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Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos
constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou
com seu próprio sangue (At 20:28).
Porque vale mais um dia nos teus átrios do que em outra parte mil.
Preferiria estar à porta da casa do meu Deus, a habitar nas tendas da
perversidade (Sl 84:10).
Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo
adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das
trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pe 2:9).
Desigrejados
Apologética, Igreja, Jovens, Vida Cristã
0
O termo “desigrejado” tem se tornado cada vez mais popular em nossos dias. O movimento de pessoas
feridas com a instituição, que buscam a comunhão em reuniões informais é crescente.
O crescimento desenfreado de denominações, a abertura a diversas doutrinas que não tem amparo bíblico,
os desmandos dos “autointitulados” bispos e apóstolos de nossos dias, os excessos das lideranças
manipuladores, são razões pelas quais muitas pessoas têm se decepcionado com a Igreja institucional e
organizada.
Sim, eu sei que existem muitos que vivem em torno da instituição, que omitem a compaixão para acatar
ao pragmatismo religioso. Não estou fechando meus olhos a esta realidade. Claro que compreendo a dor
de quem sofre na instituição. Praticamente todos os dias atendo vítimas de líderes que não entendem nada
do Evangelho e estão despreparados para pastorear pessoas. Realmente não é fácil lidar com estas
decepções e traumas.
Porém, frutos dessas circunstâncias, surgem pessoas que buscam a comunhão com outras, mas longe da
instituição. E dentre os diversos grupos que surgem, existem aqueles que almejam comungar como Corpo
de Cristo, observando todo o contexto da organização da Igreja ao longo do Novo Testamento, sem
vínculo institucional. Estes, não vejo como desigrejados.
Desigrejados são aqueles que abandonam a comunhão e tentam se reunir sem observar as diretrizes
eclesiásticas do Novo Testamento. Fazem o que querem, usando como desculpa as mazelas da igreja
institucional, que na maioria dos casos exageram no criticismo apontando os erros da igreja moderna, mas
que não oferecem o verdadeiro Evangelho de Cristo como solução.
– O fato de Jesus não ter fundando uma igreja institucional, ou denominação, assim por dizer;
– A influência de doutrinas de homens, no que diz respeito à hierarquia e organização estrutural que a
igreja incorporou em seus hábitos ao longo da história;
– A demonização dos templos, ou o fato de associarem o templo em si mesmo como sendo ele
a IGREJA;
– Onde dois ou três estiverem reunidos em nome de Cristo, ali Ele está, logo, isto significa que basta estar
juntos em nome de Jesus.
Evidentemente que concordo com boa parte das críticas que os desigrejados fazem. Principalmente no
que diz respeito a prioridades do Evangelho, que são as pessoas. Sou totalmente contra ao terrorismo da
“cobertura espiritual” que pentecostais, G12, MDA e afins fazem, amaldiçoando quem sai de
denominação X e vai para denominação Y. Sei que tem muita gente que defende mais a sua denominação
do que o Evangelho, e que fazem questão de exibir para todos seus cargos eclesiásticos.
A desonestidade financeira de pastores, que andam de jatinhos e carros importados, enquanto muitos
membros não têm nem o que comer em casa, também contribuiu para o aumento dos desigrejados.
Honestamente, não há como concordar com essas coisas sem um mínimo de indignação.
Ainda assim, não leio na Bíblia nenhum versículo que autorize o abandono da comunhão, mesmo com
essas mazelas sórdidas que acontecem em algumas denominações.
Com isso, não quero dizer que você deve ir congregar em um circo de horrores onde heresias explícitas
são pregadas. Mas, afirmo que não devemos abdicar a comunhão, porque é bíblico que não a
abandonemos.
Se você está em uma igreja que não pregam o Evangelho, vá para uma que pregue. Problemas na Igreja
sempre foram presentes, basta ler as epístolas de Paulo e saberá que ali havia muita instrução para
correção de problemas. Isso não é novidade.
O ponto crucial é: desigrejados usam suas frustrações para não se submeter a limites descritos na própria
Palavra de Deus. Como se o fato do sofrimento individual pudesse dar validade a levar um cristianismo
“ao seu jeito”, ou seja, querem servir a Deus do jeito que entendem, desconsiderando diversos contextos,
colocando “vírgulas” onde a Palavra de Deus coloca “pontos finais”. A título de se dizer “livre da
instituição” muitos fazem o que querem, oferecendo um Evangelho a partir de uma percepção pessoal,
que por si só, em muitos casos, apresenta distorções sérias.
Obviamente, concordo que Jesus não deixou uma Igreja Institucional. Mas é impossível não ter um nível
organizacional, por menor que seja, para seguir algumas instruções claras de Jesus e dos apóstolos, no que
diz respeito aos irmãos em Cristo.
“E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens,
mas para com Deus eleita e preciosa, Vós também, como pedras vivas, sois
edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios
espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Por isso também na Escritura
se contém: Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e
preciosa; e quem nela crer não será confundido. E assim para vós, os que
credes, é preciosa, mas, para os rebeldes, a pedra que os edificadores
reprovaram, essa foi a principal da esquina, E uma pedra de tropeço e rocha
de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes;
para o que também foram destinados.” (1 Pedro 2:4-8)
O Senhor Jesus diz que a igreja seria fundada sobre essa verdade contida na declaração de Pedro acerca
de dEle. Fora dessa verdade, só existem mentiras, e mentiras não podem ter espaço no Evangelho. Logo,
há uma clara observação que devemos fazer aqui no sentido de rejeitar qualquer ensinamento que venha
contra a Palavra de Deus e a doutrina dos apóstolos (eles dedicaram um bom tempo ensinando que a
Igreja deve rejeitar qualquer tipo de pensamento que fosse contrário ao Evangelho) no Novo Testamento.
Ainda sobre a Igreja, o Senhor Jesus e os Apóstolos colocaram em evidência que há uma ligação direta e
estreita entre Cristo e a ela, e não há nenhum versículo na Bíblia que aponte para a possibilidade de
dissociar um do outro.
“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador. Toda a vara em mim,
que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais
fruto. Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado. Estai em mim, e
eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na
videira, assim também vós, se não estiverdes em mim.” (João 15:1-4)
Notáveis são as observações dessa relação nos ensinos dos apóstolos:
“Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te
ouvir, ganhaste a teu irmão; Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou
dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja
confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a
igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que
tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na
terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós
concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será
feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três
reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” (Mateus 18:15-20)
O versículo, que muitos desigrejados usam para se isolar em suas reuniões, na verdade mostra a atuação
de servos que vão cuidar do irmão que estava em pecado, exortando, para reconduzi-lo ao convívio da
Igreja. O próprio Senhor Jesus disse que se o irmão não ouvir a repreensão, que o mesmo não seja
considerado como integrante da Igreja. Como seria possível realizar esse processo sem o mínimo de
organização, ou, com limites claramente estabelecidos na Palavra?
E a hierarquia na Igreja? Claramente sabemos que há necessidade de pastores/presbíteros para cuidar das
Ovelhas de Cristo. Na Bíblia temos diversas referências da utilidade dos tais para a Igreja e até mesmo
das qualificações dos destes.
“Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos
constituiu presbíteros, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou
com seu próprio sangue.” (Atos 20:28-28).
Na Igreja de Cristo, houve e há a necessidade dos tais:
“Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as
coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses presbíteros,
como já te mandei.” (Tito 1:5-5)
Estes devem ser qualificados de acordo com o que lemos:
Então os desigrejados que afirmam que estão buscando o modelo da Igreja Primitiva (sem parede), mas
que não observam todos os textos bíblicos relacionados ao assunto, na verdade, não estão vivenciando a
experiência de ser Igreja, pois adaptaram as partes que mais foram convenientes a si mesmos e ignoraram
o resto, como se a reunião, em si mesma, pudesse englobar todo o contexto de Atos 2:42. Da mesma
forma os que demonizam o templo e entendem como um pecado mortal se reunir um lugar que não seja
uma casa, por exemplo.
Com certeza concordo que o Senhor não pediu para construirmos templos de milhares de reais e muito
menos que vivêssemos com esse objetivo em prioridade. Mas por exemplo, há uma reunião de Igreja em
uma residência, e que o número de pessoas cresceu naturalmente. Supondo que o número de pessoas não
caiba mais dentro de uma residência, e que tenham crianças pequenas que não conseguem ficar muito
tempo em um ambiente de aprendizado; esta comunidade local chega ao entendimento que um lugar mais
amplo se faz necessário para que o culto seja mais produtivo. Um lugar simples, pequeno até. Se o Senhor
deu o crescimento a esta Igreja (só para constar que nenhuma igreja histórica começou com milhares de
membros) como podemos demonizar algo desta forma?
Marco Cicco.
Notas
[4] MEISTER, Mauro; CARVALHO, Tarcízio. Debate. [maio 2014]. Mediador: Augustus
Nicodemus. São Paulo: CPAJ, 2014. Debate realizado pelo Programa Academia em
Debate do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.
[7] BLANCHARD, John. E-book. Pérolas para a Vida. São Paulo: Vida nova, 1993, p.
216.
[8] Para maiores detalhes conferir: NICODEMUS, Augustus. Op., cit., pp. 157-161.
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A amostragem dos dados que comprovam o fenômeno chamou a atenção da mídia cristã
especializada1 e também da secular2, pois, historicamente era conhecido no que tange ao
comportamento dos evangélicos no Brasil, por duas características que sobressaíam: o hábito
da leitura da Bíblia e a pertença eclesiástica. Contudo, com a revelação do contingente
impressionante de desigrejados3, a noção e o valor da pertença entre os evangélicos já vem
sendo questionada, aproximando-se, portanto, dos católicos nominais, despertando a
curiosidade de pesquisadores das Ciências da Religião e dos próprios órgãos de imprensa.
A repercussão
Assim que os dados foram divulgados, uma série de reportagens, livros e sites começou a
circular, tentando entender o fenômeno. A Revista Cristianismo Hoje, prestigiada publicação
cristã e braço brasileiro da Christianity Today, publicou duas matérias sobre o assunto4. Até aí,
nada surpreendente, visto ser natural que um periódico cristão de linha protestante
repercutisse um assunto que atinge em cheio a realidade eclesiástica no Brasil. Entretanto, as
Revistas Isto É e Época (esta última de responsabilidade das Organizações Globo) e também o
importante jornal Folha de São Paulo publicaram matérias sobre o assunto, evidenciando a
importância do movimento para a compreensão do fenômeno religioso brasileiro. Editoras
cristãs também entraram em cena, propondo reflexões sobre a tendência e, como não poderia
ser diferente em tempos virtuais, sites e blogs também resolveram contribuir e/ou tumultuar o
debate.
c) Em 2010 a Revista Época publica matéria de capa, “A Nova Reforma Protestante”, com
evangélicos insatisfeitos com os modelos tradicionais de igreja.
d) Jornal Folha de São Paulo publica, em 2011, matéria intitulada “Cresce o número de
evangélicos sem ligação com igrejas”.
f) Sites como Genizah e Púlpito Cristão multiplicam o assunto nas redes sociais.
b) França /1990 – 80% da população se declarava cristã. Em 2007 o percentual caiu para
57%.
c) 63% dos respondentes declararam que voltariam a se vincular a uma comunidade que não
apresentasse os vícios e malversações que os afastaram da comunhão;
d) 29% dizem que não pretendem manter vínculo com outra igreja novamente;
Por Niilismo Eclesiástico podemos entender como a proposta de muitos cristãos que
Quais as causas e/ou razões para o desengajamento eclesiástico? Por que tantos
A decepção e a crítica
abuso espiritual por parte das lideranças eclesiásticas (pastores, bispos e apóstolos)
ilícito por parte das lideranças pastorais, são apresentados na comovente obra de
Marília, explicando o porquê muito dos entrevistados que aparecem em seu livro ficaram
experimentaram nas greis em que dedicaram parte de suas vidas e decidiram, então,
abandoná-las.
O livro da jornalista é ao mesmo tempo denúncia, alerta e apelo. Denúncia, pois revela o
que acontece nos bastidores de muitas igrejas, lideradas por figuras personalistas que
seus membros. É também um alerta para que outras pessoas não sejam enganadas e
ministério. Serve para os próprios pastores, porquanto é notório que muitos começam
de fazerem um trabalho digno e para a glória de Deus, mas que, por motivos variados,
do que como legítimos pastores, despenseiros da graça de Deus. Mas a obra de Marília
é, ainda, um apelo. Um apelo para aqueles que estão nas igrejas a olharem com
misericórdia para muitos daqueles que desertaram e que estão longe de serem apenas
igrejas (e que as deixaram) é indiscutível, mas o que Marília faz é nos chamar a atenção
para muitos que estão fora da igreja e relutam contra a ideia de um retorno, pois estão
machucados, com enormes feridas ainda abertas e sangrando. Como poderiam, então,
retornar para um ambiente que, ao invés de ser uma comunidade terapêutica por
excelência, foi, na prática, causadora de dor, frustração e mágoa? Não seria, destarte,
necessária uma prática pastoral carregada de amor, perdão, paciência e graça para com
aconteceu. São muitos os casos trazidos à tona pelo pastor, teólogo e doutor em
Ciências da Religião, Paulo Romeiro que, em seu instigante livro, “Decepcionados com a
Graça”, revela em suas páginas a saga de muitos cristãos sinceros que caíram nas teias
financeira. Entretanto, como se sabe, como tal, em grande medida, não ocorre, o que
vem é frustração, raiva e, em muitos casos, deserção. Romeiro, inclusive, propõe uma
nas suas fileiras existem muitos que não possuem nenhum histórico de decepção (até
onde assumem), mas que são ou se tornaram detratores do sistema, ou seja, críticos do
conhecidas por aqui,16 enquanto, que, outras, são famosas nos Estados Unidos da
problema não está, segundo eles, nas lideranças eclesiásticas arbitrárias (estes são
na igreja como a conhecemos hoje que a prejudica e a distancia do alvo planejado por
está a necessidade de construção dos templos. Talvez nada cause mais urticária em um
“construído por mãos humanas”, não passa de uma corrupção dos propósitos de Deus
para a sua igreja e de uma maldita influência do paganismo grego que existe desde os
indignação com o cristianismo, sendo autor de algumas obras que propõe um total
a igreja como a conhecemos não tem direito algum de continuar existindo e uma das
carrega o conceito de que igreja é um lugar onde se vai e não os filhos de Deus, que
juntos foram a verdadeira e única eclésia de Jesus Cristo. Tal conceito, explica Viola, de
igreja como lugar sagrado, deriva do ano 190 d.C., em que Clemente de Alexandria (150-
215 d.C.) passou a ensinar em tais termos, ganhando força, quando da ocasião da
tornar-se cristão, promulga o famoso Edito de Milão (313 d.C), no qual a liberdade do
Quanto aos pastores, no niilismo eclesiástico não há lugar para ministros ou pastores
ordenados. Como a igreja é apenas espiritual e logo, imaterial, sendo, destarte, despida
ordenados. Este, então, configura em outra tensão para os desigrejados, pois, conforme
acreditam, o pastor, conforme se conhece hoje, não é bíblico, porquanto a única vez em
que o termo aparece no singular no Novo Testamento é atribuída a Jesus Cristo (Jo 10.
11) e quando Paulo aplica a funcionalidade do “dom de pastor” à igreja, ele o faz
capacidade de cuidar24 dos demais irmãos, não havendo naqueles tempos, em igreja
real das pessoas nos contextos onde os encontros casuais com Jesus aconteciam. Os
desigrejados, então, veem nesta forma a única legítima para instruir o povo de Deus.
muitos menos elaborados como se fosse uma palestra. Como não poderia ser diferente,
enxergam também neste ponto as garras do Lúcifer, porquanto afirmam que o sermão
estruturado entrou nas comunidades cristãs por causa dos sofistas gregos, mestres da
retórica e que quando se tornaram cristãos levaram para o ambiente da fé a prática dos
Críticos no Brasil?
As vozes discordantes do cristianismo oficial não emitem seus sons apenas dos
Estados Unidos. Há, no Brasil, líderes conhecidos que demonstram sua insatisfação
pastor Caio Fábio D’Araújo Filho, que, em recente entrevista concedida aos repórteres
de Cristianismo Hoje, declarou que mais de três milhões de pessoas, muitas delas
Graça, uma alternativa de comunhão cristã, que tem em Caio Fábio o seu mentor
principal.25 Caio Fábio é hoje um crítico dos mais intensos da igreja evangélica, e sem
cerimônia afirma que o cristianismo, seja em sua expressão católica ou protestante, não
Outro desigrejado celebrado por estas terras tupiniquins é Paulo Brabo, autor de A Bacia
Mundo Cristão.
Nada há, pois, de novo abaixo do sol (Ec 1.9) - O que diz a História da Igreja?
Afinal, o movimento dos desigrejados é novo? Ou, conforme asseverou George Barna,
um entusiasta do movimento nos Estados Unidos, trata-se uma revolução? Nada como
a História da Igreja para ajudar a acalmar os ânimos e colocar sob perspectivas mais
anos de história, podemos alistar nada menos que dez movimentos de deserção
eclesiástica. Isso mesmo, dez! E dez, entre outros! De Montano (século II) a Dietrich
Bonhoeffer (século XX), a igreja de Jesus Cristo se deparou com críticos de seu sistema,
Às vezes por motivos corretos e outras vezes nem tanto, o fato é que muitas vozes
importantes dentro da igreja se levantaram para atacar sua estrutura. Não apenas
institucional. Muitas destas vozes apontaram para algo que hoje os desigrejados
pensam que são os primeiros a fazerem. De quem eram essas vozes? E que movimentos
joaquimismo e o darbismo.
cristianismo por volta do século II. Ao lado de duas profetisas (Priscila e Maximila)
bispos, herdeiros espirituais dos apóstolos, por considerá-lo por demais formal,
que passava por experiências extáticas, declarando que o Espírito Santo o usava para
escritos apostólicos seriam o caminho mais seguro para se conhecer a vontade de Deus.
Aliás, quanto a este ponto, o sacerdote da Frígia acreditava ser exagerada a ideia de uma
supremacia dos textos sagrados quanto à vontade revelada de Deus, pois, alegava que
O montanismo cresceu29 e se tornou uma alternativa vigorosa na época, uma vez que os
era chamado de Nova Revelação e Nova Profecia. 31 Sendo acusado de heresia, Montano
cristianismo. Havia uma intensa inquietação com o poder e a projeção que a igreja e o
Evangelho do Senhor Jesus Cristo e encarnação dos valores do Reino de Deus, a igreja
havia se tornado uma potestade com fortíssima presença na condução da política dos
reinos que existiam na Idade Média. Preocupado com essa presença institucional foi que
sem qualquer necessidade clerical e que seria trazida através da religião dos monges,
sendo, destarte, “uma nova Igreja, livre e espiritual, humilde e silenciosa”, 32 substituindo
produzindo muitos joaquimitas que, no decorrer dos anos, especialmente após a sua
Nas ilhas britânicas do século XIX, um grupo de cristãos insatisfeitos com o estado da
igreja protestante que consideravam formal e sem vigor espiritual, começou a ler as
o grupo praticante dessa forma livre e desengajada de igreja que ficou mais conhecido
mais tarde receberam a alcunha de darbistas, por causa de um dos seus membros que
se tornou um grande defensor das ideias do movimento, chamado John Nelson Darby
(1800-1882). Advogado e teólogo anglicano, John Nelson Darby uniu-se aos Irmãos em
tradições humanas que surgiram no seio da mesma após a morte dos apóstolos e no
propuseram uma eclesiologia que asseveravam estar mais condizente com o Novo
até então.
considerava graves distorções e desvios dos ensinos do Senhor Jesus Cristo e dos
apóstolos. Entendiam que a igreja é tão somente composta por aqueles que foram
que as tentativas de oferecer a essa experiência real, mas invisível, qualquer forma
humanas.
Europeu, além de Iraque, Japão, China, Índia, Espanha, Austrália, Nova Zelândia,
Estados Unidos, Canadá, Ilhas Caraíbas, países da África, da América do Sul e de outros
do Extremo Oriente.41
No Brasil, as ideias darbistas chegaram através de Richard Holden, clérigo inglês que
trabalhou como pastor auxiliar do Dr. Robert Reid Kalley42 na Igreja Evangélica
doze pessoas decidiu também seguir esse caminho,44 formando um núcleo dos Irmãos
história, revela-nos de que a deserção institucional no cristianismo não é nova e que sua
proposta é persistente, pois reapareceu diversas vezes por parte de grupos cristãos
insatisfeitos.
males da igreja. É inegável que muitos dos problemas enfrentados pela igreja cristã no
decorrer dos séculos, tais como corrupção, mundanismo, proximidade com poderes
temporais, fascínio pela riqueza e, principalmente, pela política, tiveram, sim, sua fonte e
certamente, tais envolvimentos têm pouca relação com a instituição e muito mais com a
meio aos processos institucionais pelos quais a igreja passou e que sem esses legados
ortodoxo dificilmente sobreviveria até o século XXI, haja vista que nos primeiros séculos
da era cristã o mundo era povoado por religiões de mistério que se aproximaram
acerca da pessoa de Jesus Cristo e não foram poucos os cristãos que se sentiram
atraídos por explicações esotéricas acerca do Salvador, a ponto dos próprios apóstolos,
Uma destas heresias perigosas foi o gnosticismo, uma fórmula que mesclava conceitos
vez que após a morte52 de João, o último dos apóstolos, a igreja não poderia contar mais
da Igreja a tomarem medidas institucionais para que a verdade sobre Jesus Cristo,
Pense em uma época em que qualquer pessoa poderia fazer qualquer afirmação acerca
de Jesus Cristo. Imagine alguém em uma praça pública ensinando que Jesus Cristo não
foi uma pessoa de carne e osso, mas, que, na verdade, possuía apenas uma aparência
monge ministrando uma palestra para jovens e crianças, ensinando que o Deus do
Antigo Testamento era mal, caprichoso e violento, mais parecido com um demiurgo54 e
que o Deus do Novo Testamento, o pai amoroso de Jesus Cristo, era outro Deus
absolutamente diferente daquele ser perverso!55 Ou, para espanto geral, considere um
pastor ensinando que Jesus de Nazaré era a encarnação do Pai, isto é, que quem sofreu
na cruz não foi o Filho de Deus56 e, se não bastasse, afirmasse também que o Espírito
Santo fora criado pelo Filho e que era uma espécie de servo do Pai e, também, do
próprio Filho!57 Como avaliar tais declarações em uma época em que os apóstolos não
estavam mais vivos para refutá-las e onde não havia instrumentos que servissem de
análise e crivo? Como defender a fé cristã contra os ataques que vinham de todas as
de afirmações teológicas sobre Deus Pai, Filho, Espírito Santo e da obra da redenção
entre os homens foi elaborada com a finalidade de tentar explicar o mistério da fé cristã,
“uma declaração de fé para uso público”,60 sendo o mais antigo documento que contém
instrumentalização da igreja para lidar com os ataques heréticos, uma vez que não
contava mais com a presença dos apóstolos para orientá-la. Roger Olson, autor da
qual o Credo Apostólico foi uma das expressões, “qualquer pessoa podia corromper os
Outra medida por demais importante que preservou a igreja cristã, sendo um marco na
os vinte e sete livros que o compõem não caíram milagrosamente sobre a cabeça dos
pensem! Todavia, a verdade é que o Cânon foi uma medida institucional para
paulinas (sem as epístolas pastorais). Percebendo o risco de não se ter uma regra de fé
que fosse uma verdadeira âncora para o cristianismo, os Pais da Igreja iniciaram um
ser considerados como inspirados pelo Espírito Santo e reunidos em uma obra e que, à
sendo concluído apenas no século IV, no ano de 397, quando houve a oficialização do
da África).
base teórica extremamente sólida, demarcando o que era, de fato, o cristianismo bíblico,
delineando o que pode ser chamado de ortodoxia cristã. Os Concílios mais importantes
Considerações finais
Concluímos, portanto, que o movimento dos desigrejados é tão somente a versão cristã
longe de ser uma obra de satã (conforme os desigrejados parecem sugerir), trouxe, na
nos Concílios, a identificarem o que, de fato, era a “fé que uma vez por todas foi
entregue aos santos” (Jd 3). Neste ponto específico, fica exposta a contradição dos
conveniência jamais escreveram (até onde se sabe) uma só linha contra tais expedientes
da fé cristã.
O futuro do movimento
Qual será o futuro dos desigrejados? É provável que muitos permaneçam desiludidos e
mesmo com seus defeitos (expressão de nossa pecaminosidade), é o melhor lugar para
tampouco é o público a quem Dusilek se refere, porquanto seu foco é o crente que se
caminhada nas veredas do Evangelho. Contudo, o alerta de Darci Dusilek pode ser
aplicado também em relação aos desigrejados, isto é, muitos dos atuais desencantados
recomeçar a vida nas igrejas mais sadias, haja vista que uma parcela significativa dos
desigrejados é constituída por aqueles que sofreram abuso espiritual ou que tiveram de
lidar com ensinos e práticas controvertidas (talvez, até mesmo heréticas), conforme
que seja uma antítese a tudo que antes viveram, a reaproximação eclesial poderá ser
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÉSAR, Marília de Camargo. Feridos em Nome de Deus. São Paulo: Mundo Cristão,
2009.
DELUMEAU, Jean. Mil Anos de Felicidade: Uma História do Paraíso. São Paulo:
Editora, 1997.
FORSYTH, Willian B. Jornada do Império: vida e obra do Dr. Kalley no Brasil. São José
GOIS, Antônio & SCHWARTSMAN, Hélio. Cresce o número de evangélicos sem ligação
com igrejas. FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo. 15 ago 2011. Disponível em:
em 14 abr 2011.
em 30 set 2013.
ROCHA, João Gomes da. Lembranças do Passado: Robert Reid Kalley. Rio de Janeiro:
VIOLA, Frank & BARNA, George. Cristianismo Pagão? São Paulo: Abba Press, 2008.
_____________________________
6 Cristianismo Pagão é um exemplo. O livro foi escrito nos Estados Unidos da América
por Frank Viola, um dos mais ferrenhos defensores do movimento dos desigrejados.
7 BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p.7.
edição 37, ano 7, 2013. p. 23. Informações complementares quanto à pesquisa aplicada
www.genizahvirtual.com.br.
10
CAMPOS, Idauro. Desigrejados – teoria, história e contradições do niilismo
14 ROMEIRO, Paulo. Decepcionados com a Graça. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.p.42
15 Ibid.
17
Frank Viola e George Barna.
18
Há muitos leitores brasileiros das obras de Frank Viola. Seu best-seller, Cristianismo
ano 312.
20 Frank Viola.
23
Ocorrido em 380, com o Imperador Teodósio.
27
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Vida, 1999.p.30.
28 Ibid.p.31.
Ibid.
31
DELUMEAU, Jean. Mil Anos de Felicidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
32
p.48.
Ibid.
33
Monges que desenvolveram uma abordagem metódica que visava à conciliação entre fé
36
Média.
37 Grupo de líderes cristãos dos séculos XVI e XVII que promoveram o movimento
Clérigos da Igreja Anglicana que, insatisfeitos com a reforma da igreja inglesa, que
38
julgavam por demais filocatólica, romperam com a mesma em busca de uma igreja mais
Ibid.
40
ROCHA, João Gomes da. Lembranças do Passado: Robert Reid Kalley. Rio de Janeiro:
42
FORSYTH, Willian B. Jornada do Império: vida e obra do Dr. Kalley no Brasil. São José
43
Ibid.
46
Termo histórico aplicado a alguns dos líderes cristãos, discípulos dos apóstolos (como
47
Policarpo e Clemente de Roma) e também a escritos que circulavam antes da
Escritores cristãos que dirigiam seus textos diretamente aos mestres heréticos (Irineu
49
Heresia judaico – cristã do século I que defendia a salvação pela obediência à lei.
50
Marcion (85-160 d.C), armador cristão de Sínope (Atual Turquia) que ensinava a
51
53
Afirmação do Docetismo.
55 Afirmação do marcionismo.
Heresia patripassianista. Ensinada por Noeto de Esmina e Práxeas no final do século II.
56
CAIRNS, Earle E. O Cristiansimo Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova, 1995.p.95.
59
60 Ibid.
61 Ibid.
Editora, 1997.p.94-95.
Os desigrejados
por Artigo compilado - qui out 03, 9:30 am
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87% querem redução da maioridade penal
c) Em 2010 a Revista Época publica matéria de capa, “A Nova Reforma Protestante”, com
evangélicos insatisfeitos com os modelos tradicionais de igreja.
d) Jornal Folha de São Paulo publica, em 2011, matéria intitulada “Cresce o número de
evangélicos sem ligação com igrejas”.
f) Sites como Genizah e Púlpito Cristão multiplicam o assunto nas redes sociais.
Um fenômeno mundial (pós-modernidade)
Há no mundo contemporâneo uma crise de pertença, sobretudo, religiosa. Nos Estados Unidos
da América (a maior nação protestante do mundo) e na Europa (berço das mais conhecidas
denominações cristãs, como as Igrejas Anglicana, Luterana, Presbiteriana, Batista,
Congregacional e Metodista, Exército da Salvação, entre outras) a marcha dos desigrejados é
um fenômeno conhecido e discutido. Obras importantes 5 e outras polêmicas6 já vieram a lume
para esclarecer e/ou polemizar a questão. Portanto, longe de ser um movimento isolado
manifesto apenas em nosso país, o que vem ocorrendo é uma expressão nacional de onda de
deserção institucional de grandes proporções que alcança o mundo inteiro, consequência, sem
dúvida, da pós-modernidade que questiona e relativiza afirmações e conteúdos antes
considerados absolutos e inegociáveis, gerando, assim, desencaixe em todas as esferas da
sociedade, atingindo todas as expressões institucionais: partidos políticos, sistemas de
governo, utopias, convenções familiares, casamento, religião, igrejas etc., pois, conforme
denunciou Zygmunt Bauman, “as estruturas estão se decompondo em face dos Tempos
Líquidos”.7
Os números do fenômeno no mundo8
b) França /1990 – 80% da população se declarava cristã. Em 2007 o percentual caiu para
57%.
c) Inglaterra / 1999-2000 – 56 % dos entrevistados se declararam ateus ou agnósticos.
a) 4 milhões são os brasileiros que se declaram evangélicos, mas não têm vinculação
eclesiástica; o percentual de evangélicos nesta situação é de 10%.
c) 63% dos respondentes declararam que voltariam a se vincular a uma comunidade que não
apresentasse os vícios e malversações que os afastaram da comunhão;
d) 29% dizem que não pretendem manter vínculo com outra igreja novamente;
Quais as causas e/ou razões para o desengajamento eclesiástico? Por que tantos cristãos
contemporâneos rejeitam o modelo institucional de igreja?
A decepção e a crítica
Quando analisamos de perto o fenômeno dos desigrejados, a partir de entrevistas e
publicações editoriais e/ou virtuais, podemos perceber a consolidação de dois grupos
majoritários no cenário: os decepcionados com a liderança e os críticos do modus operandi da
institucionalização da igreja.12 Os decepcionados são aqueles que sofreram abuso espiritual
por parte das lideranças eclesiásticas (pastores, bispos e apóstolos) nas comunidades de fé
onde congregavam ou que se frustraram com promessas (de cura, libertação, bem-estar
pessoal/familiar ou prosperidade financeira) realizadas em nome de Deus e que nunca se
cumpriram. A jornalista Marília de Camargo César e o teólogo Paulo Romeiro escreveram
obras de referência13 quanto ao tema do abuso espiritual e da decepção consequente gerada
nos crentes. Casos de despotismo, dinastia familiar, acepção de pessoas, intrigas, disputas,
coação, manipulação, constrangimento, humilhação, ofensas, ameaças, mentiras, além do
enriquecimento ilícito por parte das lideranças pastorais, são apresentados na comovente obra
de Marília, explicando o porquê muito dos entrevistados que aparecem em seu livro ficaram
profundamente decepcionados com o que viram, ouviram, presenciaram e experimentaram nas
greis em que dedicaram parte de suas vidas e decidiram, então, abandoná-las.
O livro da jornalista é ao mesmo tempo denúncia, alerta e apelo. Denúncia, pois revela o que
acontece nos bastidores de muitas igrejas, lideradas por figuras personalistas que usam as
pessoas da congregação como massa de manobra para se promoverem e enriqueceram e
pouco se importam com as necessidades e demandas espirituais dos seus membros. É
também um alerta para que outras pessoas não sejam enganadas e submetidas a uma
liderança pastoral que comece a demonstrar os mesmos sinais no ministério. Serve para os
próprios pastores, porquanto é notório que muitos começam no pastorado tendo em mente as
melhores aspirações de serviço e vocação, desejosos de fazerem um trabalho digno e para a
glória de Deus, mas que, por motivos variados, terminaram mudando o foco de seus
ministérios, agindo mais como empresários da fé do que como legítimos pastores,
despenseiros da graça de Deus. Mas a obra de Marília é, ainda, um apelo. Um apelo para
aqueles que estão nas igrejas a olharem com misericórdia para muitos daqueles que
desertaram e que estão longe de serem apenas pessoas “complicadas” ou “esquisitas”. Que há
muitas pessoas assim em nossas igrejas (e que as deixaram) é indiscutível, mas o que Marília
faz é nos chamar a atenção para muitos que estão fora da igreja e relutam contra a ideia de um
retorno, pois estão machucados, com enormes feridas ainda abertas e sangrando. Como
poderiam, então, retornar para um ambiente que, ao invés de ser uma comunidade terapêutica
por excelência, foi, na prática, causadora de dor, frustração e mágoa? Não seria, destarte,
necessária uma prática pastoral carregada de amor, perdão, paciência e graça para com os
que se encontram em tal situação?
Há também os que se decepcionaram com aquilo que lhes foi prometido e que não aconteceu.
São muitos os casos trazidos à tona pelo pastor, teólogo e doutor em Ciências da Religião,
Paulo Romeiro que, em seu instigante livro, “Decepcionados com a Graça”, revela em suas
páginas a saga de muitos cristãos sinceros que caíram nas teias ministeriais de pastores e
líderes comprometidos com a Teologia da Prosperidade e que acreditaram piamente que,
seguido um esquema fixo de obediência irrestrita ao pastor mais a fidelidade / regularidade
dizimal, alçariam uma vida de bem-estar físico, psicológico, familiar e social, com uma
inevitável e inquestionável prosperidade financeira. Entretanto, como se sabe, como tal, em
grande medida, não ocorre, o que vem é frustração, raiva e, em muitos casos, deserção.
Romeiro, inclusive, propõe uma sequência: primeiro “ocorrem o deslumbramento, a expectativa
e a entrega pessoal pela causa e a confiança despreocupada na proposta do grupo”, mas,
conforme declara, “com o tempo, porém, vêm os questionamentos relativos à linha de
pregação, à administração financeira ou às questões éticas, provocando o rompimento”. 15
Contudo, não só de decepcionados o movimento dos desigrejados engrossa, porquanto nas
suas fileiras existem muitos que não possuem nenhum histórico de decepção (até onde
assumem), mas que são ou se tornaram detratores do sistema, ou seja, críticos do modos
operandi e da institucionalização da igreja. Algumas destas vozes são conhecidas por
aqui,16 enquanto, que, outras, são famosas nos Estados Unidos da América,17 mas também já
formam discípulos no Brasil.18 Neste caso específico o problema não está, segundo eles, nas
lideranças eclesiásticas arbitrárias (estes são apenas parte do problema do cristianismo
contemporâneo), mas sim nas engrenagens funcionais que mantém a igreja em operação no
mundo, pois em face da necessidade de manutenção institucional, a igreja terminou perdendo
seu vigor espiritual e sua dimensão profética, tornando-se mais um clube de encontros
religiosos, onde se canta, se aplaude, faz-se doações em dinheiros e assiste-se a palestras
irrelevantes.
Templos, os pastores e seus sermões: o X da questão
Para os críticos do modus operandi da institucionalização da igreja, há vários problemas na
igreja como a conhecemos hoje que a prejudica e a distancia do alvo planejado por Jesus
Cristo. Segundo os mesmos, entre os pontos críticos da igreja contemporânea está a
necessidade de construção dos templos. Talvez nada cause mais urticária em um desigrejado
do que um típico templo de alvenaria. Para os desigrejados o templo “construído por mãos
humanas”, não passa de uma corrupção dos propósitos de Deus para a sua igreja e de uma
maldita influência do paganismo grego que existe desde os primórdios da era
constantiniana19 e que entrou no cristianismo, gerando aquilo que um dos mais habilidosos
críticos da igreja contemporânea20 chama de “complexo arquitetônico”21. Frank Viola, é um
escritor norte-americano conhecido por sua indignação com o cristianismo, sendo autor de
algumas obras que propõe um total desmoronamento da igreja como é conhecida hoje.22 Aliás,
segundo o polêmico escritor, a igreja como a conhecemos não tem direito algum de continuar
existindo e uma das infames práticas que a prejudicam completamente é a construção de
templos, porquanto carrega o conceito de que igreja é um lugar onde se vai e não os filhos de
Deus, que juntos foram a verdadeira e única eclésia de Jesus Cristo. Tal conceito, explica
Viola, de igreja como lugar sagrado, deriva do ano 190 d.C., em que Clemente de Alexandria
(150-215 d.C.) passou a ensinar em tais termos, ganhando força, quando da ocasião da
conversão ao cristianismo do Imperador Constantino, no século IV, porquanto, ao tornar-se
cristão, promulga o famoso Edito de Milão (313 d.C), no qual a liberdade do culto cristão foi
assegurada, abrindo passagem para a oficialização do cristianismo como religião do Império
Romano em anos subsequentes.23 Com o fim da perseguição, os cristãos, antes reunidos em
casas, cavernas e outros lugares seguros, passaram a fazer as reuniões em lugares públicos,
estendendo para construção de templos, os quais muitos foram incentivados e até mesmo
financiados pelo Império Romano.
Quanto aos pastores, no niilismo eclesiástico não há lugar para ministros ou pastores
ordenados. Como a igreja é apenas espiritual e logo, imaterial, sendo, destarte, despida de
sacramentos e ordenações, não há, obviamente, necessidade para pastores ordenados. Este,
então, configura em outra tensão para os desigrejados, pois, conforme acreditam, o pastor,
conforme se conhece hoje, não é bíblico, porquanto a única vez em que o termo aparece no
singular no Novo Testamento é atribuída a Jesus Cristo (Jo 10. 11) e quando Paulo aplica a
funcionalidade do “dom de pastor” à igreja, ele o faz empregando o termo no plural (pastores =
Ef 4.11), sugerindo, então, que a prática neotestamentária do pastorado era exercida em
conjunto pelos cristãos dotados com a capacidade de cuidar24 dos demais irmãos, não
havendo naqueles tempos, em igreja alguma, a figura do pastor único (pastor – titular; pastor-
presidente; pastor-sênior).
Finalmente, na tríade maligna, os desigrejados também criticam o sermão, visto que na época
de Jesus Cristo as pregações não eram sistematizadas, mas, ao contrário, realizadas de forma
espontânea e inesperada, tendo como ponto de partida o cotidiano real das pessoas nos
contextos onde os encontros casuais com Jesus aconteciam. Os desigrejados, então, veem
nesta forma a única legítima para instruir o povo de Deus. Destarte, nada de liturgia, sermões
com introdução, desenvolvimento e conclusão e, muitos menos elaborados como se fosse uma
palestra. Como não poderia ser diferente, enxergam também neste ponto as garras do Lúcifer,
porquanto afirmam que o sermão estruturado entrou nas comunidades cristãs por causa dos
sofistas gregos, mestres da retórica e que quando se tornaram cristãos levaram para o
ambiente da fé a prática dos discursos eloquentes, estruturados e comoventes. Nada tendo de
cristão, portanto, o sermão é também pagão (segundo os desigrejados).
Críticos no Brasil?
As vozes discordantes do cristianismo oficial não emitem seus sons apenas dos Estados
Unidos. Há, no Brasil, líderes conhecidos que demonstram sua insatisfação com os modelos
institucionais de igreja cristã. O caso mais conhecido e polêmico é do pastor Caio Fábio
D’Araújo Filho, que, em recente entrevista concedida aos repórteres de Cristianismo Hoje,
declarou que mais de três milhões de pessoas, muitas delas desigrejadas, abastecem-se de
tudo o que é produzido em seu ministério, o Caminho da Graça, uma alternativa de comunhão
cristã, que tem em Caio Fábio o seu mentor principal. 25 Caio Fábio é hoje um crítico dos mais
intensos da igreja evangélica, e sem cerimônia afirma que o cristianismo, seja em sua
expressão católica ou protestante, não passa de um fenômeno sociológico, tendo suas raízes
históricas em Constantino. Em seu atual ministério, não há templos construídos, pastores
ordenados, estatutos. Contudo, há locais e horas de celebração, pregação, louvor e ofertório.
Uma demonstração prática que ainda que se esforcem ao máximo, teóricos do niilismo
eclesiástico jamais conseguiram eliminar por completo formas e estruturas. Pelo contrário, um
mínimo delas sempre permanecerá, pois é inevitável aos ajuntamentos. Outro desigrejado
celebrado por estas terras tupiniquins é Paulo Brabo, autor de A Bacia das Almas – Confissões
de ex-dependente de Igreja, publicada em 2009, pela editora Mundo Cristão.
Nada há, pois, de novo abaixo do sol (Ec 1.9) – O que diz a História da Igreja?
Afinal, o movimento dos desigrejados é novo? Ou, conforme asseverou George Barna, um
entusiasta do movimento nos Estados Unidos, trata-se uma revolução? Nada como a História
da Igreja para ajudar a acalmar os ânimos e colocar sob perspectivas mais sóbrias
determinadas manifestações no seio do cristianismo. Ao analisar os dois mil anos de história,
podemos alistar nada menos que dez movimentos de deserção eclesiástica. Isso mesmo, dez!
E dez, entre outros! De Montano (século II) a Dietrich Bonhoeffer (século XX), a igreja de Jesus
Cristo se deparou com críticos de seu sistema, ensino, dogmas, doutrina e instituição.
Às vezes por motivos corretos e outras vezes nem tanto, o fato é que muitas vozes importantes
dentro da igreja se levantaram para atacar sua estrutura. Não apenas propondo uma
purificação e santidade, mas até o seu total desaparecimento institucional. Muitas destas
vozes apontaram para algo que hoje os desigrejados pensam que são os primeiros a fazerem.
De quem eram essas vozes? E que movimentos foram estes? Alistaremos três, em épocas
estanques da história: o montanismo, o joaquimismo e o darbismo.
A insatisfação de Montano (Século II)
Montano foi um sacerdote pagão da região da Frígia (atual Turquia) que se converteu ao
cristianismo por volta do século II. Ao lado de duas profetisas (Priscila e Maximila) organizou,
no ano de 155,27 um movimento de reação ao cristianismo ensinado pelos bispos, herdeiros
espirituais dos apóstolos, por considerá-lo por demais formal, dependente de uma liderança
humana e pouco aberto à direção do Espírito Santo. Acreditando que a igreja estava
espiritualmente morta e acusando os bispos cristãos de “destituídos de vida, corruptos e
apóstatas”,28 Montano se apresentava como alguém que passava por experiências extáticas,
declarando que o Espírito Santo o usava para falar diretamente aos homens e relativizava o
conceito já crescente na época de que os escritos apostólicos seriam o caminho mais seguro
para se conhecer a vontade de Deus. Aliás, quanto a este ponto, o sacerdote da Frígia
acreditava ser exagerada a ideia de uma supremacia dos textos sagrados quanto à vontade
revelada de Deus, pois, alegava que isto terminaria restringindo a atuação do Espírito a um
mero texto escrito em papel. Além da indisposição com a institucionalização do cristianismo,
cujas expressões eram o fortalecimento do clero e o conceito de uma ortodoxia, Montano
também afirmou que a segunda vinda de Cristo aconteceria na Frígia.
O montanismo cresceu29 e se tornou uma alternativa vigorosa na época, uma vez que os
seguidores de Montano conseguiram fundar diversas congregações que rivalizaram com as
comunidades dirigidas por bispos ligados ao cristianismo oficial.30 O movimento era chamado
de Nova Revelação e Nova Profecia.31 Sendo acusado de heresia, Montano e todos os seus
discípulos foram excomungados da Igreja Cristã, configurando, assim, no primeiro caso de
divisão da história do cristianismo.
Ecclesia Spirituallis: o sonho de Joaquim de Fiore (século XII)
Após a virada do milênio muitos foram os questionamentos sobre os rumos do cristianismo.
Havia uma intensa inquietação com o poder e a projeção que a igreja e o papado alcançaram
no mundo. Muito mais do que uma agência de propagação do Evangelho do Senhor Jesus
Cristo e encarnação dos valores do Reino de Deus, a igreja havia se tornado uma potestade
com fortíssima presença na condução da política dos reinos que existiam na Idade Média.
Preocupado com essa presença institucional foi que um monge cisterciense, nascido na
Calábria em 1135, chamado Giovanni dei Gioachini e conhecido historicamente como Joaquim
de Fiore, começou a pregar e ensinar que haveria de se manifestar no mundo uma nova igreja,
despida de toda materialidade e sem qualquer necessidade clerical e que seria trazida através
da religião dos monges, sendo, destarte, “uma nova Igreja, livre e espiritual, humilde e
silenciosa”,32 substituindo a “Igreja dos Clérigos e dos doutores”.33 As ideias de Joaquim de
Fiore germinaram, produzindo muitos joaquimitas que, no decorrer dos anos, especialmente
após a sua morte, em 1202, resistiram fortemente à hierarquia eclesiástica da igreja romana.
O sectarismo de John Nelson Darby (século XIX)
Nas ilhas britânicas do século XIX, um grupo de cristãos insatisfeitos com o estado da igreja
protestante que consideravam formal e sem vigor espiritual, começou a ler as Escrituras
Sagradas e celebrar a Ceia do Senhor, sem a presença de um ministro ordenado. Tais
manifestações foram espontâneas e descentralizadas, mas, sem dúvida, o grupo praticante
dessa forma livre e desengajada de igreja que ficou mais conhecido na Inglaterra e,
posteriormente, em toda Europa, tornando-se proeminente, foi o de Plymouth.34 Seus
participantes ficaram conhecidos como os Irmãos de Plymouth, que mais tarde receberam a
alcunha de darbistas, por causa de um dos seus membros que se tornou um grande defensor
das ideias do movimento, chamado John Nelson Darby (1800-1882). Advogado e teólogo
anglicano, John Nelson Darby uniu-se aos Irmãos em 1821, ao decepcionar-se com a
degradação espiritual da igreja inglesa. Dono de uma mente brilhante, Darby pregava
fluentemente em alemão, francês e, claro, inglês, idiomas em que traduziu o Novo Testamento.
Publicou mais de 50 livros e, em 1848, se tornou a mais importante voz do movimento dos
Irmãos de Plymouth.35
Os darbistas acreditavam que a igreja nunca conseguiu se livrar totalmente das tradições
humanas que surgiram no seio da mesma após a morte dos apóstolos e no início da Patrística.
Essas tradições atravessaram os séculos com os escolásticos, 36 os reformadores,37 e mesmo
entre os puritanos38 estiveram presentes. Destarte, propuseram uma eclesiologia que
asseveravam estar mais condizente com o Novo Testamento do que os modelos de igrejas
cristãs vigorantes e conhecidas na Inglaterra até então.
Outra medida por demais importante que preservou a igreja cristã, sendo um marco na história
do cristianismo, foi a oficialização do Cânon do Novo Testamento. Obviamente, os vinte e sete
livros que o compõem não caíram milagrosamente sobre a cabeça dos cristãos daqueles
primórdios e difíceis tempos. Talvez muitos desigrejados assim pensem! Todavia, a verdade é
que o Cânon foi uma medida institucionalpara combate/defesa contra heresias, especialmente,
o marcionismo que elaborara um Cânon próprio, onde continham apenas uma variação do
Evangelho de Lucas e as cartas paulinas (sem as epístolas pastorais). Percebendo o risco de
não se ter uma regra de fé que fosse uma verdadeira âncora para o cristianismo, os Pais da
Igreja iniciaram um processo de identificação e reconhecimento dos textos que
verdadeiramente poderiam ser considerados como inspirados pelo Espírito Santo e reunidos
em uma obra e que, à semelhança do Antigo Testamento, pudesse ser lida, consultada e
estudada para explanação, deleite e edificação da igreja. O processo de canonicidade foi
demorado, sendo concluído apenas no século IV, no ano de 397, quando houve a oficialização
do Cânon do Novo Testamento, promulgado no Concílio de Cartago (atual Tunísia, no Norte da
África).
Paulo, pontua que já se aproxima de nove milhões o número de desigrejados no Brasil. Cf.
www.bepec.com.br. Acessado em: 07 nov. 2013.
4Entre os anos de 2010 e 2013.
12
CAMPOS, Idauro. Op. Cit. P. 33-87.
13Feridos em Nome de Deus e Decepcionados com a Graça, respectivamente.
14ROMEIRO, Paulo. Decepcionados com a Graça. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.p.42
15Ibid.
16
Reverendo Caio Fábio, por exemplo.
17Frank Viola e George Barna.
18Há muitos leitores brasileiros das obras de Frank Viola. Seu best-seller, Cristianismo pagão, é
20Frank Viola.
23
Ocorrido em 380, com o Imperador Teodósio.
24Os presbíteros ou anciãos (2Tm 5.17; 1Pe 5.1).
27
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Vida, 1999.p.30.
28Ibid.p.31.
29
WALKER, W. História da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 2006.p.86.
30
OLSON, Roger. Op.Cit.p.30.
31Ibid.
32DELUMEAU, Jean. Mil Anos de Felicidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.48.
33Ibid.
34
Cidade do Sudoeste da Inglaterra, às margens do rio Plym.
35PFANDL, Gerhard. Rapto Secreto: As surpreendentes origens da visão teológica
razão. O método foi amplamente empregado nas Universidades da Europa na Idade Média.
37Grupo de líderes cristãos dos séculos XVI e XVII que promoveram o movimento
por demais filocatólica, romperam com a mesma em busca de uma igreja mais “pura”. Nesse
núcleo de clérigos encontram-se as raízes de importantes grupos cristãos protestantes como
os congregacionais, batistas e presbiterianos.
39MILLER, Andrew. Os Irmãos. Diadema: Depósito de Literatura Cristã, 2005.p.25. O autor foi
46
Ibid.
47Termo histórico aplicado a alguns dos líderes cristãos, discípulos dos apóstolos (como
51Marcion (85-160 d.C), armador cristão de Sínope (Atual Turquia) que ensinava a existência de
dois deuses antagônicos (o da velha aliança e o Pai amoroso de Jesus Cristo), defendendo
também a noção de incoerência entre o Antigo e o Novo Testamentos. Elaborou um Cânon
próprio das Escrituras do NT.
52Final do século I, provavelmente.
53
Afirmação do Docetismo.
54Entidade menor do panteão de deuses do gnosticismo.
55
Afirmação do marcionismo.
56Heresia patripassianista. Ensinada por Noeto de Esmina e Práxeas no final do século II.
57
Heresia pneumatomaquista. Ensinada por Macedônio I, no século IV.
58De autoridades seculares (Celso e Imperadores Romanos), líderes religiosos heréticos
61Ibid.
63
DUSILEK, Darcy. O Futuro da Igreja no Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Horizonal Editora,
1997.p.94-95.