO E A MISTIFICAÇÃO DO CAPITALISMO
DANIEL VAZ DE CARVALHO

"A luta para que o céu se tornasse mensurável foi ganha através da dúvida. Mas a luta da dona de casa
pelo leite é todos os dias perdida pela credulidade"

Bertholt Brecht, Galileu Galilei

"Quando os pobres sabem que é preciso trabalhar ou morrer de fome, trabalham. Se os jovens sabem
que não terão socorro na velhice, eles economizam"

William Nassau, economista e político inglês, 1790-1864.

1 – "Os anos de ouro"

A mitificação do capitalismo começa por uma visão idílica, mitificada, dos "anos de ouro do capitalismo"
apregoando o seu "extraordinário sucesso" e a estagnação e fracasso do socialismo. Por um lado,
fecham os olhos às devastações e todas as espécies de horrores cometidos pelo imperialismo, pelo
neocolonialismo e pelas ditaduras, para impor o capitalismo.
Por outro, a realidade socialista é totalmente deturpada, num acervo de mentiras e omissões. Apenas
como exemplo, entre 1950 e 1972 a produção industrial dos países socialistas cresceu 8,4 vezes a dos
países capitalistas desenvolvidos, 3,1. Em 1940 era na URSS 5,8 vezes a de 1928. [1]

O sistema capitalista é apresentado como tendo permitido a ascensão de classes sociais, produzido mais
riqueza, melhoria do nível de vida e direitos. O que esquecem é que tudo isto foi obtido – onde foi – não
pelo capitalismo, mas contra o capitalismo, pelo proletariado organizado sindical e politicamente.
Porém, o que de positivo e progressista se obteve está, em termos capitalistas, sempre a ser posto em
causa, como evidenciam a austeridade, o neoliberalismo, o imperialismo, já não falando dos diversos
modelos de fascismo: a ditadura terrorista do grande capital, com ou sem braços esticados.

Mas onde ficaram então os tais "anos de ouro", aliás para muito poucos. Na realidade, "nos países do
Sul o capitalismo são "massas de seres humanos sem voz, sem nada, o povo das favelas a perder de
vista, campesinato miserável sofrendo para se alimentar, a brutalidade das condições de trabalho, a
humilhação, a desumanidade. No Norte, tão rico, são espectros errantes que olhamos, mas não vemos,
sem tecto, sem direitos, são os "novos pobres", desapossados, ofendidos, desumanizados." [2]

Os "anos de ouro", deveram-se às cedências da oligarquia em consequência das lutas dos trabalhadores
e da admiração dos povos pela URSS e demais países socialistas face aos seus êxitos e à aquisição de
amplos direitos económicos e sociais.

Não são pois de admirar as objurgatórias dos escribas afectos ao capital sobre o que inventam ter sido o
"jugo soviético". Contudo nada os sensibiliza o jugo (este sim bem real) da UE, da NATO, do FMI, não
esquecendo a CIA e colaterais sobre os povos [3]

Há contudo que reconhecer que o capitalismo soube incutir no comum das pessoas a sedução pelo
consumismo. Os EUA tornaram-se assim, para muitos, objecto de admiração acrítica, não entendendo
que o que os atrai nos EUA é também um dos maiores defeitos do seu sistema: com 5% da população
mundial consome 25% dos recursos mundiais…

O mito do consumismo tornou-se fonte de realização individualista, uma das bases do carácter
alienatório do capitalismo, que Marx descreveu e Eric Fromm desenvolveu neste aspeto em "Ser e Ter".

A propaganda e o enaltecimento da riqueza e do modo de vida dos ricos, determina modos de pensar
acríticos, deixando na sombra mediática as causas da corrupção, do luxo escandaloso, das desigualdades
obscenas. Simultaneamente, o sindicalismo de classe é caluniado como reduto de privilegiados e
elemento obsoleto e egoísta à custa dos outros trabalhadores – que o sistema deixa sem direitos ou no
desemprego.

2 – Mitos e realidades
Um dos mitos é o do êxito hedonista e individualista. O capitalismo diz: o êxito, é uma conquista
individual, estás num mundo competitivo, mas tu vais conseguir… se seguires as regras. Ora as "regras"
são as da semiescravatura da "flexibilidade laboral" – precariedade – da austeridade, da globalização
capitalista, que coloca o proletariado dividido e isolado, competindo entre si, e em que o seu projecto
de vida se limita à sobrevivência a curto prazo, porque doutra forma ou noutro país se obtêm lucros
mais elevados.

Ao mesmo tempo que sem corar afirmam que "não é possível conservar o emprego a todo o custo",
apoiam políticas para defender os interesses da finança "custe o que custar". Mas isto é apenas um dos
resultados das "reformas estruturais", de facto impossíveis de impor antes do fim da URSS.

A lógica já enunciada pelos seus defensores com o argumento da competitividade e da "justiça social" (!)
é de que não se justifica que trabalhadores europeus tão qualificados como trabalhadores das Filipinas,
Bangladesh ou Índia ganhem mais que estes. Claro que nem lhes passa pelo crânio que devam ser estes
a ganhar mais.

O "comércio livre" e seus tratados são propagandeados como permitindo aos países pobres sair da
pobreza e proporcionar aos consumidores acesso a bens mais baratos. A defesa dos interesses nacionais
e populares é então caluniada como "proteccionismo". Com objectivos sedutores no papel, seja com
argumentos tecnológicos, seja pela "competitividade", as transnacionais (TN) obtêm o poder de destruir
a vida das pessoas, mas são intocáveis e faz-se apelo à vinda do seu capital como um indiscutível bem,
ignorando as consequências económicas e sociais e as exigências impostas.

Ora as TN sempre foram um perigo para os povos. Em seu benefício foram e são desencadeadas
guerras, povos são atirados para o caos social e tragédias humanas. Não deixa de ser curioso que os
estrénuos adeptos do "comércio livre", ignorem o efectivo jugo das TN sobre os povos, ao abrigo de
uma mítica "economia de mercado".

Como habitualmente a defesa dos interesses dos mais ricos vem sempre mascarada com bons
sentimentos para com os mais pobres. Na Inglaterra do século XIX os defensores do comércio livre
diziam que a pobreza era causada pelo proteccionismo e direitos aduaneiros – nunca pelo sistema de
exploração capitalista! Note-se que quando a França e a Alemanha, desenvolveram as suas indústrias
passaram a defender o proteccionismo! A exploração desenfreada, essa manteve-se…

O mito da eficiência capitalista, oposto ao desempenho económico e social do Estado, conduziu a


massivas privatizações, fonte de corrupção e tráfico de influências em que o interesse público não foi
defendido, como o Tribunal de Contas relatou.

As privatizações são uma tentativa de salvar o grande capital da crise e da baixa da taxa de lucro pela
monopolização da economia e da precariedade social. Um estudo do Transnacional Institute [4] concluiu
sobre as privatizações que não há qualquer prova que demonstre que as empresas privadas fornecem
serviços de forma mais eficaz que as públicas; em contrapartida fizeram cair salários, degradar
condições de trabalho, aumentar desigualdades. Na realidade, ao fomentar a criação de monopólios
estão a subverter o próprio conceito de eficácia capitalista…
Registe-se que nos primeiros seis meses de 2016, em Portugal, um conjunto de oito empresas
privatizadas teve 1,33 mil milhões de euros em lucros, quase metade do défice público no mesmo
período (2,8 mil milhões de euros). [5]

3 – A mistificação

O totalitarismo neoliberal, o "pensamento único", não permite que Ideias, textos, autores, por exemplo
apresentados neste site ou nos sites aí citados, sejam discutidos, analisados, sequer mencionados, na
comunicação social controlada. No passado, a Igreja justificou a ordem monárquica como imutável e de
natureza divina. Agora, papel equivalente está atribuído aos media para que a população não conceba
outro sistema, outra economia política.

Os media não se limitam a ser agentes de desinformação, tornaram-se agentes da conspiração


imperialista contra a soberania, o progresso e a paz dos povos. A propaganda procura de todas as
formas que a lógica dos oprimidos seja um mero reflexo da dos opressores. Gente arregimentada anda
há anos a perorar contra o "despesismo" do Estado em funções sociais, sem as quais quase 50% dos
portugueses estaria na pobreza, porém recusam na prática a fiscalidade progressiva e ignoram o que
seja a soberania do Estado sobre a riqueza criada no país.

A intoxicação das consciências sobre os direitos sociais e o papel do Estado na economia prossegue. A
direita e a propaganda ao seu serviço apresentam as ditas "reformas estruturais" como factores de
"crescimento económico e emprego". Mas essas "reformas" não são mais que as condições para a
oligarquia, assumindo uma arrogância sem limites, ficar livre do controlo democrático e prosseguir actos
de vigarice e mesmo criminosos,

Os oligarcas são apresentados como beneméritos da sociedade, agentes do crescimento, único recurso
contra a pobreza, quando os factos provam justamente o contrário: absorvem pelas estratégias
monopolistas e domínio sobre o poder político o resultado do trabalho alheio, seja do proletariado seja
das MPME, e a riqueza do Estado, em nome da confiança dos mercados - eufemismo atrás do qual se
esconde a oligarquia.

Os 30 mais ricos detêm de património líquido, segundo a Forbes, cerca de 950 mil milhões de euros; o
1% mais rico dispõe de 50% da riqueza mundial. Como relata a OXFAM: "Têm tudo e querem mais".

O resultado são sociedades disfuncionais onde os psicotrópicos se tornam escape. O sistema produz
seres humanos na insegurança quanto ao futuro, na apatia ou no desespero, na ansiedade que leva à
depressão e à insanidade. Seres abatidos em nome da competição a favor de uma minoria de ultra-ricos.
Seres amputados da tal "liberdade de escolha", que serve à propaganda para dominar vontades.

4 – A transformação necessária
Uma época de proezas tecnológicas coexiste com uma economia baseada num irracional facciosismo,
com a barbárie de criminosas guerras de agressão, duras políticas anti-sociais de austeridade, tudo e
todos subordinados a bandos de gananciosos e vigaristas financeiros.

As políticas vigentes opõem-se a qualquer ideia de progresso e desenvolvimento social, a finalidade é


tornar os ultra-ricos mais ricos e os povos dominados pela hipocrisia. A concepção que vigora é que ao
povo basta-lhe ter um trabalho, quaisquer que sejam as condições, e consumir aquilo a que a
publicidade incita. Contudo, nem isto o capitalismo se mostra capaz de satisfazer.

Engels em 1844 denunciava as horrorosas condições de trabalho vigentes, incluindo de mulheres e


crianças. Houve de facto leis para limitar estas situações, mas com o movimento operário e socialista
incipiente era como se não existissem. Compreende-se que para a direita o ideal seja o fim da
contratação colectiva e dos sindicatos de classe de que são naturais inimigos.

O neoliberalismo, colocou o Estado ao serviço do grande capital, estabeleceu a infame "concorrência


fiscal" e livre circulação de capitais para o ónus dos défices recair sobre as massas populares.
Transformar a sociedade tem que ver como o papel do Estado se altera. É em volta do poder e do papel
do Estado que se desenrola o mais intenso da luta de classes: o confronto entre a oligarquia e a
democracia.

O papel do Estado democrático na defesa dos interesses do país e do seu povo foi usurpado pela ficção
da "soberania partilhada" e da "governação à distância" que exprimem o domínio das potências
hegemónicas na UE e na NATO. Que soberania partilha a Alemanha com Portugal, com a Grécia, com a
Espanha, até com a França? Que solidariedade europeia existe quando os países periféricos são tratados
como os PIGS? Que entidades "independentes" – da vontade dos cidadãos – têm o direito de
determinar, como no fascismo "o que é melhor pacra os portugueses"?

O mito das "ajudas" capitalistas, como os fundos estruturais da UE, já foi comparado ao "queijo na
ratoeira". Na ratoeira da ingerência, das privatizações e das sanções. Nesta ratoeira a política de direita
tem sido promovida, defendida e branqueada, traduzindo-se em pobreza, desindustrialização,
desmantelamento da agricultura e pescas, desigualdades crescentes e estagnação

Instaurou-se um sistema que tenta resolver o acréscimo de contradições e demolidoras crises a que deu
origem, aprofundando os erros e se mantém pela propaganda, pela chantagem e ameaças.

Um sistema incapaz de corrigir os erros e resolver os problemas que cria tem de ser substituído. As
necessidades dos povos devem sobrepor-se aos tratados, sem o que estes se tornam "pactos de
agressão".

Neste sentido, o princípio básico de uma política democrática deveria ser: transformar o necessário para
a maioria, no possível. Mas este possível, tem como condição necessária a maioria assumir a sua
consciência de classe, uma consciência política e social capaz de fazer frente tanto à ideologia
reaccionária da propaganda oligárquica como às mistificações da social-democracia.
[1] Acerca do planeamento democrático do desenvolvimento, Lenine, Keynes e Hayek,
http://resistir.info/v_carvalho/planeamento_democratico_do_desenvolvimento.html

[2] La maladie dégénérative de l'économie, le "néoclassicisme , Remy Herrera, p.9, Ed. Delga,
http://www.librairie-renaissance.fr/9782915854732-la-maladie-degenerative-de-l-economie-le-neo-
clacissisme-remy-herrera/

[3] National Endowment for Democracy, a janela legal da CIA, http://resistir.info/eua/ned_cia.html

[4] Making Public in a Privatized World: The Struggle for Essential Services,
https://www.tni.org/en/publication/making-public-in-a-privatized-world-the-struggle-for-essential-
services

[5] Lucros de empresas privatizadas pagavam metade do défice público,


http://www.abrilabril.pt/nacional/lucros-de-empresas-privatizadas-pagavam-metade-do-defice-publico

Este artigo se encontra em http://resistir.info/v_carvalho/mitificacao_e_mistificacao_17out16.html


O liberalismo no pensamento do ocidente

Por Kayque Souza

Todo pensamento dominante de determinada época, é o pensamento de uma classe dominante. É


assim que Marx nos diz na ''Ideologia Alemã'' para nos dar um prelúdio do que consiste este texto. Nada
mais do que uma análise do pensamento liberal e suas aquisições e suas limitações, trata-se de expor o
movimento deste, de revolucionário à contra-revolucionário e portador da inversão cabal d'onde reside
as contradições mais latentes na sociedade civil.

Em tempos de discursos sobre os vários desdobramentos da vida social, por assim dizer, se faz
necessário a análise de uma espécie de ''logos'' que os rege mediante uma lógica interna. Este ''logos'',
aqui referido, nada mais é do que: O Pensamento Liberal, revolucionário e ao mesmo tempo contra-
revolucionário, revelando um carácter deste pensamento que ao mesmo tempo que lhe é emancipador,
lhe mostra uma veia puramente passageira de si, onde ao molde Hegeliano de Gestalt, (O da
Fenomenologia do Espírito), revela contradições em seu seio que de si não vislumbram superação pois a
lógica interna de tal pensamento não permite, não permite de tal modo que necessita-se uma cisão
radical com tal modo de se pensar que nos elevaria para outro patamar, superior, bem verdade.

O que almejamos com esta reflexão, é justamente demonstrar que o ideário liberal é ao mesmo tempo
emancipador, mas não em sua totalidade, o que nos exige uma crítica rígida e uma superação urgente e
necessária de tal, a pontos de sermos revolucionários por completo.

O pensamento liberal no ocidente, é datado em seus burburinhos, com a participação política da


burguesia em meados do séc XV e tem sua totalidade se revelando 2/3 séculos depois. Onde a partir da
consolidação real desta mudança, nós podemos vislumbrar tal ''racionalidade'' (Dardot e Laval)
embutida numa forma dos homens pensar e guiarem sua ação social por assim dizer. Aqui, aos senhores
que nos acusarem de ''polilogismo'' mediante uma exposição das interações dos homens, isto é: vê-las
além de uma descoberta formal da lógica interna dos atos dos homens, como queria Ludwig Von-Mises,
remeto à sociedades antigas, como a grega e a medieval por exemplo, onde nem sempre as relações
sociais foram obtidas ou pensadas da mesma forma, isto é: Abarcadas por outro cabedal de ideias que
as fundamentava. Por exemplo, no período medieval em seus momentos teocêntricos, ou a Grécia
Antiga, onde a totalidade determinava as partes de tal modo que estas se tornavam ''descartáveis'' em
nome do todo. A história das ideias nos mostra que uma acusação destas, onde valores diferentes,
pensamentos diferentes e relações diferentes, moldam tais épocas que a acusação de polilogismo de
Mises se mostra pouco producente, para não dizer que emana um desconhecimento da própria história
destas ideias e destas sociedades. Portanto, tais ''racionalidades'' como aludidas acima, não estão neste
registro do polilogismo antes de qualquer coisa e sim numa questão de imanência de um período
histórico e de determinadas relações materiais e sociais. O que inscreve esta racionalidade como algo
em movimento e não pura forma abstrata. O que nos mostra que tais ideias se movem de tal maneira,
que nos mostra uma superação entre estas. Num primeiro momento, o de uma comunhão com a
natureza, de uma totalidade harmônica de forma quase ''mística'' como pensara os Gregos antigos, sem
a ideia central de um Deus religioso, mais ou menos até Plotino, até sua superação no período medieval,
onde se descobre o homem como esta individualidade, mas segundo uma ótica divina, de comunhão
com um Deus, que não era mais ''primeira causa'' ou algo do tipo. E sim criador, tutti pottenti, ato puro,
entre outros incontáveis e infinitas qualidades. Essas duas diferenças aí, marcadas por desdobramentos
materiais e sociais, da conversão de um Imperador Romano ao Cristianismo à evolução econômica de
Roma que começa a crescer e tomar as sociedades ao redor como parte deste império, ate a sua queda
enquanto império, marcam o início desta Idade Média, mas já inserida com tais valores já religiosos, por
assim dizer, que já guiavam as ações e as relações sociais. Mas aqui, já fundamentando outra forma de
Estado, por assim dizer e das próprias supracitadas relações. E uma nova classe dominante.
A superação via o ideal Liberal. As aquisições revolucionárias de tal pensamento.

O pensamento liberal, também não fará diferente, visto que este também nascerá das contradições da
sociedade medieval. O pensamento da idade média, como mostrado acima, nasce das contradições da
sociedade antiga e de uma evolução das relações sociais dos homens que os obrigam a colocar em outro
patamar civilizatório. Neste caso, descobrindo a individualidade, mas segundo a Vontade de um Deus
todo poderoso, como por exemplo e todas as ideias e ações, pautadas nisto.

O grande trunfo do pensamento liberal (com o perdão da versão bastante escolar) é o de demonstrar
que esta individualidade aí descoberta, não se dobra necessariamente à Vontade deste tal criador de
forma religiosa. Mas sim, reflete-se sobre si mesmo no próprio mundo onde este vive. Legando assim, à
religião, um papel de crença e não de uma fundação necessária para a sociedade e sua formação. Não
pelo menos dessa sociedade que agora tentava se iluminar pela luz da razão, ou simplesmente,
iluminista. O desenvolvimento da ciência neste período faculta também bastante o ganhar de forças dos
ideais liberais neste período, nos mostrando que este agora descobre a individualidade dentro deste
mundo dos homens. Mas tal individualidade moldada ''nela mesma'' e suas experiências em um crivo
subjetivo. É importante frisar que a teologia protestante também funciona como um dos aportes
intelectuais para isto, mas somente como uma forma de demonstrar como isto não está ligado
necessariamente à transcendência, a uma imperfeição do mundo terreno como pensavam os medievais,
por exemplo e sim num aporte para demonstrar que é possível tal realização do indivíduo aqui em terra.
Como por exemplo alude Weber, numa análise deste Espírito do Capitalismo, ou uma teologia da
prosperidade.

Tais ideias ganham força, pois o homem não se prender mais a amarra transcendente alguma e sim a
amarras do mundo ele mesmo. O advento da ciência, como essa elucidação, além das filosofias de corte
antropocêntrico, nos ajudam a vislumbrar tal força dessas ideias. Ideias estas que são abraçadas pela
classe burguesa e aí mostram o que há mais de revolucionário nelas.
O pensamento liberal, além de se fundamentar numa base científica forte e em uma filosofia robusta,
este também aparece com um novo arranjo de Estado, o de liberdade total dos homens mediante esta
lei, esta igualdade que implicaria na mesma liberdade, para todos. O que marca de vez esta fase
revolucionária. Os homens que não são mais ligados em laços de dependência uns aos outros, como era
na idade antiga, entre senhor e escravo e na idade média entre servo e senhor feudal. Agora, dois
homens livres e desimpedidos para fazer contratos e se relacionarem sem necessidade de se depender
um do outro pelo resto da vida.

O direito de acúmulo, que se descobre pela teologia da prosperidade e essa individualidade livre de
maneira indeterminada, além do desenvolvimento científico e a proposta de um Estado ''republicano'' e
universal para todos, é o que faz com que o pensamento liberal tome conta de vez das relações sociais.

Destes ganhos aí, supracitados da fase revolucionária liberal, surge-se a nova sociedade, que se molda à
este pensamento liberal, porém não com a plenitude e pela lógica interna, desta nos mostra que
somente a superação se mostra como a cura definitiva para estas.

As contradições ou limitações do pensamento liberal na atual sociedade.

O pensamento liberal, embora tenha superado os dois tipos de racionalidade anteriores, a antiga e a
medieval, ela não supera o arranjo de classes nesta sociedade. Pois este pensamento mesmo, é adotado
enquanto expressão de levante de uma classe; A burguesia. Numa análise que se aproxima realmente
do ser-aí das coisas, isto é: O desenvolvimento deste na história, nós conseguimos obter o seguinte: Que
todas essas sociedades que aqui foram citadas, todas foram produtos de expressão de uma classe sobre
a outra. Em um primeiro momento, de senhores e escravos, onde se subjugava pela força, em outro
momento, da nobreza em cima da burguesia, dos senhores feudais para os servos e etc. Tal arranjo de
classe, como demonstra Friedrich Engels em '' A Origem da Propriedade Privada e da Família '', estão
diretamente ocorrendo desde a gênese da vida social, da superação da propriedade familiar e comunal
para a propriedade privada, isto é, exclusiva de tal, nesta segunda, sendo a implicação cabal para a
sociedade de classes e portanto, toda a ''roda da história'' e suas superações por assim dizer. Todos
esses movimentos, eram, de fato, para tentar sanar essas contradições que são legadas na descoberta
das sociedades que consistem em nada mais que na luta de classes, o fazem de certa forma de maneira
satisfatória, em comparação com o outro. O que ocorre é que o pensamento liberal também é
expressão de uma classe e neste caso, como já citei, da classe burguesa, agora, contra a classe
trabalhadora, isto é: Enquanto dominante perante esta.

As superações, como todo mundo sabe, jamais ocorreram de modo pacífico. A burguesia teve de
decapitar reis, por exemplo para chegar onde chegou, além das tensões políticas de tal tempo. O que
significa um ato de tal classe contra a outra e vice-versa, onde uma tenta colocar seus interesses em
jogo. O que implica necessariamente nesta luta e do lado para quem é contra-revolucionário, certo
discurso em favor de tal ordem, pois esta ordem está a seu favor. Esse discurso e estes atos possuem
dois momentos, em um primeiro momento: O de motivação, de uma universalização independente do
que ocorrer, num segundo momento, como manutenção como no reafirmar desta universalidade de
forma efetiva. O que implica no reafirmar de tais valores, de tal forma que o desejo de outra classe se
reprime para si e tal se perpetua na dominação. Este conceito, nada mais é do que a Ideologia, esta tem
um papel importante nesta luta de classes que nos fora revelada acima e no que tange esta crítica, há
um papel central.
Mas ainda neste registro da luta de classes, há diversas mediações para se considerar que perpetuam ou
diminuem tal período de domínio de uma classe sobre a outra e é aí que tal racionalidade irá se
perpetuar ou diminuir, pois como se vive na égide da classe dominante, necessita-se agir para impor tais
interesses, mas a Ideologia é este entrave, pois ela mascara as reais interações em nome deste manter
do domínio, o que causa um distanciamento real entre: Discurso e realidade, tal distanciamento
alienante para uma classe e distorcendo as ideias reais, a ponto de tortura-las e leva-las a este limite
''lógico'' por assim dizer.

Torna-se necessário esclarecer isto pois de maneira distópica estamos a viver isto, a luta de classes em
tal carácter que o discurso e o pensamento liberal se esgotam para se justificar a ponto de nunca na
história ter se demonstrado tanta distopia e alienação mediante as condições reais.
Onde tais contradições vão se mostrando a qualquer exame filosófico mais atento, demonstrando a
necessidade de superação. Ao olhar mais de perto, por exemplo, o liberalismo se pauta nesse
individualismo, mas não um individualismo segundo algo e sim, segundo o indivíduo ele mesmo, como
uma reflexão desta consciência nela mesma, este individualismo, se observado de perto, não é nada se
não a reprodução do homem com as coisas do mundo e suas relações. E no que tange a sociedade
liberal, com a propriedade privada como expressão máxima deste Eu, onde este serve para distingui-lo
de outro, neste momento ainda, pelos objetos que se tornam apropriáveis, os homens começam a
perceber que ali está certo fundamento deste eu e que não pode ser alienável, porque neste caso,
perder-se-ia o que há mais de concreto como reflexo deste ''euísmo'' (com o perdão do neologismo),
pelos motivos supracitados, deste ser um reflexo concreto do ''eu'' além da consciência que irá se
dobrar para si.

Neste registro supracitado, facultamos diversas críticas, num primeiro momento, esse individualismo
que aliena-se da totalidade como consequência disso, pois se cada indivíduo se torna uma ''ilha-de-si''
neste processo, pois é para a realização deste que o liberalismo se discursou, por assim dizer, este se
aliena de algo mais concreto do que suas relações com objetos, a relação com o outro. Já que esta
segunda torna-se necessária a sua verdadeira revelação. não como uma outra individualidade fora de
mim meramente, mas como uma consciência que tem desejos e que quer se realizar, porém está no
mesmo meio que eu, onde ela mesma terá de se abandonar ou se superar enquanto puro-eu em rumo
desta concreção maior, pois nesta vida social vislumbra-se algo como a arte, a filosofia, a ciência, a
própria economia. Aqui, como já vemos, nós detectamos um limite do individualismo liberal e uma
inversão, dada a forma que ele se dá, ie: Pelo enaltecer do eu e da propriedade privada como expressão
deste eu. Esta inversão aí, causa um problema corriqueiro, no qual Marx nos diz da seguinte forma: ''A
inversão do mundo dos homens com o mundo das coisas''. E aqui, o grande pecado, o pecado Capital
(com o perdão do trocadilho) do liberalismo. Esta inversão que se faculta e se fortalece com o advento
do Capitalismo, já que este nada mais é do que um desenvolvimento acelerado e produtivo destas
coisas ao nosso redor e acúmulo destas. De tal forma que as classes mais baixas se ''vêem'' nisto e
realizam tais comportamentos, como o endividar-se para consumir. Em verdade, não tão somente as
classes mais baixas, como também a própria super-estrutura em uma espécie de reforço para manter tal
roda do consumo viva, estimulando tais comportamentos e bombardeamentos culturais através disso.
As consequências nada mais são do que as supracitadas, esta inversão dos homens com as coisas que
em última instância, num limite que se extrapola, irá ter consequências morais, como o punir sádico de
homens por crimes que tem origem na sua necessidade de consumir ou de participar disso, seja de
maneira para saciar uma Vontade elementar ou para não se alienar no convívio social totalmente, neste
registro aí, tentando combater somente efeitos e não as causas, causas estas, que tem origem na luta de
classes, na dominação da classe trabalhadora e de sua alienação de tal forma que: Sua situação material,
se torna tão desesperadora, que não mais a religião se torna este ópio e sim esta inversão que se retro-
alimenta de maneira viciosa, já que o salário é pouco ou não há, graças a problemas estruturais do
capitalismo, obriga-se a optar por tal, pois o consumo é tão necessário para os homens para seguirem
vivos que não precisa de muito esforço para tal inversão se concretizar, aliena-se este sujeito, este
consome e necessita consumir mais, neste caso, ou vias legais como um sujeito produtivo e alienado de
si pelo primeiro motivo ou na marginalidade para manter tal. O que denota aí, certa inversão que não se
supera facilmente, pois está diretamente ligada e amarrada a necessidades básicas que se reforçam com
tal individualismo pensado nos ideais liberais, além da própria expansão e manutenção do capitalismo.
Tal lógica também se estende à própria burguesia, ou as classes mais altas, que se invertem com as
coisas, a ponto de acumular por acumular, a ponto de pensar que está pensando em si, mas no final das
contas, tal pensamento não consiste nele mesmo e sim no mundo das coisas. O indivíduo burguês,
numa remissão histórica, surge com esta necessidade de produzir, de comercializar para se sustentar e
consegue faze-lo num arcabouço teórico a partir da teologia da prosperidade. Porém, para faze-lo. ele
mesmo ''esquece'' de tal, porque em estrito senso, a gênese disso não é a individualidade o exercer real
desta subjetividade, é o exercer desta subjetividade pelo mundo das coisas, isto é: ''Eu preciso me
sustentar e posso faze-lo, além disso, acumular''. Mas nada se acumula a não ser mercadorias ou coisas
para consumo. O que levado ao seu limite nos força a esta aporia no mundo real, onde até a justiça se
perverte e leis da ciência econômica, em nome do manter desta roda viva e girando continuamente.
Esquece-se da humanidade, portanto e vive-se as coisas e como coisas, sendo violento pelas coisas e em
uma apologia um tanto que cristã: Sendo imoral pelas coisas.

Mais uma grande contradição legada da sociedade de classes,


o caminho da alienação

Pouco tratei deste fundamental problema no qual falarei sobre.

Após algumas reflexões, julguei que este texto ficaria incompleto sem a abordagem disto.

Trata-se de algo central no que tange o Pensamento Liberal e não só este, mas um problema em geral
da sociedade de classes. A divisão do homem, entre sua existência material, real e sua existência quase
que como uma forma abstrata mediante a justiça ou o Estado. Tal fenômeno, ocorre diretamente na
maneira mais desenvolvida na sociedade liberal burguesa, pois é nela que se necessita tal alienação
cada vez maior.

Como vimos anteriormente, a burguesia e o pensamento liberal conseguem colocar a individualidade


dos homens mediante um sentido imanente deles mesmos, isto é: Na sua própria existência, para soar
um pouco menos idealista, diremos que a burguesia consegue colocar a existência do homem mediante
as condições reais deste. Em um ponto alto na economia-política com Adam Smith e Ricardo e
filosoficamente, no idealismo alemão transcendental, além de algumas interessantes e fundamentais
contribuições da filosofia inglesa para tal. Mas, é necessário olhar com mais cuidado para o idealismo
alemão de certa forma, principalmente em Kant, que aparecerá com mais clareza do que se trata.

A Sociedade burguesa e o liberalismo tiveram o mérito de colocar o homem em aspectos reais e


imanentes da sua existência, mas não totalmente, isto é: De uma sociedade teocêntrica como a
medieval, para algo que se pensa antropocêntrico, é bastante distinto no que tange os focos de análise
e de perspectiva, bem verdade. Mas por legar a lógica de classes e ser expressão de uma classe, além de
historicamente, no seu levante, produzir outra classe social, a trabalhadora, a lógica de nova sociedade
carregará consigo o problema assim como o Capitalismo traz consigo e de maneira fundamental, a
forma mercadoria. Importante tal alusão, pois é neste registro que trabalhará tal contradição que nos
legará a substância da sua não-sustentação, por assim dizer e se mostrará insuficiente para mergulhar
os homens em seu mundo. Este, que já foi mencionado na seção anterior desta reflexão, aparece de vez
aqui, pois como já mencionado, o liberalismo se torna expressão de uma classe e historicamente produz
outra, a classe trabalhadora junto de severas e sangrentas mediações políticas conhecida por todos na
história. Porém, além de produzi-la, ao viver a nova sociedade mediante a sua lógica, a da liberdade
incondicionada dos homens mediante a Lei e esta não alienável, mas ainda mantendo o arranjo de
classes historicamente conhecido, isto é: A dominação de uma pela outra. Porém, tal dominação na
sociedade liberal burguesa ocorrendo de forma indireta, pois ao produzir esta nova classe, na qual o
discurso só apetecia no que tange à própria liberdade jurídica, a de ser um homem livre sem restrições e
de maneira inalienável, o domínio inerente a esta deve ocorrer, como supracitado, de forma indireta, o
que de maneira inevitável, lega a sociedade burguesa liberal uma só maneira de conseguir manter-se; A
aparência de igualdade que irá residir neste duplipensar do homem.

Tal mecanismo inerente à sociedade de classes, a partir de sua visão ou empírica, real ou jurídica, tem
sua forma mais desenvolvida na sociedade burguesa e aparece como o maior fundamento desta
aparência de igualdade. dos discursos das revoluções liberais pela Europa enquanto aporte emocional e
afetivo deste à própria proposta de arranjo de Estado, tudo aponta para a aparência de igualdade
advinda deste a partir do duplipensar. Porém, como vimos anteriormente, a burguesia só clama por
revolução por não ter-se contemplada enquanto classe e além do mais, traz consigo, a partir de um
cabedal filosófico robusto (além da ciência) que lega uma emancipação maior dos homens. Porém, ao
produzir outra classe, a burguesia acaba por si mesma ter de recorrer a isto para conter a nova classe
neste arranjo, onde, assim como em tempos anteriores, esta teve o papel de ''portadora do negativo''
por assim dizer, pois também empiricamente podia ''x'' mas juridicamente nem tanto ou vice-versa,
denotando um descompasso, a classe trabalhadora também irá sofre-lo. O Estado por não ser nada
além de uma expressão de dominação de uma classe sobre a outra e num limite mais ferrenho,
expressão desta luta de classes nas contradições nele expostas, será, antes do momento borbulhante da
luta de classes, essa expressão de domínio de uma classe sobre a outra no sentido mais amplo possível.
No que tange a classe trabalhadora com um problema mais grave, pois teoricamente todos somos livres
e inalienáveis mediante a justiça e o Estado, mas materialmente, isto não se reproduz.
Principalmente à desapropriada e desfeita de tudo que tinha, classe trabalhadora, esta, agora vê-se aos
poucos cada vez mais alheia a suas ''Vontades'', mesmo garantindo-as em pé de igualdade ao do bom
burguês, claro que, sem esquecer a pitada de Ideologia neste garantir, isto é: A rumada inevitável para
este patamar, uma vez que o descompasso aos poucos vai se mostrando cada vez mais intenso e na
sociedade liberal, pela não apropriação da classe trabalhadora, cada vez mais grave, como destrinchado
em outra seção, rumará para a alienação e o reforçamento deste discurso da igualdade aparente.
Interesses e indivíduos sendo massacrados por uma dominação indireta, pois ela mesma não se dá nos
contornos da lei, pelo menos a priori. Tal dominação material, subjuga o homem no mais concreto de
sua existência, a sua existência real e mais ''imediata'' por assim dizer, voltando o discurso desta tal
igualdade e da liberdade, contra si mesmo. Pois a liberdade aí e a igualdade, aparecerão tão somente
nas formas jurídicas e abstraindo totalmente o homem de sua existência concreta e o tomando como
pura abstração para as leis. Tal mecanismo que ocorre na sociedade burguesa, denuncia a dominação
material na qual não se foge e em segundo momento, a confirmação desta dominação por meios ''não
ilegais'', isto é: A lei não é desrespeitada e ainda sim há a dominação. Neste registro, então, dando
espaço para a alienação vir em sua forma mais concreta, onde o homem comum, trabalhador, que é a
esmagadora maioria se vê nesta divisão e em si também, como diria Marcuse, aludindo a escritos de
Kant inspirado por Lutero, conscientemente livre, mas materialmente dominado e subjugado, tornando-
o alienado para com todas as instâncias da vida, reforçando os argumentos apresentados na seção
anterior. Mas desta, com o borbulhar de tal ocorrendo nas instâncias totais do social, isto é, super-
estrutura e infra-estrutura, vão apresentando rachaduras, como um recipiente que aos poucos vai
sendo forçado a aguentar mais do que ele mesmo pode suportar, causando eventualmente sua quebra
por abundância de tal conteúdo para um recipiente menor, como diria Marx no Manifesto, em uma
paráfrase bastante interessante: A sociedade burguesa é estreita demais para conter tal. Ou, ela acaba
se estreitando demais, pelo aumento de pessoas que dependem da força de trabalho para viver e a
diminuição de burgueses, como dados atualíssimos nos mostram, dando fundamento à fissura e a
quebra lhe é iminente. Tal ''forçar-se'' irá nos revelar que é desta própria situação que há a chave para a
não-alienação que se torna meta para a alienação descoberta aí, o excesso desta, junto da crítica e do
aumento desta classe de trabalhadores ou subjugados materialmente e alienados, residindo a
possibilidade de superação. A sociedade burguesa, que se permeia pelo pensamento liberal, então, se
mostra limitada e mediante a emancipação dos homens, num carácter reacionário para manter
interesses de classe, que deve de todo modo, ser quebrado irredutivelmente em nome de tal
emancipação.
Numa relação com o parágrafo anterior, até o bom burguês o faz, se aliena ao pensar neste sentido,
porém, com uma diferença peculiar, enquanto o trabalhador tenta se ver, se reconhecer em algo e não
acontece e se aliena, o burguês, se vê demais, se realiza demais e se troca com os objetos, tornando-os
uma extensão de si mesmo, alienando a própria individualidade ao acreditar que nisso consiste o seu
genuíno eu. E como um animal selvagem, faz de tudo para mantê-lo. A contradição, portanto, se
estende até a própria classe dominante, nos mostrando que a superação torna-se mais do que
necessária, em um primeiro motivo, por uma realização maior dos homens, uma emancipação efetiva
na sua inversão com o mundo das coisas e logo após com o alienar-se. No outro motivo, enquanto fim
de domínio do homem para o homem, que nos remete à necessidade de superação da ordem burguesa
e de tudo que lhe vem de brinde, por assim dizer, bem verdade, tornando-se mais grave, pois do
burguês, se estende isto em forma de ideologia e nos dá certas fagulhas para explicar a gravidade do
''incêndio'' que nos é a ideologia de consumo, e nos mostra o limite último do ideário liberal, por um
erro na gênese da individualidade e entre outro. Nesta inversão mais do que provada do homem para as
coisas, portanto; não somente da ordem burguesa, mas da sociedade de classes num geral, implicando
um ultrapassar da lógica abordada nesta seção, trata-se de colocar o homem não mais duplipensado, da
''tortura'' de sua individualidade se alienando efetivamente, mas sim, agora, de pô-la em sua maior
concretude, mergulha-lo em seu próprio mundo por inteiro, mas este, somente à perspectiva e da
categoria que constitui tal liberdade, a trabalhadora e o trabalho.

A necessidade de superação pela revolução da classe trabalhadora.

É necessário a superação, portanto, é necessário a crítica e o implodir destas tais relações e destas
ideias, pois no limite transformamo-nos em nada, marchando para objetos que tomam nossos lugares e
pensamos estar pensando em nós mesmos ou na própria vida social e sua real substância. Mas desde os
primórdios é assim, desde o advento da propriedade privada, que nos mostra que a sociedade de
classes e seu estatuto está fadado a tal fracasso. Fracasso este que pode ser contornado ao admitir este
e fazemos a gênese real dos termos. A individualidade, não é algo dobrado em si, é o reconhecimento
do ser-outro enquanto isto mesmo, portador de Vontade, o homem por consequência, não é produto
desta individualidade em relação com as coisas ou na produtividade para estas coisas somente, é a
partir disto como necessidade de se manter vivo, mas além disso, é o desdobramento de suas relações
sociais, de um espírito de camaradagem que se desenvolve aí, primeiro pela família e depois num
sentimento genuíno de amizade ao amor. Assim que percebemos que esta individualidade consiste não
em isolamento mental de um, mas na interação de duas consciências que se reconhecem como tal e
partir desta tal relação e da continuidade disso, isto é: Se verem como humanos e não do rótulo que se
implica da classe social, uma vez que na lógica da sociedade de classes, estes se conotam pela não-
apropriação de tal maneira, antes de tudo, juntando-os em um amontado e não em seres livres que
estão para tais relações sociais, por suas relações materiais, bem verdade, mas não centradas nelas. Isto
é: Saber que há alguém racional e dotado de Vontade para se relacionar com a matéria e muda-la e
saber que este outro é assim a partir da relação consigo. O homem é o mundo dos homens e não puro
repetir do mundo das coisas. Estas são, bem verdade, necessárias para o reproduzir dos homens, mas
não centralidade a ponto de haver inversão.

Sem dúvida, que tal superação, não pode e não aparecerá de forma simplista e até linear. Implicando
necessariamente um trabalho árduo da crítica antes de tudo e de conscientização da classe
trabalhadora, o papel intelectual como fundamental aí e das massas se organizarem em nome de si
mesmas. Mídias, jornais, canais de televisão, redes de informação, eventos e etc em nome de tais
interesses e do desvelar, do desmistificar este, com o horizonte prático, conversas direto com
moradores de periferias, greves, piquetes, fazer barulho para que isto ocorra.

A filosofia, a crítica da economia-política e outras instâncias intelectuais são de primazia para tal
superação, mas não as únicas, pois trata-se do lastro prático disso, de organização de massas, de impor-
se irredutível mediante a tal lógica cruel e fria. Tomar ruas, fábricas, formar partidos como afirmação de
uma perspectiva de classe e vislumbrada na totalidade dos homens em sua realização, o papel
fundamental da luta, da prática, mas não tão somente isso e sim da prática guiada para a emancipação.

A partir disso, a superação, deve ocorrer, sem sombra de dúvidas, mas por vias revolucionárias, no
combate à ideologia pela crítica, pelo incansável esforço de captar o real para além do discurso e na
força da classe trabalhadora unida como realização daquilo que mais funda os homens enquanto
homens: O trabalho enquanto uma relação de intenção do homem com a matéria e com o outro, como
substância, por assim dizer, desta vida social, porém, nos termos supracitados, não mais para reproduzir
as coisas, mas agora as coisas segundo uma Vontade que as determina, sem negar a objetividade delas.
Tal superação, portanto, tem de ser revolucionária, crítica e não distante da prática. Pois como é dito, o
homem é o mundo dos homens e a superação disto se torna necessário para sua própria realização
efetiva dentro de uma gênese correta de si e no que consiste, isto é: condenado a ser livre.

Referências bibliográficas:
Lênin, Vladimir, Que fazer?, Hucitec, São Paulo, 1978
Marcuse, Hebert, A ideologia da sociedade industrial, o homem unidimensional, Zahar, Rio de Janeiro,
1982
Marcuse, Hebert, Cultura e sociedade, Paz e Terra, vols 1 e 2, Rio de Janeiro, 1997
Marx, Karl. A ideologia Alemã. Boitempo, São Paulo. 2007.
Marx, Karl. 18 Brumário, Boitempo, São Paulo, 2011
Marx, Karl. O Capital livro 1, Boitempo, São Paulo, 2013
Hegel, G.W.F., Princípios da Filosofia do Direito, Martins Fontes, 1997.
Weber, Max, A ética protestante e o Espírito do Capitalismo, Martin Claret, 2003.
Engels, Friedrich, A origem da família e da propriedade privada, Centauro, São Paulo, 2012.
Dardot, Pierre, Laval, Christian, A nova razão do mundo, Boitempo, São Paulo, 2016.
Hobsbawm, Eric, A Era das Revoluções, 1789-1848
Hobsbawm, Eric, A era do Capital, 1848-1875.
Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos costumes, Companhia nacional, Rio de Janeiro, 1964
Trabalho como categoria fundante do ser social

Por Hugo Alves e Pedro Nogarolli

Esse texto de inicio parecerá muito mais academicista do que realmente importante para o
conhecimento revolucionário, porém, ao longo da leitura, os leitores devem perceber que o intuito real
desse texto é desmentir as falácias de que o ser humano possui uma essência pre-determinada em sua
consciência, ou seja, que possui uma natureza humana fixa e inalterável, que faz muitos caírem em uma
concepção metafísica da realidade concreta-ontológica.

A ontologia marxista tem três esferas ontológicas: A esfera inorgânica, a esfera biológica e a esfera do
ser social. A esfera inorgânica, ou matéria inanimada por assim dizer, é aquela na qual está maior parte
da matéria que compõe o mundo material objetivo, é a esfera que não tem vida e não pode se
reproduzir, apenas se transformar em outro elemento inorgânico de acordo com seu ambiente e seu
estado físico. A esfera biológica é uma esfera que já é mais complexa do que a primeira, é uma esfera
que já é composta por seres que possuem vida, ou seja, seres que já podem reproduzir descendentes
férteis e já agem sobre o ambiente no qual vivem. E por fim temos a esfera do ser social, que é o nosso
foco aqui. Esta é com certeza a esfera mais complexa de todas, pois esta já não é mais representada
apenas pela reprodução biológica, mas sim já possui ações mediadas por sua consciência, ou seja, é um
ser que não mais tem sua ação como um mero epifenômeno da processualidade objetiva, mas um ser
que consciente de suas ações, é capaz de escolher as melhores alternativas durante a transformação da
realidade concreta. Apesar dessas esferas serem ontologicamente distintas, ou seja, não haver uma
identidade, há uma unitariedade, pois as esferas superiores dependem das inferiores. A esfera biológica
não poderia existir sem que houvesse a esfera inorgânica, visto que o mesmo surgiu a partir desta(não
há uma exatidão de como isso aconteceu) e sobrevive usufruindo dessa, já que precisa da mesma para
sua subsistência. Assim como a esfera do ser social não existiria sem as duas anteriores, uma vez que
esta necessita da esfera biológica de modo que se reproduza para dar continuidade a sua existência e
também precisa da esfera inorgânica igualmente para subsistir. Não há uma relação identitária, ou seja,
onde as esferas são qualitativamente iguais, porém há uma unitariedade na qual uma necessita da outra
para existir, ou “unidade dos contrários”.

O ser social tem como sua categoria fundante o trabalho, ou seja, ele funda a si próprio, quebrando o
mito de que há uma natureza humana pré-determinada e que isso impede de nós transitarmos para o
socialismo e posteriormente o comunismo. Devemos deixar claro que o trabalho como categoria
fundante do ser é diferente do trabalho abstrato, pois enquanto o primeiro representa o elemento
chave que compõe a esfera do ser social, o segundo já refere-se ao trabalho produtivo e improdutivo,
aquele que geralmente é remunerado. O que é o trabalho como categoria fundante do ser social? Por
mais que os animais mais evoluídos dentro da esfera biológica, como o macaco por exemplo, consigam
já ter ações semelhantes as do homem, como por exemplo usar alguns instrumentos para colher frutas
ou atacar seus inimigos, eles jamais conseguiram criar tais instrumentos. O trabalho ao qual nos
referimos é a capacidade do homo sapiens sapiens, o único ser que possui consciência dentre os
milhares catalogados pela ciência, de previamente idealizar objetivamente suas ações antes de coloca-
las em prática, ou seja, diferente de todas as outras espécies, o ser social é capaz de investigar o meio
no qual vai transformar para assim poder transforma-lo da melhor forma possível, para que assim possa
exterioriza-la. As estruturas das colmeias feitas pelas abelhas deixam muitos arquitetos com inveja, mas
o que difere as melhores abelhas que fizeram as colmeias dos piores arquitetos? Os segundos são
capazes de ter uma previa-ideação antes de transformar determinado ambiente, enquanto as primeiras
apenas se adaptam ao seu respectivo ambiente com suas determinações. Toda a ação do homem é um
por de um fim, ou seja, é uma teleologia. Diferente do que alguns idealistas e materialistas vulgares
pensam, não há teleologia na história ou em qualquer outro âmbito, mas apenas no âmbito do ser
social. A teleologia é algo intrínseco ao mesmo e só existe no mesmo. O homem, como um ser que
funda a si próprio através do trabalho, possui absolutamente em todas as suas determinações como
transformador de uma realidade concreta um objetivo final, uma finalidade, tal qual foi previamente
idealizada objetivamente como meio de resolver alguma situação concreta. A exteriorização é o
momento do trabalho através do qual a subjetividade, com seus conhecimentos e habilidades, é
confrontada com a objetividade a ela externa, à causalidade. As causalidades naturais são as
causalidades auto dinâmicas e que possuem determinações próprias. Quando o homem transforma um
meio, não mais será uma causalidade natural, mas sim uma causalidade posta, pois foi posta pelo
homem que tem como princípio obter um fim, e este fim foi o que guiou o mesmo a ter determinada
ação. O processo dialético entre a causalidade e a teleologia é o que constitui o trabalho, categoria
fundante do ser social. Assim como nas esferas ontológicas, há uma unitariedade entre o
sujeito(transformador) e o objeto(o que é transformado). O objeto criado pelo sujeito é
ontologicamente distinto do seu criador, porém o mesmo não poderia ter sequer existido sem uma
prévia-ideação objetivada e por conseguinte exteriorizada pelo sujeito, assim como o sujeito não
poderia transformar a concretude sem que houvesse esse objeto como reflexo de sua exteriorização.
Por isso devemos ter muito cuidado quando nos referimos a relação entre sujeito e objeto na ontologia
marxista, pois pode-se confundir com a “identidade sujeito-objeto” hegeliana, na qual o sujeito e o
objeto são ontologicamente iguais, ou seja, por mais que o objeto só exista devido ao seu criador, eles
serão qualitativamente distintos. Devemos ressaltar que para transformar uma determinada
concretude, o sujeito deve ter o conhecimento necessário para realizar com êxito sua transformação,
que é o que é chamado de “intentio recta”. Sem essa característica, uma transformação não poderá
atingir seus objetivos finais do modo como o sujeito idealizou previamente, ou até pode, porém de uma
forma diferente.
Enquanto os seres biológicos têm suas ações limitadas dentro dos seus respectivos ambientes, ou seja,
agem através do instinto, o ser social é capaz de complexificar cada vez mais a sociabilidade e
complexificar sua própria práxis, ou seja, enquanto o homem transforma a sociabilidade na qual vive,
transforma a si mesmo, já que agora sua transformação concreta faz parte da sociabilidade e através
dela o homem o homem desenvolve novos conhecimentos e novas habilidades que não possuía
anteriormente, em termos mais filosóficos, o homem também é capaz de elevar o seu ser-para-si
incessantemente e conhecer sua própria história. As singularidades das prévias-ideações objetivadas
tornam-se algo genérico. Isso acontece porque quando algo singular previamente idealizado
objetivamente se exterioriza como concreto passa a pertencer não só ao trabalho, mas a toda a
totalidade social. A prévia-ideação objetivada do ser-precisamente-assim existente é uma singularidade
em resposta a uma situação concreta(social genérica), e tal prévia ideação só é possível devido a
confronto entre o passado(o conhecimento obtido para gerar a prévia-ideação, ou intentio recta), o
presente(a situação concreta) e o futuro(objetivo pela qual a prévia-ideação foi criada), ou seja, a
singularidade da prévia-ideação é também um elemento genérico, pois a história do objeto criado pela
prévia-ideação objetiva, ao alterar o existente, mesmo que infimamente, ganha dimensões genéricas e
agora participa de uma totalidade. E através dessa generalização do trabalho é que o homem
desenvolve a sociabilidade e as relações sociais, de tal forma que uma simples singularidade de uma
prévia-ideação objetiva, poderia mudar o rumo de toda a história através de um encadeamento de
processos causais que gerariam outras prévias-ideações e consequentemente outros processos causais.
ou seja, uma ação teleologicamente determinada, tanto na prévia-ideação objetivada(faz uma junção
entre passado, presente, e futuro) quanto na exteriorização(a prévia-ideação exteriorizada em objeto,
tal qual, mesmo que infimamente, quando altera o existente, torna-se algo genérico, pois começa a
fazer parte de toda uma totalidade) são singularidades que são convertidas em generalizações.
Devemos ressaltar que o futuro, por ser justamente algo que ainda não aconteceu, não
necessariamente será o que previamente idealizou-se pelo sujeito, ou seja, a teleologia é um jogo de
tentativa e erro(é muito importante entender isso para não cair em determinismos).

Segundo Aristotéles no Ética a Nicômaco, as disposições de caráter são produtos do hábito. O trabalho é
o hábito que mais toma tempo do homem na história. Por causa dessas verdades simples, o trabalho
funda a humanidade do homem, ou seja, "antropologiza" elementos naturais. Desde os costumes, os
símbolos sexuais, a cultura, a beleza, o direito, a religião - toda a superestrutura é condicionada pela
categoria fundante do homem: o trabalho e suas relações sociais especificas e históricas.

Além da teleologia primária, que foi a abordada acima, temos a teleologia secundária. A teleologia
secundária é o que fica conhecida dentro do marxismo como “ideologia”, já que o homem vai além do
trabalho, formando complexos de complexos, porém todos os complexos sociais de uma forma ou de
outra são provenientes da ação consciente do homem, ou seja, do trabalho. Toda a totalidade material
é composta por sínteses de múltiplas determinações, portanto medida que o homem complexifica a
totalidade social e a si mesmo, é necessária uma mudança em relação a teleologia, que deixa de ser uma
simples transformação do concreto, e passa a induzir os sujeitos a transformarem o concreto de uma
dada forma, ou seja, referimo-nos agora ao fato de algumas ideias jogarem um papel-chave na escolha
das alternativas a ser objetivadas em cada momento histórico. Tais ideias compõem, sempre, uma visão
de mundo, e auxiliam os homens na tomada de posição ante os grandes problemas de cada época, bem
como ante os pequenos e passageiros dilemas da vida cotidiana. A diferença qualitativa entre as
posições teleológicas voltadas à transformação da natureza e aquelas que buscam provocar
determinados atos em outros indivíduos está no fato de que as primeiras detonam uma cadeia causal,
enquanto as secundárias colocam em movimento uma nova posição teleológica. Isto faz com que o grau
de incerteza, o leque de alternativas ao desdobramento do processo, seja qualitativamente maior no
caso das posições teleológicas secundárias do que no caso das posições teleológicas primárias. Estas
têm a ver com os nexos causais existentes, aquelas concernem à escolha entre alternativas pelos
indivíduos. É desta teleologia que surge complexos como o direito, que nada mais é do que uma forma
da classe dominante fazer uma manutenção dentro da sociedade de modo que controle na medida do
possível as contradições e controle também a classe dominada.

Como o homem funda a si próprio através do trabalho e como o conjunto de relações sociais são a
essência da humanidade, consequentemente o modo como o homem vai realizar o trabalho é
determinado por tais relações sociais, que por sua vez são determinadas pelo modo de produção que
rege a sociedade, portanto não há nenhuma barreira intransponível que restrinja a sociedade transitar
do capitalismo para o socialismo e posteriormente para o comunismo, pois o ser social não pode ser
reduzido a um ser que possui uma consciência pré-determinada mesmo antes de sofrer
condicionamentos do concreto, uma vez que isso seria negar as diferentes determinações subjetivas do
ser social perante a sociabilidades diferentes ao longo da história, bem como afirmar que todos os seres
humanos são iguais e possuem a mesma essência.

Fonte: Para uma ontologia do ser social 2 - Gyorgy Lukács


Enterrando...
... Mises
MISES: IGNORÂNCIA OU DESONESTIDADE INTELECTUAL?
Rian Lobato 29/12/2016

Ludwig Von Mises dissertou acerca do marxismo, como doutrina, e fez algumas críticas, muitas de teor
sociológico ou filosófico.

Portanto, este é um artigo onde serão analisados e confrontados os escritos do liberal Ludwig von Mises
(1881-1973) e do comunista Karl Marx (1818-1883). O que Mises disse que Marx disse? E o que Marx
realmente disse? São as questões aqui levantadas e verificadas.

Trata-se de um trabalho árduo, pela pesquisa que demanda, e polêmico, pelas idéias que envolve. Mas
importante pela influência que exercem os dois autores.

Inicia-se pelas afirmações de Mises a respeito da teoria de Marx, ou seja, sobre "o que Mises disse que
Marx disse". Na sequência compara-se as afirmações de Mises com as originais de Marx, ou seja, com "o
que Marx realmente disse".

Nas citações de Mises são destacados os trechos que são comparados com Marx. Já no autor comunista
é destacado aquilo que responde mais diretamente as afirmações de Mises.

Para um melhor acompanhamento do leitor são reproduzidos, muitas vezes, citações longas,
principalmente de Mises. O objetivo dessa metodologia é permitir que o leitor possa visualizar de forma
mais precisa o desenvolvimento das idéias do autor.

Foram considerados os trechos de Mises que se dirigem mais diretamente a Marx e sua teoria. Os
parágrafos foram numerados para que o leitor saiba de onde se partiu e possa confrontar com o original
completo. Na utilização das obras de Marx tomou-se o cuidado de se levar em conta o que já se
encontrava disponível para leitura na época de Mises.

Nesta longa estrada que resolvemos caminhar iniciamos com a provocativa série de discursos oficiais
proferidos por Mises, na Biblioteca Pública de São Francisco, em 1952: "Marxism Unmasked: From
Delusion to Destruction". O presente artigo versa sobre a sua primeira parte: "Mente, Materialismo e o
destino do Homem".

"5. As idéias de Marx e de sua filosofia realmente dominam nossa época. A interpretação dos eventos
atuais e a interpretação da história em livros populares, bem como nos escritos filosóficos, novelas,
peças de teatro, e assim sucessivamente, são geralmente Marxistas. No centro está a filosofia Marxista
da história. Desta filosofia é tomado emprestado o termo "dialético", que é aplicado a todas suas idéias.
Mas isso não é tão importante como é compreender o que materialismo marxista significa.

(...)

15. Marx desenvolveu o que ele pensava ser um novo sistema. De acordo com sua interpretação
materialista da história, as "forças produtivas materiais" (esta é uma tradução exata do Alemão) são as
bases de tudo. Cada etapa das forças produtivas materiais corresponde a uma fase definida de relações
de produção. As forças produtivas materiais determinam as relações de produção, isto é, o tipo de
possessão e propriedade que existem no mundo. E as relações de produção determinam a
superestrutura. Na terminologia de Marx, capitalismo ou feudalismo são relações de produção. Cada um
destes foi necessariamente produzido por uma fase particular das forças produtivas materiais. Em 1859,
Karl Marx disse que uma nova fase das forças produtivas materiais produziria o socialismo."

Há relações de produção capitalista e feudal, assim como há produção capitalista e feudal. Porém não
há capitalismo e feudalismo como relações de produção, assim como não há capitalismo e feudalismo
como produtos simplesmente. Não existe produto capitalista - embora alguns forcem a barra com
declarações do tipo: "o computador é um produto capitalista" - mas existe produção capitalista. Por isso
que na terminologia de Marx, capitalismo e feudalismo são modos - e não relações - de produção:

"Nas suas grandes linhas, os modos de produção asiático, antigo, feudal e, modernamente, o burguês
podem ser designados como épocas progressivas da formação económica e social. As relações de
produção burguesas são a última forma antagónica do processo social da produção, antagónica não no
sentido de antagonismo individual, mas de um antagonismo que decorre das condições sociais da vida
dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao
mesmo tempo, as condições materiais para a resolução deste antagonismo. Com esta formação social
encerra-se, por isso, a pré-história da sociedade humana." (Para a Crítica da Economia Política)

"16. Mas o que são estas forças produtivas materiais? Da mesma forma que Marx nunca disse o que era
uma "classe", ele nunca disse exatamente o que são as "forças produtivas materiais". Após analisar suas
obras nós descobrimos que as forças produtivas materiais são as ferramentas e as máquinas. Num de
seus livros [Misère de la philosophie — A miséria da Filosofia], escrito em Francês em 1847, Marx afirma
que "a fábrica manual produz o feudalismo – a fábrica a vapor produz o capitalismo." (3) Ele não disse
isto neste livro, mas em outras obras ele escreveu que surgiriam outras máquinas que iriam produzir o
socialismo."

Deixemos de lado a questão das classes pois não é o ponto aqui. Do assunto que aqui nos interessa, em
um primeiro momento percebe-se que Mises não apreendeu o que, para o marxismo, integra as forças
produtivas. Por isso as reduz às máquinas e as ferramentas. No próprio livro citado, "A Miséria da
Filosofia", Marx explica que as máquinas constituem uma força produtiva:

"As máquinas são tão pouco uma categoria econômica como o boi que puxa o carro. As máquinas são
apenas uma força produtiva. A fábrica moderna, que se baseia na aplicação das máquinas, é uma
relação social de produção, uma categoria econômica." (p.120)

Obviamente que tal citação não é suficiente para demonstrar a incompreensão de Mises, muito pelo
contrário. Porém na mesma obra Marx vai incluir nas forças produtivas a ciência e os próprios homens.

"Em 1770, a população da Grã-Bretanha era de 15 milhões e a população produtiva era de 3 milhões. O
poder científico da produção igualava uma população de mais de 12 milhões de indivíduos; portanto,
havia 15 milhões de forças produtivas. Assim o poder produtivo estava para a população como 1 está
para 1, e o poder científico estava para o poder manual como 4 está para 1." (p.91)

"Uma classe oprimida é a condição vital de qualquer sociedade baseada no antagonismo das classes. A
libertação da classe oprimida implica, portanto, necessariamente a criação de uma sociedade nova. Para
que a classe oprimida possa libertar-se, é necessário que os poderes produtivos já adquiridos e as
relações sociais existentes não possam mais existir lado a lado. De todos os instrumentos de produção,
o maior poder produtivo é a própria classe revolucionária. A organização dos elementos revolucionários
como classe pressupõe a existência de todas as forças produtivas que podiam ser geradas no seio da
sociedade antiga." (p.155)

Se ainda resta alguma dúvida com relação à ciência como força produtiva na teoria marxista, ela pode
ser dissipada acessando-se "Teorias da Mais-Valia" onde Marx diz com todas as letras que "(...) também
à ciência e as forças naturais aparecem como forças produtivas do capital" (p.386) e que "O capital é,
portanto produtivo: 1. ao forçar a execução de trabalho excedente; 2. ao absorver as forças produtivas
do trabalho social e as forças produtivas sociais gerais, como a ciência, e delas se apropriar
(personificando-as)" (p.387).

Se Mises leu "A Miséria da Filosofia" como pôde reduzir as forças produtivas às máquinas e as
ferramentas? Neste segundo momento podemos até sair do terreno da especulação de incompreensão
do autor "austríaco" para uma sórdida deturpação da teoria divergente. Mas por enquanto
mantenhamos a cautela.

Realmente Marx nunca disse no "A Miséria da Filosofia" que "surgiriam outras máquinas que iriam
produzir o socialismo", mas também não disse isso em nenhuma outra obra. E nem poderia dizer já que
seu conceito de forças produtivas, como vimos, é muito mais amplo do que a redução misesiana das
"máquinas e ferramentas". Mises fez essa dedução após referir-se a um trecho dessa obra o qual é bom
conferir na íntegra para evitar falsas interpretações:

"Proudhon economista compreendeu muito bem que os homens fabricam o pano, os tecidos de seda
em determinadas relações de produção. Mas o que ele não compreendeu é que essas relações sociais
determinadas são também produzidas pelos homens, da mesma maneira que o tecido, o linho, etc. As
relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os
homens mudam seu modo de produção e, mudando o modo de produção, a maneira de ganhar a vida,
mudam todas as suas relações sociais. O moinho manual nos dará a sociedade com o suserano; o
moinho a vapor, a sociedade com o capitalismo industrial." (p.100)

Não são novas máquinas que levam a outro modo de produção mas novas forças produtivas, das quais
as máquinas são uma parte - e isso não ocorre de forma mecânica como veremos mais adiante.
Impossível concordar com a afirmação de Mises após ler o trecho inteiro.

Feitos os esclarecimentos acima veremos mais abaixo, nos parágrafos seguintes, que a sequência do
desenvolvimento teórico de Mises sobre esse tema acaba se transformando em uma constrangedora
maçaroca de sandices que só pode apresentar algum sentido para aqueles que nunca abriram um livro
de Marx na vida e preferem pegar interpretações de terceiros que melhor lhes convêm, ou aqueles que
nunca conseguiram ler Marx com a mente mas somente com o fígado.

"17. Marx tentou arduamente evitar a interpretação geográfica do progresso, porque isso já havia caído
em descrédito. O que ele disse foi que as "ferramentas" eram a base de progresso. Marx e [Friedrich]
Engels [1820-1895] acreditavam que novas máquinas seriam desenvolvidas e que elas conduziriam ao
socialismo. Eles alegravam-se com as novas máquinas, pensando que isso significava que o socialismo
estava próximo. No livro Francês de 1847, ele criticou aqueles que davam importância à divisão do
trabalho; ele afirmou que as ferramentas eram importantes.

18. Nós não devemos esquecer que ferramentas não caem do céu. Elas são produto de idéias. Para
explicar as idéias, Marx disse que as ferramentas, as máquinas - as forças produtivas materiais - se
refletem nos cérebros dos homens e assim as idéias surgem. Mas as ferramentas e as máquinas são,
elas mesmas, o produto das idéias. Além disso, antes de existir máquinas, deve existir a divisão do
trabalho. E antes de existir a divisão do trabalho, idéias definidas precisam ser desenvolvidas. A origem
destas idéias não pode ser explicada por algo que só é possível numa sociedade, que é, ela mesma,
produto de idéias.
19. O termo "materiais" fascinou as pessoas. Para explicar mudanças em idéias, mudanças em
pensamentos, mudanças em todas essas coisas que são os produtos de idéias, Marx os reduziu a
mudanças em idéias tecnológicas. Nisto ele não era original. Por exemplo, Hermann Ludwig Ferdinand
von Helmholtz [1821–1894] e Leopold von Ranke [1795-1886] interpretaram a história como a história
da tecnologia.

20. É tarefa da história explicar por que determinadas invenções não foram postas em prática por
pessoas que tiveram todo o conhecimento físico requerido para sua construção. Por que, por exemplo,
os antigos gregos, que tiveram o conhecimento técnico, não desenvolveram estradas de ferro?"

Ainda que muito do exposto nestes trechos não faça sentido diante do esclarecimento anterior, é bom
fazer mais algumas observações para evitar possíveis confusões.

Em primeiro lugar, o "livro Francês de 1847" foi uma resposta de Marx à "Filosofia da Miséria" de
Proudhon. Portanto não poderia criticar "aqueles" mas somente "aquele". Em segundo lugar Marx
critica Proudhon não por dar importância à divisão do trabalho mas por sua concepção da mesma:

"A divisão do trabalho é, segundo Proudhon, uma lei eterna, uma categoria simples e abstrata. É,
portanto, também necessário que a abstração, a idéia, a palavra baste para explicar a divisão do
trabalho nas diferentes épocas da história. As castas, as corporações, o regime manufatureiro, a grande
indústria devem ser explicados pela simples palavra: dividir. Estudemos, em primeiro lugar, o sentido de
dividir e não se terá necessidade de estudar as numerosas influências que dão à divisão do trabalho um
caráter determinado em cada época." (p.115)

As "ferramentas" não são, para Marx, a base do progresso. Segundo ele, este se daria pelas contradições
e antagonismos no interior da sociedade:

"As coisas se passam de modo completamente diferente do que pensa Proudhon. No próprio momento
em que a civilização começa, começa a produção a basear-se no antagonismo das ordens, dos estados,
das classes, enfim, no antagonismo do trabalho acumulado e do trabalho imediato. Sem antagonismo
não há progresso. Essa a lei que a civilização seguiu até nossos dias. Até o presente as forças produtivas
se desenvolveram graças a esse regime do antagonismo das classes." (A Miséria da Filosofia, p.58-59)

Mas se só há progresso com antagonismo então como seria no socialismo? Seria então uma sociedade
estagnada? Pode perguntar um misesiano. Não é essa a perspectiva colocada por Marx:

"Só numa ordem de coisas na qual já não haja classes e antagonismos de classes deixarão as evoluções
sociais de ser revoluções políticas." (Idem, p.156)

As "ferramentas e máquinas são produtos de idéias"? Que grande novidade que contou o senhor Mises!
Ele nos dá essa informação no intuito de querer zombar do marxismo. Mas como ele - e não Marx -
reduz as forças produtivas às "ferramentas e máquinas" então tem de dizer que seriam somente essas
que refletiriam nos cérebros dos homens e criariam as idéias. Por fim nos informa outra "novidade":
também a sociedade é produto de idéias. Ora, ora, vejamos a seguir quem poderá zombar por último.

Para Marx o processo todo se dá da seguinte maneira: os homens nascem em uma determinada
sociedade com um determinado tipo de forças produtivas legadas pelas gerações passadas. Estes
homens então interagem com essas forças produtivas e vão transformando-as ao mesmo tempo em que
os transformam a si próprios.

"Esta concepção da história assenta, portanto, no desenvolvimento do processo real da produção,


partindo logo da produção material da vida imediata, e na concepção da forma de intercâmbio
intimamente ligada a este modo de produção e por ele produzida, ou seja, a sociedade civil nos seus
diversos estádios, como base de toda a história, e bem assim na representação da sua ação como
Estado, explicando a partir dela todos os diferentes produtos teóricos e formas da consciência — a
religião, a filosofia, a moral, etc., etc. — e estudando a partir destas o seu nascimento; deste modo,
naturalmente, a coisa pode também ser apresentada na sua totalidade (e por isso também a ação
recíproca destas diferentes facetas umas sobre as outras). Ao contrário da visão idealista da história,
não tem de procurar em todos os períodos uma categoria, pois permanece constantemente com os pés
assentes no chão real da história; não explica a práxis a partir da ideia, explica as formações de ideias a
partir da práxis material, e chega, em consequência disto, também a este resultado: todas as formas e
produtos da consciência podem ser resolvidos não pela crítica espiritual, pela dissolução na "Consciência
de Si" ou pela transformação em "aparições", "espectros", "manias", etc., mas apenas pela
transformação prática [revolucionária] das relações sociais reais de que derivam estas fantasias
idealistas — a força motora da história, também da religião, da filosofia e de toda a demais teoria, não é
a crítica, mas sim a revolução. Ela mostra que a história não termina resolvendo-se na "Consciência de
Si" como "espírito do espírito", mas que nela, em todos os estádios, se encontra um resultado material,
uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza e dos indivíduos
uns com os outros que a cada geração é transmitida pela sua predecessora, uma massa de forças
produtivas, capitais e circunstâncias que, por um lado, é de fato modificada pela nova geração, mas que
por outro lado também lhe prescreve as suas próprias condições de vida e lhe dá um determinado
desenvolvimento, um caráter especial -, mostra, portanto, que as circunstâncias fazem os homens tanto
como os homens fazem as circunstâncias." (A Ideologia Alemã)

Sobre a sociedade, diz Marx:

"(...) o caráter social é o caráter universal de todo o movimento; assim como a sociedade produz o
homem enquanto homem, assim ela é por ele produzida." (Manuscritos Econômico-Filosóficos, p.139)

Torna-se portanto infundada a acusação de que Marx reduziu as mudanças de idéias e pensamentos "a
mudanças em idéias tecnológicas".

Contra a tríade determinista misesiana "idéias-divisão do trabalho-máquinas" não há remédio melhor


do que a dialética, pois a dinâmica do processo produtivo muitas vezes inverte essa ordem. Novas
máquinas produzidas podem gerar uma nova divisão do trabalho e com elas acarretar em novas idéias
na sociedade. Não precisa divagar muito e nem ir longe para constatar isso, basta analisar o advento e
desenvolvimento da informática. Mas só para complementar vale a pena conferir as palavras de Marx:

(...) À medida que a concentração dos instrumentos se desenvolve, desenvolve-se também a divisão e
vice-versa. É isso o que faz com que qualquer grande invenção na mecânica seja seguida de maior
divisão do trabalho e cada crescimento na divisão do trabalho por sua vez determina novas invenções
mecânicas." (p.125)

Mises encerra esse trecho com o provocativo questionamento a respeito de porque os antigos gregos
não desenvolveram as estradas de ferro. Parece óbvio que suas forças produtivas não se desenvolveram
a tal ponto. Leonardo da Vinci, no século XVI, projetou uma série de inventos, como o helicóptero, que
só se materializaram séculos depois quando as forças produtivas haviam avançado. "Não consegue
superar o horizonte burguês", zombaria Marx, se vivo fosse, do zombador que tenta aplicar ad infinitum
as categorias burguesas.

"21. Assim que uma doutrina se torna popular, ela é simplificada de tal forma que permita a
compreensão das massas. Marx dizia que tudo depende das condições econômicas. Como declarou em
seu livro Francês [A miséria da Filosofia] de 1847, ele entende que a história das fábricas e ferramentas
desenvolveram-se independentemente. Segundo Marx, todo o movimento da história humana aparece
como conseqüência natural do desenvolvimento das forças produtivas materiais, as ferramentas. Com o
desenvolvimento das ferramentas, a estrutura da sociedade muda e, conseqüentemente, tudo o mais
muda também. Por tudo o mais, ele quis dizer a superestrutura. Autores Marxistas, escrevendo depois
de Marx, explicaram tudo na superestrutura como resultado de mudanças definitivas nas relações da
produção. E eles explicaram tudo nas relações de produção como resultado das mudanças nas
ferramentas e máquinas. Isto foi uma vulgarização, uma simplificação, da teoria marxista. Marx e Engels
não foram completamente responsáveis por isso. Eles criaram muitas tolices, mas eles não são
responsáveis por toda a tolice de hoje.
22. Qual é a influência desta teoria marxista sobre as idéias? O filósofo René Descartes [1596-1650], que
viveu no início do século XVII, acreditava que o homem tinha uma mente e que o homem pensa, mas
que os animais eram simplesmente máquinas. Marx afirmou, naturalmente, que Descartes viveu numa
época em que a "Manufakturperioden", as ferramentas e máquinas, eram tais que ele foi forçado a
explicar sua teoria afirmando que os animais eram máquinas. Albrecht von Hailer [1708-1777], um
Suíço, afirmou a mesma coisa no século XVIII (ele não gostava da igualdade perante a lei dos governos
liberais). Entre estes dois homens, viveu La Mettrie, que também explicou homem como uma máquina.
Portanto, o conceito de Marx, de que as idéias eram um produto das ferramentas e máquinas de uma
determinada época, é facilmente refutado.

23. John Locke [1632-1704], o conhecido filósofo do empirismo, declarou que tudo na mente do homem
provém da experiência dos sentidos. Marx afirmou que John Locke era um porta-voz da doutrina
classista da burguesia. Isto conduz a duas deduções diferentes das obras de Karl Marx: (a) A
interpretação que ele deu a respeito de Descartes é que ele vivia numa época em que as máquinas
foram introduzidas e, portanto, Descartes explicou o animal como uma máquina; e (b) A interpretação
que ele deu a respeito da inspiração de John Locke -- que ela veio do fato de que ele era um
representante dos interesses classistas dos burgueses. Aqui estão duas explicações incompatíveis para a
origem das idéias. A primeira destas duas explicações, no sentido de que as idéias são baseadas em
forças produtivas materiais, as ferramentas e máquinas, é inconciliável com a segunda, a saber, que os
interesses de classe determinam as idéias.

24. Segundo Marx, todos são forçados - pelas forças produtivas materiais - a pensar de tal maneira que
o resultado mostre seus interesses de classe. Você pensa da forma que seus "interesses" forçam você
pensar; você pensa de acordo com seus "interesses" de classe. Seus "interesses" são algo independente
da sua mente e suas idéias. Seus "interesses" existem no mundo além de das suas idéias.
Conseqüentemente, a produção de suas idéias não é nenhuma verdade. Antes da aparição de Karl Marx,
a noção de verdade não tinha qualquer significado para todo o período histórico. O que o pensamento
das pessoas produziu no passado sempre foi "ideologia", não verdade.

(...)

29. A influência dessa idéia de "interesses" é enorme. Em primeiro lugar, é importante lembrar que esta
doutrina não afirma que os homens agem e pensam de acordo com o que eles consideram ser seus
próprios interesses. Em segundo lugar, recorde que ela considera os "interesses" como independentes
dos pensamentos e idéias dos homens. Estes interesses independentes obrigam os homens a pensar e
agir de uma forma definida. Como um exemplo da influência que esta idéia possui sobre nosso
pensamento hoje, eu poderia mencionar um Senador Americano - não é um Democrata - que afirmou
que as pessoas votam de acordo com seus "interesses"; ele não disse de acordo com o que eles pensam
ser seus interesses. Esta é a idéia de Marx - assumindo que "interesses" são algo definido e além das
idéias de uma pessoa. Esta idéia de doutrina de classe foi primeiramente desenvolvida por Karl Marx no
Manifesto Comunista.

(...)

32. Assim, estes dois homens, Marx e Engels, que reivindicaram que a mente proletária era diferente da
mente da burguesia, estavam numa posição embaraçosa. Então eles incluíram uma passagem no
Manifesto Comunista para explicar: "Quando o tempo chegar, alguns membros da burguesia se unirão
às classes emergentes". Porém, se alguns homens conseguem se livrar da lei de interesses de classe,
então a lei não é mais uma lei geral."

E eis que surge a velha acusação de determinismo econômico! Olhando para as citações anteriores
percebemos que trata-se de uma acusação leviana e infundada. Mas para quem ainda tiver alguma
dúvida pode ler a resposta que Engels deu a Joseph Bloch, em 1890, sobre o assunto.

Mas à acusação de determinismo econômico somou-se a de que Marx teria dito que as "fábricas e
ferramentas desenvolveram-se independemente". Independentemente de que? De quem? Se se refere
às forças produtivas vale complementar uma explicação anterior para que fique bem entendido: para
Marx os homens se defrontam com forças produtivas legadas por gerações passadas e por isso
ingressam em uma relação de produção independente da sua vontade:

"(...) na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias,
independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais." (Para a Crítica da Economia Política)

Porém, na sequência do processo os homens interagem com essas forças produtivas, transformando-as
ao mesmo tempo em que transformam-se a si próprios como pudemos constatar na citação de "A
Ideologia Alemã".

Mas é preciso reconhecer que Mises faz uma observação importante: a de que alguns autores que
reivindicavam o marxismo estavam fazendo uma leitura vulgar da obra de Marx e Engels. Isso é
verdadeiro, porém, vindo de alguém que reduziu as forças produtivas no marxismo "às ferramentas e
máquinas", ou seja, que fez uma leitura vulgar do marxismo, torna-se contraditório e até irônico.

Na sequência constatamos quanta moral Mises tem para criticar os "marxistas vulgares". Ele reduzirá a
influência que exerce as forças produtivas nas idéias dos homens em determinado período histórico
assinalado por Marx a uma via de mão única, qual seja: forças produtivas-idéias. Só que Marx é mais
denso do que imaginam os "vulgares", sejam eles pretensos "marxistas", sejam eles antimarxistas.
Vimos, por mais de uma vez aqui, que para ele o processo é mais complexo, é dialético.

Mas aceitemos por um instante a via de mão única misesiana só para poder tratar de outra vulgaridade
produzida pelo "austríaco": a de que haveria uma contradição entre as forças produtivas e ao mesmo
tempo os interesses de classes influenciarem nas idéias dos homens.

Só pode achar inconciliável tal possibilidade quem reduz "vulgarmente" as forças produtivas "às
ferramentas e as máquinas" pois como constatamos anteriormente, no "livro Francês de 1847", Marx
considerava os próprios homens como integrantes das forças produtivas, inclusive a "classe
revolucionária".

Os interesses de classes como algo intransponível e uma "lei geral" é uma criação de Mises, não de
Marx. Marx sempre soube que nem sempre uma classe tem consciência de seus interesses.

"As condições econômicas tinham a princípio transformado a massa da população do país em


trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns.
Assim essa massa já é uma classe diante do capital, mas não o é ainda para si mesma. Na luta, de que
assinalamos apenas algumas fases, essa massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os
interesses que ela defende se tornam interesses de classe. Mas a luta de classe com classe é uma luta
política". (p.154)

No "Manifesto Comunista" Marx diz:

"Será preciso grande perspicácia para compreender que as idéias, as noções e as concepções, numa
palavra, que a consciência do homem se modifica com toda mudança sobrevinda em suas condições de
vida, em suas relações sociais, em sua existência social? Que demonstra a história das idéias senão que a
produção intelectual se transforma com a produção material? As idéias dominantes de uma época
sempre foram as idéias da classe dominante."

Logo trata-se de mais uma vulgaridade atribuir a Marx uma concepção segundo a qual "todos são
forçados - pelas forças produtivas materiais - a pensar de tal maneira que o resultado mostre seus
interesses de classe" ou que Marx nega que os "homens agem e pensam de acordo com o que eles
consideram ser seus próprios interesses" - até porque ao constatar que as "idéias dominantes de uma
época" são as "da classe dominante" está a se reconhecer que tais idéias se fazem presentes no seio das
classes dominadas que ao assimilar e internalizar tais idéias acreditam ser os seus interesses os mesmos
das classes dominantes:
"A elevação de salários desperta no trabalhador igual anseio de enriquecer que no capitalista, mas só o
pode satisfazer pelo sacrifício do seu corpo e espírito." (Manuscritos Econômico-Filosóficos, p.69)

Cabe ressaltar ainda que o fato de "as idéias dominantes de uma época" serem as "da classe
dominante" não impedem que hajam outras idéias, não dominantes, de outros grupos ou classes. É
importante fazer esse esclarecimento para reduzir o espaço para mais vulgaridades.

Mas Mises consegue construir algo incrível na sua análise. Ele afirma que os "interesses independentes
obrigam os homens a pensar e agir de uma forma definida". E ainda coloca essa aberração no colo de
Marx!

Ora se os interesses estão independentes dos homens significa que os homens ainda não adquiriram
consciência desses interesses. Logo não podem ser obrigados a pensar e agir por eles.

Por fim é preciso esclarecer que a "doutrina de classe" de Marx apareceu antes do "Manifesto
Comunista", no próprio "livro Francês de 1847" há várias referências a isso e até um capítulo intitulado
"Greves e coligações dos operários". Portanto, o que é "facilmente refutado" são as incompreensões e
distorções misesianas a respeito da teoria marxista.

"33. A idéia de Marx era que as forças produtivas materiais conduzem os homens de uma fase para
outra, até eles alcançarem o socialismo, que é o fim e o ápice de tudo. Marx disse que o socialismo não
pode ser planejado com antecedência; a história cuidará dele. Na visão de Marx, esses que afirmam
como o socialismo funcionará são apenas "utópicos".

34. O Socialismo já estava intelectualmente derrotado no tempo que Marx escreveu. Marx contestava
seus críticos afirmando que aqueles que estavam em oposição eram somente "burgueses". Ele afirmou
que não era necessário derrotar os argumentos dos seus oponentes, mas somente desmascarar sua
origem burguesa. E como sua doutrina não passava de ideologia burguesa, não era necessário lidar com
isto. Isto deveria significar que nenhum burguês pudesse escrever alguma coisa a favor do socialismo.
Assim, todos escritores estavam ansiosos para provar que eles eram proletários. Também seria
oportuno mencionar neste momento que o precursor do socialismo francês, Saint-Simon (4), era
descendente de uma famosa família de duques e condes.

(...)

37. Em 1825, Hegel disse que havíamos alcançado um estado de coisas maravilhosas. Ele considerou o
reino da Prússia de Friedrich Wilhelm III [1770-1840] e a Igreja da União Prussiana (Prussian Union
Church) como a perfeição do governo secular e espiritual. Marx afirmou, como Hegel, que havia história
no passado, mas que não haverá mais nenhuma história quando nós alcançarmos um estado que é
satisfatório. Assim, Marx adotou o sistema Hegeliano, embora usasse forças produtivas materiais em vez
de Geist. As forças produtivas materiais passam por várias fases. A fase presente é muito ruim, mas há
uma coisa em seu favor - ela é a fase preliminar necessária para o aparecimento do estado perfeito do
socialismo. E o socialismo está próximo."

Em "Crítica do Programa de Gotha" Marx faz várias referências a aspectos da organização social no
socialismo, logo não poderia considerar "utópico" quem se dedicasse a tal empreitada. No "Manifesto
Comunista" ele criticou os chamados "socialistas utópicos" não por eles querer explicar como
funcionaria o socialismo mas por suas limitações e incompreensões do movimento histórico que os
levavam a ações sem eficácia e até conciliadoras.

"A atividade social substituem sua própria imaginação pessoal; às condições históricas da emancipação,
condições fantasistas; à organização gradual e espontânea do proletariado em classe, uma organização
da sociedade pré-fabricada por eles. A história futura do mundo se resume, para eles, na propaganda e
na prática de seus planos de organização social. (...)
Mas, a forma rudimentar da luta de classe e sua própria posição social os levam a considerar-se bem
acima de qualquer antagonismo de classes. Desejam melhorar as condições materiais de vida para todos
os membros da sociedade, mesmo dos mais privilegiados. Por conseguinte, não cessam de apelar
indistintamente para a sociedade inteira e mesmo se dirigem de preferência à classe dominante. Pois,
na verdade, basta compreender seu sistema para reconhecer que é o melhor dos planos possíveis para a
melhor das sociedades possíveis.

Repelem, portanto, toda ação política e, sobretudo, toda ação revolucionária, procuram atingir seu fim
por meios pacíficos e tentam abrir um caminho ao novo evangelho social pela força do exemplo, por
experiências em pequena escala que, naturalmente, sempre fracassam. A descrição fantasista da
sociedade futura, feita numa época em que o proletariado, pouco desenvolvido ainda, encara sua
própria posição de um modo fantasista, corresponde as primeiras aspirações instintivas dos operários e
uma completa transformação da sociedade."

Sobre o desenvolvimento das forças produtivas levarem ao socialismo, ou a qualquer outra sociedade, é
preciso fazer algumas observações. Marx leva em conta nesse processo as formas ideológicas vigentes
que influenciam no pensamento dos homens que se deparam com a contradição das forças produtivas
com as relações de produção.

"Com a transformação do fundamento económico revoluciona-se, mais devagar ou mais depressa, toda
a imensa superstrutura. Na consideração de tais revolucionamentos tem de se distinguir sempre entre o
revolucionamento material nas condições económicas da produção, o qual é constatável rigorosamente
como nas ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma,
ideológicas, em que os homens ganham consciência deste conflito e o resolvem." (Para a Crítica da
Economia Política)

Portanto é completamente descabido atribuir a Marx uma concepção segundo a qual o


desenvolvimento das forças produtivas levaria, ou "conduziria" (par.17), ou "produziria" (par.15), de
forma mecânica e "natural" (par.21) outro modo de produção. E tal observação é feita por Marx no
único livro de 1859 contrariando a acusação de Mises nos parágrafos destacados (17,15 e 21).

E sendo assim é falso fazer uma leitura de que para Marx o comunismo seria inevitável. Como ele
mesmo diz nos "Manuscritos Econômico-Filosóficos":

"O comunismo constitui a fase da negação da negação e é, por consequência, para o seguinte
desenvolvimento histórico, o fator real, imprescindível, da emancipação e da reabilitação do homem. O
comunismo é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro imediato, mas o comunismo não
constitui em si mesmo o objetivo da evolução humana - a forma da sociedade humana." (p.148)

É conhecido e reconhecido que em toda a sua obra Marx se dedica não só a analisar o sistema
capitalista como as ideologias que lhes dão sustenção e consequentemente os teóricos burgueses que
produzem tais ideologias. À luz disso, Mises, que alega ter analisado várias obras de Marx, afirma que
Marx não achava "necessário derrotar os argumentos dos seus oponentes, mas somente desmascarar
sua origem burguesa", que "não era necessário lidar com isto" pois bastaria mostrar que os oponentes
eram "burgueses" e ponto. Aqui o "austríaco" decai da vulgaridade para a mais sórdida deturpação.
Daria para escrever mais de um livro só com as citações de Marx criticando e contrapondo-se
teoricamente aos divergentes ideológicos.

Como complemento desta absurda deturpação Mises ainda coloca sobre os ombros do marxismo o
fardo, criado por ele e não por Marx, de que "nenhum burguês" poderia "escrever alguma coisa a favor
do socialismo". Ele sequer se deu por conta de que parágrafos antes havia zombado da "lei geral" dos
interesses de classes pelo fato de Marx admitir que membros de uma classe poderiam apoiar outra
classe. Ou seja, Mises entrou em frontal contradição com a sua própria interpretação do marxismo!

Só para evitar mais "diz-que-me-diz", veremos o que Marx diz sobre a possibilidade do socialismo atingir
outras classes da sociedade:
"Por fim, da concepção da história que desenvolvemos obtemos ainda os seguintes resultados: 1) No
desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estádio no qual se produzem forças de produção e
meios de intercâmbio que, sob as relações vigentes, só causam desgraça, que já não são forças de
produção, mas forças de destruição (maquinaria e dinheiro) — e, em conexão com isto, é produzida
uma classe que tem de suportar todos os fardos da sociedade sem gozar das vantagens desta e que,
excluída da sociedade [23], é forçada ao mais decidido antagonismo a todas as outras classes; uma
classe que constitui a maioria de todos os membros da sociedade e da qual deriva a consciência sobre a
necessidade de uma revolução radical, a consciência comunista, a qual, evidentemente, também se
pode formar no seio das outras classes por meio da observação da posição desta classe". (A Ideologia
Alemã)

Por último Mises acusa Marx de defender o "fim da História". É verdade que alguns marxistas vulgares
chegaram a difundir que o comunismo representaria o "fim da História". O próprio Gramsci criticou-os
por isso.

Como nenhum remédio é mais eficaz contra todos os vulgares - sejam "marxistas", sejam antimarxistas -
do que a fonte original, então vamos a ela:

"Com os alemães, que não dispõem de quaisquer premissas, temos de começar por constatar a primeira
premissa de toda a existência humana, e portanto, também, de toda a história, ou seja, a premissa de
que os homens têm de estar em condições de viver para poderem "fazer história". Mas da vida fazem
parte sobretudo comer e beber, habitação, vestuário e ainda algumas outras coisas. O primeiro acto
histórico é, portanto, a produção dos meios para a satisfação destas necessidades, a produção da
própria vida material, e a verdade é que este é um acto histórico, uma condição fundamental de toda a
história, que ainda hoje, tal como há milhares de anos, tem de ser realizado dia a dia, hora a hora, para
ao menos manter os homens vivos. Mesmo quando o mundo sensível é reduzido ao mínimo, a um
bastão, como com o sagrado Bruno[N12], pressupõe a actividade da produção deste bastão. Assim, a
primeira coisa a fazer em qualquer concepção da história é observar este facto fundamental em todo o
seu significado e em toda a sua dimensão, e atribuir-lhe a importância que lhe é devida. Como é sabido,
os alemães nunca o fizeram, e por isso nunca tiveram uma base [Basis] terrena para a história nem,
consequentemente, um historiador. Os franceses e os ingleses, embora tenham concebido a conexão
deste facto com a chamada história apenas de um modo extremamente unilateral, nomeadamente
enquanto enredados na ideologia política, fizeram não obstante as primeiras tentativas para dar à
historiografia uma base materialista, tendo sido os primeiros a escrever histórias da sociedade civil, do
comércio e da indústria." (Marx. A Ideologia Alemã)

"Na história até aos nossos dias é, sem dúvida, igualmente um facto empírico que cada um dos
indivíduos, à medida que a actividade se alarga à escala histórico-mundial, fica cada vez mais
escravizado sob um poder que lhe é estranho (cuja pressão eles imaginaram como chicana do chamado
Espírito do mundo, etc.), um poder que se tornou cada vez mais desmedido e que em última instância se
legitima como o mercado mundial. Mas, do mesmo modo, está empiricamente provado que pelo
derrubamento do estado de coisas vigente na sociedade por meio da revolução comunista (da qual mais
adiante falaremos) e da abolição da propriedade privada que àquela é idêntica, este poder tão
misterioso para os teóricos alemães será dissolvido, e então será realizada a libertação de cada um dos
indivíduos na medida em que a história se transforma completamente em história mundial." (Marx. A
Ideologia Alemã)

Fonte: http://www.diarioliberdade.org/mundo/batalha-de-ideias/45472-marx-por-mises,-por-marx-
parte-1.html

Bibliografia

von MISES, Ludwig. Marxism Unmasked: From Delusion to Destruction - Primeira parte: Mente,
Materialismo e o destino do Homem. 1952.

Disponível em:
http://www.endireitar.org/site/artigos/marxismo/83-marxismo-segundo-ludwig-von-mises

MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal - 77. São Paulo:
Editora Escala, 2007.

________ . Manuscritos Econômico-Filosóficos. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor. São Paulo: Editora
Martin Claret, 2001.

________ . Teorias da Mais-Valia - Livro 4 de "O Capital" - Vol.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1980.

________ . Crítica do Programa de Gotha. Clássicos do Marxismo. Rio de Janeiro: Editora e Livraria
Ciência e Paz Ltda, 1984.

________ . Para a Crítica da Economia Política.

Disponível em:

http://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm

http://www.marxists.org/portugues/marx/1859/08/15.htm

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã.

Disponível em:

http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/index.htm

__________________________ . O Manifesto Comunista.


As contradições e incoerências de Ludwig Von Mises

Ludwig Von Mises (1881–1973) é um dos autores onde, a recente onda liberal, tem mais venerado e se
identificado. O autor austríaco tem sido a referência de muitos que tentam, tal como ele tentou,
‘refutar’ o socialismo ou se defender o ponto de vista liberal e uma economia ‘genuinamente’
capitalista.
Nesse sentido, já demos uma lida em ‘Marxism Unmasked‘ e respondemos a maior parte das asserções
de Mises ao marxismo, provando que não passaram de deturpações, ou no mínimo, provas de que ele
não leu Marx (ou se leu, não o entendeu) por ter erros tão crassos que se comparados ao que Marx
realmente diz (e que Mises ‘diz que ele disse’), a diferença chega a ser tão contrastante que o trabalho
de Mises fica risível. Para quem quiser dar uma olhada:
https://reflexoesparaoamanhecer.wordpress.com/2017/02/07/como-mises-nao-so-nao-refutou-marx-
como-nem-sequer-chegou-a-entende-lo/
Porém, uma rápida lida no trabalho de Mises também revela uma série de incoerências, principalmente
mais graves quando se lembra o fato de que são existentes nos ‘trabalhos mais maduros’ de Mises,
como o denso ‘Ação Humana‘ ou mesmo os mais simples como ‘As Seis Lições’. Dissertarei sobre
algumas dessas incoerências e contradições encontradas nas obras de Von Mises:
Para começar, a mais fácil pode ser encontrada em ‘Uma Crítica ao Intervencionismo‘, onde toda a
argumentação do livro deixa clara que o mais interessante para o ponto de vista liberal dele não é um
sistema tutelado pelo Estado para garantir a livre-concorrência, mas sim a defesa da propriedade
privada de pelo menos a maior parte dos meios de produção.
É curioso que ele promove uma argumentação ambígua em relação ao jus-naturalismo. Em vários
pontos de ‘As Seis Lições‘, Mises deixa claro que não há liberdade na natureza, porém em outros livros
(como o citado anteriormente) ele insiste na defesa do papel coercitivo do Estado para proteger o tripé
de direitos (propriedade-vida-liberdade) que outros liberais (ou libertários) consideram naturais, e
portanto com essa conclusão negariam a necessidade de um Estado (daí surge a vertente da maior parte
dos anarcocapitalistas).
Irei ilustrar melhor.
A rejeição de Mises ao jusnaturalismo é bem conhecida. Por exemplo, em ‘Ação Humana‘, na página
819, Mises afirma:
“Na realidade, não há nada que possa ser considerado como um critério perpétuo do que seja justo ou
injusto. A natureza ignora a noção de bem e mal. ‘Não matarás’, certamente, não é uma lei natural. (…)
A noção de bem e mal é uma invenção do homem, um preceito utilitário concebido para tornar possível
a cooperação social sob o signo da divisão do trabalho. Todas as regras morais e leis humanas são meios
para realização de determinados fins.”
Então, no “Uma Crítica ao Intervencionismo”, ele realmente foge da questão a respeito da
fundamentação do asseguramento e da preservação da propriedade privada, como dito antes. Ele diz na
página 19:
“Medidas que são tomadas com o fim de preservar e assegurar a propriedade privada não são
propriamente intervenções”
… mas, em seguida, ele toma o assunto por óbvio e se furta de explicações:
“Isso é tão evidente que dispensa maiores explicações, muito embora não seja totalmente redundante
(…)”.
Essa relutância é um indicativo do furo óbvio mencionado acima. Ele mesmo percebe esse problema, e
tenta contornar esse furo depois, na página 217 de ‘Ação Humana’, com o utilitarismo dele:
“(…) os ensinamentos da filosofia utilitarista e da economia clássica não têm nada a ver com a doutrina
do direito natural. Para elas, o que realmente importa é a utilidade social. Recomendam governo
popular, propriedade privada, tolerância e liberdade. Não por serem naturais e justos, mas por serem
benéficos. […] Os utilitaristas não combatem o governo arbitrário e os privilégios por serem contrários à
lei natural, mas por serem prejudiciais à prosperidade.”
Por outro lado, vai haver um outro problema: só pela assunção a priori do utilitarismo, nada determina
que o intervencionismo possa, a priori, ser impróspero. Ou seja, a solução que poderia ser utilizada pra
salvar Mises do furo encontrado no “Uma Crítica ao Intervencionismo” gera um problema ainda maior
pra ele, porque vai exigir uma demonstração empírica de que o intervencionismo seja por definição
impróspero – algo que não é facilmente provado empiricamente, visto que há casos de intervenção
onde foi um completo sucesso, e outros não.
Dito de modo mais simples: há uma contradição na obra dele, porque de fato há um grande problema
em tomar por óbvia a preservação e asseguramento da propriedade privada por causa da recusa do
jusnaturalismo, mas o que impediria esse furo (o utilitarismo) traz problemas e contradições ainda
maiores.
Na verdade, o maior problema em Mises diz respeito ao seu método praxeológico. A praxeologia é
apriorística e incompatibilista. O que já no mínimo denuncia um desconhecimento quanto o
comportamento humano, que pode ser elucidado com estudos referentes aos construtivismo social,
neo-behaviorismo (não-watsoniano) e neurociência.
O maior problema da praxeologia é, sim, o apriorismo, que Mises herdou (e muito mal) de Kant. Tal
apriorismo é por exemplo, criticado até mesmo por (na minha opinião, o único nome realmente
relevante da assim chamada Escola Austríaca de economia), Friedrich Hayek.
Em outras palavras, o método de Mises o faz entrar muitas vezes em contradição.
E isso se deve ao fator problemático de que Mises tem a pretensão de tratar de forma a priori algo
empírico (a ação humana). Ou seja, ao mesmo tempo em que tem algo ‘factual’ como objeto de estudo,
pretende trazer à baila algo do mesmo estatuto da lógica, cujos objetos (seja a sintaxe e semântica de
lógica de primeira ordem, seja teoria dos números), por sua própria natureza, requerem uma ciência a
priori. Uma ciência a priori do comportamento é, numa imagem, como alguém que fosse pescar não
com uma vara, mas com estalactite. O problema central é de método.
Quando se diz que Mises herdou mal o apriorismo de Kant, tem-se em consideração algo bem
específico. Na verdade, ‘porcamente’ para ser bem claro.
(*) Para Kant, em resumo, "ciência a priori" seriam, por exemplo, os juízos da lógica, juízos ditos
analíticos, nos quais o predicado está contido no sujeito. Quando se trata do empírico (no qual se inclui
o comportamento humano), não haveria uma ciência de juízos analíticos possível. Tudo do mundo
empírico, se é que pode ser ciência, deve sê-lo não a priori, mas ‘sintético a priori’, isso é, enquadrando
o empírico na ‘moldura cognitiva’ prévia do sujeito cognoscente.
Isso significa que a praxeologia, tão supostamente kantiana, nada tem de kantiana. Kantianamente
falando, praxeologia seria apenas uma aberração intelectual, um projeto natimorto.
Nesse artigo aqui, por exemplo, há uma breve defesa de que a praxeologia teria obtido, sim, o status de
“sintético a priori”: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1042#_ednref4
(*) A explicação Kantiana e as conclusões a partir dela em especial, foram brilhantemente explicadas
pelo camarada Claiton Costa.
As razões apontadas:
“O axioma da ação satisfaz os requerimentos de um juízo sintético a priori. Primeiro, não é possível
observar que os humanos agem sem que, antes de se fazer tal observação, o indivíduo saiba o que é
uma ação humana. Ou seja, para se observar que os humanos agem, primeiro é preciso saber o que é
uma ação humana. E esse conhecimento não pode ser adquirido por meio de experimentos, pois ele
advém da razão e não da experiência.
Segundo, não é possível negar que os humanos agem, pois tal ato resultaria em uma contradição
intelectual. O simples ato de dizer ‘os humanos não podem agir’ é em si uma forma de ação humana e,
como tal, contradiz a veracidade dessa afirmação.”
As duas razões são completamente erradas e não provam o ponto que queriam provar.
A primeira razão ” (…)não é possível saber que os humanos agem sem saber o que é uma ação humana,
portanto, advém da razão humana (…)” é errônea porque transforma um aprendizado conceitual a
posteriori em a priori. Mas pior ainda, se por acaso fosse mesmo proveniente da razão, nada o faria
sintético a priori, mas simplesmente a priori. Faltaria o “quê” empírico ainda, porque aí saberia o que é
ação humana sem apelo algum à experiência. Aí ele faz a experiência dependente da razão em vez de
uni-la (o que, aí sim, seria sintético a priori).
A segunda razão é simplesmente canhestra: o que não permite contradição alguma é o analítico a priori,
não o sintético a priori. E, além disso, ele simplesmente define o que é CONTRADIÇÃO PERFORMÁTICA
no segundo parágrafo, em vez de dar alguma razão do que realmente seja sintético a priori na
praxeologia.
Pode-se dizer que ele arranhou uma razão pra que o axioma da ação humana seja um juízo sintético a
priori, mas não nessa defesa. Muito pelo contrário, nos parágrafos dedicados à defesa da praxeologia
enquanto ciência sintética a priori, ele só prova que a praxeologia é meramente… a priori.
Agora, um exemplo de contradição dele no que diz respeito a abordagem e metodologia que ele usa e
de um assunto que ele se propõe a falar, é quando se trata da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
Essa contradição na TACE abordada por Mises, é encontrada até mesmo por outros austríacos em suas
críticas ao apriorismo tal como mostrado pelo próprio Hayek, como afirmamos acima.
Uma contradição básica na TACE elaborada por ele através do método aprioristico, é que a TACE está
em apontar a economia como uma ciência social que não deve ser prendida no empirismo, por não ser
uniforme quanto as ciências da natureza, ao mesmo tempo que você tenta encontrar uma crise de
modo apriorístico.
I.e, você está dizendo que de certa forma, a economia, que é uma ciência social, pode ser determinista.
Basta que você execute algumas ações, como, por exemplo, A, B e D, e portanto, descambaria em uma
crise econômica. Isso é uma incoerência enorme da parte de Mises.
Há uma contradição enorme quando ele disserta acerca de ‘economias mistas’. Uma passagem bastante
impressionante ‘Ação Humana‘, Página 316-317:
“A economia de mercado deve ser estritamente diferenciada do segundo sistema imaginável – embora
não realizável – de cooperação social sob um regime de divisão de trabalho: o sistema de propriedade
governamental ou social dos meios de produção. Esse segundo sistema é comumente chamado de
socialismo, comunismo, economia planificada ou capitalismo de estado. A economia de mercado, ou
capitalismo, como é comumente chamada, e a economia socialista são mutuamente excludentes. Não
há mistura possível ou imaginável dos dois sistemas; não há algo que se possa chamar de economia
mista, um sistema que seria parcialmente socialista. A produção ou é dirigida pelo mercado, ou o é por
decretos de um tzar da produção, ou de um comitê de tzares da produção.
Se, numa sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção, alguns desses meios são
possuídos e operados por um ente público – ou seja, pelo governo ou uma de suas agências —, isto não
significa um sistema misto que combine socialismo e capitalismo. O fato de o estado ou de
municipalidades possuírem e operarem algum tipo de instalação industrial não altera as características
essenciais da economia de mercado. Essas empresas públicas estão sujeitas à soberania do mercado.
Têm de se ajustar – como compradoras de matérias-primas, equipamento e mão de obra, e como
vendedoras de bens e serviços – à mecânica da economia de mercado. Estão sujeitas às leis do mercado
e, portanto, dependem dos consumidores que lhes podem dar ou negar preferência. Precisam
empenhar-se para obter lucros ou, pelo menos, para evitar prejuízos. O governo pode cobrir o déficit de
suas empresas recorrendo a fundos públicos. Mas isto também não elimina nem diminui a supremacia
do mercado; apenas desloca o déficit para outro setor: os meios para cobrir as perdas serão
arrecadados através da cobrança de impostos.
Mas as consequências que esta taxação produzirá no mercado e na estrutura econômica serão sempre
as previstas pelas leis do mercado. É o funcionamento do mercado, e não a arrecadação de impostos
pelo governo, que decide sobre quem incidirão os impostos e como eles afetarão a produção e o
consumo. Portanto, é o mercado, e não uma repartição do governo, que determina o funcionamento
dessas empresas públicas.
Nada que seja de alguma forma, relacionado com o funcionamento do mercado pode, no sentido
praxeológico ou econômico do termo, ser chamado de socialismo. A noção de socialismo, tal como é
concebida e definida por todos os socialistas, implica na ausência de um mercado para os fatores de
produção e na ausência de preços para esses fatores. A “socialização” de instalações industriais,
comerciais e agrícolas – isto é, a transferência de sua propriedade de privada para pública – é um
método de conduzir pouco a pouco ao socialismo”
Você conseguiu entender? Não existe tal coisa como uma economia mista. Não acho isso convincente,
mas suas implicações lógicas são interessantes.
De acordo com Mises, uma economia de mercado, mesmo com algum grau de propriedade do governo
e indústria operada ainda não faz uma economia “socialista”. O que torna uma economia “socialista” é a
“ausência de um mercado para fatores de produção e de preços de tais fatores“.
De acordo com Mises, uma economia de mercado, mesmo com algum grau de propriedade \
intervenção governamental e indústria operada, ainda não faz uma economia ser ‘socialista’. O que
torna uma economia ‘socialista’ é a “ausência de um mercado para fatores de produção e de preços de
tais fatores.
Então, o que eram as economias mistas da era de ouro do capitalismo (1945 até 1973) com suas
políticas fiscais keynesianas, regulação financeira e bancos centrais? Mises publicou a primeira edição
de Ação Humana em 1949, quando já poderia observar à sua volta a realidade das economias mistas
ocidentais com indústrias nacionalizadas e políticas fiscais keynesianas. Ele deve ter olhado com horror
como este sistema produziu crescimento econômico sem precedentes, baixo desemprego e estabilidade
econômica. Seria essa sua justificativa de por que o sistema que ele via ao seu redor estava trabalhando
e prosperando?
Curiosamente, não. Aparentemente ele parece ter declarado a maioria do ocidente capitalista como
países ‘socialistas’ depois de 1945, com essa sua definição.
Mas o problema de verdade não é realmente esse. Isso é o de menos. O problema é que Mises é
surpreendentemente inconsistente e incoerente sobre este assunto. Depois de definir o “socialismo”
como uma economia “sem mercados para fatores de produção e de preços de tais fatores”, Mises nos
diz que a Grã-Bretanha e outras nações europeias depois de 1945 foram de fato socialistas. Como se
isso já não fosse sandice o bastante, ele também se contradiz na própria definição cabal que usou de
socialismo. Em ‘Ação Humana‘, ele fala:
“Marchando cada vez mais no caminho do intervencionismo, primeiro a Alemanha, depois a Grã-
Bretanha e muitos outros países europeus adotaram o planejamento central, o padrão Hindenburg do
socialismo. É digno de nota que na Alemanha as medidas decisivas não foram recorridas pelos nazistas,
mas algum tempo antes de Hitler tomar o poder por Bruning, o chanceler católico da República de
Weimar e na Grã-Bretanha, não pelo Partido Trabalhista, mas pelo primeiro-ministro, o senhor
Churchill.
O fato foi propositalmente obscurecido pela grande sensação feita na Grã-Bretanha sobre a
nacionalização do Banco da Inglaterra, das minas de carvão e de outras empresas. No entanto, estas
apreensões foram de importância subordinada apenas. A Grã-Bretanha deve ser chamada de país
socialista, não porque certas empresas tenham sido formalmente expropriadas e nacionalizadas, mas
porque todas as atividades econômicas de todos os cidadãos estão sujeitas ao pleno controle do
governo e de suas agências. As autoridades dirigem a alocação de capital e de mão-de-obra para os
diversos ramos de negócios; Determinam o que deve ser produzido e em que qualidade e quantidade, e
atribuem a cada consumidor uma ração definida. A supremacia em todos os assuntos econômicos é
exclusivamente investida no governo. As pessoas são reduzidas ao status de alas.
Para os empresários, os ex-empresários, meramente funções quase-gerenciais são deixados. Tudo o que
eles são livres de fazer é levar a efeito as decisões empresariais das autoridades dentro de um campo
estreitamente delimitado”
Algo fede em ‘Ação Humana’ na consistência e precisão de fato.
Primeiro, precisão factual: segundo Mises, o Reino Unido, depois de 1945, era um ‘país socialista’,
porque o governo (supostamente) planejava todo investimento e consumo. Embora seja verdade que o
Reino Unido, mesmo depois de 1945 teve o racionamento em alguns anos, a idéia de que a Grã-
Bretanha era uma economia planejada é tão bizarramente incorreta do ponto de vista factual que
incomoda.
No Reino Unido, a realidade é que o racionamento para vestuário e mobiliário foi abolido em 1948
(antes de ‘Ação Humana’ ser publicado) e todos os outros racionamentos em 1954.
Houve, de fato, alguma nacionalização de certas indústrias no Reino Unido depois de 1945
(“commanding heights”) mas já vimos acima que Mises especificamente nega que algumas indústrias
limitadas e nacionalizadas podem tornar um país socialista, nem o uso da política fiscal keynesiana (que
envolve o planejamento da produção ou do consumo). E a maioria dos bens de capital no Reino Unido
eram de propriedade privada, a maior parte da produção era privada e realizada com fins lucrativos e
para satisfazer as preferências dos consumidores.
Mises era totalmente ignorante ou delirante quando declarou que na Grã-Bretanha “todas as atividades
econômicas de todos os cidadãos estão sujeitas ao controle total do governo e de suas agências”.
Em segundo lugar, vamos voltar para a consistência do argumento dele quanto ao socialismo. O Reino
Unido, sem dúvidas nenhuma, tinha um mercado para fatores de produção e de preços de tais fatores
em 1945, ou seja, de acordo com o critério fundamental de Mises (expresso acima na primeira
passagem de Ação Humana), o Reino Unido não poderia ter sido um país socialista.
Mas, misteriosamente, Mises declara que era um “país socialista”, contradizendo-se descaradamente.
Toda a inconsistência piora pelo inferimento estridente em Ação Humana de que a maioria dos países
da Europa Ocidental pós-1945 também eram socialistas. No entanto, não há dúvidas, pela própria
questão do funcionamento do mercado na Inglaterra, de que essas nações (como o Reino Unido)
também tinham um mercado para fatores de produção e de preços de tais fatores.
Então, como eles podem ter sido países socialistas? Temos aqui uma contradição surpreendente. Além
disso, se os países da Europa Ocidental realmente fossem socialistas, isso iria implicar que eles não iriam
ter como fazer um cálculo econômico, então um elemento central da teoria econômica de Mises se
desmoronaria. (Já respondemos o problema aqui antes, mas vamos considerar o problema do cálculo
como relevante para mostrar como Mises acaba se contradizendo)
Por que o Reino Unido ou a Europa Ocidental “socialista” não caíram no caos depois de 1945, se eles
eram incapazes de fazer o cálculo econômico racional, como ele mostra que é uma impossibilidade total
em ‘O Problema do Cálculo Econômico sob o Socialismo’?
Bem, Mises tem uma resposta. Lemos em ‘Ação Humana‘ também, mais a frente, que na realidade a
Europa Ocidental ainda era capaz de calcular, e essas economias ainda se baseavam no cálculo
econômico – apesar de Mises declará-las “socialistas” contradizendo sua definição de “socialismo”
exposta anteriormente, que inferia numa economia que carece de cálculo econômico.
A principal razão (de acordo com Mises) de que o cálculo econômico nelas era possível, era que a
economia de mercado dos Estados Unidos permitia que a Europa Ocidental se engajasse no cálculo
econômico. O problema estridente vem quando ele esquece (mesmo ele afirmando em outros capítulos
do livro!) que a economia dos Estados Unidos estava sujeita ao, senão ainda mais, mesmo grau de
intervenção do governo (e isso não contando a indústria nacionalizada, que, como já vimos, é
irrelevante de qualquer maneira) como qualquer nação da Europa Ocidental, só abrindo sua economia
para o ‘livre-mercado’ alguns anos depois com Presidente Ronald Reagan.
Mas vamos ser caridosos e assumir que Mises estava pensando no Reino Unido durante a Segunda
Guerra Mundial, quando ele escreveu a passagem acima. Na Segunda Guerra Mundial, havia de fato
uma economia de comando moderada na Grã-Bretanha (como nos EUA, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia) onde uma quantidade considerável de produção (principalmente militar) foi planejada pelo
governo.
Mas mesmo durante a guerra, um mercado para fatores de produção e de preços de tais fatores ainda
existia veementemente. Qualquer um que analise os mais básicos dados da economia inglesa na época,
consegue ver isso. Por isso o Reino Unido não pode ter sido um país socialista, mesmo nestes anos.
Aliás, isso causaria um outro problema: se assumíssemos que Mises estava se referindo ao Reino Unido
(e as demais nações europeias ocidentais) durante a Segunda Guerra Mundial, como ela poderia engajar
no cálculo econômico através do mercado dos EUA, se a economia dos EUA também era de comando, e
portanto, deveria sofrer do mesmo problema? Assim, segundo a própria lógica de Mises, mesmo as
economias ocidentais ‘de comando’ em tempo de guerra não podem ter sido realmente sistemas
‘socialistas’, entrando em contradição com sua própria definição.
Há ainda outro problema com isso. Quando questionado acerca do crescimento de países socialistas
naquela época, como a URSS, Mises respondia que isso se deve ao fato de que a URSS supostamente
copiava preços do Ocidente.
Em ‘As Seis Lições’, na ‘2. Lição’, Mises afirma:
” Provavelmente me perguntarão: “E a Rússia? Como enfrentam os russos esse problema?” Nesse caso,
a questão muda de figura. Os russos gerem seu sistema socialista no âmbito de um mundo em que
existem preços para todos os fatores de produção, para todas as matérias-primas, para tudo. Por
conseguinte, podem utilizar, em seu planejamento, os preços do mercado mundial. E, visto que há
certas diferenças entre as condições reinantes na Rússia e as reinantes resto das nações Ocidentais,
frequentemente o resultado é que, para os russos, parece justificável e aconselhável – de seu ponto de
vista econômico – algo que, para os outros, absolutamente não se justificaria economicamente”
Antes de mais nada, é bom desmentir essa tese. A tese de que a URSS copiava preços não faz o menor
sentido, nem economicamente e nem historicamente, como posto aqui:

http://socialdemocracy21stcentury.blogspot.com.br/2014/01/mises-and-rothbard-on-communist-
prices.html
Mas o que importa nessa questão é que Mises fica encurralado. Por ‘nações ocidentais’, ele estaria se
referindo as potências europeias. Mas como as nações ocidentais poderiam ‘enviar preços’ para a URSS,
se elas também supostamente seriam socialistas segundo o próprio Mises, e careceriam disso por causa
do problema do cálculo econômico?
Copiariam dos EUA, talvez? Os EUA geraria os preços para a URSS e os ‘países socialistas’ (ironia) como a
Inglaterra (isso seguindo a própria afirmativa dele, que considerava-a socialista, e por consequência as
proprias nações europeias ocidentais que supostamente faziam a mesma coisa)..
…Mas como, se os EUA tinha, senão mais, o mesmo grau de intervenção que tais países, como citamos
anteriormente?
Mises entra em uma tautologia. Essa contradição não é somente semântica ou interna, mas advém de
imprecisão histórica, que já começa na crença de que a URSS copiava preço, e desagua no
desconhecimento da economia ocidental naquela época, que é o ponto em que entra em contradição
com sua própria definição de socialismo, e na questão do problema do cálculo econômico; Isso tudo já
delega o fato de que Mises talvez não tinha muita ideia do que estava dissertando.
Outra contradição no trabalho de Mises pode ser achada no que concerne ao Estado para ele.
Muitos anos atrás, George J. Schuller revisou a primeira edição de ‘Ação Humana’ de Mises em Review
of Human Action: A Treatise on Economics by Ludwig von Mises, American Economic Review, 1950.
Murray Rothbard respondeu em ‘Mises’s Human Action’: Comment, American Economic Review, 1951.
Para esta crítica e, por sua vez, Schuller respondeu para Rothbard em ‘Mises’s Human Action’:
Rejoinder,” American Economic Review, 1951.
Uma re-leitura dessa troca paga o esforço envolvido.
Como já se sabe, Ludwig von Mises argumentou que a intervenção do governo será sempre ineficiente e
irracional, e será contrária ao direito econômico. De acordo com Mises, tal intervenção é instável e
levará ao caos, de onde surgirá o socialismo (Rothbard 1951: 184; Ikeda 1998: 346; Mises 1997: 37-38).
Aqui está a definição de Mises, página 818 de ‘Ação Humana‘, de intervenção do governo:
“A intervenção é sempre um decreto emitido, direta ou indiretamente, pela autoridade responsável
pelo aparato administrativo de coerção e compulsão que força os empresários e os capitalistas a
empregarem alguns dos fatores de produção de maneira diferente daquela que o fariam se estivessem
obedecendo apenas aos ditames do mercado. Um tal decreto pode ser uma ordem para fazer ou para
deixar de fazer alguma coisa. O decreto não precisa ser necessariamente emitido diretamente pelo
poder legitimamente constituído e estabelecido. Pode ocorrer que algumas outras agências se
arroguem o direito de emitir tais ordens ou proibições, e as imponham por meio do seu próprio aparato
de coerção e opressão. Se o governo legitimamente constituído tolera esse procedimento ou até mesmo
o apoia por meio de seu aparato policial, as coisas se passam como se a ordem fosse do próprio
governo.
Se o governo se opõe à ação violenta dessas outras agências, e, embora o desejando, não consegue
evitá-las nem com o emprego de suas forças armadas, advém a anarquia”
Em seguida, página 822, temos Mises claramente dando suas opiniões sobre o intervencionismo:
“Os intervencionistas repetem seguidamente que não pretendem acabar com a propriedade privada dos
meios de produção, com as atividades empresariais, e nem abolir o mercado. Os defensores da soziale
Marktwirtschaft (economia social de mercado), a mais recente variante do intervencionismo, também
proclamam que consideram a economia de mercado como o melhor e mais desejável sistema de
organização econômica da sociedade, e que se opõem à onipotência do governo, característica do
socialismo. É claro que esses defensores de uma solução intermediária rejeitam com a mesma
veemência o liberalismo manchesteriano ou do tipo laissez-faire. É necessário, dizem eles, que o estado
intervenha no mercado, onde e quando o “livre jogo das forças econômicas” resulte em situações
consideradas “socialmente” indesejáveis.
Ao fazer essa afirmativa, consideram evidente o fato de que cabe ao governo determinar em cada caso
quais são os fatos econômicos “socialmente” desejáveis e quais os que não o são, e, consequentemente,
se deve ou não haver uma interferência no mercado. Todos esses defensores do intervencionismo não
chegam a perceber que a implementação de seus programas implica no total domínio do governo sobre
todos os assuntos econômicos, o que, forçosamente, haverá de conduzir à implantação de um regime
socialista que não é diferente daquele denominado de modelo alemão ou de Hindenburgo. Se compete
ao próprio governo decidir se determinada situação econômica justifica ou não a intervenção do estado,
já não há mais atividade econômica regulada pelo mercado. Já não são os consumidores que, em última
análise, determinam o que deve ser produzido, em que quantidade, de que qualidade, por quem,
quando e como – cabe ao governo decidir estas questões. Seus representantes intervirão sempre que o
resultado do funcionamento do mercado for diferente do que eles mesmos consideram como
“socialmente” desejável. Ou seja, o mercado é livre na medida em que fizer precisamente o que o
governo deseja. É “livre” para fazer o que as autoridades consideram “certo”, mas não para fazer o que
consideram “errado”; a decisão quanto ao que é certo e o que é errado cabe exclusivamente ao
governo. Dessa maneira, a doutrina e a prática do intervencionismo vão gradativamente abandonando o
que originalmente as distinguia do socialismo puro e simples, para terminar adotando um regime
totalitário de planejamento central”.
Nessa passagem, Mises condenou as economias keynesianas que existiam quando o Ação Humana foi
publicada. De acordo com ele, eles tenderiam a um “planejamento totalitário total”. Assim, o
intervencionismo de qualquer tipo é descartado. Presumivelmente, isso deveria ser uma conclusão
praxeológica de Mises, que segundo ele teria ‘certeza apodíctica‘. Se não, então esta passagem é
claramente a própria opinião de Mises que precisaria de justificação independentemente de sua
praxeologia.
Rothbard, na página 184, caracterizou a posição de Mises na sua resposta a Schuller da seguinte forma:
“Quando Mises nos apresenta a escolha entre o mercado livre e o socialismo, ele está dizendo que os
supostos sistemas intermédios de um mercado entravado não são sistemas coerentes e consistentes.
Ele demonstra que qualquer medida de intervenção do governo no mercado cria problemas e
conseqüências que apresentam ao povo uma opção: revogar esta medida ou efetuar outra medida de
intervenção governamental .
As medidas intervencionistas levam logicamente a uma ou outra [sc. Livre mercado ou socialismo].
Como um sistema socialista não pode existir, a unica escolha inteligente é o puro livre-mercado. Como
Mises demonstra que toda forma de intervenção do governo no mercado cria conseqüências que levam
a uma economia pior do que a do mercado livre, Schuller não pode distinguir entre formas racionais e
irracionais de intervenção governamental. Para Mises, toda intervenção do governo no mercado é
irracional e portanto contrária ao direito econômico “.
Em sua resposta a Rothbard sobre a visão de Mises sobre o intervencionismo, G. J. Schuller apontou
uma falha fatal, uma contradição no raciocínio de Mises, no que concerne ao Estado, como mencionei
anteriormente. Na página 190:
” O que ‘ as medidas intervencionistas conduzem logicamente a (…)’ significa? Ou Mises acredita que o
intervencionismo é cumulativo e leva necessariamente ao socialismo e ao “caos” (outro termo
indefinido), ou não.
Se o fizer, poderá ele explicar como as nações ocidentais reverteram a intervenção mercantilista e
estabeleceram mercados parcialmente livres nos séculos XVIII e XIX, ou como realizaram o controle
parcial após as Guerras Mundiais I e II?
Ele pode explicar como o mercado puramente livre deve ser alcançado? Por outro lado, se o
intervencionismo não precisa de ser cumulativo (e Rothbard diz que conduz logicamente ao mercado
livre assim como ao socialismo) então é necessariamente incoerente, instável e transitório?
Se o intervencionismo, logicamente, aponta em duas direções opostas (em direção ao zero e ao
infinito), terá de continuar até que chegue ao elíseos ou ao caos? “
Schuller faz um ponto brilhante aqui: houve uma intervenção mercantilista maciça no início do período
moderno na Europa. Mas esse período não terminou em “caos” ou “socialismo”. Houve na maior parte,
reforma ordenada dos sistemas econômicos, como comércio livre ou pelo menos muito menos
comércio restritivo do que foi adotado no século XIX.
A idéia de Mises, se é suposto aplicar-se a condições no mundo real, é confrontada com claras
evidências empíricas contrárias (naturalmente, os misesianos puros dirão que a história econômica é
separada da teoria praxeológica e que a evidência empírica nunca pode verificar ou falsificar
praxeologia, etc.).
Mas, além disso, Mises se contradiz de forma flagrante, porque em Ação Humana, na página 848 ele
argumenta que a intervenção do governo na forma de ‘regulamentos de incêndio’ por exemplo (termo
usado) pode ser justificada:
“A economia não aprova e nem desaprova as medidas restritivas do governo. Cabe-lhe apenas
esclarecer as consequências dessas medidas. A escolha das políticas a serem adotadas é de incumbência
do povo. Mas, ao escolher, os cidadãos, se pretendem atingir os seus objetivos, deviam considerar os
ensinamentos da economia. Existem certamente casos para os quais as pessoas podem considerar
justificáveis certas medidas restritivas para defesa do cidadão contra a invasão violenta de sua pessoa e
propriedade. Os regulamentos de prevenção de incêndios no mercado são restritivos e aumentam o
custo de produção. Mas a diminuição da produção daí decorrente é o preço a ser pago para evitar um
grande desastre. A decisão sobre cada medida restritiva deve ser tomada com base em meticulosa
ponderação dos custos e dos benefícios i.e prêmio. Nenhuma pessoa racional se oporia a isso”
Mises, nas últimas observações, realmente considera que há espaço para um sistema de intervenção
“(…) com base em uma pesagem meticulosa dos custos a serem incorridos e do prêmio a ser obtido”.
Alguns podem argumentar que Mises apenas pensava que as “intervenções individuais é que devem ser
considerado com base nessa ‘pesagem meticulosa’ “. Mas não é isso que ele faz.
Uma vez que Mises admitiu que as intervenções são possíveis, e que há uma regra para permiti-las, ele
nos deu um sistema de regramento \ pesagem.
A observação de Mises de que ‘ (…) nenhum homem racional poderia questionar esta regra’ sugere que
ele mesmo concordou com isso. E, mesmo que não o fizesse, ele claramente permitia que a ‘ (…) escolha
das políticas a serem adotadas dependesse do povo’ em tais casos.
GJ Schuller, na página 190, aponta a contradição devastadora e fundamental aqui no pensamento de
Mises:
“Se ‘toda intervenção é irracional’, então como Mises pode sancioná-la para ‘defesa do cidadão contra a
invasão violenta de sua pessoa e propriedade’ como é inferido depois com base na pesagem meticulosa,
e de que ‘nenhum homem racional’ questionaria isso’ ? Mises claramente diz: ” (…) A decisão sobre cada
medida restritiva deve ser feita com base numa ponderação meticulosa dos custos a incorrer e do
prêmio a ser obtido”.
No caso dado de exemplo, os regulamentos de incêndio, o prêmio supera os custos… Assim, ele poderia
admitir que a interferência do governo nos mercados privados para, por exemplo, armamentos,
soldados mercenários, edifícios não-à prova de fogo, ou equipamento de assaltante pode atingir os fins
procurados, e mesmo assim, não iriam levar ao socialismo.
Uma vez que [Mises] … concede a distinção entre intervenção racional e não-racional, contrariando
totalmente sua definição anterior de que é necesse até mesmo a necessidade para os primeiros de
preservar uma economia de mercado-livre, Mises deixa sua utopia sectária e se junta ao resto de nós na
escolha entre “imperfeitas mas possíveis alternativas mundo real”
Schuller está inteiramente correto. Os regulamentos de incêndio do governo são uma intervenção óbvia
mesmo pelos padrões de Mises: tais regulamentos do fogo exigem a violação coerciva do governo de
direitos de propriedade privada no livre-mercado, e a ameaça da força para mantê-los.
A posição de Mises é auto-contraditória. Em ‘Ação Humana’, Mises afirma que a intervenção no
mercado (como as pessoas consomem ou trocam) é inaceitável e sempre irracional, e levará ao
socialismo ou ao caos, mas deixa perfeitamente claro que há espaço para o que ele pensa ser uma
‘intervenção inteligente e racional do governo’, o que pode ser justificado pela ‘pesagem meticulosa dos
custos a ser incorrido e o prêmio a ser obtido’.
Este processo de tomada de decisão pode também certamente certamente ser inferido ou deduzido
para uma expansão ao domínio da política democrática em uma comunidade. Com essa base, seria fácil
construir um caso racional para todas as formas de intervenções governamentais, desde a
regulamentação de medicamentos, e a proteção do consumidor, até o déficit keynesiano.
Apesar do argumento de Mises de que um sistema de intervenção é ineficiente, necessariamente
irracional e contrário ao direito econômico, e que tais sistemas levarão ao socialismo ou ao caos, e da
critica a posição dos intervencionistas em ‘quererem um mercado-livre baseado no que eles mesmo
acham certo’ ele realmente admite (e defende) seu próprio sistema de intervenções governamentais
‘racionais’ baseado em seu critério pessoal (ou em última hipótese no que os outros acham certo), que
pode ser deduzido ou inferido para domínio em uma comunidade.
Mises deixou a porta traseira de seu sistema praxeológico aberto a todos os tipos de intervenção, uma
contradição lógica que é um enorme buraco na ideologia anti-governo discutida em outros lugares no
‘Ação Humana’.
Poder-se-ia até deduzir humoristicamente que a inconsistência lógica de Mises o deixa parecendo um
socialista disfarçado, segundo a sua própria lógica. Talvez economistas austríacos (fora os
anarcocapitalistas) devessem começar a escrever artigos atacando seu amado herói com títulos como
“Mises era um comunista!”.
Afinal de contas, foi o que Rothbard fez com Ayn Rand em “Mozart Was a Red”….
A falácia austríaca sobre o Problema do Calculo Econômico no Socialismo
Rian Lobato

O assim chamado ‘problema do cálculo econômico sob o socialismo’ é uma das coisas que
mais se fala no debate, dos internautas entusiastas da economia, ultimamente acerca do
socialismo. Apesar de antigo, ele ainda age como um fantasma na cabeça dos liberais, que
veem nele a refutação cabal e o motivo para o qual o socialismo supostamente estaria
destinado ao fracasso.

O economista austríaco Ludwig Von Mises escreveu um artigo em 1920, onde negava
categoricamente a possibilidade de se utilizar o cálculo econômico racional em um sistema
econômico socialista. Mises afirmava que um sistema onde os meios de produção estivesses
estatizados, não se poderia fixar os preços, principalmente os dos bens de capital . Seu
argumento principal era de que sem mercado, não há formação de preços, e sem formação de
preços, não pode haver cálculo econômico, ou seja, se o governo é quem determina os preços,
o cálculo econômico não é real e nem eficiente. Pois uma vez sem os preços livres, que servem
como sinalizadores de mercado, se tornaria impossível para os planejadores econômicos
alocarem eficientemente os recursos e saberem o que produzir, como, pra quem e em que
quantidade, em outra palavras, impossibilitando uma racional alocação de recursos escassos,
provocando uma escassez generalizada.

E o principal problema é que seria plenamente e definitivamente impossível para o socialismo


fazer o cálculo econômico, pois Mises argumentava que o mecanismo de formação de preços
só era possível mediante as relações de trocas de bens produzidos sob a base de um regime de
propriedade privada e livre-mercado.

Podemos admitir que, em seu período inicial, um regime socialista poderia, até certo ponto,
depender das condições da etapa anterior do capitalismo. Mas o que será feito mais tarde,
quando as condições mudarem mais e mais? De que adianta saber os preços de 1900 para um
diretor, em 1949? E o que pode usar o diretor, em 1989, a partir do conhecimento dos preços
de 1949?

Assim, as palavras de Mises eram destruidoras para os entusiastas do socialismo,


principalmente na URSS. Simbolizava que toda a sua batalha e aspiração eram não só em vão,
como um grande fracasso no final das contas. Porém, é hora de analisarmos isso mais de
perto. Seria mesmo tudo isso verdade, ainda mais seguindo os rumos que tomamos hoje?

Bem, antes de começar é preciso ressaltar algumas coisas que passam despercebidas no
discurso de Mises. Em primeiro lugar, mesmo assumindo que o problema de Mises não pode
ser superado, ele não provou a impossibilidade do socialismo. Na verdade, é possível afirmar
que todo esse problema é apenas uma proposta de debate sobre como funcionaria a
sociedade socialista. O problema neste caso é que Mises jamais imaginou a possibilidade de
organizações políticas sociais alternativas ao Estado em uma sociedade comunal. Mises foi
categórico em afirmar que o problema não era centrado em si na falta de mercado, mas em
primeira instância, no fato dos meios de produção estarem estatizados. Bem, é verdade que o
pressuposto do socialismo é de que os meios de produção devem ser coletivizados, e não
privatizados. Mas estatizar é apenas uma das formas de isso acontecer.

Há uma série de alternativas. Desde cooperativas, comunas, coletivizações como as dos


‘kolkhozes’, e etc. Cada uma segue por características diferentes, mas no final das contas, são
todos sistemas socialistas. Mises chega a explicar na página 36 de seu pequeno livro (‘O
Problema do Cálculo Econômico Sob o Socialismo‘) que o socialismo sindicalista (ou seja caso
sindicatos sejam os donos dos meios de produção) não é afetado pelo problema do cálculo
econômico. No entanto, ele argumenta que isso não seria ‘socialismo de verdade’, mas sim
‘capitalismo trabalhista’. Poderíamos muito facilmente contra-argumentar essa afirmação de
Mises, mas como nosso foco não é a questão do socialismo sindicalista, prosseguiremos.

Mises também não leva em conta sistemas que não precisam utilizar da moeda (sim, há
sistemas que visam substituir isso pelos chamados ‘labor tokens’ como veremos depois), ou
ignora sistemas (ou sistemas análogos) como o Distributismo de G.K Chesterton (muito
embora este não seja de fato um sistema socialista, mas que burla o que Mises diz).

Estabelecemos então que Mises não provou a impossibilidade do socialismo, no sentido geral
da palavra. Há outro problema em Mises: ele tem uma dificuldade em entender
historicamente o processo de formação do valor de troca, o que o fazia atrelar
necessariamente a troca e a “moderna divisão do trabalho” à propriedade privada [cap. 1,
‘Liberalismo, segunda a tradição clássica‘] dos meios de produção ao capitalismo, como se
apenas neste fosse possível trocas, nesse sistema econômico.

No máximo, o que podemos afirmar assumindo esse problema, é a impossibilidade de um tipo


de socialismo específico – o da planificação econômica ou planificação central, que por sinal,
nunca foi implicado por Marx diretamente.

É importante ressaltar que Mises pelo menos admite a impossibilidade de um sistema perfeito
de livre concorrência. Em ‘Uma Crítica ao Intervencionismo‘ ele deixa claro que o mais
interessante para o ponto de vista liberal dele não é um sistema tutelado pelo Estado para
garantir a livre-concorrência, mas sim a defesa da propriedade privada de pelo menos a maior
parte dos meios de produção. É curioso que ele promove uma argumentação ambígua em
relação ao jus-naturalismo. Em ‘As Seis Lições‘, Mises deixa claro que não há liberdade na
natureza, porém em outros livros ele insiste na defesa do papel coercitivo do Estado para
proteger o tripé de direitos (propriedade-vida-liberdade) que outros liberais (ou libertários)
consideram naturais. Essa contradição é estranha, mas não a única no trabalho de Mises.

O outro problema no argumento de Mises, é implicar que o cálculo e a alocação racional de


recursos escassos dentro do capitalismo é eficiente, coisa que qualquer um que tenha a
mínima noção da realidade percebe que não. O cálculo econômico e alocação racional dos
recursos no capitalismo é deficiente. O problema do cálculo econômico é na realidade, um
problema existente dentro do sistema capitalista. Alguns liberais podem argumentar no
entanto, que isso ocorre por conta da ‘intervenção do Estado’ ou coisas do tipo, ignorando
certas coisas como o fato de que isso ocorre também em países que adotam também um
‘livre-mercado’ ou são por assim dizer, ‘mais capitalistas’.

Feitas essas ressalvas, irei dissertar acerca desse problema no que concerne a planificação
econômica.

A possibilidade do cálculo econômico sem um genuíno mercado havia sido mostrada pelo
economista italiano Enrico Barone em 1908. Barone referiu-se a um sistema de equilíbrio geral
dizendo que, se o sistema de equações pudesse ser resolvido, os equilíbrios parciais entre
produtores e consumidores poderiam ser estabelecidos ex ante, em “Ii zninisterio della
produzione nello stato collettivista”, Giornale degli Economisti e Revista di Statistica, vol 37
(1908)”, porém foi dado como ineficiente ou algo quase impossível por ele na época.

Quando o debate acerca do problema do cálculo econômico começou, Mises recebeu uma
resposta do economista polonês Oskar Lange. Oskar Lange era considerado um grande
economista socialista, tendo conseguido impressionar até mesmo o líder soviético Joseph
Stalin, que lhe ofereceu um cargo no futuro gabinete polonês. Ele apresenta sua ideia, para
refutar o problema de Mises, em “On the Economic Theory of Socialism”.

No modelo de Lange, a economia tem um mercado para bens de consumo. A esfera da


produção é organizada em empresas e filiais, e há um Comitê de Planejamento Central. Exige-
se que os chefes das empresas estabeleçam planos de produção exatamente da mesma
maneira que empreendedores privados fariam — uma maneira que minimize os custos e faça
com que o custo marginal seja igual ao preço. O Comitê de Planejamento Central determina a
taxa de investimento, o volume e a estrutura dos bens públicos, e os preços de todos os
insumos. A taxa de investimento é estabelecida igualando-se a demanda à oferta de bens de
capital. O Comitê aumenta os preços quando a demanda não é satisfeita e os diminui quando a
oferta é muito grande.

Esse modelo tem também duas vantagens. Primeiro, a renda poderia ser mais igualmente
distribuída. Uma vez que não há renda de capital, as pessoas seriam pagas de acordo com seu
trabalho. (Algumas pessoas receberiam uma renda adicional, que seria um tipo de “aluguel”
por suas habilidades específicas). Segundo, o socialismo permitiria um melhor planejamento
para investimentos de longo prazo. O investimento não seria guiado por flutuações de curto
prazo nas opiniões sobre as oportunidades futuras e, por isso, haveria menos desperdício e
mais racionalidade, já o livre mercado de fato , embora possa fornecer sinais adequados
quanto às decisões de produção no curto prazo, não pode fornecer sinais de longo prazo em
relação ao investimento. É preciso ressaltar também que Oskar Lange, mesmo sendo um
socialista, não utilizou da Teoria do Valor-Trabalho no seu trabalho. Lange utilizou e justificou
isso através da terminologia neoclássica, a Teoria da Utilidade Marginal (ou Valor Subjetivo)
como base, o mesmo argumento base que é usado pela Escola Austríaca, a economia
marginalista em si.

Para ler sobre a tese e o modo de funcionamento do cálculo segundo Oskar Lange com mais
detalhes: [Clique aqui]

Porém, as ideias de Lange foram questionadas pelo economista da Escola Austríaca, Friedrich
A. Hayek, em “Socialist Calculation: the Competitive Solution” e em “The Use of Knowledge in
Society“. Hayek argumentou que Lange havia cometido erros. Hayek argumentou o que é
chamado de ‘dispersão do conhecimento na sociedade’. Para Hayek, a falha do socialismo está
no fato de que o conhecimento — em particular, “o conhecimento das circunstâncias
específicas de cada momento e de cada lugar” — existe apenas de forma amplamente
dispersa, dentro da mente de vários indivíduos distintos. Por conseguinte, na prática, é
impossível juntar e processar todo o conhecimento existente e colocá-lo dentro da mente de
um único planejador central socialista. Para Hayek, essa era a falha fatal no argumento de
Lange.

Eu estou preparando para o futuro, um artigo inteiro para explicar as várias falhas fatais do
argumento de Hayek acerca da ‘dispersão do conhecimento’, e as falhas também de suas
implicações. Porém, eu gostaria antes de citar um fato curioso: o economista anarcocapitalista
(ou seja, da Escola Austríaca) Hans-Hermann Hoppe, escreveu um artigo inteiro explicando
uma série de argumentos pelos quais mostram que o argumento de Hayek está errado. Em
especial, ele define a tese de Hayek como ‘um grande absurdo’. Sim, um membro da Escola
Austríaca atacou outro membro da Escola Austríaca, muito embora neste artigo, Hoppe
defenda ainda mais a tese inicial do Problema do Cálculo Econômico, de uma forma geral, de
Von Mises (muito embora Mises aceitasse o argumento de Hayek).

Eu pessoalmente tenho várias críticas ao modelo de Lange, em especial a sua preferência pelo
uso da terminologia neoclássica. As alternativas par o socialismo que quero expor aqui são,
digamos assim, não só mais práticas como também mais contempláveis na teoria, e coerentes
com a terminologia marxista.

Antes de prosseguir, eu gostaria de quebrar um mito que corre pelos ‘debates da internet’: a
de que o modelo de Lange teria falhado na prática. Curioso, é que o modelo de Lange nunca
sequer foi colocado na prática em nenhum sistema socialista, nem mesmo na sua terra natal, a
Polônia. Depois da Segunda Guerra Mundial, o “Soviet-Type” foi implantado, o que
impossibilitou o modelo Lange de ser testado na prática. Algumas semelhanças ou paralelos
podem ser traçados com o ‘New Economic Mechanism‘ ou o “comunismo Goulash’ da Hungria
durante o Kadar, mas mesmo esse não foi um modelo Lange ‘puro’, com várias diferenças
também.
Outro mito também é o que foi espalhado por Gary North. Gary North em um artigo afirmou
que na época de Mises, apenas Oskar Lange teve a coragem de responder o argumento do
problema do cálculo econômico de Von Mises. Creio que toda essa literatura de 1920-1930 (ou
seja, estou limitando ainda mais em determinada época e em literatura) passou despercebida
pelo senhor North:

Cohn, Arthur Wolfgang. 1920. “Kann das Geld abgeschaft werden?” (“Can Money be
Abolished?”), Dissert., University of Jena.

Polanyi K. 1922. “Sozialistische Rechnungslegung,” Archiv für Sozialwissenschaft und


Sozialpolitik 49.2: 377–420.

Kautsky, Karl. 1922. Die proletarische Revolution und ihr Programm. Dietz, Stuttgart and Berlin.

Leichter, O. 1923. Die Wirtschaftsrechnung in der socialistische Gesellschaft. Verlag der Wiener
Volksbuchhandlung, Vienna.

Polanyi, K. 1924. “Die funktionelle Theorie der Gesellschaft und das Problem der sozialistischen
Rechnungslegung,” Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik 52: 218–228.

Neurath, Otto. 1925. Wirtschaftsplan und Naturalrechnung. Laub, Berlin.

Taylor, F. M. 1929. “The Guidance of Production in a Socialist State,” American Economic


Review 19 (March): 1–8.

Roper, W. C. 1929. The Problem of Pricing in a Socialist State. Harvard University Press,
Cambridge, Mass.

Dickinson, H. D. 1933. “Price Formation in a Socialist Community,” Economic Journal 43 (June):


237–250.

Dickinson, H. D. 1939. Economics of Socialism. Oxford University Press, Oxford.

Lerner, A. 1937. “Statics and Dynamics in Socialist Economics,” Economic Journal 47: 251–270.
Lerner, A. 1938. “Theory and Practice in Socialist Economics,” Review of Economic Studies 6
(October): 71–75.

Inclusive, essa questão repercutiu bastante há um tempo, com algumas críticas abordando
essa mentira de Gary North.

Prosseguindo com o artigo, agora irei expor a resposta. Irei apresentar primeiro um
pressuposto que deve ser levado em conta nessa história por ter dado a base para a resposta e
ter exposto as primeiras falhas da crítica de Von Mises.

Bem, como mostrou o gênio da computação Alan Turing, em 1936, qualquer cálculo extensivo
por seres humanos depende de auxiliares artificiais – memórias, papiros, tabuletas de argila,
ardósias, etc. Com a existência de tais auxiliares na memória, o cálculo algorítmico torna-se
possível, e neste ponto a diferença entre o que pode ser calculado por um humano usando
papel e lápis ou um computador digital desce apenas para questões de velocidade.

Nos anos 20 e início da década de 30, quando Mises avançou seus argumentos, não se
conheciam tais técnicas algorítmicas. O duro golpe em Mises veio em 1939, quando o
matemático soviético Leonid V Kantorovich criou um método que mais tarde veio a ser
conhecido como programação linear ou otimização linear, para o qual ele foi mais tarde
premiado com o Prêmio Nobel. Isso demonstrou matematicamente que era possível calcular
eficientemente a alocação de recursos em uma economia de comando, ou seja, a prova teórica
matemática e indiscutível da possibilidade do cálculo econômico sob o socialismo.

Isso foi de grande valia, e debilitou fortemente o argumento de Mises, que alegava uma
impossibilidade absoluta mesmo na teoria. Kantorovitch e a otimização linear porém, em si,
não refutou o problema de Mises, pois por mais que a possibilidade de um cálculo e alocação
racional de recursos fosse teoricamente comprovada, o desenvolvimento a partir dela para
que fosse feito isso ainda seria inviável com a tecnologia da época. A importância de
Kantorovitch se encontra em ter debilitado o argumento de Mises.

Para quem quiser ler mais sobre sua tese, detalhes, implicações e como isso afeta o problema
de Mises, recomendo ler aqui: [Clique aqui]

Aqui está um link com um software básico disso: [Clique aqui]

Mises estava claramente errado sobre a impossibilidade teórica do cálculo econômico, algo
que apenas os liberais ainda não reconhecem. É intelectualmente desonesto afirmar o
contrário, pois isso aqui é pura matemática. Foi o método Kantorovitch, que ainda que não
tenha o refutado, debilitou seriamente seu argumento teórico.

Ademais, ao contrario do que é espalhado, Mises nunca previu o colapso da URSS. Mesmo
pelo motivo de que o colapso se deu por conflitos políticos que geraram instabilidades
econômicas, não instabilidades econômicas decorrentes do tal “cálculo econômico”. Como já
demonstram vários estudos, o colapso foi primordialmente político , não econômico. Esse
estudo aqui mostra um pouco mais dessa questão: [Clique aqui]

Mises nunca chegou a de fato prever nada, pois acreditava que o sistema se mantinha estável
com a cópia e utilização de preços mundiais. Porém, estudos aprofundados já mostraram que
ele estava errado, a URSS tinha outros métodos alternativos (embora não tão viáveis) para
conseguir preços, sem copia-los.

Tais métodos são ainda mais dissertados em um capitulo só para isso no Manual de Economia
Política da Academia de Ciências da URSS: [Clique aqui]

O que importa, no entanto, é mostrar que ele acreditava que, por mais que houvesse a
dificuldade, enquanto a maior parte do mundo ainda fosse capitalista, o socialismo ainda
poderia se manter relativamente estável copiando preços gerados pelo mercado internacional,
em outras palavras: ele não acreditava em um colapso repentino da URSS, não enquanto o
mercado capitalista fosse mundial.

Esse link também mostra uma fala dele de uma palestra, que comprova isso e desmente
também a suposta previsão (nunca feita) por ele: [Clique aqui]

Sem mais delongas, passamos para os métodos que podem suprir esse problema. Para a
surpresa de todos, há mais de uma forma para responder essa questão. Na verdade, ao meu
ver, há 3. Eu sou pessoalmente, adepto da segunda forma.

1 – Método Polayni

2 – Método Cockshott-Cottrell (sou adepto)

3 – Tecnologia Aditiva
Vamos começar por Polayni. Polayni costuma ser invocado para fortalecer as críticas contra o
laissez-faire, livre mercado. Mas esse artigo, Socialist Accounting, mostra sua pouca discutida
visão sobre o socialismo. Além do mais, é uma resposta ao debate do cálculo econômico
socialista.

A seguir alguns trechos do prefácio:

‘Polanyi apresentou um modelo de um socialismo futuro, um mundo no qual a economia está


subordinada e incorporada à sociedade. “Socialist Accounting” contribuiu para o que hoje
chamamos de debate de cálculo socialista. Polanyi construiu sua “teoria econômica socialista
positiva” sobre o marginalismo austríaco, o austro-marxismo, o socialismo municipal vienense
e “um sistema de socialismo funcional”. Polanyi procurou demonstrar que o cálculo econômico
era de fato possível no socialismo e assim refutar o anti-socialismo marginalista de Mises.

A partir dessa crítica, ele derivou os dois objetivos principais do socialismo: produtividade
máxima e justiça social. A máxima produtividade “se esforça para maximizar o número de bens
com esforço mínimo de trabalho”.

Segundo Polanyi, uma vez que o capitalismo não pode atingir a máxima produtividade técnica,
a propriedade privada dos meios de produção deve ser abolida (SA, página 391). Portanto, o
socialismo não teria burguesia e, portanto, nenhuma classe. A justiça social consiste nas
prioridades sociais determinadas democraticamente por todos os membros da sociedade.
Essas prioridades sociais dizem principalmente respeito à distribuição de trabalho e bens, e à
direção da produção de acordo com o maior valor de uso social, em oposição às preferências
individuais dos consumidores. Estas decisões sobre a justiça social devem ser feitas com as
necessidades de toda a sociedade em mente. Como o capitalismo não pode considerar a
justiça social ou os objetivos comunitários, os meios de produção devem ser socializados para
produzir bens com maior valor de uso social (SA, p.391), e possuídos pela sociedade e não
necessariamente pelo Estado.

O socialismo precisava dar conta dos custos técnicos da produção, que ele chamava de “custos
naturais”, e dos custos associados à justiça social, que ele chamava de “custos sociais”. Em seu
modelo, a contabilidade no socialismo se concentra nos custos e fornece uma visão geral dos
custos naturais e dos custos sociais, enquanto a contabilidade no capitalismo se concentra no
lucro e “fornece uma visão geral da relação de cada elemento do capital com o lucro”.

Na sociedade socialista funcional de Polanyi haveria duas principais organizações econômicas,


a comuna e a associação de produção, que negociariam preços e justiça social. A comuna é a
comunidade política e proprietária dos meios de produção. As associações de produção
incluem ” ‘cooperativa produtiva, guilda’, ‘fábrica autogestionada’ , ‘parceria empresarial’,
‘oficina social’, ‘empresa autônoma’ , sindicato produtivo, sindicato industrial ou associação de
produtores, Um Grande Sindicato”

As associações de produtores têm o direito de utilizar os meios de produção. As Associações


de produção podem unir e administrar ramos industriais democraticamente em nome da
sociedade. Todas as associações de produção se reúnem em associações regionais e, em
seguida, em um congresso mais amplo, no qual estão representadas toda a produção, serviços
e trabalho de escritório. As associações de produção organizam custos naturais e custos de
trabalho.

Para Polanyi, o cálculo socialista não ocorreria tanto no nível individual do consumidor ou do
planejador central, mas sim democraticamente, no nível social. Polanyi entendeu o socialismo
como a extensão radical da democracia à esfera econômica (Cangiani 2006, pp. 34, 39). O
sistema de Polanyi tem mercados, dinheiro e preços. Neste artigo, ele afirma, “a oposição do
socialismo ao capitalismo não é mais reduzida ao estereótipo de Economia sem mercado
versus economia de mercado “(SA, p.378). Os mercados tem existido na história da
humanidade. Polanyi argumentou que o socialismo não exige a erradicação dos mercados
porque ainda requer mercados. O socialismo teria mercados em “mercadorias no próprio
sentido do termo” (Polanyi, 1947, p.111), “assegurar a liberdade do consumidor, indicar o
deslocamento da demanda, influenciar a renda dos produtores e servir como Um instrumento
de contabilidade “([1944] 1957, p.225). Os mercados seriam assim um instrumento para o
socialismo. No entanto, o socialismo deveria erradicar os mercados de mercadorias “fictícias”
– terra, trabalho e capital – porque tais mercados criariam uma sociedade de mercado, uma
sociedade dirigida pelos mercados. Assim, Polanyi opôs-se à sociedade de mercado – uma
sociedade dirigida por mercados – e não aos mercados ou à troca (Sandbrook 2011, p.23).

Tal sistema teria preços fixos e preços negociados, ou seja, preços de “troca” negociados pelas
associações de produção e pela comuna. Em contraste com os mercados de indivíduos isolados
(Mises) negociando preços, o mercado de Polanyi tem grupos representando diferentes
“sujeitos” com diferentes “motivos” negociando preços. Portanto, produtores e consumidores
como instituições, e não como indivíduos, negociam preços. Polanyi demonstrou de forma
bastante inovadora como os mercados poderiam ser incorporados, ou mesmo constituídos, de
instituições democráticas controladas.

Marx havia assumido que aqueles que viviam dentro do socialismo desenvolveriam os modelos
e as teorias do socialismo. Polanyi, de fato, viveu nas sociedades socialistas na Hungria e na
Áustria, especialmente durante a Revolução Húngara do Aster, o Soviete húngaro e o
socialismo municipal vienense. Polanyi (1934) argumentou: “Somente a classe operária pode
levar a sociedade ao socialismo, porque é a parte da realidade social que faz com que o
inevitável aconteça”.
Pessoalmente, eu não sou adepto do modelo de Polayni. Acredito que podemos fazer melhor
com nosso nível de tecnologia atual. Além disso, me incomoda o fato de ele utilizar e justificar
através da terminologia neoclássica e do valor subjetivo – tal como Oskar Lange.

Porém, dado as circunstâncias de demonstrar na prática como o socialismo pode fazer cálculo
econômico, acredito que esse é um modelo viável para responder essa questão, embora tenha
essas ressalvas.

O segundo modelo é o que eu sou adepto. É o Modelo Cockshott-Cottrell, feito por Paul
Cockshott e Allin Cotrell, que eficientemente já resolveram a questão do cálculo econômico
que na minha opinião é a mais interessante e completa: através da computação. Eles fazem
isso no livro ‘Towards the New Socialism‘, onde debatem e mostram como um modelo
socialista pode funcionar economicamente e politicamente com o que temos hoje. Eu, de todo
coração, recomendo este livro para todos. É principalmente nesse livro também, onde eles
mostram como é totalmente possível o cálculo econômico com o Modelo deles.

Eles também fazem isso no trabalho ‘Calculation, Complexity And Planning: The Socialist
Calculation Debate Once Again‘ – onde trabalham direto com o texto do Mises, e mostram
matematicamente e com esquemas e diagramas essa questão.

Há também o ‘Economic planning, computers and labor values‘, que mostram como é
totalmente viável, com a tecnologia de hoje, uma economia planificada poder performar um
cálculo econômico através dos ‘labor tokens’ citados anteriormente no começo do texto.
Mostram como não é só viável, como é ainda melhor que o do mercado.

Para todos, eu também recomendo a leitura do livro ‘Arguments for Socialism‘, escrito pelo
Paul Cockshott com o David Zachariah. Paul Cockshott foca mais nesse livro em questões
políticas que o socialismo pode passar, além de algumas coisas tais como: acerca do
Imperialismo, as impressões acerca da URSS, crítica a social-democracia, defesas para a Teoria
do Valor-Trabalho (e provas empíricas), e há também um artigo separado para as críticas de
Mises, que se chama “Against Mises”. Para mim, Paul Cockshott é um dos maiores nomes do
marxismo na economia hoje. O interessante é que, na época do colapso soviético, ele mandou
para o Kremlin sugestões de um novo modelo alternativo ás mudanças que Gorbachev estava
fazendo na URSS – em especial, ele disse que aquilo iria destruir o país. Dito e feito.
Infelizmente, o Kremlin não adotou suas sugestões, e como o próprio Cockshott define ‘Depois
de efetivada a Perestroika, as coisas correram extremamente rápidas demais’.

O modelo deles basicamente argumenta que o cálculo do tempo de trabalho é defensável


como um procedimento racional, quando complementado por algoritmos que permitem a
escolha do consumidor orientar a alocação de recursos, e que tal cálculo é agora tecnicamente
viável com o tipo de máquinas de computação atualmente disponíveis no Ocidente e com uma
cuidadosa escolha de algoritmos eficientes. É um cálculo econômico feito com a ajuda de
computadores principalmente.

O método é descrito, de uma forma geral em inglês, assim:

1. In the first time period:

(a) They send to the planners a message listing their address, their technical input coefficients
and their current output stocks.

(b) They receive instructions from the planners about how much of each of their output is to
be sent to each other firm.

(c) They send the goods with appropriate dispatch notes to their users.

(d) They receive goods inward, read the dispatch notes and calculate their new production
level.

(e) They commence production.

2. They then repeatedly perform the same sequence replacing step 1a with:

(a) They send to the planners a message giving their current output stocks.

THE PLANNING BUREAU PERFORMS THE COMPLEMENTARY PROCEDURE:

1. In the first period:

(a) They read the details of stocks and technical coefficients from all of the firms.

(b) They compute the equilibrium point e from technical coefficients and the final demand.

(c) They compute a turnpike path (Dorfman, Samuelson and Solow, 1958) from the

current output structure to the equilibrium output structure.

(d) They send out for firms to make deliveries consistent with moving along that path.

2. In the second and subsequent periods:

(a) They read messages giving the extent to which output targets have been met.

(b) They compute a turnpike path from the current output structure to the equilibrium

output structure.

(c) They send out for firms to make deliveries consistent with moving along that path.

Em detalhes, a proposta de solução ao problema do cálculo dos autores é baseada na teoria do


valor-trabalho e combina a matriz insumo-produto de Leontieff com um mecanismo de
tâtonnement semelhante ao idealizado por Lange.
O valor ?i de uma unidade do bem i, medido em termos de quantidade de trabalho empregada
em sua produção, é dado pela quantidade de trabalho diretamente empregada ?i acrescido do
valor dos bens de capital usados na produção do bem. Esse valor é dado pelo valor ?j de cada
insumo multiplicado pelo coeficiente técnico aij que diz quantas unidades do insumo j devem
ser utilizadas na produção do bem i. O valor de um bem então é dado por:

?i = ?i + ai1?1+ai2 ?2 + … + ain?n

Essa formulação é acompanhada da reafirmação dos autores da crença marxista de que o


trabalho de agentes diferentes pode ser reduzido a um denominador comum.

Tomando todos os i produtos na economia, temos uma matriz V (nx1) de seus valores, dados
pelo vetor ? (nx1) de trabalho direto mais a matriz A (nxn) de coeficientes técnicos
multiplicada pelo valor de cada bem, vistos agora como insumos:

V = ?+ AV

O vetor V, que representa a solução para os valores dos bens em termos de quantidade de
trabalho, é então dado pela inversão da matriz (I-A)-1:

V = (I-A)-1?

Calculado o valor dos bens em termos de horas de trabalho, os consumidores, de posse de


seus vales (algo que foi defendido por Marx também em ‘Critica ao Progama de Gotha’), cujo
valor é equivalente ao número de horas trabalhadas por eles, demandam os bens que
quiserem. No curto prazo, a autoridade responsável pelos preços efetua reajustes de preços
de forma a obter um equilíbrio entre oferta e demanda. No próximo período, a produção
daqueles bens cujo valor de equilíbrio esteja acima (abaixo) do valor do trabalho é aumentada
(diminuída), até que a razão entre esses dois valores seja igual à unidade no longo prazo. Em
cada período são então efetuados ajustes na matriz de coeficientes. Obtém-se assim um plano
coerente para a economia.

Para ser suscinto, a base do argumento é a de que unidades produtivas enviam aos
planejadores relatórios da sua capacidade produtiva, informando suas condições de produção
e os estoques que acumularam no seu fluxo de produção. Os planejadores respondem dizendo
o quanto cada unidade produtiva manda de seus estoques para as outras unidades e o quanto
vai receber da produção delas. A partir disso os planejadores definem as metas de produção
que a manterão em equilíbrio com a demanda. Para mais detalhes do funcionamento, eu
recomendo a leitura do livro deles.

A Escola Austríaca respondeu eles de diversas formas.

A primeira, foi através do Horwitz, em ‘Money, Money Prices and the Socialist Calculation
Debate’. Horwitz fez um argumento epistemológico. Horwitz emprega as observações de
Lavoie sobre conhecimento tácito. O argumento de Horwitz basicamente é apenas uma
reformulação da conclusão hayekiana de ‘The Sensory Order’, do próprio Hayek. Uma das
principais conclusões do trabalho de Hayek afirma que a complexidade da mente impede que
ela entenda o seu próprio funcionamento e que esta só pode entender completamente algo
que tenha um grau de complexidade menor. Em vez de entender seus detalhes, a mente
poderia apenas explicar os princípios de seu funcionamento e realizar previsões de padrão.

Para Horwitz, o limite ao conhecimento explícito dos agentes que pode ser derivado dessas
idéias, mostra um defeito do modelo dos autores: não é possível transmitir conhecimento
tácito que não existiria sem o processo competitivo.

Eu tenho um amigo que conseguiu entrar em contato com o Paul Cockshott por mim e enviou
algumas perguntas (ele por sinal, é comunicável via facebook). Eu fiquei curioso quanto a um
fato: tal como veremos a seguir, Cockshott respondeu austríacos diferentes, mas não editou
nenhuma resposta formal e direta ao Horwitz, como fez com vários. Eu tinha uma
desconfiança, mas queria confirmar. Quando recebi a resposta, consegui a confirmar.

Cockshott respondeu apenas que ‘nunca se incomodou em responder Horwitz, pois havia mais
coisas para se ocupar e se preocupar do que com algo desse tipo, que já até foi respondido
antes via implicação’. E o motivo para isso acontecer é bem simples: tal como dito
anteriormente, a crítica de Horwitz é apenas uma reformulação do argumento de Hayek. É o
fundamento da tese de Horwitz, por assim dizer, pois precisa presumir que a tese de Hayek
esteja certa. A conclusão é basicamente a mesma. E Cockshott não precisaria se preocupar em
responder ela – pois já o fez, na sua crítica a Hayek.

Cockshott, anteriormente, já havia provado que a tese de Hayek não é certa, acerca do
conhecimento e informação. Não só isso, como provou que Hayek subestimou o repasse de
informações numa economia planificada, ao mesmo tempo em que superestimou o mesmo
processo numa economia capitalista. Também provou como, no final das contas, os preços
realmente não funcionam dentro dos designios que Hayek dissertou.
Vale lembrar mais uma vez como citado anteriormente no começo do texto, que a tese de
Hayek foi refutada até mesmo por uma seara da Escola Austríaca, em um artigo por Hans
Hermann-Hoppe.

Em seguida, outro que o criticou foi Robert Murphy em ‘Cantor’s diagonal argument: an
extension to the socialist calculation debate’. O argumento de Murphy se baseia na
Diagonalização de Cantor, a saber, uma prova matemática de que existem conjuntos infinitos
que não podem ser mapeados em uma correspondência um-para-um ao conjunto infinito de
números naturais. Em suma, Murphy argumenta criticando que a única forma de que se
pudesse alocar os recursos numa economia socialista (que teve base em H.D Dickson),
implicaria em dizer que os planejadores precisariam primeiro de uma ‘planilha com números
infinitos’.

Cockshott mostrou facilmente, tanto teoricamente quanto praticamente, que isso é uma
falácia. O argumento de Cantor não pode ser aplicado aos preços. Em primeiro lugar, os preços
unitários são apenas representáveis para um número finito de lugares, já que sistemas
monetários são baseados em quantidades inteiras de valores menores.

Murphy poderia argumentar que podemos querer negociar frações arbitrárias de preços, por
exemplo, vendendo proporções arbitrárias de um quilo de queijo.

Isso seria no entanto, ignorar as limitações físicas para medir, que são o que garantem o fato
de que só podemos distinguir quantidades discretas de coisas no nível microscópico. Cada
fração é proporção de inteiros, e assim deve ser racional e, portanto, contável. Assim,
qualquer tentativa aplicar diagonalização produzirá necessariamente um valor que tenha sido
enumerado. Finalmente, o foco de Cockshott não é em preços per se, mas em preços de
commodities. Como o número de diferentes mercadorias é necessariamente contável,

o número de preços necessariamente também deve ser.

Cockshott também mostra, em outra ocasião, que o argumento de Cantor não pode ser
aplicado quando se trata de computação.

Depois dessa resposta, vem o caso do famoso Jesùs Huerta de Soto. Jesùs Huerta de Soto é um
anarcocapitalista. É um dos maiores nomes, ainda vivos hoje, da Escola Austríaca. Em 2010, De
Soto escreveu o livro ‘Socialismo, cálculo econômico e função empresarial’, onde ele aborda
algumas respostas recentes ao problema do cálculo econômico. Porém, De Soto não aborda
diretamente o Modelo Cockshott-Cotrell nesse livro, pelo menos não o cita.

Porém, ele tira uma conclusão a partir dos pontos de onde Cockshott e Cottrell se baseiam, em
outras palavras, ele dá o ‘veredito’.
Como diz na notificação dos austríacos acerca do ‘status’ do debate, De Soto conclui que o
cálculo em horas-trabalho (usado por Cockshott e Cotrell) é viável e praticável, porém o
problema da dispersão do conhecimento na sociedade de Hayek persistiria.

O grande ‘porém‘ dessa crítica, é que De Soto não explicou o motivo pelo qual o problema de
Hayek continuaria. Ele simplesmente afirmou, e não explicou o motivo ou defendeu o seu
ponto de vista. Não há o que contra-argumentar nesse caso, a não ser lembrar (tal como dito
anteriormente enquanto dissertavamos acerca de Murphy e Hayek acima) que Cockshott já
refutou Hayek, tal como dissertado anteriormente.

Aliás, é irônico um anarcocapitalista advogar pelo problema de Hayek, sendo que um dos
próprios ícones do anarcocapitalismo, Hans-Hermann Hoppe, já se encarregou de refutar o
problema tal como mostramos anteriormente. Não tendo mais o que dissertar, haja vista que
o senhor De Soto não defendeu seu ponto de vista, prosseguiremos.

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‘ (…) De Soto concludes that were calculation in labour time feasible, the problem of dispersed
knowledge would still persist, but it is merely asserted and not adequately defended’.
Tradução: ‘ (…) De Soto conclui que enquanto o cálculo feito em horas-trabalho é viável, o
problema do conhecimento disperso ainda continuaria, mas isso foi apenas afirmado e não
adequadamente defendido’.

A última resposta de um austríaco foi a de Len Brewster. Em ‘Towards the New Socialism?‘,
Brewster basicamente afirmou que:

– O Modelo Cockshott-Cottrell seria a posição mais coerente da esquerda contra os austríacos

– O Modelo Cockshott-Cotrell refutou a tese dos austríacos de que o cálculo econômico seria
muito complicado para ser possível

– Que o modelo Cockshott-Cotrell, porém, não seria mais ‘socialismo’, pois emula um sistema
do mercado.

– Ele argumenta também que os ‘valor-trabalho’ estariam “contaminados” por efeitos do


mercado.
Cockshott o respondeu, nos últimos dois pontos , no documento ‘Notes for a Critique of
Brewster‘, refutando sua tese, e mostrando como a definição e argumentação dele é
definitivamente falaciosa. Ele em especial, diz que a crítica de Brewster é muito fraca.

O penúltimo ponto depende de uma definição irreal do que seria ‘socialismo de verdade’, uma
definição que em primeira instância iria destruir toda a coerência do debate e das afirmações
de Mises e Hayek. O último ponto vem de uma noção errada da teoria do valor para Marx. Na
economia marxista, há diferentes conceitos dentro do valor, como o valor de uso e o valor de
troca. Cockshott mostra como, fatalmente, Brewster não percebe isso em sua crítica,
invalidando toda a sua crítica acerca do valor, haja vista que o Modelo Cotrell-Cockshott ainda
continua a reproduzir essas distinções.

Também é importante ressaltar uma coisa interessante na crítica de Brewster, na qual ele
acertou. Brewster não concorda com a crítica de Horwitz (o primeiro austríaco a criticar o
modelo, e que mencionamos acima). Na página 10 de sua crítica, Brewster expõe nas notas de
rodapé algumas refutações a crítica de Horwitz, a reformulação do argumento hayekiano
baseado no conhecimento tácito, criticando basicamente seu subjetivismo extremo e a
contradição existente em um ponto entre subjetividade e objetividade. Brewster conclui,
portanto, que a crítica de Horwitz não é válida.

Portanto, não há o que valide o argumento de Horwitz, visto que nem mesmo ele é consenso
na própria Escola Austríaca. Isso só mostra como argumentos baseados em um subjetivismo
irreal são falaciosos, algo reconhecido até mesmo por alguns dos austríacos, como visto no
caso de Hoppe com Hayek e Brewster com Horwitz.

Chegando ao fim da dissertação acerca do Modelo Cockshott-Cotrell, do qual sou adepto, fica
ainda a pergunta: E se eles estiverem errados?

Bem, como visto anteriormente, este não é realmente o caso. No mais, abriremos essa
possibilidade. Mesmo se Cotrell e Cockshott estiverem errados, ainda assim, o problema do
cálculo econômico não é o fim definitivo do socialismo. Pelo contrário. A tecnologia da assim
chamada ‘Quarta Revolução Industrial‘, ou ‘Tecnologia Aditiva’, torna cada dia mais possível.
Isso é inevitável.

Quando os meios de produção são heterogêneos, há a necessidade de um mecanismo (o


sistema de preços faz isso) que informe o que produzir, racionalizando e equilibrando a oferta
e demanda, evitando dessa forma escassez de bens necessários e excesso de oferta de
produtos desnecessários. Exemplo: o Chile produz cobre, ocasionalmente ocorre um desastre
natural, a produção cai, e o preço sobe. O que o sistema de preços informa aos demais
produtores. Há um produto escasso que gera grande margem de lucro, fazendo-os se
direcionarem a produção desse mineral, reequilibrando a oferta e demanda e impedindo uma
escassez generalizada.

Entretanto, o que os liberais não se questionam, é o que aconteceria se os meios de produção


fossem homogêneos (máquinas que produzem tudo) ou se o valor de troca se extinguisse com
a automação total do trabalho? A homogeneidade dos meios de produção elimina a
necessidade da relação de troca, a apropriação do produto se dá de forma direta. Se eu tenho
uma impressora 3D ou nanofábrica que produz desde um tênis até um carro, sem necessidade
de intervenção humana, o que acontece com os custos de produção das necessidades
humanas em geral? É zerado, não existe preço sem trabalho socialmente despendido.

Sem trabalho, não há remuneração, impossibilitando o consumo, o lucro e a propriedade


privada dos meios de produção. Portanto, o que garante o “sistema de preços” é a existência
do trabalho e da heterogeneidade dos bens de capital. Mises errou em acreditar
religiosamente que as forças produtivas não evoluíam, fruto de sua incapacidade no que tange
o estudo da história econômica, algo que Marx foi pioneiro no desenvolvimento do
materialismo-histórico e dialético. As forças produtivas mais avançadas de nossa época diz
respeito a automação , principalmente unidades produtivas 95 % automatizadas, como as
fábricas light out no Japão, no entanto ainda são bens-de-capital multi-específicos, e portanto
necessita de intricamento entre elas, relação de interdependência, uma coordenação dos
planos dos agentes individuais via sistema de preço para ajustar e alocar o capital de forma
ótima, ou utilizar outro mecanismo, para então saber o que produzir, como produzir e para
quem produzir, através da VARIAÇÃO DO ESTOQUE, tanto de insumos, como de produtos
finais: o primeiro que entra e o ultimo que sai, o ultimo que entra e o primeiro que sai, e é
muito conhecido em contabilidade de custos nas ciências econômicas.

O único problema, é dinamismo de distribuição dessa produção. A variação do estoque teria


que se apresentar facilmente como o preço na esfera da circulação da mercadoria, e também
iria gerar conluios para atender interesses mais rápidos de uma dada comunidade do que as
demais. Esse é o problema de bens-de-capital multiespecificos, dispersos no espaço em
unidades produtivas estanques.

Porém, a fabricação aditiva (impressora 3D) e a nanotecnologia molecular, que são as


promessas em curso de uma Nova Revolução Industrial, solapa qualquer questão do cálculo
econômico, justamente porque sendo meios-de-produção homogeneizados, portáteis, e se
replicam, elas abolem a multiespecificidade dos bens-de-capital, e portanto da necessidade de
intrincamento entre esses meios-de-produção na estrutura do capital em âmbito territorial, e
portanto abole a necessidade de sistema de preços para sinalizar que meios-de-produção
utilizar, se são todos homogêneos, produzem qualquer artefato humano através da produção
digitalizada.
No caso da fabricação aditiva, só remanescem, a necessidade de distribuir a matéria-prima,
que é uma tarefa fácil a medida que simplificou o problema, e se dá pela variação do estoque e
reciclagem dos produtos. São essas que permitem a transição a outro modo-de-produção, e
qualquer erro cometido na produção pode ser facilmente desfeito, e refazendo o produto por
se tratar de meio-de-produção homogêneo.

Além disso que falei, há várias outras formas. Hoje já se está pacificado no entanto, que é
possível estabelecer preços de referência – por exemplo, baseados em cotações internacionais
– e usá-los para “construir” um sistema que emule o mercado.E à medida que avançarmos
com o planeamento centralizado, muito provavelmente iremos utilizar variáveis muito mais
relevantes, como energia despendida, consumo de recursos naturais, tempo
previsto/esperado de duração do bem etc. O obstáculo, à época de Mises, era mais
tecnológico. Mas hoje qualquer empresa é capaz de fazer isso com os softwares de gestão,
como o SAP (pesquisem depois). Uma crítica mais básica, embora não completa, iria levar em
conta que a monetização das necessidades como um tipo de guia de produção é recente, não
tem 300 anos. No entanto, antes disso produzirmos e consumíamos. Mas é só uma
observação.

P.S: Para o pessoal que não entendeu o que são bens-de-capital homogêneos, ou meios-de-
produção homogêneos, vou dar um exemplo concreto: são meios-de-produção que podem
produzir qualquer objeto ou produto para satisfazer as necessidade humanas. Isso é um
impacto grotesco, porque é uma convergência adaptativa, converge máquinas multi-
especificas em apenas um meio-de-produção. Para entender melhor: a divisão do trabalho
existe em detrimento da propriedade individual, para ela existir, essa propriedade privada na
esfera da produção, são dotadas de instrumentos de produção diversa. Por exemplo, para
produzir um óculos, você usa um instrumento de produção, já para produzir um tênis, outro
instrumento de produção, para produzir uma luneta outro instrumento de produção, de tal
forma que se divide o trabalho, e portanto os produtos qualitativamente distintos, e são
trocados pelos agentes sociais , e em decorrência dessa divisão do trabalho, é onde surge a
moeda, e o seu valor em decorrência de outros produtos na esfera da circulação a principio é
medido pelo tempo socialmente necessário a sua produção, mas não vamos adentrar nisso.

Agora imagine que você tem um meio-de-produção que produza, desde um óculos, uma
luneta, um tênis, um skate na mesma máquina? Agora imagine que isso é automatizado, sem
precisar de nossa mão-de-obra, e isso acarreta em impacto na divisão do trabalho, pois não há
mais instrumento diverso, e trabalho dividido, não portanto sequer necessidade de troca de
produtos qualitativamente distintos, tendo em vista que ele produz tudo, pois é meio de
produção homogêneo e portanto, a apropriação da produção para o consumo imediato pode
se dar pela apropriação direta, e por conseguinte esses meios-de-produção podem produzir
outros iguais a ele. Pode parecer um sonho, mas já existe, o fato de abolir a troca monetária
como explicado acima, abole a necessidade de sistema de preço. Pra quem quiser ver melhor
essa questão: https://www.youtube.com/watch?v=HMMJnn_gHWw
Quanto a questão da agricultura, é a mesma lógica que falei. Isso já está ate pronto hoje em
dia, o que ia mudar alterar seria apenas a ideia para hortas comunitárias ou fragmentadas.
Além disso já com a atual nanotecnologia molecular, que reorganiza átomos e moléculas, pode
se produzir diretamente os alimentos.

Em outras palavras, o futuro é cada dia mais nosso.

Rian Lobato

P.S: Há links interessantes que dissertam acerca de algumas questões, que não achei
pertinente para o texto.

‘Como o socialismo pode se organizar mesmo sem dinheiro’ >

http://mailstrom.blogspot.com.br/2006/11/how-socialism-can-organise-production.html?m=1

Esse é mais anarquista, mas vou botar aqui porque tem proposições aceitáveis e interessantes
acerca de como os anarco-comunistas podem responder o Problema do Cálculo Econômico >

http://anarchism.pageabode.com/afaq/secI1.html#seci11
UMA CRÍTICA À PRAXEOLOGIA
Vinicius Dias de Souza

CONTRA A PRAXEOLOGIA, A FAVOR DA CIÊNCIA:

Eu não concordo com a praxeologia, método criado por Ludwig von Mises para derivar o fundamento da
ciência econômica (e quiçá de todas as ciências humanas) e os “teoremas” desta a partir do axioma da
ação humana. O livro-referência é o “Ação Humana“, de Mises.

Aqui pretendo explicar o motivo pelo qual rejeito o método praxeológico como fundamento para ou
fonte de conhecimento sobre o ser humano, em geral, e a economia, em particular.

Para fazê-lo, este texto estará dividido nos seguintes tópicos:

1. O que é a praxeologia?;

2. Como podemos adquirir conhecimento sobre o mundo? E qual o lugar da ciência nisto?; 2.1 Não
existe “filosofia primeira” e, por isso, quando se trata de conhecimento, não há tribunal maior que a
própria ciência para recorrer; 2.2 Os enunciados da ciência devem prezar pela falseabilidade; 2.3 A
ciência precisa de programas de pesquisa progressivos, rejeitando-se os degenerativos; 2.4 A ciência
requer integração conceitual; 2.5 A separação entre ciências naturais e ciências humanas por meio do
Modelo Padrão das Ciências Sociais prejudica o status epistêmico destas últimas; 2.6 A introspecção não
é uma ferramenta tão útil para obter conhecimento;

3. Por que a praxeologia é uma forma errônea de obter conhecimento sobre a realidade humana? 3.1 A
praxeologia é uma forma de “filosofia primeira” ou “saber primeiro”, que pretende fundar as ciências do
homem (especialmente a economia) sob bases inabaláveis e seguras; 3.2 A praxeologia não comporta
falseabilidade; 3.3 A praxeologia é um programa de pesquisa degenerativo; 3.4 A praxeologia
impossibilita a integração conceitual entre as ciências naturais e as ciências humanas; 3.5 A praxeologia
pauta-se erroneamente na introspecção;

4. Conclusão

1. O que é a praxeologia?
Para Mises, existe um axioma da ação, a partir do qual podem ser derivadas todas as leis econômicas,
por dedução lógica. O axioma da ação é o de que a ação humana é propositada, as pessoas agem
buscando fins (propósitos).

Por que isso seria um axioma? A ideia é que isto consistiria em uma verdade que não poderia ser
desacreditada por alguém sem esta mesma pessoa contradizer-se. Se você nega que a ação humana é
propositada, isto em si já é uma ação humana propositada. Portanto, a tentativa de negativa do axioma
seria sempre uma realização do axioma. Com base neste raciocínio, tem-se que o axioma da ação é uma
verdade necessária (tautologia), a partir da qual se podem derivar outras verdades necessárias a priori
sobre a economia.

Ou, nas palavras de Tulio Bertini,

Este axioma baseia-se na proposição auto evidente de que os humanos agem de forma proposital, para
sair de uma situação de menor conforto para maior conforto. Todo indivíduo que tentar negá-la por
meio de qualquer ação entrará em contradição, acabando por confirmá-la. Por exemplo, ao tentar negar
“o axioma da ação”, um indivíduo necessariamente estará se utilizando de argumentos (ação meio) para
atingir um objetivo ou um fim desejado, qual seja: refutar o axioma da ação. Porém, ao tentar refutá-lo
entrará em contradição, pois estará empreendendo uma ação humana proposital para sair de uma
situação de desconforto.

Robert Murphy destaca que

Talvez a característica mais peculiar da economia de Ludwig von Mises seja sua insistência em fazer uma
abordagem apriorística — ou seja, dedutiva. Para Mises, as “leis” econômicas devem ser logicamente
deduzidas de axiomas anteriores, de modo que — assumindo que as suposições iniciais sejam
verdadeiras — as conclusões alcançadas sejam tão válidas quanto qualquer resultado na geometria
euclidiana.

Murphy acrescenta ainda que o destaque aqui está para a atribuição de razões às pessoas, o que difere
sua ação de um simples comportamento (que é um movimento mecânico e inconsciente, como os de
animais e objetos):

Se quisermos ter êxito no atual ambiente, é simplesmente indispensável que cada um de nós atribua
intenções e razões aos outros seres. Falando mais simplificadamente, se você quer chegar a algum lugar
na vida, você tem de assumir que os outros humanos agem.

Ao dizer que um homem age, o misesiano não está simplesmente sugerindo que o corpo do homem se
comporta de uma determinada maneira. Se um homem cai de uma ponte, sua trajetória descendente
não é uma ação no sentido austríaco. Se um homem está em perigo, seu batimento cardíaco acelerado
também não é (para a maioria das pessoas) uma ação. A ação humana é o esforço proposital para se
atingir fins desejados. É o esforço intencional de um ser racional para atingir um grau maior de
satisfação, de seu ponto de vista subjetivo.

Isso significa que a praxeologia é comprometida com a separação entre ciências naturais e ciências
humanas. O estudo da humanidade não pode ser realizado sem o reconhecimento da realidade do
comportamento humano como mais do que algo determinado por leis da física, como algo que é
propositado e que disto deriva um significado.

Nas palavras do próprio Mises,

Os postulados do positivismo e escolas metafísicas congêneres são, portanto, ilusórios. É impossível


reformar as ciências da ação humana obedecendo a padrões da física ou de outras ciências naturais.
Não há possibilidade de estabelecer a posteriori uma teoria de conduta humana e dos eventos sociais. A
história não pode provar nem refutar qualquer afirmação de caráter geral, da mesma maneira que as
ciências naturais aceitam ou rejeitam uma hipótese, com base em experiências de laboratório. Neste
campo, não é possível provar por experiências que uma hipótese seja falsa ou verdadeira.
O exemplo do positivismo é curioso porque, apesar de Mises estar referindo-se à escola de Viena (os
positivistas lógicos), os autores posteriores acusam todos que defendem a ciência empírica de serem
positivistas, o que, como veremos, não faz sentido. Quine, por exemplo, rejeitou o positivismo lógico,
mas contaria como “positivistas” para muitos dos que defendem a praxeologia hoje. Um exemplo desse
tipo de mal entendido pode ser extraído deste texto do Ordem Livre, de Anthony Mueller:

Hoje em dia, o positivismo lógico do Círculo de Viena (Wiener Kreis) representa a metodologia
dominante nas ciências sociais. Esta abordagem epistemológica nasceu em Viena, Áustria, nos anos 20
do século passado e foi implantado nas universidades americanas depois da emigração de quase todos
os membros deste círculo para os Estados Unidos nos anos 30 e 40. Depois do fim da segunda guerra
mundial, a metodologia do circulo de Viena se disseminou por outras partes do mundo.

(…)

Rechaçar o positivismo significa abandonar as abordagens deterministas e reducionistas em favor de um


paradigma que estuda a ação humana no contexto de sua complexidade em frente da contingência do
ambiente da existência humana.

É curioso dizer isso até porque as ciências sociais em geral tem estado presas a um paradigma de
separação em relação às ciências naturais, o que torna bastante confuso o que se quer dizer com o uso
de “positivismo” para a metodologia predominante nas ciências sociais (que, como veremos, para mim é
bastante falha justamente por não ter consistência com as ciências naturais). Aparentemente, tornaram
“positivismo” um termo que significa meramente o uso de matemática e a rejeição do a priori. (E os
positivistas lógicas, na verdade, aceitavam o a priori, mas na lógica)

Alguns chegam ao extremo de rotular o método científico de formulação de hipóteses a serem


confrontadas com a experiência de “positivismo”, como Bertolini faz:

Isso é totalmente contrário ao método dos positivistas, um campo que inclui a maioria dos economistas
atuais. Na opinião deles, a economia só pode ser científica se ela adotar os procedimentos utilizados
pelas ciências naturais. Em termos gerais, os positivistas creem que os economistas devem formular
hipóteses cujas deduções sejam testáveis, e então sair coletando dados que meçam a acurácia de suas
previsões. Assim, aquelas tendências que obtêm maior êxito nesse sentido passam a ser consideradas
“leis” melhores do que aquelas hipóteses que não corresponderam muito bem aos dados.

Isso nos leva a outro ponto importante: a praxeologia não é refutada por evidências empíricas, por se
tratar de teoremas (supostamente) tão firmes quanto os da matemática. Nas palavras de Bertolini,

O sistema praxeológico é como a lógica e a matemática. Da mesma forma que o teorema pitagórico é
uma relação geométrica inerente a todos os triângulos retângulos, os teoremas econômicos já estão
contidos nas categorias de ação de um sistema praxeológico. Dessa forma, qualquer experiência de
cunho empirista é incapaz de refutar teorias econômicas derivadas praxeologicamente. Seria como sair
por aí medindo os lados dos triângulos retângulos a fim de encontrar falhas no Teorema de Pitágoras.
Algo impensável.

Somente é possível refutar uma teoria praxeológica por meio da descoberta de falhas na cadeia de
raciocínio empregada pelo praxeologista. De acordo com Mises, evidências empíricas não “falseiam” a
teoria, apenas servem para estabelecer o quão apropriada é uma aplicação teórico-praxeológica para a
análise de um evento em particular.

Hoppe acentua o caráter de prova definitiva que a praxeologia seria capaz de trazer:

É esta avaliação da ciência econômica como uma ciência a priori, uma ciência cujas proposições podem
receber uma rigorosa justificação lógica, que distingue os austríacos, ou mais precisamente, os
misesianos, de todas as outras escolas de economia atuais. Todas as outras concebem a ciência
econômica como uma ciência empírica, como uma ciência como a física, que desenvolve hipóteses que
requerem testes empíricos constantes. E elas consideram dogmática e não-científica a ideia de Mises de
que os teoremas econômicos—como a lei da utilidade marginal, ou a lei dos rendimentos, ou a teoria da
preferência temporal dos juros e a teoria austríaca dos ciclos econômicos—possam ser definitivamente
provados, de maneira que pode ser claramente demonstrado que negar suas validades é
completamente contraditório.

(…)

O grande insight de Mises foi o de perceber que o raciocínio econômico está fundamentado exatamente
neste entendimento de ação; e que a condição da ciência econômica ser um tipo de lógica aplicada
deriva-se da condição do axioma da ação ser uma proposição sintética a priori verdadeira. As leis da
troca, a lei da utilidade marginal, a lei da associação ricardiana, a lei dos controles de preços, e a teoria
quantitativa da moeda—todos exemplos de proposições econômicas que mencionei—podem ser
derivadas logicamente a partir deste axioma. E é isto o que torna totalmente ridículo considerar que
estas proposições possuem a mesma condição epistemológica que as das ciências naturais. Considerá-
las como tais e, consequentemente supor que necessitam ser testadas para serem validadas, é como
supor que temos que nos envolver em algum processo de averiguação sem saber o possível resultado a
fim de estabelecer o fato de que alguém é realmente um agente. Resumindo, isto é simplesmente um
absurdo.

Portanto, a praxeologia pretende ser uma forma privilegiada de acesso ao conhecimento, por meio de
deduções derivadas do axioma da ação, possibilitando assim um conhecimento a priori sobre o ser
humano, anterior a qualquer empirismo.

2. Como podemos adquirir conhecimento sobre o mundo? E qual o lugar da ciência nisto?

Para sabermos como adquirir conhecimento sobre o mundo, precisamos compreender a ciência, (a
princípio) no sentido geral de estudo sistemático do mundo, o qual inclui o ser humano.

2.1 Não existe “filosofia primeira” e, por isso, quando se trata de conhecimento, não há tribunal maior
que a própria ciência para recorrer

Muitos filósofos, cientistas e leigos gostariam que tivéssemos uma espécie de “filosofia primeira” que
nos garantisse que a nossa ciência está no caminho certo, que podemos confiar nela. Isso é o que
chamamos de “fundacionalismo” em filosofia.

Outros filósofos, junto com ideólogos de toda espécie, gostariam que não tivéssemos uma “filosofia
primeira”, porque isso tornaria todas as formas de conhecimento “relativas”, de modo que poderíamos
facilmente ignorar dados ou teorias que incomodassem nossas ideologias favoritas. Isso é o que
chamamos de “pós-modernismo” ou “relativismo” em filosofia.

Ambas as posições estão erradas.

O que tem levado as pessoas a formularem uma “filosofia primeira” é tentar responder o chamado
problema do ceticismo: “Como podemos ter certeza de que sabemos alguma coisa?” (RITCHIE, 2012, p.
24). Diante disso, a filosofia teria um papel “fundacionalista”, de estabelecer as bases indubitáveis do
conhecimento, a partir das quais podemos assegurar a verdade de nossa ciência. No caso dos empiristas
ou positivistas lógicos no início do século XX, essas bases indubitáveis advêm da experiência e
assegurariam a ciência.

E então apareceu Willard Van Orman Quine, com seu artigo seminal de 1951, “Dois Dogmas do
Empirismo”, mais tarde publicado, junto com outros ensaios, em “De Um Ponto de Vista Lógico”, em
1953 (edição brasileira: 2011).

Os dois dogmas atacados seriam: 1) a distinção analítico/sintético; 2) o reducionismo com base no qual
a linguagem da ciência é redutível à experiência imediata. Nas palavras dele mesmo:
O empirismo moderno foi condicionado, em grande parte, por dois dogmas. Um deles é a crença em
uma divisão fundamental entre verdades que são analíticas, ou fundadas em significados
independentemente de questões de fato, e verdades que são sintéticas, ou fundadas em fatos. O outro
dogma é o reducionismo: a crença de que cada enunciado significativo é equivalente a alguma
construção lógica com base em termos que se referem à experiência imediata. (QUINE, 2011, p. 37)

O dogma da distinção analítico/sintético deriva da constatação óbvia de que a verdade de um enunciado


depende tanto da linguagem como de fatos extralinguísticos, mas confunde-se ao postular uma
separação entre o componente linguístico e o componente factual da verdade de um enunciado, de
modo que, para alguns enunciados, o componente factual seria nulo, e aí teríamos as verdades
analíticas (QUINE, 2011, p. 59). O que Quine visa mostrar ao longo da primeira parte do artigo é que a
noção de “analiticidade” nunca foi esclarecida satisfatoriamente.

O dogma do reducionismo tem relação com a teoria verificacionista do significado:

Mas o dogma do reducionismo tem, de forma mais sutil e atenuada, continuado a influenciar o
pensamento do empirista. Persiste a noção de que, para cada enunciado ou para cada enunciado
analítico, existe associado a ele um domínio único de eventos sensoriais possíveis tais que a ocorrência
de qualquer um deles aumenta a probabilidade da verdade do enunciado, e existe associado a ele outro
domínio único de eventos sensoriais possíveis cuja ocorrência diminuiria essa probabilidade. Essa noção
está evidentemente implícita na teoria verificacionista do significado. O dogma do reducionismo
sobrevive na suposição de que cada enunciado, tomado isoladamente de seus pares, pode, de qualquer
forma, admitir confirmação ou invalidação. (QUINE, 2011, p. 64-65)

Ambos os dogmas estão ligados por meio dessa teoria verificacionista, uma vez que, se faz sentido falar
em confirmação e invalidação de enunciados isoladamente, parece plausível que haja um tipo-limite de
enunciado que é confirmado aconteça o que acontecer (QUINE, 2011, p. 65).

Ao dogma do reducionismo, Quine (2011, p. 65) contrapõe uma tese holista, segundo a qual os
enunciados sobre o mundo exterior enfrentam o tribunal da experiência sensível como um corpo
organizado, não isoladamente. Isso significa que inclusive enunciados altamente abstratos como aqueles
da lógica e da matemática se confrontam com a experiência e podem ser invalidados por esta. Não que
os enunciados matemáticos e lógicos sejam substancialmente “empíricos” como tais, mas sim que eles
servem para subsidiar uma ciência empírica que faz previsões acerca de eventos concretos.

Pode-se imaginar a ciência como um conjunto de enunciados que, diante de uma experiência
recalcitrante e que foge à previsão de uma teoria, pode ser modificada, potencialmente, em quaisquer
de seus enunciados; contudo, estamos mais dispostos a fazer essa modificação em alguns enunciados ao
invés de outros. Por exemplo, um cientista será considerado um mau cientista se, há cada previsão de
suas hipóteses que falha diante da experiência, resolver sempre revisar a aritmética elementar para
que, assim, sua teoria possa ser válida. Mas podem existir razões de peso para revisar mesmo a
matemática. Isso não é uma especulação por parte de Quine, porque já aconteceu na história da ciência:

Para um pensador do século XVIII, alguém como Kant, teria sido impossível imaginar revisar afirmações
tais como ‘os ângulos internos de um triângulo somam 180 graus’. Com o desenvolvimento da
geometria não euclidiana, tornou-se possível pensar que esta afirmação pode ser falsa; e com o
desenvolvimento da teoria de Einstein da relatividade geral, começamos a pensar que, de fato, era falsa
(enquanto uma afirmação acerca do espaço físico, pelo menos). Podemos estar na mesma situação em
relação à nossa lógica e aritmética básicas que o pensador do século XVIII estava em relação à
geometria. (RITCHIE, 2012, p. 58-59)

Assim, deve-se pensar que é o todo da ciência que se contrapõe à experiência, e não há uma única
maneira de revisar os enunciados para que a ciência continue ajustada aos fatos, de modo que a ciência
é subdeterminada pela experiência. Isso poderia parecer implausível à primeira vista, mas é bem claro
que “qualquer enunciado pode ser considerado verdadeiro, aconteça o que acontecer, se fizermos
ajustes drásticos o suficiente em outra parte do sistema” (QUINE, 2011, p. 67): por exemplo, mesmo um
enunciado bastante próximo da periferia pode ser mantido como verdadeiro diante da experiência que
o contraria, alegando-se alucinação ou revisando-se a lógica.

Isso pode parecer um problema: Quine defenderia que nossa ciência não é exata, nem confiável? Seria
ele um relativista pós-moderno? Longe disso.

Leiter (1997, p. 1752) comenta que, para Quine, a ciência separa o joio do trigo quando se ocupa das
diversas “perspectivas” sobre a realidade, e a consequência é bastante austera: a palha inclui a religião,
a metafísica, a poesia e a astrologia, mas também a psicologia não behaviorista e todas as “ciências
especiais”, à medida que não sejam redutíveis à física. E cabe lembrar que era o próprio Quine (2010, p.
47) quem dizia que a ciência era o último árbitro da verdade.

Como se poderia reconciliar esta visão tão positiva da ciência, com o que vimos anteriormente, acerca
da subdeterminação da teoria em relação aos fatos? O caminho é sugerido no próprio “Os Dois Dogmas
do Empirismo”, onde se defende um empirismo sem dogmas em que o sucesso preditivo, não a
correspondência um-a-um de seus termos com a experiência, é a justificativa suficiente do empirista:

Como empirista, continuo a pensar o esquema conceitual da ciência, em última instância, como uma
ferramenta para prever a experiência futura à luz da experiência passada. Os objetos físicos são
inseridos conceitualmente na situação como intermediários convenientes, não pela definição em termos
de experiência, mas simplesmente como postulados irredutíveis, comparados, epistemologicamente,
aos deuses de Homero. De minha parte, como físico leigo, acredito em objetos físicos, e não nos deuses
de Homero; e considero um erro científico acreditar no contrário. Mas, quanto ao fundamento
epistemológico, os objetos físicos e os deuses diferem apenas em grau, não em espécie. Ambos os tipos
de entidades integram nossa concepção apenas como postulados culturais. O mito dos objetos físicos é
epistemologicamente superior à maior parte dos mitos na medida em que se mostrou mais eficaz do
que outros como dispositivo para fazer operar uma estrutura manipulável no fluxo da experiência. (…) A
ciência é uma continuação do senso comum, e dá continuidade ao procedimento do senso comum de
expandir a ontologia para simplificar a teoria. (QUINE, 2011, p. 69)

Como Leiter (1977, p. 1792) bem pontua, o motivo para aderir à ciência em Quine não é fundacionalista,
mas sim pragmático: o sucesso da ciência em permitir que lidemos com o fluxo da experiência de modo
satisfatório.

Esse pragmatismo também é espelhado na ideia de que, ao ajustar nossa ciência às experiências
recalcitrantes, seguimos alguns critérios convenientes, como a busca da simplicidade e o
conservadorismo.

Assim, podemos concordar com Marcelo Bulcão Nascimento (2008, p. 111) que Quine apresenta uma
nova forma de realismo, um realismo naturalista/pragmatista, pelo qual a questão da verdade é feita
dentro de uma teoria e, assim concebida, é questionada rigorosa e seriamente:

O que tivemos oportunidade de ver, assim, é que, com o naturalismo quineano, nós podemos, sim, falar
de conhecimento e de crença. Conhecimento do mundo, crença na realidade de seus objetos. A
diferença é que, para Quine, isso não implica nenhuma garantia absoluta. As garantias são internas ao
método científico, falível por certo, virtualmente em perpétuo desenvolvimento. A diferença é que
Quine renuncia — e o faz desde o ponto de partida — àquele conhecimento absoluto, final. Recusa
mesmo a idéia daquele conhecimento que, embora falível, pretende estar indo na direção do
conhecimento absoluto, final, definitivo. A ele assim renunciando, bem como a qualquer projeto
fundacionista, Quine fica com as verdades internas às melhores teorias de que o homem dispõe em sua
renovada tentativa de dar conta do mundo, de sua experiência. Com o naturalismo, Quine consegue
reorientar o empirismo tradicional e escapar de seus dogmas. Incidentalmente, ou melhor,
necessariamente, nessa reorientação do empirismo, ele também reorienta o realismo em ciência e nos
permite adotar uma posição realista em ciência que é não-dogmática. Em Quine, crença e conhecimento
são possíveis, mas nem por isso são definitivos, absolutos; eles são sem dogmas. (BULCÃO, 2008, p. 111-
112)
Assim, realmente, não há tribunal maior do que a ciência, e as questões da ontologia e da verdade são
internas à ciência. No que diz respeito ao conhecimento, a ciência é tudo o que temos.

Diminuímos, até aqui, nossa ambição, de forma a nos conformarmos com uma doutrina relativista que
defende a estimativa-de-verdade de enunciados de cada teoria como verdadeiros para tal teoria, sem
tolerar crítica mais elevada? Não. A consideração salvadora é a de que nós continuamos levando a sério
nosso próprio agregado particular de ciência, nossa própria teoria de mundo particular ou a frouxa
trama total de quase-teorias, seja o que ela for. Ao contrário de Descartes, nós possuímos e usamos
nossas crenças do momento, mesmo em meio ao filosofar, até que, por meio do que é vagamente
chamado de método científico, nós as mudamos aqui e acolá para melhor. Dentro de nossa própria
doutrina total em evolução, nós podemos julgar a verdade tão seriamente e absolutamente quanto
possível; sujeitos à correção, porém isso é evidente. (QUINE, 2010, p. 47)

As consequências mais drásticas são enfrentadas pela própria filosofia, dado o diagnóstico de Quine em
“Dois Dogmas da Filosofia”. Sem um domínio de verdades analíticas que seriam o objeto apropriado do
pensamento filosófico e que excluiriam quaisquer críticas por parte da ciência, temos que todas as
verdades são empíricas e, portanto, sujeitas à revisão científica.

Isso leva Quine a rejeitar a “análise conceitual armchair” da filosofia analítica, pela qual “filosofa-se do
sofá”, onde as intuições dos filósofos que estudaram nas melhores universidades do mundo são
tomadas como fontes de verdades filosóficas. Como é representado sarcasticamente nesta tira:

Para Quine, ao contrário, a filosofia também se ocuparia de questões que, potencialmente, são sujeitas
à revisão empírica e, em alguns casos, de fato as questões filosóficas seriam substituídas por questões
empíricas. A filosofia seria apenas o ramo mais reflexivo e abstrato das ciências.

2.2 Os enunciados da ciência devem prezar pela falseabilidade

Karl Popper criou a ideia de que a demarcação entre ciência e não-ciência é feita a partir da noção de
falseabilidade.

Falseabilidade significa que uma teoria apresenta uma hipótese dedutiva acerca do mundo que pode ser
desmentida pela ocorrência de uma implicação que a teoria considerava não ser possível ocorrer.

Em outras palavras: sua teoria tem “enunciados gerais”, por exemplo, “todo gato é branco”, o que
implica, concretamente, que não pode ser encontrado nenhum gato branco no mundo. Se um gato
desse tipo for encontrado, demonstrando que o enunciado particular “este gato aqui é preto” é
verdadeiro, consideramos que a teoria foi falseada.

Portanto, para Popper, nunca podemos estar seguros de que uma teoria científica não irá ser falseada
no futuro, mas a ciência agrega conhecimento sobre o mundo ao falsear cada vez mais teorias, ou seja,
ao excluir-se explicações da realidade que demonstrou-se que eram falsas. Isso é o que ele denomina de
“racionalismo crítico”.

Nas palavras de Popper:

“deve ser tomado como critério de demarcação não a verificabilidade, mas a falseabilidade de um
sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como
válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se
torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível
refutar, pela experiência, um sistema científico empírico. (…)
a quantidade de informação positiva acerca do mundo, veiculada por um enunciado científico, é tanto
maior em razão de seu caráter lógico, quanto mais conflitos gere com possíveis enunciados singulares.
(Nem é por acaso que chamamos ‘leis’ às leis da natureza: quanto mais proíbem, mas dizem. (…)

Minha posição está alicerçada numa assimetria entre verificabilidade e falseabilidade, assimetria que
decorre da forma lógica dos enunciados universais. Estes enunciados nunca são deriváveis e enunciados
singulares, mas podem ser contraditados pelos enunciados singulares. Consequentemente, é possível,
através de recurso a inferências puramente dedutivas (com auxílio do modus tollens, da lógica
tradicional), concluir acerca da falsidade de enunciados universais a partir da verdade de enunciados
singulares.” (POPPER, p. 42-43)

Uma crítica feita posteriormente ao modo de pensar de Popper reside no fato de que a ciência não
funciona exatamente assim. Os cientistas de fato tentam “salvar” suas teorias, modificando-as o
suficiente para que elas não sejam refutadas por um experimento que, a princípio, as contradisse. Mas
esta objeção parece-me mais confirmar a noção popperiana, pois os cientistas tentam “salvar” as teorias
de serem falseadas, portanto, refere-se mais a um problema “prático” do que “teórico” da noção de
falseabilidade.

Uma objeção mais perigosa, entretanto, é a de que determinados enunciados científicos são afastados
de uma refutação empírica direta, não por uma tentativa dos cientistas em “salvá-los”, mas sim por
razões teóricas, que tornam a relação destes enunciados com o mundo menos direta.

De fato, a ciência de confirmar e falsificar hipóteses é mais complexa do que Popper parecia
inicialmente sugerir. As hipóteses geralmente estão embutidas dentro de um panorama teórico mais
amplo.

Por exemplo: teoria do fitness inclusivo de Hamilton –> teoria do investimento parental, que determina
que o sexo que investe mais na prole será o mais seletivo na hora de escolher parceiros –> hipótese de
que, em espécies com investimento paternal, fêmeas usam pistas acerca da disposição de investir como
um critério para seleção de parceiro –> previsão evolucionária de que mulheres preferem, como
potenciais parceiros, homens que expressam uma boa vontade de investir nelas e em suas proles.
(CONFER ET AL, p. 113)

Esta última predição evolucionária é mais falseável do que a teoria do fitness inclusivo de Hamilton. E,
entre ambas, há pelo menos 2 teorias/hipóteses intermediárias.

Aqui, recorrer ao que falamos acima sobre Quine, pode ser útil. Popper ainda tentava compreender o
confronto da ciência com a experiência a partir de enunciados específicos da mesma, enquanto Quine,
corretamente, viu que o confronto implica a participação do “todo da ciência” (ou um considerável
subconjunto da mesma).

Na concepção quineana, vê-se que nós, pragmaticamente, à luz de uma experiência conflitante com o
que já sabemos, revisar os enunciados que estão “na periferia” de nosso conhecimento, ou seja, aqueles
enunciados que menos consequências sistemáticas terão para o “todo da ciência” caso nós abramos
mão deles.

Por exemplo, na esmagadora maioria (ou talvez em todos) dos casos, não vale a pena você revisar a
aritmética fundamental para “salvar” uma hipótese bem específica que foi contradita pela experiência.
O motivo é que, se optarmos por revisar a aritmética fundamental, teríamos de revisar todas as nossas
hipóteses científicas fazendo os ajustes necessários. Por outro lado, se optarmos por considerar aquela
hipótese bem específica como falsa, poucas consequências advirão disso para o “todo da ciência”.

Assim, no exemplo que citamos dentro da teoria da evolução, é mais fácil considerarmos falseada a
“previsão de que mulheres preferem, como potenciais parceiros, homens que expressam uma boa
vontade de investir nelas e em suas proles” do que considerarmos falseada a “teoria do fitness inclusivo
de Hamilton”, que se aplica inclusive a outras formas de vida, sustentando grande número de hipóteses
para a explicação evolucionária do comportamento animal.
Logo, ainda que a noção de falseabilidade de Popper da forma tão direta que ele postulou, seja aplicável
a um número mais restrito (ainda que enorme!) de enunciados dentro da ciência, continua a ser
verdadeiro que o objetivo da ciência (inclusive dos enunciados mais afastados desta aplicação direta da
noção de falseabilidade) é produzir previsões sobre a natureza que efetivamente possam ser
confrontadas com o curso da experiência e que, portanto, possam ser falseadas.

2.3 A ciência precisa de programas de pesquisa progressivos, rejeitando-se os degenerativos

Outra forma interessante de “ajustar” a ideia popperiana de falseabilidade para mais próximo da
realidade concreta da ciência foi proposta por Lakatos.

Lakatos propôs que, dentro da ciência, há uma concorrência entre programas de pesquisa diferentes,
programas estes que se caracterizam por suas teses centrais, por meio das quais se deduzem
implicações mais concretas, com o apoio de hipóteses auxiliares.

Em outras palavras: não teríamos simplesmente enunciados mais gerais implicando em enunciados bem
específicos, possibilitando um falseamento direto da teoria, mas sim enunciados mais gerais que,
associados com hipóteses auxiliares postuladas, permitem a implicação de enunciados bem específicos.
No caso de esses enunciados específicos serem falseados, é possível revisar as hipóteses auxiliares, ao
invés dos enunciados mais gerais da teoria.

Mas como definir, então, se um programa de pesquisa vale a pena ser utilizado ou não?

Lakatos definiu que isso dependeria de sua “capacidade preditiva”, ou seja, sua tendência em prever
fatos novos que nem sequer conceberíamos sem a teoria, e a descoberta concreta de que esses fatos
existam.

Por exemplo, a teoria da relatividade previa que o espaço-tempo era curvo, o que significa que as ondas
de luz vindas do Sol poderiam sofrer certa curvatura em eclipses solares (por conta da deformação que a
Lua estaria ocasionando ao espaço-tempo em seu redor, afetando a onda eletromagnética que teria de
passar pelo campo gravitacional da Lua para chegar ao nosso planeta). Isso foi confirmado
experimentalmente.

Dessa forma, existiriam programas de pesquisa progressivos, que realmente tem essa tendência, e
programas de pesquisa regressivos, que, ao invés de prever fatos novos, predomina a tendência de fazer
ajustes neles com base em fatos novos não previstos por eles em sua área de estudo.

Lakatos oferece o exemplo do marxismo. O marxismo teve que “explicar” vários eventos que
contradiziam os fatos que Marx havia previsto com base em seu método dialético. Os fatos novos
vinham “de fora da teoria”, mostrando que, por si mesma, não era capaz de dar conta dessas
“novidades”.

Portanto, uma importante maneira pela qual teorias científicas operam é prevendo fatos novos, que não
conceberíamos sem a teoria, levando à elaboração de experimentos que nos permitissem constatar (ou
não) estas “novidades ontológicas”.

2.4 A ciência requer integração conceitual

Steven Pinker (2004, p. 106) comenta que o reducionismo bom, ou hierárquico, não consiste em
substituir um campo de conhecimento por outro, mas conectá-los ou unifica-los. De fato, a integração
conceitual é uma marca das ciências bem-sucedidas, porque promove a consistência entre campos
teóricos, reforçando o holismo inerente ao sucesso pragmático da ciência.

Integração conceitual, ou integração vertical, é o princípio pelo qual várias disciplinas dentro das
ciências sociais e comportamentais seriam feitas mutuamente consistentes e consistentes com o que é
conhecido nas ciências naturais, às quais já são integradas entre si (COSMIDES ET AL, 1992, p. 4).

Uma teoria é conceitualmente integrada quando é compatível com dados e teoria de outros campos
relevantes do saber científico, por exemplo, químicos não propõem teorias que violem o princípio da
conservação da energia, elementar para a física (COSMIDES ET AL, 1992, p. 4).

Enquanto as ciências naturais têm sido entendidas como contínuas, o mesmo não ocorre nas ciências
humanas: biologia evolucionária, psicologia, psiquiatria, antropologia, sociologia, história e economia
existem em grande medida isoladas uma em relação às outras e a formação em um desses campos não
acompanha regularmente um entendimento compartilhado dos fundamentos dos demais (COSMIDES
ET AL, 1992, p. 4).

A integração conceitual é uma característica que garante um crescimento poderoso no conhecimento ao


permitir que investigadores usem conhecimento desenvolvido em outras disciplinas para resolver
problemas em sua própria: por exemplo, evidência sobre a estrutura da memória e da atenção pode
ajudar antropólogos culturais a entender por que alguns mitos e ideias se espalham mais facilmente e
rapidamente do que outros (COSMIDES ET AL, 1992, p. 12).

É importante fazer aqui um adendo: a direção correta é pensar a partir das ciências naturais em direção
às humanas. Isso ocorre porque o que é estudado nas ciências naturais não é causado pelo que é
estudado nas ciências humanas, mas sim o contrário. Ou seja, como diria John R. Searle, a realidade é
basicamente a interação de partículas em campos de força (ou outra descrição mais exata da física
fundamental), sendo tudo o mais seus efeitos ou consequências.

Isso nos permite compreender melhor, inclusive, a importância da simplicidade nas teorias científicas.
Como exposto por Quine no livro “Palavra e Objeto”:

Um benefício concomitante da simplicidade que pode não ser notado é o de que ela tende a aumentar o
escopo da teoria – sua riqueza em consequências observáveis. Seja θ uma teoria, e seja C a classe de
todas as consequências testáveis de θ. A teoria θ nos terá sido sugerida por algum conjunto K de
observações anteriores, uma subclasse de C. Em geral, quanto mais simples θ, menor a porção de K de C
que terá sido suficiente para evocar θ. Dizer isso é apenas repetir a observação anterior: de que a
simplicidade é aquilo que guia a extrapolação. Porém a relação também pode ser descrita de forma
invertida: dado K, quanto mais simples θ, mais inclusiva C tenderá a ser. Concedido isso, verificações
subsequentes de C poderão eliminar θ; enquanto isso, há ganho em escopo. (QUINE, 2010, p. 43-44)

E a consequência de não ter esta integração conceitual nas ciências humanas é a de permanecermos em
uma situação na qual encontramos biólogos evolucionários postulando processos cognitivos que
possivelmente não resolveriam o problema adaptativo sobre consideração, psicólogos propondo
mecanismos psicológicos que nunca poderiam ter evoluído e antropólogos fazendo suposições
implícitas sobre a mente humana que nós já sabemos serem falsas (COSMIDES ET AL, 1992, p. 4).

2.5 A separação entre ciências naturais e ciências humanas por meio do Modelo Padrão das Ciências
Sociais prejudica o status epistêmico destas últimas

Diante do que foi exposto no tópico anterior, pode-se perguntar: se a integração conceitual é
importante para o status pragmático da ciência, por que as ciências sociais/humanas não foram ainda
(completamente) integradas às ciências naturais e entre si?
Um dos motivos está no paradigma subjacente usado por muitos estudiosos na área das ciências
humanas/sociais: o Modelo Padrão das Ciências Sociais (Standard Social Science Model), termo criado
por John Tooby e Leda Cosmides (1992, p. 23), que defendem que existe um conjunto de suposições e
inferências sobre os seres humanos, suas mentes e sua interação coletiva que tem provido os
fundamentos conceituais das ciências sociais há aproximadamente um século e serve como garantia
intelectual para o isolacionismo das ciências sociais.

O Modelo Padrão das Ciências Sociais é formado por algumas ideias fortemente conectadas. Os grupos
humanos particulares são caracterizados como tendo uma cultura: práticas comportamentais, crenças,
sistemas ideacionais, sistemas de símbolos significantes ou substância informacional de algum tipo que
é abrangentemente distribuída ou quase universal no grupo, perfazendo entidades delimitadas
(COSMIDES; TOOBY, 1992, p. 31).

Os elementos comuns são mantidos e transmitidos pelo grupo, uma entidade que tem continuidade
intergeracional; e as linhas separadas dessa substância informacional, a cultura, transmitida de geração
em geração, são a explicação para as similaridades dentro do grupo e as diferenças entre os grupos. As
similaridades são consequências da cultura herdada por todos aqueles que exibem a similaridade e, a
menos que outros fatores intervenham, a cultura é precisamente replicada de geração em geração
(COSMIDES; TOOBY, 1992, p. 32).

Esse processo é mantido através de aprendizado, que, desde a perspectiva do grupo, é um processo
organizado ao nível de grupo denominado socialização, imposta pelo grupo à criança para fazer dela
igual aos adultos de sua cultura; e o aprendizado é uma explicação poderosa e suficientemente
especificada para qualquer aspecto da vida humana organizada que varia de indivíduo para indivíduo e
de grupo para grupo (COSMIDES; TOOBY, 1992, p. 32).

A organização mental/social da espécie humana é resultado de processos emergentes ao nível do grupo,


cujos determinantes operam nesse nível e o indivíduo é um recipiente mais ou menos passivo de sua
cultura e produto dela. Tudo que é organizado e com conteúdo nas mentes dos indivíduos veio da
cultura e é socialmente construído. Os mecanismos evoluídos da mente são livres de conteúdo e
independentes de conteúdo, logo, todo o conteúdo se origina do ambiente social, e, às vezes, do não
social (COSMIDES; TOOBY, 1992, p. 32).

Uma crítica a esse modelo foi feita por Robert Foley (2003, p. 246): cultura não é um modelo útil, uma
vez que ele escamoteia o problema, ao invés de solucioná-lo. O próprio conceito seria raramente
definido ou constantemente redefinido, muitas vezes sendo algo como a frase de Lord Raglan, “tudo o
que nós fazemos que os macacos não fazem”, o que o torna uma tautologia, porque significaria as coisas
que não são biológicas (FOLEY, 2003, p. 246). Ademais,

A capacidade do Modelo Padrão das Ciências Sociais de explicar os humanos, em última análise, repousa
na adequação do conceito de cultura. Como conceito analítico e evolucionário, essa adequação é
passível de questionamento. Em princípio, trata-se de um conceito estático, de é-ou-não-é. As criaturas
ou têm cultura ou não têm, e vêm daí, por exemplo, as discussões, tão frequentemente tautológicas,
sobre se os chimpanzés ou outros animais vivos possuem ou não cultura. Chegar a uma conclusão sobre
essa questão não significa concluir o que quer que seja a respeito da evolução humana, porque ou os
chimpanzés não a têm, e, nesse caso, o termo simplesmente confirma a definição de Lord Raglan, ou
eles a têm e, nesse caso, alguma definição nova para a singularidade humana será necessária. Os
humanos anteriores à humanidade aqui descritos são prova da inadequação da cultura como
instrumento analítico, uma vez que está claro que os hominídeos extintos situam-se exatamente sobre o
divisor de águas daquilo que, em geral, é entendido por cultura. A complexidade dos comportamentos
dos quais eles eram capazes não pode ser restringida à cultura, e o fato de termos evitado por completo
a abordagem cultural permitiu que aprendêssemos muito mais. (FOLEY, 2003, p. 246-247)
Apesar do conceito “cultura” não ser muito operacional, aquilo que é geralmente referido por esse
nome, especialmente os construtos mentais que estão na base da complexidade do comportamento
humano, pode ter grande impacto sobre o modo como a evolução passou a operar, como se vê nos
modelos de coevolução gene-cultura; mas esses modelos reduzem a cultura a um conceito muito mais
limitado e específico do que aquele geralmente empregado no Modelo Padrão das Ciências Sociais
(FOLEY, 2003, p. 247). Por exemplo, temos o “modelo de transmissão (cultura) de Henrich”:

Henrich’s model (30) demonstrates that under certain critical conditions, directly biased transmission
can lead to cumulative adaptation of a culturally inherited skill, even when the transmission process is
inaccurate. Each individual in a population of size N has a z value, zi, that measures their level of ability
at some cultural skill or in some cultural domain. Members of this population attempt to learn from the
maximally skilled individual (i.e., direct bias), but an imperfect learning process leads on average to a
loss of skill (a reduction in z value), determined by the parameter α. However, individual errors or
“inaccurate inferences” during transmission (the extent of which are governed by a parameter β)
occasionally allow some learners to acquire a z value greater than that of their model. Henrich shows
that as population size, N, increases, the more likely it is that the positive combined effect of these
occasional inaccurate inferences and the selective choice of cultural model to copy will outweigh the
degrading effect of low-fidelity transmission. This results in an increase in the mean level of skill in the
population, z. He terms this “cumulative adaptive evolution” and derives the critical population size
necessary, N*, for this to occur for specific ratios of α and β (30,31). (POWELL ET AL, 2009, p. 1.300)

Um importante aspecto a ser destacado, inclusive, é que a sociabilidade mesmo é um fenômeno


puramente natural, biológico, e encontrada em todos os primatas. De fato, a explicação da origem da
sociedade não é tanto uma tarefa dos antropólogos/sociólogos, mas sim dos primatólogos:

A sociabilidade é, de fato, parte do cerne da adaptação dos primatas. Ela é, no jargão da sistemática
evolucionista, uma “plesiomorfia”, ou seja, um traço mantido desde os primórdios da espécie, e não
uma característica singular dos hominídeos e dos humanos. A tarefa de explicar as origens da
sociabilidade e da sociedade cabe mais aos primatologistas que aos antropólogos, uma vez que à época
do surgimento dos hominídeos ela já se encontrava bem estabelecida. (FOLEY, 2003, p. 218)

Isso também conduz a pensar sobre o papel da ecologia:

O segundo ponto é que a discussão sobre a relação entre tamanho do cérebro, sociabilidade e
energética materna, exposta nos dois capítulos anteriores, mostrou que não é possível separar o social
do ecológico, o comportamental da energética na qual o comportamento se baseia. A energia permeia
todos os aspectos da vida e, portanto, mesmo o comportamento funcionalmente mais remoto tem a
capacidade de retrogadar até os elementos mais básicos da vida. (FOLEY, 2003, p. 248)

Cosmides e Tooby (1992, p. 33-34) fornecem três críticas principais ao Modelo Padrão das Ciências
sociais:

1) Mecanismos psicológicos ou módulos podem desenvolver-se em qualquer momento do ciclo de vida,


de modo que, o que está ausente na criança não necessariamente estará presente no adulto por
aprendizado, assim como a presença de dentes na criança, mas não no recém-nascido, obviamente não
acontece por aprendizado, mas por processos inatos de desenvolvimento.

2) A ideia de que é possível partir o comportamento em traços “geneticamente determinados” e


“ambientalmente determinados” é um grave mal entendido acerca da biologia e da explicação desta ao
comportamento, já que “fatores biológicos” e “fatores ambientais” não são excludentes.

3) O Modelo Padrão das Ciências Sociais requer uma psicologia impossível: uma arquitetura psicológica
que consistisse em nada mais que mecanismos de propósito geral, livres de conteúdo, não poderiam
realizar com sucesso as tarefas que a mente humana realiza, ou resolver os problemas adaptativos que
os humanos evoluíram para resolver – desde a aquisição da linguagem até a seleção de parceiros
sexuais.
Dito isso, é interessante apresentar que existem promissoras ciências acerca do ser humano que não
pressupõem o Modelo Padrão das Ciências sociais e que intencionam a integração conceitual.

Segundo Pinker (2004, p. 55), a primeira ponte entre biologia e cultura é a ciência da mente, a ciência
cognitiva, que se baseia nas seguintes ideias: 1) “o mundo mental pode ser alicerçado no mundo físico
pelos conceitos de informação, computação e feedback” (PINKER, 2004, p. 55); 2) “a mente não pode
ser uma tábula rasa, pois tábulas rasas não fazem coisa alguma” (PINKER, 2004, p. 58); 3) “um conjunto
infinito de comportamentos pode ser gerado por programas combinatórios finitos da mente” (PINKER,
2004, p. 61); 4) “mecanismos mentais universais podem fundamentar a variação superficial entre
culturas” (PINKER, 2004, p. 62); 5) “a mente é um sistema complexo composto de muitas partes que
interagem” (PINKER, 2004, p. 65).

A segunda ponte é a neurociência cognitiva, o estudo de como a cognição e a emoção são


implementadas no cérebro, que mostra como nossos sentimentos e pensamentos, alegrias e pesares,
sonhos e desejos consistem em atividade fisiológica do cérebro (PINKER, 2004, p. 67).

O terceira ponto seria a genética comportamental, o estudo de como os genes afetam o


comportamento (PINKER, 2004, p. 73). Aqui se destacam os estudos experimentais com gêmeos:

Os efeitos das diferenças nos genes sobre as diferenças nas mentes podem ser medidos, e a mesma
estimativa aproximada – substancialmente maior do que zero, mas substancialmente menor do que
100% – surge nos dados, independentemente do critério de medida usado. Gêmeos idênticos são muito
mais semelhantes do que gêmeos fraternos, sejam criados juntos ou separados; gêmeos idênticos
criados separadamente são muito semelhantes; irmãos biológicos, sejam criados juntos ou separados,
são muito mais parecidos do que irmãos adotivos. (PINKER, 2004, p. 75-76)

A quarta ponte da biologia para a cultura seria a psicologia evolucionária, o estudo da história
filogenética e das funções adaptativas da mente, buscando traçar o projeto da mente, não em um
sentido místico ou teleológico, mas do simulacro de engenharia que impregna o mundo natural por
meio da evolução via seleção natural (PINKER, 2004, p. 81). Esta ciência se desenvolveu sob o pano de
fundo de propriedades mentais que não são redutíveis a propriedades físicas (“dualismo de
propriedades”).

A visão dualista enfatiza os qualia: características qualitativas (como a experiência da dor) que não
poderiam ser reduzidas a nenhum tipo de quantificação e, portanto, a nenhum tipo de atributo
puramente físico. Nós temos acesso aos qualia por meio de introspecção.

Ocorre que esse tipo de visão dualista confia erroneamente na introspecção, pretendendo que esta
permite um acesso transparente ao que realmente ocorre em nossa mente. Não há nenhuma garantia
de que este seja sempre o caso.
Christopher Hill, por exemplo defende o caráter experiencial da “consciência de”:“Se um agente tem
consciência de x, então o agente está em um estado mental que representa x” (HILL, p. 126)

Se isso for correto, isso significa que há uma categoria de representações que são subjacentes à
consciência experiencial, e que podem ser denominadas de “representações experienciais” (HILL, p.
136).

Essa ideia da consciência representacional dos qualia afeta o principal sustentáculo do dualismo – e de
muitos argumentos que o sustentam – “a ausência de distinção aparência/realidade dos qualia“.

Ocorre que a distinção aparência/realidade dos qualia faz sentido como uma distinção representacional,
onde se distingue “entre a maneira como um elemento é representado pela mente e a forma como o
elemento é em si mesmo” (HILL, p. 151).

A familiaridade experiencial seria uma forma de consciência e teria, portanto, uma estrutura
representacional, que não se revela por introspecção e não é reconhecida pela psicologia de senso
comum ainda que esteja de fato lá:

“para cada quale Q, há uma distinção entre a maneira como Q aparece diante de nós e a maneira como
Q é em si mesmo” (HILL, p. 152).

Dessa forma, é perfeitamente admissível que a familiaridade com os qualia possa sistematicamente
enganar-nos com relação às suas reais propriedades: “A representação que surge em um fato de
familiaridade pode representar seu objeto de maneira equivocada ou estimular uma falsa crença sobre
o objeto como resultado de fatos que envolvem seu papel na economia cognitiva do agente relevante”
(HILL, p. 153).

Hill inclusive menciona, com exemplos extraídos da ciência cognitiva, de que o desvirtuamento é
bastante comum na percepção, sem caracterizar deficiências visuais (HILL, p. 153-154): 1) somos
propensos a sentir que colinas apresentam declives mais acentuados do que em realidade são e que
esse efeito se amplia quando estamos cansados (o que é funcional: nos faz preferir evitar as colinas,
impedindo consumo desnecessário de energia); 2) colinas tendem a parecer mais íngremes quando
vistas do topo que quando vistas da base (o que é funcional: escolher encostas com declive menor
quando estamos descendo uma colina, o que reduz o risco de acidentes). (HILL, p. 154)

O próprio Hill comenta esse aspecto:

“Essas observações nos recordam que sistemas perceptuais não fazem necessariamente parte da tarefa
de evitar o erro. Erro sistemático pode até ser vantajoso para nós. Portanto, não devemos pensar que
um erro perceptual seja algo excepcional ou que sua significância seja secundária” (HILL, p. 154).
Vamos dar um exemplo prático de como um qualia poderia ser meramente uma representação mental,
a partir de traços puramente físicos. Abaixo, uma possível forma pela qual a representação da cor é
realizada em nosso sistema visual:

color-qualia(pode ver essa mesma versão na p. 149 aqui)

Esse é o “espaço de qualia das cores” ou “espaço de sensações-de-cores”, sendo que, à esquerda, está
escrito “frequência de codificação para reflectância de ondas curtas: 0-100%”, no meio está escrito
“frequência de codificação para reflectância de ondas longas: 0-100%” e, na direita, está escrito
“frequência de codificação para reflectância de ondas médias: 0-100%”. Os quadrados são as cores, que
dependem da posição em relação às três variáveis.

A explicação desse gráfico em 3-D é dada por Paul M. Churchland. Como existem três tipos diferentes de
células sensíveis a cores, chamadas de cones, na retina do ser humano, e como cada uma delas é
sensível a um comprimento distinto de ondas luminosas (curtas, médias e longas, respectivamente),
pode-se designar um vetor de codificação sensorial com três elementos, da seguinte forma: <Ecurto,
Emédio, Elongo>. (CHURCHLAND, p. 234)

Esse tipo de codificação permite a expressão direta e literal, por exemplo, da ideia de que o laranja está
em algum ponto “entre” o vermelho e o amarelo, bem como explicar diversas variedades de
daltonismo: como as vítimas dessa deficiência não têm um ou mais desses três tipos de cones, isso
significa que seu “espaço de qualia das cores” têm apenas duas (ou mesmo menos) dimensões, e não
três, o que fará sua capacidade de discriminar entre as cores ser reduzida. (CHURCHLAND, p. 235).

Assim, temos que a introspecção não é um método seguro e infalível sobre o qual basear conclusões
acerca do ser humano e de sua mente, uma vez que a maior parte dos processos e representações que
levam ao que experimentamos conscientemente são produzidos a um nível inconsciente, inacessível à
introspecção.

3. Por que a praxeologia é uma forma errônea de obter conhecimento sobre a realidade humana?

3.1 A praxeologia é uma forma de “filosofia primeira” ou “saber primeiro”, que pretende fundar as
ciências do homem (especialmente a economia) sob bases inabaláveis e seguras

Assim como a fenomenologia de Hurssel e a hermenêutica de Gadamer, Mises criou a praxeologia


(enquanto método) para estabelecer as ciências do homem, em especial a economia, sob bases
inabaláveis e seguras.

Para Mises, sem a reflexão prévia da praxeologia, teríamos poucas bases para afirmar qualquer coisa em
economia. Como na citação feita anteriormente dele: “Não há possibilidade de estabelecer a posteriori
uma teoria de conduta humana e dos eventos sociais. A história não pode provar nem refutar qualquer
afirmação de caráter geral, da mesma maneira que as ciências naturais aceitam ou rejeitam uma
hipótese, com base em experiências de laboratório.”
Portanto, seria preciso uma reflexão sistemática em cima do que significa a “ação humana” para que o
investigador científico, de posse de “teoremas econômicos” derivados do axioma da ação, possa
interpretar os dados da realidade e estar seguro de fazer algum progresso no estudo do ser humano. O
conhecimento sobre o ser humano (na condição de agente) não se esgota na praxeologia, mas esta é
um passo indispensável para “fundar” as ciências humanas.

Logo, conforme o que foi exposto em 2.1, a praxeologia é equivocada por tentar fazer-se de “filosofia
primeira”.

Contudo,seria possível que façamos uma reinterpretação da praxeologia, aproximando-a mais da ideia
de “análise conceitual”? Nós estaríamos trabalhando as intuições que temos acerca da “ação humana” e
reconstruindo-as filosoficamente de modo mais organizado. Ou seja, trataria-se de uma análise
filosófica do conceito de “ação humana” a partir de nossas intuições.

Caso seja feita esta alteração, a praxeologia cai por terra. Parece-me que uma praxeologia assim
revisada (e amputada em vários de seus aspectos, especialmente em suas certezas) seria apenas a
meta-teoria da economia austríaca, que é usada pelos austríacos que não concordam com a
praxeologia, e que os diferenciam dos economistas mainstream.

Deve-se lembrar que a economia neoclássica (mainstream) trata-se, fundamentalmente, de uma meta-
teoria (WEINTRAUB): um conjunto de regras ou entendimentos implícitos para construção de teorias
econômicas satisfatórias, um programa de pesquisa científica que gera teorias econômicas. Teorias que
assumam seus pressupostos serão neoclássicas (mesmo se não forem sobre mercados). Essas
suposições fundamentais incluem o seguinte: 1) Pessoas têm preferências racionais entre os resultados;
2) Indivíduos maximizam utilidade e empresas maximizam lucros; 3) Pessoas agem de modo
independente, com base na informação completa e relevante.

(obs: o comportamento é dito como racional quando o indivíduo escolhe “mais” ao invés de “menos” e
quando ele é consistente em suas escolhas, sendo que o comportamento de mercado observado não
refuta essas hipóteses: consumidores escolhem cestas de produtos, contendo mais de tudo, outras
coisas permanecendo as mesmas; escolhas não são obviamente inconsistentes uma com as outras; e
consumidores gastam suas rendas com um abrangente rol de bens e serviços. BUCHANAM; TULLOCK. p.
32. A consistência entre as escolhas, na modelagem matemática, quer dizer que, se você prefere A ao
invés de B e B ao invés de C, você também prefere A ao invés de C, ou seja, uma relação transitiva)

Segundo Weintraub, alguns argumentam que existem várias escolas de pensamento na economia hoje,
com diferentes quadro metateóricos alternativos, como a economia (neo)marxista, economia
(neo)austríaca, economia pós-keynesiana ou economia (neo)institucional. Economistas neoclássicos
tiveram o que aprender com alguns insights dessas outras escolas, contudo, na medida em que elas
rejeitem os blocos de construção fundamentais da economia neoclássica, como a rejeição da Escola
Austríaca da otimização, elas são desconsideradas pelos economistas neoclássicos.

É importante lembrar aqui que muitas críticas à economia neoclássica são internas a esta meta-teoria.
Por exemplo, James Buchanan, influenciado pelos austríacos, criticava um insuficiente reconhecimento
do caráter subjetivo da escolha. Mas isso não o levou ao abandono da economia científica, muito pelo
contrário:

Por um lado, pode – se afirmar que o economista neoclássico tenha sucumbido à tentação de imprimir à
totalidade de sua teoria uma generalização maior do que a sua metodologia teria capacidade de
garantir. Essa tentação tem sido aumentada pela teoria lógica paralela e igualmente confusa da escolha
econômica que, per se, é de caráter inteiramente geral, carecendo de conteúdo prognóstico. Esta teoria
meramente lógica, nitidamente diferenciada da teoria clássica em suas implicações prognósticas, tem
suas origens nos teóricos do valor subjetivo, contudo suas fontes mais explícitas são representadas por
Wicksteed, pelos austríacos posteriores e pelos economistas associados com a Escola de Economia de
Londres. Em sua totalidade, foi essa a teoria econômica subjetivista defendida por Hayek e Mises a que
me referi anteriormente. É necessário fazer alguma reconciliação entre a teoria genuinamente científica
do comportamento econômico e a lógica pura da escolha. A concretização dessa reconciliação
representa um dos maiores objetivos do presente estudo exploratório no qual o conceito de custo de
oportunidade torna-se o dispositivo analítico de união.” (BUCHANAN, p. 68-69)

Além disso, como foi exposto no tópico 2.1, a análise conceitual armchair não é suficiente para
estabelecer um campo separado para a reflexão filosófica. Mesmo a análise conceitual pode sofrer
revisão empírica. Uma das maneiras que isso pode ocorrer é quando se questiona a universalidade das
intuições usadas na análise conceitual, o que demanda uma etnografia empírica.

Logo, conforme o que foi exposto em 2.1, a praxeologia não deve ser aceita, mas a economia
neoclássica mainstream (sujeita às críticas científicas pertinentes, quando houver) sim.

3.2 A praxeologia não comporta falseabilidade

Como visto anteriormente, o objetivo da praxeologia é fundar a economia de modo que seus teoremas
fundamentais não estejam sujeitos a um escrutínio empírico, que os pudesse falsear. Assim, as
implicações que a praxeologia permite deduzir acerca da ação humana na economia não podem ser
falseadas, mas apenas “ilustradas” pelos acontecimentos empíricos.

Ao contrário disso, a economia neoclássica (mainstream) tem um compromisso com a falseabilidade,


criando-se hipóteses que estão sujeitas a teste empírico.

Logo, conforme o que foi exposto em 2.2, a praxeologia não deve ser aceita, mas a economia
neoclássica mainstream (sujeita às críticas científicas pertinentes, quando houver) sim.

3.3 A praxeologia é um programa de pesquisa degenerativo

A praxeologia pretende apenas expressar as derivações lógicas do axioma da ação. Ainda que possa
haver controvérsias em alguns pontos da cadeia de tautologias (por diferentes interpretações de certos
conceitos ou hipóteses auxiliares), a ideia do método praxeológico é que “não haja nada de novo
embaixo do sol”.
Em comparação, a matemática (mesmo não sendo uma disciplina falseável no sentido de Popper, uma
vez que encontra-se bem afastada da periferia do “todo da ciência” em uma concepção quineana) tem
vários problemas não resolvidos, e ainda instiga uma busca intelectual que tem um futuro aberto diante
de si.

A própria lógica, ao se tornar lógica simbólica no fim do século XIX e início do XX, sofreu avanços
impressionantes desde sua formulação original por Aristóteles. Hoje, fala-se na possibilidade das lógicas
modais, por exemplo.

E a economia mainstream também, seja na sua corrente “principal”, seja nas críticas feitas pelos
desviantes que não rejeitaram seu método, é marcada por progressos incessantes. Da teoria da escolha
pública à economia das instituições, da econometria à economia comportamental, do Teorema da
Impossibilidade de Arrow ao Paradoxo da Impossibilidade do Ótimo de Pareto Liberal de Sen, e assim
por diante, temos novas hipóteses, formulações e tentativa de resolução de problemáticas ainda não
elucidadas.

É curioso, porque os defensores da praxeologia não percebem o progresso que é caracterizado mesmo
pelos “erros”, como o maior exemplo está em Keynes. Keynes trouxe um importante avanço científico
ao estudo da economia, ao introduzir a formulação da macroeconomia.

E, de fato, as teses centrais do keynesianismo – como o trade-off entre inflação e desemprego – eram
possibilidades empíricas. Que tal trade-off não exista no longo prazo, e que portanto os keynesianos
tivessem cometido um erro científico, não muda o caráter científico do que propuseram. Enquanto isso,
os defensores da praxeologia preferem criticar o keynesianismo com base em questões ideológicas, o
que por si só demonstra um mal entendido fundamental em relação a como o conhecimento se adquire
por tentativa e erro na ciência.

Enquanto isso, as críticas dos macroeconomistas novo-clássicos estavam dentro do contexto científico:
eles criticaram o desvinculamento entre uma microeconomia neoclássica e uma macroeconomia
keynesiana, ou seja, a falta de fundamentos microeconômicos na formulação da macroeconomia por
Keynes.

Diria ainda que um dos motivos pela praxeologia não ser abandonada por muitos de seus adeptos é que
eles não “bebem” apenas dessa fonte. Muitos deles já leram Milton Friedman, David Friedman, Bryan
Caplan, ou mesmo textos de economistas que nem tem uma afiliação filosófico-política clara. É como se
o conhecimento econômico dos defensores da praxeologia fosse “suplementado” pelos avanços obtidos
por economistas que nada obtiveram do método praxeológico. E isso apenas confirma o caráter
degenerativo deste programa de pesquisa, cuja única função real seria servir como um “garantidor” do
liberalismo econômico. (claro, isto é um palpite psicológico; mas é plausível)

Logo, conforme o que foi exposto em 2.3, a praxeologia não deve ser aceita, mas a economia
neoclássica mainstream (sujeita às críticas científicas pertinentes, quando houver) sim.

3.4 A praxeologia impossibilita a integração conceitual entre as ciências naturais e as ciências humanas
Como visto anteriormente, a praxeologia baseia-se na separação entre ciências naturais e ciências
humanas. O método hipotético-dedutivo seria apropriado para as ciências naturais, mas não para as
ciências humanas, pois nestas seria necessária um método praxeológico que dê conta dos aspectos a
priori da ação humana. (Isso cria uma separação mais radical do que o próprio Modelo Padrão das
Ciências Sociais já propicia!)

Enquanto isso, a economia neoclássica mainstream (levando em conta também os campos ou correntes
mais desviantes) já tem uma integração muito melhor. Por exemplo, a teoria dos jogos e a teoria da
escolha racional, que é utilizada inclusive para a teoria evolucionária acerca de organismos não
humanos, está integrada à análise econômica.

Por outro lado, ao contrário da praxeologia que não conseguiu influenciar fora da economia (portanto,
tendo pouca relevância para a sociologia ou a historiografia), a metateoria neoclássica foi expandida
para campos além do objeto da economia, sendo o melhor exemplo sua aplicação às estruturas e
processos políticos, por meio da teoria da escolha pública.

E, com a emergência da economia comportamental e da neuroeconomia, a integração da economia


empírica com as ciências naturais tornará-se ainda maior futuramente.

Logo, conforme o que foi exposto em 2.4 e 2.5, a praxeologia não deve ser aceita, mas a economia
neoclássica mainstream (sujeita às críticas científicas pertinentes, quando houver) sim.

3.5 A praxeologia pauta-se erroneamente na introspecção

A praxeologia confere enorme peso epistêmico à nossa introspecção, às intuições básicas que temos
sobre nós mesmos, nossa auto-compreensão.

Como vimos anteriormente, para Mises, a ação humana não pode ser interpretada como
comportamento explicável por leis científicas, mas apenas enquanto ação propositada livre (no sentido
de livre-arbítrio).

Portanto, a praxeologia baseia-se no pressuposto de que a introspecção nos revela que a ação humana é
fundamentalmente (qualitativamente) diferente do comportamento de outros organismos e de objetos
inanimados no universo.

Ocorre que, se a distinção “aparência vs. realidade” aplica-se à introspecção e à nossa auto-
compreensão, isso significa que, apesar de não parecer, a ação humana pode não ser
fundamentalmente (qualitativamente) diferente do comportamento de outros organismos e de objetos
inanimados no universo, uma vez que todos estes comportamentos estão determinados por leis físicas e
contingências químico-biológicas.
E veja que isto não é negar que temos uma experiência de liberdade. Nós temos essa experiência, mas
esta é uma representação mental que não nos mostra toda a realidade de como os processos
neuroquímicos no cérebro levam aos estados mentais, ou de como os mecanismos psicológicos operam
na produção do comportamento.

E nós não precisamos de um conceito indeterminista de livre arbítrio clássico para aceitar a relevância
da liberdade de escolha como central à cooperação social voluntária e à construção de uma sociedade
mais próspera e satisfatória. Um bom texto para compreender isso, escrito a partir da perspectiva
behaviorista em psicologia, pode ser encontrado aqui.

Dessa forma, o fato de termos uma “pré-compreensão” do que concerne ao ser humano (pré-
compreensão esta ausente no caso de átomos ou estrelas, por exemplo) é tanto uma bênção quanto um
problema. Ao mesmo tempo que isso facilitar compreender o elementar em interação humana
(sociológica e econômica) básica, dá uma falsa plausibilidade ao intuitivo, quando, por vezes, o contra-
intuitivo é que é verdadeiro.

Logo, conforme o que foi exposto em 2.6, a praxeologia não deve ser aceita, mas a economia
neoclássica mainstream (sujeita às críticas científicas pertinentes, quando houver) sim.

4. Conclusão

Cada razão apresentada acima, por si só, é suficiente para rejeitar-se a praxeologia. Tomadas em
conjunto, são um argumento ainda mais robusto para rejeitá-la.

Os economistas austríacos mais interessantes (como Steven Horwitz, Peter Leeson e Boetke) não
adotam a praxeologia, mas buscam dialogar com a economia neoclássica mainstream. Por outro lado, a
economia neoclássica mainstream está assentada em robustas bases metodológicas e epistemológicas,
e, para além do que seria sua corrente principal, temos vários campos e/ou correntes relativamente
desviantes que contribuem à vitalidade da economia empírica.

Logo, sou contra a praxeologia, e a favor da ciência.


... Bawerk
Apresentação teórica da proposição do valor subjetivo - V.B
4/1/2017

Quem vem sendo parte de um público com considerável assiduidade de consumo da internet nos
últimos anos, provavelmente já deve ter se deparado com a afirmação de que o valor das mercadorias é
subjetivo. Geralmente esse tipo de assertiva vem dos canais liberais de comunicação que se balizam nas
chancelas teóricas de autores das escolas de teoria liberal, e nesse caso em especial, da chamada
"Escola Austríaca" de economia.

A base conceitual dessa concepção de valor vem da teoria "marginalista", que também é chamada de
"lei de utilidade marginal decrescente", criada por Carl Menger (1840-1921), precursor da Escola
Austríaca de economia.
Trata-se de uma teoria que afirma o decrescimento da utilidade de algo quanto mais unidades (ou
volume das unidades) disponíveis esse mesmo algo tiver e consequentemente mais utilizado ele for para
a satisfação de necessidades e desejos. Portanto, o reuso, que é a repetição do consumo de qualquer
coisa, seja de um volume maior da mesma unidade ou de uma outra unidade a mais da mesma coisa,
diminui a utilidade de cada consumo em relação aos consumos anteriores, pois a prioridade da
demanda diminui conforme ela já está sendo satisfeita.

O exemplo clássico geralmente dado pelos liberais para ilustrar sua teoria é o paradoxo da água. Esse
paradoxo ficou famoso devido a seguinte citação do economista liberal clássico Adam Smith:

"Não há nada de mais útil que a água, mas ela não pode quase nada comprar; dificilmente teria bens
com os quais trocá-la. Um diamante, pelo contrario, quase não tem nenhum valor quanto ao seu uso,
mas se encontrará frequentemente uma grande quantidade de outros bens com o qual trocá-lo."

O que explica o fato da água, que é tão essencial e necessária à manutenção da nossa vida, valer tão
menos que um diamante, sem o qual poderíamos viver sem problemas?
A explicação é bem simples. Quando estamos com sede, o primeiro copo de água nos tem grande
utilidade, pois satisfaz uma necessidade ou desejo que é prioritária naquele momento, mas a medida
que vamos tomando mais água já estamos mais saciados do que quando ainda não tínhamos começado
a beber o primeiro copo. Portanto, a utilidade trazida por cada novo copo bebido a mais vai
decrescendo até chegar ao ponto de, por já estarmos saciados com aquilo que a água pode nos
satisfazer, não querermos mais consumi-la por um determinado tempo, no qual ela não teria nenhum
valor para nós.

Para a Escola Austríaca, a lei de utilidade marginal decrescente, assim como a maioria das suas teorias, é
considerada axiomática. Isso quer dizer que ela é autoevidente, logicamente dedutível e a priori de
qualquer estado psicológico das pessoas que a manifesta em suas práticas ou de qualquer experiência
histórica concreta. Apesar de ser uma teoria anterior à própria consolidação da Escola Austríaca, ela foi
integrada ao seu corpo teórico por ser dedutível do principal axioma pelo qual essa escola de economia
edifica a estrutura de suas categorias e conceitos, que é o axioma da ação humana, denominada por
Mises como "praxeologia".
A praxeologia já foi explicada e criticada nessa página em outras postagens com o devido rigor de
detalhes e conceitos, contudo, é importante apenas recapitular sua definição pela Escola Austríaca aqui
para podermos prosseguir com o nosso tratamento sobre a lei de utilidade marginal decrescente. Desse
modo, a praxeologia nada mais é do que o método da Escola Austríaca. Ela, como premissa do axioma
da ação humana, é a autoevidência de que os seres humanos agem, da qual a própria negação seria
uma contradição em termos, tendo em vista que a negação de que os humanos agem também é uma
ação. Além disso, como se trata de um axioma, no caso a própria ação humana, ela não poderia ser
observável em si mesma, sendo apreensível somente pelo saber do que é uma ação, o que faz o
conhecimento da ação preceder a própria ação, como uma verdadeira proposição sintética a priori
kantiana.

A lei da utilidade marginal decrescente deriva do axioma da ação humana, representada pela
praxeologia, porque o seu conceito subjetivo de utilidade implica em um tipo de processo que seria
também axiomático (autoevidente). Utilidade é definida pela Escola Austríaca como "satisfação". Desse
modo, a implicação axiomática da utilidade é que ela aumenta na condição de quando um indivíduo
aumenta seu estado de satisfação, e ela diminuiu na condição de quando um indivíduo considera que
sua satisfação diminuiu. Contudo, por ser uma lei de dedução lógica do que é autoevidente à utilidade,
não se trata de uma satisfação sensorial ou psíquica, o que teria uma dimensão considerável de
objetividade, e sim a consideração subjetiva de valoração como mais ou menos satisfação que é
específica de cada indivíduo em cada momento. Isso remete à imensurabilidade da utilidade, a
caracterizando como um conceito ordinal, e não cardinal.

Rothbard dá mais detalhes a esse respeito:

"Para que qualquer mensuração fosse possível, teria de haver uma unidade objetivamente determinada
e eternamente fixa, com a qual outras unidades pudessem ser comparadas. Mas não existe tal unidade
objetiva no âmbito das valorações humanas. O indivíduo, por si próprio, deve determinar
subjetivamente se ele está em melhor ou pior situação em decorrência de alguma mudança sofrida".

E Mises fecha a lei da utilidade marginal numa proposição sintética da seguinte maneira:

"Ao tratar da utilidade marginal, não estamos lidando nem com prazer sensorial nem com saturação ou
saciedade. Não transpomos a esfera do raciocínio praxeológico ao estabelecermos a seguinte definição:
a utilização que um indivíduo faz de uma unidade de um conjunto homogêneo de bens, se ele dispõe de
n unidades, e que não faria se só dispusesse de n-1 unidades, mantidas iguais as demais circunstâncias,
constitui a utilização menos urgente, ou seja, a sua utilização marginal. Por isso, consideramos a
utilidade derivada da unidade em questão como utilidade marginal. Para chegar a esta conclusão, não
precisamos de nenhuma experiência fisiológica ou psicológica, de nenhum conhecimento ou raciocínio.
Decorre necessariamente de nossa premissa o fato de que o homem age (escolhe) e de que, no primeiro
caso, tinha n unidades de um conjunto homogêneo de bens e, no segundo caso, n-1 unidades. Nestas
condições, não se pode conceber outro resultado. Nossa afirmativa é formal e apriorística, e não
depende de nenhuma experiência".

Até aqui concluímos que a teoria marginalista, ou a lei de utilidade marginal decrescente, se caracteriza
pelo axioma (derivado do axioma de que seres humanos agem) de que quanto mais obtemos a
satisfação de necessidades e desejos com o consumo de algo, menos satisfação temos com o consumo
de unidades posteriores desse mesmo algo, fazendo a utilidade, e consequentemente o valor das coisas,
decrescerem quanto mais abundantes elas forem ficando com a ampliação dos meios de produzi-las.
Por ser uma dedução lógica axiomática a priori, e não uma análise das percepções psicológicas e
experiências empíricas das ações de escolha e consumo observáveis na história, temos uma proposição
de objetividade formal eterna sobre como funciona a ação humana e a utilidade, ao mesmo tempo que
o conteúdo dessa forma propositiva eterna aponta para a subjetividade necessária do que é menos ou
mais satisfação para que a tese se sustente. Ora, para que a lei da utilidade marginal decrescente tenha
plausabilidade, o conteúdo do que seria utilidade, portanto, satisfação, deve ser plenamente subjetivo.
Disso decorre que o valor das coisas, enquanto avaliação da utilidade dos meios de obtenção de uma
satisfação como seu fim, também só pode ser subjetivo.

O fato da abundância de oferta das coisas fazer com que elas custem menos (terem preços menores),
seria a prova de que a utilidade e o valor são subjetivos, fechando a sustentação lógica do argumento da
lei marginalista. Por isso, os economistas clássicos, mesmo sendo liberais, como Adam Smith e David
Ricardo, devido à sua teoria do valor objetivo como valor-trabalho, e por extensão o intelectual alemão
comunista Karl Marx, foram duramente criticados pelos autores da Escola Austríaca. Para os teóricos
dessa escola, aqueles que eram criticados por eles, inclusive Karl Marx, estavam errados sobre suas
teorias do valor porque não consideraram o caráter subjetivo da valoração, uma vez que não teriam
conhecido o decréscimo da utilidade marginal das coisas conforme elas são mais acessíveis à maior
recorrência de uso e consumo, por se tornarem mais abundantes.

Resposta às acusações da suposta ignorância de Marx sobre a lei da utilidade marginal decrescente

É muito comum nos autores da Escola Austríaca, em sua saga de perseguição a Karl Marx para "refutar"
suas teorias, fazer diversas acusações de que o intelectual e revolucionário alemão negligenciou ou era
ignorante sobre certos fatores que seriam fundamentais e determinantes para a realidade da economia.
A lei da utilidade marginal decrescente não fugiu à regra da trajetória histórica dessa escola e foi
utilizada para acusar uma suposta ignorância de Marx à ela, ou que ele a ignorou, por não responder
suas primeiras manifestações, porque ela seria um enorme problema ao seu corpo teórico e
representaria a aceitação inevitável de que teria sido refutado. Nada mais desonesto que isso!

Marx não tratou da lei da utilidade marginal decrescente nos termos de sua sistematização completa
por Menger ou pela Escola Austríaca, contudo, seus fundamentos estão devidamente considerados na
formulação da sua concepção materialista da história.

A citação de Marx a seguir, da obra Ideologia Alemã, dá a tônica do seu conhecimento sobre o
decrescimento da utilidade marginal:

"O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a
produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental
de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada
hora, simplesmente para manter os homens vivos. Mesmo que o mundo sensível, como em São Bruno,
seja reduzido a um cajado, a um mínimo, ele pressupõe a atividade de produção desse cajado. A
primeira coisa a fazer em qualquer concepção histórica é, portanto, observar esse fato fundamental em
toda a sua significação e em todo o seu alcance e a ele fazer justiça. Isto, como é sabido, jamais foi feito
pelos alemães, razão pela qual eles nunca tiveram uma base terrena para a história e, por conseguinte,
nunca tiveram um historiador. Os franceses e os ingleses, ao tratarem da conexão desses fatos com a
chamada história apenas de um modo extremamente unilateral, sobretudo enquanto permaneciam
cativos da ideologia política, realizaram, ainda assim, as primeiras tentativas de dar à historiografia uma
base materialista, ao escreverem as primeiras histórias da sociedade civil [bürgerliche Gesellschaft], do
comércio e da indústria.
O segundo ponto é que a satisfação dessa primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento
de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades – e essa produção de novas necessidades
constitui o primeiro ato histórico. Por aqui se mostra, desde já, de quem descende espiritualmente a
grande sabedoria histórica dos alemães, que, quando lhes falta o material positivo e quando não se
trata de discutir disparates políticos, teológicos ou literários, nada nos oferecem sobre a história, mas
sim sobre os “tempos
pré-históricos”, contudo sem nos explicar como se passa desse absurdo da “pré-história” à história
propriamente dita – ainda que, por outra parte, sua especulação histórica se detenha em especial sobre
essa “pré-história”, porque nesse terreno ela se crê a salvo da interferência dos “fatos crus” e, ao
mesmo tempo, porque ali ela pode dar rédeas soltas aos seus impulsos especulativos e produzir e
destruir milhares de hipóteses".

Percebam, caros leitores, a concepção materialista da história afirma que os seres humanos são o que
são e da forma que são, diferenciando-se de tudo que não é humano, porque agem coletivamente sob
condições naturais e sociais historicamente determinadas, que vão desde a própria organização objetiva
de seus corpos até como é objetivamente o meio que ocupam, para transformar teleologicamente
(tendo em mente uma abstração do resultado que pretende chegar com aquilo que fazem, aquilo que é
justamente feito como meio para se chegar a tal resultado) a realidade externa, alterando assim as
próprias condições de determinação da sua ação e por consequência a si mesmos, pois essas condições
alteradas irão determinar de outra maneira a sua ação futura seguinte e assim sucessivamente.
Portanto, sendo o corpo humano dotado de necessidades que precisam ser satisfeitas pela sua ação
determinada por condições naturais e sociais na qual produz história, por alterar tanto o mundo quanto
a si mesmo, uma vez que essas necessidades são satisfeitas, outras são geradas. Isso implica justamente
que as necessidades satisfeitas, através das ações que transformaram as formas da realidade em meios
que proporcionassem essa satisfação, fazem com que esses próprios meios sejam cada vez mais
banalizados, pois se tornam cada vez menos necessários quanto mais satisfazem determinadas
necessidades. Ou seja, a satisfação de certas necessidades por parte de um meio de satisfação de
necessidades diminui o próprio propósito de sua existência, o que justamente diminui a sua utilidade.
Sendo assim, fica notório que não houve nenhuma negligência ou ignorância de Marx acerca do fato de
decrescimento da utilidade marginal das coisas conforme elas vão cumprindo mais e mais o seu papel
quanto mais abundante se tornam.

Contudo, Marx mostra que a existência do decrescimento de utilidade marginal das coisas não implica,
em hipótese alguma, que o seu valor seja subjetivo. A seguir demonstraremos teoricamente esse fato.

O erro epistemológico da Escola Austríaca a respeito da sua dedução de um valor subjetivo como
implicação da utilidade marginal decrescente

Os autores da Escola Austríaca tomam a utilidade marginal decrescente, como vimos anteriormente, na
forma de um axioma, portanto, trata-se da dedução lógica a priori de algo que é autoevidente. Contudo,
a autoevidência é reduzida à uma lei lógica eterna que independe da realidade concreta da história para
existir, ou seja, é a metafísica daquilo que existe por si só como tal sem qualquer outra coisa que não
seja ele próprio. Esse é o erro fatal de todo esse arcabouço teórico!
Não existe dedução lógica que seja a priori da realidade concreta minimamente necessária para a sua
própria existência. Os axiomas não são um universo a parte de tudo mais que existe sobre o que dá o
seu voo de pássaro explicando o porquê de tudo ser como é.

Os axiomas advém da dedução, que é uma forma de raciocínio que sabe o que é o particular pelo geral,
parte do geral para o particular. A forma antagônica à dedução é a indução, que é a forma de raciocínio
que sabe o geral pelo particular, parte do particular para conhecer o geral. Todavia, o problema da
teoria do valor subjetivo das coisas não é simplesmente a dedução dos axiomas como método, apesar
de ser este também o problema, e o que é mais instigante é que não é um problema que seria resolvido
pela substituição da da dedução pela indução, pois ambos são insuficientes para a apreensão da
realidade.

Esse mesmo problema de insuficiência das partes constituintes de qualquer coisa enquanto apenas
partes está presente em diversas outras questões, como a questão entre sujeito e objeto, por exemplo.
Hegel, e, posteriormente, de forma mais aprofundada, Marx, deram soluções que em meio ao seu
desenvolvimento se tornaram cabais para resolver esse problema.

Hegel confronta a lógica formal aristotélica e a metafísica kantiana com sua proposição dialética da
totalidade. Para o filósofo idealista alemão, tudo que existe não existe apenas porque não pode existir
de outra maneira (como na lógica formal aristotélica), pois a existência de tudo que não é determinado
algo é justamente o que faz esse algo ser o que é e não ser o que não é. Disso implica que a realidade,
na dialética hegeliana, é a totalidade do uno, do qual se desdobram multiplicidades de coisas que são
como são porque existe tudo que elas não são, uma vez que tudo é parte desse uno originário. O
mundo, portanto, seria o uno desdobrado nos múltiplos que são a projeção do que pensamos como
mundo, ou seja, o mundo é tudo que apreendemos como existente no mundo em si mesmo, mas que é
na verdade o que pensamos do mundo. A cisão entre o que pensamos do mundo e o mundo em si na
nossa consciência é o que faz todas as partes serem mutuamente identitárias entre si, a dialética
hegeliana é assim a identidade dos contrários. Sujeito e objeto são idênticos em si que estão apartados
enquanto não são idênticos para si, o que indica ser possível o conhecimento da coisa em si, ao
contrário do que é afirmado na crítica da razão de Kant, que limita o conhecimento aos fenômenos
apreensíveis como representação das intuições que o objeto permite existir pelas suas impressões
sensíveis. Aqui é importante ressaltar - para entender melhor o que vem logo depois sobre como Marx
transcendeu esse que foi o mais alto pensamento burguês que as ideias dessa classe dominante pode
historicamente produzir, no seu último suspiro revolucionário - que a ideia de Hegel sobre o uno que se
desdobra nos seus múltiplos é a sua crítica de complemento ao que faltou à filosofia de Spinoza. Para
Spinoza, há uma substância única que se ramifica e arboresce em diversas substâncias estruturadas
entre si, mas que não se sabe como isso acontece concretamente. Até que Hegel, pela descoberta da
sua dialética da identidade entre sujeito e objeto, chega ao ponto máximo de sua ciência da lógica na
qual conclui-se que é a própria substância que se diversifica internamente nas substâncias do seu
múltiplo, uma substância que é sujeito de si mesma, portanto, um objeto que é a subjetivação da
substância.

Com isso, o problema da insuficiência da dedução e da indução estaria resolvido aqui, pois foi
demostrado que ambos os raciocínios podem ser relacionados numa operação lógica do conhecimento,
uma vez que as partes e o todo são mutuamente determinantes entre si e igualmente imprescindíveis
para a constituição da realidade como ela é. E é por isso que nenhum dos dois caminhos, do geral ao
particular, ou do particular ao geral, pode chegar à realidade concreta, pois como totalidade, ela é uma
relação entre os dois caminhos. Desse modo, a via de mão dupla precisa ser percorrida em seus dois
sentidos para poder chegar no seu destino.

Contudo, essa solução continua restrita ao puro plano da lógica, reduzido às próprias regras de como o
pensamento pode existir. Todavia, ficando preso dentro dos muros do puro pensamento, que são tão
leves quanto a pressão atmosférica, o sufoco que eles provocam quanto mais fundo adentramos nesse
mundo, da mesma forma que a pressão atmosférica aumenta quanto maior a profundidade que nos
encontramos, nos levam à sua própria insuficiência e consequente insustentabilidade para a explicação
do real. Depois da grande contribuição de Hegel para a explicação lógica do mundo, chegando até onde
a sua pressão permite, Marx nos puxou de volta do âmago dessa profundidade de mundo invertido, da
pressão que aumenta na profundidade do mais alto dos céus da fantasia no lugar do ponto mais
profundo da crosta terrestre. Aqui, Marx contribui com a brilhante percepção de que a realidade
explicada pela lógica, enquanto sendo a própria lógica, como Hegel ensinara, e que como o mesmo
também dizia, sendo ela as regras do pensamento é também o próprio pensamento, existe apenas na
prática do próprio pensamento, do qual nós somos seu sujeito e sobre o que se pensa é o seu objeto.
Portanto, isso implica que necessariamente tem de existir tantos os sujeitos quanto os objetos do
pensamento, que é lógica, para que esta possa existir. Por mais objetiva, eterna e universal seja a lógica,
ela é imanente à condição de uma realidade dada que é minimamente necessária para a sua existência.
Nós que pensamos a lógica e o mundo que usamos a lógica para pensá-lo, necessariamente, pela
própria lógica, a precedem. Isso significa que não há método possível de conhecer a realidade como de
fato ela é, em sua concretude, se não for ontologicamente. O ser é necessário para a existência do
pensamento, que uma vez existente também é parte constituinte do próprio ser. Nisso se dá a
combinação entre dedução e indução, do geral e do particular, pois da mesma forma que não há
pensamento ou lógica sem as condições reais concretas minimamente necessárias para que ambos
existam, posterior à existência do pensamento e da lógica, não há como conhecer qualquer coisa sem o
pensamento e a lógica - seja o que os precedeu, seja o que determinou a sua existência ou o que veio
depois -, ou seja, não há indução sem as mediações do geral do pensamento e da lógica.
Não obstante, a premissa teórica de Marx sobre como conhecer a realidade concreta é uma "dedução-
indutiva", trata-se do que é ontológico e gnosiológico, do ser e do saber sobre o ser que por ele é
determinado e que se acrescenta historicamente a ele como parte das formas constituintes da forma de
sua totalidade concreta estruturada. Então, diferente da dialética de Hegel que é a identidade dos
contrários, a dialética de Marx é a unidade do diverso, a totalidade concreta estruturada das sínteses de
múltiplas determinações. Se Hegel descobriu que à toda ciência precede necessariamente a lógica, Marx
descobriu que à toda lógica precede a história e o seu ser, social e natural, que estão em perpétuo
processo de transformação. É daí que, no lugar da totalidade hegeliana do uno de uma substância que
se diversifica em múltiplos contraditórios entre si, como uma esfera de esferas, a totalidade de Marx é
um conjunto de substâncias dadas historicamente que estão sempre em movimento de determinação
mútua entre si, processo pelo qual essas substâncias alteram suas formas e a forma do todo que
constituem.

Por conta disso, é impossível que haja qualquer axioma que não tenha um ser social e/ou natural que o
precede como condições de determinação histórica da sua existência. Não existe o axioma da ação
humana da praxeologia sem a ação humana, que por sua vez não existe sem os seres humanos (mesmo
que seja a ação humana aquilo que faz os seres humanos serem humanos, é quando ela cumpre o papel
de tornar os seres humanos humanos que ela própria se transforma em ação "humana"). É impossível
assim ter o conhecimento da ação humana antes da observação da própria ação. Portanto, há uma total
inversão idealista da realidade por parte da Escola Austríaca. E em decorrência disso, o próprio axioma
da utilidade marginal decrescente depende da existência da utilidade, das satisfações que a faz ser o
que é, uma utilidade. Sendo assim, não podemos prescindir das satisfações concretas, tanto da sua
existência objetiva na realidade concreta e histórica quanto na forma possível dada de percepções do
aparelho psíquico dos seres humanos em um dado ponto de desenvolvimento da espécie e das suas
condições sociais na história. A evasiva da concretude histórica e psicológica por parte dos autores da
Escola Austríaca através da opção de adotar a pureza idealista da lógica formal, além de ser uma das
suas formas mais abstratas de robinsonada, é uma desonestidade intelectual que abusa da retórica para
fazer com que os pobres mortais não vejam que o rei está nu, os convencendo que a roupa do rei só os
inteligentes podem ver.
Agora que aprendemos que à lógica, portanto, aos axiomas, precede uma realidade concreta
historicamente determinada, precisamos ver como essa realidade determina o que é utilidade e o seu
decrescimento.

A inexistência do subjetivo em si mesmo

Como vimos no trecho de Marx da obra Ideologia Alemã, nossa existência depende de nosso
metabolismo social com a natureza externa a nós, sob as condições existentes no momento histórico
em questão entre nós e a natureza. Esse metabolismo, enquanto ações coletivas que transformam a
realidade e nós mesmos como parte dela, e que só podem ser coletivas pois é impossível a nós existir
como existimos se não for em relação com um mínimo de iguais da nossa espécie, e que é o que faz a
história, chamamos de trabalho. Portanto, é o trabalho o ser social dado que faz nós, seres humanos
existir como seres humanos. E como também já foi comentado, conforme esse trabalho se desenvolve
na história, alterando as condições de sua determinação, como quando se cria novos instrumentos de
trabalho com o trabalho, fazendo o trabalho com esses instrumentos ter a capacidade de fazer coisas
que antes não era possível, as necessidades que vão sendo satisfeitas tem a si o acréscimo de novas
necessidades. Sendo esse processo natural e social, o que dessa maneira é historicamente concreto, as
necessidades e desejos que vão emergindo, por mais particulares que pareçam, fazem parte das
possibilidades de existência do que as condições da realidade concreta do contexto histórico dado
permite existir. Isso quer dizer que não existe nada subjetivo ou objetivo em si mesmos. Todas as coisas,
inclusive as necessidades, os desejos e o que os satisfaz e assim tem utilidade não são nem subjetivos e
nem objetivos, são as duas coisas, cada uma em uma dimensão que estão relacionadas e se determinam
mutuamente tendo a objetividade ontológica das condições dadas como aquilo que precede uma
quantidade n de subjetivações possíveis, que uma vez existentes são o objeto de si próprias. O objetivo
do que está historicamente dado como natureza e sociedade determina o subjetivo que é subjetivação
objetivada, tanto porque se torna um ser, uma vez que existe, quanto porque esse ser, desde quando
começa a existir, passa a se acrescentar ao ser do todo previamente dado que foi necessário à sua
existência abstraída dessa realidade concreta (como um ser específico que só é assim na nossa mente).

Doravante, todos as necessidades e desejos resultam da história objetiva das experiências sociais com a
natureza em processo de transformação que as tornam possíveis de existir. Por exemplo, as nossas
necessidades fisiológicas de comer e beber, dentre muitas outras, são determinadas originalmente pelas
condições naturais dadas do processo de evolução das espécies do qual culminou na nossa espécie, que
tem em sua forma objetiva constitutiva as características biológicas de seres heterótrofos que nos faz
precisar de comer e beber para adquirir da realidade externa aos nossos corpos os nutrientes que eles
não podem produzir internamente e sem os quais não podem viver. Ao sermos seres racionais, porque
temos na nossa forma objetiva dada de ser a capacidade cognitiva de fazer abstrações da realidade na
mente e com elas orientar simbolicamente os sentidos das nossas ações a partir das nossas experiências
sociais com o meio natural, essas próprias abstrações simbólicas passam a ser parte constituinte das
nossas necessidades e desejos. Por isso, quando Marx define o que é uma mercadoria, ele faz questão
de pontuar que é um objeto externo que por suas propriedades naturais historicamente produzidas pela
ação social de transformação das formas da realidade satisfaz necessidades tanto do estômago quanto
da FANTASIA. Temos aqui a demonstração de que não há nada totalmente voluntário e espontâneo nas
necessidades, desejos, emoções e pensamentos da consciência. A realidade só existe como totalidade
concreta estruturada de múltiplas determinações, e assim qualquer necessidade, desejo ou
reconhecimento de satisfação destes no meio mais esdrúxulo que for, são subjetividades objetivadas
possíveis decorrentes de uma objetividade dada.
Aqui, já temos refutado completamente qualquer ideia de que qualquer coisa seja apenas subjetiva ou
subjetiva em si mesma, o que obviamente inclui o valor. Entretanto, faz-se necessário explicar porque a
utilidade decresce concretamente nas condições de abundância e como ela se manifesta da forma
humana mais geral ao capitalismo.

A utilidade e o valor

A utilidade é a satisfação subjetiva objetivada que é determinada historicamente pelas condições


naturais e sociais existentes das necessidades e desejos que nessas condições são possíveis pelo acesso
e produção dos meios que nessas mesmas condições também são possíveis de existir. Por ser a
natureza, inclusive a natureza do nosso corpo, o que inclui a nossa mente, parte das condições que
determinam tanto as necessidades e desejos possíveis de se ter a serem satisfeitos quanto os meios
possíveis desta satisfação, o decréscimo da utilidade dos meios de satisfação das necessidades e desejos
conforme os mesmos vão sendo satisfeitos é determinado pelas condições dadas do nosso aparelho
psíquico. Aqui poderíamos explicar em minúcia por diversas correntes da psicologia o que é e como
funciona o nosso aparelho psíquico, porém, para não cansá-los ainda mais com muito mais texto do que
já foi feito até aqui, vamos apenas dar uma das explicações canônicas mais gerais da psicanálise, que é a
tese de Freud sobre os princípios do prazer-desprazer e princípio da realidade.

De acordo com Freud, a partir do momento que um movimento externo imprimiu vida numa matéria
inorgânica a tornando orgânica, portanto, a fazendo ter um movimento interno próprio mais ou menos
dependente da realidade externa, ou seja, criando vida (o que pode ser visto como uma simplificação
abstrata para fins didáticos de todo o processo complexo de origem da vida), essa matéria passa a estar
em um estado de falta perpétua, essa falta é o que se conceitua como "desejo". No nível de
sensibilidade da vida humana, após o fim da imobilidade inorgânica simulada dentro do útero no
período de gestação, no qual o movimento interno do corpo não precisa fazer nenhuma pressão com a
projeção de pulsões para obter estímulos da realidade externa com os quais se mantém, que é
considerado o primeiro grande trauma, os desejos são tantos que são insaciáveis. O bebê não diferencia
o que é si mesmo e o que é a realidade externa, ele se vê como a realidade total, como se tudo que
existe fosse uma parte dele mesmo, o que é chamado de "sentimento oceânico". Por isso ele deseja
tudo que existe, e sequer o que não existe com a capacidade cognitiva de criar fantasias com as
abstrações do pensamento que a experiência social no seu desenvolvimento biológico permite. Todavia,
como a energia psíquica do corpo é finita, uma vez que a sensibilidade do corpo é finita porque este é
finito, a mínima tentativa de satisfação plena da insaciedade desses desejos esgotaria essa energia e
levaria o bebê à morte. Apesar do inconsciente de tudo que é vivo querer retornar ao estado de
imobilidade inorgânica (tudo que é vivo inconscientemente anseia por morrer, pois viver, ao ser a
manutenção do movimento interno de si, é desprazeroso), a própria morte é um trauma que o
inconsciente quer por tudo evitar a passar, escolhendo assim morrer da sua maneira, a menos
traumática possível desenvolvendo o aparelho psíquico para satisfazer racionalmente seus desejos.
Além disso, em acréscimo a esta ontogênese, há a filogênese do limite de estímulos possíveis da
realidade externa, por ser esta também finita assim como é a sensibilidade do corpo por onde se
estrutura o aparelho psíquico. Portanto, como a realidade externa não pode satisfazer todos os desejos
que temos, e a cada desprazer de um desejo não satisfeito ocorre um trauma, o nosso aparelho psíquico
se desenvolve de uma maneira em que ele aprende a resistir tanto à impulsividade de tentar se
satisfazer o máximo que puder correndo assim risco de morte quanto a resistir os traumas dos desejos
impossíveis de serem satisfeitos pela realidade externa ao criar o Ego, que racionaliza, a partir do
municiamento simbólico da moral de uma determinada cultura que ele recebe através do Superego,
quais estímulos sensíveis da realidade externa podem ser objetos de destino da projeção de nossas
pulsões de vida para a satisfação dos nossos desejos e a consequente obtenção de prazer.

O que determina esse processo são o princípio de prazer-desprazer e o princípio de realidade. Conforme
nosso aparelho psíquico acumula pulsões de vida, que são a energia psíquica libidinal que busca por
estímulos sensíveis externos para satisfazer os desejos dos instintos arcaicos do inconsciente, ficamos
em estado de desprazer, até que essas pulsões são descarregadas nos estímulos sensíveis da realidade
externa naquilo desta que moralmente é permitido ser nosso objeto de desejo, nos levando assim ao
estado de prazer com o esvaziamento momentâneo dessas pulsões de nosso aparelho psíquico.
Acúmulo e descarga de pulsões dizem respeito ao princípio do prazer-desprazer, enquanto a
delimitação dos objetos de desejo refere-se ao princípio de realidade.

Contudo, como isso determina o decrescimento da utilidade marginal das coisas?


Sendo o desejo uma falta que a condição de viver nos coloca, a sua satisfação, ao permitir a descarga
das pulsões de vida para fora do aparelho psíquico, dá a sensação ao inconsciente de que o mesmo já
está novamente completo, como se tivesse entrado em estado de nirvana e voltado para a imobilidade
inorgânica. Por isso o gozo é considerado a sensação mais próxima da morte em vida e é justamente por
causa disso que ele dura tão pouco tempo. Desta maneira, quando o aparelho psíquico tem em seu
inconsciente a fantasia de que o prazer proporcionado pela satisfação de um desejo ou conjunto de
desejos por um único objeto ou conjunto sempre finito de objetos é o mesmo que a satisfação infinita
de todos os desejos, o objeto ou conjunto finito de objetos dessa satisfação particular generalizada na
fantasia é extremamente desejado. Contudo, quando a fantasia não se mantém mais porque o acúmulo
de pulsões volta a pressionar sensivelmente o aparelho psíquico, os objetos finitos confundidos com
uma satisfação infinita não são mais capazes de fornecer satisfação alguma e acabam até mesmo sendo
odiados a ponto de serem destruídos e não quistos mais, dando lugar a satisfação proporcionada por
outros objetos, que também passarão pelo mesmo processo e futuramente também serão substituídos,
podendo até mesmo voltar a satisfazer nossos desejos novamente outros objetos com os quais já
tínhamos nos enganado em um momento anterior. Portanto, esse processo explica, do ponto de vista
psicológico, porque quanto mais utilizamos algo para satisfazer determinadas necessidades e desejos,
menos esse algo vai sendo quisto por nós, perdendo assim a utilidade que antes nos teve.

Vimos então como se embrincam a natureza externa não humana, a natureza biológica e psicológica
humana e a experiência social do trabalho para produzir a nossa própria existência. Agora veremos
como isso é historicamente determinado pelo modo de produção capitalista.

A nossa existência é a forma como a produzimos, que tem o resultado objetivado desse processo como
sua parte constituinte. Com isso, aquilo que existe de forma objetivada na realidade e que em parte a
constitui é determinado pela forma do processo de sua objetivação. Por isso, a forma social de
organização e combinação das atividades dos corpos humanos individuais no trabalho social de
transformação da realidade é historicamente determinada. Essa forma é o que Marx chama de modo de
produção. Basicamente, um modo de produção é a junção de forças produtivas (objetos de trabalho -
recursos naturais que não dependem da ação humana para existir e que podem ser utilizados para
serem transformados em algo útil -, meios de trabalho - instrumentos, ferramentas etc - de um
determinado nível de desenvolvimento tecnológico num determinado processo de trabalho, que
constituem os meios de produção, e a força de trabalho - a capacidade dos nossos corpos vivos
trabalharem -) com relações de produção (que é a forma de organização das atividades de cada um pela
divisão técnica e social do trabalho). Aqui há muita confusão, debates e polêmicas sobre a neutralidade
ou não das forças produtivas, ou seja, se há forças produtivas restritamente típicas de um dado modo
de produção ou se elas servem a outros modos de produção. Contudo, é ponto pacífico que antes da
tipicidade capitalista das forças produtivas, o que faz o capitalismo ser capitalismo, é a forma das suas
relações de produção, a produção determinada pelo capital através da compra de força de trabalho da
classe de trabalhadores com o assalariamento pago pela classe dos proprietários privados dos meios de
produção que determina a produção potencial de todas as coisas para a circulação mercantil, o que faz
do capitalismo uma sociedade de mercadorias e produtores de mercadorias.

Isso implica que no capitalismo os meios de satisfação das nossas necessidades e desejos socialmente
produzidos na história são mercadorias. Mercadorias é tudo que satisfaz necessidades e desejos (tem
utilidade social nas suas propriedades naturais constituintes), portanto, possui valor de uso, que é
produzido para circular no comércio mercantil em relações de troca, compra e venda, ou seja, possui
valor e valor de troca. É importante diferenciar estes três tipos de valor, o de uso, o próprio valor e o de
troca, porque em todas as mercadorias existem duas dimensões, a natural e a social. A dimensão
natural são suas propriedades objetivas, pelas quais determinadas necessidades e desejos são
satisfeitos, é aquilo que lhe é objetivo, imediatamente apreensível e é condição mínima para a
possibilidade de existência da finalidade para qual a mercadoria é produzida, que é a troca. Já a
dimensão social é a forma de relações pela qual se realiza esta finalidade da troca. Como é impossível de
ver a dimensão social numa mercadoria em si mesma já objetivada, ela só se revela no ato da troca.
Destarte, as trocas acontecem porque potencialmente todas as coisas são propriedade privada e por
isso ninguém tem acesso natural imediato a todas as coisas que necessita para viver, tendo de obter as
propriedades dos outros que são coisas que não se tem e que são necessárias ou desejadas, o que só
acontece pela contraprestação de alienação de uma propriedade própria. Portanto, num mundo de
propriedades privadas só se pode ter o que se precisa e deseja por meio das trocas, o que caracteriza as
propriedades privadas como mercadorias. E essas trocas só podem acontecer entre mercadorias que
tem qualidades diferentes entre si e que são demandadas pelos seus respectivos proprietários privados.
No entanto, qualidades não podem ser comparadas entre si para poder decidir quanto de uma
qualidade se troca pelo quantum de outra qualidade. O que faz coisas diferentes serem diferentes entre
si não podem determinar a sua equivalência. E reparem, essa é a mesma lógica de Rothbard a respeito
da imensurabilidade da utilidade. Só que as trocas não acontecem indiscriminadamente, as pessoas não
decidem aleatoriamente trocar qualquer qualidade que possuem e que demandem menos por
qualidades que demandem mais, há um processo de cálculo de equivalência entre as qualidades
diferentes. Mas como isso pode ser possível? Justamente pela dimensão social das mercadorias. As
diferentes qualidades da concretude das mercadorias são abstraídas para se apreender a determinação
geral que é parte constituinte e responsável primeira pela existência de todas elas, a atividade humana
indiferenciada que faz existir todas as coisas, isto é, o trabalho, chamado aqui de trabalho abstrato. Este
é o dispêndio humano indiferenciado de energia, nervos e músculos socialmente necessários (de acordo
com as condições de produção de toda a sociedade num determinado contexto histórico) para a
produção das coisas. Essa abstração da determinação geral do dispêndio de trabalho humano
compartilhado por todas as coisas trocadas no mercado é o valor. Porém, como essa abstração é
inapreensível, portanto, imensurável diretamente na sua forma imediata, é necessário uma convenção
social para expressá-la, que é o tempo de trabalho socialmente necessário de produção, o que é
chamado de valor de troca.

A máscara do valor de uso que esconde o valor e o valor de troca do rosto das mercadorias no baile de
sua produção para a circulação mercantil, com a qual as coisas se revestem da aparência de onipotência
mágica de fazerem o que quiserem, até serem o que não são, fazendo da unidade mais elementar e
celular do capitalismo, sua determinação mais abstrata, a realidade mais imediata e aparentemente
mais concreta, colocando a realidade do avesso, é o fetichismo da mercadoria, que como já foi explicado
em outra postagem, e aqui também é plenamente observável, não tem nada a ver com o consumismo
ou qualquer desejo em si pelas mercadorias (no máximo uma determinação do desejo pelas
mercadorias, mas não o próprio desejo).

Podemos já concluir aqui que o valor das coisas não é subjetivo por causa de uma série de fatores.
Primeiro porque as qualidades de suas propriedades naturais objetivas que satisfazem necessidades e
desejos humanos, tendo assim utilidade social (valor de uso), assim como as próprias necessidades e os
próprios desejos satisfeitos pelas mercadorias com essas qualidades, relacionados entre si, são
resultados possíveis do ser social dado objetivo do metabolismo do trabalho social entre humanidade e
natureza, sendo essas necessidades e desejos e os seus meios de satisfação subjetivações objetivadas.
Segundo porque a troca é um processo social objetivo que necessita da equivalência de qualidades
diferentes pela abstração da sua parte mais determinante e geral, que também é objetiva, e que por
isso todas as coisas compartilham entre si (o trabalho) para a constituição da relação pela qual se dá a
circulação mercantil (a constituição do valor).

Porém, como o valor de uso das mercadorias, suas propriedades naturais socialmente úteis, faz com que
elas sejam necessariamente desejadas, mesmo quando trata-se da coisa aparentemente mais supérflua
e dispensável, a ponto de tal demanda se expressar como o capricho mais subjetivo possível?

Passamos nesse longo texto pelo caráter de determinação histórica das experiências sociais com o meio
natural que definem as possibilidades de nossas necessidades e desejos nas condições que são nada
mais ou nada menos a capacidade produtiva de um tempo em objetivar trabalho em um conjunto
específico de formas de meios de satisfação. Portanto, a demanda humana é determinada pela
capacidade de oferta, seja ela já existente ou a caminho de ser realizada pelo direcionamento do
desenvolvimento do trabalho social a partir de necessidades postas pelo que até então já era ofertado,
pois é impossível demandar aquilo que não existe e sequer pode ser pensado a partir do que existe. Um
exemplo claro disso é o fato de ninguém demandar aparelhos de telefone celular no século XIX, pois
ainda não existia a capacidade de produzi-lo ou a necessidade de comunicação móvel posta pelas coisas
e experiências existentes naquele tempo. Desse modo, o que vimos sobre a diferença de qualidades
socialmente úteis entre mercadorias de diferentes proprietários privados num mundo em que tudo é
passível de ser propriedade privada, e que por isso ninguém tem todas as qualidades que precisa ou
deseja, ser a condição mínima para existir relações de trocas também é determinado pela capacidade do
que produzir, pelas necessidades latentes ensejadas pelas coisas já produzidas e pelo interesse dos
proprietários dos meios de produção, que lucram com a venda de mercadorias e por isso querem
direcionar a satisfação das necessidades e desejos humanos para as coisas possíveis de serem
produzidas na maior escala, com a menor quantidade de trabalho e com a maior perecibilidade
(obsolescência programada) para o maior número de recompras possíveis. Então, como Marx afirma na
Introdução dos Grundrisse, as mercadorias não se encerram no limite físico dos objetos externos com as
propriedades socialmente úteis à satisfação das nossas necessidades e desejos, elas são também essa
própria satisfação. Além disso, vemos nesse processo que o modo de produção capitalista é uma
totalidade estruturada de determinações e relações que se sintetizam em certos momentos diferentes.
A produção enquanto fabricação das coisas (a alteração das formas das substâncias da realidade pelo
trabalho), a distribuição, a troca e o consumo. Todos esses momentos são determinantes e
determinados entre si, mas tendo como determinação mais estruturante e geral, o momento da
produção. O modo de produzir determina o modo de distribuição, desde a distribuição dos próprios
meios de produção quanto da distribuição dos produtos de consumos que oriunda da distribuição dos
meios de produção, a troca, pois condiciona o que é trocado e por quem é trocado, e determina o
consumo por ser tanto a produção um consumo da forma das substâncias anteriores dadas para se
tornarem outras coisas ao ganhar nesse consumo outra forma (como gasolina que é consumida numa
máquina para produzir o que com essa máquina se produz), quanto o consumo é uma "produção
consumptiva", ou seja, ao consumir algo, o consumidor se produz como consumidor de algo, tanto na
sua constituição sensível (como as implicações do que come e do que veste nas suas características
físicas e sensorialmente apreensíveis pela sociedade) quanto na própria forma de consumir (os gostos,
os modos de se portar, etc). Assim, vemos mais uma vez, de forma muito mais concreta, como o ser
dado se determina, como o ontológico precede a subjetividade.

E para completar essa refutação cabal, introduzo a tese do filósofo, sociólogo e cientista político alemão
contemporâneo, Wolfgang Fritz Haug, sobre a estética da mercadoria.
Sendo a sociedade burguesa, o modo de produção capitalista, uma sociedade de propriedades privadas
em concorrência na disputa das demandas pelas opções de oferta, mais do que satisfazer as
necessidades e desejos humanos, portanto, ter utilidade social, o valor de uso das mercadorias
necessitam provar sua pretensa maior utilidade que a concorrência de antemão para argumentar,
persuadir e convencer o mercado consumidor a decidir por determinadas opções e não outras de
mercadorias de um mesmo nicho de mercado. Para isso ser feito, o valor de uso das mercadorias precisa
ter dentre suas propriedades qualitativas socialmente úteis aquilo que Haug chama de "função
estética". Trata-se daquilo do seu valor de uso que antes do próprio consumo consegue fazer com que o
público-alvo daquela mercadoria tenha um gostinho de como seria o seu consumo caso a compre,
canalizando assim o desejo dos consumidores para aquela opção específica de mercadoria. Portanto, a
função estética é como uma pele da mercadoria que sensorialmente seduz a fantasia do seu público-
alvo para o desejo restrito àquela opção, que por conta dessa mesma função, tem uma identidade única
no subconsciente social. E como as mercadorias não são redutíveis aos próprios objetos fisicamente
limitados que são comercializados, faz parte da função estética diversos elementos internos e externos
da mercadoria, como o design, a embalagem, a propaganda, a promoção e o merchandising, a
assessoria de imprensa e as relações públicas, a própria marca, etc. Não obstante, mais uma vez
concluímos, e agora definitivamente, que em totalidade, como a única forma que as coisas podem
existir na realidade concreta, não há nenhuma subjetividade em si mesma no valor das coisas, pois sua
utilidade é determinada por todos os fatores objetivos possíveis e imagináveis dos quais dissecamos
apenas um pequeno punhado deles que é suficiente para desfazer mais uma das fantasias da Escola
Austríaca de economia.
Mais Valia: Bawerk x Marx
Rian Lobato 12/1/2017

Algum tempo atrás eu escrevi um rápido texto esboço acerca das críticas do austríaco Böhm-Bawerk ao
Karl Marx. Eu prometi uma "parte 2" que iria explorar melhor todas as questões pertinentes,
principalmente as outras críticas que não abordei no rápido texto, que era mais um esboço.

Porém, pensei melhor, e decidi que seria mais pratico tratarmos de cada critica de Böhm-Bawerk, em
um post dedicado especificamente cada uma. Portanto, re-começarei abordando o assunto através
desse artigo, onde tratarei especificamente da "refutação da mais-valia". Os próximos artigos tratarão
de outras críticas principais do autor, tal como o "Problema da Transformação" e o "Problema do
Trabalho" e qualquer outro que se julgar pertinente. É importante dedicar posts a Böhm-Bawerk, pois
muitas das críticas ao trabalho de Marx são meras cópias ou reformulações de problemas que foram
apresentados pelo senhor Bawerk. Portanto, vamos começar:

Uma das coisas que mais se comenta ultimamente, é acerca da de Böhm-Bawerk e sua crítica ao
conceito da mais-valia e que ele teria "refutado Marx". Böhm-Bawerk é um notório membro da Escola
Austríaca, ele era discípulo de Carl Menger, o próprio fundador da Escola Austríaca.

Como seu discípulo, Böhm-Bawerk aprofundou ainda mais as noções acerca do marginalismo, a teoria
do valor-subjetivo. Já que essa é a raiz dos argumentos do senhor Bawerk, creio que se faz necessário
aos leitores que estão interessados em entender nossas críticas de uma maneira geral, terem uma
noção do que pensamos acerca do valor subjetivo. Neste sentido, recomendo o texto do camarada V.B
dissertando acerca disso aqui neste texto:

https://m.facebook.com/CPLBrasil/photos/a.111019786038479.1073741828.110806902726434/18834
8948305562/?type=3&source=54&ref=page_internal

Böhm-Bawerk foi um notório economista no seu tempo, e chegou a ser ministro das finanças da Áustria
naquele tempo. Tal como Mises e Carl Menger, Bawerk desempenhou um papel central no setor
econômico do governo austríaco em seu respectivo tempo - em especial, Bawerk foi descrito como
'extremamente preocupado com a solvência do Estado'. Entre suas obras publicadas, algumas das mais
conhecidas foram "Karl Marx and The Close of His System" e "Positive Theory". Do arcabouço de críticas
á Marx, figura-se entre as principais, quanto a questão da mais-valia.

Bem, a teoria de Böhm-Bawerk se chama "preferência temporal". A teoria de Böhm-Bawerk


basicamente diz que:

O ser humano geralmente tem uma preferência temporal por ter um bem no presente do que no
futuro, ou seja, prefere consumir um bem agora do que daqui 10 anos, por exemplo. Em outras
palavras, os indivíduos preferem que suas necessidades sejam satisfeitas no intervalo de tempo mais
curto possível.

O capitalista muitas vezes ''abre mão'' desta preferência temporal comum à quase todas as pessoas, se
abstendo de consumir tudo que ganha no tempo presente, para poupar e com a acumulação deste
capital (dinheiro), poder investir em máquinas e equipamentos que tornarão a mão-de-obra mais
eficiente e produtiva. Sendo assim, é justo que ele receba no futuro o juro (lucro) pelo capital investido.
E não há nenhuma garantia de que ele conseguirá isso, haja visto que ele se arrisca para isso. Se ele não
for competente em atender as necessidades das pessoas, ele pode quebrar, ou seja, além de não ter
consumido no tempo presente para poupar, pode perder todo o valor que investiu. E talvez o ponto
principal é que a preferência temporal do trabalhador é de sob um menor risco garantir um salário fixo
mensal, o qual será pago pelo empregador independente do mesmo ter tido lucro ou não. Ao se
escolher assumir riscos em busca de lucro futuro espera-se um retorno para que isso seja atrativo. Esse
risco maior (empreender) vs o risco menor (receber salário) que esse, seria o ponto chave da
"refutacão" da mais-valia. Vale lembrar que este conceito pega fortemente e se relaciona muito ao
pequeno ou médio-empreendedor, ou seja, aquele que realmente se arrisca, para vencer no mercado
ou conquistar algo na vida.

Não deixa de ser notável como Böhm-Bawerk, em primeiro lugar, não faz uma crítica exatamente
técnica. É uma critica que mais soa moral. Quando eu li acerca de Bawerk, há uns 2 anos, eu imaginei
que ele havia feito alguma espécie de cálculo, ou tivesse feito algo do tipo. Mas não, a teoria de Böhm-
Bawerk mais soa como uma justificação convincente frente a um fato material existente - a de que o
trabalhador definitivamente não ganha o equivalente ao que ele produziu.

Ou seja, Böhm-Bawerk não nega o fato de que o trabalhador gere mais valor do que o equivalente ao
que ele ganha como salário. É importante atentar a esse fato.

Bem, em primeiro lugar, coisas como o retorno do empreendedor, vulgo capitalista, ou seja, esse tempo
para reaver o capital inicialmente empregado, já está considerado no arcabouço teórico de Marx, é só
checar o Livro I de O Capital, Capítulo 21 - Reprodução Simples. Porém, vou considerar como se Marx
não tivesse feito isso, para fins de prosseguimento ao que realmente importa neste texto.

Um dos principais pontos que devemos notar é o estranho fato de que Böhm-Bawerk (na verdade, a
esmagadora maioria dos liberais em todas as suas críticas á Marx, principalmente nessa questão da
preferência temporal) usa sempre exemplos da pequeno-burguesia, do médio ou pequeno
empreendedor, nas suas dissertações e críticas ao marxismo. O problema é que isso é uma estratégia,
mais especificamente, trata-se de um espantalho.

A teoria de Marx trata principalmente de empresas lucrativas no presente momento e que acumularam
lucros durantes grandes períodos de tempo, principalmente se utilizando dos excedentes de trabalho
dos operários, ou seja, o foco da crítica de Marx é aos grandes capitalistas.

Para explicar como isso se deu, Marx investiga historicamente, e explica como se deu o processo
histórico que permitiu isso acontecer, do qual ele chama de "acumulação primitiva". Um rápido resumo,
até mesmo da Wikipédia, já esclarece aos mais leigos do que se trata:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Acumulação_primitiva

Ou seja, Marx toma o cuidado de explicar como se deu o processo histórico dessa acumulação de capital
dos grandes capitalistas, que iria culminar nessas grandes empresas que exploram a mais-valia. É um
processo explicado historicamente sobre como houve essa acumulação de capital - ou seja, isso não
aconteceu meramente por 'deixar de consumir por um tempo' como Böhm-Bawerk ingenuamente
afirma, mas sim por meio de um gigante e cataclísmico processo histórico. Essa análise histórica se torna
importante, ao passo de que lembramos que Böhm-Bawerk não explica de forma aprofundada como
possivelmente o seu exemplo, no caso mais frequentemente o empreendedor pequeno ou médio que
se arrisca no mercado, conseguiu o capital para se arriscar. Pode parecer algo meio distante, mas é fato
que isso dificulta em muito numa análise acerca da teoria de Marx - que tem um respaldo histórico.

É uma diferença bem perceptível que temos entre autores assim; enquanto Marx se ocupa, em análises
factuais, de tratar como as coisas são ou como elas aconteceram, tais autores tratam de idealizar como
as coisas deveriam ser ou como elas funcionariam se seguissem os pressupostos do que eles julgam ser
o mais certo.

Outra coisa notável em Bawerk é que ele tenta refutar a obviedade da teoria de Marx, se atendo a casos
muito específicos de não-lucratividade. Isso seria a mesma coisa de dizer que não existe lucro na
sociedade capitalista. E é claro que existe- o capitalismo é movido ao lucro. Se existe lucro, existe mais-
valia, já que é uma das formas da mesma. Isso é uma coisa bem óbvia. Ou seja: se existe trabalho
humano cristalizado na mercadoria, há mais-valia, e se há mais-valia, há excedente do trabalho, que
pode ser interpretado como exploração.

Porém, voltando ao ponto acerca do caráter duvidoso de Böhm-Bawerk, e de seus seguidores, em


sempre utilizar exemplos de médio ou pequenos empreendedores/burgueses que se arriscam, é
necessário pontuar que isso não acontece pelo simples acaso ou por coincidência, como eu mencionei
anteriormente. É uma estratégia de argumentação, para tentar nos convencer, uma tática de
minimização, um espantalho.

É a tática da ideologia liberal, que usa o culto do indivíduo isolado abstrato, que é idealizado e
romantizado como 'homo economicus', para reduzir todos à mesma condição de "agente econômico",
comprador e vendedor de algo. É igualar o grande capitalista ao pequeno-burguês, no sentido geral. É
uma estratégia que visa minimizar, e mudar qual é o foco da critica, e usar de um substituto mais
romantizado no qual a maior parte dos leitores possam até mesmo se identificar com o exemplo,
tornando o argumento mais convincente.

Essa ideologia liberal é eficiente para difamar Marx, porque ela passa a sensação de que os pequeno
burgueses são iguais aos grandes burgueses, e de que eles supostamente seriam igualmente
demonizados pelo marxismo, mesmo que eles, os pequeno-burgueses, trabalhem e se esforcem tanto.
Essa tática não faz sentido. Até mesmo Marx diz que eles são apenas pessoas tentando sobreviver no
regime exploratório. Essa falácia é comum, e por isso vemos muitos reacionários usando o sempre o
exemplo do vendedor de pipoca ou de hot-dog, como se Marx dedicasse suas críticas á ele, e não ao
grande capitalista.

Porém, isto é um erro. É desonestidade intelectual substituir, selecionar ou pegar, inverter o alvo da
critica, e principalmente tirar as coisas fora do seu devido contexto. A razão disso, é que o marxismo
trata de coisas elencadas, interligadas e vistas de uma forma geral. Afinal de contas, estamos tratando
de um sistema inteiro que interage com as contradições sociais e sua realidade material.

Pegar as coisas isoladamente é uma forma desonesta de tratar o método marxista, e nada resultará
disso, que não seja apenas um espantalho.

O principal motivo do exemplo de Böhm-Bawerk e seus seguidores não ser válido, diz respeito a
diferença que reside no fato de que a mais-valia extraída pelo pequeno-burguês, dos seus funcionários,
não é e nem sequer tem a mesma finalidade da mais-valia extraída dos funcionários pelo grande
capitalista, da qual Marx foca sua crítica.

Primeiro deve-se perguntar, o pequeno-burguês em questão tem trabalhadores assalariados em


trabalho produtivo? Se o pequeno-burguês emprega trabalhadores comprando sua força de trabalho
assalariadamente para produzir o que ele vai ofertar no mercado, então sim, há exploração de mais-
valia. Porém, como eu citei anteriormente, isso não é e nem sequer tem a mesma finalidade da mais-
valia no foco do estudo de Marx, os grandes capitalistas.

Acontece que o pequeno-burguês está mais num canal de distribuição do valor já explorado a ser
realizado no consumo final.
Explicando melhor: O capitalismo tem diversas frações de classe em cada uma das suas classes
constituintes, que só existem como tal nas suas relações de luta, seja a concorrência entre os
capitalistas, a disputa pelas partes que cada um ficará com o botim da mais-valia entre capitalistas
produtivos, banqueiros, especuladores, latifundiários e arrendatários, e a luta maior entre todos esses
capitalistas e o proletariado para pagar mais ou menos de salário e etc. Daí, dentro das frações
burguesas há os grandes burgueses que produzem em escala as mercadorias mais essenciais e
determinantes da cadeia produtiva em geral e da vida social, pois são justamente eles que detém os
meios de produção.

Porém, os grandes capitalistas não dão conta de levar sua produção até o consumo final, para completar
a realização da mais-valia e poder voltar a investir no refluxo da sua produção e até na sua expansão.
Para isso, eles precisam dos pequenos-burgueses , para fazer isso por eles.

Por exemplo, um restaurante normal é um meio de produção "imaterial" pequeno-burguês, do pequeno


ou médio empreendedor, do serviço de refeição como entretenimento. Esse serviço é a sua mercadoria,
e os trabalhadores dele tem sua mais-valia explorada. Contudo, o restaurante mais REPASSA o valor
produzido pelos meios de produção dos grandes capitalistas que forneceram seus mantimentos,
ingredientes, recursos, os instrumentos de trabalho etc. Ou seja, é um canal de transferência do valor,
não o ponto principal de exploração/extração deste, como Böhm-Bawerk tenta fazer parecer.

Ou seja, o que vemos é que, ao polarizar toda uma análise geral e sistemática e resumir a relação que
Marx analisou, apenas em em "pequeno-empreendedor" X "proletariado", o senhor Böhm-Bawerk está
produzindo um espantalho.

É uma visão fechada e proposital para esconder o real "X" da questão de Marx, pois a exploração não se
baseia só nisso ou apenas através disso. É sistemático ao capitalismo. A mais-valia extraída pelo
pequeno-burguês serve mais como um canal para completar a mais-valia do grande capitalista até o
consumo final. Reduzir a relação da mais-valia apenas a questão estrita jogada por Böhm-Bawerk, é
minimizar o trabalho e análise de Marx, e produzir um mero espantalho que em nada irá "refutar" (eu
odeio este termo tão mal usado em discussões, mas o usaremos aqui).

Se formos por exemplo, em um McDonald's, e perguntarmos ao gerente quantas vezes por ano a loja
precisa trocar as máquinas de fritar batata e hambúrguer, pesquisar o preço delas, depois procurar
saber quanto ganha um funcionário e qual o faturamento de uma loja de shopping num final de semana,
veremos que as contas e raciocínio empregado pela lógica de Böhm-Bawerk, não fazem o menor
sentido. Ora, Marx não estava falando do trailer de cachorro quente da sua rua. Falava do McDonald's
de Itaquera, que serve 6.000 clientes por mês.

Mesmo ignorando isso, Böhm-Bawerk no exemplo do pequeno-empreendedor, ao colocar as suas


variáveis das quais o capitalista poderia estar (risco, maquinaria e etc), ele comete o erro de não levar
em conta a composição orgânica do capital, ou seja, o simples fato de que a mais valia já é calculada
após terem sido deduzidos os custos de capital (máquinas, ferramentas, energia, insumos, etc) e demais
despesas, que ele usa pra justificar, junto com o fator "risco". Ou seja, não é tão simples como ele faz
crer. Você não investe em capital fixo todo mês como tem que fazer com o salário (que é investir em
capital variável e é o que gera lucro). Então, o que você gastou com uma máquina, você terá de volta
num período menor do que aquele que será necessário para trocar esta máquina e, neste intervalo, o
que você receber é seu lucro. A mais-valia, nesse sentido geral (pois há outros casos aparte) é = valor
produzido (já deduzidos os investimentos com capital fixo) - salário. É uma conta aparentemente
simples, mas cheia de detalhes.

Porém, após essas questões, na minha opinião a parte mais interessante dessa teoria de Böhm-Bawerk,
vem em seguida: a teoria de Böhm-Bawerk não tem nada de novo, muito menos para Marx.

Tal como, já na época de Marx haviam economistas que o enfrentavam Marx com afirmações e
deduções baseadas no que viria a ser conhecido mais tarde como teoria da utilidade marginal ou do
valor subjetivo, também foi feita uma uma crítica extremamente parecida com a de Böhm-Bawerk.

Tal crítica se chama "Teoria da Abstinência", e foi feita por Nassau Senior. Nassau Senior é citado por
Karl Marx em O Capital, seção "Teoria da Abstinência" livro 1, capítulo XXII. Marx o via como um
economista querido e financiado pelos burgueses. Segundo a "Teoria da Abstinência", os burgueses se
enriqueceram graças as economias que fizeram no passado, pois num passado distante (e fictício) todos
recebiam a mesma coisa, mas os de virtude maior economizavam e os fanfarrões gastavam tudo
rapidamente. Os de virtude maior teriam virado capitalistas e os demais, por suas poucas virtudes,
perderam o que tinham e se tornaram os proletários. Senior argumentava contra tudo que onerasse os
burgueses, pois estes supostamente continuavam a deixar de consumir o que podiam para salvar as
empresas enquanto os empregados podiam gastar tudo que tinham. Nassau Senior também visava
constantemente usar o termo "emprestar os modos de produção", como forma de se contrapor ao
posicionamento de Marx, no qual o monopólio privado desses meios foi adquirido historicamente
mediante vários meios diferentes como violência (muitas vezes por meio do Estado), algo que
curiosamente também é sustentado por Mises, em alguns de seus textos, principalmente no caso dos
latifúndios.

Bem, o passado distante e fictício de Nassau Senior era desmontado com os relatos passados de coisas
que caracterizaram a "Acumulação Primitiva" citado anteriormente, e quanto à tal abstinência presente,
outros dados mostraram que em épocas de crise os trabalhadores é que sofriam mais enquanto o
padrão de consumo dos capitalistas pouco mudava. Além disso, entre o capitalista e o trabalhador não
ocorre um empréstimo dos meios de produção, mas sim um contrato de compra e venda da força de
trabalho onde o capitalista fica com a mais-valia. Para mais observações, chequem o link a seguir, do
Capítulo de Marx acerca disso.

https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/cap22/03.htm

A reação inicial de Marx frente á isso, antes de dissertar mais profundamente acerca dela, foi de um
grande sarcasmo e deboche. Escreveu Marx:

"(...) Nassau W. Senior anunciara ao mundo outra descoberta sua. "Substituo", disse ele solenemente,
"a palavra capital, como instrumento de produção, pela palavra abstinência" (Senior, Principes
fondamentales de l´éon.Pol., Paris, 1836, p 309) Esta é a maior das "descobertas" da economia vulgar.
Substitui uma categoria econômica por uma impostura. Eis tudo. "Quando o selvagem", pontifica Senior,
"fabrica arcos, exerce uma indústria, mas não pratica a abstinência." Com isso pretende explicar como e
por quê, nos estágios sociais anteriores, eram fabricados instrumentos de trabalho sem a abstinência do
capitalista. Quanto mais progride a sociedade, mais necessária é a abstinência", mas, por certo, da parte
daqueles que exercem a indústria de se apropriar da indústria alheia e do produto desta. Todas as
condições do processo de trabalho se transformam então em outras práticas de abstinência do
capitalista. Se o trigo não é consumido, mas semeado, é por causa da abstinência do capitalista. Se o
vinho é guardado até acabar de fermentar, é por causa da abstinência do capitalista. O capitalista se
despoja de si mesmo quando "empresta ao trabalhador os meios de produção" (!) (...)"

Podemos então afirmar que sem sombra de dúvidas, a teoria de Böhm-Bawerk é apenas um "remake"
da teoria de Nassau Semior. Apesar de suas críticas à Nassau Senior, o austríaco Böhm-Bawerk sempre
demonstrou interesse e admiração por este em suas obras, tal como o próprio cita isso várias vezes em
alguns de seus trabalhos. Sem duvidas, Böhm-Bawerk teve forte influência de Nassau Senior, tal como
ele mesmo relata.

Até mesmo o austríaco Murray Rothbard diz em seu livro "An Austrian Perspective on the History of
Economic Thought" que não há praticamente a menor diferença entre a teoria da preferência temporal
de Böhm-Bawerk, com a teoria da abstinência de Nassau Senior, tendo as duas partindo do mesmo
raciocínio. Para quem quiser checar:

https://books.google.com.br/books?id=MCcWhLmRo-cC&pg=RA1-PA138&lpg=RA1-
PA138&dq=bohm+bawerk+nassau+senior&source=bl&ots=9N8z1eZRrN&sig=S5fKN-
PR1BMurfoisK5B8zzSaIc&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwj29aLhgLHRAhXIqZAKHWW5CbMQ6AEINzAG
Então, tecnicamente, sabemos bem como seria a reação de Marx frente a critica de Böhm-Bawerk, se
Marx estivesse vivo na época que Bawerk a escreveu.

nos Grundrisse, Marx também já refutava essa ideia:

<<Todos os economistas, tão logo discutem a relação existente entre capital e trabalho assalariado,
entre lucro e salário, e demonstram ao trabalhador que ele não tem nenhum direito a participar das
oportunidades do lucro, enfim, desejam tranquilizá-lo sobre seu papel subordinado perante o
capitalista, sublinham que ele, em contraste com o capitalista, possui certa fixidez da renda mais ou
menos independente das 'grandes aventuras' do capital. Exatamente como Dom Quixote consola
Sancho Pança [com a ideia] de que, embora certamente leve todas as surras, ao menos não precisa ser
valente.>>

Marx, ainda nos Grundrisse.

Lembrem que, à época, praticamente só haviam economistas apologéticos.

O que na verdade ocorre, é que se trata de uma teoria armadilha. Como o próprio Böhm-Bawerk admite
em seu livro, depende totalmente de uma idealização de um pretenso livre-mercado, de como isso iria
agir. Por isso ele se refere a isso como "uma teoria pura".

O fato é que, essa teoria falha na realidade. É uma situação extremamente idealizada, chegando até a
ser romantizada ou mesmo até única, é impraticável e irreal na maior parte dos casos.

Por exemplo, um dos erros é que essa questão de capital estático serve unicamente para pequenos e
médios empresários, como citado anteriormente. Bawerk esquece neste ponto da questão dos mega-
empresários, onde utilizam de seus lucros não para sanar dívidas decorrente da "preferência temporal",
mas sim para prolongar os investimentos em outros locais afim de aumentar o seu capital.

Outro erro: ele esquece das heranças, nem todos os empresários precisam se arriscar através de
empréstimos via crédito fiduciário. Ele pode simplesmente herdar um negócio de sua família, que já tem
Capital acumulado. Na verdade, isso é o que acontece na maior parte das vezes. Para não falar também
de famílias burguesas que conseguiram já um grande capital acumulado há séculos, através de por
exemplo, tráfico de escravos, na época que era legalizado. Muitas das grandes famílias burguesas de
hoje em dia, lucravam com isso na época. A herança é de fato, um aspecto importante.

Esse é o problema quando se faz uma análise desconexa da realidade histórica. Os exemplos de Böhm-
Bawerk ficam bem menos justificáveis quando trocamos um pequeno-empreendedor, para lavradores e
um fazendeiro que herdou terras conquistadas por seus bisavôs na base da violência, por exemplo.

Ou seja, pressupor que todo empresário teve perca de tempo e capital, como se capital não tivesse um
mecanismo hereditário, é falso. Mesmo em um caso onde um indivíduo que não herdou capital e se
privou de tempo e capital para investir posteriormente, pressupor que a extração da mais-valia seja
correspondente exatamente ao tempo e ao dinheiro investido, não é verdade. Se assim o fosse, não
seria lucro; seria um retorno básico e muito limitado. A renda não estaria tão concentrada em tão pouca
gente, se considerarmos a densidade populacional. O lucro não é apenas seu tempo e investimento que
retorna, ele sempre vai depender da superprodução de uma outra classe social, dentro da lógica de
lucro capitalista. É assim que as coisas funcionam.

Porém, na minha opinião, a grande questão é que Bawerk não consegue 'tirar suas lentes', para
entender o objeto de estudo de Marx. Ele não consegue enxergar a análise social de Marx, que é
justamente uma questão de classes. Ele a ignora totalmente, querendo "medir pela sua própria régua",
o que obviamente causa distorções.
Portanto, abstrair relações sociais tiradas de um contexto maior, ou do objeto de estudo de Marx, causa
confusões como essas. Como diz Bukharin, na sua "Critica a Política Econômica do Rentista", da qual
trataremos posteriormente, Böhm-Bawerk é simplesmente cego pelo seu individualismo.

As tais 'preferências temporais' são determinadas pelas condições de existência já dadas das classes. Há
aqueles que só tem a capacidade de trabalhar com seu próprio corpo desde quando nasceram, e só
podem ter a preferência (condicionada) de pegar o pouco que vai receber por isso durante a vida e não
morrer de fome. Quem não tem essa preocupação porque já nasceu tendo recursos suficientes para se
aproveitar de quem não tem e colocá-lo para trabalhar para si, pode ter a preferência de não gastar
seus excedentes agora e investi-los em novos negócios produtivos, aplicações financeiras, investimento
de renda ou emprestar a juros, ou seja, dentro do quadro de classes, que é inexorável ao marxismo e a
análise da mais-valia, as variáveis apresentadas por Böhm-Bawerk já não fazem mais sentido. Ou seja, é
uma questão de classes.

Mesmo pelo motivo de que poucos conseguiriam empreender (e quase sempre há um motivo que o
facilita antes) haja visto que isso custa.

Böhm-Bawerk não explica, por exemplo, de onde o empreendedor capitalista tira o lucro pra investir e
se arriscar. Ele apenas faz uma suposição de como se tudo fosse condições iguais para todos. Enquanto
isso, como já dito, Marx faz uma análise histórica é pautada em dados acerca disso.

Aliás, faz-se notável uma coisa em Böhm-Bawerk: um de seus exemplos acerca do funcionamento que
provaria a preferência temporal e seu funcionamento no capitalismo, mas ainda assim, também acerca
da teoria dele sobre o surgimento do Capital na sociedade burguesa, que desbancaria a de Marx. É
sobre um homem numa ilha, o Robinson Crusoé. Suponha que Robinson Crusoé pescava três peixes por
dia mergulhando para pegá-los com as próprias mãos e que sua alimentação consistia exclusivamente
do pescado que "produzia". Ao final do dia, assava-os e os comia. Suponha agora que ele tivesse tomado
a decisão de, ao invés de comer os três peixes que pescava diariamente, consumir apenas dois,
economizando, portanto, um peixe por dia. Ao cabo de dois dias, teria acumulado dois peixes, o que lhe
garantiria consumo para um dia. Admita que ele gastasse esse dia não para pescar, mas para construir
uma rede tosca, que lhe permitiria pegar, ao invés dos três a que estava acostumado, uma dúzia de
peixes por dia - sem dúvida, um resultado superior ao inicial. Neste exemplo de uma economia autística,
a abstinência - ou poupança - seria dada por aqueles dois peixes que deixou de comer durante os dois
dias para que pudesse ter uma reserva de peixes que lhe permitisse passar um dia inteiro investindo, ou
seja, construindo o bem de capital - a rede. O exemplo de Robinson Crusoé continua a ser usado para
explicar várias outras etapas, como o investimento (usar gravetos para construir uma vara de pescar e
etc) por exemplo, e de como isso iria explicar o comportamento individual humano e o surgimento do
Capital.

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=745

Excluindo por um momento possíveis ponderações mais "chatas", como por exemplo, aonde o Robinson
Crusoé (que nas histórias já tinha conhecimentos adquiridos através de sua vida numa sociedade
burguesa) aprendeu tudo isso, e de como a conclusão não acabaria por comprovar algumas ideias de
Marx (valores e planejamentos condicionados objetivamente das experiências sociais, como as de que
Robinson já tinha na história original, e das quais Bawerk ignora), o grande problema é que a obra de
Marx é mais densa do que o estudo isolado e individual de um homem perdido numa ilha. O estudo de
Marx diz respeito a sociedade mais complexa e com o modo de produção mais diferente da história,
aonde as questões são baseadas em complexas relações sociais em constante atrito com as condições
materiais. Tais hipóteses de Bawerk não são gerais o bastante para abarcar tal realidade, e em grande
parte delas, não tem apoio antropológico, sociológico ou histórico, pois nem sequer desenvolve um
método muito estrito para isso.
Continuando acerca da mais-valia e a questão de classes: Há pessoas que não tem condições para abrir
mão de consumir (pois só tem o suficiente pra sobreviver) e se arriscar no mercado. Como ele
justificaria isso? Punição do mercado?

Justamente por causa disso, é afirmado que Marx analisou não somente o capitalismo, mas também as
relações sociais dentro deste. É preciso existir dentro desse sistema venda de força de trabalho por
salário, e poupança e investimento por parte do burguês, sim, isso é fato. Marx nunca disse o contrário,
mas justamente explicou como essa relação é exploradora. Porém, Böhm-Bawerk está mais preocupado
em invalidar Marx e aumentar o seu ego, do que de fato conseguir construir um argumento lógico, já
que sua crítica é baseada em premissas bastante falsas e idealistas, como ele mesmo chega a admitir
anteriormente.

Como dito antes, não se deve perder de vista que o grande arcabouço dessa crítica, como mencionado,
é basicamente moral. Para Bawerk, o risco maior (do empreendimento) simplesmente justifica - e
inclusive legitima - a exploração. É uma legitimação conformadora, que visa normalizar a exploração de
uma classe por outra. E isso é interessante, pois não é lá uma justificativa muito válida frente a
realidade: até mesmo um economista burguês como Adam Smith, já dizia que "os proprietários podem
esperar pelos trabalhadores, muito mais do que o contrário". Afinal de contas, eles têm os meios de
produção. Como citado antes, se pensada à guina de uma abstração das condições reais do capitalismo,
esse argumento ganha mais força.
A negociação patrão-proletário nunca é livre no sentido mais digno da palavra, na realidade. E é
somente pressupondo isso que esse argumento tem força, mas o que acontece é que os dois lados não
têm a mesma força de negociação, e tem seus interesses socio-economicos divergentes, e suas reações
frente a isso se torna-se a condição social da luta de classes.

É importante também lembrar que uma empresa com prejuízo prolongado fecha e não tem salário
algum. Os salários no prejuízo vem de um valor explorado anteriormente do próprio trabalho. Não ha
segurança no prejuízo e na não oscilação temporal de valor.

Além disso, generalizar uma preferência pretensamente voluntária é uma afirmação que exige uma
pesquisa de opinião ridiculamente extensa, e que Böhm-Bawerk lança como algo já dado e provado,
ignorando também todas as relações sociais inseridas dentro disso tal como já expliquei acima - e isso é
irônico para alguém que diz em seu livro que dar algo como dado, sem provar ou explicar, é um 'pecado
capital de método', acusando Marx de fazer o mesmo com a Teoria do Valor-Trabalho e não a "provar",
mas sim jogar como algo pronto e dado. Ora, o próprio Bohm-Bawerk (cit. Bukharin, C. 1-1 Objectivism
and Subjectivism in Political Economy) diz que é um pecado capital de método ignorar, presumir, tomar
por certo ou como “dado” aquilo que se deve explicar - como diabos então ele não aplica isso á si
mesmo?

Böhm-Bawerk também até chega a dizer que o lucro é uma espécie de juro, invertendo a tese marxiana
de que o juro é só uma apropriação de parcela do mesmo excedente do qual vem o lucro. E a taxa de
juros é uma convenção social, determinada politicamente.

Então, o fato é: se há uma preferência, essa é uma uma preferência socialmente definida. Böhm-Bawerk
não localiza sua teoria em um tempo ou espaço justamente por isso. Essa "preferência socialmente
definida" é baseada diretamente no ponto chave do problema para Marx: os meios de produção, fontes
de riqueza, estão nas mãos de alguns poucos que conquistaram isso historicamente com violência e
exploração e assim os mantém, e eles tem apoio do Estado para isso. Quem não tem opção senão
vender sua força de trabalho, não tem nenhuma preferência voluntária.

Por isso não é possível isolar as Ciências Sociais para explicar o mundo. É preciso disciplinas integradas
para isto. Marx era um filósofo e sociólogo que queria entender como funcionava a sociedade de seu
tempo (que depois chamou de Sociedade Burguesa). Para isto, percebeu que precisava entender a
Economia Política, que é a base sobre a qual se funda a sociedade. Mas nunca abandonando o restante
do conhecimento. A chamada "Economics" tem um grau muito restrito de explicação da realidade
frente à Economia Política pois sua análise é muito restrita, não levando em conta a sociologia, a ciência
política, e a filosofia.

Isso tudo é muito bem abordado na crítica de Bukharin á Böhm-Bawerk, abaixo:

"A ideia de Böhm-Bawerk, que se assemelha a noção da teoria da abstinência feita por Nassau Senior e
que Marx riu na época, não é sustentável. Nós ainda temos que considerar o peso desta ideia em
conexão com a valorização do Bawerk á natureza social do benefício. Nós vimos que essa necessidade
de "esperar", segundo ele, é a causa da dependência econômica do trabalhador.

Só porque os trabalhadores não podem esperar até o fim do processo produtivo, que começa com eles
ao extrair matérias-primas e á fabricação dos meios de produção, renda seus frutos em bens de
consumo, são economicamente dependentes daqueles que têm produtos intermediários no seu estado
final, ou seja, os capitalistas.

Mas nós sabemos que os trabalhadores não teriam que esperar, já que eles poderiam vender seus
produtos intermediários imediatamente, sem esperar o "fruto em bens de consumo" e assim evitar a
dependência económica.

A verdadeira essência da questão não está que os trabalhadores devem esperar para consumir, mas sim
que eles não têm meios para produzir de forma independente, por dois motivos: Em primeiro lugar,
uma produção sem capital é um absurdo técnico em uma economia capitalista desenvolvida. Para fazer
um arado simples à mão, um morreria antes de terminar (talvez Bawerk diria que a causa da
dependência econômica dos trabalhadores é, infelizmente, que a vida humana é muito curta...). Em
segundo lugar, uma produção mesmo sem usar o capital, e usar de outras formas tal como caçar, ou
recolher algo, e etc, não é possível porque o solo no capitalismo não é "terra de ninguém", mas é
bastante limitado pela propriedade privada. Portanto, a questão não é "esperar", como Bawerk
argumenta, mas sim o monopólio ou oligopólio dos meios de produção (incluindo o solo) pela classe
capitalista, os meios de produção, que é a base da dependência econômica e dos lucros dos donos.

Aparentemente, o Sr. Böhm-Bawerk não pensou muito em se perguntar o motivo de milhões terem de
"esperar", e por que outros não, como se os austríacos não notassem que o famoso "empreendimento"
que tanto elogiam, depende tanto da posição de classe, que permite o acesso a mais informações, e o
que permite ter o dinheiro para colocar uma ideia em prática. Ou talvez ele não tenha pensado que o
famoso "risco" que o capitalista assume ou o de "responsabilidade maior", é um argumento que não
pode ser generalizado para trabalhadores já que, e mais ainda em determinados tipos de trabalho, eles
assumem tanto ou mais risco que o capitalista assume".

Bukharin toca num ponto muito interessante e que vale a pena ser citado e demonstado mais uma vez.
Böhm-Bawerk fala em riscos de empreendimento, mas não leva em conta os riscos que o trabalhador
corre, que é realmente quem gera a riqueza e está sendo explorado.

Dentre esses muitos riscos há por exemplo, o de perder o emprego, e o de se acidentar seriamente,
colocando literalmente sua integridade física ou sua vida em jogo. Para piorar, as probabilidades disso
acontecerem se tornam justamente maiores no cenário de um pretenso e legítimo livre-mercado que
Böhm-Bawerk imaginou para o seu exemplo.

Afinal de contas, em um mercado desregulamentado, não existiriam coisas como uma CLT ou algo do
tipo, ou agências reguladoras para restringir ou fiscalizar certas coisas como os equipamentos ou a
segurança, pois consequentemente ela iria estragar ou impedir a concorrência no livre-mercado. Tal
ambiente tornaria ainda mais fácil acidentes no trabalho, já que não haverá uma exigência e
regulamentação tão grande quanto a isso, ainda mais para o capitalista que quer lucrar, com menos
custos. É a vida e integridade física do proletário que está em jogo. Não que as agências reguladoras ou
órgãos do tipo sempre façam um ótimo trabalho impedindo - não, isso ainda acontece mesmo com elas,
ainda mais em um Estado burguês. Mas é para fins de comparação.

E esse cenário também em muito facilitaria as demissões. Em um livre-mercado, o trabalhador pode ser
contratado ou demitido a hora que o patrão quiser. E isso é um risco também: o trabalhador não tem
instrumento de trabalho próprio, não nasceu proprietário de meios de produção, portanto, ele não tem
opções a não ser vender ela ou morrer de fome. E isso é inerente e proposital ao capitalismo, já que é
sempre necessário que alguém faça o trabalho por um custo barato, que poucas pessoas fariam em
condições dignas. Sua única fonte de renda é o seu próprio trabalho (humano), é essa classe chamada
por Marx de “proletários”, que seria justamente a base para a transformação social, econômica e
política da teoria dele.

Vimos a questão que o trabalhador também assume riscos, e que esses mesmos são justamente mais
frequentes justamente no cenário escolhido por Böhm-Bawerk. É preciso ainda investigar de onde vem
a "oportunidade" que alguns têm de optar pela "abstinência" enquanto a maioria não tem esta
oportunidade. Marx fornece esse processo, no que chama de "acumulação primitiva". A abstinência em
si não explica nada. É preciso adentrar a produção para entender o que acontece ali que faz com que o
capital entre com um valor e saia com um mais-valor: não basta simplesmente esperar o tempo passar,
deixar de consumir e se arriscar em empreender. Esse dinheiro precisa ser aplicado de alguma forma,
precisa especificamente virar capital, precisa tocar a produção. E aí que a teoria de Bawerk perde
qualquer capacidade de explicação. O segredo não está na abstinência e no risco, mas na produção. É ali
que precisa ser encontrada a explicação, não numa suposta preferência temporal. No entanto, Bawerk
não tem explicação para isso, ou seja, a a "mágica" que acontece na produção.

Nesse sentido, Karl Rodbertus descreve o processo assim : "Em todas as empresas, em todos os ramos,
de todas as fases de produção, se está rendendo trabalho ininterrupto. Quando as matérias-primas são
extraídas, as fábricas de produtos intermediários já as transforma , e os fatores que produzem
ferramentas já substituem aqueles que foram amortizados, e no final da fase de produção, já estão
prontos os produtos de consumo. Na sociedade moderna nós não temos que esperar até o final do
processo indireto de consumir, uma vez que o processo de produção não começa ou termina com a
extração de matérias-primas ou produtos intermediários, nem se conclui com a produção comercial dos
objetos de consumo; este processo é uma soma de todos os processos parciais simultâneos. Uma
análise da economia moderna nos fará ver que estamos lidando com um sistema já desenvolvido de
produção social. Isto pressupõe uma distribuição social do trabalho e da simultânea disponibilidade de
todas as fases do processo produtivo".

Nesse sentido, vamos supor então o Capital Constante (em reprodução simples) como 3c, dos quais um
terço é "c", se transforma em bens de consumo. Designemos o Capital Circulante em exercício como "v",
e que a mais-valia anual é "s". O produto anual terá um valor de c + v + s, enquanto o novo valor
produzido anualmente será só v + s; "c" não se reproduz em absoluto, mas é adicionado ao produto, é
só o rendimento da produção no início do ano passado, ou de anos precedentes. Uma parte de "c"
'madura' em bens de consumo por ano, porém o número de horas de trabalho (v + s) diminui
anualmente em 'c' horas para a produção de meios de produção. Assim, vemos que cada ciclo de
produção abrange tanto a produção de meios de produção como dos meios de consumo; e que,
portanto, o consumo não precisa ser "adiado", já que a produção de meios de produção não é uma
operação de introdução, mas sim que os processos de produção, consumo e reprodução seguem sem
nenhuma interrupção.

Ou seja, a teoria de Bawerk comprovadamente esconde a base de dependência econômica e lucro além
da natureza histórica dos relacionamentos modernos, a estrutura de classes da sociedade, e o caráter de
classe do lucro, ao dizer que tudo é uma questão de "Esperar" apenas.

Consideremos essa questão na teoria de Böhm-Bawerk: A essência e o núcleo da teoria do interesse, diz
Bawerk, é a menor avaliação dos bens futuros em relação aos bens presentes. Qualquer diferença com
isso na sociedade atual se deve, segundo ele, ao fato de que:

"As diferenças de valorização são maiores em pessoas que vivem 'ao dia', e menores com as pessoas
que já têm uma certa quantidade de bens ". (Böhm-Bawerk: Teoria Positiva, pp 471, 472.)

Porém, como há "tantos funcionários, por causa de sua superioridade numérica", o preço é uma certa
comissão, como resultado de avaliações subjetivas, que é o lucro. Mesmo se aceitarmos que as
diferenças na valorização dos bens presentes e bens futuros é uma das causas indiretas da origem do
lucro, a diferença da situação econômica das diferentes classes é a base deste "fato". A diferença nas
avaliações inevitavelmente pressupõe uma diferença social. Mas Böhm-Bawerk faz todos os esforços
para esconder essa questão:

"Pode haver casos, á parte de outros causas de compra de trabalho aparentemente muito barato, que já
foram citadas em algumas circunstâncias isoladas, ou a ocorrência de outras razões para a compra de
trabalho anormalmente barata, como por exemplo: o uso habilidoso de uma situação favorável aos
negócios, opressão usurária do vendedor, particularmente dos trabalhadores ". (Böhm-Bawerk: .. Teoria
Positiva, p 505, nota de rodapé)
Mas estes casos de 'exploração real', Böhm-Bawerk diz, são anormais. O benefício derivado é um
benefício extra, e não se deve discutir com a categoria que analisa, por mais que ela se baseie em outros
fundamentos e tenha uma significação social-política totalmente diferente.

Mas se examinarmos com mais cuidado, as diferenças não são conceituais. Em ambos os casos, o
benefício ou interesse, é o resultado do câmbio de bens presentes por bens futuros, a venda de
trabalho; porém, em ambos os casos, a superestimação está condicionada pela situação social dos
compradores e vendedores - os capitalistas sempre tentam tirar proveito da situação, que é sempre
favorável a eles, e não favorável para os trabalhadores.

E também ele não nos deixa saber o que exatamente, com exemplos, devemos considerar como
'opressão usurária' ou 'não opressão usurária'; não nos é fornecido nenhuma razão de natureza
econômica, e nem no que isso consiste socialmente. Tão pouco nos dá um critério para saber em que
caso a compra de trabalho é, "aparentemente muito barata", e em outra "anormalmente barata".
Böhm-Bawerk não nos oferece distinção, critério ou diferença conceitual.

Se, em resposta a isso, ele afirmasse que o status e posição social não desempenha um papel, nos casos
habituais, apenas destacaria a sua própria incoerência em não aplicar isso explicitamente em sua
explicação de 'situações anormais'. É como se ele se sentisse desconfortável em dissertar acerca dessa
questão, ou que quisesse esconder ou ocultar esses casos, ou que evitasse entrar de forma muito
aprofundada nessa questão de posição social.

Ele destaca um instinto muito claro para negar a opressão social, e mesmo nas 'situações anormais", ele
minimiza a situação. Analisando de forma geral a tese da Teoria do Benefício, percebemos que Böhm-
Bawerk tenta evitar qualquer contato com a realidade social que ele interpreta. O nosso objectivo tem
sido simplesmente para ilustrar a base teórica em que Böhm-Bawerk projeta seus esquemas. A
conclusão que tiramos disso é que: ou os seus pressupostos fundamentais estão em desacordo com a
realidade, ou o fator social está ocultado com dificuldade, para não ficar explícito a conclusão óbvia que
tirariam disso: a de que o fator da avaliação dos bens é bem diferente do que ele teorizou; ou seja, a
verdade é qe isto depende do fator social, ou seja, a avaliação dos bens futuros como dependente da
>>posição econômica do avaliador<<.

Por essa razão Charassoff diz:

"Trabalho ... sempre tem menos valor do que os salários atuais. Mas isso não nega a existência do
excedente de trabalho,então a única intenção é tentar explicar de forma inconsistente ou fingir algo
para justificá-la de alguma forma. "

Tal como Bukharin descreve que Marx riu e usou de sarcasmo como reação inicial a teoria de Nassau
Senior, também o revolucionário Aleksandr Parvus, sobre Böhm-Bawerk e sua insustentável é irreal
ironia, usa de ironia e humor quando vê o argumento do austríaco:

"Valor atual e valor futuro: o que não pode ser provado com isso? Se um homem tomar o dinheiro de
outro com a ameaça de violência, como você chama isso? Um assalto? Não, nos diz Böhm-Bawerk. É um
comércio legítimo. O assaltante prefere o valor presente do dinheiro, do que o valor futuro da salvação
eterna; o homem que está sendo assaltado prefere o valor futuro de sua vida, do que o valor presente
do seu dinheiro"

Em outras palavras, o ponto da questão também é que Bohm-Bawerk não prova que o ganho não sai do
trabalho excedente sobre o trabalho necessário para reproduzir a força de trabalho, e egoisticamente
não leva em conta que a diferença valorização pressupõe uma posição social definida e uma distribuição
prévia dos bens, que ele curiosidamente não está interessado em analisar (sendo que Marx faz e prova
isso, ao dissertar acerca da acumulação primitiva), como brilhantemente demonstrou Bukharin, de que
talvez ele deveria ter pensado que não há como negar ou justificar uma opressão e exploração quando o
próprio sistema se encarrega de criar condições de base para que os trabalhadores preferirem o valor
presente de sobreviver mais um dia vendendo exaustivamente a sua força de trabalho, do que algum
tipo de futuro em que irão morrer de fome.

E a prova de que ele sabe que está fazendo desculpas baratas, é que ele diz que há casos em que
"tirando proveito de uma situação especial", muito embora ele não especifique que casos são esses, ou
"exploração usurária", e que nesses dois casos há exploração, pois isso nem ele pode negar.

Um ponto-chave do erro de Bawerk, é que há é uma axiomatização a priori e analítica das vontades
humanas: tomar algo que faz-se essencialmente experiência (ação humana), um juízo sintético, como
ponto central de um juízo a priori, e analítico, além do absurdo da implicação de algo como a motivação
da ação - através da abstração - poderá transcender propriedades do ser tal qual é a vida, é totalmente
absurdo pois considera ambos simultaneamente.

Afinal de contas, as estruturas capitalistas não se dão como forma de simples lucro aos anseios e sim ao
acúmulo de capital, pois, dando-se que as riquezas advém do trabalho, precisa-se de trabalho para a
existência de mais riqueza. Justo até aqui. Há ação de usos materiais, isso é, uma relação do ser e com
as próprias riquezas, influindo em suas ações – por isso a produção conta com uma superestrutura
social, as riquezas não existiriam sozinhas –, então precisando-se de mais riquezas para uma melhor
capacidade de ação.

Além disso, mais do que investimentos, ser-se-ão usados para a manutenção das estruturas de obtenção
de riquezas, e não ao bel-prazer. Quer dizer, o capitalista não está ali como desconhecedor da realidade
que o cerca. Caso ele queira um acúmulo maior – e/ou um lucro maior –, ele deve conhecer e agir na
realidade que habita (é que Bawerk não se aprofunda), ou seja, além de conhecer a própria produção,
conhecer as formas de maximização de lucro e/ou acúmulo, que ser-se-iam seus objetivos (ex: Suíça é
usada como paraíso fiscal, Reserva Federal do EU, e outras relações que envolvam a ausência do
pensamento unicamente linear).

Porém, como afirmado antes, Böhm-Bawerk abstrai sua teoria da realidade material que o cerca.

Não haver garantia do sucesso implica que é algo totalmente caótico, ou seja, não possui uma
determinação analítica tal qual acreditavam os próprios austríacos, não? Ao que parece, levando em
conta isso, o método de Bawerk é errôneo.

Ademais, as relações entre produção e população não se dão apenas em função da população, mas da
própria produção, dos anseios do detentor dos meios, das relações de poder que regem o detentor e os
meios e as condições naturais. Afinal, caso fossem apenas em função da população, ser-se-ia a produção
a única a ser moldada e a sofrer mudanças, conforme os anseios populacionais, e não a produção
condicionar os anseios.

Porém, um argumento comum dos fãs do Austríaco, há também quem diga que Marx não leva em conta
"tempo" na mais-valia. Se tivessem lido, especialmente Maquinaria e Grande Indústria, um capítulo
histórico de O Capital, saberiam que uma das justificativas que leva o capitalista a adiantar capital para
modernizar sua fábrica, substituindo o trabalho manual pelo trabalho do maquinário, tem a ver com um
conjunto de fatores (competição por exemplo). Tudo isso tem a ver com tempo. Cito um trecho para
deixar isso claro:

"Logo que se introduz maquinaria em qualquer ramo da produção, aparecem, passo a passo, novos
métodos para reproduzi-la mais barato e aperfeiçoamentos que atingem não só partes ou dispositivos
isolados, mas toda sua construção. Por isso, em seu primeiro período de vida, esse motivo especial para
o alongamento da jornada de trabalho atua de modo mais agudo. As demais circunstâncias
permanecendo as mesmas e com uma jornada de trabalho dada, a exploração do dobro do número de
trabalhadores exige igualmente a duplicação da parte do capital constante despendida em maquinaria e
construções, bem como a da despendida em matéria-prima, materiais auxiliares etc. Prolongando-se a
jornada de trabalho, amplia-se a escala da produção, enquanto a parte do capital despendida em
maquinaria e construções permanece a mesma. Por isso, não só cresce a mais-valia, mas diminuem as
despesas necessárias à exploração da mesma. Na verdade isso também ocorre mais ou menos em todo
e qualquer outro prolongamento da jornada de trabalho; aqui torna-se mais importante porque a parte
do capital transformada em meio de trabalho é em geral mais importante."

Ou seja, Marx considerou o tempo sim, principalmente na mais-valia absoluta, onde o dono dos meios
de produção aumenta a carga horário fazendo com que o trabalhador produza mais. Porém,
percebendo o desgaste natural e intelectual do corpo do trabalhador o capitalista então recorre a mais-
valia relativa onde não é mais o tempo da jornada de trabalho que é aumentado, e sim a intensificação
do trabalho, ou seja é incluído mais tecnologia que faz com que faz com que o trabalhador produza mais
em 8h o que ele só iria produzir em 12h. Um bom livro sobre isso é "A situação da classe trabalhadora
na Inglaterra".

A questão da mais-valia relativa, é outra coisa que pode ser usada nessa questão. Ela dificilmente seria
aplicada no exemplo de Bawerk e mostra que ele estava errado, haja visto que ela já pressupõe que não
há um sacríficio, por conta do alto nível tecnológico e produtivo. Tal método, mantendo invariável a
duração do dia de trabalho, consiste em reduzir o tempo de trabalho necessário e, em consequência,
aumentar a mais-valia recebida pelo capitalista. O aumento da produtividade do trabalho nos ramos
dedicados a produção de objetos de consumo dos operários e também, nos que fornecem instrumentos
e materiais para a produção destes objetos de consumo, conduz a uma redução do tempo de trabalho
necessário a produção de tais objetos. Devido a isto, diminui o valor dos meios de existência dos
operários e baixa, correspondentemente, o valor da força de trabalho. Se anteriormente eram gastas 6
horas na produção dos meios de existência do operário, agora, digamos, gastam-se apenas 4 horas. A
duração do dia de trabalho permaneceu a mesma, mas a grandeza do tempo de trabalho suplementar
aumentou devido ao fato de se haver modificado a relação entre o tempo de trabalho necessário e o
tempo de trabalho suplementar. A mais-valia, que surge em consequência da diminuição do tempo de
trabalho necessário e do correspondente aumento do tempo de trabalho suplementar como resultado
da elevação da produtividade do trabalho, chama-se mais-valia relativa.
Nos primeiros estágios do desenvolvimento do capitalismo, a mais-valia absoluta tinha predominância,
mas com a introdução da produção mecanizada, quando uma técnica altamente desenvolvida possibilita
uma rápida elevação da produtividade do trabalho, os capitalistas manifestam a tendência de
intensificar a exploração dos operários, principalmente através do aumento da mais-valia relativa. Ao
mesmo tempo, tal como antes, eles se empenham na prolongação do dia de trabalho e particularmente
no aumento da intensidade do trabalho. Para o capitalista, a intensificação do trabalho dos operários
surte o mesmo efeito que a prolongação do dia de trabalho: a prolongação do dia de trabalho de 10
para 11 horas ou a elevação da intensidade do trabalho de um décimo proporciona-lhe o mesmo
resultado. De outro lado, a intensificação do trabalho tem para o capitalista importância análoga a
elevação da produtividade: conduz ao crescimento do trabalho suplementar e, com isso, a modificação
da correlação entre o trabalho necessário e o trabalho suplementar. Ou seja, já não é mais literalmente
como antes, na época da mais-valia absoluta que era predominante.

Outro fator interessante para provar a mais-valia, é um exemplo na dinâmica direta do lucro. Como o
próprio nome diz, a mais-valia é uma produção a mais. O patrão busca ganhar mais do que ele investiu.
Nesse caso, existe um cálculo para dizer o que é mais-valor, e o que não é, e que é explicado em O
Capital.

Nesse sentido, um bom exemplo histórico para pensarmos a importância do mais-valor dentro das
negociações salariais são as fabricas americanas de Chicago, no final dos anos 1980. Naquela época os
sindicatos daquela região eram muito fortes, e a partir de um jogo político desmedido e greves, eles
conseguiram um salário maior do que o 'mais-valor'. O resultado foi que muitas indústrias faliram. Ou
seja, o exemplo histórico nos mostra que existe um limite do valor, e de um mais-valor que inclusive,
demonstra empiricamente que o patrão não perde com a perda do mais-valor, só não fica mais rico,
provando então a existência da mais-valia.

Para resumir alguns pontos principais, de uma forma direta os pontos mais elencados e (algumas)
respostas são:

1. Preferência temporal aumenta o valor do sacrifício do investidor, portanto, o investidor deve receber
o valor de seu investimento mais uma quantia, caso contrário, eles é que estarão sendo explorados.

R: Pois bem, partindo desse princípio, encontramos um questionamento: como saber quanto vale a
quantia paga para cobrir o investimento do capitalista e ainda gerar lucro? Como saber o quanto o
trabalhador deve ao seu patrão pelo uso de seu capital? Não há equação ou fórmula para isso, então, o
que resta é a negociação. Pois bem, o capitalista e o empregado devem discutir como será feita a
partilha do valor da produção. Entretanto, encontramos outro problema: para que a partilha seja
correta é necessário que ambas as partes concordem com ela. Contudo, o patrão tem poder de
barganha maior por dois motivos: a. Há maior oferta de mão-de-obra do que capitalistas, então, os
capitalistas têm vantagem de poderem escolher a mão-de-obra à vontade, enquanto os trabalhadores
devem ser escolhidos para a vaga. Percebe-se a óbvia vantagem do capitalista na negociação da partilha
dos lucros. b. O trabalhador precisa de seu salário para sua sobrevivência imediata, já o empresário não
está sob tanta pressão: se não der emprego a outrem, pode manter seu capital para uso próprio. Já o
empregado, evidentemente, não tem essa possibilidade. Então, a aquisição da vaga é mais urgente ao
trabalhador do que o preenchimento da vaga para o empresário. Logo, o empresário tem maior poder
de barganha. Afinal, ele tem os meios de produção. Tendo poder de barganha maior, o capitalista tem
maior influência sobre a partilha dos lucros, podendo, portanto, impor uma determinada forma de
partilha com grande tranquilidade. Então, sendo os poderes de barganha desiguais, abre-se a brecha
para que a forma de partilha seja fruto da preferência de uma das partes passando por cima da
preferência da outra parte. Então, veja: o trabalhador paga algo com pouco ou nenhum poder de
decisão sobre quanto pagará. Mas há outro problema: o trabalhador, como já dito, depende do salário
para sua sobrevivência imediata, portanto, se o trabalhador sem capital próprio não aceitar a vaga, ele
irá morrer de fome. Então, o trabalhador é obrigado a se alugar para poder sobreviver.

Vejamos: A. O lucro do capitalista é oriundo do pagamento do trabalhador com seu trabalho pelo uso do
capital do empresário. B. O trabalhador tem pouco poder de barganha para decidir quanto irá pagar. C.
O trabalhador, por depender do salário, é obrigado a alugar sua força de trabalho, ou seja, é obrigado a
pagar com seu trabalho o lucro do capitalista.

2. Ao extinguir o lucro do capitalista, mata-se o incentivo de investir e, portanto, não há produção e nem
capitalismo.

R: É um espantalho. Marx considerava a mais-valia algo necessário para a existência do capitalismo, tal
como o imposto é necessário para a existência do Estado. Então, Marx não propunha que se mantivesse
a economia capitalista, apenas abolindo a mais-valia. Na verdade, propunha a abolição da economia de
mercado. Inclusive, o aspecto exploratório do capitalismo é secundário para a crítica marxista ao capital,
já que ele trabalha com uma visão dialética.

3. O empresário corre riscos e, portanto, deve receber quantias que compensem seu risco.

R:De fato, o capitalista corre riscos, mas o trabalhador também. Como eu citei, se acidentar gravemente
e perder a vida ou a integridade física é um deles, pior ainda, pois se acidentando ele não poderia mais
vender a única coisa que tem para sobreviver. Assim como ser demitido. Em um ambiente de livre-
mercado ou "minarquia", sem seguridade social, as coisas se tornam mais complicadas. Se a empresa
começar a ter problemas financeiros, a ocorrência mais comum é que o trabalhador ficará meses sem
receber salário até que consiga vaga em outra empresa ou até que a empresa em que trabalha se
recupere. Se a empresa falir, o funcionário perderá o emprego e sabe-se lá quando conseguirá arranjar
outro emprego. Portanto, o trabalhador corre riscos também e, descontadas as proporções, corre até
risco maior (principalmente se for um trabalhador de baixa escolarização), visto que sua sobrevivência
imediata depende de seu salário, e em muitos casos, ele arrisca a própria vida pela produção.

4. O trabalhador, ao optar pelo trabalho assalariado, demonstra uma preferência temporal mais
imediatista, enquanto, o empresário, ao investir, demonstra uma preferência temporal de longo prazo.
Portanto, as duas partes escolhem esta situação, então, a relação patrão-empregado é voluntária e não-
exploratória.

R: Esta proposição é, com certeza, a mais equivocada. O proletariado não escolhe o trabalho assalariado
simplesmente por ser mais imediatista que seu patrão. Escolhe o trabalho assalariado por necessidade,
pra não morrer. Ele nasceu nessa condição. Então dizer que a posição de empregado se deve à
preferência temporal do trabalhador é de um cinismo inenarrável. E mesmo que ele tivesse outra opção
ou oportunidades (caídas do céu pelo jeito), se todos os trabalhadores viessem a guardar o seu dinheiro
para investir e empreender, não existiriam funcionários para vender sua mão de obra. Ou se todo
mundo tivesse ótimas condições de vida, não venderiam sua mão de obra e trabalho a qualquer custo,
que é justamente a guinada do capitalismo. Por isso se diz que a relação "necessidade e pobreza do
proletariado" X "mais-valia" é estrutural e essencial para o capitalismo.

Porém, vamos fazer um exercício de pensamento para finalizar. É apenas uma suposição para ver o nível
de falácia. Vamos desconsiderar, por um momento, tudo o que foi posto acima nesse grande texto, e
considerar que Böhm-Bawerk estava certo, que a mais-valia e a exploração não existem por serem uma
preferência temporal totalmente voluntária, e de que é perfeitamente justo e normal o capitalista sair
ganhando mais da metade do que o trabalhador produz. Ou seja, que é normal e justificável que o
trabalhador não ganhe o equivalente ao que ele produz pois se trata de uma preferência temporal em
decorrência de riscos e outros fatores que o capitalista assume, mesmo ignorando o fato óbvio de que o
patrão em quase todos os casos está vivendo um padrão de vida bem melhor e mais estável e
confortável do que o trabalhador.

Vamos considerar o ponto consequência da teoria de Bawerk, de que tem que ser desse jeito, pois
senão a empresa vai quebrar ou falir, pois o capitalista não vai ter lucro ou vai falir, de que este heroico
empreendedor se arrisca tanto, e que se toda empresa não fizesse isso (se não seguissem essa
preferência temporal) o capitalismo iria estagnar e ser destruído. O argumento do Bawerk continua uma
falácia total.

Mesmo se ele estivesse certo, isso só provaria o ponto de Karl Marx: que o Capitalismo é um sistema
necessariamente e estruturalmente explorador pra existir e para continuar existindo. Mesmo que de
uma forma "justificada" (segundo Bawerk), é necessário no capitalismo, que o trabalhador não ganhe o
que ele produz, é necessário que o trabalhador fique produzindo mais-valor, e ganhando bem abaixo
disso que ele mesmo produz; isso é uma necessidade estrutural do capitalismo. E por isso mesmo Marx
propôs o socialismo.

Já que o burguês precisa sim de toda essa quantia, já que ele se arriscou e blá-blá-blá, e só pode
funcionar dessa forma, isso só prova o ponto de Marx para com o capitalismo. Já que só pode funcionar
dessa forma injusta, senão o patrão quebra e todo o sistema capitalista vai pro ralo, isso mais uma vez,
só prova que Marx estava certo. Chega ate a ser irônico Bawerk provar que a exploração do Capitalismo
é estrutural e necessária para o sistema, mesmo que ele tente justificar.

Ou seja, o senhor Böhm-Bawerk colocou o argumento de "preferências temporais", vulgo, custo de


oportunidade, na decisão do empreendedor como a razão para que a mais-valia esteja errada, pois as
alternativas para a dinâmica do negócio, do ponto de vista microeconômico, gerariam, na maioria das
vezes um prejuízo para o empregado, variando de desemprego a inanição, do contrário, traria prejuízo
para o empregador, como a falência, riscos e etc, que consequentemente traria problemas para o
empregado também.

Em si isso só evidência as relações da dinâmica econômica como ela é. Ele simplesmente diz que a mais-
valia não faz sentido, pois as relações do sistema econômico capitalista não se sustentariam sem ela, já
que a mesma é endógena ao próprio. O que de fato é obvio, e o próprio Marx já dizia isso há muito
tempo antes.
Mas isso não é argumento suficiente para contradizê-la, pois falar que não tem "outro jeito" das coisas
ocorrem, não quer dizer que essa categoria, mais-valia, não exista. É uma tentativa de desmistificação
da teoria marxista, mistificando as relações econômicas; que podem se dar de outro jeito.

Ou seja, o que Böhm-Bawerk esqueceu, é exatamente o que Marx pensou. Marx pensou que, ou o
trabalhador não ganha tudo pelo que produz e o dono dos meios de produção ganham, ou então as
empresas privadas não existiriam porque ninguém iria querer investir nisso. O que Marx concluiu, e que
Bawerk não, é que uma alternativa para manter os funcionários ganhando por tudo o que produzem é
justamente não existir propriedade privada dos meios de produção. Bawerk não considerou essa
possibilidade. Então ele não refutou a mais-valia. Apenas tentou justificar de uma forma extremamente
conformista, por não concordar com uma das conclusões que resolveriam esse problema, do
trabalhador não ganhar tudo o que produz. Tão simplesmente, derrapou as opções e tirou de contexto
as análises e conclusões de Marx frente aquela realidade, e proclamou que o "refutou".

3. O empresário corre riscos e, portanto, deve receber quantias que compensem seu risco.

O maior risco que o empresario corre, no pior dos casos mesmo, é ter que virar trabalhador.
Complemento
12/2/2017

"Resposta a Böhm-Bawerk e algumas de suas críticas á Marx"

Postado no blog: https://reflexoesparaoamanhecer.wordpress.com/2017/02/12/1069/

Esse post é relativamente simples, iremos tão simplesmente abordar alguns dos problemas e críticas do
autor austríaco Böhm-Bawerk, em especial suas críticas a teoria do valor, e examina-los á luz de alguns
fatos acerca da teoria de Marx.

Eu já lancei outro post exclusivamente acerca de Böhm-Bawerk e a suposta refutação a mais-valia. Aqui:

https://m.facebook.com/CPLBrasil/photos/a.111019786038479.1073741828.110806902726434/19333
8694473254/?type=3

Pretendo lançar outros posts específicos para Böhm-Bawerk e críticas mais elaboradas, como o
problema da transformação dos preços de produção, o problema do trabalho, e o suposto problema da
validação da TVT.

Bem, vamos começar por um problema simples apresentado por Murray Rothbard no livro 'An Austrian
Perspective on the History of Economic Thought', que já examinamos e mostramos a farsa que é aqui:

Rothbard afirma:

"O volume III de O Capital foi submetido a uma demolição detalhada e completa, dois anos mais tarde
por Bohm-Bawerk em seu extenso ensaio de revisão "Karl Marx and the close of his System". Um século
mais tarde, a refutação devastadora de Bohm-Bawerk do Volume III continua, e portanto, o sistema
marxista permanece destruído.

Böhm-Bawerk, também, coloca a grave contradição interna da teoria marxista de forma clara e rígida:
Marx alegava que os bens eram trocados no mercado em proporção às quantidades de trabalho
incorporadas neles (isto é, que seus valores são determinados pela quantidade de trabalho - horas
necessárias para produzi-los), mas também admitiu que as taxas de lucro de todos os bens tendiam a
ser iguais. E, no entanto, se a primeira cláusula for verdadeira, as taxas de lucro seriam
sistematicamente mais baixas em proporção à intensidade do investimento de capital, e maiores em
proporção à sua intensidade de trabalho de produção ".

A fonte de todo esse problema vem de uma má leitura de Marx, e é evidente pela sentença acima de
que "Marx alegava que os bens eram trocados no mercado em proporção às quantidades de trabalho
incorporadas neles (isto é, que seus valores são determinados pela quantidade de trabalho - horas
necessárias para produzi-los)".

O grande problema é que Rothbard, por incapacidade ou total ignorância, impõe em Marx uma visão
estranha totalmente estranha para ele: para Marx, valor e preço nunca são os mesmos, eles
sistematicamente divergem. O que incorpora o trabalho é o valor, mas não o preço, que pode flutuar
por vários motivos (inflação, deflação, e etc) e que é o evidente na hora da troca.

Rothbard então prossegue:

"A resposta dos apologistas marxistas para esse problema posto por Böhm-Bawerk, foi a afirmação
escandalosamente falsa de que Marx nunca quis que seus valores determinados pelo trabalho,
determinassem ou de alguma forma afetassem os preços de mercado".

O problema de toda essa afirmação é o não-entendimento do método de Marx. Nesse caso, o que ele
não entendeu é que "O Capital" está estruturado em diferentes níveis de generalidade. Podemos
distinguir três principais:

1. o primeiro está na ausência de equalização da taxa de lucro e com oferta e demanda em equilíbrio,
logo, os preços são iguais;

2. com uma equalização da taxa de lucro perfeita, e com oferta e demanda em equilíbrio, temos preços
iguais aos preços de produção;

3. então, quando a oferta e a procura flutuam em torno dos preços de produção, os preços de mercado
nascem.

Ou seja, Marx não se contradiz, como Rothbard e Böhm-Bawerk erroneamente afirmam, mas ele está
falando de instâncias diferentes de abstração. São situações que Marx não só explícita que são
diferentes, como deveria ser a obrigação de qualquer um que estuda ou se põe a criticar Karl Marx,
deveria o fazer.

Tanto Rothbard como Bohm-Bawerk são incapazes de ver isso por causa de sua leitura superficial de O
Capital, ou por sua total incapacidade de entender, como já definia Roman Rosdolsky.

Saindo do livro de Rothbard e sua menção a Böhm-Bawerk, podemos encontrar críticas básicas e
próprias no livro do segundo (Bawerk), do qual trataremos abaixo.

A questão importante é que, se Marx diz ter encontrado o “tempo de trabalho socialmente necessário”
para produzir uma mercadoria como único fator determinante comum a todas as mercadorias no valor
final de troca, Böhm-Bawerk encontrou exceções que supostamente furariam o que Marx chama de “lei
de valor”. Elas serão mostradas abaixo com a devida resposta.

1. Bens raros não obedecem a essa lei. Seus valores não se encontram proporcionais ao tempo médio de
trabalho. Isso inclui quadros e outras obras de arte – exemplos que erradamente levam as pessoas a
acreditarem que essas são “pequenas exceções”. A regra vai muito além: terrenos, bens patenteados,
direitos autorais, segredos industriais e outros exemplos nos mostram o quão comum são esses tipos de
produtos. Terras são rarefeitas por natureza, visto que não se pode replicar espaço físico. Existe uma
quantidade infindável de bens que são rarefeitos, frutos de patentes, direitos autorais e segredos
industriais. Embora não caiba aqui discutir se tais artifícios são corretos ou não, o fato é que sendo
rarefeitos são valorizados e compõem uma grande parte da gama de produtos que o mercado possui. É,
portanto, uma “exceção” bastante comum. Uma prova disso foi de quando o próprio O Capital I original
foi vendido por milhões em um leilão.

R: Já respondemos isso antes, em especial, no caso de que a edição de 'O Capital' foi vendida por
milhões, e muitos clamaram que 'O Capital refutou O Capital'. Explicarei o que aconteceu nesse caso (e
que se aplica perfeitamente ao que o texto liberal propôs):

Primeiro, a teoria marxista do valor é referente a mercadorias, ou seja, ela não se aplica ao que não é
produzido para ir ao mercado. Portanto, a natureza externa a nós humanos que não depende de nós
para existir e que a nós pode nos servir para satisfazer necessidades e desejos só é mercadoria quando
se torna privada e é trocada sob a mediação de trabalho humano, pois enquanto não é apropriado pelo
trabalho humano a natureza só tem utilidade potencial, valor de uso não consumido. O valor é uma
relação social de comparação de coisas com naturezas diferentes para poder trocá-las, então tudo que
não é produzido para ser trocado não tem valor, apenas utilidade social (valor de uso). Mesmo uma
terra virgem vendida antes de qualquer trabalho para poder consumir sua utilidade, ela é
comercializada com referência na especulação do que nela pode ser produzido, ela tem valor da renda
que gera com o trabalho que nela poderá se empregar para produzir.

Continuando: a edição original de O Capital que foi leiloada, de acordo com o próprio conteúdo da
teoria do valor-trabalho que se encontra nela, não tem valor e sim preço.
No Livro I de O Capital, Marx explica a categoria "mercadoria" a partir das abstrações mais simples e
gerais possíveis do capitalismo (como tomando a equivalência entre oferta e demanda, ou o equilíbrio
entre valor e preço, como dados, por exemplo). Nesse primeiro nível de abstração, que é provisório, e
que de acordo com o próprio método da Contribuição à Crítica da Economia Política, vai do mais geral e
abstrato ao mais específico e concreto, do mais simples ao mais complexo, a mercadoria é todo produto
do trabalho humano objetivado com propriedades naturais qualitativas e socialmente úteis para
satisfazer necessidades e desejos humanos que tem como finalidade a sua comercialização. Portanto,
toda mercadoria teria valor de uso, valor e valor de troca no Livro I. Todavia, já no próprio Livro I, Marx
pontua a existência de coisas que tem valor de uso, mas não tem valor e valor de troca (como a luz, o ar,
as terras virgens, etc); e de coisas que tem valor de uso e são produto do trabalho humano, mas não
tem valor e valor de troca porque não foram produzidas para ir ao mercado serem trocadas, e sim para
satisfazer diretamente as próprias necessidades do seu produtor imediato. Ou seja, O próprio Marx já
previu esses delírios dos economistas vulgares:

''Uma coisa pode ser valor de uso sem ser valor. É esse o caso quando sua utilidade para o homem não é
mediada pelo trabalho. Assim é o ar, a terra virgem, os campos naturais, a madeira bruta etc. Uma coisa
pode ser útil e produto do trabalho humano sem ser mercadoria. Quem, por meio de seu produto,
satisfaz sua própria necessidade, cria certamente valor de uso, mas não mercadoria. Para produzir
mercadoria, ele tem de produzir não apenas valor
de uso, mas valor de uso para outrem, valor de uso social.''

Contudo, Marx evidencia que há valores de uso que não são produzidos pelo trabalho humano -
portanto, não tem valor -, mas que mesmo assim são trocados no mercado, sendo então também
caracterizados como mercadorias. O exemplo mais notável disso são as mercadorias fundiárias, as terras
e terrenos, que não são produzidos pelo trabalho humano, são legados da natureza não humana
sozinha, abstraindo o pouco trabalho de apropriação desses tipos de mercadoria. Então Marx se
pergunta como podem ser comercializadas essas mercadorias se elas não tem nenhum padrão social
objetivado nelas - mesmo que seja o padrão de uma relação social escondida pelo valor de uso através
do fetichismo da mercadoria -, como o trabalho humano vivo abstrato socialmente necessário para sua
produção, que outras mercadorias possuem?
A resposta de Marx é que essas mercadorias que não são produto do trabalho humano ou de um
trabalho humano mensurável (por ter sido um trabalho ínfimo ou extremamente longo, de séculos, que
o torna inapreensível) é que elas não tem valor e sim preço. Isso significa que agora mercadoria não é só
o que é produto do trabalho humano para ir ao mercado ser trocada, mas também tudo que é
privatizável, ou seja, que se possa privar o seu uso generalizado ou público para trocá-la por outras
coisas, principalmente por mercadorias que são produto do trabalho humano, e que assim tem valor (é
dessa definição que vem a ideia de que Marx teve referência no Rousseau).
Assim, as mercadorias que não são produtos do trabalho humano, ou de trabalho humano mensurável,
tem seus preços definidos com base na expectativa de criação de valor na economia produtiva e sua
realização nas taxas e massas de lucro, a partir da quantidade de dinheiro em circulação no mercado
que se comporta como um parâmetro de demanda.
Com isso, podemos constatar que o que é demandado nesse bem leiloado não é o conteúdo da obra O
Capital, porque esse é reprodutível, e sim o caráter único da sua primeira peça. É essa unidade original,
e só ela, que é demandada, que como tal, como primeira peça, portanto, como símbolo ou relíquia, é
irreprodutível, por isso é única, extremamente escassa e rara, fazendo sua oferta como tal ser muito
menor que a demanda.
Todavia, para essa peça se tornar um símbolo tão demandado, um valor de uso tão caro aos desejos da
fantasia humana, ele precisou ser produzido como tal pelas experiências que se sucederam à existência
do seu conteúdo, à trajetória do seu autor e de todo o marxismo. Um processo de mais de 150 anos,
mesmo que não necessariamente voluntário, para que a primeira unidade dessa obra ganhasse esse
status no seu valor de uso como tal, como símbolo e relíquia. E assim como obras de arte pré-moderna e
moderna (excluindo a arte contemporânea), essa primeira edição é uma relíquia produzida como tal por
um trabalho humano e social que é inapreensível para ser mensurado em abstrações de quantum de
dispêndio de energia, músculos e nervos expressos num tempo socialmente necessário para sua
produção. É uma coisa que, como diria Walter Benjamin, tem uma aura, uma trajetória que as tornam
únicas. Portanto, elas não tem valor, mas por serem privatizáveis elas podem ser precificadas com base
na demanda que a quantidade de dinheiro em circulação na economia indica, tendo como base o
quantum de valor está sendo realizado como lucro na economia de produção de mercadorias que é
produto do trabalho humano para o mercado.

Outros autores da sociologia econômica e cultural, como Weber e Bourdieu, criaram teorias de
mensuração do valor simbólico das coisas que não tem valor "econômico", no sentido da materialidade
do trabalho.
Esses autores entendem que são as disputas por consagração dos bens de satisfação simbólica, por
parte dos agentes sociais alocados nas posições da estrutura de atividades que tem uma autonomia
relativa do todo social, como um microcosmo social (que Bourdieu chama de campo simbólico), que
produzem o seu valor simbólico.
Isso se dá pelo fato da sociedade legitimar o juízo desses agentes fechados em si mesmos, na sua luta
interna, para consagrar o que tem valor e o que não tem, o que está fora do campo; o que está dentro,
mas é dominado; e o que está dentro, mas é dominante.
Então, é quanto mais autonomia cada campo da atividade cultural adquire perante da economia e da
política, que seus agentes aumentam o valor simbólico dos bens que produzem, os fazendo ser cada vez
mais impagáveis materialmente ou monetariamente, como o quadro da Monalisa, por exemplo.

2. Produção por trabalho qualificado. Essa supostamente seria uma exceção tão óbvia que 'nem Marx
ousou negá-la'. Ao contrário, tentou encaixá-la em sua teoria, afirmando que a mão-de-obra qualificada
gera um efeito multiplicador na proporção, ou seja, uma hora de trabalho qualificado valeria, digamos,
duas horas de trabalho comum. Se uma ferrovia alega cobrar sua tarifa proporcionalmente à extensão
da viagem do passageiro – cobrando, num trecho particularmente dispendioso, cada quilômetro
computado como se fosse dois – será possível confirmar que o único princípio para a tarifação seja a
extensão do trajeto ou qual tipo de trajeto esse passageiro tomou? O tipo de trabalho mudar a
proporção não seria um segundo princípio de determinação de valor, portanto, uma exceção? Exceção
das grandes, pois a ampla maioria do temos hoje em bens e serviços são frutos de mão-de-obra
qualificada.

R: Ele deve estar falando sobre a diferença entre trabalho simples e complexo. E há uma confusão na
forma que foi entendida essa diferença aí, uma confusão entre substância e grandeza de valor. Trabalho
simples e trabalho complexo não tem uma substância diferente entre si, ou seja, não são
qualitativamente coisas diferentes, e sim quantitativamente diferentes entre si implicando
externamente numa diferença de qualidade. Isso quer dizer que no trabalho complexo há trabalho
simples subsumido, ou seja, o trabalho complexo é composto por quantidades de trabalho simples
anteriores que o fizeram existir. Daí, a diferença entre um e outro está na grandeza de valor, que é a sua
expressão no tempo socialmente necessário para a produção. Portanto, o que importa para o capitalista
é qual o tempo total que sua unidade produtiva levou para produzir sua oferta de mercadorias e qual a
sua relação com o tempo médio que todos os demais concorrentes do mesmo nicho de mercado levam
para produzir o mesmo montante de oferta. Então a diferença do trabalho simples e do trabalho
complexa fica borrada pelo tempo de duração do fluxo de produção como um todo. Por isso, o exemplo
da ferrovia não tem cabimento nenhum. O empresário desse negócio simplesmente identifica qual o
custo da produção total de sua oferta - porque ele não pode produzir separadas cada parte do trajeto
possível de vender separadas nas viagens -, chegando no tempo de produção dessa sua oferta por fluxo
e qual seu equivalente em dinheiro no nicho de mercado, conforme a média de tempo de todos os
concorrentes, para saber qual é o preço que tem de vender essa oferta inteira. Daí ele pode distribuir
esse preço total em frações por trajeto vendido separadamente conforme à demanda que se tem por
cada trajeto.
Então esse ponto está refutado.

"3. Bens produzidos por mão de obra extraordinariamente mal paga. Análogo ao segundo ponto, mas no
sentido inverso. Alguns trabalhos manuais como bordado, costura, malharia, entre outros, são pouco
valorizados e, por isso, paga-se pouco por eles.

R: Ele está querendo dizer que esses exemplos de atividades mal remuneradas são trabalho complexo
(ou qualificado), por isso deveriam valer mais?
Se for isso, ele está negligenciando o fato que a substância do valor não é o quantum de trabalho que
cada produção isolada, tomada em abstrato, objetiva nas suas mercadorias, e sim o trabalho
socialmente necessário. Então, essas atividades citadas tem concorrentes que com forças produtivas
mais avançadas produzem mais rápido. Portanto, essas atividades manuais estão muito abaixo da média
social do tempo necessário de produção do tipo de coisa que produzem, e o valor está na média social
do tempo necessário de produção e não no tempo de cada produtor isolado.

4. Ainda que os produtos obedeçam uma proporção fiel de trabalho ao seu valor, essa valoração oscila
em relação à oferta e à demanda. Marx diz que a lei de oferta e demanda funciona como um fenômeno
oscilatório em relação ao valor real determinado objetivamente pelo tempo de trabalho e que, no final,
tudo irá obedecer à sua lei de valor. Entretanto, deve-se observar que essas oscilações de valor de troca
são reais e que isso é uma evidência de que existem outros fatores que modificam esses valores. É como
se um físico observasse a oscilação de um corpo em queda livre para, apenas quando ele se espatifasse
no chão, afirmar que tudo não havia passado de meras oscilações passageiras, que o que vale mesmo é
a gravidade, a única componente de força atuante sobre o corpo. A gravidade puxa para baixo e
somente para baixo. Se um corpo, supostamente em queda livre, modifica sua trajetória de forma
absolutamente contrária durante a queda, certamente há outras forças atuando sobre ele, ainda que
desconhecidas.

R: O valor oscila, aumentando ou diminuindo, se as condições materiais de produção do momento


histórico em questão se alteram. Se a produtividade aumenta, o que está estocado de uma produção
anterior com forças produtivas inferiores (mais lentas) tem seu valor depreciado porque a média social
do tempo necessário de produção diminuiu. Se acontece alguma catástrofe imponderável, que
compromete as condições de produção até então vigentes, diminuindo a produtividade, então o que
estiver estocado, que foi produzido na maior produtividade de antes, vai ter seu valor aumentado
porque a média social do tempo necessário de produção aumentou com a catástrofe.
Fora isso, há a oscilação de preços que pode se dar por fatores externos ao valor porque se trata da
expressão deste em algo externo à sua forma natural objetivada de valor de uso, como a prata e o ouro,
ou o papel moeda, ou títulos etc, que podem variar conforme à flutuação da sua quantidade em
circulação, dos juros etc.

5. Marx dizia que, dados dois produtos que contenham a mesma quantidade de trabalho médio
cristalizado, aquele que teve maior quantidade de trabalho prévio seria o mais valioso. Entretanto,
quando percebemos que levamos menos de 15 minutos de trabalho para se plantar um carvalho – que
produz certamente uma valiosa madeira – não teremos como usar esse postulado para explicar porque,
dadas duas mesas com o mesmo processo produtivo, a de carvalho ser mais valiosa, ainda que tenha
custado menos trabalho prévio que a de uma mesa com outro material.
Dessa forma, temos uma plenitude de bens que desabam completamente a lei de valor, que postula a
obediência à regra de que o valor é proporcional ao trabalho cristalizado. É interessante notar que Marx
chamava de transgressão da lei de valor o fato de alguma mercadoria não obedecer a essa lei. E – dado
que lei, na ciência, descreve uma realidade exaustivamente verificada com inúmeros testes – podemos
concluir que, segundo Marx, somos todos infratores da realidade, dada a frequência com que essa lei é
transgredida"

R: A diferença entre as tais duas mesas da qual uma custa mais que outra mesmo tendo o mesmo
tempo de trabalho é o preço e não o valor. Se o tipo de madeira de uma é mais demandado que outro,
mesmo o trabalho de plantação, cultivo e extração seja o mesmo para ambos, o que está sendo cobrado
a mais de um em relação ao outro é algo que não é oriundo do trabalho humano, ou seja, o tipo da
madeira. Valor é só sobre trabalho humano abstrato, que é dispêndio de atividade humana (energia,
nervos e músculos humanos) indiferenciada mensurável. O que é a natureza que produziu sem
interferência humana, como o tipo da madeira, não tem valor, apenas preço.
Complemento pt. 2
Já atacamos com um esboço geral, o valor subjetivo e seus frágeis erros
aqui: https://reflexoesparaoamanhecer.wordpress.com/2017/02/13/um-esboco-critico-a-teoria-do-
valor-do-subjetivo/

Já respondemos todas as críticas de Böhm-Bawerk a teoria do valor de Marx


aqui: https://reflexoesparaoamanhecer.wordpress.com/2017/02/12/1069/

Tal como já nos engajamos em debates com liberais sobre a questão do valor aqui:

https://reflexoesparaoamanhecer.wordpress.com/2017/02/10/resposta-a-geld-e-o-debate-valor-de-
utilidade-x-valor-de-trabalho/

https://reflexoesparaoamanhecer.wordpress.com/2017/02/03/resposta-ao-devaneios-liberais/

Agora, chegou a hora de apontar a falha fatal.

No terceiro volume de O Capital, Karl Marx apresenta o problema da transformação: a transformação do


valor de troca em preços.
A ideia seria conhecer os valores que implicariam na taxa de mais valia, que determinaria a taxa de
lucro, portanto determinaria os preços.
Valor -> taxa de mais valia -> taxa de lucro -> preços.
Dessa forma , Marx formulou uma equação simples.

R = M/ C + V (equação 1)

R - taxa de lucro
M - Somatório do mais-valor ( Preço de produção deduzido do capital constante e capital variável)
C - capital constante
V - capital variável

Se dividirmos em cima e embaixo por V a equação se torna:

R = M/V / C/V + 1 (equação 2)

Assim, Marx chamou M/V de taxa de mais valor e C/V de composição orgânica do capital( que é a
quantidade de meios de produção por trabalhador). Marx percebeu com a equação 2 que para a taxa de
mais valia ser igual a taxa de lucro em todos os setores, a composição orgânica do capital também teria
que ser igual. Entretanto, sabe-se que isso não é verdade. No caso geral, a composição orgânica do
capital varia nos setores, logo a taxa de mais valia diferiria da taxa de lucro.

Por isso alguns críticos alegam que para a transformação ser válida, a composição orgânica necessitaria
ser igual em todos os setores, invalidando a teoria de Marx. Isso é irônico já que a teoria marginalista de
destribuição necessita justamente disso para ser válida e Marx não, como veremos mais a frente.

Marx sabia perfeitamente que a taxa de mais valia diferiria da taxa de lucro com o desenvolvimento do
mercado , como demonstra esta passagem do Capital 3:

"Assim, embora ao vender suas mercadorias, os capitalistas nas várias esferas da


produção recuperem o valor do capital consumido em sua produção, eles não
asseguram a mais-valia, e consequentemente o lucro, gerado em sua própria esfera,
pela produção dessas mercadorias. O que eles asseguram é apenas tanta mais-valia, e,
portanto, lucro, quanto cabe, quando uniformemente distribuída, à parcela de cada
fração do capital social total relativa à mais-valia social total, ou lucro, gerada em
dado período pelo capital social empregado em todas as esferas da produção.
"

Além disso, Marx mostrou tabelas no Capital 3 que comprovavam que o desvio do lucro em relação a
mais-valia se anulavam na totalidade dos setores, ou seja a mais-valia aumenta ou diminui em alguns
setores, mas a mais-valia agregada permanece constante. Isso quer dizer que a mais-valia é desviada e
concentrada para os setores com maior lucro. Nada mais que uma competição realista entre burgueses.

Agora, deixando de lado Karl Marx e adentrando na teoria marginalista:

Admitamos que a maximação dos lucros é a força motora que faz os capitalistas escolherem uma
técnica de produção. Assim, é preciso analisar as trocas de técnica de produção esperadas pela variação
dos salários e da taxa de lucro. A teoria neoclássica usa como base e premissa necessária de que quando
os salários aumentam, os capitalistas escolherão uma técnica de produção "mais intensiva" em capital.
Quando os salários diminuem, os capitalistas escolhem uma técnica de produção "menos intensiva" em
capital. Dessa forma, há uma tendência ao equilíbrio e o valor real de cada classe social equivale a sua
produtividade marginal. O salário dos trabalhadores equivalem exatamente a sua produtividade
marginal do trabalho, dessa forma não há exploração no capitalismo. Ignorando a abstração absurda de
que exista um equilibrío geral na nossa sociedade, passamos para a crítica destrutiva de Sraffa.

O retorno de técnica ou reversal capital deepining

W= salários
R= taxa de lucro

(Atentem-se a IMAGEM 1 nos comentários dessa postagem)

Suponha que existam duas técnicas distintas de produção. A primeira produz trigo , no caso essa técnica
é "mais intensiva" em capital, e logo sua curva w-r é convexa em relação a origem( decrescente em
relação a taxa de lucro). A segunda técnica produz pão e é "menos intensiva" em capital , logo sua curva
w-r é concava em relação a origem( crescente em relação a taxa de lucro).

Como a técnica A(trigo) é mais intensiva em capital, ou seja, possui mais capital constante do que
variável, a variação dos salários não afeta muito a taxa de lucro. Ou seja, a taxa de lucro da técnica A é
menos "elástica" em relação a variação de salários: por isso a curva é convexa ( a taxa de lucro aumenta
aos poucos com a diminuição dos salários).

A técnica B(pão) é menos intensiva em capital, ou seja, possui mais capital variável do que constante,
dessa forma a variação de salários afeta significativamente a taxa de lucro. Ou seja, a taxa de lucro da
técnica B é mais "elástica" em relação a variação de salários: assim, a curva é concava( a taxa de lucro
aumenta bastante com pouca diminuição dos salários).

É possível sobrepor as duas curvas da técnica A e B num gráfico w-r.

Como sabemos a técnica A(trigo) será adotada quando a taxa de salários estiver entre a taxa máxima e
wx. Quando o salário cair abaixo de wx a técnica ß(pão) será mais lucrativa e,portanto, adotada. Até
aqui vemos o movimento descrito pela teoria marginalista: à medida que o salário real se reduz, a
participação do trabalho no produto total aumenta e à medida que a taxa de lucro aumenta, a
participação do valor do capital no produto total diminui.

Entretanto, se continuarmos a reduzir os salários ( ou aumentar os lucros) abaixo de wz, a técnica a


voltará a ser a mais lucrativa e será adotada. Aqui a teoria marginalista sofre de uma grande
contradição. Os salários reduziram acompanhados com uma diminuição da participação do trabalho no
produto total e um aumento da taxa de lucro com um aumento da participação do capital no produto
total. Isso é exatamente o contrário que dizem os que pregam a teoria marginalista.

A teoria de Bohm-Bawerk ,por exemplo, não define a taxa de lucro como o retorno da produtividade
marginal do capital e sim como o período médio de produção- um índice que mede tanto o tempo de
que se leva no processo de produção quanto a quantidade de trabalho aplicada em cada ponto. Não
obstante, essa teoria não consegue resolver os problemas apresentados por Sraffa, pelo contrário, os
resultados são exatamente os mesmos:o retorno de técnica continua acontecendo. (Vide E.K Hunt,
história do pensamento economico, cap 16).

Utilizando a definição de Bohm-Bawerk:

Suponhe que a técnica A(trigo) use quase toda a mão de obra muito cedo no processo de produção.
Vamos supor que na técnica B(pão) tenhamos um período de produção mais longo e uma pequena
quantidade de mão de obra no início e uma grande quantidade no fim da produção.O emprego total de
trabalho na técnica B é maior do que na técnica A, mas o emprego
de trabalho na técnica A é maior do que o emprego pequeno inicial de trabalho ou que o emprego
grande final de trabalho da técnica B, considerados isoladamente.

Com salários baixos e taxas de juro muito altas, o efeito composto das taxas de juros torna o custo do
trabalho empregado no início da técnica B
(lembrando que essa técnica tem um período de produção mais longo do que o da técnica A) tão grande
que ele se torna maior que os custos de salários e juros da técnica A. Portanto, a técnica A é a técnica de
baixo custo e, por isso, será a adotada.

Com a queda da taxa de juros (e com o aumento dos salários), se chegará a um ponto em que o custo
total da técnica B será menor do que o custo total da técnica porque quase todo o trabalho da técnica B
é empregado no fim do período, e o efeito composto da pequena quantidade de trabalho empregado
inicialmente não é tão significativo. Portanto, o capitalista que maximiza seus lucros mudará para a
técnica B.

Entretanto se a taxa de juros continuar caindo e os salários continuarem aumentando, o efeito


composto da taxa de juros ficará menos importante ainda .Inversamente, o aumento dos salários passa
a ser mais importante. A maior quantidade de trabalho total da técnica B acabará tornado-a o meio de
produção mais caro. A técnica A é adotada novamente. A retroca continua acontencendo.

Conclusão

Quando as composições orgânicas de capital são diferentes nos setores, ou seja, o capital sendo
heterogêneo, não há relação simples(monotônica) entre a natureza das tecnica de produção e a taxa de
lucro. Esse fenômeno ficou conhecido como reversão da intensidade de capital (reversal capital
deepining). Ou seja, a teoria neoclássica necessita que a composição orgânica seja idêntica nos variados
setores, sendo extremamente irônico já que essa era a crítica ( errônea aliás) a Karl Marx.

Apesar dos baixos salários, é possível que os capitalistas escolham técnicas mais intensivas em capital,
dessa forma, suas taxas de lucro aumentam quando tenderiam a diminuir. Marx comprova isso no
Capital 3, mostrando que os capitalistas com maior grau de monopólio expropriam lucro dos capitalistas
menos produtivos.Só num mercado com competição perfeita e composições orgânicas idênticas em
todos os setores a taxa de mais valor equivaleria a taxa de lucro. Os desvios do lucro em relação a mais-
valia num mercado com concorrência imperfeita se anulam em sua totalidade, ou seja, a quantidade
exata de lucro a mais que os capitalistas mais produtivos ganharam é exatamente a perda de outros
capitalistas menos produtivos. Isso demonstra uma tendência natural a formação de monopólios no
capitalismo.

O mecanismo de substituição não funciona da forma que a teoria marginalista necessita. É comprovado
que não há uma tendência a taxa de lucros equivaler a produtividade marginal do capital(ou aos salários
equivalerem a produtividade marginal do trabalho). Assim , mesmo que se considere a mais-valia justa
por supostamente ser a produtividade marginal do capital , essa hipótese é falha. Nesse sentido, Sraffa
comprovou Marx e a exploração inerente ao capitalismo, assim como destruiu por completo a teoria
marginalista.

A derrocada acarretou em um dos grandes marginalistas do séc 20, Fergunson, dizendo : “Confiar na
teoria econômica neoclássica é uma questão de fé. Eu,
pessoalmente, tenho fé; mas, atualmente, o máximo que posso fazer para convencer os outros é
invocar o peso da autoridade de Samuelson.”
(Ferguson, 1969, p. xvii-xviii, tradução livre).

Fontes:
http://www.nuevatribuna.es/media/nuevatribuna/files/2013/04/15/production_of_commodities_by_m
eans_of_commodities.pdf
http://livrosgratisbibliotecaonline.com/wp-content/uploads/2016/08/Livros-online-Historia-do-
Pensamento-Economic-E.-K.-Hunt.pdf
https://franklinserrano.files.wordpress.com/2012/03/monografia-final_gabriel-daudt.pdf

Até o Instituto mises.org sobre isso do Sraffa, praticamente admitem que estão errados:

"In the above section we demonstrated that the possibility of reswitching shows that some of the
arguments used by Böhm-Bawerk (and possibly Hayek) concerning the effects of saving on capital
accumulation are not entirely correct. To the extent that some of their arguments (perhaps implicitly)
assumed that any two structures of production could be ranked in degrees of physical roundaboutness,
they were wrong."

https://mises.org/library/reswitching-question
RESPOSTA AO “DEVANEIOS LIBERAIS”
Há alguns dias, foi publicado um artigo-crítica para nós por um hayekiano em um blog. Nós divulgamos o
post com antecedência aqui na página, para que todos pudessem ler a crítica. Agora, chegou a hora da
resposta.

Link da critica em questão: https://devaneiosliberais.wordpress.com/2017/01/27/contra-a-cpl-parte-1-


as-teorias-de-valor/

Antes de prosseguir, gostaríamos de elogiar o texto. Ele está acima da média em relação ao que
geralmente vemos por aí por parte dos liberais e seu criticismo vago e falacioso – o próprio texto
desmente a velha falácia da teoria do valor-trabalho e do buraco, por exemplo. Há alguns poucos
aspectos bastante louváveis, porém, erros crassos e fatais. Alguns deles serão abordados abaixo.

O texto foi preciso apenas com a teoria marxista do valor-trabalho em stricto senso, ou seja, com a
proposição conceitual que a define. Contudo, houveram muitas imprecisões com relação aos
condicionantes e às determinações do que faz o valor-trabalho ser aquilo que a sua proposição
conceitual diz que ele é, o que iremos demonstrar a seguir.

Em especial, também ficamos felizes que o autor do texto não tenha caído na falácia da microeconomia
de que existem duas curvas dadas em si mesmas – a da oferta e a da demanda – que determinam os
preços sem determinar uma a outra e que depois os preços determinam de volta cada uma das duas
curvas, ao mesmo tempo que considera o valor subjetivo. Caso tivesse feito isso, teríamos de
demonstrar a implicação lógica, escondida nessa retórica, de que se o valor das coisas é subjetivo, então
a curva de oferta também seria determinada pela demanda, entrando em contradição com a existência
da oferta e demanda separadas em si mesmas para determinarem o preço nas suas intersecções.

O próprio texto já desembaraçou o emaranhado sofístico da microeconomia sobre a cadeia de


determinações dos preços ao atribuir diretamente à demanda a causa primeira – mais determinante e
estrutural – de todos os demais momentos do processo de formação dos preços. O autor foi honesto e
direto a respeito do fato de que, para a microeconomia, na realidade, a demanda determina a oferta e a
relação consequente entre estas (após a demanda ter determinado a oferta) determina os preços.
Bem, como ele nos poupou o trabalho de ter que esmiuçar a implicação lógica escondida na teoria de
formação dos preços da microeconomia, podemos ir direto para o apontamento dos problemas dessa
inversão da cadeia de determinações do processo de formação dos preços.

O primeiro problema está no fato de que, se a demanda determina a oferta, pois ela se caracteriza
como mais ou menos preferências subjetivas dos agentes econômicos (porque o valor é subjetivo) – no
caso os produtores privados de algo – por certos processos de produção e trabalho do que outros para
ofertar aquilo com que esperam lucrar no mercado, e assim, de acordo com a demanda do que a
capacidade produtiva do processo de produção e trabalho escolhido pelo produtor oferta, os preços são
formados, ao mesmo tempo que eles, os preços, também determinam a demanda desse algo ofertado,
então chegamos ao ponto de que o preço determina o preço? Temos aqui uma tautologia?

Segundo, por mais que no texto esteja escrito que não faria confusão entre valor e preço, o único
problema que de fato foi colocado – a afirmação de que o valor daquilo que ele chama de “técnicas
produtivas” também é subjetivo – contém justamente uma confusão entre valor e preço.

Aliás, essa confusão ficou visível até mesmo no exemplo dele citando Adam Smith. O trecho retirado do
texto abaixo mostra, por exemplo, que ele estava explicando ‘preço’, enquanto Adam Smith fala de
valor. Faço questão de demarcar isso no trecho retirado abaixo:

“A teoria de valor-trabalho é a versão mais popular de um conjunto de teorias de que os preços são
determinados pelas condições das técnicas produtivas, sendo que algumas das alternativas são teorias
de quantidade de energia (no sentido usado na física) e etc. Tais teorias defendem que são as condições
técnicas, i.e, as relações “físicas” entre os fatores produtivos, que determinam o
>>>>>preço<<<<>>>>preço<<<<< de X será 2 vezes maior que o de Y.

Essa elaboração inicial pode ser encontrada em Adam Smith: “Se, em uma nação de caçadores […] matar
um castor geralmente custa o dobro de trabalho de matar um cervo, é natural que um castor deva ser
trocado por ou ter o >>>>>valor<<<<< de dois cervos” – Adam Smith, The Wealth of Nations, p. 47
(Edição da Random House Moder Library, 1937)”

Continuando…

Essa confusão entre valor e preço persistiu no texto - principalmente na acusação de que a teoria do
valor-trabalho não trata de mercadorias irreprodutíveis - porque o autor desconhece totalmente o
conteúdo do Livro III de O Capital. Marx explica perfeitamente que os bens irreprodutíveis, que não são
produto do trabalho humano mensurável pela abstração do seu dispêndio de energia, músculos e
nervos, como são os recursos próprios da natureza não humana, ou como são as obras de arte auráticas,
por exemplo, não tem valor e sim preço.

Portanto, se os recursos naturais diminuem e a capacidade produtiva fica comprometida, aumentando a


média do tempo socialmente necessário de trabalho para se produzir o que se produz com esses
recursos naturais, porque a quantidade de trabalho humano abstrato contido na forma social (trabalho
concreto) de apropriação desses recursos para transformá-los na mercadoria a ser ofertada aumentou,
isso não impede de que, além do valor, os preços desses recursos também tenham aumentado para
além do que aumentou o valor.

Isso acontece justamente porque esses recursos ficaram mais escassos para a quantidade de dinheiro
que o valor criado pela produção de trabalho humano vivo colocou em circulação em toda economia, o
que alterou a relação de demanda e oferta desses recursos, diminuindo à última em detrimento da
primeira até que o fornecimento desses recursos voltem ao normal, ou até que uma alternativa à
necessidade de seu uso produtivo apareça.

Portanto, há tanto o acréscimo de valor do maior trabalho necessário para a apropriação do recurso
quanto o aumento do preço desses recursos que em si não tem valor (porque não são produtos do
trabalho humano) por terem ficado mais escassos. Uma coisa não exclui a outra. O padrão de valor do
trabalho de apropriação e transformação dos recursos aumentou, exigindo um preço mínimo maior
para pagar seu próprio custo de existência, e o preço dos recursos em si aumentaram, ambos os
fenômenos por causa do aumento objetivo da escassez.

Sendo assim, o aumento da utilidade marginal é a consequência e não a causa dessa situação. Nesse
caso, reiteramos, o que faltou ao nosso bom amigo foi ler o Livro III de O Capital. Nele Marx tem seções
inteiras para falar do preço de coisas irreprodutíveis, como o dinheiro (não o papel moeda e nem a sua
reprodução artificial pela especulação financeira, que é tratada justamente como artificial nessa obra,
apesar de funcional ao capital) e as terras.

O que não é reprodutível não tem trabalho humano abstrato que possa ser mensurado por qualquer
expressão socialmente convencionada (como o tempo), portanto, não tem valor. E se for algo que pode
ser privatizado para ser trocado no circuito mercantil, então é uma mercadoria que só tem preço.

Quando a produção e circulação em questão é a de mercadorias que são produto do trabalho humano
concreto que pode ser abstraído em uma quantidade de dispêndio de atividade humana indiferenciada
mensurável em uma expressão social, esse trabalho se comporta, na sua média socialmente necessária
sob certas condições dadas historicamente, como um padrão interno do nicho de mercado dessas
mercadorias para determinar o mínimo preço necessário que elas precisam ter para pagar seus custos
de produção e o quanto de margem de lucro podem ter para concorrer no mercado. Só que, quando se
trata de mercadorias que não são produto do trabalho humano, o padrão de valor para a determinação
do seu preço está fora do seu nicho. Ele se encontra disperso em toda a sociedade, na quantidade de
valor que a economia de produção daquilo que é feito pelo trabalho humano mensurável cria, a partir
da sua expressão monetária de quanto dinheiro essa produção colocou em circulação em toda a
economia.

Portanto, as mercadorias irreprodutíveis, porque não são produto do trabalho humano, tem preços
maiores quanto mais valor os setores de produção do trabalho humano criam e vice e versa, pois
quanto mais valor criado, mais dinheiro ou expectativa de dinheiro em circulação e assim mais
expectativa de demanda por essas mercadorias que não tem valor, mas tem preço.

Prosseguindo no texto, os adeptos da teoria liberal austríaca continuam fugindo de responder de onde
vem a demanda. Chegamos ao cúmulo de ler nesse texto que é a inventividade subjetiva do produtor
que o leva à sua escolha das melhores técnicas para se produzir algo. De acordo com o texto, é o
indivíduo que inventa de sua própria cabeça as técnicas de menor utilidade marginal do que aquilo que
com essas técnicas é produzido.
Gostaríamos de saber, sinceramente, de onde eles tiraram essa conclusão da subjetividade como
determinante do valor só com o pressuposto da utilidade marginal decrescente? Os indivíduos são
tábulas rasas que vivem num universo próprio de cada um, sem relação com ninguém e nem com o
legado natural e histórico dos indivíduos que vieram antes?
Essas distorções idealistas da realidade em abstrações, que só existem na mente humana, vem da falta
de conhecimento sobre o materialismo histórico dialético.

Para entender como é a realidade da única forma que ela pode existir – portanto, como realidade
concreta -, que é uma totalidade estruturada em sínteses de múltiplas determinações e
sobredeterminações hierarquizadas entre si (um complexo de complexos), é necessário aliar a
concepção materialista da história e o método da Economia Política. Aliás, a acusação do texto sobre
uma idealização do irreal com o pressuposto das situações de equilíbrio entre valor e preço feito por
Marx é fruto de outro desconhecimento, o do método da Economia Política.
Vamos tratar agora, primeiro, da concepção materialista da história, em seguida, do método da
Economia Política.
Sobre a concepção materialista e dialética da história:

Como a realidade concreta é uma totalidade estruturada, tudo que existe nela adveio de uma forma
anterior que ela tinha e que estava dada. Portanto, sempre há uma forma dada da realidade que
contém as condições de determinação das possibilidades de existência das formas que se sucederam da
realidade posteriormente. Não há nada que passe a existir do nada, tudo veio a existir do que já era
existente, o que faz a realidade ser ontológica.
Desse modo, a existência humana se dá pela ação coletiva dos indivíduos sobre a natureza para
transformá-la teleologicamente (ou seja, uma ação que é pensada como um projeto de meio para se
obter um fim já pré-concebido na mente) – conforme as possibilidades das condições dadas, tanto da
natureza quanto da forma vigente de sociabilidade – e assim transformar a si mesmos, como parte
dessa própria natureza. E ao transformar a natureza e consequentemente a si mesmos (ao pôr em
prática a ação), as condições que determinam as possibilidades do que fazer e por conseguinte como
existir também se transformam em outras condições, que por sua vez irão determinar outras
possibilidades do que e como fazer e assim das formas de existência resultantes de tal processo.
Por isso, não há uma inventividade subjetiva de cada indivíduo que é um produtor privado por um tipo
de força produtiva, meio de produção, processo de produção e trabalho do que outro.

O que há é que os tipos de força produtiva, meios de produção, processo de produção e trabalho que
são utilizados pelos produtores privados são possibilidades que foram legadas pelas condições naturais
e sociais dadas no momento histórico em questão. Não há uma criação individual, apenas subjetivações
das formas possíveis que as relações sociais com a natureza no decorrer da história nos legaram.
Portanto, trata-se de algo totalmente objetivo (ontológico) em última instância.

Agora, sobre o método da Economia Política:

Sendo a realidade concreta uma totalidade, como poderíamos a apreender e saber o que de fato ela é,
já que em última instância todas as coisas existentes se determinam mutuamente?
Além do axioma de que a realidade concreta só pode existir como totalidade, há os axiomas derivados
desse primeiro axioma de que, primeiro, a realidade é finita (pois não pode existir qualquer coisas
indiscriminadamente nela em nenhum momento), e, segundo, de que as múltiplas determinações que
constituem a síntese do que é essa realidade não a determinam, cada uma, exatamente do mesmo
modo. Há determinações que são mais estruturais – determinam mais e por isso precedem outras
determinações mais do que são determinadas e precedidas – e há determinações que são mais
contingenciais – determinam menos e por isso são precedidas mais por outras determinações do que as
determinam e as precedem. Ora, para ser possível saber o que é a realidade é necessário apreendê-la
em sua totalidade, pois qualquer recorte arbitrário a distorce (por mais que nenhum recorte arbitrário
consiga escapar dos limites de possibilidades postos pelas condições historicamente dadas, não
podendo ser assim totalmente subjetivo), uma vez que negligenciaria possíveis determinações sem as
quais o que está sendo estudado não poderia ser o que é.
Além disso, tem de se considerar como estão encaixadas e relacionadas entre si nela cada parte
constituinte, a hierarquia da estrutura de determinação.
Para isso, a única forma possível é o método da Economia Política, no qual se faz dois grandes
procedimentos: a investigação histórica e a exposição categorial.
A investigação histórica é a apreensão da realidade pela coleta de dados do único ponto de partida
possível para o contato sensível do investigador sobre o que está sendo investigado, que é a síntese
mais recente de múltiplas determinações, o presente em que o investigador se encontra. Assim, a
investigação histórica é um procedimento que vai do presente ao passado.

Já a exposição categorial é a organização dos fenômenos nos dados coletados na devida ordem
hierárquica estrutural de determinação que eles existem na natureza. Portanto, do que foi coletado pela
investigação histórica, tem que ser deduzido aquilo que for mais geral e simples, aquilo que mais se
encontra recorrente e saliente, o mais determinante e que por isso é o minimamente necessário para o
que está sendo investigado seja como é. Daí, ele tem de si abstraído de todo o resto de onde veio para
ser representado sozinho por uma categoria própria, que é abstrata, com menos determinações por
serem justamente as mais gerais e simples.

Posteriormente, começa a operação lógica de retornar dessa categoria mais abstrata do que é o mais
simples e geral para as suas variações possíveis na concretude que foi primeiramente abstraída, se
revestindo assim do que é mais específico e complexo, aquilo que é representado por categoria mais
concretas, com mais determinações, colocando essas categorias para se determinarem conceitualmente
entre si e assim gerar a sua representação em um “concreto de pensamento”, um reflexo da realidade
na mente.
Isso quer dizer que a exposição categorial é o caminho inverso da investigação histórica, ela vai do
passado ao presente, pois é o sentido das condições mais determinantes do que determinadas para as
menos determinantes e mais determinadas, embora o que é menos determinante também determina o
que é mais determinante.

Ora, a exposição categorial é o retorno do ponto de chegada para o ponto de partida da investigação
histórica, o retorno do investigador para o ponto da história de que ele partiu. Porém, como a história
não para a investigação ser feita, o movimento dos procedimentos do método são perpétuos para
acompanhar o próprio movimento da realidade, conhecendo a totalidade que cada vez mais se altera e
se acrescenta do passado no presente.

E é justamente por isso que Marx fez abstrações de pressupostos que não eram concretamente reais,
pois necessitava supor as condições em que é sensivelmente apreensível as determinações mais simples
e gerais que são minimamente necessárias para a realidade ser como é. Ou seja, Marx fez no texto de O
Capital uma exposição categorial do que vai do mais simples e geral – o mais abstrato – para o mais
complexo e específico – o mais concreto – para saber exatamente quais são as posições de
determinação de cada uma das partes constituintes da totalidade do real. Ele fez uma investigação
histórica ds décadas dos dados que pôde coletar no seu contexto histórico – a Europa Ocidental da
metade do século XIX, em especial a Inglaterra – e deduziu o que era necessário a esses dados para eles
serem da forma que se apresentavam. Por exemplo, foram pesquisados os mercados internacionais e
nacionais de comércio entre as empresas de variados portes, os Estados e as populações, mas estes
mercados pressupõe a produção e todos os seus fatores, que por sua vez pressupõe o dinheiro e o
trabalho, e que por fim pressupõe a mercadoria – propriedade privada, oriunda ou não do trabalho
humano que tem como destino a troca – que é a unidade mais elementar do modo de produção
capitalista, a sua célula, pois é a forma que cada vez mais tudo assume no tipo de sociabilidade desse
sistema.

É disso que Marx pôde descobrir a existência do fetichismo da mercadoria, a inversão da realidade que
se mostra pelo mais abstrato – a mercadoria – como se fosse o mais concreto, portanto, a coisificação
das relações sociais (no caso, o velamento do trabalho) como propriedades objetivas naturais
qualitativas e socialmente úteis (valor de uso).

Outras imprecisões do texto em questão, podem ser notadas a seguir:

“Geralmente o debate é associado a um conceito fortemente sequestrado por motivos ideológicos e


cuja resolução reside, em ultima instância, fora da ciência econômica — mais precisamente na ética. Tal
conceito é a mais-valia.”

A mais-valia (ou mais-valor) não é um argumento ético a priori, é uma constatação científica baseada na
teoria do valor-trabalho. Depois, num segundo momento, pode-se falar na ética da apropriação da mais-
valia, mas isso é irrelevante pra uma análise científica.

A tentativa, porém, de justifica-la moralmente, não faz sentido lógico; o proletário arrisca sua vida,
integridade física e sobrevivência.

O maior risco que o capitalista tem (na hipótese mais extrema), é justamente falir e virar proletário.

Essa asserção é o mesmo viés da ideia do austríaco Böhm-Bawerk sobre a mais-valia, que foi em
especial, incansavelmente refutada por nós aqui neste post:

https://m.facebook.com/CPLBrasil/photos/a.111019786038479.1073741828.110806902726434/19333
8694473254/?type=3&source=54&ref=page_internal

“embora isso, mesmo na teoria de valor-trabalho, perde validez se assumirmos que todos que assumem
um sacrifício para atingir um fim têm direito aos seus frutos, e o ato de investir entra facilmente nessa
categoria.”
Aceitar que quaisquer pessoas que assumem um sacrifício para atingir um fim têm direito aos seus
frutos não é aceitar que uma minoria ociosa — que tem pouca importância enquanto não-possuidor dos
meios de produção, ao contrário do trabalhador — tenha direito à maior parte dos frutos, enquanto o
trabalhador tenha a menor parte. Isso não é, de novo, se basear em ética pra sustentar a mais-valia por
uma questão “ideológica”, é simplesmente verificar que se se investe em um negócio, é claro que deve-
se ter o fruto do mesmo, mas de forma proporcional ao seu investimento.

“se o valor “existe” e não entra no processo casual para determinar os preços, logo, qual é a
necessidade desse conceito?”
A necessidade de compreender o valor é entender o processo de formação do elemento fundamental
do modo de produção capitalista, um elemento específico: a mercadoria. Entender o preço é estudar
uma forma de manifestação do valor quando a mercadoria é um equivalente geral — na cadeia,
geralmente, o cigarro faz o papel de equivalente geral, de dinheiro, etc. Portanto, cabe aqui não só
estudar o valor como essência do preço, mas entender que o valor é a essência da mercadoria, o que as
torna trocáveis entre si — que, quando as mercadorias são postas no mercado, expressa-se o valor de
troca de uma mercadoria no valor de uso de outra; é a forma mais simples de troca.

“Muitos dos que falam de teoria do valor, contrapondo normalmente a subjetivista com a de valor-
trabalho, tem pouca ideia de qual o papel dessa teoria na ciência econômica. Geralmente o debate é
associado a um conceito fortemente sequestrado por motivos ideológicos e cuja resolução reside, em
ultima instância, fora da ciência econômica — mais precisamente na ética. Tal conceito é a mais-valia. ”

Interessante que quando se fale em “preferência temporal”, na ação em que o capitalista deixa de
gastar no presente, ele realiza um juízo de valor, para investigar em algo que dê lucro para ele no futuro,
aí que a análise se encontra no campo da ética. Ou seja, o que o texto acusa os marxistas de o fazerem,
é na verdade, praticado unicamente pela Escola Austríaca.

“Também, a ideia de que podemos reduzir todos os fatores a trabalho, mesmo com a ética lockeana,
falha, pois os fatores terra são normalmente irreproduzíveis, i.e, a falha não é pelo fato de que nos
fatores terra nunca se foi colocado trabalho para apropriá-los, mas sim que, por ser um bem de oferta
fixa, seu preço não tem nenhuma relação com custo de trabalho e ainda assim entra nos custos das
empresas.”

Além do que explicamos sobre os irreproduzíveis acima, há um erro infantil, pois Marx considera a terra
também como fonte de riqueza, junto com o trabalho, mas apenas o trabalho é fonte de valor, nesse
caso há uma distinção entre Valor e riqueza.

Também há um erro no artigo que aborda o “custo do trabalho”, que simplesmente não existe, pois o
trabalho em si não tem valor, mas sim a força de trabalho, e o texto afirma que a teoria do valor-
trabalho calcula esse valor por meio da “lei férrea dos salários”.

Esse último deve ser um dos erros mais fatais do texto, pois ele está atribuindo uma ideia que não era
defendida por Marx. Marx não era adepto da lei férrea dos salários, pelo contrário – o marxismo foi
quem a refutou.
A Lei de Ferro dos Salários é criticada por Marx e Engels ao se criticar a Lei de Bronze dos Salários de
Ferdinand Lassalle, pois as duas seguem pelo mesmo raciocínio. Marx chega a dar a entender que
Lassalle cometeu apenas um plágio mesmo.

Marx em “Crítica do Programa de Gotha”, diz:


“Da «lei de bronze dos salários», como se sabe, nada pertence a Lassalle, a não ser a expressão «de
bronze», que ele foi buscar às «leis eternas, às grandes leis de bronze» de Goethe. A expressão de
bronze é a senha pela qual os crentes ortodoxos se reconhecem. Mas se eu admitir a lei com o selo de
Lassalle e, por conseguinte, na acepção em que ele a toma, é preciso que admita igualmente o seu
fundamento. E que fundamento! Como o mostrava Lange, pouco após a morte de Lassalle, é a teoria
malthusiana da população (pregada pelo próprio Lange). Mas se esta teoria é correcta, eu não posse
abolir a lei, mesmo que suprima cem vezes o salariato, porque nesse caso a lei não rege só o sistema do
salariato, mas todo e qualquer sistema social. É precisamente com base nisto que os economistas, desde
há cinquenta anos e mais, têm demonstrado que o socialismo não pode suprimir a miséria, determinada
pela natureza das coisas, mas apenas generalizá-la, espalhá-la simultaneamente por toda a superfície da
sociedade! Mas o principal não é isso. Abstraindo completamente da falsa versão lassalliana desta lei, o
recuo verdadeiramente revoltante consiste no seguinte:
Desde a morte de Lassalle que o nosso Partido se abriu à perspectiva científica segundo a qual o salário
do trabalho não é o que parece ser, a saber, o valor (ou o preço) do trabalho, mas tão-somente uma
forma disfarçada do valor (ou do preço) da força do trabalho. Assim, duma vez por todas, estava posta
de parte a velha concepção burguesa do salário, bem como todas as críticas até então dirigidas contra
ela, e estava claramente estabelecido que o operário assalariado só é autorizado a trabalhar para
assegurar a sua própria existência, por outras palavras, a existir, conquanto trabalhe gratuitamente em
certo tempo para os capitalistas (e, por conseguinte, para os que, com estes últimos, vivem de mais-
valia); que todo o sistema de produção capitalista visa prolongar este trabalho gratuito pela extensão do
dia de trabalho ou pelo desenvolvimento da produtividade, quer dizer, por uma maior tensão da força
de trabalho, etc.; que o sistema de trabalho assalariado é, por consequência, um sistema de escravidão
e, a falar verdade, uma escravidão tanto mais dura quanto mais se desenvolvem as forças sociais
produtivas do trabalho, seja qual for o salário, bom ou mau, que o operário recebe. E agora que esta
perspectiva penetra cada vez mais no nosso Partido, volta-se aos dogmas de Lassalle, quando se deveria
saber que Lassalle ignorava o que é o salário e que, na peugada dos economistas burgueses, tomava a
aparência pela própria coisa”.
E agora, Engels sobre o assunto, de uma carta a August Bebel:

“Em terceiro lugar, a nossa gente deixou que lhe impusessem a «lei de bronze do salário»
lassalliana,baseada numa concepção económica inteiramente caduca, a saber: que o trabalhador não
recebe, em média, mais do que um salário mínimo e isto porque, segundo a teoria malthusiana da
população, há sempre trabalhadores de sobra (era esta a argumentação de Lassalle). Ora bem: Marx
demonstrou, minuciosamente, em O CAPITAL, que as leis que regulam os salários são muito complexas,
que tão depressa predomina um factor como outro, segundo as circunstâncias; que, portanto, esta lei
não é, de modo algum, de bronze, mas, pelo contrário, muito elástica, e que o problema não pode ser
resolvido assim, em duas palavras, como pensava Lassalle. A fundamentação que Malthus dá da lei de
Ricardo (falseando este último), tal como pode ver-se, por exemplo, citada noutro folheto de Lassalle,
no «Manual do trabalhador», página 5, foi refutada exaustivamente por Marx, no capítulo sobre «a
acumulação do Capital». Assim, pois, ao adoptar a «lei de bronze» de Lassalle, pronunciaram-se a favor
dum princípio falso e duma demonstração falaciosa”.
Se ainda sobrar mais alguma dúvida de que o marxismo foi justamente quem refutou essa lei e o
raciocínio dela, e não de que aceitou como esse texto dá a entender, sugiro que abram o Manual de
Economia Politica da Academia de Ciências da URSS, na seção ‘Salário’, onde afirma categoricamente
como o marxismo refuta a Lei de Ferro dos Salários.

Destaco o trecho do capítulo abaixo:


“Uma série de fatores contrapõe-se a tendência a baixa dos salários. A luta da classe operária em defesa
dos seus interesses vitais tem a maior importância para o nível dos salários. A ação da tendência a baixa
dos salários é tanto mais forte quanto mais débil for a resistência dos operários e vice-versa.
>>>O marxismo refuta a chamada “lei de ferro do salário”<<<, segundo a qual o salário seria
determinado pelo mínimo de meios de existência necessários apenas a sobrevivência do operário, e, em
consequência, a luta da classe operária pela elevação dos salários careceria, supostamente, de
perspectiva.
Link do manual: https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/manual/06.htm

Disponível em: https://reflexoesparaoamanhecer.wordpress.com/2017/02/03/resposta-ao-devaneios-


liberais/
...Hoppe
Uma crítica à ética argumentativa

Postado no blog: https://reflexoesparaoamanhecer.wordpress.com/2017/03/22/a-etica-argumentativa-


hoppeana-a-resposta/

Algo que com certeza é a base para a maior parte dos austrolibertários anarcocapitalistas hoje, é acerca
da Ética Argumentativa Hoppeana, em outras palavras, a ética do austríaco Hans Hermann-Hoppe,
usada para negar toda a forma de Estado com base na autopropriedade, encaixando uma contradição
perfomática (isto é, algo que faça você entrar em contradição ao argumentar contra, a contradição
entre o conteúdo de um ato de fala e a ação do indivíduo que o profere, exemplo: “Eu estou morto”,
para alguém proferir tal frase, ele precisa estar vivo, o conteúdo da proposição é contradita pelo ato de
proferi-la)

Hoppe no livro The Economics and Ethics of Private Property diz:

“Eu quero demonstrar que apenas a ética libertária da propriedade privada pode ser justificada de
forma argumentativa porque ela é a pressuposição praxeológica da argumentação como tal; e que
qualquer proposta ética divergente ou não-libertária pode, assim, ser mostrada como violadora da
preferência demonstrada. Tal proposta pode ser feita, claro, mas o seu conteúdo proposicional
contradiria a ética pela qual alguém demonstraria preferência em virtude do próprio ato de proferir
proposições, i.e, pelo ato de participar da argumentação como tal. Da mesma forma que alguém pode
dizer “as pessoas são, e sempre serão, indiferentes quanto a fazer coisas”, mas essa proposição
contradiria e seria desmentida pelo ato de proferir proposições, o que, de fato, acaba demonstrando
uma preferência subjetiva (de dizer isso ao invés de outra coisa ou mesmo nada), assim todas as
propostas éticas não-libertárias são falseadas pela realidade de efetivamente propô-las”.

Trabalharemos então com as premissas da Ética Argumentativa.


Primeiro, colocarei as premissas da Ética Argumentativa Hoppeana, e irei destruir uma a uma. Para isso,
utilizarei do texto de um dos libertários mais conhecidos por aqui nesse meio, o Lacombi Lauss. Aí vai:
https://ideallibertario.wordpress.com/2015/07/31/a-etica-argumentativa-hoppeana/

1) Toda posição ética, para ser racionalmente defensável, precisa ser justificada por argumentos;

2) Toda argumentação requer que os interlocutores respeitem cada um o corpo de outro e demanda
que cada participante usufrua de controle exclusivo sobre o recurso escasso de seu próprio corpo;

3) Qualquer um que tente contestar o direito de propriedade sobre seu próprio corpo seria preso em
uma contradição prática, uma vez que argumentar desta maneira já implicaria a aceitação da própria
norma que ele está contestando. A negação do direito de auto-propriedade é portanto racionalmente
indefensável; (CONTRADIÇÃO PERFOMATICA – o ponto chave da ética do Hoppe).

4) Enquanto houver argumentação, há portanto reconhecimento mútuo da propriedade privada de cada


um em seu corpo.

Vamos lá:

Tem dois jeitos de responder a um argumento exposto dessa forma (com premissas que levam a
conclusões): o primeira é atacar a verdade das premissas. Se um argumento não tiver premissas
verdadeiras, ele vai ser válido (mera formalidade), mas não vai poder ser cogente (cogente quer dizer
que, além de válido, ele tem premissas verdadeiras que levam a uma conclusão verdadeira). O segundo
jeito é atacar a validade formal do argumento, ou seja, verificar se as regras pelas quais as premissas
levam à conclusão estão bem aplicadas.

Sobre a primeira premissa:

“1) Toda posição ética, para ser racionalmente defensável, precisa ser justificada por argumentos;”

O posicionamento ético pouco tem a ver com argumentação. Somente a partir de uma mediação mais
abstrata e uma série de conceitos já apresentados em ideias anteriores podem fundamentar algo do
tipo.

Isso significa que não é dedutivo meramente apriori, demanda uma série de pensamentos que não
podem ser jogados a partir de premissas escolhidas arbitrariamente para fundamentar o argumento
somente no que tange o desdobramento da lógica formal (o discurso puramente dito). Um
posicionamento ético, tem a ver com a prática inserida em tal conjuntura e uma fundamentação que
não depende de argumentação e sim do reconhecimento.

Este reconhecimento não está intimamente ligado à propriedade de si. Explico: O reconhecimento tem a
ver com uma atitude de não objetificação, isto é: Não é respeito de propriedade, mas sim
reconhecimento enquanto consciência.
E que não implica um argumento e sim uma ação, que está longe do sentido de ser praxeológica e sim
racional, sem estar sendo justificada por argumentos.

O que implica que este posicionamento ético, é um posicionamento prático e não argumentativo e
formal.
Prático e racional, porque reconhece que corpo e consciência não se dão numa relação entre
proprietário e propriedade e sim numa unidade.
Que no início da vida ética, se dão em reconhecimento, que não é argumentativo e sim prático da outra
individualidade.
Se eu for justificação pela argumentação, eu consigo, reconhecendo a outra consciência também, como
propriedade ou objeto meu, o que justifica a consciência servil e dominadora, por exemplo.
Eu posso muito bem resolver um problema ético argumentando e sem agredir e mesmo assim, tendo o
reconhecimento desta consciência como um objeto para que eu atinja certos fins.

Condições materiais, inclusive, legadas historicamente provam que: Não há um subjugar enquanto
agressão disso, mas há um consenso no qual a argumentação é aceita e racionalmente, mas não é ético.
Exemplo disso, escravidão e o tempo que ela durou na história.

Havia argumentação, era fundamentada nela, era racional, pois a argumentação realmente pressupõe
isso, para não ser sons aleatórios, mas não, não era ético.

Além disso, o conceito de justificação, conforme explica Robert Audi, relaciona-se à formação de
crenças, não necessariamente por argumentação e muito menos por argumentação em defesa de
posição ética. Mas este é um detalhe técnico. Justificação, na premissa, quer dizer embasamento. O
problema é que a defesa racional aparece como tendo o embasamento por argumentação como
conditio sine qua non. No entanto, é possível defender racionalmente uma posição (ética ou não) sem
apelo à concatenação de proposições, mas apenas com o uso das próprias proposições e seus valores-
verdade (o que pode ser o caso até de uma afirmação panfletária). Neste caso, não haveria
argumentação estrita, mas haveria embasamento da posição e defesa racional. O problema dessa
premissa, portanto, não é advogar em nome da defesa de alguma posição ética por argumentos, mas a
afirmação de que a argumentação seja condição necessária para embasar as razões e assim fazer a
“defesa racional”, quando por proposições também seja possível. A premissa, portanto, é falsa.

Sobre a segunda premissa:

“2) Toda argumentação requer que os interlocutores respeitem cada um o corpo de outro e demanda
que cada participante usufrua de controle exclusivo sobre o recurso escasso de seu próprio corpo”

Essa premissa é composta de duas proposições: a) “Toda argumentação requer que os interlocutores
respeitem cada um o corpo de outro” e b) “demanda que cada participante usufrua de controle
exclusivo sobre o recurso escasso de seu próprio corpo”.
Trata-se de uma conjunção. Em uma conjunção, quando uma das proposições é falsa, a conjunção
torna-se falsa. Vou considerar a segunda proposição verdadeira (é de fato difícil questioná-la) e verificar
a verdade da primeira.

A primeira pressupõe, como disse que a argumentação não é apenas sons livremente flutuantes, mas
uma ação humana, i.e., uma atividade humana propositada empregando meios físicos – o corpo de uma
pessoa. Assim, numa argumentação, de acordo com a premissa, cada um dos interlocutores respeita a
atividade humana propositada de empregar meios físicos (seu corpo) do interlocutor.

A questão é se esse respeito é necessário à argumentação. O que salta aos olhos é que pode haver casos
em que os interlocutores queiram se matar, mas ainda argumentem; que mesmo com a intenção de
agressão física, ou mesmo agredindo fisicamente (desrespeitando os “meios físicos” do outro), ainda
pode haver argumentação, porque ainda que agressivamente a pessoa pode argumentar. O que essa
possibilidade, e que muitas vezes de fato ocorre, é que a ética não se inscreve no campo da
argumentação formal; ela só aparece no campo do debate argumentativo, e ainda assim como maneira
de evitar conflito, como “deve-ser”, mas não como a priori da própria argumentação. A ética não é
conditio sine qua non argumentativa, mas uma condição posterior à argumentação, ao debate
argumentativo, para que ele ocorra.
Acontece que é praticamente absurdo pensar em uma argumentação que não seria argumentação só
por não ter havido respeito à autopropriedade do interlocutor. Por mais que soe estranho (apesar de
comum), isso torna a primeira proposição da conjunção falsa e, por isso, a própria conjunção falsa.
Se estamos falando das condições a priori para toda argumentação possível, então tem que ter em vista
o que possibilita toda argumentação possível, e não simplesmente a argumentação em um debate
argumentativo. A argumentação não ocorre somente numa troca entre interlocutores. O sujeito pode
buscar a verdade, mas impedir outro de buscá-la de modo algum invalida sua própria argumentação. As
condições formais de uma argumentação podem ser cumpridas, como possibilidades lógicas,
concomitantemente à censura do opositor ou à agressão do mesmo. Do fato de que isso seja
logicamente possível se prova que transformar a não-agressão em condição formal da argumentação é
um erro; essa condição, ainda que indesejável, sempre vai ser posterior à própria argumentação, e por
ser posterior à argumentação é que não vai ser uma condição da sua possibilidade, e não sendo
condição de sua possibilidade não vai ser a priori da argumentação. Ou seja, a agressão, embora
obviamente indesejável, é possibilidade lógica; e se for possibilidade lógica, não dá pra tomar seu
contrário (a não-agressão) como a priori argumentativo.

Não importa insistir em algo que seja eticamente desejável se estamos tratamento do meramente
formal e argumentativo. A “dialogicidade” não é condição de argumentação.
Na verdade, a premissa de que o reconhecimento da legitimidade da propriedade vem do argumento de
afirmação/reclamação da posse pelo proprietário é logicamente inconsistente também, mesmo restrita
à uma mera proposição formal, abstraido aquilo que é impossível de ser abstraido para tudo que existe
possa existir e existir como existe, que é a realidade social concreta da história. Essa inconsistência se dá
no fato de que o argumento de afirmação da posse de um sujeito proprietário sobre um objeto
propriedade pressupõe a própria propriedade como algo já dado. Ou seja, o argumento não pode ser o
que faz a propriedade ser propriedade porque ele pressupõe que a propriedade já exista antes dele, do
argumento.
Fora isso, há um problema empírico de memória histórica para a legitimidade da existência da
propriedade. Trata-se da impossibilidade de rastrear a história de apropriação de todas as propriedades
para saber se cada uma delas foi sempre apropriada pelos meios de consenso contratual até sua origem
numa apropriação original do que nunca tivesse dono antes. O que mais temos são documentos
provando que os recursos e produtos do trabalho humano foram por inúmeras vezes roubados,
extorquidos, tomados, rapinados, pilhados, fruto da escravidão e do genocídio.
E além disso, há um problema ontológico e epistemológico para a propriedade privada que é a fonte de
tudo que existe ser a natureza precedente e independentemente da ação humana (do trabalho) para
existir. E o que é produto do trabalho humano só pode resultar de trabalho coletivo, seja por associação
direta ou pelo aprendizado nas experiências sociais, uma vez que é da natureza de nossa espécie a
necessidade de viver coletivamente para poder sobreviver e subexistir.
E por fim, a realidade concreta é uma totalidade estruturada de sínteses de múltiplas determinações.
Portanto, tudo que existe não pode ser naturalmente existente em si mesmo como algo isolado
independente, é apenas a ação social que pode fazer essa separação como convenção.

Terceira premissa:

“3) Qualquer um que tente contestar o direito de propriedade sobre seu próprio corpo seria preso em
uma contradição prática, uma vez que argumentar desta maneira já implicaria a aceitação da própria
norma que ele está contestando.”

Aqui temos um rombo ideológico, um salto lógico enorme, de fato. Hoppe nem se dá ao trabalho de
explicar isso, ele tem que partir primeiro do ponto da validez dessa questão. Porém, diferente das
críticas usuais, não vou me centrar nisso.
Bem, fato é que não existe contradição performática se se assumir alguma forma de monismo ou
qualquer outra forma de não-dualismo. Há contradição performática se se aceitar um dualismo. Não
necessariamente um dualismo cartesiano de substância, mas qualquer forma de dualismo, inclusive
aquele kantiano formal entre liberdade e necessidade. Dito de outra forma: há contradição
performática se houver dualismo; se não houver, não há contradição performática.

Mas, por que diabos isso deveria sequer fazer sentido mesmo se assumíssemos uma visão onde isso
pretensamente poderia estar certo? É totalmente falso olhando de uma forma geral.

Propriedade, no sentido de institucionalização socialmente legítima da posse, pressupõe uma


externalidade necessária entre quem se apropria ou possui e o que é apropriado ou possuído. Portanto,
a propriedade pressupõe a existência em si do par de macrocategorias “sujeito” e “objeto”.

A autopropriedade do corpo pressupõe que o corpo é um objeto pertencente ao sujeito que dele é
consciente por ele mesmo. Entramos aqui num paradoxo, se é o corpo consciente de si que é o sujeito
que naturalmente é proprietário de si mesmo, como um objeto, então o corpo, é ao mesmo tempo
sujeito e objeto? Costumam inferir do fato de certas matérias parciais do corpo – como certas células,
tecidos, sangue e órgãos – poderem ser clivadas da totalidade orgânica relativamente autônoma em
funcionamento sistêmico, a partir da qual se originaram, que tal processo não passa de uma alienação
jurídica do corpo por si mesmo. Ou seja, pensam que as partes do corpo extraíveis sem comprometer
seu funcionamento continuam sendo o corpo depois de já extraídas, e por serem então entregáveis a
outrem, é o corpo que está sendo alienado por si mesmo, naturalizando assim o circuito da
sociabilidade mercantil que gera a juridicidade das trocas.

O erro lógico disso é justamente aquilo que é praxe dos liberais, as robinsonadas de universalização das
partes isoladas em abstrato como todo concreto, portanto, reduzindo o todo à justaposição das partes
como diferentes todos existentes em si mesmos.

As partes passíveis de clivagem do nosso corpo sem comprometimento do seu funcionamento não são
mais “nosso corpo” a partir do momento que estão clivadas, não faz mais parte do domínio das funções
da totalidade orgânica de funcionamento próprio, relativamente autônomo. Isso quer dizer que, quando
doamos sangue, por exemplo, não estamos doando nosso corpo, pois não é a sua totalidade, o que
inclui a sua consciência de si por si, que está sendo alienada, e sim uma parte que tem origem nessa
totalidade, mas não faz mais parte dela porque não era necessariamente imprescindível para a
existência de tal totalidade.

Outra refutação, é partindo do ponto inegável de que propriedade sempre pressupõe dois entes. Um,
que é o proprietário e outro, que é a propriedade. Não tem como os dois se unirem em um só. Uma
propriedade não pode ser proprietária, afinal um objeto inanimado não tem direitos, nem firma
contrato. Por curiosidade, é o motivo pelo qual uma pessoa não pode ser propriedade em nosso
ordenamento jurídico. Do contrário, estaria legitimada a escravidão.
A pressuposição implícita aí, então, é a de que uma pessoa é, na verdade, dois entes. Um que pode ser
proprietário e outro que pode ser propriedade. Mas que dois entes são esses? Como assim uma pessoa
é, na verdade, “dois entes”? Isso não passa de superstição cartesiana. Racionalismo levado às últimas
consequências.

Não há qualquer “fantasma na máquina”. Somos uma totalidade. Não somos um ‘fantasma controlando
um corpo’, duas coisas que possam ser separadas. Somos apenas nós mesmos, uma coisa só, uma
integração de órgãos, músculos, sinapses e, mesmo se houvesse espírito, ele é um algo perfeitamente
integrado a essa totalidade, como um órgão ou função.
Como eu disse, o homem não é um fantasma numa máquina, referindo-se à forma como o dualismo
cartesiano é retratado por uns. Sendo generosos, nesse momento, vamos assumir teoricamente, que se
o homem fosse um fantasma numa máquina, o conceito de corpo como propriedade (e não como o
próprio ser) poderia fazer sentido. Isto é, se um fisicalismo extremo estiver correto, então o conceito de
corpo como propriedade não faria sentido, e se um dualismo substancial entre corpo e “espírito” em
que essas duas substâncias estão necessariamente ligadas, então o conceito de corpo como propriedade
também não faria sentido. Mas se um dualismo substancial radical ao ponto do homem poder ser
considerado um “fantasma numa máquina” for correto, então o corpo poderia ser tido como
propriedade.
Porém, vamos analisar pela outra lógica, de forma mais aprofundada. Mesmo sob esse tipo de dualismo
mais extremo, o conceito de corpo como propriedade ainda não faz sentido. Isso porque ninguém pensa
literalmente que o homem é um fantasma numa máquina. Isso é só uma analogia para um determinado
tipo de dualismo, e por mais extremo que esse dualismo possa ser considerado (eu pessoalmente não
acho que seja extremo), ele ainda vê o corpo como parte do ser. Segundo esse dualismo, o homem é
uma dicotomia entre corpo e alma (matéria e espírito), e como a pessoa continua vivendo e pensando
como ela mesma fora do corpo (isto é, após a morte física), então nesse sentido, a alma é a essência do
ser. Isso não significa que o corpo não seja parte do ser.

Apenas significa que não é uma parte essencial para que o ser ontologicamente exista, visto que sob
essa visão, ele pode continuar consciente fora de seu aspecto físico. Dessa perspectiva, a analogia do
fantasma numa máquina poderia até fazer sentido, visto que a essência do ser seria o espírito, que
continua vivendo fora do corpo (da “máquina”) – corpo este que seria o instrumento por qual ele
interagiria com o mundo material enquanto fisicamente vivo. Sim, a máquina não é parte ontológica do
fantasma, e pode ser tida como propriedade portanto. Mas se trata de uma analogia apenas. Não
representa exatamente tal visão ontológica, mas só até certa medida. E é aqui que a analogia é
demolida, a tal extensão, que os dois casos se tornam categoricamente divergentes. Enquanto na
analogia a máquina não é parte ontológica do fantasma, nesse dualismo, o corpo é parte ontológica
humana, ainda que a essência como tal, em certo sentido, esteja no espírito (na mente imaterial ou
“alma”). Sendo, então, o corpo físico uma parte ontológica humana sob essa visão ontológica, a posição
de “corpo como propriedade” não faz sentido nem sob ela.

Como as duas proposições anteriores podem ter deixado alguma uma brecha aberta, eu terei de ‘apelar’
para algo mais conclusivo, para fechar isso de vez. Terei de demonstrar, então, que toda a forma de não-
monismo é em si, um absurdo, e que só esse (monismo) pode ser considerado como verdadeiro. Para
isso, precisarei de uma prova cabal, que finalizará essa questão de vez. Darei uma resposta para a
classificação necessária e suficiente para a consideração da realidade apenas como monismo (redução
fisicalista), e diferente de quaisquer caracterizações acerca de níveis de realidade não-monistas.

Para que um não-monismo específico seja essencialmente verdadeiro em sua totalidade, é necessário
que todo e qualquer monismo seja falso, dado que dualismos ou pluralismos opõe-se naturalmente ao
que dá-se como monismo, e naturalmente a negação de um objeto é a afirmação do seu respectivo
objeto oposto: se monismo é verdadeiro, não-monismo é falso; se não-monismo é verdadeiro, monismo
é falso. E disso seguir-se-á seus corolários.

Para minha argumentação, será suposto um não-monismo específico, e de seus corolários irá se derivar
a conclusão absurda de demonstração na proposição de não-monismo como verdadeiro: supor-se-á que
o dualismo o seja, pois, verdadeiro como descritor funcional acerca de níveis ontológicos. Logo pode-se
dividir tudo o que existe em dois aspectos (pode-se derivar dois subconjuntos pelas suas propriedades
não-monistas essenciais diferentes entre si):
Um aspecto genérico A, que ser-se-ia, por exemplo para tudo o que dá-se como realidade física, e não
espiritual.

Um aspecto genérico B, que ser-se-ia, por exemplo, para tudo o que dá-se como realidade espiritual, e
não física.

Considerar-se-á que a demonstração não terá valor verdadeiro expresso apenas para os exemplos dos
respectivos aspectos à sua união num conjunto, e sim para todo o dualismo que possui a configuração
tal que existe a possibilidade de construção de dois conjuntos de elementos, onde tais elementos ser-se-
iam alocados em sua respectiva categoria dada a sua propriedade mediante ao atributo à nível de
realidade ontológica: pois caso não o faça, logo não ser-se-ia dualismo.

Bom, quando parte-se disso, pode-se considerar que ambos tipos de objetos existem, ou seja, existem
propriedades o suficiente para implicar em corolários acerca da existência de ambos (do contrário ser-
se-ia um absurdo, pois se inexiste um dos subconjuntos, ou se um deles é vazio, logo é-se monismo), e
tais propriedades, como atributos, devem reger sua existência de modo que condicionam-a como
verdadeira, do contrário o dualismo ser-se-ia falso, e já partimos da premissa de que é verdadeiro. Se
essas propriedades existem, existem de forma que “transcendem” A e B (ou seja, ser-se-ão sempre
linearmente independentes, pois se qualquer objeto dum subconjunto é-se determinado em função do
seu respectivo subconjunto oposto, logo não é dualismo), senão estariam contidas nessa realidade, e
como são realidades independentes, uma reger a outra ser-se-ia um absurdo, pois dever-se-ão dar
naturalmente como paralelos e independentes entre si.
Logo tais propriedades não são essencialmente de A, nem essencialmente de B (do contrário ser-se-ia
normal considerar unicidade de níveis ontológicos, do qual não posso fazer como argumentação, e
apenas como conclusão caso seja essa a derivação lógica de tal demonstração), logo, pode-se considerar
um conjunto C tal que possua elementos e tais tenham atributos de permissão no regimento de ambos
os conjuntos anteriores, e ainda sim ser-se-ia seu valor expresso como verdadeiro.

Porém já não é-se mais dualismo, uma vez que diferem A, B e C. Absurdo! Não pode-se considerar um
conjunto que não seja o conjunto das partes da união dos subconjuntos A e B, porém também não
pode-se considerar C tal que é conjunto das partes pois ou ser-se-ia esse inapto de dar regimento à A e
B, pois advém desses, ou o faria, mas essa consideração implica que em um dos conjuntos, seus
elementos ser-se-iam determinados em função dos elementos do conjunto oposto: logo a implicação de
consideração de dualismo implica em monismo ou pluralismo, ou seja, de fato não-dualismo. E é-se um
absurdo um objeto tal que ele implique em seu oposto, uma vez que não apenas é-se lógico mas
intuitivo que todo objeto é igual à si mesmo. Logo não pode-se considerar dualismo.
Pode-se considerar de forma mais profunda. Pode-se considerar a existência de A, B e C, pois o absurdo
que fora mostrado não implica necessariamente em monismo e sim numa impossibilidade de dualismo.

Então, se pode-se tomar A, B e C como totalidade de realidade existente em decorrência da não


determinação entre si dos elementos de cada conjunto, tal que configurar-se-ão como os três conjuntos
representantes respectivos da necessidade de existência de tais níveis ontológicos (três, neste caso),
dever-se-ia existir propriedades que implicam na existência de todas elas, como fora mostrado
anteriormente, de forma que tais propriedades não estejam contidas nem em A, nem em B e nem em C.
Logo existe um D genérico que fundamenta as outras três. Porém, se existe A, B, C e D, vale-se da
mesma argumentação onde desconsidera a existência de três níveis ontológicos, pois é-se de fato
notável que A, B, C e D são diferentes entre si, porém são quatro conjuntos quando fora tomado apenas
três.

Logo, a consideração de três níveis ontológicos implica em quatro, o que é-se essencialmente absurdo,
uma vez que diferem e nenhum objeto pode diferir de si mesmo.
Caso houver uma consideração de quatro conjuntos onde cada um ser-se-ia o representante respectivo
e único da consideração de quatro níveis ontológicos e os quatro são diferentes entre si, então existe
outro que faz o regimento, como fora mostrado anteriormente sucessivas vezes, e novamente ser-se-ia
um absurdo. É notável que tal comportamento dá-se ad infinitum, uma vez que existe uma convergência
infinita para uma forma específica lógica da qual pode-se derivar seu valor expresso como falso: ou seja,
qualquer um que haja a possibilidade de consideração como tal é falso:

A(2)⟹A(2+1)⟹A(3+1)⟹…⟹A(X[n-1]+1)⟹A(X[n]+1)

onde:
A é um conjunto de representação dum nível ontológico pela consideração do seu total (e que cada ser-
se-á diferente dos que coexistirem e não forem o mesmo A).
O número entre parênteses ser-se-á a quantidade de níveis ontológicos que fora considerado como
totalidade para a caracterização da realidade.

[n-1], [n] são índices de ordenação de X.

É-se notável que:

A(X[n-1]+1)⟹A(X[n]+1)

Isto é, tomado qualquer não-monismo, sempre implicar-se-á noutro nível que fora negado superior, e
tal corolário terá a mesma caracterização e isto ao infinito: ou seja, também ao infinito ser-se-á a
negação de cada consideração numérica para qualificar a quantidade de níveis ontológicos, seja
especificamente dualismo, qualquer pluralismo, ou em resumo: qualquer não-monismo.

Então a consideração de qualquer não-monismo como verdadeira é naturalmente um absurdo, sendo


assim, vale-se de seu oposto como objeto cujo exprime validade lógica: então o monismo é correto, e
não apenas isso, considerar qualquer coisa que não o seja (monismo) é em si um absurdo lógico.

A conclusão então é que eu estivera essencialmente correto em minha argumentação, uma vez que só
se poderia considerar falha caso fosse também possível considerar um não-monismo como correto, e eu
mostrara então que isto é um absurdo.

Logo, é uma prova cabal.

É incrível como Marx, já dissertava sobre como a autopropriedade era uma falácia usada para legitimar
interesses de setores burgueses, já na época dele, vide abaixo, onde Marx disserta sobre
autopropriedade:

“o senhor Destutt de Tracy se põe a provar que propriété, individualité e personalité são idênticas, que
no moi também reside o mien, e descobre uma base natural para a propriedade privada no fato de
“a natureza ter dotado o homem com uma propriedade inevitável e inalienável, a de seu indivíduo”. (p.
17) – O indivíduo “vê nitidamente que esse Eu é o proprietário exclusivo do corpo que ele anima, dos
órgãos que ele move, de todas as suas capacidades, de todas as suas forças, de todos os efeitos que elas
produzem, de todas as suas paixões e ações; porque tudo isso termina e começa com esse Eu, existe
unicamente por meio dele, é movido unicamente por sua ação; e nenhuma outra pessoa pode aplicar
esses mesmos instrumentos, nem ser afetada por eles do mesmo modo”. (p. 16) – “A propriedade
existe, se não exatamente em toda parte onde existe um indivíduo sensível, ao menos em toda parte
onde existe um indivíduo querente.” (p. 19)
Depois de ter assim identificado propriedade privada e personalidade, Destutt de Tracy tira a seguinte
conclusão de propriété e propre [próprio], a exemplo do que fez “Stirner” mediante o jogo de palavras
com Mein [meu] e Meinung [opinião própria], Eigentum [propriedade] e Eigenheit [peculiaridade]:
“Portanto, é totalmente inútil discutir sobre se não seria melhor se cada um de nós não tivesse nada
próprio (de discuter s’il ne vaudrait pas mieux que rien ne fût propre à chacun de nous) […] em todos os
casos, isso significa perguntar se não seria desejável que fôssemos totalmente diferentes do que somos,
ou mesmo analisar se não seria melhor se nem mesmo fôssemos.” (p. 22)
Trata-se de objeções “extremamente populares” contra o comunismo, que já se tornaram tradicionais e,
justamente por isso, não “é de admirar” que “Stirner” as repita.
/…/
Mas o absurdo só começa a se tornar solene e sagrado no momento em que os teóricos da burguesia
entram em cena e conferem a essa afirmação uma expressão universal, ao identificar também
teoricamente a propriedade do burguês com a individualidade e ao querer justificar logicamente essa
identificação.
“Stirner” refutou, acima, a supressão comunista da propriedade privada ao converter a propriedade
privada no “ter” e, em seguida, ao declarar o verbo “ter” uma palavra indispensável, uma verdade
eterna, pois também na sociedade comunista poderia ocorrer de ele “ter” dor de barriga. Exatamente
do mesmo modo, ele fundamenta, aqui, a impossibilidade de se abolir a propriedade privada,
transformando-a no conceito da propriedade, explorando o nexo etimológico entre “propriedade” e
“próprio” e declarando a palavra “próprio” uma verdade eterna, pois também sob o regime comunista
pode ocorrer que alguma dor de barriga lhe seja “própria”. Todo esse absurdo teórico, que busca asilo
na etimologia, seria impossível se a propriedade privada real que os comunistas querem suprimir não
tivesse sido transformada no conceito abstrato “a propriedade”. Com esse expediente, poupa-se, por
um lado, o esforço de dizer ou até mesmo de saber algo sobre a propriedade privada real, e, por outro
lado, pode-se facilmente chegar a descobrir uma contradição no comunismo, ao se conseguir, de fato,
detectar neste último, após a supressão da propriedade (real), todo tipo de coisas que se deixam
subsumir “à propriedade”. Na realidade, porém, a coisa se dá exatamente no sentido inverso. Na
realidade, eu só tenho propriedade privada na medida em que possuo algo negociável, ao passo que
minha peculiaridade pode perfeitamente ser inegociável. Meu casaco só é minha propriedade privada
enquanto eu puder ao menos negociá-lo, trocá-lo ou vendê-lo, [enquanto ele for negociá]vel. Ao perder
essa qualidade, ao ficar desgastado, ele ainda pode ter todo tipo de qualidades que o tornam valioso
para mim, e pode inclusive tornar-se minha peculiaridade e transformar-me num indivíduo andrajoso.
Mas a nenhum economista ocorreria classificá-lo como minha propriedade privada, já que ele não mais
me dá qualquer poder sobre a mais ínfima quantidade de trabalho alheio. Já o jurista, o ideólogo da
propriedade privada, ainda pode tagarelar algo nesse sentido. A propriedade privada aliena não apenas
a individualidade do homem, mas também a das coisas. O solo nada tem a ver com a renda territorial, a
máquina nada tem a ver com o lucro. Para o proprietário de terras, o solo significa unicamente renda
territorial; ele arrenda suas parcelas de terra e embolsa a renda; uma qualidade que o solo pode perder
sem perder qualquer uma de suas qualidades inerentes, sem perder, por exemplo, uma parte de sua
fertilidade; uma qualidade cuja proporção, e até a existência, depende de relações sociais que são
estabelecidas e superadas sem a participação do proprietário fundiário individual. O mesmo se dá com a
máquina. Shakespeare já sabia, melhor do que o nosso teorizador pequeno-burguês, quão pouco o
dinheiro, a forma mais universal da propriedade, tem a ver com a singularidade pessoal, e o quanto lhe
é, inclusive, contraposto /…/”.
(Ideologia Alemã, pp. 223-5, ed. Boitempo)

Para finalizar, o argumento de Hoppe tem 3 premissas falsas. Mesmo se desconsiderarmos a última (o
que definitivamente não é o caso, como demonstrei cabalmente acima), seriam então duas premissas
falsas e uma terceira duvidosa. Disso, já se segue que é impossível que o argumento seja cogente. No
máximo, pode ser válido.

Agora, do ponto de vista rigorosamente formal, pra conferir a validade lógica de tudo o que
expressamos acima:

P1: (?x)[(Ex ^ Rx) -> Jx]


P2: [(?x) (Ax -> R’x)] ^ [(?y) (Py -> Cy)]
P3: {[?z) (Cz -> C”z)] ^ [(?z) (C’z -> A”z)]}
C: [(?y) (Ay)] -> R

Resultado: argumento válido, mas não cogente.

Na verdade, para qualquer um que se dê ao mínimo de trabalho de ler ‘Between Facts and Norms’,
consegue enxergar a asneira que é a Ética Argumentativa Hoppeana. Nesse livro, Jürgen Habermas (pra
quem não sabe, é com base nele que o Hoppe montou sua ética argumentativa; ele foi o orientador do
PhD do Hans Hermann-Hoppe em pessoa, embora já tenha dado a entender que morre de vergonha
disso hoje), responde às ideias pela qual a sua ética do discurso levaria-se a anarquia – ele mostrara
então, conclusivamente, que não. Enfim, recomendo a leitura dos aportes de Hoppe antes de tentar
utilizar das suas supostas conclusões por aí, que tal como demonstrei conclusivamente, são falsas.

Extra: debates nos comentários.


A: O cara é inteligente mas simplesmente não entendo porque vocês são marxistas. Marx simplesmente
não sabia nada de economia, cometeu erros grotescos que até mesmo ignora o fato de que recursos são
escassos, acha que o valor das coisas vem do trabalho nele despojado e errou no fato de achar que o
Estado seria capaz de prever todas as demandas da sociedade e que seria capaz de ter acesso a todas as
informações dispersas entre milhões de habitantes

CPL: Desculpa, mas eu acho que foi você que não entendeu o Marx. Eu já tenho praticamente certeza do
que você vai falar, e do erro que você vai cometer, mas por via nas dúvidas, antes de comentar as
outras: qual o motivo do valor ser dado pelo trabalho, estar errado?

A: Pelos seguintes fatos:

1-Se isso fosse verdade, logo a consequência lógica seria de que qualquer bem ou serviço disponível
aumentaria ou diminuiria o preço através do maior ou menos trabalho nele despojado. Logo um
youtuber jamais deveria ganhar mais que um professor com mestrado, assim como simples atores de
novelas não deveriam ganhar mais que pedreiros.

2-O valor é subjetivo e portanto delegado ao consumidor, ele irá depender do quanto cada consumidor
é capaz de pagar por aquela mercadoria e de quantas pessoas demandam essa mercadoria. Alem do
valor das coisas também estarem submetidas as leis da oferta e demanda, bens mais escassos
demandados pelos consumidores são mais caros que os mais abundantes.

Pronto, refutado

CPL: Ah, sabia que você ia cometer o mesmo erro de sempre. Típico de quem não conhece o Marx, e sai
falando besteiras. Você confunde o valor com o preço de produção, e o preço de produção com preço
de mercado. Vamos lá:

1 - Valor é uma propriedade que prescreve algo para ser mercadoria. O valor em si é uma propriedade,
isto é, qualitativo. É uma qualidade de algo, que passa a ser mercadoria em si. Porém, a magnitude do
valor pode ser medida quantitivamente através do tempo, o tempo social necessário para a produção. O
valor de troca é o valor que esse algo tem em relação a outra mercadoria, é um cambiante. Se eu faço 2
casacos com uma ovelha, o valor de troca de 2 casacos em relação a mercadoria ovelha é 1 ovelha. Pois
é, o valor de troca é com a mercadoria dinheiro. O preço é o valor de troca de uma mercadoria em
comparação com a mercadoria dinheiro. Logo, no caso, o valor é a qualidade de algo que prescreve a
troca, o preço é o valor de troca de algo em relação a mercadoria dinheiro. Dinheiro é mercadoria pro
Marx. Da mesma forma como antigamente a 'mercadoria geral', que usavam pra comparar tudo (citei
ovelha ali), na nossa era, é o dinheiro. Esse é o preço. Só que esse não é o preço que é usado no
mercado. Esse é o preço de custo / preço de produção.

O preço trabalhado efetivamente no capitalismo é preço de mercado, que é quando a concorrência,


demanda e oferta agem nesse preço, fazendo ele oscilar.

O preço real em Marx se chama preço de mercado, que é (1+i)*preço de custo, onde i é a taxa média de
lucro e preço de custo é o adiantamento de capital constante + capital variável.

Basicamente o preço de produção ali é uma média, onde o preço de mercado fica oscilando pra baixo ou
pra cima, de acordo com a oferta, demanda e etc, ou seja, as flutuações de preço.

Uma imagem para você entender melhor

Então, veja, o Marx nunca negou a flutuação dos preços.

“Até agora o preço de uma mercadoria no mercado coincide com o seu valor. Por outra parte, as
oscilações dos preços do mercado que umas vezes excedem o valor, ou preço natural, e outras vezes
ficam abaixo dele, dependem das flutuações da oferta e da procura. Os preços do mercado se desviam
constantemente dos valores, mas, como diz Adam Smith:

“O preço natural é... o preço central em torno do qual gravitam constantemente os preços das
mercadorias. Circunstâncias diversas os podem manter erguidos muito acima desse ponto e, por vezes,
precipitá-los um pouco abaixo. Quaisquer, porém, que sejam os obstáculos que os impeçam de se deter
neste centro de repouso e estabilidade, eles tendem continuamente para lá.”

Não posso agora esmiuçar este assunto. Basta dizer que se a oferta e a procura se equilibram, os preços
das mercadorias no mercado corresponderão a seus preços naturais, isto é, a seus valores, os quais se
determinam pelas respectivas quantidades de trabalho necessário para a sua produção. Mas a oferta e a
procura devem constantemente tender para o equilíbrio, embora só o alcancem compensando uma
flutuação com a outra, uma alta com uma baixa e vice-versa. Se em vez de considerar somente as
flutuações diárias, analisardes o movimento dos preços do mercado durante um espaço de tempo
bastante longo, como o fêz, por exemplo, o Sr. Tooke, na sua História dos Preços, descobrireis que as
flutuações dos preços no mercado, seus desvios dos valores, suas altas e baixas, se compensam umas
com as outras e se neutralizam de tal maneira que, postas à margem a influência exercida pelos
monopólios e algumas outras restrições que aqui temos de passar por alto, vemos que todas as espécies
de mercadorias se vendem, em termo médio, pelos seus respectivos valores ou preços naturais. Os
períodos médios de tempo, durante os quais se compensam entre si as flutuações dos preços no
mercado, diferem segundo as distintas espécies de mercadorias, porque numas é mais fácil que em
outras adaptar a oferta à procura”.

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Salário, preço e lucro

E por fim, o trabalho para Marx, e sua relação com o VALOR diz respeito tanto ao dispêndio de nervos
quanto de músculos. Portanto, sua comparação com pedreiros é desonesta.

Mas mesmo ignorando isso, o erro maior seu nessa questão, é que você simplesmente esquece que os
salários também, como o preço, também obedecem a lógica que citei ali, das leis do mercado, como a
demanda.

O valor não pode ser subjetivo, pelo problema também que há como medir a utilidade. A utilidade de
uma coisa é diferente da utilidade de outra coisa. As utilidades são qualitativamente diferentes. É
justamente por isso que Marx não mede isso, haja vista que a utilidade, valor de uso, é apenas
pressuposto para a troca acontecer, não o que se mede na troca. Até Adam Smith já sabia disso. E isso é
justamente um ponto fraco do marginalismo, e por isso eles recorrem ao preço.

Mas o preço é a expressão de duas coisas (valor [trabalho humano abstrato – dispêndio de atividade
humana indiferenciada, ou seja, dispêndio de energia, nervos e músculos humanos – socialmente
necessário para a produção] e valor de troca por uma comparação com uma terceira (a mercadoria que
socialmente foi convencionada como equivalente geral, o dinheiro, que durante muito tempo foi o
ouro). Não se podem comparar coisas qualitativamente diferentes como a utilidade das coisas, mesmo
que com recurso a sua utilidade marginal.

Ou seja, não é capaz de encontrar uma medida uniforme de valor para coisas intrinsecamente
diferentes como a utilidade das coisas. Como mensurar a diferença entre a utilidade marginal de uma
faca e de uma cerveja? O que há, em comum, entre uma coisa e outra? Eles pressupõem que se
compare pelo valor monetário. Mas como se chegou à diferença exata entre o preço de uma coisa e
outra? Se como o próprio Murray Rothbard afirma que o valor subjetivo das avaliações da utilidade
marginal é uma categoria ordinal e não cardinal, isto é, que é possível apenas saber o que satisfaz mais e
o que satisfaz menos, mas não o quanto mais ou o quanto menos se satisfaz, como no mercado são tão
bem estabelecidas as diferenças de preços entre as opções de mercadoria? E como se chegou à moeda
pela teoria da utilidade marginal? Se é uma mercadoria como outra qualquer, como Marx pressupôs,
utilizada como equivalente geral (no começo, o ouro e a prata), como mensurar sua utilidade marginal
em comparação com a utilidade marginal das outras mercadorias? O problema só foi transferido para
uma etapa anterior. É um erro de petição de princípio.

Outros problema para fixação de um valor de equilíbrio é que não existe esse conhecimento perfeito
dos consumidores para saberem o preço de todas as coisas para compararem e escolherem o mais
barato para forçarem os preços a um equilíbrio. Os marginalistas têm de partir do princípio que os
consumidores são hiper-racionais, que são oniscientes, e super-humanos, capazes de saberem todos os
preços/produtos e calcularem.

Além disso, o Capitalismo é monopolista, não segue o pressuposto de um livre-mercado.

Sendo caridoso com os marginalistas, vamos fingir que este problema não existe. Temos as mercadorias,
suas utilidades marginais magicamente determinadas por uma medida comum, e seus preços
individuais, que segundo eles, irão convergir para um ponto ótimo pela oferta e procura, certo?

Só que o Teorema de Sonnenschein-Mantel-Debreu, utilizando os mesmos pressupostos irreais dos


marginalistas, demonstra que não existe um único equilíbrio ou ponto de convergência possível. Então,
mesmo que esquecêssemos o problema da petição de princípio da medida comum das utilidades
marginais das mercadorias, do ser humano hiper-racional e onisciente, e assumíssemos um ambiente de
pretenso livre mercado, ainda teríamos o problema que, mesmo por esses pressupostos, os preços não
convergem para um ponto único de equilíbrio nas irreais condições do inexistente livre mercado. Logo, a
Teoria vai por água abaixo.

Há uma tautologia na utilidade marginal também. Como diz Bukharin em sua crítica ao austríaco Böhm-
Bawerk, uma “caracterização sociológica” como essa da teoria de Bohm-Bawerk “não nos livra da
responsabilidade de travar uma guerra contra ela mesmo no campo de uma crítica puramente lógica”
(Preface to the Russian Edition).

Por isso, vamos supor que os marginalistas estivessem certos, ou seja, que o valor fosse uma relação
entre os preços e as avaliações subjetivas dos consumidores, e não a produtividade do trabalho, como
diziam Smith e Marx. Mesmo assim, estariam numa enrascada. Por quê?

Por exemplo – um exemplo do próprio Böhm-Bawerk – uma dona de casa fazendo as compras do mês:

Se, com a mesma quantia de dinheiro, nós pudermos comprar uma dúzia de bananas, ou meio quilo de
feijão e três maçãs, ou meio quilo de feijão e duas garrafas de água sanitária, ou… etc., cada pessoa
comprará aquelas mercadorias que tiverem a maior utilidade segundo suas avaliações individuais. Mas
essas avaliações individuais pressupõem tanto os preços das mercadorias que vamos comprar no
mercado quanto a quantia inicial de dinheiro com que vamos lá. Tanto os preços das mercadorias
quanto a quantia de dinheiro inicial são “dadas”, ou seja, as duas coisas já estão pré-estabelecidas antes
mesmo de irmos ao mercado, e é “somente dentro desses limites que uma certa avaliação baseada na
utilidade pode ser praticada” (Idem).

Ora, o próprio Böhm-Bawerk (cit. Bukharin, C. 1-1 Objectivism and Subjectivism in Political Economy)diz
que é um pecado capital de método ignorar, presumir, tomar por certo ou como “dado” aquilo que se
deve explicar. Mas as avaliações individuais dos compradores dependem dos preços!

Segundo a teoria de Böhm-Bawerk, o valor é a relação entre os preços e as avaliações individuais dos
consumidores. Mas, se as avaliações individuais dependem dos preços, será que, no final das contas, o
valor é a relação entre os preços e os preços? Será que o padrão determinante dos preços é a relação
entre preço e preço?

A teoria do valor é a teoria do padrão determinante dos preços. Ao tentar nos convencer que o valor
depende da utilidade, e não do trabalho, a teoria do valor de Böhm-Bawerk se transforma num círculo
vicioso e tautológico: os preços dependem das avaliações individuais dos consumidores, mas as
avaliações dos consumidores também dependem dos preços. Consequentemente, o próprio Böhm-
Bawerk e o seu viajante no deserto cometem um pecado capital de método: tomam como dado aquilo
que se deve explicar, ou seja, o próprio preço. Afinal de contas, de onde vem os preços?

Por fim, há uma impossibilidade filosófica e etimológica também, tal como o camarada Vinicius Bessi já
dissertou aqui:http://www.motorideologico.com/…/Refutando-a-teoria-do-valo…
Eu poderia introduzir ainda, a crítica esmagadora de Sraffa (que nem marxista era) ao valor marginal,
que foi usada por muitos durante a Controvérsia de Cambridge, e que acabou com Samuelson (um dos
marginalistas) tendo que admitir que o marginalismo estava errado, e que todos eles deveriam virar
‘Sraffianos’, além de que a Universidade teve de ignorar o resultado da controvérsia para continuar
existindo, mas vai ficar muito extenso.

A: 1-Não existe "valor real" ou algo do tipo, na primeira parte em que você fala disso não passa de um
valor metafísico que Marx atribuiu a mercadoria. Não existe o REAL valor de algo, porque essas
mercadorias somente tem um significado porque existem consumidores e logo nada nega ou refuta o
argumento de Carl Menger de que o valor das mercadorias é subjetivo. A parte do "valor real" de algo
não passa de uma discussão semântica e as pessoas realmente não se importam com o trabalho nisso, o
que pode limitar o preço mínimo é o custo de produção.

O capital não é mercadoria mas apenas meio de troca, tanto que fora disso o capital é inútil. O valor das
coisas é quase totalmente submetido a satisfação dos consumidores, e tanto que se ninguém quisesse
os casacos feitos você teria desperdiçado a ovelha.

2- Não existe "preço natural" e são apenas taxas de câmbio que variam por vários fatores, e nenhum
desses fatores é alguma lei ou coisa imutável universalmente. Em suma, os preços são termos
resultantes de acordo entre produtor e consumidor.

O padre escolástico Luis de Molina muito antes de Adam Smith sequer ter nascido, refutou a sua tese a
um ou dois séculos antes deste nascer:

"Um preço é considerado justo ou injusto não em razão da natureza das coisas em si — isto nos levaria a
valorá-las de acordo com sua nobreza ou perfeição — mas devido à sua capacidade de servir à utilidade
humana. Porque essa é maneira pela qual são avaliadas pelos homens, elas assim impõem um preço no
mercado e nas trocas."

Portanto é impossível sequer verificar um preço "natural" e não tem nada fixo neste, só pode ser fixada
através da coerção estatal ou de um cartel.

CPL: 1 - Você ao menos sabe definir o que é metafísica?? Kkkk

Eu não falei em 'real valor' de termos quantitativos, mas sim em termo qualitativo, isto é, propriedade
de algo que vai subscrever valor em uma sociedade de dada época e lugar. O que o Marx fez foi só
constatar que o que elas tinham em comum era o trabalho.

Em seguida, você fala que é meio de troca. Não. Isso foi refutado no debate Sraffa vs Hayek. Aliás, isso
que você disse contradiz o próprio Bohm-Bawerk.

Algo só vira mercadoria se tiver utilidade. É pra isso que serve o valor de uso. Marx nunca negou isso.
O que o Marx mencionava uma objetividade abstrata [gespenstige Gegenständlichkeitou rein
phantastische Gegenstandlichkeit]. Ou seja, embora a substância do valor seja o trabalho abstrato, ela
só é confirmada na troca, enquanto propriedade puramente social das mercadorias, ou seja, formal. A
objetividade do valor não é dada pelo trabalho concreto, nem pode ser medida individualmente em
uma mercadoria, mas é dada pela 'objetivação' de trabalho humano abstrato. Por ser uma medida social
e formal, como você muito bem afirmou, essa só pode ser confirmada em relação com outro produto do
trabalho humano, só assim as qualidades úteis do trabalho concreto podem ser abstraídas. Daí que um
produto do trabalho humano, quando tomado isoladamente, não é um valor ou mercadoria, isso só é
possível quando está em relação com outra mercadoria, daí o caráter espectral, já que trata-se de uma
substância que só existe em relação. Embora o valor e sua grandeza sejam determinados no processo
produtivo, só serão validados socialmente na troca. Nessa relação social específic é que a mercadoria
confirma sua objetividade enquanto valor.

Os sujeitos não precisam reconhecer e nem atribuir valor a qualquer coisa, no processo de troca são
personificações de relações econômicas, são portadores de relações sociais específicas. De fato, a última
coisa que podem fazer é atribuir valor a uma mercadoria, algo que é determinado apenas pelo caráter
social do trabalho abstrato, e cuja grandeza depende do tempo de trabalho socialmente necessário para
a produção da mercadoria. Somente pela ação dos demais sujeitos é que cada indivíduo sabe o valor do
seu produto. Agem sem precisar saber, o que os informa se o que querem vender é ou não valor de uso
social, valor de uso para outrem, portanto capaz de possuir valor de troca, é sua realização ou não. Não
por acaso, no primeiro capítulo, onde Marx expõe as determinações do valor, ele trata apenas das
mercadorias, apenas no capítulo 2 é que entram em cena os possuidores de mercadorias e suas ações,
os quais, antes de atribuir ou reconhecer valores, agem antes de terem pensado:

"Em sua perplexidade, pensam os nossos possuidores de mercadorias como Fausto. No começo era a
ação. Eles já agiram, portanto, antes de terem pensado. As leis da natureza das mercadorias atuam
através do instinto natural dos seus possuidores. Eles somente podem referir suas mercadorias, umas às
outras, como valores, e por isso apenas como mercadorias ao referi-las, antiteticamente, a outra
mercadoria como equivalente geral. É o que resultou da análise da mercadoria".

Onde eu falei de 'preços naturais'? Eu falei de custo de produção ali. E em nenhum momento neguei a
variação destes.

Até a Escola Austríaca admitiu que os escolásticos estavam errados em vários sentidos.

Uma crítica à definição de socialismo para Hoppe


Hans-Hermann Hoppe é um filósofo e economista ligado à escola austríaca de economia, sendo uma das
referências da corrente "austrolibertária" e "anarcocapitalista". Era amigo próximo (pessoal e
ideologicamente) de Murray Rothbard (outro autor de referência ao libertarianismo e
anarcocapitalismo). As contribuições de Hoppe abarcam o campo da ética, política e economia. Em
todos esses campos, Hoppe faz apologia ao direito privado (e à propriedade privada) como único direito
verdadeiramente ético, eficaz e civilizatório.

Membro sênior do Instituto Ludwig Von Mises ,Hoppe é autor de "Uma Teoria sobre Socialismo e
Capitalismo". Nesta obra, Hoppe apresenta uma definição de socialismo que está na base do que a atual
direita em geral entende por socialismo. Vejamos o que Hoppe diz:
"Não pode haver socialismo sem um estado, assim como há um estado onde há socialismo. O estado,
então, é a própria instituição que põe o socialismo em ação, e como o socialismo apoia-se em violência
agressiva dirigida contra vítimas inocentes, a violência agressiva é a natureza de qualquer estado." (Uma
Teoria do Socialismo e do Capitalismo, p. 138).

Ou seja, ele basicamente iguala a existência do Estado ao socialismo, fazendo com que Estado =
socialismo.

Essa definição engendra graves problemas de ordem conceitual que não tem fim, problemas que fazem
os formuladores originais do termo se remoerem em seus túmulos, bem como deixam historiadores e
sociólogos possessos da vida e de cabelos em pé. Vejamos:

1) O que Hoppe faz primeiramente é igualar ou atrelar a existência do socialismo à existência do Estado.
Até aí tudo bem: de fato, o modelo socialista para Marx, por exemplo, tem Estado. No entanto, o que
Hoppe quer fazer é resumir a existência do socialismo apenas à existência do Estado. Originalmente, o
socialismo foi concebido como um sistema social completo (ou, se preferir, como um projeto de
sociedade), abarcando não só uma determinada forma de Estado (política), mas também uma
determinada forma de relações de produção (economia) e de relações intersubjetivas (culturas). Assim,
atrelar a existência do socialismo apenas à existência do Estado é tratar o socialismo não como um
projeto de sociedade (tal como formulado originalmente), mas apenas como uma forma de Estado (que
é o que Hoppe e a direita atual faz);

2) Aceitar a premissa simplista de que o socialismo é apenas uma forma de Estado leva naturalmente à
aceitação de que o socialismo é uma forma de governo (ou regime político). Com isso, a simplificação
fica ainda mais absurda: o socialismo passa a ser entendido não como um projeto de sociedade (na qual
o Estado tem um papel importante e ativo, é verdade), mas como um regime específico de governo que
apenas difere de outros (exemplo: socialismo versus democracia, no qual o socialismo é entendido
geralmente como regime totalitário e antidemocrático, que é o que Hoppe faz). Tal visão é maniqueísta,
e não condiz com o verdadeiro debate político.

3) Se Max Weber estiver certo, então a afirmação de Hoppe de que "o Estado é uma instituição violenta
por natureza" é uma afirmação verdadeira. No entanto, dado que o Estado pode assumir várias formas
específicas ao longo da história, não é verdade que apenas o socialismo (no sentido em que Hoppe o
entende) seja violento. Ou seja, se a violência é uma característica inerente à essência ou à natureza do
Estado, então todas as formas específicas de Estado ao longo da história são violentas, e não apenas o
Estado no socialismo. Atenção: perceba que eu disse "o Estado no socialismo" (respeitando seus
formuladores) e não "o Estado socialista" (como afirma Hoppe);

4) Hoppe faz uma afirmação (e uma acusação) falsa ao tentar argumentar (sem sucesso) que a violência
é natural ao socialismo: "como o socialismo apoia-se em violência agressiva dirigida contra vítimas
inocentes, a violência agressiva é a natureza de qualquer estado". Perceba que Hoppe conclui o
raciocínio de maneira equivocada, indo do particular ao geral. Como disse anteriormente, é verdade que
não existe socialismo sem Estado, mas seu inverso (isto é, que não existe Estado sem socialismo) é falso,
e os fatos da história comprova isso. No entanto, não é com base em fatos históricos que a direita
costuma pensar e construir conceitos, mas com base em abstrações a priori. Para Hoppe e seus
discípulos (principalmente os anarco-capitalistas) a falsa afirmação "não existe Estado sem socialismo" é
um dogma (isto é, uma verdade inquestionável). E é com base nesse dogma que a maioria dos anarco-
capitalistas entendem que qualquer intervenção do Estado na sociedade é uma prática socialista ou que
beira o socialismo, mesmo que a história demonstre o contrário, a exemplo do welfare-state (período de
maior intervenção do Estado nas economias centrais, e que lhe rendeu o título de "os anos dourados do
capitalismo");

5 ) O principal problema de definir socialismo dessa forma simplista é que isso transgride critérios
lógicos de definição (Introdução à Lógica, Irving Copi, pág. 206–209). É algo muito genérico que poderia
definir tudo, logo, não definiria nada. É como alguém dizer que tudo que nada é peixe. Definir peixe
como tudo que nada seria igualmente complicado. Uma vez que não estabeleceria um critério rígido pra
separar entes que são bastante distintos, como uma tartaruga, uma onça e um peixe propriamente dito.

Com isso, podemos constatar que a definição de socialismo dada por Hoppe (e que está na base dos
discursos da direita em geral):

1) Não condiz com a definição de socialismo dada pelos seus fundadores e teóricos-originais, bem como
não condiz com a definição comumente aceita e utilizada pela comunidade de historiadores, sociólogos,
cientistas e filósofos políticos;

2) Desconsidera a origem, a processualidade e o desenvolvimento histórico do termo ao longo (e no


interior) da própria tradição socialista. Se usarmos essa definição na análise histórica, chegaremos à
ideia de que o movimento socialista não queria mudar nada, já que, existindo estado, já havia
socialismo.

3 ) O socialismo não é necessariamente o uso da violência. A violência é neutra e independente de


modelos de sociedade, podendo ser usada tanto no socialismo, quanto no capitalismo e etc. O aspecto
essencial do socialismo é (e como é usualmente definido, inclusive por Mises, como veremos) a
propriedade coletiva dos meios de produção. A propriedade coletiva pode, teoricamente, muito bem
existir numa sociedade em que todos os seus membros concordam sobre o uso coletivo e central de
suas propriedades. Existindo acordo, segue-se a desnecessidade do uso da violência.

4 ) Não podemos dizer que estado é socialismo apenas porque do estado se tem a potencialidade de
alcançar o socialismo. Separar o que tem potencialidade do que não tem é uma missão tenebrosa e
tendenciosa. Mas a própria ideia de que o estado tem essa potencialidade já deve pressupor que o
socialismo é diferente da mera existência do estado (porque se eu tenho potencialidade de ser algo,
significa que eu ainda não sou esse algo).

Se aplicarmos a definição de socialismo de Hoppe à História, chegaremos à pitoresca conclusão que:

1) Os impérios continentais da antiguidade clássica ocidental e oriental foram socialistas;

2) Os Estados absolutistas da era moderna foram socialistas;

3) Os regimes totalitários contemporâneos foram, todos, socialistas

4) Qualquer intervencionismo estatal visando mitigar desigualdades econômicas e sociais (bem como
visando conter a fome e revolta das massas) é socialismo;

5) Os movimentos operários e socialistas do século XIX não queriam mudar nada (nem pleitear leis
trabalhistas para amenizar a exploração) já que, existindo Estado, existia socialismo (um Estado
"socialista" que, diga-se de passagem, proibia sindicatos, associações operárias e perseguia socialistas!);

A definição de Mises é totalmente diferente. Aliás, a definição de Mises é a que melhor descreve o que é
o socialismo.
Mises, por outro lado, define socialismo como a propriedade coletiva de todos os meios de produção.
Em O Cálculo Econômico sobre o Socialismo, ele diz:

“No socialismo, todos os meios de produção são propriedade da comunidade. É somente a comunidade
que pode manuseá-los, bem como determinar como se dará seu uso em uma determinada produção.”
Ludwig Von Mises, O Cálculo Econômico sobre o Socialismo, p. 17

E, em Seis Lições:

“Nas condições socialistas há uma única autoridade econômica, e esta detém o poder de determinar
todas as questões atinentes à produção. Um dos traços característicos de nossos dias é o uso de muitos
nomes para designar uma mesma coisa. Um sinônimo de socialismo e comunismo é “planejamento”.
Quando falam de “planejamento”, as pessoas se referem, evidentemente, a um planejamento central, o
que significa um plano único, feito pelo governo – um plano que impede todo planejamento feito por
outra pessoa.” Ludwig Von Mises, As Seis Lições, p. 35

Ou seja, para Mises, socialismo é só quando o Estado tem o controle sobre todos os meios de produção.
É um tanto irônico que pela própria definição de Hoppe, seu “querido” guru seria considerado um
socialista, já que ele via a necessidade de um Estado monopolista e de impostos e, ao contrário do que o
próprio Hoppe diz, ele não defendia a secessão individual.

É interessante ver também que Mises acreditava que empresas estatais competindo em um mercado
ainda é capitalismo:

“Se, numa sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção, alguns desses meios são
apropriados e aperados pelo governo ou pelos municípios, isso ainda não cria um sistema misto que
combinaria socialismo e propriedade privada. Enquanto apenas algumas empresas individuais são
publicamente controladas, as características da economia de mercado que determinam a atividade
econômica permanecem essencialmente intactas. As empresas publicamente apropriadas, também,
como compradoras de materiais brutos, bens semi-acabados e trabalho, e como vendedoras de bens e
serviços, devem se ajustar no mecanismo da economia de mercado. Elas estão sujeitas à lei do mercado;
elas devem lutar por lucro ou, pelo menos, por evitar prejuízos.” Ludwig von Mises, Planned Chaos, “1.
The Failure of Interventionism”

Contudo, mostrando a diferença da concepção dos dois pensadores, ajuda-nos a perceber mais ainda o
quanto a tradição rothbardiana/hoppeana se difere fundamentalmente de Ludwig von Mises
(minarquista) mesmo em definições básicas.

Extra: debates nos comentários.


A: Sou liberal mas não sou fan de Hoppe. A critica de vcs assim como a maioria das criticas dessa pagina
são de boa qualidade. Tem algumas falhas como dizer que o Estado dosocialismo (no sentido hoppeano)
não é o unico que tem a violencia como natureza e em outras criticas já compeender que no sentido
hoppeano Estado=Hoppe. E Mises era a favor da secessão individual embora ele seja minarquista.

CPL: É um mito esse, de que Mises era a favor da secessão individual.

Para dizer que Mises defendia a secessão individual, alguns costumam citar uma passagem de Mises, em
Liberalismo, em que ele diz:
“Entretanto, o direito de autodeterminação de que falamos não é o direito de autodeterminação das
nações, mas, antes, o direito de autodeterminação dos habitantes de todo o território que tenha
tamanho suficiente para formar uma unidade administrativa independente. Se, de algum modo, fosse
possível conceder esse direito de autodeterminação a toda pessoa individualmente, assim teria sido.”
Ludwig von Mises, Liberalism, p. 110

Entretanto, ele não para por aí. Mises continua:

“Isto é impraticável apenas devido a convincentes implicações obrigatórias de ordem técnica, que
tornam necessário que uma região seja governada como uma unidade administrativa e que o direito de
autodeterminação se restrinja à vontade da maioria dos habitantes de áreas de tamanho suficiente,
para conformar unidades territoriais na administração de um país.” Ludwig von Mises, Liberalism, p. 110

Por isso ele falava sempre da necessidade de que o território tenha uma quantidade relativamente
grande de habitantes e de que haja plebiscito para haver a secessão. Em outra parte do livro, ele diz:

“O direito à autodeterminação, no que se refere à questão de filiação a um estado, significa o seguinte,


portanto: quando os habitantes de um determinado território (seja uma simples vila, todo um distrito,
ou uma série de distritos adjacentes) fizeram saber, por meio de um plebiscito livremente conduzido,
que não mais desejam permanecer ligados ao estado a que pertenciam na época, mas desejam formar
um estado independente ou ligar-se a algum outro estado, seus anseios devem ser respeitados e
cumpridos.” Ludwig von Mises, Liberalismo – Segundo a Tradição Clássica, p. 128

Vê-se que Mises cria ser impraticável a secessão individual, pelos problemas de ordem técnica citados,
de forma que se forme ao menos uma unidade administrativa independente, e que tal secessão seja
feita por meio de um plebiscito (ajustando-se à vontade da maioria). Acima de tudo, Mises era
utilitarista, e rejeitava qualquer ideia de direito natural [1]. Em todas as suas obras ele fazia questão de
dizer que não há motivo para não defender aquilo que era bom, i.e., que traz o maior bem-estar. E a
secessão individual não parece, para ele, ser o caso.

E é claro, também, que a ideia de secessão individual contradiz com a visão hobbesiana que Mises tinha
do Estado e com sua rejeição ao anarcocapitalismo [2]. Mises chega inclusive a dar claramente a
entender que a anarquia (de qualquer tipo) não pode ser considerada nem mesmo um “sistema social”,
e que sem um aparato de compulsão e coerção num dado território haveria um tipo de guerra perpétua
de todos contra todos [3]. Creio eu ser muita presunção achar que um pensador da estatura de Mises
não veria essa descarada incompatibilidade.

Notas:

1 – “A noção de bem e mal é uma invenção do homem, um preceito utilitário concebido para tornar
possível a cooperação social sob o signo da divisão do trabalho. Todas as regras morais e leis humanas
são meios para realização de determinados fins. Só examinando seriamente a sua utilidade para
consecução dos objetivos que se pretende alcançar é que podem ser qualificadas de boas ou más. Da
noção de lei natural algumas pessoas deduzem a legitimidade da instituição da propriedade privada dos
meios de produção. Outros recorrem à lei natural para justificar a abolição da propriedade privada dos
meios de produção. Sendo a ideia de lei natural arbitrária, tais discussões não podem chegar a qualquer
conclusão.” Ludwig von Mises, Ação Humana, p. 819.

2 – Isso é retratado pelo seu biógrafo, Guido Hulsmann, em discussões que Mises teve com seus
discípulos anarcocapitalistas:

“Mises entrou em contato com o movimento anarquista burguês já nos anos seguidos à publicação de
Ação Humana, especialmente através de seus contatos com libertários da costa-oeste, mas também em
correspondência com Rose Wilder Lane. Seus debates com esses radicais americanos permaneceram
infrutíferos. Mas após uns vinte anos, o anti-estatismo deles ganhou momento. A melhor prova foi a
existência do Círculo Bastiat, envolvendo Rothbard, Raico e Liggio. Raymond Cyrus Hoiles, editor da
Freedom Newspaper, vangloriou-se desse impacto crescente em uma carta a Mises, a primeira
correspondência dos dois em trinta anos. Respondendo a alegação de Mises de que nenhum homem
racional jamais propôs que a produção de segurança fosse confiada a organizações privadas…”Jörg
Guido Hülsmann, Mises: The Last Knight of Liberalism, p. 1025

“Mises respondeu de uma maneira hobbesiana, objetando que, na ausência de um monopólio do uso da
força coercitiva, “todo mundo teria que se defender continuamente de bandos de agressores“. Ele
concluiu: “Eu penso que você erra em assumir que seus princípios são aqueles da Declaração de
Independência. Eles são na verdade os princípios que levaram, cem anos atrás, os Estados Confederados
a recusar o reconhecimento do presidente eleito pela maioria. Seja onde for que esses princípios sejam
recorridos, eles levam a derramamento de sangue e anarquia.”” Jörg Guido Hülsmann, Mises: The Last
Knight of Liberalism, p. 1026

3 – Aqui, por exemplo:

“A paz — ausência de luta permanente de todos contra todos — só pode ser alcançada pelo
estabelecimento de um sistema no qual o poder de recorrer à ação violenta é monopolizado por um
aparato social de compulsão e coerção, e a aplicação deste poder em qualquer caso individual é
regulada por um conjunto de regras — as leis feitas pelo homem, distintas tanto das leis da natureza
como das leis da praxeologia. O que caracteriza um sistema social é a existência desse aparato,
comumente chamado de governo.” Ludwig von Mises, Ação Humana, capítulo XV, “Liberdade”

B: Acho que vcs não entenderam. Ele não diz que estado é igual a socialismo, ele disse que o estado é
instrumento dos homens para impor o socialismo. São coisas muito distintas.

Outra coisa, pra entender a afirmação tem que levar em consideração os pressupostos que ele assume.
Ele não está, por exemplo, expressando não uma concepção de socialismo errônea segundo outros
autores. Ele está apresentando uma proposta de definição diferente dos outros autores. Proposta, aliás,
extremamente coerentes racional do ponto de vista da lógica interna. No mais, como vcs mesmo falam,
é melhor está dar uma estudada mais profunda.
CPL: Ele diz que todo Estado é mais ou menos socialista, isso implica dizer que todo Estado é socialista
por si só, de uma forma totalmente equivocada, como dissemos, porque socialismo é modo de
PRODUÇÃO e não "ter assistencialismo social" ou não.

Essa "proposta diferente de definição" que ele apresenta é infundada, como já explicamos, porque
incorre em diversos erros, indo de encontro com os próprios criadores do socialismo marxista
(socialismo científico).

No mais, é melhor das uma estudada mais profunda mesmo.

B: Afora os problemas de tradução, que em algumas passagens convertem trechos denotativo (figuras
de linguagem) como se fosse proposições literais, há de se ter em mente que ele parte do pressuposto
explícito que o estado acaba controlando o José de produção direta ou indiretamente via manipulação
da moeda pelos bancos centrais.

Ele explica essa transição entre a interferência direta dos antigos regimes socialistas para a dissimulação
do controle via manipulações monetárias.

Isso, por si, já demonstra que a questão que ele levanta é muito mais profunda do que o que vcs
conseguiram captar.

Outra coisa importante é que para ele, independente do que falaram os "criadores do socialismo", faz
mais sentido falar em socialismo levando em consideração a coletivização de serviços e recursos por um
ente que tem o monopólio da força.

Nesse sentido, a conclusão é inescapáveis, onde houver estado, haverá socialismo, o que vai variar é o
grau de socialismo.

CPL: O problema é que 'socialismo' não se define pelo controle direto ou indireto do Estado nos
membros dentro da comunidade. Isso é um modo de gerir, mas não o único. Por exemplo, Marx em
'Crítica ao Progama de Gotha' cita que os trabalhadores deveriam se organizar em cooperativas das
quais não estariam submetidas a ninguém, nem ao Estado (ele é explícito nisso).

Ele pode, claro, fazer uma nova definição do que é socialismo para ele. Mas isso será só um espantalho.
Ele estará criticando algo que não corresponde aos designios dos socialistas. É como eu falar que tudo o
que não tem meios de produção coletivizado, é liberalismo, mesmo que tenha alta intervenção no
mercado. Nesse caso, o Brasil se tornaria liberal, e eu poderia usar o Brasil pra dizer que o liberalismo
falha. Eu vou estar certo dentro da minha própria concepção, mas em relação aos liberais, vou estar
atacando um espantalho.

Se eu for pela minha lógica interna, eu sempre vou estar certo. Esse é o problema. Posso pegar um país
pobre como Butão, e dizer que pra mim, aquilo é o livre-mercado pleno. Nada me proíbe, só que vou
estar criando algo sem sentido.

Por último, a sua última asserção refuta o primeiro comentário. Você diz no último comentário que a
conclusão inevitável é a de que 'onde há Estado, há socialismo em um grau', e o primeiro comentário diz
que não é assim.

Socialismo nunca deve ser medido pelo tamanho do Estado ou não. Você no máximo, vai ter uma social-
democracia. Não importa se o Estado é inexistente, mínimo ou máximo - se os meios de produção estão
coletivizados, é socialismo. Se não, pode ser qualquer coisa menos socialismo.

C: O problema é que 'socialismo' não se define pelo controle direto ou indireto do Estado nos membros
dentro da comunidade. Isso é um modo de gerir, mas não o único. Por exemplo, Marx em 'Crítica ao
Progama de Gotha' cita que os trabalhadores deveriam se organizar em cooperativas das quais não
estariam submetidas a ninguém, nem ao Estado (ele é explícito nisso).
Ele pode, claro, fazer uma nova definição do que é socialismo para ele. Mas isso será só um espantalho.
Ele estará criticando algo que não corresponde aos designios dos socialistas. É como eu falar que tudo o
que não tem meios de produção coletivizado, é liberalismo, mesmo que tenha alta intervenção no
mercado. Nesse caso, o Brasil se tornaria liberal, e eu poderia usar o Brasil pra dizer que o liberalismo
falha. Eu vou estar certo dentro da minha própria concepção, mas em relação aos liberais, vou estar
atacando um espantalho.

Se eu for pela minha lógica interna, eu sempre vou estar certo. Esse é o problema. Posso pegar um país
pobre como Butão, e dizer que pra mim, aquilo é o livre-mercado pleno. Nada me proíbe, só que vou
estar criando algo sem sentido.

Por último, a sua última asserção refuta o primeiro comentário. Você diz no último comentário que a
conclusão inevitável é a de que 'onde há Estado, há socialismo em um grau', e o primeiro comentário diz
que não é assim.

Socialismo nunca deve ser medido pelo tamanho do Estado ou não. Você no máximo, vai ter uma social-
democracia. Não importa se o Estado é inexistente, mínimo ou máximo - se os meios de produção estão
coletivizados, é socialismo. Se não, pode ser qualquer coisa menos socialismo.

para qualquer debate político, dizer que algo não condiz com o verdadeiro debate político é querer
colocar apenas sua opinião como filtro para aquilo que você considera como o verdadeiro debate, o que
é típico de socialistas e esquerdistas no geral que adoram usar do politicamente correto como arma de
regulação da liberdade de expressão).

3) Todo estado é uma forma de violência, Hoppe é um anarcocapitalista e o anarcocapitalismo tem


como princípio básico o entendimento que o estado como arranjo não voluntário/contratual se sustenta
por roubo sistemático da propriedade privada, via impostos. Logo, é correto dizer que todo estado
(como entende o autor do texto) é violento. Hoppe não afirma a incongruência do termo estado
socialista, ele apenas define os graus de socialismo e capitalismo que existem em qualquer governo.
Sobre essas diferenciações, Hoppe fala que não existem sociedades plenamente capitalistas ou
socialistas, mas existem graus diferentes de socialismo e capitalismo, aqui partindo da conclusão
reducionista que se pode fazer do socialismo após sua refutação como sistema praticável e incapaz de
se sustentar sem o estado. Hoppe diz: “Especificamente, uma teoria da propriedade e dos direitos de
propriedade será desenvolvida. Será demonstrado que o socialismo, de forma alguma uma invenção do
marxismo do século XIX, mas muito mais antiga, deve ser conceituado como uma interferência
institucionalizada ou uma agressão sobre a propriedade privada e os direitos sobre a propriedade
privada. O capitalismo, por outro lado, é um sistema social baseado no reconhecimento explícito da
propriedade privada e das trocas contratuais, não agressivas, entre os seus proprietários. Implícita nesta
afirmação, como ficará claro no curso deste tratado, é a crença que devem então existir vários tipos e
graus de socialismo e capitalismo, por exemplo, vários graus onde os direitos sobre a propriedade
privada são respeitados ou ignorados. As sociedades não são simplesmente capitalistas ou socialistas.
Certamente, todas as sociedades existentes são socialistas em alguma extensão. (Mesmo os Estados
Unidos, certamente uma sociedade que é relativamente mais capitalista que a maioria das outras, é,
como ficará aparente, surpreendentemente socialista e assim vem gradualmente se tornando mais com
o tempo.)” (Capítulo 1, p. 11-12).
4)”Hoppe faz uma afirmação (e uma acusação) falsa ao tentar argumentar (sem sucesso)” pontos já
demonstrados falsos nos itens anteriores, onde Hoppe não parte de uma premissa reducionista que seja
abstrata e sem fundamento lógico, seus primeiros capítulos pós-introdução são dedicados justamente
para definir as noções de contrato, propriedade, voluntarismo, sociedade civil, socialismo e suas
diferentes formas dentro do espectro marxista e não marxista, seus principais pontos e erros lógicos,
define as contradições desse sistema e as suas consequências econômicas e sociais, basta somente ler o
livro completo e verá como Hoppe fundamenta sua premissa e não apenas ler a introdução, onde ele já
parte da premissa concluída. “isto é, que não existe Estado sem socialismo”, Hoppe demonstra de forma
lógica que o estatismo é socialismo, logo não existe estado sem socialismo, de fato. Não adianta apontar
e dizer que é falso, se o seu texto não se dedica a refutar os pontos que fundamentaram a premissa,
pontos esses nem abordados no texto, apenas foi abordada a conclusão sem os argumentos que a
sustentam, esse é mais um ponto de desonestidade intelectual. “Fatos da história que comprovam isso”
não li nenhum fato no texto do autor. “No entanto, não é com base em fatos históricos que a direita
costuma pensar e construir conceitos, mas com base em abstrações a priori. “ Falsa dicotomia
acompanhada de desonestidade intelectual, não refutou se quer um ponto da sustentação lógica
hoppeana e escreve isso, apenas mais um ponto lamentável do texto.” Para Hoppe e seus discípulos
(principalmente os anarco-capitalistas) a falsa afirmação "não existe Estado sem socialismo" é um
dogma (isto é, uma verdade inquestionável). E é com base nesse dogma que a maioria dos anarco-
capitalistas entendem que qualquer intervenção do Estado na sociedade é uma prática socialista ou que
beira o socialismo” Refute essa “verdade inquestionável”, assim ela perde seu status de verdade e você
não precisa ficar escrevendo bizarrices cheias de espantalhos e com pontos ilogicamente e
desonestamente organizados. Agora cita como exemplo o wellfare state, e diz que a história aceita isso
como “os anos dourados do capitalismo”. Quando você diz “história” dá-se a noção de entidade
onisciente capaz de definir algo como exclusivo e de verdade inquestionável, entretanto essas ideias
históricas são escritas por pessoas e quando não baseadas em verdades históricas, elas podem ser
descartadas. O wellfare state geralmente é implementado em um período pós-liberalismo econômico e
que tiveram grande enriquecimento e desenvolvimento social sem o agigantamento dos seus estados,
não existe nenhum país da história que se enriqueceu por wellfare state, o mesmo é uma condição
posterior ao liberalismo, logo defini-lo como agente principal na criação de riqueza não é ignorância só
histórica, como também econômica. Um exemplo prático e atual de como os wellfare states são uma
falácia é analisar os países da Europa e até mesmo os nórdicos e suas mais recentes propostas de
realizar cortes nesse estado de bem estar social devido a diminuição em seus ganhos de riqueza e
desenvolvimento social que começaram a reduzir desde sua adoção. Recomendo olhar o sistema de
classificação de Bjuggren e Johansson que demonstram como a Suécia não teve nenhum crescimento
efetivo no setor privado de empregos em sua época de governo mais keynesiana.

CPL: 1)Acontece que a definição de Hoppe, através de sua dedução a priori, continua a ser falha na sua
conclusão, por não representar os desígnios dos socialistas. Como já deixamos claro aqui na página, ao
refutar de forma veemente a lógica por trás do valor subjetivo, não existe lógica de dedução a propri de
axiomas apartada das condições materiais, seja da natureza ou da sociedade, de um determinado
tempo histórico que são minimamente necessárias para a sua existência.

Em outras palavras, a definição de Hoppe escancara totalmente que a intenção dele não é 'deduzir' o
que seria o socialismo ou não; mesmo pelo fato de ele não levar em conta as diferentes variações
intercaladas dentro do socialismo (por exemplo, se fossemos comparar a URSS e Rojava..?).

No final das contas, a fachada de dedução de Hoppe se revela apenas uma definição maniqueísta e
pretensiosa. Eu li o livro, é só que isso é totalmente irrelevante pro texto. O próprio método de dedução
já foi excluído por nós, em outro texto.
2)É aí que está. Ele não explica de forma eficiente o motivo de porque, obrigatoriamente, o socialismo
deve passar pelo Estado. Quer dizer, se fossemos considerar o socialismo como a coletivização dos
meios de produção, tal como é mostrado a visão mais coerente no texto, iriamos mostrar que exemplos
clássicos como Nanjie, Free Territory e vários outras sociedades onde os meios de produção estavam
coletivizados, sem a existência de nenhum aparelho estatal.

Hoppe parte de um non sequitur, que ele até tenta explicar: o motivo de porque, obrigatoriamente, o
socialismo DEVE ter o Estado em sua composição, ignorando exemplos claros aqui como os citados
acima, e em última instância, ignorando até mesmo as delimitações marcadas por autores como o
próprio Mises.

Outra coisa: o capítulo 'Socialismo e Conservadorismo' contém uma falácia de generalização, assim
como ele faz referência a ela no livro 'Democracia O Deus que Falhou' e a suposta incompatibilidade do
sistema socialista com o conservadorismo. É verdade que a doutrina marxista é incompatível com o
conservadorismo, mas isso em nada implica no sistema; tal como já foi apresentado antes, socialismo é
marxismo não são necessariamente os mesmos.

Outra coisa: é desonestidade intelectual simplesmente dizer que 'o socialismo é utopia' e pronto. Eu
poderia fazer o mesmo com o anarcocapitalismo, e demonstrar pau-a-pau erros tanto dentro da
formulação do sistema, quanto no método da dedução (já mostrado aqui) quanto na própria ética
Argumentativa Hoppeana. Enquanto isso, absolutamente TODOS os motivos pelo qual Hoppe lista, em
toda a sua carreira, já foram amplamente refutados pelos economistas socialistas, como o próprio
problema do cálculo econômico - que já foi resolvido a questão do cálculo, como o próprio Jesùs Huerta
de Soto mostra, com supostamente o inconveniente do problema da dispersão de Hayek. A parte
irônica? O próprio Hoppe refutou o problema de Hayek no artigo 'Mises contra Hayek' acerca de Salerno
e o problema do cálculo. Vemos aí que a última instância que poderia partir o princípio de que o
socialismo é impossível, foi refutada pelo próprio Hoppe em um artigo.

Não é questão de que não analisei isso durante a leitura. Inclusive, li o livro 2 vezes. É só que é
irrelevante, totalmente. As falhas gigantes ainda estão lá, e em questão categórica, é só isso que Hoppe
tem a dizer, independente do que ele tente vir a explicitar como sua intenção ou não.

1)Errado. Quem mais faz isso são os libertários, ao classificarem o que não os convém como
'corporativismo', mesmo que ainda seja o capitalismo, monopolizando totalmente o termo e tendo toda
a sua argumentação em cima disso. Porque diabos temos de aceitar essa definição? Porque não
pegamos definições mais coerentes, mesmo de não-marxistas, como Smith? Ou conservadores? Ou
anarquistas-revolucionários? Pq diabos temos de nos ater a definição anarcocapitalista, que
curiosamente é a única que não concorda com as outras?

Método de dedução? Como, depois da crítica Sraffiana? Seu ponto não faz o menor sentido, e não digo
isso só como um socialista.

2)Hoppe comete uma falácia lógica. É impossível capitalismo existir em um mesmo grau que socialismo,
ou socialismo existir ao mesmo tempo, em maior ou menor grau, com o capitalismo.
Seria como falar, por exemplo, que existe gelo-seco, ou feio-bonito. Não há como, um é a antítese do
outro. Inclusive, as ideias estatistas de categorias minoritárias dentro dos socialistas, como Hilferding
mostra em 'Criticism on Böhm-Bawerk', surgiram justamente com a intenção de demonstrar que,
havendo propriedade do Estado, o próprio capitalismo já não poderia existir, e que portanto, esse seria
o meio de acabar com ele.

A única forma de Hoppe conseguir suplantar esse problema, seria consertar o non sequitur denunciado
por mim ali em cima. O problema é que, só há uma forma de fazer, e ele entra em incoerência se o fizer.

Outra coisa: você demonstra o que para Hoppe 'é', e portanto, a conclusão dele estaria certa. Isso é
incoerência. Você não demonstrou como o 'é' poderia estar certo, se a conclusão está errada. Ou seja,
seu argumento gira em círculos.

O seu último ponto é dedicado a cuspir as mesmas besteiras já refutadas anteriormente, então eu irei
pular tudo e tocar no que concerne somente ao Welfare State.

Em primeiro lugar, é justamente o contrário do que você afirma; absolutamente todos os países
cresceram com estatismo e com social-democracia.

Outra coisa, o próprio Instituto Mises ao demonstrar acerca de dados do crescimento / crises da Suécia,
cita que os resultados encontrados são possibilidades - o que dá um caráter nebuloso para com o qual
uma pesquisa séria deveria ter.

Quanto a crítica a historicidade, isso advém de uma ignorância no que se concerne ao método que
usamos aqui, tanto a visão materialista quanto o método da economia política.

Como me parece que você não faz a menor ideia de como funciona o método da economia política, haja
vista a interpretação torpe que fez do meu trecho na tentativa de desqualificar como uma falácia, que
eu nada se relaciona ao que eu disse, vou explicar abaixo:

Vamos tratar agora, primeiro, da concepção materialista da história, em seguida, do método da


Economia Política. Sobre a concepção materialista e dialética da história:

Como a realidade concreta é uma totalidade estruturada, tudo que existe nela adveio de uma forma
anterior que ela tinha e que estava dada. Portanto, sempre há uma forma dada da realidade que
contém as condições de determinação das possibilidades de existência das formas que se sucederam da
realidade posteriormente. Não há nada que passe a existir do nada, tudo veio a existir do que já era
existente, o que faz a realidade ser ontológica. Desse modo, a existência humana se dá pela ação
coletiva dos indivíduos sobre a natureza para transformá-la teleologicamente (ou seja, uma ação que é
pensada como um projeto de meio para se obter um fim já pré-concebido na mente) – conforme as
possibilidades das condições dadas, tanto da natureza quanto da forma vigente de sociabilidade – e
assim transformar a si mesmos, como parte dessa própria natureza. E ao transformar a natureza e
consequentemente a si mesmos (ao pôr em prática a ação), as condições que determinam as
possibilidades do que fazer e por conseguinte como existir também se transformam em outras
condições, que por sua vez irão determinar outras possibilidades do que e como fazer e assim das
formas de existência resultantes de tal processo. Por isso, não há uma inventividade subjetiva de cada
indivíduo que é um produtor privado por um tipo de força produtiva, meio de produção, processo de
produção e trabalho do que outro.
O que há é que os tipos de força produtiva, meios de produção, processo de produção e trabalho que
são utilizados pelos produtores privados são possibilidades que foram legadas pelas condições naturais
e sociais dadas no momento histórico em questão. Não há uma criação individual, apenas subjetivações
das formas possíveis que as relações sociais com a natureza no decorrer da história nos legaram.
Portanto, trata-se de algo totalmente objetivo (ontológico) em última instância.

Agora, sobre o método da Economia Política:

Sendo a realidade concreta uma totalidade, como poderíamos a apreender e saber o que de fato ela é,
já que em última instância todas as coisas existentes se determinam mutuamente? Além do axioma de
que a realidade concreta só pode existir como totalidade, há os axiomas derivados desse primeiro
axioma de que, primeiro, a realidade é finita (pois não pode existir qualquer coisas indiscriminadamente
nela em nenhum momento), e, segundo, de que as múltiplas determinações que constituem a síntese
do que é essa realidade não a determinam, cada uma, exatamente do mesmo modo. Há determinações
que são mais estruturais – determinam mais e por isso precedem outras determinações mais do que são
determinadas e precedidas – e há determinações que são mais contingenciais – determinam menos e
por isso são precedidas mais por outras determinações do que as determinam e as precedem. Ora, para
ser possível saber o que é a realidade é necessário apreendê-la em sua totalidade, pois qualquer recorte
arbitrário a distorce (por mais que nenhum recorte arbitrário consiga escapar dos limites de
possibilidades postos pelas condições historicamente dadas, não podendo ser assim totalmente
subjetivo), uma vez que negligenciaria possíveis determinações sem as quais o que está sendo estudado
não poderia ser o que é.

Além disso, tem de se considerar como estão encaixadas e relacionadas entre si nela cada parte
constituinte, a hierarquia da estrutura de determinação. Para isso, a única forma possível é o método da
Economia Política, no qual se faz dois grandes procedimentos: a investigação histórica e a exposição
categorial. A investigação histórica é a apreensão da realidade pela coleta de dados do único ponto de
partida possível para o contato sensível do investigador sobre o que está sendo investigado, que é a
síntese mais recente de múltiplas determinações, o presente em que o investigador se encontra. Assim,
a investigação histórica é um procedimento que vai do presente ao passado.

Já a exposição categorial é a organização dos fenômenos nos dados coletados na devida ordem
hierárquica estrutural de determinação que eles existem na natureza. Portanto, do que foi coletado pela
investigação histórica, tem que ser deduzido aquilo que for mais geral e simples, aquilo que mais se
encontra recorrente e saliente, o mais determinante e que por isso é o minimamente necessário para o
que está sendo investigado seja como é. Daí, ele tem de si abstraído de todo o resto de onde veio para
ser representado sozinho por uma categoria própria, que é abstrata, com menos determinações por
serem justamente as mais gerais e simples.

Posteriormente, começa a operação lógica de retornar dessa categoria mais abstrata do que é o mais
simples e geral para as suas variações possíveis na concretude que foi primeiramente abstraída, se
revestindo assim do que é mais específico e complexo, aquilo que é representado por categoria mais
concretas, com mais determinações, colocando essas categorias para se determinarem conceitualmente
entre si e assim gerar a sua representação em um “concreto de pensamento”, um reflexo da realidade
na mente. Isso quer dizer que a exposição categorial é o caminho inverso da investigação histórica, ela
vai do passado ao presente, pois é o sentido das condições mais determinantes do que determinadas
para as menos determinantes e mais determinadas, embora o que é menos determinante também
determina o que é mais determinante.

Ora, a exposição categorial é o retorno do ponto de chegada para o ponto de partida da investigação
histórica, o retorno do investigador para o ponto da história de que ele partiu. Porém, como a história
não para a investigação ser feita, o movimento dos procedimentos do método são perpétuos para
acompanhar o próprio movimento da realidade, conhecendo a totalidade que cada vez mais se altera e
se acrescenta do passado no presente.

E é justamente por isso que Marx fez abstrações de pressupostos que não eram concretamente reais,
pois necessitava supor as condições em que é sensivelmente apreensível as determinações mais simples
e gerais que são minimamente necessárias para a realidade ser como é. Ou seja, Marx fez no texto de O
Capital uma exposição categorial do que vai do mais simples e geral – o mais abstrato – para o mais
complexo e específico – o mais concreto – para saber exatamente quais são as posições de
determinação de cada uma das partes constituintes da totalidade do real. Ele fez uma investigação
histórica ds décadas dos dados que pôde coletar no seu contexto histórico – a Europa Ocidental da
metade do século XIX, em especial a Inglaterra – e deduziu o que era necessário a esses dados para eles
serem da forma que se apresentavam. Por exemplo, foram pesquisados os mercados internacionais e
nacionais de comércio entre as empresas de variados portes, os Estados e as populações, mas estes
mercados pressupõe a produção e todos os seus fatores, que por sua vez pressupõe o dinheiro e o
trabalho, e que por fim pressupõe a mercadoria – propriedade privada, oriunda ou não do trabalho
humano que tem como destino a troca – que é a unidade mais elementar do modo de produção
capitalista, a sua célula, pois é a forma que cada vez mais tudo assume no tipo de sociabilidade desse
sistema.

É disso que Marx pôde descobrir a existência do fetichismo da mercadoria, a inversão da realidade que
se mostra pelo mais abstrato – a mercadoria – como se fosse o mais concreto, portanto, a coisificação
das relações sociais (no caso, o velamento do trabalho) como propriedades objetivas naturais
qualitativas e socialmente úteis (valor de uso).

E é disso também que advém a sua questão acerca da historicidade ou não no aspecto do meu
argumento.

C: 5) A definição de socialismo explicitada por Hoppe não se enquadra nesse caso, por conta dos
próprios critérios que fundamentam o socialismo serem incoerentes, falsos e impraticáveis, o que leva a
uma redução do destino prático da aplicação do socialismo. Os fatores de diferenciação e especificação
de uma determinada ideologia tem que obedecer a um critério de originalidade (o qual Hoppe explica
logo na introdução, que o socialismo marxista não tem) e de lógica, sendo assim, o socialismo é
reduzido ao estatismo, a agressão sistêmica dos direitos de propriedade privada, por assim dizer.

Com isso, podemos constatar que a definição de socialismo dada por Hoppe (e que está na base dos
discursos da direita em geral):

1) Condiz com a realidade prática final da aplicação do socialismo bem como refuta a definição
comumente utilizada pela comunidade acadêmica mainstream de historiadores, sociólogos, cientistas e
filósofos políticos, que rejeitam via coerção, ideias que sejam contrárias ao pensamento unanime da
esquerda, para preservar o que eles chamam de o “verdadeiro debate político”.

2) Considera a -verdadeira origem-, as diferentes aplicações e formas da tradição socialista, incluso suas
transformações históricas (ler capítulo 4 da obra). “Se usarmos essa definição na análise histórica,
chegaremos à ideia de que o movimento socialista não queria mudar nada, já que, existindo estado, já
havia socialismo.” Evidentemente o socialismo não mudou nada, é uma teoria utilizada apenas para
justificar a expansão de um modelo de organização social já existente, o próprio estatismo.
3) O socialismo é praticado essencialmente com o uso da violência, pois aplica uma agressão aos direitos
de propriedade privada, que é a própria definição de uma agressão, um ato violento. Ele realmente
existe também num sistema plenamente capitalista (anarcocapitalista), um assassino é um agressor, a
diferença é que essa agressão não é institucionalizada. Numa sociedade onde existe propriedade
coletiva via voluntarismo, desconsiderando os problemas de coletivizar uma propriedade por
voluntarismo, existem o problema dos preços, que dependem da propriedade privada para existirem de
sua forma natural, como diria Mises: “Ainda em 1920, Ludwig von Mises expôs a total incapacidade de
uma economia planejada e sem dinheiro operar além de seu nível mais primitivo. Ele demonstrou que
os preços monetários são indispensáveis para uma alocação racional de todos os nossos escassos
recursos - terra, trabalho e bens de capital. Somente o sistema de preços permite que tais recursos
possam ser racionalmente direcionados para os setores e áreas onde eles são mais desejados pelos
consumidores e onde eles podem operar com sua maior eficiência. Os socialistas reconheceram a
precisão do desafio de Mises, e começaram - em vão - a procurar uma maneira de ter um sistema
racional de preços de mercado dentro do contexto de uma economia socialista planejada.” E Rothbard:
“Filosoficamente, esse credo é um completo assalto ao individualismo e à razão. O desejo natural que o
indivíduo tem pela propriedade privada, aliado a seus esforços para melhorar de vida, para se
especializar em algo, para acumular lucros e renda, são vilipendiados por todos os ramos do
comunismo. Ao invés de estimular o mérito, todos os indivíduos supostamente devem viver em
comunas, compartilhando com seus companheiros todos os seus escassos bens, e tomando o máximo
de cuidado para não superar o padrão de vida de seus irmãos comunais.

Na raiz de todas as formas de comunismo, compulsório ou voluntário, jazem um profundo ódio pela
excelência individual, uma rejeição à superioridade natural e intelectual de alguns homens em relação a
outros, e um desejo de reduzir cada indivíduo a meros participantes de um ninho comunal de formigas.
Em nome de um falso "humanismo", um desejo irracional e profundamente anti-humano de
igualitarismo deve roubar de cada indivíduo sua específica e preciosa humanidade.

Mais ainda: o anarco-comunismo despreza a razão e todos os seus corolários de longo prazo: prudência,
trabalho duro e conquista individual. Ao invés disso, tal ideologia exalta os sentimentos irracionais, as
fantasias e as extravagâncias - tudo isso em nome da "liberdade". A "liberdade" do anarco-comunista
nada tem a ver com a genuinamente libertária ausência de molestamento ou de invasão interpessoal;
trata-se, ao contrário, de uma "liberdade" que representa uma escravização à insensatez, à
irracionalidade, às fantasias e às extravagâncias infantis. Social e filosoficamente, o anarco-comunismo é
um infortúnio.

Economicamente, o anarco-comunismo é uma absurdidade, uma besteira ridícula e sem lógica. Os


anarco-comunistas querem abolir o dinheiro, os preços e o emprego, e propõem conduzir uma
economia moderna de uma maneira um tanto peculiar, para não dizer risível: por meio do registro
automático das "necessidades da comunidade" em algum banco de dados central. Qualquer pessoa que
tenha o mais parco conhecimento de economia não deve perder um único segundo de seu tempo com
essa teoria.”

CPL: Como você só reproduziu o que falou anteriormente, vou ser breve aqui:

1)Já refutada no primeiro comentário.

2. A assertiva da prática não é explicada. Você joga como verdade, e pronto. É uma falácia. A assertiva
que vem depois, também sofre do mesmo problema, pois você não explica o motivo, mas sim o coloca
como 'auto-evidente' sem dissertar mais nada, ou os motivos de pq isso seria válido.
3. Aqui você explora a questão do Problema do Cálculo Econômico, já respondida por nós, é como
mencionado anteriormente, com a cereja do bolo na refutação colocada por Hoppe ao derrubar a tese
de Hayek, um favor aos socialistas.

Você ignora por exemplo, os longos erros metodologicos encontrados na formulação do problema feito
por Von Mises, tal como demonstrado por Cockshott em 'Against Mises' do livro 'Arguments for
Socialism', assim como a deturpação feita nos relatos explicitados por Rothbard, que podem ser
observados aqui:

https://socialdemocracy21stcentury.blogspot.com.br/2014/01/mises-and-rothbard-on-communist-
prices.html?m=1

C: 4) “Não podemos dizer que estado é socialismo apenas porque do estado se tem a potencialidade de
alcançar o socialismo” e não é isso que Hoppe faz, ele não reduz socialismo ao estatismo pela sua
potencialidade, mas por sua própria essência, que já foi altamente divagada nos itens anteriores e se
encontra bem detalhada no livro de Hoppe.

Se aplicarmos a definição de socialismo de Hoppe à História, chegaremos à conclusão que:

1) Existem diferentes graus de socialismo e capitalismo, ou seja, de acordo com a análise histórica
hoppeana os impérios continentais da antiguidade clássica ocidental e oriental tinham seus próprios
graus de respeito aos direitos de propriedade privada e agressão aos direitos de propriedade privada.
(socialismo e capitalismo, respectivamente).

2) Os Estados absolutistas da era moderna tinham graus próprios de socialismo e capitalismo.

3) Os regimes totalitários contemporâneos foram, todos, mais socialistas que capitalistas, com
diferentes proporções para cada regime totalitário.

4) Qualquer intervencionismo ESTATAL visando mitigar desigualdades econômicas e sociais (bem como
visando conter a fome e revolta das massas) é socialismo. (Sim, esse ponto está correto).

5) Os movimentos operários e socialistas do século XIX queriam mudar sua realidade, mas partindo de
premissas erradas (queriam pleitear leis trabalhistas para amenizar a exploração e causaram o efeito
reverso quando aplicadas) já que, existindo estado, existia socialismo em algum grau (um estado
"socialista" por definição que, diga-se de passagem, proibia sindicatos, associações operárias e que
perseguia outros socialistas que queriam tomar o poder para si!);

A definição de Mises não é totalmente diferente. Aliás, a definição de Mises foi a que embasou a
construção da teoria sobre o socialismo de Hoppe.
Mises diz: “No socialismo, todos os meios de produção são propriedade da comunidade. É somente a
comunidade que pode manuseá-los, bem como determinar como se dará seu uso em uma determinada
produção.” Ludwig Von Mises, O Cálculo Econômico sobre o Socialismo, p. 17.”

E também diz: “Nas condições socialistas há uma única autoridade econômica, e esta detém o poder de
determinar todas as questões atinentes à produção. Um dos traços característicos de nossos dias é o
uso de muitos nomes para designar uma mesma coisa. Um sinônimo de socialismo e comunismo é
“planejamento”. Quando falam de “planejamento”, as pessoas se referem, evidentemente, a um
planejamento central, o que significa um plano único, feito pelo governo – um plano que impede todo
planejamento feito por outra pessoa.” Ludwig Von Mises, As Seis Lições, p. 35”

E Hoppe, partindo dessa ideia, diz: “Coerentemente, a socialização dos meios de produção tem sido
advogada por todos os socialistas de tendência marxista ortodoxa desde então. Isto não é só o que os
partidos comunistas do Ocidente oficialmente têm guardado para nós, embora tenham se tornado
crescentemente relutantes em... Entretanto, mais importante que a motivação e as promessas é aquilo
que a socialização dos meios de produção realmente agrega. As normas de propriedade que são
adotadas sob uma política de socialização e que constituem os princípios legais de países como a Rússia
possuem duas características complementares. A primeira, ninguém possui os meios de produção
socializados; eles são “socialmente” apropriados, o que significa dizer: nenhuma pessoa, ou grupo de
pessoas, ou todas, tomadas em conjunto, têm permissão para adquiri-los ou vendê-los e de ficarem com
as receitas das vendas privativamente. Seu uso é determinado pelo povo não no papel de um dono, mas
de um administrador[D] das coisas. E a segunda, nenhuma pessoa ou grupo de pessoas, ou mesmo
todas elas, tomadas em conjunto, têm permissão para engajarem-se em novos investimentos privados e
criarem novos meios de produção privados.” ( Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, p. 30-31)

Tanto Mises como Hoppe não negam a socialização dos meios de produção inerentes ao socialismo,
nem seus aspectos comunais e suas consequências de monopolização das propriedades nas mãos do
governo. A diferença entre os dois está na coerência de opiniões, que deveria ter levado Mises a rejeitar
totalmente o estado e não apenas na maioria dos aspectos sociais e econômicos. Ou seja, Hoppe
fundamenta a lógica de Mises sobre o socialismo e a leva para as últimas consequências lógicas.

Ideias evoluem não se pode partir de um ponto e achar que esse ponto se fecha em si, Hoppe superou
Mises e concluiu suas ideias, assim como um pensador pós-Hoppe pode ainda fundamentar mais ideias
lógicas sobre libertarianismo a quais Hoppe não desenvolveu, assim funciona qualquer tipo de ideologia,
so to speak.

CPL: Então, simplesmente, ele entra em uma incoerência, pois ele mostra logo no 1 Capitulo como uma
das formas pela qual a definição dele poderia fazer sentido, é justamente no quesito de que o Estado é o
instrumento principal pelo qual o socialismo somente pode ser alcançado. Aliás, procure nos
comentários e verá que um cara até comentou isso também.

"1) Existem diferentes graus de socialismo e capitalismo, ou seja, de acordo com a análise histórica
hoppeana os impérios continentais da antiguidade clássica ocidental e oriental tinham seus próprios
graus de respeito aos direitos de propriedade privada e agressão aos direitos de propriedade privada.
(socialismo e capitalismo, respectivamente)"
R: Já respondi essa questão, no comentário que até menciona Hilferding.

2) Os Estados absolutistas da era moderna tinham graus próprios de socialismo e capitalismo.

R: Vide acima.

3) Os regimes totalitários contemporâneos foram, todos, mais socialistas que capitalistas, com
diferentes proporções para cada regime totalitário.

R: Same above.

Pra completar, você divaga e apresenta o erro de Hoppe ao identificar socialização com planejamento,
esquecendo totalmente sistemas socialistas auto-gestionarios que não precisariam disso, como a
Iugoslávia socialista.

Aliás, se adotássemos a definição de Hoppe em planejamento, exercendo totalmente como a


inabilidade do indivíduo por si só poder exercer o domínio dos meios de produção, entraríamos em
contradição com Mises em O Problema do Cálculo Econômico Sobre o Socialismo onde ele disserta que
fundamentalmente a existência de sindicatos exercendo os meios de produção, ainda assim seria
capitalismo, ou como ele diz, 'capitalismo trabalhista', no capítulo 2 do livro.

Outra coisa: Hoppe não superou Mises, pois fundamentalmente o que ele fez foi criar um espantalho,
enquanto Mises se ateve coerente aos desígnios dos socialistas, criticando suas ideias no centro da
argumentação, enquanto Hoppe diverge totalmente disso. O que ele faz, na verdade, é criar uma nova
definição. Ele tecnicamente pode fazer isso sem problemas, só não será reconhecido e não irá refutar
nada dos socialistas com isso, tornando todo o trabalho dele inútil. Qualquer argumentação divergente
disso irá cair invarialmente nos problemas apresentados por mim nós comentários acima, tornando sua
análise, embora admirável, inútil no final das contas, por assim dizer.

Aliás, uma rápida lida em Ação Humana já desmente essa sua afirmativa de que Hoppe partiria do
princípio de Mises, ao dizer que 'um sistema é em maior grau socialista', como você afirma. Lá
encontramos veementemente Mises dizendo:

“The market economy must be strictly differentiated from the second thinkable—although not
realizable—system of social cooperation under the division of labor: the system of social or
governmental ownership of the means of production. This second system is commonly called socialism,
communism, planned economy, or state capitalism. The market economy or capitalism, as it is usually
called, and the socialist economy preclude one another. There is no mixture of the two systems possible
or thinkable; there is no such thing as a mixed economy, a system that would be in part capitalistic and
in part socialist. Production is directed by the market or by the decrees of a production tsar or a
committee of production tsars'
Ou seja, vemos que Mises e sua lógica (da qual Hoppe supostamente parte), nega a priori, a existência
de 'graus de socialismo' ou 'graus de capitalismo'. Ou algo é capitalismo, ou é socialismo.
Resposta
• LINK DO NOSSO PRIMEIRO POST

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=234590657014724&substory_index=0&id=11080690272
6434

• LINK DO TEXTO AO QUAL ESTAMOS EFETUANDO A RÉPLICA:

https://lm.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Fcriticidadevoraz.blogspot.com.br%2F2017%2F03%2F
defendendo-etica-hoppeana-resposta.html%3Fm%3D1&h=ATNmzXldQxr_kUsLW7yiIuMT-
jMcu_iF4YWjWnFVy4DqiSBLNzcz7B6cPcWzeU0IwfPUFBPOzjQU1LLBRW4493hMY9lc2N59yxAAqz_qYSIFk
6nNtMELRHChB2sH4tb4C4RGLg&enc=AZPYSZPRcq7UOJhYfDMUC6RNyG2NsdKyNxQCfO6C60GB7zC4Ut
m0sv1AFeoZazlWm6AwrwEyAZ0lwJydlDFNMJEmE4FLwLqwr7XcP3YLk7N5P4xK4PPPc_WhGUpvz65IOTFP
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• A RÉPLICA

Resposta para uma crítica ao texto contra a Ética Argumentativa do Hoppe:

"Rian busca justificar a negação da premissa hoppeana e, para isso, utilizada de argumentação, com o
que comprova a premissa"

R: O fato de eu escolher argumentar não comprova que o único modo de defender racionalmente uma
posição ética é por argumentos. O iterlocutor tentou nos acusar de incorrer numa contradição
performática. Entretanto, o único modo de cairmos numa contradição seria a seguinte: teríamos
aceitado que o único modo de defender racionalmente uma posição ética é por argumentos. Então,
depois de aceitar isso, defenderíamos alguma posição ética qualquer. Na defesa, usaríamos imperativos
ou proposições (não argumentos) e nos diríamos defendendo racionalmente nossa posição. É SOMENTE
neste caso que incorreríamos em uma contradição performática. Nosso interlocutor não faz ideia do
que nos imputou e precisamos explicar para ela em minúcias como seria o caso do que ele nos acusa.

"Além disso, eu desconheço a tese de que justificações prescindam de argumentos"

R: Comece pesquisando por tudo o que já foi escrito em epistemologia contemporânea. E vale aqui
desenvolver, pois isso foi alvo de muita confusão: na premissa, justificar por argumentação e
argumentar são equivalentes. Nós fizemos um disclaimer técnico quando falamos do conceito de
justificação: uma coisa é a justificação, um conceito técnico da epistemologia; outra coisa é a
argumentação. O termo "justificação" poderia ser abolido sem problema algum da premissa. O que
dissemos é que, nos estudos de epistemologia contemporânea, justificação não tem a ver com
argumentação em sentido estrito. A justificação é relativa à formação das crenças de um sujeito, e isso
pode ocorrer por diversas maneiras, não necessariamente por argumentação. Para um material
introdutório, cf. Roberto Audi (2004). Quisemos, por perfeccionismo técnico, mencionar essa questão
técnica. Tanto a premissa quanto a nossa objeção permanecem as mesmas, apesar desse disclaimer.

"Mais à frente, ele diz que é possível defender algo sem uso de argumentação, como ocorre no uso de
panfletos"

R: Você confundiu tudo. Eu disse 'afirmações panfletárias', não 'panfletos impressos EM PAPEL'.

"Ocorre aqui uma troca do conceito por trás do termo, porque Hoppe usa o termo “defender” no
sentido de argumentar a favor e não no sentido de propagandear. Ademais, o processo que está em
curso no exemplo dado pelo Rian não é um processo de argumentação, mas sim de persuasão, no qual
vejo possibilidade de não se usarem textos proposicionais"

R: Você simplesmente fez um argumento circular partindo de uma suposta "definição dos termos para
Hoppe": Toda posição ética, para ser racionalmente defensável precisa ser justificada por argumentos e
toda posição ética para ser justificada por argumentos precisa ser racionalmente defendida. Ou seja,
você disse uma tautologia vazia e não argumentou nada.
Em outras palavras, você diz que o Hoppe usa 'defender' no sentido de 'argumentar'. Se isso é verdade,
então o Hoppe diz que só se pode argumentar racionalmente se se argumentar. Uma tautologia, que
não diz nada. Isso é chamado de 'circulo in probando'. É fazer uma tautologia, algo que gira em círculos,
partindo de uma re-definição com sinônimos para aparentar ser um argumento. Portanto, ao entender
(muito mal) "defesa" como "argumentação", você confunde os termos do Hoppe que estão muito bem
distintos na premissa e ainda incorre em uma circularidade tautológica.

Vamos para a 2)

Os argumentos acerca da minha objeção a 2 proposição Hoppeana, demonstram que o crítico não
entendeu que a agressão, embora obviamente indesejável, é possibilidade lógica; e se for possibilidade
lógica, não dá pra tomar seu contrário (a não-agressão) como a priori argumentativo.

Ele só é um pouco prolixo pra confundir o que é condição ética de debate com o que é requisito formal
de uma argumentação estrita. Posso ser tão prolixo quanto ele pra dizer isso, mas esse é o cerne. Ele
confunde condição ética de debate com requisito lógico de argumentação. A partir daí, gera um non
sequitur.

E mesmo que a gente aceitasse a segunda premissa, que a gente aceitasse que a ética é condição formal
da argumentação, ainda assim a primeira premissa se manteria falsa. Ela não se altera por causa disso.

Simplesmente há um não entendimento acerca do que é possibilidade lógica. Se estamos falando das
condições a priori para toda argumentação possível, então tem que ter em vista o que possibilita toda
argumentação possível, e não simplesmente a argumentação em um DEBATE ARGUMENTATIVO. A
argumentação não ocorre somente numa troca entre interlocutores. O sujeito pode buscar a verdade,
mas impedir outro de buscá-la, de modo algum invalida sua própria argumentação. As condições
formais de uma argumentação podem ser cumpridas, como possibilidades lógicas, concomitantemente
à censura do opositor ou à agressão do mesmo. Do fato de que isso seja logicamente possível se prova
que transformar a não-agressão em condição formal da argumentação é um erro; essa condição, ainda
que desejável, sempre vai ser posterior à própria argumentação, e por ser posterior à argumentação é
que não vai ser uma condição da sua possibilidade, e não sendo condição de sua possibilidade não vai
ser a priori da argumentação.

Não importa insistir em algo que seja eticamente desejável se estamos tratando do meramente formal e
argumentativo. A "dialogicidade" não é condição de argumentação.

"O argumento de Hoppe não visa a provar a existência da propriedade, porque esta é, de fato, um dado
inextirpável da realidade social. O que Hoppe pretende é justificar o direito de propriedade privada, ou
seja, o dever de respeitar a propriedade do sujeito que a apropriou originalmente ou por contrato, que
é algo totalmente diferente da questão de se a propriedade existe. É inconcebível vida humana em
sociedade sem a instituição da propriedade, uma vez que alguém precisa decidir sobre o uso dos
recursos, e propriedade quer dizer uso exclusivo. Alguém, é claro, tem que decidir sobre como se
utilizarão os recursos. Pode ser um soberano decidindo sobre todas as propriedades ou então um grupo
decidindo sobre algumas propriedades, e assim por diante, com infinitas possibilidades. A tese
austrolibertária é a de que a única posição sustentável quanto a esse problema da Filosofia Política é a
de que apenas o proprietário original (e aquele que adquiriu a propriedade por meio de contrato) pode
decidir sobre sua propriedade (a questão de como alguém passa a ser dono de algo não está em debate
aqui)."

R: Como alguém pode dizer que o direito de propriedade, além de evidente, é "inextirpável", e logo em
seguida afirmar que o teórico em questão (Hoppe) se coloca a justifica-lá? Isso é uma contradição
enorme.

O ser na ontologia, ou o próprio ser ontologico, ao trazer questões inerentes a si mesmo, concebe-a
como naturais e se não naturais não devem ser justificadas tal qual alienadas de suas funções.
Ocorre que a prioridade privada é tudo, menos inerente. A própria justificativa de Hoppe contradiz essa
concepção.

Quando Hoppe afirma que a propriedade privada é uma associação natural do homem e não um
produto do processo histórico dá relações materiais, ele está não mais do que assumindo
essencialmente uma interdependência do homem com a prioridade privada. Por tanto, não haveria o
que justifica-lá. Seria não mais do que 'Rechtfertigend die nicht zu rechtfertigen' (justificar o
injustificável).

Para criar uma função ao menos concebível que não anule a idéia de inerência do homem ao fator
"propriedade privada", Hoppe cria uma construção do entendimento humano para um eterno embate
ético onde a racionalidade permeia todo o senso e argumentação. Ou seja, ele subtraí toda a
historicidade do ser para dizer que este tem uma relação histórica com a propriedade privada (isso aqui
já é absurdo o bastante), e ainda sim, afirma que tal relação é constituinte da realidade-social de
maneira inseparável.

Ou seja, para ele, o ser não possui construção histórica de pensamento, mas ainda sim possui noção
histórica de propriedade; Pois para Hoppe, o entendimento é um 'dogma', e não um processo
materialista e dialético. Hoppe sequer chega a compreender o conhecimento do ponto essencial-
filosófico como faria Kant, por exemplo.

No fundo, pouco importa se é possível defender racionalmente uma posição ética sem justificação
argumentativa. Existe uma falha em todo silogismo, que é a necessidade de provar as premissas com um
outro silogismo até o infinito. Existe uma premissa implícita que é : É necessário defender racionalmente
toda posição ética. Dessa forma, supostamente para Hoppe teríamos que argumentar e dessa forma
seria inevitável a dedução da norma chamada propriedade privada. Então quer dizer que eu tenho que
defender racionalmente se é certo ou não estupro? Não, é errado e acabou. É da nossa natureza dizer
que é errado porque nos tornamos assim a partir do materialismo histórico dialético. É nossa relação
espontânea achar errado determinadas coisas. Direitos são convenções e se nós tivéssemos que ficar
"racionalmente defendendo" , ficaríamos num debate eterno e a sociedade seria um caos absoluto. É
necessário para a mínima reprodução e coesão social e para a ligação superestrutural entre os mortos,
os que estão vivos e os que ainda vão nascer que nós tomemos certas coisas como norma. Em outras
palavras: há de se entender o que o Hoppe disse (a argumentação como requisito da defesa racional);
argumentamos (sem incorrer de maneira alguma em contradição performática, como já demonstramos)
que há outras possibilidades de defesa racional: qualquer defesa que não se valha de argumentação
(seja por proposições, seja por imperativos) — mas que por trás disso tudo nós ainda deixamos o
pressuposto de que uma defesa da ética precise ser racional, quando de modo algum precisa. Aceitamos
esse pressuposto sem questioná-lo. Respondemos à premissa aceitando esse pressuposto, e ainda
conseguimos responder. Questionamos, agora, o pressuposto que tínhamos aceitado. Hegel já havia
refutado isso há anos:
"O cepticismo é uma confusão puramente casual - a vertigem de uma desordem que está sempre se
reproduzindo.
é uma consciência sungular, de todo contingente, uma consciencia que é empirica, dirigda para o que
não tem para ela realidade nenhuma: obedece àquilo que para ela não é nenhuma essência; faz e leva à
efetividade o que para ela não tem verdade nenhuma. " -Hegel

Em seguida, o crítico coloca uma frase de Ludwig Von Mises para combater a a noção monista. Ele
basicamente diz que:

"A razão e a experiência nos mostram dois mundos diferentes: o mundo exterior dos fenômenos físicos,
químicos e fisiológicos e o mundo interior do pensamento, do sentimento, do julgamento de valor e da
ação propositada. Até onde sabemos hoje, nenhuma ponte liga esses dois mundo"

Isso é pura tautologia. Anti-cientifica por sinal. Há não só uma ponte, como estes são o mesmo em
formas diferentes.

Explicando melhor: o próprio pensamento só é pensamento pois resulta de sinapses e conexões do


sistema nervoso, e portanto, também é matéria. Não se pode falar de algo "imaterial". Sendo mais
rigoroso: falar em algo imaterial é o mesmo que falar em alma.

Engels já refutava isso no Anti-Dühring:

"Mas, se queremos, na realidade, saber o que são o pensamento e a consciência e de onde procedem,
saberemos, então, que são produtos do cérebro humano e o próprio homem nada mais é de que um
produto natural que se formou e se desenvolveu dentro de seu ambiente e com ele. Tiramos, então, a
conclusão, lógica por si mesma, de que os produtos do cérebro humano, que não são, em última análise,
mais que produtos naturais, não se contradizem, mas se harmonizam com a concatenação geral da
natureza."

As sinapses são afetadas pelos neurotransmissores e esses transmissores geram excitações que
permitem o prosseguimento do impulso elétrico ou retardam-no. Cada neurônio não pode se comunicar
com qualquer outro, mas sim com neurônios dentro de um sistema local que pode ser um córtex ou um
núcleo, que, por sua vez, se comunicam com sistemas mais complexos e assim por diante até formar o
todo complexo que chamamos de "mente", com suas inúmeras ligações e vias de comunicação entre
sistemas internos de neurônios. A configuração desses sistemas cerebrais também é uma coisa material
em si, pois é gerada a partir dos processos do sistema nervoso e sua comunicação com os outros
sistemas. O ponto é que isso não muda o fato de que tudo isso (incluindo seus produtos) são coisas
materiais pertencentes ao mesmo mundo dos fenômenos físicos e fisiológicos, como Mises se refere. O
"imaterial" só existe porque a apreensão disso também é feita pelas mesmas excitações e liberações e
recepções de neurotransmissores nos neurônios, que são coisas materiais. Falar em um substrato ou em
um produto imaterial é negar o caráter material da nossa existência (e de tudo que nos cerca).

Recomendação de leitura: MACHADO, Angelo Barbosa Monteiro. Neuroanatomia funcional. 2. ed. Sao
Paulo, SP: Atheneu, 2004.

Por fim, Spizona já havia refutado isso ao mostrar que se deve considerar a existência de uma única
coisa, a substância, da qual tudo o mais são modo.

Como o meu argumento provando ontologicamente e cabalmente o monismo, e a rejeição a toda forma
de dualismo a partir deste, não foi respondido, segue-se que o meu maior ataque continua de pé.
"A propriedade realmente pressupõe a existência dessas categorias, mas a autopropriedade não
caracteriza um paradoxo. Propriedade quer dizer controle exclusivo, e com efeito apenas o indivíduo
pode controlar seu corpo, exclusivamente"

R: Não. Controle exclusivo implica em posse, kantianamente falando. Propriedade é normativo.


Em seguida, você (vamos ignorar por enquanto os argumentos neurocientificos que refutam isso) dá um
exemplo de autocontrole, não de autopropriedade. Propriedade é normativo, lembre-se disso. Você
cometeu o famoso erro de categoria, da qual Kant já se referia.

"O sujeito é um ser físico e espiritual, ou seja, é corpo e mente. Ele é proprietário de si mesmo, ele
controla exclusivamente a si mesmo"

R: As duas primeiras coisas citadas dizem respeito a modos diferentes da mesma substância, não
sujeitos diferentes desempenhando papéis diferentes. Em seguida, você continua dando um outro
exemplo de autocontrole. Isso não é autopropriedade.

"Não há, aqui, problema algum, a meu entender.


Uma parte do organismo que seja retirada já não faz mais parte desse organismo e poderia sim ser
objeto de comércio. Aqui também não enxergo dificuldades teóricas"

R: Como isso comprova a autopropriedade? Você acabou de admitir que não faz mais parte do
organismo.

Na verdade, o que acontece a partir daí é só resultado do erro de categoria inferido anteriormente. O
resto do texto do crítico gira em torno de fatos causados por esse erro enorme, fruto de um salto lógico.

Meu crítico fala que tem um problema em falar do dualismo da forma que enxergo, e que a
autopropriedade estaria provado pois há uma impossibilidade de haver um controle simultaneamente
sobre o mesmo corpo. Só que aí ele já tá falando de auto-controle, e tenta fazer uma ligação disso com
propriedade, que é algo normativo. O auto-controle é um FATO, propriedade é uma NORMA.

Você insere um conceito normativo [propriedade] em uma análise factual [controle]. Só você pode
controlar seu corpo (vamos ignorar, por enquanto, os argumentos neurocientíficos contra isso, como eu
já disse), mas isso é simplesmente um fato.

Agora, se você quiser chamar o FATO de só você CONTROLAR exclusivamente seu corpo de propriedade,
tudo bem. É uma opção sua e é algo completamente anti-lógico e anti-kantiano. Mas aí fica muito mais
fácil de refutar: se propriedade é meramente o auto-controle exclusivo (sem legitimidade, i.e., o
componente normativo), então você está me dando uma ética descritiva. No entanto, você quer
estabelecer isso por meio da argumentação, que já é uma prática no campo do normativo
necessariamente, então fica totalmente ilógico: pois não há ligação que une o campo descritivo do que
tu tá chamado de propriedade com o campo normativo da argumentação, e toda a ética argumentativa
vai pro ralo. Se você tentar dizer que propriedade, no entanto é descritivo (e não é, por fatores óbvios,
mas vamos prosseguir), você está necessariamente confundindo com posse, e logo a ética vai pro ralo
de qualquer jeito por relativismo.

O resto do texto, frente a isso, torna-se irrelevante de comentar, haja vista que o pressuposto está
errado, e com eles, os argumentos posteriores frutos deste também. Frente a isso, torna-se impossível
prosseguir após essa incongruencia, e tenho por finalizado minha argumentação.
... Rothbard
Rian Lobato 18/12/2016

Então, gente, eu terminei de ler um livro escrito pelo autor da Escola Austríaca, Murray Rothbard, e
como entendendor das críticas e essência econômica dos Marx, devo dizer que essa foi talvez a pior
crítica já feita, mesmo entre a Escola Austríaca. Mostrarei a seguir os erros brutais que Rothbard comete
em suas falas, nesse livro. Algumas das críticas eu já tinha achado na internet, ao esclarecer algumas
coisas quanto a Escola Austríaca, e de alguns materiais e sites em especial sobre as obras de Rothbard e
uma refutação a ele ou de refutações quanto a críticas sobre isso, mas quase tudo, e notas, adicionais, e
textos de partes são feitas por mim, sobre os vários e vários erros que identifiquei na leitura, e que fui
sublinhando quando li. O livro se chama "Economia Clássica, Uma Perspectiva Austríaca do Pensamento
Econômico, Volume 2", onde ele se dedica a desqualificar o pensamento marxista. - RVL.

Ele começa dizendo:

"[Marx] criou um verdadeiro tecido de falácias. Cada ponto da sua teoria é errado e falacioso. O sistema
marxista está em frangalhos e ruínas absolutos; O "argumento" da teoria marxista "explodiu" muito
antes de seu "arrebentar" predito do sistema capitalista. Longe de ser uma estrutura de leis
"científicas", além disso, a estrutura foi construída como gelatina, e reforçada em desesperadamente
com o objetivo messiânico, fanático e enlouquecido de destruição da divisão do trabalho e, na verdade,
da própria individualidade do homem, para a criação apocalíptica de uma alegada e inevitável ordem
mundial coletivista, uma variante ateísta de uma venerável heresia cristã ". - Murray Rothbard

De acordo com Rothbard: "Marx insere seu erro crucial já no início de seu sistema. O fato de duas
commodities podem ser trocadas uma pela outra em certa proporção, não significa que elas sejam,
portanto, "iguais" em valor e possam ser "representadas por uma equação". Como aprendemos desde
Buridan e os escolásticos, duas coisas apenas podem ser trocadas umas pelas outras porque são
desiguais em valor para os dois participantes na troca".
O que já se tira disso, é que Rothbard não leu Marx. Marx diz no capítulo dois de "O Capital" que "Todas
as mercadorias são não-valores de uso para os seus possuidores e valores de uso para os seus não-
possuidores. Sob todos os aspectos, portanto, elas têm de mudar de mãos.". Evidentemente, Rothbard
tem tanto desprezo por seus leitores que ele assume que eles não leram os dois primeiros capítulos de
O Capital. E, claro, tão desprezo por seus leitores que ele não os leu ele mesmo. Além disso, os
primeiros capítulos de O Capital são a análise de Marx da mercadoria, ou a forma social básica em que
os produtos do trabalho se manifestam em um modo de produção capitalista, e não do ato de troca em
si, como sugere Rothbard.

Marx estabelece que a mercadoria tem um duplo aspecto: tem um aspecto natural, o valor de uso, e um
aspecto social, seu valor. Este valor não pode ser visto enquanto observamos a mercadoria de forma
isolada, temos de forçar esta mercadoria numa relação de troca com outra mercadoria para que o valor
nela contida se manifeste. A forma de manifestação do valor é o seu valor de troca. Quando Marx diz
que uma determinada mercadoria se troca em diferentes proporções com outras mercadorias e,
portanto, tem a mercadoria dada mais de um valor de troca, ele define explicitamente o valor de troca
como a quantidade da outra mercadoria que está sendo trocada com a nossa. Quando o valor se
manifesta como valor de troca, entende-se como o valor de uso da outra mercadoria que estamos
adquirindo. Por exemplo, se trocarmos 20 jardas de linho por um casaco, temos esta equação:

20 jardas de linho = 1 oz de ouro

O valor da primeira mercadoria (linho) é expresso como um valor relativo, valor em relação a alguma
outra coisa. Esta é a forma relativa de valor. O ouro, em vez disso, é a nossa forma equivalente de valor,
uma vez que é um equivalente do primeiro.

Podemos adicionar mais relacionamentos com a oz de ouro, como:

1 casaco = 1 oz de ouro

10 lbs. De chá = 1 oz de ouro

40 lbs. De café = 1 oz de ouro

1 quarto de milho = 1 oz de ouro

(pra quem não sabe o que é a unidade quarto: https://pt.wikipedia.org/wiki/Quarto_(massa))

A oz de ouro agora se torna um equivalente geral, servindo como uma expressão de valor para todas as
outras commodities. Por meio do costume social, a oz de ouro pode agora ser entendida
conceitualmente como a mercadoria monetária predominante para nosso exemplo. Quando dizemos
que 1 casaco, 10 lbs. De chá, 40 lbs café e 1 quarto de milho são iguais (valem) 1 oz de ouro, segue-se
logicamente que 1 casaco = 10 lbs de chá = 40 lbs de café = 1 quarto de milho. A afirmação de Rothbard
gira em torno do axioma sobre o que permite que a troca aconteça, mas independentemente da
qualidade individual, a troca é um jogo de soma zero no momento em que paramos de olhar para a
parte utilitária somente, e começamos a olhar o dinheiro e valor.
Na verdade, os dois participantes na troca vêem uma desigualdade na satisfação que suas respectivas
commodities podem dar a eles, no entanto, Marx não está preocupado com isso, ele não está
investigando o que permite que as commodities possam ser trocadas no mercado, ele está analisando a
própria mercadoria em seus vários aspectos. O que torna o trabalho vivo criador de valor é a produção
capitalista de mercadorias, na qual a relação material entre as mercadorias representa uma relação
entre os seus proprietários. Esses proprietários de mercadorias ocupam papéis de produção específicos
e aparecem no mercado como produtores independentes que realizam trabalhos privados. Esses
trabalhos são, na maioria dos casos, trabalhos sociais porque, produzindo para troca, eles satisfazem
necessidades sociais. Os trabalhos sociais atuam assim como mediadores entre produtores
independentes em uma sociedade atomizada. O trabalho humano, como meio através do qual os
produtores independentes estão conectados, é o vínculo social que une a sociedade.

Podemos tentar demonstrar isso citando um experimento de pensamento de Ernest Mandel:

"Imagine por um momento uma sociedade em que o trabalho humano vivo tenha desaparecido por
completo, isto é, uma sociedade em que toda a produção tenha sido 100% automatizada.
Naturalmente, enquanto permanecemos no atual estágio intermediário, no qual algum trabalho já é
totalmente automatizado (ou seja, um estágio em que não empregam nenhum trabalhador) e isso
existe ao lado de outra situação em que o trabalho humano ainda é utilizado, não há nenhum problema
teórico em especial, uma vez que se trata apenas da transferência de mais-valia de uma empresa para
outra. É uma ilustração da lei de equalização da taxa de lucro, que será explorada mais tarde. Mas
vamos imaginar que este desenvolvimento foi empurrado para o seu extremo e o trabalho humano foi
completamente eliminado de todas as formas de produção e serviços. O valor pode continuar a existir
sob estas condições? Pode haver uma sociedade onde ninguém tem uma renda, mas as commodities
continuam a ter um valor e a ser vendido? Obviamente, tal situação seria absurda. Uma enorme massa
de produtos seria produzida sem que essa produção gerasse renda, já que nenhum ser humano estaria
envolvido nessa produção. Mas com certeza alguém iria querer "vender" esses produtos, para os quais
não havia mais compradores! É óbvio que a distribuição de produtos em tal sociedade deixaria de ser
efetuada sob a forma de uma venda de commodities e, de fato, a venda se tornaria ainda mais absurda
por causa da abundância produzida pela automação geral. Exprimida de outra maneira, uma sociedade
na qual o trabalho humano seria totalmente eliminado da produção, no sentido mais geral do termo,
com serviços incluídos, seria uma sociedade na qual o valor de troca também havia sido eliminado. Isso
prova a validade da teoria, pois no momento em que o trabalho humano desaparece da produção, o
valor também desaparece com ele. "- Ernest Mandel," Introdução à teoria econômica marxista "

O fato de Rothbard ignorar completamente a metodologia de Marx e se limitar a uma justaposição de


sua própria teoria com a de Marx mostra que sua crítica da economia marxista não é imanente, nem lida
com o próprio método de Marx. O argumento marxista é simplesmente não abordado e outro quadro
externo de pensamento é proposto.Essa diferença torna não só a critica inutil, como mostra que
Rothbard não consegue entender o pensamento marxista. Não só isso como, mesmo considerando o
pensamento de Rothbard, ele ainda está errado na própria ótica marxista, como demonstrado
anteriormente.

A partir dessa posição, Rothbard prossegue: "como fundir uma miríade de qualidades e habilidades
diferentes do trabalho em uma" hora de trabalho "homogênea e abstrata"? Aqui, retomando uma
sugestão de Ricardo, Marx insere os conceitos de "médio" e "normal". Tudo é uma média. Mas como é
essa média obtida? É feito por pesos, pois com maior qualidade, trabalho excepcionalmente produtivo
pesa mais forte em unidades de tempo de trabalho do que em quantidade de tempo de trabalho de um
trabalhador não qualificado. Mas quem decide os pesos?"

Rothbard mais uma vez fracassa na compreensão do conceito de trabalho simples e complexo de Marx.
Especificamente, ele está errado quando apresenta trabalho complexo como trabalho
"excepcionalmente produtivo", confundindo complexidade com intensidade. Quando Marx fala de
trabalho complexo, não se interessa pela produtividade. Para ele, o trabalho complexo é o nível de
qualificação média exigido para o emprego numa determinada forma de trabalho, que se distingue da
qualificação individual do produtor único no contexto de uma mesma profissão. Por exemplo, enquanto
o trabalho do médico exige, em média, um alto nível de qualificação, diferentes médicos apresentam
diferentes graus de experiência, formação e habilidade. Eles diferem uns dos outros em termos de
destreza ou habilidade de seu trabalho.

Como deve ser óbvio, o produto de um trabalho complexo não é apenas o resultado do trabalho direto
que é gasto diretamente em sua produção, mas também do trabalho necessário para a formação do
trabalhador na profissão dada. O último trabalho, também entra no valor do produto, e o torna mais
caro. A sociedade paga pelo produto do trabalho qualificado um equivalente ao valor que os trabalhos
qualificados teriam criado se tivessem sido consumidos diretamente na sua forma simples e não na
formação de uma força de trabalho qualificada. O trabalho despendido na formação dos produtores de
uma dada profissão, entra no valor do produto de trabalho complexo e o valor médio do produto de
uma hora de trabalho em profissões onde a formação exige gastos de mão-de-obra por numerosos
concorrentes será maior do que o valor médio de uma hora de trabalho em profissões em que estas
dificuldades não existam. Esta circunstância aumenta o valor do produto do trabalho altamente
complexo.

Ele continua: "O lucro, para Marx, é derivado apenas da exploração do trabalho; É a mais-valia sobre os
salários necessários para a subsistência do trabalho. Os lucros, por outro lado, não têm nada a ver com a
quantidade de capital investido; Pois o capital é apenas a matéria morta, a mão-de-obra armazenada ou
congelada e, portanto, não pode mais ser "explorada" para proporcionar lucros correntes ".

Na verdade, a massa total de lucro é derivada da exploração de mão-de-obra, mas não é o único
determinante do lucro de uma empresa individual. Capital constante é também, bem como estratégia
de mercado, status de monopólio e outros fatores. Ou seja, enquanto os lucros são o resultado da
exploração, o montante específico de lucro adquirido através de qualquer atividade comercial é
determinado por muitos outros fatores. Rothbard não consegue compreender isso.

Rothbard passa então a um outro argumento: "O que determina o salário, o montante que de má
vontade os operários concedem à classe capitalista? Aqui Malthus e a lei de ferro dos salários fazem a
sua aparência vital, determinando salários em todos os momentos aos meios de subsistência. [...] Deve-
se enfatizar que a chamada Lei de Bronze dos Salários* é crucial para todo o sistema de Marx.

Rothbard está atacando um espantalho. Atribuir intencionalmente Marx com as idéias de Lasalle (que
foi atacado justamente por essa razão), prova o nível rídiculo de argumentação. A verdade é que Marx e
Engels se opunham fortemente à lei de bronze de salários de Lasalle.

Marx em "Crítica do Programa de Gotha", diz:


"Da «lei de bronze dos salários», como se sabe, nada pertence a Lassalle, a não ser a expressão «de
bronze», que ele foi buscar às «leis eternas, às grandes leis de bronze» de Goethe. A expressão de
bronze é a senha pela qual os crentes ortodoxos se reconhecem. Mas se eu admitir a lei com o selo de
Lassalle e, por conseguinte, na acepção em que ele a toma, é preciso que admita igualmente o seu
fundamento. E que fundamento! Como o mostrava Lange, pouco após a morte de Lassalle, é a teoria
malthusiana() da população (pregada pelo próprio Lange). Mas se esta teoria é correcta, eu não posse
abolir a lei, mesmo que suprima cem vezes o salariato, porque nesse caso a lei não rege só o sistema do
salariato, mas todo e qualquer sistema social. É precisamente com base nisto que os economistas, desde
há cinquenta anos e mais, têm demonstrado que o socialismo não pode suprimir a miséria, determinada
pela natureza das coisas, mas apenas generalizá-la, espalhá-la simultaneamente por toda a superfície da
sociedade!

Mas o principal não é isso. Abstraindo completamente da falsa versão lassalliana desta lei, o recuo
verdadeiramente revoltante consiste no seguinte:

Desde a morte de Lassalle que o nosso Partido se abriu à perspectiva científica segundo a qual o salário
do trabalho não é o que parece ser, a saber, o valor (ou o preço) do trabalho, mas tão-somente uma
forma disfarçada do valor (ou do preço) da força do trabalho. Assim, duma vez por todas, estava posta
de parte a velha concepção burguesa do salário, bem como todas as críticas até então dirigidas contra
ela, e estava claramente estabelecido que o operário assalariado só é autorizado a trabalhar para
assegurar a sua própria existência, por outras palavras, a existir, conquanto trabalhe gratuitamente em
certo tempo para os capitalistas (e, por conseguinte, para os que, com estes últimos, vivem de mais-
valia); que todo o sistema de produção capitalista visa prolongar este trabalho gratuito pela extensão do
dia de trabalho ou pelo desenvolvimento da produtividade, quer dizer, por uma maior tensão da força
de trabalho, etc.; que o sistema de trabalho assalariado é, por consequência, um sistema de escravidão
e, a falar verdade, uma escravidão tanto mais dura quanto mais se desenvolvem as forças sociais
produtivas do trabalho, seja qual for o salário, bom ou mau, que o operário recebe. E agora que esta
perspectiva penetra cada vez mais no nosso Partido, volta-se aos dogmas de Lassalle, quando se deveria
saber que Lassalle ignorava o que é o salário e que, na peugada dos economistas burgueses, tomava a
aparência pela própria coisa."

E agora, Engels sobre o assunto, de uma carta a August Bebel: "Em terceiro lugar, a nossa gente deixou
que lhe impusessem a «lei de bronze do salário» lassalliana,baseada numa concepção económica
inteiramente caduca, a saber: que o trabalhador não recebe, em média, mais do que um salário mínimo
e isto porque, segundo a teoria malthusiana da população, há sempre trabalhadores de sobra (era esta a
argumentação de Lassalle). Ora bem: Marx demonstrou, minuciosamente, em O CAPITAL, que as leis
que regulam os salários são muito complexas, que tão depressa predomina um factor como outro,
segundo as circunstâncias; que, portanto, esta lei não é, de modo algum, de bronze, mas, pelo contrário,
muito elástica, e que o problema não pode ser resolvido assim, em duas palavras, como pensava
Lassalle. A fundamentação que Maltus dá da lei de Ricardo (falseando este último), tal como pode ver-
se, por exemplo, citada noutro folheto de Lassalle, no «Manual do trabalhador», página 5, foi refutada
exaustivamente por Marx, no capítulo sobre «a acumulação do Capital». Assim, pois, ao adoptar a «lei
de bronze» de Lassalle, pronunciaram-se a favor dum princípio falso e duma demonstração falaciosa".

Rothbard continua: " Para Marx, o valor e o preço de todo bem é determinado pelo seu custo, isto é,
pela quantidade de horas de trabalho incorporadas em sua produção. Marx acreditava que, no
mercado, os capitalistas pagavam aos trabalhadores o "valor da sua força de trabalho", pelo que não se
referia, evidentemente, à sua produtividade ou produtividade marginal, mas ao "custo" de produzir e
manter o trabalho, o custo ou a quantidade de horas de trabalho necessárias para produzir os meios de
subsistência dos trabalhadores ".

Vamos ser claros: para Marx, apenas o valor é determinado pela despesa de mão-de-obra. Em vez disso,
o preço depende de muitos fatores e tem a finalidade de redistribuir o valor para recompensar os
capitalistas mais produtivos, permitindo que eles vendam bens sob o tempo de trabalho socialmente
necessário, obtendo o valor de capitalistas de baixa produtividade que produzem acima do tempo de
trabalho socialmente necessário mas são forçados a vender no tempo de trabalho socialmente
necessário. Esta é a apropriação de valor em troca, que podemos chamar de "super lucro". Uma
empresa não está literalmente roubando valor de outras empresas, em vez disso, mais valor vai para a
primeira empresa (mais do que ela realmente criou), enquanto menos vai para seus rivais.

Na realidade, o valor da força de trabalho é determinado pelo valor das necessidades necessárias para
produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho, com algumas características peculiares
que distinguem o valor da força de trabalho, dos valores de todas as outras mercadorias. De acordo com
Marx, as características peculiares que distinguem a força de trabalho de todas as outras mercadorias
estão relacionadas com a presença de um "elemento histórico ou social" no primeiro:

"O valor da força de trabalho é formado por dois elementos - o físico, meramente físico e o outro
histórico ou social. Seu limite último é determinado pelo elemento físico, ou seja, para manter e
reproduzir-se, perpetuar sua existência física, a classe operária deve receber as coisas absolutamente
indispensáveis para viver e se multiplicar. O valor dessas necessidades indispensáveis forma, portanto, o
limite último do valor do trabalho. "- Karl Marx, "O Capital"

Como resultado do elemento histórico ou social no valor da força de trabalho, esse valor "está em cada
país determinado por um padrão de vida tradicional. Não é mera vida física, mas é a satisfação de certas
necessidades que brotam das condições sociais nas quais as pessoas são colocadas e criadas. [...] O
elemento histórico ou social que entra no valor do trabalho pode ser expandido ou contraído, ou
completamente extinguido, de modo que nada permanece senão o limite físico. "- Karl Marx, "O Capital"

O valor da força de trabalho é determinado, como no caso de qualquer outra mercadoria, pelo tempo
de trabalho necessário para a produção e conseqüentemente também a reprodução deste artigo
especial ... Em outras palavras, o valor da força de trabalho é o valor dos meios de subsistência
necessários para a manutenção do trabalhador "- Karl Marx," O Capital "

No entanto, os desejos naturais de um trabalhador, como alimentos, roupas, combustível e moradia,


variam de acordo com as condições climáticas e outras condições físicas de seu país. Por outro lado, o
número e a extensão de seus supostos desejos necessários, assim como os modos de de satisfazê-las,
são elas próprias o produto do desenvolvimento histórico e dependem, portanto, em grande parte, do
grau de civilização de um país, mais particularmente das condições sob as quais e, consequentemente,
dos hábitos e grau de conforto em que a classe dos trabalhadores livres está sendo formada. Em
contraposição, portanto, ao caso de outras mercadorias, entra na determinação do valor da força de
trabalho um elemento histórico e moral "- Karl Marx," O Capital ".
"Mas o desenvolvimento histórico desses" desejos necessários "continua, de modo que, juntamente
com eles, o valor da força de trabalho também aumenta. Novas invenções surgem - como a geladeira, o
carro, a televisão - e se desenvolvem a partir de luxos para os ricos , em itens que os trabalhadores vêm
a considerar como necessarios depois. Há um aumento no preço do trabalho como conseqüência da
acumulação de capital: " Mas

assim como a melhoria de vestuário, alimentação, tratamento e

um pecúlio maior não suprimem a relação de dependência e a exploração do escravo, tampouco


suprimem as do assalariado. O

aumento do preço do trabalho, que decorre da acumulação do capital, significa apenas que, na
realidade, o tamanho e o peso dos grilhões de ouro que o trabalhador forjou para si mesmo permitem
torná-las menos constringentes.

"- Karl Marx, "O Capital"

Outro fator é "a participação do trabalhador nas satisfações culturais mais elevadas, [...] subscrições de
jornais, assistir a palestras, educar seus filhos, desenvolver seu gosto, etc." - Karl Marx, "Grundrisse"

Uma das contradições da sociedade capitalista é que o capitalista tem interesse em manter baixos os
rendimentos de seus próprios empregados para maximizar seus lucros, mas não em manter baixo o
rendimento dos empregados de outros capitalistas, uma vez que estes são (para ele) apenas
consumidores, parte de seu mercado. Ou seja, ele está interessado em "livrar o trabalhador de" desejos
piedosos "[...], mas apenas os seus próprios, porque eles se destacam como trabalhadores; Mas de
modo algum o mundo remanescente dos trabalhadores, pois estes estão de encontro a ele como
consumidores. Apesar de todos os discursos "piedosos", ele procura meios para estimulá-los ao
consumo, dar aos seus produtos novos encantos, inspirá-los com novas necessidades por vibrações
constantes, etc. "- Karl Marx," Grundrisse "

Como observa Maurice Cornforth: "Os grandes avanços tecnológicos que acompanham a acumulação de
capital têm como resultado que todos os tipos de amenidades se tornam disponíveis em grande escala
e, conseqüentemente, seu consumo passa a fazer parte das exigências e expectativas materiais do
trabalhador. Em outras palavras, com uma tecnologia avançada, o trabalhador passa a exigir para sua
manutenção vários bens e serviços que seus antepassados fizeram. "- Maurice Cornforth," Marx ea
Teoria da Absoluta Empobrecimento da Classe Operária Sob o Capitalismo "

Além disso, o sindicalismo, a aplicação do princípio do poder do monopólio à venda da força de


trabalho, permite aos trabalhadores organizados vender a sua força de trabalho a uma taxa mais
elevada do que poderiam em condições de livre concorrência entre trabalhadores.

Como Engels escreveu em maio de 1881: " A lei dos salários ... não desenha uma linha dura e rápida.
Não é inexorável dentro de certos limites. Há, em todos os tempos (exceto a grande depressão), para
cada comércio uma certa latitude dentro da qual a taxa de salários pode ser modificada pelos resultados
da luta entre as duas partes em conflito - Friedrich Engels, "O sistema de salários"
Mais uma vez, Rothbard é ignorante sobre o que Marx realmente pensou, e está satisfeito em atacar um
espantalho, confiante de que seus leitores não vão questionar suas palavras.

Rothbard então proclama: "Há grandes problemas no modelo de Marx. Sua teoria implica que, uma vez
que os lucros são apenas derivados da exploração do trabalho, as taxas de lucro são necessariamente
mais baixas em conglomerados capitalizados pesados do que em indústrias de mão-de-obra intensiva.
Mas todos, inclusive Marx, são forçados a reconhecer que isso, manifestamente, não é verdade no
mercado. A tendência no mercado, como bem sabiam Smith e Ricardo, é que as taxas de lucro tendem
para a igualdade em todas as indústrias. Mas como assim, se as taxas de lucro forem necessariamente e
sistematicamente mais altas nas indústrias de mão-de-obra intensiva? "

Rothbard não quer ou não é capaz de compreender os conceitos básicos da teoria marxista, e, no
entanto, deseja criticá-la. Mais uma vez: a mais-valia é redistribuída constantemente entre capitalistas
de acordo com uma taxa média de lucro. Isso é extremamente simples, e é preciso ser absolutamente
estranho aos conceitos econômicos de Marx para não entender e criticar o conceito de uma taxa média
de lucro.

Como dito anteriormente, os preços redistribuem valor em troca. Os preços de algumas mercadorias
caem, outras sobem, e os capitalistas ganham e perdem valor em troca, com uma consequente
equalização das taxas de lucro. Estes novos preços, os preços que redistribuem a mais-valia para formar
uma taxa média de lucro, Marx chama "Preços de Produção".

Para citar Engels: "Na sociedade capitalista atual, cada capitalista industrial produz por sua própria conta
aquilo que quiser, como quiser e na proporção que quiser. A quantidade socialmente exigida permanece
para o industrial uma grandeza desconhecida e ele ignora a qualidade dos objetos procurados assim
como sua quantidade. Aquilo que hoje não pode ser entregue com bastante rapidez, poderá ser
oferecido amanhã além da procura.

Entretanto, a procura acaba sendo satisfeita, bem ou mal, e geralmente a produção é regulada de modo
definitivo pelos objetos procurados. Como se efetua a conciliação desta contradição? Pela concorrência.
E como chega ela a esta solução? Pela simples depreciação, até abaixo de seu valor de trabalho, das
mercadorias que não podem ser utilizadas, pela sua qualidade ou pela sua quantidade, no estado
presente das exigências da sociedade, e fazendo sentir aos produtores, desta maneira indireta, que eles
têm na fábrica artigos que absolutamente não podem ser utilizados ou que fabricaram em quantidade
que não pode ser utilizada, supérflua. Seguem-se duas coisas:

Em primeiro lugar, verifica-se que os desvios contínuos dos preços das mercadorias em relação aos
valores das mercadorias são a condição necessária sem a qual o valor das mercadorias não poderá
existir. Não é senão pelas flutuações da concorrência e, como consequência, dos preços das
mercadorias, que a lei do valor se realiza na produção das mercadorias, e que a determinação do valor
pelo tempo de trabalho socialmente necessário se torna uma realidade. Que a forma de representação
do valor, que o preço tenha, como regra geral, um aspecto muito diferente daquele que manifesta, é
uma sorte que ele partilha com a maior parte das relações sociais. O rei, às mais das vezes, se parece
pouco com a monarquia que representa. Numa sociedade de produtores trocadores de mercadorias,
querer determinar o valor pelo tempo de trabalho impedindo que a concorrência estabeleça esta
determinação do valor na única forma pela qual ela pode se efetuar, influindo sobre os preços, é
mostrar que, pelo menos neste terreno, se aceita o habitual desconhecimento utópico das leis
econômicas.

Em segundo lugar, a concorrência, realizando a lei do valor da produção das mercadorias numa
sociedade de produtores trocadores, estabelece por isso mesmo, e em certas condições, a única ordem
e a única organização possíveis da produção social. Não é senão pela depreciação ou pela majoração dos
preços dos produtos que os produtores de mercadorias isolados ficam sabendo à sua custa quais os
produtos e qual quantidade de tais produtos que a sociedade necessita. Mas é precisamente este único
regulador que a utopia de que Rodbertus partilha quer suprimir. E se perguntamos qual a garantia que
temos de que não será produzida senão a quantidade necessária de cada produto, que não teremos
falta nem de trigo nem de carne enquanto o açúcar de beterraba seja mais do que abundante e a
aguardente de batata sobre, que as calças não venham a faltar para cobrir nossa nudez, ao mesmo
tempo que os botões de calças se multipliquem aos milhares — Rodbertus, triunfante, mostra-nos o seu
famoso cálculo, no qual se estabeleceu um certificado exato para cada libra de açúcar supérflua, para
cada tonel de aguardente não comprada, para cada botão de calça inútil, cálculo que é “justo”, que
“satisfaz todas as exigências e no qual a liquidação é exata”. E quem não acreditar nisso não tem outra
coisa a fazer senão dirigir-se ao sr. X., empregado superior da Caixa da dívida pública da Pomerânia, que
pode ser considerado como pessoa incapaz de cometer um erro nas suas contas, e que, tendo revisto o
cálculo, achou que estava certo.

Friedrich Engels," Prefácio à Primeira Edição Alemã da Pobreza da Filosofia "

Depois de entender mal a origem e a função da equalização das taxas de lucro, Rothbard prossegue
dizendo:

"O volume III foi submetido a uma demolição detalhada e completa, dois anos mais tarde por Bohm-
Bawerk em seu extenso ensaio de revisão "Karl Marx and the close of his System". Um século mais
tarde, a refutação devastadora de Bohm-Bawerk do Volume III e, portanto, o sistema marxista
permanece destruído. Bohm-Bawerk, também, coloca a grave contradição interna da teoria marxista de
forma clara e rígida: Marx alegava que os bens eram trocados no mercado em proporção às quantidades
de trabalho incorporadas neles (isto é, que seus valores são determinados pela quantidade de trabalho -
horas necessárias para produzi-los), mas também admitiu que as taxas de lucro de todos os bens
tendiam a ser iguais. E, no entanto, se a primeira cláusula for verdadeira, as taxas de lucro seriam
sistematicamente mais baixas em proporção à intensidade do investimento de capital, e maiores em
proporção à sua intensidade de trabalho de produção ".

A fonte do problema, é apresentada pela sentença acima de "Marx alegava que os bens eram trocados
no mercado em proporção às quantidades de trabalho incorporadas neles (isto é, que seus valores são
determinados pela quantidade de trabalho - horas necessárias para produzi-los)". O grande problema é
que Rothbard, por incapacidade ou burrice, impõe a Marx uma visão estranha a ele: para Marx, valor e
preço nunca são os mesmos, eles sistematicamente divergem, como mostra a citação de Engels acima.

Mas Rothbard prossegue:

"A resposta dos apologistas marxistas foi a afirmação escandalosamente falsa de que Marx nunca quis
que seus valores determinados pelo trabalho determinassem ou de alguma forma afetassem os preços
de mercado".

O problema é que "O Capital" está estruturado em diferentes níveis de generalidade. Podemos
distinguir três principais:

1. o primeiro está na ausência de equalização da taxa de lucro e com oferta e demanda em equilíbrio,
logo, os preços são iguais;
2. com uma equalização da taxa de lucro perfeita, e com oferta e demanda em equilíbrio, temos preços
iguais aos preços de produção;

3. então, quando a oferta e a procura flutuam em torno dos preços de produção, os preços de mercado
nascem.

Marx não se contradiz, como Rothbard e Bohm-Bawerk erroneamente afirmam, mas ele está falando
instâncias diferentes de abstração. Tanto Rothbard como Bohm-Bawerk são incapazes de ver isso por
causa de sua leitura superficial de O Capital, ou por sua total incapacidade de entender.

O resto do capítulo de Rothbard é dedicado a repetir a afirmação errada de que Marx declara que os
valores e os preços sempre serão iguais. Depois disso, Rothbard continua a abordar as leis marxistas do
movimento da sociedade capitalista.

Assim, ele pergunta:

"Se a acumulação de capital necessariamente reduz os lucros, por que os capitalistas, que estão
claramente motivados pela busca de lucros mais altos do que mais baixos, insistem em continuar a
acumular? Por que eles persistem em cortar suas próprias gargantas? "E então Rothbard afirma que" a
resposta final de Marx a esse enigma é enganosamente simples: os capitalistas acumulam, apesar da
queda imediata e futura de seus lucros porque, bem, eles têm um desejo irresistível e irracional, ou
"instinto" para fazê-lo ". Ele então procede a descartar a alegação como não-científica.

Mas Rothbard entende mal em que consiste esse instinto.

O instinto individual dos capitalistas é a maximização dos lucros. Os capitalistas não se reúnem para
tomar decisões que beneficiem sua classe. As decisões que tomam são inteiramente deixadas a
interesses conflitantes que lutam no mercado, criando uma rede anárquica de produção. Eles não
tentam alcançar uma estabilidade de longo prazo para sua classe, eles tentam obter uma vantagem de
mercado de curto prazo para si próprios individualmente. Então, vamos passar a análise para o único
átomo da classe exploradora: o capitalista único. Nosso único capitalista luta com outros em uma
corrida para lucros no mercado. Para vender mais do que seus rivais, ele será forçado a baixar seus
preços em relação aos deles.

O instinto individual dos capitalistas é a maximização dos lucros. Os capitalistas não se reúnem para
tomar decisões que beneficiem sua classe. As decisões que tomam são inteiramente deixadas a
interesses conflitantes que lutam no mercado, criando uma rede anárquica de produção. Eles não
tentam alcançar uma estabilidade de longo prazo para sua classe, eles tentam obter uma vantagem de
mercado de curto prazo para si próprios individualmente. Então, vamos passar a análise para o único
átomo da classe exploradora: o capitalista único. Nosso único capitalista luta com outros em uma
corrida para lucros no mercado. Para vender mais do que seus rivais, ele será forçado a baixar seus
preços em relação aos deles.

A taxa de lucro é o lucro total sobre o preço total dos insumos: lucro / insumos. Nós temos:

S: mais-valia (lucro, ou valor agregado pelo trabalho)

C: capital constante (máquinas, matérias-primas, etc.)

V: capital variável (salários)


S / (c + v): taxa de lucro (lucro / custo-preço)

Um aumento do investimento em "C" ou "V" deve corresponder a um aumento do valor excedentário


para que a taxa de lucro aumente ou permaneça a mesma. Se "S" permanece o mesmo enquanto "C" ou
"V" aumenta, então a taxa de lucro cairá.

Vamos aplicar isso a um exemplo:

Digamos que um capitalista chamado Marciano, cuja força de trabalho produz sapatos, produz 20 pares
por hora. Uma empresa média produz 50. Para obter a mesma quantidade de lucro que seus
concorrentes, Marciano teria que vender sapatos a um preço mais alto. Mas sabemos que isso é difícil
no mercado, já que outros que podem produzir mais barato do que ele irão roubar seus possíveis
consumidores. Ele será forçado a alcançar o chamado "tempo de trabalho socialmente necessário (*)",
ou a sair do negócio. Se, em vez disso, nosso capitalista conseguisse fazer sua força de trabalho produzir
80 pares de sapatos, estaria produzindo sob o tempo de trabalho socialmente necessário. Isso o faria ser
capaz de vender a menos do que o preço médio e poder obter certa vantagem sob seus rivais. Se outros
sapatos valem 1/50 de uma hora de trabalho (o capitalista médio faz 50 sapatos a cada hora), esses
sapatos do capitalista Marciano valem 1/80 de uma hora, mas ele pode cobrar entre 1/80 - 1/51 e
vencer os outros capitalistas, na concorrência.

(*): Pra quem não entende a questão do tempo de trabalho socialmente necessário, leiam aqui:
https://www.marxists.org/portugues/harman/1979/marxismo/cap05.htm

Mas como nosso capitalista aumenta sua produtividade? Naturalmente, ele poderia fazer seus
trabalhadores trabalharem mais, ou contratar mais trabalhadores, mas na realidade um investimento
intensivo em máquinas é geralmente acompanhado por um aumento muito maior na produtividade do
que um investimento extensivo em mais trabalhadores. Portanto, a tendência é que os capitalistas
invistam em capital constante, o que faz com que a taxa de lucro diminua com o passar do tempo. Isso
mostra que, para o capitalista único, uma quantidade aumentada de mercadorias se traduz em um
aumento de lucros, enquanto para a classe capitalista se traduz em um menor tempo de trabalho
socialmente necessário e menores taxas de lucro.

Continuemos analisando as ideias de Rothbard: "Para Marx, duas conseqüências derivaram


necessariamente da suposta tendência à acumulação de capital e ao avanço da tecnologia. O primeiro é
a "concentração de capital", pela qual Marx significava a tendência inexorável de cada empresa a
crescer cada vez mais em tamanho, cada vez mais que a escala de produção se ampliasse. Certamente,
há uma grande quantidade de expansão da escala nas empresas no mundo moderno. Por outro lado, a
lei é apenas apodíctica. Por que não pode a acumulação de capital se refletir em um crescimento no
número de empresas, em vez de apenas aumentar o tamanho de cada uma? "

Bem, sabemos que a taxa de lucro sob o capitalismo cai. Quanto menor a taxa de lucro e juros, maiores
devem ser os capitais individuais se eles forem para compensar seus proprietários pela a queda da taxa
de lucro ou juros, através de um aumento na massa de lucro. Pequenos capitais e pequenas empresas
tornam-se menos e menos viável quanto mais a taxa de lucro e juros, cai. Isso permite que a
acumulação de capital e sua concentração seja vertical na forma de grandes empresas, e não horizontal
na forma de mais empresas.
Os investimentos exigidos pelas grandes empresas (e especialmente multinacionais) vão além do capital
acumulado de qualquer indivíduo, e os bancos se tornam necessários para mobilizar o capital necessário
para empresas produtivas. O capitalismo é, portanto, provido com um mecanismo de mobilização de
crédito que mantém a quantidade de dinheiro inativo a um mínimo e mobiliza os maiores montantes
para fins produtivos. A crescente massa de crédito leva a uma mudança na sua própria natureza, que vai
da provisão de financiamento de curto prazo, ou de crédito circulante, a projetos de investimento de
longo prazo, ou crédito de investimento, que fornece aos bancos maior interesse nas empresas com
probabilidades a longo prazo. Isso, obviamente, acaba cortando lucros empresariais e aumenta a
participação do capital financeiro na economia. Além disso, o papel dos bancos como mobilizadores de
capital reforçam a tendência à crescente concentração e centralização do capital. Os bancos passam a
dominar as empresas, aumentando sua participação na empresa produtiva através da aquisição de
capital social (não é coincidência que as principais empresas da rede global de capital sejam bancos ou
empresas de serviços financeiros, como Barclays, Capital Group Companies e FMR Corporation).

À medida que o capital se centraliza e os bancos aumentam a taxa de lucro de seus investimentos,
patrocinando empresas maiores e monopolistas, a livre concorrência é frustrada. O que chamam de
corporativismo ou "Não é o capitalismo real", é de fato a expressão mais pura das leis do movimento da
sociedade capitalista e o produto da lógica desse modo de produção. À medida que o capital financeiro
é transferido de empresas competitivas para oligopólios multinacionais, a taxa de lucro é
sistematicamente empurrada para grandes empresas e as três principais contradições do imperialismo
global (que foram apontadas por Marx e Lenin), são levadas ao seu ponto mais alto sob as condições
existentes de polarização social , onde o capital, concentrado nas mãos de poucas associações
capitalistas gigantes, se manifesta em oposição direta ao resto do mundo.

Mais tarde, Rothbard afirma: "Embora muitos processos industriais cresçam aumentando a escala
ótima, outros florescem sendo relativamente pequenos e flexíveis em tamanho. As enormes fábricas de
automóveis de Henry Ford eram econômicas e lucrativas por algum tempo; Mas, mais tarde, na década
de 1920, eles inevitavelmente levaram a perdas severas, porque esse investimento maciço se mostrou
inflexível em atender às mudanças na natureza e forma da demanda do consumidor ". Nesse caso, peço
que cheque a IMAGEM 1, 2, 3 ,4, 5 , 6 nos comentários

Como pode ser visto nas imagens nos comentários pelos gráficos, a produção automóvel dos EUA foi
dominada pela Ford até 1927 e 1928, onde a Chevrolet substitui a Ford, apenas para ver a Ford emergir
novamente em 1929. Nos anos seguintes, a Chevrolet e a Ford suplantam-se estocásticamente. Outras
empresas que começam a rivalizar com Ford e Chevrolet a partir dos anos 40, como Pontiac, Buick,
Plymouth e Oldsmobile, não são pequenas empresas. Na verdade, eles não são empresas
independentes: Pontiac, Buick, Plymouth e Oldsmobile são partes da General Motors, enquanto
Mercury, outro grande concorrente, faz parte da própria Ford. Além disso, todas as empresas menores
desaparecem nos anos 80, com a liberalização dos mercados de Reagan, enquanto outras são
incorporadas nas grandes empresas ou se fundem entre si. Mesmo nesta ocasião, a Ford não foi
derrotada mas simplesmente perdeu quota de mercado para outras grandes empresas.

E então, Rothbard continua a falar besteiras: "Enquanto as fábricas de automóveis são de grande porte,
as fábricas de peças de automóveis e as empresas são tipicamente pequenas em tamanho. Além disso,
as novas e as pequenas empresas normalmente superaram os grandes Behemoths na introdução de
invenções e inovações tecnológicas - a área que mais interessava a Marx ".

Rothbard opera sobre o falso truísmo de que as pequenas empresas são inerentemente inovadoras. Por
mais idílico que isso seja, apenas uma fração de pequenas empresas até patenteia, enquanto 48% de
todas as patentes de 1999 a 2008 foram patenteadas pelas principais 1,5% firmas gigantes. Em 2011,
havia 108.626 patentes de utilidade concedidas de origem dos EUA. Das 50 empresas dos EUA, todas as
grandes corporações, foram responsáveis por mais de 30% deles. A realidade é apenas uma fração
minúscula, dos 6 milhões de pequenas empresas dos EUA que patenteam ou inovam. É por isso que,
embora representem metade de todos os empregos, as pequenas empresas representam apenas 19%
dos fundos investidos em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, a maioria das empresas norte-
americanas são locais. Entre elas estão, por exemplo, os 219.986 consultórios médicos, 166.366 oficinas
de reparos automotivos, 151.031 lojas de alimentos e bebidas, 115.533 postos de gasolina, 111.028
escritórios de corretores, 93.121 empresas de paisagismo, 75.606 lares, 36.246 lojas de móveis, 28.336
Escritórios, 15.666 agências de viagens, 4.571 pistas de bowling, 2.463 salas de jogos, 858 redes de rádio
e 26 sistemas de trens de cercas. Eles não prosperarão a menos que grandes empresas nos Estados
Unidos prosperem. E se as pequenas empresas não conseguirem prosperar, a inovação deles também
será prejudicada, uma vez que menos investimento pode ser poupado para pesquisa e
desenvolvimento. Além disso, é impossível encontrar uma importante inovação econômica em que o
governo não tenha desempenhado um papel-chave no desenvolvimento. O próprio IPhone por
exemplo, é uma prova disso, assistam o vídeo:
https://www.facebook.com/361291767338033/videos/752017738265432/

Assim, o papel das pequenas empresas na inovação é sombreado pela presença imponente de pesquisa
e desenvolvimento governamentais e corporativos, muitas vezes interligados.

Rothbard prossegue: "Se a lei de Marx sobre a concentração de capital não é de modo algum certa ,
então sua próxima tese, a" lei da centralização do capital ", está em uma forma ainda mais sombria.
Aqui Marx afirmou uma lei inevitável pela qual as empresas menores em cada indústria vão para a
parede, e são absorvidas em poucas empresas gigantes - em suma, uma tendência para a
monopolização da indústria. Por uma razão, a competição "acaba sempre na ruína de muitos pequenos
capitalistas, cujos capitais passam, em parte, às mãos de seus conquistadores e desaparecem
parcialmente. Basta dizer que não há provas, apesar das numerosas tentativas do Governo federal para
dar um impulso artificial à centralização, que a indústria americana é mais centralizada agora do que era
na virada do século XX ".

Bem, então, podemos pegar Grã-Bretanha, as primeiras 100 empresas de manufatura eram
responsáveis por 47% de toda a produção em 1948. Em 1968, isso tinha crescido para 69%. Hoje,
estima-se que tenha crescido ainda mais para cerca de 85%. Isso também se aplica ao capital financeiro:
no final de 1985 existiam 18.000 bancos nos Estados Unidos. Até 2007, este tinha sido reduzido para
apenas 8.534, e desde então caiu ainda mais. Em 1990, as dez maiores instituições financeiras norte-
americanas detinham apenas 10% dos ativos financeiros totais. Hoje eles possuem 50%. E há mais. Seis
estúdios de cinema recebem 90% das receitas de filmes norte-americanos, a televisão e a internet de
alta velocidade são um oligopólio de sete empresas: a Walt Disney Company, a CBS Corporation, a
Viacom, a Comcast, a Hearst Corporation, a Time Warner ea News Corporation. Quatro provedores de
serviços sem fio (AT & T Mobility, Verizon Wireless, T-Mobile e Sprint Nextel) controlam 89% do
mercado de serviços de telefonia celular. A população segurada da Califórnia de 20 milhões é a mais
competitiva do país e 44% desse mercado é dominada por duas companhias de seguros, Anthem e
Kaiser Permanente. A Anheuser-Busch e a Miller Coors controlam cerca de 80% da indústria de cerveja.
O mercado de contabilidade é controlado pela PriceWaterhouseCoopers, KPMG, Deloitte Touc Deloitte
Touche e Ernst & Young. Kraft Foods, PepsiCo e Nestlé, juntos conseguem um oligopólio no
processamento de alimentos em todo o mundo. Boeing e Airbus têm um duopólio sobre o mercado de
aviões. A General Electric, a Pratt e a Whitney e a Rolls-Royce possuem mais de 50% da participação no
mercado de motores de aviões. Cinco bancos dominam o setor bancário do Reino Unido, quatro
empresas (Tesco, Sainsbury, Asda e Morrisons) compartilham 74,4% do mercado de produtos
alimentícios e seis empresas de serviços públicos (EDF Energy, Centrica, RWE npower, E.on, Scottish
Power e Scottish and Southern Energy ) Representam 99% do mercado retalhista da electricidade. Os
exemplos são infinitos, tem que ser muito cego para negar.

Para saber mais: http://www.infomoney.com.br/negocios/grandes-


empresas/noticia/3039677/empresas-que-controlam-quase-tudo-que-voce-consome

Se esses exemplos não forem suficientes, poderíamos passar para o quadro maior. Três teóricos de
sistemas do Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Zurique tomaram uma base de dados com 37
milhões de empresas e investidores em todo o mundo, retiraram todas as 43.060 empresas
multinacionais e os proprietários de ações ligando-as para construir um modelo de controle de
empresas por meio de redes de participação, com as receitas operacionais de cada empresa, para
mapear a estrutura do poder econômico. O modelo revelou um núcleo de 1318 empresas com
propriedades de interligação. Cada um dos 1318 tinha vínculos com duas ou mais empresas e, em
média, estavam ligados a 20. Além disso, embora representassem 20% das receitas operacionais globais,
os 1318 pareciam possuir coletivamente, por meio de suas ações, a maioria das ações mundiais Blue
Chip (para saber o que é blue chip: http://www.mundotrade.com.br/acoes-blue-chips) e empresas de
manufatura, ou seja a economia "real", representando mais 60 por cento das receitas globais.

Quando a equipe desembaraçou a rede de propriedade, descobriu que grande parte dela era rastreada
de volta a uma super-entidade de 147 empresas ainda mais bem unidas (todas as suas propriedades
eram detidas por outros membros da super-entidade) que controlavam 40% da riqueza total da rede.
"Com efeito, menos de 1 por cento das empresas foram capazes de controlar 40 por cento de toda a
rede", diz Glattfelder.

A maioria eram instituições financeiras. O top 20 incluiu Barclays Bank, JPMorgan Chase & Co, e The
Goldman Sachs Group.

Os resultados podem ser vistos aqui: http://arxiv.org/PS_cache/arxiv/pdf/1107/1107.5728v2.pdf

Rothbard continua: "Assim, além dos pequenos inovadores que mencionamos, o suposto domínio das
três grandes empresas automotivas nos EUA foi erradicado pelo crescimento da concorrência
estrangeira (japonesa, alemã ocidental, etc.)".

O ponto de Rothbard aqui é LITERALMENTE auto-refutável para ele mesmo, que nega as teorias de
Marx: todas as empresas que venceram a concorrência automotiva dos EUA produziram mais
eficientemente do que as fábricas de automóveis dos Estados Unidos, ou seja, tiveram um menor tempo
de trabalho socialmente necessário, o que lhes permitiu competir com a indústria automobilística
americana. Isto decorre logicamente das premissas de Marx, que Rothbard tenta negar antes. Ou seja,
ele está se auto-refutando. Além disso, devemos mencionar quais as empresas que superaram a
fabricação de automóveis dos EUA: a Volkswagen da Alemanha Ocidental, a Suzuki japonesa, a Nissan, a
Honda e a Toyota, Renault, Daewoo e Hyundai, da Coreia do Sul. Nenhum desses concorrentes eram
pequenos por qualquer definição, o que mais uma vez, refuta Rothbard, que diz que o que ganhou a
concorrência foram empresas pequenas.

Então Rothbard cita Kautsky: "A produção capitalista tende a unir os meios de produção, que se
tornaram o monopólio da classe capitalista, em cada vez menos mãos. Esta evolução finalmente torna
todos os meios de produção de uma nação, ou mesmo de toda a economia mundial, em propriedade
privada de um único indivíduo ou empresa, que os dispõe arbitrariamente. Toda a economia será
arrastada para um empreendimento colossal, no qual tudo tem que servir a um mestre. Na sociedade
capitalista, a propriedade privada nos meios de produção termina com todos, exceto uma pessoa sem
propriedade. Isso leva à sua própria abolição, à falta de propriedade de todos e à escravidão de todos ".

Ao menos uma critica Rothbard consegue acertar. Sim, Kautsky estava errado, ou pelo menos em parte.
Embora não sendo uma impossibilidade teórica absoluta, a tendência de centralização e concentração é
acompanhada por contra-tendências, de modo que a existência de um único capitalista que possui o
mundo é impossível.

Rothbard, continuando a operar na falsa suposição de que Marx adere à Lei de Bronze dos Salários de
Lassalle (que demonstrei anteriormente que é justamente o contrário, ele era totalmente contra) ,
citando Mises: "se os salários dos trabalhadores já estão e sempre estão nos meios de subsistência,
mantidos lá pela lei de bronze, como eles ficam pior? Eles estão no nível máximo de pobreza, por assim
dizer, há muito tempo. "

Como demonstramos, o pressuposto em si é falacioso e uma mentira, de modo que o argumento


simplesmente não aborda Marx de forma alguma, haja visto que ele era totalmente contra a Lei de
Bronze.

Ao atacar a teoria da pauperização, ou empobrecimento da classe trabalhadora, Rothbard diz que "foi
evidente para todos que um dos fatos vitalmente significativos do século, desde o nascimento do
marxismo, foi o o contínuo e espetacular crescimento dos salários reais e do padrão de vida da classe
trabalhadora e da massa da população". Posteriormente, Rothbard xinga os marxistas por
"abandonarem" a idéia de empobrecimento absoluto, como se fosse isso que eles defendessem, afinal,
ele não sabe que Lassalle foi quem elaborou isso, e Marx que rejeitou.

Com essa afirmação, Rothbard mostra mais uma vez que ele não leu obras de Marx, mas sim se baseia
em fontes de segunda mão. Ao analisar a condição da classe operária, Marx argumenta que Exército
industrial de reserva (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%A9rcito_industrial_de_reserva), em
conjunto com os limites dados pelas considerações de rentabilidade, concorrência e mobilidade dos
capitais, impede necessariamente que os trabalhadores aumentem os salários reais mais rapidamente
do que a produtividade. Em outras palavras, os salários reais diminuem em relação à produtividade do
trabalho, ou, em termos marxistas, a taxa de exploração aumenta. A crescente disparidade entre a
produtividade e os salários reais amplia o poder do capital e, portanto, amplia o abismo entre a posição
do trabalhador e a do capitalista. O empobrecimento relativo dos trabalhadores é uma característica
inerente ao sistema capitalista como um todo. Marx observa que os salários reais podem subir, desde
que "não interfiram com o progresso da acumulação" e conclua que "a tendência da taxa de exploração
do trabalho a subir" é apenas uma "forma específica pela qual a crescente produtividade do trabalho é
expressa em capitalismo". No capítulo 5 do "Trabalho Salarial e Capital ", ele diz que os salários podem
aumentar se o capital produtivo cresce, mas "embora os prazeres do trabalhador tenham aumentado, a
gratificação social que eles proporcionam caiu em comparação com os prazeres aumentados do
capitalista, que são inacessíveis ao trabalhador, em comparação com o estágio de desenvolvimento da
sociedade em geral ". (https://www.marxists.org/portugues/marx/1849/04/05.htm)

O facto dos salários reais não poderem geralmente aumentar para além de um limite superior, de forma
alguma impede os capitalistas de se esforçarem incessantemente para reduzir os salários reais tanto
quanto possível e o limite objectivo para esta tendência seja o empobrecimento absoluto dos
trabalhadores proporcionado pelas condições da disponibilidade de mão-de-obra assalariada. Onde o
exército de reserva do trabalho é grande, os salários reais podem ser reduzidos mesmo abaixo da
subsistência, porque os trabalhadores prontos se tornam disponíveis como existentes e são usados pelo
capital. Por outro lado, durante períodos de boom econômico, quando o exército de reserva se
esmorecem em certas regiões, então dentro dos limites dos custos de importação de mão-de-obra ou
de mobilidade de capital, os salários reais podem subir simplesmente devido à escassez de mão-de-obra
imediatamente disponível . Mais importante ainda, as lutas trabalhistas refletidas na sindicalização e na
legislação social podem, elas próprias, regular os termos em que o trabalho é colocado à disposição do
capital e, exceto período de crise, e superar com êxito as tentativas capitalistas de baixar os salários
reais. A pressão inerente ao empobrecimento absoluto do trabalho pode, portanto, ser compensada em
condições adequadas.

Quanto ao abandono da tese do empobrecimento absoluto, os marxistas não podem abandonar uma
idéia que lhes era alheia e contrária desde o início. De fato, nenhuma análise textual das obras de Marx
(ou Engels) implica que o empobrecimento absoluto é uma lei do capitalismo:

" Mas assim como a melhoria de vestuário, alimentação, tratamento

e um pecúlio maior não suprimem a relação de dependência e a

exploração do escravo, tampouco suprimem as do assalariado. O

aumento do preço do trabalho, que decorre da acumulação do capital, significa apenas que, na
realidade, o tamanho do peso dos

grilhões de ouro que o trabalhador forjou para si mesmo permitem

torná-las menos constringentes.

". - Karl Marx, "O Capital"

"Se o dono da força de trabalho trabalha hoje, amanhã terá de repetir o mesmo processo nas mesmas
condições de saúde e força. Portanto, seus meios de subsistência devem ser suficientes para mantê-lo
em seu estado normal de indivíduo trabalhador. Suas necessidades naturais, tais como alimentos,
roupas, combustível e habitação, variam de acordo com as condições climáticas e outras condições
físicas de seu país. Por outro lado, o número e a extensão de suas chamadas necessidades vitais, assim
como os modos de satisfazê-las, são elas próprias produto do desenvolvimento histórico e dependem,
portanto, em grande parte, do grau de civilização de um país, mais particurlamente das condições sob as
quais e, conseqüentemente, nos hábitos e no grau de conforto em que se formou a classe dos
trabalhadores livres. Em contradição, portanto, com o caso de outras mercadorias, entra na
determinação do valor da força de trabalho um elemento histórico e moral. No entanto, em um dado
país, em um determinado período, a quantidade média dos meios de subsistência necessários para o
trabalhador é praticamente conhecida. "- Karl Marx," Das Kapital "

"A participação do trabalhador nas mais elevadas, até mesmo satisfações culturais, a agitação por seus
próprios interesses, subscrições de jornais, assistir a palestras, educar seus filhos, desenvolver seus
gostos etc., sua única parte da civilização que o distingue do escravo é economicamente possível
alargando a esfera de seus prazeres em épocas em que o negócio é bom. "- Karl Marx," Grundrisse "

"A lei dos salários ... não desenha uma linha dura e rápida. Não é inexorável dentro de certos limites. Há,
em todos os tempos (exceto a grande depressão), para cada comércio uma certa latitude dentro da qual
a taxa de salários pode ser modificada pelos resultados da luta entre as duas partes em conflito. Salários
em todos os casos são fixados por um pechincha, e em um negócio que ele resiste mais tempo e melhor
tem a maior chance de obter mais do que o seu devido. Se o trabalhador isolado tentar conduzir sua
barganha com o capitalista, ele é facilmente derrotado e tem que se render à discrição, mas se todo um
conjunto de operários formam uma organização poderosa, fazer entre si um fundo para permitir-lhes
desafiar seus empregadores, se necessário , assim tornar-se capaz de tratar com esses empregadores
como um poder, então, e só então, eles têm uma chance de obter mesmo que pequeno, e de acordo
com a constituição econômica da sociedade atual, pode ser chamado um salário justo dia para um justo
"Dia do trabalho". "- Friedrich Engels," O sistema de salários"

Pra finalizar, Rothbard afirma que uma "uma variante bizarra mas popular Leninista é que os
trabalhadores no Ocidente se beneficiaram da exploração imperialista ocidental ou do investimento no
Terceiro Mundo, de modo que, em certo sentido, os trabalhadores ocidentais se tornam" capitalistas "
em uma escala internacional. Em primeiro lugar, na transmutação do proletariado oprimido do Ocidente
para a exploração dos "capitalistas" do Terceiro Mundo, o que aconteceu com o inevitável declínio da
classe capitalista?"

Esta afirmação é simplesmente ridícula, nenhum teórico marxista jamais insinuou que os trabalhadores
que se beneficiaram da exploração imperialista são "capitalistas". De fato, os marxistas têm outro termo
para esse fenômeno: a aristocracia trabalhista. A aristocracia operária, situada principalmente na
Europa e na América do Norte, se beneficia da super-exploração neocolonial dos países do Terceiro
Mundo, exportando os problemas de conflito de classes para outros países por meio de salários mais
elevados.

Em 2011, o PIB global foi de US $ 69.110.000.000.000. A população total foi estimada em meados do
ano para ser 7.021.836.029. Vamos supor que metade das pessoas trabalham regularmente. Neste caso,
cada trabalhador produz cerca de US $ 20.000 por ano. Este seria o valor do trabalho. Além disso, se
assumirmos que cada trabalhador trabalha 40 horas por semana durante 50 semanas por ano, o valor
do trabalho é de US $ 10 por hora. Usaremos este número de operação.

Vamos agora tomar o salário mínimo que normalmente se aplica para um mineiro Botswana, 0,58 $. A
partir deste trabalho, 19,42 $ é renderizado como excedente. O capitalista do Terceiro Mundo, ao
vender a mercadoria à primeira multinacional mundial por 2,00 $, mantém 1,42 $ desse superávit. O
capitalista do primeiro mundo paga seu trabalhador de primeiro mundo 12,00 $ por uma hora de
trabalho com a mercadoria, e em seguida, vende ela no mercado por 40 $. Ao fazê-lo, parte do
excedente extraído do trabalhador do Terceiro Mundo vai para pagar ao Trabalhador de Primeiro
Mundo, aproximadamente o valor do trabalho abstrato, e o restante excedente é mantido como lucro
pelo Capitalista de Primeiro Mundo.

Esta é a troca desigual do famoso gráfico de Paul Baran: ("ULTIMA IMAGEM" NOS COMENTARIOS)

Rothbard continua: "Em segundo lugar, a grotesqueria desta doutrina pode ser medida de fato, como
P.T. Bauer demonstrou em muitos trabalhos que a maior parte do Terceiro Mundo, por mais pobre que
seja, também vem se desenvolvendo rapidamente nas últimas décadas e o padrão de vida de suas
massas trabalhadoras tem aumentado constantemente ".

De fato, em números absolutos, salários, e PIB têm crescido no terceiro mundo, mas em escala global, a
desigualdade (ou empobrecimento relativo) tem aumentado constantemente: os 200 mais ricos têm
cerca de US $ 2,7 trilhões, o que é mais do que os mais pobres 3,5 bilhões de pessoas, que têm apenas
US $ 2,2 trilhões combinado. Isso já foi tratado anteriormente. As críticas de Rothbard, das quais se
resumiram a espantalhos, acabam por aqui.
Bônus: comentário da CPL (Rian) explicando a diferença entre valor e preço.

Valor = Relação social de comensurabilidade (equiparação) quantitativa entre qualidades socialmente


úteis diferentes. Isso é feito a partir de algo que é abstraído da concretude das especificidades dessas
diferentes qualidades como aquilo que é indiferenciado entre elas se equivalendo em proporção.

Valor de uso = Propriedades naturais qualitativas socialmente úteis das coisas. Trata-se daquilo que está
na natureza material e, portanto, objetiva das coisas que satisfazem as necessidades e desejos humanos
constituídos nas condições dadas da natureza e da experiência social historicamente determinada.
Valor de troca = Expressão do valor. Ele é a convenção social pela qual se expressa nas relações de
circulação comercial das coisas as proporções da abstração do que lhes é socialmente indiferenciado.
Portanto, só existe valor de troca em relações de troca, e o valor expressado por ela, justamente devido
a tal função, só é observável na troca. E como o que é indiferenciado em todas as coisas, fora as já
existentes na natureza independente da ação humana nela, é a atividade humana indiferenciada de
transformação da forma de partes da realidade externa, que é necessária na produção que determina a
sua existência, ou seja, o dispêndio de energia, nervos e músculos humanos, chamado de trabalho
abstrato, e como esse dispêndio não é calculável diretamente, apenas pela convenção do tempo de sua
duração mínima necessária para as condições sociais dadas na história, é o tempo socialmente
necessário para a produção das coisas que é a expressão do seu valor (que por sua vez é o próprio
trabalho socialmente necessário), o seu valor de troca.

Forma relativa simples do valor = É o valor expressado numa relação comercial na qual o valor de troca
que o expressa tem como substrato material para projetar essa expressão o valor de uso de outra coisa,
ao invés do seu próprio valor de uso natural.

Forma equivalente simples do valor = É o valor da coisa pela qual outra coisa expressa o seu valor como
valor de troca no valor de uso dela.

Forma relativa composta do valor = É quando o valor de um conjunto de coisas diferentes não
expressam seus valores como valor de troca nos valores de uso entre si, mas se expressa como valor de
troca no valor de uso de outra coisa que não está nesse mesmo conjunto.

Forma equivalente universal ou geral = É quando uma coisa tem no seu valor de uso o substrato
socialmente convencionado para projetarem em si as expressões de valor como valor de troca de todas
as outras coisas existentes.

Forma Dinheiro = Forma equivalente universal ou geral do valor.

Preço = Expressão monetária do valor. É o quanto de dinheiro que representa quanto de trabalho das
coisas expressadas em uma dada quantidade de tempo socialmente necessário.

A quantidade de dinheiro real existente no mercado (a mercadoria socialmente convencionada para ser
o equivalente geral, o lastro) = A soma total de preços existentes no mercado em razão da quantidade
de fluxos desse equivalente geral.

No capitalismo os preços também funcionam como uma determinação das lutas entre todos os
produtores privados existentes na sociedade que estão em concorrência entre si.

Isso se dá da seguinte maneira:

Todas as coisas diferentes que estão em circulação no mercado, e que assim são comercializáveis, são
trocadas entre si de acordo com as proporções daquilo que todas possuem de igual entre si, que é o
trabalho humano socialmente indiferenciado expressado no tempo necessário de duração da sua
produção. Assim, a soma dos tempos de produção específicos de cada produtor individual existente no
mercado dão uma média social do tempo que é necessário em toda a concorrência para produzir nas
condições daquele contexto histórico. Como todos os produtores não produzem no mesmo tempo,
sendo a média de toda a sociedade tirada justamente da margem de variação dos diferentes tempos de
produção de cada um, porque, sendo a produção privada, cada produtor tem um conjunto de condições
específicas de produção em relação aos demais, haverá aqueles que produzem mais em menos tempo
que a média e aqueles que produzem menos em mais tempo. Desse modo, cada peça (mercadoria
individual) a ser vendida do montante maior de quem produziu mais em menos tempo tem menos
trabalho do que cada peça a ser vendida do montante menor de quem produziu menos em mais tempo.
Por isso, quem produz em maior escala tem um custo menor por peça de mercadoria produzida do que
quem produz em menor quantidade. E como essa expressão do valor em tempo de duração é
expressada em quantidade de dinheiro, como preço num circuito complexo de circulação comercial,
com amplas trocas, compras e vendas, quem produz mais em menos tempo pode cobrar preços
menores e/ou com maiores margens de lucro do que quem produziu menos em mais tempo.

Se uma empresa produz mil carros por mês, e as concorrentes produzem apenas cem do mesmo tipo de
carro, com atributos qualitativos iguais, a empresa que produz mil pode vender seus carros por um
preço cerca de dez vezes menor que a concorrência ou no mesmo preço tendo dez vezes mais lucro, por
exemplo.

Está ai a diferença entre preço e valor, e como eles se relacionam, a conversão de um no outro.
...Ayn Rand

Ayn Rand (1905–1982) é uma escritora e filósofa estadunidense, de origem judaico-russa, que construiu
uma corrente de pensamento conhecida como objetivismo. Sua teoria baseia-se no individualismo, na
racionalidade e no que a autora nomeou de virtude do egoísmo, que inclusive é o título de uma de suas
obras. Neste artigo, será abordada a ética objetivista, formulada pela autora, que afirma a objetividade
universal da Ética, a possibilidade de conhecê-la por meio da razão, e a conclusão sobre a virtude do
egoísmo. Para tanto, será usado como referência o primeiro capítulo da obra supracitada.

Para entender melhor a ética randiana, é preciso analisar o sistema moral aristotélico, no qual o
objetivismo se baseia: a ética das virtudes. Esse modelo define o conceito do que é bom como virtude,
isto é, como característica moral do indivíduo. O ser humano teria uma vida plena (eudaimonia)
enquanto vivesse de acordo com as virtudes. Assim, a ética areteica — do grego aretê — se opõe à
deontologia, que define o que é certo como padrão de conduta universal (vd. Imperativo categórico), e
também ao consequencialismo, que define o que é bom como consequência das condutas adotadas
pelo indivíduo (vd. Utilitarismo). É interessante destacar que tanto a ética das virtudes quanto a
consequencialista buscam o que é bom, isto é, definem um objetivo moral para as condutas, embora o
façam de maneiras distintas. Por outro lado, a ética deontológica busca o que é certo, logo, não pensa
numa finalidade moral da conduta, mas sim no valor moral do comportamento por si mesmo. Enfim:

Para a ética areteica, a conduta que condiz com as virtudes é moralmente correta.

Para a ética consequencialista, a conduta que proporciona os melhores resultados é moralmente


correta.

Para a ética deontológica, há um padrão de conduta universal moralmente correto.

Após essa simples e mesmo superficial introdução ao tema, pode-se avançar para uma crítica da ética
objetivista a partir de suas peculiaridades, que é a finalidade deste artigo.

Rand estabelece o egoísmo como o valor central de sua ética. Para a autora, o egoísmo é o valor moral
que rege a vida, pois somente através da busca pelo próprio bem-estar é possível que a vida se preserve
e continue a existir. Todos os seres vivos tem como único valor a preocupação consigo mesmos, pois
suas consciências os levam a usar de todos os meios para continuarem vivos. Em outras palavras, Rand
afirma que o valor último da vida é a sobrevivência. O ser humano, no entanto, é o único ser capaz de
ignorar sua consciência, é o único cuja consciência não é exclusivamente determinada pela necessidade
de sobreviver, ou seja, não tem consciência imediata do sentido da vida. Assim, o ser humano precisa
compreender essa realidade em que vive por meio da razão, pois seria a única forma de preservar sua
existência. A razão é o instrumento humano para existir, não apenas no sentido de fornecer os meios de
sobrevivência, mas também para revelar a ética da vida, essa ética objetiva baseada no egoísmo.

Um primeiro apontamento a ser feito versa sobre a definição oferecida por Rand no que se refere ao
valor último da vida. Antes de mais nada, a tese de que a essência da vida é a sobrevivência não implica
necessariamente no egoísmo. Os animais buscam em seus instintos e por meio da consciência preservar
a existência de sua espécie. O indivíduo morre, mas a espécie se perpetua e dá prosseguimento à vida.
Logo, o egoísmo só poderia ser o valor moral absoluto da vida se garantisse a sobrevivência da
sociedade, no caso dos seres humanos, ou do grupo/espécie ao qual pertencem os animais em geral,
pois é dessa forma que a vida se perpetua, e não por meio do indivíduo.

Além disso, é importante perceber que a existência de um sistema valorativo pressupõe a existência da
vida humana. Assim, os valores morais não podem estar subordinados à vida humana, como afirma
Rand, pois a existência da vida é um pressuposto, uma condição sine qua non para que seja possível
construir valores morais. O objetivo da ética não é apenas preservar a vida, mas dizer de que maneira,
por quais meios a vida deve ser preservada. A definição da autora é tautológica na medida em que
afirma que a existência da vida deve se dar por meios que melhor preservem a vida. Ora, nenhuma ética
jamais prescindiu da existência da vida — o que seria um absurdo, já que essa existência precede a
valoração moral. As várias éticas sempre buscaram afirmar os melhores meios para viver, e não
simplesmente os meios que melhor sirvam à perpetuação da vida. Uma ética que se define como a
melhor forma de preservar suas próprias condições de existência é uma ética vazia, pois não prescreve
nada, seu objetivo último é o que já existe.

É claro que as afirmações acima não buscam indicar que a teoria randiana justifica toda e qualquer
conduta que garanta a preservação da vida. O egoísmo, elevado ao status de valor último, não se torna
o que é correto, mas sim o que é bom, e servirá como premissa para um raciocínio dedutivo que a
autora usará com intenção de definir efetivamente as virtudes de seu sistema moral. O enfoque dado no
parágrafo anterior se refere ao fundamento ou justificativa para elencar o egoísmo como valor máximo
da ética objetivista, motivação essa que se mostra insuficiente no caso de tomar como tal a preservação
daquilo que é uma precondição para a existência dos valores.

Enfim, mesmo admitindo que Rand tenha razão em observar que a vida se rege pelo princípio do
egoísmo, há que se fazer um segundo apontamento no que tange à consolidação dessa teoria sobre a
realidade num sistema moral. O mundo do ser relaciona-se a fatos e observações da realidade, porém o
mundo do dever-ser, ao qual pertence a Ética, existe de forma relativamente independente e não pode
derivar do ser. Essa transferência é uma violação à Lei de Hume. Em outras palavras, o fato de a vida
funcionar e continuar a existir a partir do egoísmo (uma afirmação fática) não significa que o egoísmo
seja bom (uma afirmação valorativa).

“O fato de que uma entidade viva é, determina o que ela deve fazer. Isso é o suficiente no que se refere
à relação entre o ‘ser’ e o ‘dever’”. (RAND, p. 25)

Não se trata aqui de um erro, mas sim de uma vontade da autora em justificar a suposta consciência
naturalmente egoística do ser humano com base numa conduta universal e observável de todos os seres
vivos. Com isso, Rand tem o espaço que deseja para afirmar que o ser humano não apenas possui uma
natureza egoísta, mas também que isso é bom e deve ser estimulado. Considerando que ela esteja certa
em suas afirmações, a finalidade política evidente com a construção da ética objetivista é legitimar o
status quo e fomentar suas características mais individualistas.

A autora, na busca por uma ética objetiva e universal, conseguiu apenas derivar da natureza um valor
que pudesse afirmar como observável, embora a própria capacidade de valoração seja exclusivamente
humana, e portanto não possa encontrar outro fundamento que não esteja no próprio ser humano. A
moralidade é uma vontade humana, um querer subjetivo, que se estabelece de forma objetiva nas
diferentes sociedades por meio de um consenso (não desejo aqui entrar no mérito sobre como esse
consenso é alcançado).
“A moralidade está constituída por quereres que se querem dominantes. Em consonância com isso, o
dever é o querer que se quer dominante, um querer que quer ser o querer de outras vontades (e
mesmo o da minha, se ela tender a mudar de direção). É esse querer dirigido aos demais, mas também
reflexivo, portanto, a todos concernente, que é desse modo objetivado.” (BRITO, p. 224)

Ainda nesse sentido, a ética randiana tenta definir objetivamente um valor moral universal por saber
que a própria definição dos valores sempre foi instável ao longo do tempo. Podemos observar, em cada
contexto histórico-social, conjuntos de valores — entre eles uma ética — que se tornavam
objetivamente os valores dominantes. A cada momento da História, é possível observar o predomínio
de um certo conjunto de ideias: um zeitgeist. Esse “espírito do tempo” nada mais é que o consenso
intersubjetivo que se apresenta objetivamente em cada período. A ética é uma derivação do zeitgeist,
assim como todo o campo normativo de uma determinada realidade histórico-social.

Mas como é possível comprovar, para além de uma análise das mudanças históricas, que a ética é
produto do seu tempo e lugar? O que dá causa ao zeitgeist e suas transformações? A vida possui
efetivamente um sentido universal para que se possa construir uma ética universal? Essas questões
podem ser respondidas de formas diferentes por diferentes filosofias morais, cujo escopo vai além dos
interesses deste pequeno artigo. A conclusão a qual se chega com a presente exposição deixa claro que
1) o egoísmo não é necessariamente o elemento-chave da preservação da vida; 2) nenhuma ética seria
capaz de ignorar a existência da vida pois a pressupõe; 3) a afirmação de que o egoísmo é o elemento-
chave para promover a preservação da vida não pode ser usada como argumento para responder a
questões valorativas e normativas; e 4) a ética é uma vontade humana que propõe normas de conduta
— normas que vão além de preservar seus pressupostos de existência— cuja objetividade surge na
medida em que se constrói um consenso intersubjetivo sobre essas normas num dado contexto
histórico-social.”
LIBERALISMO AONDE?
A CRISE DE 29 NÃO FOI CAUSADA POR INTERVENÇÃO DO ESTADO
Rian Lobato 23/12/2016

Às vezes, pelo mau-caratismo, pela cara de pau de pessoas tão desonestas, precisamos criar posts para
explicar que a grama é verde e que o céu é azul.

Pode parecer absurdo, mas é essa a realidade hoje, onde um grupo fanático consegue chegar ao ponto
máximo da cara de pau em afirmar que "a crise de 29 foi culpa do Estado".

Coisas que me dedico a desmitificar aqui, como as mentiras constantes da Escola Austríaca, são a prova
inquestionável de que tudo o que eles defendem não são pautados em verdades, dados ou fatos, mas
sim em ideologia, o tipo de coisa que é geralmente fechada para a seita deles, mas em alguns péssimos
casos, divulgado como desinformação.

Abaixo, um resumo para entenderem de uma forma geral como isso funciona, e qual a tese dos liberais:

Bem, a mentira começa ao se dizer que o banco central, o FED, distorceu os preços relativos por meio de
uma expansão do crédito, conduzindo os investidores a erros de alocação e, por conseguinte, a
desajustes na estrutura de capital.

Em outras palavras, com preços 'errados', os investidores produzem mais do que o 'necessário'. Essa é a
teoria dos ciclos da escola austríaca.

Porém, tal afirmação assume que a oferta monetária é totalmente redutível ao que o banco central faz
com base monetária(m1), e não leva em consideração o impacto da expansão do 'dinheiro escritural'
sobre (m2), os meios de pagamento. Essa expansão 'imoderada' do crédito é levada a cabo por agentes
privados, e é um traço intrínseco da dinâmica capitalista. Basta ler Minsky, por exemplo.

Por quê há esse 'boom' de crédito que depois se converte no seu oposto? Porque os agentes, durante
uma fase de relativa 'prosperidade', se tornam mais 'confiantes' e por isso se arriscam com mais
frequência e intensidade, procurando assim fazer inovações financeiras que maximizem seus lucros.

Essas 'inovações', grosseiramente falando, se traduzem ao longo do tempo numa estrutura de balanço
mais 'frágil, com a presença maior de capital de terceiros, empréstimos etc.

Elas se tornam mais endividadas para financiar seus investimentos e sustentar o preço de seus ativos a
fim de obter maiores lucros. Mas só que esse processo chega a um limite; o boom fica 'descontrolado',
instabilidades inflacionárias aparecem na medida em que a ampliação da capacidade instalada esbarra
na aceleração dos preços de bens de capital, as reservas bancárias começam a 'secar' etc.
Inevitavelmente, o risco percebido aumenta, e com isso a liquidez contraí (menos agentes estão
dispostos a conceder empréstimos), o que coloca as empresas 'alavancadas' (quando uma empresa
recorre em demasia ao endividamento para financiar seus ativos) em perigo. Em outras palavras, o
aumento do risco percebido impacta nas condições do mercado monetário, aumentado os juros, e as
empresas com maior alavancagem ficam incapacitadas de pagar o serviço financeiro de suas dívidas,
tornando-se insolvente. O calote dessas empresas rompe a cadeia de crédito, instaurando uma crise
bancária. Assim, a liquidez simplesmente se extingue, e tudo vai por água abaixo. Basicamente é isso,
mais tem algumas outras coisas.

Alguns detalhes a mais precisam ser ditos depois desse resumo. Bem, os EUA eram os maiores
exportadores de produtos agrícolas e industriais após a primeira guerra, o dólar passara a ser a unidade
de conta do comércio internacional, e têm créditos a receber da Europa por financiar despesas da
guerra; com os grandes superávits da balança de pagamentos, acumulam super-quantidades de reservas
em ouro.

Os EUA eram também os maiores exportadores de produtos agrícolas e industriais após a primeira
guerra, o dólar passara a ser a unidade de conta do comércio internacional, e têm créditos a receber da
Europa por financiar despesas da guerra; com os grandes superávits da balança de pagamentos,
acumulam super-quantidades de reservas em ouro.

Houve um período crítico entre os anos de 1920 e 1921, quando o padrão monetário vigente, o padrão
ouro, dependia estritamente do equilíbrio de balança de pagamentos nos países dos principais bancos
centrais de então: Alemanha, Estados Unidos, França, Inglaterra. Após a Primeira Guerra, com o Tratado
de Versalhes, foi imposto à Alemanha as indenizações dos custos da guerra para a França, Inglaterra e
outros aliados, em que por outro lado, estes saíram do conflito como grandes devedores dos Estados
Unidos. O país alemão atravessa uma crise de hiperinflação inaudita, onde esta ocorre stricto sensu:
suspendem-se as transações de compra e venda entre comerciantes e industriais e o Marco fica sem
valor. Tal contagiou sob forma de inflação galopante a Polônia e os países emergidos do esfacelamento
do Império Austro-Húngaro. A inflação passa a ser controlada a partir (1923) da estabilização cambial
propiciada pela atuação do presidente do “Comitê de Pagamentos de Reparação”. Charles Dawes, pelo
qual foi agraciado com o Nobel da Paz. A partir daí, dirimiu-se a necessidade do tesouro alemão gerar
extremos superávits em contas correntes para quita juros da dívida e o Marco pôde-se estabilizar ante
ao dólar.

Pelo lado dos EUA, a atuação diplomática política-econômica para equalização monetária internacional
se deu no bojo da recuperação de um breve período de recessão entre janeiro de 1920 a julho de 1921,
quando, no âmbito interno lidaram e superaram a recessão com as seguintes medidas: cortes da taxa de
desconto por parte do Federal Reserve (indo de 7% em janeiro de 1920 a 4% em junho de 1921)
triplicando seu estoque de títulos do governo em operações de compra a mercado aberto; concessão de
crédito agrícola, estimulando também assim o mercado internacional; financiamento da exportação por
parte da organização estatal War Finance Corporation em 1921, e financiamento de obras públicas via
um déficit limitado.

Desta forma todavia se verifica, ao contrário do que o descaratismo destes liberais apresentam, de 1920
até 1940, a inflação acumulada nos EUA só caía. (ver GRÁFICO 1 e 2 nos comentários)

Confira-se o histórico da inflação nos EUA naquele período e o patamar a que estava em 1929 e como
ela se comportou após, mesmo com as atuações anticíclicas do governo, e perceba-se a relativa
estabilidade do nível de preços (ver gráfico 3 nos comentários)

Não havia assim, superabundância de crédito devido ao FED às vésperas do desabamento do preço das
ações e cadeia de falências. Nem havia processo inflacionário nos EUA a despeito do crescente
endividamento das famílias para compra de bens de consumo duráveis, dado que acumulava reservas e
liquidez internacional. Isso é simplesmente desonestidade e falta de vergonha na cara.

O financiamento do consumo das famílias, que realmente elevava-se, não era via instituições bancárias,
mas por empresas de financiamento ao consumo sem regulação: em 1919, havia muito poucas
empresas de financiamento ao consumo, mas em 1925 havia cerca de 1.500 dessas instituições.

Ao contrário do que os liberais afirmam, o FED não forçou os juros pra baixo, pelo contrário,
preocupado com a ação da especulação, segurou mais o crédito e subiu as taxas de juros já a partir de
1928, ao invés de reduzir os juros e oferecer mais liquidez ao sistema. O preço médio das ações dispara
em 40% e a taxa de lucro dos bancos era super-favorável. Houve na época de 1929 uma forte deflação
da dívida privada, com posterior queda do consumo para amortecimento das dívidas, e nisto, queda da
confiança dos consumidores

No livro de Milton Friedman e Anna Schwartz sobre a história monetária dos Estados Unidos, Friedman
considera como ponto-chave para explicar a tardia, tímida e insegura atuação do Banco Central em
intervir como emprestador de última instância a morte do Benjamin Strong, conselheiro do FED, que se
relacionava com o Banco da Inglaterra e fora um dos formuladores do FED em 1907. Os autores pregam
que a recalcitrância da autoridade monetária oficial em agir como emprestadora de última instância
dinamizou a Grande Depressão.

Uma das maiores dificuldades que os liberais possuem para entender aquele processo histórico deriva
de que seus ideólogos não conseguem investigar - nem possuem ferramentas apropriadas para tal em
seu aparato - forças motoras subjacentes aos fenômenos sistêmicos. E isso implica que algo deve se
encaixar em deduções apriorísticas caso a realidade ainda possa fazer sentido para eles. A questão da
liquidez é uma anomalia insolúvel no "ciclo de negócios da economia austríaca". Para que não
concebam que ela cai do céu, partem do princípio de que ela é derivada do produto das decisões dos
indivíduos de poupar e não poupar. E tal se relaciona com as taxas de juros vigentes, que se alteram de
acordo com o somatório das decisões. Logo, sempre as bolhas têm de ser explicadas pela política de
juros central, porque não se poderiam formar pelo saldo das decisões dos indivíduos que de um jeito ou
de outro se corrigiriam pelos sinais do cálculo econômico.

Então não dão conta de se aperceberam que as instituições financeiras criam valor monetário, não em
forma de moeda impressa, antecipando e captando valor do futuro, com uma expectativa tacitamente
compartilhada de que será realizado com os negócios, e trazendo este valor para o presente, lucrando
com diferenciais de juros - entre futuro e presente - que cobram de acordo com a expectativa da
realização do próprio valor. E conferindo substância a produtos derivados desta captação, com
instrumentos diversos, a partir da expectativa da realização autorreplicante deste valor que
(virtualmente) deverá ser gerado, geram outros esquemas financeiros multiplicadores. Pirâmides.

Pois bem, recapitulando a conjuntura, com a subida das ações da Bolsa nova-iorquina, os produtores
reclamavam de escassez de crédito, que era concentrado em compras de ações por parte dos
banqueiros; essas ações por sua vez serviam como instrumentos de garantia para fornecimento de
empréstimos e compras de novas ações, um esquema de pirâmide típico de mercados
desregulamentados.

Houve a corrida bancária e a desregulamentação fizera com que o nível de empréstimos estivesse
completamente desvinculada de lastros, o nível do valor dos depósitos sangrava sob efeito do próprio
processo multiplicador bancário da moeda, os empréstimos caíram porque enfim os bancos se
mancaram da necessidade de manter as reservas excedentes, e o FED interveio tardiamente tentando
justamente salvar o padrão-ouro que fiava o funcionamento da circulação desregulada do mercado de
então - em condição de assincronia dos Bancos Centrais das principais economias, às expensas da
economia interna. Mas a queda dos depósitos pelo efeito manada foi muito maior do que a moeda em
circulação.
Assim, o presidente republicano Herbert Hoover tentou equilibrar o orçamento com cortes públicos, e
alimentou a espiral deflacionária e recessiva - como membro da Escola Austríaca, Friedrich Hayek
admitiu mais tarde, o remédio assim tem que ser investimentos públicos. As pessoas ficaram à mercê da
maré financeira liberal e os governos acuados. Foi a insuficiência de gastos que agravaram o ciclo
Kondrattiev, não correspondendo à quantidade de bens e serviços que a economia demandava produzir
para manter o ritmo. As primeiras medidas de Hoover até 1929 foram cortes drásticos no orçamento
para tentar equilibrá-lo em face do desaquecimento. A crise estoura em 1929; o primeiro New Deal foi
realizado em 1933 e o segundo em 1935. A "Teoria Geral do Juro, do Emprego e da Moeda" de Keynes
foi escrita em 1936.

Só depois de estabelecida a Corporação Financeira para a Reconstrução (RFC) em 1932, a qual foi dada a
autoridade para conceder empréstimos aos bancos para estabilizar o setor financeiro, e a aprovação da
Lei Glass-Steagall em 1932, que criou o seguro federal de depósitos e aumentou a capacidade dos
bancos de tomarem empréstimos junto ao FED, em com a posse de Roosevelt em 1933, quando em
março foram adotadas as medidas de emergência que davam à RFC poderes extraordinários para
estabilizar e reestruturar o setor financeiro mediante oferta de capital e comprando ações preferenciais
de bancos, separando também os bancos nas categorias de bancos comerciais e de investimentos, e a
regulação que impedia os comerciais de pagarem juros a conta correntes, é que começaram as medidas
de planejamento anticíclico e estímulo à demanda

Quanto à admissão de Hayek, mencionada acima, em palavras dele

Although I do not regard deflation as the original cause of a decline in business activity, such a reaction
has unquestionably the tendency to induce a process of deflation – to cause what more than 40 years
ago I called a ‘secondary deflation’ – the effect of which may be worse, and in the 1930s certainly was
worse, than what the original cause of the reaction made necessary, and which has no steering function
to perform. I must confess that forty years ago I argued differently. I have since altered my opinion – not
about the theoretical explanation of the events, but about the practical possibility of removing the
obstacles to the functioning of the system in a particular way

- na página 206 do "New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas"

Indo mais além, Hayek admite também :

Even though there are many concerns about organizing public works ad hoc during a depression,
everything speaks in favour of having public agencies perform during a depression whatever investment
activities need to be carried out in any case and can possibly be postposed until then. It is the timing of
these expenses that presents a problem, since funds are often extremely hard to raise in the midst of a
severe depression and the accumulation of reserves in good times generally faces the objections
mentioned above. There is little question that in times of general unemployment the state must
intervene to mitigate genuine hardship either by disbursing unemployment compensation or, as in
earlier times, by legislation to help the poor

- no “The Gold Problem”

Tudo isso aconteceu de maneira 'endógena' através da própria racionalidade maximizadora dos agentes
privados. O sistema capitalista é inerentemente instável.

Vocês sabem quando falam que "Ah, o Mises previu a crise de 29, ele é foda"?

Pois é, acontece que há um livro chamado "Capital Today" de Herman Cahn. Nele, em 1915, esse
economista marxista prevê com mais de 15 anos de antecedência o colapso do padrão ouro, e também
a crise de 29. E ele faz essa 'previsão' com base numa análise do sistema bancário norte-americano,
abrangendo principalmente o período em que não havia banco central, compreendendo os anos 1900 e
1915, sendo que o FED só passou a existir em 1913.
O que isso quer dizer? No capítulo III ele fala sobre a maneira pela qual o sistema bancário foi criando
mecanismos que "burlassem" as constrições monetárias geradas pelo ouro - o padrão ouro determinava
'rigidamente ' a oferta monetária de acordo com o volume de reservas em ouro e pela taxa de
conversão, e isso engessava a capacidade dos bancos privados de 'empreender'.

O "money account" foi um desses mecanismos burladores; principalmente na forma do "dinheiro


bancário" ou "dinheiro de crédito", ele se desenvolveu até o ponto em que se formara uma imensa
massa de títulos e obrigações descoladas de qualquer base metálica, lastro, fornecendo assim a liquidez
que o capital desenvolvido requeria para continuar a se expandir - o início do século XX marca o começo
de uma série transformações de escala na estrutura industrial, tendo o inicio do fordismo, do mercado
de massas, de novas mercadorias, transportes mais eficientes etc. Uma vez desvinculada do valor - sob a
forma do ouro-, essa riqueza meramente "fictícia" iria, uma hora ou outra, se deparar com o "acerto de
contas", na opinião do autor. E o acerto de contas foi a Grande Depressão.

Ou seja, como o Herman Cahn demonstra, antes mesmo da existência do banco central, o sistema
financeiro norte-americano já apresentava um comportamento anômalo, com um certo grau de
alavancagem, a despeito das limitações do padrão ouro. Não obstante que ocorrera o pânico de 1907
que quase levou a bancarrota os grandes bancos americanos, engatilhando uma dura recessão. Foi esse
evento traumático que induziu os policymakers a criarem o FED.

Mire-se, depois de tudo isso, como os dogmas e petições de princípio dos liberais são apenas
autorreferentes, sem contato com o mundo empírico: têm que cair na retórica de que se o que dizem
sobre a política de juros do FED fosse verdade – e não é, é mentira descarada que repete pra ver se cola
só por terem 24 horas por semana disponível na internet -, quando ele emitia moeda, a inflação caía;
passou a emitir mais moeda, a inflação despencou a taxas negativas!

Percebe o quanto fica evidente pra quem estudou a respeito que eles não têm estudo sobre estes
assuntos, apenas repetem os panfletos de uma forma cega?

Fontes:

http://www.econ.puc-rio.br/gfranco/Ch1.PDF

http://informadordeopiniao.blogspot.com.br/2016/02/falacias-e-premissas-para-
compreender.html?m=1

http://nemiga.no-ip.info/literature/History/History_of_American_Economy.pdf

http://fraser.stlouisfed.org/download-page/page.pdf?pid=38&id=1477

http://trove.nla.gov.au/work/9891637?selectedversion=NBD1758230

http://inflationdata.com/Inflation/Inflation/Cumulative_Inflation_by_Decade.asp

http://useconomy.about.com/od/inflationfaq/a/US-Inflation-Rate.htm

http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01603477.1997.11490131

http://www.goodreads.com/book/show/6025160-lords-of-finance
DESTRUINDO MENTIRAS LIBERAIS
O mito de que o liberalismo desenvolve/desenvolveu algum país.

Rian Lobato 28/11/2016

Eu sempre vejo pessoas que chegam aqui no grupo e perguntam acerca do sucesso de países que
supostamente se entregam ao liberalismo. Então eu resolvi criar esse tópico aqui que mostra que, como
tudo no Capitalismo, as coisas não são simplistas assim. Ademais, para aqueles que querem ter uma
visão melhor acerca de como funciona esses países, de como eles chegaram lá (e não foi com o
liberalismo), e o que eles fizeram, eu recomendo a leitura do livro "Chutando a Escada" do autor Ha-
Joon Chang.

Fiquem livres para adicionar mais informações também.


ACERCA DO SUCESSO DA SUÍÇA E SUÉCIA

Não é que "A Finlândia/Suécia/Suíça/Noruega são bem administradas, ou graças a um suposto


liberalismo.

A Suíça sendo o maior paraíso fiscal do mundo concentra em seus bancos todo o capital (dinheiro)
oriundo das mais podres e lucrativas atividades (como narcotráfico, venda de escravos(as) sexuais,
venda de orgãos, e todo outro tipo de podridão lucrativa a qual você possa imaginar).

Depois toda esta renda acumulada na Suíça é repassada para seus maiores alicerces econômicos (como
a Suécia e outros países escandinavos) que além de jamais terem entrado em guerras relevantes no
período de formação e acumulação do capitalismo – sempre tem os bolsos entupidos de dinheiro.

Assim fica fácil construir um paraíso as custas do sangue e da desgraça alheia com dinheiro de
empresário podre, sendo um pilar da degeneração, corrupção do mundo.

Quanto a Suécia, além do fator ali em cima da ajuda da Suíça, ela se industrializou e se desenvolveu
inteiramente com um sistema de maxima intervenção do Estado, que na época era chamado de social-
corporativismo. A partir de 1892 adotou políticas de proteção tarifária e subsídios industriais,
principalmente na engenharia. Na virada do século implementou um imposto progressivo anual sobre o
capital, ainda que tímido e para registro.

A partir de 1913 sempre teve índice médio de tarifas entre os mais altos da Europa, chegando em certos
períodos, a partir de 1930, a ocupar o segundo lugar em uma lista de países europeus em grau de
proteção industrial. Foi onde teve o desempenho favorecido nestas décadas, sendo superada apenas
pela Finlândia em termos de crescimento mais rápido relativo ao Pib por horas de trabalho, de 1900 a
1913. A empresa ferroviária estatal implementou o circuito da rede e de bens transportados. Também
foi quem implementou o sistema de telefonia e hidroelétrica, sim, em parcerias público-privadas. Outra
característica particular da industrialização sueca é que nesta fase ela nunca deu muita importância à
propriedade intelectual.

Para se informar mais a respeito, http://www.amazon.com/The-Small-Giant.../dp/0821408259

http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00220389408422341

http://www.jstor.org/discover/10.2307/563066?uid=4...

Interessante é que Piketty demonstra queaté 1912, ela possuía patamar de desigualdade de riqueza e
de detenção de capital a níveis comparáveis ao do Reino Unido e acima da média europeia.
Em 1936, 4 anos após a vitória do Partido Trabalhista Social Democrata nas eleições, se celebrou o
acordo “Saltjösbaden”, em que os empregadores se comprometeram a financiar um welfare state
grande e investimentos, em troca dos trabalhadores acordarem em evitar ao máximo greves e
reivindicações salariais altas. As SAC's, sub-centrais sindicais- a grande central era a LO - de lá, passaram
a ter assentos nos conselhos das empresas e o Estado promoveu o altíssimo nível de sindicalização dos
trabalhadores, tendo implementado os "fundos de assalariados".

http://esr.oxfordjournals.org/content/2/1/71.full.pdf

http://www.amazon.com/The-Limits-Social.../dp/0801482356

A partir daí houvera o grande “upgranding” industrial de lá. A partir da década de 50 se instituira o Plano
Rehn-Meidner, equalizando os salários do mesmo tipo de mão de obra em todas as indústrias, para
pressionar os capitalistas dos setores mais mal remunerados a aumentar o estoque de capital e
propiciar aos dos setores melhores remunerados reter lucros extras e expandirem-se mais depressa,
junto com políticas públicas de realocação de mão de obra.

http://www.druid.dk/uploads/tx_picturedb/ds2001-178

http://www.druid.dk/confer.../Summer2005/Papers/Lundvall.pdf

Durante este período, foi muito importante também a indústria bélica, que apesar de em volume não
ser das mais significativas em participação no comércio mundial, ser uma das destaques em tecnologia e
valor agregado, com exportações também para ditaduras asiáticas e africanas.

Ocorrera que o país sofreu, como generalizadamente no mundo, com os choques de Petróleo e do
preços de outros recursos minerais da década de 70, o que provocou algo como um terremoto em sua
indústria metalúrgica. A sobrevalorização dos juros das dívidas mundiais também causou problemas
fiscais e a alta de produtos essenciais levara a uma onda inflacionária. Na década de 90, ante a última
onda de globalização da economia mundial, com os impactos das novas tecnologias de comunicação nas
transações financeiras mundiais, a nova oferta maciça de produtos asiáticos e as oportunidades de
liquidez mundiais, o país, como muitos, viu diante de si a necessidade de promover reestruturações
produtivas e ajustes fiscais. Promoveu uma liberalização sobretudo no setor de serviços e cortes em
programas sociais para diminuir a moeda circulante e a carga tributária. Contudo, após grande
insatisfação social, retomaram-se com mais forças os programas de seguridade e bem-estar social, com
a carga tributária ultrapassando 45%, chegando a mais de 50% da renda nacional.

Destacou-se a eliminação drástica de barreiras tarifárias, numa ação coordenada a partir de cálculos de
utilidade, setor por setor, a partir da consideração do consolidado parque produtivo nacional e esfera
institucional de negociações entre empresas, sindicatos e Estado para amortecer impactos sociais. Leve-
se em conta também outras formas mais indiretas de protecionismo que advém da adesão às do bloco
da União Europeia, em relação a países fora dobloco. O resultado é que o setor que mais experimentou
crescimento da participação estrangeira foi o de serviços, sendo que ainda assim uma das principais
forças da economia é a exportação de equipamentos de telefonia e tecnologia da informação, de
produção nacional. A indústria nacional exporta também máquinas, aço, celulose e derivados, sem
ameaças de serem compradas. Seus principais parceiros econômicos são Alemanha, Noruega,
Dinamarca, Reino Unido e Holanda.

A produção doméstica industrial diminuiu de 58% em 1985 para 52% em 1996, ou seja, foi
relativamente pouco afetada. A participação de multinacionais no comércio total sueco acabou por
diminuir, de 61% em 1982 para 52% em 1992, e o comércio intrafirma aumentou de 24 para 26%. O
Estado participa, sim hoje, fortemente da economia com empresas e serviços. A administração pública,
a defesa, a educação, a saúde e os serviços sociais são os setores proeminentes da economia do país,
representando 24%, enquanto a indústria representa cerca de 20%:

ORGANISATION for Economic Cooperation and Development. OECD economic outlook 59 e 60.
Paris,1996.

Uma pesquisa comparativa entre 173 países sobre legislação trabalhista e proteção aos trabalhadores,
coordenada pela pesquisadora Jody Heymann, fundadora do Global Working Families em Harvard e
diretora do Instituto para Políticas Sociais e de Saúde da Universidade Mc Gil em Montreal, apontou a
Suécia, juntamente com a Finlândia como os países em que os trabalhadores e trabalhadoras possuem
mais benefícios em previsão legal.

É engraçado também lembrar que mais de 80% dos trabalhadores são sindicalizados, sendo que os
acordos coletivos podem abarcar quaisquer aspecto do relacionamento entre entidade patronal e
empregados. Um pesadelo para os plutocratas atomistas. Hoje em dia o país se baseia num sistema
gigante de welfare state com esse capital acumulado.

"O SUCESSO DA ALEMANHA OCIDENTAL"

Em reação à modinha anarcocapitalista, alguns adolescentes resolveram inventar uma modinha


"ordoliberal". É a galera do "vamos ser sensatos e moderados". "Veja bem, economia de mercado é
bom, mas o Estado tem que botar alguns limites". O exemplão desse pessoal é a Alemanha do pós-SGM.
Segundo eles, a Alemanha era e é ordoliberal e...vejam só! A Alemanha é uma maravilha econômica.

Tudo balela. Ordoliberalismo não é nenhum tipo de meio termo. É fundamentalmente liberalismo
hayekiano com supervisão estatal. E tampouco foi o ordoliberalismo o responsável pela reconstrução e
subsequente prosperidade da Alemanha. A realidade é muito diferente.

Ao fim da segunda guerra mundial a dívida externa da Alemanha era de 40% do PIB e a dívida interna
era de 300% do PIB. Sim, o país estava afundado em dívidas, além de devastado. Inicialmente, para os
Aliados, isso estava ótimo. O objetivo inicial era o desmonte total da indústria alemã para transformar o
país em país exportador de commodities, um país de terceiro mundo, para todos os efeitos.
Só que começou a Guerra Fria. E então começou a disputa entre bloco ocidental e bloco oriental. Parte
dessa disputa operava no âmbito da propaganda. Vender o seu modelo para o vizinho como o melhor
modelo. E a Alemanha estava ali, no meio do caminho. Até cortado no meio. A Alemanha Oriental era a
vitrine do comunismo para o Ocidente. A Alemanha Ocidental era a vitrine do capitalismo para o
Oriente.

Assim sendo, era fundamental que a Alemanha Ocidental fosse o país mais estável e próspero possível.
Até porque, os EUA estavam apavorados com a possibilidade de revoluções na Europa Ocidental por
causa da força dos movimentos sindicais e organizações de esquerda em vários desses países.

Então o que foi feito? Plano Marshall. O equivalente moderno a 14.5 bilhões foi para a Alemanha. Uma
quantia boa (à época do Adenauer o o Plano Marshall equivalia a 4% do PIB), mas não foi isso que
reconstruiu a Alemanha. O que reconstruiu a Alemanha foram os outros "detalhes" do Plano Marshal.

Fundamentalmente, o "alívio de dívida". Aproximadamente 90% da dívida pública alemã foi descartada.
Parte considerável das reparações, ainda, foi adiada sem prazo e nunca foi paga. Enquanto os outros
países europeus, em sua maioria, "largaram" afundados em dívidas que somavam até 200% do PIB, a
Alemanha tinha só 20% de seu PIB comprometido por conta da dívida.

Isso significa que o Estado alemão dispunha de recursos muito mais amplos para investir, aplicar e criar
benefícios. Além desse sumiço na dívida pública, os credores ainda aceitaram receber o dinheiro em
marco alemão, que à época não valia quase nada. Foi imposto um TETO (!) para o pagamento da dívida
equivalendo a 5% do valor das exportações (!), um limite para a cobrança de juros (!) e os outros países
europeus ainda firmaram compromisso de comprar produtos alemães sempre que possível para auxiliar
a recuperação de sua indústria e fomentar mercado.

Em outras palavras: a Usurocracia Internacional Capitalista abriu uma brecha, soltou a Alemanha de
seus grilhões financeiros porque era fundamental que a Alemanha Ocidental desse certo.

Tirando isso, a Alemanha Ocidental também investiu na manipulação cambial, mantendo por um bom
tempo o marco extremamente desvalorizado, de modo a facilitar exportações e dificultar importações.
Mesma tática utilizada pelo Japão até hoje. Só que isso é medida protecionista (extremamente sacana)
bruta, totalmente por fora de qualquer "ordoliberalismo".

Um terceiro fator fundamental é também fruto do "totalitarismo" e nada tem a ver com qualquer
"ordoliberalismo". Fruto da herança econômica do Terceiro Reich e especialmente dos últimos anos do
governo e do ministro Albert Speer, a relação Estado-empresa estava perfeitamente ajustada para a
máxima eficiência produtiva. Era uma relação refinada e apurada, imposta pelas necessidades do
esforço de guerra, que só é imaginável dentro do totalitarismo e de uma quase-planificação. E a
Alemanha Ocidental herdou esse afinamento Estado-empresa, sem os aparatos totalitários anteriores.

Resumão: Cancelamento da dívida, adiamento eterno do pagamento de reparações (menos para Israel,
judeus, ciganos, etc., claro), teto para gastos anuais com dívida e juros da dívida, teto para incidência de
juros da dívida pública, mercado para bens industriais garantido, manipulação cambial, herança
econômica totalitária de sincronia Estado-empresa.

O resto se deve à própria ética de trabalho alemã, sua engenhosidade, QI elevado, bom nível
educacional e cultural e outros hallmarks da estirpe germânica.

E o "ordoliberalismo" nisso tudo? Está no cu da mãe. É apenas o que se vê ali com legislação antitruste e
amplo Estado de Bem-Estar Social. Só que por trás disso? Tudo o que falamos acima. Depois de um
tempo, aliás, o ordoliberalismo passou a perder influência teórica e hoje está centrado mesmo na
Universidade de Freiburg.

https://www.youtube.com/watch?v=DV8DsMmS65I

http://eh.net/eha/wp-content/uploads/2013/11/Vonyo.pdf

http://www.france24.com/en/20150129-london-agreement-1953-debt-write-germany-economic-
miracle-greece-austerity

SOBRE A "SINGAPURA LIBERAL":

Singapura é uma Cidade Estado asiática, que se tornou independente em 1965. Até 1971, porém, sua
política monetária estve atrelada à Malásia, tendo seu BC completamente independente só a partir de
1971.

E eu queria saber onde Singapura, uma pequena cidade-estado, é liberal. Pelos dados do Singapore
Government's Department of Statistics, a participação das empresas públicas no PNB do país é 45%
maior do que as não públicas – que ainda assim têm ligações com o governo. O setor público de
Singapura é duas vezes maior que o da Coreia do Sul – também repleta de empresas estatais, o setor
público de lá é duas vezes maior do que o setor público da Argentina e quatro vezes maior que o das
Filipinas em função de sua parcela na renda nacional- em termos de contribuição à produção nacional e
três vezes em termos de contribuição ao investimento nacional.

O governo de Singapura ocupa assentos nos Conselhos Estatutários que gerem os principais serviços e
bens, quase todas as terras são propriedade do Estado e 85% das casas são fornecidas pelo Conselho da
Habitação e Desenvolvimento Econômico. O Economic Development Board é o responsável por
desenvolver parques industriais, incubar novas empresas e fornecer serviços de consultoria em
negócios. E Singapura produz 35% mais produto manufaturado per capita do que a Coreia do Sul e 18%
a mais que os EUA.

A Temasek Holdings (que há pouco comprara 15% das ações da Odebredcht) detém o direito de
controle em outros conjuntos de empreendimentos vitais para a economia do país, os Goverment-
Linked Companies. Possuem controle de ações na Singapore Power – área de eletricidade e
combustíveis-, PSA International 67% da Netpune Orient Lines – indústria naval-, 60% da Chartered
Smiconductor Manufacturing – semicondutores -, 56% da SingTel – telecomunicações -, 55% da SMRT
serviços em ferrovias, ônibus e táxi-, 55% da Singapore Technologies Engineering e 51% da SembCorp
Industries; 30% da SembCorp Marines e 30% do maior banco de Cingapura, o DBS. Possuem também as
gigantes estatais Agência de Ciência, Tecnologia e Pesquisa (A*STAR) do setor agroindustrial e
agroalimentar; a Jurong Consultants que atua com projetos de planejamento urbano em todo o mundo,
com gigantescos empreendimentos na China, Mongólia, Arábia Saudita, projetos no Brasil na grande São
Paulo e BH, e em BSB, mais mil e setecentos projetos em 47 países e 150 cidades mundo afora. A
gigante Singapura Airlines é um empreendimento estatal, 57% controlados pela Temasek, holding cujo
único acionista é o ministro das finanças.

O governo lá é EXTREMAMENTE totalitário, literalmente é CRIME lá pra coisas como mascar chiclete,
ouvir música na rua, cuspir em espaço público, roubar wi fi. O próprio líder dela, Lee Kuan Yew, diz:

"Eu sou frequentemente acusado de interferir na vida privada dos cidadãos. Sim, se eu não tivesse feito
isso, nós não estaríamos aqui hoje. E eu digo, sem o menor remorso, que não estaríamos aqui e nem
teríamos feito progresso econômico se não tivéssemos intervido em todas as questões pessoais: quem é
seu vizinho, como você vive, o barulho que você faz, como você cospe, ou que língua você usa. Nós
decidimos o que está certo. Não importa o que os outros pensem" - Lee Kuan Yew

I am often accused of interfering in the private lives of citizens. Yes, if I did not, had I not done that, we
wouldn’t be here today. And I say without the slightest remorse, that we wouldn’t be here, we would
not have made economic progress, if we had not intervened on very personal matters–who your
neighbour is, how you live, the noise you make, how you spit, or what language you use. We decide
what is right. Never mind what the people think.” (Straits Times, 1987)

Link:

- [ ] http://blogs.wsj.com/briefly/2015/03/23/5-quotes-from-lee-kuan-yew/

A própria plataforma de exportação de Singapura só foi montada por meio de ditaduras. Teve um
controle enorme do Estado, onde eles tomavam cuidado para que os investimentos gigantes não
voltassem para acionistas ou credores, mas para a cidade-estado em si.

Resumindo: Singapura tem previdência obrigatória, dezenas de estatais, política industrial forte e
intervencionista e governo sempre-presente. Classificar ela até como de liberdade econômica é delírio.
Isso saindo da boca de um funcionário do Instituto Mises inclusive. Link abaixo:?

https://mises.org/library/failings-economic-freedom-index

A atuação de seu Banco Central (MAS - Money Authority of Singapore) desde sua criação é bastante
intensa. Até 1981, seu câmbio utilizou âncora cambial. Inicialmente, atrelou seu câmbio à libra esterlina
(fixou o valor relativo a ela), alterando essa referência para o dólar americano em 1972. Em 1973,
deixou seu dólar valorizar controladamente para combater a inflação. Em 1974 impôs tetos de crédito
para bancos e companhias financeiras, além de mais rigor na concessão de crédito para combater a
inflação que veio como consequência do choque do petróleo. Depois de controlá-la no mesmo ano,
retirou as restrições dos bancos e apreciou moderadamente a moeda (novamente de forma controlada).
Na segunda metade da década de 70 controlou a liquidez do sistema bancário monitorando a base
monetária, taxas de juros, expansão do crédito e taxa de conversão para uma cesta de moedas do
interesse da autoridade monetária, atuando principalmente no câmbio em relação à cesta de moedas
até 1981.

A partir de 1981, passou a focar no controle do câmbio, utilizando uma política de bandas cambiais,
deixando o dólar de Singapura flutuar dentro de faixas predeterminadas pelo MAS em relação à cesta de
moedas, com revisões periódicas tanto do valor central quanto das bandas, abrindo mão do controle da
taxa de juros. Essa política permanece até os dias de hoje.

Fontes sobre o MAS, BC de Singapura:

http://www.mas.gov.sg/~/media/MAS/Monetary%20Policy%20and%20Economics/Monetary%20Policy/
MP%20Framework/Singapores%20Exchange%20Ratebased%20Monetary%20Policy.pdf

http://www.mas.gov.sg/~/media/MAS/Monetary%20Policy%20and%20Economics/Education%20and%2
0Research/Research/Economic%20Staff%20Papers/2000/MASOP018_ed.ashx

http://www.mas.gov.sg/News-and-Publications/Speeches-and-Monetary-Policy-Statements/Monetary-
Policy-Statements/2015/Monetary-Policy-Statement-14Oct15.aspx

Nas grandes empresas do país, o governo de Singapura intervém sistematicamente. E ao intervir, não
digo apenas na regulação, ele força determinados empreendimentos a ter participação estatal e é
acionista de praticamente todas as grandes empresas do país.

Singapura possuía um PIB de 307 bilhões de dólares em 2014 e, nesse mesmo ano, seus dois fundos
soberanos (Temasek Holdings e GIC - Government of Singapore Investment Corporation Private Limited)
foram avaliados em 530 bilhões de dólares. Isso significa que o Estado de Singapura possui 1,7x mais
riquezas que toda a riqueza produzida em um ano de sua cidade-estado somada. Se isso não é um
Estado gigante, nenhum Estado do mundo é gigante.

Não satisfeito com isso, o governo de Singapura possui participação relevante NA MAIORIA as 10
maiores empresas do país, que pode ser conferida na lista da Forbes:

1 - DBS, Temasek é o 4º maior acionsta.

2 - Singtel, Temasek é o maior acionista.

3 - Oversea-Chinese Banking, Singapore Investments Pte Ltd (GIC) é o 7º maior acionista.

4 - Wilmar International, não possui participação relevante do Estado

5 - Keppel Corp, Temasek é a maior acionista.

6 - CapitaLand, Singapore Technologies é o maior acionista, sendo que o maior acionista do Sigapore
Technologies é o Temasek
7 - Singapore Airlines, Temasek é o maior acionista

8 - SembCorp Industries, Temasek é o maior acionista

9 - Flextronics International, não possui participação relevante do Estado

10 - Global Logistic Properties, não possui participação relevante do Estado

Não satisfeito de incentivar ou desincentivar os investimentos da iniciativa privada como prega o


keynesianismo, o governo singapurense participa EFETIVAMENTE da administração de quase todos os
grandes empreendimentos do país, por meio de seus fundos soberanos e suas empresas controladas.

Fontes sobre o tamanho do Estado de Singapura e a participação estatal nas empresas:

http://www.singstat.gov.sg/docs/default-source/default-document-
library/statistics/browse_by_theme/economy/time_series/gdp2.xls

https://www.kpmg.com/ES/es/ActualidadyNovedades/ArticulosyPublicaciones/Documents/sovereign-
weath-funds-v2.pdf

http://www.economywatch.com/companies/forbes-list/singapore.html

http://www.temasek.com.sg/portfolio/portfolio_highlights/majorportfoliocompanies

http://www.gic.com.sg/about-gic/our-history

Quanto aos serviços públicos a questão é ainda mais séria.

Todas as crianças e adolescentes em Singapura tem educação estatal gratuita e todas as escolas do país
recebem investimento estatal. Isso mesmo, TODAS. Não há nenhuma que não recebe. O ministério da
educação determina o currículo e os objetivos de todo sistema educacional do país.

O Estado possui 4 universidades. QUATRO, em uma pequena cidade-estado: National University of


Singapore, Nanyang Technological University, Singapore University of Technology and Design e
Singapore Institute of Technology.

E o sistema de saúde de Singapura? Disponibiliza um sistema universal para toda a população, sendo
que o sistema público é 80% do sistema de saúde. Ele não é completamente gratuito, mas as pessoas
pagam DE ACORDO COM SUA RENDA e há um fundo para cobrir os gastos dos pobres.

E as residências? Uma ilha tão pequena e rica deve rolar uma especulação imobiliária violenta, certo?
ERRADO! 80% das residências são ESTATAIS, feitas pelo HDB - Housing and Development Board. Essas
residências são ocupadas de acordo com critérios definidos pelo governo, sobrando apenas 20% para o
livre-mercado.

E o transporte? É dada grande ênfase ao transporte público e são colocadas taxações exorbitantes para
encarecer e desestimular o uso de carros privados, além do governo disponibilizar um número limitado
de permissões por mês para novos carros. Nada de livre-mercado no transporte também.

Fontes sobre serviço público:


http://www.ncee.org/programs-affiliates/center-on-international-education-benchmarking/top-
performing-countries/singapore-overview/singapore-system-and-school-organization/

https://www.moh.gov.sg/content/moh_web/home/costs_and_financing.html

http://www.hdb.gov.sg/cs/infoweb/homepage

http://www.singstat.gov.sg/statistics/latest-data#20

http://www.hdb.gov.sg/cs/infoweb/homepage

http://www.livinginsingapore.org/how-to-buy-a-car-in-singapore/

Sobre os impostos, em geral são baixos pois o Estado se financia de outras maneiras (principalmente
pelas suas empresas) mas é utilizado imposto progressivo como manda o figurino keynesiano.

Fontes de sobre impostos:

https://www.iras.gov.sg/irashome/Individuals/Locals/Working-Out-Your-Taxes/Income-Tax-Rates/

https://www.iras.gov.sg/irashome/Businesses/Companies/Learning-the-basics-of-Corporate-Income-
Tax/Corporate-Tax-Rates--Corporate-Income-Tax-Rebates--Tax-Exemption-Schemes-and-SME-Cash-
Grant/

https://www.iras.gov.sg/irashome/Publications/Statistics-and-Papers/Tax-Statistics/#NewBookmark

Em Singapura os direitos trabalhistas existem! A carga horária de trabalho é limitada a 44 horas


semanais, com uma hora de almoço. Deve haver um dia de descanso remunerado no mínimo por
semana. Existem 11 feriados nacionais pagos em que, caso haja trabalho, devem ser compensados pelo
empregador. Você tem direito a até 14 dias de pagamento sem trabalho em caso de doença e até 60 em
caso de hospitalização dependendo do tempo de casa. Você tem direito a férias remuneradas, que
variam de 7 a 14 dias úteis por ano dependendo do tempo de casa. Seu empregador é obrigado a pagar
a previdência pública obrigatória, chamada CPF. Você tem direito a 6 dias para cuidar de suas crianças,
mas sem ser pago. 18 semanas de licença-maternidade... Faltam apenas 2 itens que alguns sentem falta
para ser completo: Seguro-desemprego e salário mínimo.

Fontes sobre direitos trabalhistas:

http://www.mom.gov.sg/~/media/mom/documents/employment-practices/workright/workright-
brochure-for-employees.pdf

http://www.mom.gov.sg/~/media/mom/documents/employment-practices/workright/faqs-on-
employment-rights.pdf

http://www.mom.gov.sg/employment-practices/leave/unpaid-infant-care-leave

http://www.mom.gov.sg/employment-practices/leave/maternity-leave/eligibility-and-entitlement
SOBRE OS EUA

Uma coisa que nunca entendi foi o motivo dos EUA serem o símbolo do Capitalismo para liberais.
Melhor falando, se considerarmos o capitalismo na sua plenitude, de forma geral e realista, eles são sim.
Mas me refiro mais a fantasia liberal de que capitalismo seria simplesmente trocas livres, e como os EUA
se encaixaria nisso. Mesma coisa em como o Iphone seria símbolo capitalista, sendo que a Apple é
corporativista. Essa questão conceitual é uma desonestidade intelectual enorme, mas fico para outro
post. Fato é, pq a maior potência econômica do mundo, não é liberal mas gosta de enfiar neoliberalismo
no cu dos outros?

Em primeiro lugar, se faz necessário pontuar que os EUA nem sempre foram intervencionistas na
economia. Eles foram entre as décadas de 30 e 80, até o Reagan. A desregulação do setor privado,
especialmente do financeiro, que veio ocorrendo desde então, parou com a crise de 2008. Eles tem
adotado várias medidas protecionistas desde então.

Um caso aqui do Brasil foi que, a Embraer pra vender aos EUA foi obrigada a fazer parceria com uma
empresa local para fabricar no país. Os EUA cria várias barreiras para impedir que produtos que eles não
conseguem concorrer entrem em seu mercado. Nesse caso só permitem se a empresa estrangeira se
instalar no país para que eles consigam chupinhar o Know How como no caso da Gerdau onde os EUA
não consegue competir com o Brasil em aços planos. Veja o caso do algodão brasileiro e do etanol, a
briga que é com os EUA na OMC. Isso axontece pois existe nos EUA uma lei chamada "Buy American
Act" de 1933, que exige que o governo americano dê prioridade para produtos nacionais, e que foi
implementado por outra lei com o mesmo objetivo em 1983. Nem um parafuso pode ser comprado
pelas forças armadas se não foi feito nos EUA. Se uma tecnologia ou desenho pertencer a uma empresa
estrangeira, ela é obrigada a se associar a um sócio americano para produzir "in loco" o produto. Eles
também têm um alto protecionismo em produtos como laranjas.

Outro mito típico é o de que os EUA não teriam universidade pública, só que não são de graça, os alunos
pagam uma valor ainda que abaixo das universidades privadas. Os impostos são menores lá justamente
pois você os paga, e quando usa o serviço, paga de novo. Segue link de lá que mostra quais
universidades são publicas: http://colleges.usnews.rankingsandreviews.com/best-
colleges/rankings/national-universities/top-public

E hospitais públicos também:

http://www.beckershospitalreview.com/lists/50-largest-public-hospitals-in-america.html

Literalmente até para abrir um salão de manicure é exigido taxas e certificados:


http://smallbusiness.chron.com/permits-fees-licenses-open-nail-salon-10381.html

E os EUA tem um Estado forte com várias agências que consomem bilhões e mais bilhões: exemplo, a
própria NASA obviamente. Os EUA é tão intervencionista que até intervem nas economias de outros
países como na área espacial, no Brasil.
É essa a artimanha que os EUA cria pra impedir concorrência onde eles não conseguem competir à
altura: leis protecionistas. http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/giro-do-boi/nova-lei-dos-
eua-prejudica-brasil-1864

Esse site mostra em tempo real os países mais protecionistas do mundo. Veja: para saber como um país
é protecionista você tem que entender quais são as leis que esse país tem para dificultar a concorrência
de outros países. O site é completo e se tiver paciência poderá ver vários dados nele.
http://www.globaltradealert.org/node/2257

A pergunta é, pq diabos os EUA é tão protecionista, mas vende propaganda liberal ou financia think
thank liberais em outros países?

HONG KONG E O SEU SUCESSO:

Hong Kong nos anos 60 e 70 tinha renda per capita quatro vezes maior do que Coreia do Sul e outros
países do Leste Asiático que cresceram com poupança interna. Após o Tratado de Nanking, Hong Kong
era a única região de colonização britânica que via um crescimento da renda per capita forte e uma
grande elite robusta, enquanto o restante da própria China definhava pós guerra do Ópio.

Hong Kong nunca foi um estado independente, mas uma cidade parte de um ente maior. Era a
plataforma dos fluxos e processos financeiros e comerciais ingleses na Ásia, onde se invertiam capitais
das extrações coloniais e de lavagem de dinheiro de máfias e roubos coloniais, e mesmo hoje a maior
parte das terras pertence ao governo e nunca deu muita bola para propriedade intelectual. Continuou
assim sendo centro financeiro chinês. Ou seja, pensemos regionalmente. Um centro financeiro de um
país ou região será onde mais circula capital, mas uma região sui generis impossível de se generalizar;
um grande Estado-nação não pode ter 20% de sua área como centro financeiro. Lá e outros poucos
lugares no mundo “paraísos fiscais” são ricos por necessidade estrutural de um sistema, mas são
ingeneralizáveis. Pela mentalidade dos monomaníacos que o presente texto denuncia, poderíamos
estender e dizer que todo o restante do Brasil deveria imitar Brasília e sua estrutura política-econômica,
se forem todas as cidades burocráticas o PIB per capita do Brasil todo ficará como o dela.

Tecnicamente, Hong Kong nem país é de verdade. O que não o impede de disparar quanto à corrupção.

http://observador.pt/2015/10/05/antigo-lider-do-governo-hong-kong-acusado-corrupcao

Hong Kong, tal como a Suíça, é um dos maiores paraísos fiscais do mundo, recebendo dinheiro o tempo
todo de toda a corrupção do mundo, desde lavagem de dinheiro, até tráfico de drogas. E isso desde o
Império Britânico.

E aliás, não muda o fato de que a riqueza de Hong Kong é concentrada e explorará também com
trabalho escravo.
A África esteve plenamente integrada à Divisão Internacional do Trabalho, à Cadeia Mercantil global e à
economia mundial e seu circuito de cadeias produtivas-transacionais. A questão é “em que posição”?
Sob que bases? Sem dúvida não foi com autonomia para negociar e precificar. Veja que vários países
imploram para seu algodão e outros produtos agrícolas acessem os mercados dos EUA e lhe são
negados pelos subsídios intocáveis de lá.

Inclusive os ditadores a que se refere, gordamente munidos de armas compradas da Inglaterra, Suécia,
Holanda, etc., são sustentados por protegerem as multinacionais da democracia, por protegerem mais a
propriedade delas do que a vida das pessoas, por garantir suas externalidades ecológicas.

Conhece a história de Patrice Lumumba, líder da independência do Congo e primeiro-ministro


democraticamente eleito, torturado e assassinado em junho de 1961 pela conspiração de conservadores
congoleses ligados à antiga colônia belga, em frente de administradores da mineradora transnacional
belga Union Minérie com apoio do governo belga, inglês e da CIA?

De centenas de exemplos para você poder entender melhor essa questão complexa, vou lhe dar um
bem auspicioso para o presente caso, que se relaciona com Hong Kong.

A cadeia mercantil de diamantes possui uma base crucial no Zimbabwe, país que pode ser o exemplo
máximo. Mas lá a exploração do mineral tem como protagonista uma rede de subsidiárias situada em
Hong Kong – aproveitando-se do sigilo legal que goza no país quanto aos fundos e propriedade
beneficiária nos registros oficiais -, país “modelo” do lobi do instituto, a “88 Queensway Group”.

http://www.ft.com/cms/s/0/a95e8252-f015-11e4-ab73-00144feab7de.html

Nas minas em Zimbábwe, há extensiva patrulha de forças armadas oficiais e privadas – das empresas –
que tomam conta dos trabalhadores e da engenharia de produção. Nelas ocorrem torturas,
espancamentos, aprisionamento de mineiros cercados com arames farpados.

http://100r.org/2013/02/disappearing-diamonds/

Quando era protetorado britânico, a coroa era proprietária das terras e arrendava, usando a receita pra
subsidiar projetos habitacionais, industriais e programas sociais. Em suma, só desconsiderando por
completo o fator geopolítico e histórico é possível caracterizar Hong Kong como casos de sucesso de um
pretenso livre-mercado. Não tem qualquer sustentação a tese dos caras.

Além disso, as pessoas em Hong Kong tem uma péssima qualidade de vida, muitas vivem em gaiolas:

https://m.youtube.com/watch?v=WW9nO_s7v4k

É essa a liberdade que o ""sucesso"" do liberalismo advoga?

NOVA ZELANDIA

Nova Zelândia é um exemplo de sucesso da administração pública. Transparente, austera (em gastos
ruins) e com baixíssima corrupção, algo que nenhum “interventor” (como eu) acha ruim.
O fato de utilizarem como exemplo é devido ao período político do país a qual foi adotado o famoso
“rogernomics”, em alusão à política econômica do ministro de finanças da Nova Zelândia de 84 a 88,
Roger Douglas. O período Roger Douglas foi marcado por fim de subsídios, soltura do câmbio,
eliminação de tributações e taxações, eliminação de taxas de importação, entre outras medidas de
cunho liberal.

O que esquecem de mencionar é que durante esse período de Roger Douglas a fria e pequenina Nova
Zelândia sofreu uma enorme desaceleração econômica e aumento do desemprego (sim, vou colocar
alguns links no final do texto). Além de, claro, aumento da desigualdade (isso é de praxe nesses tipos de
reformas).

Depois do período Roger, houve uma continuação das reformas neoliberais no país, com a ministra das
finanças Ruth Richardson, marcando o período conhecido como “ruthanasia” (apelido dado pelos
opositores, misturando Ruth com “euthanasia”). Não precisa dizer que dentro do país existe forte
oposição a esse período também. Até nos países pequenos (aliás, minúsculos) esse tipo de coisa é
questionada. Houve elevação do déficit fiscal e da dívida pública, mesmo com a contenção de gastos. De
fato, esse “sucesso” é bastante controverso, basta procurar na internet (em inglês).

Há quem diga que demografia não altera a teoria econômica. De fato não altera. O problema, amigos, é
que teoria econômica e economia (“economics” e “economy”) são duas coisas distintas.

O país apresenta bom PIB per capita (PPP-paridade), IDH elevado e boa qualidade de vida? Sim, e isso
envolve todo um contexto político, geográfico, institucional, etc. Não foi devido a uma possível
austeridade fiscal nos anos 80 que uma varinha mágica e uma fada madrinha veio para salvar a Nova
Zelândia da emergência ou sub-desenvolvimento. É muita infantilidade pensar assim, ou pensar de uma
forma que isso seja colocado de forma implícita em qualquer debate.

De Roger Douglas e a continuação com Ruth Richardson pra cá, a Nova Zelândia teve diversas mudanças
políticas, incluindo a permanência de uma primeira-ministra do partido de esquerda do país (Labour
Party), Helen Clark, por quase nove anos (de 1999 a 2008).

Depois disso algumas medidas liberais foram postas em pratica. Não durou muito tempo, até que
surgissem economistas (que inclusive eram liberais) e começassem a reclamar e mostrando provas
cabais de que o sistema não estava mais funcionando, como mostra esse de 2010, feito por um
economista da Nova Zelândia que advogava por privatizações e liberdade de mercado e editou esse
pedido de desculpas chamado "O Deus do livre mercado não existe":
http://m.nzherald.co.nz/business/news/article.cfm?c_id=3&objectid=10676862

Desde então, eles têm tomado um cuidado maior é adotado algumas políticas "nacionalistas", que são
de caráter protecionista.
O país não tem um passado histórico de pobreza, de imensa desigualdade social, e de isolamento
político na política externa. É um “tanto faz” pequenino e arrumado. Lembrado por boa parte dos
brasileiros apenas para fazer intercâmbio barato, arrumar uns empregos de serviços gerais e aprender
inglês.

Alem disso, não se pode comparar uma roça desenvolvida dessas (assim como a Estônia) com uma
nação de volume continental, como os países pertencentes à denominação de “BRICs”.

A Nova Zelândia, além disso, junto com a Austrália, tem um dos maiores impostos do mundo, e ele é
progressivo (quanto mais você tem, mais paga), recaindo até mesmo em mercadoria. Toda a sua
estrutura e base para o desenvolvimento foi através de estatais, não pela iniciativa privada.

*Algumas fontes quanto a história da NZ:

http://www.teara.govt.nz/en/economic-history/page-11

http://www.treasury.govt.nz/publications/briefings/1990/

Só pra explicar melhor a base do desenvolvimento da Nova Zelândia:

- A Nova Zelândia criou vários programas que dão total suporte a sua economia, como o Technz, que
também é responsável por pesquisa, ciência, tecnologia.

- A Nova Zelândia criou DIVERSAS estatais nos últimos anos, das quais posso citar a:

Kiwirail (ferrovias)

Nz post (correios; essa é recente)

Transpower NZ (distribuidora nacional de energia)

Airwayz NZ (tráfego aéreo)

Kordia (emissora de TV)

Meridian Energy (energia elétrica)


A Nova Zelândia, junto com o Canada, Holanda, Bélgica, Irlanda , Monaco e Austrália tem os maiores
salários mínimos do mundo. Sério, equivale a R$ 5200,00, o mesmo que na Austrália ( se quiser checar

http://bit.ly/1mKLtkZ)

Algumas informações extras que desmentem a história de que o sucesso é graças ao liberalismo (não
tive tempo de traduzir):

https://www.righton.net/2016/09/02/revolution-and-the-myth-of-white-socialism/

http://www.wermodandwermod.com/newsitems/news090120120102.html

AUSTRÁLIA:

Sobre a Austrália:

Austrália:

- Maior salário mínimo do mundo

- Imposto progressivo (quanto mais rico, mais paga) altíssimo:

http://www.portaloceania.com/au-work-taxation-port.htm

- A Austrália é dependente do Capital britânico, por ser ex-colônia. A Inglaterra estabilizou quais
diretrizes e o modo de governar o país. Além disso, é usada como paraíso fiscal e lavagem de dinheiro
até hoje, igual várias ex colônias do Império Britânico.

Alguns artigos que falam sobre como foi feito o processo de descolonização e transformação desses
restos em paraísos fiscais:

http://www.resilience.org/stories/2013-06-20/treasure-island-tax-havens-and-the-men-who-stole-the-
world

http://taxjustice.blogspot.com.br/2010/09/rise-and-rise-of-britains-tax-haven.html
https://www.theguardian.com/business/2011/jan/09/truth-about-tax-havens-two

- Além disso, passou por várias reformas na infraestrutura, além de várias reformas agrárias durante sua
história

https://en.m.wikipedia.org/wiki/Land_reforms_by_country

- Tem literalmente um Estado de bem-estar social grande e interventor no social, além do salário
mínimo mais alto do mundo. (1)

- Foi uma colônia de povoamento, não de exploração, que nem aqui. Toda a mão de obra qualificada foi
pra lá, e é cheia de recursos.

(1) Acerca do Estado de bem-estar social e interventor no social que mencionei anteriormente:

1. Para tudo há conselhos de movimentos sociais (peak bodies), e os governos os consultam e prestam-
lhes satisfação regularmente (bit.ly/1san6Qa).

2. O governo paga até R$1562 de Bolsa Família (Parenting Payment,bit.ly/1pgKakt), sem qualquer
exigência como frequência escolar ou vacinação (no Brasil os beneficiários recebem em média R$5 por
dia para a família toda). A medida também existe na Nova Zelândia.

3. Não se pode fazer reforma em casa sem submeter seu projeto à consulta pública, através da
prefeitura, exigindo que se pendure um aviso na porta da tua casa por duas semanas ou mais para quem
quiser consultá-lo e apresentar objeções. Se os teus vizinhos não gostarem da ideia, a prefeitura não
aprova (bit.ly/10jbDX2).

4. Há piscinas públicas nas praias e churrasqueiras nos parques de uso gratuito, pagas com o bolso do
contribuinte.

5. As cláusulas dos contratos de aluguel residencial são ditadas pelo governo do estado (bit.ly/1phlBE4).

6. Não se pode trabalhar de barman sem licença específica para servir álcool (RSA, onlinersa.com.au).

7. Não se pode vender álcool em mercados e supermercados; só em lojas licenciadas pelo Estado (bottle
shops, bit.ly/1DWVymW).
8. Não é permitido trabalhar de eletricista, encanador ou pedreiro sem licença do Estado (professional
license, bit.ly/1e43SWa).

9. Não é permitido abrir um cabeleireiro sem licença específica do Estado (business license,
bit.ly/1pgLuEb).

10. Tem ciclovia para todo lado e é proibido andar de bicicleta sem capacete ou na calçada. A multa por
não usar capacete é R$115 em Sydney (bit.ly/1uounCc), R$332 em Adelaide (bit.ly/1go9IaK) e R$400 em
Melbourne (bit.ly/1x2Ojsb).

11. Todos os filmes exibidos em cinemas, festivais e instituições de ensino precisam passar pela censura
(Classifications Board, classification.gov.au).

12. Não é permitido o marketing de cigarros e produtos de tabaco, nem mesmo na própria embalagem
(bit.ly/1mbSZIv).

13. O salário mínimo é R$5395 a.m. (bit.ly/1mKLtkZ)

14. Em Melbourne o governo subsidia 88% do transporte público (bit.ly/1wZ4AgK). A Prefeitura de São
Paulo subsidia 20%, para fins de comparação.

15. Os nativos que moram em áreas remotas recebem uma Bolsa Aborígene de R$76 a.m.
(bit.ly/1zrGz6q).

16. Paga-se em média R$3600 a.m. de impostos diretos e indiretos (no Brasil são R$830).

17. Tem 1 funcionário público para cada 13 pessoas (no Brasil tem 1 para cada 17).

18. Paga-se ao governo do estado R$235 a.m. para ter 1 vaga de carro na área central de Melbourne
para desestimular as pessoas a irem de carro para a cidade (congestion levy, bit.ly/1A3Vipo).

19. Os governos estaduais recomendam livros LGBT para pré-adolescentes (bit.ly/1tVjsxO).

20. Há vários tipos de Bolsa-Universitarios, direitos trabalhistas


(http://www.australia.gov.au/information-and-services/jobs-and-workplace/working-conditions) e até
mesmo uma lei que, se você quiser ser jogador de futebol, e nenhum clube te contratar, o governo é
obrigado a cobrir suas despesas e te dar moradia popular e salário mínimo.
Em uma análise geral, a Austrália é uma mina-fazendão gigante, do tamanho da Região Norte do Brasil,
isso com um vácuo territorial enorme no deserto, que torna ainda menor que a Região Norte, para
considerações. Ela tem 20 milhões de bocas pra alimentar.

20 milhões é um décimo da população brasileira, pessoal. UM DÉCIMO. Isso faz uma puta DIFERENÇA,
gente. Comparar isso com o Brasil chega a ser ridículo.

A economia australiana independente é , e se construiu como exportadora de produtos primários.


Inclusive, destrói rios explorando minérios, até fora do país, em países periféricos através da SAMARCO
(já que é controlada pela BHP australiana).

Mas o segredo da economia australiana, é que ela está atrelada a economia chinesa, ou seja, está
havendo uma diminuição da exportação de commodities. Fonte:

http://graphics.wsj.com/risks-to-australias-economic-miracle/

A economia chinesa estava, mais até durante 2008, baseada nos deficits comerciais dos EUA com a
mesma e outros países, tirando vantagem da baixa elasticidade-preço (tanto pra cima quanto pra baixo)
de seus produtos. A Austrália tirou vantagem diretamente dos déficits comerciais dos EUA, como
exportadora, e tirou mais vantagem ainda por estar atrelada a economia chinesa.

Vale algumas considerações acerca da economia australiana:

Primeiramente, essa visão de seu comportamento liberal deve-se pelo fato que possui um aprofundado
direito à propriedade para pelo menos nove décimos da população junto às baixas limitações de macro-
negócios, o que compensa em uma limitação maior nos aspectos de labor - valendo lembrar que os
gastos governamentais já possuem incidência crescente assim como os aspectos fiscais, como falei (1)(2)

O PIB australiano vem decaindo desde 2013, onde era, em dólares americanos, 1,5 trilhão, estando hoje
abaixo de 1,34 trilhão (3), caindo também seu GNI em de 5 mil dólares americanos (3), e tendo uma
queda de crescimento do PIB, de 4,48% (em 2007) para 2,6% (em 2014), decaindo em cerca de 7 anos,
aproximadamente 2% do seu crescimento anual (3). Sua dívida pública também cresceu enquanto
diminuíram-se os investimentos, porém um aspecto que compensou foi o aumento do preço das ações -
como isso não é-se suficiente para uma plenitude econômica, espera-se um decrescimento na economia
(4).

Eu não diria que ela pode ser chama de um sucesso, atualmente está incerta e suas expectativas para o
futuro (2) mediante às políticas econômicas australianas (1) não são realmente boas para o país como
um todo. Talvez para o povo essa realidade não seja tão próxima, mas na estrutura da economia do
governo é diferente...

________________________
(1) http://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/44224286/ORANI-
G_A_general_equilibrium_model_of_t20160330-18629-
1jg0ngf.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAJ56TQJRTWSMTNPEA&Expires=1481326910&Signature=OnQlUE1pN
Dgm%2B8rD8slPzP1o4qY%3D&response-content-disposition=inline%3B+filename%3DORANI-
G_A_general_equilibrium_model_of_t.pdf

(2) https://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr&id=YQc5AAAAIAAJ&oi=fnd&pg=PR9&dq=australian+economy&ots=DhssajVYzq&sig=jvFo6Iyz0D
MJ49ml3E_vgXqO0Ag#v=onepage&q=australian%20economy&f=false

(3) http://data.worldbank.org/country/australia

(4) http://www.worldcat.org/title/orani-a-general-equilibrium-model-of-the-australian-economy-
current-specification-and-illustrations-of-use-for-policy-analysis/oclc/27487614

(5) http://www.abc.net.au/news/2016-12-07/economic-growth-gdp-data-abs/8099480

Enfim, tirando esse fator, o passado, o Estado de bem-estar social, a ajuda e lavagem de dinheiro da
Inglaterra, o boom da Austrália já passou, o seu crescimento acabou, como mostrei ali na questão do PIB
e nas outras infos. Em grande parte por causa do problema da China agora também. E agora a Austrália
tambem sofre algumas consequências econômicas na economia, graças aos efeitos do próprio
liberalismo.

Deixo o texto abaixo do livro "The Failure of Free Market Economics" de um economista australiano
sobre a gravidade de algumas coisas na Austrália e de como agora o liberalismo está estagnando ela. A
curiosidade é que o autor é um ex-think thank liberal, entusiasta do liberalismo, e que depois se
desiludiu totalmente ao ver os resultados mostrados.

'Feil and Spooner are angry men, and rightly

The basic concept behind free-market economics is simple and seductive: the government should not
attempt to pick winners by granting assistance to specific industries, and it should only intervene in the
marketplace when there has been a substantial market failure. The only trouble with this theory — as
the global economic disaster has shown — is that it is based on ideology, not evidence, and it can’t
withstand contact with reality.

For decades, Australia has been an enthusiastic adopter of the free-market approach. The consequences
— such as mass privatisations, tariff reforms, and flexible wages and conditions — have been lauded by
the booming financial sector and the political class. Unnoticed in the hubbub, though, has been the
annihilation of the manufacturing sector — which has resulted in 20 years of monthly current-account
deficits and a foreign debt approaching $650 billion — and an economy dominated by footloose capital
and tax-averse multinationals.
Despite propaganda to the contrary, employment in Australia is now increasingly characterised by low-
paid and insecure jobs in service, logistics, and retail industries.

The Failure of Free-Market Economics explains how the triumph of a fundamenmentally flawed
economic orthodoxy has weakened the Australian economy and now threatens our future. It also offers
a range of practical reforms that the author argues are essential and urgent. This is a unique perspective
from a highly qualified expert who started his career inside the free-market establishment and has
ended up as a ‘true unbeliever’ in its ideas.

Livro:

https://scribepublications.com.au/books-authors/books/the-failure-of-free-market-economics

Êxodo masculino

Graças aos problemas que a Austrália está passando, ela está tendo um êxodo masculino de pessoas em
busca de empregos mais estáveis. O "paraíso liberal" tem êxodo masculino, hehe.

"More and more Aussie men are moving overseas for work. " http://www.news.com.au/yes-its-true-
australia-is-experiencing-a-man-drought/news-story/6b4f141beb5583eb7156891ad2a97772

http://www.dailymail.co.uk/news/article-3016003/Every-week-healthy-Australian-woman-freezes-eggs-
man-drought.html

COREIA DO SUL:

De longe a mais fácil.

A Coreia do Sul, protege toda sua produção interna.

Recomendo lerem "The Birth of Korean Cool", A autora Euny Hong explora as origens e os sucessos do
programa protecionista — que é pesadamente financiado e coordenado por agências governamentais
sul-coreanos — conhecido como Hallyu, ou "A Onda Sul-Coreana". O governo sul-coreano utiliza a
Hallyu como parte de um amplo programa criado para proteger o "poder brando" da Coréia do Sul.

Ela relata tb o crescente nacionalismo que impregnou as escolas da Coréia do Sul e toda a sociedade, a
necessidade de se conformar com a ordem vigente, e a deferência geral que os sul-coreanos têm para
com o estado e a nação, ao mesmo tempo em que um comportamento "individualista" é considerado
uma espécie de patologia social.
A economia japonesa é há muito tempo influenciada e até mesmo dominada por grandes corporações
ligadas umbilicalmente ao governo — entidades essas conhecidas como keiretsu e zaibatsu —, a Coréia
do Sul também apresenta um arranjo análogo, cujas empresas são conhecidas como chaebols. A
Samsung é um chaebol. A samsung é responsável por um quinto do PIB da Coréia do Sul. O que
acontece lá é o famoso corporativismo, que os liberais tanto odeiam.

Não só isso, como 2 fatores importantes. O primeiro é que os EUA financiou a Coreia do Sul durante a
guerra fria, estrategicamente por precaução, por causa da Coreia do Norte socialista. Financiou e
emprestou dinheiro sem duvidas, deu oportunidade, ajudou na construção da infraestrutura, perdoou
dívidas, e fez reformas sociais.

O outro fator é que, o que lançou a Coreia do Sul como desenvolvida industrialmente foram PLANOS
QUINQUENAIS, isso mesmo. Planos quinquenais, haha.

Durante o Regime de Bretton Woods (60-70), a economia coreana teve um período de


desenvolvimento, o que está relacionado ao fato do regime de BW permitir o protecionismo, regulação
nacional do crédito e tolerava a penetração dos mercados desenvolvidos via exportação.

O seu balanço de pagamentos, inicialmente frágil e dependente de ajuda externa, transformou-se numa
posição externa crescentemente sólida, baseada na sua reconhecida competitividade em setores de alto
valor agregado e conteúdo tecnológico.

Os anos 50 foram os anos mais complicados para o seu desenvolvimento industrial, com uma industria
pesada quase que inexistente e com uma burguesia nacional muito dependente do Estado. Durante esse
período, as medidas do governo, com apoio dos EUA, foram: 1) suporte à industrialização de bens de
consumo não-duraveis, de baixa intensidade de capital, através de combinação clássica de crédito
favorecidos e de licenças de importação; 2) criação de grupos capitalistas nacionais, através de
operações subsidiadas de privatizações de várias empresas que haviam sido encampadas pelo governo
como herança de colonização japonesa; 3) sob pressão americana iniciou-se a implantação de uma
ampla nova base social de apoio ao regime, sob forma de uma pequena burguesia rural; 4) grande
esforço de alfabetização e de desenvolvimento do ensino básico.

Após 1962, a Coréia do Sul embarcou numa série de planos qüinqüenais para o desenvolvimento
econômico. A ênfase foi direcionada ao comercio exterior com a normalização das relações com o Japão
em 1965 e houve uma subseqüente “explosão” no comercio e nos investimentos, seguida de uma rápida
expansão das indústrias leves e pesadas nas décadas de 60 e 70, que foi o que lançou a Coreia do Sul
como relevante economicamente.

Antes dos anos 60, a Coréia do Sul era tradicionalmente baseado na agricultura, porém pós 1962 inicia-
se um dinamismo industrial com uma série de planos econômicos e com objetivo de desenvolvimento
da manufatura leve para exportação. Esse começo da industrialização coreano teve auxilio dos EUA e do
Japão, especialmente na assistência técnica. Na década de 60, a Coréia do Sul inicia uma nova fase do
seu desenvolvimento e que se estendeu até o final da década de 70. Foi um período de grande avanço
da industrialização, através de sucessivos planos qüinqüenais. Dentro desse período, o crescimento e
desenvolvimento foram influenciados em grande parte pelo planejamento estatal e da seqüência de
objetivos claramente definidos nesse processo que viabilizou o desdobramento da industrialização.
No inicio dos anos 60, a estrutura industrial ainda era estreita e pouco diversificada, baseada na
produção de consumo não-duraveis. Para libertar-se da escassez de divisas da grande dependência dos
EUA, o governo, em 1962-1967, lança um programa de investimentos (plano Qüinqüenal) para expansão
da indústria manufatureira com fortes incentivos à exportação para penetrar no amplo mercado
americano. O setor de produtos têxteis e confecções lideraram esse primeiro esforço exportador. Para
auxiliar o programa de investimento, o governo, no começo dos anos 60, estatizou os bancos, o que
permitiu a liberação de crédito para os setores selecionados. E, por fim, o governo unificou e
desvalorizou o cambio (estimular exportação) e também utilizou subsídios fiscais para incentivar os
programas.

Já o 2ºPlano Qüinqüenal (1967-1971) reiterou a estratégia de industrialização. Além disso, a formação


de capital social básico em infra-estrutura requeria um elevado volume de investimentos, garantidos em
grande parte por uma elevada taxa de poupança doméstica. O mercado interno também era alvo de
parte importante dos investimentos, à medida que a economia crescia, utilizando-se para tal o processo
de substituição de importações via proteção tarifária. Isto era inevitável, pois, à medida que o processo
de industrialização baseado em manufaturas leves avança, ficava cada vez mais evidente a necessidade
de estruturar a base pesada da indústria de insumos intermediária, cuja importação, crescente,
neutralizava recorrentemente o sonho de reduzir a dependência de empréstimos e de apoio financeiro
externo.

Nos anos 70, foi empreendida a industrialização pesada, liderada pelos grandes conglomerados de
propriedade familiar, levando a indústria coreana a produzir e exportar maquinaria elétrica, automóveis,
navios, produtos químicos e outros produtos; esses produtos tinham condições de grande
competitividade.

No início dos anos 70, o governo tem como preocupação em construir a indústria pesada. Com isso, o
3ºPlano Qüinqüenal (1972-1976) planeja a implementação das indústrias siderúrgica, petroquímica, de
cimento e prepara as bases dos setores de bens de capital sob encomenda (naval, maquina e
equipamentos) e da indústria automobilística. Os elevados requisitos de capital exigiram um esforço
adicional de endividamento e, com isso, o governo cria o Fundo Nacional de Investimento, que captou
recursos dos bancos e os oferecia a taxa de juros muito baixas (graças a subsídios orçamentários). A
indústria química e petroquímica recebeu especial atenção no início do terceiro plano. O esforço de
investimentos na construção da base pesada da indústria persistiu ao longo do 4ºPlano Qüinqüenal
(1977-1981).

No fim da década de 70, o processo de industrialização estava concluído: a base pesada da indústria
havia se constituído. Três conseqüências, relevantes, desse esforço devem ser destacadas: 1) a dívida
externa cresceu expressivamente; 2) aumentou muito a dependência de petróleo importado, como
resultado da prioridade concedida ao desenvolvimento da indústria petroquímica e do simultâneo
crescimento da frota de veículos; 3) aumentaram também as exportações.

A sustentação deste “drive” exportador exigiu esquemas adicionais de estimulo: os incentivos fiscais
foram aprofundados e, em 1976, foi criado o Eximbank coreano, com a missão especifica de financiar as
operações de exportações, com juros favorecidos.

O rápido crescimento das exportações, a realização de um elevado e sustentado volume de


investimentos fixos obrigarem a um forte crescimentos das importações (especialmente de bens de
capital).

BÔNUS:

Pra finalizar o "Destruindo mentiras liberais", deixo o link dessa palestra aqui.
Palestra de Nildo Domingos Ouriques completa:

https://www.youtube.com/watch?v=0fqoD0RDzY4

O Brasil já teve vários projetos desenvolvementistas, mas nunca dão certo porque tal projeto empaca na
nossa enorme desigualdade social. Não tem como um projeto desenvolvementista seguir em frente sem
reforma agrária, sem investimento maciço na educação para ter mão-de-obra qualificada, etc. também
não rola investimento em ciência e tecnologia, por isso nossas empresas na época dos militares apenas
reproduziam o que surgia no exterior, mas nunca criavam nada, não se desenvolvia tecnologia nacional,
mesmo a EMBRAER era totalmente dependente de motores estrangeiros para construção dos aviões,
enquanto os países avançados não respeitavam patentes e investiam horrores em ciência e tecnologia.
Os projetos desenvolvementistas no Brasil são sempre assim, pela metade e jamais ousando enfrentar
nossa oligarquia, que existe graças a nossa desigualdade social absurda. Como resultado, são projetos
que dão uma turbinada fodida na economia no início, mas depois morrem na praia. Uma pena.

P.S: se perceberem bem, vocês vão sacar algo subliminar no vídeo do Nildo. O Nildo é muito inteligente
e sabe o que rola, só não deixa claro para não chocar.

"Salário alto, capitalista investe em ciencia e tecnologia para expulsar trabalhador"

Ele nem continuou a falar disso, ele sabe que isso desenvolve o país, mas ao mesmo tempo leva o
capitalismo para o buraco mais rapidamente. A China já começou seu movimento de expulsão maciça
de trabalhadores de indústria porque o salário por lá aumentou. É assim em todo lugar. O Nildo sabe
que com menor mais-valia produzida, caem os lucros e o sistema vai para o saco. Ele só não fala isso
claramente pois já é algo que abarca a questão quanto às bases do Capitalismo.

Extra: contribuição de Luiz Gonzaga Teixeira.

Acho o texto correto pontualmente, mas no geral comete um erro muito grave. Um pouco de Galbraith
e Myrdal resolveria o problema. A formação da riqueza de um país é um processo extreammennte
complexo. Começa pricipalmente com a formação da agricultura. Depois a agricultura dá nascimento ao
comércio. Etc. Urbanização. Industrialização. E paralelamente a constituiçao de um patrimônio
complexo cultural, de infraestrutura, de uma economia bem institucionalizada etc. O que vemos no
século XX, passando ao XXI, é que alguns países resolveram questões gargalo e que daí pra frente
começaram a se desenvolver rapidamente. Muitas vezes, como diz o texto acertadamente, ou todas as
vezes, à custa de países mais pobres. Ou pelo colonialismo militar, ou pela soma do exército com a
exploração econômica, ou apenas pela exploraçao através da exportação de bens industriais em troca
de bens primários e secundários, que agregam pouco preço. Mas não é aí que eu queria chegar. É sim
que com exceções de pequenos países, ou de países muito grandes, particularmente China e ìndia, os
países que se desenvolveram foram países europeus ou colonizados temperados, mas principalmente os
temperados, inclusive da ásia. O gargalo nesse últimio caso era o acesso à tecnologia ocidental. E os
países pobres ou eram muito frios, poucos, ou muito quentes. Então, o governo, políticas etc.,
evidentemente têm um peso, mas muito pequeno na explicação.
ORDOLIBERALISMO E A ALEMANHA OCIDENTAL
Rian Lobato 27/12/2016

Ultimamente, algo que se fala muito é quanto ao "ordoliberalismo". É o pessoal do "vamos ser sensatos
e moderados". "Veja bem, economia de mercado é bom, mas o Estado tem que botar alguns limites". O
maior exemplo desse pessoal é a Alemanha do pós-SGM. Segundo eles, a Alemanha era e é ordoliberal,
e vejam só: a Alemanha é uma maravilha econômica.

Porém, a verdade é que não há nada de novo nisso. Ordoliberalismo não é nenhum tipo de meio termo.
É fundamentalmente liberalismo hayekiano com supervisão estatal. E tampouco foi o ordoliberalismo o
responsável pela reconstrução e subsequente prosperidade da Alemanha. A realidade é muito diferente.

Ao fim da segunda guerra mundial a dívida externa da Alemanha era de 40% do PIB e a dívida interna
era de 300% do PIB. Sim, o país estava afundado em dívidas, além de devastado. Inicialmente, para os
Aliados, isso estava ótimo. O objetivo inicial era o desmonte total da indústria alemã para transformar o
país em país exportador de commodities, um país de terceiro mundo, para todos os efeitos.

O problema é quando começou a Guerra Fria. Então, começou a disputa entre bloco ocidental e bloco
oriental. Parte dessa disputa operava no âmbito da propaganda. Vender o seu modelo para o vizinho
como o melhor modelo. E a Alemanha estava ali, no meio do caminho. Até cortado no meio. A
Alemanha Oriental era a vitrine do comunismo para o Ocidente. A Alemanha Ocidental era a vitrine do
capitalismo para o Oriente.

Assim sendo, era fundamental que a Alemanha Ocidental fosse o país mais estável e próspero possível.
Até porque, os EUA estavam apavorados com a possibilidade de revoluções na Europa Ocidental por
causa da força dos movimentos sindicais e organizações de esquerda em vários desses países.
Então o que foi feito? Plano Marshall. O equivalente moderno a 14.5 bilhões foi para a Alemanha. Uma
quantia boa (à época do Adenauer o o Plano Marshall equivalia a 4% do PIB), mas não foi isso que
reconstruiu a Alemanha. O que reconstruiu a Alemanha foram os outros "detalhes" do Plano Marshal.

Fundamentalmente, o "alívio de dívida". Aproximadamente 90% da dívida pública alemã foi descartada.
Parte considerável das reparações, ainda, foi adiada sem prazo e nunca foi paga. Enquanto os outros
países europeus, em sua maioria, "largaram" afundados em dívidas que somavam até 200% do PIB, a
Alemanha tinha só 20% de seu PIB comprometido por conta da dívida.

Isso significa que o Estado alemão dispunha de recursos muito mais amplos para investir, aplicar e criar
benefícios. Além desse sumiço na dívida pública, os credores ainda aceitaram receber o dinheiro em
marco alemão, que à época não valia quase nada. Foi imposto um TETO (!) para o pagamento da dívida
equivalendo a 5% do valor das exportações (!), um limite para a cobrança de juros (!) e os outros países
europeus ainda firmaram compromisso de comprar produtos alemães sempre que possível para auxiliar
a recuperação de sua indústria e fomentar mercado.

Em outras palavras: a Usurocracia Internacional Capitalista abriu uma brecha, soltou a Alemanha de
seus grilhões financeiros porque era fundamental que a Alemanha Ocidental desse certo (do outro lado,
a URSS também fez tudo possível pela Alemanha Oriental, de modo que é quase unânime que esse era o
melhor país do Pacto de Varsóvia para se viver).

Tirando isso, a Alemanha Ocidental também investiu na manipulação cambial, mantendo por um bom
tempo o marco extremamente desvalorizado, de modo a facilitar exportações e dificultar importações.
Mesma tática utilizada pelo Japão até hoje. Só que isso é medida protecionista (e extremamente sacana)
bruta, totalmente por fora de qualquer "ordoliberalismo".

Um terceiro fator fundamental é também fruto do "totalitarismo" e nada tem a ver com qualquer
"ordoliberalismo". Fruto da herança econômica do Terceiro Reich e especialmente dos últimos anos do
governo e do ministro Albert Speer, a relação Estado-empresa estava perfeitamente ajustada para a
máxima eficiência produtiva. Era uma relação refinada e apurada, imposta pelas necessidades do
esforço de guerra, que só é imaginável dentro do totalitarismo e de uma quase-planificação. E a
Alemanha Ocidental herdou esse afinamento Estado-empresa, sem os aparatos totalitários anteriores.

Ou seja: Cancelamento da dívida, adiamento eterno do pagamento de reparações (menos para Israel,
judeus, ciganos, etc., claro), teto para gastos anuais com dívida e juros da dívida, teto para incidência de
juros da dívida pública, mercado para bens industriais garantido, manipulação cambial, herança
econômica totalitária de sincronia Estado-empresa.

E o "ordoliberalismo" nisso tudo? Em lugar nenhum. É apenas o que se vê ali com legislação antitruste e
amplo Estado de Bem-Estar Social. Só que por trás disso? Tudo o que falamos acima. Depois de um
tempo, aliás, o ordoliberalismo passou a perder influência teórica e hoje está centrado mesmo na
Universidade de Freiburg.
Fontes:

https://www.youtube.com/watch?v=DV8DsMmS65I

http://eh.net/eha/wp-content/uploads/2013/11/Vonyo.pdf

http://www.france24.com/en/20150129-london-agreement-1953-debt-write-germany-economic-
miracle-greece-austerity
CHILE E O EXPERIMENTO NEOLIBERAL
Rian Lobato 27/12/2016

Um texto meu desmistificando a ideia de que o Chile, um país sub-desenvolvido, dividido, que hoje usa
de várias medidas social-democratas e dependente da mineração de cobre via trabalho quase escravo, e
uso através da estatal CODELCO, seria um sucesso do liberalismo.

Podemos começar por um dado interessante: centenas de milhares de pessoas deixaram o Chile
durante o governo de Pinochet, das quais 200 mil fugiam da perseguição política. E o restante? Fugiram
da pobreza e desemprego em alta e direitos trabalhistas em baixa durante o período ditatorial. Pinochet
provocou um verdadeiro êxodo chileno. Essa é a hora que o liberal que vive falando das fugas de Cuba,
fica quieto.

Obs: gráficos nos comentários

Como podemos observar no gráfico 1, nos comentários, durante este período o desemprego aberto no
Chile se manteve muito acima da média sul-americana, variando entre um máximo de 20% e pouco
menos de 10%.

A seguir, no gráfico 2 dos comentários, podemos observar a evolução da inflação e desemprego entre
1960 e 2007. Reparem que a inflação só fica abaixo de 10% a partir de 1994, quatro anos após o fim da
ditadura pinochetista. O período de máxima inflação se dá entre 1972 e 1978, mas o fenômeno da alta
inflação era anterior, com picos e quedas, sempre com dois dígitos, sem esquecer, ainda, que o governo
da UP/Allende sofreu campanhas de sabotagem econômica, como o açambarcamento (prática de
esconder mercadorias para forçar o aumento do preço) e greves patronais que confluíram para provocar
crises de escassez e inflação. Em compensação, a política de emprego foi um verdadeiro sucesso, com a
vigência do pleno emprego durante a presidência de Allende. Após o golpe, porém, à medida que a
liberalização econômica era aplicada, o desemprego aumentava, ultrapassando os 20% em 1983, quase
empatado com a inflação que se aproximava dos 25%. De 1975 a 1987, o desemprego não ficou abaixo
dos 10%.
Depois de Pinochet assumir (setembro de 1973), com a imposição de medidas liberais, a tendência à
redução da desigualdade é invertida, resultando no auge da desigualdade de renda nos últimos anos do
regime ditatorial. A partir dos anos 1990 a desigualdade tem uma redução brusca, e em seguida um
aumento gradual. Esse aumento da desigualdade de renda no período pode ser considerado ainda mais
grave, se levarmos em conta a reversão da Reforma Agrária e a privatização de serviços públicos, como
a educação e previdência. Como apenas o serviço público pode garantir o acesso igualitário a vários
produtos (educação, saúde, previdência, eletricidade, água, esgoto, transporte, telefonia…), é de se
supôr que a privatização e desregulamentação deixou operários e camponeses ainda mais
desamparados.

Abaixo, no gráfico 3, podemos observar a evolução da desigualdade de renda individual, medida pelo
índice Gini, no período de 1957-2007. De início, é possível verificar que no governo Allende se inverte a
trajetória de aumento da desigualdade de renda, levando ao período mais igualitário, fato que é ainda
mais reforçado caso recordemos do avanço da Reforma Agrária (que reduz o índice Gini rural), educação
e saúde públicas.

Um dos legados de Pinochet, até mesmo em relação à renda nacional a política econômica do regime
não parece ter sido favorável. O Chile tinha uma renda média por habitante um pouco acima da média
latino-americana. A partir da campanha de sabotagem econômica patrocinada pelos EUA e burguesia
chilena, a renda cai no final do governo Allende, e só recupera a sua posição acima da média latino-
americana depois do fim do regime de Pinochet. Com uma diferença fundamental: enquanto Allende
sofreu sabotagem, Pinochet beneficiou-se de auxílio e apoio da elite interna e externa, através do
governo dos EUA, além da colaboração e investimentos externos diretos. Mesmo assim, apenas no pós-
ditadura houve recuperação da antiga posição, como vemos no gráfico 4.

No período pós-regime, houve abandono parcial da agenda neoliberal e melhoras sociais e econômicas
por meio de governos da Concertácion (coalizão entre socialistas e social-democratas)

No gráfico 5 abaixo podemos verificar a incidência de pobreza extrema urbana em três países sul-
americanos. Chile e Brasil seguem uma trajetória semelhante na redução gradual dessa miséria urbana
em duas décadas. No caso chileno, a redução da pobreza coincide com o fim do regime pinochetista.
Estas tendências provavelmente são devidas aos programas sociais promovidos pelos governos
democraticamente eleitos pós-regime, muitos dos quais, social-democratas.

O gráfico 6 abaixo mostra a gradual redução da pobreza extrema após o fim do regime de Pinochet.
Observe que a miséria atingia quase metade de população residente no Chile nos últimos anos do
regime. Comparando com os gráficos anteriores, é possível inferir que a pobreza extrema pode ter sido
muito maior no período de maior desemprego, entre 1982-86. Mais uma vez, é provável que a redução
da pobreza extrema tenha sido resultado de uma política social progressista, implantada pelos
governantes eleitos e pressão de movimentos populares que adquirem maior margem de manobra
quando há um mínimo de direitos civis e políticos garantidos.

O que esses dados mostram é que o governo da UP/Allende foi capaz de garantir a redução da
desigualdade e o pleno emprego, enquanto as medidas liberalizantes do regime tiveram como resultado
o aumento da desigualdade, desemprego e miséria, com resultados muito fracos no controle da
inflação. A inflação já tinha viés de alta antes de Allende, alcançando os 50% anuais entre 1972 e 1978,
ou seja, final do governo Allende e início do governo Pinochet, mas só ficou abaixo de 10% depois do fim
de Pinochet.

O desemprego, a miséria, a desigualdade, a inflação e a renda média por habitante tiveram melhora
sensível a partir dos governos eleitos, e, mesmo assim, apenas a inflação e a renda média podem ser
considerados satisfatórios. Essa melhoria de indicadores de emprego e distribuição de renda pode ser
explicada por uma parcial reformulação da política econômica neoliberal nos últimos anos do próprio
regime de Pinochet. A verdade é que Chile foi um laboratório.

Outro motivo foi as medidas feitas pelos governos da Concertación, que, no entanto, mantiveram vários
princípios neoliberais que são ainda motivo de insatisfação e revolta na juventude chilena;

A conjuntura internacional favorável, com o aumento do preço do cobre, principal produto de


exportação chileno ( CODELCO) no mercado mundial.

Sendo assim, a dependência da economia chilena em relação aos preços internacionais do cobre é um
calcanhar de Aquiles. Mas mesmo sob conjuntura externa favorável, a política neoliberal chilena, apesar
de todas as correções e ajustes ao longo de 40 anos, contribuiu apenas para aprofundar os graves
problemas de exclusão social do Chile. As grandes mobilizações da juventude chilena, apesar da forte
repressão policial, estão aí para mostrar que há problemas neste “paraíso”.

Prova disso é a questão da previdência e educação.

Quer dizer, se o povo da Venezuela vai na rua protestar contra o governo, é pq ele tá fazendo cagada. E
eu não nego que tá.

Se o povo do Chile vai na rua pedir por reformas urgentes em um sistema fracassado que não melhorou
a vida de ninguém e só deu conforto pra quem tinha grana, então são "comunistas vagabundos"?! Me
poupe.

O sistema de previdência chileno caiu em ruínas desde 1981, quando foi entregue para iniciativa
privada, ficou uma MERDA, que causou vários estragos.

Os números dão razão às críticas do sindicalista. No geral, a média das aposentadorias chilenas não
supera os 180 mil pesos (R$ 883, ao câmbio de hoje). Entre as mulheres, essa média é ainda mais baixa –
entre 110 mil e 120 mil pesos (R$ 540 e R$ 589) — porque cálculos para a aposentadoria levam em
conta a expectativa de vida mais alta. No Chile, a expectativa de vida é de 90,3 anos para mulheres e
85,2 anos para os homens. Quanto mais vivem os chilenos, menores são suas pensões.

“Nós somos os donos desses fundos, mas eles sequer ouvem a nossa opinião sobre os investimentos
que fazem com o nosso dinheiro. Apenas uma parcela muito pequena da rentabilidade dos fundos de
pensão reverte para as nossas contas individuais. Mas quando os negócios vão mal para uma AFP e ela
perde dinheiro em maus investimentos, os prejuízos chegam sem desvios às nossas contas”, afirma
Chandía em artigo publicado no Chile no último 12 de agosto.

Pra não falar que em 2008,com o modelo privatizado, baseado em contas individuais, a previdência
chilena só cobria 55% da força de trabalho do país. O resto que se fodia. Dai começaram as
manifestações e o povo chileno conseguiu algumas reformas, e segue pedindo mais.

http://m.folha.uol.com.br/mercado/2016/08/1802709-apos-protestos-chile-busca-solucoes-para-a-
previdencia.shtml

http://brasileiros.com.br/2016/06/previdencia-chile-e-o-exagero-neoliberalismo/

Mais detalhes:

"O advento do "livre-mercado" levou a uma redução de barreiras. As cotas e tarifas protegeram as
indústrias ineficientes e mantiveram os preços artificialmente altos. O resultado foi que muitas
empresas locais perderam para as corporações multinacionais. A burguesia chilena que apoiou o golpe
em 1973, foi gravemente afectada. " [Skidmore e Smith, op. Cit., P. 138]

"O declínio da indústria doméstica custou milhares de empregos melhor remunerados. Olhando para o
setor têxtil, as empresas sobreviveram por causa de "custos trabalhistas reduzidos e aumento da
produtividade". O setor tem "baixos salários reais, que alteraram drasticamente" sua competitividade
internacional. Em outras palavras, a indústria têxtil chilena "se reestruturou sugando o sangue sobre os
trabalhadores". [Peter Winn, "Nenhum milagre para nós", Winn (ed.), Op. Cit., P. 130]

As minas foram "extremamente rentáveis depois de 1973 por causa do aumento da disciplina do
trabalho, da redução dos custos devido à contração dos salários reais e do aumento da produção com
base em programas de expansão iniciados no final da década de 1960". [Thomas Miller Klubock, "Classe,
Comunidade e Neoliberalismo no Chile", op. Cit., P. 241]

Essa foi a base real do "milagre econômico" de 1976 a 1981 que Friedman elogiou em 1982. E como
vemos, ela beneficiou minimamente uma burguesia de fora, com base na exploração pesada e pobreza
da população.

Como na maioria das experiências liberais, o "milagre" pós-1975 foi construído sob a areia. Foi "uma
bolha especulativa que foi saudada como um" milagre econômico "até que estourou em 1981-82 o
crash bancário, o que trouxe a desregulamentada economia chilena para o ralo.

Era "capital especulativo, em grande parte de curto prazo, produzindo uma bolha nos valores do
mercado de ações e do mercado imobiliário, e "em 1982 a economia estava em ruínas. O Chile estava na
agonia de sua pior crise econômica desde a depressão dos anos 1930. Um ano depois, protestos sociais
massivos desafiaram as forças de segurança de Pinochet [Winn, op. Cit., P. 38]

Assim "o fundo caiu fora da economia" e o PIB do Chile caiu 14% em um ano. Somente na indústria
têxtil, cerca de 35 a 45% das empresas falharam. [Collins e Lear, op. Cit., P. 15]

Assim, depois de 7 anos de capitalismo de mercado livre, o Chile enfrentou outra crise econômica que,
em termos de desemprego e queda do PIB, foi ainda maior do que a experimentada durante o terrível
choque de 1975. Os salários reais caíram acentuadamente, caindo em 1983 para 14% abaixo do que
tinham sido em 1970. As falências dispararam, assim como a dívida externa eo desemprego. [Rayack,
op. Cit., P. 69]

O PNB do Chile "caiu mais de 15%, enquanto o PNB real descartável diminuiu 19%, o setor industrial, e
contraiu mais de 21%, e a construção em mais de 23%, além disso, as falências triplicaram. Foi uma crise
comparável à A Grande Depressão dos anos 1930, que afetou o Chile mais severamente do que
qualquer outro país do mundo. O mesmo pode ser dito desta crise, pois enquanto o PNB no Chile ficou
em 14% durante 1982-3, o resto da América Latina experimentou queda de 3,5% como um todo. [Winn,
op. Cit., P. 41]

Em 1983, a economia chilena estava devastada e foi apenas no final de 1986 que o Produto Interno
Bruto per capita (mal) igualou o de 1970. O desemprego (incluindo os programas governamentais de
trabalho) aumentou para um terço Da força de trabalho em meados de 1983. Em 1986, o consumo per
capita era na verdade 11% menor que o de 1970. [Skidmore e Smith, op. Cit., P. 138]

Diante deste colapso econômico maciço (um colapso que de alguma forma escorregou da mente de
Friedman quando avaliou a experiência chilena em 1991 e rotulou como milagre), o regime organizou
um resgate maciço. Milton Friedman resistiu a esta medida, argumentando com arrogância dogmática
que não havia necessidade de intervenção do governo ou mudanças políticas porque acreditava que os
mecanismos de auto-correção do mercado resolveria qualquer problema econômico.

No entanto, ele estava aplicando uma versão simplista de livros didáticos de economia para uma
realidade complexa que era espetacularmente diferente de suas suposições. Quando essa realidade se
recusou a responder do modo predito por sua reflexão ideológica, o Estado entrou em cena
simplesmente porque a situação se tornara tão crítica que não poderia evitá-la.

O regime fez algumas coisas para ajudar os desempregados, com 14% da mão-de-obra inscrita em dois
programas governamentais de trabalho que pagavam menos do que o salário mínimo em outubro de
1983. No entanto, a ajuda para a classe capitalista era muito mais substancial. O FMI ofereceu
empréstimos ao Chile para ajudá-lo a sair da bagunça que suas políticas econômicas ajudaram a criar,
mas sob condições rígidas (como tornar o público chileno responsável pelo pagamento dos bilhões em
empréstimos externos contratados por bancos e empresas privadas). O resgate total custou 3% do PNB
do Chile por três anos, um custo que foi repassado à população (esta "socialização das dívidas privadas
era ao mesmo tempo marcante e desigual"). Isto segue o padrão usual do capitalismo de "mercado
livre" - disciplina de mercado para a classe trabalhadora, ajuda estatal para a elite. Durante o "milagre",
os ganhos econômicos foram privatizados; Durante o acidente, o fardo para o reembolso foi socializado.
De fato, a intervenção do regime na economia foi extensa é necessária que, "[com] uma ironia
compreensível, os críticos satirizaram o "caminho de Milton Friedman para o socialismo ". [Winn, Op.
Cit., P. 66 e p. 40]

Significativamente, dos 19 bancos que o governo tinha privatizado, todos, menos cinco falharam. Estes,
juntamente com as outras empresas falidas caiu de volta nas mãos do governo, um fato que o regime
procurou minimizar ao não classificá-los como empresas públicas. Uma vez que as dívidas foram
"assumidas pelo público", seus "bens foram vendidos a interesses privados". Significativamente, "um
banco que não tinha sido privatizado e as outras empresas de capital aberto, sobreviveram à crise em
relativamente boa forma e quase todos eles estavam "lucrando, gerando para o governo em lucros e
impostos 25% de suas receitas totais (...) Assim, as empresas públicas que haviam escapado às
privatizações dos Chicago Boys (...) permitiram que um governo com dificuldades financeiras
ressuscitasse os fracassados bancos privados e empresas ". [Collins e Lear, Milagre do livre mercado no
Chile: um segundo olhar, pp. 51-2]

Escusado será dizer que a recuperação (como o boom ilusório) foi paga pela classe trabalhadora. O
acidente de 1982 significou que "algo tinha que dar, e os Chicago Boys decidiram que seria salário." Os
salários, eles explicaram, deveriam ter permissão para encontrar seu nível natural. " Um decreto de
1982 "transferiu grande parte do ônus de recuperação e rentabilidade para os trabalhadores e tornou-
se central para a recuperação econômica do Chile durante o resto da década. [Collins e Lear, op. Cit., P.
20 e p. 19].

Para os mineiros, entre o final de 1973 e maio de 1983, os salários médios reais caíram 32,6% e os
benefícios dos trabalhadores foram reduzidos (por exemplo, a atenção médica gratuita e os cuidados de
saúde que tinham sido ganhos na década de 1920). [Thomas Miller Klubock, "Classe, Comunidade e
Neoliberalismo no Chile", Winn (ed.), Op. Cit., P. 217] Como Peter Winn resume:

"Os trabalhadores chilenos, que haviam pago os custos sociais do ilusório" milagre neoliberal", agora
pagavam também o preço mais alto pelos erros dos governantes militares de sua nação e dos
tecnocratas de Chicago, e pela imprudência dos capitalistas de seu país. A taxa de desemprego efetiva
acima de 30%, enquanto os salários reais para aqueles com a sorte de manter seus empregos caíram
quase 11% em 1979-82 e em cerca de 20% durante a década de 1980. Além disso, a inflação saltou para
mais de 20% E o superávit orçamentário deu lugar a um déficit equivalente a 3% do PNB em 1983. Até
então, a dívida externa do Chile era 13% maior do que seu PNB ... A economia do Chile contraiu 400%
mais em 1982-83 do que o restante Da América Latina ". ["A Era Pinochet", Winn (ed.), Op. Cit., Pp. 41-
2]

Sem surpresa, para a classe capitalista, a partir dessa época, as coisas eram um pouco diferentes. Os
bancos privados foram resgatados pelo governo, que gastou US $ 6 bilhões em subsídios durante 1983-
85 (equivalentes a 30% do PNB!), Mas foram sujeitos a uma estrita regulamentação governamental
destinada a assegurar a sua solvência. De capital estrangeiro ". [Winn, op. Cit., P. 42]

O governo também elevou as tarifas de 10% para entre 20 e 35% eo peso foi drasticamente
desvalorizado. [Collins e Lear, op. Cit., P. 15] O Estado de Pinochet assumiu um papel mais ativo na
promoção da atividade econômica a partir daí. Por exemplo, desenvolveu novas indústrias de
exportação que "beneficiaram uma série de subsídios, privatizações e desregulamentações que
permitiram a exploração irrestrita de recursos naturais de renovabilidade limitada."

Igualmente importantes foram salários baixos, grande flexibilidade dos empregadores em relação aos
trabalhadores, E altos níveis de desemprego ". [Collins e Lear, op. Cit., P. 20]

O setor florestal foi marcado por mão-de-obra governamental para os já ricos. Joseph Collins e John Lear
argumentam que os objetivos dos neoliberais eram restringir acentuadamente o papel direto do
governo na silvicultura e permitir que os mecanismos de mercado determinassem os preços e
direcionassem o uso dos recursos, no entanto a intervenção e os subsídios do governo eram de fato
essenciais para reorientar os benefícios da produção florestal longe da população rural para um
punhado de empresas nacionais e estrangeiras. " [Op. Cit., P. 205]

Em 1986, a economia havia se estabilizado e a crise havia terminado. No entanto, a recuperação foi
paga pela classe trabalhadora com "salários permantemente baixos", mesmo quando a economia
começou a se recuperar. Os baixos salários foram a chave para a celebração do "milagre" de
recuperação.

De 1984 a 1989 o produto nacional bruto cresceu uma média de 6 por cento anualmente. Em 1987, o
Chile recuperou os níveis de produção de 1981 e, em 1989, os níveis de produção ultrapassaram os
níveis de 1981 em 10%. O salário médio, em contraste, era 5% menor no final da década do que em
1981 - quase 10% menor que o salário médio de 1970. A queda do salário mínimo "foi ainda mais
drástica". A agitação pública durante a crise econômica tornou-a politicamente difícil de eliminar, de
modo que "foi permitida a erosão constante em face da inflação. Em 1988, era 40% menor em termos
reais do que em 1981. Nesse ano 32 por cento dos trabalhadores em Santiago ganhou o salário mínimo
ou menos"

Assim, "a recuperação e expansão após 1985 dependia de dois ingredientes insustentáveis a longo prazo
e em uma sociedade democrática: ou seja, "uma exploração intensificada da força de trabalho" e "a
exploração não regulamentada de recursos naturais não renováveis como florestas nativas e Áreas de
pesca, o que representava um subsídio único para conglomerados domésticos e multinacionais ".
[Collins e Lear, op. Cit., Op. Cit., P. 83, p. 84 e p. 35]

Em resumo, "o experimento foi um desastre econômico". [Rayack, op. Cit., P. 72]

Dado que o Chile não era um "milagre econômico", surge a questão de por que foi assim chamado por
pessoas como Friedman. Para responder a essa pergunta, precisamos perguntar quem realmente se
beneficiou do neoliberalismo imposto por Pinochet. Para fazer isso precisamos reconhecer que o
capitalismo é um sistema de classes e essas classes têm interesses diferentes. Esperamos que todas as
políticas que beneficiam a elite governante sejam classificadas como um "milagre econômico",
independentemente de como adversamente afetam a população em geral (e vice-versa). No caso do
Chile, foi precisamente isso que aconteceu.
Em vez de beneficiar a todos, o neoliberalismo prejudicou a maioria. Em geral, de longe, o grupo mais
atingido foi a classe trabalhadora, particularmente a classe trabalhadora urbana. Em 1976, o terceiro
ano da regra da Junta, os salários reais caíram para 35% abaixo do nível de 1970. Foi somente em 1981
que aumentou para 97,3% do nível de 1970, voltando a cair novamente para 86,7% em 1983. O
desemprego, excluindo os programas de trabalho estatais, foi de 14,8% em 1976, caindo para 11,8% em
1980 (Isto ainda é o dobro do nível médio dos anos 1960) só para subir para 20,3% em 1982. [Rayack,
op. Cit., P. 65]

Entre 1980 e 1988, o valor real dos salários cresceu apenas 1,2%, enquanto o valor real do salário
mínimo diminuiu 28,5%. Durante esse período, o desemprego urbano foi em média de 15,3% ao ano.
[Silvia Borzutzky, op. Cit., P. Mesmo em 1989, a taxa de desemprego ainda estava em 10% (a taxa em
1970 era de 5,7%) eo salário real ainda era 8% menor do que em 1970. Entre 1975 e 1989, o
desemprego foi de 16,7%. Em outras palavras, após quase 15 anos de capitalismo de livre mercado, os
salários reais ainda não excederam os níveis de 1970 e o desemprego ainda era maior. Como seria de
esperar nessas circunstâncias, a parcela dos salários no rendimento nacional caiu de 42,7% em 1970
para 33,9% em 1993. Dado que o elevado desemprego é frequentemente atribuído pelo direito a
sindicatos fortes ea outras "imperfeições" do mercado. Esses números são duplamente significativos, já
que o regime chileno, como mencionado acima, reformou o mercado de trabalho para melhorar sua
"competitividade".

Depois de 1982, "os salários estagnados e a distribuição desigual da renda reduziram severamente o
poder de compra da maioria dos chilenos, que não recuperariam os níveis de consumo de 1970 até
1989". [Collins e Lear, op. Cit., P. 25]

Em 1988, o salário real médio havia retornado aos níveis de 1980, mas ainda estava bem abaixo dos
níveis de 1970. Além disso, em 1986, cerca de 37% da força de trabalho trabalhava no setor informal.

Muitos trabalharam para o salário mínimo, que em 1988 forneceu apenas metade do que uma família
média exigia para viver decentemente - e um quinto dos trabalhadores nem sequer ganhavam isso.

Uma pesquisa concluiu que quase metade dos chilenos viviam em pobreza." [Winn, "A Era Pinochet",
op. Cit., P. 48]

Isto foi muito mais em termos absolutos e relativos do que em qualquer momento nas três décadas
anteriores. [Collins e Lear, "Trabalhando no Mercado Livre do Chile", op. Cit., P. 26]

O consumo per capita diminuiu 23% entre 1972 e 1987. A proporção da população abaixo da linha de
pobreza (renda mínima requerida para alimentação básica e habitação) aumentou de 20% para 44,4%
entre 1970 e 1987. A despesa per capita em saúde foi reduzida para mais de metade entre 1973 e 1985,
desencadeando um crescimento explosivo em doenças relacionadas com a pobreza, como a febre
tifóide, diabetes e hepatite viral. Por outro lado, enquanto o consumo para os 20% mais pobres da
população de Santiago caiu 30%, subiu 15% para os 20% mais ricos. A percentagem de chilenos sem
habitação adequada aumentou de 27% para 40% entre 1972 e 1988, apesar das afirmações do governo
de que iria resolver o problema dos sem-abrigo através de políticas favoráveis ao mercado. [Noam
Chomsky, Ano 501, pp.

Assim, após duas décadas de neoliberalismo, o trabalhador chileno pode esperar um emprego que
ofereça pouca estabilidade e baixos salários, geralmente um temporário ou um na economia informal.
Grande parte do crescimento do emprego após o acidente de 1982-1983 vieram em setores econômicos
caracterizados por empregos sazonais, e são notórios por seus baixos salários, longas horas de trabalho
e alto turnover.

Em 1989, mais de 30% dos postos de trabalho estavam no setor formal na região metropolitana de
Santiago, com rendimentos inferiores a metade da média do setor formal. Para os que tinham emprego,
"o ritmo de trabalho se intensificou e a jornada de trabalho aumentou. Muitos chilenos trabalhavam
muito mais tempo do que a semana legal máxima de trabalho de 48 horas sem serem pagos pelas horas
extras. As horas extraordinárias não pagas continuam a ser um problema sério em 1989. De facto, é
geralmente assumido que os trabalhadores trabalham horas extraordinárias sem pagamento ou então
e, sem surpresa, o padrão assemelha-se aos sistemas de produção europeus de meados do século XIX ".
[Collins e Lear, op. Cit., P. 22 pp. 22-3, p. 23, p. 24 e p. 25]

Como é de se esperar, como na América neoliberal, os salários se divorciaram do crescimento da


produtividade. Mesmo nos anos 90, há evidências de que o crescimento da produtividade superou o
crescimento dos salários reais tanto quanto uma relação 3: 1 em 1993 e 5: 1 em 1997." [Volker Frank,
"Política sem política", op. Cit., P. 73]

Como é de se esperar, como na América neoliberal, os salários se divorciaram do crescimento da


produtividade. Mesmo nos anos 90, há evidências de que o crescimento da produtividade superou o
crescimento dos salários reais tanto quanto uma relação 3: 1 em 1993 e 5: 1 em 1997." [Volker Frank,
"Política sem política", op. Cit., P. 73]

Comentários semelhantes são possíveis em relação ao sistema de pensões privatizado, que eu abordei
anteriormente, e considerado por muitos direitistas como um sucesso e um modelo para outros países.
No entanto, em um exame mais detalhado este sistema mostra suas fraquezas - na verdade, pode-se
argumentar que o sistema é apenas bom para as empresas que fazem lucros extensivos com ele (custos
administrativos do sistema chileno são quase 30% das receitas, em comparação com 1 % Para o sistema
de segurança social dos EUA [Doug Henwood, Wall Street, pág. 305]).

Para os trabalhadores, é um desastre. De acordo com a SAFP, a agência governamental que regula o
sistema, 96% da mão-de-obra conhecida foram matriculados em fevereiro de 1995, mas 43,4% destes
não estavam adicionando aos seus fundos. Talvez até 60% não contribuam regularmente (dada a
natureza do mercado de trabalho, isso não é surpreendente).

Infelizmente, contribuições regulares são necessárias para receber todos os benefícios. Críticos
argumentam que apenas 20% dos contribuintes irão realmente receber boas pensões.

Os trabalhadores precisam encontrar dinheiro para os cuidados de saúde, uma vez que a sua
"remuneração foi reduzida ao salário, terminando com a maioria dos benefícios que os trabalhadores
tinham adquirido ao longo dos anos [antes do golpe.] Além disso, a privatização de serviços sociais como
cuidados de saúde e segurança da aposentadoria. [Significou] que os custos foram agora tomados
inteiramente do salário do empregado. "

Sem surpresa, "as jornadas de trabalho e um ritmo de trabalho aumentaram a probabilidade de


acidentes e doenças. De 1982 a 1985, o número de acidentes de trabalho quase dobrou, mas os
especialistas em saúde pública estimam que mais de três quartos Dos acidentes de trabalho não foram
relatados, em parte porque mais da metade da força de trabalho é sem qualquer tipo de seguro de
acidente. [Collins e Lear, op. Cit., P. 20 e p. 25]

É interessante notar que quando este programa foi introduzido, as forças armadas e a polícia foram
autorizados a manter seus próprios planos públicos generosos. Se os planos eram tão bons quanto os
seus apoiantes reivindicam, você pensaria que aqueles que os apresentaram teriam se juntado a eles.
Obviamente o que era bom o suficiente para as massas não eram adequados para os governantes e os
detentores das armas de que dependiam. Dado o destino posterior desse esquema, é compreensível
que a elite dirigente e seus subordinados não quisessem que os intermediários fizessem dinheiro com
suas economias e não confiasse em suas pensões às flutuações do mercado de ações. Seus sujeitos,
entretanto, tiveram menos sorte. Em suma, o sistema privatizado de previdência social do Chile
"transferiu a poupança dos trabalhadores na forma de contribuições para a previdência do setor público
para o setor privado, colocando-os à disposição dos grupos econômicos do país para o investimento.
Dada a concentração oligopica de riqueza sob Pinochet , Isso significava entregar as economias forçadas
dos trabalhadores aos capitalistas mais poderosos do Chile ". Ou seja, "fortalecer os mercados de
capitais por meio da transferência de poupança dos trabalhadores para as elites empresariais chilenas".
[Winn, "A Era Pinochet", op. Cit., P. 64 e p. 31]

O mesmo se aplica ao sistema de saúde, com as forças armadas e a polícia nacional e seus tendo seu
próprio sistema de saúde pública. Que ironia né.

Isso significa que eles evitam o sistema de saúde privatizado. O mercado garante que, para a maioria das
pessoas, "o verdadeiro fator determinante não é "escolha ", mas a capacidade de pagamento. Em 1990,
apenas 15% dos chilenos estavam no sistema privado (destes, cerca de 75% são os 30% superiores da
população por rendimento). Isso significa que existem três sistemas médicos no Chile. O bem-financiado
público para as forças armadas e da polícia, um excelente sistema privado para a elite de poucos e um
"grosseiramente sub-financiado, degradado, sobrecarregado" para cerca de 70% dos chilenos. A maioria
"paga mais e recebe menos. [Collins e Lear, op. Cit., P. 99 e p. 246]

O impacto sobre os indivíduos estendeu-se além das considerações puramente financeiras, com a força
de trabalho chilena "uma vez acostumada a empregos seguros e sindicalizados [antes de Pinochet] ...
[transformada] em uma nação de individualistas ansiosos ... com mais de metade de todos Visitas ao
sistema de saúde pública do Chile envolvendo doenças psicológicas, principalmente depressão "A
repressão não é mais física, é econômico - alimentar a sua família, educar seu filho", diz Maria Pena, que
trabalha em uma fábrica de farinha de peixe em Concepcion.

"Eu sinto uma verdadeira ansiedade sobre o futuro", acrescenta ela, "Eles podem nos expulsar a
qualquer momento. Você não pode pensar cinco anos à frente. Se você tem dinheiro, pode obter
educação e cuidados de saúde; Tudo isso aqui agora ". Não é de admirar, então, que o ajuste tenha
criado uma sociedade atomizada, onde o estresse e o individualismo aumentaram a sua vida
comunitária tradicionalmente forte e solidária, os suicídios aumentaram três vezes entre 1970 e 1991 e
o número de alcoólicos Quadruplicou nos últimos 30 anos. . . [E] as varas familiares estão aumentando,
enquanto pesquisas de opinião mostram que a atual onda de criminalidade é o aspecto mais condenado
da vida no novo Chile.

"Os relacionamentos estão mudando", diz Betty Bizamar, uma líder sindical de 26 anos. "As pessoas
usam um ao outro, gastam menos tempo com sua família. Tudo o que eles falam é dinheiro, coisas. A
verdadeira amizade é difícil agora. "[Duncan Green, Op. Cit., Página 96 e página 166]

O experimento com o capitalismo de livre mercado também teve sérios impactos para o ambiente do
Chile. A capital de Santiago tornou-se uma das cidades mais poluídas do mundo devido ao livre reinado
das forças do mercado. Sem regulamentação ambiental, há uma ruína ambiental geral e os suprimentos
de água têm graves problemas de poluição. [Noam Chomsky, Ano 501, p. 190]

Com a maior parte dos especialistas do país baseados na extracção e baixo processamento dos recursos
naturais, os ecossistemas e o ambiente foram saqueados em nome do lucro e da propriedade. O
esgotamento dos recursos naturais, particularmente na silvicultura e na pesca, está se acelerando
devido ao comportamento egoísta de algumas grandes empresas que procuram lucros a curto prazo.

Assim, em resumo, os trabalhadores chilenos "foram alvo central da repressão política de Pinochet e
sofreram muito com o terror de Estado e pagaram uma parte desproporcional dos custos das políticas
sociais regressivas do seu regime. Das leis trabalhistas de Pinochet e entre os maiores perdedores de
suas políticas de privatização e desindustrialização ". [Winn, "Introdução", Op. Cit., P. 10]

Dado que a maioria do povo chileno é prejudicada pelas políticas econômicas do regime, como pode ser
chamado de "milagre"? A resposta pode ser encontrada em outra conseqüência das políticas
monetaristas neoclássicas de Pinochet, a saber: "uma contração da demanda, já que os trabalhadores e
suas famílias podiam comprar menos bens."

A redução no mercado ameaçou ainda mais a comunidade empresarial, que começou a produzir mais
bens para exportação e menos para o consumo local, o que representou mais um obstáculo ao
crescimento econômico e levou a uma maior concentração de renda e riqueza nas mãos de uma
pequena elite ". [Skidmore e Smith, op. Cit., P. 138]

É o aumento da riqueza da elite que vemos o verdadeiro "milagre" do Chile. Quando o líder do Partido
Democrata Cristão retornou do exílio em 1989, ele disse que o crescimento econômico que beneficiava
os 10% da população havia sido alcançado (as instituições oficiais de Pinochet concordaram). [Noam
Chomsky, Deterring Democracy, p. 231

Isso é mais do que confirmado por outras fontes. Segundo um especialista nas revoluções neoliberais
latino-americanas, a elite "se tornara massivamente rica sob Pinochet". [Duncan Green, A Revolução
Silenciosa, p. 216]
Em 1980, os 10% mais ricos da população tomaram 36,5% da renda nacional. Em 1989, esse índice havia
aumentado para 46,8%. Em contrapartida, os 50% mais baixos de assalariados viram sua participação
cair de 20,4% para 16,8% no mesmo período. O consumo doméstico seguiu o mesmo padrão. Em 1970,
os 20% superiores dos domicílios tinham 44,5% do consumo. Isso aumentou para 51% em 1980 e para
54,6% em 1989. Entre 1970 e 1989, a participação foi para os outros 80%. Os 20% mais pobres viram sua
participação cair de 7,6% em 1970 para 4,4% em 1989. Os próximos 20% viram sua participação cair de
11,8% para 8,2% ea média 20% caiu de 15,6% para 12,7%. Os próximos 20% viram sua participação no
consumo cair de 20,5% para 20,1%. Em outras palavras, "pelo menos 60 por cento da população estava
relativamente, se não absolutamente, pior." [James Petras e Fernando Ignacio Leiva, Democracia e
Pobreza no Chile, p. 39 e p. 34]

Em resumo, "a distribuição de renda no Chile em 1988, após uma década de políticas de livre mercado,
foi marcadamente regressiva. Entre 1978 e 1988, os 10% mais ricos dos chilenos aumentaram sua
participação na renda nacional de 37 para 47% Os próximos 30 por cento viram sua parte encolher de
23 a 18% A parcela de renda da quinta parte mais pobre da população caiu de 5 para 4 por cento.
[Collins e Lear, op. Cit., P. 26]

Nos últimos anos da ditadura de Pinochet, os 10% mais ricos da população rural viram sua renda
aumentar 90% entre 1987 e 1990. A parcela dos 25% mais pobres caiu de 11% para 7%. O legado da
desigualdade social de Pinochet ainda pode ser encontrado em 1993, com um sistema de saúde de dois
níveis dentro do qual a mortalidade infantil é de 7 por 1000 nascimentos para o quinto mais rico da
população e 40 por 1000 para o quinto mais pobre. [Duncan Green, Op. Cit., P. 108 e p. 101] Entre 1970
e 1989, a participação do trabalho na renda nacional caiu de 52,3% para 30,7% (62,8% em 1972). Os
salários reais em 1987 eram ainda 81,2% do seu nível de 1980-1. [Petras e Leiva, op. Cit., P. 34, p. 25 e p.
170]

Assim, o Chile tem sido um "milagre" para a classe capitalista, com seus sucessos sendo "desfrutados
principalmente (e em muitas áreas, exclusivamente) pelas elites econômicas e políticas."

Em qualquer sociedade atingida por enormes desigualdades de riqueza e renda, o mercado (...) trabalha
para concentrar riqueza e renda. " Houve "uma tendência clara para um controle mais concentrado
sobre os recursos econômicos ... A concentração econômica é agora maior do que em qualquer outro
momento da história do Chile", com corporações multinacionais colhendo "ricas recompensas das
políticas de livre mercado do Chile" (" Eles entusiasticamente aplaudem o modelo e empurram para
implantá-lo em toda parte "). Em última instância, é "desconsiderável considerar qualquer projeto
econômico e social bem-sucedido quando a porcentagem daqueles empobrecidos ... mais que dobrou".
[Collins e Lear, milagre do livre mercado no Chile: um segundo olhar, p. 252 e p. 253]

Assim, a riqueza criada pela economia chilena durante os anos de Pinochet não foi para a classe
trabalhadora (como seria alegado pelo dogma capitalista do "mercado livre"), mas sim acumulada nas
mãos dos ricos. Como no Reino Unido e nos EUA, com a aplicação de "trickle down economia" havia
uma vasta distorção da distribuição de renda em favor dos já ricos. Ou seja, houve um "trickle-up" (ou
melhor, uma inundação). O que não é surpreendente, pois os intercâmbios entre os fortes e os fracos
favorecerão os primeiros.
Em geral, "em 1972, o Chile era o segundo país mais igualitário da América Latina, em 2002 era o
segundo país mais desigual da região". [Winn, "A Era Pinochet", op. Cit., P. 56]

Significativamente, isso refuta a afirmação de Friedman de 1962 de que "o capitalismo leva a menos
desigualdade ... a desigualdade parece ser menos ... mas capitalista é o país". [Capitalismo e Liberdade,
p. 169] Tal como com outros países que aplicaram as ideias de Friedman (como o Reino Unido e os EUA),
a desigualdade disparou no Chile. Ironicamente, neste e em tantos casos, implementar suas idéias
refutou suas próprias afirmações.

Há duas conclusões que podem ser extraídas. Em primeiro lugar, o Chile não foi liberal de verdade ou
que Friedman não sabia do que estava falando. A segunda opção parece ser a mais provável, embora
para alguns defensores da fé o experimento neoliberal do Chile possa não ter sido "suficientemente
puro". No entanto, esse tipo de afirmação só vai convencer o verdadeiro crente.

E quanto ao crescimento econômico do Chile e à baixa inflação?

Eu já falei sobre isso, mas enfim..

Dado os resultados reais do experimento, há somente duas áreas deixadas para reivindicar um "milagre
econômico." Trata-se de combater a inflação e aumentar o crescimento económico. Nenhum deles pode
ser considerado "milagroso".

No que se refere à inflação, o regime de Pinochet acabou reduzindo-o. Na época do golpe de Estado
apoiado pela CIA era de cerca de 500% (dado que os EUA minaram a economia chilena - "fazer a
economia gritar", Richard Helms, diretor da CIA - a alta inflação seria esperada é proposital ).

Em 1982 era de 10% e entre 1983 e 1987, oscilava entre 20 e 31%. Demorou oito anos para os Chicago
Boys controlar a inflação e, significativamente, isso envolveu "a falha de vários programas de
estabilização a um custo social elevado ... Em outras palavras, os programas de estabilização que eles
prescreveram não eram apenas milagrosos - Não tiveram sucesso. " [Winn, "A Era Pinochet", op. Cit., P.
63]

Na realidade, a inflação não era controlada por meio do monetarismo de Friedman, mas sim pela
repressão estatal, como diz o Nicholas Kaldor:

"A taxa de crescimento da oferta monetária foi reduzida de 570 por cento em 1973 para 130 por cento
em 1977. Mas isto não conseguiu moderar o crescimento do PNB monetário ou do aumento dos preços,
porque, logo que conseguiram moderar o crescimento da oferta monetária, a velocidade da circulação
subiu e a inflação foi maior com uma menor taxa de crescimento da oferta monetária ... eles
conseguiram Reduzir a taxa de crescimento dos preços..E como? Pelo método bem testado por regimes
fascistas. É uma espécie de política de rendimentos. É uma proibição de aumentos salariais e, claro, A
proibição da atividade sindical, e assim por diante. E não foi o monetarismo que diminuiu a inflação
chilena ... [Estava baseada em] métodos que ultrapassavam o mecanismo de preços ". [As
Consequências Económicas da Sra. Thatcher, p. 45]

A inflação foi controlada por meio da repressão estatal e do desemprego elevado, uma combinação da
política de rendimentos de Hitler, Mussolini e Keynes (isto é, a "taxa natural de desemprego" de
Friedman que refutei anteriormente). Em outras palavras, o monetarismo eo capitalismo de "livre
mercado" não reduziram a inflação (como era o caso de Thatcher e Reagan, então tava tudo bem).

O que deixa o crescimento, a única linha de defesa possível para a reivindicação de um chileno
"Milagre". Como discuti anteriormente, é a argumentação que as ações relativas de riqueza não são
importantes, e o nível absoluto que conta. Enquanto a parcela da torta econômica pode ter caído para a
maioria dos chilenos, os liberais argumentam que o elevado crescimento econômico da economia
significava que eles estavam recebendo uma parcela menor de uma torta maior. Ignoraremos os fatos
bem documentados de que o nível de desigualdade, ao invés de níveis absolutos de padrões de vida,
tem maior efeito na saúde de uma população e que a saúde é inversamente correlacionada com a renda
(ou seja, os pobres têm pior saúde que a rico). Também ignoraremos outras questões relacionadas com
a distribuição da riqueza e, portanto, o poder em uma sociedade (como o livre mercado reforçando e
aumentando as desigualdades via "livre troca" entre fortes e fracos, como os termos de qualquer serão
desviados em favor da parte forte, uma análise que a experiência chilena fornece evidência extensa para
com seu mercado de trabalho "competitivo" e "flexível"). Em outras palavras, o crescimento sem
igualdade pode ter efeitos prejudiciais que não são, e não podem ser, indicados nos números de
crescimento.

Assim, vamos considerar a alegação de que o registro de crescimento torna um "milagre". No entanto,
quando olhamos para o registro de crescimento do regime, descobrimos que não é um "milagre" - o
célebre crescimento econômico dos anos 80 deve ser visto à luz das duas recessões catastróficas que o
Chile sofreu em 1975 e 1982. Como observa Edward Herman, esse crescimento foi "regularmente
exagerado por medições de bases impróprias (como a depressão de 1982)". [A Economia dos Ricos]

Este ponto é essencial para entender a natureza real do crescimento do "milagre" do Chile. Por
exemplo, os apoiantes liberais do "milagre" apontaram para o período de 1978 a 1981 (quando a
economia cresceu a 6,6 por cento ao ano) ou o aumento da recessão pós 1982-84. No entanto, este é
um caso de mentiras, malditas mentiras e estatísticas, uma vez que não leva em conta que a economia
tem um rápido crescimento natural quando deixa a recessão.

Durante a recuperação, os trabalhadores demitidos voltam a trabalhar e a economia experimenta um


aumento no crescimento devido a isso. Isto significa que quanto mais profunda a recessão, maior o
crescimento subsequente na volta. Então, para ver se o crescimento econômico do Chile era um milagre
e valeu a pena a diminuição da renda para muitos, precisamos olhar para todo o ciclo de negócios, em
vez de para a retomada. Se fizermos isso, verificamos que o Chile teve a segunda taxa de crescimento
mais baixa da América Latina entre 1975 e 1980. O crescimento médio do PIB foi de 1,5% ao ano entre
1974 e 1982, inferior à taxa média de crescimento da América Latina de 4,3 % E inferior aos 4,5% do
Chile na década de 1960. [Rayack, op. Cit., P. 64]
Isto significa que, em termos per capita, o PIB do Chile aumentou apenas 1,5% ao ano entre 1974 e
1980. Isso foi consideravelmente menor do que os 2,3% alcançados na década de 1960. O crescimento
médio do PIB foi de 1,5% ao ano entre 1974 e 1982, inferior à média da América Latina de 4,3% e
inferior aos 4,5% do Chile na década de 1960. Entre 1970 e 1980, o PIB per capita cresceu apenas 8%,
enquanto para a América Latina como um todo, aumentou 40%. Entre os anos de 1980 e 1982, durante
os quais toda a América Latina foi afetada negativamente pelas condições de depressão, o PIB per capita
caiu 12,9 por cento, em comparação com uma queda de 4,3 por cento para a América Latina como um
todo. [Rayack, op. Cit., P. 57 e p. 64]

Assim, entre 1970 e 1989, o PIB do Chile "cresceu lentamente (em relação aos anos 60 e a outros países
latino-americanos no mesmo período) com uma taxa média de 1,8% a 2,0%. O PIB [cresceu] a uma taxa
(0,1-0,2 por cento) bem abaixo da média latino-americana ... Em 1989, o PIB continuava a ser 6,1 por
cento abaixo do nível de 1981, não tendo recuperado o nível atingido em 1970. Para Todo o período de
governo militar (1974-1989), apenas cinco países latino-americanos tiveram um pior registro. [Petras e
Leiva, op. Cit., P. 32]

Assim, os "milagres" de crescimento referem-se a recuperações de colapsos como depressão, colapsos


que podem ser atribuídos em grande parte às políticas de livre mercado impostas ao Chile. Em geral, o
crescimento "milagre" sob Pinochet acaba por ser inexistente. O período de tempo completo ilustra a
falta de processo econômico e social significativo do Chile entre 1975 e 1989. De fato, a economia foi
caracterizada pela instabilidade e não pelo crescimento real. Os altos níveis de crescimento durante os
períodos de boom (apontados pela direita como evidência do "milagre") mal compensaram as perdas
durante os períodos de recessão.

Em suma, a experiência do Chile sob Pinochet e seu "milagre econômico" indicam que os custos
envolvidos na criação de um regime capitalista de livre mercado são pesados, pelo menos para a
maioria. Em vez de serem transitórios, esses problemas provaram ser estruturais e de natureza
duradoura, à medida que os custos sociais, ambientais, econômicos e políticos se tornam incorporados à
sociedade. O lado sombrio do "milagre" chileno simplesmente não se reflete nos impressionantes
indicadores macroeconômicos usados para comercializar o capitalismo de "livre mercado", indicadores
próprios sujeitos à manipulação como vimos anteriormente.

Então, não apesar das afirmações de Friedman, a experiência neoliberal do Chile não foram um "milagre
econômico" e, de fato, refutou muitos dos principais dogmas da economia capitalista liberal. Posso
mostrar isso comparando o desempenho real da "liberdade econômica" com as previsões de Friedman
sobre isso.

A primeira coisa a se notar é que o Chile neoliberal dificilmente mostra a afirmação de que o mercado
livre é estável. De fato, foi marcada por profundas recessões seguidas por períodos de alto crescimento
à medida que o econômico se recuperava. Isso resultou em taxas de crescimento medianas, mesmo nos
períodos bons (na melhor das hipóteses).

Depois, há o fato de que o experimento chileno refuta dogmas neoclássicos sobre o mercado de
trabalho. Em "Capitalismo e Liberdade", Friedman estava empenhado em atacar os sindicatos e a idéia
de que eles defendiam o trabalhador da coação do chefe. Do nada, ele afirmou, "o empregado está
protegido contra a coerção pelo empregador por causa de outros empregadores para quem ele pode
trabalhar." [Pp. 14-5]
Assim, a ação coletiva na forma de, digamos, sindicatos é desnecessária e, de fato, prejudicial, segundo
ele. A capacidade dos trabalhadores para mudar de emprego é suficiente e o desejo dos economistas
capitalistas é sempre fazer com que o mercado de trabalho real se torne mais como o mercado ideal de
competição perfeita - muitos indivíduos atomizados que são compradores de preços e não setores de
preços. Enquanto as grandes empresas são ignoradas, os sindicatos são demonizados.

O problema é que esses mercados de trabalho "perfeitos" são difíceis de criar fora das ditaduras. O
reino de terror de Pinochet criou mais ou menos tal mercado. Diante da possibilidade de morte e
tortura se defendiam seus direitos, a única alternativa real que a maioria dos trabalhadores possuía era
a de encontrar um novo emprego. Assim, enquanto o mercado de trabalho estava longe de ser uma
expressão de "liberdade econômica", a ditadura do Chile produziu um mercado de trabalho que refletia
similarmente o ideal neoclássico (e austríaco). Os trabalhadores se tornam indivíduos atomizados, pois o
terror de Estado os forçou a não agir como sindicalistas e a buscar soluções coletivas para seus
problemas (individuais e coletivos). Os trabalhadores não tiveram escolha a não ser procurar um novo
empregador caso se sentiam que estavam sendo maltratados ou subvalorizados. O terror criou as
condições prévias para o funcionamento de um mercado de trabalho capitalista. A fala de Friedman
sobre "liberdade econômica" no Chile sugere que Friedman pensava que um "mercado livre" no
trabalho funcionaria "como se" estivesse sujeito a esquadrões da morte. Em outras palavras, o
capitalismo precisa de uma força de trabalho atomizada, que tem muito medo de defender-se.
Indubitavelmente, ele preferiria que esse medo fosse imposto por meios puramente "econômicos"
(desemprego desempenhando seu papel habitual), mas, como sugere seu trabalho sobre a "taxa natural
de desemprego", ele não está acima de apelar ao Estado para mantê-lo.

Infelizmente para a ideologia capitalista, o Chile refutou essa noção, com seus trabalhadores sujeitos ao
poder autocrático do patrão e tendo que dar concessão após concessão simplesmente para permanecer
no trabalho. Assim, a "reforma total do sistema de direito do trabalho [que] ocorreu entre 1979 e 1981
... visando a criação de um mercado de trabalho perfeito, eliminando a negociação coletiva, permitindo
o despedimento maciço de trabalhadores, aumentando as horas de trabalho diárias até doze horas e
Eliminando os tribunais do trabalho ". [Silvia Borzutzky, op. Cit., P. 91]

Na realidade, o Código do Trabalho simplesmente refletia o poder que os proprietários têm sobre seus
escravos assalariados e "era solidamente pró-liberal."

Pretendia-se maximizar a flexibilidade do uso da mão-de-obra da administração e impedir que qualquer


eventual governo eleito interviesse em prol do trabalho e negociações entre empregadores e
trabalhadores ".

Isso estava escondido, é claro, por "retórica populista". [Collins e Lear, op. Cit., P. 16]

De fato, o plano "pretendia mudar definitivamente o equilíbrio de poder nas relações de trabalho em
favor dos negócios e enfraquecer os trabalhadores e sindicatos que formaram a base política central da
Esquerda". [Winn, "A Era Pinochet", op. Cit., P. 31]

Sem surpresas, "os trabalhadores ... não receberam uma parte justa dos benefícios do crescimento
económico e dos aumentos de produtividade que a sua mão-de-obra tem produzido e que tiveram que
suportar uma parte desproporcionada dos custos desta reestruturação nos seus salários, Qualidade do
trabalho e relações de trabalho ". [Winn, "Introdução", Op. Cit., P. 10]

O Chile, mais uma vez, refutou outra das afirmações de Friedman sobre o capitalismo. Em 1975, ele
previu erroneamente que os desempregados causados pela recessão monetarista encontrariam
rapidamente trabalho, dizendo a um público de Santiago que "ficariam surpreendidos com a rapidez
com que as pessoas seriam absorvidas por uma crescente economia do setor privado". [Citado por
Rayack, op. Cit., P. 57]

O desemprego atingiu níveis recordes durante décadas, visto que o regime de livre mercado "tem sido
lento para criar empregos." Durante os anos 60 o desemprego oscilou em torno de 6 por cento, em
contraste com o nível de desemprego entre 1974 e 1987 em média 20 por cento da força de trabalho.
Mesmo nos melhores anos do boom (1980-1981), ele permaneceu tão alto quanto 18 por cento, nos
anos imediatamente após a queda de 1982, o desemprego - incluindo os programas de emergência do
governo - alcançou 35% da força de trabalho ".

A "racionalização mais importante" da indústria chilena "foi a redução dos custos de mão-de-obra, o
que foi conseguido através de demissões em massa, intensificando o trabalho dos trabalhadores
restantes e empurrando níveis salariais bem abaixo dos níveis históricos". Isso foi auxiliado por níveis de
desemprego que "oficialmente foram em média de 20% entre 1974 e 1987. Os altos níveis crônicos de
desemprego proporcionaram aos empregadores uma força de alavanca considerável na fixação das
condições de trabalho e dos níveis salariais. Não é surpreendente que os trabalhadores que
conseguiram manter seus empregos estavam dispostos a fazer concessões repetidas aos empregadores,
e os trabalhores empregados se submeteram frequentemente a termos onerosos. "

Entre 1979 e 1982, mais de um quinto das empresas de manufatura falharam e o emprego no setor caiu
mais de um quarto. Na década anterior a 1981, em cada 26 trabalhadores, 13 ficaram desempregados, 5
se juntaram ao setor informal urbano e 8 estavam em um programa governamental de emprego de
emergência. Deve-se salientar que as estatísticas oficiais "subestimam o nível real de desemprego", pois
excluem as pessoas que trabalharam apenas um dia na semana anterior. Um respeitado instituto
patrocinado pela igreja sobre o emprego descobriu que, em 1988, o desemprego em Santiago era tão
alto quanto 21%. [Lear e Collins, op. Cit., P. 22, p. 15, p. 16, p. 15 e p. 22]

O argumento padrão do mercado livre é que o desemprego é resolvido submetendo o nível salarial aos
rigores do mercado. Enquanto os salários serão mais baixos, mais pessoas serão empregadas. Como
discutimos antes, a lógica e evidência para tais alegações é espúria. Escusado será dizer que Friedman
nunca revisou suas afirmações à luz da evidência empírica produzida pela aplicação de suas idéias.

Dado o fato de que o "trabalho" (ou seja, um indivíduo) não é produzido para o mercado em primeiro
lugar, você pode esperar que ele reaja de forma diferente de outras "commodities". Por exemplo, um
corte em seu preço, geralmente, aumentar a oferta, e não diminuí-la, simplesmente porque as pessoas
têm que comer, pagar o aluguel e assim por diante. A redução dos salários permitirá que os parceiros e
as crianças sejam enviados para o trabalho, bem como a aceitação de mais horas por aqueles que
permanecem no trabalho. Como tal, a idéia de que o desemprego é causado por salários muito altos
sempre foi um argumento enigmático e egoísta, refutado não só pela lógica, mas por aquela cilada da
economia: evidências empíricas. Esse foi o caso do "milagre econômico" do Chile, onde a queda dos
salários forçou as famílias a buscar renda múltipla para sobreviver: "O salário único que poderia
sustentar uma família estava fora do alcance da maioria dos trabalhadores; Cônjuges e filhos a
assumirem postos de trabalho temporários e informais ... Mesmo com rendimentos múltiplos, muitas
famílias foram duramente pressionadas para sobreviver ". [Lear e Collins, op. Cit., P. 23]

O que, naturalmente, refuta o "livre mercado" capitalista afirmam que o mercado de trabalho é como
qualquer outro mercado. Na realidade, não é de surpreender que uma queda no preço do trabalho
tenha aumentado a oferta, nem que a demanda de trabalho não tenha aumentado em resposta à queda
do salário real.

Por fim, existe a noção de que a ação coletiva no mercado pelo Estado ou pelos sindicatos prejudica a
população em geral, particularmente os pobres. Para os economistas neoclássicos e austríacos, o Estado
é a fonte de todos os problemas do capitalismo. O regime de Pinochet permitiu provar que esse era não
era o caso. Novamente o Chile os refuta.

Os "Chicago Boys" não tinham ilusões de que a repressão era necessária para criar capitalismo de livre
mercado. De acordo com Sergio de Castro, o arquiteto do programa econômico Pinochet impôs, a
repressão foi exigida para introduzir a "liberdade econômica" porque "forneceu um regime duradouro,
deu às autoridades um grau de eficiência que não era possível obter de uma forma democrática e
possibilitou a aplicação de um modelo desenvolvido por especialistas e que não dependia das reações
sociais produzidas pela sua implementação ". [Citado por Silvia Borzutzky, "The Chicago Boys, segurança
social e bem-estar no Chile", O Direito Radical e o Estado de Bem-Estar"]

Eles afirmaram que "em uma democracia nós não poderíamos ter feito um quinto do que fizemos".
[Citado por Winn, "The Pinochet Era", Winn (ed.), Op. Cit., P. 28]

Dadas as suposições individualistas da economia neoclássica e austríaca, não é difícil concluir que a
criação de um Estado policial para controlar as disputas industriais, os protestos sociais, os sindicatos, as
associações políticas, etc., é o que é necessário para introduzir ao terreno regras que o mercado
capitalista exige para o seu funcionamento. Como argumenta o Brian Barry em relação ao regime de
Thatcher na Grã-Bretanha, que também foi fortemente influenciado pelas idéias de capitalistas de "livre
mercado" como Milton Friedman e Hayek:

"Alguns observadores afirmam ter encontrado algo paradoxal no fato de que o regime de Thatcher
combina a retórica individualista liberal com a ação autoritária, mas não há paradoxo, mesmo sob as
condições mais repressivas ... as pessoas procuram agir coletivamente para melhorar a si mesmos, e
exige um enorme exercício de poder brutal para fragmentar esses esforços na organização e forçar as
pessoas a perseguir seus interesses individualmente ... deixados a si mesmos, as pessoas tenderão
inevitavelmente a perseguir seus interesses através da ação coletiva - no comércio Sindicatos,
associações de inquilinos, organizações comunitárias e governo local ... Somente o exercício bastante
implacável do poder central pode derrotar essas tendências: daí a associação comum entre
individualismo e autoritarismo, bem exemplificada no fato de que os países sustentados como modelos
pelo livre-mercado são, sem exceção, regimes autoritários ". ["A Relevância Continua do Socialismo",
Robert Skidelsky (ed.), Thatcherismo, p. 146]

Não é de admirar, então, que o regime de Pinochet tenha sido marcado pelo autoritarismo, pelo terror.
De fato, "os economistas treinados em Chicago enfatizaram a natureza científica de seu programa e a
necessidade de substituir a política pela economia e os políticos pelos economistas. Assim, as decisões
tomadas não foram o resultado da vontade da autoridade, Foram determinados por seus
conhecimentos científicos, o uso do conhecimento científico, por sua vez, reduziria o poder do governo,
uma vez que as decisões serão tomadas por tecnocratas e pelos indivíduos do setor privado ". [Silvia
Borzutzky, op. Cit., P. 90] No entanto, como Winn aponta:

Embora os Chicago Boys justificassem suas políticas com um discurso de liberdade, não ficaram
incomodados com a contradição de basear a liberdade econômica que promoveram no regime mais
ditatorial da história chilena - ou em negar aos trabalhadores a liberdade de greve ou negociação
coletiva. No fundo, a única liberdade que lhes interessava era a liberdade econômica dos chilenos e
estrangeiros com capital para investir e consumir, e que a "liberdade", segundo Castro, era melhor
assegurada por um governo autoritário e uma força de trabalho passiva. Suas noções de liberdade eram
seletivas e egoístas ". [Op. Cit., P. 28]

Naturalmente, transferir autoridade para os tecnocratas e o poder privado não muda sua natureza - só
quem a possui. O regime de Pinochet viu uma mudança marcada do poder governamental de proteger
os direitos individuais para uma proteção do capital e da propriedade, em vez de uma abolição total
desse poder. Como seria de esperar, apenas os ricos beneficiaram. A classe trabalhadora foi submetida a
tentativas de criar um "mercado de trabalho perfeito" - e somente o terror pode transformar as pessoas
em mercadorias atomizadas que tal mercado exige.

Desde que o Chile se tornou (na sua maioria) livre (com as forças armadas ainda mantendo uma
influência considerável) os governos pós-Pinochet fizeram reformas, como falei no começo desse texto.
Por exemplo, "os aumentos de impostos direcionados para os gastos sociais para os pobres" permitiram
que eles "reduzissem para metade a taxa de pobreza de 1988, de 45%, legada por Pinochet". De fato, a
"maior parte dessa despesa visava os mais pobres dos pobres, os 25% da população classificados como
destituídos em 1988". [Winn, "A Era Pinochet", op. Cit., P. 50, p. 52 e p. 55]

No entanto, enquanto isso "reduziu a pobreza absoluta, eles não reduziram a desigualdade. De 1990 a
1996, a parcela da renda nacional dos 20% mais pobres da população estagnou abaixo de 4%, enquanto
a dos 20% mais ricos subiu de 56% a 57% ... a distribuição de renda era uma das mais desiguais do
mundo, e na América Latina, só o Brasil era pior ". [Paul W Drake, "Prefácio", Winn (ed.), Op. Cit., P. Xi]

O novo governo elevou o salário mínimo em 1990 em 17% em termos reais, com outro aumento de
aproximadamente 15% dois anos depois. Isto teve um significativo no rendimento como "um número
substancial da mão-de-obra chilena e salários que são apenas ligeiramente acima do salário mínimo."
[Volker Frank, "Política sem política", Winn (ed.), Op. Cit., P. 73 e p. 76]

Em contraste com as afirmações da economia neoclássica, o aumento do salário mínimo não aumentou
o desemprego. Na verdade, caiu para 4,4%, em 1992, o menor desde o início dos anos 1970.

De um modo geral, o aumento dos gastos sociais com a saúde, a educação e o alívio da pobreza ocorreu
desde o fim da ditadura e levantou mais de um milhão de chilenos da pobreza entre 1987 e 1992 (a taxa
de pobreza caiu de 44,6% em 1987 para 23,2% em 1996 , Embora este seja ainda maior do que em
1970). No entanto, a desigualdade ainda é um problema importante, assim como outros legados da era
Pinochet, como a natureza do mercado de trabalho, insegurança de renda, separações familiares,
alcoolismo, etc.
No entanto, enquanto "tanto o desemprego como a pobreza diminuíram, em parte devido a programas
dirigidos aos setores mais pobres da população por governos de centro-esquerda com maior
preocupação social do que a ditadura de Pinochet, muitos problemas permanecem como "uma semana
de trabalho que estava entre os Mais longa do mundo ". [Winn, "Introdução", Op. Cit., P. 4]

O Chile se afastou do modelo de "mercado livre" de Pinochet de outras formas. Em 1991, o Chile
introduziu uma série de controles sobre o capital, incluindo uma provisão para 30% de todo o capital em
algumas poucas formas, e entrando no Chile para ser depositado sem juros no banco central por um
ano. Este requisito de reserva - conhecido localmente como "encaje" - equivale a um imposto sobre os
fluxos de capital que é maior quanto menor o prazo do empréstimo. Como observa William Greider, o
Chile "conseguiu, na última década, alcançar um rápido crescimento econômico, abandonando a pura
teoria do livre mercado e ensinada por economistas americanos, e emulando os principais elementos da
estratégia asiática, incluindo a poupança forçada e o controle proposital do capital. O governo chileno
diz aos investidores estrangeiros onde eles podem investir, os mantém fora de certos ativos financeiros
e os proíbe de retirar seu capital rapidamente. " [Um mundo, pronto ou não, p. 280]

Escusado será dizer que, embora o auxílio estatal à classe trabalhadora tenha aumentado um pouco, o
bem-estar do Estado para os negócios continua a ser a norma. Após a queda de 1982, a Agência Chilena
de Desenvolvimento Econômico (CORFO) voltou ao seu antigo papel no desenvolvimento da indústria
chilena (após o golpe, pouco mais do que apenas vender propriedades estatais a preços de desconto
para os ricos). Em outras palavras, o "milagre" pós-recessão dos anos 80 se devia, em parte, a uma
organização estatal cujo objetivo era promover o desenvolvimento econômico, apoiar negócios com
novas tecnologias e assistência técnica e financeira. Com efeito, promoveu iniciativas conjuntas entre os
setores público e privado. Um exemplo chave foi o seu papel no financiamento e desenvolvimento de
novas empresas do setor de recursos, como o setor florestal e a indústria pesqueira.

Enquanto os liberais retrataram a extração de recursos naturais do boom como resultado do "mercado
livre", na realidade o capital privado carecia da iniciativa e previsão para desenvolver essas indústrias, e
a CORFO forneceu ajuda, bem como créditos e subsídios para incentivá-lo. Em seguida, está o papel da
Fundação Chile, uma agência público-privada destinada a desenvolver empresas em novas áreas onde o
capital privado não vai investir. Isso paga para a pesquisa e desenvolvimento antes de vender sua
participação para o setor privado, uma vez que um projeto se torna comercialmente viável. Em outras
palavras, um sistema similar de intervenção estatal promovido pelos Tigres Asiáticos e Asiáticos (e de
forma semelhante, ignorado pelos ideólogos do capitalismo de "livre mercado" (mas a ação estatal para
os capitalistas nunca parece contar como interferindo no mercado). Assim, o Estado chileno violou suas
credenciais de "livre mercado", em muitos aspectos, com muito sucesso também.

Embora tenha começado na década de 1980, os pós-Pinochet estendeu isso para incluir ajuda à classe
trabalhadora. Assim, as afirmações dos defensores do livre mercado de que o rápido crescimento do
Chile nos anos 90 são evidências de seu modelo são falsas (assim como suas alegações sobre o Sudeste
Asiático também se revelaram falsas, reivindicações convenientemente esquecidas quando essas
economias entraram em crise).

Escusado será dizer que o Chile está sob pressão para mudar seus caminhos e se conformar aos ditames
das finanças globais. Em 1998, o Chile aliviou seus controles, seguindo forte pressão especulativa sobre
sua moeda, o peso. Naquele ano, o crescimento econômico diminuiu para metade e contraiu 1,1% em
1999. Portanto, até mesmo o liberal teve de se afastar de uma abordagem puramente livre sobre
questões sociais e o governo chileno teve que intervir na economia para começar a recuar pela
sociedade despedaçada pelas forças do mercado e pelo governo autoritário.

No entanto, o medo dos militares tem assegurado que as reformas tenham sido menores. Em outras
palavras, a "liberdade econômica" não produziu uma "liberdade política" genuína como Friedman (e
outros) afirmam. Em última análise, para todos, exceto a pequena elite no topo, o regime de Pinochet
de "liberdade econômica" era um pesadelo. A "liberdade" econômica só parecia beneficiar um grupo na
sociedade. Para a grande maioria, o "milagre" da "liberdade" econômica resultou, como costuma
acontecer, no aumento da desigualdade, da exploração, da pobreza, da poluição, do crime e da
alienação social. A ironia é que muitos liberais de direita apontam para isso como um modelo dos
benefícios do capitalismo.
MAS... E A AUSTRÁLIA?
Rian Lobato 24/12/2016

A isolada Austrália com certeza é uma das mais usadas nessas argumentações dos liberais.

Antes de nos aprofundarmos acerca dos segredos do crescimento e sucesso, ou, "milagre australiano" é
bom se atentar a alguns fatos acerca da Austrália.

Em primeiro lugar, a Austrália tem o maior salário mínimo do mundo. O local paga um salário mínimo de
US$ 9,54 por hora (algo como R$ 30,40). Considerando uma jornada de trabalho de 40 horas por
semana, a quantia mensal chega a US$ 1,526, algo como R$ 4.683. Enquanto isso, aqui no Brasil, temos
um salário de cerca de R$ 3,58 por hora.

Outro fato importante, é que há um imposto progressivo (quanto mais rico, mais paga) altíssimo,
chegando a ser 59% na renda segundo a OCDE. É um dos maiores do mundo. No Brasil, o imposto recai
muito no consumo, o que prejudica as classes mais baixas, que consomem mais.

Sobre seu passado, a Austrália é uma ex-colônia de povoamento britânica, não de exploração, como o
Brasil. Em outras palavras, toda a mão de obra qualificada, instituições, infraestrutura, proteção
britânica e etc foram para lá.

Não só isso, como a Austrália é cheia de recursos até hoje, por isso.

Fato curioso é que, mesmo após a sua independência, a Inglaterra continuou a exercer controle nela.
Muitas das colônias do antigo Império Britânico, são usadas ou sofrem forte controle da Inglaterra até
hoje, servindo como exportadores, ou paraísos fiscais.

Basicamente, o que a Inglaterra fez foi colocar governos "independentes" que arcassem com seus
próprios custos (manter colônias não é fácil, e traz prejuízos como o próprio economista Adam Smith
comentava acerca das 13 colônias já naquela época), ao passo que exercia controle neles, para os
manter como seus exportadores, paraísos fiscais ou qualquer outra utilidade. Ou seja, tecnicamente,
esses países ainda são suas colônias indiretas, só que sem a Inglaterra ter de arcar com seus custos.

No final deste artigo, há alguns links que dissertam acerca de como esse processo foi implementado.

Outro fator interessante que os liberais ignoram: mais de boa parte do desenvolvimento das forças
produtivas na Austrália foi impulsionado por investimentos estatais em transportes, comunicações,
irrigação e energia elétrica. Chequem as fontes depois.
A Austrália, passou por várias reformas na infraestrutura com massiva intervenção do Estado, além de
várias e várias reformas agrárias durante sua história.

A Austrália também tem um sistema de Estado de Bem-Estar Social bem grande e interventor embora
(por motivos que serão explicados mais a frente), eles estejam querendo reformar. Por exemplo, o
governo tem uma espécie de "Bolsa Família" que equivale a R$1562, chamado "Parenting Payment". Há
também uma para os nativos que moram em áreas remotas, e recebem uma Bolsa Aborígene de R$76.
No Parenting Payment australiano, não há qualquer exigência como frequência escolar ou vacinação. Já
no Brasil, os beneficiários recebem algo que equivale em média a R$5 por dia para a família toda. Há
também ampla garantia de participação da vida pública na política, como por exemplo, através dos peak
bodies - onde os governos consultam, prestam satisfação, contas e etc, o que ajuda na transparência.

Em Melbourne o governo subsidia 88% do transporte público. A Prefeitura de São Paulo subsidia 20%,
para fins de comparação. Tem 1 funcionário público para cada 13 pessoas (no Brasil tem 1 para cada
17).

Há vários outros tipos de bolsas custeadas pelo Estado para os universitários, assim como a Austrália
tem vários direitos trabalhistas. Por exemplo, há uma previdência obrigatória, paga pelos
empregadores. Também sustenta o sistema "Medicare" com o dinheiro do contribuinte. Por esses
motivos, e os explicados acima, a mulher mais rica da Austrália (Gina Rinehart) reclama que a Austrália
está ficando muito cara para as mineradoras, comparando isso ao fato de que ela conseguiria contratar
africanos pagando 2 doláres por dia.

Mas bem, após olharmos para algumas medidas que a Austrália toma que seriam classificadas como
"comunistas" para os monomaníacos da direita liberal, passemos para um apanhado geral acerca de
como se deu o sucesso da Austrália.

Em uma análise geral, a Austrália é basicamente uma "mina-fazendão" gigante, um território não muito
grande, e com um vácuo territorial enorme no deserto, que torna o território ainda menor para
considerações. Ela tem cerca de 20 milhões de bocas pra alimentar, o que é um décimo da população
brasileira. Isso faz uma diferença enorme, e comparar isso com o Brasil chega a ser patético.

A economia australiana independente é , e se construiu como, exportadora de produtos primários.


Inclusive, há fortes acusações de que destrói rios explorando minérios, até fora do país, em países
periféricos através da SAMARCO (já que é controlada pela BHP australiana).

Mas eis aqui o verdadeiro segredo chave da economia e do recente sucesso australiano: ela está
atrelada a economia chinesa, ou seja, está havendo uma diminuição da exportação de commodities.

A economia chinesa estava, mais até durante 2008, baseada nos deficits comerciais dos EUA, com a
mesma e com outros países, tirando vantagem da baixa elasticidade-preço (tanto pra cima quanto pra
baixo) de seus produtos. A Austrália tirou vantagem diretamente dos déficits comerciais dos EUA, como
exportadora, e tirou mais vantagem ainda por estar atrelada a economia chinesa, que fazia exatamente
o mesmo. Esse foi o segredo, somado as condições de infraestrutura mencionados no começo do texto,
que contribuíram para o "milagre australiano".
A Austrália tem uma visão de comportamento "liberal" pelo fato de possuir um aprofundado direito à
propriedade para pelo menos nove décimos da população junto às baixas limitações de macro-negócios,
o que compensa em uma limitação maior nos aspectos de labor - valendo lembrar que os gastos
governamentais já possuem incidência crescente assim como os aspectos fiscais, como falei
anteriormente.

Porém, algo aconteceu de lá pra cá. O PIB australiano vem decaindo desde 2013, onde era, em dólares
americanos, 1,5 trilhão, estando hoje abaixo de 1,34 trilhão, caindo também seu GNI em de 5 mil
dólares americanos , e tendo uma queda de crescimento do PIB, de 4,48% para 2,6% , decaindo em
cerca de 7 anos, aproximadamente 2% do seu crescimento anual. Sua dívida pública também cresceu
enquanto diminuíram-se os investimentos, porém um aspecto que compensou foi o aumento do preço
das ações - como isso não é-se suficiente para uma plenitude econômica, espera-se um decrescimento
muito forte na economia.

A Austrália atualmente está incerta e suas expectativas para o futuro mediante às políticas econômicas
australianas não são realmente boas para o país como um todo. Para o povo, talvez essa realidade não
seja tão próxima - em grande parte, por causa do seu sistema de Welfare State, mas na estrutura da
economia do governo as coisas são bem diferentes.

A verdade é que tirando todos os aspectos mencionados acima, o seu crescimento acabou, como
mostrado na questão do PIB e nas outras infos. Em grande parte por causa do problema que a China
passa agora também, e pela impossibilidade de se aproveitar dos deficits americanos, após as políticas
americanas adotadas na pós-crise de 2008.

O pior de tudo, é que agora a Austrália também sofre algumas consequências péssimas (além das que
foram mencionadas logo acima) graças aos efeitos de anos de políticas liberais. O recente êxodo
masculino é uma prova disso. Cada vez mais, homens australianos fogem do seu país, em busca de
empregos ainda mais estáveis. Sim, o "paraíso liberal" tem êxodo masculino.

O economista australiano Martin Feil, escreveu um ótimo livro acerca desses novos problemas
decorrentes de anos de políticas liberais. O livro se chama "The Failure of Free Market Economics" (O
Fracasso da Economia de Livre-Mercado). Ele disserta acerca da gravidade da situação australiana e de
como políticas liberais, em anos, conseguiram enfraquecer sua economia, e de como isso está
estagnando ela. A curiosidade é que o Martin Feil começou sua carreira como think thank liberal, ou
seja, entusiasta do liberalismo, um economista pró-livre mercado. Ele se desiludiu totalmente depois, ao
ver os resultados mostrados. Vocês poderão encontrar nas referências, mais informações sobre o livro e
u link que disserta sobre o livro. Deixarei abaixo uma descrição desta obra, que tomei a liberdade de
traduzir para o português:

"O conceito básico por trás da economia de livre mercado é simples e sedutor: o governo não deve
tentar escolher os vencedores ao conceder assistência a indústrias específicas, e só deve intervir no
mercado quando houver uma falha substancial nele. O único problema com esta teoria - como o
desastre econômico global mostrou - é que ela é baseado em ideologia, não em evidência, e não pode
resistir ao contato com a realidade.

Durante décadas, a Austrália tem sido uma adepta entusiasta da abordagem do livre mercado. As
conseqüências - como privatizações em massa, reformas tarifárias e salários e condições flexíveis -
foram elogiadas pelo setor financeiro em expansão e pela classe política. Desconsiderado no tumulto,
porém, tem sido a aniquilação do setor manufatureiro - que resultou em 20 anos de déficits mensais em
conta corrente e uma dívida externa próxima de U$ 650 bilhões - e uma economia dominada por capital
flexível e multinacionais avessas a impostos.

Apesar da propaganda em contrário, o emprego na Austrália é cada vez mais caracterizado por
empregos pouco remunerados e inseguros nas indústrias de serviços, logística e do varejo.

"O Fracasso da Economia de Livre-Mercado" explica como o triunfo de uma ortodoxia econômica
mentalmente defeituosa enfraqueceu a economia australiana e agora ameaça nosso futuro. Ele também
oferece uma gama de reformas práticas que o autor argumenta que são essenciais e urgentes. Esta é
uma perspectiva única de um especialista altamente qualificado que começou sua carreira dentro do
estabelecimento de livre mercado e acabou como um "verdadeiro descrente" em suas idéias".

Fontes:

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https://www.environment.gov.au/heritage/ahc/publications/linking-a-nation/chapter6

http://www.portaloceania.com/au-work-taxation-port.htm

http://www.resilience.org/stories/2013-06-20/treasure-island-tax-havens-and-the-men-who-stole-the-
world/

https://www.theguardian.com/business/2011/jan/09/truth-about-tax-havens-two

https://en.m.wikipedia.org/wiki/Land_reforms_by_country

http://qcoss.org.au/sites/default/files/Role_of_Peaks_Info_Paper_2012_FINAL.pdf

https://www.humanservices.gov.au/customer/services/centrelink/parenting-payment

https://www.fairwork.gov.au/how-we-will-help/templates-and-guides/fact-sheets/minimum-
workplace-entitlements/minimum-wages

https://www.humanservices.gov.au/customer/services/centrelink/remote-area-allowance
http://www.australia.gov.au/information-and-services/jobs-and-workplace/working-conditions

https://www.decd.sa.gov.au/speced2/default.asp?id=42399&navgrp=3195

http://www.sro.vic.gov.au/SRO/sronav.nsf/childdocs/-3A87315B22BC23FFCA2575A100441F59-
EFC160ABBE873990CA2575B70020FC3B?open

http://graphics.wsj.com/risks-to-australias-economic-miracle/

http://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/44224286/ORANI-
G_A_general_equilibrium_model_of_t20160330-18629-
1jg0ngf.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAJ56TQJRTWSMTNPEA&Expires=1481326910&Signature=OnQlUE1pN
Dgm%2B8rD8slPzP1o4qY%3D&response-content-disposition=inline%3B+filename%3DORANI-
G_A_general_equilibrium_model_of_t.pdf

https://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr&id=YQc5AAAAIAAJ&oi=fnd&pg=PR9&dq=australian+economy&ots=DhssajVYzq&sig=jvFo6Iyz0D
MJ49ml3E_vgXqO0Ag#v=onepage&q=australian%20economy&f=false

http://data.worldbank.org/country/australia

http://www.worldcat.org/title/orani-a-general-equilibrium-model-of-the-australian-economy-current-
specification-and-illustrations-of-use-for-policy-analysis/oclc/27487614

http://www.abc.net.au/news/2016-12-07/economic-growth-gdp-data-abs/8099480

http://www.news.com.au/yes-its-true-australia-is-experiencing-a-man-drought/news-
story/6b4f141beb5583eb7156891ad2a97772

http://www.dailymail.co.uk/news/article-3016003/Every-week-healthy-Australian-woman-freezes-eggs-
man-drought.html

https://scribepublications.com.au/books-authors/books/the-failure-of-free-market-economics

http://mobile.abc.net.au/news/2012-09-05/rinehart-says-aussie-workers-overpaid-
unproductive/4243866
COMO A SUÉCIA SE TORNOU O QUE É HOJE?
Rian Lobato 23/12/2016

Conhecida como o país que tem um dos melhores Estados de Bem-estar Social do mundo, a Suécia tem
vários detalhes, principalmente em sua história, que os artigos de liberais nos escondem. Começaremos
ja desde 1816, quando o país começou a se desenvolver de forma mais relevante, para se tornar o que é
hoje.

Após o fim das guerras napoleônicas, o governo da Suécia promulgou uma lei de tarifas fortemente
protetora em 1816, e proibiu as importações e exportações de alguns itens.

A partir de cerca de 1830, a proteção foi reduzida, e em 1857, um regime tarifário muito baixo foi
introduzido.

Porém, tal período mais liberal, foi de curta duração. A Suécia começou a utilizar tarifas novamente
como um meio de proteger o setor da agricultura, do perigo da concorrência americana, em 1880.
Depois de 1892, implementou um imposto progressivo anual sobre o capital, e também forneceu tarifa
protetora e subsídios ao

setor industrial, principalmente o novo setor de engenharia. Devido a esta mudança para o
protecionismo, a economia sueca se saiu extremamente bem nas décadas seguintes. A partir de 1913
sempre teve índice médio de tarifas entre os mais altos da Europa, chegando em certos períodos a
partir de 1930, a ocupar o segundo lugar em uma lista de países europeus em grau de proteção
industrial. A Suécia foi, após a Finlândia, o segundo maior (em termos de PIB por hora de trabalho)
crescimento das dezesseis maiores economias industriais entre 1890 e 1900, e o crescimento mais
rápido entre 1900 e 1913. O Piketty demonstra que até 1912, ela possuía patamar de desigualdade de
riqueza e de detenção de capital a níveis comparáveis ao do Reino Unido e acima da média europeia.

Obviamente, protecção e subsídios não foram tudo o que a Suécia utilizou depois para promover o
desenvolvimento industrial. Durante o final do século XIX, a Suécia

desenvolveu uma forte cooperação público-privada, ou seja, tudo o que os liberais mais condenam. Na
medida em que, era difícil encontrar paralelos em outros países com esse tipo de cooperação, na época,
mesmo a Alemanha, que cresceu dessa forma. Houve uma forte colaboração desse tipo corporativista
para a irrigação agrícola e esquemas de drenagem. Isso foi também aplicado para as estradas de ferro a
partir da década de 1850, para o telégrafo e telefone na década de 1880, e para a energia hidroeléctrica
na década de 1890. A colaboração público-privada também existia em indústrias, como a indústria do
ferro. Tudo isso foi o que possibilitou sua forte base para a industria, seu desenvolvimento, e o que ela
viria a ser hoje. Curiosamente, tudo isso se assemelha aos padrões público-privado dos quais as
economias do Leste Asiático usaram mais tarde.

O Estado sueco fez grandes esforços para facilitar a aquisição de tecnologia avançada feita no
estrangeiro, incluindo espionagem industrial patrocinada pelo Estado. No entanto, sua maior ênfase, foi
no acúmulo de "capacidades tecnológicas". A Suécia então, promoveu várias bolsas e subsídios de
estudos e de viagens para investigação, investiu fortemente na educação pública, ajudou fortemente no
estabelecimento de tecnologias de institutos de pesquisa científica e promoveu fundos e
financiamentos diretos para a indústria.

A política econômica sueca sofreu uma mudança significativa após a vitória eleitoral do Partido
Trabalhista Social Democrata em 1932 e a assinatura do "pacto histórico" entre o sindicato e a
associação patronal em 1936, o acordo de "Saltsjöbaden". O regime político que surgiu após o pacto de
1936 focou inicialmente na construção de um sistema onde os empregadores financiavam um gigante
estado de bem-estar generoso e um investimento elevado em troca da moderação salarial do sindicato
e de evitar greves.

Após a Segunda Guerra Mundial, utilizou-se esse sistema para promover a modernização industrial.
Depois, houve as SAC's, sub-centrais sindicais- a grande central era a LO (Landsorganisationen i Sverige),
passaram a ter assentos nos conselhos das empresas e o Estado promoveu o altíssimo nível de
sindicalização dos trabalhadores, tendo implementado os "fundos de assalariados" na mesma época.
Nas décadas de 1950 e 1960, o sindicato centralizado do -LO Adotou o chamado Plano Rehn-Meidner.
Isso introduziu a chamada "Política Salarial Solidária", que visava explicitamente equalizar os salários
entre as indústrias, para os mesmos tipos de trabalhadores. A intenção disso era gerar pressão nos
capitalistas dos setores mais mal remunerados a aumentar o estoque de capital e propiciar aos dos
setores melhores remunerados reter lucros extras se expandissem mais rápido do que teria sido possível
normalmente. Isto foi complementado pela chamada "política ativa do mercado de trabalho" (políticas
públicas de realocação de mão de obra) que proporcionou apoios de reconversão e deslocalização aos
trabalhadores deslocados neste processo de modernização industrial. É amplamente aceito que esta
estratégia contribuiu decisivamente para a industrialização da Suécia.

Durante este período, foi muito importante também a indústria bélica, que não tinha um volume
considerável para fazer participação ao comércio mundial, ser uma das destaques em tecnologia e valor
agregado, com exportações também para ditaduras asiáticas e africanas.

Porém, o país sofreu, como todo o mundo (menos a Noruega, que conseguiu se aproveitar disso), com
os choques de Petróleo e do preços de outros recursos minerais da década de 70, o que provocou um
prejuízo em suaindústria metalúrgica. A sobrevalorização dos juros das dívidas mundiais também causou
problemas fiscais e a alta de produtos essenciais criou uma onda inflacionária. Nessa mesma época, os
EUA estavam sugando tudo o que podiam dos países devedores, para sobreviver, e afetou em médio-
prazo a União Soviética, criando problemas que em muito colaboraram para seu algumas décadas mais
tarde.

Na década de 90, época da globalização, com os impactos das novas tecnologias de comunicação nas
transações financeiras mundiais, a nova oferta maciça de produtos asiáticos e as oportunidades de
liquidez mundiais, A Suécia, como muitos, se viu diante da necessidade de promover reestruturações
produtivas e ajustes fiscais. Promoveu uma liberalização sobretudo no setor de serviços e cortes em
programas sociais para diminuir a moeda circulante e a carga tributária. Contudo, após grande
insatisfação social, retomaram-se com mais forças os programas de seguridade e bem-estar social, com
a carga tributária ultrapassando 45%, chegando a mais de 50% da renda nacional.

Depois, se destacou a eliminação de barreiras tarifárias, numa ação coordenada a partir de cálculos de
utilidade, setor por setor, a partir da consideração do consolidado parque produtivo nacional e esfera
institucional de negociações entre empresas, sindicatos e Estado para amortecer impactos sociais.
Houve também formas de protecionismo que advém da adesão às do bloco da União Europeia, em
relação a países fora do bloco.

A produção doméstica industrial diminuiu de 58% em 1985 para 52% em 1996, ou seja, foi
relativamente pouco afetada. A participação de multinacionais no comércio total sueco acabou por
diminuir, de 61% em 1982 para 52% em 1992, e o comércio intrafirma aumentou de 24 para 26%. O
Estado participa, hoje em dia, fortemente da economia com empresas e serviços. A administração
pública, a defesa, a educação, a saúde e os serviços sociais são os setores proeminentes da economia do
país, representando 24%, enquanto a indústria representa cerca de 20% (ORGANISATION for Economic
Cooperation and Development. OECD economic outlook 59 e 60. Paris,1996)

O resultado também foi que o setor que mais experimentou crescimento da participação estrangeira foi
o de serviços, sendo que ainda assim uma das principais forças da economia é a exportação de
equipamentos de telefonia e tecnologia da informação, de produção nacional. A indústria nacional
exporta também máquinas, aço, celulose e derivados, sem ameaças de serem compradas. Seus
principais parceiros econômicos são Alemanha, Noruega, Dinamarca, Reino Unido e Holanda.

Uma pesquisa comparativa entre 173 países sobre legislação trabalhista e proteção aos trabalhadores,
coordenada pela pesquisadora Jody Heymann, fundadora do Global Working Families em Harvard e
diretora do Instituto para Políticas Sociais e de Saúde da Universidade Mc Gil em Montreal, apontou a
Suécia, juntamente com a Finlândia como os países em que os trabalhadores e trabalhadoras possuem
mais benefícios em previsão legal.

Mais de 80% dos trabalhadores são sindicalizados, sendo que os acordos coletivos podem abarcar
quaisquer aspecto do relacionamento entre entidade patronal e empregados.Um pesadelo para liberais
e plutocratas atomistas. Hoje em dia o país continua tendo um sistema gigante de welfare state com
esse capital acumulado, e com esse modelo de industrialização.

Fontes:

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University Press.

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Chang, H-J. & Kozul-Wright, R. 1994. “Organising Development: Comparing the National Systems of

Entrepreneurship in Sweden and South Korea.” Journal of Development Studies,vol. 30, no. 4

Samuelsson, K. 1968. From Great Power to Welfare State

.London: Allen & Unwin.

Evans, P. 1995. Embedded Autonomy—States & Industrial

Transformation. Princeton: Princeton University Press

Fransman, M. & King, K. (eds.) 1984. Technological Capability

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Lall, S. 1992. “Technological Capabilities and Industrialisation.” World Development

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Lall, S. & Teubal, M. 1998. “Market-Stimulating Technology Policies in Developing Countries: A


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Korpi, W. 1983.The Democratic Class Struggle

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Edquist, C. & Lundvall, B-Å. 1993. “Comparing the Danish and Swedish Systems of Innovation” in R.
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https://www.amazon.com/The-Small-Giant.../dp/0821408259

http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00220389408422341

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https://www.amazon.com/The-Limits-Social.../dp/0801482356

http://www.druid.dk/confer.../Summer2005/Papers/Lundvall.pdf
EM DEFESA DO SOCIALISMO
REAL!
A VIDA EM 1940 NA URSS (Antes da fase revisionista de N. Kruschov)
1/1/2017

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, fundada em 1922, foi fruto da revolução russa; a Rússia
tinha ainda, em fins da segunda década do século passado, uma população formada por mais de 80% de
camponeses e uma massa absoluta de analfabetos, com um governo imperial. Mal-treinado e mal-
tratado, o exército russo (ao lado da Inglaterra e da França e contra a Alemanha) foi lançado no 1º
grande conflito do imperialismo, a 1ª Guerra Mundial. A revolta aos poucos instalou-se nele e,
organizada nos sovietes -- assembleias de delegados diretamente eleitos -- e canalizada pelos
bolcheviques de Lênin (que compreendiam e aceitaram as demandas do seu povo pelas ''teses de Abril'',
pão, terra e paz; não sem motivo, portanto, passando de uns poucos milhares em março de 1917 para
um quarto de milhão de membros no início do verão daquele ano), pôs abaixo o regime czarista e a
república liberal o substituiu no épico outubro de 1917 (diz-se que, quando chegou a hora, mais que
tomado, o poder foi colhido). A rebelião contra a guerra (Lênin imediatamente assinou um tratado de
paz com a Alemanha) adquiriu concentração e atuação. Não admira que os censores austro-húngaros,
controlando a correspondência de seus soldados, passaram a notar uma mudança de tom: ''Se ao
menos o bom Deus nos trouxesse a paz'' tornou-se ''Para nós já chega'' ou ''Dizem que os socialistas vão
trazer a paz''.

Vários exércitos e regimes contra-revolucionários levantaram-se contra os russos vermelhos,


financiados pelos aliados, que enviaram tropas britânicas, francesas, americanas, japonesas, sérvias,
polonesas, romenas e gregas para o solo russo. Nos piores momentos da brutal e caótica guerra civil de
1918-20, a Rússia Soviética foi reduzida a uma faixa de território sem saída para o mar, no norte e no
centro da Rússia, em algum ponto entre a região dos Urais e os atuais Estados bálticos, a não ser pelo
estreito dedo exposto de Leningrado, apontado para o golfo da Finlândia. As únicas vantagens
importantes com que o novo regime contava, enquanto improvisava do nada um Exército Vermelho
eventualmente vitorioso, eram a incompetência e a divisão das briguentas forças
contrarrevolucionárias, a capacidade destas de antagonizar o campesinato da Grande Rússia, e a bem
fundada desconfiança entre as potências ocidentais de que não podiam ordenar com segurança a seus
soldados e marinheiros rebeldes que combatessem os bolcheviques. Em fins de 1920, os bolcheviques
haviam vencido; a Rússia soviética sobrevivera (mais que os 2 meses e quinze dias da Comuna de Paris,
para o alívio e o orgulho de Lênin).

Os bolcheviques puseram-se a reconstruir o país: contra os anos de interrupta crise e catástrofe,


conquista alemã e imposição de paz punitiva, separações regionais, intervenção estrangeira, colapso
econômico e fome, adotaram a NEP (''New Economic Policy''), da qual pode se tomar como
consequência a recuperação da produção industrial soviética ao seu nível pré-guerra em 1926, embora
isso não significasse muita coisa: a URSS continuava tão esmagadoramente rural quanto em 1913 (82%
da população nos dois casos), e na verdade só 7,5% estavam empregados fora da agricultura. A
''economia planejada'' dos Planos Quinquenais tomou então seu lugar, mais com o objetivo de de criar
novas indústrias do que dirigi-las, e preferindo dar prioridade imediatamente aos setores básicos da
indústria pesada e da produção de energia que eram a fundação de qualquer grande economia
industrial: carvão, ferro e aço, eletricidade, petróleo etc. A excepcional riqueza da URSS em matérias-
primas tornava essa opção ao mesmo tempo lógica e conveniente. Além disso, ocorreu a coletivização
compulsória das terras cultiváveis.

Épico e trágico que tenha sido o trajeto (e a industrialização soviética jogou o consumo de sua
população lá embaixo -- em 1940 a economia produziu apenas pouco mais de um calçado para cada
habitante), para um país atrasado e primitivo, isolado de ajuda estrangeira, com todos os seus
desperdícios e ineficiências, ele funcionou de modo impressionante:

- os 22 milhões de toneladas colhidas em 1930-1 representaram mais que o dobro da colheita obtida
pelo governo em em 1928-9;
- a taxa média anual de crescimento da produção industrial na década de 1930 girou em torno de 16% (a
dos EUA, entre 1889 e 1929, foi de 5%, e a da Inglaterra entre 1885 e 1913, 3%);
- a produção de eletricidade por ano elevou-se de 6 para 40 bilhões de kWh, a de carvão, de 30 para 133
milhões de toneladas, e a de automóveis, de 1400 para 211 mil unidades;
- antes da revolução, o número de médicos era de 20 mil, em 1937 passou a 105 mil;
- o número de leitos de hospital passou de 175 mil para 618 mil;
- em 1914, o número de pessoas que frequentavam escolas de todos os níveis era de 8 milhões, em
1928, 12 milhões, e em 1938, 31.5 milhões;
- em 1913, 112 mil pessoas estudavam em estabelecimentos de nível universitário, e em 1939, 620 mil;
- antes da revolução, as bibliotecas públicas possuíam 640 livros para cada 10 mil habitantes, e em 1939,
8610;
- antes de 1928, a taxa de analfabetismo era de 80%, mas em 1938, 90% da população sabia ler e
escrever;
- a economia deu pleno emprego, comida, roupa e habitação a preços controlados (ou seja,
subsidiados), alugueis, pensões e assistência médica: o padrão de vida em 1937 era provavelmente mais
elevado do que o de qualquer outro ano desde 1928 (ano em que iniciou o Primeiro Plano Quinquenal)
e, de acordo com certas informações, pode mesmo ter superado o daquele ano.

A transformação de um país em grande parte analfabeto na moderna URSS foi, por quaisquer padrões,
um feito impressionante, e para milhões de habitantes das aldeias para as quais, mesmo nos tempos
mais difíceis, o desenvolvimento soviético significou a abertura de novos horizontes, a fuga das trevas e
da ignorância para a cidade, a luz e o progresso, sem falar em avanço pessoal e carreiras, a defesa da
nova sociedade era inteiramente convincente. De qualquer forma, não conheciam nenhuma outra.

Ao mesmo tempo, no Ocidente, o que se dava era a catástrofe social. Nos EUA, entre 1929 e 1932 se
registraram mais de 85 mil falências empresariais, quando a economia mergulhou numa devastadora
depressão. Nesses 3 anos, mais de cinco mil bancos suspenderam suas ações; o valor das ações
negociadas na bolsa de NY caiu de US$87 bilhões pra US$19 bilhões; 12 milhões de trabalhadores
perderam o emprego e um quarto da população ficou sem meios de sustento; a renda agrícola caiu mais
da metade e a produção da indústria de transformação caiu quase 50%. Sua produção industrial caiu
cerca de um terço entre 1929 e 1931, suas importações e exportações entre 1929 e 1932 declinaram
70% e a Westinghouse, grande empresa de eletricidade, perdeu dois terços de suas vendas, enquanto
sua renda líquida caiu 7% em dois anos. Houve uma crise na produção básica, tanto de alimentos como
de matérias-primas, porque os preços, não mais mantidos pela formação de estoques como antes,
entraram em queda livre. O preço do chá caiu 2/3, e o seda bruta, 3/4. Isso deixou prostrados -- para
citar apenas os nomes relacionados pela Liga das Nações em 1931 -- Argentina, Austrália, países
balcânicos, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Egito, Equador, Finlândia, Hungria, Índia, Malásia
britânica, México, Índias holandesas (atual Indonésia), Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Uruguai e
Venezuela, cujo comércio internacional dependia em peso de uns poucos produtos primários. Em suma,
tornou a depressão global num sentido literal -- sendo sua consequência mais básica o desemprego em
escala inimaginável e sem precedentes, e por mais tempo do que qualquer um imaginara.

No pior período da Depressão (1932-3), 22 a 23% da força de trabalho britânica e belga, 24% da sueca,
27% da americana, 29% da austríaca, 31% da norueguesa, 32% da dinamarquesa e nada menos que 44%
da alemã não tinha emprego. E o que é igualmente relevante, mesmo a recuperação após 1933 não
reduziu o desemprego médio da década de 1930 abaixo de 16 a 17% na Grã-Bretanha e Suécia e 20% no
resto da Escandinávia. A imagem predominante da época era a das filas de sopa, de ''marchas da fome''
saindo de comunidades industriais sem fumaça nas chaminés onde nenhum aço ou navio era feito e
convergido para as capitais das cidades, para denunciar aqueles que julgavam responsáveis.

O grande trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que um país que rompera
clamorosamente com o capitalismo estava imune a ela: a União Soviética. Enquanto o capitalismo liberal
estagnava, a URSS entrava numa industrialização ultra-rápida e maciça sob seus novos Planos
Quinquenais. De 1929 a 1940, a produção soviética triplicou, no mínimo. Subiu de 5% dos produtos
manufaturados no mundo em 1929 para 18% em 1938, enquanto no mesmo período a fatia conjunta
dos EUA, Grã-Bretanha e França caía de 59 para 52% do total do mundo.

Mas a burguesia mundial via com péssimos olhos o Estado proletário e o possível alvorecer da revolução
mundial. O fascismo, até então visto sobretudo como um movimento identificado com a Itália, tornou-
se o principal veículo internacional da direita política, e, em vários países multiplicaram-se e cresceram
movimentos políticos fascistas ou que, não sendo fascistas, desejavam associar-se ao prestígio e ao
poder dos dois importantes países europeus sob regimes fascistas. Outros movimentos reacionários
militantes ligaram-se a grupos fascistas em seus países ou nos estrangeiros, buscaram apoio junto ao
fascismo estrangeiro ou no mínimo viram a a ascensão do fascismo internacional -- principalmente do
nazismo alemão -- como uma defesa contra sua própria esquerda nacional. Como diziam na época,
''antes Hitler do que Léon Blum''.

Num discurso pronunciado em 1931, Stálin (desde 1935 defensor de uma aliança entre França,
Inglaterra e URSS contra as potências fascistas) lembrou que a Rússia "foi derrotada pelos beis turcos.
Foi vencida pelos nobres poloneses e lituanos. Foi derrotada pelos capitalistas ingleses e franceses. Foi
superada pelos barões japoneses. Todos a venceram – devido ao seu atraso... Estamos 50 ou 100 anos
atrás dos países adiantados. Devemos superar essa distância em 10 anos. Ou fazemos isso ou eles nos
esmagam".

Em junho de 1941, a Alemanha nazista invadia a URSS. Estimativas dos cidadãos soviéticos mortos na 2ª
Guerra Mundial se situam no geral nos 20 milhões, embora alguns especialistas consideram que
chegaram aos 30 milhões. No início da guerra, Hitler conquistou rapidamente a área onde se
concentrava mais da metade da capacidade de produção da União Soviética. O território ocupados pelas
alemães era responsável por 70% das minas de carvão, 60% da produção de minério de ferro, 50% da
produção siderúrgica e 30% da colheita de cereais. Quando o exército soviético recuou, destruiu grande
parte das instalações produtivas para impedir que fossem utilizadas pelos alemães. Quando, mais tarde,
estes foram repelidos, também eles adotaram uma política de ''terra arrasada'', destruindo na sua
retirada qualquer coisa de valor que encontrassem. Além de matarem mais de 20 milhões de soviéticos,
os nazistas destruíram os lares de outros 25 milhões, arrasando totalmente cerca de 2 mil cidades e 70
mil aldeias.

A destruição desses milhões de pessoas, casas, fábricas, animais sem conta e dos sistemas de ferrovias,
transportes e comunicações fez da URSS um ''vencedor'' -- e a vitória da Alemanha de Hitler foi, como só
poderia ter sido, uma vitória do Exército Vermelho: quatro quintos dos combates na Segunda Guerra
Mundial aconteceram no front do Leste, dois terços do exército alemão estavam no Leste mesmo
depois do Dia D -- quase totalmente devastado na 2ª Guerra Mundial. O progresso econômico da
década de 1930, obtido com alto custo social e humano, foi em larga medida apagado pela tentativa
nazista de conquistar a União Soviética. Contudo, apesar dessas perdas os soviéticos mantiveram sua
organização econômica e capacidades gerais, e com a experiência adquirida do planejamento dos anos
30, se recuperaram com velocidades miraculosa (os planejadores soviéticos provavelmente não teriam
tido esse sucesso se o plano que os chefes do Estado-maior norte-americano para lançar bombas
atômicas sobre suas vinte principais cidades dez semanas após o fim da guerra tivesse sido
concretizado). Em 1950, a produção industrial bruta era muito mais alta do que antes da guerra e a
agricultura voltara aos níveis anteriores àquela. A taxa de crescimento de seu PIB na década de 1950 foi
mais veloz que a de qualquer país ocidental, e as economias da Europa Oriental cresceram quase com a
mesma rapidez -- mais depressa em países até então atrasados, mais devagar nos já industrializados ou
parcialmente industrializados. Embora o bloco oriental perdesse o ritmo na década de 1960, seu PIB per
capita em toda a Era de Ouro (1945-1973) continuou crescendo ligeiramente mais rápido que o dos
grandes países industriais capitalistas.

A mais importante conquista da economia soviética foi a abolição do desemprego. A União Soviética não
apenas proveu emprego para todos como o trabalho era considerado uma obrigação social, de tanta
importância que foi consagrado na constituição. A constituição de 1936 estipulara que ''os cidadãos da
URSS têm o direito de trabalhar, ou seja, são garantidos o direito ao emprego e ao pagamento por seu
trabalho de acordo com a qualidade e quantidade.'' Por outro lado, viver de meios que não o trabalho
era proibido. Consequentemente, tirar riqueza de rentismo, lucros, especulação ou mercado negro —
parasitismo social — era ilegal (Szymanski, 1984). Achar um emprego era fácil, porque normalmente
havia baixa oferta de trabalho. Consequentemente, os funcionários tinham um alto poder de
negociação no trabalho, com evidentes benefícios em segurança do trabalho e a gestão prestando muita
atenção á satisfação do empregado (Kotz, 2003).

O artigo 41 da constituição de 1977 estabeleceu a semana de trabalho em 41 horas. Trabalhadores do


turno da noite trabalhavam 7 horas mas recebiam a remuneração total (correspondente a 8 horas). Os
trabalhadores empregados em empregos perigosos (por exemplo, mineradores) ou onde a vigilância
mantida era crítica (por exemplo, médicos), trabalhavam 6 ou 7 horas mas recebiam salário integral.
Trabalho em hora-extra foi proibido, exceto em circunstâncias especiais (Szymanski, 1984).

A partir dos anos 60, os trabalhadores receberam em média um mês de férias (Keeran e Kenny, 2004;
Szymanski, 1984), que poderiam ser tomadas em resorts subsidiados (Kotz, 2003).

A todos os cidadãos soviéticos era fornecida uma renda de aposentadoria, aos homens com 60 anos de
idade e às mulheres com a idade de 55 (Lerouge, 2010). O direito à pensão (assim como benefícios por
invalidez) foi garantido pela constituição soviética (artigo 43, constituição de 1977), ao invés de ser
revogável e sujeita a caprichos momentâneos de políticos, como é o caso nos países capitalistas.

Às mulheres era garantida licença maternidade totalmente remunerada desde 1936, além de muitos
outros benefícios, pela constituição soviética (artigo 122, 1936). Simultaneamente, a constituição de
1936 provia uma ampla rede de maternidades, creches e jardins de infância, enquanto a constituição de
1977 obrigava o Estado a ajudar ''a família, proporcionando e desenvolvendo um amplo sistema de
assistência à infância... mediante o pagamento de subvenções sobre o nascimento de uma criança,
fornecendo subsídios às crianças e benefícios para as grandes famílias'' (artigo 35). A União Soviética foi
o primeiro país a criar creches públicas (Szymanski, 1984).

Também lhes foi garantida a igualdade de direitos em relação aos homens, em todas as esferas da vida
econômica, política, cultural e social (artigo 122, 1936), incluindo o direito ao emprego, descanso e
lazer, segurança social e educação. Entre seus muitos pioneirismos, a URSS foi o primeiro país a legalizar
o aborto, que estavam disponíveis sem custo algum (Sherman, 1969). Também foi o primeiro país a
trazer as mulheres para os cargos superiores do governo. Uma intensa campanha foi realizada na Ásia
central soviética para libertar as mulheres da opressão misógina do islamismo conservador. Isso
produziu uma transformação radical das condições de vida das mulheres nestas áreas (Szymanski,
1984).

O direito à moradia foi garantido por uma disposição constitucional de 1977 (artigo 44). O espaço
urbano para habitação foi, entretanto, reduzido à metade do que era por cabeça na Áustria e na
Alemanha Ocidental, por exemplo. As razões eram construção inadequada na era czarista, a destruição
massiva de moradias durante a 2ª Guerra Mundial e a ênfase soviética na indústria pesada. Depois da
revolução, novas moradias foram construídas, mas seu ''estoque'' permaneceu insuficiente. A
construção de habitações pesava fortemente sobre o capital, de que o governo necessitava
urgentemente para a construção da indústria. Além disso, os invasores nazistas destruíram de 1/3 a 1/2
das habitações soviéticas durante a 2ª Guerra Mundial (Sherman 1969).

Cidadãos urbanos soviéticos vivam tipicamente em edifícios de apartamentos de propriedade da


empresa em que trabalhavam ou do governo local. Os aluguéis eram baratíssimos por lei, cerca de 2 a
3% do orçamento familiar, enquanto os utilitários ocupavam de 4 a 5% (Szymanski, 1984; Kenny &
Keeran, 2004). Isso difere nitidamente dos Estados Unidos, onde os aluguéis consumiam uma parcela
significativa do orçamento familiar médio (Szymanski, 1984) e ainda o fazem.

Produtos alimentares e outras necessidades eram subsidiados, enquanto itens de luxo eram vendidos
bem acima de seus custos.

O transporte público era eficiente, extenso e praticamente gratuito. A tarifa de metrô era cerca de 8
centavos nos anos 70, inalterada desde 1930. Nada comparável existiu nos países capitalistas. Isto
porque um serviço público eficiente, acessível e extenso limitaria severamente as oportunidades de
lucro de fabricantes de automóveis, companhias de petróleo e empresas de engenharia civil. A fim de
salvaguardar seus lucros, essas empresas usam sua riqueza, conexões e influência para impedir o
desenvolvimento de eficientes, extensas e baratas alternativas públicas ao transporte privado. Os
governos, que precisam manter a indústria privada feliz para que esta possa gerar empregos, são
obrigados a jogar seu jogo. A única maneira de mudar isto é pôr o capital sob o controle público, a fim
de usá-lo para atender às metas de políticas públicas estabelecidas em um plano conscientemente
construído.

A União Soviética deu maior ênfase à saúde do que seus adversários capitalistas. Nenhum outro país
teve mais médicos ou leitos hospitalares por cabeça que a URSS. Em 1977, esta tinha 35 médicos e 212
leitos hospitalares a cada 10.000 habitantes, em comparação com 18 médicos e 63 leitos hospitalares
nos EUA (Szymanski, 1984). O mais importante: a saúde era gratuita. Que cidadãos dos EUA tivessem
que pagar por atendimento médico foi considerado extremamente bizarro na URSS, e os cidadãos
soviéticos ''frequentemente questionavam os visitantes estadunidenses de forma bastante incrédula
quanto a isso'' (Sherman, 1969).

A educação superior também era gratuita, e bolsas estavam disponíveis para estudantes de pós-
graduação, adequadas para pagar livros-texto, hospedagem e alimentação, dentre outras despesas
(Sherman, 1969; Szymanski, 1984).

A desigualdade de renda na União Soviética era leve em comparação com os países capitalistas. A
diferença entre a maior renda e o salário médio era equivalente à diferença entre a renda mensal de um
médico e um trabalhador comum nos EUA, cerca de 8 a 10 vezes maior (Szymanski, 1984). Os
rendimentos mais elevados da elite proporcionou privilégios não maiores que a capacidade de se
adquirir uma casa modesta e um carro (Kotz, 2000). Para comparar, em 2010, os 100 CEO's mais bem
pagos do Canadá tinham rendimentos 155 vezes que os salários médios de tempo integral. Este era de
US$43.000 (Canadian Centre for Policy Alternatives, 2011). Um rendimento 10 vezes maior seria de
US$430.000 — mais ou menos o que os membros da elite capitalista ganham em uma semana. Um fator
que mitigou a desigualdade de renda na União Soviética foi o acesso de todos os cidadãos soviéticos a
serviços essenciais, sem nenhum ou quase nenhum custo. Assim, o grau de desigualdade material era
ainda menor que o grau de desigualdade de renda (Szymanski, 1984).

Também lhes foi garantida a igualdade de direitos em relação aos homens, em todas as esferas da vida
econômica, política, cultural e social (artigo 122, 1936), incluindo o direito ao emprego, descanso e
lazer, segurança social e educação. Entre seus muitos pioneirismos, a URSS foi o primeiro país a legalizar
o aborto, que estavam disponíveis sem custo algum (Sherman, 1969). Também foi o primeiro país a
trazer as mulheres para os cargos superiores do governo. Uma intensa campanha foi realizada na Ásia
central soviética para libertar as mulheres da opressão misógina do islamismo conservador. Isso
produziu uma transformação radical das condições de vida das mulheres nestas áreas (Szymanski,
1984).

O direito à moradia foi garantido por uma disposição constitucional de 1977 (artigo 44). O espaço
urbano para habitação foi, entretanto, reduzido à metade do que era por cabeça na Áustria e na
Alemanha Ocidental, por exemplo. As razões eram construção inadequada na era czarista, a destruição
massiva de moradias durante a 2ª Guerra Mundial e a ênfase soviética na indústria pesada. Depois da
revolução, novas moradias foram construídas, mas seu ''estoque'' permaneceu insuficiente. A
construção de habitações pesava fortemente sobre o capital, de que o governo necessitava
urgentemente para a construção da indústria. Além disso, os invasores nazistas destruíram de 1/3 a 1/2
das habitações soviéticas durante a 2ª Guerra Mundial (Sherman 1969).

Cidadãos urbanos soviéticos vivam tipicamente em edifícios de apartamentos de propriedade da


empresa em que trabalhavam ou do governo local. Os aluguéis eram baratíssimos por lei, cerca de 2 a
3% do orçamento familiar, enquanto os utilitários ocupavam de 4 a 5% (Szymanski, 1984; Kenny &
Keeran, 2004). Isso difere nitidamente dos Estados Unidos, onde os aluguéis consumiam uma parcela
significativa do orçamento familiar médio (Szymanski, 1984) e ainda o fazem.

Produtos alimentares e outras necessidades eram subsidiados, enquanto itens de luxo eram vendidos
bem acima de seus custos.

O transporte público era eficiente, extenso e praticamente gratuito. A tarifa de metrô era cerca de 8
centavos nos anos 70, inalterada desde 1930. Nada comparável existiu nos países capitalistas. Isto
porque um serviço público eficiente, acessível e extenso limitaria severamente as oportunidades de
lucro de fabricantes de automóveis, companhias de petróleo e empresas de engenharia civil. A fim de
salvaguardar seus lucros, essas empresas usam sua riqueza, conexões e influência para impedir o
desenvolvimento de eficientes, extensas e baratas alternativas públicas ao transporte privado. Os
governos, que precisam manter a indústria privada feliz para que esta possa gerar empregos, são
obrigados a jogar seu jogo. A única maneira de mudar isto é pôr o capital sob o controle público, a fim
de usá-lo para atender às metas de políticas públicas estabelecidas em um plano conscientemente
construído.

A União Soviética deu maior ênfase à saúde do que seus adversários capitalistas. Nenhum outro país
teve mais médicos ou leitos hospitalares por cabeça que a URSS. Em 1977, esta tinha 35 médicos e 212
leitos hospitalares a cada 10.000 habitantes, em comparação com 18 médicos e 63 leitos hospitalares
nos EUA (Szymanski, 1984). O mais importante: a saúde era gratuita. Que cidadãos dos EUA tivessem
que pagar por atendimento médico foi considerado extremamente bizarro na URSS, e os cidadãos
soviéticos ''frequentemente questionavam os visitantes estadunidenses de forma bastante incrédula
quanto a isso'' (Sherman, 1969).

A educação superior também era gratuita, e bolsas estavam disponíveis para estudantes de pós-
graduação, adequadas para pagar livros-texto, hospedagem e alimentação, dentre outras despesas
(Sherman, 1969; Szymanski, 1984).

A desigualdade de renda na União Soviética era leve em comparação com os países capitalistas. A
diferença entre a maior renda e o salário médio era equivalente à diferença entre a renda mensal de um
médico e um trabalhador comum nos EUA, cerca de 8 a 10 vezes maior (Szymanski, 1984). Os
rendimentos mais elevados da elite proporcionou privilégios não maiores que a capacidade de se
adquirir uma casa modesta e um carro (Kotz, 2000). Para comparar, em 2010, os 100 CEO's mais bem
pagos do Canadá tinham rendimentos 155 vezes que os salários médios de tempo integral. Este era de
US$43.000 (Canadian Centre for Policy Alternatives, 2011). Um rendimento 10 vezes maior seria de
US$430.000 — mais ou menos o que os membros da elite capitalista ganham em uma semana. Um fator
que mitigou a desigualdade de renda na União Soviética foi o acesso de todos os cidadãos soviéticos a
serviços essenciais, sem nenhum ou quase nenhum custo. Assim, o grau de desigualdade material era
ainda menor que o grau de desigualdade de renda (Szymanski, 1984).

Em 1913, o império czarista, com 9,4% da população mundial, produzia 6% do total mundial de ''rendas
nacionais'' e 3,6% de sua produção industrial. Em 1986, a URSS, com menos de 6% da população
mundial, produzia 14% da ''renda nacional'' do globo e 14,6% de sua produção industrial. A melhoria do
padrão de vida de 1940 à 1970 fora deveras impressionante Em 1980, tinha uma proporção nitidamente
menor de seus habitantes na cadeia do que os EUA (268 prisioneiros por 100 mil habitantes, contra 426
por 100 mil prisioneiros nos EUA) e se tornou uma sociedade em que o cidadão comum provavelmente
corria menos risco de ser deliberadamente morto por crime, conflito civil ou pelo Estado do que em um
número substancial de outros países na África, Ásia e Américas. Os emigrantes judeus da URSS para
Israel lá reviveram o cenário musical clássico, pois vinha de um país onde ir a concertos ainda fazia parte
do comportamento culto, pelo menos para judeus. Os habitantes de Moscou e Varsóvia se
preocupavam menos com o que preocupavam os de Nova York ou Londres: taxa de crime em visível
ascensão, insegurança e violência imprevisível de jovens anômicos.

O regime soviético não era apenas autóctone e com raízes internas, mas as próprias pessoas, de forma
difíceis de especificar, se encaixavam nele, à medida que o regime a elas se adaptava. Como observou o
satirista dissidente Zinoviev, realmente havia um 'novo homem soviético' (ou mulher): ele/ela estava à
vontade no sistema, que lhe assegurava um meio de vida e uma abrangente seguridade social, em nível
modesto mas real, uma sociedade social e economicamente igualitária e pelo menos uma das
aspirações tradicionais do socialismo, o 'direito ao ócio', de Paul Lafargue. Além disso, para a maioria
dos cidadãos soviéticos, a era de Brejnev significou não 'estagnação', mas os melhores dias que eles e
seus pais, ou mesmo seus avós, já haviam conhecido.

Social e politicamente, a maior parte da URSS era uma sociedade estável, sem dúvida, em parte graças à
ignorância em relação a outros países mantida pela autoridade e a censura, mas de modo algum só por
esse motivo. Será por acaso que não houve um equivalente da rebelião estudantil de 1968 na URSS,
Polônia, Tchecoslováquia e Hungria? Que mesmo sob Gorbachev o movimento de reforma não
mobilizou os jovens em nenhuma medida importante? Que tenha sido, como se dizia, 'uma rebelião dos
30 e 40 anos', ou seja, da geração nascida após o fim da guerra mas antes do confortável torpor dos
anos Brejnev? De onde quer que tenha vindo a pressão pela mudança na URSS, das bases não foi (76%
dos eleitores num referendo de março de 1991 votaram pela manutenção do país).

A URSS foi -- e é -- a prova de que um mundo diferente (e melhor) é possível.

Fontes e bibliografia:

BARAN, P. ''Desenvolvimento econômico rápido''. In: _____. A economia política do desenvolvimento.


São Paulo: Abril Cultural, 1986.
GOWANS, Stephen. ''Do publicy-owned, planned economies work?''. Disponível
em: http://boradiscutir.blogspot.com.br/2014/12/uma-economia-socialista-funciona.html
HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das letras,
1995.
__________. ''Ressurgindo das cinzas''. In: BLACKBURN, Rubin. Depois da queda: o fracasso do
comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
HUNT, E. K. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
MAKAVELLI, Jones. ''Ser negro na União Soviética e nos Estados Unidos: uma comparação histórica''.
Disponível em: http://boradiscutir.blogspot.com.br/2015/03/ser-negro-na-uniao-sovietica-e-nos.html
http://br.sputniknews.com/opiniao/20150504/928159.html#ixzz3ZEGTqaCC

https://m.youtube.com/watch?v=-yWy0kMM93c
DISSOLUÇÃO SOVIÉTICA: UMA CONTRA-REVOLUÇÃO A SERVIÇO DO CAPITALISMO

A “perestróika” (reconstrução, reestruturação, reorganização) começou por se declarar um conjunto de


reformas econômicas, sociais e políticas dentro da sociedade soviética, visando o desenvolvimento e
aperfeiçoamento do socialismo.

Este ímpeto reformador e mobilizador da sociedade, presente em vários outros períodos da história da
União Soviética, designadamente na época de Khruchov ou no breve período de Andropov, teve início
com a eleição de Mikhail Gorbatchov para secretário-geral do PCUS, no Plenário do Comité Central de
Abril de 1985.

Numa primeira fase, no plano interno, foram declarados objetivos prioritariamente de caráter
econômico, como o aumento da produtividade, da eficácia, da qualidade da produção, a auto-
sustentabilidade das empresas, o melhoramento da rede de abastecimento, entre outros.

No plano político e social declarou-se, de forma geral, o regresso aos princípios leninistas, a dinamização
dos sovietes, o aprofundamento da democracia socialista, o combate à burocracia, ao
departamentalismo, à corrupção, etc.

Estes objetivos foram confirmados pelo XXVII Congresso do PCUS, realizado entre 25 de Fevereiro e 6
Março de 1986, cujas decisões, apontando a necessidade de reformas concretas em vários planos da
sociedade, proclamaram o contínuo desenvolvimento das enormes potencialidades do sistema socialista
soviético, colocando designadamente a meta de duplicar o Produto Interno Bruto no período
subsequente de 15 anos.

Porém, a orientação dada a estas reformas cedo começou a pôr em causa não só os princípios do
socialismo mas também os próprios fundamentos em que assentava todo o sistema político, social e
econômico da URSS.

1) A Glasnot (transparência, publicitação)

A Glasnot designou a primeira etapa da perestróika, que se prolongou até o desmonte soviético, e
consistiu numa “revolução de consciências”, conduzida de acordo com a teoria da revolução de Antonio
Gramsci.
A estabilidade ou o derrubamento dos regimes políticos dependeria assim da capacidade de alcançar ou
de destruir a “hegemonia” de pensamento, no pressuposto de que em qualquer dos casos se trata não
de um resultado da luta de classes, mas de um processo “molecular”, de graduais e imperceptíveis
alterações na opinião e atitude de cada cidadão.

Assim, a glasnost constituiu “um grande programa de destruição de imagens, símbolos e ideias, que
consolidavam o ‘núcleo cultural’ da sociedade e reforçavam a hegemonia do estado soviético. Este
programa foi executado através da intensa utilização dos meios estatais de informação de massas,
envolvendo ativamente prestigiados cientistas, poetas e artistas. Nesta operação, a parte da
intelligentsia (porção social envolvida com trabalho intelectual complexo e criativo) que apelava ao bom
senso foi completamente silenciada, impedindo-se qualquer tentativa de debate sério na sociedade: a
maioria “reacionária” não conseguiu expressar-se.

A descredibilização dos símbolos e imagens alcançou uma notável profundidade histórica alvejando,
desde figuras recentes como o general Jukov, até personagens do passado como o general Kutuzov ou
mesmo o mítico Aleksandr Nevski.
Foram utilizados de forma intensiva os grandes acidentes (Tchernóbil ou o naufrágio do navio «Admiral
Nakhimov», em Abril e Agosto de 1986, respectivamente), os incidentes (aterragem na Praça Vermelha
da avioneta do cidadão alemão, Mathias Rust, em Maio de 1987), os derramamentos de sangue (Tbilissi,
1989), ou ainda situações chocantes como a infecção com SIDA de 20 crianças num hospital da cidade
de Elist, em Kalmekia, que produziram um grande efeito psicológico.
Curiosamente neste último caso, concomitantemente, na França, foram infectadas quatro mil pessoas
com sangue contaminado, notícia que foi completamente omitida pela imprensa e televisão soviéticas.

Particular pressão ideológica exerceram as sondagens de opinião promovidas pelos meios de


comunicação. Como exemplo eloquente, há o inquérito sobre a qualidade da alimentação, realizado em
toda a União Soviética em 1989, no qual 44 por cento da população se queixavam de uma alegada falta
de leite e lacticínios.

O fato é que, o consumo médio per capita deste tipo de produtos na URSS era de 358 quilogramas por
ano. Nos Estados Unidos, este valor era de 263 e na Espanha de 140 quilogramas.
Mais extraordinário foi o resultado do estudo na Armênia, onde o consumo médio de leite e lacticínios
atingia os 480 quilogramas anuais por pessoa. Apesar disso, uma esmagadora maioria de 62 por cento
dos inquiridos teria opinado haver carência destes alimentos.

Em resumo, na consciência social foi denegrida a imagem de praticamente todas as instituições do


Estado, desde a Academia das Ciências aos jardins-de-infância, mas sobretudo do sistema econômico e
do exército. Depois de criados os estereótipos negativos, iniciou-se a reforma dos órgãos de poder e da
administração.

2) A reforma das instituições

Nesta etapa, o slogan da Perestróika era “Mais Socialismo, Mais Democracia”. Após o alicerce ideológico
posto pela Glasnot, começaram as reformas das instituições estatais.

Nesse ano, mediante a revisão da Constituição, foi alterada a estrutura dos órgãos supremos de poder e
o sistema eleitoral. Foi instituído, como novo órgão supremo legislativo, o Congresso dos Deputados do
Povo da URSS, que se reunia uma vez por ano, elegendo entre os seus membros o Soviete Supremo da
URSS, bem como os seus Presidente e Vice-Presidente.

Era composto por 2250 deputados, dos quais 750 eleitos pelos círculos territoriais e 750 pelos círculos
nacionais-territoriais, assim como 750 designados pelas organizações sociais de toda a União (100
mandatos estavam atribuídos ao PCUS, 100 à União dos Sindicatos, 75 ao Komsomol, etc.).

Os dirigentes do PCUS tinham a maioria assegurada neste órgão, já que tanto a distribuição dos
mandatos pelas organizações sociais como a seleção dos candidatos estavam ainda sob o controle dos
organismos partidários. Os operários e os kolkhozianos representavam 23,7 por cento no conjunto dos
deputados do povo.

A Constituição da URSS, revista em 1988, e a nova lei eleitoral eram muito menos democráticas do que a
Constituição de 1936 revista em 1977. As eleições dos deputados do povo não eram suficientemente
equitativas e diretas. Um terço dos deputados era eleito diretamente nas organizações sociais, em
assembleias de delegados. Assim, enquanto que nos círculos eleitorais cada mandato correspondia a
230.400 eleitores, nas organizações sociais esta relação era apenas de um mandato para 21,6 eleitores
(cerca de dez mil vezes menor). O número de candidatos era também aqui muito inferior, não
ultrapassando, em média, 1,2 por mandato. Se no PCUS (como uma das organizações sociais), fossem
apresentadas tantas candidaturas como nos círculos, nenhum membro da sua direção teria sido
eventualmente eleito deputado».

O sistema não garantia tão pouco o princípio de “um cidadão, um voto”. Alguém que pertencesse
simultaneamente ao Comitê Central do PCUS e a várias direções de organizações sociais tinha o direito
de votar em todas elas e ainda no respectivo círculo.

Em resultado destas alterações, pela primeira vez na história da União Soviética, o Soviete Supremo da
URSS, eleito em 1989, não incluiu praticamente operários ou camponeses. A esmagadora maioria dos
seus membros era constituída por cientistas, jornalistas e funcionários administrativos.

Em Março de 1990 foram introduzidas novas alterações na Constituição e instituído o cargo de


Presidente da URSS, ao qual foram atribuídos plenos poderes que o colocaram acima do Presidium do
Soviete Supremo da URSS, que até aí era o órgão colegial de chefia do Estado. O presidente acumulava
agora o posto de Chefe Supremo das Forças Armadas da URSS, com competência para nomear e demitir
os comandos militares; tinha capacidade para, em nome do Soviete Supremo e mais tarde do Congresso
dos Deputados do Povo, designar e demitir o presidente do Governo da URSS, o Supremo Tribunal, o
Procurador-geral, o presidente do Supremo Tribunal Arbitral e do Comitê Constitucional de Fiscalização.

O Presidente da URSS tinha ainda poder para declarar a mobilização, a guerra, o estado militar ou de
sítio nas diferentes regiões do país e exercer temporariamente a governação presidencial. Inicialmente
foi criado um Conselho Presidencial, mas acabou este órgão foi extinto em Novembro de 1990 por não
ter condições para funcionar.

Para além de encabeçar o Conselho de Segurança da URSS, cujos membros eram nomeados com o
acordo do Soviete Supremo, o Presidente da URSS era a primeira figura do Soviete da Federação,
constituído pelo Vice-Presidente da URSS e pelos presidentes das Repúblicas, cujas decisões eram
tomadas por maioria de dois terços.

A criação do cargo de Presidente da URSS previa a sua eleição direta. Contudo, da primeira vez, a título
excepcional, o chefe de Estado foi prudentemente eleito pelos Deputados do Povo. Os usurpadores não
poderiam deixar que tanto poder caísse em mãos que não estavam de acordo com seu projeto de
dissolução soviética. Em 1990, aliás, era impossível pensar que Mikhail Gorbatchov poderia ser eleito
em eleições diretas.

Em 20 de Março de 1991, foi extinto o Soviete de Ministros (Sovmin) da URSS e criado um Governo de
novo tipo – o Gabinete de Ministros da URSS adjunto do Presidente, com um estatuto inferior e funções
mais restritas em comparação com o tradicional Sovmin.

As transformações nos órgãos locais de poder começaram em 1987 com a introdução do “pluralismo”
na apresentação de candidaturas. Nesse ano, em cinco por cento das regiões da URSS, 120 mil
candidatos concorreram a 94 mil mandatos.

Em 1988 foram aprovadas mais alterações à Constituição e uma nova lei eleitoral dos deputados do
povo da URSS. Nos sovietes locais foi criado o cargo de presidente que passou a desempenhar as
funções dos comitês executivos (Ispolcom). Os funcionários destes comitês e os dirigentes do Partido
deixaram de poder ser eleitos para deputados dos sovietes – o que constituiu um passo para o
afastamento do poder do Partido e do seu aparelho.

A Lei de Bases sobre o Poder Local, a Gestão Autônoma e a Economia na URSS, de 1990, entre outras
alterações de fundo, definiu o conceito de “propriedade comunal”, atribuindo aos sovietes locais uma
base econômica constituída pelos recursos naturais (terra, água, florestas, etc.), bem como, enquanto
fontes de receita, pelas empresas e outros objetos econômicos situados no seu território.

Os sovietes ganharam competência para lançar impostos sobre os lucros das empresas, aplicar taxas
locais e gerir fundos em divisas. Este foi um passo importante para o desmembramento da propriedade
social de todo o povo e para a descentralização do poder do Estado em benefício dos interesses locais.

Na sequência do conflito na região autônoma de Nagorno-Karabakh, na República do Azerbaijão, foi


criado, em 12 de Janeiro de 1989, um órgão extraordinário de poder local, o Comitê de Administração
Especial, diretamente subordinado ao Soviete Supremo da URSS. Investido de plenos poderes, mediante
a suspensão temporária das competências do Soviete dos Deputados do Povo da Região Autônoma,
este comitê declarou o estado de emergência no território em Janeiro de 1990.

3) As mudanças políticas

As “frentes populares”, constituídas nas repúblicas do Báltico em 1988 com o apoio da direção do CC do
PCUS, foram as primeiras organizações políticas de massas com plataformas claramente anti-soviéticas e
anti-União. De início proclamaram como objetivo a defesa da glasnost, mas depressa passaram a outros
slogans, primeiro de caráter econômico (autonomia financeira das repúblicas), apelando até ao
separatismo político.

A oposição anti-soviética constituiu-se formalmente como organização no I Congresso dos Deputados


do Povo, fundando o Grupo Inter-regional de Deputados (GID). Os seus objetivos foram anunciados nas
“Teses para a Plataforma do GID”, em Setembro de 1989.

Recorrendo a uma retórica “anti-imperial”, o GID aliou-se de imediato aos líderes separatistas. Duas das
suas principais exigências vieram a desempenhar um importante papel no processo que se seguiu: a
eliminação do artigo 6.º da Constituição, que consagrava o papel dirigente do PCUS na sociedade, e a
legalização das greves. Seguindo uma estratégia definida, esta formação lançou ainda a palavra de
ordem “Todo o Poder aos Sovietes” como forma de destruir a hegemonia do PCUS. Mais tarde os
sovietes seriam declarados como “refúgios de burocratas do Partido” e, como tal, começaram a ser
liquidados.

Antes da abertura do II Congresso dos Deputados do Povo, realizado em 12 de Dezembro de 1989, o


Soviete Supremo decidiu, por escassos votos, não incluir a proposta de retirar o artigo 6.º da
Constituição na ordem de trabalhos.

Em resposta, nas vésperas do início da reunião magna, o GDI apelou a uma greve geral política,
insistindo na eliminação do artigo. Apesar disso a maioria do Congresso manteve a decisão e o assunto
não foi debatido.

Já nessa altura, os objetivos de destruição do Estado Soviético sobrepunham-se claramente ao discurso


reformador. Sintomaticamente, aqueles ditos “democratas” opuseram-se à aprovação da lei sobre a
fiscalização constitucional e à eleição do respectivo Comitê de Fiscalização. Tratando-se de um passo
importante para a construção do Estado de Direito que reclamavam, a sua posição foi justificada com o
fato de a Constituição, no seu artigo 74.º, estabelecer o primado da legislação da União sobre as leis das
repúblicas.

Um ano depois seria o próprio Comitê Central do PCUS a aprovar a inclusão nos trabalhos do III
Congresso dos Deputados do Povo do projeto de revisão da Constituição nas questões de sistema
político (artigos 6.º e 7.º da Constituição). A eliminação do artigo 6.º foi incluída num “invulgar pacote
de reformas” em que se destacava a criação do cargo de Presidente da URSS. O fundamento legal em
que assentava o papel dirigente do PCUS foi assim eliminado, abatendo-se o sustentáculo de todo o
sistema político estatal.

Daqui decorria que o presidente da URSS (que acumulava as funções de secretário-geral do PCUS)
deixava de estar obrigado a prestar contas ao Partido. Na prática, isto significava que o Politbureau e o
CC eram afastados de qualquer participação na tomada de decisões. A supressão da nomenclatura [que
na prática trata-se do fim da sua subordinação ao Partido] e a privação do PCUS de bases legais para
influenciar a política de quadros colocaram fora do controle do Partido as elites locais e das repúblicas.

Em Janeiro de 1990, foi criado o movimento radical "Rússia Democrática", que se assumiu claramente
como anticomunista, surgindo a seguir outras formações anti-soviéticas e nacionalistas que prepararam
o terreno para o conflito com o centro da União e com as minorias nacionais das respectivas repúblicas.

Por seu lado, a oposição “conservadora” não conseguiu organizar-se, quer nos órgãos de poder, quer
dentro do PCUS. Os deputados do povo que estavam insatisfeitos com as mudanças criaram um
inconsistente grupo parlamentar designado “União”, que não foi capaz de elaborar uma plataforma ou
um programa de ação. “As suas intervenções eram pouco claras.”

4) Alterações no sistema armado e de segurança interna

A reorganização das instituições militares e de segurança decorreu sob uma violenta campanha
ideológica contra o KGB, o Ministério do Interior e o Exército, apontados como a parte mais
conservadora do Estado Soviético.

Contudo, as alterações mais importantes verificaram-se não tanto na sua estrutura mas sobretudo no
processo de tomada das decisões de Estado, do qual os comandos militares se viram totalmente
afastados. O grande exemplo é que a declaração de Mikhail Gorbatchov, que impressionou todo o
mundo, em 15 de Janeiro de 1986, anunciando um programa de desarmamento nuclear total da URSS
num prazo de 15 anos foi uma completa surpresa para os militares.

Este estilo manteve-se durante a toda perestróika, sendo denunciado pelos próprios membros da
Comissão Interdepartamental para o Desarmamento, constituída em 1986 por dirigentes dos
ministérios dos Negócios Estrangeiros, Defesa, KGB, Comissão militar-industrial do Soviete de Ministros
e de diferentes seções do PCUS.

Em 1990, os seus membros queixaram-se de que os acordos de desarmamento com os EUA não apenas
não eram debatidos com a Comissão como esta nem sequer era informada sobre o seu conteúdo.

O Chefe do Estado-Maior, M.A. Moissev, relatou que, em consequência das manobras do ministro dos
Negócios Estrangeiros, E. A. Chevarnadze, os EUA obtiveram o direito de possuir 11 mil ogivas nucleares
contra apenas seis mil para a URSS. As “divergências” foram, entre muitas aspas, “resolvidas” através da
extinção da Comissão. Por fim, a KGB e os demais órgãos de defesa foram totalmente silenciados, sem
representação política institucional.

No âmbito da segurança interna, outras inovações eram o prenúncio dos “novos tempos”. Em 1987,
para a manutenção da ordem pública durante os comícios e manifestações, foram criados
destacamentos especiais de polícia. Em 1989, no equipamento dos agentes policiais, é introduzido o
bastão de borracha, medida que teve um grande significado simbólico, denunciando caráter autoritário
contra a população.

5) O desmantelamento da administração estatal


Nos órgãos centrais de administração da URSS e das repúblicas foram reduzidos 593 mil trabalhadores,
dos quais 81 mil só em Moscou. Diminuiu em 40 por cento o número de subdivisões do aparelho
central. A consequência direta destas medidas foi a destruição do sistema de informação da economia.

Numa época em que os registos ainda não estavam informatizados, a experiência dos funcionários era
decisiva na recolha, classificação e divulgação da informação. Quando os seus postos de trabalho foram
extintos, os canais ficaram bloqueados. As empresas, dependendo de centenas de produções e de
milhares de produtos, viram-se obrigadas a procurar febrilmente fornecedores pelos seus próprios
meios. Alguns trabalhadores despedidos, que conservaram os seus cadernos e fichas, começaram a
comercializar essa preciosa informação. A destruição do sistema de organização vertical constituiu uma
das causa principais da ruína da economia.

A mesma falta de lógica caracterizou todo o processo, iniciado em 1987, de extinção, junção e divisão de
ministérios e departamentos em praticamente todos os sectores. Entre vários exemplos, o autor refere
que, em 20 de Julho de 1987, foi decretada a fusão do Ministério da Construção de Máquinas para a
Pecuária com o Ministério da Construção de Tratores e Máquinas Agrícolas, o qual viria a ser extinto em
2 de Dezembro de 1988. Em simultâneo, foi extinto o Ministério da Indústria Automóvel, sendo criado
depois o Ministério da Construção Automóvel e Máquinas Agrícolas.

Já em Novembro de 1985 tinham sido extintos seis departamentos ligados à agricultura e criado o
Departamento Estatal da Agro-indústria, que foi por sua vez dissolvido em Abril de 1989, sendo
delegadas parte das suas funções a uma Comissão Estatal do Soviete de Ministros da URSS para as
questões da alimentação e aprovisionamento. Em Abril de 1991 foi criado o Ministério da Agricultura.

Em Agosto de 1986, o Ministério da Construção Civil foi regionalizado, surgindo em sua substituição
quatro ministérios responsáveis pela construção nas diferentes regiões da URSS, que funcionaram até
1989, ano em que foram todos extintos.

Todas estas constantes alterações fizeram com que, na prática, a partir de 1986, o aparelho central de
administração da economia tenha ficado inoperacional.

6) A desestabilização da economia

A URSS possuía um sistema financeiro específico que assumia formas diferenciadas consoante se
tratasse da esfera produtiva ou do consumo público. Na produção, o dinheiro não tinha existência física,
era utilizado sob a forma de créditos definidos e controlados no balanço dos diferentes setores de
atividade. Isto significa que não existia capital financeiro nem juros, ou seja, nesta esfera, o dinheiro não
se vendia.

No mercado de consumo geral, as mercadorias eram adquiridas pela população com dinheiro tradicional
com que eram pagos os salários, pensões e restantes prestações pecuniárias.

A massa monetária era rigorosamente controlada de forma a assegurar a sua correspondência com a
quantidade de mercadorias e serviços disponíveis, o que permitia manter preços baixos e evitar a
inflação. Contudo, este sistema só podia funcionar sob a estrita proibição de converter em dinheiro
“vivo” os créditos na esfera produtiva.

Outra particularidade do sistema era a não convertibilidade do rublo. A escala de preços na URSS era
completamente diferente da que vigorava no mercado mundial. Por isso o rublo apenas circulava no
mercado interno. Era uma espécie de “quitação” através da qual os cidadãos recebiam os seus
dividendos da propriedade social sob a forma de preços baixos.

Era assim essencial que o circuito do dinheiro em espécie estivesse blindado em relação aos mercados
internacionais, o que era assegurado pelo monopólio estatal sobre o comércio externo.

A liberalização do sistema financeiro e do mercado da URSS implicava que os salários e preços fossem
equiparados aos padrões mundiais. No entanto, este aspecto foi desprezado e, entre 1988-89, os dois
circuitos monetários (produtivo e de consumo) foram abertos sem olhar às consequências.

A primeira medida foi a eliminação do monopólio estatal sobre o comércio externo. A partir de 1 de
Janeiro de 1987, duas dezenas de ministérios e 70 grandes empresas foram autorizadas a realizar
diretamente as suas operações de importação e exportação. Um ano depois eram extintos o Ministério
do Comércio Externo e o Comitê Estatal de Relações Comerciais, sendo criado o Ministério de Relações
Econômicas Exteriores que se limitava a registar as empresas e outras entidades interessadas na
importação ou exportação. Em 1990, até os próprios sovietes locais foram autorizados a realizar
comércio externo.

A Lei das Cooperativas permitiu que as empresas estatais e os sovietes locais desenvolvessem
rapidamente no seu seio uma rede de firmas exportadoras que encaminhavam para o estrangeiro uma
parte significativa da produção. No mercado interno sentiram-se graves carências que afetaram a
generalidade da população, mas o negócio gerava grandes lucros para alguns.

Os especuladores chegavam a obter 50 dólares por cada rublo, comprando diretamente às empresas as
mais variadas mercadorias e revendendo-as no estrangeiro. Alguns tipos de produtos mais fáceis de
transportar, como por exemplo louça em alumínio, eram adquiridos em grandes quantidades e
revendidos como simples sucata noutros países.

De acordo com os cálculos, em 1990, cerca de um terço dos produtos industriais de consumo geral
fabricados na URSS terá sido enviado para fora do país.

No Inverno de 1991, o governo da Turquia chegou a solicitar ao primeiro-ministro da URSS que


promovesse a criação de uma rede de assistência técnica para os televisores de fabrico soviético, cujo
número já ultrapassava um milhão. Surpreendentemente, a estatística oficial da URSS não registou a
venda de um único aparelho à Turquia.

A segunda medida, tomada em 1987 com a aprovação da Lei sobre as Empresas do Estado, foi a
abertura do circuito dos créditos das empresas, passando estas a poder converter em espécie os
respectivos fundos. Foi o primeiro passo para a privatização do sistema bancário da URSS, já que esta
tarefa coube em grande parte aos dirigentes do Komsomol, através dos então criados centros científico-
técnicos de juventude, que funcionavam nas instalações do Partido e do Komsomol, e que detinham o
direito exclusivo de converter os créditos das empresas em espécie. Estes centros ficaram conhecidos
como “as locomotivas da inflação”, dando alguns deles origem aos primeiros bancos comerciais.

Na economia planificada, os lucros das empresas eram distribuídos da seguinte forma (dados de 1985):
60 por cento iam para o orçamento de Estado e 40 por cento ficavam à disposição das empresas, que
eram obrigadas a destinar 16 por cento destas verbas para o fundo de incentivos econômicos, do qual
eram pagos os prêmios de produção, subsídios, etc.

Em 1990, o orçamento de Estado arrecadou apenas 49 por cento dos lucros, ficando as empresas com
51 por cento, dos quais 48 por cento foram canalizados para o citado fundo de incentivos econômicos.
Desta forma, não só foram drasticamente reduzidas as receitas do orçamento como as próprias
empresas ficaram praticamente sem recursos para investimento.

Em resultado destas medidas registou-se um assombroso crescimento dos rendimentos da população,


sem qualquer correspondência com os níveis de produção. Entre 1981 e 1987, o crescimento anual dos
rendimentos monetários foi, em média, de 15,5 mil milhões de rublos. Mas, entre 1988 e 1990, atingiu
66,7 mil milhões de rublos. Só no primeiro semestre de 1991, os rendimentos da população cresceram
95 mil milhões de rublos, apesar de o salário médio na indústria apenas ter crescido 36 por cento.

Os recursos foram desviados do investimento para o consumo, pondo em causa o desenvolvimento e o


futuro dos postos de trabalho. A perestróika ganhou contornos de um autêntico festim, mas a ressaca
veio cedo.

Um tal aumento dos rendimentos, em simultâneo com a redução das reservas de mercadorias no
comércio, conduziu à ruína. Foi necessário introduzir o sistema de senhas de racionamento para a
vodka, açúcar, sapatos. Ao mesmo tempo as importações subiram em flecha.

Em 1987, as exportações superavam as importações em 7,4 mil milhões de rublos. Dois anos depois, em
1989, a URSS ainda apresentou um resultado positivo na balança comercial externa. O primeiro saldo
negativo registou-se em 1990, quando as importações ultrapassaram as exportações em 10 mil milhões
de rublos.

A evolução do déficit orçamental foi igualmente rápida. De 13,9 mil milhões de rublos em 1985, passou-
se para 41,4 mil milhões em 1990. Nos primeiros nove meses de 1991 atingiu-se os 89 mil milhões.

Na República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR), a degradação das finanças públicas foi ainda
mais grave. Até 1989, não existia qualquer déficit. Nesse ano foi registado um superavit de 3,9 mil
milhões de rublos. Porém, a situação inverteu-se subitamente. Logo em 1990, o déficit orçamental
cifrou-se em 29 mil milhões de rublos. Em 1991, alcançava os 109,3 mil milhões de rublos.

7) A liquidação do sistema planificado

O Plano Quinquenal permitia ao Estado Soviético administrar praticamente todos os setores da


economia, assegurando um equilíbrio entre a produção, o consumo e a acumulação. A distribuição de
recursos entre os diferentes ramos produtivos e empresas era regulada através do plano e da política de
preços.

Este sistema de modo algum foi posto em causa no início da perestróika: “Nas decisões do XXVII
Congresso, confirmadas depois no Plano Estatal para o quinquênio 1986-1990, não se encontra uma só
referência que aponte para um desvio a estes princípios, antes pelo contrário, reafirma-se o
prosseguimento dos grandes programas estatais inter-setoriais, designadamente o alimentar e o
energético.”

Apesar disso, a partir de Junho de 1987, na sequência da redefinição do conceito de perestróika, agora
apresentada escancaradamente como “uma transição para a economia de mercado”, o sistema
planificado de distribuição dos recursos começou a ser desfigurado.

Ainda nesse ano é aprovada uma resolução conjunta do CC do PCUS e do Soviete de Ministros da URSS
que diminui a gama de produções encomendados às empresas pelo Gosplan (Plano Estatal). Em
substituição do sistema planificado de fornecimentos são criadas redes e bolsas de mercadorias e
matérias-primas. Este processo terminaria com a extinção, em 1991, da Entidade Estatal de
Abastecimento da URSS (Gossnab).
Também em 1987 foram dados os primeiros passos na elaboração da nova lei sobre as empresas
estatais, que viria a ser aprovada no ano seguinte, impondo-lhes a “total autonomia financeira”.

O resultado desta medida foi uma drástica diminuição do investimento produtivo, quer por via do
orçamento de Estado, quer através dos recursos das próprias empresas. O equilíbrio entre os diferentes
ramos da economia foi assim destruído. O abandono dos planos estatais conduziu a uma rápida queda
da produção: “A URSS encontrou-se numa situação em que não tinha nem plano, nem mercado.”

As novas regras que deixavam as empresas por sua conta e risco depressa se traduziram em graves
distorções no mercado.

Um documento interno do CC do PCUS, de 29 de Outubro de 1988, citado na presente obra, descreve a


situação criada da seguinte forma:

"O descontentamento dos pensionistas e dos trabalhadores de baixos e médios rendimentos é


motivado pelo lançamento no mercado de novos produtos com preços mais elevados, ao mesmo tempo
que são retirados da produção outros com grande procura, que têm boa qualidade e preços reduzidos, o
que limita a escolha dos consumidores e os obriga a comprar as mercadorias mais caras. (…) A produção
de mercadorias de preço mais elevado, assegurando o crescimento do volume da produção em valor, é
frequentemente acompanhada de uma diminuição das quantidades produzidas (…) Verifica-se que,
numa série de empresas, a diminuição das quantidades produzidas atinge 20-25 por cento ou mais".

Segundo dados do Goscomstat da URSS, a rentabilidade das mercadorias com preços contratados [não
tabelados pelo Estado] é três vezes superior à média e ultrapassa em 60 por cento o seu custo de
produção.

Em 10 de Julho de 1991, no Programa de Ações conjuntas do Gabinete de Ministros da URSS e dos


Governos das Repúblicas Soberanas, afirmava:

"A situação econômica e social no país agravou-se radicalmente. A queda da produção abrange
praticamente todos os ramos da economia nacional. O sistema financeiro de crédito está numa situação
de crise. O mercado consumidor está desorganizado, sentindo-se por todo o lado a falta de produtos
alimentares e o agravamento significativo das condições de vida das populações. A situação de crise
exige a tomada de medidas extremas para que, no prazo de um ano, seja possível travar a destruição da
economia do país".

Neste contexto, foi preparada, no maior segredo, a lei da “desestatização e privatização das empresas
industriais”, aprovada em Maio de 1991: “Todas as tentativas de organizar um debate na imprensa ou
sequer nos órgãos de direção do PCUS foram bloqueadas (nem mesmo os membros “conservadores” do
Politbureau conseguiram).

A lei das privatizações “liquidou não só o sistema econômico soviético como todo o edifício social (...)
invertendo a sua trajetória civilizacional. (...) Todas as consequências econômicas, sociais e culturais,
que se tornaram visíveis passados três ou quatro anos, foram previstas com exatidão pelos especialistas
em Maio de 1991.

8) Os nacionalismos e a dissolução efetiva

A privatização da indústria seria impossível sem a separação das repúblicas da União, e que, de igual
modo, o desmembramento dos bens comuns provocaria inevitavelmente contradições entre as
diferentes nacionalidades.

A razão por que os movimentos nacionalistas não tinham tido antes da perestróika grande expressão na
URSS reside precisamente no fato de que “na esfera principal da economia, na produção de bens
materiais, não existia concorrência inter-étnica, mesmo no período em que se formaram fortes elites
nacionais, meados dos anos 70”.

Assim que foi declarada a transição para o mercado e criada a perspectiva da privatização, as elites das
repúblicas rapidamente criaram ideologias nacionalistas que propagaram entre os seus compatriotas,
contando com o apoio, a partir do Centro, de influentes ideólogos da perestróika.

O modelo de separatismo variou consoante as condições de cada república. Abordemos aqui o exemplo
da Geórgia, onde “os nacionalistas extremaram o conflito com os abkhazis e organizaram, em
colaboração com o Centro, os trágicos acontecimentos de Tbilissi de Abril de 1989 (na dispersão de um
comício, o exército matou 19 pessoas). Após este incidente, todos os movimentos políticos, incluindo os
comunistas, passaram a exigir a independência (...), a ideia de democracia passou a ser associada ao
nacionalismo”.

As frentes populares criadas nas repúblicas do Báltico em 1988, com a cobertura dos respectivos
partidos comunistas, alegadamente em apoio da perestróika, começaram por defender “a autonomia
financeira das repúblicas”, depois a soberania econômica, passando, em 1988, para posições de
declarado separatismo anti-soviético. Mais tarde, estes partidos comunistas foram destroçados ou
praticamente extintos.

Em 1989, a Assembleia do Báltico declarou ilegal a inclusão da Letônia, Lituânia e Estônia na composição
da URSS, exemplo que seria seguido pelos movimentos nacionalistas nas outras repúblicas.

De resto, a análise dos programas e atividades dos principais movimentos separatistas mostra que,
afinal, as três grandes ideologias que aparentemente perfilhavam – democracia, nacionalismo e
islamismo – não passavam, na realidade, de máscaras ideológicas adotadas pelas elites partidárias-
estatais para encobrir objetivos puramente pragmáticos de partilha do Estado e da sua propriedade.

À exceção da Ucrânia onde, “o nacionalismo nunca se transformou na tendência dominante”, em todas


as outras repúblicas foram organizados incidentes em que houve derramamento de sangue, nos quais
frequentemente o exército soviético foi envolvido.

Os ideólogos da perestróika apostaram na ideia da libertação da “dominação colonial” dos povos não-
russos, declarando a nação como a base da sociedade civil e a sua autodeterminação como prioritária. O
acadêmico Sakharov chegou mesmo a propôr a transformação da URSS numa “união de 130
etnonações”.

Com a vitória dos chamados democratas radicais nas eleições dos deputados do povo da República
Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR), em 1990, a situação agravou-se, já que o órgão supremo
de poder da República, que constituía o núcleo de toda a URSS, passou a apoiar sem restrições todas as
iniciativas independentistas das repúblicas.

No mesmo ano, a República Russa assinou acordos bilaterais com a Ucrânia, Cazaquistão, Bielorússia,
Moldávia e Letônia, o que na prática significou o reconhecimento destas repúblicas como estados
soberanos.

A nova lei sobre a terra, aprovada em Fevereiro de 1990, alterou radicalmente o conceito de
propriedade, elegendo como seus detentores “os povos residentes num dado território” e já não “todo
o povo” soviético.

Meses depois, em Junho, o I Congresso dos Deputados do Povo da RSFSR aprovou a Declaração de
Soberania, que previa a divisão da propriedade social e o primado das leis das repúblicas sobre as leis da
URSS. Este foi o primeiro ato legal que desencadeou o processo de dissolução da União Soviética.

Em Outubro, foi publicada uma lei que previa a aplicação de sanções aos cidadãos e detentores de
cargos públicos que continuassem a aplicar leis da URSS não ratificadas pelo Soviete Supremo da RSFSR.

A etapa seguinte foi a transferência para a jurisdição da RSFSR das empresas subordinadas à União, a
qual, com a introdução do novo sistema fiscal no orçamento da Rússia para 1991, ficou totalmente
privada de receitas.

Estes passos não tardaram a ser seguidos pelas restantes repúblicas soviéticas e mesmo por algumas
repúblicas autônomas que declararam a sua soberania.

Apesar do rumo dos acontecimentos, o IV Congresso dos Deputados do Povo da URSS decidiu, por
votação nominal, preservar o Estado Federal e manter a designação – União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas.

Na Primavera de 1991, por iniciativa do presidente Gorbatchov, foi promovido um referendo sobre a
preservação da URSS, no qual participaram 80 por cento dos eleitores, não obstante as autoridades da
Letônia, Lituânia, Estônia, Geórgia, Moldávia e Armênia se terem recusado a colaborar na sua
organização.

A questão do referendo era a seguinte:


Você considera indispensável a manutenção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas como uma
Federação renovada de repúblicas iguais e soberanas na qual, sob quaisquer circunstâncias, os direitos e
liberdade do cidadão de qualquer nacionalidade serão totalmente garantidos?
As respostas possíveis eram Sim e Não.

Mesmo em condições precárias, nestas repúblicas registou-se uma significativa afluência aos locais de
voto que foram abertos por iniciativa de alguns sovietes locais e coletivos de trabalhadores. “Na Letônia
participaram mais de 500 mil pessoas, na Lituânia, mais de 600 mil, na Moldávia, mais de 800 mil, na
Geórgia, 45 mil e na Armênia, cinco mil”.

Na consulta, o povo soviético deu uma resposta clara e expressiva: 74,4 por cento dos participantes
votaram a favor da conservação da URSS. Mas foi um esforço ingrato: O resultado foi simplesmente
ignorado pelos políticos e não teve qualquer influência no processo que se seguiu.

Na realidade, o referendo apenas serviu para legitimar a possibilidade em si de dissolução da URSS, que
até ali permanecia na consciência de massas como um símbolo inabalável.

Entretanto, decorria o processo do Pacto da União, ideia que surgiu ainda em 1989 e se traduziu num
documento apresentado em Maio de 1990. Em Novembro desse ano, a proposta de Pacto da União foi
submetida ao Soviete Supremo, sendo rejeitada pela “esquerda” e pela “direita”. Gorbatchov decidiu-se
então por realizar contatos diretos com as nove repúblicas que manifestavam vontade de assinar o
Pacto. Iniciado em 23 de Abril de 1991, o processo de Novo-Ogarev, como ficaria conhecido, nunca seria
concluído.
A última variante do projeto, denominado Pacto da União de Estados Soberanos, foi discutida em 23 de
Julho de 1991. Nessa data, os líderes das repúblicas marcaram a sua adoção oficial para Setembro ou
Outubro. Porém, num encontro secreto entre Gorbatchov, Ieltsin e Nazarbaev (Presidente da República
do Cazaquistão), realizado em 29 e 30 de Julho, também na cidade de Novo-Ogarev, foi decidido
antecipar a assinatura para 20 de Agosto, à revelia do Congresso de Deputados do Povo da URSS. O
texto final do Pacto nunca foi entregue ao Soviete Supremo da URSS, tendo aparecido publicado na
imprensa em 15 de Agosto.

O “golpe de Estado”, ocorrido entre 19 e 21 de Agosto, inviabilizou a conclusão de um Pacto que era “o
resultado de compromissos pessoais assumidos por Gorbatchov e não da sua vontade de preservar o
poder da União”.

Citando as conclusões de três equipes de especialistas, o autor refere que o texto acordado, para além
de se afastar dos princípios do Estado Federal, não permitia sequer a constituição de uma confederação
ou sequer um clube de estados.

9) O “Golpe” de Agosto de 1991

Em Junho de 1991, Boris Ieltsin foi eleito, com 43 por cento dos votos, presidente da RSFS (República
Socialista Federativa Soviética da Rússia). Em 2 de Julho, constituiu-se formalmente, no CC do PCUS, a
facção denominada “Movimento pelas Reformas Democráticas”, liderada por A.N. Iakovlev e por E.A.
Chevardnaze. Gorbatchov manifestou apoio a esta facção, alegando que o seu objetivo era “obter a
concórdia e a unidade”.

Na manhã de 19 de Agosto, a rádio noticiava que Gorbatchov, de férias na estância balnear de Foros, na
Crimeia, suspendera por razões de saúde as funções de Presidente da URSS e que a chefia do Estado
foram assumida por um comitê estatal de emergência (CEE) com plenos poderes. Para garantir a ordem
pública, tropas do exército e unidades blindadas tomaram posições nas ruas em Moscou.

O comitê de emergência era constituído pelo vice-presidente da URSS, Gennadi Ianaev, incumbido das
funções de Chefe de Estado durante ausência de Gorbatchov, pelo primeiro-Ministro, Valentin Pavlov,
os ministros do Interior, Boris Pugo, e da Defesa, Dmitri Iazov, o presidente do KGB, Vladimir Kriutchkov,
um membro do conselho presidencial da Indústria de Defesa e pelos presidentes das associações das
empresas industriais e agrícolas. O comitê tinha o apoio de praticamente todo o Gabinete de Ministros,
com o qual se reuniu em 19 de Agosto.

No essencial, na “conspiração” estava envolvida toda a “equipa de Gorbatchov” e, à exceção dele


próprio, toda a cúpula do poder de Estado. Porém, o fato é que o Comitê não tomou quaisquer medidas.
Na capital soviética, o único distúrbio a assinalar registou-se num túnel da circular rodoviária Sadovoi,
onde dois automóveis barricados tentaram impedir a marcha de um blindado. No confronto com os
militares, três jovens civis foram mortos.

Durante o golpe, a imprensa apresentou o exército como uma instituição de “fascistas assassinos” e os
generais como um coletivo inimigo do povo. Contudo, mais tarde, verificou-se que o comando militar se
abstivera de qualquer iniciativa contra forças políticas, assim como do lado dos soldados não se
registaram agressões ou sequer ameaças.

Na manhã de 21 de Agosto, foi estabelecida finalmente comunicação telefônica com Gorbatchov, que
chegou a Moscou no próprio dia, ao lado do vice-presidente da Rússia, A.V. Rutskoi, e do primeiro-
ministro russo, I.C. Silaev, que estava na Crimeia para o acompanhar no regresso.
Para muitos observadores, “o fim do putsch foi completamente inesperado e inexplicável. Os
“democratas” não representavam qualquer ameaça militar para os putschistas e não se registou
qualquer ataque. Do lado dos putschistas também não se verificou qualquer movimentação, não
havendo sequer notícia de negociações, nas quais pudessem sentir-se pressionados a ceder as suas
posições”.

Em Moscou, Gorbatchov alegou que fora preso e privado de comunicações na sua datcha (casa de
campo), em Foros. Mas também esta versão caiu por terra, uma vez que a casa e o próprio automóvel
do presidente estavam equipados com ligações por satélite. Este fato foi confirmado publicamente pelo
diretor-geral da empresa Signal, V. Zadin que, logo em 24 de Agosto, reagindo às declarações de
Gorbatchov, afirmou que “era impossível isolar o Presidente de comunicações” e que este só não
atendeu as chamadas porque não quis.

A versão oficial, avançada por Ieltsin e mais tarde adotada pelo Soviete Supremo da URSS, qualificou os
acontecimentos como um golpe de estado, organizado por um grupo de conspiradores criminosos, para
os quais chegou a ser pedida a pena de morte.

No golpe, não estiveram envolvidas quaisquer forças políticas organizadas. O PCUS recusou-se a tomar
posição sobre o Comitê de Emergência enquanto não conhecesse a situação em que se encontrava o
seu secretário-geral e, no dia 20 de Agosto, apesar de se encontrarem em Moscovo cerca de dois terços
do membros do Comitê Central, o Secretariado decidiu não convocar o plenário do CC.

Acresce que todos os processos judiciais desencadeados depois do golpe, contra as organizações
distritais do PCUS e uma série de membros do Politbureau e do Secretariado do CC, foram arquivados
dada a total ausência de indícios da sua implicação nos acontecimentos de Moscou.

O próprio grupo União (Soiuz), que antes exigira a demissão do presidente e a declaração do estado de
emergência, não se envolveu no golpe. Pelo contrário, o seu presidente, N. Blokhin, condenou as ações
do comitê.

Também não se registaram quaisquer manifestações de massas em apoio ou contra os golpistas. E


apesar dos apelos à greve feitos por Ieltsin, à excepção da Bolsa, nenhuma outra empresa fechou.

É uma evidência que o golpe foi o pretexto ideal para acelerar o processo em curso de destruição da
União Soviética, e de imediato, foi dado início à primeira fase de redistribuição da propriedade.

Sem qualquer cobertura judicial, não só o PCUS foi expropriado como muitas organizações sociais,
jornais e estabelecimentos de ensino superior sofreram tentativas de ocupação e confiscação dos seus
bens. Alguns destes atos foram amplamente noticiados, caso do cerco ao edifício da União dos
Escritores da URSS, ao qual resistiram os membros que ali se encontraram reunidos, fazendo fracassar a
tentativa de assalto.

O principal resultado da “revolução de Agosto” foi notoriamente a proibição, à margem dos tribunais,
do PCUS e do Partido Comunista da RSFSR, bem como de uma série de organizações sociais pró-
soviéticas. O próprio Gorbatchov apelou à auto-dissolução do PCUS.

Para o politólogo americano, A. Ianov, “a vitória de Agosto cumpriu quase integralmente a função dos
poderes de ocupação”.

A partir daqui, a desmontagem de todo o sistema de poder da URSS tornou-se num mero assunto
técnico. O V Congresso dos Deputados do Povo da URSS, aberto em 2 de Setembro, não foi sequer
autorizado a iniciar a sua ordem de trabalhos. A declaração do presidente da URSS, lida aos deputados
por N. A. Nazarbaev, era um ultimato exigindo a auto-dissolução deste órgão democraticamente eleito.
O Congresso foi liquidado e, em 14 de Setembro, o recém criado Soviete Estatal da URSS, em
substituição do Soviete Supremo, decidiu extinguir a maioria dos ministérios e departamentos da União
Soviética.

A ideia do Pacto da União era entretanto recuperada. Agora apenas com vista à constituição de uma
confederação, em que entrariam dez estados (Rússia, Ucrânia, Bielorússia, Cazaquistão, Azerbaijão,
Kirguistão, Tadjiquistão, Arménia, Turquemenistão e Usbequistão). O Pacto devia ser assinado em
Dezembro de 1991, mas, num encontro realizado em Minsk (Bielorússia), no dia 8 desse mês, entre
Boris Ieltsin, Leonid Kravtchuk (primeiro presidente da Ucrânia) e Stanislav Chuchkevitch6 (presidente
do parlamento e chefe de Estado da Bielorrússia), foi assinado um acordo secreto que pressupunha a
liquidação da URSS. A declaração afirmava que a URSS “como sujeito do direito internacional e realidade
geopolítica” cessava de existir.

As repúblicas da Ásia Central (Uzbequistão, Tadjiquistão Turquemenistão e Kirguistão), Cazaquistão e


Armênia manifestaram a sua perplexidade, mas era já tarde demais. A história do Estado da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas terminara.

Bibliografia:

Foram utilizados aqui a obra do historiador, político, filósofo, sociólogo e químico Serguei Kara-Murza,
em sua obra A Civilização Soviética, (dois volumes e mais de 1600 páginas), publicada em 2002,
disponíveis na íntegra aqui:

http://www.kara-murza.ru/books/sc_a/sc_a_content.htm

http://www.kara-murza.ru/books/sc_b/sc_b_content.htm

Mais especificamente, foram utilizados os trechos:

Vol. II, parte II, C. 5, págs. 269-278:


http://www.kara-murza.ru/books/sc_b/sc_b11.htm#hdr_16

V.II, Parte II C.6, págs. 278-291:


http://www.kara-murza.ru/books/sc_b/sc_b12.htm#hdr_17

-AS.
HOLODOMOR

HOLODOMOR – UMA FRAUDE ANTI-COMUNISTA

Há um fato importante sobre o Holodomor que as pessoas estão esquecendo. (Na verdade, existem
alguns, mas um em particular)

Em primeiro lugar devo explicar brevemente o que é o Holodomor.

Holodomor ou o chamado genocídio ucraniano foi uma fome na Ucrânia de 1932 a 1933. A razão pela
qual foi chamada de genocídio e não fome (o que foi) é porque teria sido intencional, feita pelo homem.

A burguesia sempre tenta equiparar o comunismo ao nazismo. Stalin e Mao com Hitler. Na realidade,
eles não têm nada em comum quando se trata de política real, ao contrário, nazismo e comunismo são
diametralmente opostos em quase todos os aspectos. No entanto, a burguesia ainda tenta fazer isso.
Eles tentam argumentar que Stalin e, portanto, o comunismo é tão mau quanto Hitler e o nazismo,
afirmando que Stalin era um monstro genocida. O problema é que eles precisam de um genocídio, de
preferência algo do mesmo calibre que o Holocausto.

Uma vez que tal genocídio cometidos pela União Soviética sob a liderança de Stalin não exista, eles
tentam fabricar um a partir desta fome.

Muitas pessoas salientam corretamente que na União Soviética, bem como no império russo, ou em
qualquer outro país agrário semi-feudal, haviam fomes frequentes. Basicamente cada vez em que
haviam má colheitas por causa da seca, inundações, tempo muito frio, tempo muito quente etc.
houveram fome em alguma parte do império russo.

Isso ocorre porque a agricultura nesse ponto não foi tecnologicamente desenvolvida e era baseada na
produção em pequena escala que mal produzia excedentes. (Estamos falando do Império Russo e da
União Soviética antes da coletivização e industrialização da década de 1930).

Também as estradas eram ruins e a tecnologia de comunicação era quase inexistente e por isso era
difícil enviar ajuda para responder à fome. Não que o czar realmente se importasse de alguma forma
com isso.

O ponto é que a fome era comum antes dos soviéticos tomarem o poder e o país começar a se
industrializar rapidamente na década de 30. Antes havia fome em alguma parte do império russo quase
a cada dois anos. Houve uma em 1901, 1906, 1911 e assim por diante.
Portanto, o fato de que houve uma fome na Ucrânia não é tão incomum.

Em segundo lugar eu gostaria de brevemente dar as explicações sobre o número de vítimas. Tudo o que
eu vou dizer é que o número se baseia em puras especulações não-científicas.

Basicamente foi pego o aumento da população dos anos 32 a 34 e comparado com outros momentos.
Em seguida, conclui-se que, por ser menor então todas as pessoas devem ter morrido.

Na realidade, haviam simplesmente menos nascimentos. Tudo bem, haviam também um monte de
mortes por fome, mas seria idiota pensar que os nascimentos não iriam diminuir durante uma fome.

Portanto, o número é ridículo. Eu tenho certeza que existem outros problemas com sua metodologia,
mas eu não vou entrar nesse mérito, porque o que realmente importa sobre o holodomor é muito mais
óbvio.

Conclui-se que a fome na Ucrânia naquela época não era incomum. Concluímos que o número de
vítimas não é confiável.

O terceiro aspecto a ter em mente é que não há evidências, em documento ou de outra forma a sugerir
que a fome era intencional ou feita pelo homem.

Não existe nenhuma ordem assinada por Stalin aos funcionários soviéticos ordenando-os a morrer de
fome na Ucrânia ou qualquer coisa assim. Há algumas fotos publicadas pelos nazistas sobre o assunto. E
as imagens publicadas mais recentemente pelos anti-comunistas. Estas imagens no entanto realmente
não significam nada, e são utilizadas apenas para chocar. O documentário do Cristiano Alves mostra isso
de forma espetacular.

Muitos delas são da primeira guerra mundial, da guerra civil americana, da grande depressão, do cerco
de Leningrado e outros incidentes não relacionados. Além de sabermos que houve uma fome, qual é o
ponto?

Com exceção das imagens e outras coisas publicadas pelos nazis não há nenhuma evidência, nem
mesmo provas ruins.

No entanto, a verdadeira chave para isso é ainda mais simples. Vemos o argumento de que a União
Soviética esfomeou a Ucrânia através da exportação de grãos durante a fome.

Portanto, a resposta está nos dados de exportação. Vamos dar uma olhada.

No ano de 1930, exportaram 4,846,024 de toneladas.

Em 1931 o número aumentou para 5,182,835 de toneladas.

Em 1932, que é o ano em que a fome começou, exportaram muito menos. Só 1.819.114 toneladas. E
aqui vem, eles importaram 750.000 toneladas durante o primeiro semestre de 1932 e 157.000
toneladas no final de abril.

A exportação diminuiu ainda mais no próximo ano e outras 200.000 toneladas também foram
importadas.

Eles exportaram apenas uma fração do que normalmente teriam, até mesmo importaram mais de um
milhão de toneladas e enviaram ajuda alimentar quando eles perceberam a extensão da fome. Não
parece muito um genocídio deliberado.

Outra razão para eles ainda terem exportado grãos e matérias-primas, para começar, é porque é isso
que todos os países agrários e semi-feudais subdesenvolvidos fazem. A União Soviética, em particular,
tinha uma boa razão para isso porque eles estavam tentando adquirir o capital necessário para se
industrializar e escapar do atraso tecnológico. Sendo um dos raros países que realmente cumpriram tal
façanha. Isto é particularmente impressionante, considerando que não tinham acesso a empréstimos
externos para não mencionar colônias. Eles fizeram isso sozinhos.

Seria completamente irracional e em contradição com a realidade material que apenas a União Soviética
não exportasse durante todo o período de 1932-33.

Para encerrar eu gostaria de mencionar brevemente algo sobre as causas reais desta fome.

Como a maioria das fomes em particular nos países menos desenvolvidos tecnologicamente, a principal
causa foi as más condições climáticas. "Em 1927, uma seca encurtou a colheita em áreas do sul da RSS
ucraniana e do norte do Cáucaso. Em 1927-1928 a área de cultivo no inverno foi gravemente afetada
devido aos baixos níveis de neve. Apesar da ajuda do Estado com as sementes, muitas áreas afetadas
não foram re-semeadas. A colheita de 1928 foi afetada pela seca na maior parte das áreas produtoras
de grãos da RSS ucraniana". Houve ainda outra terrível seca que durou de 1932-1933 na Ucrânia.

Ainda assim, outra coisa é digna de nota aqui.

Terrorismo Kulak. Agora pode parecer um exagero dizer que a sabotagem de uma minoria de pessoas
poderia causar uma fome mas estou apenas dizendo que eles contribuíram para a situação já difícil. E
para ser honesto os kulaks não eram uma pequena minoria, eles eram cerca de 10 ou 11 por cento da
população e de fato a Ucrânia abrigou 15% de todos os kulaks deportados na URSS. 300.000 no total.

Kulaks tinham adquirido o controle de uma grande quantidade de parcelas de aldeias durante o período
da NEP de 1920-1927 e especulações dos kulaks no mercado de alimentos causaram uma escassez já em
1927, quando a parcela comercializada de grãos foi de apenas um terço da dos anos pré-guerra, embora
produção tenha excedido o estimado.

Em 1920, quando a NEP foi implementada e a União Soviética passou pra um estágio temporário onde
existiu um livre mercado, as consequências temidas do mercado tornaram-se evidentes. Apesar da
reforma agrária anterior quase 3 milhões de camponeses, ficaram rapidamente, mais uma vez, sem
terra, porque os kulaks os conduziram à falência e, em seguida, compraram suas terras barateadas. Isto
resultou em 10 ou 11 por cento da população (kulaks) possuindo tanta terra, cavalos e máquinas quanto
o resto da população. Eles produziam 56% dos alimentos comercializados na região. Os kulaks decidiam,
em grande parte, se as cidades comeriam ou não.

Um bom exemplo concreto deste terrorismo e como ele pode afetar a produção de alimentos é a
quantidade de máquinas, alimentos e particularmente gado deliberadamente destruídos pelos
sabotadores kulaks e pelas pessoas que foram forçadas a fazer isso. Mais uma vez insisto em dizer que
os kulaks possuíam a maior parte do gado e das máquinas, haviam 27 milhões de camponeses, e mais de
um terço de toda a população não possuía um único cavalo.

Vocês podem ver os números por vocês mesmo. A devastação foi mais extrema no caso dos gados e dos
cavalos de trabalho, que eram em sua maioria propriedade dos kulaks, mas houveram também touros,
bois, porcos, ovelhas e cabras.

Particularmente a escassez de cavalos para arar a terra contribuiu para a fome.

Em suma, a fome não era deliberada e não foi feita pelo homem, a menos que você esteja falando de
sabotagem kulak, e foi causada por condições climáticas difíceis e pelo atraso deixado pelo czarismo no
país. Como não existe nenhuma evidência de genocídio deliberado, e o caso se sustenta inteiramente na
falsa premissa de que a URSS continuou a exportar mais e mais grãos, ignorando completamente a
fome, pode-se dizer com confiança que o Holodomor foi desmascarado como um mito e uma
desprezível fabricação anti-comunista.
Fontes:

Documentário do Cristiano Alves sobre o Holodomor: https://youtu.be/WFdX2OMZ92s

Dados de exportação e importação: The Years of Hunger. Soviet Agriculture 1931-1933, Davies and
Wheatcroft, p.471

Dados soviéticos oficiais de exportação e importação: СССР в цифрах ЦУНХУ Госплана СССР. Москва
1935, page 574, 575

Dados soviéticos oficiais sobre comercialização e produção de grãos:


https://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/1939/x01/ch10.htm#3._

Números da destruição de gados:


https://en.m.wikipedia.org/wiki/Collectivization_in_the_Ukrainian_Soviet_Socialist_Republic

Sabotagem Kulak: http://www.archives.gov.ua/Sections/Famine/Publicat/Fam-kolekt-1929.php

Livros que recomendo:

Ludo Martens “Stalin - Um novo olhar”

Domenico Losurdo "Stalin - História crítica de uma lenda negra"


DESMENTINDO MITOS DE SUPOSTAS ATROCIDADES SOVIÉTICAS
Rian Lobato 31/12/2016

Mentiras sobre a história da União Soviética.

De Hitler e Hearst a Conquest e Solzjenitsyn!

História dos supostos milhões de presos e mortos nos campos de trabalho e pela fome na União
Soviética no tempo de Stáline.

Neste mundo em que vivemos, quem consegue escapar às terriveis histórias de mortes suspeitas e
assassinios nos campos de trabalho Gulag na União Soviética? Quem consegue escapar às histórias de
milhões de mortos pela fomes e de milhões de opositores executados na União Soviética no tempo de
Stáline? No mundo capitalista repetem-se estas histórias em livros, jornais, radio, televisão e filme numa
quantidade infinita e o mito de dezenas de milhões de vitimas que o socialismo teria causado tem
crescido sem limites nos últimos cinquenta anos.

Mas na realidade, de onde vêm estas histórias e estes números? Quem é que está por detrás disto?

E outra pergunta: o que há de verdade nessas histórias? Por exemplo, qual é a informação existente nos
arquivos da União Soviética, anteriormente secretos, mas abertos por Gorbatchov à investigação
histórica em 1989? Segundo os inventores dos mitos, todas as histórias de milhões de mortos na União
Soviética de Stáline se confirmariam no dia em que os arquivos fossem abertos. Foi o que aconteceu?
Foi confirmado?

O artigo que segue mostra-nos de onde vêm e quem está por detrás das histórias dos milhões de mortos
pela fome e nos campos de trabalho na União Soviética de Stáline. O autor do texto, depois de ter
estudado o resultado das investigações feitas nos arquivos da União Soviética dá-nos também
informação em dados concretos sobre o verdadeiro número de presos, anos de prisão e o verdadeiro
número de mortos e de condenados à morte na União Soviética de Stáline. A realidade é bem diferente
do mito!
O autor do texto, Mário Sousa, é militante do partido comunista, KPML(r) na Suécia. O artigo foi escrito
em sueco para o jornal do partido, Proletären - O Proletário - onde foi publicado em Abril de 1998. A
tradução é do autor.

Em linha recta através da história - de Hitler e Hearst a Conquest e Solzjenitsyn.

No ano de 1933 a politica alemã sofre modificações que vão deixar marcas na história mundial durante
dezenas de anos. Em 30 de Janeiro Hitler é nomeado primeiro ministro e um nova maneira de governar,
com violência e sem respeito pelas leis, começa a tomar forma. Para consolidar o poder, os nazis
marcam novas eleições para 5 de março utilizando toda a propaganda ao seu alcance para assegurar um
resultado vitorioso. Uma semana antes das eleições, em 27 de fevreiro, os nazis incendeiam o
parlamento e acusam os comunistas de serem eles os incendiários. O partido comunista é proibido e
muitos comunistas são presos. Nas eleições que se seguiram os nazis obtiveram 17,3 milhões de votos e
288 deputados, cerca de 48% do eleitorado. (em novembro de 1932 tinham tido 11,7 milhões de votos e
196 deputados). Depois da proibição do partido comunista, os nazis começaram a perseguir os
socialdemocratas e o movimento sindical e os primeiros campos de concentração começaram a encher-
se com todos esses homens e mulheres de esquerda. Entretanto continou a aumentar o poder de Hitler
no parlamento com a ajuda da direita. No dia 24 de março Hitler fez passar uma lei no parlamento que
lhe deu poderes totais para governar o país durante quatro anos sem necessidade de consulta
parlamentar. A partir daí começaram as perseguições abertas aos judeus e os primeiros deram entrada
nos campos de concentração onde já se encontravam comunistas e socialdemocratas de esquerda.
Hitler continuou a marcha pelo poder total, cortando com todos os acordos internacionais de 1918 que
impunham restrições ao armamento e militarização da Alemanha. O rearmamento da Alemanha faz-se a
grande velocidade. Esta era a situação politica internacional quando o mito dos milhões de mortos na
União Soviética se começou a formar.

A Ucrânia como uma parte do espaço alemão.

Ao lado de Hitler no comando da Alemanha estava o ministro da propaganda, Goebells, o máximo


responsável para incutir o sonho nazi no povo alemão. Este era o sonho do povo da raça pura vivendo
numa Grande Alemanha, um país com um grande "lebensraum", um grande espaço para viver. Uma
parte deste "lebensraum", uma área muito maior do que a Alemanha, iria ser conquistada no Este e
incorporada na nação alemã. Em 1925 no livro Mein Kampf já Hitler tinha indicado a Ucrânia como uma
parte integrante do espaço alemão. A Ucrânia e outras regiões no Este da Europa iriam pretencer à
nação alemã para poderem ser utilizadas de uma maneira "correta". Segundo a propaganda nazi, a
espada alemã iria libertar essa terra para dar lugar ao arado alemão! Com técnica alemã e empresas
alemãs a Ucrânia iria ser transformada na terra produtora de cereais da Alemanha! Mas primeiro teriam
os alemães que libertar a Ucrânia do seu povo de "seres humanos inferiores", os quais, segundo a
propaganda nazi, seriam utilizados como força de trabalho escrava nas casas, fábricas e agriculturas
alemãs, em todos os lugares onde a economia alemã necessitasse deles.

A conquista da Ucrânia e de outras regiões da União Soviética implicava necessáriamente guerra contra
a União Soviética, o que era necessário preparar a longo termo. Para esse efeito o ministério de
propaganda nazi, chefiado por Goebbels, iniciou em 1934 uma campanha sobre um suposto genocídio
feito pelos bolcheviques na Ucrânia, uma terrivel catastrofe de fome que teria sido provocada por
Stáline para submeter e obrigar os camponeses a aceitar a politica socialista. O objetivo da campanha
nazi era de preparar a opinião pública mundial para a "libertação" da Ucrânia pelas tropas alemãs.
Apesar de grandes esforços e embora alguns textos da propaganda alemã fossem públicados na
imprensa inglêsa, a campanha nazi sobre o "genocídio" na Ucrânia não teve grande susseço a nível
mundial. Era evidente que Hitler i Goebbels necessitavam de ajuda para espalhar as calúnias sobre a
União Soviética. A ajuda foi encontrada nos Estados Unidos da América!

William Hearst, um amigo de Hitler.

William Randolph HEARST é o nome do multimilionário americano que veio ajudar os nazis na guerra
psicologica contra a União Soviética. Hearst é o redactor americano conhecido como sendo o "pai" da
chamada imprensa amarela, a imprensa sensacionalísta. William Hearst começou a carreira de redactor
em 1885, quando o seu pai George Hearst, milionário da indústria mineira, senador e redactor, lhe deu a
chefia do jornal São Francisco Daily Examiner. Assim começou também o império jornalistico de Hearst
que de uma maneira definitiva iria deixar marcas profundas na vida e nos conceitos dos
norteamericanos. Depois da morte do pai, William Hearst vendeu todas as acções da indústria mineira
que herdou e começou a investir o capital no mundo jornalistico. A primeira compra que fez foi o New
York Morning Journal, um jornal de tipo tradicional que Hearst transformou totalmente num jornal
sensacionalístico. As notícias eram compradas a qualquer preço e quando não havia crueldades ou
crimes violentos para contar cabia aos jornalistas i fotógrafos "arranjar" o assunto. É justamente esta a
marca da "imprensa amarela", a mentira e a crueldade arranjada e servida como verdade.

As mentiras de Hearst fizeram dele milionário e pessoa importante no mundo jornalístico, sendo em
1935 um dos homens mais ricos do mundo com uma fortuna avaliada em 200 milhões de dolares.
Depois da compra do Morning Journal, Hearst continuou a comprar e fundar jornais diários e
semanários por todos os EUA. Na década dos anos 40, William Hearst era proprietário de 25 jornais
diários, 24 semanários, 12 estações de radio, 2 serviços de noticias mundiais, um serviço de notícias
para filme, a empresa de filme Cosmopolitan e muito mais. Em 1948 comprou uma das primeiras
estações de televisão dos EUA, a WBAL-TV em Baltimore. Os jornais de Hearst vendiam 13 milhões de
exemplares diários com cerca de 40 milhões de leitores! Quase um terço da população adulta dos EUA
lia diáriamente os jornais de Hearst! E além disso muitos milhões de pessoas em todo o mundo
recebiam a informação da imprensa de Hearst através dos serviços de noticías, filmes e uma série de
revistas que eram traduzidas e editadas em grandes quantidades em todo o mundo. Os números acima
citados mostram bem de que maneira o império de Hearst influenciou a vida politica americana e a vida
politica do mundo em geral durante muitos anos. (entre outras coisas contra a participação dos EUA na
segunda guerra mundial pelo lado da União Soviética e nas campanhas anti comunistas de McCarty na
década 50).

Os conceitos de William Hearst eram extremamente conservativos, nacionalistas e anti-comunistas. A


sua politica era a politica da extrema direita. Em 1934 fez uma viagem à Alemanha onde foi recebido por
Hitler como convidado e amigo. Depois desta viagem os jornais de Hearst tornaram-se ainda mais
reacionários, sempre com artigos contra o socialismo, contra a União Soviética e em especial contra
Stáline. Hearst tentou também utilizar os seus jornais para fazer propaganda nazi abertamente, com
uma série de artigos de Göring, a mão direita de Hitler. No entanto os protestos de muitos leitores
obrigaram-no a parar a publicação e retirar os artigos.
Depois da visita a Hitler os jornais sensacionalistas de Hearst vinham cheios de "revelações" sobre
acontecimentos terríveis na União Soviética como assassinios, genocídios, escravidão, luxo para os
governantes e fome para o povo, sendo estas as grandes "notícias" diárias. O material era dado a Hearst
pela Gestapo, a policia política da Alemanha nazi. Nas primeiras páginas dos jornais havia muitas vezes
caricaturas och imagens falsas da União Soviética onde Stáline era retratado como um assassino de faca
na mão. Não esqueçamos que estes artigos eram lidos diariamente por 40 milhões de pessoas nos
Estados Unidos e milhões de outras em todo o mundo!

O mito da fome na Ucrânia

Uma das primeiras campanhas da imprensa de Hearst contra a União Soviética foi sobre os supostos
milhões de mortos, vitimas da fome na Ucrânia. A campanha iniciou-se em 18 de fevreiro de 1935 no
jornal Chicago American com um titulo na primeira página, "Seis milhões de mortos de fome na União
Soviética". Utilizando material vindo da Alemanha nazi começou assim o simpatizante do nazismo e
magnata da imprensa William Hearst a publicar histórias fantásticas sobre um genocidio provocado
pelos bolcheviques com muitos milhões de mortos de fome na Ucrânia. A realidade era bem diferente.
O que se tinha passado na União Soviética no principio da década de 1930 foi uma grande luta de
classes em que os camponeses pobres e sem terra se levantaram contra os grandes agrários ricos, os
kulaks, e iniciaram a luta pelos colectivos agricolas, os kolchozes. Esta grande luta de classes que
envolvia directa ou indirectamente 120 milhões de camponeses causou instabilidade na produção
agrícola e em algumas regiões falta de produtos alimentares. A falta de comida enfraquecia as pessoas,
o que contribuiu para um aumento de vitimas de epidemias infecciosas. Este tipo de epidemias era
nessa altura um acontecimento tristemente comum no mundo. De 1918 a 1920 uma epidemia
infecciosa conhecida como a gripe espanhola fez milhões de mortos nos EUA e na Europa (mais de 20
milhões), mas nunca ninguém acusou os governos desses paises de matarem os seus cidadãos. O facto é
que os governos nada podiam fazer contra epidemias desta espécie. Só com o aparecimento da
penicilina durante a segunda guerra mundial é que as epidemias infecciosas poderam começar a serem
combatidas com exito no fim da década de 1940.

Os artigos na imprensa de Hearst sobre os milhões de mortos de fome na Ucrânia que tinha sido
"provocada pelos comunistas" eram detalhados e terriveis. A imprensa de Hearst utilizou tudo ao seu
alcançe para fazer da mentira realidade, provocando a opinião pública nos países capitalistas a voltar-se
fortemente contra a União Soviética. Assim se originou o primeiro grande mito dos milhões de mortos
na União Soviética. Na vaga de protestos contra a fome "provocada pelos comunistas" que se seguiu na
imprensa ocidental ninguém quiz escutar os desmentidos da União Soviética, sendo o completo
desmascaramento das mentiras da imprensa de Hearst em 1934, adiado até 1987! Durante mais de 50
anos e na base destas calunias, várias gerações de pessoas em todo o mundo foram levadas a formar
uma visão negativa do socialismo e da União Soviética.

O império massmedial de Hearst ano 1998!

William Hearst morreu em 1951 na sua casa em Beverly Hills na Califórnia. Hearst deixou um império
massmedial que ainda hoje continua a espalhar a sua mensagem reacionária por todo o mundo. A
empresa The Hearst Corporation é uma das maiores do mundo em que vivemos, reunindo mais de 100
companhias onde trabalham 15 000 pessoas. O império de Hearst abrange hoje jornais, revistas, livros,
radio, televisão, TV cabo, agencias de noticias e multimedia.

52 anos para desmascarar uma mentira!

A campanha de desinformação dos nazis sobre a Ucrânia não morreu com a derrota da Alemanha nazi
na segunda guerra mundial. As mentiras nazistas foram retomadas pela CIA e pelo MI5 britânico e
tiveram sempre um lugar garantido na guerra de propaganda contra a União Soviética. As campanhas
anticomunistas de McCarthy nos EUA, depois da segunda guerra mundial, também viveram à custa dos
"milhões de mortos de fome da Ucrânia". Em 1953 foi publicado um livro nos EUA sobre este tema, com
o titulo "Black Deeds of the Kremlin" (Os feitos negros do Kremlin). A publicação foi paga por refugiados
ucranianos nos EUA, gente que tinha colaborado com os nazis na segunda guerra mundial a quem o
governo americano deu asilo político apresentando-os ao mundo como democratas.

Quando Reagan foi eleito presidente dos EUA e iniciou a sua campanha anticomunista na década de
1980, renovou-se a propaganda dos "milhões de mortos na Ucrânia". Em 1984 um professor da
Universidade de Havard editou um livro com o titulo de "Human life in Rússia" (Vida humana na Rússia)
em que estava incluido o material falso da imprensa nazi de Hearst de 1934. Em 1984 foram assim
reeditadas as mentiras e falsificações nazistas dos anos 30 mas agora com a capa respeitável de uma
universidade americana. Mas a história não fica por aqui. Já em 1986 saiu mais um livro sobre o tema,
com o titulo "The Harvest of Sorrow", escrito pelo anterior agente da policia secreta britanica Robert
Conquest que é hoje professor da Universidade de Stansfort na California. Pelo "trabalho" com o livro
Conquest recebeu 80.000 dolares da Ukraina National Association. A mesma assossiação pagou também
um filme feito em 1986, o "The Harvest of Despair", em que, entre outras coisas, se utilizou o material
de Conquest. Nesta altura já os números apresentados nos EUA dos "mortos de fome na Ucrânia" iam
em 15 milhões de pessoas!

No entanto os milhões de mortos de fome na Ucrânia apresentados na imprensa americana de Hearst e


a sua utilização em livros e filmes era material completamente falso. O jornalista canadiano Douglas
Tottle demonstrou rigorosamente essa falsificação no seu livro "Fraud, Famine and Fascism, The
Ukrainian Genocide Myth from Hitler to Havard" editado em Toronto em 1987. Entre outras coisas
Tottle mostrou que o material fotográfico apresentado, fotografias horriveis de crianças esfomeadas, foi
tirado de publicações do ano de 1922 numa altura em que milhões de pessoas morreram na guerra e de
fome, quando oito exércitos estranjeiros invadiram a União Soviética durante a guerra civil de 1918 -
1921. Douglas Tottle apresenta também os factos sobre a reportagem da fome, feita em 1934 e
demonstra a mixórdia de mentiras publicadas na imprensa de Hearst.

O jornalista que durante muito tempo tinha enviado reportagens e fotografias das chamadas zonas da
fome, um certo Thomas Walter, nunca tinha estado na Ucrânia, mas apenas estado em Moscovo
durante cinco dias. Este facto foi revelado pelo jornalista Louis Fischer, o então correspondente de
Moscovo do jornal americano The Nation. Fisher revelou também que o jornalista M. Parrott, o
verdadeiro correspondente em Moscovo da imprensa de Hearst, tinha enviado a Hearst reportagens
que nunca foram publicadas, sobre as ceifas com muito bons resultados em 1933 na União Soviética e
sobre uma Ucrânia soviética em desenvolvimento. Tottle mostra-nos também que o jornalista que fez as
reportagens sobre a suposta fome para Hearst, o tal Thomas Walker, na realidade se chamava Robert
Green, um condenado escapado da prisão estatal do Colorado! Este Walker, ou seja Green, foi preso no
retorno aos EUA e confessou em tribunal nunca ter estado na Ucrânia. Todas estas mentiras sobre os
milhões de mortos de fome na Ucrânia nos anos 30, uma fome que teria sido provocada por Stáline, só
vieram a ser conhecidas e desmascaradas em 1987! O nazista Hearst, o agente da policia Conquest e
outros, têm intrujado milhões de pessoas com as suas mentiras e falsas reportagens. Ainda hoje
aparecem as histórias do nazi Hearst em livros recem editados, de escritores pagos pela direita.

A imprensa de Hearst com uma posição monopolista em muitas cidades nos EUA e com agencias de
notícias em todo o mundo foi o grande megafone da Gestapo. Num universo dominado pelo capital
monopolista foi possivel à imprensa de Hearst transformar as mentiras da Gestapo em verdades e faze-
las sair em muitos jornais, estações de radio e mais tarde na televisão em todo o mundo. Quando a
Gestapo desapareceu, continuou a guerra suja da propaganda contra o socialismo e a União Soviética,
agora com a CIA como patrão. As campanhas anticomunistas na imprensa americana continuaram na
mesma escala. "Business as usual" - negócio como sempre, primeiro a Gestapo, depois a CIA.

Robert Conquest - o centro dos mitos.

Este homem ampliamente citado na imprensa burguesa, um verdadeiro oráculo para a burguesia,
merece aqui uma apresentação muito concreta. Robert Conquest é um dos autores que mais tem
escrito sobre os "milhões de mortos na União Soviética", na realidade o verdadeiro "pai" de quase todos
os mitos e mentiras sobre a União Soviética difundidos depois da segunda guerra mundial. Conquest é
conhecido principalmente pelos seus livros "O grande terror" de 1969 e "Harvest of Sorrow" (Colheita
de amargura) de 1986. Conquest escreve sobre milhões de mortos de fome na Ucrânia, nos campos de
trabalho Gulag e durante os processos de 1936 a 1938 utilizando como fontes de informação os exilados
ucranianos nos EUA pertencentes aos partidos de direita que haviam colaborado com os nazistas na
segunda guerra mundial. Muitos dos herois de Conquest são conhecidos como criminosos de guerra que
comandaram e participaram no genocidio dos judeus na Ucrania. Um destes é Mykola Lebed,
condenado como criminoso de guerra depois da segunda guerra mundial. Lebed era o chefe de
segurança em Lvov durante a ocupação nazi e as terriveis perseguições aos judeus em 1942. Em 1949 a
CIA levou Lebed para os Estados Unidos onde tem trabalhado como desinformador.

O estilo nos livros de Conquest é de um anticomunismo violento e fanático. No livro de 1969 diz-nos
Conquest que o número de mortos na fome na União Soviética nos anos 1932-33 foi de 5 a 6

milhões de pessoas, metade delas na Ucrânia. Mas em 1983, durante a campanha anticomunista de
Reagen, já Conquest aumentava os anos de fome até 1937 e os mortos até 14 milhões! Tal declaração
valeu-lhe um trabalho bem pago quando em 1986 foi escolhido por Reagen para escrever o material do
livro da campanha presidencial com o fim de preparar o povo americano para uma invasão soviética... O
livro chama-se "Que fazer quando os russos vierem, um manual de sobrevivencia"! Um trabalho
estranho para um professor de história...

Na realidade isto não é estranho para um homem que em toda a sua vida tem vivido à custa de mentiras
e histórias inventadas sobre a União Soviética e Stáline, primeiro como agente da polícia e depois como
escritor e professor da Universidade de Stansfort na California. O passado de Conquest foi exposto no
jornal The Gardian em 27 de Janeiro de 1978 num artigo que o apontava como um ex-agente do
departamento de desinformação IRD - Information Research Departement, do serviço secreto inglês. O
IRD foi uma secção iniciada em 1947 (com o nome inicial de Communist Information Departement)
tendo como tarefa principal combater a influencia dos comunistas em todo o mundo através de
"plantar" histórias escolhidas no seio dos politicos, jornalistas e todos os que influenciavam a opinião
pública.

As actividades do IRD eram muito amplas, tanto em Inglaterra como no exterior. Quando o IRD teve que
ser formalmente extinto em 1977, por causa de contactos com a extrema direita, verificou-se que, só
em Inglaterra, mais de 100 dos jornalistas mais conhecidos tinham pessoalmente um contacto com um
agente do IRD que regularmente dava ao "seu" jornalista material para os artigos a escrever. Isto era
rutina nos grandes jornais ingleses tais como o Financial Times, Times, Observer, Sunday Times,
Telegraph, Ekonomist, Daily Mail, Mirror, Express, Guardian e outros. Os factos apresentados pelo jornal
The Gardian dão-nos assim uma indicação de como a policia politica dirige as noticias que chegam ao
grande público.

Robert Conquest foi agente da IRD desde o começo desta secção da policia secreta e até 1956. O
"trabalho" de Conquest era escrever as chamadas "histórias negras" sobre a União Soviética, histórias
falsas consideradas como factos, a serem distribuidas a jornalistas e outras pessoas com infuencia na
opinião pública. Depois de ter formalmente deixado a IRD, Conquest continuou a escrever textos
propostos pela IRD e com o apoio dessa polícia. O seu livro "O grande Terror", livro básico da direita
sobre os "milhões de mortos" durante a luta partidária na União Soviética em 1937, é na realidade um
compilado de textos que ele secreveu durante a sua vida como agente da IRD. O livro foi acabado e
publicado com o apoio da IRD. Um terço dos livros impressos foram comprados pela editorial Praeger
que normalmente é conhecida por publicar literatura com origem na policia politica americana, a CIA. O
livro de Conquest tem sido utilizado para ser dado como presente aos chamados "idiotas úteis", a
professores universitários e a gente que trabalha na imprensa, radio e televisão, para garantir que as
mentiras de Conquest e da extrema direita continuem a ser espalhadas por grandes camadas da
população. Conquest é ainda hoje uma das fontes mais importantes onde os históriadores de direita vão
buscar material sobre a União Soviética.

Alexander Solzhenitsyn

Uma outra pessoa sempre associada a livros e artigos de jornal sobre supostos milhões de mortos e
presos na União Soviética é o russo Alexander Solzhenitsyn. Solzhenitsyn tornou-se conhecido no
mundo capitalista nos fins dos anos 60 com o seu livro "O arquipelago do Gulag" sobre a situação dos
presos nos campos de trabalho na União Soviética. Ele mesmo esteve preso oito anos condenado por
actividades contrarevolucionárias em 1946 por ter distribuido propaganda contra o povo da União
Soviética. Segundo Solzhenitsyn a luta contra a Alemanha nazi na segunda guerra mundial tinha sido
uma luta desnecessária e todos os sofrimentos impostos ao povo soviético pelos nazis podiam ter sido
evitados se o governo soviético tivesse feito um compromisso com Hitler. Solzhenitsyn acusou também
o governo soviético e Stáline de serem ainda piores que Hitler e, como ele dizia, pelos terríveis
resultados da guerra para o povo da União Soviética. Solzhenitsyn não escondia a sua simpatia pelos
nazistas. Foi condenado como traidor.

Solzhenitsyn começou em 1962 a publicar livros na União Soviética com o consentimento e ajuda de
Nikita Krustjov, sendo o primeiro livro publicado "Um dia na vida de Ivan Denisovitjs" sobre a vida de um
preso. Krustjov utilizava os textos de Solzhenitsyn para combater a herança socialista de Stáline.
Solzhenitsyn ganhou em 1970 o Prémio Nobel da literatura com o livro "O arquipelago de Gulag". Os
seus livros começaram então a ser publicados em grandes quantidades nos países capitalistas,
tornando-se o autor um dos instrumentos mais importantes do imperialismo no combate ao socialismo
e à União Soviética. Aos seus textos sobre os campos de trabalho juntou-se outra propaganda sobre os
supostos milhões de mortos na União Soviética o que foi utilizado nas massmedias capitalistas como
sendo verdades. Em 1974 Solzhenitsyn deixou a seu pedido de ser cidadão soviético emigrando para a
Suiça e mais tarde para os Estados Unidos. Nesta altura era considerado na imprensa capitalista como o
maior lutador pela liberdade e democracia. As suas simpatias nazis foram enterradas para não preturbar
a guerra de propaganda contra o socialismo.

Nos Estados Unidos, Solzhenitsyn foi convidado muitas vezes para fazer interverções em reuniões
importantes. Ele foi por exemplo o principal orador no congresso dos sindicatos AFL-CIO em 1975 e em
15 de Julho de 1975 foi convidado para fazer um discurso sobre a situação no mundo no Senado dos
EUA! Os discursos de Solzhenitsyn eram de uma agitação violenta e provocativa, argumentando e
fazendo propaganda pelas ideias mais reacionárias. Entre outras coisas bateu-se por novos ataques ao
Vietnam depois da vitória deste sobre os EUA. E mais: depois de 40 anos de fascismo em Portugal,
quando os oficiais do exército de esquerda, tomaram o poder na revolução popular de 1974,
Solzhenitsyn começou a fazer propaganda por uma intervenção militar dos EUA em Portugal, que, dizia
ele, iria ser membro do tratado de Varsóvia se os EUA não intrevissem! Nos seus discursos, Solzhenitsyn
lamentava sempre a libertação das colónias portuguesas em África.

Mas é claro que o ponto principal dos discursos de Solzhenitsyn era sempre a guerra suja contra o
socialismo. Desde execuções supostas de milhões e milhões de pessoas na União Soviética até às
dezenas de milhares de americanos presos e escravisados que Solzhenitsyn dizia existirem no Vietnam
do Norte! Foi esta ideia de Solzhenitsyn de americanos utilizados como escravos no Vietnam do Norte
que deu origem aos filmes Rambo sobre a guerra do Vietnam. Os jornalistas americanos que tinham
ousado escrever sobre paz entre os EUA e a União Soviética eram acusados por Solzhenitsyn nos seus
discursos como sendo traidores potenciais. Solzhenitsyn fazia também propaganda por um aumento da
capacidade militar dos EUA contra a União Soviética, que ele dizia ser mais poderosa em "tanques e
aviões, de cinco a sete vezes mais que os EUA" e em armas atómicas que "em breve" seriam "duas, três
e por fim cinco" vezes mais potentes que as dos EUA. Os discursos de Solzhenitsyn nos EUA eram a voz
da extrema direita, mas ele iria ainda mais longe, mais à direita, em apoio público ao fascismo.

Em apoio do fascismo de Franco.

Depois da morte de Franco em 1975 o regime fascista espanhol começou a perder o controle da
situação politica e no começo de 1976 os acontecimentos em Espanha tomaram um carácter tal que
cativou a opinião pública mundial. Greves e demonstrações exigiam democracia e liberdade e o herdeiro
de Franco, o rei Juan Carlos, foi obrigado a iniciar uma liberalisação muito cuidadosamente, para
acalmar a agitação social. Ora neste momento importante para a vida politica espanhola, aparece
Alexander Solzhenitsyn em Madrid e dá uma entrevista ao programa "Directisimo" um sábado á noite,
em 20 de Março, na melhor hora televisiva (jornais ABC e Ya de 21 de Março de 1976). Solzhenitsyn que
tinha recebido as perguntas préviamente, utilizou a oportunidade para fazer todo o tipo de declarações
reaccionárias. A sua inteção não foi de dar um apoio à chamada liberalisação do rei. Ao contrário,
Solzhenitsyn prevenia as pessoas contra as reformas democráticas!
Na sua intervenção na televisão declarou que "Cento e dez milhões de russos morreram vítimas do
socialismo" e comparou "a escravidão a que estavam submetidos os soviéticos à liberdade que se
disfrutava em Espanha". Solzhenitsyn acusou também os "círculos progressistas" de "utópicos" por
considerarem Espanha como uma ditadura. Os progressistas eram toda a oposição democrática de
liberais a socialdemocratas e comunistas. "No Outono passado" disse Solzhenitsyn, "a opinião pública
mundial estava preocupada com a sorte dos terroristas espanhois. ( Os cinco antifascistas condenados à
morte e executados pelo regime de Franco, nota do autor MS) Cada vez mais a opinião pública
progressista exige reformas políticas imediatas, ao mesmo tempo que apoia os actos terroristas". "Os
que querem reformas democráticas rápidas, saberão o que virá a suceder amanhã ou depois de
amanhã? A Espanha, amanhã poderá ter democracia, mas depois de amanhã, saberá não cair no
totalitarismo depois da democracia?" Às perguntas cuidadosas dos jornalistas se tais declarações não
podiam ser vistas como um apoio a regimes de países onde não existia liberdade respondeu
Solzhenitsyn que "Eu conheço somente um sítio onde não há liberdade, esse sítio é a Rússia". As
declarações de Solzhenitsyn na televisão espanhola foram um apoio directo ao fascismo espanhol, uma
ideologia que ele ainda hoje apoia.

Esta é uma das razões porque Solzhenitsyn desapareceu cada vez mais dos discursos públicos durante
os seus 18 anos de exilio nos EUA e uma das causas porque os governos capitalistas não lhe dão total
apoio politico. Para os capitalistas foi uma benção dos céus poder utilizar um homem como Solzhenitsyn
na guerra suja contra o socialismo, mas tudo tem os seus limites. Na nova Rússia capitalista o que dicide
o apoio do mundo ocidental aos grupos politicos é pura e simplesmente a possibilidade de fazer bons
negócios com bons lucros ao abrigo da política desses grupos. O fascismo como alternativa política para
a Rússia não é considerado como politica que estimule os negócios. Por isso o projecto politico de
Solzhenitsyn para a Rússia é letra morta no que diz respeito a apoio do mundo ocidental. É que
Solzhenitsyn quer como futuro político para a Rússia a volta do regime autoritário dos Czares em ligação
com a igreja tradicional russa-ortodoxa! Nem os imperialistas mais arrogantes estão interessados a
apoiar uma estupidez politica deste calibre. Para encontrar apoio a Solzhenitsyn no mundo ocidental há
que rebuscar na idiotia intelectual da extrema direita.

Nazis, policias e fascistas!

Assim são eles, os mais dignos representantes dos mitos burgueses dos "milhões de mortos e presos na
União Soviética" - o nazi William Hearst, o agente da policia Robert Conquest e o fascista Alexander
Solzhenitsyn. Conquest tem tido o papel principal, sendo as suas informações utilizadas pelas
massemedias capitalistas em todo o mundo e formando inclusivamente uma escola dentro de certas
universidades. O trabalho de Conquest é sem dúvida um trabalho de desinformação policial de primeira
classe. Na década de 1970 Conquest teve uma grande ajuda de Solzhenitsyn e de uma série de figuras
de segunda com Andrei Sakharov e Roy Medvedev. Além disso apareceu um pouco por todo o mundo
uma série de especuladores em mortos e presos a quem a imprensa burguesa sempre pagou a preço de
ouro. Mas a realidade dos factos foi por fim apresentada e mostra a verdadeira cara de todos estes
falsificadores da história. A ordem de Gorbatchov para abrir os arquivos secretos do partido à
investigação histórica teve consequencias que ninguém podia previr.
Os arquivos mostram as mentiras da propaganda.

A especulação sobre milhões de mortos na União Soviética é uma parte da guerra suja de propaganda
contra a União Soviética e por isso mesmo os desmentidos e esclarecimentos oficiais dos soviéticos
nunca foram levados a sério e nunca tiveram lugar na imprensa capitalista. Eram, pelo contrário, alvo de
troça, enquanto que aos "especialistas" comprados pelo capital foi dado todo o espaço requerido para
difundirem as suas fantasias. Que fantasias eram realmente! O que os milhões de mortos e presos
proclamados por Conquest e outros "criticos" têm de comum, é que são producto de apróximações
estatísticas falsas e métodos de avaliação sem base cientifica.

Metodos falsos dão milhões de mortos.

Conquest, Solzhenitsyn, Medvedev e outros utilizaram-se de estatística publicada pela União Sovética,
por exemplo escrutínios nacionais da população, aos quais adicionaram um suposto aumento
populacional sem ter em conta a situação real existente no país. Assim chegaram à conclusão de
quantas pessoas deveria de haver no país no final de certos anos. As pessoas que faltavam eram
apresentadas como mortos e presos à conta do socialismo. Um método simples mas totalmente falso.
Este tipo de "revelação" de acontecimentos políticos tão importantes nunca passaria se a "revelação"
fosse sobre o mundo ocidental. Nesse caso teria havido com toda a certeza professores e historiadores
que se levantariam contra tal falsificação. Mas como o que estava em causa era a União Soviética, a
falsificação tem passado. Um dos motivos é certamente o de que professores e históriadores põem as
possibilidades de avançar na carreira profissional em primeiro lugar e só muito depois a honra
profissional.

Em números, quais foram afinal as conclusões dos "criticos"?

Segundo Robert Conquest (numa avaliação feita em 1961) tinham morrido 6 milhões de pessoas de
fome na União Soviética no principio dos anos 30. Este número foi aumentado por Conquest para 14
milhões em 1986. No que diz respeito aos campos de trabalho Gulag, estavam ali detidos, segundo
Conquest, 5 milhões de presos em 1937, antes das depurações no partido no exército e no estado terem
começado. Depois das depurações começarem, vieram segundo Conquest, durante 1937-38, mais 7
milhões de presos o que faz um resultado de 12 milhões de presos nos campos de trabalho em 1939! E
não esqueça o leitor que estes 12 milhões do Conquest são SOMENTE os presos politicos! Nos campos
de trabalho havia também criminosos de delito comum, os quais, segundo Conquest seriam em número
muito maior que os presos politicos. Isto significa que, segundo Conquest havia cerca de 25-30 milhões
de presos nos campos de trabalho na União Soviética.

Também segundo Conquest foram executados em 1937-39 um milhão de presos politicos enquanto que
2 milhões morreram à fome. Resultado final das depurações de 1937-39 segundo Conquest, 9 milhões
de presos politicos e 3 milhões de mortos! Estes números foram em seguida submetidos a "apreciações
estatísticas" por Conquest para concluir que os bolcheviques tinham morto nada menos que 12 milhões
de presos políticos entre 1930 e 1953. Juntando esses números aos mortos de fome nos anos 30, chega
Conquest à conclusão de que os bolchviques haviam morto 26 milhões de pessoas. Numa úlitma
apreciação estatística diz Conquest que em 1950 havia 12 milhões de presos politicos na União
Soviética!

Alexander Solzhenitsyn utilizou mais ou menos as mesmas apreciações estatísticas que Conquest. Mas
usando os metodos pseudo-científicos com outras premissas, chega ainda a conclusões mais

extremas. Solzhenitsyn aceita os numeros de Conquest de 6 milhões de mortos na fome de 1932-33; no


entanto, com respeito às depurações de 1936-39 considera que morreram no mínimo 1 milhão por ano!
Fazendo um resumo diz-nos Solzhenitsyn que desde as coletivações da agricultura até à morte de
Stáline em 1953, tinham os comunistas morto 66 milhões de pessoas na União Soviética. Além disso
aponta o governo soviético como culpado pela morte de 44 milhões de russos que ele afirma terem
morrido na segunda guerra mundial. A conclusão de Solzhenitsyn é que "110 milhões de russos
morreram vítimas do socialismo". No que diz respeito a presos diz-nos Solzhenitsyn que o número de
pessoas nos campos de trabalho em 1953 era de 25 milhões!

Gorbatchov abre os arquivos.

A colecção de números fantásticos acima apresentada, um produto de fantasias muito bem pagas, tem
saído na imprensa burguesa desde os anos 60, tendo esses números sempre sido apresentados como
factos verdadeiros obtidos na base de métodos científicos. Por detrás desta falsificação estão as policias
políticas ocidentais, principalmente a americana CIA e a inglesa MI5. O impacto dos massmedias na
ópinião publica é tão grande que os números hoje são ainda considerados verdadeiros em grandes
camadas das populações dos países ocidentais. Esta situação penosa tem piorado. Na própria União
Soviética onde Solzhenitsyn e outros criticos conhecidos, como Andrei Sacharov e Roy Medvedev, não
encontravam nenhum apoio para os números fantásticos, houve uma mudança significativa em 1990.
Na nova "imprensa livre" durante Gorbatchov, tudo o que se opunha ao socialismo era apresentado
como positivo, o que teve consequencias desastrosas. Uma inflação sem igual começou a aumentar a
quantidade de mortos e presos durante o socialismo, que agora se misturavam num só grupo de
dezenas de milhões de "vitimas" dos comunistas.

A histeria na nova imprensa livre de Gorbatchov levou por diante as mentiras de Conquest e
Solzhenitsyn. Ao mesmo tempo foram abertos por Gorbatchov os arquivos do Comité Central para
investigação histórica, o que era exigido pela imprensa livre. A abertura dos arquivos do Comité Central
do Partido Comunista é na realidade a questão central desta história confusa, isto por duas razões. Em
parte porque nos arquivos se encontram todos os factos que podem esclarecer a verdade. Mas ainda
mais importante porque todos os especuladores de mortos e presos na União Soviética têm dito
durante anos e anos que no dia em que os arquivos se abrissem os números por eles apresentados
seriam confirmados! Todos os especuladores em mortos e presos afirmaram que assim seria, todos:
Conquest, Solzhenitsyn, Sacharov, Medvedev e os demais. Mas quando os arquivos foram abertos e os
estudos dos documentos existentes começaram a ser publicados, aconteceu uma coisa muito estranha.

De repente já nem a imprensa livre de Gorbatchov nem os especuladores em presos e mortos estavam
interessados nos arquivos!Os resultados das investigações feitas nos arquivos do Comité Central pelos
historiadores russos Zemskov, Dougin e Xlevnjuk que se começaram a publicar em 1990 em revistas
cientificas, passaram totalmente desapercebidos! Os relatórios com os resultados das investigações
históricas iam contra a corrente da inflação em mortos e presos da imprensa livre mas permaneceram
desconhecidos. Os relatórios foram publicados em revistas cientificas de pouca venda práticamente
desconhecidas do grande público. Os relatórios cientificos não podiam concorrer com a histeria da
imprensa, ganhando as mentiras de Conquest e Solzhenitsyn o apoio de muitas camadas da população
na União Soviética, hoje Rússia. Também no ocidente, os relatórios dos investigadores russos sobre o
sistema correccional durante Stáline, passaram sem noticías de primeira página ou reportagens na
televisão. Porquê?

O que dizem os relatórios dos investigadores russos?

Os relatórios da investigação do sistema correctivo soviético são expostos num trabalho com cerca de 9
000 páginas. Os investigadores que escreveram os relatórios são vários sendo os mais conhecidos os
históriadores russos V.N. Zemskov, A.N. Dougin e O.V. Xlevnjuk. O seu trabalho foi começado a publicar
em 1990 estando em 1993 praticamente acabado e totalmente publicado na Rússia. Os relatórios da
investigação chegaram ao conhecimento do ocidente em colaboração com investigadores de diversos
países ocidentais. Os dois trabalhos conhecidos pelo autor deste texto, são o trabalho apresentado em
França na revista L'Histoire em Setembro de 1993 por Nicolas Werth, chefe investigador do instituto
francês de investigação cientifica, CNRS, (Centre National de la Recherche Scientifique) e o trabalho
publicado nos EUA na revista The American Historical Review por J. Arch Getty, professor de história da
Universidade da California, Riverside em conjunto com G.T. Rettersporn, investigador do instituto
francês de investigação CNRS e o investigador russo V.N. Zemskov do instituto de História Russa da
Academia das Ciencias Russa.

Existem também hoje em dia livros sobre o assunto escritos pelos investigadores acima mensionados ou
por outros investigadores dos mesmos grupos de investigação. Antes de entrarmos no assunto quero
deixar aqui esclarecido para que não haja confusão futura, que nenhum dos cientistas envolvidos nestes
trabalhos tem uma visão socialista do mundo, mas sim um compreesão burguesa e antisocialista, muitas
vezes bastante reaccionária. Isto dito para que o leitor não pense que o que se vai expor é produto de
uma "conspiração comunista". O que acontece quando os investigadores acima citados, desfazem
completamente as mentiras de Conquest, Solzhenitsyn, Medvedev e outros, é que o fazem
simplesmente pelo facto de que põem a honra profissional em primeiro lugar e não se deixam comprar
para efeitos de propaganda.

Os relatórios de investigação russos dão resposta a uma quantidade muito grande de perguntas sobre o
sistema correcional soviético. Para nós é o tempo de Stáline que é o mais interessante para estudar, é aí
que está a causa da discução. Nós pomos algumas perguntas muito concretas e procuramos as respostas
no material das revistas L'Histoire (L'H) e The American Historical Review (AHR). Esta será a melhor
maneira de pôr em debate algumas das partes mais importantes do sistema correccional soviético. As
perguntas são as seguintes:

1. O que era o sistema correccional soviético?

2. Qual era o número de presos, "politicos" e de delito comum?

3. Quantos mortos houve nos campos de trabalho?


4. Quantos foram os condenados à morte até 1953 e em especial durante as depurações

de 1937-38?

5. Qual era em geral o tempo de prisão?

Depois de termos respondido às 5 perguntas, pomos em discussão as penas impostas aos dois grupos
mais debatidos quando a questão dos presos e mortos na União Soviética se põe, nomeadamente os
kulakos condenados em 1930 e os contrarevolucionários de 1936-38.

Os campos de trabalho no sistema correcional

Começemos com a pergunta 1 sobre o sistema correcional soviético. Depois de 1930 o sistema
correcional soviético compreendia prisões, campos de trabalho e colónias de trabalho do Gulag, zonas
especiais abertas e pagamento de multas. Aquele que recebesse voz de prisão era geralmente colocado
numa prisão normal enquanto se faziam as investigações que poderiam demonstrar a sua inocencia e
dar-lhe liberdade ou levar o caso a julgamento. O acusado levado a julgamento podia ser considerado
inocente e ganhar a liberdade ou caso fosse julgado culpado condenado a uma pena de multa, prisão ou
em casos mais raros, pena de morte. A pena de multa

podia ser uma certa percentagem do salário durante um certo tempo. Os acusados julgados a pena de
prisão podiam ser postos em diferentes tipos de prisão dependendo do tipo de crime.

Para os campos de trabalho Gulag iam os criminosos de crimes graves (homicidio, roubo, violação,
crimes económicos, etc.) e uma grande parte dos condenados por actividades contrarevolucionárias.
Outros criminosos com pena superior a três anos podiam também ser postos em campos de trabalho.
Depois de um tempo num campo de trabalho o preso podia ser mudado para uma colónia de trabalho
ou uma zona especial aberta. Os campos de trabalho eram zonas muito grandes onde os condenados
viviam e trabalhavam debaixo de um grande controlo. Trabalhar e não ser um peso para a sociedade era
coisa evidente, nenhuma pessoa saudavel passava sem trabalhar. Pode ser que alguém hoje em dia
pense que isto é terrivel, mas esta era a realidade. O número de campos de trabalho era de 53 em 1940.
As colónias de trabalho do Gulag eram 425, unidades muito mais pequenas que os campos de trabalho e
com um regime mais livre e com menos controlo. Para aí iam os presos com penas de prisão mais
pequenas, tanto de delito comum ou políticos, trabalhando em liberdade em fábricas e na agricultura
que eram uma parte da economia da sociedade civíl. Na maioria dos casos o salário desses trabalhos
revertia por inteiro ao condenado, em igualdade com os outros trabalhadores. As zonas especiais
abertas eram em geral zonas agrícolas para as quais eram exilados os kulakos que tinham sido
expropriados durante a colectivação. Outros condenados por penas menores ou actividades
contrarevolucionárias podiam também cumprir as penas nestas zonas.

454 mil e não 9 milhões!


Segunda pergunta. Qual era o número de presos "politicos" e de delito comum? A questão inclúi os
presos nos campos de trabalho e nas colónias de trabalho do Gulag e nas prisões, ainda que tendo em
conta que a privação da liberdade nas colónias de trabalho era na maioria dos casos reduzida. Vejamos
os números do quadro abaixo do material da AHR respeitante ao periodo de vinte anos a começar em
1934 quando o sistema correcional foi reunido numa administração central e até 1953 quando Stáline
morreu.

Tabela de The American Historical Review

Da tabela acima há uma série de conclusões a tirar. Para começar podemos comparar os números da
tabela com os de Robert Conquest. Este diz-nos que em 1939 havia 9 milhões de presos politicos nos
campos de trabalho e que 3 milhões mais tinham morrido durante o periode de 1937-39. Não esqueça o
leitor que os números de Conquest se referem apenas a presos políticos! Além desses, diz-nos Conquest
que havia os presos de delito comum que segundo ele eram em muito maior número que os "políticos".
Em 1950 havia segundo Conquest 12 milhões de presos politicos! Com os factos na mão podemos ver
agora o falsificador que este Conquest na realidade é. Não há um único número que corresponda à
realidade. No ano de 1939 havia em todos os campos, colónias e prisões cerca de 2 milhões de presos.
Desses eram 454 mil condenados por crimes politicos e não 9 milhões como Conquest afirma. Os mortos
nos campos de trabalho de 1937 a 1939 foram cerca de 160 mil e não 3 milhões como diz Conquest. No
ano de 1950 havia nos campos de trabalho 578 mil presos por crimes politicos e não 12 milhões. Não
esqueça o leitor que este Robert Conquest ainda hoje é uma das fontes mais importantes da
propaganda da direita contra o comunismo. Para os pseudointelectuais da direita Conquest é como um
deus. No que diz respeito aos números de Alexander Solzhenitsyn, os 60 milhões de mortos nos campos
de trabalho, não há necessidade de comentários, o ridiculo da afirmação é evidente. Só uma mente
enferma pode afirmar tais fantasias.

Deixemos agora os falsificadores e façamos uma análise concreta das estatisticas do Gulag. A primeira
questão que se põe é o que pensar do número de pessoas no sistema correccional. Que significado tem
o número mais alto de 2,5 milhões? Cada pessoa posta em prisão é um testemunho de que a sociedade
ainda não se desenvolveu para poder dar a cada cidadão o necessário para uma vida positiva. Vendo as
coisas desta maneira são os 2,5 milhões uma nota negativa para a sociedade.

A ameaça interna e externa.

Mas ao número de pessoas abrangidas pelo sistema correccional tem que ser dada uma explicação mais
concreta. A União Soviética era um país que recentemente tinha deixado o feudalismo e a herança
social no que diz respeito ao valor humano era muitas vezes um peso para a sociedade. No sistema
antigo com os Csares, os trabalhadores eram obrigados a viver numa miséria profunda e a vida humana
não tinha muito valor. Roubos e crimes violentos eram punidos com uma violencia sem limites. Revoltas
contra a monarquia acabavam usualmente com massacres, condenações à morte e penas de prisão
muito grandes. Estas relações sociais e a maneira de pensar com elas relacionada leva muito tempo a
mudar, tendo isto influenciado o desenvolvimento da sociedade na União Soviética e também a
criminalidade no país.

Outro factor a ter em conta é que a União Soviética, um país que nos anos trinta tinha cerca de 160-170
milhões de habitantes, estava fortemente ameaçada por potencias estrangeiras. Na base das grandes
mudanças politicas na Europa na década de 1930, vinha a principal ameaça de guerra da Alemanha nazi,
ameaça contra a sobrevivencia dos povos eslavos, constituindo também as democracias ocidentais um
bloco com intenções intervencionistas. Esta situação muito séria foi resumida por Stáline em 1931 com
as seguintes palavras "Estamos atrasados entre 50 a 100 anos em relação aos países avançados. Temos
que percorrer esta distancia em 10 anos. Ou o fazemos ou seremos arrasados". Dez anos depois, em 22
de Junho de 1941, a União Soviética era invadida pela Alemanha nazi e os seus aliados. A sociedade
soviética foi obrigada a grandes esforços durante o decénio de 1930-40 sendo a maior parte dos
recursos utilizados nos preparativos de defesa para a guerra contra os nazis. Isto fez com que as pessoas
tivessem uma vida de trabalho sem grandes compensações a nível pessoal. A reforma de 7 horas de
trabalho diário teve que ser retirada em 1937 e em 1939 eram quase todos os domingos dia de
trabalho. Num periodo dificil como este em que uma grande guerra determinou o desenvolvimento
social durante duas décadas, 1930 e 1940, uma guerra que custou à União Soviética 25 milhões de vidas
perdidas e metade do país em cinzas, aumentou a criminalidade quando as pessoas tentavam obter
aquilo que a vida não lhe podia dar.

Durante este tempo muito dificil na União Soviética havia como máximo 2,5 milhões de pessoas no
sistema correcional ou seja 2,4 % da população adulta. Como se poderá avaliar este número? É muito ou
pouco? Façamos uma comparação."
Mais presos nos EUA.

Por exemplo nos Estados Unidos da América, um país com 252 milhões de habitantes em 1996, o país
mais rico do planeta que consome sózinho 60% dos recursos mundiais, quantas pessoas há no sistema
correcional? Qual é a situação neste país que não é ameaçado por nenhuma guerra e onde não existem
mudanças sociais que possam ameaçar a estabilidade económica? Numa notícia (bem pequena) nos
jornais em Agosto de 1997, do serviço de noticias FLT-AP dizia-se que nos EUA "Nunca anteriormente
tinham existido tantas pessoas no sistema correcional como 5,5 milhões em 1996". Isto representa um
aumento de 200 mil pessoas desde 1995 o que faz com que o número de criminosos nos EUA "seja 2,8%
da população adulta". Estes dados vêm todos do departamento de justiça norteamericano. O número de
pessoas condenadas como criminosas nos EUA é hoje superior em 3 milhões ao que foi o máximo na
União Soviética! Na União Soviética houve no máximo 2,4% da população adulta condenada por crime -
nos EUA estão condenados 2,8% e a quantidade continua a crescer! Segundo um comunicado à
imprensa do departamento de justiça dos EUA de 18 de Janeiro de 1998, aumentou o número de presos
nos EUA em 1997 com 96.100 pessoas.

E no que diz respeito aos campos de trabalho soviéticos é verdade que era um regime duro e dificil para
os presos, mas veja-se bem como é hoje a situação nas prisões nos EUA onde por todo o lado existe
violencia, drogas, protituição e escravatura sexual (290.000 violentados por ano nas prisões dos EUA).
Ningém se sente em segurança nas prisões nos EUA! Isto num tempo moderno na sociedade mais rica
de sempre!

Um factor importante - falta de medicamentos.

Respondamos agora à pergunta número 3. Quantos foram os mortos nos campos de trabalhos? Os
casos de morte nos campos de trabalho variaram nuito de ano para ano, de 5,2% em 1934 a 0,3% em
1953. Os casos de morte nos campos de trabalho eram causados pela falta de recursos na sociedade,
em primeiro lugar falta de medicamentos para combater epidemias. Este problema não era especifico
dos campos de trabalho, existindo igualmente na sociedade em geral como também na grande maioria
dos países do mundo. Depois dos antibióticos terem sido descobertos e começado a ser utilizados
depois da segunda guerra mundial, a situação modificou-se radicalmente. Na realidade os anos mais
dificeis foram os anos de guerra quando o barbarismo nazi obrigou todos os cidadãos da União Soviética
a viver uma vida muito dura. Durante estes quatro anos morreram nos campos de trabalho mais de
meio milhão de presos o que é mais de metade de todos os mortos durante 20 anos. Não esqueçamos
que no mesmo periodo, nos anos da guerra, morreram 25 milhões de pessoas na sociedade livre.
Quando as condições na União Soviética melhoraram no decénio de 1950 e com o uso de antibióticos o
número de mortos entre os presos diminuiu para 0,3%.

Vejamos agora a pergunta número 4. Quantos foram os condenados à morte até 1953 e em especial
durante as depurações de 1937-38? Já vimos os números de Robert Conquest de 12 milhões de presos
politicos que os bolcheviques teriam matado nos campos de trabalho de 1930 a 1953, dos quais 1
milhão em 1937-38. Os números de Solzhenitsyn são de dezenas de milhões de mortos nos campos de
trabalho, dos quais 3 milhões foram mortos em 37-38. Mas ainda tem havido números mais elevados
citados na propaganda suja contra a União Soviética. A russa Olga Shatunovskaia, por exemplo, dá-nos
um número de 7 milhões de mortos nas depurações de 1937-38!
Mas os documentos dos arquivos soviéticos agora publicados dão-nos uma informação diferente. É
preciso dizer em primeiro lugar que os números dos condenados à morte se encontram em vários
arquivos e que os investigadores para nos darem um resultado aproximativo são obrigados a recolher
dados desses arquivos com um certo risco de contagem dupla e portanto de darem um número maior
de o que foi na realidade. Segundo Dmitrii Volkogonov, o chefe dos anteriores arquivos soviéticos
nomeado por Jeltsin, foram condenados à morte 30 514 pessoas por tribunais militares de 1 de Outubro
de 1936 a 30 de Setembro de 1938. Uma outra informação que agora existe vem da KGB. Segundo uma
informação à imprensa em Fevreiro de 1990 tinham 786 098 pessoas sido condenadas à morte por
crimes contra a revolução durante os 23 anos de 1930 até 1953. Desses condenados tinham, segundo a
KGB, 681 692 sido condenados em 1937-38. Não há possibilidade de fazer um controle das informações
que a KGB nos dá, mas esta última afirmação é duvidosa. Seria muito estranho tantos condenados em
dois anos. Será que a actual KGB pró-capitalista nos dá uma informação correta da KGB pró-socialista?
Em todo o caso veio-se a verificar que as estatisticas que estão na base da informação da KGB mostram
que o número mencionado de condenados à morte durante esses 23 anos se refere a criminosos de
delito comum e contrarevolucionários e não apenas a contrarevolucionários como a KGB pró-capitalista
referiu na informação à imprensa em Fevreiro de 1990. Dos arquivos tira-se também a conclusão de que
o número de criminosos condenados à morte era aproximadamente igual para os de delito comum e os
contrarevolucionários.

A conclusão a que podemos chegar é de que o número de condenados à morte em 1937-38 foi de cerca
de 100 mil e não de vários milhões como tem sido apresentado na propaganda ocidental. É preciso
também ter em conta que nem todos os condenados à morte na União Soviética eram executados. Uma
grande parte passava a pena de prisão nos campos de trabalho. Também é importante fazer uma
diferença entre criminosos de delito comum e contrarevolucionários. Muitos dos condenados à morte
eram criminosos condenados por crimes violentos como assassínio ou violação. Este tipo de crime era
há sessenta anos penalizado com sentença de morte numa grande parte dos países do mundo

Pergunta número 5 - Qual era em geral o tempo de prisão? O tempo de prisão dos condenados é uma
das questões em que os rumores da propaganda ocidental têm sido dos piores. A descrição geral é de
que estar preso na União Soviética significava anos sem conta na prisão - quem para lá entrava já não
saía. Isto é completamente falso! A grande maioria dos presos no tempo de Stáline, na realidade foram
condenados no máximo a 5 anos de prisão!

A estatistica de AHR dá-nos factos concretos. Os criminosos de delito comum na Federação russa em
1936 receberam as seguintes penas de prisão - até 5 anos, 82,4% - de 5 a 10 anos 17,6%. ( 10 anos -
pena máxima de prisão até 1937). Os criminosos politicos condenados na União Soviética em tribunais
civis em 1936 receberam as seguintes penas de prisão - até 5 anos, 44,2% - de 5 a 10 anos 50,7%. No
que diz respeito aos condenados nos campos de trabalho Gulag, onde as penas maiores eram
cumpridas, a estatistica de Janeiro de 1940 é a seguinte - até 5 anos,56,8% - de 5 a 10 anos, 42,2% - mais
de 10 anos, 1,0%. Para o ano de 1939 temos estatísticas dos tribunais da União Soviética. A distribuição
das penas de prisão é a seguinte - até 5 anos, 95,9% - de 5 a 10 anos. 4,0% - mais de 10 anos, 0,1%.
Como vemos é a suposta infinidade do tempo de prisão na União Soviética, mais um mito espalhado no
ocidente para combater o socialismo.

As mentiras sobre a União Soviética.

Uma breve discussão sobre os relatórios dos investigadores.

As investigações dos históriadores russos revelam uma realidade totalmente diferente da que tem tem
sido ensinada nas escolas e universidades do mundo capitalista durante os últimos cinquenta anos.
Durante esses cinquenta anos de guerra fria têm várias gerações aprendido só mentiras sobre a União
Soviética e isto tem deixado marcas profundas em muitas pessoas. Este facto constatado também se
verifica nos relatórios dos investigadores franceses e americanos. Nestes relatórios são-nos dados
números e tabelas de presos e mortos, discutindo-se esses números num trabalho de grande amplitude.
Mas o principal e mais importante, isto é, os crimes praticados pelos presos, nunca é alvo de uma
discussão séria! A propaganda política dos capitalistas tem-se referido sempre aos presos na União
Soviética como sendo vítimas e os investigadores utilizam este termo sem pôr em questão a sua
veracidade. Quando os investigadores passam das colunas de estatística aos comentários sobre os
acontecimentos, vêm as conceções burguesas à luz e o resultado é por vezes macabro. Os condenados
no sistema correcional soviético são chamados vítimas, mas o facto é que a maioria eram ladrões,
assassinos, violadores, etc. Criminosos deste calibre nunca seriam tratados como "vitimas" na imprensa
se os crimes fossem cometidos na Europa ou nos EUA. Mas como os crimes foram cometidos na União
Soviética tudo é possivel. Chamar "vítima" a um assassino ou violador que repete o crime é coisa muito
suja. Uma tomada de posição pela justiça soviética no que diz respeito aos criminosos de delito comum
condenados por crimes violentos deveria de ser consequente, senão no tipo de pena pelo menos na
questão da condenação do crime.

Os koulaks e a contrarevolução

No que diz respeito aos contrarevolucionários é também importante discutir os crimes de que foram
acusados. Discutamos dois exemplos para mostrar o fundo da questão, em primeiro lugar os koulaks
condenados no começo da década de 1930 e depois os conjurados e contrarevolucionários condenados
em 1936-38. Segundo os relatórios publicados sobre os koulaks, os camponeses ricos, foram 381 mil
familias ou seja cerca de 1,8 milhões de pessoas condenadas a exílio. Uma pequena parte dessas
pessoas foi condenada a penas nos campos de trabalho ou em colónias de trabalho. Mas qual foi a
causa da condenação desses koulaks?

O camponês rico russo, o koulak, sujeitou os camponeses pobres durante centenas de anos a uma
opressão sem limites e a uma exploração sem considerações. Dos 120 milhões de camponeses em 1927,
viviam 10 milhões de koulaks na abundancia e os restantes 110 milhões ainda na pobreza - antes da
revolução na mais completa das misérias. A riqueza dos koulaks vinha do trabalho mal pago aos
camponeses pobres. Quando os camponeses pobres se começaram a juntar em colectivos agricolas
desapareceu a principal fonte de riqueza dos koulaks. Mas os koulaks não desistiram, tentando retomar
a exploração através da fome. Grupos de koulaks armados atacavam os colectivos agrícolas, matavam
camponeses pobres e funcionários do partido, deitavam fogo aos campos e matavam os animais de
trabalho. Provocando a fome entre os camponeses pobres os koulaks tentavam garantir a continuação
da pobreza e da sua posição de poder. Os acontecimentos que se sucederam não foram o que os
assassinos tinham pensado. Desta vez os camponeses pobres foram apoiados pela revolução e
mostraram-se mais fortes do que os koulaks, os quais foram derrotados, presos e condenados a exílio
ou a penas em campos de trabalho.

Dos 10 milhões de koulaks foram 1,8 milhões condenados. Houve talvez injustiças nesta enorme luta de
classes nos campos soviéticos que contava com 120 milhões de pessoas. Mas poderemos acusar os
pobres e os oprimidos, na sua luta por uma vida que valha a pena viver, na sua luta para que os filhos
não viessem a ser analfabetos com fome, de não serem civilizados ou clementes nos seus juizos?
Podem-se acusar os que durante centenas de anos nunca tiveram acesso aos avanços da civilização de
não serem civilizados? E digam-nos, quando foi a classe exploradora dos koulaks civilizada ou clemente
para com os camponeses pobres durante anos e anos de exploração sem fim?
As depurações de 1937

O nosso segundo exemplo, sobre os contrarevolucionários condenados nos julgamentos de 1936-38


depois das depurações no partido, exército e no aparelho estatal, tem raizes na história do movimento
revolucionário na Rússia. Milhões de pessoas participaram na luta vitoriosa contra o Czar e a burguesia
russa, vindo muitos deles a entrar para o partido comunista. Entre todas essas pessoas havia
infelizmente os que tinham entrado para o partido por outras razões do que para lutar pelo poder
proletário e pelo socialismo. Mas a luta de classes era tal que muitas vezes não havia tempo nem
possibilidades para pôr à prova os novos militantes. Até mesmo militantes de outros partidos que se
diziam socialistas e que tinham combatido o partido bolchevique foram aceites no partido comunista. A
uma parte desses novos militantes foram dados postos importantes no partido bolchevique, estado e
exército, tudo dependendo da sua capacidade individual para conduzir a luta de classes.

Eram tempos muito dificeis para o jovem estado soviético e a grande falta de quadros, ou simplesmente
de pessoas que soubessem ler, obrigava o partido a não fazer grandes exigências no que diz respeito à
qualidade dos novos militantes e quadros. De todos estes problemas formou-se com o tempo uma
contradição que dividiu o partido em dois campos - de um lado os que queriam ir para a frente na luta
pela sociedade socialista, por outro lado os que consideravam que ainda não havia condições para
realisar o socialismo e que propunha uma politica socialdemocrática. A origem desta últimas ideias
vinha de Trotski que tinha entrado para o partido comunista em Julho de 1917. Trotski foi com o tempo
obtendo apoio de alguns dos bolcheviques mais conhecidos. Esta oposição unida contra os ideais
bolchiques originais era uma das opções na votação partidária sobre a politica a seguir pelo partido,
realisada em 27 de Dezembro de 1927. Antes desta votação tinha havido uma grande discussão
partidária durantes vários anos e não houve duvida quanto ao resultado. Dos 725 000 votos a oposição
só obteve 6 000 - ou seja, menos de 1% dos militantes do partido apoiaram a oposição unida.

Em consequencia da votação e uma vez que a oposição trabalhava por uma política diferente da do
partido, o comité central do partido comunista decidiu expulsar do partido os principais dirigentes da
oposição unida. A pessoa central da oposição, Trotski, foi expulso da União Soviética. Mas a história da
oposição não acabou aqui. Sinovjev, Kamenjev e Evdokimov fizeram pouco depois autocrítica, assim
como vários dos principais trotskistas como Pjatakov, Radek, Preobrajenski e Smirnof. Todos esses
foram novamente aceites como militantes do partido e retomaram os seus trabalhos no partido e no
estado. Com o tempo verificou-se que as autocríticas da oposicão não eram uma expressão verdadeira,
estando os principais oposicionistas unidos do lado da contrarevolução cada vez que a luta de classes
endurecia na União Soviética. A maioria desses oposicionistas foi expulso e readmitido mais umas duas
vezes antes de se ter formado a situação definitiva em 1937-38.

Sabotagem industrial.

O assassinio de Kirov em Dezembro de 1934, o presidente do partido em Leninegrado e uma das


pessoas mais importantes do comité central, veio a dar origem à descoberta de uma organização
secreta que preparava uma conspiração para tomar posse da direção do partido e do governo do país
através de um acto violento. A luta politica que tinham perdido em 1927 queriam agora ganhá-la
através de violência organizada contra o estado. A organização tinha uma rede de apoios no partido,
exército e aparelho estatal em todo o país, sendo as actividades mais importantes sabotagem industrial,
terrorismo e corrupção. Trotski, o principal inspirador da oposição dirigia as actividades do estrangeiro.
A sabotagem industrial causava uma perda terrivel para o estado soviético, com um custo económico
enorme como por exemplo máquinas importadas que se estragavam sem possivel reparação, e uma
enorme baixa na productividade nas minas e fábricas.

Uma das pessoas que em 1939 descreveu o problema foi o engenheiro americano John Littlepage, um
dos especialistas estrangeiros contractados para trabalhar na União Soviética.Littlepage trabalhou 10
anos na industria mineira soviética, entre 1927 e 1937, principalmente nas minas de ouro. No seu livro
"In search of Soviet gold" escreve, "Eu nunca tive interesse pela subtilidade das manobras políticas na
Rússia enquanto as podia evitar; mas tive que estudar o que acontecia na indústria Soviética para poder
fazer um bom trabalho. E estou firmamente convencido de que Stáline e os seus colaboradores levaram
muito tempo até descobrir que os comunistas revolucionários descontentes eram os seus inimigos mais
perigosos". Littlepage escreveu também que a sua própria experiência confirmava as declarações
oficiais de que uma conspiração conduzida do exterior se utilizava de uma grande sabotagem industrial
como uma parte de um processo para fazer cair o governo. Já em 1931 Littlepage tinha sido obrigado a
constatar isso durante um trabalho nas minas de cobre e chumbo no Ural e no Kasaquistão. As minas
eram uma parte do grande complexo de cobre-chumbo cujo chefe máximo era Piatakov, o vice
comissário do povo para a indústria pesada. O estado das minas era catastrofal no que diz respeito à
produção e ao bem estar dos trabalhadores. A conclusão de Littlepage foi de que havia uma sabotagem
organizada proveniente da direção superior do complexo de cobre-chumbo.

O livro de John Littlepage dá-nos também a conhecer de onde a oposição trotskista recebia o dinheiro
necessário para pagar a actividade contrarevolucionária. Vários membros da oposição secreta utilizavam
os seus postos na União Soviética para aprovar a compra de máquinas de certas fábricas no estrangeiro.
Os produtos aprovados eram de uma qualidade muito baixa mas eram pagos pelo governo soviético ao
preço mais alto. As fábricas estrangeiras davam à organização de Trotski no estrangeiro o ganho
económico de tais transações, em troca do qual Trotski e os seus conjurados na União Soviética
continuavam a fazer mais compras dessa fábricas.

Roubo e corrupção.

Este procedimento foi constatado por Littlepage em Berlin na primavera de 1931 quando da compra de
elevadores industriais para as minas. A delegação soviética era chefiada por Pjatakov, sendo Littlepage o
especialista encarregado de verificar a qualidade dos elevadores e aprovar a compra. Littlepage
descobriu a fraude com os elevadores de má qualidade, inúteis para a União Soviética, mas quando
comunicou o facto a Pjatakov e aos outros membros da delegação soviética foi recebido de uma
maneira fria como se quisessem fugir aos factos e continuando a exigir que ele aprovasse a compra dos
elevadores. Littlepage não aprovou. Na altura pensou que o que se passava era uma questão de
corrupção pessoal e que os membros da delegação recebiam subornos da fábrica de elevadores. Mas
depois de Pjatakov, no julgamento de 1937, ter confessado a sua ligação à oposição trotsquista,
Littlepage foi obrigado a constatar que o que ele tinha observado em Berlim era muito mais do que
corrupção a nível pessoal. O dinheiro em causa era destinado ao pagamento das actividades da oposição
secreta na União Soviética, actividades essa que compreendiam sabotagem, terrorismo, subornos e
propaganda.

Zinoviev, Kaménev, Piatakov, Radek, Smirnof, Tomski, Boukharine e outros tão queridos à imprensa
ocidental burguesa, utilizavam-se dos postos que o povo soviético e o partido lhes tinha dado, para
roubar dinheiro ao estado, para que esse dinheiro fosse utilizado pelos inimigos do socialismo no
estrangeiro na sabotagem e no combate à sociedade socialista na União Soviética.

Planos para golpe de estado.


O tipo do crime no que diz respeito a roubo, sabotagem e corrupção é um crime sério, mas as actividade
da oposição iriam muito mais longe. A conspiração contrarevolucionária preparava-se para tomar o
poder com um golpe de estado no qual toda chefia soviética seria eliminada,começando pelo assassínio
das pessoas mais importantes do comité central do partido comunista. A parte militar do golpe de
estado seria realisada por um grupo de generais encabeçado pelo marechal Toukhatchevski. Segundo
Issak Deutsher, o trotskista que escreveu muitos livros contra Stáline e a União Soviética, o golpe de
estado seria iniciado com uma operação militar contra o Kremlin e contra as tropas mais importantes
nas grandes cidades como Moscovo e Leninegrado. A conspiração era, segundo Deutscher, chefiada por
Toukhatchevski em conjunto com Gamarnik, chefe dos comissários politicos do exército, o general Iakir,
comandante de Leninegrado, o general Ouborévitch, comandante da academia militar de Moscovo e o
general Primakov um dos chefes da cavalaria.

O marechal Toukhatchevski era um oficial do antigo exército czarista que depois da revolução se tinha
passado para o Exército Vermelho. Em 1930 cerca de 10% dos oficiais, ou seja cerca de 4500, eram
antigos oficiais czaristas. Muitos deles nunca tinham deixado as suas posições burguesas e esperavam
na calada um oportunidade para lutarem por elas. A oportunidade apareceu quando a oposição se
preparava para dar um golpe de estado. Os bolchviques eram fortes mas as conspirações civil e militar
também trataram de arranjar amigos fortes. Segundo a confissão de Boukharine no julgamento publico
em 1938, existia um acordo feito entre a oposição trotskista e a Alemanha nazi, no qual grandes regiões,
entre elas a Ucrânia, seriam dadas à Alemanha nazi depois do golpe de estado contrarevolucionário na
União Soviética. Este era o pagamento exigido pela Alemanha nazi pelo apoio prometido aos
contrarevolucionários. Boukharin tinha sido informado deste acordo por Radek que sobre a questão
tinha recebido uma directiva de Trotski. Todos estes conspiradores que tinham sido eleitos para altas
posições, para chefiar, administrar e defender a sociedade socialista, trabalhavam na realidade para
destruir o socialismo. Além do mais é preciso não esquecer que tudo isto se passou no decénio de 1930
quando o perigo nazista crescia sem parar e os exércitos nazistas punham a Europa a arder e
preparavam uma invasão da União Soviética. Os conspiradores foram condenados à morte como
traidores em julgamento público. Os culpados de sabotagem, terrorismo, corrupção, tentativa de
assassínio e que queriam dar uma parte do país aos nazistas não podiam esperar outro fim. Chamar-lhes
vítimas é um erro total.

Mais números mentirosos.

É intressante saber como a propaganda ocidental, através de Robert Conquest, tem mentido sobre as
depurações no Exército Vermelho. Conquest diz no seu livro "O grande terror" que em 1937 havia 70000
oficiais e comissários politicos no Exército Vermelho e que 50% desses, ou seja 15.000 oficiais e 20000
comissários, tinham sido presos pela polícia política e que tinham sido executados ou aprisionados para
o resto da vida nos campos de trabalho. Nesta afirmação de Conquest, aliás como em todo o livro, não
existe nada de verdade. O historiador Roger Reese no seu trabalho "The Red Army and the Great
Purges" dá-nos factos i mostra o verdadeiro significado que as depurações de 1937-38 tiveram para o
exército. O número de pessoas em posição de chefia no Exército Vermelho e na aviação, ou seja oficiais
e comissários politicos, era de 144 300 em 1937 crescendo para 282 300 até 1939. Durante as
depurações de 1937-38 foram despedidos 34300 oficiais e comissários por motivos politicos, mas antes
de maio de 1940 já 11596 tinham sido reabilitados e reintegrados nos seus postos. Isto significa que
durante as depurações de 1937-38 foram despedidos 22705 oficiais e comissários politicos (cerca de
13000 oficiais do exército, 4700 da aviação e 5000 comissários politicos) o que é 7,7% de todos os
oficiais e comissários e não 50% como Conquest diz. Desses 7,7%, foi uma parte condenada como
traidores, mas para a grande maioria o material histórico à disposição indica terem passado à vida civil.

Uma última pergunta. Os julgamentos de 1937-38 foram justos para com os acusados? Vejamos por
exemplo o julgamento de Boukharine, o funcionário mais alto do partido que trabalhava para a oposição
secreta. Segundo o embaixador americano em Moscovo nessa altura, um conhecido advogado de nome
Joseph Davies que esteve no tribunal durante todo o julgamento, foi permitido a Boukharine falar
livremente durante todo o julgamento e expor o seu caso sem qualquer empedimento. Joseph Davies
escreveu para Washington que durante o julgamento se mostrou

que os acusados eram culpados "dos crimes que se comprovaram" e que "A opinião geral entre och
diplomatas que assistiram ao processo é de que se provou a existencia de uma conspiração muito
grave".
BERLIM ORIENTAL E A MITIFICAÇÃO DO MURO – A QUEDA DE UM SONHO
Coletivo 29/12/2016

Após a perestroika finalmente confirmar sua submissão ao neoliberalismo, o capitalismo triunfante


retirou a máscara do antigo Plano Marshall e hoje, no que eles consideram como “fim da História”, pôde
demonstrar as garras do imperialismo. Sob a eterna propaganda anticomunista que nossos inimigos
religiosamente repetem, subjaz a honra e a glória de uma Alemanha Oriental, e um antigo muro que
mantinha vivo o sonho socialista.

1) A divisão do Estado.

Inicialmente, quando da vitória soviética sobre o Eixo, Berlim era tudo, menos uma cidade convencional,
isso pois não havia , em 1945, uma pretensa liberdade de deslocamento nas áreas de ocupação militar,
que, aliás, já fora concessão soviética às potências capitalistas da época, Estados Unidos, Reino Unido e
França, já que os primeiros tomaram a cidade sozinhos.

A posterior divisão das Alemanhas em oriental e ocidental, que a propaganda midiática condena, foi
imposta pelos próprios capitalistas. A proposta soviética era a unificação e eleições livres gerais, que não
foi acatada pelos EUA, com receio da socialização completa tanto da Alemanha quanto de toda a Europa
– vale ressaltar que havia grande preocupação com a Áustria também –, quem dividiu o país.[1]

2) A impunidade dos nazistas na porção ocidental.

A “reconstrução” da Alemanha Ocidental não deixou que detalhes, como o fato de que nazistas foram
perdoados e reintegrados à sociedade sem qualquer ficha criminal, dos quais vários assumiriam
posteriormente altos cargos do governo e principalmente do serviço secreto, impedisse sua ação anti-
socialista.

Casos como o de Karl Schiller, membro da SS a partir de 1933 e membro do Partido Nazista em 1937,
que já no pós-guerra assumiu o cargo de secretário da economia de Hamburgo, de 1948 a 1953 e,
depois, ministro federal das finanças, de 1966 a 1972. Ou então Hanns-Martin Schleyer, arquiteto da
economia de pressão ocidental e presidente da Federação de Empregadores da Alemanha e da
Confederação das Indústrias Alemãs durante aos anos 50. Entre outros diversos, como o Chancellor Kurt
Georg Kiesinger, que governou de 1966 a 1969, e até o Presidente Alemão Walter Scheel, membro do
Partido Nazista em 1941.[2]

Não apenas indivíduos foram poupados, como corporações inteiras. A IG Farben, conglomerado
responsável pelo Zyklon B, gás utilizado para extermínio nos campos de concentração, no pós-guerra, se
fragmentou em 3 grandes empresas – Bayer, BASF, e Hoechst – continuaram atuantes na Alemanha
Ocidental, sendo a BASF, após a reunificação, uma das corporações que mais absorveu ativos das
empresas orientais.[3]
Aqui chegamos no primeiro julgamento importante. Se existe dúvida em por que havia um muro
dividindo Berlim, lembre-se que no lado capitalista os nazistas eram livres.

3) As condições do pré-guerra.

Aqui vale ressaltar as condições do Estado Alemão antes da construção do muro. A parte oriental
sempre foi menos industrializada que a ocidental. O círculo industrial posicionado pelos nazistas entre
1933 e 1940 ficava, em sua maioria, no ocidente. Isso pois sabiam que a batalha contra os soviéticos
seria mais dura que contra os franceses, no caso de qualquer rompimento do pacto de não-agressão.

Sendo o pilar do capitalismo na região, a Alemanha Ocidental recebeu investimentos generosos através
do Plano Marshall, exatos 1,390 bilhões de dólares, além de diversos empréstimos dos EUA após 1947.
A União Soviética, que prestava assistência logistica e administrativa excepcional, não tinha a mesma
capacidade de investimentos. Porém, vale lembrar que, no inverno de 1947, a parte ocidental foi afligida
por uma fome devastadora, enquanto o lado oriental estava nos eixos.[4]

Mesmo com as desvantagens, a economia Oriental era extremamente próxima à Ocidental,


conseguindo níveis de inclusão social, principalmente em relação às mulheres, muito superiores.[5]

4) As diversas agressões do imperialismo e a construção do muro.

O motivo da impunidade dos nazistas era justamente o seu conhecimento e prática em provocações aos
comunistas. Assim, não tardaram as agressões econômicas. Captação de mão de obra e infiltrações para
comprar produtos na Berlim Oriental, esvaziando as prateleiras. Além do fato de Berlim Oriental ser a
capital do país, tornando-a propícia a espionagem e ao contrabando.

Até 1961, a fronteira aberta constituía um dos mais graves problemas da porção Oriental. O
imperialismo usava todos os processos de sabotagem e de corrupção. O mercado negro de dinheiro
permitia que alguns milhares de homens e de mulheres trabalhassem na Berlim Ocidental, recebessem
os seus salários em marcos ocidentais, com os quais compravam marcos orientais por um terço do valor
e residiam nos apartamentos da Alemanha Oriental. O Estado gastava milhões de marcos com a
preparação técnica dos seus cidadãos, a quem o Ocidente oferecia salários de tal modo elevados que
muitos deles e abandonavam a sua terra.

Mesmo após o muro, na zona de Berlim ocupada pelos ocidentais, ficavam 70 organizações neo-
fascistas e mais de 80 destinadas a espionagem, terrorismo, propaganda e sabotagem e algumas para
raptos de pessoas.

Provocações constantes, ao longo de toda a fronteira, por todos os meios. Ofertas de dinheiro para
suborno dos soldados, exibição da literatura pornográfica mais torpe, prostitutas tirando suas roupas
perante os soldados e fazendo oferta do corpo e de todas as perversões, cartazes de propaganda anti-
socialista e anti-RDA por toda a parte, alto-falantes, ataques de coquetel-molotov, tiros, abertura de
túneis para colocação de bombas, raptos de crianças, metidas em malas, algumas das quais chegavam já
mortas. Isto com a colaboração ativa das autoridades e organizações policiais da Alemanha Ocidental.[6]

É neste contexto que, em defesa própria, ergue-se o muro de Berlim, visando a construção pacífica do
socialismo. O muro, enquanto existiu, apesar da hipocrisia de alguns ditos socialistas, preveniu o mundo
da 3ª Guerra Mundial em solo Europeu.

Esta é a verdadeira história do muro, o muro da vergonha, não daqueles que bravamente defenderam
sua terra, mas dos que o impuseram. Estes, sim, serão jogados na lata do lixo da História.

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Bibliografia:

[1] http://www.dw.com/pt-br/1952-stalin-propõe-reunificar-alemanha/a-468876

[2] http://www.independent.co.uk/news/people/obituaries-karl-schiller-1388686.html

http://www.spiegel.de/international/germany/from-dictatorship-to-democracy-the-role-ex-nazis-
played-in-early-west-germany-a-810207.html

http://www.disskursiv.de/2010/09/30/ich-bin-alter-nationalsozialist-und-ss-fuhrer-hanns-martin-
schleyers-prager-jahre/

[3] http://www.holocaustresearchproject.org/economics/igfarben.html

http://www.dw.com/pt-br/mais-famoso-produto-da-basf-pertence-ao-passado/a-1043389

[4] http://www.marshallfoundation.org/library/wp-
content/uploads/sites/16/2014/05/Marshall_Plan_1947-1997_A_German_View.pdf

http://www.dw.com/pt-br/1947-é-anunciado-o-plano-marshall/a-568633

[5] https://www.marxists.org/portugues/babo/livros/rda/12.htm#i2c12

[6] https://www.marxists.org/portugues/babo/livros/rda/03.htm
Erich Honecker, Notas da Prisão I, II, III e IV.

- AS.

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Adendos:

O muro da DDR foi construída por revisionistas, Stálin em 1952 dizia que a separação física de Berlim só
iria favorecer os capitalistas e arrancaria a unidade alemã, Stálin defendia um referendo, incitado pelo
partido comunista alemão para buscar a unificação sob o Socialismo.

O muro também tinha funções econômicas, visto que as coisas do lado Oriental da Alemanha eram mais
baratas e o descontrole das compras pelos habitantes do lado Ocidental poderia causar crises de
desabastecimentos no lado socialista, e da fuga de Capital.

Porem, há vários casos de alemães do lado capitalista que pulavam para o lado socialista,
principalmente os mais miseráveis.

É importante também ter em mente que havia muitas diferenças entre as condições iniciais das duas
Alemanhas. Elas não começaram iguais. O nível de vida dos cidadãos da alemanha Ocidental era mais
alto, porém teve 1- Menos da sua infraestrutura destruída pela guerra, já que as frentes mais brutais da
guerra se concentraram do lado oriental. 2- O lado Ocidental já era mais industrializado, já havia uma
renda per capita maior antes mesmo da divisão em duas Alemanhas.... 3- O lado ocidental, por decisão
unilateral das potências ocupantes (EUA, Reino Unido e França) decidiu que não iria mais pagar a dívida
de guerra com a URSS que foi previamente acertada entre as potências, e o lado oriental teria que pagar
tudo sozinho. 4- O lado ocidental recebeu investimentos do plano Marshall por parte dos EUA. 5-
Imediatamente após a guerra, contra os tratados, os EUA organizaram a migração de vários profissionais
qualificados em direção a Alemanha ocidental, deixando um enorme déficit de profissinoais no lado
oriental. Dito isso, o crescimento econômico (mas não as condições iniciais) do lado oriental foi
fantástico, sempre próximo, e algumas vezes superando, o ocidental, tornando a Alemanha Oriental o
país mais desenvolvido do bloco socialista.

no fim das contas a URSS perdoou a dívida (O valor inicialmente calculado foi de 100 bilhões, que foi
reduzido para 10 durante as negociações com o ocidente e no final perdoado para a GDR depois que o
lado ocidental se recusou a pagar). No tocante ao apoio e investimentos, os EUA estavam intactos após
a II guerra, enquanto a URSS teve 25 milhões de mortos e boa parte do seu território devastado. Ou
seja, havia sérios limites ao que os soviéticos podiam oferecer durante um bom tempo. Além disso, as
transações comerciais a nível internacional são feitas em dólar (devido à sua superioridade econômica e
militar), e o banco central americano (FED) pode imprimir virtualmente quantidades infinitas, o que
facilita muito vida quando o Estado dos EUA quer investir em qualquer lugar do mundo.
https://gowans.wordpress.com/2009/10/25/democracy-east-germany-and-the-berlin-wall/

– Rian Lobato

Os soviéticos foram os primeiros a propor a unificação da Alemanha e a realização de eleições gerais.


Obviamente o problema do bloco imperialista com as eleições consistia justamente no risco de perder
para o socialismo a parte da Alemanha que lhes fora cedida pela URSS.

http://www.dw.com/pt-br/1952-stalin-propõe-reunificar-alemanha/a-468876

– Igor Portela
TRADUÇÃO: "Como engordei na URSS à procura de quem passasse fome"

Tradução do inglês e edição por CN, 11.10.2013

(original em: http://archive.org/details/HowIGotFatLookingForStarvationInSovietRussia)

_____________________________

William H. Duprey (1)


1936

Fui um dos 12 operários e camponeses eleitos pelos respectivos sindicatos e organizações de confrades,
sob os auspícios da Associação de Amigos da União Soviética, para visitar a URSS e relatar como
funciona o socialismo na prática. William Randolph Hearst e a sua cadeia de jornais, como o Boston
American, o Boston Advertiser, o New York Evening Journal e outros, têm difundido informações de que
não existem verdadeiros sindicatos na União Soviética, de que os cidadãos soviéticos passam fome, de
que a União Soviética é governada por um ditador. Fomos enviados por operários e camponeses para
apurar se o que Hearst diz é verdade ou mentira. Fomos enviados para ver como os cidadãos soviéticos
trabalham e se divertem, o que comem, como funcionam os seus sindicatos e explorações agrícolas
colectivas, se há desemprego, que protecção têm na velhice e na invalidez, como são tratadas as
mulheres e as crianças, e muitas outras questões.

Entre nós estavam representantes de vários sindicatos, cooperativas e outras organizações. (2) Quatro
de nós somos membros do Partido Socialista. Havia um pequeno agricultor do Michigan, um produtor
de leite, um professor de escola e um médico. Estavam também representadas várias nacionalidades:
lituana, italiana, polaca, judaica, afro-americana e franco-canadiana. E havia entre nós quer católicos
quer protestantes.

Eu fui eleito num encontro realizado em New Bedford, Massachusetts, por operários têxteis e outros, e
apoiado pelo Sindicato dos Tecelões. (3) Várias organizações ligadas à igreja e clubes religiosos ajudaram
a reunir o montante necessário para a viagem.

Sou ajudante de operário de fiação e trabalho no processo final do fio de algodão, reunindo e aparando
as extremidades antes de entrarem nos teares. Ganho 16,70 dólares por semana. Sou católico
praticante, membro activo do Partido Socialista e ex-membro da Guarda Nacional. Frequentei a escola
paroquial e deixei de estudar no sexto ano para começar a trabalhar. O meu pai é um operário têxtil,
membro do sindicato há 45 anos. Sou de ascendência franco-canadiana e em casa sempre falámos tanto
inglês como francês.

E é tudo sobre quem somos. O mais importante é o que se segue: o que vimos na União Soviética.

"Marinheiros Franceses e Marinheiros Russos"

Viajámos em terceira classe até Londres no transatlântico francês Ille de France, e de Londres até
Leningrado no navio russo Cooperatsia. Marinheiros do Ille de France disseram-nos que todos membros
da tripulação eram do Partido Socialista Francês. Ao saberem que havia entre nós quatro socialistas,
incitaram-nos a unir- nos numa frente com os comunistas, tal como eles tinham feito em França. Os
marinheiros franceses estavam sempre a trabalhar e quase não tinham tempos livres. A disciplina era
muito rigorosa e os oficiais instruíam os passageiros para não falarem com os marinheiros.

No navio soviético a atmosfera era estranhamente diferente. Os marinheiros não prestavam continência
aos oficiais, mas tratavam-os de «camarada». Fiquei surpreendido ao ver o capitão e membros da
tripulação fora de serviço caminhando de braço dado e cantando sonoramente. Na grande sala comum
para marinheiros e oficiais havia um «recanto vermelho» com um busto de Lénine, livros e jornais. A
tripulação disse-me que o trabalho não era muito pesado. Na próxima viagem do Cooperatsia ficariam
em terra com salário completo, só faziam uma em cada duas viagem, o que lhes permitia ficar metade
do tempo em casa com as suas famílias. Reparei que a disciplina era rigorosa quando estavam de
serviço, e tanto os oficiais como os marinheiros pareceram-nos competentes nas suas funções.

"Leningrado"

Fomos recebidos no cais de Leningrado por representantes dos sindicatos, repórteres e fotógrafos da
imprensa. Também estava uma banda de operários de uma oficina que era muito boa. Depois dos
discursos em russo e em inglês fomos para o hotel onde jantámos. A comida era muito boa, mas o
serviço modesto. Explicaram-me que não havia empregados suficientes, porque as pessoas preferiam
outros trabalhos.

No dia seguinte visitámos a fortaleza de Pedro e Paulo, uma antiga masmorra para presos políticos, do
tempo em que os capitalistas russos punham na prisão os operários que lutavam pelos seus direitos e
por um governo operário. Agora é um museu. O antigo palácio do tsar é também um museu. Tudo
permanece precisamente como foi deixado pela família do tsar. Por toda a parte em que estive na União
Soviética vi lugares históricos (antigas prisões, palácios, muitas igrejas) conservados como se fossem
museus.

Sabia que fora enviado pelos operários de New Bedford com uma missão mais importante do que visitar
museus. Por isso, dediquei os dias seguintes a investigar as fábricas têxteis de Leningrado. Durante a
minha estadia na União Soviética concentrei-me nas fábricas têxteis e de vestuário, vendo com os meus
próprios olhos como funcionam, que tipo de máquinas usam, como estão organizados os sindicatos e
quem os dirige, quais são os horários, salários e condições de vida dos operários têxteis e vestuário.

"O trabalho de detetive amador na União Soviética"

Antes de partir dos Estados Unidos alguns dos meus amigos aconselharam-me a não acreditar em tudo
o que me diziam. «Só te vão mostrar aquilo que querem que vejas», avisaram-me. «Por isso mantém os
olhos abertos».

De modo que, durante a minha estadia, fiz um pouco de detective amador. As delegações dos sindicatos
vieram indicar-nos quais as fábricas têxteis mais apropriadas para visitar. Agradecia-lhes amavelmente,
mas depois, com o meu companheiro de viagem, Adam Chada, um mineiro lituano que vivia na
Pensilvânia e falava russo, ia investigar uma fábrica que não tinha sido recomendada pelo sindicato.
Mais tarde visitávamos também a fábrica modelo. Com frequência deslocávamo-nos em tróleis. Eu
puxava Chada pela manga e dizia-lhe: «Vamos descer aqui». Descíamos e dirigíamo-nos logo para a casa
de um operário. Chada explicava quem éramos, e o operário mostrava-nos a sua casa. Nunca
conseguimos sair sem antes partilharmos uma refeição com o operário e bebermos um bom vinho
soviético. Desta forma, fazíamos em média cerca de seis refeições por dia. Nas tentativas que fiz para
encontrar uma família com fome na Rússia, de que o sr. Hearst falava, ganhei 15 libras (6,8 kg) de peso.
"Fábricas Têxteis na União Soviética"

Visitei a fábrica «Rosa Vermelha» em Leningrado, que é a maior fábrica têxtil da Europa. Fabricam
produtos acabados de algodão e um pouco de lã. Em 1930, o salário médio na fábrica era de 93 rublos.
Em 1935 é de 184 rublos e muitos operários ganham bastante mais. A maior parte do trabalho é à peça.
Não têm relógios de ponto, mas usam o seu próprio sistema para contabilizar o trabalho, que é
supervisionado, cabe dizer, pelos próprios operários. As mulheres recebem o mesmo salário que os
homens pelo mesmo trabalho.

Todas as máquinas perigosas estão protegidas. Certos mecanismos, que nos Estados Unidos nem sequer
teríamos pensado em proteger, aqui estão cobertos (por exemplo, as poleias das correias inferiores na
sala de corte). Na sala de tecelagem, a zona onde a lançadeira trabalha está coberta.

Um operário com família gasta cerca de 168 rublos por mês em comida. A renda de casa representa dez
por cento do seu salário mensal e as quotizações sindicais, um por cento.

Assim, se marido e mulher trabalharem, têm dinheiro suficiente tanto para as suas necessidades básicas
como para muitos outros gastos. Não surpreende que 70 por cento dos operários na União Soviética
tenham contas bancárias.

Um tecelão de seda opera em média três teares, nunca seis como nos Estados Unidos. Um técnico de
manutenção tem ao seu cuidado no máximo 40 teares, nunca 100 como no nosso país. Na sala de corte,
cada ajudante de operário prepara os fios para o respectivo operário tecelão e está encarregado de uma
só máquina. Nos Estados Unidos, um ajudante trabalha com três máquinas.

Constatei que na URSS são utilizados métodos tão eficientes como nos EUA, porém os objectivos são
diferentes. Nos Estados Unidos contratam-se especialistas para melhorar a eficiência com vista a
aumentar os lucros dos accionistas, enquanto na URSS a melhoria da eficiência é utilizada para
aumentar a produção com vista a corresponder à procura dos consumidores, uma vez que há carência
de produtos têxteis. O resultado deste aumento da produção é devolvido aos operários sob a forma de
salários mais altos, novas máquinas, mais férias, etc.

Posso garantir que o sistema de stretch-out (4) não é usado. Para aqueles que não estão familiarizados
com a indústria têxtil devo dizer que o stretch-out é um esquema capitalista de intensificação do
trabalho para obter a mesma quantidade de trabalho com um número menor de pessoas e salários mais
baixos. Por exemplo, numa sala de tecelagem (secção onde este sistema é mais usado), três homens
operaram 60 teares, ou seja, 20 cada um. Porém, o patrão considera que não está a ter lucro suficiente.
Despede um homem e põem os outros dois a operar os 60 teares. Isto representa uma intensificação do
trabalho de 33,3 por cento. Em muitos casos, os operários vêm os salários reduzidos, sendo-lhes dito
que poderão ganhar muito com os teares suplementares. Na realidade cada operário nunca recebe mais
do que dez por cento acima do salário que auferia quando operava 20 teares, embora agora produza
mais um terço. Juntos, os dois operários ganham mais 20 por cento, caso tenham sorte, enquanto o
patrão embolsa o restante.
"Condições de trabalho"

A iluminação das fábricas soviéticas é muito boa. As janelas estão separadas por cerca de seis pés (1,8
m) e têm seis pés de largura e oito (2,4 m) de altura. A ventilação é tão boa que os sistemas mecânicos
de ventilação existentes quase se tornam desnecessários. No entanto, as condições dos sanitários nas
fábricas soviéticas são muito deficientes. Quando falei disto, disseram-me que o governo está a destinar
anualmente milhões de rublos para resolver o problema.

Os operários têm inspecções de saúde obrigatórias duas vezes por ano, e se alguém não está nas
melhores condições vai para casa descansar ou é enviado para um sanatório ou hospital. Nesse período
continua a receber o salário completo, bem como assistência médica e internamento gratuitos.

Assim que uma mulher fica grávida, informa o supervisor, e se está no turno nocturno é imediatamente
mudada para outro horário. Tem uma licença de dois meses antes de dar à luz a criança e só regressa ao
trabalho dois meses depois do parto. Nesse período, a mulher recebe o salário completo, bem como
tem assistência médica e hospitalar gratuita. O hospital fornece um conjunto completo para o bebé,
constituído por vestuário, berço e roupa de cama. A mulher recebe ainda alimentos especiais durante
um certo tempo, antes e depois do nascimento da criança. Cada unidade fabril dispõe de uma creche. Se
a mãe está a amamentar o seu filho, é autorizada a ir à creche de três em três horas para alimentar a
criança.

Os operários tomam as suas refeições na cantina da fábrica, que é gerida pelos próprios operários. As
cantinas são amplas e arejadas, e o preço das refeições é muito baixo.

Todos os operários não escolarizados frequentam a escola da fábrica.

"Horários"

Os operários têxteis trabalham sete horas por dia e cinco dias por semana. O sexto dia é de descanso.
Não podem fumar junto às máquinas, mas existe uma sala de fumo e uma biblioteca. Têm pausas de
cinco minutos em cada hora.

Os operários com menos de 18 anos têm uma jornada de seis horas. Destas, trabalham quatro horas na
fábrica e estudam duas. No entanto, recebem as seis horas por inteiro. Ninguém com menos de 18 anos
é autorizado a trabalhar no turno nocturno.

Quando contei isto a uma amiga minha nos EUA, respondeu-me: «Bem, somos capazes de imaginar
condições tão boas, mas não correspondem à realidade nos EUA. Trabalho numa fábrica têxtil das seis
da manhã até à uma e meia da tarde. Durante essas sete horas e meia não tenho nenhum intervalo para
refeição. Tenho de comer enquanto trabalho.»
Estes bons salários, condições e horários são possíveis graças ao excelente sistema de protecção social
que existe na União Soviética. Nós, operários norte- americanos, estamos a lutar duramente para
consagrar este tipo de direitos na Lei do Seguro Social Operário (H.R. 2827).

"Fábricas de vestuário"

Também investiguei o sector das confecções na União Soviética. Uma fábrica de vestuário que visitei em
Simferopol dá-nos uma ideia razoável da indústria de confecções na União Soviética. Esta fábrica
emprega 2200 trabalhadores – tártaros, judeus, ucranianos, russos e outras 18 nacionalidades. Não
existe qualquer discriminação racial ou nacional.

O departamento de corte labora em dois turnos de sete horas. Os operários adultos trabalham sete
horas por dia, os menores de 18 anos, seis horas. Os desenhadores ganham 600 rublos por mês. Os
salários dos cortadores variam entre os 200 e os 300 rublos por mês.

Os salários não são tão altos nas confecções como na indústria têxtil. No entanto, tal como em todas as
outras fábricas, existe assistência médica gratuita, as mesmas férias e baixas por doença pagas, a mesma
atenção especial para com as mães e jovens trabalhadores. As fábricas e ateliers têm as suas próprias
lojas de produtos alimentares. Uma coisa que notei foi a grande quantidade de fruta e vegetais frescos
disponível nestas lojas.

As mesas de trabalho das raparigas operárias estavam construídas em forma de grandes ferraduras. Elas
sentavam-se na parte interior com os cotovelos apoiados na mesa. Para levar as peças às operárias,
assim como para retirá-las, é usado um sistema rolante.

Dos 2200 trabalhadores desta fábrica, só uma rapariga usava luz artificial. Havia muita luz natural para
os restantes.

Não há chefes a rondar as raparigas, obrigando-as a trabalhar mais depressa sob ameaça de
despedimento. Tão-pouco as raparigas precisam de aceitar os convites dos chefes para manter os seus
empregos.

Aqui, como em toda a parte da União Soviéticas, não há desemprego. Um trabalhador pode mudar de
emprego sempre que o desejar. Basta-lhe informar o supervisor com sete dias de antecedência do local
para onde pretende ir. É então transferido para o seu novo emprego sem perda de salário. Não pude
evitar a comparação com os operários norte-americanos, a maioria nem sequer consegue conservar o
seu emprego, quanto mais mudar para outro emprego sem perda de salário.

"Os sindicatos na URSS"

Os operários dirigem os seus sindicatos da mesma forma que dirigem o seu governo. Durante toda a
minha estadia na União Soviética não vi greves ou protestos com polícias a agredir operários. Quando fiz
esta observação a um operário, ele respondeu-me: «Quando queremos uma melhoria das condições,
podemos consegui-las através do nosso sindicato. O governo é o nosso próprio governo, dirigimo-lo
através dos nossos sindicatos, não há por isso motivo para fazermos greves contra nós próprios.»

Os sindicatos na URSS organizam-se por sectores e não por profissões. Todas as fábricas laboram na
capacidade máxima, a maioria em três turnos de sete horas. Os operários que mostrem alguma
inclinação particular – para representar, escrever, para a medicina, ciência, investigação, etc. – deixam
de trabalhar na fábrica e são enviados pelo sindicato para uma escola ou universidade, onde são pagos
para estudar. Conheci um actor, que participou no filme Tchapáiev, que era um antigo operário têxtil
como eu próprio.

O salário médio na União Soviética em 1932 era de 108 rublos por mês. Em 1933, era de 198 rublos, e
em 1934, de 217 rublos. E ao mesmo tempo que os salários sobrem, o custo de vida baixa. Antes da
revolução, o salário médio era de apenas 27 a 38 rublos por mês. E hoje o poder aquisitivo do rublo é
três vezes maior.

Como é possível que o custo de vida baixe ao mesmo tempo que os salários sobem? À medida que os
operários das fábricas, minas, oficinas aumentam a produção, são produzidos mais e melhores
produtos, mais riqueza social. Em resultado do aumento da produção, mais e melhores máquinas
podem ser instaladas, e os salários sobem. E como não há lucros e não existem proprietários privados
de fábricas ou accionistas, os preços baixam. A produção das fábricas é fixada anualmente pelo
Comissariado da Indústria Ligeira, tendo em conta as necessidades das pessoas, os materiais disponíveis
e a aptidão dos trabalhadores para produzir. Cinquenta por cento do aumento da riqueza produzida nas
fábricas são anualmente destinados ao Fundo de Condições de Vida, que é usado para melhoramento
contínuo dos alojamentos e das condições de vida.

Um exemplo interessante da maneira como os operários são protegidos pelos seus sindicatos ocorreu
numa fábrica que visitei, onde um médico que passava pelas instalações descobriu uma mulher que se
queixava de dores nas costas. Às 10 horas, o médico recomendou que o assento da trabalhadora fosse
elevado em um pé (30 cm). Às 11.30 horas, o banco já tinha sido elevado de acordo com as indicações
do médico.

"A religião na União Soviética"

Em Leningrado encontrei-me com um antigo colega de escola, o reverendo padre Leopold Brun, que
tinha frequentado comigo a escola paroquial de «Sacred Heart» em New Bedford. É um sacerdote
católico romano, de ascendência franco- canadiana como eu, que vive na União Soviética e pratica ali a
sua fé. Naturalmente, sendo eu um católico praticante, tinha grande interesse em encontrar-me como
um amigo de infância que era sacerdote católico na União Soviética.

Disse-me que não houve tentativas por parte do governo soviético de interferir com a sua actividade e
dos seus paroquianos, ou impedi-los de praticarem livremente a sua religião. É claro que os sentimentos
anti-religiosos estão muito difundidos entre os operários, referiu. O que é natural, segundo me explicou,
porque durante o tsarismo a religião era usada pelo governo capitalista para oprimir os operários. Desde
que os operários têm o seu próprio governo, e deixou de existir um governo capitalista, a religião foi
separada do Estado. A religião é agora o que deve ser: um assunto pessoal. Quando lhe perguntei por
que razão tantas igrejas fecharam e são hoje utilizadas para outros fins, explicou-me que as pessoas que
seguem os ensinamentos da igreja na União Soviética são idosas na sua maioria e pouco numerosas. As
suas contribuições não permitem manter tantas igrejas e pagar os impostos sobre a propriedade da
igreja.

"O 1 de Maio em Moscou"

Não sou orador ou poeta para poder descrever o 1.o de Maio em Moscovo. O espectáculo de operários
livres e felizes, marchando aos milhões, sem preocupações, cantando, apoiando a cem por cento o seu
governo, enquanto o Exército Vermelho desfilava e os aviões rugiam lá em cima para mostrar ao mundo
a prontidão dos operários soviéticos para defender o seu governo; o espírito da juventude; os mais
idosos, com 75 anos ou mais, que conheceram a opressão durante o tsarismo, marchando de braço
dado com jovens que cresceram durante o socialismo – tudo isso foi uma experiência tremenda para
mim, a qual jamais esquecerei.

O 1.o de Maio em Moscovo faz seguramente do sr. Hearst um mentiroso, assim como os seus escribas a
soldo, como Lang, que se auto-intitula de «socialista», Smith, Admiral Stirling, Ripley, e o resto dessa
fauna. Depois de viajar seis mil milhas através da União Soviética, incluindo a Ucrânia, não vi um só caso
de fome ou malnutrição, pelo contrário, vi um povo saudável e feliz, trabalhando arduamente para
construir o socialismo. Enviámos um telegrama aos Amigos da União Soviética e para a sede do Partido
Socialista a confirmar isto.

"A educação"

A União Soviética é o único país do mundo onde os estudantes são pagos para estudar. Por toda a parte
onde estivemos vimos novas escolas em construção. As pessoas lêem nas fábricas, nos tróleis, nas ruas.
Sempre que é publicado um novo livro sobre os avanços do socialismo na União Soviética, há uma
corrida desenfreada às livrarias e é frequente a primeira edição esgotar-se totalmente antes do
anoitecer.

Em Gorlovka (5) visitei uma casa de órfãos, onde vivem e estudam crianças dos quatro aos 12 anos, que
perderam os seus pais. Com a ajuda do intérprete, entrevistei um rapaz de 11 anos. As respostas
prontas e o seu domínio da informação maravilharam-me.

«Que tipo de governo preferias ter, o da Alemanha ou o da União Soviética?», perguntei-lhe.

«Já pensou nos sacrifícios que teríamos de fazer se regressássemos ao capitalismo?», respondeu. «Aqui
toda a gente trabalha. Comemos bem, temos roupas e, acima de tudo, liberdade. O que é que existe na
Alemanha? Opressão da classe dominante, falta de liberdade de expressão. Um louco chamado Hitler
que massacra ou lança nas prisões todos aqueles que discordam dele e contestam a sua forma de
governo.»
Fiz-lhe uma pergunta complicada, pensando que ele desconheceria em absoluto a quem me referia.
«Que pensas tu de Huey Long?» (6)

«Também temos Huey Longs na Rússia», disse-me o rapaz. «Só que aqui chamamos-lhes pelo
verdadeiro nome: balões. Grandes sacos cheios de ar».

Quando terminei de o questionar, começou ele a fazer-me perguntas. Quis saber muitas coisas sobre os
nossos sindicatos, sobre as condições de trabalho nos EUA, etc. De repente, perguntou-me: «O que é
que pensa da NRA?» (7)

Pisquei o olho ao intérprete. «É uma boa coisa», respondi ao rapaz. «Se for colocada ao serviço dos
trabalhadores, conseguiremos tudo o que queremos».

O rapaz olhou-me perplexo, e disse para o intérprete: «Ou este tipo é louco ou é muito ignorante, ou
então está apenas a fazer troça de mim. Toda a gente sabe que a NRA só é boa para aumentar os lucros
dos patrões à custa dos trabalhadores».

Quero sublinhar o facto de que as crianças russas não são piegas, mimadas ou impertinentes. Têm uma
segurança e um autodomínio que só a verdadeira liberdade pode proporcionar-lhes.

"De volta à terra do desemprego"

No nosso regresso de Leningrado passámos pelo Canal de Kiel (8), onde avistámos com frequência
operários alemães. Saudávamo-los e eles respondiam-nos com a saudação nazi, esticando o braço.
Depois olhavam cuidadosamente em redor, dobravam o braço e cerravam o punho, saudando a
bandeira vermelha com a foice e o martelo que ondulava na nossa proa.

Em Londres duas coisas me chamaram a atenção: a sujidade do metro comparado com o de Moscovo, e
o facto de se verem magotes de pessoas junto às vitrinas das lojas, mas quase ninguém entrava. Em
Moscovo as lojas estavam cheias de gente, e as pessoas corriam de uma loja para outra, como se
receassem que os produtos desaparecessem antes de os poderem comprar.

Não havia nem cinco minutos desde que chegara a Nova Iorque quando me deparei com uma
manifestação e polícias a ameaçar os manifestantes.

Não posso relatar muito mais por falta de espaço. Gostaria de ter falado da forma como são tratadas as
168 nacionalidades da URSS e da total ausência de preconceitos raciais; de ter escrito longamente sobre
o Exército Vermelho e o seu papel na promoção da paz no mundo; sobre a liberdade de imprensa e a
enorme quantidade de jornais e livros que se vendem e são distribuídos aos operários; sobre o
extraordinário novo metro de Moscovo, onde, ao deitar para o chão um beata de cigarro, fui
repreendido por um operário, que me acusou de estar a sujar o seu metro com uma simples beata;
sobre as novas casas, escolas, fábricas e hospitais que estão a ser construídos por toda a parte; sobre a
maravilhosa solidariedade dos trabalhadores; sobre como me diverti com eles nos dias de descanso,
indo a piqueniques, cantando as suas canções, comendo a sua boa comida, bebendo o seu bom vinho;
sobre as explorações agrícolas colectivas, onde o pequeno agricultor da nossa delegação, depois de
inspeccionar uma pocilga, disse na sua voz arrastada: «Diabo, aqui tratam melhor os porcos do que nós
agricultores somos tratados no Michigan»; sobre os teatros para os operários, museus, parques de
recreio e lazer, e muitas outras coisas.

Tudo o que posso dizer é o seguinte: HEARST MENTE. O socialismo funciona; eu vi-o funcionar na União
Soviética.

Não aceitem o que os inimigos dos trabalhadores, os Hearst, os Lang, a imprensa capitalista, dizem
sobre a União Soviética. Conheçam o que é a União Soviética lendo as publicações dos Amigos da União
Soviética, ouvindo os irmãos do vosso sindicato, membros das vossas igrejas e de organizações de
confrades que estiveram lá, viram o socialismo na prática e concluíram que funciona.

________

1 William H. Duprey, membro da delegação de operários enviada à URSS e do Sindicato dos Operários
Têxteis Unidos da América, da Federação Americana do Trabalho (AFL). Este relato foi publicado em
1936, numa pequena brochura de 16 páginas, pela Associação de Amigos da União Soviética do distrito
de Nova de Inglaterra (Newbury Street, 12, Boston, Massachusetts), com o título original, How I Got Fat
Looking for Starvation in Soviet Russia. (N. Ed.)

2 No original são referidas as seguintes organizações: Amalgamated Association of Iron, Steel, and Tin
Workers (AFL), United Mine Workers of America (A. F. of L.), United Textile Workers of America (AFL),
Wisconsin Cooperative Milk Pool, International Brotherhood of Electrical Workers (AFL), Dyers Local No.
1773, Paterson, N.J. (N. Ed.)

3 Weavers’ Union UTWA (AFL). (N. Ed.)�

4 A palavra stretch significa literalmente esticamento. (N. Ed.)

5 Cidade ucraniana no oblast de Donestk (N. Ed.)

6 Huey Pierce Long, Jr. (1893-1935), «The Kingfish», foi um político populista dos Estados Unidos,
membro do Partido Democrata. Foi governador da Luisiana de 1928 a 1932 e senador pelo mesmo
estado no Congresso dos Estados Unidos, de 1932 a 1935. Celebrizou-se pelas suas propostas de
distribuição da riqueza, mediante o aumento de impostos sobre as grandes fortunas. Morreu vítima de
um atentado em 1935. (N. Ed.)
7 National Recovery Administration (Administração de Recuperação Nacional) foi um organismo criado
em 1933, no âmbito do New Deal, pelo governo de Roosevelt, com o objectivo dinamizar a economia e
criar postos de trabalho, mediante o estabelecimento de práticas concorrenciais «justas»,
designadamente, a fixação de preços dos bens e serviços, de salários mínimos e jornadas máximas de
trabalho. As empresas aderentes colocavam o símbolo da NRA, uma águia azul, nas vitrinas e nas
embalagens dos seus produtos. A participação era voluntária, mas as empresas que não usavam o
símbolo tornavam-se alvo de boicote pelas camadas populares. Apesar de as regras acordadas serem
amiúde violadas, sob a égide da NRA chegaram a estar empregados cerca de 23 milhões de
trabalhadores. Os seus efeitos na economia foram igualmente sensíveis: em Maio de 1935 a produção
industrial cresceu 22 por cento em relação ao mesmo mês de 1933. Todavia, sob pressão dos
monopólios, em 1935, o Tribunal Supremo declarou o organismo inconstitucional, determinando a sua
extinção, embora parte das suas funções tenham transitado para o National Labor Relations Act
(Wagner Act), aprovado no mesmo ano. (N. Ed.)

8 O Canal de Kiel situa-se na Alemanha, no estado de Schleswig-Holstein. Liga o Mar do Norte, em


Brunsbüttel, ao Mar Báltico, em Kiel-Holtenau. (N. Ed.)
RECADOS RÁPIDOS
Explicando marxismo pra ILISP
Hoje, foi postado um texto da página ILISP - Instituto Liberal de São Paulo, onde categoricamente
afirmam ter destruído pontos vitais do marxismo.

Texto: http://www.ilisp.org/artigos/5-grandes-farsas-do-marxismo-que-foram-destruidas-pelos-liberais/

Será isso mesmo verdade?

Obviamente não. Tive o desprazer de ler, e não vi nada além das mesmas falácias, e muitas mentiras de
sempre. Irei colocar alguns trechos e ir desmascarando através das seções. As partes do texto do ILISP
serão colocadas entre aspas (" "), para melhor identificação, tal como minhas falas terão primeiro um
'R:'.

" 1. A farsa da “luta de classes” "

"Até hoje vemos muitos crentes da ideologia marxista comportando variantes da mesma ideia,
apresentando modificações que surgiram para contornar os problemas da teoria marxista, que com o
tempo iam se mostrando completamente equivocadas. Talvez o melhor exemplo disso tudo seja a ideia
de luta de classes entre proletários e burgueses que, gradualmente, abre alas para as mais distintas
lutas de grupos: lutas de raça, lutas de gênero, lutas de credo, etc…"

R: Aqui encontramos o primeiro erro. De fato, questões raciais, nacionais, de gênero não fazem parte da
luta de classe, já que classe predispõe apenas uma posição social mediante uma estrutura político-
econômica. Em outras palavras, questões abordadas como essa, em nada tem a ver com a abordagem
materialista da luta de classes.

Confrontos como a opressão da mulher pelo homem, ocorrem como reflexo dos interesses sócio-
econômicos difusos da sociedade burguesa. São reflexos das questões materiais que a compoē, mas não
são em si, luta de classes.

Sim, Marx e Engels se atentavam a luta das mulheres. Porém, já na época, eles sabiam que desbancar
isso como 'luta de classes' é um erro tremendo - pois a opressão na mulher, segundo a análise marxista,
é consequência do capitalismo e da propriedade privada, não o confronto direto dos interesses dentro
do capitalismo.

Análises de classes devem seguir por uma lógica primordialmente materialista e que se atente a posição
social - questões como gênero, nacionalidade, raça e etc podem (e são) ser elementos recorrentes, mas
são mais consequências, nunca a leitura certa que deve ser feita do fenômeno da luta de classes.

"Altera-se a ideia, mas a essência permanece a mesma: a sociedade é dividida em grupos (ou castas) em
que uns são dominantes (opressores) e outros são subjugados (oprimidos). A ideia é lutar pelos
interesses do segundo grupo para derrubar o primeiro.
O problema é que o capitalismo não é um sistema dividido em castas rígidas, onde o grande culpado
pelo indivíduo da base da pirâmide não subir nessa hierarquia seja o próprio sistema. Mises explica que
o capitalismo (de livre mercado), na verdade, permite que os indivíduos não apenas subam, como
desçam nessa escala supostamente arbitrária de classes. E essa era até então uma concepção inédita na
história da humanidade: o capitalismo foi o primeiro sistema econômico adotado em larga escala a
permitir a mobilidade social. Membros da base da pirâmide que obtém sucesso em atender as
demandas da população, melhoram sua situação econômica. O efeito contrário pode acontecer aos
mais ricos".

R: Aqui temos um espantalho. Nenhum marxista nunca defendeu que o capitalismo é um sistema de
não mobilidade social, e muito menos que é um sistema de 'castas', como se fosse uma sociedade
tradicional da Índia.

É justamente por não ser uma sociedade de castas, que o torna uma sociedade de classes. E o próprio
Marx diz que a mobilidade social é possível dentro do capitalismo - mas que além de ser extremamente
improvável, em nada muda o fato de que justamente, sempre haverá uma classe oprimindo a outra. O
problema do capitalismo não são possibilidades ou oportunidades (mesmo que isso seja ainda
realidades injustas, onde alguém que não detém nenhum capital e precisa vender sua força de trabalho
pra sobreviver, nunca chegará a ser burguês).

Apesar de isso ser uma critica ao capitalismo, está longe de ser o foco da critica de Marx: a verdadeira
critica é o fato de que, não importa se alguns conseguem sair da lama, SEMPRE HAVERÁ por
necessidades estruturais, pessoas na lama. O problema não são as possibilidades em si - é a estrutura do
sistema.

E não se trata de aplicar esforços para conseguir sair dessa situação. Como Mises concorda em outros
textos, se trata de aplicar valores a algo, para conseguir 'subir na vida'. O problema é, quais são os
valores premiados pelo capitalismo? Creio eu que qualquer um que estude um pouco sobre como os
gigantes capitalistas como a Avron, que cresceu financiando ditaduras na África para ter acesso a
recursos, ou os Rothschild, financiando os dois lados da guerra sempre, são uma forma de mostrar quais
são esses tais 'valores'. O discurso do esforço, da livre-concorrência e do alvorecer do 'homo
economicus' é risível perto da dura realidade. Os que chegaram lá em cima, nunca se utilizaram das
beneficies do mercado, embora façam de tudo para convencer os outros de que chegaram lá por isso - é
o que Ha-Joon Chang chama de 'chutar a escada'.

"O capitalismo de livre mercado é um sistema dinâmico de ascensão e queda social. E mais do que isso:
é um sistema que continuamente enriquece a sociedade como um todo. O cidadão mais pobre do atual
continente europeu vive com mais conforto que qualquer rei da Idade Média"

R: Aqui o autor, que tem a intenção de 'refutar Marx', acaba por o confirmar. Nesse pequeno trecho,
comprovou o avanço das forças produtivas e a existência do materialismo histórico, dois conceitos de
Marx.
Como demonstrarei depois, nunca foi a intenção de nenhum marxista dizer que o capitalismo tende a
pobreza absoluta. Marx inclusive, ressalta que o capitalismo foi o modo de produção que mais fez
avançar às forças produtivas. O problema é que, ainda que os pobres vivam melhor hoje, não muda o
fato de que entre os pobres e os ricos, o buraco não diminuiu. As tecnologias avançam e são dadas aos
mais pobres, justamente pelo continuo progresso e por terem deixado de ser novidades e privilégios. O
que é do bom, atual e melhor, sempre é entregue às classes mais altas. E só irá chegar nas classes mais
baixas, quando deixar de ser novidade ou privilégio. As correntes que aprisionam, apenas ficaram mais
leves.

' Mas assim como a melhoria de vestuário, alimentação, tratamento

e um pecúlio maior não suprimem a relação de dependência e a

exploração do escravo, tampouco suprimem as do assalariado. O

aumento do preço do trabalho, que decorre da acumulação do capital, significa apenas que, na
realidade, o tamanho do peso dos

grilhões de ouro que o trabalhador forjou para si mesmo permitem

torná-las menos constringentes.

' - Karl Marx, "O Capital"

'Se o dono da força de trabalho trabalha hoje, amanhã terá de repetir o mesmo processo nas mesmas
condições de saúde e força. Portanto, seus meios de subsistência devem ser suficientes para mantê-lo
em seu estado normal de indivíduo trabalhador. Suas necessidades naturais, tais como alimentos,
roupas, combustível e habitação, variam de acordo com as condições climáticas e outras condições
físicas de seu país. Por outro lado, o número e a extensão de suas chamadas necessidades vitais, assim
como os modos de satisfazê-las, são elas próprias produto do desenvolvimento histórico e dependem,
portanto, em grande parte, do grau de civilização de um país, mais particurlamente das condições sob as
quais e, conseqüentemente, nos hábitos e no grau de conforto em que se formou a classe dos
trabalhadores livres. Em contradição, portanto, com o caso de outras mercadorias, entra na
determinação do valor da força de trabalho um elemento histórico e moral. No entanto, em um dado
país, em um determinado período, a quantidade média dos meios de subsistência necessários para o
trabalhador é praticamente conhecida. ' - Karl Marx," Das Kapital '

' A participação do trabalhador nas mais elevadas, até mesmo satisfações culturais, a agitação por seus
próprios interesses, subscrições de jornais, assistir a palestras, educar seus filhos, desenvolver seus
gostos etc., sua única parte da civilização que o distingue do escravo é economicamente possível
alargando a esfera de seus prazeres em épocas em que o negócio é bom. ' -Karl Marx," Grundrisse '

' A intenção dos salários ... não desenha uma linha dura e rápida. Não é inexorável dentro de certos
limites. Há, em todos os tempos (exceto a grande depressão), para cada comércio uma certa latitude
dentro da qual a taxa de salários pode ser modificada pelos resultados da luta entre as duas partes em
conflito. Salários em todos os casos são fixados por um pechincha, e em um negócio que ele resiste mais
tempo e melhor tem a maior chance de obter mais do que o seu devido. Se o trabalhador isolado tentar
conduzir sua barganha com o capitalista, ele é facilmente derrotado e tem que se render à discrição,
mas se todo um conjunto de operários formam uma organização poderosa, fazer entre si um fundo para
permitir-lhes desafiar seus empregadores, se necessário , assim tornar-se capaz de tratar com esses
empregadores como um poder, então, e só então, eles têm uma chance de obter mesmo que pequeno,
e de acordo com a constituição econômica da sociedade atual, pode ser chamado um salário justo dia
para um justo "Dia do trabalho".' Friedrich Engels," O sistema de salários"

Se antes você era um pobre mendigo que sobrevivia comendo migalhas de pão do banquete de um rico,
graças ao avanço das forças produtivas hoje ele pode fazer um bolo delicioso...

...e você tem a maravilhosa oportunidade de sobreviver com as migalhas disso.

Mais uma vez, o texto erra ao querer dar a entender que a critica ao capitalismo parte de um moralismo
simples, e não de um problema estrutural.

"A sociedade não apenas não é composta por castas, como tampouco é conflitante entre si. O que
temos são indivíduos trabalhando para atender as demandas de outros indivíduos para, através dessas
trocas, melhorarem suas próprias condições"

R: De fato, não é formada por castas. Ninguém nunca afirmou que é.

As pessoas trabalham por necessidade, e é nesse trabalho e no meio político, que desenrola esses
conflitos. Isso é visto diariamente, na política, no seu trabalho, em tudo. Pergunte ao seu patrão se ele
aceitaria que você trabalhasse menos, ganhando mais. Ele diria que não, afinal de contas, ele tem de
manter as condições dele, não é?

É aí que está o ponto. As tais melhorias de condições, citadas pelo texto, seguem estruturalmente por
interesses que conflitam entre si.

Não é que seu patrão seja (necessariamente) mal nesse quesito, ou que você esteja errado. É só que
vocês desejam coisas diferentes, e entram em conflito quando um tenta impor ao outro. É aí que nasce
as formas mais simples de lutas de classe, até as mais complexas, como vemos direto na política
nacional. E nessa luta, ganhará aquele que detém ainda mais, o poder do capital.

"2. A farsa da relação de “exploração” entre empregadores e trabalhadores"

"Para Marx, a exploração é fundamental para que o capitalista consiga se sustentar. Sem explorar, ele
irá à falência. Mais do que isso, o fato dele ser o dono dos meios de produção lhe dará poder para
explorar o proletário, dado que este não tem escolha: ou trabalha nas condições arbitrárias do dono dos
meios de produção, ou morre de fome. Se tivesse poder aquisitivo, os próprios proletários teriam seus
meios de produção garantidos e melhorariam suas condições, pois trabalhariam para si mesmos.

Aqui encontramos dois grandes equívocos. Ignora-se, primeiramente, que a concorrência entre
diferentes empresas obriga o empresário a brigar pelos melhores funcionários – e isso ocorre
fundamentalmente para aumentar sua própria eficiência, melhorar a qualidade de seu serviço e, por
consequência, melhor atender as demandas da sociedade. Tal briga implica em ofertar as melhores
condições de trabalho possíveis para determinado empregado, forçando a concorrência a aumentar
seus salários e melhorar seus benefícios. Isso, ao contrário do que postula a teoria marxista, beneficia os
trabalhadores como um todo."
R: Não há muito o que brigar, quando se refere a classe do proletariado (operários) ou do trabalhador
comum, que é o que o marxismo realmente cita como os explorados e os que seguram a base do
capitalismo. O proletário apenas vende a sua força de trabalho, e só. Não há tecnicidade nisso, ou algum
fator especial que faça o trabalhador se destacar ao ponto de que as condições espontaneamente
melhorem para ele por pura bondade ou necessidade do capitalista.

Se o proletário não produz, ele é demitido, simples. Ou vende sua força de trabalho e produz, ou não é
contratado. E se não estiver sendo produtivo, vai pra rua. Talvez a analogia do texto em questão faça
algum sentido em se tratando de coisas mais técnicas, como um engenheiro ou um arquiteto no
mercado de trabalho, talvez, mas para quem só tem a força de trabalho a oferecer e não está em
condições de exigir nada, essa análise não faz sentido.

A forma como o texto coloca dá a entender que o dono do McDonalds irá se preocupar de pesquisar a
fundo quais pessoas são extremamente aptas para fazer a ''dificílima'' tarefa de servir lanches (que
qualquer um faz, mas no caso, há pessoas que fazem por pura necessidade como mencionei
anteriormente), oferecer um grande salário e condições de qualidade para isso......em vez de
simplesmente colocar condições medíocres no trabalho, para abaixar e baratear os custos, e obrigar o
trabalhador a fazer hora extra ou trabalhar sem parar, para poder ofertar melhor eficiência e
atendimento para barrar a concorrência, tudo isto na base do suor do trabalhador, enquanto quem sai
lucrando em cima..? Acho que já sabem a resposta.

"Basta analisarmos friamente a história: os salários continuamente tendem a crescer, jamais cair,
especialmente quando falamos de países de economias mais livres. Ao longo desse meio século, o
rendimento real per capita só caiu em seis países (Afeganistão, Haiti, Congo, Libéria, Serra Leoa e
Somália). Nos restantes, dispararam. Os ricos ficaram mais ricos, mas os pobres ficaram em condições
ainda melhores. Os pobres do mundo em desenvolvimento aumentaram o seu consumo duas vezes
mais depressa do que o mundo como um todo entre 1980 e 2000. Apesar de vermos a população
mundial dobrar nessas últimas cinco décadas, até a porcentagem de pessoas que vivem na absoluta
pobreza caiu mais da metade – para menos de 10%, pela primeira vez na história da humanidade. Logo,
mesmo se o trabalhador não tivesse escolha a não ser trabalhar nos empregos ofertados, a concorrência
inerente entre as empresas forçaria os empresários a valorizarem as condições do trabalhador"

R: Bem, suponhamos uma pequena comunidade, em que seus membros satisfazem suas necessidades
materiais básicas com plantações e víveres de modo mais ou menos imediato.

Suponha agora que as famílias nessa comunidade tenham perdido o acesso à terra onde isso tudo
acontecia (um mistério!).

Suponha então que, pra ter acesso ao que se tinha antes -- pelo menos a uma parte do total anterior --,
os membros da comunidade tenham que pagar uma quantia de dinheiro. Pra obter essa quantia de
dinheiro, têm de vender o próprio trabalho, comerciar produtos restantes ou pegar empréstimo.

No segundo momento, nasce uma quantidade de dinheiro que antes não existia (um outro mistério!).
O que não tem nenhum mistério é que, agora calculada em termos de cash, a riqueza pareça maior.

Ou seja, em vez de ' a riqueza está sendo mais gerada e matando a pobreza no mundo' o título deveria
ser: "como o processo de acumulação primitiva está avançando num ritmo mais rápido do que você
imagina". Não foi o aumento do padrão de vida ou a morte da pobreza real que possibilitou isso, muito
menos o livre-mercado, mas tão somente q acumulação primitiva no Leste Asiático. Basta comparar
essas pesquisas e ver como essa 'diminuição da pobreza mundial' se sairia sem a influência do que está
acontecendo no Leste Asiático.

Em outras palavras, a acumulação primitiva do capital através da transformação do campesinato do


Leste Asiático em trabalhadores assalariados. O facto de uma família ter abandonado a
autossubsistência, i.e., a produção para consumo próprio, e ingressado, de algum modo, no mundo
mercantil não significa que o seu padrão de vida melhorou automaticamente. Se antes não ganhava
dinheiro, mas supria todas as necessidades alimentares básicas e, agora, recebendo dinheiro, não
consegue alimentar-se condignamente, então a sua situação terá, pelo contrário, piorado. Mas nas
estatísticas, contará como alguém que superou a pobreza, pois agora é assalariado. Atenção: para não
criar mal-entendidos, não sou de modo algum romântico ou primitivista. Todavia, esta observação
parece-me ter o seu núcleo de pertinência.

Houve, porém, um aumento na qualidade de vida do Ocidente, em alguns países, mas isso não se deve
aos 'mercados'.

A revolução industrial possibilitou sim um nível tecnológico maior que serviria como uma infraestrutura
para o mundo todo, e conseguiu dar uma base estável para o avanço de ciências, medicina e etc

Porém, também tem a ver com com as guerras, por mais que houvesse muita perda de vida durante
aquele tempo, também se desenvolveu tecnologias e técnicas medicinais /na área da enfermaria que
mais tarde iriam contribuir para o aumento da expectativa de vida de todos. Um rápido estudo na
história da saúde pública e do acesso a ela mostra isso.

Tem também a ver com o avanço da intervenção estatal. Depois da depressão de 29, o Estado começou
a intervir cada vez mais, de uma forma que incentivasse o emprego, o bem-estar, o saneamento básico,
saúde disponível para todos (ou a maioria) e natalidade. Era o começo do que hoje entendemos por
Estado de Bem-Estar Social, e essas políticas públicas também ajudaram muito no aumento de
expectativa de vida e desenvolvimento.

Por último, o texto cita que os salários e condições dos trabalhadores melhoraram. Me parece que ele
matou as aulas de história, para simplesmente não ter conhecimento de que isso foi feito mediante
muita luta social e por ação e interesse político dos sindicatos.
Um dos movimentos trabalhistas mais conhecidos fora o do 1º de maio – hoje reconhecido como o dia
mundial do trabalhador. Em tal dia do ano de 1886, 180 mil trabalhadores saíram as ruas dos Estados
Unidos para reivindicar a redução da jornada de 16 para 8 horas. Manifestação que ficou marcada pela
forte repressão policial, mortes e muitos feridos. Apesar de muita tragédia conquista-se o principal
objetivo – que tornou o primeiro país a instituir a jornada de trabalho de 8 horas diárias -, que fora
instituído pelo Congresso dos Estados Unidos no ano de 1890. Em 1891, no Congresso Internacional em
Bruxelas, após um balanço do movimento 1890, aprova-se o 1º de Maio como sendo o dia de
comemoração dos trabalhadores de todo o mundo.

Outro exemplo, a política econômica sueca sofreu uma mudança significativa após a vitória eleitoral do
Partido Trabalhista Social Democrata em 1932 e a assinatura do "pacto histórico" entre o sindicato e a
associação patronal em 1936, o acordo de "Saltsjöbaden". O regime político que surgiu após o pacto de
1936 focou inicialmente na construção de um sistema onde os empregadores financiavam um gigante
estado de bem-estar generoso e um investimento elevado em troca da moderação salarial do sindicato
e de evitar greves.

Após a Segunda Guerra Mundial, utilizou-se esse sistema para promover a modernização industrial.
Depois, houve as SAC's, sub-centrais sindicais- a grande central era a LO (Landsorganisationen i Sverige),
passaram a ter assentos nos conselhos das empresas e o Estado promoveu o altíssimo nível de
sindicalização dos trabalhadores, tendo implementado os "fundos de assalariados" na mesma época.
Nas décadas de 1950 e 1960, o sindicato centralizado do -LO Adotou o chamado Plano Rehn-Meidner.
Isso introduziu a chamada "Política Salarial Solidária", que visava explicitamente equalizar os salários
entre as indústrias, para os mesmos tipos de trabalhadores. A intenção disso era gerar pressão nos
capitalistas dos setores mais mal remunerados a aumentar o estoque de capital e propiciar aos dos
setores melhores remunerados reter lucros extras se expandissem mais rápido do que teria sido possível
normalmente. Isto foi complementado pela chamada "política ativa do mercado de trabalho" (políticas
públicas de realocação de mão de obra) que proporcionou apoios de reconversão e deslocalização aos
trabalhadores deslocados neste processo de modernização industrial. É amplamente aceito que esta
estratégia contribuiu decisivamente para a industrialização da Suécia, e consequente melhoria gigante
na qualidade de vida dos seus trabalhadores.

Robert Owen, Anthony Ashley-Cooper, Michael Sadler e outros que tiveram grande participação nessas
conquistas sociais, que o autor do texto remete como dádivas do 'deus mercado', nunca existiram para
ele. Tal como a ascensão das políticas sociais, estado de bem-estar social e etc..

Pra finalizar essa parte, Marx e Engels prevendo que isso iria acontecer com o tempo:

'Mas assim como a melhoria de vestuário, alimentação, tratamento

e um pecúlio maior não suprimem a relação de dependência e a

exploração do escravo, tampouco suprimem as do assalariado. O

aumento do preço do trabalho, que decorre da acumulação do capital, significa apenas que, na
realidade, o tamanho do peso dos

grilhões de ouro que o trabalhador forjou para si mesmo permitem

torná-las menos constringentes.

' - Karl Marx, "O Capital"


'Se o dono da força de trabalho trabalha hoje, amanhã terá de repetir o mesmo processo nas mesmas
condições de saúde e força. Portanto, seus meios de subsistência devem ser suficientes para mantê-lo
em seu estado normal de indivíduo trabalhador. Suas necessidades naturais, tais como alimentos,
roupas, combustível e habitação, variam de acordo com as condições climáticas e outras condições
físicas de seu país. Por outro lado, o número e a extensão de suas chamadas necessidades vitais, assim
como os modos de satisfazê-las, são elas próprias produto do desenvolvimento histórico e dependem,
portanto, em grande parte, do grau de civilização de um país, mais particurlamente das condições sob as
quais e, conseqüentemente, nos hábitos e no grau de conforto em que se formou a classe dos
trabalhadores livres. Em contradição, portanto, com o caso de outras mercadorias, entra na
determinação do valor da força de trabalho um elemento histórico e moral. No entanto, em um dado
país, em um determinado período, a quantidade média dos meios de subsistência necessários para o
trabalhador é praticamente conhecida. ' - Karl Marx," Das Kapital '

'A participação do trabalhador nas mais elevadas, até mesmo satisfações culturais, a agitação por seus
próprios interesses, subscrições de jornais, assistir a palestras, educar seus filhos, desenvolver seus
gostos etc., sua única parte da civilização que o distingue do escravo é economicamente possível
alargando a esfera de seus prazeres em épocas em que o negócio é bom. "- Karl Marx," Grundrisse'

'A intenção dos salários ... não desenha uma linha dura e rápida. Não é inexorável dentro de certos
limites. Há, em todos os tempos (exceto a grande depressão), para cada comércio uma certa latitude
dentro da qual a taxa de salários pode ser modificada pelos resultados da luta entre as duas partes em
conflito. Salários em todos os casos são fixados por um pechincha, e em um negócio que ele resiste mais
tempo e melhor tem a maior chance de obter mais do que o seu devido. Se o trabalhador isolado tentar
conduzir sua barganha com o capitalista, ele é facilmente derrotado e tem que se render à discrição,
mas se todo um conjunto de operários formam uma organização poderosa, fazer entre si um fundo para
permitir-lhes desafiar seus empregadores, se necessário , assim tornar-se capaz de tratar com esses
empregadores como um poder, então, e só então, eles têm uma chance de obter mesmo que pequeno,
e de acordo com a constituição econômica da sociedade atual, pode ser chamado um salário justo dia
para um justo "Dia do trabalho". "- Friedrich Engels," O sistema de salários'

____________

"No mais, quem disse que o trabalhador gostaria de estar na condição de empresário? Consideremos as
seguintes atribuições: preocupação com os lucros, com os salários dos funcionários, com o calvário da
burocracia estatal, com o cálculo correto dos impostos, com a variação natural dos preços dos insumos,
escolher os melhores investimentos, aproveitar as melhores oportunidades de negócio, suportar quedas
de demandas em quadros inflacionários, cumprir as regulações mais arbitrárias possíveis, atender
demandas de forma competente e ainda colocar a mão na massa em algum ponto do processo
produtivo da empresa – sobretudo nas empresas menores. Tudo isso são atribuições costumeiras de um
empresário. É fato que muitos, à medida que prosperam, passam a delegar suas funções, contratando
empregados para suas atribuições iniciais. Ainda assim, não há como delegar a terceiros a parte mais
importante de todas: a de assumir os riscos. Se a empresa declina, quem está no prejuízo é o
empresário. Certamente ele poderá optar por demissões para mitigar os custos – e isso é terrível para o
empregado demitido. Mas ainda assim: o empregado receberá seu último salário, quando partirá para
encontrar outro emprego.
Enquanto isso, a ocupação do empregado é cumprir com seu cargo. Normalmente, isso implica que sua
única preocupação seja realizar uma função específica e receber seu salário por isso,
independentemente do lucro ou do prejuízo do empresário. É verdade que alguns empregos demandam
múltiplas funções e ainda que outros possuem condições precárias de trabalho, mas, à luz dos fatos,
essas são condições em contínuo processo de melhoria, especialmente nos países com economia mais
livre"

R: Acredito eu que qualquer pessoa que tenha um pouco de sanidade, consegue perceber sozinho o
nível de mau-caratismo que esse trecho acima chega. Deve ser por esse motivo que quando o patrão
perde tudo e entra em falência, muitos preferem se matar do que melhorar sua qualidade de vida
virando proletário (!), segundo a lógica do texto.

Eu sinceramente, considerei parar de responder depois que li isso. Não é possível que alguém tenha dito
isso, e realmente acreditado.

A parte engraçada é que esse tipo de mau-caratismo já existia na época de Marx, que já refutava essa
falácia facilmente, como no trecho abaixo dos Grundrisse:

'Todos os economistas, tão logo discutem a relação existente

entre capital e trabalho assalariado, entre lucro e salário, e demonstram ao trabalhador que ele não tem
nenhum direito a participar das oportunidades do lucro, enfim, desejam tranquilizá-lo sobre seu papel
subordinado perante o capitalista, sublinham que ele, em contraste com o capitalista, possui certa
fixidez da renda mais ou menos independente das 'grandes aventuras' do capital. Exatamente como
Dom Quixote consola Sancho Pança [com a ideia] de que, embora certamente leve todas as surras, ao
menos não precisa ser valente'.

"3. A farsa da lei de ferro dos salários"

"Em seu Manifesto Comunista, Marx defende – e utiliza isso como base em sua obra magna – a velha lei
de ferro dos salários, anterior ao próprio Marx, onde os salários estão sempre no patamar mínimo
necessário para que o proletário sobreviva e garanta a sobrevivência de sua prole. Para Marx, aumentar
o salário só iria permitir que os proletários tivessem mais filhos, uma vez que agora poderiam sustentá-
los. Esse excedente de proletários geraria um aumento em suas fileiras, fazendo com que os salários
declinassem. Em sua visão de mundo apocalíptica, a partir do instante em que os salários declinam, mais
filhos morrem de fome, menos proletários estarão disponíveis e só a queda da oferta permitiria
novamente com que os salários aumentassem, fazendo com que eles oscilem sempre no sentido de se
manterem no menor patamar possível para garantir o sustento dos filhos, sem que isso cause uma
grande variação do número dos proletários.

Mises já havia percebido que não apenas isso é falso, como contraditório com a principal defesa de
Marx: a de que a tendência da exploração é sempre piorar a situação do trabalhador a um patamar
insustentável onde ele não teria outra alternativa senão apelar para a força bruta e tomar para si o que
lhe é de direito. Isso é terrivelmente falso porque trata os trabalhadores como criaturas não humanas"
R: Aqui o texto chega no ápice da cara de pau. Marx e Engels foram justamente quem refutaram essa
ideia na época, e não a apoiavam, como o texto mente. Foram justamente ELES que desacreditaram
essa ideia que é atribuída a eles.

Marx em "Crítica do Programa de Gotha", diz:

'Da «lei de bronze dos salários», como se sabe, nada pertence a Lassalle, a não ser a expressão «de
bronze», que ele foi buscar às «leis eternas, às grandes leis de bronze» de Goethe. A expressão de
bronze é a senha pela qual os crentes ortodoxos se reconhecem. Mas se eu admitir a lei com o selo de
Lassalle e, por conseguinte, na acepção em que ele a toma, é preciso que admita igualmente o seu
fundamento. E que fundamento! Como o mostrava Lange, pouco após a morte de Lassalle, é a teoria
malthusiana() da população (pregada pelo próprio Lange). Mas se esta teoria é correcta, eu não posse
abolir a lei, mesmo que suprima cem vezes o salariato, porque nesse caso a lei não rege só o sistema do
salariato, mas todo e qualquer sistema social. É precisamente com base nisto que os economistas, desde
há cinquenta anos e mais, têm demonstrado que o socialismo não pode suprimir a miséria, determinada
pela natureza das coisas, mas apenas generalizá-la, espalhá-la simultaneamente por toda a superfície da
sociedade! Mas o principal não é isso. Abstraindo completamente da falsa versão lassalliana desta lei, o
recuo verdadeiramente revoltante consiste no seguinte:

Desde a morte de Lassalle que o nosso Partido se abriu à perspectiva científica segundo a qual o salário
do trabalho não é o que parece ser, a saber, o valor (ou o preço) do trabalho, mas tão-somente uma
forma disfarçada do valor (ou do preço) da força do trabalho. Assim, duma vez por todas, estava posta
de parte a velha concepção burguesa do salário, bem como todas as críticas até então dirigidas contra
ela, e estava claramente estabelecido que o operário assalariado só é autorizado a trabalhar para
assegurar a sua própria existência, por outras palavras, a existir, conquanto trabalhe gratuitamente em
certo tempo para os capitalistas (e, por conseguinte, para os que, com estes últimos, vivem de mais-
valia); que todo o sistema de produção capitalista visa prolongar este trabalho gratuito pela extensão do
dia de trabalho ou pelo desenvolvimento da produtividade, quer dizer, por uma maior tensão da força
de trabalho, etc.; que o sistema de trabalho assalariado é, por consequência, um sistema de escravidão
e, a falar verdade, uma escravidão tanto mais dura quanto mais se desenvolvem as forças sociais
produtivas do trabalho, seja qual for o salário, bom ou mau, que o operário recebe. E agora que esta
perspectiva penetra cada vez mais no nosso Partido, volta-se aos dogmas de Lassalle, quando se deveria
saber que Lassalle ignorava o que é o salário e que, na peugada dos economistas burgueses, tomava a
aparência pela própria coisa.'

E agora, Engels sobre o assunto, de uma carta a August Bebel:

'Em terceiro lugar, a nossa gente deixou que lhe impusessem a «lei de bronze do salário»
lassalliana,baseada numa concepção económica inteiramente caduca, a saber: que o trabalhador não
recebe, em média, mais do que um salário mínimo e isto porque, segundo a teoria malthusiana da
população, há sempre trabalhadores de sobra (era esta a argumentação de Lassalle). Ora bem: Marx
demonstrou, minuciosamente, em O CAPITAL, que as leis que regulam os salários são muito complexas,
que tão depressa predomina um factor como outro, segundo as circunstâncias; que, portanto, esta lei
não é, de modo algum, de bronze, mas, pelo contrário, muito elástica, e que o problema não pode ser
resolvido assim, em duas palavras, como pensava Lassalle. A fundamentação que Maltus dá da lei de
Ricardo (falseando este último), tal como pode ver-se, por exemplo, citada noutro folheto de Lassalle,
no «Manual do trabalhador», página 5, foi refutada exaustivamente por Marx, no capítulo sobre «a
acumulação do Capital». Assim, pois, ao adoptar a «lei de bronze» de Lassalle, pronunciaram-se a favor
dum princípio falso e duma demonstração falaciosa'.

Se alguém tiver mais alguma dúvida de que o marxismo foi justamente quem refutou isso, e não de que
aceitou como esses falaciosos mentem, sugiro que abram o Manual de Economia Politica da Academia
de Ciências da URSS, na seção 'Salário':

' (...) O marxismo refuta a chamada “lei de ferro do salário”, segundo a qual o salário seria determinado
pelo mínimo de meios de existência necessários apenas a sobrevivência do operário, e, em
consequência, a luta da classe operária pela elevação dos salários careceria, supostamente, de
perspectiva'

https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/manual/06.htm

Vemos aqui então que não se trata de mal-entendimento ou confusão, mas sim mentira e
desonestidade intelectual descarada.

"4. A farsa do aumento do desemprego graças à mecanização"

"Marx alegava que as máquinas substituiriam os trabalhadores, piorando sua condição, jogando-os no
desemprego e, por consequência, derrubando suas rendas. Felizmente a história mostra que isso não é
verdade. Olhemos em volta: a evolução tecnológica em relação aos tempos do velho barbudo é
inquestionável. Ainda assim, desde 1800, a população mundial cresceu seis vezes, mas a expectativa
média de vida mais do que duplicou e o rendimento real aumentou mais de nove vezes. Embora
máquinas exerçam trabalhos braçais de dezenas de operários do passado, as demandas são infinitas e
os trabalhadores do presente se alocam em outros tipos de serviços com demandas que, até então, nem
sequer eram consideradas. O próprio mercado de informática é um exemplo disso (...) As máquinas não
só não pioraram as condições do trabalhador, como as melhoraram, potencializando sua produtividade
e desempenhando trabalhos outrora mal remunerados – embora básicos para a indústria e a cadeia
produtiva – agraciando os trabalhadores com o surgimento de trabalhos mais sofisticados – e
consequentemente, melhor remunerados".

R: Marx dizia que a automatização causaria impactos a partir do momento que criasse contradições
dentro da cadeia produtiva, e não tão somente o avanço tecnológico em si na forma de aplicativos e
equipamentos. Ou seja, esse ponto é um espantalho.

Enquanto ainda for necessário humanos na cadeia produtiva, e na maior parte do mundo esse ainda é o
caso, essas contradições não irão aparecer. Marx nunca disse que a mecanização e avanço tecnológico
em si iriam causar o desemprego e as contradições, mas sim se essas começassem a ser aplicadas na
cadeia produtiva de uma forma que substitua o ser humano em todos os estágios. A parte ruim da
história é que já há planos para isso e as previsões, mesmo de não marxistas, não são nada boas.
Estamos na beira da Quarta Revolução Industrial.
https://www.publico.pt/2016/01/18/tecnologia/noticia/quarta-revolucao-industrial-levara-a-perda-de-
cinco-milhoes-de-empregos-em-cinco-anos-1720599

Veja essa palestra, feita pelo CEO da Campus Party:

https://www.youtube.com/watch?v=3JFT6hg5cKU (e é da turma apologista do capitalismo)

Na palestra ele admite e explica detalhadamente como o que o texto acha que vai continuar
acontecendo na cadeia produtiva simplesmente não vai mais acontecer. Recomendo também o novo
livro do Jeremy Rifkin onde ele trata da quarta revolução industrial e seus possíveis efeitos:

http://www.mbooks.com.br/cgi-bin/e-commerce/busca_e-
commerce.cgi?lvcfg=mbooks&action=saibamais&codigo=802709

E claro recomendo tambem que procure o livro "Radical Abundance" do pai da engenharia molecular,
Erick Drexler também explicando os novos paradigmas tecnológicos e seus respectivos prováveis
impactos. Você deve entender que estamos passando por profundas mudanças estruturais e a crise
atual é apenas uma das várias expressões disso, nunca foi tão viável se pensar pós-capitalismo quanto
hoje, e principalmente no que toca a crise e seus desdobramentos constantes na realidade nacional.

"5. A farsa da mais-valia"

"Um dos princípios da teoria de mais-valia é a de que o trabalhador tem direito sobre 100% do valor
produzido pelo seu trabalho em cima daquele produto. Parece justo: você trabalha e recebe
exatamente aquilo que o produto produzido vale.

O problema é que, para Marx, a roupa costurada manualmente tem a totalidade do seu valor produzido
pelo trabalho de quem a costurou. O material de nada vale se não tiver trabalho nele cristalizado. Logo,
se todo valor produzido para aquela mercadoria advém do trabalho, como o empresário lucraria com o
produto vendido se todo o dinheiro da venda é, em tese, do trabalhador? Para Marx, isso somente seria
possível se o dono do meio de produção se apropriasse de parte desse valor – a mais-valia – e
entregasse ao trabalhador menos do que ele produziu em forma de trabalho, constituindo-se a
exploração do trabalhador no modo de produção capitalista.

Essa ideia parece lógica se você aceita que o valor produzido é fruto somente do trabalho. O problema é
que isso é falso.

E é aí que surge Böhm-Bawerk. O primeiro ponto que ele levanta é que os socialistas – e essa não é
apenas uma crítica a Marx – ignoram a influência do tempo no valor das coisas. Em muitos casos, o
salário é pago aos trabalhadores antes que o produto por eles produzido seja sequer vendido. Há,
portanto, um investimento para o futuro.

Os trabalhadores em geral preferem receber dinheiro hoje em detrimento de amanhã – principalmente


quando esse amanhã significa longo prazo. Isso é conhecido como preferência temporal. Como
resultado, o dinheiro no futuro vale menos que a mesma quantia no presente. Tal fato significa que, se
os trabalhadores recebem antes do produto ser vendido, a quantidade de dinheiro recebido deve ser
menor que o preço da venda no futuro, para que ambos os valores sejam equivalentes em dois tempos
distintos, ainda que consideremos que a íntegra do valor produzido no produto seja de posse do
trabalhador. Esse é o fenômeno do juro que Marx dizia ser só mais uma manifestação da mais-valia.

Contudo, o fenômeno do juro é real, contrariando a premissa de que, se o trabalhador tem direito a
100%, seu salário deveria ser igual ao preço praticado pelo produto no futuro. Se isso acontecesse, na
prática, o trabalhador estaria ganhando mais do que deveria – e ironicamente explorando o dono do
meio de produção, que estaria investindo dinheiro no presente para receber exatamente a mesma
quantia no futuro, perdendo parte do valor investido".

R: Toda a questão da preferência temporal, e a 'refutação' de Böhm-Bawerk, já foi exaustivamente


trabalhada por nós da CPL, em um tópico específico para isso. Eu não vejo motivos para replicar aqui -
pois é extenso. Trabalhamos com várias possibilidades e visões para mostrar que a tese de Böhm-
Bawerk não só não faz sentido, como acaba por comprovar a tese de Marx.

Aos interessados:

https://m.facebook.com/CPLBrasil/photos/a.111019786038479.1073741828.110806902726434/19333
8694473254/?type=3&source=54&ref=page_internal

https://www.motorideologico.com/.../Böhm-Bawerk-x-Marx...

"Outra questão importante é que, se Marx diz ter encontrado o “tempo de trabalho socialmente
necessário” para produzir uma mercadoria como único fator determinante comum a todas as
mercadorias no valor final de troca, Böhm-Bawerk encontrou exceções que furam o que Marx chama de
“lei de valor”:

1. Bens raros não obedecem a essa lei. Seus valores não se encontram proporcionais ao tempo médio de
trabalho. Isso inclui quadros e outras obras de arte – exemplos que erradamente levam as pessoas a
acreditarem que essas são “pequenas exceções”. A regra vai muito além: terrenos, bens patenteados,
direitos autorais, segredos industriais e outros exemplos nos mostram o quão comum são esses tipos de
produtos. Terras são rarefeitas por natureza, visto que não se pode replicar espaço físico. Existe uma
quantidade infindável de bens que são rarefeitos, frutos de patentes, direitos autorais e segredos
industriais. Embora não caiba aqui discutir se tais artifícios são corretos ou não, o fato é que sendo
rarefeitos são valorizados e compõem uma grande parte da gama de produtos que o mercado possui. É,
portanto, uma “exceção” bastante comum."

R: Já respondemos isso antes, em especial, no caso de que a edição de 'O Capital' foi vendida por
milhões, e muitos clamaram que 'O Capital refutou O Capital'. Explicarei o que aconteceu nesse caso (e
que se aplica perfeitamente ao que o texto liberal propôs):

Primeiro, a teoria marxista do valor é referente a mercadorias, ou seja, ela não se aplica ao que não é
produzido para ir ao mercado. Portanto, a natureza externa a nós humanos que não depende de nós
para existir e que a nós pode nos servir para satisfazer necessidades e desejos só é mercadoria quando
se torna privada e é trocada sob a mediação de trabalho humano, pois enquanto não é apropriado pelo
trabalho humano a natureza só tem utilidade potencial, valor de uso não consumido. O valor é uma
relação social de comparação de coisas com naturezas diferentes para poder trocá-las, então tudo que
não é produzido para ser trocado não tem valor, apenas utilidade social (valor de uso). Mesmo uma
terra virgem vendida antes de qualquer trabalho para poder consumir sua utilidade, ela é
comercializada com referência na especulação do que nela pode ser produzido, ela tem valor da renda
que gera com o trabalho que nela poderá se empregar para produzir.

Continuando: a edição original de O Capital que foi leiloada, de acordo com o próprio conteúdo da
teoria do valor-trabalho que se encontra nela, não tem valor e sim preço.

No Livro I de O Capital, Marx explica a categoria "mercadoria" a partir das abstrações mais simples e
gerais possíveis do capitalismo (como tomando a equivalência entre oferta e demanda, ou o equilíbrio
entre valor e preço, como dados, por exemplo). Nesse primeiro nível de abstração, que é provisório, e
que de acordo com o próprio método da Contribuição à Crítica da Economia Política, vai do mais geral e
abstrato ao mais específico e concreto, do mais simples ao mais complexo, a mercadoria é todo produto
do trabalho humano objetivado com propriedades naturais qualitativas e socialmente úteis para
satisfazer necessidades e desejos humanos que tem como finalidade a sua comercialização. Portanto,
toda mercadoria teria valor de uso, valor e valor de troca no Livro I. Todavia, já no próprio Livro I, Marx
pontua a existência de coisas que tem valor de uso, mas não tem valor e valor de troca (como a luz, o ar,
as terras virgens, etc); e de coisas que tem valor de uso e são produto do trabalho humano, mas não
tem valor e valor de troca porque não foram produzidas para ir ao mercado serem trocadas, e sim para
satisfazer diretamente as próprias necessidades do seu produtor imediato. Ou seja, O próprio Marx já
previu esses delírios dos economistas vulgares:

''Uma coisa pode ser valor de uso sem ser valor. É esse o caso quando sua utilidade para o homem não é
mediada pelo trabalho. Assim é o ar, a terra virgem, os campos naturais, a madeira bruta etc. Uma coisa
pode ser útil e produto do trabalho humano sem ser mercadoria. Quem, por meio de seu produto,
satisfaz sua própria necessidade, cria certamente valor de uso, mas não mercadoria. Para produzir
mercadoria, ele tem de produzir não apenas valor

de uso, mas valor de uso para outrem, valor de uso social.''

Contudo, Marx evidencia que há valores de uso que não são produzidos pelo trabalho humano -
portanto, não tem valor -, mas que mesmo assim são trocados no mercado, sendo então também
caracterizados como mercadorias. O exemplo mais notável disso são as mercadorias fundiárias, as terras
e terrenos, que não são produzidos pelo trabalho humano, são legados da natureza não humana
sozinha, abstraindo o pouco trabalho de apropriação desses tipos de mercadoria. Então Marx se
pergunta como podem ser comercializadas essas mercadorias se elas não tem nenhum padrão social
objetivado nelas - mesmo que seja o padrão de uma relação social escondida pelo valor de uso através
do fetichismo da mercadoria -, como o trabalho humano vivo abstrato socialmente necessário para sua
produção, que outras mercadorias possuem?

A resposta de Marx é que essas mercadorias que não são produto do trabalho humano ou de um
trabalho humano mensurável (por ter sido um trabalho ínfimo ou extremamente longo, de séculos, que
o torna inapreensível) é que elas não tem valor e sim preço. Isso significa que agora mercadoria não é só
o que é produto do trabalho humano para ir ao mercado ser trocada, mas também tudo que é
privatizável, ou seja, que se possa privar o seu uso generalizado ou público para trocá-la por outras
coisas, principalmente por mercadorias que são produto do trabalho humano, e que assim tem valor (é
dessa definição que vem a ideia de que Marx teve referência no Rousseau).

Assim, as mercadorias que não são produtos do trabalho humano, ou de trabalho humano mensurável,
tem seus preços definidos com base na expectativa de criação de valor na economia produtiva e sua
realização nas taxas e massas de lucro, a partir da quantidade de dinheiro em circulação no mercado
que se comporta como um parâmetro de demanda.

Com isso, podemos constatar que o que é demandado nesse bem leiloado não é o conteúdo da obra O
Capital, porque esse é reprodutível, e sim o caráter único da sua primeira peça. É essa unidade original,
e só ela, que é demandada, que como tal, como primeira peça, portanto, como símbolo ou relíquia, é
irreprodutível, por isso é única, extremamente escassa e rara, fazendo sua oferta como tal ser muito
menor que a demanda.

Todavia, para essa peça se tornar um símbolo tão demandado, um valor de uso tão caro aos desejos da
fantasia humana, ele precisou ser produzido como tal pelas experiências que se sucederam à existência
do seu conteúdo, à trajetória do seu autor e de todo o marxismo. Um processo de mais de 150 anos,
mesmo que não necessariamente voluntário, para que a primeira unidade dessa obra ganhasse esse
status no seu valor de uso como tal, como símbolo e relíquia. E assim como obras de arte pré-moderna e
moderna (excluindo a arte contemporânea), essa primeira edição é uma relíquia produzida como tal por
um trabalho humano e social que é inapreensível para ser mensurado em abstrações de quantum de
dispêndio de energia, músculos e nervos expressos num tempo socialmente necessário para sua
produção. É uma coisa que, como diria Walter Benjamin, tem uma aura, uma trajetória que as tornam
únicas. Portanto, elas não tem valor, mas por serem privatizáveis elas podem ser precificadas com base
na demanda que a quantidade de dinheiro em circulação na economia indica, tendo como base o
quantum de valor está sendo realizado como lucro na economia de produção de mercadorias que é
produto do trabalho humano para o mercado.

Outros autores da sociologia econômica e cultural, como Weber e Bourdieu, criaram teorias de
mensuração do valor simbólico das coisas que não tem valor "econômico", no sentido da materialidade
do trabalho.

Esses autores entendem que são as disputas por consagração dos bens de satisfação simbólica, por
parte dos agentes sociais alocados nas posições da estrutura de atividades que tem uma autonomia
relativa do todo social, como um microcosmo social (que Bourdieu chama de campo simbólico), que
produzem o seu valor simbólico.

Isso se dá pelo fato da sociedade legitimar o juízo desses agentes fechados em si mesmos, na sua luta
interna, para consagrar o que tem valor e o que não tem, o que está fora do campo; o que está dentro,
mas é dominado; e o que está dentro, mas é dominante.

Então, é quanto mais autonomia cada campo da atividade cultural adquire perante da economia e da
política, que seus agentes aumentam o valor simbólico dos bens que produzem, os fazendo ser cada vez
mais impagáveis materialmente ou monetariamente, como o quadro da Monalisa, por exemplo.

"2. Produção por trabalho qualificado. Essa é uma exceção tão óbvia que nem Marx ousou negá-la. Ao
contrário, tentou encaixá-la em sua teoria, afirmando que a mão-de-obra qualificada gera um efeito
multiplicador na proporção, ou seja, uma hora de trabalho qualificado valeria, digamos, duas horas de
trabalho comum. Se uma ferrovia alega cobrar sua tarifa proporcionalmente à extensão da viagem do
passageiro – cobrando, num trecho particularmente dispendioso, cada quilômetro computado como se
fosse dois – será possível confirmar que o único princípio para a tarifação seja a extensão do trajeto ou
qual tipo de trajeto esse passageiro tomou? O tipo de trabalho mudar a proporção não seria um
segundo princípio de determinação de valor, portanto, uma exceção? Exceção das grandes, pois a ampla
maioria do temos hoje em bens e serviços são frutos de mão-de-obra qualificada".

R: Se o texto estiver falando sobre a diferença entre trabalho simples e complexo, há uma confusão na
forma que esses conceitos foram entendidos, uma confusão entre substância e grandeza de valor.
Trabalho simples e trabalho complexo não tem uma substância diferente entre si, ou seja, não são
qualitativamente coisas diferentes, e sim quantitativamente diferentes entre si, mas que implicam, no
objeto externo que se objetivam, em uma diferença de qualidade. Isso quer dizer que no trabalho
complexo há trabalho simples subsumido, o trabalho complexo é composto por quantidades de trabalho
simples anteriores que o fizeram existir. Portanto, a diferença entre um e outro está na grandeza de
valor, que é a sua expressão no tempo socialmente necessário para a produção. Desse modo, o que
importa para o capitalista é qual o tempo total que sua unidade produtiva levou para produzir sua
oferta de mercadorias e qual a sua relação com o tempo médio que todos os demais concorrentes do
mesmo nicho de mercado levam para produzir o mesmo montante de oferta. Então a diferença do
trabalho simples e do trabalho complexo fica borrada pelo tempo de duração do fluxo de produção
como um todo.

Por isso, o exemplo da ferrovia não tem cabimento nenhum. O empresário desse negócio simplesmente
identifica qual o custo da produção total de sua oferta - porque ele não pode produzir separadas cada
parte do trajeto possível de vender sozinho numa opção de viagem -, chegando no seu tempo de
produção por fluxo e no seu equivalente em dinheiro no nicho de mercado conforme a média de tempo
de todos os concorrentes, para saber qual é o preço que tem de vender essa oferta inteira. Daí ele pode
distribuir esse preço total em frações por trajeto vendido separadamente de acordo com a demanda
que se tem por cada trajeto.

"3. Bens produzidos por mão de obra extraordinariamente mal paga. Análogo ao segundo ponto, mas no
sentido inverso. Alguns trabalhos manuais como bordado, costura, malharia, entre outros, são pouco
valorizados e, por isso, paga-se pouco por eles"

R: O texto está querendo dizer que esses exemplos de atividades mal remuneradas são trabalho
complexo (ou qualificado), por isso deveriam valer mais?

Se for isso, ele está negligenciando o fato que a substância do valor não é o quantum de trabalho que
cada produção isolada, tomada em abstrato, objetiva nas suas mercadorias, e sim o trabalho
socialmente necessário. Então, essas atividades citadas tem concorrentes que com forças produtivas
mais avançadas produzem mais rápido. Portanto, essas atividades manuais estão muito abaixo da média
social do tempo necessário de produção do tipo de coisa que produzem, e o valor está na média social
do tempo necessário de produção e não no tempo de cada produtor isolado.

"4. Ainda que os produtos obedeçam uma proporção fiel de trabalho ao seu valor, essa valoração oscila
em relação à oferta e à demanda. Marx diz que a lei de oferta e demanda funciona como um fenômeno
oscilatório em relação ao valor real determinado objetivamente pelo tempo de trabalho e que, no final,
tudo irá obedecer à sua lei de valor. Entretanto, deve-se observar que essas oscilações de valor de troca
são reais e que isso é uma evidência de que existem outros fatores que modificam esses valores. É como
se um físico observasse a oscilação de um corpo em queda livre para, apenas quando ele se espatifasse
no chão, afirmar que tudo não havia passado de meras oscilações passageiras, que o que vale mesmo é
a gravidade, a única componente de força atuante sobre o corpo. A gravidade puxa para baixo e
somente para baixo. Se um corpo, supostamente em queda livre, modifica sua trajetória de forma
absolutamente contrária durante a queda, certamente há outras forças atuando sobre ele, ainda que
desconhecidas".
R: O valor oscila, aumentando ou diminuindo, se as condições materiais de produção do momento
histórico em questão se alteram. Se a produtividade aumenta, o que está estocado de uma produção
anterior com forças produtivas inferiores (mais lentas) tem seu valor depreciado porque a média social
do tempo necessário de produção diminuiu. Se acontece alguma catástrofe imponderável, que
compromete as condições de produção até então vigentes, diminuindo a produtividade, então o que
estiver estocado, que foi produzido na maior produtividade de antes, vai ter seu valor aumentado
porque a média social do tempo necessário de produção aumentou com a catástrofe.

Fora isso, há a oscilação de preços que pode se dar por fatores externos ao valor porque se trata da
expressão deste em algo externo à sua forma natural objetivada de valor de uso, como a prata e o ouro,
ou o papel moeda, ou títulos, entre outros, que podem variar conforme à flutuação da sua quantidade
em circulação, dos juros etc.

"5. Marx dizia que, dados dois produtos que contenham a mesma quantidade de trabalho médio
cristalizado, aquele que teve maior quantidade de trabalho prévio seria o mais valioso. Entretanto,
quando percebemos que levamos menos de 15 minutos de trabalho para se plantar um carvalho – que
produz certamente uma valiosa madeira – não teremos como usar esse postulado para explicar porque,
dadas duas mesas com o mesmo processo produtivo, a de carvalho ser mais valiosa, ainda que tenha
custado menos trabalho prévio que a de uma mesa com outro material.

Dessa forma, temos uma plenitude de bens que desabam completamente a lei de valor, que postula a
obediência à regra de que o valor é proporcional ao trabalho cristalizado. É interessante notar que Marx
chamava de transgressão da lei de valor o fato de alguma mercadoria não obedecer a essa lei. E – dado
que lei, na ciência, descreve uma realidade exaustivamente verificada com inúmeros testes – podemos
concluir que, segundo Marx, somos todos infratores da realidade, dada a frequência com que essa lei é
transgredida"

R: A diferença do que é cobrado na venda entre as tais duas mesas, da qual uma custa mais que outra
mesmo tendo o mesmo tempo de trabalho, é o preço e não o valor. Se o tipo de madeira de uma é mais
demandado que o tipo de madeira da outra, mesmo que o trabalho de plantação, cultivo e extração seja
o mesmo para ambos, o que está sendo cobrado a mais de um em relação ao outro é algo que não é
oriundo do trabalho humano, ou seja, o tipo da madeira. Valor é só sobre trabalho humano abstrato,
que é dispêndio de atividade humana (energia, nervos e músculos humanos) indiferenciada e
mensurável. O que a natureza produziu sem interferência humana, como o tipo da madeira usado em
cada uma das mesas, não tem valor, apenas preço.

_________

Creio que aqui, desmascaramos de forma eficiente esse amontoado de falácias. Por essas e outras,
tomamos o cuidado de pedir aos liberais que antes de criticarem, procurarem ler e entender Marx. O
autor do texto refutado, com certeza não fez isso.
PROPRIEDADE INTELECTUAL DEVIA EXISTIR?
23/1/2017

Esse tema que será trabalhado, em especial, tem um lado um tanto irônico, para nós, que somos anti-
liberais. Irônico porque os austrolibertários, mais especificamente os chamados 'anarcocapitalistas', irão
concordar com a conclusão do texto, embora não pelo motivo pelo qual essa posição é adotada. No
geral, ambas posições defendem uma finalidade em comum: o fim da propriedade intelectual.

Não existia propriedade intelectual em nenhum país socialista. Para ser direto, a propriedade intelectual
apenas retardada o progresso científico, intelectual, tecnologico, etc. A maior prova disto é de como
países, na época de seu crescimento como a Suécia, pouco se importaram com a propriedade
intelectual. Os gigantes do capitalismo chegam lá por métodos diferentes, para quando chegarem no
topo, chutarem a escada. É uma das várias coisas feitas para impedir o avanço das nações que servem
de pilar pro primeiro mundo.

A maior utilidade da propriedade intelectual, dentro do sistema capitalista, é a proteção do Estado-


burguês para manter o lucro dos próprios burgueses e dos grandes capitalistas, impedindo o livre
desenvolvimento das forças produtivas e as consequências da efetivação das contradições do
capitalismo.

Não faz sentido você abolir a propriedade privada burguesa e continuar com uma noção de propriedade
que retarda o avanço em conjunto, apenas em nome de individualismo e de lucros pessoais. Tanto é que
toda vez, há pedidos para que os direitos de propriedade intelectual sejam estendidos. É claro que no
socialismo você teria reconhecimento e homenagens para as coisas que você descobre ou faz, mas não
de uma maneira excludente ou exclusiva para você ficar lucrando em cima

Como dizia Karl Marx, o socialismo deve criar as condições para uma associação na qual o livre
desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.

Em várias partes do planeta estão ocorrendo medidas legislativas ou tentativas, com o objetivo de
restringir o acesso dos usuários à internet. Há alguns anos atrás por exemplo: foi o SOPA (projeto de lei
estadunidense que tinha como objetivo o suposto combate à pirataria) o ACTA (projeto europeu de
acordo internacional com os mesmos objetivos) e a chamada Lei Azeredo, ou AI-5 digital, além é claro,
do Marco Civil. O que mais chama a atenção é o fato dos próprios representantes legítimos do sistema
capitalista estarem tentando "castrar" um produto desse próprio modo de produção, demonstrando
que a validade histórica do capitalismo pode estar vencida.

"Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas,
com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de
desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre
então uma época de revolução social." (Karl Marx, 1959)

A ofensiva contra a internet, e a defesa da propriedade intelectual, tem 2 causas principais: A


diminuição dos lucros por parte dos grandes empresários multimídia e; A utilização dos meios digitais
em prol de interesses políticos distintos dos interesses da elite (tanto em nível de informação - blogs,
redes sociais, etc. - quanto em ataques diretos - hackers).

Karl Marx e Friederich Engels, ao elaborarem os fundamentos do materialismo histórico concluíram que
a transição de um modo de produção para outro (por exemplo, a transição entre feudalismo e
capitalismo na Europa) se dá quando as relações de produção existentes já não são mais capazes de
desenvolver as forças produtivas que foram criadas justamente sob essas relações, levando à criação de
novas relações e a elevação de um novo modo de produção que esteja em sintonia com os novos
fenômenos históricos (antes, contraditórios). Ou seja, em determinado momento da história de uma
sociedade os alicerces sociais, jurídicos e econômicos que foram capazes de responder aos diversos
problemas através do desenvolvimento cultural e tecnológico passam a cumprir função contrária,
travando qualquer tipo de progresso, forçando a própria sociedade em questão a edificar um novo
sistema, capaz de atender as suas novas necessidades.

Eis a descrição do tornado no qual estamos vivendo hoje. A internet surgiu nos EUA nas décadas de 60 e
70, voltada para fins militares, popularizando-se na década de 90. A contribuição desta ferramenta para
a humanidade é perceptivelmente imensurável, pois nunca na história houve tanta informação
disponível para tantas pessoas, que além de serem "ouvintes" podem ser produtores. No entanto, essa
tecnologia esbarra com os interesses dos capitalistas, que querem manter privada a informação, para
garantir tanto os lucros quanto o domínio político e cultural, e para isso eles se utilizam do discurso de
'propriedade intelectual / de informação' ou 'combate à pirataria'.

Por enquanto, apesar de ter avançado em alguns países (principalmente na Europa) essas restrições à
internet têm encontrado grandes dificuldades para serem aprovadas, tanto por causa da resistência
popular (seja dos movimentos sociais tradicionais ou dos hackers) quanto pelas contradições do próprio
sistema capitalista que produziu gigantes burgueses dos meios digitais (como o Google), que seriam
diretamente afetados por uma legislação restritiva.

Voltando a Marx e Engels, vale lembrar que ao aplicar a teoria de transição do materialismo histórico ao
capitalismo, concluíram que os problemas da sociedade burguesa só seriam resolvidos através do fim da
propriedade privada e do estabelecimento do socialismo. A internet é uma das coisas que se observa
isso, pois é cada vez mais comum a produção cooperativa não lucrativa nos meios digitais (talvez o
maior exemplo seja a Wikipédia).A propriedade privada intelectual é um dos lados mais bizarros dessa
propriedade privada capitalista, sendo visivelmente condenável, no entanto, a luta contra a restrição da
posse intelectual só pode ser plenamente efetivada com a derrubada do caráter privado da propriedade
em geral, ou seja, na edificação de uma sociedade socialista.

Chega uma etapa do desenvolvimento das forças produtivas, aonde elas se tornam danosas e
contraditórias ao próprio funcionamento e hegemonia do sistema, ou daqueles que ganham com isso
(grandes capitalistas, empresas privadas que fornecem internet, governos que dependem de
informações sigilosas, grandes burgueses que querem continuar lucrando com a propriedade intelectual
e etc). Para isso, a classe dominante usa de todos os seus esforços para barrar e estagnar isso, o que é
contraditório para eles que exibem um discurso de 'sem fronteiras', meritocrático ou do mundo
interligado através da 'liberdade econômica'. Tais ações desses grandes burgueses mais uma vez mostra
como a 'liberdade' que eles defendem, se trata apenas da liberdade do grande capital.

Os eixos principais do atual estágio de estagnação sistema capitalista são a economia e o meio-
ambiente, que só não são tratados no atual artigo por já estarem sendo exaustivamente estudados em
diversos meios (além de obviamente não ser o foco desse trabalho que busca contribuir com um dos
diversos elementos da crise do atual modo de produção).

A história do homem se diferencia das demais espécies pela capacidade do ser humano de conhecer e
pensar, desenvolvida pela necessidade de sobreviver num mundo hostil, ao contrário destas, que
também apresentam certo conhecimento da natureza, mas se subjugam a ela ou se extinguem. O ser
humano aprendeu a conhecer a natureza e, ao invés de esperar que ela lhe desse os meios de
subsistência, foi extrair dali suas riquezas, através do trabalho; as mãos serviram de ferramenta, a
habilidade do homem evoluiu em conjunto com seu cérebro e, assim, criou bens materiais para
satisfazer suas necessidades, transformando a natureza pela aplicação da imaginação, raciocínio, criação
e inovação.

Do arco e flecha ao computador, foi através da capacidade de descobrir, conhecer e transformar que se
deu todo o desenvolvimento artístico, filosófico, cientifico e tecnológico, ressalvando-se que é na
contradição entre as forças produtivas (meios de produção e força de trabalho) e as relações de
produção (propriedade econômica das forças produtivas) que encontramos a explicação para a evolução
dos modos de produção, como aprendemos com Marx.

A criação da patente
O capitalismo, para assegurar a propriedade privada dos meios de produção, estabeleceu a “Patente”
como um direito exclusivo em relação a um invento, que pode ser um produto, aparelho ou um
processo, que proporciona um novo e criativo modo de fabricação, ou oferece uma nova e inventiva
solução técnica a um determinado problema.
Um invento deve, em geral, preencher as seguintes condições para ser protegido por uma patente: Ser
novidade, ou seja, deve demonstrar algumas características inéditas que não sejam conhecidas no
estado da técnica, conjunto dos conhecimentos existentes no seu campo técnico; Não pode ser evidente
ou envolver algo que possa ser deduzido por uma pessoa com conhecimento mediano naquele campo
técnico, a denominada atividade inventiva, resultado da capacidade criativa do inventor; Deve ter uma
finalidade pratica ou capacidade de aplicação industrial.

O invento deve constituir o que se denomina “matéria patenteável” em termos legais; os programas de
computador, por exemplo, não são considerados matéria patenteável.
A Lei da Propriedade Industrial (LPI) brasileira exclui os Programas de Computador da competência da
Propriedade Industrial, ao regular direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. A LPI também
exclui da possibilidade de patenteamento os métodos matemáticos e as concepções puramente
abstratas. O software como uma sequência de instruções expressa em linguagem de programação, ou
seja, um método matemático, não é passível de patenteamento. Como método matemático, sua
concepção é puramente abstrata, não o resultado nem sua representação, logo, também não seria
patenteável. Os programas de computador já são protegidos por meio da Lei de Direitos Autorais e por
legislação específica no Brasil.

A patente de software

No entendimento do professor Pedro Antonio Dourado de Rezende, do Departamento de Ciência da


Computação da Universidade de Brasília, o patenteamento de programas de computadores não resiste
a uma análise mais criteriosa:
“…Processo executável por software nada mais é do que algoritmo. Software só faz manipular símbolos
segundo regras lógicas. Um conjunto de tais regras visando obter resultado a partir de um contexto de
valores iniciais admissíveis se chama, na ciência da computação, algoritmo. Um algoritmo é uma idéia de
como se implementar um tal conjunto de regras; Falar de patente de software, de processo ou de
produto, são truques para se desviar das restrições ao patenteamento de idéias, fórmulas ou leis
matemáticas…”
Outro aspecto a abordar é a questão da atividade inventiva, requisito essencial a uma invenção, e esta
como resultado da capacidade criativa não existe quando o objeto criado ou desenvolvido é evidente do
Estado da Técnica para um técnico no assunto. O software não apresenta esta característica, daí a
necessidade do “Software Proprietário” manter seu código fechado, pois o seu desenvolvimento é
evidente para qualquer programador de nível mediano, já que a inovação em informática é acumulativa,
baseada em experiências e conhecimentos prévios.
Os softwares relacionados a um equipamento, ou inseridos em um processo, também são vedados pela
nossa legislação de forma indireta, já que a LPI exige suficiência descritiva, logo o software com seu
código fonte fechado não preenche este requisito, não sendo passível de patenteamento, não apresenta
o fundamento básico da patente que é o retorno para a sociedade do conhecimento protegido.
Mesmo que se discuta a tecnicidade do software esta argumentação não prevalece, porque o
significado das seqüências manipuladas pelos programas não altera e não faz parte da função técnica do
hardware; de forma análoga, uma nova partitura não altera o funcionamento técnico de um violino,
(Dourado e Lacerda, 2005).

Este imbróglio referente aos softwares e à propriedade industrial não é único, muitos outros existem e,
como as chamadas patentes de segundo uso terapêutico, de microrganismos, de sementes, etc., nos
mostram que a utilização das atuais formas de proteção à Propriedade Intelectual não contemplam o
estágio atual da sociedade em rede e às novas tecnologias. Fazem-se necessárias formas compatíveis de
reconhecimento para o trabalho intelectual, incentivando sua produção, tendo como fontes a liberdade
e a inclusão, ao contrário da visão enganosa neoclássica que procura vincular a concessão deste
monopólio privado a um possível retorno deste conhecimento tecnológico para a sociedade ao fim
deste.

A propriedade intelectual

O Certificado de Autor é um instrumento que demonstrou eficácia como alternativa aos instrumentos
conservadores da propriedade intelectual, onde por questões de ordem política não se concede o
monopólio privado, seja como um instrumento avançado em economias socialistas, seja como
mecanismo de impulso para economias em desenvolvimento.
Em economias socialistas, onde a propriedade privada tem que ser gradativamente abolida, com sua
substituição pela propriedade coletiva, temos a introdução da figura do Certificado de Autor, a princípio
convivendo com os institutos anteriores. Esta experiência ocorreu em diversos países socialistas, em
especial na extinta União Soviética, onde por um lado havia o reconhecimento ao inventor, lhe sendo
concedidos privilégios na sociedade, como retribuição pelas suas criações, por outro lado havia o
favorecimento incondicional da publicidade das inovações, seu uso e aplicação tendo como premissa
principal o interesse geral da sociedade.
A figura do Certificado de Autor permite que as criações sejam colocadas à disposição das organizações
do Estado de forma livre para sua exploração, através de Empresas, Cooperativas, Sociedades,
Organismos e Instituições estatais, sem qualquer anuência previa do autor e também comercializadas
desta forma, sendo outorgado aos criadores um certificado que garanta sua autoria, o denominado
Certificado de Autor. Este certificado propicia tão somente um direito pessoal, que não pode ser
negociado por qualquer meio e que se extingue com o autor. Esta impossibilidade de transferência é
uma diferença fundamental entre os dois institutos.
O Certificado de Autor tem em comum com o Direito Autoral o reconhecimento de um direito moral,
porém se diferencia deste ao não conferir nenhum direito material. A figura que mais se aproxima do
Certificado de Autor seria a de um artigo cientifico, onde a novidade é essencial e há o reconhecimento
da capacidade intelectual do autor, como ensina Domingues:

“O Certificado de Autor na União Soviética poderia ser definido como um título que atesta a autoria de
um invento e o direito pessoal e intransmissível que o Estado outorga ao inventor”.

Na União Soviética, o autor da invenção tinha o direito de apresentar sua criação como tese e receber o
titulo acadêmico correspondente, ser qualificado como mestre nas universidades, sem a necessidade de
passar em processos seletivos, além de obter o titulo de “insigne inventor”, o que não persiste
atualmente na Rússia .
A figura do Certificado de Autor poderia ser aplicada de forma imediata como um instituto dos Direitos
da Propriedade Intelectual, para os casos mais controversos, como a questão da proteção aos
programas de computador.
Concluindo, somos contrários à concessão de patentes para programas de computador por principio e
contrários a esta diretriz que vem para disciplinar uma questão em que não há consenso no INPI –
Instituto Nacional da Propriedade Industrial, no governo, nas universidades, centros de pesquisas, nas
empresas e profissionais do ramo, e na sociedade em geral.

-RVL-

Referências:

http://socialismocientificohoje.blogspot.com.br/2012/02/em-varias-partes-do-planeta-estao.html?m=1
http://averdade.org.br/2012/07/a-patente-e-a-propriedade-intelectual/ ( de Joaquim
Adérito�Pesquisador do Instituto Nacional da Propriedade Industrial e militante do PCR)

Marx, Karl – Prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia Política”- Editora: Martins Fontes, 1977

Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:


I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II – concepções puramente abstratas;
V – programas de computador em si.
Art. 1º. Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem
natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em
máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos
periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins
determinados.
Art. 2º. O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às
obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto
nesta Lei.

Dourado de Rezende, Pedro Antonio, “Sobre Patentes `de


software`” http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/entrevistaPP.html

Art. 24. O relatório deverá descrever clara e suficientemente o objeto, de modo a possibilitar sua
realização por técnico no assunto e indicar, quando for o caso, a melhor forma de execução.

Dourado de Rezende, Pedro Antônio e Lacerda, Hudson Flávio Meneses, Computadores, Softwares e
Patentes, II Conferência Latino-americana e do Caribe sobre Desenvolvimento e Uso de Software Livre
da UNESCO, Setembro de 2005, extraído
dehttp://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/LACFREE2005.html

Domingues, Douglas Gabriel, “ Direito Industrial Patentes”, Capitulo 8, forense 1982

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