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Cosmovisão das
religiões: reforma e
Contra-reforma
2015
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Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Reforma e Contra-Reforma: Considerações Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Antecedentes Históricos da Reforma Protestante do Século XVI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Reformas Protestantes na Europa do Século XVI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.2 Reformadores do Século XVI: Martinho Lutero, Ulrico Zwinglio e João Calvino . . . . 23
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
A Expansão e Diversidade no Protestantismo Europeu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.2 Os Anabatistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
UAB/Unimontes - 5º Período
Unidade 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Ética Protestante e sua Influência Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Unidade 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Contra-Reforma ou Reforma Católica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
6.3 A Contra-Reforma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Apresentação
Caro (a) acadêmico (a),
Bons estudos!
O autor.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Unidade 1
Reforma e Contra-Reforma:
Considerações Preliminares
José Normando Gonçalves Meira
1.1 Introdução
O tema do nosso estudo nesta e nas demais unidades deste caderno tem duas característi-
cas marcantes: é empolgante por nos remeter a diversas discussões que ainda alimentam acalo-
rados debates e que necessitam de melhor compreensão. É também muito complexo, pois sus-
cita diversas perguntas essenciais: O que entendemos por Reforma Protestante do século XVI?
Quais eram realmente os objetivos dos proponentes dessa Reforma? Ocorreu, de fato, uma Re-
forma ou o que aconteceu foi apenas um cisma no cristianismo? É possível falar de “Reforma Pro-
testante”, de “Protestantismo”, ou seria mais adequado os termos “Reformas Protestantes” e ”Pro-
testantismos”? E a Contra-Reforma, qual foi o seu objeto e quais eram os seus objetivos? É mais
adequado tratá-la como “Contra-Reforma” ou “Reforma Católica”? Como as doutrinas e métodos
dos reformadores protestantes e católicos do século XVI influenciaram a sociedade ocidental
naquele período e quais as suas contribuições para a formação da cultura nos diversos lugares
onde tais ideais se instalaram ou se propuseram a se instalar? Quais as mudanças e permanên-
cias nesses sistemas teológicos e como dialogam com a sociedade atual?
As questões acima levantadas demonstram o quão desafiador é o estudo do tema “Reforma
e Contra-reforma”. O nosso objetivo nesta e nas demais unidades é apresentar conceitos, fontes e
possibilidades de investigações mais aprofundadas. Apontaremos o rumo, procuraremos desbra-
var o caminho, mas será necessário continuar o intenso trabalho para que seja possível trilhá-lo
com maior segurança, superando obstáculos, muitos deles firmados em preconceitos decorren-
tes de análises superficiais do tema. Iniciemos, portanto, os nossos estudos.
Os sentidos que às vezes são dados ao termo Reforma são parcialmente condi-
cionados pela visão do historiador. O historiador católico entende como uma
revolta de protestantes contra a igreja medieval. Já os historiadores protestantes
compreendem como uma busca aos padrões do Novo Testamento. Do ponto de
vista do historiador secular, a interpretação da Reforma apenas como um movi-
mento revolucionário (SILVA e OLIVEIRA, 2013, p.3).
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UAB/Unimontes - 5º Período
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
BOX 1
Assembleia de Westminster
A espiritualidade humana também é um dom de Deus, que a criou à sua imagem e seme-
lhança, com capacidade para relacionar-se com o seu Criador. A queda, o pecado, fez com que
o homem se tornasse idólatra. Como diz o apóstolo Paulo na sua carta aos Romanos, “passando
a adorar a criatura em vez de adorar o criador”. A religião também (e, principalmente, por ser o
princípio motivador de todos os demais aspectos da vida) precisa sempre ser reformada, pois,
devido à natureza humana pecaminosa, os desvios são inevitáveis e ameaçam constantemente
a verdadeira religião bíblica. Desse entendimento, surgiu o lema reformado; “Igreja Reformada,
sempre reformando”. A Bíblia deve ser sempre examinada e as convicções e práticas religiosas
submetidas a ela, utilizando-se de métodos e técnicas da hermenêutica que garantam a máxima
segurança no apreender do sentido original do texto que deve ser aplicado aos diversos contex-
tos e circunstâncias. A religião do Papa e de Roma, analisada à luz da Bíblia, deveria ser purificada
dos elementos agregados ao longo dos séculos. Esse é o sentido de “Reforma” do pondo de vista
“dos de dentro” em geral.
A tensão protestante, reformada, entretanto, é permanente, pois a análise crítica das suas
convicções e práticas pessoais e das suas comunidades religiosas deve ser realizada continua-
mente, evitando assim o desvio. A Reforma é uma tarefa sempre inacabada durante a militância
terrena da Igreja. Não se trata, portanto, de um contraste apenas com o catolicismo romano, mas
com todas as atividades religiosas consideradas sem base bíblica.
Na perspectiva protestante tradicional, portanto, descarta-se a ideia de revolução, que pres-
supõe a destituição total de uma realidade e a implantação de outra, completamente nova. Isso
não seria necessário, pois, mesmo prejudicada pelo pecado, a realidade preserva muito da cria-
ção original, necessitando apenas de uma volta aos padrões estabelecidos pelo Criador na sua
revelação, a Bíblia. Como será explorado na unidade 5, para os reformados não há dicotomia en-
tre vida religiosa e vida secular, entre o sagrado e o profano, religião à parte dos negócios. Na
verdade, todos os aspectos da vida são religiosos, pois pressupõem uma resposta positiva ou ne-
gativa à orientação divina.
A Escritura usa esta palavra VOCAÇÃO para mostrar que uma forma de viver não
pode soar boa nem aprovada, a não ser que Deus seja o seu autor. E esta palavra
VOCACÃO também quer dizer “chamado”; e este “chamado” implica em que Deus
faça um sinal com o dedo e diga a cada um: quero que vivas assim ou assim (...)
que não nos ocupemos naquilo que Deus condena por sua palavra (CALVINO
apud BIÉLER, 1990, p.528).
O termo “protestante” passou a ser usado a partir de 1529, quando, na dieta de Speyer (ou
dieta de Spira) ficou confirmada a intolerância religiosa, ocasionando protestos por parte de seis
príncipes e 14 cidades alemãs. Posteriormente, o termo ganhou a conotação popular, referindo-
se à pregação dos “protestantes”, denunciando os desvios do catolicismo romano. Atualmente o
termo “protestantismo histórico” é atribuído às denominações cristãs que tiveram as suas origens
vinculadas ao movimento da reforma em suas diversas vertentes. O termo “protestantes reforma-
dos” passou a designar a vertente calvinista dos “protestantes históricos” que adotam as confis-
sões de fé produzidas nos séculos XVI e XVII, como exposição das suas doutrinas, consideradas
fiéis às Sagradas Escrituras. A teologia reformada é tratada atualmente como referente à teologia
calvinista que, em muitos aspectos, converge com a teologia dos de outros reformadores, espe-
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UAB/Unimontes - 5º Período
Desde antes do protesto de Lutero, existiam muitos que sonhavam com uma re-
forma eclesiástica, e tomavam medidas neste sentido. Particularmente na Espa-
nha e graças a Isabel a Católica e de Ximenes e Cisneiros, a corrente reformadora
ganhou impulso, apesar de não abandonar as linhas do catolicismo romano. Em
termos gerais, a reforma católica, ainda depois de aparecer o protestantismo, se-
guiu as linhas traçadas por Isabel. Tratava-se de um intento de reformar a vida e
os costumes eclesiásticos, de empregar melhor a erudição disponível para puri-
ficar a fé e de fomentar a piedade pessoal. Porém, tudo isso sem afastar-se nada
da ortodoxia de Roma (GONZALEZ, 1983, p. 183).
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
criado por Inácio de Loyola, a Inquisição e o Concílio de Trento são considerados elementos cen-
trais da Contra-Reforma ou Reforma Católica. Esse tema será objeto de discussão mais detalhada
na unidade 7 deste caderno.
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UAB/Unimontes - 5º Período
novas questões que devem ser enfrentadas, considerando a diversidade de aspectos a serem
Atividade considerados, e a dinâmica do diálogo dessa herança religiosa com as sociedades nas quais se
Analise criticamente o inserem.
contexto em que ocor-
reram os movimentos
“Reforma” e “Contra
-Reforma” e discuta no
fórum de discussão com
os seus colegas as im-
Referências
plicações do uso desses
termos para designar os ARON, R. As Etapas do Pensamento Sociológico: Alexis Tocqueville. São Paulo: Martins Fontes,
movimentos ocorridos
no século XVI. 2000.
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
CHARTIER, Roger. As Práticas da Escrita. IN: ARIES, Philippe; DUBE, Georges. História da Vida Pri-
vada: Da Renascença ao Século das Luzes. Vol 3, São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1983.
LONDOÑO, Fernando Torres. “Escrevendo cartas: jesuítas, escrita e missão no século XVI”, In: Re-
vista Brasileira de História, 22(43): 11-32, ND, 2002.
MEIRA, José Normando Gonçalves. Ciência e Prática: Ensino Agrícola na Educação Presbiteriana
em Minas Gerais- São Paulo: PUC (Tese de Douoramento).
NASCIMENTO, Ester Fraga Villas-Boas. Educar, Curar e Salvar: Uma Ilha de Civilização no Brasil
Tropical. São Paulo: PUC (Tese de Doutoramento).
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no
Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 10. ed. São Paulo: Pioneira, 1996.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Unidade 2
Antecedentes Históricos da
Reforma Protestante do Século XVI
José Normando Gonçalves Meira
2.1 Introdução
Quando se iniciou a Reforma Protestante do Século XVI? Qual o conjunto de fatores que
possibilitaram a sua eclosão? Antes de Martinho Lutero, é possível identificar outros focos de re-
sistência à Igreja medieval? Se houve, esses movimentos de resistência se fundamentavam nas
mesmas teses posteriormente apresentadas por Lutero? Como a Igreja medieval se comportou
em relação a tais movimentos? Embora a história da Reforma Protestante do Século XVI seja as-
sociada ao ato do Monge Martinho Lutero em afixar, no dia 31 de outubro de 1517, as suas 95 te-
ses na porta da Catedral de Wittenberg na Alemanha, é preciso, mesmo ressaltando a relevância
desse evento, considerar o contexto que nele culminou e possibilitou os seus desdobramentos. É
o que pretendemos estudar nesta unidade.
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UAB/Unimontes - 5º Período
os motivos da simpatia de Constantino para com a Igreja. Várias possibilidades são consideradas.
Uma delas era a de que se tratava de fé sincera (embora, na prática, não se tenham verificado
evidências de sua plena adesão à fé cristã), por entender que a expansão da Igreja, mesmo em
meio a condições tão desfavoráveis, devido às sangrentas perseguições, evidenciava o poder do
Deus por ela proclamado, levando-o a temê-lo e desejar as orações da Igreja. Outra hipótese é
a de que Constantino resolveu favorecer a Igreja por habilidade política, pois entendia ser essa
organização e a sua pretensão de universalidade, importante elemento unificador do Império.
Independentemente do motivo que tenha levado o imperador a favorecer a Igreja cristã, os efei-
tos foram decisivos sobre a identidade dela. A nova situação de liberdade e até certos privilégios
ocasionaram grande expansão da Igreja e também adaptação cultural, promovendo assim mu-
danças nas suas práticas. Essas mudanças se intensificaram quando o imperador Teodósio (380)
decretou o cristianismo a religião oficial do Império. O poder político e econômico da Igreja au-
mentou incomparavelmente, passando, posteriormente, a reivindicar supremacia sobre o gover-
no dos reis. A teoria das duas espadas. A espada temporal, dos reis, deveria se submeter à espada
espiritual, da Igreja, que trata das questões eternas. Ser cristão por decreto implicava introduzir
crenças oriundas de diversas culturas abarcadas pelo Império Romano, promovendo, assim, pro-
fundas transformações no conteúdo doutrinário, litúrgico e prático da Igreja. Com o aumento do
poder político e econômico, principalmente da Igreja estabelecida em Roma, capital do Império,
a estrutura eclesiástica foi alterada. Surge a figura do Papa, com o crescimento do poder do bispo
de Roma, como afirma Matos (2015):
(...) Outro fator que contribuiu para a ascendência da igreja romana e do seu líder
foi a própria centralidade e importância da capital do Império Romano. Ao con-
trário da região oriental, em que várias igrejas (Alexandria, Jerusalém, Antioquia
e Constantinopla) competiam pela supremacia em virtude de sua antiguidade e
conexões apostólicas, no Ocidente a igreja de Roma, desde o início, foi pratica-
mente a líder inconteste. Outrossim, a partir de Constantino, muitos imperadores
romanos fizeram generosas concessões àquela igreja, buscaram o conselho dos
seus bispos e promulgaram leis que ampliaram a autoridade deles (MATOS, 2015,
p.35).
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
bate popular entre protestantes e católicos romanos. O católico que argumenta fazer parte da
Igreja original, fundada por Cristo. Única e verdadeira, portanto. O protestante, por sua vez, ar-
gumenta que os protestantes é que representam a Igreja original, uma vez que a Igreja de Roma
apostatou-se. Distanciando-se do ensino bíblico, diluído pelas inserções da tradição, descaracte-
rizou-se. A reforma teria sido a volta às origens. No próximo tópico deste estudo, veremos alguns
aspectos do contexto, no final da Idade Média, que influenciaram na visibilidade dos atos de re-
sistência às mudanças ocorridas na Igreja durante a Idade Média.
Ainda quanto ao aspecto religioso desse contexto, além da degradação moral, os refor-
madores desejavam “extirpar tudo o que lhes parecesse superstição” (MARTINA, 2008, p. 53). O
combate veemente à venda de indulgências, associada à superstição e à ambiciosa corrupção de
Roma, e diversas outras doutrinas, como a da transubstanciação, por exemplo. A questão não era
apenas os considerados desvios práticos, mas também o desvio das Escrituras. Martina (2008, p.
53) cita o comentário de Martinho Lutero, que evidencia essa expectativa reformadora do ponto
de vista teológico, doutrinário: “Mesmo que o Papa fosse um santo como São Pedro, para nós
seria sempre um ímpio”. A própria instituição papal e as demais tradições à parte das Escrituras
eram consideradas uma traição à verdade. Martina (2008) apresenta a análise de Lucien Febvre
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UAB/Unimontes - 5º Período
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
final do século XII e durante o século XIII. Tornou-se um grupo rival dos que mantinham os pilares
da ortodoxia cristã. Tinham seus próprios sacramentos e credo. Era uma mistura do cristianismo
com crenças religiosas orientais.
Nesse mesmo período, mas sem se distanciar dos princípios do cristianismo, os “Petrobrus-
sianos”,no sudeste da França, desenvolveu-se a partir da liderança de Pedro de Brurys e Henrique
de Lausanne. Esse grupo conseguiu a adesão de pessoas das diversas camadas da sociedade,
tendo como argumentos principais a luta contra a superstição dominante na Igreja, alterações
para eles inaceitáveis na forma de culto, bem como a degradação moral do clero.
Dois movimentos considerados de grande importância nos séculos que antecederam à Re-
forma foram os Valdenses e o do grupo chamado de “Os irmãos”. O dos Valdenses surgiu no final
do século XII, chefiado pelo comerciante Pedro Valdo, da cidade de Lião, na França. Depois de
ter lido o capítulo 10 do Evangelho segundo Mateus, passou a distribuir os seus bens entre os
pobres e tornou-se um pregador ambulante. Tendo conseguido reunir muitos adeptos, foi logo
excomungado pela Igreja dominante, o que ocasionou a organização do grupo como uma igreja
dissidente. Apesar da constante repressão da Igreja, os Valdenses se multiplicaram em diversas
partes da Europa ocidental. O grupo dos “Irmãos” expandiu-se entre camponeses e artesãos que
realizavam as suas atividades religiosas em secreto, driblando assim a repressão romana. Aprecia-
vam a leitura da Bíblia e mantinham uma organização simples, sendo essa simplicidade a carac-
terística que entendiam ter perdido a Igreja de Roma ao distanciar-se do ensino bíblico (NICOLS,
1981, p. 132).
Nos séculos XIV e XV, os movimentos de protestos contra a forma de religião dominante e
propostas de reforma continuaram surgindo. Na universidade de Oxford, o professor John Wyclif-
fe (1325 – 1384), que também era padre que gozava de grande simpatia entre os pobres, de-
senvolveu intenso combate às doutrinas da
Igreja de Roma, especialmente à autoridade
do Papa e ensinava com veemência a Bíblia
como única e verdadeira regra de fé e de práti-
ca. Traduziu a Bíblia para o inglês e incentivou
a sua divulgação entre os diversos setores da
sociedade. Criou a ordem dos sacerdotes po- ◄ Figura 6: John Wyclif
bres, os “irmãos Lollardos”, com a finalidade de
divulgar a Bíblia entre os pobres. Os membros Fonte: Disponível em
<http://www.bible-resear-
da ordem andavam descalços, com um cajado cher.com/wyclif1.html>.
na mão, distribuindo porções de textos bíbli- Acesso em 14 jul.2015.
cos, mensagens e a própria Bíblia traduzida
pelo padre e professor de Oxford. Embora te-
nha sido condenado por tribunal eclesiástico
e condenado à condição de herege, nenhuma
providência mais severa foi tomada contra
Wyclliffe. Atribui-se essa relativa tolerância à
sua popularidade e também ao contexto polí-
tico em que vivia, tendo recebido certo apoio
das autoridades inglesas que também tinham
seu relacionamento desgastado com o poder
papal, por resistirem aos pesados impostos co-
brados pela Igreja.
Tendo a obra de John Wycliffe como refe-
rência, John Huss (1373-1415), reitor da univer-
sidade de Praga, desenvolve, entre os boêmios,
vigoroso movimento de contestação às doutri- ◄ Figura 7: John Huss
nas e práticas da Igreja de Roma. Além das suas (1373-1415)
convicções nacionalistas que lhe davam crédi- Fonte: Disponível
to perante autoridades e o povo, era também em <http://ptl2010.
com/2013/05/31/jerome-o-
sacerdote, pregador ativo respeitado pelos f-prague/>. Acesso em 14
seus ouvintes. Essas condições proporciona- jul.2015
ram-lhe o suporte para a expansão das suas
ideias. Afirmava em seus escritos e discursos a
suficiência das Escrituras como guia da Igreja
de Cristo e que o Papa de Roma só deveria ser
obedecido naqueles pontos em que os seus
21
UAB/Unimontes - 5º Período
COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Cultura
Cristã, 2014.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Mártires. São Paulo: Vida Nova, 1980.
MAC GRATH, Alister E. Teologia Histórica: Uma Introdução à História do Pensamento Cristão.
São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja: De Lutero a Nossos Dias. V. 1. São Paulo: Loyola, 2008.
MATOS, Alderi. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
Nilcols (2006); Gonzalez (1980); Haykin (2012); Matos (2008), MacGrath (2007) e Costa (2014).
PORTELA, Solano. Jerônimo Savanarola: Reformador Teológico ou Contestador Político? In: Fides
Reformata. V. 2 N. 1. São Paulo: Mackenzie, Jan – Jun 1997.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Unidade 3
Reformas Protestantes na Europa
do Século XVI
José Normando Gonçalves Meira
3.1 Introdução
Convido o(a) prezado(a) acadêmico(a) para analisarmos nesta unidade algumas doutrinas
basilares da Reforma Protestante do século XVI, que foram pontos convergentes entre os tradi-
cionalmente considerados principais movimentos de reforma e que deram origem ao que pode-
mos chamar de ortodoxia protestante. Esses temas teológicos podem ser considerados, portanto,
elementos unificadores dos considerados principais segmentos da reforma protestante. Na verda-
de, como afirma Martina (2008), os reformadores que sucederam Martinho Lutero, de certa forma,
reproduziram e até ampliaram, como foi o caso de João Calvino, em outras partes da Europa, as
doutrinas outrora proclamadas pelo reformador de Wittenberg. Este, por sua vez, utilizou muito o
discurso dos chamados “pré-reformadores” John Wycliffe, John Huss e outros, tendo como argu-
mento a volta ao texto bíblico, dedicando-se à hermenêutica e à exegese como disciplinas espe-
ciais. Todos tiveram a obra de Agostinho de Hipona como importante referência. Poucos foram os
pontos divergentes entre esses reformadores considerados clássicos para o movimento do século Glossário
XVI. O mais relevante deles foi o relacionado à eucaristia ou ceia do Senhor, como será discutido Hermenêutica: Vem do
mais adiante. Além da análise desses pilares teológicos do protestantismo clássico, discutirei, de grego “hermeneuo” que
forma sucinta, os diversos fundadores de movimentos de reforma, o contexto específico em que significa “eu interpre-
atuaram e as escolas teológicas que eles passaram a representar. Normalmente uma questão é le- to”. Designa a arte, o
método ou ciência da
vantada pelos interessados em compreender os conflitos religiosos do século XVI: Por que o movi- interpretação. A her-
mento de reforma que deu origem ao protestantismo causou uma fragmentação no cristianismo, menêutica é pertinente
dando origem a diferentes grupos? Por que não se unificou o movimento reformado, mantendo- às ciências sociais em
se uma única corrente, como permaneceu unificado o catolicismo, mesmo abrigando diversas or- seus diversos objetos de
dens? A diversidade de movimentos deve-se ao fato de terem ocorrido em diversos contextos po- investigação. No que se
refere à teologia, aplica-
líticos e, considerando a relação entre religião e Estado nesse período, explica-se a independência se especificamente à
desses movimentos. Essa é uma explicação. A falta de um eixo unificador, como funciona o papa- interpretação dos textos
do na Igreja Católica Romana, também serve de hipótese para essa fragmentação. sagrados.
Para a presente unidade do nosso caderno didático, reafirmo o meu objetivo de, a partir deste Exegese: Palavra de
estudo introdutório, estimular o acadêmico a outras investigações que lhe possam aprofundar os origem grega que sig-
nifica literalmente “tirar
conhecimentos do tema geral de subtemas extraídos dessa discussão. Privilegiarei aqui os líderes para fora”. Aplica-se ao
dos movimentos de reforma, lembrando que, como já foi afirmado na Unidade 1, diversos estudos, exercício de se buscar o
seguindo os pressupostos teóricos e metodológicos da Nova História, como Burke (1989) e Chartier sentido original de um
(1991), têm apontado a grande fertilidade do estudo desse tema, considerando a participação de texto. No caso da teolo-
pessoas consideradas comuns nesses movimentos do século XVI e em momentos posteriores. gia, do texto sagrado.
No dia 31 de outubro de 1517, diante da venda das indulgências por João Tetzel,
Lutero afixou à porta da igreja de Wittenberg as suas Noventa e Cinco Teses, a
maneira usual de convidar-se uma comunidade acadêmica para debater algum
assunto. Logo, uma cópia das teses chegou às mãos do arcebispo, que as enviou
a Roma. No ano seguinte, Lutero foi convocado para ir a Roma a fim de responder
à acusação de heresia. Recusando-se a ir, foi entrevistado pelo cardeal Cajetano
e manteve as suas posições. Em 1519, Lutero participou de um debate em Leip-
zig com o dominicano João Eck, no qual defendeu o pré-reformador João Huss
e afirmou que os concílios e os papas podiam errar. Em 1520, a bula papal Ex-
surge Domine (= “Levanta-te, Senhor”) deu-lhe sessenta dias para retratar-se ou
ser excomungado. Os estudantes e professores da universidade queimaram a
bula e um exemplar da lei canônica em praça pública. Nesse mesmo ano, Lutero
escreveu várias obras importantes, especialmente três: À Nobreza Cristã da Na-
ção Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade do Cristão. Isso lhe deu
notoriedade imediata em toda a Europa e aumentou a sua popularidade na Ale-
24
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Hoje, depois dos estudos de Lotz, Adam e outros, assistimos a uma reavaliação
de Lutero. Todos reconhecem nele uma profunda religiosidade. Lutero teve uma
experiência pessoal de Deus, um autêntico sentido do pecado e da própria nuli-
dade, da qual se reerguia pelo apego a Jesus Cristo e pela confiança cega nele e
em sua redenção (MARTINHA, 2008. p.121-123).
Além da análise da pessoa de Lutero e a relação com os seus atos reformadores, Martina
(2008, p.123) avalia a sua contribuição. A partir dos objetivos religiosos, reflexos são percebidos
na sociedade (nós nos deteremos nesses reflexos políticos e sociais na unidade 5):
É justo ver em Lutero, como dizia Fichte, o alemão por excelência, o homem que
não somente deu à Alemanha umas das primeiras obras literárias em língua
vulgar, como contribuiu para a formação de uma consciência nacional alemã e,
talvez, tenha concorrido para acentuar no caráter alemão alguns traços menos
felizes (MARTNA, 2008. p.123).
Uma das grandes figuras da Reforma do século XVI foi Felipe Melanchton. Ele era
um humanista que veio a se tornar teólogo e deu importantes contribuições à
reforma religiosa na Alemanha e em outras partes, com seus muitos contatos em
muitos países e com suas obras teológicas, como o Loci Communes e a Confissão
de Augsburgo e sua Apologia. Suas contribuições frequentemente são obscure-
cidas pela grande figura de Martinho Lutero, mas nós podemos perceber que ele
25
UAB/Unimontes - 5º Período
também teve sua influência na Reforma como um todo e mesmo sobre o próprio
Lutero, contribuindo com o seu impressionante domínio de Grego, Latim e Re-
tórica, e também com seus insights teológicos. Melanchton foi o sistemático do
movimento luterano, moldando o pensar teológico por décadas, ao menos até o
fim do século XVI (MELANCHTON, 2011, p. 544).
Além dos efeitos da reforma luterana na Alemanha, a sua obra e a obra de Melanchton servi-
ram de referência para movimentos em outras partes da Europa. Prossigamos, verificando outros
focos de divergências para com a religião dominante no período em que geraram outras verten-
tes do protestantismo.
A Reforma na Suíça tem sido considerada de grande relevância pela historiografia. Para
compreendê-la, é necessário lembrar que, no século XVI, a suíça era uma confederação constituí-
da de 13 pequenos Estados, denominados “cantões”. Um dos importantes nomes da reforma suí-
ça é Ulrico Zwinglio (1484-1531). Zwinglio teve formação intelectual privilegiada nas universi-
dades de Viena e Basileia, tendo ali recebido forte influência dos mestres humanistas. A formação
de Zwinglio foi, portanto, bem diferente da de Lutero que esteve sempre vinculado à filosofia
medieval e por suas marcantes experiências religiosas. O reformador suíço se tornou clérigo mais
por influência familiar.
Além do espírito de independência que
fazia parte da sociedade suíça no período, o
contato direto com as obras dos humanistas
foi de grande importância para a aproximação
de Zwinglio dos ideais reformistas. Ele passou
a estudar a Bíblia a partir do Novo Testamen-
to traduzido por Erasmo de Roterdan (Nicols,
2006). Logo passou a se opor às práticas su-
Figura 10: Ulrico ► persticiosas observadas nos fiéis que, como
Zwinglio peregrinos, procuravam a sua paróquia em Ein-
Fonte: Disponível em siedeln. Reconhecido como grande pregador,
<http://www.militar- em 1519 transferiu-se para Zurique, passando
cristao.com.br/gap.
php?id=605>. Acesso em a receber influência de Lutero e foi se afastan-
18 jul.2015. do das convicções da Igreja romana, pregando
contra as suas doutrinas e práticas, até que, em
1522, “anunciou abertamente o seu afastamen-
to do papado” (Nilcols 2006). Um debate públi-
co realizado em Zurique em 1523 motivou a
cidade a se tornar protestante. Considerando a
relação entre religião e Estado, ser Católico Ro-
mano ou Protestante era também uma decisão
política. Matos (2015) afirma:
26
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
27
UAB/Unimontes - 5º Período
rou até à sua morte, foi bastante profícua para o cumprimento dos seus objetivos. A partir dos
princípios religiosos, foram realizadas reformas nos aspectos político e social, destacando-se a
forma de governo da cidade, por meio do consistório e a fundação da academia de Genebra que
veio a se tornar a Universidade de Genebra que influenciou diversas partes do mundo com as
ideias ali emergentes.
Martina (2008) avalia a personalidade e a obra do reformador de Genebra:
Então, como hoje, Calvino granjeou poucas simpatias, muitas vezes injustamen-
te (...) de fato, seria injusto negar o profundo senso religioso de que foi animado
em toda a sua vida. A procura apaixonada do Deus revelado (...) do Deus da Bíblia
e dos profetas percorre suas obras (...) a exigência de uma autenticidade absoluta
no encontro com Deus (...). Calvino tem consciência de ser chamado pelo “Deus
invencível” – que tem em suas mãos os destinos dos homens – a uma missão
especial e a ela se consagra totalmente. Dessa persuasão tira ele forças para su-
perar sua timidez, que o teria feito ficar de bom grado metido em seus estudos,
a tenacidade para exercer a sua missão, com um desinteresse absoluto, que o faz
aceitar a pobreza sem reclamação (MARTINA, 2008, p. 147).
Calvino seguia a tese dos reformadores em geral sobre a justificação pela graça, mediante
a fé, aprofundando-se no tratamento do tema articulado às doutrinas da incapacidade humana
de, por si mesma, buscar a Deus e realizar a sua vontade (depravação total) e da predestinação.
Essas doutrinas estão presentes de forma enfática, nas obras de Martinho Lutero e, muito antes,
Agostinho de Hipona. Quanto à prática das boas obras, também seguindo a mesma linha dos de-
mais reformadores e de Agostinho, reivindicando autoridade bíblica, “se nossas obras não contri-
buem para a nossa salvação, elas dão glória a Deus e devemos executá-las para demonstrar-lhe o
nosso respeito e fazer a sua vontade” (Apud MARTINA, 2008, p. 150).
No Brasil, obras traduzidas de
João Calvino têm sido publicadas
principalmente por parte de edito-
ras ligadas às denominações cristãs
de tradição reformada. Comentá-
Figura 13: João Calvino ► rios bíblicos, como os Salmos, as
Fonte: Disponível em cartas paulinas, seus catecismos,
<http://presbiterianos- suas cartas. Especialmente as edi-
calvinistas.blogspot.com.
br/2011/04/importancia- toras Cultura Cristã e FIEL têm pu-
de-joao-calvino-na-teo- blicado essas obras. Como ressalta
logia.html>. Acesso em 15 Martina (2008), existem mais de
jul.2015.
4.000 cartas conhecidas de Calvino
dialogando com amigos e adver-
sários, servindo tais documentos
para análise do seu pensamento.
Em 2009 editora Cultura Cristã pu-
blicou um livro reunindo 70 dessas
cartas. Desta mesma editora é a publicação das Institu-
tas, obra principal de Calvino. Essas obras escritas pelo
próprio reformador servem como importantes docu-
mentos, possibilitando uma leitura crítica e a superação
de mitos referentes ao seu pensamento.
Estudos sobre a Reforma Protestante e, especifica-
Figura 14: Quatro ►
Volumes da obra mente, sobre o pensamento de Calvino também têm se
“Instituição da Religão diversificado. São várias as pesquisas sobre o reformador
Cristã, de João Calvino”, que resultaram em dissertações de mestrado e tese de
em português. doutoramento. O programa de pós-graduação em ciên-
Fonte: Disponível em cias da religião da Universidade Presbiteriana Macken-
<http://www.redelivraria.
com.br/produto/140/2224/ zie, em São Paulo, tem contribuído de forma significativa
as-institutas-edicao-classi- com essa produção. Costa (2004), integrante do referido
ca-em-4-volumes>. Acesso programa, destaca-se entre os pesquisadores brasileiros
em 15 jul.2015.
que se ocupam do pensamento do reformador de Gene-
bra em seus diversos desdobramentos. Além de incenti-
vador a leitura e interpretação dos escritos do reforma-
dor, investiga a influência do pensamento de Calvino no
28
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
trabalho, na educação e na economia (1996), a sua relação com o humanismo e o seu conceito de
fidelidade cristã (1999), o culto cristão na perspectiva da teologia de Calvino (1996) e a sua aplica-
ção pastoral na cidade de Genebra, no exercício do seu conceito de piedade, visita às residências,
pregação e escrita. Diversos outros trabalhos poderão ser citados, além de obras relacionadas à
educação teológica calvinista, como Ferreira (1985) que além da biografia do reformador, discu-
te aspectos centrais da sua teologia e a sua influência no mundo ocidental. Silvestre (2009), que
apresenta diversos aspectos da trajetória intelectual de Calvino, concentrando-se no seu pensa-
mento político. Obras como a de Lopes (2006) e de Vieira (2008) discutem a influência do pensa-
mento do reformador na educação. Essas obras citadas servem apenas para ilustrar a vasta produ-
ção acadêmica sobre a pessoa, a obra e pensamento de João Calvino, especialmente nos campos
da teologia e da ciência da religião, com aplicações em diversas outras áreas de investigação.
29
UAB/Unimontes - 5º Período
A supremacia das Escrituras sobre a tradição da Igreja foi um dos pontos principais dos mo-
vimentos de reforma desde o final da Idade Média. Ganhou força no movimento liderado por
Martinho Lutero e prevaleceu nos segmentos posteriores do calvinismo, como o zwingliano e o
calvinista. A própria Reforma reivindicava uma volta às Escrituras, uma purificação da Igreja, ten-
do o texto bíblico como referência. Todas as crenças e práticas deveriam ter ampla fundamenta-
ção bíblica. O próprio movimento puritano inglês, sustentado por bases teológicas calvinistas,
adquiriu esse nome por reivindicar uma Igreja purificada de todos os acréscimos, inovações e
tradições humanas, sem apoio nas Escrituras. O culto religioso, por exemplo, segundo a Confis-
são de Fé e o Diretório de culto de Wetminster, deveria seguir o seguinte “princípio regulador”: a
única forma de culto aceitável é aquela determinada pelo próprio Deus na Bíblia. Os elementos
proibidos ou simplesmente não ordenados na Bíblia deveriam ser proibidos no culto da Igreja.
Imagens de escultura ou qualquer representação visível, proibidas, ou uso de velas e outros or-
namentos, não ordenados, deveriam ser eliminados.
Além do culto, propriamente dito, todas as atividades da vida deveriam ser julgadas à luz
das Escrituras. Relacionamentos familiares, o trabalho, lazer e todas as demais áreas devem ser
realizadas para a glória de Deus. Sendo o homem criado, sustentado e redimido por Deus, per-
tence a Deus e deve viver para agradá-lo. E, para que esse objetivo seja cumprido, é necessá-
rio conhecer a vontade de Deus na Bíblia, que é a palavra de Deus e, suprema autoridade, única
regra de fé e de prática para os que desejam servi-lo corretamente. A autoridade da Bíblia não
depende da Igreja, dos concílios ou de homem algum. É inerente a ela mesma. Todos os aspectos
da ação humana, de acordo com essa visão de mundo, estão relacionados com o seu dever para
com Deus. Não há separação entre a vida secular e a vida religiosa. Normalmente as confissões
reformadas e os compêndios de teologia a elas relacionados, iniciam-se com o tópico referente à
natureza das Escrituras. “Sola Scriptura” é o pressuposto básico da fé reformada.
Essa concepção protestante, no que se refere à importância da Bíblia na vida cristã, motivou
diversas ações com alcance para além das fronteiras estritamente religiosas. As traduções das
Escrituras para as línguas vernáculas, a começar com a que Lutero fez para a língua alemã e as
verificadas em diversos outros contextos onde se instalaram representantes da fé protestante. A
alfabetização das diversas camadas da sociedade foi considerada necessária. Afinal, como evan-
gelizar pessoas destituídas do acesso à revelação divina nas Escrituras? A leitura e interpretação
de textos são essenciais para a edificação da fé protestante.
Além do “Sola Scriptura”, é considerado pilar do protestantismo o “Sola Gratia”, isto é, a sal-
vação do homem é um ato da livre graça de Deus. Como foi exposto acima, Lutero e Calvino,
seguindo a linha teológica de Agostinho de Hipona, entendiam que, embora o homem tenha
sido criado reto, perfeito, dotado de livre arbítrio, quando, usando dessa liberdade original, de-
sobedeceu a Deus no Éden, caindo em pecado, teve a sua natureza totalmente corrompida, tor-
nando-se incapaz de buscar a Deus por si próprio. Ele está inclinado a buscar os seus próprios
caminhos e não se submeter ao chamado divi-
no. Como pode então alguém se salvar? Como
os reformados responderiam a essa pergunta?
Deus, na sua soberania, escolheu para si um
povo e enviou o seu Filho Jesus Cristo para pa-
gar as suas dívidas e, no tempo determinado,
o Espírito Santo aplica os méritos de Cristo ao
pecador eleito, concedendo-lhe o dom da fé
Figura 16: Harmonia das ►
e do arrependimento, buscando-o, mediante
Confissões Reformadas
Fonte: Disponível em
uma transformação espiritual, reconciliando-o
<https://editoracultura- com Deus e dando-lhe uma nova disposição
crista.com.br/loja/livro/ para obedecê-lo, ainda que de forma imper-
harmonia-das-confissoes
-reformadas-751>. Acesso
feita nesta vida. Assim, a salvação do pecador
em 11 jul.2015. não é nenhum mérito humano. A justiça de
Deus foi satisfeita exclusivamente pela obra
vicária de Cristo (“Solo Christus”). Martinho
Lutero teria afirmado: “Quando olho para mim
mesmo, não vejo como posso ser salvo; quan-
do olho para Jesus, não vejo como posso me
perder”. Apegando-se ao texto bíblico (por
exemplo: João 14.6; Atos 4.12 e 1 Timóteo 1.5),
creem em Jesus Cristo como único mediador,
30
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
intercessor, entendendo ser impertinente, idólatra e, portanto, ofensiva a Deus, a doutrina da in- Dica
tercessão de Maria e dos santos, desenvolvidas pela tradição da Igreja durante a Idade Média. A
O tema “Reforma
fé, que também não é mérito humano, mas dom da graça de divina, é o único meio pelo qual Protestante” é abun-
o homem pecador pode ter acesso às bênçãos da graça. Uma confiança plena na benignidade dantemente abordado
de Deus, em Cristo e na suficiência da sua redenção. É outro pilar doutrinário protestante: “Sola no meio protestante
Fide”. Prosseguindo no raciocínio da visão de mundo protestante, uma vez que a salvação e to- não apenas nos seus
cursos de teologia em
dos os benefícios que o homem pode ter é oriundo da graça, não tendo ele do que se gloriar,
faculdades confessio-
“humilde de espírito”, reconhece que toda glória deve ser dada a Deus. É o tópico conclusivo des- nais e seminários, mas
sa base doutrinária: “Soli Deo Glória”. também em eventos
Além dos pontos teológicos supramencionados, outro que tem sido considerado funda- para o público em geral.
mental para contrastar a fé protestante com a sustentada pela Igreja medieval é a do sacerdó- Observem as pales-
tras ministradas pelo
cio universal dos cristãos. Não existe, nessa perspectiva, uma separação entre clero e leigos. O
Professor Alderi Mattos,
único sacerdote é o Supremo Sacerdote, Jesus Cristo, único mediador entre Deus e os homens. doutor em História da
Baseiam-se na narrativa bíblica das ocorrências relacionadas à morte de Cristo, entre elas a ras- Igreja. Confira os ende-
gadura do véu do santuário que, no Antigo Testamento, fazia separação entre o “santo dos reços eletrônicos:
santos”, lugar onde os sacerdotes representavam o povo no culto judaico. Os líderes religiosos, Palestra 1: <https://
www.youtube.com/wat-
pastores, presbíteros, diáconos, não são sacerdotes. São guias, responsáveis pela instrução e di-
ch?v=hvBDmZIBTxQ>.
reção da Igreja, mas não com a capacidade de representá-los diante de Deus. Diferem radical- Palestra 2: <https://
mente também neste ponto da eclesiologia desenvolvida por Thomás de Aquino. Essa doutrina www.youtube.com/wat-
do sacerdócio universal dos cristãos é considerada importante para outros desdobramentos so- ch?v=uaYMQbh4BZk>.
ciais. Considerando que cada um dará conta de si mesmo diante de Deus, é dada margem para
o desenvolvimento do individualismo que tem diversos desdobramentos sociais. A própria ne-
cessidade da leitura e interpretação do texto sagrado para que seja dada uma resposta pessoal
a Deus. Não se pode, nessa perspectiva, simplesmente seguir a Igreja e esta conduzirá o fiel a
Deus. É necessário uma autoavaliação, tendo sempre os padrões bíblicos como referência. Esse
princípio teria sido também um dos elementos motivadores para a popularização da educação
escolar no meio protestante.
Essas são algumas das importantes questões teológicas que alimentaram os movimentos de
reforma do século XVI e continuam alimentando o intenso debate entre reformados, católicos e
protestantes que se distanciaram das propostas da Reforma. Um lema desenvolvido pelos pro-
testantes reformados, ao longo dos séculos, ainda proclamado entre os que lutam para a conser-
vação dessa herança é: “Igreja reformada, sempre reformando”. A reforma é entendida como um
ato contínuo de análise da fé e da prática individualmente, em família e em comunidade (Igreja), Atividade
procurando ajustá-las de acordo com o ensino bíblico (“Sola Scriptura”). Matos (2015), expressan- Elabore um quadro
do a compreensão e anseio reformados, interpreta: comparativo entre os
líderes do movimento
Os reformadores não estavam buscando inovar, mas restaurar antigas verdades da Reforma Protestante
bíblicas que haviam sido esquecidas ou obscurecidas pelo tempo e pelas tradi- nas diversas regiões
ções humanas. Sua maior contribuição foi chamar a atenção das pessoas para da Europa, destacando
a importância das Escrituras e seus grandes ensinos, especialmente no que diz o contexto em que as
respeito à salvação e à vida cristã. Para que as Igrejas Evangélicas atuais possam suas ações foram efe-
manter-se fiéis à sua vocação, é preciso que julguem tudo pelas Escrituras, aco- tivadas, as convicções
lhendo o que é bom e lançando fora o que é mau. Os reformadores nos mostra- por eles defendidas e o
ram que o critério da verdade não são os ensinos humanos, nem a experiência impacto social decor-
espiritual subjetiva, mas o Espírito Santo falando na Palavra e pela Palavra (MA- rentes dessas convic-
TOS, 2015, sp). ções. Poste a atividade
no fórum de discussão.
Referências
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lo: Cultura Cristã, 2006 .
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31
UAB/Unimontes - 5º Período
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FERREIRA, Wilson de Castro. Calvino: Vida, Influência e Teologia. Campinas-SP: LPC, 2005.
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MENDONÇA, António Gouvêa. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
32
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Unidade 4
A Expansão e Diversidade no
Protestantismo Europeu
José Normando Gonçalves Meira
4.1 Introdução
Na unidade anterior, foram discutidos os movimentos de reforma que deram origem ao
chamado “protestantismo histórico” ou “protestantismo clássico”. Nesta unidade, além da análi-
se referente à expansão desses movimentos tradicionais para outras partes da Europa, aborda-
remos alguns segmentos considerados protestantes, por serem dissidentes da Igreja de Roma,
mas também divergiam das vertentes luterana, zwingliana e calvinista do referido protestantis-
mo. Analisaremos o movimento radical anabatista, o protestantismo inglês e as peculiaridades
da sua origem, estrutura eclesiástica, formulações doutrinárias e transformações nele ocorridas.
Discutiremos também a configuração dos protestantismos escocês, francês e dos países baixos
que, embora diversificados em suas origens, acabou sendo predominantemente calvinista. Veri-
ficaremos também, a partir dessa expansão, os contextos nos quais foram surgindo as chamadas
confissões reformadas que tiveram muita importância na sistematização teológica protestante,
especialmente o de origem calvinista. Essas confissões tiveram papel semelhante aos dos credos
antigos que sintetizaram o conjunto de doutrinas fundamentais da Igreja Cristã à época. As con-
fissões reformadas, mais extensas do que os credos antigos, devido às demandas teológicas do
seu tempo, serviam para publicar o conjunto de crenças que os reformados sustentavam. Coe-
rentes com a sua origem, essas formulações partiam do pressuposto do “Sola Scriptura”, que já foi
objeto de análise neste trabalho.
4.2 Os Anabatistas
O nome “anabatista” significa “rebatizadores”. Designação pejorativa a um grupo de protes-
tantes radicais que não admitiam o batismo infantil e insistiam em rebatizar os adultos que ha-
viam recebido esse sacramento na infância. Os anabatistas ou reformadores radicais surgiram na
Suíça em 1522. Esse movimento foi liderado por Conrado Grebel e Félix Mantz, iniciou-se com lei-
tura e estudo da Bíblia nas casas de amigos. Nos dois primeiros anos de atuação do grupo, apoia-
vam as teses e ações de Zwinglio, mas, a partir de 1524, romperam com o reformador por enten-
derem a necessidade de realização de uma reforma mais profunda. Não admitiam fazer parte das
igrejas reconhecidas pelo Estado, por entender que fazer parte da Igreja de Cristo significava total
independência do domínio do poder temporal. Nos escritos dos reformadores, especialmente nas
obras de João Calvino, encontram-se várias referências aos anabatistas, sendo as suas ideias jul-
gadas impertinentes e extremadas. No capítulo 22 do quarto livro das Institutas de Calvino, por
exemplo, que trata do tema “Da Administração Política”, o reformador contrapõe-se à atitude dos
“aduladores dos príncipes”, que os tratam como deuses e até se prostram perante eles, e ao extre-
mo oposto, dos anabatistas, que se consideram isentos de submissão às autoridades humanas por
se acharem sujeitos apenas à autoridade divina. Para Calvino, que se utiliza de diversos argumen-
tos bíblicos, a postura correta do cristão é a do respeito às autoridades por serem elas instituídas
por Deus e, portanto, sujeitas a Deus como seus ministros para proteger os bons e punir os maus.
A essas autoridades não devem ser atribuídos poderes divinos, mas também não devem ser des-
prezadas. Devem ser reconhecidas como instrumentos de Deus para a manutenção da ordem.
33
UAB/Unimontes - 5º Período
Os anabatistas se espalharam por diversas regiões da Europa. Sob a liderança de Miguel Sa-
ttler, foi elaborada em 1527 a Confissão de Fé de Schleitheim, que estabeleceu os princípios basi-
lares do grupo (MATOS, 2015):
▲ ▲
Figura 17: Michael Sattler Figura 18: Melchior Hoffman
Fonte: Disponível em <http://followingthefaithful. Fonte: Disponível em <https://ebdcatedral.wordpress.
blogspot.com.br/2008/03/michael-sattler-obeying-jesus. com/2012/10/26/a-reforma-protestante-do-sec-xvi/>.
html>. Acesso em 10 jul.2015. Acesso em 09 jul.2015.
36
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
ca devocional, estudos sobre esse movimento têm sido empreendidos tanto na área da teologia
histórica no âmbito do protestantismo, especialmente no calvinismo, como de outras áreas do
conhecimento com o objetivo de compreender o impacto da visão de mundo puritana nos di-
versos aspectos da sociedade. O próprio Weber (1996) utiliza-se de fontes puritanas para a sua
análise da ética protestante. Diversos grupos puritanos, reagindo contra a repressão na Inglater-
ra, vieram para a América do Norte, no século XVII, tendo participação marcante na fundação dos
Estados Unidos da América. A contribuição desses grupos religiosos puritanos, presbiterianos e
congregacionais, despertou a atenção, inclusive de Tocqueville (2005), na sua análise da “Demo-
cracia na América”.
Os puritanos, no século XVII, sob o reinado de Carlos I, tiveram grande influência no parla-
mento. Foi convocada uma assembleia de 151 teólogos que, reunida entre 1643 e 1649, elabora-
ram importantes documentos que até os dias atuais têm sido adotados como exposição doutri-
nária por igrejas reformadas. Por se reunir na Abadia de Westminster, o conclave ficou conhecido
como “Assembleia de Westminster”. Dentre os documentos ali produzidos, destacam-se: A Con-
fissão de Fé, os catecismos, maior e breve e o diretório para o culto.
37
UAB/Unimontes - 5º Período
knox até o século XVII, foi marcada por conflitos e instabilidade, principalmente quanto à forma
de governo, devido à forte herança episcopal. Matos (2015) comenta:
38
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
39
UAB/Unimontes - 5º Período
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Referências Atividade
Discuta com os seus
colegas no fórum de
BEEKE, Joel R.; FERGUNSON, Sinclair. Harmonia das Confissões Reformadas. São Paulo: Cultura discussão as peculiari-
dades do protestantis-
Cristã, 2006. mo inglês, apontando
as suas semelhanças
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova, 1988. e diferenças com o
protestantismo estabe-
KNOWLES, David. Nova História da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1983. lecido em outras partes
da Europa. Observe
LANCILLOTTI, Samira Saad Pulchério. A Influência dos Irmãos da Vida Comum na Obra Didática também a presença cal-
Magna de Coménius. In: HISTEDBR, Aracaju, 2003. vinista na Inglaterra, o
seu diálogo com a Igreja
MARTINA, Giacomo. História da Igreja: De Lutero a Nossos Dias. São Paulo: Loyola, 2003. oficial e a importância
da produção intelectual
MATOS, Alderi de Souza. Reforma Protestante. Disponível em <http://www.mackenzie.br/6962. decorrente desse diálo-
html>. Acesso em 12 jun. 2015. go para o protestantis-
mo em outras partes do
mundo.
41
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Unidade 5
Ética Protestante e sua Influência
Social
José Normando Gonçalves Meira
5.1 Introdução
Dica
Depois de discutirmos a Reforma Protestante do século XVI, suas propostas, sua expansão, Para aprofundar o en-
as suas formulações teológicas, é pertinente perguntar: Qual o impacto da visão de mundo de- tendimento da análise
corrente da fé protestante nas sociedades nas quais foi implantada? As transformações sociais da ética protestante,
que favoreceram o movimento de reforma, bem como as que dela decorreram têm sido conside- além do próprio de
Weber (1996) e do seu
radas de grande relevância nos diversos aspectos da vida: educação, economia, política, dentre
texto “Religião e Racio-
outras. Essa é uma razão pela qual diversos autores, especialmente das ciências sociais, enten- nalidade Econômica”
dem que o estudo da Reforma extrapola em muito os interesses meramente religiosos. D’ Aubig- (Cf. COHN, 2000), indico
né afirma: o diálogo com outros
autores que discutem o
A história da reforma não é a do protestantismo. A história do protestantismo pensamento weberia-
poderia não interessar senão aos protestantes, enquanto que a da reforma é para no, especialmente no
todos os cristãos, ou antes, para todos os homens (D’ AUBIGNÉ, s.d, p. 5). que diz respeito à sua
sociologia da religião.
Dentre eles, destacam-
Embora diversos autores, sob diversos prismas, abordem o tema e alguns deles serão cita- se: Wegner (2000),
dos nesta unidade, tomaremos a obra clássica de Weber (1996) como principal referência para a Souza (1999), Pieruci,
primeira parte do nosso estudo. Na mesma perspectiva, outros autores nos servirão para análise Krammer, Domingues
de aspectos específicos que destacaremos no decorrer do estudo. e Avritzer (cf. SOUZA,
2000), Coelho, Bandeira
e Menezes (2000), além
de Quintaneiro (1999),
Reforma Social
Uma das principais chaves para a análise da ética protestante por parte de Max Weber é o
que ele chama de “ascetismo intramundano”. O que isso significa? Asceta é aquele que nega o
mundo, rejeita os seus prazeres. Essa é uma atitude comum às chamadas religiões de salvação,
dentre as quais se encontra o cristianismo em suas diferentes vertentes. Esse ascetismo, entre-
tanto, nem sempre é praticado da mesma forma. A peculiaridade do ascetismo protestante na
visão de Max Weber é que, em vez de ausentar-se do mundo, descolar-se dele como fazem os
monges em seus conventos, o protestantismo, de forma oposta, nega o mundo enfrentando-o
(Cf. SOUZA, 1999, p. 260) para transformá-lo, visando à glória de Deus. Freund (2000). comenta:
43
UAB/Unimontes - 5º Período
Partindo do princípio “Sola Scriptura”, o reformado busca base bíblica para esse seu enfren-
tamento do mundo: “Vós sois o sal da terra”(MATEUS 5: 13), “Vós sois a luz do mundo” (MATEUS 5:
14), “ Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal (...) assim como tu me enviaste
ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (JOÃO 17: 15,18). Assim, o verdadeiro cristão tem
um compromisso perante o mundo, embora não absorvendo a sua filosofia. É o “estar no mundo
sem ser do mundo” (Cf. WEGNER, 2000, p. 195).
Nessa concepção, não há lugar a dicotomia vida religiosa e vida secular. Toda ação humana
é, de certa forma, religiosa por se tratar de uma resposta (positiva ou negativa) à Palavra de Deus.
A religião despoja-se da magia, aponta para os valores racionalmente éticos, segundo o manda-
mento divino, como critério de validade (Cf. COHN, 2000, p. 151-152).
Como já foi dito em unidades anteriores, os protestantes, luteranos, zwinglianos e calvinis-
tas, creem que a salvação é uma dádiva da graça de Deus aos seus eleitos, redimidos por Cristo e
eficazmente chamados pelo poder do Espírito Santo. O homem não é, portanto, justificado dian-
te de Deus por obras meritórias por ele praticadas, pois, por melhores que fossem essas obras,
elas seriam insuficientes para atingir o padrão perfeito de Deus. Por outro lado, o eleito de Deus,
redimido por Cristo, regenerado pelo Espírito Santo, terá uma vida digna do Evangelho por ele
abraçado. É assim que a sua predestinação é reconhecida por ele mesmo e pelo mundo. O verda-
deiro cristão, nessa perspectiva, é aquele que, em todas as suas ações, visa à glória do seu Cria-
dor. Souza (1999) afirma:
Inconformados com o mundo, como afirma o apóstolo Paulo na sua carta aos Romanos, o
cristão é vocacionado a transformá-lo, tendo os padrões divinos como referência. Mas como esse
cristão, mesmo regenerado e consciente do seu dever, é parte desse mundo, há sempre o conflito
pessoal entre o que se crê e o que é vivido. Uma luta constante em busca de maior coerência. A
ausência do conflito, nesse sentido, é vista como evidência de que o indivíduo não é um regene-
rado. Essa luta do indivíduo em busca das evidências na sua própria conduta de que ele é um elei-
to, predestinado, e regenerado, tem sido considerada por diversos estudiosos, nessa perspectiva
weberiana, como um motor que move algumas revoluções. Souza (1999, p. 28-29) entende que a
Reforma realizou uma verdadeira revolução social, mas não era este o seu objetivo primordial, isso
ocorreu, entretanto como resultado dos seus objetivos religiosos (cf. WEBER, 1996, p. 27).
A partir dessa compreensão, verifiquemos, a título de exemplo, alguns aspectos em que é
reconhecida a influência da teologia reformada:
44
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Além da leitura e interpretação elementares do texto bíblico, há outra importante razão Dica
para que se valorize o saber escolar. Para realizar a sua vocação no mundo (ascetismo intramun-
A imprensa que surgiu
dano), o indivíduo deve preparar-se ao máximo, adquirir o máximo de conhecimento que lhe for
em 1455, criada pelo
possível, para que possa cumprir o seu papel na sociedade, visando à glória de Deus, o seu pró- alemão Johannes
prio bem estar e do próximo. São várias as citações de Martinho Lutero, João Calvino e outros re- Gutemberg, foi de
formadores no século XVI e, em outros contextos, nas missões protestantes, no que diz respeito grande influência na
à necessidade de criação de escolas para a promoção da fé e do ser humano em termos gerais, divulgação das novas
ideias naquele período.
visando sempre ao fim principal, a glória de Deus.
Contribuiu em muito
Os pressupostos teológicos protestantes promovem a prática da leitura. Roger Chartier para a divulgação dos
(1991) discute amplamente a influência das convicções religiosas nas práticas de escrita e leitura. ideais protestantes. Em
Ter as Escrituras como a única fonte do conhecimento especial de Deus para a salvação, o prin- contrapartida, segundo
cípio do “livre exame” e a doutrina do sacerdócio universal dos crentes, concedendo às pessoas Santos (2012), a Refor-
ma também contri-
comuns o direito e a responsabilidade de ler e interpretar a Bíblia, enfatizando a sua relação pes-
buiu para a expansão
soal, individual com Deus. Destaca-se a intensa campanha feita na Inglaterra luterana, no que diz da imprensa. Ele faz
respeito à leitura para que os fiéis pudessem “aprender a ler e ver com os próprios olhos o que um levantamento do
Deus ordena e comanda, através de Sua Palavra Sagrada. Chartier (1991) afirma: número de tipografias
existentes e demonstra
Nos séculos XVII e XVIII, a catequese nos países reformados pressupõe a presença que essas eram sempre
do livro, lido em voz alta e comentado pelo pastor, enquanto as crianças lêem em número maior nas
em silêncio e escutam a lição. Há nisso uma espécie de herança eclesial de uma cidades que aderiram
velha prática da universidade medieval em que, similarmente, cada estudante ao movimento reformis-
acompanha no livro a leitura feita pelo mestre em seu próprio manuscrito. Em ta. O trabalho de Santos
ambos os casos, a palavra que ensina requer a familiaridade com o objeto escrito, (2012) está disponível
portado, manuseado, dominado, familiaridade conquistada com maior lentidão no enderônico; <http://
na pastoral católica (...) Nos países calvinistas, e portanto alfabetizados, a leitura tede.mackenzie.
da Bíblia deve ser uma prática doméstica, popular, cotidiana” (CHARTIER, 1991, com.br/tde_arqui-
120 - 122). vos/3/TDE-2012-11-
29T134312Z-1518/
Publico/Eliezer%20
Chartier (1991) aponta, ainda, a prática protestante da leitura solitária, na intimidade, como Lirio%20dos%20Santos.
fator de desenvolvimento da leitura e de familiarização com a leitura. Como apenas saber deci- pdf>.
frar as palavras é insuficiente no caso da reflexão religiosa, exigindo, no caso do protestante, uma
postura individual diante do conteúdo lido, a interpretação torna-se imprescindível, proporcio-
nando maior desenvolvimento nesse aspecto. Aponta ainda o apego dos protestantes ao livro,
destacando a diferença de postura católica romana nesse sentido:
45
UAB/Unimontes - 5º Período
O trabalho, como vimos até aqui, é um instrumento para a glória de Deus no exercício da
vocação. Baseando-se sempre na Bíblia, recebida como a infalível revelação de Deus, citam pas-
sagens como as orientações paulinas à Igreja de Tessalônica, para que não se vivesse desorde-
nadamente, na ociosidade, mas, ao contrário, que se empenhassem no trabalho para não ser
pesado aos outros. O mesmo Paulo, escrevendo aos efésios, aponta como uma evidência de con-
versão, além de parar de furtar, aquele que tinha esse hábito passa a trabalhar com as próprias
mãos para ter com que acudir ao necessitado.
É o próprio João C que afirma:
Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção do tempo seja des-
tinada ao culto de Deus, assim também em sua palavra, por um preceito positivo,
moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens em todos os séculos,
Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso)
santificado por Ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse
46
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo foi mudado para o
primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado Domingo, ou dia do
Dica
Senhor, e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão. (Exo. Nos próprios escritos de
20:8-11; Gen. 2:3; I Cor. 16:1-2; At. 20:7; Apoc.1:10; Mat. 5: 17-18). Este sábado Calvino, quando aborda
é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os a questão da riqueza,
seus corações e de antemão ordenado os seus negócios ordinários, não só guar- essa interpretação de
dam, durante todo o dia, um santo descanso das suas próprias obras, palavras e Weber é reforçada. Leia
pensamentos a respeito dos seus empregos seculares e das suas recreações, mas as citações de Calvino,
também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e comentadas por Costa
nos deveres de necessidade e misericórdia (Exo. 16: 23-26, 29:30, e 31:15-16; Isa. (2015): <http://www.
58:13). monergismo.com/tex-
tos/teologia_reforma-
Ao contrário do que popularmente se afirma, Weber não atribui essa concepção protestante da/reforma_trabalho.
html>.
do trabalho à ambição pela riqueza. Ao contrário, analisa as convicções calvinistas, até mesmo
contrárias às riquezas, por serem perigosas. Embora indiretamente, sem intencionalidade, tenha
favorecido o estabelecimento do “espírito” do capitalismo. Comenta:
A riqueza em si constitui sério perigo; suas tentações nunca cessam, e sua pro-
cura não é apenas desprovida de sentido, quando comparada com a superior
importância do reino de Deus, como moralmente suspeita. A ascese aqui parece
voltar-se (...) contra toda a procura de riqueza em bens temporais. Exemplos de
condenação da procura de bens e de dinheiro podem ser encontrados em quan-
tidade nos escritos puritanos, e comparados com a literatura da baixa Idade Mé-
dia, muito mais liberal a este respeito (WEBER, 1996, p. 113).
47
UAB/Unimontes - 5º Período
dácia haverão de pronunciar uma sentença injusta com essa boca que entendem
ser um instrumento destinado à divina verdade? Com que consciência haverão
de assinar ímpios decretos com essa mão que sabem ser ordenada para regis-
trarem-se os atos de Deus? Em suma, caso se lembrassem de que são vigários
de Deus, impõe-se que vigiem com todo cuidado, zelo, diligência, para que re-
presentem em si, aos homens, uma como que imagem da divina providência,
proteção, bondade, benevolência e justiça (CALVINO, 2006, p. 456).
Quando essas três formas de governo, das quais tratam os filósofos, são consi-
deradas em si mesmas, de minha parte longe estou de negar que a forma que se
sobressai muitíssimo às demais é a aristocracia, quer pura quer modificada pelo
governo popular, não deveras em si mesma, mas porque mui raramente sucede
que os reis não governem a si mesmos de tal modo que nunca discordem do
que é justo e direito, ou se deixem possuir de tanta intensidade que não conse-
guem ver corretamente. Portanto, em virtude dos vícios e defeito dos homens, é
mais seguro e mais tolerável quando diversos exerçam o governo, de sorte que,
assim se assistam mutuamente, ensinem e exortem uns aos outros; e, se alguém
se exalta mais do que lhe é justo, muitos sejam sensores e mestres para coibir-se
seu desregramento (CALVINO, 2006, p. 458).
Se a submissão passiva aos governantes, considerando-os ministros de Deus, pode ser con-
siderada estímulo ao absolutismo, a opinião de Calvino sobre o governo compartilhado repre-
senta avanço na sua época em direção às restrições ao poder dos monarcas por parte de um
parlamento. Indícios da democracia dos modernos, representativa. Tendo o pensamento de João
Calvino como referência, as confissões reformadas também inovam ao delimitar as competências
do Estado e da Igreja. Vejamos, por exemplo, o que afirma a Confissão de Fé de Westminster (Ca-
pítulo XXIII) sobre o magistrado civil:
Deus, o Senhor Supremo e Rei de todo o mundo, para a sua glória e para o bem
público, constituiu sobre o povo magistrados civis que lhe são sujeitos, e a este
fim, os armou com o poder da espada para defesa e incentivo dos bons e castigo
dos malfeitores (Rom. 13:1-4; I Ped. 2:13-14). Aos cristãos é licito aceitar e exercer
o ofício de magistrado, sendo para ele chamado; e em sua administração, como
devem especialmente manter a piedade, a justiça, e a paz segundo as leis saluta-
res de cada Estado, eles, sob a dispensação do Novo Testamento e para conseguir
esse fim, podem licitamente fazer guerra, havendo ocasiões justas e necessárias
(Prov. 8:15-16; Sal. 82:3-4; II Sam. 23:3; Luc. 3:14; Mat. 8:9-10; Rom. 13:4). Os ma-
gistrados civis não podem tomar sobre si a administração da palavra e dos sacra-
mentos ou o poder das chaves do Reino do Céu, nem de modo algum intervir
em matéria de fé; contudo, como pais solícitos, devem proteger a Igreja do nosso
comum Senhor, sem dar preferência a qualquer denominação cristã sobre as ou-
tras, para que todos os eclesiásticos sem distinção gozem plena, livre e indisputa-
da liberdade de cumprir todas as partes das suas sagradas funções, sem violência
ou perigo. Como Jesus Cristo constituiu em sua Igreja um governo regular e uma
disciplina, nenhuma lei de qualquer Estado deve proibir, impedir ou embaraçar
o seu devido exercício entre os membros voluntários de qualquer denominação
cristã, segundo a profissão e crença de cada uma. E é dever dos magistrados
civis proteger a pessoa e o bom nome de cada um dos seus jurisdicionados, de
modo que a ninguém seja permitido, sob pretexto de religião ou de incredulida-
de, ofender, perseguir, maltratar ou injuriar qualquer outra pessoa; e bem assim
providenciar para que todas as assembleias religiosas e eclesiásticas possam re-
48
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
A contribuição do pensamento político protestante para diversas culturas tem sido consi-
derada sob diversos pontos de vista. A sua influência na formação dos Estados Unidos da Amé-
rica tem chamado a atenção de diversos estudiosos (SOUZA, 1999). Alexis de Tocquevile viu nas
comunidades puritanas dos fundadores elementos que estabeleceram os pilares da democracia
americana. Os sistemas de governo congregacional (democracia direta) e presbiteriano (demo-
cracia representativa) teriam sido fundamentais na produção daquela cultura política.
Até a virada do século XIX para o XX, o cristianismo era a influência intelectual
predominante na maior parte das áreas da vida e da cultura do ocidente (...) a
verdade é que não podemos entender, de fato, figuras como Newton, Descartes
ou Cuvier sem investigar as ideias religiosas e filosóficas que impulsionaram os
seus trabalhos científicos (PERCEY e THAXTON, 2005, p. 10).
Para esses autores é, no mínimo inadequado, estudar a história da ciência moderna, sem
considerar de forma mais profunda a relação entre a produção intelectual dos seus fundadores e
o contexto em que atuaram, sendo a questão religiosa elemento marcante nesses contextos. Um
estudo dessa natureza serviria para desfazer o mito do obscurantismo cristão, criado devido a al-
gumas atitudes da Igreja Medieval, consideradas como inibidoras do progresso da ciência.
Investigar a influência do cristianismo em geral sobre o surgimento e progresso da ciência
moderna é desafio de enorme potencial. Considerando os nossos objetivos específicos neste tex-
49
UAB/Unimontes - 5º Período
to, indagamos: Qual foi o posicionamento dos reformadores em geral sobre a investigação cientí-
fica? É possível identificar reflexos dos pressupostos teológicos protestantes para impulsionar ou
frear o desenvolvimento da ciência?
Hooykaas (1988) faz minucioso estudo sobre as questões acima levantadas. Apresenta um
levantamento quanto ao número de protestantes envolvidos com a produção científica entre os
séculos XVI e XVII. Apresenta dados que para ele foram surpreendentes, pois, devido às trans-
formações no campo econômico, com o desenvolvimento do comércio e da navegação, poderia
Dica até se esperar uma presença maior de protestantes nas ciências exatas e da tecnologia, mas essa
Além dos autores presença foi marcante também em outras áreas tais como a botânica e a zoologia. Afirmou: “A
supracitados, diversos maior parte dos botânicos do século XVI pertenceu à minoria protestante” (1988, p. 129). Esse au-
outros poderão ser úteis tor associa a relação entre protestantismo e ciência com o conceito de “ascetismo intramundano”
para a compreensão
do tema abordado
de Max Weber. Do ponto de vista protestante, Deus criou o mundo e todas as leis que o regem.
nesta unidade: “Asce- Concedeu ao homem a condição de administrador, mordomo desse mundo criado, e é justo que
tismo Intramundano e ele o conheça ao máximo, até o ponto em que o Criador e Senhor da natureza o permita. A omis-
Reforma Social”. Dentre são, a negligência na busca desse conhecimento seria uma falta para com Deus. Hoykaas (1998,
eles Biéler (1990), Van p.138) cita diversos cientistas, entre eles o alemão Johannes Kepler, astrônomo, matemático,
Til (2010), Kuyper (2003),
Powlison (2011).
“fervoroso luterano”, que se motivavam nas suas investigações, entendendo-a como um dever
Confira as palestras de amor e de gratidão. Eles tomavam como base para a sua ética a parábola dos talentos. João
sobre a cosmovisão Calvino observou: “aqueles que possuem tempo e capacidade, não devem descurar do estudo
protestante no que da astronomia” (Hoykaas, 1988, p. 138). A ciência, portanto, é divina. A verdade é divina e deve
se refere à ciência e à ser buscada diligentemente, pois, sendo o homem criado à sua imagem e semelhança, recebeu o
produção acadêmica:
<https://www.youtube.
dom do conhecimento, ainda que parcial da realidade. A natureza é obra de Deus e quanto mais
com/watch?v=9ya- a conhecermos, mais poderemos glorificá-lo:
xEHmfc2M>,<https://
www.youtube.com/wat- O que é mais impressionante acerca dos primeiros cientistas protestantes é o
ch?v=RhNSByLikhA> e seu amor pela natureza, na qual reconhecem a obra das mãos de Deus, e o seu
<https://www.youtube. prazer em investigar os fenômenos naturais. Um dos pais da anatomia compa-
com/watch?v=lu22NB- rada, o holandês Volker koiter (1534-1576), jamais se cansava de exaltar a provi-
2cIUY>. dência do Criador, evidenciada na maravilhosa adaptação da estrutura animal
(HOOYKAAS, 1988, p. 136 -137).
50
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Referências Atividade
Elabore um texto dis-
sertativo de, no mínimo
duas laudas, analisando
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 1990. elementos fundamen-
tais da ética reformada,
CALVINO, João. As Institutas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006 fundamentada em suas
convicções religiosas, e
CHARTIER, Roger. As Práticas da Escrita. IN: ARIES, Philippe; DUBE, Georges. História da Vida Pri- as suas implicações nas
vada: Da Renascença ao Século das Luzes. Vol 3, São Paulo: Companhia das Letras, 1991. sociedades onde tais
convicções se estabele-
COSTA, Hermisten Maia. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. ceram. Poste no fórum
de discussão.
D’AUBIGNÉ, J. H. Merle. História da Reforma do Século XVI. Vol. I São Paulo: CEP, S/D.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja: De Lutero a Nossos Dias. São Paulo; Loyola, 2008.
MEIRA, José Normando Gonçalves. Ciência e Prática: Ensino Agrícola na Educação Presbiteriana
em Minas Gerais (1908-1938). São Paulo: PUC, 2009 (Tese de Doutoramento).
POWLISON, David (Et all). O Calvinismo na Prática. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.
RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo e Cultura Brasileira. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1981.
SOUZA, Jessé de. (Org.). O Malandro e o Protestante: a tese weberiana e a singularidade brasi-
leira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
VAN TIL, Henry R. O Conceito Calvinista de Cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 2010
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 10. ed. São Paulo: Pioneira, 1996.
______. Religião e Racionalidade Econômica. In COHN, Gabriel. Weber. 7. ed. São Paulo: Ática,
2000.
51
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
UNIDADE 6
Contra-Reforma ou Reforma
Católica
José Normando Gonçalves Meira
6.1 Introdução
Contra-Reforma ou Reforma Católica? Os movimentos de renovação ocorridos no inte-
rior da Igreja medieval foram simplesmente uma reação à Reforma Protestante ou tiveram
outras motivações? Quais foram as mudanças de fato implementadas na Igreja medieval?
Por que as mudanças não foram suficientes para atender aos protestantes, reunificando o
cristianismo ou pelo menos parte dele? Convido os prezados acadêmicos para um estudo
introdutório desse complexo tema, proporcionando-lhes condições para novas buscas, deli-
mitações e aprofundamentos.
Alguns autores, enfatizando, e às vezes até limitando, as ações reformadoras ocorridas na
Igreja de Roma como reação aos movimentos protestantes, usam o termo “Contra-Reforma”. Ou-
tros preferem o termo “Reforma Católica”, entendendo que as referidas mudanças representaram,
de fato, a reforma da Igreja, pois ocorreram sem rupturas. A estrutura foi mantida e realizadas
mudanças possíveis naquele contexto. Há ainda os que utilizam os dois termos. Avaliam que as
propostas de reforma que foram produzindo as mudanças na Igreja Católica Romana surgiram
paralelamente aos movimentos que deram origem ao protestantismo. Reações que se asseme-
lhavam em grande parte dos pontos. Depois da consolidação das reformas protestantes, causan-
do rompimento em diversas regiões da Europa, os movimentos de reforma católicos adquiriram
o caráter de Contra-Reforma. Reforma Católica e Contra-Reforma seriam, portanto, etapas ou as-
pectos do movimento ocorrido na Igreja católica. A Reforma católica seria o seu aspecto interno,
cuja necessidade era reconhecida por diversos grupos, incluindo parte do clero, devido à degra-
dação moral do próprio clero e as mudanças ocorridas no contexto da sua atuação. A pressão
externa que ocasionou as reformas foi causada pela sistematização e expansão das doutrinas e
instituições protestantes, dando-lhe o caráter de Contra-Reforma.
53
UAB/Unimontes - 5º Período
Martina (2008, p. 188) afirma que manifestações significativas de insatisfação com as con-
dições que a Igreja foi adquirindo, ao longo da idade Média, podem ser identificadas em suas
formas mais intensas, desde o século XV. Nicols (2013, p. 183) destaca que essas manifestações
eram abrangentes, podendo ser identificadas em diversas regiões do ocidente e envolvendo di-
versos segmentos da sociedade, inclusive sacerdotes, monges, bispos e cardeais. Essas insatisfa-
ções referiam-se, principalmente, às questões relacionadas à degradação moral percebidas prin-
cipalmente no meio clerical. Além dessas questões morais, outro elemento interno motivador
desse apelo por reforma tinha a ver com a influência cultural do Renascimento. Percebia-se a ne-
cessidade de uma mudança de métodos, superando a metodologia escolástica, considerada na-
quele momento, produtora de uma teologia densa e pouco aplicável à vida dos fiéis. Esses movi-
mentos, paralelos a outros mais radicais que geraram severas reações da hierarquia romana, não
chegavam a atingir o cerne da doutrina desenvolvida pela Igreja durante o período medieval.
Atinham-se às questões de comportamento e de métodos de ação. Essa talvez seja uma razão da
serem relativamente pouco explorados pela historiografia tradicional que praticamente reduz as
ações da reforma católica às reações ocorridas a partir das décadas do século XVI que sucederam
ao movimento de Lutero e, depois, dos outros reformadores. Martina (2008) afirma:
A existência desses movimentos mais ou menos radicais, de contestação limitada aos pa-
drões morais ou atingindo também as questões doutrinárias, é reconhecida, inclusive, quando são
estudados os chamados movimentos precursores da Reforma Protestante do século XVI ou “pré-re-
formadores”. Estes seriam parte dessas reações internas do catolicismo em busca de renovação. Na
Itália, especialmente, que, por diversos fatores, permaneceu impermeável aos movimentos protes-
tantes e, mesmo aquelas contestações doutrinárias mais profundas, ocorridas em outras partes da
Europa, as ações pela renovação da Igreja também ocorreram, mas, em vez de confronto doutriná-
rio, caracterizava-se pela intensidade do zelo religioso e do reavivamento na relação com os dog-
mas estabelecidos pelo clero. Cairns (1988) discute as ações desses movimentos que objetivavam
reavivar a fé católica, reagindo contra o formalismo e superficialismo, destacando os seus exercícios
devocionais e a intensificação de obras de caridade, além de criação de ordens e organizações, in-
clusive formada por leigos.
Gonzalez (1981, p. 183) destaca a impor-
tância da rainha Isabel I (1451-1504), Isabel, a
Católica, para as reformas no catolicismo espa-
nhol. Fiel aos dogmas e ao papa, as suas ações
reformadoras, nos diversos aspectos da socie-
dade sob seu governo, impulsionaram também
as iniciativas de reforma da Igreja. Outro nome
considerado importante para os movimentos
de reforma católica na Espanha foi o cardeal Xi-
menes de Cisneiros (1436-1517), arcebispo de
Figura 31: Isabel a ► Toledo. Agiu como confessor e conselheiro da
Católica rainha Isabel. Era franciscano, destacando-se
Fonte: Disponível em pelos hábitos simples e pela prática da carida-
<https://pt.wikipedia.org/ de, favorecia ações reformadoras nos costumes
wiki/Isabel_I_de_Castela>.
Acesso em 24 jul.2015. clericais e na prática eclesiástica.
Cairns (1988, p. 280) cita o “Oratório do
Amor Eterno”, organizada por volta de 1517,
que por sua dedicação à Igreja de Roma e a
busca intensa de renovação religiosa por meio
de fervorosos exercícios espirituais, serviu de
inspiração para que outras ordens semelhan-
tes fossem criadas em diversas partes da Eu-
ropa. Esse movimento não entre os pioneiros,
mas surgiu paralelamente aos que, em outras
54
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Mesmo depois da consolidação dos movimentos protestantes, os diversos grupos que ape-
lavam por reformas no interior da igreja de Roma persistiram, coexistindo em duas vertentes. A
primeira, reconhecendo os desvios morais nos quais a Igreja, especialmente o clero, havia incor-
rido e a necessidade de uma renovação na conduta. A outra ponderava a possibilidade de reava-
liações em pontos doutrinários que pudessem promover a reintegração de grupos dissidentes,
evitando assim o cisma. As convicções arraigadas na Igreja seriam fundamentais obstáculos para
que essa vertente prevalecesse. A afirmação veemente de que o clero tem a autoridade para me-
diar o relacionamento do povo com Deus e era o legítimo intérprete das Escrituras, devendo ser
seguido com toda segurança pelos fiéis, era uma delas. A outra é a de que a tradição da Igreja, ao
lado das Escrituras por ela interpretadas, era a regra para a fé e a prática geral. Esses pontos, ine-
gociáveis para católicos e protestantes, demonstraram a impossibilidade de se evitar o cisma ou
de promover uma reconciliação entre os grupos que já haviam se separado.
6.3 A Contra-Reforma
Embora as ações que visavam à Reforma Católica sejam identificadas desde muito antes do
evento do dia 31 de outubro de 1517 em Winttenberg, na Alemanha, “o surgimento do protes-
tantismo, deu-lhe novo tom” (GONZALEZ, 1981, p. 185). As expectativas de unidade se frustra-
ram. Tanto proponentes de uma profunda reforma estrutural e doutrinária da Igreja que culmi-
naram no protestantismo, como dos reformadores católicos que, sem abrir mão das doutrinas
romanas, reconheciam necessidade de mudanças, entenderam ser impossível uma síntese. O cis-
ma era irreversível. Como os protestantes demonstravam potencial de avanço a partir da Alema-
nha e da Suíça para diversas regiões da Europa, as ações reformadoras internas da Igreja romana
deveriam levar em consideração essa pressão externa e responder-lhe, buscando neutralizá-la.
Esse esforço é chamado de Contra-Reforma.
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Figura 33: Anais Eclesiásticos, de Cézar Baronio Figura 34: Roberto Belarmino
Fonte: Disponível em <http://www.europeana.eu/portal/ Fonte: Disponível em <http://www.igrejacatolica.pt/sao
record/9200110/BibliographicResource_1000126635817. -roberto-belarmino-e-o-sedevacantismo/#.VYAZtPlViko>.
html>. Acesso em 26 jul.2015. Acesso em 28 jul.2015.
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história dessa instituição, fundamental para o cumprimento dos objetivos da Igreja de Roma na
exposição da sua nova metodologia, em contraposição ao protestantismo, poderosa na conten-
ção do avanço das heresias.
Normalmente, o estudo da Companhia de Jesus inicia-se pela trajetória do seu fundador, o
espanhol Inácio de Loyola. As semelhanças entre Loyola e Lutero têm sido destacadas pelos his-
toriadores (MARTINA, 2008) tanto na forma como se sentiram vocacionados para as obras que
lhes ocuparam pelo resto das suas vidas, como pelo espírito contrito, perturbado, as experiências
de angústias profundas pelo reconhecimento do pecado. A diferença entre os dois foi o sentido
que tomaram. Enquanto Lutero, pela leitura das Escrituras, descobriu a doutrina da justificação
pela graça, mediante a fé que lhe acalmou o coração e deu-lhe a paz que julgava ter que procla-
mar e por esta e outras doutrinas afastou-se da religião do Papa, Loyola entendeu que a solução
para as suas angústias estaria exatamente na sua entrega à defesa da Igreja de Roma como fiel
soldado, e essa fidelidade manifestava-se pela honra incondicional ao Papa que entendia ser o
cabeça da Igreja, chegando a afirmar: “Eu acredito que o branco que eu vejo é negro, se a hierar-
quia da igreja assim o tiver determinado” (Apud NASCIMENTO, 2015). Inicialmente o sonho de
Inácio de Loyola era dedicar-se à carreira militar e, de fato, dedicou-se. Ao ter a sua perna ferida
gravemente em combate, durante a sua difícil recuperação, teve uma profunda experiência que
o levou a decidir se tornar um soldado de Jesus. Gonzalez (1981) cita documento, contendo o
testemunho de Loyola na terceira pessoa:
Estando uma noite acordado, viu claramente uma imagem de nossa Senhora
com o santo menino Jesus, e com esta visão recebeu por notável espaço de tem-
po, uma consolação muito excessiva, e ficou com tanto nojo de toda a sua vida
passada, e especialmente de coisas da carne, que parecia haver-se tirado da alma
todas as espécies que antes tinha nela pintadas (GONZALEZ ,1981, p.193).
Inicialmente, após a sua recuperação, teve a intenção de ser missionário entre os turcos na
Palestina. Chegou a participar dessa missão por algum tempo, colaborando com os franciscanos
que ali atuavam. Por ter sido considerado apressado em seus métodos, devido ao seu fervor, os
franciscanos temeram que problemas fossem criados, prejudicando a realização do trabalho mis-
sionário, solicitaram que ele se retirasse da região. Voltou então para a sua terra e, embora não
sendo mais tão jovem, dedicou-se aos estudos em Barcelona, Alcalá, Salamanca e Paris. Reuniu
em torno de si companheiros com propósitos semelhantes aos dele. Em 1534 todos fizeram os
votos de pobreza, castidade e obediência ao Papa.
Surgia então, em 1534, a nova ordem religiosa que, inspirada em princípios e métodos mili-
tares, se empenharia bravamente na defesa e na expansão dos ideais católicos romanos. Inicial-
mente a ideia era que os Jesuítas atuassem na Palestina, desenvolvendo a atividade missionária
entre os turcos, onde Loyola foi impedido de prosseguir na parceria com os franciscanos. Con-
siderando, entretanto, a terrível ameaça que o protestantismo representava naquele momen-
to, principalmente depois do seu reconhecimento oficial por parte do Papa, em 1540, a nova
ordem empenhou-se no seu combate. Isso
não impediu que os ideais missionários fos-
sem enfraquecidos, pois os Jesuítas atuaram
fortemente nas terras longínquas, na medida
em que as novas terras iam sendo conquista-
das pelas nações católicas. A ideia era, além
de cristianizar os pagãos, fazê-lo nos moldes
da Igreja de Roma, antes que os protestantes
◄ Figura 35: Inácio de
ou outras tendências chegassem. Na Améri- Loyola, fundador da
ca Portuguesa, que viria a ser o Brasil, os Je- Companhia de Jesus
suítas deixaram a sua influência marcante. Fonte: Disponível em
Atuaram aqui durante 210 anos (1549-1759), <http://pt.wikipedia.org/
wiki/In%C3%A1cio_de_
tendo importante participação no processo Loyola>. Acesso em 25
colonial, especialmente no que diz respeito jul.2015.
à educação, uma das suas principais estraté-
gias de combate. Essa atuação dos Jesuítas
na América Portuguesa tem sido fértil tema
de pesquisa por parte de historiadores de di-
versas subáreas, especialmente da História da
Educação.
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das. Houve intenso debate se seriam priorizadas as questões dogmáticas ou aquelas referentes à
renovação moral da Igreja. Pela composição da assembleia, era possível prever que as discussões
dogmáticas se restringiriam à sistematização e fundamentação das doutrinas já consagradas
pela tradição, uma vez que os grupos divergentes já não participavam dessas discussões.
Mesmo com as dificuldades internas enfrentadas, ainda nessa primeira fase, o Concílio de
Trento aprovou um dos pilares dogmáticos do catolicismo romano: “o decreto sobre a Escritura
Sagrada e a Tradição” (MARTINA, 2008, p. 240). É decretado pelo concílio que ambas, Escritura e
Tradição, “o concílio (...) recebe e reverencia com igual sentimento e veneração” (Apud, MARTINA,
2008, p. 240). Esse decreto básico, fundamental, afasta definitivamente a Igreja Católica Romana
do protestantismo arraigado na afirmação “Sola Scriptura”. A autoridade divina que determina a
fé e a prática do católico romano está em dupla fonte: Escritura e Tradição. Para o protestante,
só a Bíblia é inspirada por Deus, portanto, única regra de fé e de prática. Essa diferença de fonte
da revelação divina implicará as demais divergências entre essas duas vertentes do cristianismo.
Além da tradição da Igreja, considerada como autoridade de fé, o concílio, em 1546, afirmou a
autoridade dos sete livros do Antigo Testamento, chamados pelo catolicismo de “deuterocanôni-
cos”. São eles: Tobias, Judite, Primeiro e Segundo livros de Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico e Ba-
ruque. A palavra “deutero”, de raiz grega significa “segundo”, isto é, reconhecidos posteriormente
como parte do Cânon bíblico e, portanto, de inspiração divina. Esses livros são chamados pelos
protestantes de “livros apócrifos”, ou seja, não inspirados por Deus. Para isso apresentam vasta
argumentação, a começar pelos argumentos históricos relacionados ao próprio posicionamento
do judaísmo, produtores e guardiães do Antigo Testamento. Não é nosso objetivo discutir esses
argumentos aqui. Cumpre-nos, nessa discussão, compreender que aqui há mais um ponto de de-
limitação das fronteiras entre Reforma e Contra-Reforma. As Bíblias adotadas pelo catolicismo e
pelo protestantismo são idênticas em todos os pontos, exceto, no Antigo Testamento. Os protes-
tantes adotam os 36 livros, menos os sete por eles chamados de “apócrifos” e chamados pelos
católicos romanos de “deuterocanônicos”.
Outras reafirmações doutrinárias contrapuseram-se à fé protestante. A justificação, segundo
o Concílio de Trento, não era pela fé somente, mas também por boas obras. Contrapõe-se tam-
bém com as afirmações: “Sola Gratia” e “Sola Fide”, pilares das convicções protestantes. Foram
reafirmados os sete sacramentos contra os protestantes que entendem que, à luz da Bíblia, só
dois deles procedem: o batismo e a eucaristia. Além dessas importantes decisões dogmáticas, foi
nessa primeira fase que o Concílio de Trento formulou os decretos sobre os abusos eclesiásticos.
Além da resistência ao protestantismo, encaminhou-se a reforma considerada necessária e possí-
vel no interior da Igreja de Roma.
Nas sessões seguintes, além de doutrinas importantes para o catolicismo como a tran-
substanciação, o celibato dos padres, a doutrina do purgatório, entre outras, formuladas ou
reafirmadas segundo a sua dupla fonte de autoridade: A Bíblia e a Tradição da Igreja (CAIRNS,
1984, p. 286).
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Referências
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália Séculos XV a XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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UAB/Unimontes - 5º Período
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 1984.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Altos Ideais. São Paulo; Vida Nova, 1983.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja: De Lutero a Nossos Dias. São Paulo: Loyola, 2008.
NICOLS, Robert H. História da Igreja Cristã. 14. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.
PINTO, Felipe Martins. A Inquisição e o Sistema Inquisitório. In: Revista da Faculdade de Direito.
N. 56 Jan/Jun 2010. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Reforma e Contra-Reforma
Resumo
Na unidade 1, você estudou:
• Termos e perspectivas do estudo do tema “Reforma e Contra-Reforma”.
• Conceitos e abordagens pertinentes ao tema.
• Como esse tema tem sido discutido nas diversas áreas das ciências sociais.
• Principais autores que servem de referência para análise do tema em geral.
Na unidade 2, vimos:
• As transformações ocorridas no cristianismo medieval, referindo-se aos primeiros séculos
da era cristã.
• O contexto em que surgiram os apelos por uma reforma da Igreja.
• As primeiras tentativas de reforma ou antecedentes históricos da Reforma Protestante do
Século XVI.
Na unidade 4, observamos:
• Movimentos protestantes que divergiam do movimento tradicional.
• A expansão do protestantismo e as características do protestantismo instalado em cada
região.
• As confissões reformadas dos séculos XVI e XVII e sua relevância para a consolidação e ex-
pansão do protestantismo.
Na unidade 5, estudamos:
• Os credos religiosos e a construção social a partir de uma visão de mundo.
• A abordagem weberiana sobre a ética protestante.
• As diversas influências da visão de mundo protestante, devido às suas convicções religiosas,
como influenciaram em diversos aspectos da sociedade.
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Referências
Básicas
Complementares
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália Séculos XV a XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 1984.
CHARTIER, Roger. As Práticas da Escrita. IN: ARIES, Philippe; DUBE, Georges. História da Vida Pri-
vada: Da Renascença ao Século das Luzes. Vol 3, São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Altos Ideais. São Paulo; Vida Nova, 1981.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1983.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja: De Lutero a Nossos Dias. São Paulo: Loyola, 2008.
MEIRA, José Normando Gonçalves. Ciência e Prática: Ensino Agrícola na Educação Presbiteriana
em Minas Gerais (1908-1938). São Paulo: PUC (Tese de Douoramento)
NASCIMENTO, Ester Fraga Villas-Boas. Educar, Curar e Salvar: Uma Ilha de Civilização no Brasil
Tropical. São Paulo: PUC. (Tese de Doutoramento).
NICOLS, Robert H. História da Igreja Cristã. 14. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.
PINTO, Felipe Martins. A Inquisição e o Sistema Inquisitório. In: Revista da Faculdade de Direito.
N. 56 Jan/Jun 2010. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no
Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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VILLAS-BOAS, Ester Fraga. Origens da Educação Presbiteriana em Sergipe (1884-1913). São Cristóvão-
SE: UFSE (Dissertação de Mestrado)
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 10. ed. São Paulo: Pioneira, 1996.
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Atividades de
Aprendizagem - AA
1) De acordo com a visão de mundo reformada, especialmente a vertente calvinista, o conceito
de “Reforma” extrapola os objetivos do movimento do século XVI. Trata-se de um exercício per-
manente para o indivíduo e para a comunidade. Qual é esse entendimento de “Reforma”?
6) Por que a Igreja da Inglaterra não era aceita pelos protestantes reformados?
9) O Concílio de Trento reafirmou diversas doutrinas da Igreja de Roma que foram decisivas para
a separação definitiva entre católicos e protestantes. Qual dessas é considerada geradora de to-
das as demais?
10) Elabore um comentário, fazendo uma avaliação pessoal dos movimentos Reforma e Contra
-Reforma.
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