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DESENVOLVIMENTO
E SUSTENTABILIDADE
Conselho Editorial EAD
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora)
Mara Lúcia Machado
José Édil de Lima Alves
Astomiro Romais
Andrea Eick
Obra organizada pela Universidade Luterana do
Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade
dos autores a emissão de conceitos.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na Lei nº .610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código
Penal.
ISBN: 978‐85‐7838‐217‐9
Edição Revisada
APRESENTAÇÃO
Este livro tem o objetivo de subsidiar a discussão contemporânea sobre
o desenvolvimento e a sustentabilidade. Temas centrais que surgiram
no século XX (o primeiro, em meados dos anos 1940 e 1950 e o segun‐
do, por volta de 1970), têm sido considerados dois grandes desafios
para o século XXI. Estes ganham novas interpretações, sobretudo,
quando conjugados na expressão desenvolvimento sustentável. No entan‐
to, o que vem a ser o desenvolvimento sustentável? Antes de colocar o
qualificativo sustentável, talvez devêssemos indagar o que seja o desen‐
volvimento.
Considera‐se que, para uma boa compreensão acerca do estado atual
do debate sobre o desenvolvimento, esta necessita de uma visão histó‐
rica que privilegie o curso dos acontecimentos no plano internacional,
sem perder a especificidade da situação brasileira. Assim, o livro está
organizado de um modo que o leitor possa transitar entre os diferentes
contextos, observando que, no período mais recente da história, os
6
processos de globalização passaram a exercer efeitos mais expressivos
no modo de condução das iniciativas de desenvolvimento.
Mas é preciso estar atento para o fato de que o desenvolvimento é um
tema em disputa. As diferentes apropriações do debate marcam as
distinções disciplinares e as perspectivas teóricas, de um lado, e as
visões de mundo e as percepções sobre quais tipos de mudanças soci‐
ais são relevantes e como estas devem ser realizadas, de outro. Dessa
maneira, um dos objetivos primordiais desta obra é oferecer ao leitor
uma gama de pontos de vista, experiências e teorias sociais para que o
debate seja ampliado e enriquecido. Mais do que proporcionar uma
apreensão restrita e limitada sobre um assunto tão complexo, a finali‐
dade do livro é situar o debate e mostrar que a riqueza encontra‐se
justamente na amplitude de perspectivas que demarcam o tema.
Boa leitura!
SOBRE OS AUTORES
Nascida no Peru, Adriana Paola Paredes Peñafiel é graduada em Ad‐
ministração de Empresas (2001) pela Universidad del Pacífico, Lima –
Peru. É mestre em Desenvolvimento Rural (2006) pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – com a dissertação intitulada
“Modos de vida e heterogeneidade das estratégias de produtores fami‐
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liares de pêssego da região de Pelotas”. Desde 2006, trabalha como
assessora de projetos da Cooperativa de Habitação dos Agricultores
Familiares – COOPERHAF –, cuja matriz localizada em Chapecó, SC,
atende a 13 estados do Brasil. Entre as funções desenvolvidas pela
cooperativa, pode‐se citar as seguintes: a) identificar as demandas dos
agricultores familiares, assentados da reforma agrária e de outros
grupos sociais da área de abrangência da COOPERHAF; b) planejar e
elaborar projetos de acordo com as demandas identificadas e os requi‐
sitos das entidades financiadoras; c) acompanhar as negociações entre
os órgãos financiadores e os coordenadores responsáveis pelas negoci‐
ações dos projetos elaborados; d) prestar assessoria aos profissionais
vinculados à execução do projeto de modo a orientá‐los da melhor
forma possível na execução do mesmo; e) a sistematizar as ações de‐
senvolvidas pelos projetos.
SUMÁRIO
Atividades ........................................................................................................ 22
Atividades ........................................................................................................ 35
Atividades ........................................................................................................ 45
Atividades ........................................................................................................ 55
Atividades ........................................................................................................ 66
Atividades ........................................................................................................ 80
Atividades ........................................................................................................ 93
11
8.1 Ambientalismo e ecologia ........................................................................... 95
Atividades ...................................................................................................... 104
Atividades ...................................................................................................... 115
Atividades ...................................................................................................... 131
1 O QUE É O DESENVOLVIMENTO?
Este capítulo apresenta a definição do conceito de desenvolvimento tal
qual ele tem sido elaborado no pensamento contemporâneo. Portanto,
antes de realizar um percurso relativo ao modo como o tema do de‐
senvolvimento foi introduzido nas ciências sociais e como ele foi trans‐
formado em política pelos Estados, optou‐se aqui por introduzir o
leitor nas questões mais atuais que dizem respeito ao debate sobre esse
tema. Para tal, serão abordadas no capítulo as diversas dimensões do
desenvolvimento, tais como a sua natureza processual, as suas raízes
sociais, culturais, econômicas, políticas e ambientais, o desenvolvimen‐
to e as conexões com a ação social e a participação (temas essenciais no
pensamento sociológico e político) e sua recente discussão em relação à
ética.
José Eli da Veiga, economista e professor da Universidade de São Pau‐
lo, mostra que, até meados do século passado, não se sentia a necessi‐
dade de diferenciar desenvolvimento de crescimento econômico. Em
seu livro intitulado Desenvolvimento sustentável, Veiga1 afirma que, de
um lado, havia os países chamados de desenvolvidos, que tinham atin‐
gido um grau elevado de industrialização; de outro lado, existiam as
nações em que a industrialização era muito incipiente até 1960 e que,
portanto, apresentavam um Produto Interno Bruto muito baixo.
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Entretanto, Veiga mostra que as diversas políticas de industrialização
ocorridas desde os anos 1950 nos países semi‐industrializados – tais
como o Brasil e diversos outros países da América Latina – acabaram,
ao longo do tempo, por não se traduzir em acesso a bens materiais e
culturais por parte de suas populações. Essas nações apresentaram
crescimento econômico durante anos, porém grande parte da socieda‐
de não tinha acesso a serviços básicos como educação e saúde.
Começou a se perceber os limites de se compreender o desenvolvimen‐
to unicamente observando o progresso material e o crescimento eco‐
nômico dos países. Entretanto, para o cientista social Ignacy Sachs, não
se pode menosprezar o papel do crescimento econômico, que continua
sendo importante.
Sachs, que fundou, na França, um Centro de Estudos sobre o Brasil,
afirma em seu livro, Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado,
que os aspectos econômicos do desenvolvimento são muito relevantes,
tais como a possibilidade das pessoas terem um trabalho digno, de
possuírem renda para viver com dignidade, bem como de obterem
acesso a bens materiais de consumo e habitação. Contudo, Sachs2 mos‐
tra que analisar apenas a dimensão econômica é insuficiente para per‐
cebermos o desenvolvimento. Para ele, é absolutamente necessário que
o desenvolvimento inclua as dimensões social e ambiental. Esse autor
nos adverte que o crescimento, mesmo que seja acelerado, não é sinô‐
nimo de desenvolvimento se ele não amplia o número de vagas de
trabalho, se não reduz a pobreza ou ainda diminui as desigualdades.
Por essas razões, Sachs4 nos apresenta uma diretriz muito lúcida sobre
como compreender o desenvolvimento. Para ele, o desenvolvimento:
(... )” é um processo em que duas vertentes devem ser compatibilizadas: em nível
ECONÔMICO, trata‐se de diversificar e complexificar as estruturas produtivas,
logrando, ao mesmo tempo, incrementos significativos e contínuos de
produtividade de trabalho, base do aumento do bem‐estar; em nível SOCIAL, deve‐
se, ao contrário, promover a homogeneização da sociedade, reduzindo as distâncias
abismais que separam as diferentes camadas da população.”
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Cabe fazermos alguns esclarecimentos quanto à frase de Sachs exposta
anteriormente. Primeiro, ela chama a atenção para a dimensão produ‐
tiva, que deve ser expandida com acréscimos contínuos. Aqui é preciso
que nos lembremos de uma ideia interessante do autor: não basta que
a economia cresça em um período e volte a se retrair no ano seguinte; é
necessário que o desenvolvimento seja economicamente sustentado ao
longo do tempo.
Um segundo aspecto a se sublinhar é que promover a homogeneização
da sociedade não significa dissolver as diferenças culturais, mas tão
somente diminuir as disparidades sociais, isto é, as diferenças econô‐
micas que separam grupos ou classes sociais.
Para além de uma perspectiva economicista e substantiva, o desenvol‐
vimento nos incita a um ponto de vista fundado no humano e na ética,
na conjugação necessária (e difícil, muitas vezes) entre as dimensões
social, econômica, cultural, política e ambiental. Em um artigo, Veiga5
afirma que o desenvolvimento é “um processo sistêmico mediante o
qual uma economia consegue simultaneamente crescer, reduzir desi‐
gualdades sociais e preservar o meio ambiente”.
Entretanto, essa afirmação de Veiga ainda nos coloca no campo da
economia, ou seja, a preocupação com a economia e seus efeitos na
sociedade e no meio ambiente. Apesar de serem extremamente valio‐
sas as definições de desenvolvimento propostas por Sachs e Veiga, o
desenvolvimento também pode ser entendido como a expansão das
liberdades pessoais e das capacidades humanas (é importante frisar
essa afirmação, pois nenhum autor possui um conceito definitivo),
como prefere o economista indiano e ganhador do prêmio Nobel,
Amartya Sen. As contribuições de Sen para uma compreensão renova‐
da do desenvolvimento serão apresentadas especialmente no capítulo
6. Por enquanto, apenas recuperaremos essa definição geral de desen‐
volvimento que o autor propõe.
Mais recentemente, Veiga6 tem sido influenciado de forma significativa
por Sen, pois propõe uma perspectiva sobre o desenvolvimento bas‐
tante rica: “o desenvolvimento tem a ver, primeiro e acima de tudo,
com a possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que escolhe‐
ram, e com a provisão dos instrumentos e das oportunidades para
fazerem as suas escolhas”.
Por isso, Veiga afirma que criar a expectativa de que certos espaços se
tornarão desenvolvidos por simplesmente “importarem” ou implanta‐
rem esse conjunto de bens e infraestruturas é falso. Elas podem vir,
porém o que importa realmente é o processo. E o “processo exige”,
como afirma Veiga9, “[...] pessoas criativas; e pessoas com criatividade
e vontade de construir mudanças existem até mesmo nos lugares mais
inesperados”.
17
explicita que o desenvolvimento tem expressiva relação com processos
que visam gerar mudanças. Assim, embora possa existir um núcleo
comum e compartilhado entre diferentes pesquisadores de que o de‐
senvolvimento geralmente implica melhorias nas rendas, na qualidade
de vida e do ambiente, no modo de participação política e no acesso à
cultura, está no caráter processual uma de suas características‐chave.
Já nos anos 1960, Furtado era enfático em afirmar que os países da
América Latina não deveriam tomar o modelo de desenvolvimento da
América do Norte ou da Europa como algo a ser reproduzido na sua
integralidade. Na realidade, esses modelos eram perniciosos, pois
geravam uma dependência extrema dos países da América do Sul em
relação às nações americana e europeia. No capítulo 3, aprofundare‐
mos o pensamento de Furtado. Agora, veremos os processos de desen‐
volvimento em suas raízes e o que podemos apreender por meio delas.
A cultura sempre foi vista com alguma suspeita pelos estudiosos do
desenvolvimento. Muitos ainda pensam que considerar o seu papel
nos processos sociais pode levar a uma visão de que certos povos estão
destinados a viverem na pobreza e na miséria social, como nos fala
Guy Hermet. O autor12 mostra que essa desconfiança a respeito do
lugar da cultura se confunde com o CULTURALISMO, no qual todas
as explicações sobre uma sociedade são determinadas pela cultura. Na
realidade, como nos fala Hermet, desenvolvimento e cultura estão
intimamente ligados. Mas isso ocorre em uma perspectiva positiva,
pois sugere que devemos refletir sobre a diversidade do desenvolvi‐
mento ou mesmo sobre uma diversidade de rotas para o desenvolvi‐
mento, como aposta Schneider13.
Do ponto de vista ambiental, se o que foi exposto anteriormente não é
determinante, é, ao menos, bastante influente. O ambiente não é de‐
terminante no sentido de que regiões com características similares
muitas vezes apresentam maneiras de se desenvolver muito diferentes;
e, da mesma forma, regiões distintas podem ter iniciativas muito pare‐
cidas, como, por exemplo, na produção de vinhos na Serra gaúcha e no
Vale do Rio São Francisco, produção esta que tem se mostrado tão
importante para essas regiões consideravelmente distantes entre si.
Mas o ambiente tem sua parcela de influência, pois ele dará as condi‐
ções iniciais para se decidir quais caminhos o desenvolvimento poderá
tomar.
Assim, as políticas de desenvolvimento que partem do Estado são
essenciais, se interagem com os desejos e expectativas das pessoas, que
são alvo dessas mesmas políticas. Aqui é preciso entender que, em
certas situações, os sujeitos podem ser privados de tal maneira em
relação às condições mínimas de existência (saúde, educação, trabalho
e rendimentos), que é muito difícil estes terem capacidade de empre‐
enderem projetos por si sós. Assim, tornam‐se cruciais os programas
estatais ou coordenados por Organizações Não Governamentais
(ONGs). Porém, mesmo as pessoas que estão em condições mais gra‐
ves de miséria e vulnerabilidade são capazes de compreender sua
situação e de realizarem escolhas.
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Recentemente, gestores de políticas públicas têm se dado conta de que
as políticas de desenvolvimento estilo top‐down (que em inglês significa
“de cima para baixo”) possuem alta probabilidade de falharem em
seus objetivos. Muitas vezes, essas propostas ou programas de desen‐
volvimento eram desenhados e gestados por grupos que não possuíam
o mínimo conhecimento dos lugares em que eles seriam implementa‐
dos.
Na proposta de Sachs15 em relação ao conceito de desenvolvimento, o
autor inclui necessariamente os direitos civis, cívicos e políticos: “A
democracia é um valor verdadeiramente fundamental e garante tam‐
bém a transparência e a responsabilização necessárias ao funcionamen‐
to dos processos de desenvolvimento”. E Veiga16 completa essa ideia,
afirmando que enquanto os pobres e marginalizados não tiverem a
capacidade de influenciar as decisões políticas em âmbito local e naci‐
onal, é provável que não obtenham vagas no mercado de trabalho e
benefícios básicos, como saúde, educação e segurança.
20
Mais recentemente, podemos verificar uma compreensão, impulsiona‐
da pelas diferentes formas de participação, das transformações por que
têm passado os atores sociais e políticos. A democracia apenas se forta‐
lece quando os cidadãos percebem que devem sair de um estado de
passividade em relação à política, assumindo atitudes mais ativas de
participação, independentemente de quaisquer que sejam os âmbitos
(nas questões comunitárias, no planejamento regional, nas dimensões
que envolvem a economia, a cultura ou o meio ambiente).
Tal como argumentado anteriormente, o planejamento do Estado para
o desenvolvimento é uma ferramenta essencial. Mas Sachs sugere que
o planejamento nacional deve surgir gradualmente por meio do diálo‐
go a ser conduzido entre todos os atores do processo de desenvolvi‐
mento, tanto no nível local como no nacional.
Sachs18 também se apoia em Sen para mostrar que houve um distanci‐
amento paulatino entre a economia e a ética, cuja ligação data dos
textos clássicos de Aristóteles. Sachs afirma que esse vínculo é central,
pois traz à cena o problema da motivação humana (como deveríamos
viver?) e a avaliação das conquistas sociais.
Para além da ideia de crescimento econômico, a noção de desenvolvi‐
mento pode colocar novamente a preocupação com a ética no centro
do debate. Isso porque, como já afirmamos, o desenvolvimento não se
reduz à mera “multiplicação da riqueza material”. A ética diz respeito
a refletir e agir em relação às desigualdades sociais e à pobreza.
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distribuição de renda que venham a promover um processo de dimi‐
nuição das desigualdades: os ricos teriam que ficar mais ricos para os
pobres ficarem menos pobres! Conclui Veiga19 que uma reaproxima‐
ção entre a economia, a política e a ética faz‐se muito necessária, pois a
postura ética implica pensar no outro, assim como refletir sobre o de‐
senvolvimento também impõe pensar no outro. E esse preceito deve
ser ampliado em toda a sua magnitude, à medida que o processo de
desenvolvimento seja formulado com foco na capacidade de atuação
dos atores sociais, na possibilidade de participação das camadas popu‐
lares, na inclusão do outro. Para Veiga20, Sachs é um dos autores que
melhor pontua o rol de requisitos para que a ética e o desenvolvimento
sejam conjugados, pois ele
(...) “está cada vez mais convicto que o desenvolvimento pode permitir que cada
indivíduo revele suas capacidades, seus talentos e sua imaginação na busca da
autorealização e da felicidade, mediante esforços coletivos e individuais [...]
Maneiras viáveis de produzir meios de vida não podem depender de esforços
excessivos e extenuantes por parte de seus produtores, de empregos mal
remunerados exercidos em condições insalubres, da prestação inadequada de
serviços públicos e de padrões inadequados de moradia”.
Ponto final
Vimos até aqui que, para ultrapassar uma visão economicista, é neces‐
sário não aceitarmos a afirmação de que o desenvolvimento possa ser
sinônimo de crescimento econômico. Embora o crescimento econômico e
o progresso material possam trazer benefícios para uma sociedade,
eles não são suficientes se não houver, juntamente a estes, um com‐
promisso social e ambiental. É o que Veiga reitera, quando busca nas
análises de Furtado a confirmação de que o projeto social subjacente
demonstra ser uma característica crucial para o desenvolvimento.
Nos próximos capítulos, alguns desses temas serão aprofundados. De
modo geral, serão recuperados a história e o modo como o debate
sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade foi conduzido até hoje.
Atividades
1) Realize uma enquete com pessoas nas ruas utilizando a seguinte
pergunta: “O que significa desenvolvimento para você?”. Procure
entrevistar pessoas com características distintas (idade, gênero,
profissão, classe social, escolaridade). Perceba as diferentes res‐
postas, compare com os tópicos apresentados neste capítulo e re‐
flita a respeito.
2) Por que motivo as raízes sociais, culturais, econômicas, políticas e
ambientais do desenvolvimento são tão importantes para explicá‐
lo? Faça uma reflexão com base no item 1.3, deste capítulo.
3) Qual a razão para a ética voltar ao centro do debate sobre o de‐
senvolvimento?
2 O PÓS-GUERRA E AS TEORIAS
DO DESENVOLVIMENTO
Para Ricardo Abramovay3, professor da USP, o fordismo caracteriza‐se
por uma articulação entre o PROCESSO DE PRODUÇÃO e o MODO
DE CONSUMO da sociedade. Para esse fenômeno ocorrer, foi essenci‐
al a criação de uma “massa” de consumidores e uma situação geral de
assalariamento nas sociedades. David Harvey4, pesquisador norte‐
americano contemporâneo, atenta para o fato de que o fordismo pre‐
sumia o crescimento econômico constante, pois a produção industrial
era sólida, com alta produção e produtividade, além de acumulação de
estoques.
25
países em desenvolvimento – e, hoje, a principal razão para o BID
existir consiste na concepção de subsídios para a redução da pobreza
nessas nações.
A criação das agências multilaterais no pós‐guerra não foi por acaso. É
nesse período que as disparidades entre os países da América do Nor‐
te, Europa e Japão aumentam consideravelmente em relação às nações
da América Latina, África e parte da Ásia. É evidente que, de acordo
com Hermet5, se observou, na época, uma clara política mundial lide‐
rada no bloco capitalista pelos Estados Unidos, que tinham a intenção
de favorecer a implantação do modelo de crescimento da América do
Norte e da Europa – quando estes estavam em suas fases iniciais de
industrialização nos moldes fordistas – na América Latina.
a Guy Hermet (2002, p. 33) escreve que o conceito de subdesenvolvimento surge pela primeira vez no
discurso sobre o estado da União , pronunciado por Harry Truman (ex‐presidentre dos EUA), em 1949. O
discurso apelava para a obtenção de esforços em favorecer o crescimento econômico e a melhoria das
condições de vida de regiões “subdesenvolvidas”. Os termos subdesenvolvido e subdesenvolvimento serão
utilizados aqui conforme os autores analisados os empregaram.
26
O desenvolvimentismo teve seu auge nos anos 1950 e 1960, tendo o
Estado um papel central, sendo este comandado por elites políticas e
econômicas que desdenhavam a participação social. Hermet6 afirma
que a insistência na industrialização assegurava que o desenvolvimen‐
to não se faria apenas pela substituição das importações, mas também
por uma expansão crescente da indústria − um aparelho complexo,
completo e de desenvolvimento vertical, que geraria a transformação
das condições de vida da população, requisito básico para a democra‐
cia. Não são necessários muitos argumentos para verificar como essa
pretensão era falaciosa e veio a consolidar um modelo de desenvolvi‐
mento excludente e deficitário, elemento para o qual voltaremos mais
adiante.
O interessante é compreender que havia um discurso (ainda presente,
mas menos pujante) de que a produção agrícola moderna erradicaria a
fome no mundo. Por esse motivo, o paradigma produtivista foi central
na “sedução” promovida por esse ideário de progresso tecnológico. Na
realidade, não é difícil perceber que a disponibilização dos pacotes
tecnológicos concernentes à “revolução verde” para agricultores aten‐
deu a interesses de mercado das grandes indústrias produtoras de
fertilizantes, pesticidas e máquinas de trabalho agrícola.
27
padrão de produção agrícola moderno, as diversas regiões rurais que
vieram a aplicar o modelo de desenvolvimento de ímpeto modernizan‐
te e produtivista subordinaram‐se a interesses majoritariamente urba‐
nos.
Teoria da modernização
Esse paradigma teórico apoiou‐se fortemente na dicotomia tradicional‐
moderna, seguindo o modelo sociológico das variáveis‐padrão, do
sociólogo norte‐americano Talcott Parsons. Para o economista chileno
Cristóbal Kay10, esse paradigma estava impregnado, além do dualismo
tradicional‐moderno, de uma visão etnocêntrica, pois tomava os países
desenvolvidos como modelo para os países em desenvolvimento. Jorge
Larrain, professor da Universidade de Birmingham, afirma que foi
Hoselitz quem construiu os tipos‐ideais “tradicional” e “moderno”,
sendo fortemente influenciado pela leitura que Parsons fez dos textos
clássicos de Max Weber. Jorge Larrain11 explica que, enquanto as soci‐
edades tradicionais possuíam uma estrutura social baseada na afetivi‐
dade, na difusão, no particularismo e na orientação para interesses
coletivos, as sociedades modernas, ao contrário, caracterizariam‐se
pela neutralidade afetiva, pela especificidade, pelo universalismo e
pela orientação para os interesses privados. O desenvolvimento é per‐
cebido como a mudança de um estado (tradicional) para outro (mo‐
derno).
b Rostow argumentou que haveria cinco etapas: sociedade tradicional, pré‐condição para o
desenvolvimento autossustentado , o caminho da maturidade e a era do elevado consumo de marcas.
29
abrange complexa divisão social do trabalho e uma racionalidade que
produz inovação e crescimento”, enquanto a integração garante a
estabilidade social.
Tendo em vista esse tipo de diagnóstico que os autores realizavam, não
é de se surpreender com os modelos produtivistas para a agricultura.
A “revolução verde” foi defendida como a forma principal pela qual os
grupos marginais poderiam acessar mercados e alçar patamares tecno‐
lógicos viáveis para o crescimento econômico. A ideia é que, sem uma
integração social (promovida pelos mercados), as sociedades permane‐
ceriam fraturadas, com setores atrasados e outros modernos, e esses
mesmos grupos não‐modernos seriam responsabilizados pela inviabi‐
lização do desenvolvimento pleno das sociedades.
As críticas às teorias da modernização são diversas. Larrain17 mostra
que é um erro de perspectiva histórica tratar o subdesenvolvimento
como uma situação pela qual todas as nações passaram. Outro pro‐
blema comum é que essa teoria tende a assumir um caráter prescritivo
geral, em vez de se analisar os processos particulares históricos das
nações. Na sequência, veremos como as teorias elaboradas no âmbito
da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) se contrapu‐
nham à teoria da modernização.
Com o término da 2ª Guerra Mundial, as Nações Unidas criaram em
1947 a Cepal, com sede em Santiago, capital do Chile. Raúl Prebisch,
então presidente do Banco Central da Argentina, foi o pensador mais
destacado e original nas primeiras décadas de trabalho da Comissão,
cujos preceitos tornaram‐se uma corrente teórica denominada teoria
cepalina. Prebisch questionou fortemente as teorias econômicas em
voga, postulando que elas não podiam servir de esquema explicativo
das sociedades e das economias periféricas. Além do já citado Prebisch,
Hans Singer também prestou grandes contribuições a essa corrente de
pensamento. Celso Furtado, por sua vez, é tido geralmente como um
30
seguidor de diferentes teorias (as formuladas pela Cepal e a teoria da
dependência).
Souza19 mostra que uma das críticas mais expressivas de Prebisch ao
pensamento econômico ortodoxo recaía sobre a teoria das vantagens
comparativas, de David Ricardo, um dos “pais” da ciência econômica
clássica inglesa do séc. XVIII. Conforme David Ricardo, os países deve‐
riam se especializar naquilo em que apresentassem vantagens compa‐
rativas de custos. Por exemplo: enquanto a Inglaterra, nesse período, já
possuía fábricas de produção têxtil e grandes criações de ovelhas para
a obtenção de lã, Portugal era um ótimo produtor de vinho. Ora, para
David Ricardo, a equação era simples: a Inglaterra exportaria tecidos
para Portugal e os portugueses comercializariam vinho com os ingle‐
ses, pois ambos teriam vantagens na produção de seus respectivos
produtos. Acontece que os produtos industrializados ingleses teriam
preços maiores, uma vez que a incorporação de tecnologia e trabalho
na indústria são efetivamente mais intensos, enquanto os produtos
agroindustriais portugueses permaneceriam com preços menores.
Prebisch, citado por Souza20, não aceitava essa proposta e mostrou que
ocorreria, ao longo do tempo, uma deterioração dos termos da troca. O
pesquisador analisou um ciclo longo de relações comerciais entre paí‐
ses desenvolvidos e subdesenvolvidos e observou que havia uma ten‐
dência de queda dos preços dos produtos primários frente aos preços
dos produtos industriais.
c Por essa razão, Kay (2004) denomina o pensamento da Cepal como paradigma estruturalista.
31
Kay21 escreve que os pensadores ligados à Cepal percebiam claramente
que a especialização dos países periféricos em produtos agrícolas limi‐
tava a capacidade de crescimento econômico, uma vez que este de‐
pendia das exportações, ou seja, das trocas no mercado internacional
com os países centrais. Para Prebisch, citado por Kay22, era visível que
os níveis de renda alcançavam patamares maiores nos países centrais,
comparados aos acréscimos nos padrões de renda das nações periféri‐
cas. O fundamento desse fenômeno estava assentado na própria carac‐
terística de relações: a divisão internacional da produção e do comér‐
cio, na qual os produtos primários eram majoritariamente produzidos
pelos países subdesenvolvidos e os produtos industrializados eram
originários das nações desenvolvidas.
No ponto de vista de Kay, o enfoque da Cepal negava o economicismo
estreito, pois havia uma preocupação significativa com a dinâmica
política interna dos países periféricos aliada à ideia de que o Estado
deveria intervir fortemente na economia. Em um primeiro momento,
pareceu muito sedutora a ideia de desenvolvimento endógena à nação
– com a industrialização via substituição de importações – mas logo a
situação foi tomando contornos não desejáveis. Esse modelo de desen‐
volvimento, cujo processo era monopolizado pelas elites e pelos go‐
vernantes desses países, teve como resultado um crescimento econô‐
mico concentrador (social e geograficamente falando), no qual os fru‐
32
tos do progresso tecnológico ficaram nas mãos de grandes capitalistas,
exacerbando as desigualdades sociais no interior dos países.
Teoria da dependência
A teoria da dependência possui duas variantes, uma marxista e outra
estruturalista, ambas surgindo na ciência social latino‐americana no
final dos anos 1960. Segundo Kay25, a vertente marxista tem uma con‐
tribuição mais distintiva, motivo pelo qual somente ela será tratada
aqui. Baseado em um artigo de Theotonio dos Santos, o cientista social
José Guilherme Merquior26 explica que a relação de dependência se
configura quando o crescimento econômico de alguns países só se dá
como reflexo da expansão dos países dominantes. Isso significa que as
situações de subdesenvolvimento seriam resultado das múltiplas rela‐
ções de dependência e dominação que o sistema mundial gera. Na
verdade, essa teoria surgiu com o propósito não apenas de compreen‐
der a situação de dependência dos países subdesenvolvidos, mas tam‐
bém com o objetivo de encontrar uma forma de dirimi‐la. Os principais
autores da teoria da dependência são Andre Gunder Frank, Fernando
Henrique Cardoso, Theotonio dos Santos e Samir Amin. Celso Furtado
e Osvaldo Sunkel também são citados, embora tenham posições relati‐
vamente mais moderadas.
A teoria da dependência, ao menos na sua vertente marxista, sofreu
forte influência do pensamento leninista e de suas críticas ao “imperia‐
lismo capitalista”. De certo modo, os autores latino‐americanos se
fundamentaram no conceito de imperialismo, porém atualizando‐o
para compreender o sistema mundial no qual a condição dos países
desenvolvidos implicava a existência do subdesenvolvimentod.
A ideia de dependência nasce como reação à teoria da modernização e
a sua interpretação dualista dos aspectos tradicional/atrasado e mo‐
derno/avançado de desenvolvimento, que existiriam concomitante‐
mente nos países subdesenvolvidos. Em vez de ver essa situação de
subdesenvolvimento como uma etapa, os intelectuais da teoria da
dependência a observavam como uma posição na economia mundial.
Conforme Merquior27, a teoria da dependência concordava em muitos
aspectos com a teoria cepalina, mas não aceitava que o programa de
substituição das importações fosse a receita para o desenvolvimento
dos países. Merquior28 mostra também que outro sociólogo, o mexica‐
no Rodolfo Stavenhagen, procurou sustentar que a industrialização
d Embora não seja muito citado pelos teóricos da dependência, Cristóbal Kay (2004) afirma que o
intelectual peruano e marxista José Carlos Mariátegui foi um dos seus grandes inspiradores. Mariátegui
escreveu entre os anos 1920 e 1930 e foi um dos primeiros a aplicar criticamente o marxismo à realidade
latino‐americana. Seu livro mais conhecido intitula‐se Sete ensaios de interpretação da realidade peruana.
33
nem sempre difunde um progresso geral. Stavenhagen mostrou que a
estruturas de classes e as relações de dominação eram essenciais para a
compreensão das situações de dependência dos países subdesenvolvi‐
dos, devido ao fato de que a burguesia não se opõe aos senhores de
terras, assim como os operários e os camponeses não possuem interes‐
ses em comum e as classes médias não são empreendedoras e tampou‐
co progressistas.
A essa altura, a teoria da dependência já tomava contornos claramente
marxistas, pois mostrava que a estrutura de classes no interior dos
países tinha efeitos cruciais na maneira como eram conduzidos os
processos de mudança social. Além do fato de que não era apenas o
sistema mundial a causa da perversidade dos termos das trocas no
comércio internacional (ideia difundida pelos cepalistas), os dependen‐
tistas enfocavam especialmente o modo como o capitalismo produzia
os efeitos danosos às sociedades menos desenvolvidas. Para tanto, não
bastava sugerir que a estrutura das relações internacionais polarizava
os países e os interesses, mas, acima de tudo, seria concluir que as
elites no interior dos países subdesenvolvidos se voltavam para fora.
Esse processo se torna claro ao se analisar mais detidamente a obra
Dependência e desenvolvimento na América Latina: o ensaio de interpretação
sociológica (1967) escrita por Fernando Henrique Cardoso, sociológo e
ex‐presidente do Brasil, em parceria com o historiador chileno Enzo
Faletto. Nesse livro, que teve um grande impacto na sociologia da sua
época, os autores mostram que as nações latino‐americanas possuíam
condições econômicas para um crescimento sustentado no período
pós‐guerra, pois o processo de substituição das importações já havia
sido iniciado. As outras condições para tal feito eram o estímulo ao
mercado interno, a diferenciação do sistema produtivo e a redistribui‐
ção de renda. Constatou‐se, porém, que fatores condizentes unicamen‐
te à política econômica não conseguiram determinar que fato contribu‐
iu para que o desenvolvimento não tenha se dado da forma esperada.
Cardoso e Faletto fazem uma análise sociológica do desenvolvimento,
considerando as alianças de classe e os sistemas de dominação econô‐
mica.
De acordo com Cardoso e Faletto29, o conceito de dependência é o mais
adequado para atender as necessidades dessa análise, haja vista a ideia
de subdesenvolvimento está estreitamente ligada aos fatores econômi‐
cos, por desejar enfatizar o sistema de dominação que ocorre entre
nações centrais e de periferia no capitalismo mundial, bem como suas
relações com as formas de dominação e alianças de classe no interior
dos países dependentes. Ao contrário da teoria cepalina, os diferentes
34
matizes da teoria da dependência darão expressiva ênfase ao processo
histórico.
Uma das questões centrais do livro de Cardoso e Faletto diz respeito à
forma como as economias de países periféricos se vincularam de forma
dependente ao o desenvolvimento dos países centrais, quando estes
expandiram mercados. Grupos dominantes no interior dos países
periféricos se constituíram e definiram relações orientadas para o exte‐
rior. A dominação realizada por grupos internos ao país dependente
enfatiza que não há determinismo de controle dos grupos externos,
mas que grupos internos aliam‐se e orientam‐se para o exterior.
Uma das críticas feitas à teoria da dependência, listada por Merquior,
faz a seguinte indagação: Por que certos países, como o Canadá, por
exemplo, que é consideravelmente dependente da economia dos Esta‐
dos Unidos, consegue obter níveis consideráveis de riqueza, em con‐
traposição ao penoso desenvolvimento de outros países, tais como o
México, que possui a mesma dependência? Essa é uma questão à qual
os dependentistas não possuem resposta e cuja explicação talvez fuja
do escopo da teoria da dependência.
Ponto final
Foi no período do pós‐guerra que surgiu um conjunto de esforços
direcionados ao desenvolvimento dos países considerados subdesenvol‐
vidos, lembrando sempre que, nesse período, desenvolvimento e cresci‐
mento econômico eram tratados como sinônimos. Tanto na criação das
agências multilaterais, como a ONU, quanto na criação dos tratados de
diminuição de tarifas para o comércio internacional, pressupunha‐se
que uma ordem de relações cada vez mais globais se impusesse aos
países. O paradigma produtivista, a “revolução verde” na agricultura e
o processo de industrialização por substituição de importações foram
vias pelas quais se tentou construir os caminhos do desenvolvimento
do terceiro mundo, almejando um crescimento econômico constante
que livraria essas nações de um suposto subdesenvolvimento.
35
vogando que o subdesenvolvimento não era um problema de etapa de
desenvolvimento, mas de posição na estrutura econômica mundial. Os
teóricos da Cepal defenderam a substituição de importações como via
de desenvolvimento para a América Latina, procurando acentuar tam‐
bém os fatores econômicos internos que impossibilitavam o crescimen‐
to. Já os pensadores da teoria da dependência mostravam que os fato‐
res internos de obstáculos para o desenvolvimento eram de natureza
política e econômica, sustentando que as elites nacionais dos países
dependentes se aliaram e se orientaram para o exterior, formando uma
estrutura histórica de dominação.
Atividades
1) Discorra sobre a relação entre a teoria da modernização e a “revo‐
lução verde”.
2) Compare a teoria desenvolvida no âmbito da Cepal com a teoria
da dependência e verifique diferenças e semelhanças. Destaque
apenas os pontos principais.
3) Por que razão Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto preferi‐
ram utilizar o conceito de dependência em lugar do conceito de
subdesenvolvimento na obra Dependência e desenvolvimento na Améri‐
ca Latina? Revise o item 2.3.3 para esta atividade.
3
O DEBATE BRASILEIRO SOBRE
O DESENVOLVIMENTO NOS ANOS
DE 1950 A 1970
Destacam‐se aqui os pontos de vista de dois pensadores brasileiros que
tiveram expressiva participação na discussão teórica sobre o desenvol‐
vimento − Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso. Ao final,
poderemos vislumbrar os resultados da concepção de desenvolvimen‐
to adotada no Brasil até os anos 1970.
37
O modelo de industrialização seguiu o processo de substituição de
importações. Essa estratégia significava produzir internamente o que
antes era importado. Conforme Argemiro Brum1, a evolução desse
processo obedeceu a três fases de produção: bens de consumo imedia‐
to (não‐duráveis), bens de consumo duráveis e bens de capital.
A substituição de importações demanda uma série de medidas gover‐
namentais, tais como o aumento de tarifas, no intuito de controlar o
ingresso de produtos importados e a desvalorização da moeda, objeti‐
vando inibir tal ingresso. Esse processo se tornou uma política econô‐
mica amplamente aplicada nos países considerados subdesenvolvidos,
cuja meta foi a proteção da indústria nascente. Uma das justificativas é
a de que esse tipo de política favorecia a diversificação de atividades,
bem como o aprendizado da comunidade local a médio e longo prazo,
mesmo que os custos fossem elevados, até que as empresas atingissem
patamares razoáveis de produção, tornado a economia do país mais
dinâmica. Por isso, a participação do Estado na economia foi essencial.
No início dos anos 1950, o Brasil já vivia um intenso processo de indus‐
trialização e de urbanização. Era o momento no qual as indústrias de
base cediam, aos poucos, seu espaço para as indústrias de bens durá‐
veis e de consumo, principalmente a automobilística e a de eletrodo‐
mésticos. O processo de industrialização sentia uma mudança funda‐
mental: a entrada do capital estrangeiro e a diminuição relativa da
participação das indústrias nacionais, principalmente a partir do go‐
verno de Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961.
Embasados nas teorias da modernização, alguns pensadores tentaram
mostrar que o país possuía duas economias − uma, atrasada e tradicio‐
nal, e outra, moderna e avançada. Considera‐se que Ignácio Rangel3 foi
um dos proponentes da dualidade estrutural do Brasil. Para ele, no
Brasil conviviam os latifúndios ineficientes e as propriedades capitalis‐
tas; o coronelismo no meio rural junto às gestões democráticas das
38
cidades; o latifúndios também se contrapunham às pequenas proprie‐
dades rurais, uma vez que estas se caracterizavam pela impossibilida‐
de de empregar o contingente excessivo de trabalhadores, e aqueles
pela escassez de mão de obra.
A diferença na interpretação está na maneira como os setores “arcai‐
cos” e “modernizados” se relacionavam. Enquanto parte da intelectua‐
lidade analisava o país como “dois Brasis” que pouco se comunicavam
no campo econômico, outros mostravam a relação intrínseca entre eles.
Francisco de Oliveira, sociólogo brasileiro, escreve no início dos anos
1970 um ensaio intitulado Economia brasileira:, que marca a produção
das interpretações sobre o Brasil. O autor critica a visão dualista de
Rangel, destacando que o atraso de setores menos desenvolvidos do
país é funcional para os setores avançados. Não é negado o caráter pré‐
capitalista de certos rincões, mas sim a contradição entre os setores
díspares. Oliveira4 mostra que a agricultura tradicional e a economia
urbana marginal são funcionais ao processo de acumulação capitalista,
pois rebaixam os custos gerais de produção.
39
seria um fenômeno próprio do subdesenvolvimento, contornado com a
criação de oferta agrícola e eficiência da industrialização.
De acordo com Furtado8, os países subdesenvolvidos podem apresen‐
tar duas formações distintas. No modo mais simples, a economia dual
em que existe a coexistência de empresas exportadoras com setores de
subsistência. O caso que Furtado considera mais complexo é o da com‐
binação de três setores: o de subsistência, o setor direcionado às expor‐
tações e ainda o setor industrial dirigido ao consumo interno do país.
Esse terceiro setor se constitui por meio da substituição de importa‐
ções. Por isso, é fundamental que ele possa oferecer ao mercado inter‐
no um produto similar ao importado. Disso resulta que esse setor se
direciona para a reprodução dos artigos importados, sem levar em
conta os processos econômico‐produtivos que transformam o setor de
subsistência. Com o crescimento desse setor, voltado para substituição
de importações, grandes parcelas da população podem ficar à margem
do desenvolvimento, pois o setor mais atrasado tecnologicamente não
participa do processo. Com isso, a percentagem populacional que é
beneficiada pelo desenvolvimento mantém‐se reduzida. Desse modo,
as economias subdesenvolvidas podem percorrer longos períodos de
crescimento sem que a dependência externa e as disparidades econô‐
micas do país sejam eliminadas, completa o autor.
Ainda segundo Comin9, Furtado diferenciava, com muita perspicácia,
MODERNIZAÇÃO de DESENVOLVIMENTO, pois considerava a
modernização uma atitude mimética (sobretudo das elites nacionais)
40
em relação aos países desenvolvidos; ela implicava uma importação
direta dos modelos hegemônicos que, quando implantados nos países
subdesenvolvidos, resultavam em efeitos inesperados.
Por isso mesmo, embora tendo uma influência do pensamento econô‐
mico keynesianoe, Furtado adequou as reflexões do economista inglês
ao contexto econômico do Brasil e da América Latina. Não somente um
planejamento econômico deveria ser realizado pelo Estado, mas, junto
à dimensão econômica, fazia‐se necessário um complexo plano de
integração social, no intuito de eliminar as desigualdades, bem como
investimento em processos de incorporação de ideais democráticos.
Portanto, Furtado possuía um conceito de desenvolvimento em um
sentido amplo.
Como a Europa e o Japão já haviam sido reconstruídos nos dez anos
que se seguiram à 2ª Guerra Mundial, havia um considerável capital
disponível nas mãos de grandes grupos e corporações internacionais
interessados em aumentar seus lucros em mercados ainda pouco estru‐
turados. É o que acontece com o Brasil, pois Brum10 mostra que se
estabeleceu uma sintonia entre os propósitos desenvolvimentistas do
governo e a ânsia das multinacionais em investir capitais nas regiões
periféricas. Na opinião do professor, essa mudança de atitude foi estra‐
tégica por parte das empresas estrangeiras, pois elas já exportavam
para os consumidores das nações subdesenvolvidas; agora, elas podi‐
am produzir nos mesmos países para os quais vendiam a produção,
com custos menores de mão de obra, de matéria‐prima e com incenti‐
vos locais.
Parte do empresariado nacional foi contra essa política, pois antevia a
concentração industrial nas mãos de grupos do exterior e, mais do que
isso, temia a possibilidade do desmantelamento da indústria brasileira.
e Referência ao economista britânico John Maynard Keynes, forte defensor de uma política econômica
intervencionista.
41
Furtado defendia a consolidação das indústrias do país, um projeto
nacional de desenvolvimento para qual o Estado teria papel especial
na regulação dos desequilíbrios e na implantação de estatais. A política
de industrialização por substituição de importações é de fato uma
proteção à indústria nacional, embora não signifique o fechamento da
economia para o exterior. Tanto os empréstimos como a exportação de
produtos estratégicos são fundamentais para a inversão de capitais
(investimentos) no país, além da importação de tecnologias que não
são ainda produzidas internamente.
Contudo, a partir do golpe militar de 1964, a abertura do país para o
capital estrangeiro continua, ainda que a participação do Estado na
economia também cresça. No governo Kubitschek, já havia problemas
para a obtenção de recursos para investimento em infraestruturas
necessárias à expansão da industrialização, principalmente para as
indústrias de bens de capital. O governo tinha a opção de procurar
refrear o consumo interno para aumentar a poupança interna, mas isso
iria contra os interesses das elites e seria contraditório devido à política
de criação de indústrias de bens de consumo (automóveis, eletrodo‐
mésticos). A possibilidade de um saldo favorável na balança era difi‐
cultada pela perda de valor de muitas mercadorias exportadas pelo
Brasil naquele momento, que pagava mais pelos produtos importados
do que ganhava com as exportações. Conforme Brum11, o governo
decidiu obter créditos no exterior para financiamento das atividades
industriais e realizou o aumento das emissões de moeda. As duas
estratégias elevaram a inflação, que era repassada principalmente para
os trabalhadores, bem como a dívida externa.
De acordo com Souza12, durante a década de 1970, a dívida externa só
fez aumentar. A economia crescia, porém os militares asseveraram a
inserção dos grupos industriais estrangeiros no país, agora com a asso‐
ciação das elites empresariais nacionais e forte apoio estatal.
Os defensores da abertura ao capital estrangeiro percebiam que essa
era uma possibilidade concreta para o desenvolvimento do Brasil. Esse
é o ponto de vista, por exemplo, de Fernando Henrique Cardoso, que
até então não participava diretamente na vida política do país. Kay13
afirma que, para Cardoso, a dependência não era contrária ao desen‐
volvimento, pois uma das vias para o desenvolvimento dos países da
América Latina seria o modelo “dependente‐associado”. Apesar da
situação de dependência comercial, tecnológica e financeira, capitais
internos e externos associados poderiam promover o crescimento eco‐
nômico por meio da industrialização.
42
Em seu livro de 1967, Cardoso e Faletto14 consideram inconsistentes,
dadas as condições de dependência e da estrutura política e social
interna, as medidas para manter o desenvolvimento sem a abertura do
mercado interno para fora, isto é, para o capital estrangeiro. Além
disso, esses autores mostram que, por volta de 1960, havia uma busca
de novos mercados por parte de grupos estrangeiros de investimento,
sobretudo na área da indústria, o que seria uma oportunidade para as
nações não‐industrializadas. Quando o desenvolvimento está na fase
de substituição de importações, o capital estrangeiro exerce um efeito
nos setores nacionais da indústria, até mesmo estimulando‐a e dinami‐
zando‐a, concluem os autores. Somente em um período posterior é que
os investimentos estrangeiros precisarão de tecnologias posteriormente
desenvolvidas ou matérias‐primas que não são encontradas no país.
Mesmo assim, esse modo de industrialização que permite a abertura
de investimentos é capaz de incorporar setores operários diversos e
outros técnicos‐profissionais no mercado de trabalho.
Cardoso e Faletto são enfáticos em sustentar que existia, a partir dos
anos 1960, um novo modelo “centro‐periferia”, caracterizado pelos
investimentos diretos controlados via matriz, ou seja, pela abertura de
mercados para capital estrangeiro (multinacionais). Uma das grandes
questões para a análise sociológica daquele período referia‐se aos lu‐
cros que as indústrias estrangeiras obtinham nos países periféricos. A
matriz poderia escolher se o lucro gerado nos países dependentes seria
transformado em capital e reinvestido no país onde foi gerado ou em
outro lugar qualquer.
Portanto, na visão de Cardoso e Faletto15, há interesses que permitem
conciliar objetivos protecionistas, a pressão das massas e os investi‐
mentos estrangeiros. Esse sistema de industrialização intensificou a
exclusão social, mas não deixou de converter‐se, no ponto de vista dos
autores, em uma forma de desenvolvimento (acumulação de capital e
transformação da estrutura produtiva em direção a uma complexidade
crescente).
43
objetivo das iniciativas da época priorizava o crescimento econômico,
acreditando‐se que depois que o país houvesse alcançado patamares
razoáveis de industrialização e complexificação da economia, a distri‐
buição de riqueza e a democracia seriam “quase uma consequência”.
O período, entretanto, foi marcado pela concentração econômica, tanto
de propriedades e de bens nas mãos de poucos como da industrializa‐
ção centralizada nos centros urbanos da região Sudeste do Brasil.
Brum16 conclui que havia uma crença na capacidade de que os inves‐
timentos concentrados principalmente em São Paulo formariam círcu‐
los cada vez maiores de industrialização, espalhando o desenvolvi‐
mento econômico para todas as regiões. O que aconteceu foi justamen‐
te o inverso: as regiões não favorecidas estagnaram‐se em consequên‐
cia do crescimento do Sudeste. Tal processo se assemelhava, em âmbi‐
to nacional, ao modelo “centro‐periferia” no plano internacional. As
demais regiões perpetuavam‐se como produtoras de matérias‐primas
que alimentavam a industrialização concentrada nas capitais de São
Paulo e do Rio de Janeiro.
É evidente que esse fenômeno não é novo, pois, desde o período colo‐
nial, a região Sudeste apresentou maior dinamismo, seja pela antigui‐
dade da colonização e pelo escoamento da produção, seja pelo fato de
a capital do Brasil localizar‐se no Rio de Janeiro. No entanto, pouco foi
feito para reequilibrar a balança. A criação de organismos como a Su‐
perintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), a Superin‐
tendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), assim como
outros programas de descentralização econômica, só se deu em um
momento em que a centralização econômica do país já era uma reali‐
dade há muito estabelecida.
Ponto final
Observou‐se que o processo de substituição de importações dinamizou
a industrialização brasileira, exercendo efeitos diretos no crescimento
econômico experimentado no país. Já a partir de meados dos anos
1950, o capital estrangeiro passa a entrar no Brasil, com a implementa‐
ção de indústrias de bens duráveis e de consumo.
Depois que o capital estrangeiro passa paulatinamente a fazer parte da
industrialização do país nos anos 1950 e 1960, o crescimento econômi‐
co é expressivo, mas que tem como resultado uma forte concentração
econômica regional, o aumento da inflação e da dívida externa. Do
ponto de vista político‐econômico e social, os esforços para a realização
de distribuição de renda foram amainados com a justificativa de que o
Brasil precisava antes crescer para, posteriormente, dividir as riquezas.
45
Indicações culturais
FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 3. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2001. (Coleção Leitura).
Atividades
1) Descreva por que a explicação dualista da economia brasileira foi
questionada. Qual a importância dessa crítica para uma análise do
capitalismo no Brasil?
2) Os teóricos da dependência propuseram que seria possível o de‐
senvolvimento econômico brasileiro com base no modelo “depen‐
dente‐associado”. Explique essa afirmação com base no item 3.3 e
reflita sobre as consequências dessa estratégia.
3) Ainda que o Brasil tenha experimentado um crescimento econô‐
mico vigoroso entre os anos 1950 e 1970, dele não decorreu um
processo de distribuição de renda igualitário na sociedade. Co‐
mente essa afirmação.
4 LIMITES DO DESENVOLVIMENTO
Como visto no capítulo anterior, os projetos de desenvolvimento base‐
ados no crescimento constante da economia, principalmente estimula‐
dos pela industrialização, demonstraram forte desempenho até mea‐
dos dos anos 1970. O objetivo deste capítulo é apresentar alguns ele‐
mentos que evidenciem os limites do desenvolvimentismo. A análise
se inicia com o entendimento dos principais aspectos das crises do
capitalismo nas décadas de 1970 e 1980, em âmbito mundial, passando‐
se, em seguida, para alguns de seus efeitos no Brasil, sobretudo enfati‐
zando o “milagre econômico brasileiro”, a modernização da agricultu‐
ra e seus resultados. O capítulo é finalizado com um balanço das prin‐
cipais consequências sociais do modelo de desenvolvimento adotado
no país até os anos oitenta, quando se esgota o processo de substitui‐
ção de importações e o crescimento econômico declina significativa‐
mente.
47
maiores consumidores mundial do produto) e fez nações apostarem
em novas formas de geração de energia, tais como o álcool e a energia
nuclear.
Ainda nos anos 1970, inicia‐se uma outra crise econômica, sobretudo
nos países centrais, desencadeada pelo aumento do desemprego e da
inflação. O fordismo e as políticas keynesianas, cuja característica co‐
mum consistia no apoio à intervenção estatal, não conseguem conter as
contradições do capitalismo. No ponto de vista de David Harvey1,
ocorre, nesse momento, uma crise de superprodução. Esforços são
empreendidos para a diminuição da produção em massa, gerando
grandes custos aos Estados, que, com a crise fiscal, passam a ser pres‐
sionados a diminuir os investimentos sociais.
A partir do momento em que o excesso de produção não encontra
mercados para o seu escoamento, o que se segue é um período de
estagnação (recessão econômica) com desemprego combinado à infla‐
ção. O Estado de bem‐estar social dava sinais claros de que estava em
crise; governos e sindicatos não conseguiam mais conter o desemprego
e o sistema de produção rígida do período fordista perdia espaço para
os métodos de produção japoneses, que introduziam formas de traba‐
lho flexíveis (caracterizadas pela automação da produção, pela capaci‐
dade de respostas e inovações rápidas e pelo subemprego, bem como
por um maior controle sobre o trabalho e pela desconstituição de sin‐
dicatos). O Estado perde gradativamente o papel de interventor na
economia e da intermediação entre capital e trabalho, relegando‐se ao
direito de exercer a regulação dos setores econômicos.
O modelo de crescimento econômico mostrava os limites do desenvol‐
vimentismo. É também nos anos 1970 que são dados os primeiros
alertas sobre a sustentabilidade do planeta, assunto sobre o qual volta‐
remos a tratar no capítulo 8. As economias tinham dificuldade para
crescer, pois qualquer aumento na demanda por produtos fazia au‐
mentar a inflação. Além disso, os trabalhadores mostravam haver
empecilhos para encontrar uma ocupação em um sistema em que o
emprego industrial diminuía e as ofertas de trabalho no ramo de servi‐
ços se tornavam mais importantes.
Para tal feito, os governos brasileiros ofereceram, a partir da metade
dos anos 1960, crédito rural subsidiado na tentativa de acelerar esse
processo. Para muitos analistas, o crédito foi o mais importante ins‐
trumento, pois, além de subsidiado e farto, fazia parte de uma quota
específica para a produção agrícola, o que impediu, até o início dos
anos 1980, que ele fosse captado para outros fins. Alguns detalhes do
modo como ocorreu a modernização no Brasil são explorados aqui.
Já a partir de 1953, ainda no último governo de Getúlio Vargas, houve
uma substituição de importações de fertilizantes para a consolidação
49
de uma indústria nacional desse setor, mas as importações de máqui‐
nas e produtos químicos para a agricultura ainda eram elevadas.
Para Silva3, foi a internalização da indústria voltada para a agricultura
que tornou possível a modernização, fato que deslanchou no governo
de Kubitschek e que se efetivou nos anos seguintes. Setores industriais
mostravam‐se favoráveis à necessidade da modernização para elevar a
oferta de alimentos e matérias‐primas. Do mesmo modo, as elites ru‐
rais desejavam a industrialização e a modernização agrícola, pois se
sentiam temerosos quanto a uma possível reforma agrária. Assim, com
a industrialização em andamento no país, a produção agrícola passou
a constituir um elo numa cadeia, ou seja, tornou‐se funcional à econo‐
mia brasileira, que se urbanizava e se industrializava.
Em poucos anos, o número de tratores, o uso de defensivos e adubos
químicos, a área plantada e a produtividade agrícola aumentaram
fortemente, como indica o Gráfico 1 a seguir.
Fonte: Silva, 1998, p. 123.
O crescimento do número de tratores que o gráfico salienta é espanto‐
so, passando de pouco mais de 8 mil unidades, em 1950, para mais de
660 mil em 1985. Não somente os tratores, mas o crescimento da pro‐
dução e do consumo de agrotóxicos e adubos químicos foi vertiginoso
entre os anos de 1965 e 1985.
50
É preciso perceber que essa modernização levada adiante pelo Estado
brasileiro não atingiu todas as populações que viviam no meio rural; a
maior parte apenas sentiu os efeitos colaterais do processo. Portanto, é
necessário destacar que a modernização foi, em primeiro lugar, seleti‐
va, em termos de condição social dos produtores, pois os grandes
proprietários de terra tiveram acesso fácil a crédito e conseguiram
implementar mudanças técnicas com mais facilidade. Em segundo
lugar, a modernização se concentrou nas regiões Sudeste e Sul do
Brasil, pois já eram regiões com maior produção, especialmente o Su‐
deste, com a produção de laranja e de café para exportação. Em tercei‐
ro lugar, foram favorecidos alguns cultivos que eram considerados
mais lucrativos e que eram base das exportações, deixando à margem a
produção de alimentos básicos para o consumo interno (feijão, batata e
outros).
Os resultados da modernização foram diferenciados, pois, se economi‐
camente a agricultura foi (pelo menos parcialmente) modernizada,
socialmente, os efeitos foram “perversos”, como escreveu Silva4.
No que tange à questão do meio ambiente, o impulso à modernização
teve um efeito consideravelmente danoso. Além de se destruírem
matas, florestas e cerrados, o uso de insumos e equipamentos também
contribuiu para o agravamento da situação de solos e mananciais
d’água, já prejudicados pelo processo de urbanização das cidades.
De acordo com Silva5, o projeto modernizante comandado pelo Estado:
51
que ao mesmo tempo que os viabilizava não proveu mecanismos compensatórios
sobre seus efeitos sociais na estrutura agrária, nos recursos naturais, nos
desequilíbrios do abastecimento alimentar, na concentração de renda, nas
disparidades regionais, no êxodo rural. Assim, os resultados contraditórios da
inserção da agricultura no novo padrão de acumulação manifestaram‐se com
rapidez e intensidade alarmantes, agravando a crise agrária e rebatendo‐a
perversamente na crise urbana.
53
mais adiante que ele não é abandonado como um ideário e como um
objetivo, mas que suas características se modificam expressivamente.
Os resultados positivos do crescimento econômico brasileiro se manti‐
veram concentrados no grande empresariado e nas classes sociais mais
abastadas. Para tal, o salário mínimo não era aumentado como deveria
para acompanhar a inflação, ao passo que as poupanças – geralmente
um instrumento das classes médias e altas – eram protegidas pela
correção monetária. Tal como visto no capítulo anterior, a intenção de
“crescer para depois dividir a riqueza” foi efetivada por estes e outros
meios. Acrescente‐se a isso que o nível de desemprego no Brasil nos
anos 1970 era ainda baixo, o que fornecia os elementos de que o gover‐
no e as elites precisavam para sustentar o argumento de que o país
estava bem economicamente.
Em um estudo publicado logo no início dos anos 1970, o economista
Paul Singer11, da USP, observou que a concentração de renda aumen‐
tou na década de 1960. Enquanto os 5% mais ricos tiveram sua partici‐
pação na renda aumentada em 9%, os 80% mais pobres diminuíram a
participação em 8,7%. Portanto, os que já eram ricos em 1960 ficaram
ainda mais abastados na década de 1970 e os que já eram pobres fica‐
ram com menos recursos ainda.
renda, embora possa ser aplicado para outros tipos de distribuição. O coeficiente é um número que varia
entre zero e 1; quanto mais próximo de zero, menor é a desigualdade, quanto mais próximo de 1, maior é a
desigualdade.
54
aumentou no período. A pesquisa conduzida pelos autores apontou
elementos cruciais para compreender a situação econômica brasileira.
Primeiro: o Brasil não é um país pobre, uma vez que não há escassez
de recursos. Barros, Henriques e Mendonça12 concluíram isso, obser‐
vando que 64% dos países do mundo possuíam, em 1999, a renda per
capita inferior à brasileira. Segundo: a renda per capita brasileira é muito
superior à linha de pobreza nacional e o padrão de consumo das famí‐
lias que têm renda em torno da média é satisfatório. Terceiro: se a
renda média é bem acima do nível de pobreza e o padrão de consumo
é satisfatório, a pobreza jamais poderia ser o resultado da falta de re‐
cursos. Estes três elementos acima citados pelos autores deflagram que
a concentração de renda no Brasil é um problema diretamente envol‐
vido na existência da pobreza do país.
A conclusão dos autores é muito interessante − o Brasil não é um país
pobre, porém é um país com muitos pobres. Tendo condições suficien‐
tes de recursos, pois a renda per capita média brasileira não pode ser
considerada baixa (comparando‐a com a de outras diversas nações), o
problema da pobreza está diretamente associado à má distribuição de
renda, ou seja, a estrutura da desigualdade é determinante para os
elevados índices de pobreza urbana e rural do Brasil.
Ponto final
Este capítulo procurou mostrar que as crises econômicas do capitalis‐
mo entre os anos 1970 e 1980 foram fundamentais para uma inflexão
no regime de acumulação de capital. O Brasil havia consolidado um
ritmo de crescimento econômico invejável entre 1967 e 1973, até que o
primeiro choque do petróleo passou a afetar as economias mundiais,
combinando‐se com as mudanças nos processos produtivos e no con‐
sumo. Entretanto, o crescimento econômico impulsionado primeira‐
mente pela substituição de importações e depois pelo modelo de de‐
senvolvimento dependente‐associado sentiu os impactos econômicos
55
da crise mundial e do modo como a captação de recursos financeiros
foi acionada no exterior: a dívida externa crescente e a escalada da
inflação foram os efeitos mais agudos.
Sem que os problemas de pobreza e desigualdade no Brasil tenham
sido resolvidos no período de 1950 e 1970, quando a industrialização
alcançou seu patamar mais expressivo e quando o Estado intervinha
fortemente na economia, os anos 1980 conheceram a desesperança do
desenvolvimento, haja vista o aprofundamento da concentração de
renda e a permanência da pobreza. É nesse momento que o desenvol‐
vimento como conceito começa a passar por uma radical redefinição.
Indicação cultural
BRASIL. Presidência da República. Núcleo de Assuntos Estratégicos –
NAE. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea. Ipeadata.
Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 22 jul. 2008.
Atividades
1) Comente as principais características do processo de moderniza‐
ção da agricultura no Brasil. Por que ela foi considerada “conser‐
vadora”, para muitos estudiosos?
2) De que modo a pobreza no Brasil se relaciona com a desigualdade
social?
3) Entreviste pessoas nas ruas, usando a seguinte questão: O Brasil é
um país pobre ou um país com muitos pobres? Peça uma justifica‐
tiva para as respostas e compare com a discussão do item 4.4.
5 A GLOBALIZAÇÃO E OS ESPAÇOS
DO DESENVOLVIMENTO
A partir dos anos 1990, duas palavras combinadas se tornaram uma
das mais indicativas expressões da época: globalização e neoliberalismo.
Contudo, é preciso não confundi‐las ou entendê‐las como sinônimos.
Este capítulo tem como ponto de partida a compreensão da globaliza‐
ção e do neoliberalismo, elementos que passaram a ter influência deci‐
siva no modo como o desenvolvimento passou a ser estimulado. O
processo de globalização induziu novas funções aos espaços e, por sua
própria lógica de transformação veloz e desigual, implicou diferentes
reconfigurações dos territórios.
O simbolismo da queda do muro não pode ser considerado sem im‐
portância. A falência progressiva do mundo socialista‐comunista ex‐
pressava um sentimento de que o capitalismo era a único caminho,
uma rota “natural” do desenvolvimento histórico humano. Embora
essa perspectiva não tenha fundamento na história e desconsidere os
povos que vivem em outros sistemas econômicos (como os indígenas
da América do Sul, as populações nativas da Melanésia e Polinésia, os
57
povos autóctones australianos, as tribos mongóis e muitos outros), ela
levou o economista norte‐americano Francis Fukuyama a afirmar que
o capitalismo era o “fim da história”.
No entanto, o ano de 1989 também possui outro significado histórico.
Para as economias do Ocidente, o ano marca o conjunto de medidas
para o ajuste macroeconômico dos países em desenvolvimento, fato
que ficou conhecido como Consenso de Washington. O Consenso adqui‐
riu esse nome por ter sido proposto pelas instituições financeiras loca‐
lizadas na cidade de Washington, EUA, tais como o Banco Mundial
(Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
As nações que passavam por crises sistemáticas desde o fim dos anos
1970 deveriam obedecer aos planos de reestruturação preconizados
pelo Consenso, cujas medidas incluíam ajustes fiscais, diminuição dos
gastos públicos, juros de mercado, eliminação das barreiras para inves‐
timentos estrangeiros, privatização de empresas estatais, abertura
comercial, entre outras.
Em verdade, o que conhecemos como globalização pode ser entendido,
em parte, como um aumento substancial das relações econômicas entre
os países do mundo a partir do fim dos anos 1980. Mas isso é insufici‐
ente, pois é necessário observar que a globalização implica uma inten‐
sificação dos fluxos que ocorrem em diversas dimensões, como na
cultura, na política, na economia e no âmbito social.
É muito difícil encontrar um conceito de globalização que seja unísso‐
no e amplamente aceito. Alguns autores observam que aquilo que se
chama de globalização é um processo de intensificação das relações em
escala mundial, que, na realidade, já ocorre há séculosg. O que há de
novidade é a intensidade dessas relações, as múltiplas dimensões em
g Sobre isto, veja‐se, por exemplo, as obras de Karl Marx, que já expressavam o aumento dos fluxos de
comércio entre os países desde o século XV. Outro autor importante que salienta esse fenômeno é Norbert
Elias (1994), que mostra em seus diversos livros a intensificação da interdependência entre atores sociais
ao longo da história ocidental.
58
que ela ocorre e o surgimento de aparatos supranacionais de gover‐
nança e regulação (como as instituições, organizações e agências de
âmbito global). McLuhan1, na década de 1960, já havia proposto que
uma das marcas do nosso tempo seria a viabilização da comunicação
instantânea ao redor do globo; fato que repercuteria na cultura e na
economia, criando uma possibilidade histórica na qual as pessoas
passariam a viver em uma só sociedade, a “aldeia global”.
59
Neoliberalismo
Esse ideário foi resgatado no século XX sob a forma do que se chama
hoje de neoliberalismo. Os economistas Friedrich Hayek e Milton Frie‐
dman, cada um a seu modo, são reconhecidos como dois dos autores
que lideraram a recuperação da liberdade de mercado ou o que alguns
denominam de fundamentalismo de livre mercado.
61
tamentos, de vínculos de confiança e solidariedade, de hábitos de con‐
sumo e de formas de trabalhar.
b. José Luís Fiori constata que o desenvolvimento econômico mundial
não é convergente e homogeneizador; o que ocorre é a polarização
crescente entre países industrializados e países periféricos (Fiori, 1998,
p. 88).
Uma das facetas da descentralização industrial é a migração constante
de plantas industriais. Estimuladas pela diminuição de impostos e por
regiões onde a mão de obra não possui alto grau de sindicalização, as
fábricas se direcionam para as pequenas cidades e para o meio rural.
Assim, o espaço rural perde sua significação como um espaço típico
para produção agrícola, comportando um conjunto de atividades in‐
dustriais e do setor de serviços. A dualidade cidade versus campo, tão
marcante e contrastiva nos períodos anteriores, passa a ser questiona‐
da. Conforme Silva e Schneider11, entre outros autores, a abertura a
novas atividades tem sido uma nova função do espaço rural. Pesqui‐
sadores mostram que o ambiente rural deixa de ser uma área específica
da agricultura e se torna mais diversificado economicamente, por rece‐
ber em seu espaço iniciativas ocupacionais antes consideradas tipica‐
mente urbanas, como a indústria, a construção civil, os serviços de
transporte e o turismo.
Apenas para finalizar esta seção, cabe uma breve observação sobre a
regionalização. Verifica‐se que, junto ao processo de globalização,
surgem as iniciativas de regionalização política nos continentes. A
União Europeia, o Mercosul, a Comunidade Andina, o Nafta (América
do Norte) são os mais importantes blocos regionais que se formaram
nas últimas décadas, cujos objetivos foram a criação de economias
comuns, de moedas de ampla circulação e da abertura comercial gra‐
dativa entre os países. Não deixa de ser um paradoxo que um fenôme‐
no que tende a uma integração e a uma interdependência mundial
tenha como consequências a formação de blocos de países aliados.
Na realidade, essa tendência explicita, pelo menos, dois fatores fun‐
damentais: o primeiro deles é o fator da dimensão espacial, crucial
para as atividades econômicas e para as relações políticas. Portanto,
longe de se pensar que a globalização institui uma “comunidade mun‐
dial” em que a informática e as redes de comunicação eliminam as
distâncias, é preciso entender os espaços como constituintes das rela‐
ções globais.
Já o segundo fator, derivado do primeiro, consiste nas relações dos
países com seus vizinhos de fronteiras, quesito que continua sendo
essencial não apenas do ponto de vista econômico, mas do político e
63
do social, haja vista que os vizinhos de fronteiras devem arranjar mo‐
dos de lidar com o trânsito de pessoas, de mercadorias, de drogas
ilícitas. Os problemas entre os Estados Unidos e o México são um
exemplo emblemático, pois, para os EUA, é mais importante ter o
México como parceiro para que este se obrigue a administrar os pro‐
blemas de imigração. Outro exemplo típico é o da União Europeia, que
tem o número de países membros cada vez maior. A inclusão de países
com disparidades de desenvolvimento tão evidentes (como França e
Turquia, Alemanha e Lituânia, entre outros) justifica‐se na medida em
que os ricos pretendem resolver os problemas econômicos crônicos das
nações contíguas, sobretudo a fim de conter as migrações para seus
territórios e ampliar os mercados consumidores de seus produtos.
Assim, Rückert afirma que uma das mudanças mais peculiares foi o
estabelecimento de escalas de poder no interior das nações. O Estado
centralizador das iniciativas de desenvolvimento do período 1930‐1980
abriu espaço para atores territoriais e múltiplas escalas de poder, nos
níveis municipais, territoriais, estaduais e macrorregionais. Nisso,
embora seja evidente que o Estado perde poder na condução de políti‐
cas de planejamento econômico, os atores territoriais não substituem
64
esse Estado. São os atores que detêm poderes locais, são elas que nego‐
ciam e constroem alianças com o Estado.
Portanto, não é correto afirmar que com a globalização e com o ideário
neoliberal o Estado deixa de estar investido de poder, pois ele mantém
o monopólio da violência e a legitimidade na gestão das políticas em
geral. Mas também é necessário observar que a capacidade estatal na
direção da economia se retrai. Por isso, as parcerias entre o Estado e os
atores sociais dos territórios se tornam um modo de gerir o desenvol‐
vimento, nesse caso, o desenvolvimento territorial.
Por essa razão, o surgimento do território como lócus de execução das
ações do Estado e das políticas públicas implica os recursos de poder
que cada território possuic. Como salienta Schneider14, os espaços não
são percebidos como meros suportes das relações sociais, econômicas,
culturais e políticas que ali acontecem. As instituições, organizações e
as densas relações que configuram o tecido social dos territórios são os
recursos passíveis de se traduzirem em projetos de desenvolvimento.
Cada território passa a articular relações entre atores, com a finalidade
de construir projetos de desenvolvimento efetivos e alguns territórios
serão mais privilegiados outros, devido às potencialidades característi‐
cas de cada um.
Para Rückert15
Interpretar o poder relacionado ao território significa relacioná‐lo à capacidade dos
atores de gerir, de implantar políticas econômicas e tecnológicas, com incidência
estratégica no território, por parte tanto do Estado como dos múltiplos atores
do/no poder, em alianças ou conflitos na gestão de políticas por capitais privados e
por segmentos da sociedade civil que representam as diferentes regiões do
território.
65
taria do Desenvolvimento Territorial – SDT). E não apenas esse minis‐
tério tem estimulado as políticas territoriais, como também há uma
convergência na ação estatal a fim de proporcionar meios para uma
visão integrada do desenvolvimento e de sua abordagem territorial.
Do lado dos atores, um conjunto de elementos surge como recursos
que os territórios dispõem, tais como qualificação e disponibilidade da
mão de obra, recursos ambientais, proximidades de centros para esco‐
ar produção, capital econômico acumulado por pessoas e famílias,
relações de confiança e identidade social, proximidade entre atores
locais e redes de reciprocidade, ambiente institucional com regras
estáveis, maior equidade social.
Em suma, a noção de desenvolvimento territorial expressa a capacida‐
de de ação e sinergia dos atores territoriais investidos de recursos e
poder e, ao mesmo tempo, as múltiplas escalas de poder, estando a
dimensão global presente no horizonte e sendo o Estado um ente es‐
sencial na indução e no aporte das políticas.
No capítulo 7, veremos outro fator que exerceu efeitos na emergência
da abordagem territorial do desenvolvimento: a insatisfação com a
visão setorial das políticas públicas e dos ramos de atividade econômi‐
ca.
Ponto final
Neste capítulo, foi visto o cenário em que surgiram as ideias neolibe‐
rais e a emergência da globalização. A globalização implica novas
funções aos territórios, sendo necessário um redesenho das iniciativas
locais frente aos condicionantes econômicos, políticos e culturais. Um
dos aspectos centrais dessa situação global é que o desenvolvimento
possui uma dinâmica espacial complexa, obedecendo aos critérios do
capital internacional (que com a abertura comercial dos países adqui‐
riu maior volatilidade) e às vicissitudes dos Estados nacionais.
Indicações culturais
FEATHERSTONE, Mike (Org.). Cultura global: nacionalismo,
globalização e modernidade. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. (Coleção
Horizontes da Globalização).
As indicações de Featherstone e de Sahlins são textos voltados para as
questões culturais e políticas da globalização. A primeira obra possui
capítulos escritos por pesquisadores consagrados, tais como Immanuel
Wallerstein e Arjun Appadurai. A indicação de Fiori tem o viés
econômico e analisa o poder das moedas na construção das
hegemonias inglesa e norte‐americana ao longo do século XX.
Já o texto do antropólogo Marshall Sahlins aborda o problema cultural
na modernidade, questionando a possibilidade do mundo ocidental
“extinguir” as outras culturas.
Atividades
1) O que significa afirmar que existem assimetrias entre as dimen‐
sões econômica, política, social e cultural da globalização? Pense,
por exemplo, na diferença entre o fluxo de capitais e o fluxo de
pessoas no mundo. Reflita sobre o problema e cite exemplos.
2) Qual a diferença entre conceber um território apenas como um
espaço físico (um suporte) e concebê‐lo como dotado de caracterís‐
ticas ambientais, sociais, econômicas e culturais particulares? Qual
a importância desse segundo ponto de vista para os processos de
desenvolvimento territorial?
67
3) De que modo as iniciativas de desenvolvimento territorial estabe‐
lecem relações entre os atores sociais e o Estado? Explique o papel
do Estado nesse cenário.
6
O PARADIGMA DAS
CAPACITAÇÕES: AMARTYA SEM
E O DESENVOLVIMENTO COMO
LIBERDADE
Guilherme Francisco Waterloo Radomsky
Nos dois capítulos anteriores, observamos como a discussão do desen‐
volvimento sofre uma inflexão quando o “período de ouro” do capita‐
lismo se esvaece em crises cada vez mais agudas, resultando na des‐
confiança acerca do desenvolvimentismo e da ascensão do pensamento
neoliberal. Desde então, o debate tomou rumos diversos, desde as
preocupações ambientais, que entrariam definitivamente na pauta (e
que serão abordadas a partir do capítulo 8), até a redefinição do lugar
da economia e das outras dimensões nos processos de desenvolvimen‐
to.
O presente capítulo tem dois objetivos: em primeiro lugar, apresentar o
pensamento de Amartya Sen, um dos economistas mais importantes e
reconhecidos no mundo atual. Em segundo lugar, introduzir a discus‐
são sobre índices de desenvolvimento humano e de desenvolvimento
multidimensional, fornecendo algumas técnicas e métodos de utilizar
os componentes. Espera‐se que o capítulo conceda subsídios para o
debate atual sobre o desenvolvimento e sobre a abordagem das capaci‐
tações de Sen e que essa perspectiva teórica seja também observada no
modo como os índices de desenvolvimento são elaborados.
69
Os argumentos do economista começaram a ganhar eco exatamente
quando as políticas desenvolvimentistas levadas a cabo nos países
pobres (especialmente nas nações da América Latina, em regiões da
África, na Índia e no pacífico), que pretendiam fazer valer a máxima de
que o crescimento econômico levaria ao desenvolvimento com inclu‐
são social e distribuição de renda, entraram em profunda descrença.
Conforme visto anteriormente, os anos 1980 experimentaram o defi‐
nhamento do Estado interventor na economia e que “puxava” o cres‐
cimento via industrialização. Naquele momento, a esperança de que o
crescimento econômico poderia ser revertido em desenvolvimento foi
solapada, pois os problemas crônicos de desigualdade e pobreza con‐
tinuaram a assolar os países, que, desde então, pouco viram os seus
Produtos Internos Brutos (PIBs) crescerem como outrora.
Sen constrói seus argumentos principais com base nesse problema. Se
fosse tomado o PIB médio per capita brasileiro (nos anos 1970 ou agora)
poder‐se‐ia encontrar um nível razoável comparado a países de baixa
renda. A renda média no Brasil não pode ser considerada baixa, con‐
forme também mostraram Barros, Henriques e Mendonça1. No entan‐
to, a distribuição é deficitária, o que faz da desigualdade um desafio a
ser vencido. Portanto, contra as tendências amplamente dominantes
nos círculos econômicos e nas organizações multilaterais que viam no
PIB o único (e confiável) instrumento de medida da riqueza, Sen con‐
clui que este tende não apenas a mascarar a desigualdade na distribui‐
ção de riquezas como também a impor a noção de que o crescimento
econômico levaria inevitavelmente a melhorias nas condições de vida
da população.
Mas o aspecto mais interessante da argumentação do autor é justamen‐
te a razão filosófica de sua crítica. Independentemente de analisar o
PIB de um país ou a renda média per capita para medir o seu desenvol‐
vimento, Sen sugere que, em qualquer dos dois índices, está se olhan‐
do para o ponto errado. Isso porque rendas só podem ser consideradas
meios para atingir o desenvolvimento, e não os fins. Isso significa que
as rendas não podem ser medidas para compreender e verificar o bem‐
estar e a felicidade das pessoas; a renda pode muito bem ser um meio
para atingir bem‐estar, mas por si só não diz muito a respeito da fina‐
lidade para a qual está sendo utilizada (e se de fato está sendo utiliza‐
da com liberdade e para um fim que o indivíduo considere satisfató‐
rio).
Portanto, Sen2 observa que sua perspectiva se opõe totalmente às vi‐
sões mais restritas de desenvolvimento, como aquelas que não somen‐
te identificam o desenvolvimento com o crescimento do Produto Naci‐
70
onal Bruto (PNB) e das rendas, mas que também enfocam a industria‐
lização, o avanço tecnológico e a modernização social. Embora esses
fatores citados possam contribuir para o desenvolvimento, eles serão
sempre meios e não fins. A liberdade é o que realmente importa, é ela
que deve ser considerada como objetivo.
Sen3 procura mostrar, ao longo do livro Desenvolvimento como liberdade,
que o “desenvolvimento pode ser visto como um processo de expan‐
são das liberdades reais que as pessoas desfrutam”. Concentrar‐se na
ampliação das liberdades tem como um dos pontos de partida a elimi‐
nação das privações – são essas privações que limitam as escolhas e as
oportunidades das pessoas em atingir as liberdades.
Para Sen4, as principais fontes de privação da liberdade são a pobreza e
a tirania, a falta de oportunidades econômicas, a negligência de servi‐
ços públicos e da assistência social e a intolerância.
Mas como a liberdade se relaciona com o desenvolvimento e a supera‐
ção da pobreza? O autor5 mostra que a falta de liberdade rouba das
pessoas a possibilidade de saciar a fome, de obter nutrição razoável, de
obter vestuário e moradia digna, além de inviabilizar o acesso a remé‐
dios, água e saneamento. Porém, a carência de liberdade pode estar
vinculada à falta de serviços básicos de assistência social e médica. Em
outras situações, é a liberdade política que está ausente, o que pode
impedir as pessoas de participar da vida social, política e também
econômica do país. A ênfase recai na liberdade das pessoas consegui‐
rem realizar ações que visem o seu próprio bem‐estar. O autor não é
ingênuo a ponto de acreditar que as liberdades individuais são os
únicos elementos que podem ser meios e fins do desenvolvimento.
Sen6 afirma que “o que as pessoas conseguem realizar é influenciado
por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e
por condições habilitadoras como boa saúde, educação básica, incenti‐
vo e aperfeiçoamento de iniciativas”. Existem dispositivos institucio‐
nais e coletivos que proporcionam essas oportunidades e envolvem
geralmente o Estado, o mercado, o sistema legal, os partidos políticos,
a imprensa e outros.
Um dos aspectos sobre os quais Sen se concentra é a relação entre
liberdades políticas e econômicas. Conforme o autor nos mostra, existe
uma tese segundo a qual as liberdades políticas não são benéficas para
71
o crescimento econômico. Essa situação foi vivida pelos brasileiros nos
anos 1970, que experimentaram o crescimento econômico intenso e
pouca liberdade de expressão no regime ditatorial. Até hoje, muitas
pessoas pensam que pode existir uma relação entre a negação dos
direitos civis e o crescimento econômico e alguns defendem um siste‐
ma político autoritário, alegando que este seria mais adequado à di‐
namização da economia. Sen mostra que essa tese é baseada em dados
empíricos muito rudimentares, não havendo indícios de que isso de
fato ocorra. Para Sen7, o crescimento econômico relaciona‐se com um
clima econômico mais estimulante, e não com um sistema político que
cerceia as liberdades. E isso também se verifica no caso brasileiro, pois,
tão logo o capitalismo entra em crise, no auge do período militar, o
crescimento econômico se torna cada vez menor, enquanto a dívida
externa e a inflação saem do controle.
Ainda sobre esse ponto, Sen completa que é preciso estar alerta para o
fato de que as liberdades políticas e civis são um fim em si mesmas;
ainda que possam ter ligação instrumental com as liberdades econômi‐
cas, elas não necessitam de justificação.
Na abordagem de Sen diferenciam‐se PROCESSOS e OPORTUNIDA‐
DES. Os processos permitem a liberdade de ações e decisões. Já as
oportunidades são o que as pessoas possuem, conforme as situações e
as circunstâncias. A privação da liberdade, afirma Sen8, pode surgir
tanto em função de processos inadequados, como a supressão de di‐
reitos políticos, quanto da falta de oportunidades que possibilitam ao
indivíduo que este supere adversidades que cercam a sua realidade,
tais como a fome, por exemplo.
Outra diferença importante que o autor estabelece é a que faz a distin‐
ção entre funcionamentos e capacitações. Aqui é necessária uma aten‐
ção maior, pois, para Ely Mattos9, doutorando em economia pela
UFRGS, esses são os dois principais conceitos da teoria de Sen:
Capacitações são, de acordo com Mattos10, “estados ainda não execu‐
tados efetivamente pela pessoa, mas que são passíveis disto”. É o con‐
junto de possibilidades que o indivíduo pode realizar.
72
Enquanto o termo funcionamentos se refere às realizações de fato, o
vocábulo capacitações refere‐se à habilidade de realizar. Por essa razão,
Sen11 insiste no aspecto geral da liberdade e na condição de livre agen‐
te dos indivíduos, afirmando que “ter mais liberdade melhora o poten‐
cial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo,
questões centrais para o processo de desenvolvimento”. Para Mattos12,
Sen se ocupa em mostrar que a condição de agente vincula‐se à reali‐
zação de objetivos e valores que o próprio agente tem razão de buscar.
No quadro a seguir, são destacados pelo autor cinco tipos de liberda‐
des instrumentais que possuem particular relevância para o desenvol‐
vimento e que se influenciam mutuamente:
LIBERDADES
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
INSTRUMENTAIS
Liberdade de expressão, imprensa sem
Liberdades políticas censura, liberdade de escolha de
partidos políticos, direito ao voto.
Recursos disponíveis, condições de
Facilidades econômicas
mercado, acesso a financiamento.
73
Oportunidades sociais Educação, saúde.
Garantias de Direito à revelação e transparência de
transparência contas públicas.
Benefícios a desempregados, rendas
suplementares para indigentes,
Segurança protetora
distribuição de alimentos em crises de
fome.
Fonte: Baseado em Sen, 2000, p. 55.
Sen14 chama a atenção para o fato de que as diferentes liberdades ge‐
ralmente apresentam interligações. O autor mostra, por exemplo, que o
crescimento econômico pode aumentar as rendas das pessoas, mas
também possibilita ao Estado financiar a seguridade social, cujo efeito,
de modo geral, é um aumento na qualidade dos serviços sociais. Da
mesma maneira, a criação de oportunidades sociais, como educação
básica na rede pública e serviços de saúde, podem contribuir significa‐
tivamente para redução das taxas de mortalidade. As reduções nas
taxas de natalidade, por outro lado, são influenciadas com a educação
e com a informação, pois a ampliação das liberdades das mulheres
significa sua inclusão em oportunidades sociais e facilidades econômi‐
cas que surtem efeitos na diminuição da fecundidade.
Observando essas conclusões de Sen, percebemos por que a industria‐
lização simplesmente não conduz ao desenvolvimento. Ainda que ela
possa ser um fator importante, se não houver oportunidades sociais
que possam ampliar os níveis educacionais da população, o desenvol‐
vimento (em sentido amplo) dificilmente ocorrerá.
No entanto, a ideia da construção de um índice começou a ser questio‐
nada logo no início. Até mesmo Sen, de acordo com Veiga17, mostrou
algum ceticismo, pois sua proposta teórica implica o exame das liber‐
dades reais das pessoas, aspecto que com dificuldade pode ser medido
em números. Assim, a própria praticidade e capacidade de síntese têm
sido consideradas perigosas no que refere à medição de níveis de de‐
senvolvimento.
Uma primeira crítica que se faz ao IDH, de que nos fala Veiga, é a
participação do componente renda. Apesar do índice ser resultado da
média aritmética dos fatores, a renda termina sendo o mais preponde‐
rante entre eles. Como consequência disso, países com renda alta e
condições sociais insatisfatórios são classificados como desenvolvidos ou
em nível de desenvolvimento médio; de outro lado, nações com renda
média ou baixa, mas com boa distribuição e aspectos sociais adequa‐
dos ou médios são classificados como pobres. A segunda crítica é a que
diz respeito à classificação, pois enumerar países (ou municípios, no
caso do IDH municipal – IDH‐M) com base em índices pode não ter
muito sentido. Nesse caso, faltam qualificativos para afirmar, afinal
das contas, quais sãos os problemas e as potencialidades daquele país
75
ou município. De acordo com Veiga18, se não forem levadas em consi‐
deração a heterogeneidade e a diversidade do desenvolvimento, é
possível que se torne a cair naquilo de que se pretendia escapar: na
ideia de unilinearidade do desenvolvimento. Uma terceira observação
negativa ao índice é sua incapacidade, até o momento, de incluir com‐
ponentes ambientais, políticos e culturais, fatores que são cada vez
mais valorizados quando se pensa na natureza multidimensional do
desenvolvimento.
José Eli da Veiga chega a propor que deixemos de lado o IDH, a favor
dos outros indicadores. Porém, o autor reitera que, se não houver al‐
ternativas, melhor isso do que continuar a considerar a renda e o PIB
como sinônimos do desenvolvimento.
Um dos exemplos apresentados por Veiga é o Índice Paulista de Res‐
ponsabilidade Social – IPRS. É uma tipologia de municípios com indi‐
cadores idênticos aos do IDH (calculados com outras variáveis), mas
não privilegia a ordenação dos municípios numa escala e não se baseia
numa média aritmética de fatores. A ferramenta apresenta os municí‐
pios em três tipos: DESENVOLVIDOS, SAUDÁVEIS e ATRASADOS.
A diferença, nesse caso, é que os melhores colocados devem atender
satisfatoriamente aos três componentes do índice (renda, escolaridade
e longevidade) e não apenas ser bons em um deles e compensar nos
outros. Aqueles que apresentam disparidades nos índices podem ser
os saudáveis (municípios que demonstram uma boa qualidade de
vida, mas não são ricos) ou os atrasados (que podem ser ricos, mas
também injustos).
Esse índice mostra que a renda per capita, indicador utilizado no IDH,
pode ser obtido de outros modos. O IPRS utiliza como indicador de
riqueza municipal o consumo de energia elétrica efetuado nos três
setores da economia e nas residências, a remuneração média dos em‐
pregados formais e o valor adicionado per capita. E isso está relaciona‐
do apenas ao componente renda; ao avaliar os outros componentes, o
IPRS também se vale de outras variáveis.
Os indicadores de desenvolvimento mais recentes tendem a incorporar
mais variáveis e componentes, aspectos que ficaram de fora da elabo‐
ração original do IDH. Alguns dos componentes que foram introduzi‐
dos nos novos índices são as dimensões ambiental, cultural, política e
demográfica, mantendo geralmente as já consagradas dimensões eco‐
nômica, educacional (que pode ser considerada demográfica ou social)
e de saúde. Os resultados são índices com muitos componentes e vari‐
áveis intermediárias.
Esse é o caso do DNA Brasilh, apresentado por Veiga. Apesar dos
avanços do índice IPRS e de outros (tais como o IDESE, no Rio Grande
do Sul), pesquisadores sentiram a necessidade de qualificar melhor as
dimensões, além de incluir um grande rol de variáveis. O DNA Brasil
foi desenvolvido pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP)
da Universidade Estadual de Campinas. Mais do que um índice, o
DNA Brasil é uma figura que se assemelha a uma estrela de 24 pontas.
De acordo com Veiga19, cada um dos 24 vértices são indicadores refe‐
rentes a sete dimensões: bem‐estar econômico, competitividade eco‐
nômica, condições socioambientais, educação, saúde, proteção social
básica e coesão social. Assim, é possível medir o desenvolvimento em
cada uma das áreas separadamente e observar em que quesitos um
determinado país está bem ou mal. Veiga ainda afirma que essa é uma
forma de escapar da ideia de que os índices expressam estágios de
desenvolvimento, pois cada país, região ou município terá característi‐
cas e problemas distintos.i
A figura em forma de estrela se caracteriza da seguinte maneira: cada
indicador (cada ponta) é transformado para expressar um valor entre 0
e 1: quanto mais próximo de zero, pior é a condição do país naquele
indicador, quanto mais próximo de 1, melhor sua situação. De modo
que, no conjunto, a figura deve apresentar uma área e, quanto maior
ela for, mais evidente é o desenvolvimento do país analisado. Mas não
basta que a área seja grande: para que o país seja considerado desen‐
volvido, é preciso haver um equilíbrio, pois de nada adianta um país
Para mais informações sobre o Índice DNA Brasil e os gráficos de desenvolvimento multidimensional,
h
acesse: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=50009–67252006000200002&script=sci_arhext>.
77
possuir uma renda alta e uma educação deficitária, ou, ainda, competi‐
tividade econômica combinada com péssimas condições socioambien‐
tais (ver Figura 1).
Outro índice de desenvolvimento foi criado por uma equipe de profes‐
sores e alunos do Programa de Pós‐graduação em Desenvolvimento
Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atendendo uma
demanda específica do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a
equipe procurou construir uma ferramenta capaz de mensurar o de‐
senvolvimento de forma multidimensional (tal como o DNA Brasil),
porém atendo‐se ao fato de que o indicador deveria ser aplicado aos
territórios ruraisj. O Índice de Desenvolvimento Sustentável (IDS‐
Biograma) incluiu as dimensões e variáveis dispostas no Quadro 2:k
DIMENSÃO INDICADORES
IDH longevidade, IDH educação, mortalidade
infantil, número de leitos hospitalares, número de
Social
homicídios, famílias atendidas por transferências e
benefícios
Taxa de urbanização, densidade demográfica,
Demográfica razão da população masculina pela feminina,
população com mais de 60 anos
Comparecimento nas eleições, número médio de
Político‐ conselhos municipais, participação nos conselhos
institucional territoriais, acesso à justiça, transferências da
União
IDH renda, Índice de Gini (renda), Índice de Gini
(terra), participação da agricultura no produto
Econômica bruto, rendimento médio da produção
agropecuária, razão de estabelecimentos agrícolas
familiares e patronais, exportações
Abastecimento de água, saneamento básico, coleta
Ambiental de lixo, drenagem, resistência à erosão e
fertilidade dos solos
Existência de bibliotecas, clubes, ginásios, cinemas
Cultural
e unidades de ensino superior
Fonte: Baseado em Waquil et al., 2007.
j Para mais informações, consultar o artigo de Waquil et al. em: <http://www.ufrgs.br/ppge/
pcientifica/2007_04.pdf>
78
Percebe‐se que a tentativa foi abarcar uma série de indicadores, inclu‐
sive utilizando dados do IDH, que foi subdividido em seus três com‐
ponentes (renda, longevidade e educação). Alguns dos indicadores são
típicos para medir o desenvolvimento rural, tais como a fertilidade dos
solos, densidade demográfica e índices que medem a desigualdade na
distribuição de terras (Gini).
Com base nesse conjunto de indicadores, a equipe construiu dois mo‐
dos de observar o desenvolvimento dos territórios avaliados. Primeiro,
um número sintético semelhante ao IDH. No entanto, a diferença,
nesse caso, foi incluir um panorama amplo de variáveis e dimensões e
calcular o índice por meio de uma média harmônica. A média harmô‐
nica possui uma importante diferença da média aritmética, pois ela é
calculada harmonizando os dados, no intento de prezar pelo equilí‐
brio. Isso significa que aqueles territórios com muitas disparidades
entre as variáveis e as dimensões tendem a apresentar uma média mais
baixa, ao passo que os territórios mais igualitários tendem a ter médias
mais altas. A vantagem disso é que esse índice pode mostrar as desi‐
gualdades existentes nas diferentes dimensões. Segundo, a equipe
também forneceu figuras semelhantes a um gráfico de estrela para
cada território avaliado. Temos, na Figura 1, a seguir, uma das figuras
obtidas pela equipe de pesquisa para o caso do território rural Estrada
de Ferro, em Goiás.
Fonte: Waquil et al., 2007, p. 15.
79
Tal qual o DNA Brasil, apresentado por Veiga, esse indicador também
tem como referências mínimas e máximas os números 0 e 1. Por isso,
as variáveis devem ser padronizadas para serem comparadas. A figura
mostra que o território rural Estrada de Ferro, em Goiás, possui um
desenvolvimento melhor nos quesitos cultural e social, apresentando
condições piores nas outras dimensões, especialmente a demográfica.
Quanto maior for a área verde da figura, aproximando‐se dos limites,
melhor será o desenvolvimento territorial.
Ponto final
Este capítulo abordou o pensamento do economista Amartya Sen e os
avanços obtidos ao longo das últimas décadas na construção de indi‐
cadores de desenvolvimento que ultrapassassem as antigas medidas
baseadas na renda e no PIB. Para Sen, o desenvolvimento não pode se
confundir com a análise de agregados econômicos, uma vez que estes
são meios para atingir o bem‐estar e não fins em si mesmos. Sen pro‐
pôs a abordagem das capacitações, revelando que, para os objetivos de
desenvolvimento, as pessoas precisam possuir a capacidade de expan‐
dir suas liberdades, o que representa retirar as classes desfavorecidas
da situação de privações pelas quais passam e possibilitar o acesso
destas a bens materiais e sociais.
Do ponto de vista institucional, a construção do IDH pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), representou um
grande avanço quanto ao modo de compreender o desenvolvimento,
incorporando à renda e ao PIB outras variáveis sociais. Mas foram os
índices mais recentes que conseguiram incorporar de fato a abordagem
multidimensional do desenvolvimento.
Indicações culturais
PNUD. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Disponível em: <http://www.pnud.org.br/home/>. Acesso em: 28 nov.
2008.
80
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/32/fernando/
entrevistados/amartya_sen_2001.htm>. Acesso em: 28 nov. 2008.
As duas últimas indicações são referentes à obra de Amartya Sen.
Sugere‐se primeiramente a leitura da entrevista do economista
indiano, seguida da leitura de sua obra mais representativa.
Atividades
1) Comente em que Amartya Sen (2000) se diferencia com o seu
conceito de desenvolvimento dos outros autores até aqui estuda‐
dos. Reflita sobre o tema da liberdade nos escritos do autor.
2) Para Sen (2000), qual é a diferença entre funcionamentos e capaci‐
tações? Quais as relações desses conceitos com a ideia geral de
“desenvolvimento como liberdade”?
3) Construa um índice de desenvolvimento utilizando múltiplas
dimensões para um caso que você queira analisar. Não é necessá‐
rio fazer os cálculos, apenas reflita sobre as variáveis e as dimen‐
sões importantes para a pesquisa que irá propor. Utilize as refe‐
rências do item 6.2.1 (se possível, consulte, pela internet, os textos
sugeridos) e justifique os indicadores utilizados. (Atenção: alguns
indicadores são controversos, ou seja, para algumas pessoas, eles
podem ser positivos e, para outras, eles podem ser negativos. Este
é o caso do indicador “densidade demográfica”, que, quando mui‐
to elevada, significa um resultado ruim; no entanto, um resultado
muito baixo também é considerado insatisfatório.)
7
A ATUALIDADE DO DEBATE
CONTEMPORÂNEO SOBRE
O DESENVOLVIMENTO
NO BRASIL
Guilherme Francisco Waterloo Radomsky
Brasilio Sallum Jr., professor da USP, escreve que, nos anos 1990, as
ideias liberais adquirem grande expressão na condução da economia
brasileira, sobretudo a partir do governo de Fernando Collor, de 1990 a
1992, e nos primeiros anos do governo de Fernando Henrique Cardo‐
82
so. Segundo Sallum Jr.1, a própria noção de estratégia de desenvolvi‐
mento ficou restrita às políticas que procuravam ajustar o Estado (di‐
minuir seu papel interventor) e reestruturar a economia por meio da
estabilização monetária.
Na perspectiva de Sallum Jr., não seria possível, a partir dos anos 1990,
pensar em uma estratégia de dinamização da economia que buscasse
um plano de consolidação nacional, tal como no período do desenvol‐
vimentismo nacional. A globalização da economia mundial implica
formas crescentes de integração dos Estados à nova ordem de relações
internacionais, o que não significa que todos os países se vinculam do
mesmo modo, fato que se deve às suas características sociais, instituci‐
onais e econômicas internas.
83
mas de recuperação de infraestrutura em transporte, energia, irrigação,
armazenagem etc.
Essas e outras medidas governamentais mostram que o Brasil dos anos
1990 balançava entre o ideário neoliberal e as políticas que visavam o
desenvolvimento, agora num cenário de abertura comercial e de globa‐
lização. Para Sallum Jr.4, essa estratégia pode ser nomeada de “liberal‐
desenvolvimentista”, pois não admite o “fundamentalismo” do mer‐
cado e vê com bons olhos maneiras restritas de intervenção na econo‐
mia: “são favorecidas as políticas industriais setoriais, mas desde que
limitadas no tempo e parcimoniosas nos subsídios [...]. Esse desenvol‐
vimentismo continua industrializante, mas seu foco ampliou‐se para
incluir atividades produtivas em geral, desde a agricultura até os ser‐
viços”.
Embora os esforços para a diminuição das taxas de juros e do incre‐
mento dos níveis de emprego formal, não se pode afirmar que a estra‐
tégia de desenvolvimento tenha sofrido grandes alterações no governo
Lula, comparado ao governo anterior. Talvez se possa reconhecer que
as questões sociais realmente mobilizam o governo, tais como a pobre‐
za e a desigualdade, o que teria inspirado os programas carros‐chefe
de Lula, como o Bolsa Família e o Fome Zero. Entretanto, apesar dos
avanços obtidos na redução da desigualdadel, percebe‐se a dificuldade
que o Estado tem para conduzir a economia nacional a patamares mais
elevados de desenvolvimento, sendo esta uma característica geral que
marca as nações em desenvolvimento desde os anos 1980.
Essa situação de limitações econômicas do Estado e da persistência da
pobreza no Brasil, associada às novas perspectivas sobre o que seja o
desenvolvimento, fizeram emergir um conjunto de propostas de outras
formas de se atingir o desenvolvimento que se mostrariam revelado‐
ras. Essas propostas não se concentram em elementos puramente
econômicos, pois é cada vez mais legítima na sociedade e nas esferas
governamentais a abordagem multidimensional do desenvolvimento;
ainda assim, desejam exercer uma determinada influência na dimensão
econômica do desenvolvimento. Alguns dos mais relevantes e recentes
enfoques sobre o desenvolvimento são o capital social, as redes, o
etnodesenvolvimento e a perspectiva de gênero.
Num trabalho recente, uma equipe do Ipea mostra que, entre 2001 e 2005, houve uma redução expressiva
l
da desigualdade, atingindo o nível mais baixo em trinta anos. Ainda assim, a estrutura da distribuição de
renda no Brasil mantém‐se concentrada (Barros et al., 2007)
84
Capital social e redes de cooperação
A noção de capital social guarda relações com a de capital econômico
na medida em que ambas expressam acumulação de recursos. Entre‐
tanto, enquanto o capital econômico é produto de relações sociais e é
acumulado apenas por capitalistas, o capital social possibilita uma
espécie de retorno dos benefícios a todos os indivíduos que se inserem
em relações sociais. Embora possua raízes antigas (vinculada à discus‐
são da importância da participação das pessoas na comunidade em
que vivem), a noção de capital social é relativamente nova, oriunda
dos trabalhos de Pierre Bourdieu, nos anos 1970, e de James Coleman e
Robert Putnam nos anos 1990.
O capital social ganha destaque nas agendas de desenvolvimento, pois
ele permite romper com o dualismo das ações estatais e neoliberais. Se,
de um lado, a intervenção estatal é comprometida em função das limi‐
tações estruturais e, de outro, a ideologia neoliberal insiste no indivi‐
dualismo e nas forças de mercado como as únicas que devem reger a
sociedade, a definição de capital social possibilita que a sociedade civil
se torne um ator na condução do desenvolvimento. Na realidade, as
investidas no capital social tiveram êxito justamente quando o Estado
perdeu sua capacidade de inversões e a matriz de pensamento neolibe‐
ral assumiu o comando das ideologias econômicas. Assim, a ideia de
que é preciso revitalizar a sociedade civil para que esta tenha papel
ativo na condução das iniciativas de desenvolvimento encontra na
concepção de capital social um forte aliado.
Num momento em que o crescimento econômico se torna lento e os
investimentos em industrialização são escassos, restam poucas alterna‐
tivas de criação de formas de desenvolvimento que apostem na coope‐
ração e na vitalização de forças coletivas presentes na sociedade. Por
essa razão, o capital social se torna um modo de ativar os laços sociais,
especialmente nas comunidades pobres. De acordo com Radomsky e
Paredes Peñafiel7, a constatação de diversos estudos é de que se os
85
fatores econômicos são raros nessas comunidades, estes podem ser
centralizados, se as pessoas criarem um vínculo de confiança umas
com as outras e puderem participar dos processos sociais. Desse modo,
o capital social é um recurso coletivo que depende do grau de confian‐
ça e interação das pessoas; ele pode ser fortalecido e estimulado por
entidades externas (ONGs) e vem a representar uma forma de se apoi‐
ar nas habilidades políticas das pessoas (suas capacidades de se relaci‐
onarem e interagirem positivamente) para que a dimensão econômica
também seja dinamizada.
As redes de cooperação possuem estreita relação com o capital social;
no entanto, existe uma tendência a se considerar que as redes podem
ter extensões maiores e envolverem diversos atores. A noção de rede
também é antiga nas ciências sociais (desde Saint‐Simon, o termo rede é
usado como metáfora para indicar “a sociedade”), porém adquire
relevância nos estudos antropológicos dos anos 1950 e 1960. Antropó‐
logos ingleses como John Barnes e Adrian Mayer, citados por Ra‐
domsky8, perceberam que a noção de rede poderia ser utilizada como
explicação para conexões e relações sociais diferenciadas, ou seja, que
eram resultado de estratégia deliberada das pessoas. Na perspectiva de
Barnes9, rede social é um conjunto de relações interpessoais concretas
que vinculam indivíduos a outros indivíduos.
O que é realmente interessante na perspectiva das redes na compreen‐
são do desenvolvimento é que elas possibilitam um grande número de
atores de se envolverem em projetos sociais. Diferente da ideia de
capital social, que geralmente enfatiza os laços comunitários e de pro‐
ximidade entre as pessoas, a noção de rede permite a articulação de
atores em distâncias, ou seja, entidades que não compartilham o mes‐
mo território, que não são vizinhas (ONGs, instituições governamen‐
tais, fundações, movimentos sociais, universidades).
Na realidade, as redes comportam rivalidades e disputas de poder e se
caracterizam pela heterogeneidade dos participantes: dessa caracterís‐
tica deriva sua riqueza como um modo de organização, pois é no inter‐
câmbio de práticas, conhecimentos e experiências que as forças sociais
se nutrem. Por essa razão, multiplicam‐se as redes regionais, nacionais
e até mesmo internacionais (redes de mobilização social, redes para o
86
desenvolvimento sustentável, rede de combate à pobreza, rede de
combate à Aids etc.).
Uma das vantagens da perspectiva das redes sociais é seu avanço em
relação às concepções endógenas e exógenas de desenvolvimento.
Desde que a noção de desenvolvimento se tornou mais flexível e mul‐
tidimensional, pulularam teses sobre o caráter do desenvolvimento
local ou regional. O debate se concentrava na disputa entre aqueles
que compreendiam que os fatores endógenos (internos) eram os mais
expressivos e aqueles que advogavam a favor dos elementos exógenos
(externos ao local) tinham mais poder. Esses fatores endógenos ou
exógenos poderiam ser capitais econômicos, informação de qualidade,
educação formal, mão de obra e até valores. Ocorre que a perspectiva
das redes passou a questionar essa dualidade, mostrando que poucos
lugares conseguem permanecer isolados e ativar processos de desen‐
volvimento unicamente por meio dos fatores internos; do mesmo mo‐
do, raros são os espaços que não possuem recursos sociais ou econô‐
micos internos e que possam ser utilizadas na combinação com fatores
externos.
Mas não há uma oposição necessariamente entre redes e territórios, já
que as redes podem ser pequenas e apenas alimentar laços locais co‐
munitários; assim como podem ser extensas e integrar distintos territó‐
rios. Scherer‐Warren11 afirma que:
as redes sociais primárias, interindividuais ou coletivas, caracterizam‐se por serem
presenciais, em espaços contíguos, criando territórios no sentido tradicional do
termo, isto é, geograficamente delimitados; enquanto isso, as redes virtuais,
resultantes do ciberativismo, são intencionais, transcendem as fronteiras espaciais
das redes presenciais, criando, portanto, territórios virtuais cujas configurações se
definem pelas adesões por uma causa ou por afinidades políticas, culturais ou
ideológicas. Todavia, elas podem vir a ter impacto sobre as redes presenciais e vice‐
versa, numa constante dialética entre o local e o mais global, entre o presencial e o
virtual, entre o ativismo do cotidiano e o ciberativismo, podendo vir a auxiliar na
formação de movimentos cidadãos planetarizados. Há portanto, um deslocamento
das fronteiras tradicionais comunitárias, locais, para o plano global.
87
Etnodesenvolvimento
O etnodesenvolvimento surge a partir de dois princípios, um ligado às
teorias recentes do desenvolvimento e outro vinculado aos processos
históricos seculares da sociedade brasileira. No primeiro, a problemáti‐
ca se insere na tentativa de responder aos anseios do desenvolvimento,
sem que os povos beneficiados pelas políticas e pelos projetos tenham
suas características sociais e culturais destruídas. Essa é uma preocu‐
pação central das mais recentes perspectivas do desenvolvimento, que
se vinculam à noção mais geral, presente na Constituição de 1988, de
respeito à autonomia dos povos.
No segundo, apesar de se concentrar no respeito à ancestralidade e ao
modo de vida particular dos povos (sobretudo povos indígenas e re‐
manescentes de quilombos), o etnodesenvolvimento não deixa de se
importar com a situação de pobreza e insuficiência alimentar por que
passam muitas comunidades tradicionais. Portanto, é um modo de
resolver os problemas socioeconômicos de segmentos da população
que se encontram historicamente destituídos de poder, marginalizados
das políticas de bem‐estar – uma forma de resolver uma dívida históri‐
ca com grupos que sofreram intenso preconceito racial e cultural e que
foram vitimizados com formas de escravidão e expulsão de seus terri‐
tórios.
Na opinião de Rodrigo de Azeredo Grünewald, foi Rodolfo Stavenha‐
gen, em 1984, o propositor do conceito de etnodesenvolvimento, que o
define como o estilo de desenvolvimento que mantém as diferenças
sociais, culturais e étnicas. Segundo Grünewald12, na definição, essa
forma de desenvolvimento precisa observar que os povos e etnias
detenham o controle de seus recursos e ativos, sua cultura e modo de
organizar sua sociedade, sendo o acesso à terra um direito essencial.
Além disso, as mudanças sociais que visam o etnodesenvolvimento
devem ser pensadas à luz das tradições culturais do grupo em questão,
aprimorando a possibilidade de autossustentabilidade, isto é, remo‐
vendo a dependência do grupo em relação aos órgãos do Estado e a
outras entidades.
Grünewald13 ainda salienta que o etnodesenvolvimento incorpora uma
dimensão ética. Em primeiro lugar, porque se liga a ideia de que a
própria comunidade deve se perpetuar, ou seja, ela objetiva a susten‐
tabilidade da etnia. Em segundo lugar, ao fato de que não estão apenas
em jogo os processos de ampliação do bem‐estar pelo trabalho, a pro‐
dução e o consumo, mas também as relações entre os povos autóctones
e o “mundo dos brancos” (o Estado e instituições diversas). Portanto, o
etnodesenvolvimento visa a relação entre diferentes e a construção de
88
alianças que possibilitem o desenvolvimento dos grupos conforme
suas raízes culturais.
Na concepção de Paul Little14, professor de antropologia da Universi‐
dade de Brasília, o etnodesenvolvimento deve ser pensado tanto na
acepção de sustentabilidade de etnias (sua preservação) como na ideia
de desenvolvimento econômico de um grupo étnico. Isso porque a
preservação do grupo, sem as mínimas condições produtivas, apenas
manteria esse grupo como marginal e empobrecido.
Gênero
Jussara Prá15, professora de ciência política, afirma que as iniciativas
em prol da cidadania de gênero se assentam no contexto geral, perti‐
nente ao fim do século XX, de ampliação dos direitos coletivos e indi‐
viduais. Por isso, a equidade de gênero tem forte relação com a conso‐
lidação democrática. Prá também escreve que a literatura feminista
mostra um consenso de que a busca das mulheres por um maior espa‐
ço de atuação tem obtido grandes conquistas, seja pela crescente parti‐
cipação na esfera pública, seja na intensificação da sua capacidade de
intervir nas decisões políticas.
89
As iniciativas em torno de gênero e o desenvolvimento são enfáticas
em mostrar que esse mesmo acesso às esferas do poder, apesar de
parecer consolidado, tem sido dificultado não apenas na participação
das decisões políticas (por exemplo, para ocupar cargos públicos), mas
também em obter independência econômica. Em razão disso, algumas
ações básicas são essenciais para promover a igualdade de condições
entre homens e mulheres, tais como prover documentação às mulheres
(em muitas regiões do Brasil as mulheres não possuem Carteira de
Identidade ou CPF), criar linhas próprias para financiamento de ativi‐
dades econômicas (por exemplo, o PRONAF Mulher) e fornecer titula‐
ção de propriedades em seu nome. O caso da documentação é tão
elementar que, sem ela, as mulheres não podem comprovar que traba‐
lham e, dessa forma, ficam excluídas da possibilidade de obter a apo‐
sentadoria.
A herança da dominação patriarcal no Brasil é tão forte que, mesmo
quando o país implementa políticas de distribuição de recursos como a
reforma agrária, geralmente é o homem o beneficiário (porque ele é
reconhecido como chefe de família). Portanto, tal qual as iniciativas de
etnodesenvolvimento vistas anteriormente, os projetos de desenvolvi‐
mento necessitam de um recorte de gênero para que seja promovida e
preservada a justa equidade entre homens e mulheres.
Para Navarro, entretanto, as iniciativas de desenvolvimento local aca‐
bam por apresentar dois problemas para sua consolidação − em pri‐
meiro lugar, sua própria natureza local tem como consequência uma
atuação relativamente restrita e, apesar das boas intenções, a ação
nesse nível muitas vezes não consegue implementar mudanças sociais
eficazes. Em segundo lugar, ela parte da premissa que os atores locais
são preparados para lidar com os recursos e com as decisões, o que, em
muitos lugares, é uma realidade bastante distante.
Essa foi uma das razões para a emergência da noção de desenvolvi‐
mento territorial. À medida que a descentralização das políticas públi‐
cas e das decisões valorizava os municípios e pulverizava recursos
para projetos muito restritos, observou‐se que essa estratégia poderia
ser ineficiente. Portanto, a ideia de que deveria existir uma escala geo‐
gráfica de atuação maior que o município e menor que os estados da
federação se tornou mais preponderante.
Uma outra razão pra o surgimento da noção de desenvolvimento terri‐
torial foi a crescente importância dada às relações dos territórios com o
91
ambiente externo, especialmente o global. Schneider19 mostra que o
“território emerge como processo vinculado à globalização, sobretudo
porque a nova dinâmica econômica e produtiva depende de decisões e
iniciativas que são tomadas e vinculadas em função do território”.
Portanto, não obstante a importância que assumem os locais nos pro‐
cessos de desenvolvimento, a revelação de que o local jamais permane‐
ce circunscrito modificou a compreensão das articulações entre os
ambientes interno e externo.
Vale lembrar ainda que, como visto no capítulo 5, a noção de desen‐
volvimento territorial vem também a ser resultado do esgotamento da
abordagem regional, que alcança seus limites quando a capacidade do
Estado de intervir e investir no planejamento econômico das regiões se
esvaece.
Já a noção de desenvolvimento rural tem uma tradição teórica mais
antiga, sendo oriunda das políticas de desenvolvimento do pós‐guerra.
Entre os anos 1950 e 1975, Navarro20 escreve que a noção de desenvol‐
vimento rural era alimentada por um “espírito de época”, pois, se a
iniciativa visava o bem‐estar econômico das comunidades rurais, a
condução se dava por meio do ímpeto modernizante, procurando
otimizar a produção e a produtividade do trabalho agrícola.
Navarro21 afirma que é necessário diferenciar o desenvolvimento rural
do desenvolvimento agrícola e do desenvolvimento agrário. DESEN‐
VOLVIMENTO AGRÍCOLA refere‐se exclusivamente às condições de
produção e produtividade da agropecuária, em seu sentido realmente
produtivo, isto é, o uso da mão de obra na agricultura, a tecnologia
empregada, a produtividade da terra etc. Por outro lado, DESENVOL‐
VIMENTO AGRÁRIO diz respeito a interpretações sobre o mundo
rural e sua relação com a sociedade, observando as diversas institui‐
ções e fatos sociais implicados, tais como o acesso a terra, os aspectos
92
políticos, as instituições, os conflitos sociais, os mercados e a disputa
de classes. A expressão desenvolvimento agrário tem expressiva relação
com as interpretações marxistas do desenvolvimento do capitalismo
no meio rural, conforme Navarro22.
Ponto final
Este capítulo ofereceu uma visão sobre o debate recente acerca do
desenvolvimento no Brasil. O início dos anos 1990 marcou um novo
período para a sociedade brasileira, no qual as ideias neoliberais impu‐
seram sua hegemonia. Entretanto, governantes do país logo percebe‐
ram que a ausência total do Estado na condução do desenvolvimento e
no estímulo a atividades econômicas era deficitário. Segundo autores
citados, o Brasil mostra iniciativas liberais e desenvolvimentistas no
período recente, sendo que a articulação no sistema econômico inter‐
nacional é uma condição imperativa.
As mudanças no modo do Estado conduzir e implementar políticas faz
emergir atores da sociedade civil que dão novos contornos ao desen‐
93
volvimento, cujas variadas perspectivas enfocam o capital social, as
redes de cooperação, o etnodesenvolvimento e as iniciativas pela equi‐
dade de gênero. Outros qualificativos para o desenvolvimento surgem
nesse cenário, sendo os principais os desenvolvimentos local, territori‐
al e rural.
Indicações culturais
ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o
desenvolvimento rural. Revista de Economia Aplicada, v. 4, n. 2, p. 379‐
397, abr./jun. 2000.
Atividades
1) Qual o papel das mudanças sociais vividas no Brasil recente para
a emergência dos novos enfoques do desenvolvimento, tais como
o capital social, o etnodesenvolvimento e a perspectiva da igual‐
dade de gênero?
2) Por que razão o etnodesenvolvimento e as iniciativas para igual‐
dade de gênero podem ser consideradas políticas de desenvolvi‐
mento? Qual a importância delas no Brasil?
94
3) A noção contemporânea de desenvolvimento rural pode ser con‐
siderada distinta da ideia que se tinha sobre desenvolvimento ru‐
ral entre os anos 1950 e 1970? O que ela apresenta de novidade em
relação à antiga?
8 SUSTENTABILIDADE:
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
O fenômeno da globalização teve repercussões nas mais diversas esfe‐
ras da vida social, segundo Fredric Jameson1, professor norte‐
americano e teórico da literatura, da pós‐modernidade e das mudanças
sociais globais. Grande parte dos críticos sustenta que os efeitos do tal
fenômeno são especialmente sentidos na econômia e na cultura e al‐
guns cientistas sociais chegaram a admitir que essas duas dimensões se
combinaram de tal maneira que a própria cultura se tornou mercado‐
ria, sendo vendida em marcas, grifes e produtos mundo afora.
Mas também é verdade que a globalização teve efeitos diretos no que
diz respeito ao ambiente. A mesma constatação de que a economia se
tornou globalizada já é um diagnóstico de que os sistemas sociais e
ambientais locais sentiram os impactos de um sistema de relações
internacionais, alterando seu funcionamento interno e engendrando
novas formas de relação e exploração dos recursos para a produção e o
consumo.
Benton mostra que foi a partir desse período que se instaurou uma
angústia relacionada à deterioração do meio ambiente e sua relação
com o modo de vida baseado na industrialização e na urbanização;
isso significa que a onda de expansão econômica que alimentou tanto o
fordismo nos países desenvolvidos como o sonho desenvolvimentista
nas demais nações veio a apresentar sua face perversa: a destruição
das bases ecológicas que sustentavam esse estilo de desenvolvimento,
visto naquele período como o crescimento da economia.
É preciso perceber que um olhar diferenciado para a natureza já havia
sido construído desde os séculos XVIII e XIX, sobretudo na Europa e
nos Estados Unidos, localidades nas quais a ideia de ecologia, extinção
das espécies e ecossistema foram elaboradas. Eram os primeiros pano‐
ramas sobre a relação existente entre economia e meio ambiente, ser
humano e natureza. No entanto, os anos 1950 e 1960 mostram toda a
força dos movimentos e da ideias em prol de um mundo menos agres‐
sivo à natureza. No final dos anos 1970, é fundado, na Alemanha, o
Partido Verde, que aglutinava membros do movimento estudantil e da
esquerda marxista, junto a uma gama de ativistas, tais como os ligados
aos direitos dos homossexuais, feministas e militantes antinucleares.
Uma década após, quase todos os países europeus já tinham “partidos
verdes”.
Benton4 afirma que o ambientalismo assumiu três formas principais: os
grupos de pressão propondo reformas ambientais dentro de partidos
políticos dominantes, os partidos políticos propriamente chamados de
verdes e os grupos não alinhados politicamente. Estes últimos se carac‐
terizaram por formar organizações que pretendiam chamar a atenção
das pessoas para os problemas ambientais diversos.
Benton também mostra que são três as principais condições que têm
servido de fundamento para a ação dos grupos e partidos verdes e, de
um modo geral, para uma agenda política ambiental: a primeira diz
respeito aos inúmeros desastres ambientais que ocorrem mundo afora,
desde catástrofes nucleares até derramamento de petróleo por navios.
A isso se alia à percepção crescente de que o mundo tem sofrido cons‐
tantemente com desastres naturais, tais como tufões, alagamentos e
desertificação. A segunda vincula‐se aos efeitos do desenvolvimento
industrial acelerado e caótico sobre a qualidade de vida, incluindo
questões como contaminação e envenenamento de alimentos, conges‐
tionamento de trânsito, barulho e poluição. A terceira é ligada aos
97
impactos globais no planeta, tais como as incessantes divulgações
sobre a deterioração da camada de ozônio, o aumento do aquecimento
global, o perigo das fontes nucleares de energia e a contaminação dos
solos pela chuva ácida.
Tal como visto nos capítulos anteriores, o surgimento de uma nova
ideia de desenvolvimento, não identificado exclusivamente com o
crescimento econômico do PIB dos países, foi resultado de um conjun‐
to complexo de fatores, incluindo os movimentos sociais, a insatisfação
com os resultados do crescimento econômico (aprofundamento da
desigualdade), as iniciativas políticas e de grupos intelectuais para
mudanças nos parâmetros, tanto da forma de se compreender o de‐
senvolvimento como no modo do ser humano se relacionar com o
meio ambiente.
Cabe destacar que esse último ponto é bastante enfático na declaração,
haja vista que uma de suas afirmações contundentes diz que o subde‐
senvolvimento é a causa maior dos problemas ambientais dos países
em desenvolvimento. O papel das nações desenvolvidas para a polui‐
ção é pouco destacado na Conferência, sendo afirmado apenas seu
dever de procurar fazer com que as nações subdesenvolvidas alcanças‐
sem os patamares que as desenvolvidas já haviam alcançado. Isso, de
certo modo, traria consequências à redução da pobreza e ao crescimen‐
to populacional.
Essa dupla preocupação, tanto com as gerações presentes como com as
gerações futuras, tornou‐se o lema que passou a nutrir o debate sobre o
desenvolvimento e a sustentabilidade e se tornou divulgado de fato
com a publicação do Relatório Brundtland.
99
Veiga7 mostra que o relatório lançado na ocasião recebeu o título de
Nosso futuro comum e ressaltava o caráter político da ideia de sustenta‐
bilidade. Nele, afirma Veiga, a presidente da comissão enfatizou que o
desenvolvimento sustentável é um conceito que adquiriu, desde então,
uma legitimidade e institucionalização normativa.
Apresentada naquele relatório, a ideia de desenvolvimento sustentável
aparece nos termos que seguem: é o desenvolvimento capaz de garan‐
tir as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de suprir as suas necessidades. O relatório destaca
que existem incompatibilidades entre o desenvolvimento sustentável e
os padrões de consumo e produção dos países centrais, cujo modelo
industrialista e predatório dos recursos naturais é reproduzido nos
países periféricos.
Entretanto, no ponto de vista de Almeida8, a ideia de futuro comum é
pouco precisa nos termos do relatório. Embora o conceito procure
enfatizar uma integração entre a exploração dos recursos naturais, o
desenvolvimento tecnológico e a mudança social, há dúvidas sobre os
parâmetros valorativos e políticos, pois se trata, exatamente, da susten‐
tabilidade de quê? De quem e para quem? Segundo o autor, nessas
questões reside o principal motivo de conflitos.
Outra crítica que é feita ao Relatório Brundtland diz respeito ao modo
como o conceito de desenvolvimento sustentável se ampara numa
visão utilitarista. Veiga9 sugere que as gerações presentes não têm
apenas necessidades, elas possuem valores também. Citando Amartya
Sen, Veiga10 conclui que as pessoas valorizam sua capacidade de agir,
pensar, avaliar e participar. Por essa razão, ver os seres humanos em
termos de necessidades é uma redução absurda do que seja a humani‐
dade.
Mesmo assim, o texto traz avanços, pois é resultado da insistência de
uma discussão global sobre o futuro do planeta. Alguns dos pontos do
relatório são: preservação da biodiversidade, diminuição do consumo
de energia e desenvolvimento de fontes energéticas renováveis, au‐
mento da industrialização nos países não‐industrializados, por meio
de tecnologias ecologicamente adaptadas, consumo racional de água,
diminuição do uso de produtos químicos para a produção de alimen‐
tos e estratégias internacionais para o desenvolvimento sustentável, tal
como a proteção da Antártida.
100
Cinco anos após o lançamento do documento, ocorre a Eco‐92, a Con‐
ferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Meio Ambien‐
te, que teve palco na cidade do Rio de Janeiro, em junho de 1992. Foi
nesse encontro que a expressão desenvolvimento sustentável ganhou
consagração.
Durante o encontro, uma série de documentos foi elaborada, tais como
a Carta da Terram, as convenções da diversidade biológica, da desertifi‐
cação e a das mudanças climáticas e a Agenda 21. A Agenda 21 é con‐
siderada o principal documento resultante da Conferência de 1992 e foi
acordada por 179 países; nela está contido um amplo programa de
ação que propõe um novo padrão de desenvolvimento que seja ambi‐
entalmente sustentável. n
Esse importante documento estipulou ações que deveriam ser tomadas
em diversos níveis e dimensões, porém as grandes diretrizes já tinham
sido expostas nas conferências anteriores e no relatório Nosso futuro
comum. Algumas das questões essenciais da Eco‐92 foram: o reconhe‐
cimento efetivo de que a degradação ambiental era responsabilidade
principalmente dos países desenvolvidos, a constituição de um conjun‐
to de documentos específicos das respectivas convenções (diversidade
biológica, desertificação e mudanças climáticas), a necessidade de
compatibilizar desenvolvimento econômico e social com conservação
dos recursos naturais, o fomento do desenvolvimento rural sustentá‐
vel, a gestão racional das biotecnologias, as medidas em favor da mu‐
lher, o fortalecimento das ONGs nas ações de preservação ambiental, o
reconhecimento do papel das comunidades tradicionais e indígenas,
entre outras.
A partir da Conferência do Rio, a verificação da deterioração ambiental
se tornou prática frequente, gerando novas convenções e protocolos,
m Para ver a Carta da Terra, na íntegra, acesse o site: <http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/
_arquivos/carta_terra.doc>
101
tais como o protocolo de Kyoto, de 1997 (acordo assinado pela maioria
dos países, exceto pelos EUA, para diminuir as emissões de gás carbô‐
nico na atmosfera).
No entanto, a realidade é que pouco foi feito pelos países para a dimi‐
nuição dos impactos ambientais, mesmo depois da Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável, chamada de Rio + 10 (referência
aos dez anos que se passaram desde a Eco‐92). Trata‐se de um conjun‐
to de boas intenções, é verdade, mas também verificou‐se muitas dis‐
córdias quanto aos prazos que as nações possuiriam para atender as
exigências e as responsabilidades estipuladas. Alguns pontos foram
atendidos, mas estes representaram o mínimo necessário para as gra‐
ves necessidades do planeta.
A Convenção da Diversidade Biológica (CDB) foi um dos mais impor‐
tantes resultados da Eco‐92. Ela veio a responder a uma série de trans‐
formações que ocorriam nas formas de apropriação da natureza por
parte de empresas de biotecnologias e aos conflitos entre distintos
atores sociais envolvidos na produção, uso e consumo de sementes.
Ao longo das décadas de 1960 e 1970, a modernização da agricultura,
com a introdução do paradigma produtivista no campo, alterou pro‐
fundamente o modo como os agricultores se relacionavam com as
espécies biológicas. Antes da modernização, as variedades de sementes
essenciais à produção agrícola eram majoritariamente trocadas e man‐
tidas entre os agricultores, sem que estes precisassem despender mon‐
tantes de dinheiro para obtê‐las.
Durante os anos 1980, a FAO, órgão das Nações Unidas para a agricul‐
tura e a alimentação, começou a demonstrar preocupação com essa
102
tendência. Ao longo dessa década, a FAO realizou conferências especí‐
ficas sobre o tema, mas foi durante a Eco‐92 que o principal documento
relativo às espécies vegetais foi elaborado e ratificado na forma de
convenção, a CDB.
Conforme Manuela Carneiro da Cunha11, a CDB é um instrumento de
direito internacional cujos objetivos são a conservação da diversidade
biológica, o uso sustentável de suas partes constitutivas e a repartição
justa e equitativa dos benefícios que advém do uso dos recursos gené‐
ticos. Até 1992, os recursos genéticos eram considerados patrimônio da
humanidade; entretanto, os lucros advindos da exploração desses
recursos por grandes empresas não eram repartidos, ou seja, um mate‐
rial biológico que era patenteado por uma corporação deveria ser
comprado (pagar royalties) por parte dos usuários, mas as próprias
empresas não pagavam nada aos Estados e comunidades tradicionais
das quais retiravam a matéria bruta. Essa situação se modificou com a
CDB, que passou para o âmbito da soberania dos Estados – que, para
exploração, devem obter consentimento das populações tradicionais
ou locais – e cuja compensação para o seu acesso poderia vir na forma
de transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para as nações
em desenvolvimento.
A CDB representou para esses marcos um grande avanço para a manu‐
tenção dos direitos dos Estados, sobretudo dos países mais pobres que,
em situação de não poder explorar os recursos, podem acordar com
grandes corporações e receber transferências tecnológicas; foi também
crucial para os direitos de populações tradicionais e comunidades
indígenas que viram a possibilidade de receber compensações em
forma financeira por conhecimentos valiosos que estavam fornecendo
à humanidade. É lógico que a CDB não conseguiu eliminar os conflitos
entre comunidades, agricultores e empresas, ainda mais considerando
o poder das grandes corporações depois que o Acordo TRIPS foi fir‐
mado em 1994o. Porém, ela representa um avanço quanto aos parâme‐
tros anteriores. A CDB impôs limites à apropriação e à privatização da
natureza, qualificando diretrizes para a manutenção da diversidade
das espécies animais e variedades vegetais.
o TRIPS: Trade‐Related Aspects of Intellectual Property Rights (Tratado Sobre Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionado ao Comércio Internacional). Acordo que estipulou a proteção à propriedade
intelectual da produção de sementes, recursos genéticos processados e patenteados
103
Ponto final
Este capítulo buscou analisar e pontuar os principais eventos relativos
a uma consciência ambiental global que emergia junto ao questiona‐
mento crescente do paradigma produtivista e da concepção de desen‐
volvimento como crescimento econômico. Os principais marcos no
pós‐guerra foram o surgimento de movimentos sociais de caráter am‐
biental e a criação de partidos políticos “verdes” (inicialmente na Eu‐
ropa), ambos criticando o modelo de desenvolvimento que não se
atentava à gravidade da situação ambiental.
Indicações culturais
RIO + 10. Site oficial em português da Cúpula Mundial sobre Desen‐
volvimento Sustentável. Disponível em: <http://www.ana.gov.br
/AcoesAdministrativas/RelatorioGestao/Rio10/Riomaisdez/index.php.
40.html>. Acesso em: 19 nov. 2008.
A primeira indicação é um texto da antropóloga Manuela Carneiro da
Cunha sobre a CDB e as populações tradicionais, e analisa especial‐
mente a relação da CDB com o problema do sistema internacional de
propriedade intelectual.
A segunda indicação é relativa à cúpula sobre meio ambiente da ONU,
realizada no Rio de Janeiro. Possui várias informações relevantes sobre
o contexto histórico e os resultados desse encontro.
104
Atividades
1) Quais são as razões para o surgimento do ambientalismo? Quais
são as suas principais críticas em relação ao modelo de desenvol‐
vimento vigente em meados do século passado?
2) Comente o conceito de desenvolvimento sustentável do Relatório
Brundtland. Mostre os seus avanços e as críticas feitas a ele.
3) Faça uma enquete com pessoas nas ruas sobre o tema da sustenta‐
bilidade. Dica: pergunte a elas qual seu grau de preocupação com a
degradação ambiental (reduzido, médio ou elevado) e indague
que tipos de atitudes elas tomam com vistas a diminuir a poluição
e os impactos ambientais (desligar as luzes de casa, usar automó‐
vel próprio com menos frequência, separar o lixo doméstico etc.).
Inclua no questionário um espaço para anotar nome, idade, esco‐
laridade, escolaridade dos pais e outras informações relevantes
das pessoas entrevistadas. Depois, cruze as respostas para consta‐
tar se há grupos mais preocupados e que tipos de atitudes esses
grupos tomam.
9 DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Por outro lado, este capítulo também se concentra no desafio que é a
construção de formas de mensuração do desenvolvimento sustentável.
Embora um conjunto enorme de iniciativas esteja em curso no mundo
inteiro, a maior parte dos indicadores sofre grandes críticas e passa por
muitas revisões. Começamos por definir o desenvolvimento sustentável.
106
Embora seja uma definição sintética e que capta as preocupações quan‐
to à existência humana e não‐humana de hoje e de amanhã, ela pode
ser muito simplista. Percebe‐se que essa definição se assenta com mais
acuidade no que seja a sustentabilidade, mas deixa a ideia de desen‐
volvimento tacitamente aceita como “a satisfação de necessidades”.
Um ponto a ser destacado no debate sobre o desenvolvimento susten‐
tável é a disputa sobre a importância da esfera econômica na condu‐
ção. Almeida2 mostra que existem duas concepções principais nesse
campo, cuja discussão se encontra polarizada por visões antagonistas −
a primeira considera que o desenvolvimento sustentável deve ser pen‐
sado dentro da esfera da economia e, com isso, o social e a natureza
são geridos conforme os desdobramentos do campo econômico. É o
caso, por exemplo, quando Veiga3 mostra uma gama de economistas
interessados em valorar monetariamente o meio ambiente. As verten‐
tes da economia ecológica e da economia do meio ambiente são as
mais recentes perspectivas na tentativa de incorporar e examinar o
discurso e a prática da sustentabilidade vistos de dentro da própria
economia.
107
Esse é o nó da questão. Veiga afirma que é um dilema que ainda está
longe de ser resolvido, embora haja posições diferentes também a
respeito desse debate. Uma das posições afirma que esse conflito não
existe, pois, com o andar do desenvolvimento tecnológico, as economi‐
as adquirem cada vez mais potencialidade para não agredir o meio
ambiente. Esse ponto de vista expressa uma confiança na capacidade
do sistema se autorregular como um todo, no qual os recursos naturais
podem ser renováveis e substituídos, graças às políticas de ciência e
tecnologia.
Veiga salienta que existe um “caminho do meio”, que não se contenta
em preservar os recursos naturais às custas de manter a pobreza e a
desigualdade e que também não acha satisfatório reduzir as mazelas
sociais por meio de políticas desenvolvimentistas inconsequentes com
as gerações futuras e com as espécies naturais do planeta. É verdade
que esse “caminho do meio” admite que algum impacto ambiental
continuará a existir, mas se fundamenta na possibilidade de que ele
seja cada vez menor. Isso poderia ocorrer caso os países estimulassem
economias baseadas em energias renováveis, diminuição constante de
poluentes do ar e das águas e cuidado na manutenção da biodiversi‐
dade de vegetais e animais.
Novamente, é Sachs quem fornece uma das melhores pistas para se
chegar ao que seja desenvolvimento sustentável. Para que o desenvol‐
vimento seja sustentável, é necessário que se acrescente a sustentabili‐
dade social e ambiental à sustentabilidade econômica. Sachs6 afirma
que a sustentabilidade ambiental é fundamentada
no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de
solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Ela nos compele a trabalhar com
escalas múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do
economista convencional. Ela nos impele ainda a buscar soluções triplamente
vencedoras, eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de elevadas
externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais.
108
Portanto, Sachs destaca a ideia de solidariedade que remete a ideia de
desenvolvimento a um conteúdo ético, tanto no presente quanto no
futuro. O autor ainda delineia cinco pilares do desenvolvimento sus‐
tentável, tal como elaborado no Quadro 3, a seguir:
PILARES MOTIVOS
Fundamental por, motivos tanto intrínsecos quanto
Social instrumentais, devido à perspectiva de disrupção social
que paira de forma ameaçadora sobre muitos lugares.
Com suas duas dimensões – sistemas de sustentação da
Ambiental vida como provedores de recursos e como “recipientes”
para deposição de resíduos.
Relacionado à distribuição espacial dos recursos, das
Territorial
populações e das atividades.
A viabilidade econômica, a condição para que as coisas
Econômico
aconteçam.
A governança democrática é um valor e um
Político instrumento necessário para fazer as coisas
acontecerem; a liberdade faz muita diferença.
Fonte: Baseado em Sachs, 2004, p. 15‐16.
Desse modo, desenvolvimento sustentável pode ser definido como um
processo de expansão das liberdades das pessoas, de modo que isso
não comprometa as liberdades das gerações futuras, combinando soli‐
dariedade com a geração atual e com as futuras, de modo que se com‐
patibilize viabilidade econômica, superação da pobreza e da desigual‐
dade, preservação da biodiversidade, limitação de uso de recursos
não‐renováveis e governança democrática.
Uma das questões fundamentais é a dificuldade que existe em torno de
uma definição do que seja desenvolvimento. Almeida7 mostra que a
noção é tão elástica que facilmente se torna ponto de discórdia, sobre‐
tudo quando se propõe definir como deve ser o crescimento econômico
(mesmo que sustentado e sustentável) e de que maneira a gestão dos
recursos naturais será feita. Almeida completa que os organismos
oficiais se esforçam para conceituar o desenvolvimento sustentável e
para propor um consenso a respeito do termo. Contudo, essas tentati‐
109
vas têm esbarrado em entraves de ordem política e econômica, pois a
definição de desenvolvimento sustentável mais amplamente aceita é a
do Relatório Brundtland.
Portanto, um dos limites está na própria forma em que a economia é
projetada, pois, caso se considere que as gerações futuras deverão ter
as mesmas dificuldades ou até mesmo mais necessidades que as atuais,
isso se torna um problema. Por isso, Veiga8 insiste que na ideia de
crescimento com qualidade e não quantidade. Nesse sentido é que a
própria noção de desenvolvimento sustentável deve incluir uma preo‐
cupação com a economia, porém sem ser dominada por uma razão
instrumental, ou, como afirma Almeida, sem que se permita uma ex‐
pansão desmesurada da esfera econômica. O desenvolvimento deve
ser pensado, acima de tudo, a partir de uma diversidade democrática,
para o autor, aliado às ideias de liberdade e participação de Sen.
Essa diversidade democrática não será possível sem que uma variável
seja incluída e transformada num elemento central da discussão: a
diversidade cultural. Mas uma diversidade cultural que não signifique
a incompatibilidade de ideias e o solapamento do diálogo; ao contrá‐
rio, como propõe Veiga9, o desenvolvimento sustentável não se reali‐
zará sem que exista a UNIDADE NA DIVERSIDADE, que ele mesmo
considera que talvez seja o mais difícil objetivo a ser alcançado. Nesse
ponto, Veiga10 assume que ações que favoreçam atitudes de coopera‐
ção e competição não‐violenta entre distintas tradições culturais serão
fundamentais para o futuro, bem como uma atitude ética de responsa‐
bilidade e coexistência com todos os organismos que compartilham a
biosfera com o ser humano.
Do mesmo modo, é preciso atentar‐se para o fato de que é diferente
medir desenvolvimento sustentável e sustentabilidade ambiental.
110
Como já visto aqui, o desenvolvimento sustentável incorpora não
apenas o meio ambiente, mas, em conjunto, os aspectos sociais, políti‐
co‐institucionais, culturais e econômicos; portanto, é razoável supor
que um indicador de desenvolvimento sustentável deva incluir esse rol
variado de dimensões. Em ambos os casos, de acordo com Tayra e
Ribeiro11, as principais experiências desenvolvidas são classificadas em
dois tipos: os sistemas de indicadores, que mantêm esses indicadores
separados, e os indicadores síntese, que fornecem um número para
agrupar as diferentes dimensões.
111
Responsabilidade Participação em esforços multilaterais, redução de
global “transbordamentos”, emissão de gases, efeito estufa.
Fonte: Veiga, 2006, p. 177.
O quadro demonstrado anteriormente mostra que, mesmo procurando
fornecer um indicador de sustentabilidade ambiental, os autores inclu‐
íram dimensões e indicadores sociais, tais como níveis de consumo e
desperdício, capacidade de debate, resposta do setor privado, partici‐
pação nos esforços globais de redução da deterioração ambiental. Isso
demonstra que se, por um lado, é difícil a construção de um índice de
desenvolvimento sustentável (pois é uma tarefa complexa agrupar
variáveis muito distintas e sintetizar os resultados), por outro, também
é difícil falar em sustentabilidade ambiental sem levar em conta pro‐
blemas como a pobreza, carência de participação social, pressão demo‐
gráfica e outros indicadores sociais e econômicos.
Mas é interessante perceber que esse índice de sustentabilidade ambi‐
ental incorpora uma série de indicadores e variáveis específicas sobre o
ambiente, algo que os índices de desenvolvimento geralmente não
fazem. Veiga compara o ESI‐2002 com o DNA‐Brasil, visto no capítulo
6, cuja dimensão ambiental é irrisória, comportando apenas dados de
instalação e tratamento de esgoto e lixo. Para Veiga, esses três indica‐
dores dariam, no máximo, uma situação das condições de saneamento,
pois nada dizem sobre atmosfera, mares e rios, solos e biodiversidade.
Algumas críticas feitas ao ESI‐2002 afirmam que o índice mistura vari‐
áveis‐causa com variáveis‐efeito, criando uma confusão entre causas e
consequências. Do mesmo modo, o ESI‐2002 incorre no mesmo erro do
IDH, ao gerar tabelas de ranking para países. Tayra e Ribeiro14 susten‐
tam que esse índice não pondera entre as variáveis, ou seja, considera
poluição do ar e qualidade dos solos do mesmo modo, além de que ele
pouco contribui para estimativas em longo prazo.
Quanto às iniciativas de constituir índices de desenvolvimento susten‐
tável, também existem importantes experiências. Lançado pela primei‐
ra vez em 2002, os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do
IBGE têm sido bastante relevantes para o acompanhamento da situa‐
p Para um maior aprofundamento sobre as construções de índices, acessar o site: <http://www.iisd.org>
112
ção ambiental, social e econômica do país, pois o Instituto atualiza os
dados ao longo dos anos. A última versão é do ano de 2008, e se encon‐
tra disponível no site do IBGE.
113
mortalidade infantil; desnutrição;
imunização contra doenças
infecciosas infantis; serviços de
saúde; doenças relacionadas ao
saneamento ambiental inadequado;
Taxa de escolarização e de
Educação
alfabetização; escolaridade;
Habitação Adequação de moradia;
Coeficiente de mortalidade: por
Segurança homicídios e por acidentes de
transporte;
PIB per capita; taxa de investimento;
Quadro
balança comercial; grau de
econômico
endividamento;
Consumo de energia per capita;
intensidade energética; fontes
Econômica
Padrões de renováveis na oferta de energia;
produção e consumo mineral per capita; vida
consumo útil das reservas minerais;
reciclagem; coleta seletiva de lixo,
rejeitos radioativos;
Quadro Ratificação de acordos globais;
institucional existência de conselhos municipais;
Gasto com pesquisa &
Institucional desenvolvimento; gasto público com
Capacidade
proteção ao meio ambiente; acesso
institucional
aos serviços de telefonia; acesso à
internet.
Fonte: IBGE, 2008, p. 4‐6.
O Quadro 5, anteriormente exposto, mostra uma longa lista de compo‐
nentes e, para cada um, há um conjunto de variáveis. O IBGE optou
por não sintetizar os indicadores num índice síntese, haja vista a varie‐
dade de componentes e a dificuldade de combinar as variáveis.
É preciso perceber que esses indicadores não são consenso entre os
pesquisadores. Vale a pena destacar alguns exemplos: na dimensão
ambiental, no componente‐oceanos, mares e áreas costeiras, há uma
variável chamada de população residente em áreas costeiras. Ora, o que
isso diz a respeito de sustentabilidade? Será que a importância de
existir uma população nessa área não depende de que área seja? Na
dimensão social, no componente habitação, o que são condições ade‐
quadas de moradia? E, por fim, na dimensão institucional, ambos os
componentes mostram poucas variáveis. É difícil de comparar a situa‐
ção dessa dimensão com outra dimensão que o IBGE elencou em uma
gama maior de variáveis.
114
Ainda assim, o documento do IBGE representa um avanço tremendo
para a avaliação das condições sociais, econômicas e ambientais do
Brasil, resultado de um esforço para buscar dados diversos que con‐
templem criativamente as diferentes dimensões.
No entanto, o caso é que esses indicadores de desenvolvimento susten‐
tável ou de sustentabilidade ambiental aqui relacionados mostram
resultados muito gerais, usualmente construídos pensando em forne‐
cer a situação de um ou mais países. São necessários indicadores que
deem conta das dinâmicas territoriais e municipais no que diz respeito
à sustentabilidade. Embora a dimensão ambiental seja reduzida, tanto
o DNA‐Brasil quanto o Índice de Desenvolvimento Sustentável da
equipe do PGDR/UFRGS, apresentados no capítulo 6, são ferramentas
úteis. Com elas, é possível buscar informações disponíveis nas fontes
de dados usuais (IBGE, Ipeadata e outros) e caracterizar municípios e
territórios, oferecendo um panorama do desenvolvimento sustentável.
Para enriquecer essas ferramentas de mensuração em âmbito local, é
possível procurar incorporar variáveis incluídas nos Indicadores de
Desenvolvimento Sustentável do IBGE ou mesmo no ESI‐2002, desde
que os dados estejam disponíveis ou que seja possível coletá‐los por
meio de pesquisas.
Ponto final
A noção de desenvolvimento passou por uma reformulação quando se
sentiu a necessidade de incorporar a dimensão ambiental na sua defi‐
nição. Essa necessidade surge da constatação de que os recursos natu‐
rais vinham sendo agredidos de forma intensa e prejudicial para a vida
na Terra. Desde as primeiras formulações da ideia de desenvolvimento
sustentável, o grande debate consiste em como conciliar crescimento
econômico, preservação ambiental e inclusão social, três objetivos
difíceis de serem atingidos.
115
Indicações culturais
GUERRA, Lemuel Dourado et al. Ecologia política da construção da
crise ambiental global e do modelo do desenvolvimento sustentável.
Interações. Revista Internacional de Desenvolvimento Local. v. 8, n. 1, p.
9‐25, mar. 2007.
VEIGA, José Eli da. Como pode ser medida a sustentabilidade. In:
VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio para o século
XXI. 2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. p. 173‐184.
O texto de Lemuel Guerra traça um panorama sobre a crise ambiental
global e traz diretrizes para pesquisas na área ambiental, enfatizando o
papel das ciências sociais. O documento do IBGE aqui indicado apre‐
senta os indicadores de desenvolvimento sustentável do Brasil para o
ano de 2008, contendo explicações das variáveis e dimensões, comen‐
tários, justificativas e vários dados. A terceira indicação é um capítulo
da obra de José Eli da Veiga, aqui citada constantemente, na qual ele
mostra formas atuais de mensuração da sustentabilidade.
Atividades
1) Que conflitos de ideias existem entre os cinco pilares do desenvol‐
vimento sustentável propostos por Ignacy Sachs (2004) e a propo‐
sição, por parte de alguns autores, de que o tema do desenvolvi‐
mento sustentável deva ser conduzido pelos pressupostos das ci‐
ências econômicas?
2) Conforme Amartya Sen (2000), o desenvolvimento é um processo
de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. Quais
os dilemas e as possíveis alternativas para conciliar essa visão so‐
bre o desenvolvimento sem que o meio ambiente e as gerações fu‐
turas sejam fortemente prejudicados?
3) Com base nos indicadores de desenvolvimento sustentável ESI‐
2002 e do IBGE 2008, que dimensões e variáveis poderiam ser uti‐
lizadas para se construir um indicador de desenvolvimento sus‐
tentável do seu município? Que outros indicadores seriam impor‐
tantes de serem incluídos? Justifique o seu uso, informe como você
o mediria, mostre se ele é um indicador positivou ou negativo.
10
DIRETRIZES PARA PROJETOS
DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Como o Estado perde, em parte, sua posição de ente principal na con‐
dução das iniciativas de desenvolvimento, uma forma de expressão
desse novo protagonismo tem sido concretizada por meio de projetos
sociais. Tem crescido, nos últimos anos, o número de organizações
sociais que realizam suas ações e obtêm recursos por meio de projetos
e, ao mesmo tempo, os programas institucionais que os financiam. Um
detalhe é perceptível: devido ao fato dos recursos serem disputados, o
nível de exigência com relação à qualidade do projeto e da ação social
é bem maior que nas décadas passadas. Disso advém a importância
dos técnicos responsáveis estudarem as formas de elaborar, gerenciar e
avaliar os projetos.
Nesse sentido, este capítulo visa conduzir o leitor ao tema da elabora‐
ção de projetos sociais de desenvolvimento sustentável. Faz‐se neces‐
sário reconhecer que, aqui, o leitor encontrará somente uma introdu‐
ção ao tema, uma vez que o assunto é amplo e possui uma grande
diversidade nas formas em que se apresenta. Mas, de um modo geral,
pode‐se dizer que o marco para a elaboração de projetos sociais tem
117
uma estrutura em torno da qual existe um certo consenso. Para um
aprofundamento do tema, sugerimos as obras de Armani e Peter Pfeif‐
fer que constam nas referências.
Quando se trabalha com projetos sociais de desenvolvimento, uma das
diretrizes fundamentais é a praticidade. Isso não significa que a dis‐
cussão sobre as opções teóricas não ocorra, mas que os projetos de‐
mandam objetividade e facilidade de entendimento. Por essa razão, as
definições devem ser claras.
Para Armani3, projeto social é “uma ação social planejada, estruturada
em objetivos, resultados e atividades baseados em uma quantidade
limitada de recursos (humanos, materiais e financeiros) e de tempo”.
Por isso, o projeto não deve ser isolado. Em junho de 2008, por exem‐
plo, foi lançado o Plano Safra Mais Alimentos, pelo Ministério do De‐
senvolvimento Agrário (MDA). O Plano Safra Mais Alimentos é um
programa que visa reforçar a oferta de alimentos do Brasil diante do
encarecimento dos produtos alimentícios. Dado que a agricultura
familiar responde por 70% dos alimentos que chegam à mesa da famí‐
lia brasileira, esse plano foi lançado para que esse segmento social
possa ter acesso a créditos especiais, tendo por finalidade obter ativos
(maquinarias) para dinamizar a produção.
118
Atualmente, muitas organizações estão elaborando projetos específicos
diante dessa oportunidade para os segmentos rurais. Somente para
citar um exemplo, algumas organizações estão elaborando projetos
sociais que visam a participação de pequenos agricultores em cursos
de capacitação para a elaboração de projetos de investimentos (instru‐
mento imprescindível para o acesso ao crédito) para que, dessa forma,
os produtores tenham acesso ao crédito conforme as suas necessidades
de produção.
De acordo com Pfeiffer5, um projeto que visa o desenvolvimento deve
almejar mudar uma determinada situação, na qual se encontram mui‐
tos problemas, para outra situação em que esses problemas diminuam
sensivelmente. Os projetos de desenvolvimento visam não apenas
produzir algo tangível, mas, especialmente, promover transformações
intangíveis e significativas.
Armani6 mostra que há seis vantagens em se atuar por meio de proje‐
tos sociais:
a. Ações objetivas, bem definidas e gerenciadas de forma participati‐
va têm maiores chances de eficácia.
c. As ações por meio de projetos que conseguem resultados a baixos
custos geram confiança por parte da sociedade, isto é, os projetos
adquirem credibilidade.
d. A reflexão coletiva sobre a experiência é essencial, o que possibili‐
ta que o conhecimento seja gerado coletivamente e que ele seja uti‐
lizado para outras experiências.
e. Ações planejadas favorecem a participação dos envolvidos, sobre‐
tudo dos beneficiados; surge, assim, a possibilidade de inclusão
daqueles que quase sempre são excluídos.
No entanto, Armani também cita os limites de se trabalhar por meio de
projetos: dificuldade de intervenções em temas complexos, certa rigi‐
119
dez que os projetos assumem, limitações de ordem temporal e finan‐
ceira etc.
O objeto da cooperativa é garantir uma moradia digna aos seus associ‐
ados. No entanto, percebeu‐se que, em alguns Estados de atuação, as
matérias‐primas eram inacessíveis para muitas famílias e precisava‐se
de técnicas de construção que minimizassem o uso de materiais caros.
O uso de técnicas baseadas na bioarquitetura representou uma respos‐
ta diante dessa situação. Ao mesmo tempo, com as primeiras capacita‐
ções, surgiu uma demanda de se aprender essas técnicas na região.
Nesse sentido, o projeto objetivou ações de capacitação sobre essas
técnicas para a construção de moradias para esse público.
No entanto, a fase entre a demanda e o projeto em si envolve uma série
de passos que devem ser minuciosamente estudados. É importante
considerar que os projetos podem contribuir para o enfrentamento dos
problemas sociais, mas não podem solucioná‐los por si só. Os projetos
podem contribuir em vários aspectos, porém se precisa igualmente de
políticas públicas adequadas, com recursos suficientes.
Todo projeto social passa por um ciclo que compreende diferentes
fases: identificação, elaboração, aprovação, implementa‐
ção/monitoramento, avaliação (e replanejamento, se for o caso), do
modo como está disposto na Figura 2, a seguir:
120
Figura 2 − Ciclo de um projeto
Fonte: Armani, 2001, p. 30.
Armani chama a atenção para o fato de que a elaboração nunca cessa,
ela permanece durante as outras fases e é importante para reformula‐
ções em curso. O mesmo ocorre com a avaliação, que geralmente se dá
no fim do projeto, mas os envolvidos precisam estar atentos para sem‐
pre avaliarem o andamento e monitorarem as ações. O esquema que
segue é baseado em Armani e Pfeiffer7.
Identificação
São três os elementos principais da fase de identificação:
a. A oportunidade de intervenção: aqui é essencial que seja identifi‐
cada a oportunidade, que pode surgir de avaliações anteriores ou
projetos existentes ou por delegação de instâncias superiores. Nes‐
se momento, devem ser delineadas hipóteses explicativas sobre os
problemas em questão e avaliado o potencial de sensibilização dos
atores sociais a serem mobilizados para o projeto.
Algumas perguntas‐chaves podem ajudar:
Exame de sustentabilidade política (Haverá apoio das lideranças,
dos parceiros?);
121
Exame de sustentabilidade financeira (De quantos precisaríamos?
Teríamos contrapartida?).
O diagnóstico do problema: depois da formulação de um conjunto de
hipóteses básicas, recorre‐se efetivamente ao diagnóstico da situação.
Deve‐se realizar a busca de dados e informações que caracterizem a
situação e os envolvidos, procurar entender as dinâmicas sociais, cul‐
turais, econômicas e políticas que explicam a situação, além de obser‐
var as questões ambientais concernentes ao problema. Realizar uma
avaliação das percepções e expectativas dos potenciais beneficiários e
dos atores envolvidos efetivamente no processo. Recorrer à bibliogra‐
fia sobre o tema.
Armani mostra que um dos pontos mais importantes dessa fase é a
identificação dos problemas centrais, buscando suas causas diretas e
essenciais, depois passando às consequências correspondentes. Isso
significa ter objetividade e ir direto ao ponto.
Elaboração
Nessa fase, formulam‐se os objetivos gerais e específicos do projeto. O
primeiro passo é definir o objetivo geral, cuja característica é apresen‐
tar sob que perspectiva o projeto será desenvolvido. Ele expressa os
efeitos mais amplos do projeto, os impactos que ocorrerão mesmo fora
do alcance direto dos beneficiários, como, por exemplo, reduzir a po‐
breza no território melhorando o aproveitamento de materiais recicla‐
dos. Os objetivos específicos dizem respeito aos impactos diretos nos
beneficiários do projeto que, com base no exemplo acima, poderia se
possibilitar que os moradores de rua obtenham ocupação e rendimento
utilizando materiais recicláveis que se encontram disponíveis no terri‐
tório. Uma dica importante: é essencial a participação do profissional
que irá gerenciar o projeto nessa fase. Pela sua experiência, essa pessoa
122
poderá colaborar de forma que não se coloquem metas inviáveis (fora
da realidade) no projeto.
Nessa fase são planejados os resultados imediatos e de médio prazo a
serem alcançados; eles são as situações concretas a serem atingidas
pelo projeto, com base nas ações e atividades. Depois, estas são elabo‐
radas. As atividades e ações devem ser capazes de satisfazer as metas e
resultados propostos. Logo após, é feita a análise lógica da intervenção,
isto é, a possibilidade de se atingir as ações‐chave com as atividades
listadas, bem como o exame da viabilidade de se chegar aos resultados
e objetivos esperados. Aqui, é preciso verificar se cada ação correspon‐
de a um conjunto de atividades e se cada atividade está em consonân‐
cia com os objetivos e metas do projeto, ou seja, é a checagem da con‐
sistência.
Uma estratégia importante para ordenar de forma lógica os principais
elementos estratégicos para ser executados e monitorados é o Marco
Lógico. O Marco Lógico consiste em um instrumento que permite
ordenar em forma de matriz aqueles elementos importantes que de‐
vem ser atingidos durante a implementação do projeto.
No Marco Lógico, a primeira coluna deve incluir o objetivo geral, obje‐
tivo do projeto, os resultados e as atividades. Também nessa fase iden‐
tificam‐se os fatores de risco do projeto. Esses fatores devem estar
sempre presentes, pois são fundamentais para prevenir problemas.
Nos projetos de desenvolvimento sustentável que envolvam a agricul‐
tura, é necessário observar os fatores climáticos, por exemplo. Naque‐
les que envolvam novas formas de saneamento básico, deve‐se pressu‐
por que fatores políticos e econômicos podem afetar a iniciativa.
Ainda nesse momento de elaboração do projeto, devem ser definidos
os indicadores para o monitoramento e avaliação (elementos que pos‐
sam dizer, no futuro, como o projeto está sendo implementado e quais
resultados estão sendo alcançados). Aqui, é preciso que os indicadores
possam dizer sobre o andamento do projeto. Portanto, se o projeto visa
redução da pobreza, os indicadores devem dizer algo sobre o aumento
das liberdades das pessoas, aumento das rendas, melhoramento dos
níveis de consumo etc. Se o projeto tem por objetivo a participação
social, é preciso medi‐la em percentual de participação das pessoas em
conselhos ou outras entidades, índice de sindicalização dos trabalha‐
dores, quantidade de organizações na comunidade etc. Portanto, é
razoável combinar mais de um indicador para que seja possível moni‐
torar as ações do projeto.
123
Armani9 mostra que, no Marco Lógico, haverá quatro tipos de indica‐
dores: de impacto (para o objetivo geral), de efetividade (para objetivos
específicos), de desempenho (para os resultados) e operacionais (para
atividades e recursos).
Indicadores de efetividade mostram as mudanças mais gerais, tais
como na qualidade de vida dos envolvidos, nos seus comporta‐
mentos. Eles têm o objetivo de demonstrar se os objetivos do pro‐
jeto foram atendidos.
Os indicadores de desempenho informam se os resultados imedia‐
tos foram atingidos. Eles especificam quais situações é preciso ge‐
rar para satisfazer os efeitos esperados.
Além do Marco Lógico, como será visto no Quadro 6, a seguir, aqui
será fundamental elaborar o orçamento do projeto e o plano operacio‐
nal, dois instrumentos que, por sua importância para a implementação
e o monitoramento, serão apresentados mais adiante.
INDICADORES
FONTES SUPOSIÇÕES
OBJETIVAMENTE
DE COMPROVAÇÃO IMPORTANTES
COMPROVADOS
Objetivo geral:
promover ‐ A existência de
‐ Aumento da
competitividade ‐ Relatórios de políticas de
renda anual de
da Cooperativa vendas mensais desenvolvimento
cada família
de Produção da da Cooperativa. rural por parte do
associada.
Agricultura Governo Federal.
Familiar‐PR.
‐ Pelo menos ‐ O Governo
Objetivo do
três produtos ‐ Visitas técnicas Federal está
projeto: ampliar
diferentes de apoiando as
o portfolio de
cultivados por acompanhamento iniciativas de
ingressos do
unidade de das unidades de diversificação por
agricultor
produção produção familiar. meio da
familiar.
familiar. Secretaria da
124
Agricultura
Familiar − SAF.
‐ Existência de
‐ Relatórios demanda de
Resultados ‐ Regularização
mensais das mercado;
almejados: da renda mensal
visitas técnicas de ‐ Existência do
vendas regulares média das
acompanhamento programa de
durante o ano famílias
das unidades de aquisição de
todo. associadas.
produção familiar. alimentos pelo
Governo.
‐ Assistência de
pelo menos 95%
Atividades do total de ‐ Possibilidades
‐ Relatórios dos
efetivadas: ações horas teóricas de realizar
técnicos ATER
de capacitação realizadas. parcerias com as
(Assistência
em assistência ‐ Assistência de instituições que
Técnica e
técnica e pelo menos 95% oferecem serviços
Extensão Rural).
extensão rural. do total de ATER no Estado.
horas práticas
realizadas.
Após a realização da elaboração do projeto, deve‐se submetê‐lo às
instituições financiadoras e aguardar que este seja aprovado. Para tal, a
redação deve ser clara, estruturada e objetiva.
Redação do projeto
Quando o diagnóstico, a elaboração e os instrumentos (o Marco Lógi‐
co, junto ao orçamento e ao plano operacional, a serem apresentados
mais adiante) estiverem prontos, redige‐se o projeto para submetê‐lo a
uma organização ou entidade que possa financiá‐lo. Armani10 afirma
que os itens de um projeto são geralmente os seguintes: abertura (ca‐
pa), contexto (antecedentes e justificativas), intervenção (objetivos
geral e específico, resultados, atividades, metodologia e fatores de
risco), programação (recursos humanos, materiais e cronograma),
viabilidade (política, técnica, econômica, ambiental, cultural e institu‐
cional), sistemas de monitoramento e avaliação (indicadores, organiza‐
ção e procedimento, revisões e avaliações) e orçamento (com a propos‐
ta de financiamento), anexos (Marco Lógico, Plano Operacional, diag‐
nóstico, informações adicionais sobre os proponentes).
125
Aprovação
Essa também pode ser considerada uma fase, pois a aprovação dos
recursos é essencial para a implantação do projeto. Armani11 sugere
que o projeto só tenha início quando houver certeza da aprovação dos
recursos financeiros. Assim sendo, inicia‐se propriamente a fase de
implementação e gerenciamento.
Implementação e gerenciamento
Existem outros fatores importantes para o gerenciamento: controle da
equipe, encontrar no andamento uma forma de reflexão e aprendiza‐
do, conceder espaço para autonomia da equipe e dos membros.
Recorde‐se que é ainda na elaboração do projeto que se deve estipular
como será o monitoramento e a avaliação, ou seja, o gerenciamento;
portanto, esse planejamento é anterior à implementação. O bom geren‐
ciamento de um projeto de desenvolvimento conta com a antecipada
definição de atividades e responsabilidades, a organização do fluxo de
informações e com a constante procedência em prol da transparência.
O instrumento vital para atingir essa finalidade é o orçamento.
126
a. Orçamento: A transparência no uso dos recursos é vital para o
projeto; a formulação de planilhas com atividades, ações e custos
discriminados se faz necessária não apenas com o objetivo de ga‐
rantir transparência, mas para o próprio controle da execução e
gestão do projeto. O orçamento desenvolvido pela organização
proponente e já aprovado pela organização concedente é de suma
importância para observar que as despesas relacionadas às ativi‐
dades propostas não podem ultrapassar o orçamento estipulado.
O orçamento apresenta as despesas com relação aos recursos hu‐
manos, materiais e financeiros que serão utilizados ao longo do
prazo do projeto. O Quadro 7, na página seguinte, mostra em de‐
talhes um exemplo de orçamento de projeto social de desenvolvi‐
mento.
Ação Prioritária QUALIFICAÇÃO TÉCNICOS
META 1
ATIVIDADES
DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES INDICADORES FÍSICOS CUSTOS (R$ 1,00)
DIS CRIMINAÇÃO DA PERÍODO DE
ITEM
ATIVIDADE EXECUÇÃO EXECUTOR Localização Duraç ão Unidade Quant. Públic o Quant Unitário Total
OFICINAS DE QUALIFICAÇÃO Janeiro de Porto Alegre, Caxias,
1.1
S OBRE O CRÉDITO POPULAR 2009 Proponente Veranópolis 9 dias Oficinas 3 Téc nic os 70 694,29 48.600,00
S ub‐ Valor
item Discriminaç ão das despesas Unid. Quant. Unitário Proponente Concedente Total
Observe que no Quadro 8, posteriormente exposto, há a discriminação
de um conjunto de atividades, relacionadas aos seus prazos, os produ‐
tos que tais atividades devem gerar, os recursos para cada uma delas e,
na última coluna, a entidade responsável pela sua execução. Assim, o
projeto fica detalhado no plano operacional desde seu começo até a
última atividade. Após sua execução, o projeto será avaliado.
Avaliação
A avaliação pode ser feita ao longo do projeto ou no seu fim. É
usual que os envolvidos no projeto façam avaliações periódicas mesmo
durante a implementação, geralmente após um certo período de tem‐
po. A avaliação final distingue‐se do monitoramento, entretanto, por‐
que o período avaliado é maior e os impactos são mais visíveis, e é
comum se recorrer a avaliadores externos. Caso o projeto venha a ser
continuado (com novos recursos ou prorrogação para o uso dos recur‐
sos não‐gastos), é comum um replanejamento do mesmo.
Replanejamento
Essa fase ocorre apenas se o projeto continua depois da avaliação.
Por isso, é importante replanejar, verificar novos objetivos, utilizar a
experiência anterior, reavaliar os riscos. Entra‐se, desse modo, na
129
mesma sequência de fases apresentadas anteriormente. A diferença é o
acúmulo de experiência dos participantes e os novos objetivos a serem
atingidos. Isso terá por consequência a reformulação dos instrumentos
principais de elaboração, execução e monitoramento.
Quadro 8 − Plano Operacional: Construção de moradias em assentamentos de
reforma agrária
(continua)
130
(Quadro 8 ‐ Conclusão)
Ponto final
Este capítulo teve como objetivo central introduzir os passos prin‐
cipais na elaboração, execução e avaliação de projetos sociais de de‐
senvolvimento sustentável. Os diversos exemplos apresentados são
importantes para que o leitor observe na prática como a elaboração de
um projeto é feita e como são utilizados alguns dos instrumentos usu‐
131
ais na sua condução. É preciso que fique claro que este capítulo final
tem uma função prática, mas ele não pode ser separado da discussão
teórica e normativa sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade.
Todo projeto social traz uma concepção sobre o desenvolvimento e,
mesmo que essa concepção não seja colocada em debate na execução e
na gestão do projeto, ela é fundamental para sua elaboração, para a
justificativa das ações e na avaliação final, aspectos que terão conse‐
quências nos efeitos propriamente sociais e ambientais do projeto.
Indicações culturais
BROSE, Markus. O marco lógico: instrumento de gestão e comunica‐
ção. In: BROSE, Markus (Org.). Metodologia participativa: uma introdu‐
ção a 29 instrumentos. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2001. p. 279‐286.
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<http://www.acicate.com.br/portas/portas2.html>. Acesso em: 25 set.
2008.
A primeira indicação é relativa ao instrumento chamado Marco Lógico.
Nessa publicação, organizada por Markus Brose, também se encon‐
tram outras diversas ferramentas comentadas e trabalhos sobre dife‐
rentes técnicas de condução e elaboração de projetos sociais de modo
participativo. A segunda indicação é a publicação de junho de 2008 da
revista eletrônica Portas, que dedica esse número ao tema da avaliação
de projetos e programas sociais.
Atividades
1. Reflita sobre o conceito de projeto social de Domingos Armani e
relacione‐o ao tema da sustentabilidade.
2. Qual o papel de um bom diagnóstico da situação para a elabo‐
ração de um projeto social?
3. Elabore um projeto de desenvolvimento sustentável (apenas
como exercício) baseado em um problema social de seu muni‐
cípio. Pense no modo como você faria o levantamento dos da‐
dos, a identificação dos problemas essenciais e o diagnóstico.
Reflita sobre as formas de monitoramento e avaliação; escolha
ferramentas para o acompanhamento, os tipos de parcerias pos‐
síveis e as contrapartidas. Redija‐o.
Capítulo 1 7 CONTERATO, 2004, p. 80.
1 VEIGA, 2006. 8 NAVARRO, 2001, p. 84.
2 SACHS, 2004. 9 NAVARRO, 2001.
3 SACHS, 2004, p. 71. 10 KAY, 2004.
4 SACHS, 2004, p. 117. 11 LARRAIN, 1996.
5 VEIGA, 1998. 12 KAY, 2004.
6 VEIGA, 2006, 81. 13 LARRAIN, 1996, p. 478.
7 VEIGA, 2006, p. 31. 14 KAY, 2004, p. 5.
8 VEIGA, 2006, p. 56. 15 BERNSTEIN, 1996, p. 198.
9 VEIGA, 2006, p. 55. 16 KAY, 2004.
10 NAVARRO, 2001. 17 LARRAIN, 1996.
11 SCHNEIDER, 2004. 18 KAY, 2004, p. 7.
12 HERMET, 2002. 19 SOUZA, 2005.
13 SCHNEIDER, 2004, p. 89. 20 SOUZA, 2005, p. 157.
14 SEN, 2000. 21 KAY, 2004.
15 SACHS, 2004, p. 39. 22 KAY, 2004.
16 VEIGA, 2006. 23 SOUZA, 2005, p. 158.
17 ARBIX; ZILBOVICIUS, 2001, p. 65. 24 SOUZA, 2005, p. 159.
18 SACHS, 2004, p. 13. 25 KAY, 2004.
19 VEIGA, 2006. 26 MERQUIOR, 1996.
20 VEIGA, 2006, p. 80‐81. 27 MERQUIOR, 1996.
28 MERQUIOR, 1996, p. 187.
Capítulo 2 29 CARDOSO; FALETTO, 2000, p. 24.
1 SOUZA, 2005, p. 156.
2 HERMET, 2002. Capítulo 3
3 ABRAMOVAY, 1998. 1 BRUM, 1997.
4 HARVEY, 2006. 2 BRUM, 1997.
5 HERMET, 2002, p. 33. 3 RANGEL, 2000.
6 HERMET, 2002. 4 OLIVEIRA, 1972.
133
5 SOUZA, 2005, p. 170. 11 SILVA, 1999; schneider, 2003.
6 SOUZA, 2005, p. 171. 12 SCHNEIDER, 2003, p. 100.
7 COMIN, 2001, p. 227‐228. 13 RÜCKERT, 2004.
8 FURTADO, 2000. 14 SCHNEIDER, 2004.
9 COMIN, 2001. 15 RÜCKERT, 2004, p. 150.
10 BRUM, 1997. 16 RÜCKERT, 2004, p. 151.
11 BRUM, 1997.
12 SOUZA, 2005, p. 166. Capítulo 6
19 VEIGA, 2006, p. 99.
Capítulo 5
1 MCLUHAN, 1972. Capítulo 7
2 SAHLINS, 1997. 1 SALLUM JR., 2001, p. 312.
3 LOCKE, 1994. 2 SALLUM JR., 2001, p. 321.
4 ABRAMOVAY, 2004. 3 SALLUM JR., 2001, p. 333.
5 HAYEK, 1990. 4 SALLUM JR., 2001, p 340.
6 RADOMSKY, 2006. 5 BAQUERO, 2001, p. 32.
7 SCHNEIDER, 2004, p. 91. 6 BAQUERO, 2001, p. 33.
8 Saboia, 2001, p. 9. 7 RADOMSKY; PAREDES PEÑAFIEL, 2007.
9 Saboia, 2001, p. 13. 8 RADOMSKY, 2006.
10 Saboia, 2001, p. 36. 9 BARNES, 1987, p. 167.
134
10 SCHERER‐WARREN, 2005; MARQUES, Capítulo 9
2006; MÜLLER, 2007.
1 TAYRA; RIBEIRO, 2006.
11 SCHERER‐WARREN, 2005, p. 39.
2 ALMEIDA, 1997.
12 GRÜNEWALD, 2003, p. 51.
3 VEIGA, 2006.
13 GRÜNEWALD, 2003, p. 52.
4 ALMEIDA, 1997.
14 LITTLE, 2002.
5 VEIGA, 2006, p. 146.
15 PRÁ, 2001, p. 173.
6 SACHS, 2004, p. 15.
16 NAVARRO, 2001.
7 ALMEIDA, 1997.
17 BUARQUE, 1999, p. 9.
8 VEIGA, 2006.
18 NAVARRO, 2001, p. 90.
9 VEIGA, 2006.
19 SCHNEIDER, 2004, p. 102.
10 VEIGA, 2006.
20 NAVARRO, 2001.
11 TAYRA; RIBEIRO, 2006, p. 87.
21 NAVARRO, 2001, p. 85.
12 VEIGA, 2006.
22 NAVARRO, 2001, p. 86.
13 VEIGA, 2006, p. 175.
23 NAVARRO, 2001, p. 88.
14 TAYRA; RIBEIRO, 2006.
24 SCHNEIDER, 2004, p. 99.
15 TAYRA; RIBEIRO, 2006.
Capítulo 8
Capítulo 10
1 JAMESON, 2002.
1 ARMANI, 2001, p. 14.
2 VEIGA, 2006, p. 145.
2 PFEIFFER, 2005.
3 BENTON, 1996, p. 10.
3 ARMANI, 2001, p. 18.
4 BENTON, 1996.
4 PFEIFFER, 2005, p. 22.
5 ALMEIDA, 1997.
5 PFEIFFER, 2005, p. 21.
6 VEIGA, 2006, p. 115.
6 ARMANI, 2001, p. 19.
7 VEIGA, 2006.
7 ARMANI, 2001; PFEIFFER, 2005.
8 ALMEIDA, 1997.
8 ARMANI, 2001.
9 VEIGA, 2006.
9 ARMANI, 2001.
10 VEIGA, 2006, p. 166.
10 ARMANI, 2001.
11 CUNHA, 1999.
11 ARMANI, 2001.
12 ARMANI, 2001, p. 69.
13 ARMANI, 2001, p. 76.
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GABARITO
Capítulo 1
1. Ideias muito distintas vão aparecer nessa atividade. Pessoas com características sociais econômicas
diferentes apresentam diferentes respostas. Observe a importância disso para a análise sociológica.
2. O foco dessa atividade é um exame global do desenvolvimento, assim como as considerações
históricas e espaciais em que os processos ocorrem.
3. Essa atividade destaca a importância de um debate sobre a ética como condutora do pensamento na
formulação de estratégias. Embora a ética tenha sido comentada por último neste capítulo, ela deve
ser um aspecto presente desde o início da discussão no momento em que as estratégias de
desenvolvimento estão em questão.
Capítulo 2
1. Solicita‐se aqui um exame de relação entre um processo geral (modernização) e outro particular (a
introdução de técnicas modernas na agricultura); portanto, a análise dessa relação mostra, entre
outras coisas, como teorias podem influenciar decisões políticas.
2. A atividade tem como objetivo compreender os pontos comuns e de diferença entre duas teorias do
desenvolvimento. Há muitas semelhanças, mas também algumas diferenças importantes, sobretudo
no uso de conceitos e nas influências teóricas e disciplinares de cada um.
3. Como consequência da segunda atividade, a terceira é mais específica. Portanto, observe a
importância dos conceitos para teorias. Tratar países como subdesenvolvidos não é o mesmo que
analisar sua dependência, conceito que implica com mais acuidade a ideia de relacionalidade e
dominação.
Capítulo 3
1. A análise sociológica se torna mais complexa e completa quando se procuram entender processos
sociais como um todo. A crítica operou no sentido de compreender o capitalismo como um
processo que era mais avançado em certos setores, mas os outros setores eram funcionais à
economia capitalista nacional.
2. A importância dessa atividade é refletir sobre as estratégias de desenvolvimento que podem ser
deletérias para a sociedade em questão. O modelo “dependente‐associado” não deixou de se
converter em desenvolvimento, mas com custos sociais altos.
3. Basicamente, o crescimento econômico foi acompanhado de mecanismos políticos para evitar a
distribuição de riquezas. Esses mecanismos foram diversos, desde fatores que inibiam a
transferências de renda para classes mais baixas até políticas desenvolvimentistas que favoreceram
algumas regiões do Brasil.
Capítulo 4
1. A agricultura se modernizou, mas foi seletiva; favoreceu regiões, grupos sociais, cultivos específicos
para exportação e procurou dispensar a necessidade de uma reforma agrária.
2. O Brasil não é um país pobre, mas possui muitos pobres. O Brasil tem recursos e o padrão de
consumo das famílias que têm renda em torno da média é satisfatório. A distribuição de riquezas
no país é tão desigual que poucos (as classes altas) ficam com muita riqueza e muitos permanecem
com uma pequena parcela da renda.
3. Veja a importância de se saber o que a população pensa sobre o Brasil: se o país é pobre (tem
poucos recursos) ou é um país que possui muitos pobres. A opinião pública pode exercer
consequências diretas na formulação de políticas, tais como as elaboradas para a superação da
pobreza.
140
Capítulo 5
1. A globalização não ocorre da mesma maneira nas dimensões social, econômica, política e cultural.
Há maior fluxo nas dimensões econômica e da cultura, enquanto as pessoas são muitas vezes
impedidas de cruzar fronteiras e, mesmo com os acordos e disposições internacionais, a soberania
nacional ainda é um elemento fundamental do ponto de vista político.
2. As teorias recentes mostram que o território não é um suporte. O leitor deve observar que o
território possui profundidade histórica, laços sociais, materialidades econômicas e elementos
culturais que o constituem.
3. A importância dessa atividade é observar uma nova visão do Estado nos processos de
desenvolvimento, pois os atores territoriais não são passivos, são sujeitos que implementam ações e
podem construir parcerias com o Estado. O Estado tem cada vez mais o papel de gerar um
ambiente favorável ao desenvolvimento. Os sujeitos territoriais utilizam recursos ali presentes (mão
de obra, recursos econômicos, qualificação recursos ambientais, relações de confiança, redes de
reciprocidade, ambiente institucional com regras estáveis) para implementar iniciativas para o
desenvolvimento.
Capítulo 6
1. O desenvolvimento, para Sen, é um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas
desfrutam. Portanto, o desenvolvimento não é uma coleção de coisas, ou industrialização
combinada com modernização, ou seja ele não se mede pelo PIB ou PNB de um país ou pela renda
de uma população.
2. Funcionamentos significam coisas que as pessoas podem ser e fazer e vão desde os mais
elementares até outros mais sofisticados. Capacitações são condições ainda não executadas pelos
sujeitos, mas que são passíveis de serem realizadas. Ambos se vinculam com a perspectiva da
liberdade, vinculam o desenvolvimento com a capacidade de realização.
3. Nesse exercício, o leitor terá a chance de construir um índice hipotético para analisar um caso
qualquer. O importante é a reflexão sobre que indicadores a se utilizar e fundamentados numa
perspectiva sobre o que seja o desenvolvimento, o que eles dizem sobre a realidade.
Capítulo 7
1. Outros elementos e demandas sociais passam a fazer parte da arena de discussão do
desenvolvimento. Mudanças na sociedade e na atuação do Estado são essenciais para se
compreender os novos temas e enfoques sobre o desenvolvimento.
2. As duas iniciativas atuam diretamente nos problemas de desigualdade de gênero e de raça/etnia e
inspiram ações específicas para grupos sociais muitas vezes excluídos da maior parte das políticas
públicas.
3. Basicamente, ampliou‐se a noção, deixando de lado o foco produtivista e agrícola. A atenção é para
o espaço rural e suas múltiplas manifestações e atividades, comportando melhorias no uso dos
recursos naturais, na qualidade de vida, no bem‐estar das populações.
Capítulo 8
1. O ambientalismo surge em função das mudanças drásticas experimentadas no ambiente, sobretudo
depois da intensificação do processo de industrialização e urbanização que a expansão econômica
alimentou. As diversas críticas incidem, em geral, no modo de condução do crescimento econômico
desmesurado levado a cabo principalmente pelos países do Norte, o que acarreta inúmeras
consequências ambientais danosas.
2. O leitor deverá atentar‐se para o fato de que o conceito de desenvolvimento sustentável
apresentado no Relatório Brundtland, que, apesar de controverso, é o mais mencionado e aceito. É
considerado inovador para a época, mas inspirou muitas críticas quanto ao modo como considera
as pessoas tendo apenas necessidades e também quanto às imprecisões de certas definições.
3. Realize a pesquisa com vistas a compreender o grau de preocupação com o ambiente. Porém,
observe que aquilo que as pessoas entendem por ambiente e degradação, assim como
desenvolvimento e sustentabilidade, pode ser muito diverso.
Capítulo 9
1. A discussão que envolve essa questão é sobre o lugar da economia (e das ciências econômicas) na
condução dos processos de desenvolvimento. Sachs propõe pensar além da economia, mas
incluindo‐a. Outros autores mantêm o ponto de vista de que a economia seja a mais importante e
que dela devam derivar as ações programáticas e os pontos de vistas teóricos sobre o problema.
2. Se o desenvolvimento deverá rever suas premissas expansionistas, a expansão das liberdades reais
pode ficar comprometida tanto agora como no futuro. Veiga apresenta alguns modos possíveis de
conciliação, tais como pensar um crescimento econômico com qualidade, tecnologias cada vez
menos impactantes ao meio ambiente etc.
3. Essa atividade se justifica na medida em que é um modo de colocar em prática alguns dos
elementos vistos no capítulo. A importância é que o leitor possa fazer uma “leitura” da realidade do
141
desenvolvimento em seu município, utilizando dados sobre a (possível) sustentabilidade desse
processo.
Capítulo 10
1. Armani define projeto social como uma ação social planejada, estruturada em objetivos, resultados
e atividades baseados em uma quantidade limitada de recursos (humanos, materiais e financeiros) e
de tempo. Para que um projeto tenha sucesso, é preciso pensá‐lo em termos de sua sustentabilidade
de modo amplo. Contudo, mais especificamente relacionado à sustentabilidade ambiental, um
projeto deve ter como ponto de partida essa condição, para que todas as ações, atividades e
objetivos desse projeto não causem efeitos danosos ao ambiente.
2. Um diagnóstico deve ser embasado em pesquisa social. Apenas quando se conhece a realidade
social que se almeja transformar é que se podem estabelecer metas e objetivos com exatidão. Um
diagnóstico impreciso levará a ações pouco eficazes e trará pouca credibilidade ao projeto.
3. A importância desse exercício é que o leitor possa ensaiar uma elaboração de um projeto social de
desenvolvimento sustentável. É uma aproximação ao tema, mas necessita investimento de tempo e
seriedade para fazê‐lo. Pense no acúmulo de conhecimentos obtidos durante as leituras e aulas e
procure fundamentar o projeto nas concepções teóricas desenvolvidas. Esse exercício, embora seja
um ensaio, servirá como um aprendizado para trabalhos práticos futuros.