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hambre

septiembre 2013

EZTETYKA DA FOME1
por Glauber Rocha (1965)

D ispensando a introdução informativa que se


transformou na característica geral das dis-
cussões sobre América Latina, prefiro situar as rea-
co. Para o observador europeu, os processos de
criação artística do mundo subsesenvolvido só o
interessam na medida que satisfazem sua nostalgia
ções entre nossa cultura e a cultura civilizada em do primitivismo, e este primitivismo se apresenta
termos menos reduzidos do que aqueles que, tam- híbrido, disfarçado sob tardias heranças do mundo
bém, caracterizam a análise do observador euro- civilizado, mal compreendidas porque impostas
peu. Assim, enquanto a América Latina lamenta pelo condicinamento colonialista.
suas misérias gerais, o interlocutor estrangeiro cul- A América Latina permanece colônia e o que dife-
tiva o sabor dessa miséria, não como sintoma trági- rencia o colonialismo de ontem do atual é apenas a
co, mas apenas como dado formal em seu campo forma mais aprimorada do colonizador: e além dos
de interesse. Nem o latino comunica sua verdadeira colonizadores de fato, as formas sutis daqueles que
miséria ao homem civilizado nem o homem civili- também sobre nós armam futuros botes. O proble-
zado compreende verdadeiramente a miséria do ma internacional da AL é ainda um caso de mudan-
latino. ça de colonizadores, sendo que uma libertação pos-
Eis – fundamentalmente – a situação das Artes no sível estará ainda por muito tempo em função de
Brasil diante do mundo: até hoje, somente mentiras uma nova dependência.
elaboradas da verdade (os exotismos formais que Este condicionamento econômico e político nos
vulgarizam problemas sociais) conseguiram se co- levou ao raquitismo filosófico e à impotência, que,
municar em termos quantitativos, provocando uma às vezes inconsciente, às vezes não, geram no pri-
série de equívocos que não terminam nos limites meiro caso, a esterilidade e no segundo a histeria.
da Arte mas contaminam o terreno geral do políti- A esterilidade: aquelas obras encontradas farta-

1 Texto publicado em: http://www.tempoglauber.com.br/t_estetica.html

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mente em nossas artes, onde o autor se castra em jas, feias, descarnadas, morando em casas sujas,
exercícios formais que, todavia, não atingem a ple- feias, escuras: foi esta galeria de famintos que iden-
na possessão de suas formas. O sonho frustrado da tificou o Cinema Novo com o miserabilismo tão
universalização: artistas que não despertaram do condenado pelo Governo, pela crítica a serviço dos
ideal estético adolescente. Assim, vemos centenas interesses antinacionais pelos produtores e pelo
de quadros nas galerias, empoeirados e esquecidos; público – este último não suportando as imagens da
livros de contos e poemas; peças teatrais, filmes própria miséria. Este miserabilismo do Cinema
(que, sobretudo em São Paulo, provocaram inclusi- Novo opõe-se à tendência do digestivo, preconiza-
ve falências)… O mundo oficial encarregado das da pelo crítico-mor da Guanabara, Carlos Lacerda:
artes gerou exposições carnavalescas em vários filmes de gente rica, em casas bonitas, andando em
festivais e bienais, conferências fabricadas, fórmu- carros de luxo: filmes alegres, cômicos, rápidos,
las fáceis de sucesso, coquetéis em várias partes do sem mensagens, de objetivos puramente indus-
mundo, além de alguns monstros oficiais da cultu- triais. Estes são os filmes que se opõem à fome,
ra, acadêmicos de Letras e Artes, júris de pintura e como se, na estufa e nos apartamentos de luxo, os
marchas culturais pelo país afora. Monstruosidades cineastas pudessem esconder a miséria moral de
universitárias: as famosas revistas literárias, os uma burguesia indefinida e frágil ou se mesmo os
concursos, os títulos. próprios materiais técnicos e cenográficos pudes-
A histeria: um capítulo mais complexo. A indigna- sem esconder a fome que está enraizada na própria
ção social provoca discursos flamejantes. O pri- incivilização. Como se, sobretudo, neste aparato de
meiro sintoma é o anarquismo que marca a poesia paisagens tropicais, pudesse ser disfarçada a indi-
jovem até hoje (e a pintura). O segundo é uma redu- gência mental dos cineastas que fazem este tipo de
ção política da arte que faz má política por excesso filme. O que fez do Cinema Novo um fenômeno de
de sectarismo. O terceiro, e mais eficaz, é a procura importância internacional foi justamente seu alto
de uma sistematização para a arte popular. Mas o nível de compromisso com a verdade; foi seu pró-
engano de tudo isso é que nosso possível equilíbrio prio miserabilismo, que, antes escrito pela literatu-
não resulta de um corpo orgânico, mas de um titâ- ra de 30, foi agora fotografado pelo cinema de 60;
nico e autodevastador esforço de superar a impo- e, se antes era escrito como denúncia social, hoje
tência: e no resultado desta operação a fórceps, nós passou a ser discutido como problema político. Os
nos vemos frustrados, apenas nos limites inferiores próprios estágios do miserabilismo em nosso cine-
do colonizador: e se ele nos compreende, então, não ma são internamente evolutivos. Assim, como ob-
é pela lucidez de nosso diálogo mas pelo humanita- serva Gustavo Dahl, vai desde o fenomenológico
rismo que nossa informação lhe inspira. Mais uma (Porta das Caixas), ao social (Vidas Secas), ao polí-
vez o paternalismo é o método de compreensão tico (Deus e o Diabo), ao poético (Ganga Zumba),
para uma linguagem de lágrimas ou de sofrimento. ao demagógico (Cinco vezes Favela), ao experimen-
A fome latina, por isto, não é somente um sintoma tal (Sol Sobre a Lama), ao documental (Garrincha,
alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí Alegria do Povo), à comédia (Os Mendigos), experi-
reside a trágica originalidade do Cinema Novo ências em vários sentidos, frustradas umas, realiza-
diante do cinema mundial: nossa originalidade é a das outras, mas todas compondo, no final de três
nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, anos, um quadro histórico que, não por acaso, vai
sendo sentida, não é compreendida. caracterizar o período Jânio-Jango: o período das
De Aruanda a Vidas Secas , o Cinema Novo nar- grandes crises de consciência e de rebeldia, de agi-
rou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, exci- tação e revolução que culminou no Golpe de Abril.
tou os temas da fome: personagens comendo terra, E foi a partir de Abril que a tese do cinema digesti-
personagens comendo raízes, personagens rouban- vo ganhou peso no Brasil, ameaçando, sistematica-
do para comer, personagens matando para comer, mente, o Cinema Novo.
personagens fugindo para comer, personagens su- Nós compreendemos esta fome que o europeu e o

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brasileiro na maioria não entende. Para o europeu é O Cinema Novo, por isto, não fez melodramas: as
um estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro mulheres do Cinema Novo sempre foram seres em
é uma vergonha nacional. Ele não come, mas tem busca de uma saída possível para o amor, dada a
vergonha de dizer isto; e, sobretudo, não sabe de impossibilidade de amar com fome: a mulher pro-
onde vem esta fome. Sabemos nós – que fizemos tótipo, a de Porto das Caixas, mata o marido, a
estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e Dandara de Ganga Zumba foge de guerra para um
desesperados onde nem sempre a razão falou mais amor romântico;Sinhá Vitória sonha com novos
alto – que a fome não será curada pelos planeja- tempos para os filhos, Rosa vai ao crime para sal-
mentos de gabinete e que os remendos do tecnico- var Manuel e amá-lo em outras circunstâncias; a
lor não escondem mas agravam seus tumores. As- moça do padre precisa romper a batina para ganhar
sim, somente uma cultura da fome, minando suas um novo homem; a mulher de O Desafio rompe
próprias estruturas, pode superar-se qualitativa- com o amante porque prefere ficar fiel ao seu mun-
mente: a mais nobre manifestação cultural da fome do burguês; a mulher em São Paulo S.A. quer a se-
é a violência. A mendicância, tradição que se im- gurança do amor pequeno-burguês e para isso ten-
plantou com a redentora piedade colonialista, tem tará reduzir a vida do marido a um sistema
sido uma das causadoras de mistificação política e medíocre.
de ufanista mentira cultural: os relatórios oficiais Já passou o tempo em que o Cinema Novo precisa-
da fome pedem dinheiro aos países colonialistas va explicar-se para existir: o Cinema Novo necessi-
com o fito de construir escolas sem criar professo- ta processar-se para que se explique à medida que
res, de construir casas sem dar trabalho, de ensinar nossa realidade seja mais discernível à luz de pen-
ofício sem ensinar o analfabeto. A diplomacia samentos que não estejam debilitados ou delirantes
pede, os economistas pedem, a política pede: o Ci- pela fome.
nema Novo, no campo internacional, nada pediu: O Cinema Novo não pode desenvolver-se efetiva-
impôs-se a violência de suas imagens e sons em mente enquanto permanecer marginal ao processo
vinte e dois festivais internacionais. econômico e cultural do continente latino-america-
Pelo Cinema Novo: o comportamento exato de um no; além do mais, porque o Cinema Novo é um fe-
faminto é a violência, e a violência de um faminto nômeno dos povos colonizados e não uma entidade
não é primitivismo. Fabiano é primitivo? Antão é privilegiada do Brasil: onde houver um cineasta
primitivo? Corisco é primitivo? A mulher de Porto disposto a filmar a verdade e a enfrentar os padrões
das Caixas éprimitiva? hipócritas e policialescos da censura, aí haverá um
Do Cinema Novo: uma estética da violência antes germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um ci-
de ser primitiva e revolucionária, eis aí o ponto ini- neasta disposto a enfrentar o comercialismo, a ex-
cial para que o colonizador compreenda a existên- ploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um
cia do colonizado: somente conscientizando sua germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta,
possibilidade única, a violência, o colonizador pode de qualquer idade ou de qualquer procedência,
compreender, pelo horror, a força da cultura que ele pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço
explora. Enquanto não ergue as armas o colonizado das causas importantes de seu tempo, aí haverá um
é um escravo: foi preciso um primeiro policial germe do Cinema Novo. A definição é esta e por
morto para o francês perceber um argelino. esta definição o Cinema Novo se marginaliza da
De uma moral: essa violência, contudo, não está indústria porque o compromisso do Cinema Indus-
incorporada ao ódio, como também não diríamos trial é com a mentira e com a exploração.
que está ligada ao velho humanismo colonizador. O A integração econômica e industrial do Cinema
amor que esta violência encerra é tão brutal quanto Novo depende da América Latina. Para esta liber-
a própria violência, porque não é um amor de com- dade, o Cinema Novo empenha-se, em nome de si
placência ou de contemplação mas um amor de próprio, de seus mais próximos e dispersos inte-
ação e transformação. grantes, dos mais burros aos mais talentosos, dos

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mais fracos aos mais fortes. É uma questão de mo- Não temos por isto maiores pontos de contato com
ral que se refletirá nos filmes, no tempo de filmar o cinema mundial. O Cinema Novo é um projeto
um homem ou uma casa, no detalhe que observar, que se realiza na política da fome, e sofre, por isto
na Filosofia: não é um filme mas um conjunto de mesmo, todas as fraquezas conseqüentes da sua
filmes em evolução que dará, por fim, ao público, a existência.
consciência de sua própria existência.

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