em humanidades? Diogo Quirim Doutorando do PPG-História da UFRGS Orientado pelo prof. Anderson Zalewski Vargas E-mail: diogoquirim@gmail.com O anacronismo é um equívoco a “Ora, no Ocidente, nos tornamos, ao longo dos tempos, os herdeiros de uma ser evitado ou alegoria que definiu as relações da Ciência e da sociedade: a da Caverna*, todas as contada por Platão em A República. (...) Deste mito, bem conhecido, não interpretações do queremos retirar senão as duas rupturas que permitirão dramatizar todas as virtudes que se poderiam esperar da Ciência. É a tirania do social, da vida passado são, em pública, da política, dos sentimentos subjetivos, da agitação vulgar, em suma da alguma medida, Caverna obscura, que a Filosofia — e mais tarde o Sábio — devem afastar de si, se quiserem aceder à verdade. Tal é, a partir deste mito, a primeira ruptura. anacrônicas? Não existe nenhuma continuidade possível entre o mundo dos humanos e o acesso às verdades “não feitas pela mão do homem”. A alegoria da Caverna Bruno Latour, nas permite criar, pelo mesmo gesto, uma certa idéia da Ciência e uma certa idéia passagens ao lado, do mundo social que vai lhe servir de ferramenta. Mas o mito propõe, interpreta a Alegoria da igualmente, uma segunda ruptura: o Sábio, uma vez equipado de leis não feitas Caverna de Platão, presente no início do pela mão do homem, que ele acaba de contemplar, posto que soube atirar-se ao Livro VII da República, inferno do mundo, pode voltar à Caverna a fim de pôr aí ordem, pelos através de termos como resultados indiscutíveis que farão cessar o falatório indefinido dos ignorantes. “ciência” e “sociedade”. Nenhuma continuidade mais lá, entre a antiga e irrefutável lei objetiva e a Estas denominações, se logorréia humana, muito humana, dos prisioneiros apegados às trevas e que não consideradas como sabem jamais como encerrar suas intermináveis disputas.” (LATOUR, 2004, p. objetos de reflexão de 27-28). um texto da Grécia do século IV a.C., dificilmente poderiam ser “No mito original, como se sabe, o Filósofo não chega, senão com as mais utilizadas pelos extremas dificuldades, a quebrar as cadeias que o prendiam ao mundo obscuro, historiadores sem amplas e então, ao preço de experiências esgotantes, ele retorna à Caverna, e seus aspas. Todavia, até antigos colegas detentos dão morte ao portador de boas novas. Ao longo dos mesmo o termo séculos, graças a Deus, a sorte do Filósofo, que se torna Sábio, foi bastante “filósofo”, usualmente melhorada... Importantes orçamentos, vastos laboratórios, imensas empresas, empregado para definir possantes equipamentos, permitem aos pesquisadores, hoje, ir e vir com toda Platão como intelectual, segurança do mundo social àquele das ideias, e destas à Caverna obscura à qual não está isento de eles vêm trazer a luz. A porta estreita se tornou uma larga avenida. Em vinte e polissemias e de cinco séculos, entretanto, uma única coisa não mudou um iota: a dupla ruptura policronias; afinal, a sua que a forma do mito, incessantemente repisado, consegue manter sempre tão filosofia pouco tem a ver radical. Este é o obstáculo que precisamos levantar, se desejarmos mudar os com academias, próprios termos pelos quais se define a vida política.” (LATOUR, 2004, p. 28- departamentos, pappers 29). e bancas, como a disciplina contemporânea. Afinal, é possível se relacionar, nas ciências humanas, Referências com a alteridade do passado sem dispersá-la LATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como fazer ciência n democracia. em nossas categorias Traduzido por Carlos Alberto Motta de Souza. Bauru: Edusc, 2004. contemporâneas?