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Vice-reitora
Márcia Helena Mendonça
Rogério Budasz
Anais do
º. Encontro Nacional de Cognição e
Artes Musicais
DeArtes
Curitiba,
© Os contribuidores listados da página viii à xiii.
Anais do Primeiro Simpósio de Cognição e Artes Musicais
CDD — 781-15
— 153-4
Direitos reservados à
Editora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná
Rua Coronel Dulcídio 638
80420-170 Curitiba PR
Tel. e Fax (0xx41) 3222-6568
www.artes.ufpr.br
Printed in Brazil 2006
Curitiba, 20 e 21 de maio de 2006
Departamento de Artes – Universidade Federal do Paraná –
Programa de Pós-Graduação em Música
Comissão Organizadora:
Beatriz Ilari
Mauricio Dottori
Zélia Chueke
Agradecimentos:
Fundação Araucária
DeArtes – UFPR
Auditório Brasílio Itiberê, Secretaria de Cultura do Estado do Paraná
Quarteto de Violões da Escola de Música e Belas Artes do Paraná
Dirce Freire-Maia – web master
Alunos monitores:
Charlene Neotti Gouveia (coordenação), Ana Paula Moreno, Angelita Broock,
Auro Moura, Cíntia Effting, Felipe Hickmann, Fernanda Adamowski, Joana
Marini, João Pedro Caserta, Judson de Lima, Juliana Clara Bastos, Luís
Bourscheidt, Rodrigo Agostini, Samantha Batista, Tadeu Moreno, Vivian
Dell’Agnolo Barbosa.
vii
Apresentação
Maurício Dottori
viii
Programa do evento:
SÁBADO 20/05/06 DOMINGO 21/05/06
(DeArtes) (DeArtes)
8-9:30 Credenciamento Assembléia da CAM
(hall de entrada) (auditório)
9:30 Abertura e Concerto com
o Quarteto de Violões
da EMBAP (auditório)
10:30 Sessões temáticas Sessões temáticas
paralelas I paralelas III
(auditório e sala 103) (auditório e sala 103)
12:30-14:00 Pausa para almoço Almoço por adesão
(informações na recepção –
hall de entrada)
14-16:00 Sessões temáticas Sessões temáticas
paralelas II paralelas IV
(auditório e sala 103) (auditório e sala 103)
16-16:15 Coffee-break
16:15- 17:30 Sessão de pôsteres Sessões de demonstração
(corredor); (auditório)
Simpósio de alunos de
graduação (auditório)
17:30- 18:30 Lançamento de livros e Deslocamento para o Auditório
materiais (sala 101) Brasílio Itiberê
18-19:30 Sessão plenária: Concerto final e encerramento
Dr. Afonso Galvão (UCB), (Auditório Brasílio Itiberê
Aspectos psicológicos R. Ébano Pereira 240,
do trabalho orquestral esq. R. Cruz Machado
(auditório) – Centro – entrada pela Cruz
Machado
ix
Índice
Sessões Temáticas
Sessões Temáticas
Os experimentos
Pesquisas têm sido feitas tanto em cérebros de animais (a exemplo das
de Frances H Rauscher, K. D. Robinson, . & J. J Jens5), como em
cérebros humanos. Christo Pantev, um dos pesquisadores mais
conceituados na área de cognição musical e especializado em magne-
toencefalografia, juntamente com outros pesquisadores, em vários
experimentos neurológicos estudaram o impacto da música e do treino
musical na organização funcional e na representação auditiva e senso-
riomotora em músicos. Como técnica para a realização de seus estudos
usaram a magnetoencefalografia (MEG)6, uma técnica não invasiva,
que com precisão e confiabilidade registra as mudanças que ocorrem
no córtex humano quando uma habilidade está em ação, por exemplo,
aprender a tocar um instrumento musical. Christo Pantev e seus colegas
A. Engelien, V. Candia e T. Elbert7 estudaram em músicos profissionais
a representação cortical de sons musicais comparados com a represen-
tação de sons puros. Para os sons puros, ou seja: aqueles nos quais esta-
Referências bibliográficas
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Referencial teórico
Na literatura fundamental da área, as medidas de dissonância são
geralmente associadas às interações entre os componentes espectrais
ou parciais de um som. A pesquisa de Plomp & Levelt (1965) provê os
fundamentos para a construção das Curvas de Dissonância Sensorial.
Utilizando-se deste estudo, William Sethares (2005) desenvolveu um
modelo que relaciona o timbre de um instrumento musical (i.e. re-
presentado pelo espectro sonoro) com a construção de uma escala.
Sethares relaciona a distribuição espectral com uma dada escala/afi-
nação com o objetivo de obter níveis mínimos de dissonância nos
intervalos musicais da escala. Em paralelo, o compositor Clarence
Barlow (1980) expande os conceitos de Plomp & Levelt (1965) ao
incluir no cálculo das Curvas de Dissonância Sensorial as Curvas de
Fletcher & Munson (1933) que relacionam a percepção de intensidade
sonora e distribuição de freqüência a um conjunto de curvas não-linea-
res denominadas de Curvas de Iso-Loudness.
1. Afinação Justa e Temperamento
As definições fundamentais relacionadas ao nosso trabalho podem ser
resumidas da seguinte forma: Intervalos justos são aqueles que podem
ser representados por proporções de números inteiros, ou seja, frações
racionais. Ex: [2:1] (oitava), [3:2] (quinta). Já intervalos temperados não
podem ser representados por proporções de números inteiros, pois são
descritos por relações de números irracionais. Ex: [2½:1] = 1.4142…
(trítono temperado). A afinação justa possui apenas intervalos justos,
enquanto o temperamento, além de intervalos temperados, pode
também conter intervalos justos. Intervalos justos possuem relações
harmônicas e são periódicos. Intervalos temperados são inarmônicos e
aperiódicos.
Todavia, alguns autores consideram como harmônicos os intervalos
representados por frações racionais associadas aos primeiros termos da
série harmônica e inarmônicos as razões associadas aos termos de
ordem superior. Intervalos inarmônicos são, desta forma, aproximados
aos termos superiores da série harmônica. Ex: [1.414:1] ao invés de
[2½:1] para representar o trítono temperado.
2. Dissonância
Tenney (1988) destaca cinco noções distintas de dissonância no
decorrer da história: melódica, polifônica, funcional, contrapontística,
e psicoacústica. A noção mais recente é a psicoacústica, focada em
mecanismos perceptuais do sistema auditivo, o termo dissonância sen-
sorial está sob esta ótica e é geralmente creditado à Helmholtz (1954),
apesar de ter sido significativamente refinado por Plomp e Levelt
(1965). Este estudo contemporâneo da dissonância sensorial é
vinculado à Banda Crítica e ao Mapeamento Espectral da Dissonância,
apresentados a seguir.
Agradecimentos
A implementação em Pd está sendo realizada com a essencial ajuda do
doutorando Fábio Furlanete. O projeto de pesquisa é apoiado pela
FAPESP com a concessão de bolsa de mestrado e pelo CNPq com a
concessão de bolsa Pq.
Referências bibliográficas
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A percepção na música
Valeria Gobbi
Raquel da Cruz Machado
Universidade de Passo Fundo
“S
ó existem três espécies de mecanismos figurativos por
oposição aos mecanismos operativos das funções cognitivas: a
percepção, a imitação e a imagem”. (Piaget, 1977:493). Se
nossa relação com o mundo inicia através da experiência que
temos com ele e esta relação seria responsável pela construção de co-
nhecimentos, a percepção seria o primeiro encontro com a realidade.
Partindo da idéia de que outras teorias como o behaviorismo e a gestalt
não responde o que há entre o sujeito e o meio, Piaget avança em seus
estudos dos mecanismos do desenvolvimento cognitivo ao se apartar
dos mecanismos perceptivos que a cultura fornece. Estudando o cami-
nho da percepção e sua evolução constata-se que seus efeitos primários
ou de campo só se modificam com a idade e alguns esboços de está-
gios que aparecem e se transformam, não podem ser comparados com
o desenvolvimento das operações. Não existe autonomia nesta
evolução das percepções, por que ela precisa da intervenção de
mecanismos que vão além da percepção e, justamente, estes mecanis-
mos exteriores vão contribuir para o aparecimento de novos efeitos per-
ceptivos.
Em princípio, pode-se mencionar que a percepção é influenciada pela
maneira como os corpos estão estruturados para receber e elaborar os
estímulos do meio, porém tudo inicia pela refutação da hipótese de que
o conhecimento é uma cópia do real e da afirmação da hipótese de que
se trata de uma assimilação.
Partindo da questão de que a imagem constitui a fonte das operações
intelectuais ou se, ao contrário, ela interfere no desenvolvimento destas
operações, trata-se de buscar origem a propósito da percepção incidin-
do sobre as relações entre os aspectos figurativos e operativos das
funções cognitivas, nos domínio visuais e por vezes tátil-sinestésicos.
Piaget relaciona a imagem e a percepção, analisa as transformações da
imagem e as antecipações da mesma realizada pelo sujeito. Observa as
antecipações nas relações topológicas mais gerais, tais como a
vizinhança e o envolvimento, questiona se a imagem depende da ação
do sujeito e qual sua relação com o pensamento operatório para
alcançar, finalmente, compreender a relação entre a intuição geométri-
ca, as imagens e as relações de natureza imagética ou operatória.
Constituindo-se como funções figurativas do pensamento, as imagens
de reconstituição e antecipação – próprias da representação imagética
– apresentam um problema similar à percepção, que é outra parte das
funções figurativas, as relações entre os efeitos de campo e as
atividades perceptivas. Se não existe autonomia na evolução das
percepções, tal não acontece com as operações da inteligência cujo
desenvolvimento apresenta as características de desenrolarem-se
segundo estágios bem definidos e segundo um processo autônomo. De
acordo com Piaget (1977:483):
“Uma tal evolução é, por outro lado, autónoma pois as estruturas
assim construídas engendram-se umas a partir das outras em virtude de
razões que só dependem da inteligência (acordo com a experiência,
coerência interna, etc. ), podendo os factores afectivos, por exemplo,
acelerar ou retardar a formação duma estrutura, mas não modifica-la
enquanto estrutura (autónoma não significa portanto isolável, mas que
se desenrola segundo filiações contínuas)”.
Examinar as questões do significado de estágios ou da sua própria
existência e, antes de tudo, o mecanismo de sua evolução contribui
para esclarecer sobre as relações da imagem com a percepção e com a
inteligência. O aparecimento da imagem coincide com o provável
momento da constituição simbólica, ou seja, entre um e meio a dois
anos e não apresenta dinamismo de contínuo, quer se trate da con-
tinuidade de movimento ou de modificação. A percepção, por sua vez,
é centrada e contenta-se com algumas amostras de informação forneci-
das por centrações e encontros em parte aleatórios do objeto, cujo
resultado é uma probabilidade de acertos uma vez que atinge somente
uma parte dos elementos percepcionados ou das relações em questão.
A imagem, pelo contrário, busca uma figuração esquematizada, sim-
bólica. As deformações observadas são próprias desta figuração e o seu
caráter estático se deve a impossibilidade de captar o contínuo cujo
simbolismo vem para suprir aquilo que não foi possível representar.
“(…) Da mesma maneira, se a imagem é simbólica, a percepção não o
é certamente no sentido que tomamos do termo de símbolo”. (idem:
495). A sensação, por sua vez, é um símbolo entendido como um
índice ou sinal e não como semelhança, portanto, ela não se constitui
como cópia fiel do estímulo.
Quando Guillièron (1979) demonstra que as crianças pequenas estão
mais sujeitas aos “efeitos de campo” no desenvolvimento das per-
cepções, são mais sensíveis às ilusões perceptivas primárias, não está
eliminando a possibilidade de que isso aconteça também no adulto.
Devido possuir poucas atividades perceptivas, a criança, até aos seis
anos, é muito sensível a estas ilusões. Elas apresentam “grandes difi-
culdades na decomposição de uma figura complexa em unidades que
não sejam ‘naturais’, ‘primárias’, isto é, em unidades simples organi-
zadas segundo as leis da Gestalt” (p. 155).1 Mesmo que a figura seja
organizada segundo essas leis, porém complexa e o desenho não cor-
responder a uma unidade simples, a criança conseguirá reconhece-lo
somente após os seis anos. Outra característica consiste em que suas
percepções são sincréticas, sem relações entre as diversas partes de um
todo. Tem uma visão global do conjunto sem apresentar a análise e sín-
tese das partes, nem tampouco atividades exploratórias e, se por acaso,
aparecer uma visão de detalhes, estes serão isolados, em justaposição.
Quando chegam a fase pré-operatória e as primeiras operações, entre
seis e oito anos, aparece uma nova forma de organização. Assim, pode-
se “entender a evolução das percepções como uma assimilação pro-
gressiva da percepção por parte das funções cognitivas superiores”
(idem: 157). Piaget, com seus estudos, esclarece que a reversibilidade,
como capacidade de executar a mesma ação nos dois sentidos do per-
curso com consciência de que se trata da mesma ação, para a qual as
comparações e transposições se encaminham das regulações percepti-
vas, é a grande responsável pelo início das operações. A percepção,
portanto evolui sem que seu nível de organização primária desapareça.
Egocêntrica, sempre está centrada num objeto presente, em função da
própria perspectiva do sujeito, por isso só tem satisfação prática. Não
busca a explicação, a classificação, a comprovação por si mesma e não
relaciona causalmente. Não é reflexiva.
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Pianista e professor:
questões básicas de ensino de prática instrumental
Zélia Chueke
Universidade Federal do Paraná
Questões de ensino
A função do professor
O papel do professor está implícito na função do instrumento musical.
Tomando como exemplo o piano, verificamos que sua evolução – do
monocórdio ao piano moderno – deu-se essencialmente em função de
exigências musicais. Esta constatação origina outra, que caracteriza a
música como arte performática. “Estritamente falando, a música é pro-
duzida unicamente através da execução, e o sentido a ela atribuído
depende de cada indivíduo” (Blacking, 1979: 3). Fica assim definida a
função do professor: orientar o aluno para que este possa descobrir seus
próprios meios de transformar idéias musicais em som.
Professor ou pianista?
Um aspecto que tem sido freqüentemente abordado em se tratando do
ensino de piano é a necessidade da experiência do professor como
intérprete profissional.
Na opinião de Georgy Sandor (1995: 200) “os intérpretes devem
aprender de outros intérpretes”. Curiosamente, seu enfoque recai sobre
as vantagens do professor que pode demonstrar o que ensina.
Consideremos este enfoque juntamente com o testemunho de Leon
Fleisher (apud Mach, 1988: 106): devido a problemas nas mãos, que o
impediram de executar muito do que ensinava, Fleisher viu-se forçado
a se tornar mais verbal, criando imagens que procurava associar à
experiência de cada aluno. Reconhecendo ser muito mais simples
sentar-se ao piano e tocar uma certa passagem, o pianista acredita que
a imitação no início do aprendizado é importante, pois “existem
aspectos que apesar de copiar satisfatoriamente, o aluno só virá a
compreender um pouco mais tarde”.
Estes dois pianistas valorizam as habilidades performáticas do professor
de instrumento sob um ângulo deveras inconveniente, sendo a imitação
geralmente desprovida de escuta e reflexão, o que pode facilmente
impedir o auto-conhecimento, objetivo importantíssimo no processo de
aprendizado. Além disto, qual seria a finalidade de se sugerir ao aluno
a cópia da execução de um material sonoro que ele não pode ainda
compreender? Afinal, contamos com opções de repertório as mais
diversas, acessíveis às diferentes condições emocionais, culturais e
técnicas, possibilitando o desenvolvimento individual e paulatino da
compreensão musical e sua relação íntima com a técnica.
Esta é a postura de pianistas como Rudolf Buchbinder (apud Chueke,
2000: 38) que acredita ser atribuição do professor encorajar e patroci-
nar a individualidade de cada estudante. O pianista austríaco afirma
que o professor deve ter o cuidado de não impor sua própria persona-
lidade ao aluno. Rudolf Firkursnik (apud Mach, 1980: 84) declara igual-
mente que “tenta ajudar seus alunos a desenvolver sua própria indivi-
dualidade, principalmente no que diz respeito à expressão musical”.
Respondendo à nossa questão, não restam dúvidas quanto às vantagens
da experiência do professor enquanto intérprete profissional; porém
estas se manifestam não na demonstração pura e simples de suas
próprias idéias, mas no acompanhamento do processo do aluno, que
inicia com a escolha de uma obra a ser incluída no repertório, seguida
do primeiro contato com a partitura, a compreensão e absorção do
texto musical, a preparação da execução e o momento mágico da
comunicação entre o artista e o ouvinte. Uma grande e real vantagem,
é que o profissional poderá orientar o aluno a tirar o melhor proveito
do tipo de experiência que só pode ser vivida no palco, como por
exemplo, a adaptação à acústica da sala, sua relação com o
instrumento, com possíveis microfones e com a presença do público,
entre outros aspectos.
Como resultado de um ensino apropriado, o jovem instrumentista: (a)
torna-se capaz de usar sua bagagem musical e técnica para trazer
consistência à sua interpretação, (b) adquire auto-confiança, que ira
guiá-lo em sua busca de individualidade na execução, (c) aprende a
monitorar conscientemente seu trabalho de preparação e a execução
propriamente dita, vivenciando-a com prazer.
O mito do inalcançável
A função primordial do intérprete é “esclarecer” (Schoenberg, 1984:
347) para os ouvintes as idéias musicais que extraiu da partitura. No
entanto, ele só será capaz de esclarecer algo que tenha compreendido.
Usando o texto musical como referência, o professor certamente
poderá ajudar o jovem intérprete que tenha manifestado alguma difi-
culdade de compreensão. Infelizmente, inseguros em relação ao uso
devido da notação, professores tentam descrever o discurso musical
com imagens extra-musicais muitas vezes inconsistentes, distantes da
realidade do aluno e do próprio contexto da obra, gerando apenas mais
insegurança. Estabelece-se assim o mito do inatingível e com este, uma
eterna relação de dependência. O aluno não se sente capaz de decifrar
uma partitura, muito menos de formar uma imagem sonora a partir dela
uma partitura, muito menos de formar uma imagem sonora a partir dela
e nem mesmo de escolher o que tocar sem pedir “permissão” ao pro-
fessor. O professor, por sua vez, baseia sua orientação no que ouviu de
seus antigos professores ou copiou de outras interpretações e, sobretu-
do, na famosa “tradição”. Criticando os vícios da tradição, Andras
Schiff (apud Chueke, 2000: 36) fala de seu trabalho de “resgate” de
obras, como a Apassionata de Beethoven. O pianista se dispôs a explo-
rar a partitura, liberto de todas as famosas “tradições”, constatando que
estas não correspondem em absoluto ao que Beethoven escreveu.
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University Press.
Metodologia
O método da pesquisa foi o estudo multicasos, orientado por um estu-
do de desenvolvimento de corte transversal, ou seja, a observação, em
um determinado espaço de tempo, da prática docente de professores
em períodos distintos de suas carreira. Participaram deste estudo, três
professoras de piano, bacharéis em música, localizadas num período
inicial, intermediário e de final da carreira. A coleta de dados foi
realizada por meio de entrevistas e observações de aulas, de cada
participante.
A primeira professora – Rita – encontrava-se numa fase de início de car-
reira, com três anos e meio de atuação profissional. Suas dificuldades e
conflitos eram características de duas fases iniciais da carreira que
Huberman (1995) descreve como fase de entrada na carreira e fase da
estabilização. A primeira fase – entrada na carreira – é uma fase de
descoberta, caracterizado por um entusiasmo inicial advindo da expe-
rimentação e exaltação que o professor vivencia por estar, finalmente,
numa situação de responsabilidade perante os alunos e colegas. A
segunda fase, da estabilização, seria característica como uma fase de
tomada de responsabilidades e de aquisição da identidade profissional.
Esta professora, portanto, se encontrava num período transitório entre
estas duas fases, apresentando, em seu discurso, momentos de
fragilidade característicos de uma entrada na carreira e momentos que
revelavam já um comprometimento maior com sua escolha
profissional, característico da fase de estabilização.
O segundo caso foi conduzido com a professora Maria, de 19 anos de
atuação profissional. Sua determinação e dinamismo observados no
seu discurso e na condução de suas atividades coincidiram com a fase,
descrita por Hubeman como a maior etapa vivida por docentes no
desenvolvimento de suas carreiras – a fase da experimentação e da
diversificação. Para o autor é nesta fase que o professor busca alcançar
maior respeito e prestígio diante dos colegas, bem como procura
desenvolver seu trabalho de forma mais dinâmica.
Por fim, o terceiro caso foi conduzido por meio do estudo da carreira,
da prática profissional e do discurso da professora Tereza. Esta profes-
sora, com 43 anos de atividade docente, revelou-se como uma docente
particularmente tranqüila e segura tanto na condução de sua atividade
de ensino quanto no seu discurso. De acordo com Huberman, é numa
fase de final de carreira que a serenidade torna-se um elemento mar-
cante, no qual o professor praticamente não se depara com situações
conflitantes com as quais já não possua certa intimidade.
Estes três casos, por sua vez, foram analisados por meio do estudo de
desenvolvimento de corte transversal, ou seja, foram considerados na
diferentes etapas da carreira – início, meio e final – trazendo, por meio
da transversalização, elementos para discutir os saberes docentes que
norteavam a prática docente das professoras, a aquisição da experiên-
cia e as peculiaridades da construção de suas carreiras.
Resultados
Como resultado, foi especificada uma tipologia de saberes, observadas
a partir do elemento temporal, isto é, pela observação dos aspectos
históricos/pessoais e de formação profissional de cada participante.
Para este fim foi considerada a mobilização dos saberes por meio do
discurso – observados durante as entrevistas e durante as aulas – e da
prática de ensino das professoras, verificadas por meio das observações
e do registro das aulas ministradas.
Assim, foi estabelecida uma tipologia de saberes própria para os dados
encontrados nesta pesquisa. Tal tipologia, embora vinculada a este estu-
do, pode servir para nortear outros trabalhos sobre o enfoque dos
saberes docentes de professores de instrumento. Nesta tipologia foram
identificados, como norteadores da função docente das professoras de
piano, os saberes disciplinares – adquiridos na formação inicial, ou
emergentes – os saberes curriculares; os saberes da função educativa; e
os saberes experienciais.
Os saberes disciplinares – da formação inicial ou emergentes – foram
considerados os conhecimentos relativos às diferentes disciplinas da
música, que as professoras utilizavam em suas práticas. Tais saberes,
oriundos de suas formações, eram relativos aos conhecimentos de
harmonia, contraponto, o estudo do piano, história da música, entre
outras.
Os saberes curriculares, por sua vez, foram considerados como o
conjunto de conhecimentos que as professoras dominavam, relaciona-
dos ao programa de ensino, ao planejamento de suas atividades, da sis-
tematização, da progressividade das etapas do ensino, contemplando
diferentes possibilidades de repertório e de uso de métodos.
Já os saberes da função educativa, foram considerados como os
conhecimentos mobilizados pelas professoras referentes ao uso da
didática, da motivação e de recursos educativos. Neste grupo também
foram considerados os critérios de avaliação e o uso de metodologias
de ensino.
Por fim o grupo dos saberes experienciais foi o grupo que teve como
foco tanto os processos de condução da atividade docente, referentes
ao contato entre alunos e professoras, quanto ao discurso das mesmas
em relação às suas impressões e interações com a profissão, seus
alunos e pares. Neste sentido, foi considerado, neste grupo, a flexibili-
dade das professoras diante das situações vivenciadas em sala de aula,
a forma como estas conduziam suas atividades, seus relacionamentos
com os alunos, suas formas de ensinar e conduzir o estudo do
repertório, bem como suas opiniões em relação à carreira.
Analisando estes grupos de saberes observou-se que, dentre todos os
grupos, os saberes experiencias assumem uma função de destaque em
relação aos demais, pois é a partir deste que os outros grupos são
validados e mobilizados na prática cotidiana. Além disso, os saberes
experienciais, que têm sua origem no exercício cotidiano da profissão,
estão vinculados, de forma particular à temporalidade. Neste sentido,
eles adquirem uma personalização em cada caso, de acordo com a
carreira particular de cada docente. Assim os saberes experienciais
foram discutidos por meio do fator temporal, por meio de três
possibilidades discursivas: a mobilização dos saberes experienciais e
sua relação temporal com o domínio da situação pedagógica; os
saberes experienciais e sua relação com os contatos sociais do profes-
sor; e os saberes experienciais como um fator de validação dos demais
saberes que norteiam a prática docente.
Ao analisar o primeiro elemento discursivo – a mobilização dos saberes
experienciais e sua relação temporal com o domínio da situação
pedagógica – pôde-se verificar que cada caso, conforme o período da
carreira docente, vislumbrava certas características próprias. O
primeiro caso, por se tratar de um início de carreira demonstrava, em
relação aos outros dois casos – vinculados aos períodos intermediário
e de final de carreira – um postura profissional mais latejante, em
relação à sua forma de agir e tomar decisões em sala de aula. Tal inse-
gurança, associada a pouca experiência docente, lhe proporcionava
momento de instabilidade verificada tanto em sua prática quanto em
seu discurso. Fato que nos outros dois casos, não foram observados.
O segundo elemento de discussão da experiência foi sua relação com
os contatos sociais do professores – os alunos e os pares. Neste
elemento, pôde-se verificar que, a medida que o professor adquire
experiência em seu trabalho, maiores são suas convicções e maior sua
confiança diante da diversidade de sujeitos que este orienta. No
entanto, ao abordar a relação do professor com seus pares, observa-se
que é no final da carreira que o distanciamento torna-se mais significa-
tivo. Em parte porque o professor, por apresentar uma postura de
confiança em seu desempenho, torna-se cada vez mais auto-suficiente
em seu trabalho. Ao mesmo tempo, como define Huberman (1995) em
seus estudos sobre a carreira, o docente freqüentemente tende a ser
mais individualista, liberando-se do investimento nas situações do
trabalho, para dedicar um tempo maior a si próprio.
Por fim o último elemento verificado sobre a aquisição da experiência
e a temporalidade diz respeito aos saberes exeperienciais como um
fator de validação dos demais saberes que norteiam a prática docente.
Ao observar a mobilização dos saberes, na prática docente das profes-
soras, pôde-se concluir que os saberes experienciais adquirem uma
certa objetividade me relação aos demais saberes, observando-se uma
relação crítica-avaliativa, retaduzindo-os de acordo com as condições
limitadoras da experiência. Na observação dos casos, portanto, perce-
beu-se, por meio do estudo de desenvolvimento de corte transversal,
que o grupo de saberes experienciais, especialmente no último caso, da
professora com 43 anos de atividade, impregnavam de tal forma seu
discurso e sua prática que se tornava particularmente difícil a tarefa de
visualizar as outras categorias específicas de saberes. Além disso,
também pôde-se perceber que os saberes experienciais não apenas
validam os demais saberes, mas também são fonte de aquisição dos
mesmos. Neste sentido exemplifica-se observando que, as professoras
participantes deste estudo, por não possuírem uma graduação em curso
de formação de professores, mas no bacharelado em instrumento,
utilizaram-se dos saberes experienciais para consolidar seus saberes da
função educativa. De acordo com seus relatos, pôde-se verificar que
muitos conhecimentos relativos ao uso da didática, utilização de
metodologias, processos de avaliação, entre outros, foram configurados
em saberes da função educativa, a partir da experiência cotidiana.
Concluindo este estudo, pode-se afirmar que esta investigação,
conduzida por meio do estudo de desenvolvimento de corte transversal
– no qual foram observadas professoras em diferentes etapas da carreira
– pôde revelar alguns elementos novos para os estudos sobre saberes
docentes de professores de instrumento a partir do enfoque da
experiência e da temporalidade. Tal enfoque, traz contribuições quanto
ao reconhecimento dos processos de aquisição e formatação de
conhecimentos que orientam a prática docente de professores de piano
e abre possibilidades para subsidiar novos enfoques vinculados à esta
temática.
Referências Bibliográficas
GAUTHIER, C. (et. alii) (1998). Por uma teoria da pedagogia: Pesquisas con-
temporâneas sobre o Saber Docente. Ijuí: UNIJUÍ.
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sionalizar o ensino. Porto Alegre: Sulita.
TARDIF, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional (2. ed.)
Petrópolis: Editora Vozes.
Processos Composicionais
em um Ritual Musical Indígena.
Maria Ignez Cruz Mello
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
1 Os índios Wauja são hoje cerca de trezentas pessoas, vivendo em uma aldeia circular com dezoito
casas, próxima à lagoa Piulaga, na região dos formadores do rio Xingu. Os Wauja são um dos dez
grupos indígenas que fazem parte do que se conhece na literatura etnológica como povos xingüanos,
aqueles que habitam a região sul da Terra Indígena do Xingu (TIX) no estado do Mato Grosso.
2 Mello, M. I. C. Iamurikuma: música, mito e ritual In: Anais do Simpósio de Pesquisa em Música,
Curitiba: Editora DeArtes/UFPR, 2005. pp.118-130.
3 A categoria apapaatai pode ser traduzida muito aproximadamente por “espíritos”. Estes seres sobre-
naturais habitam o cosmos Wauja, podendo provocar doenças e mortes, ou se tornarem aliados dos
humanos, desde que estes últimos realizem os rituais apropriados para cada caso. Os apapaatai têm a
capacidade de ouvir os pensamentos e desejos dos humanos e podem detectar insatisfações e desejos
não realizados pelas pessoas. O estado de insatisfação torna possível que estes seres penetrem nos
corpos dos humanos na tentativa de roubar suas almas.
mulheres, sendo que o chefe da aldeia muitas vezes toma parte
conduzindo os cantos. Acompanhei um destes rituais em sua versão
intratribal, que ocorreu entre agosto e novembro de 2001. Neste perío-
do, as mulheres se reuniram no centro da aldeia para cantar e dançar
durante muitos finais de tarde. Algumas madrugadas também foram
preenchidas pelos cantos femininos que se estendiam até o amanhecer.
A temática dos cantos femininos girou em torno das relações afetivas,
do ciúme, inveja, namoro, sexo, além de muitos cantos fazerem
referências diretas ao mito de origem da festa. Também foi comum ver
as mulheres usarem deste espaço ritual para reclamarem de atitudes
dos homens através de canções especialmente compostas por elas. Ao
longo de todo o período, foram executados cerca de duzentos cantos
diferentes, organizados em quatro sub-repertórios, dos quais, pode-se
destacar o de iamurikuma propriamente (aqueles cantos que se referem
ao mito), e o de kawokakuma (cuja referência das canções são as
flautas kawoká) como os principais sub-repertórios.
4 Caso acon-
Com base nas análises de mitos e em análises musicológicas busquei teça de algu-
compreender a ligação entre a música vocal do ritual de iamurikuma e ma mulher
a música instrumental das flautas kawoká, pois as mulheres afirmavam ver as tais
flautas
que “música de iamurikuma é música de flauta”. No entanto, pelo fato kawoká –
delas serem proibidas de ver as flautas, esta afirmação parecia um con- tanto em
tra-senso4. Através da análise de uma parcela deste repertório, nota-se repouso
quanto ao
que ele está ancorado em operações musicais complexas, que exigem serem
um alto grau de conhecimento por parte das mulheres cantoras, princi- tocadas –,
palmente da cantora-compositora central. Estes cantos podem ou não ela será
estuprada
ter letra, mas em todos os casos estão relacionados aos sentimentos e por todos os
emoções experimentados pelos Wauja ao londo de suas vidas. homens da
aldeia, não
Kalupuku, a cantora principal deste ritual, aprendeu muitos dos cantos importando
com o mestre de flautas da aldeia. Pude observar durante as frias se ela
infringiu a
madrugadas xinguanas os ensinamentos do mestre Kaomo para a can- regra
tora Kalupuku. O mestre cantava muito baixinho, quase num sussurro, proposital-
uma pequena sequência de notas que Kalupuku prontamente repetia, mente ou
involuntaria-
também em volume muito baixo. Kaomo não repetia muitas vezes os mente.
ensinamentos, sempre se detendo em uma pequena frase, imediata- Contudo,
mente reproduzida por Kalupuku. Logo após sua breve aula, Kalupuku não se tem
registro de
se dirigia a um grupo de mulheres que aguardavam, e repassava os que tenha
novos cantos que então eram executados em voz alta juntamente com ocorrido tal
movimentos coreográficos. Isto ocorreu durante toda a madrugada até fato nos últi-
mos
o amanhecer. Reparei que o que as mulheres cantavam era muito maior quarenta ou
do que aquilo que o mestre havia ensinado e, em alguns casos, as mu- cinqüenta
anos.
lheres cantavam uma letra que o mestre não havia pronunciado. O
canto do mestre era sempre entoado utilizando algumas sílabas, tais
como né-ri- pé-ri, da mesma forma como ele costumava ensinar os
aprendizes de flauta.
Em outra oportunidade, ao mostrar as gravações para Kalupuku, tanto
aquelas dos “ensaio” quanto as das “apresentações”, pude começar a
compreender como as coisas se passavam: nos cantos de kawokakuma
cada peça é constituída por um conjunto de temas e motivos.
Dependendo da peça, cada motivo pode ser curto, com poucas notas,
ou não tão curto, quase uma frase, [sendo designados por letras (a), (b),
(c), etc. nas trancrições que se seguem]. Estes motivos podem ter uma
ou mais variações cada um [designadas então por (a’), (a’’), etc]. As
variações são entendidas como aplicações de princípios fundamentais
de diferenciação no interior dos motivos, operações tais como trans-
posição, pequena alteração intervalar ou rítmica no início ou no final
do motivo, adição ou exclusão de uma nota, entre outras. Obviamente,
Kalupuku não expos o processo de constituição do material temático
nestes termos, o que apresento aqui é uma síntese de minhas análises
a partir das transcrições musicais, das entrevistas e de observações de
campo. Seguindo as explicações, pode-se dizer que as variações em
conjuntos de motivos, entendidos como frases que constituem os
temas, podem ser pensadas como transformações, que ocorrem por
mecanismos de inclusão e exclusão de motivos, ou através de variações
nos seus motivos constituintes. A diferença entre uma variação e um
motivo novo é a resposta estrutural da seqüência de notas organizada
no interior da peça. Os motivos, portanto, são as partes constitutivas
dos temas a que chamei de A e B . Há também uma frase, chamada
na análise de K , que surge geralmente no início das peças, como
separação dos temas A e B , e ainda no final, correspondendo sempre
ao centro tonal das canções.
Desta forma, conclui-se que o que Kaomo cantava para Kalupuku era
apenas o motivo central do tema A , deste derivando o B , e todo o
restante seria como uma consequência desta escolha temática.
Resumidamente, a relação entre os temas A e B é dialógica e dialéti-
ca, o primeiro tema constituindo o material básico da peça, e o segun-
do configurando uma elaboração deste material em uma camada supe-
rior (em termos de alturas), geralmente atingindo a nota mais aguda da
escala. Nesta espécie de transposição, muitas vezes ocorre uma série
de transformações, que variam de peça para peça. Um outro fato obser-
vado é o englobamento de A por B , ou seja: a antítese elabora a tese
de forma a incluí-la em sua terminação, às vezes integralmente.
Observa-se também que o motivo funciona como âncora, indicador e
reforço do centro tonal, vinheta de separação entre temas e entre
canções. Um outro ponto importante é o tema B , que é o tema B com
L
K K A K A B
abcd abcd e f e f c' f c'' c' c d A
K K A K K BL
abcd e f e f c' f c'' c''' e f e f c' f c'' c''' b' c d A
K BL
e f e f c' f c'' c''' e f e f c' f c'' c''' b' c d A
K A K K A BL
abcd abcd e f e f c' f c'' c''' e f e f c' f c'' c''' b' c d A
K A K K A K K
abcd abcd
Referências bibliográficas:
MELLO, Maria Ignez C. (2005) Iamurikuma: Música, Mito e Ritual entre os
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PPGAS/UFSC, Tese disponível em pdf no site www. musa. ufsc. br
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Piedade, Acácio Tadeu de C. (2004). O Canto do Kawoká: música, cos-
mologia e filosofia entre os Wauja do Alto Xingu. Tese de Doutorado,
PPGAS/UFSC, Tese disponível em pdf no site www. musa. ufsc. br
Conceitualizações preliminares
Segundo Rasch (1991: 183), “todo desempenho humano pode ser visto
como a expressão de vários componentes denominados fatores do
desempenho”. Tanto esta afirmação quanto os estudos e observações
realizadas em investigações anteriores a esta proposta indicaram para o
aprofundamento das relações entre questões técnico-instrumentais, o
estudo do movimento humano e aspectos mais específicos aos fatores
do desempenho, entre eles a coordenação motora.
Durante o desempenho músico-instrumental o executante deve
realizar, coordenadamente, uma série de movimentos de grande
precisão, refinamento e diferentes graus de rapidez e força em função
da compreensão e realização do texto musical. Muitas vezes, para a
interpretação de uma obra ou parte dela, faz-se necessária uma prática
minuciosa com treinamento dos segmentos direito e esquerdo
separadamente, para melhor consciência das diferenças entre
movimentos necessários para a execução de linhas musicais com suas
particularidades de articulação, fraseado, agógica e planos sonoros.
Observe-se que movimentos treinados e automatizados, uma vez
tornados conscientes são transferíveis para situações equivalentes e que
um padrão de movimento quando mal organizado refletirá, direta e
desfavoravelmente, na execução de uma tarefa.
A prática pianística é uma atividade que tem por meta a produção
sonora e por tal razão, torna-se essencial que o executante, além de
adequar movimentos à resolução de situações técnico-musicais
segundo o texto, tenha o controle da potência do movimento a ser
aplicada. Esta potência seria o grau de entrada de força na execução de
movimento e sua medida “o grau dos golpes de força desenvolvidos no
decurso do movimento, como pode ser determinado por métodos
dinamográficos” (Meinel, 1987: 144) e/ou fisiológicos, como a eletro-
miografia. A potência muscular é definida como o produto da força e
velocidade (Nigg; Herzog, 1994), havendo uma relação de causa e
efeito entre força e flexibilidade. Na biomecânica, “parâmetros co-
determinantes do decurso do movimento [como] impulsos de força a
serem coordenados na ação motora” (Meinel, 1987: 2) são consi-
derados dentro do conceito de coordenação. Para Meinel (1987: 2),
uma "coordenação na atividade do ser humano é a harmonização de
todos os processos parciais do ato motor em vista do objetivo, da meta
a ser alcançada pela execução do movimento” e que coordenação quer
dizer literalmente “ordenar junto”.
No esporte o conceito de coordenação se refere às fases do movimen-
to ou aos movimentos parciais, operações, que aparecem na estrutura
básica e no ritmo de movimentos (parciais e isolados) que devem ser
coordenados e em outras formas de movimentos. Nas áreas da cine-
siologia e anatomia funcional entende-se por coordenação as orde-
nações próprias da atividade de cada músculo e de grupos musculares.
Na biomecânica, dentro do conceito de coordenação, impulsos de
força a serem coordenados na ação motora são considerados como
parâmetros codeterminantes do decurso do movimento (Meinel, 1987).
Bernstein determina a “coordenação de movimento como a ‘superação
de graus de liberdade supérfluos do órgão que se movimenta’, o que se
assemelha à ‘organização da direcionalidade do aparelho locomotor”
(Bernstein, apud Meinel, 1984: 24-25). Os graus de liberdade
representam a possibilidade de um determinado segmento corporal
mover-se livremente em um espaço acessível. O corpo humano, por
constituição anatômica, tem muitos graus de liberdade e quanto
maiores forem as proporções de movimentos de todo o corpo ou
número de graus de liberdade que se necessite utilizar em uma
atividade específica, aumenta a dificuldade de coordenação. Na ação
pianística, um trabalho de coordenação motora refere-se à utilização
dos músculos necessariamente ativos durante a realização de cada
situação específica de desempenho, enquanto os demais músculos
mantêm-se relaxados ao máximo possível para que, na seqüência da
execução, se evitem tensões. “A compreensão e a elaboração exatas
das informações sensoriais de movimento como base da uma direção e
regulação corretas do decurso de movimento já nos são conhecidas
como processo parcial essencial da coordenação motora” (Meinel,
1984: 153).
Coordenação e flexibilidade articulares são consideradas fatores
altamente específicos para o desempenho e que variam de acordo com
as características da atividade. Rasch (1991: 183) esclarece que “qual-
quer desempenho pode ser formal ou informalmente analisado para
determinar seus componentes em termos de fatores gerais ou específi-
cos. Uma vez identificados tais fatores, pode-se formular programas de
desenvolvimento ou treinamento” de habilidades. Destaca-se o pressu-
posto de que a "coordenação na atividade do ser humano é a harmo-
nização de todos os processos parciais do ato motor em vista do obje-
tivo, da meta a ser alcançada pela execução do movimento” (Meinel,
1987: 2) em função da compreensão e realização do texto musical.
Quanto à orientação espacial de movimentos relacionada ao planeja-
mento de distâncias é apontada como uma das estratégias mais impor-
tantes a ser utilizada durante o treinamento pianístico. Kochevitsky
(1967) refere-se à realização ao piano de “distâncias” entre eventos
musicais para as duas mãos como a questão mais difícil a ser resolvida,
isto devido à conformação assimétrica do teclado. As mudanças de
posições devem então ser previstas e mentalmente preparadas anterior-
mente à realização durante o percurso do movimento e, quando for o
caso, em direção ao evento seguinte, fato este que, em princípio, exige
do pianista um planejamento do trabalho a ser realizado. Assim, quan-
do do treinamento pianístico de um trecho musical em que as linhas a
serem executadas são opostas e distantes entre si, muitas vezes, pelo
fato de o executante não conseguir visualizar os segmentos esquerdo e
direto ao mesmo tempo devido à grande distância entre eles, há
necessidade de buscar movimentos mais objetivos e mais econômicos.
Torna-se essencial que sejam observados, pelo executante da tarefa,
aspectos como a preparação dos saltos e a sensação corporal durante a
execução do movimento utilizado, aliados ao controle cinestésico. Tais
condições tornam possível, mais facilmente, a realização de movimen-
tos mais ágeis, no andamento adequado, por exemplo, e a obtenção de
uma sonoridade prevista. Há situações em que, para melhor consciên-
cia das diferenças entre os movimentos essenciais para a execução de
diferentes linhas musicais ao mesmo tempo, faz-se necessária uma
prática minuciosa e organizada do movimento, com treinamento dos
segmentos direito e esquerdo separadamente. A coordenação motora
engloba diferentes formas de manifestações, independentes entre si, e
tem uma influência preponderante na agilidade (Moreira, 2000). Desta
forma, o conhecimento sobre os tipos de prática, segundo os princípios
da coordenação motora, entre outros aspectos desta matéria, são de
extrema funcionalidade para o músico instrumentista.
Na ação pianística, a utilização de movimentos complexos exige do
executante uma coordenação bastante elaborada e um alto nível de
dissociação muscular. Para Kaplan (1987), “dissociação muscular” é o
domínio das sensações de contração e de relaxamento e que além de
um controle sobre as sensações, a dissociação possibilita desenvolver a
capacidade de auto-observação e, igualmente, a controlar e a coor-
denar conscientemente o próprio corpo em função do objetivo musical
a ser atingido. Dissociar e coordenar movimentos que abrangem a mus-
culatura dos membros superiores, sobretudo dos segmentos braços,
antebraços, mãos e dedos, e o emprego dos pedais que exige o contro-
le e a coordenação dos movimentos das pernas direita e esquerda
constituem-se em tarefas bastante complexas. Somente através de uma
prática planejada e consciente pode-se obter uma habilidade motora
mais eficiente e otimizada.
O termo habilidade é uma palavra que serve para designar uma tarefa
com uma finalidade específica a ser atingida, portanto, voluntária
(Magill, 2000). A habilidade motora é parte integrante da prática pianís-
tica uma vez que esta exige movimentos voluntários do corpo e/ou de
membros para atingir o objetivo e pode ser adquirida por meio de um
processo de aperfeiçoamento da coordenação dos diversos grupos
musculares que atuam, diretamente, em uma ação específica. A ação
pianística utiliza-se, mais precisamente, da habilidade motora fina que
requer o controle de músculos pequenos, tais como aqueles envolvidos
no movimento das mãos e dedos e que exigem um alto grau de pre-
cisão para tocar ou pressionar teclas, na seqüência certa e no tempo
correto. Embora os grandes músculos possam estar envolvidos no
desempenho de uma habilidade motora fina, os músculos pequenos
são os mais acionados para atingir a meta de uma habilidade motora
fina. Esta organização é que vai permitir que o indivíduo atinja a meta
da habilidade pretendida. Assim, o hábito é o produto final da apren-
dizagem motora. “Do ponto de vista da execução instrumental, a
aquisição e posterior reorganização dos hábitos constitui a base sobre
a qual irá se construir a técnica” (Kaplan, 1987: 45).
Conclusões parciais
O procedimento essencial para a construção de uma técnica a ser
desenvolvida adequadamente é estabelecer, inicialmente, hábitos
motores corretos, a partir da individualização dos movimentos
primários de maneira que possam, posteriormente, ser reorganizados
ciclos de movimento, de acordo com as exigências de cada obra. O
fato de o movimento, um ato motor, ser o elemento meio da ação
pianística, já tornaria essencial que aspectos inerentes à coordenação
motora fossem estudados e aplicados no processo de aprendizagem e
na construção de uma realização músico-instrumental. A prevenção e
a resolução de problemas que interferem no desempenho instrumental
encontram-se, em grande parte, em argumentos de áreas como fisiolo-
gia, ergonomia, biomecânica. Este fato justifica a realização de estudos
interdisciplinares e procedimentos experimentais com utilização de
métodos de análise biomecânicos, procedimentos possibilitam
medições de parâmetros cinemáticos de movimentos executados por
pianistas, cujos resultados podem ser essenciais no auxílio da prática e
do desempenho nesta área de atuação.
Referências bibliográficas
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Movimento.
KOCHEVITSKY, G. (1967). The Art of Piano Playing: A Cientific Approach. New
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Instituto de Artes.
RASCH: J. (1991). Cinesiologia e anatomia aplicada. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan.
Marcação de arcadas:
carga cognitiva e estratégias de regulação na atividade de
violistas de orquestra
Cristina Porto Costa
CEP – Escola de Música de Brasília
Objetivos
Pretende-se investigar e identificar estratégias de natureza cognitiva
presentes na atividade de violistas de orquestra, considerando a
articulação entre as dimensões física, cognitiva e afetiva do trabalho
sob a ótica da ergonomia. Busca-se entender as regulações feitas pelos
músicos para diminuir o Custo Humano do Trabalho frente às tarefas
propostas.
Método
A Análise Ergonômica do Trabalho foi o suporte metodológico desta
pesquisa. Procedeu-se a duas observações globais em dois ensaios,
perfazendo sete horas, e seis observações sistemáticas em quatro
ensaios regulares, um ensaio geral e um concerto, somando mais dez
horas registradas cursivamente. Realizaram-se seis entrevistas
individuais semi-estruturadas e aplicação de questionário. A amostra
constituiu-se de seis violistas, com idade entre 22 e 47 anos, sexo
masculino, experiência de um a 29 anos.
Conclusão
A articulação entre as diferentes dimensões do trabalho permitiu
hipotetizar que as exigências cognitivas da tarefa e suas implicações
frente à pressão temporal existente e à organização do trabalho pode-
riam estar contribuindo para o aparecimento de dor e desconforto rela-
cionados ao tocar. O processo de marcação de arcadas é essencial à
estruturação da atividade e requer comunicações entre os violistas para
repasse de informações determinantes ao desempenho do grupo. A
troca freqüente de arcadas e a ausência de um momento específico
para sua checagem pode estar colaborando para a ocorrência de
disfuncionamentos e de tensões que se somam a questões posturais e
técnicas. A marcação de arcadas se coloca, desta maneira, como
momento crucial na atividade dos violistas, sendo reguladora das altas
solicitações cognitivas presentes.
Referências bibliográficas
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Violistas de Orquestra. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de
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Ler, Pensar, Agir LPA.
O compositor
José Alberto Kaplan nasceu em Rosário de Santa Fé, Argentina em 16
de julho de 1935. É naturalizado brasileiro e teve parte da sua formação
musical na Europa onde estudou com Nikita Magaloff em Genebra e
com Wladyslaw Kedra em Viena (Mariz, 2000: 501). Em 2005 foi ho-
menageado com o título de Professor Emérito da Universidade Federal
da Paraíba onde lecionou durante os anos 1964 a 1992. Kaplan possui
papel ativo no cenário da música contemporânea nacional e é figura
importante no meio musical da região nordeste. Segundo a composito-
ra Ilza Nogueira, “José Alberto Kaplan é um compositor que desen-
volveu um estilo pluralista, no qual aspectos da musica brasileira
nordestina rural, em citações literais ou imitações, adaptam-se às
idiossincrasias estilísticas de compositores da tradição culta ocidental
(…)” (Nogueira, 2003: 6).
1 Esta obra foi estreada na cidade do Recife em concerto da Orquestra Sinfônica da mesma cidade,
tendo como solista a pianista Eldia Carla de Farias, aluna do compositor. Depois a obra foi executa-
da no "Panorama da Música Contemporânea" (1990), no Rio de Janeiro e na "IX Bienal de Música
Contemporânea" (1990), regida pelo maestro Ricardo Duarte sempre com a mesma solista. (Kaplan,
1999: 298).
2 Informação obtida em entrevista realizada pelo pesquisador no dia 11 de Janeiro de 2005 em João
Pessoa PB. Material em fita cassete pertencente ao acervo do pesquisador.
Shostakovich, possui uma forma ternária que sugere uma insinuação à
forma sonata do século XVIII.
Neste trabalho estamos chamando de “idéia” os principais desenhos
melódicos que fazem alusão ao que se chamaria de tema em uma
Forma Sonata clássica. Assim sendo, temos em Kaplan e Shostakovich
os seguintes esquemas formais:
Considerações finais
A intenção principal neste trabalho foi mostrar, por meio da análise
comparativa de trechos dos Concertos de Kaplan e Shostakovich, como
foi possível, utilizando a intertextualidade como ferramenta composi-
cional, construir um novo texto musical a partir de um pré-existente.
Em relação aos pontos de ligação entre as duas obra, pela análise dos
fragmentos das apresentados, verifica-se que Kaplan utilizou a mesma
forma e conseqüentemente o mesmo número de idéias que
Shostakovich. Os elementos de intertextualidade foram apresentados a
partir do momento em que Kaplan seguiu a mesma direção apontada
por Shostakovich configurando o seu trabalho como uma estilização,
pois de acordo com Sant’Anna, a estilização acontece quando o fenô-
meno intertextual acontece numa mesma direção do texto estilizado.
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New York: Schirmer Books.
Aspectos psicológicos
na preparação para a performance musical
Vivian Deotti Carvalho
Sonia Ray
Universidade Federal de Goiás – UFG
Metodologia
O trabalho foi desenvolvido em dois momentos principais: 1) O levan-
tamento de dados bibliográficos os quais geraram uma revisão da lite-
ratura disponível referente a distúrbios psicológicos relacionados à
atividade do performer musical (Carvalho e Ray, 2004) e 2) análise dos
dados coletados na revisão de literatura e na aplicação de questionários
aos alunos de graduação de licenciatura e bacharelado em instrumen-
to musical e canto no período do mês de setembro de 2004. O ques-
tionário teve como objetivo fazer um levantamento de dados dos
fatores responsáveis por desgastes emocionais na visão dos sujeitos.
Ao todo, foram respondidos sessenta e três questionários, os quais con-
tinham doze questões com respostas de múltipla escolha e abertas, de
forma combinada.
Resultados
O primeiro gráfico (referente a questão n. 1 do questionário), demonstra
que todos os performers já vivenciaram em alguma dimensão o estado
de ansiedade e tensão em suas apresentações em público.
14%
Nunca Figura 1 –
0%
Questão
Quase sempre número 1 do
questionário:
45%
“Você se sente
Sempre
ansioso ou
tenso quando se
Às vezes
apresenta em
41%
público?”
PRIORIDADE 1
14%
74%
Outro ( E )
12%
16% Figura 4 –
Outro Questão
número 7 do
Boca seca
questionário:
Taquicardia
“Assinale os sin-
tomas que você
Sudorese tem antes ou
durante sua per-
Irritação formance
30%
(Assinale todos
24% Tremor os que forem
pertinentes)”
1% 17%
Conclusão
Ao analisar os questionários pode-se observar que todos os entrevista-
dos, em alguma dimensão, já vivenciaram o estado de ansiedade ou
tensão, desconsiderando assim a segunda hipótese. Por outro lado,
confirma que muitas vezes a experiência de palco não é um fator rele-
vante que retira o sentimento de ansiedade ou tensão vivido durante a
performance.
Confirmou-se que a sobrecarga de responsabilidade imposta pela
comunidade musical aos performers e o aspecto competitivo, inerente
à atividade do performer musical, são possíveis causas de ansiedade e
pânico de palco, e são também fatores que dificultam a concentração
do performer interferindo em sua atividade. Registrou-se ainda um
índice assustador de 74% dos sujeitos no experimento têm consciência
de que o fator responsável pela dificuldade de concentração é o pouco
tempo destinado a preparação das peças.
Ao apresentar os resultados do experimento, espera-se contribuir com
o aumento da literatura na língua portuguesa direcionada psicologia da
performance e propor reflexões a instrumentistas e cantores no sentido
de encontrarem caminhos pra otimizar sua performance.
Referências bibliográficas
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Music Performance. Trabalho apresentado por ocasião do II SNPPM.
Universidade Federal de Goiás Goiânia, Brasil.
Estilos de atuação
Um dos principais pontos sobre os quais o estudo da personalidade
pode contribuir para a prática musical é na definição dos estilos de
atuação dos músicos, o que pode servir como fundamento para o trata-
mento da ansiedade na performance e para a redução da tensão psi-
cofísica no momento da execução musical . Westney (2003: 150-1)
chama a atenção para dois estilos de intérprete: o primeiro caracteriza-
se pela preocupação em questionar-se “o que você pensa de mim?”;
esta preocupação gera uma constrição mental e física, causadora de
tensão corporal; o segundo caracteriza-se pela idéia “deixem-me com-
partilhar isso com vocês”; essa idéia gera expansão e libera a energia
do intérprete, completando o circuito intérprete-platéia. Bruser (1997:
151-9) enumera três estilos de tocar: um de paixão exagerada, no qual
nos agarramos deseperadamente à música; um de fuga/evasão, no qual
resistimos a lidar com a música, e um de agressão, ataque à música. O
primeiro gera exagero na interpretação, o segundo gera um toque
impreciso e o terceiro, tensão desnecessária e um toque áspero. Esses
estilos fazem parte tanto de nosso comportamento cotidiano quanto da
prática instrumental, e o único modo de nos libertarmos deles é pela
autoconscientização de sua existência.
Uma descrição detalhada de achados de pesquisa psicológica sobre a
personalidade dos músicos, incluindo diferenciações tipológicas
segundo o grau de profissionalismo, a categoria do instrumento que
tocam e até o estilo de música em que se especializaram pode ser
encontrada em Gabrielsson (1999: 564-5). Já Imreh (in Chaffin et alii,
2002, cap. 3) faz uma meticulosa revisão de declarações de pianistas
famosos sobre sua maneira de serem músicos, especificamente, sele-
cionando considerações sobre as características de suas memórias
(tipos), o modo de conduzirem sua prática para aprenderem uma peça
nova e seu método de memorização, como lidam com a ansiedade e a
maneira como preparam uma apresentação pública de alto nível. É
impressionante a variedade das personalidades dos artistas e, portanto,
dos achados da pesquisa!
Expressividade em música
Pode a expressão emocional ser aprendida? As abordagens tradicionais
da expressividade em música incluem a modelagem auditiva (o profes-
sor toca para o aluno ouvir e tentar imitar) e estratégias de experimen-
tação (testagem de diversas possibilidades); abordagens alternativas de
ensino são o ensino da teoria da comunicação emocional e o feedback
cognitivo e suas aplicações, em busca de uma integração de técnica e
expressão (Juslin & Persson, 2002: 227ss.). Para que variações em
expressividade sejam efetivas, devem ser não apenas detetadas pelos
ouvintes, porém, fazerem sentido para eles (Sloboda, 1994: 158).
Na área, destacam-se os trabalhos de Juslin. Com base em achados de
pesquisa, ele argumenta que a expressividade deriva de cinco fontes
principais, que denomina de Modelo GERMS :
· regras gerativas (G) – são aquelas que marcam a estrutura de
maneira musical;
· expressão emocional (E) – serve para transmitir emoção ao públi-
co;
· flutuações ao acaso (R) – refletem as limitações motoras humanas;
· princípios do movimento (M) – que sustentam que mudanças de
andamento devem seguir padrões naturais do movimento humano;
· desvios do estilo (S) – que refletem tentativas deliberadas do intér-
prete para desviar das expectativas do estilo em relação à perform-
ance, de modo a adicionar tensão e imprevisibilidade à mesma
(Juslin et alii, 2005: 252-3).
A partir de achados de pesquisa, recomenda formas alternativas para o
treinamento da expressividade, centrando-se no uso do computador
(Juslin et alii, 2005: 259-265; Juslin & Persson, 2002: 230-3).
Coda
O contato com a vasta literatura que já existe sobre performance e psi-
cologia da música é ocasião para reflexões produtivas para o músico.
Tomando a frase do pianista Seymour Bernstein (1981: 9) quando
afirma que “A prática produtiva é um processo que promove auto-inte-
gração”, façamos votos para que a voz do psicólogo cientista possa nos
auxiliar a encontrar melhores estratégias de estudo e desempenho; e
para que a voz do psicólogo terapeuta possa nos auxiliar na integração
do ser. A música soará mais bela.
Este artigo baseia-se em literatura revista para pesquisa financiada pelo
CNPq.
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4. Artes Musicais,
Lingüística, Semiótica e Cognição
2 Para comparar a fala e o canto em PB, escolhemos as sete vogais orais tônicas [i,e,E,a,ç,o,u] e as
consoantes oclusivas surdas [p,t,k], que foram realizadas no logatoma /la'CV/, contido na frase
veículo: “Canto /la'CV/ baixinho numa velha canção de ninar”, na qual V era entoada num freqüên-
cia fundamental em torno de 420 Hz (lá b 3). Uma pequena alteração rítmica se deu para encaixar
as sílabas lapá (exemplo de um dos logatomas possíveis), sem alteração da estrutura do compasso,
sequer da melodia.
3 Cinco informantes cantoras, com voz de soprano, foram gravadas cantando e falando as mesmas
frases veículos, produzidas cinco vezes por cada informante. Isso permitiu-nos chegar a um média
de F1, F2 e F3, individual e por fim, geral, de cada vogal.
O achado mais geral deste estudo foi o de que as vogais cantadas, exce-
to [a] são produzidas com a mandíbula mais baixa se comparado à
fala. Isso vai ao encontro do achado de Sundberg (1977). Ora, se, a
cada nota mais acima na escala a cantora é obrigada a produzir a vogal
com a boca mais aberta (mandíbula mais abaixada), forçosamente esta
vogal é deformada, ou seja, perde a qualidade vocálica exigida pelo
texto, uma vez que quanto mais baixa a mandíbula, mais alto é o F1.
Assim, uma vez deformada a fala, sua inteligibilidade fica compro-
metida em favor das restrições musicais. Um segundo achado mais
específico é o de que se produz uma centralização das vogais no canto,
ou seja todas elas tendem a ficar parecidas com um schwa, ou vogal
neutra, assim representado [´]. Esta vogal é produzida com os articu-
ladores exercendo pouca constrição no trato oral. O/a cantor/a tenta
implementar um tubo uniforme ao cantar vogais, dado que ele/a deve
manter a laringe livre de maiores contrições, pois é ali que se produz a
freqüência fundamental.
Ao aprofundarmos os conhecimentos sobre a relação entre acústica da
fala e a acústica do canto, vemos que as manobras específicas do
canto, como manter a mandíbula mais baixa e a configuração do trato
mais neutra, limita a dicção da fala. Em um estudo de filmagens da face
(Raposo de Medeiros, 2005), verificamos que a mandíbula é de fato
mais abaixada na produção da vogal cantada como se pode ver nos
fotogramas a seguir.4
E 0 197 1 0 0 0 0 99%
e 0 0 194 4 0 0 0 98%
i 0 0 6 192 0 0 0 97%
ç 2 0 0 0 187 9 0 94%
o 0 0 0 0 0 162 35 82%
u 0 0 0 0 0 43 154 78%
sr 199 198 201 196 187 214 189 92%
Tabela 1. Matriz de confusão das vogais faladas para todas as respostas dos
ouvintes. No eixo horizontal, sr é a soma dos acertos e erros. A
célula sombreada contém a porcentagem total dos acertos.
Canto: Vogais Percebidas
a E e i ç o u acerto
a 190 0 0 0 7 0 0 96%
Canto: Vogais Apresentadas
E 1 174 20 0 0 3 0 88%
e 0 8 79 111 0 0 0 40%
i 0 0 2 196 0 0 0 99%
ç 26 0 1 0 134 37 0 68%
o 0 1 2 1 44 117 33 59%
u 0 0 0 0 0 3 194 98%
sr 217 183 104 308 185 160 227 78%
Tabela 2. Matriz de confusão das vogais faladas para todas as respostas dos
ouvintes. No eixo horizontal, sr é a soma dos acertos e erros. A
célula sombreada contém a porcentagem total dos acertos.
O percentual de acerto geral, destacado em cinza nas tabelas, como se
esperava, é maior na fala que no canto. Isso é coerente com os dados
acústicos e articulatórios que destrinçam as diferenças entre a pro-
dução da fala e do canto. A vogal cantada que mais parece ser afetada
no tocante a inteligibilidade é a vogal [e], percebida 111 como [i].
Algo semelhante acontece com a vogal [o]. Estas vogais são médias-
altas e, ao serem cantadas, oferecem um desafio para a articulação: não
se pode abaixar demais a mandíbula, caso contrário passam a ser
ouvidas como vogais médias-baixas, por exemplo, [E,ç]. A hipótese
explicativa para o fato de [e] ser ouvido como [i] é que a cantora evita
ao máximo a abertura exagerada da boca, mas acaba ocasionando o
contrário e alçando a vogal; ou seja o timbre passa a ser o de uma vogal
fechada (ou alta).
O caso de [o] não é tão exemplar quanto o de [i] e dificulta
uma hipótese explicativa esclarecedora, uma vez que foi percebido 33
vezes como [u] e 44 vezes como [ç]. Por um lado, pode-se dizer que a
vogal foi alçada, e por outro pode-se dizer que a manobra de abaixa-
mento da mandíbula foi implementada e os ouvintes identificaram [ç]
no lugar de [o]. Pode-se dizer que as vogais médias-altas “ficam inde-
cisas” no canto, ou seja, são produzidas num meio caminho entre as
médias-baixas [E,ç] e as altas [i,u].
De modo geral, 78% de acerto das vogais cantadas em uma freqüência
de fonação de 420 Hz, aproximadamente, é uma porcentagem alta,
indicando que as vogais cantadas têm boa inteligibilidade. Há ainda
que se considerar, em defesa de nosso argumento, que essas vogais
foram isoladas do contexto, que por sua vez é facilitador de inteligibi-
lidade. Caso levemos um experimento com vogais contextualizadas em
suas palavras cantadas, devemos elevar a porcentagem de acerto.
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Introdução
Metodologia
A coleta de dados foi feita de 16 de setembro de 2005 a 11 de novem-
bro de 2005, num total de 8 semanas. Todos os registros foram feitos
com fita cassete, em aparelho Aiwa – aparelho gravador TP – VS535.
Participaram da pesquisa todas as crianças das turmas C1 (idades de 12
a 17 meses no ato da matrícula) e D2 (idades de 17 a 24 meses no ato
da matrícula) do curso de extensão Música para Bebês da profª. Esther
Beyer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Todas as crianças
contavam com idades de 12 a 24 meses no início da pesquisa. Os re-
gistros sonoros foram realizados pelos pais ou cuidadores. Todos os
responsáveis pelos bebês que acompanhavam-nos nas aulas receberam
orientação oral e por escrito sobre os procedimentos para o registro
sonoro do bebê. Foram utilizados 4 gravadores, sendo dois por turma.
Cada responsável ficava com o kit de gravação por 7 dias. O kit de
gravação continha 1 CD identificado, com músicas utilizadas nas aulas
de música para bebês, com duração total de 15 minutos; 1 formulário
para preenchimento que também continha esclarecimentos sobre
como proceder com o registro sonoro; 1 gravador; 2 fitas K-7 identifi-
cadas com o dia em que deveriam ser utilizadas. Os responsáveis de-
veriam gravar durante 15 minutos diários as vocalizações do bebê. O
momento escolhido deveria ser o mesmo durante os 7 dias de registros
(por exemplo, hora do banho). O CD deveria ser colocado para tocar
durante os 15 minutos da gravação.
Após a coleta, o conteúdo das fitas foi passado para CDs.
Posteriormente, os dados de canto e fala foram selecionados, transcritos
e analisados. A análise sonora das gravações foi feita no programa Sony
Sound Forge 7.0. Para a relativização das alturas “cantadas/faladas” dos
bebês foi utilizado um teclado.
Coleta de dados
Foram transcritos todos os trechos de vocalizações dos bebês pesquisa-
dos. Os sons relatados aproximam-se ao som produzido pelos bebês e
não sugerem sustentação exata ou saltos exatos. As transcrições foram
feitas utilizando a afinação padrão de um teclado, com afinação tem-
perada cromática de 12 sons com lá 440 Hertz.
Análise e discussão dos dados
Questionários preenchidos Permanência com o gravador
Questionários
1ª semana (72,23 %)
preenchidos (85,71%)
Conclusão
De acordo com Beyer (1988), quando se compara a evolução dos
estágios na linguagem verbal com a linguagem musical, verifica-se um
atraso na aquisição desta segunda com relação à primeira, embora as
estruturas cognitivas necessárias já tenham sido formadas durante a
aquisição da linguagem verbal. O uso significativamente maior da lin-
guagem verbal em relação à musical pode ser apontado como expli-
cação para a existência desta decalagem. Considerando o estímulo
oferecido aos bebês da pesquisa, pode-se dizer que a probabilidade
para esta decalagem é um pouco menor. Ainda que as palavras e/ou
frases não estejam completas no processo da fala, a entonação utiliza-
da é bastante clara, com uso de interrogações e exclamações com um
bom domínio. Os esquemas adquiridos para o desenvolvimento da fala
e que ainda estão em formação nesta faixa etária final avaliada de 24
meses, assemelham-se aos do canto se pudermos comparar a emissão
das palavras ainda com “erros”, com a dificuldade dos bebês em man-
ter a linha melódica de uma canção, apesar do reconhecimento e emis-
são de parte do texto e do ritmo desta mesma canção.
Se considerarmos na linguagem falada e na musical, o uso dos quatro
parâmetros do som: duração, altura, intensidade e timbre, aproxi-
mamos a aquisição destas duas linguagens como meios de expressão.
O acompanhamento da evolução da linguagem em bebês possibilita a
visualização destes quatro parâmetros e evidencia a facilidade que eles
têm na reprodução rítmica se comparada à melódica. A própria lin-
guagem falada observada parece poder relacionar-se a isto.
Em Beyer (1988), pág. 89, lê-se que ”o simples ouvir não irá produzir
no sujeito aquisição da linguagem musical. Torna-se necessário que a
criança exerça sua ação sobre o som, produzindo música, para que
aprenda a codificar e decodificar mensagens musicais.” Considero,
desta mesma forma que a aquisição da linguagem falada é facilitada
porque a manipulamos e estamos expostos a ela durante longos perío-
dos inclusive já dentro do útero, especialmente se levarmos em conta
que nos humanos a maturidade do ouvido se dá a partir do sexto ou
sétimo mês de gestação. Por mais que haja estímulo sobre a linguagem
musical, ela jamais se equiparará à da linguagem falada. De qualquer
forma, é possível verificar aqui que os estímulos musicais podem
favorecer a aquisição da linguagem falada. Ao final dos 24 meses, com
relação ao desenvolvimento musical e da fala, os bebês emitiam
pequenas frases, identificavam canções através de melodias e/ou ritmo,
brincavam com a estrutura musical de forma rudimentar, cantavam
canções com alguma linha melódica, com ritmo bastante constante e
com letra incompleta e pareciam identificar graves e agudos na voz e
instrumentos. É necessário a continuação do registro sonoro destes
grupos pesquisados, para que haja a possibilidade de se fazer uma
comparação entre os dados coletados.
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Considerações finais
Em suma, face ao que foi visto, podemos retornar à questão inicial e
afirmar sem medo a existência de uma sintaxe musical, a presença nas
músicas de um sistema no qual unidades menores (células) vão se
combinando, formando unidades maiores (frases, períodos etc.) e
constituindo a obra como um todo. Como já foi dito, essas unidades
têm suas próprias características, distintas das unidades lingüísticas, e
se organizam segundo as normas das “gramáticas musicais” (tonal,
atonal, modal, serial etc.) bem como dos diversos gêneros existentes na
música, de tal modo que pode-se falar em “línguas musicais”, que nada
mais são do que abstrações inferidas a partir de um conjunto de obras.
Aproximamo-nos, assim, de uma concepção efetiva da música como
linguagem, investigação esta que se completaria com uma análise
também da dimensão semântico-musical, análise essa que deixo para
um outro momento.
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Fundamentação teórica
Influenciado sobretudo pelas pesquisas de Saussure, Propp e Lévi-
Strauss, Greimas lança as bases para uma teoria que considera a ger-
ação do sentido em um plano mais profundo, anterior à manifestação
– seja ela verbal, visual ou musical. Este procedimento abriu as portas
para pesquisadores que, posteriormente, desenvolveram a teoria em
direção a semióticas específicas. Para a análise desta canção, seguire-
mos o modelo geral proposto por Luiz Tatit, conforme apresentado nas
obras “Musicando a semiótica” e “O cancionista: composição de
canções no Brasil”.
Estrutura verbal
Como ponto de partida para a análise do texto verbal da canção,
podemos rapidamente destacar certos elementos semânticos: “de
saveiro”, “de jangada”, “tempo que levava Rosa pra aprumar o balaio”,
“tempo de um raio” – elementos estes associados ao conceito de
natureza – e “de avião o tempo de uma saudade”, “onda luminosa” –
elementos associados à cultura.
O modelo semiótico prevê um nível de organização de sentido articu-
lado por uma categoria fundamental – no caso, natureza versus cultura.
Os termos desta categoria são determinados como positivos ou eufóri-
cos, e negativos ou disfóricos, conforme a relação do ser vivo que
percebe com os conteúdos percebidos. Porém, em “Parabolicamará”
parece ter havido uma suspensão da determinação fórica: euforia e dis-
foria não aparecem alinhadas nem com natureza nem com cultura.
Percebe-se também, como em “pela onda luminosa (fibra ótica: cultura)
leva o tempo de um raio (natureza), o mesmo tempo que Rosa levava
pra aprumar o balaio”, indicativos de que o autor tenha trabalhado todo
o texto sobre um termo complexo. Ou seja, ao invés de polarizar a ca-
tegoria natureza versus cultura, valorizando positivamente um dos ter-
mos, o autor investe na união entre os opostos. Esta união se faz ple-
namente representada pela palavra “Parabolicamará”: vocábulo criado
com a palavra “parabólica” e o vocativo “camará” (usado comumente
nas rodas de capoeira), realizando perfeitamente o sincretismo entre
cultura e natureza.
Não há uma percepção de um percurso entre os termos, não havendo
passagem do estado de natureza ao estado de cultura ou vice-versa.
Não é possível perceber também a construção clara, num processo
narrativo, dos estágios de manipulação, competência, performance e
sanção (previstos no modelo geral de análise), tornando-se inviável a
interpretação do texto dentro de uma narrativa linear. Podemos afirmar
que esta é uma estratégia narrativa que opta por não hierarquizar valo-
res. Se nas estruturas fundamentais não percebemos uma polarização,
nas estruturas narrativas não poderemos ver um sujeito em busca
exclusivamente de valores de natureza ou de cultura.
Acima das estruturas fundamentais e narrativas, a semiótica prevê um
terceiro patamar de significação, capaz de dar conta de elementos mais
concretos e complexos que os demais. Neste nível, denominado “nível
discursivo”, podemos perceber as relações entre enunciação e enun-
ciado, temas e figuras.
“Parabolicamará” instaura um discurso em 3ª pessoa, recurso utilizado
para a criação da ilusão de objetividade. Com esse recurso, o enunci-
ador finge um distanciamento da enunciação, que passa a ser neutra-
lizada e assume o papel de fazer nada mais do que comunicar os
“fatos”. É a chamada “desembreagem enunciva”, onde a utilização de
um espaço do “lá” (ao invés de “aqui”) acaba por determinar, ainda que
secundariamente, mais um traço de aspectualização que contribui para
a criação do efeito de realidade e de objetividade.
Antes de desenvolver a análise sobre o tempo, temos que estabelecer a
diferença entre tempo como recurso da linguagem de estabelecer
relações cronológicas entre acontecimentos (articulando antes, durante
e depois), e o tempo como um tema do discurso, ou seja, reflexões
sobre o assunto “tempo”. “Parabolicamará” realiza uma interessante
operação entre essas duas acepções.
Na expressão “Antes longe era distante, perto só quando dava”; “De
jangada leva uma eternidade, de saveiro leva uma encarnação, pela
onda luminosa, leva o tempo de um raio”; “De avião o tempo de uma
saudade”, o autor alude claramente à questão das distâncias sendo
encurtadas com a chegada da tecnologia. Como observador, o sujeito
da enunciação simplesmente relata os acontecimentos, a visão do
mundo “antes” do advento tecnológico e do mundo “agora”. Mais uma
vez, o autor opta por não polarizar a oposição: embora reconheça as
transformações, ele nem exalta nem critica o avanço tecnológico. Mais
que isso, ele ressalta a simultaneidade entre esses mundos, apoiado na
existência concomitante de mundos rurais e urbanos, o que aponta
imediatamente para uma concomitância entre o “antes” e o “agora”.
Embora reconheça a competência dos elementos tecnológicos em
encurtar o tempo e espaço (avião e onda luminosa), ele também vê a
mesma competência nos elementos naturais (raio e rosa).
Uma outra abordagem da categoria temporal pode ser feita levando em
conta o aspecto de duratividade e pontualidade. O autor prefere não
relacionar diretamente o aspecto pontual e o durativo com os termos da
categoria fundamental natureza versus cultura. O tempo da natureza
tanto é durativo (jangada = eternidade) quanto pontual (raio = balaio).
O mesmo acontece com o tempo da cultura, que é durativo (avião =
tempo da saudade) e pontual (onda luminosa = tempo do raio).
O discurso se organiza semanticamente com a reiteração de termos
correlacionados. Este fenômeno recebe o nome de “isotopia”. É a par-
tir das isotopias, ou seja, das recorrências, que podemos perceber os
temas tratados pelo discurso. Em “parabolicamará” podemos ressaltar
as seguintes isotopias: isotopia rural: camará (gíria de roda de
capoeira), berimbau, balaio, cabaça, jangada, saveiro; isotopia urbana:
parabólica, avião, onda luminosa; isotopia do tempo: tempo de um
raio, tempo nunca passa, tempo não tem rédea. Estas isotopias se
alinham no tema do avanço tecnológico, da transformação, em
passagens que trabalham a oposição entre antes e depois. Mas elas
também constroem o tema da imutabilidade, quando realinhadas sob o
aspecto da concomitância. A falta de uma oposição semântica
claramente associada com valores eufóricos e disfóricos resulta numa
colocação sobre a questão tempo como uma questão problematizada,
não como um tema estabelecido e resolvido.
Os percursos temáticos de “Parabolicamará” não são totalmente
recobertos por percursos figurativos (figuração esparsa), uma vez que
não chegam a constituir percursos figurativos completos. A coerência
semântica do discurso é garantida pela recorrência temática.Dessa
forma o texto em questão se aproxima muito ao texto científico e filosó-
fico, tendo como contribuinte o tempo verbal presente numa “verdade
absoluta”, enunciva – é um tempo presente: “isso é assim”.
Um dos princípios que regem a chamada Semiótica Tensiva (Claude
Zilberberg em seu ensaio “Essai sur les modalités tensives”, 1981) é a
questão da aceleração e desaceleração. Aplicando esta teoria em
“Parabolicamará”, destacamos a “evolução tecnológica” (cultura) apre-
sentada como aceleração. Esta evolução encurta tempo e encurta
espaço, e está associada ao aumento de velocidade: “de avião, o tempo
de uma saudade” ou “trás dos montes, den de casa (antena parabóli-
ca)”. No entanto, estes valores de aceleração também estão presentes
na natureza: “tempo de um raio” ou “tempo que levava Rosa pra apru-
mar o balaio. Já ”saveiro” e “jangada” estão alinhados à natureza e são
relacionados também com desaceleração.
Estrutura musical
A primeira parte das estrofes 1, 2,4, 5 e 7 será chamada de A. Todos os
trechos “Ê, volta do mundo…” ficam aqui representados por B. A letra
C representará os parágrafos que se iniciam em “de jangada leva uma
eternidade”.
Podemos verificar a recorrência de uma figura melódica em A, repre-
sentando uma forte tematização, que é corroborada pelo gênero da
Capoeira, com sua estaticidade harmônica e repetição dual de notas no
instrumento berimbau – repetição esta seguida pelos outros instrumen-
tos, como a guitarra, o contrabaixo elétrico e a marcação linear da per-
cussão. Esta figura melódica recorrente, que se inicia com um grande
salto ascendente, se degrada em pequenos saltos descendentes e se
finaliza numa alternância de duas notas, sendo que o último salto é
descendente.Estes tonemas descendentes auxiliam para com o aspecto
afirmativo de A, a exposição “do que é”, do “assim que as coisas são”.
Outros indícios da tematização de A são o efeito de segmentação cria-
do pela recorrência de ataques na forma de consoantes e a diminuição
do prolongamento das vogais terminativas.Este efeito repetitivo acaba
por gerar desdobramentos secundários, como uma maior percepção do
ritmo.
Existe uma variação na última frase de A, onde o tonema agora se apre-
senta no sentido ascendente, dando um caráter tensivo e interrogativo
à frase, tendo como resposta a estrutura B, com seus tonemas descen-
dentes afirmando novamente o “é assim do mundo”.Percebe-se em B
um amplo alongamento das vogais: “ê volta do mundo camará...”, fator
este que atenua a recorrência dos ataques (ainda presentes em “volta
do mundo camará...”) e acaba por diluir a percepção da tematização
desta melodia. Porém, a maior ruptura se dá em C, onde o alongamen-
to das vogais diminui a percepção do ritmo. Esta diluição do ritmo é
gerada tanto pela abertura melódica da voz como pelos timbres dos
instrumentos: o prato da bateria passa a ser atacado na cúpula, geran-
do um som agudo e contínuo; o teclado conduz acordes numa região
mais aguda e com aberturas maiores entre as notas de seus acordes; e
a flauta executa notas longas, que se encurtam ao final das frases
trazendo dicotomias entre continuidade e descontinuidade. A passiona-
lização de C gera um processo de desaceleração.
A última exposição de A apresenta o maior salto ascendente de toda a
canção, gerando uma expansão da tessitura para 11 semitons e levan-
do o último B para uma região mais aguda, que se repete até o final da
canção. Este final possui uma grande sobreposição de instrumentos e
timbres, mesclando sons “orgânicos” a sons digitais e vozes de “sam-
pler”. Estes instrumentos aos poucos vão saindo de cena, gerando um
processo de decantação, onde somente restam o berimbau com seu
caxixi e o timbre digital dos teclados. Trata-se aqui de um reflexo, agora
no arranjo, da complexificação, entendida como uma união de termos
opostos. Timbres “artesanais” (berimbau, caxixi) são mesclados com
timbres processados (guitarra distorcida, samplers). A união entre
natureza e cultura materializa-se no arranjo.
Embora neste trabalho não nos aprofundamos no estudo da harmonia,
pode-se referir ao uso do estilo Modal na criação harmônica de A e B,
contrastados com uma construção harmônica Tonal Maior no trecho C,
colaborando fortemente com sua abertura e passionalização.
Conclusão
Percebemos tanto no plano verbal quanto no plano musical um con-
stante investimento sobre o termo complexo das diversas oposições
semânticas apresentadas (natureza versus cultura, aceleração versus
desaceleração, durativo versus pontual, antes versus hoje, timbres “na-
turais” versus timbres artificiais). A suspensão da polarização no plano
verbal foi amplamente confirmada no plano musical. A tematização
(aceleração) e a passionalização (desaceleração) aparecem claramente
na melodia em trechos em que o texto verbal enfatiza tanto elementos
de natureza como de cultura. A junção de opostos não se restringe ao
plano verbal, mas atinge todas as estruturas da canção. No plano musi-
cal temos a apresentação concomitante do berimbau e da guitarra, da
percussão e dos teclados, da voz humana e da voz digitalizada.
A recorrência de um mesmo procedimento em diversas partes da letra
e da música confere a “Parabolicamará” um extremo grau de coesão, o
que contribui não só para sua inteligibilidade como também para sua
eficácia. Resultado de uma minuciosa estratégia discursiva, tanto verbal
como musical, ela supera a dicotomia entre avanço tecnológico e
preservação de costumes com um amplo processo de complexificação.
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Fundamentação teórica
Luiz Tatit descreve dois tipos de investimentos dentro do sistema da
semiótica da canção. O primeiro, resultado de um processo geral de
aceleração, tem como foco principal o campo das durações. A reação
natural à rápida repetição do pulso em um andamento mais acelerado
é o surgimento de motivos rítmico-melódicos repetidos. A recorrência
destes motivos ativa a memória, reduzindo o fluxo de informações, o
que estabiliza o pulso rápido, evitando a sua dissolução. Esse processo
recebe o nome de tematização. O segundo investimento é regido pela
desaceleração, e tem como foco principal o campo das alturas. O pulso
desacelerado tem como principal conseqüência o aumento da duração
das notas, valorizando o contorno do perfil melódico e ampliando a
tessitura. Esse é um terreno propício para a proliferação de grandes
saltos intervalares e o prolongamento das vogais – fenômeno que
recebe o nome de passionalização.
O pesquisador prevê também a possibilidade de infiltração de elemen-
tos desestabilizadores, que se opõem ao investimento na estruturação
musical. Esse processo evidencia a fala que está por trás da voz que
canta, ou seja, promove um retorno à instabilidade do discurso oral:
trata-se da figurativização. Evidentemente, esses procedimentos não
são mutuamente exclusivos. Eles podem aparecer combinados em
proporções diversas. Uma canção pode escolher a tematização como
projeto entoativo principal e apresentar passionalização residual. Ou
então pode escolher um procedimento principal para a primeira parte
e outro para a segunda. A tematização e a passionalização podem ser
entendidos como projetos entoativos de concentração e extensão,
respectivamente. No primeiro caso, surgem os mecanismos de
involução (tematização e refrão) e evolução (desdobramento e segunda
parte). No segundo, os movimentos conjuntos (graus imediatos e
gradação) e disjuntos (salto intervalar e transposição). Além de aplicar-
se diretamente à análise das canções, a teoria se aplica também a
qualquer melodia incidente fora do contexto canção.
Método
Para fazer a transcrição da melodia, utilizaremos o diagrama proposto
por Luiz Tatit, onde cada linha corresponde a um deslocamento de
meio tom. Desta maneira poderemos imediatamente perceber o perfil
melódico, assim como a tessitura da canção (o espaço entre a linha
mais grave e a mais aguda) e a região em que se encontra cada trecho.
Após a transcrição da melodia, faremos uma análise dos aspectos
invariantes das três versões, seguindo a orientação semiótica. Uma vez
isolados os elementos fixos, poderemos comparar as diferentes atua-
ções de cada interpretação e verificar quais são os efeitos de sentido
decorrentes.
Resultados
A - Figura 1
A’ - Figura 2
B - Figura 3
B - Figura 4
II - Interpretação
A primeira escolha que o intérprete faz (incluindo aqui também o papel
do arranjador) é a do andamento da canção. Observando as definições
de tematização e passionalização, podemos ver que a velocidade do
pulso é um fator determinante (embora não seja o único). O andamen-
to de cada interpretação pode ser observado na Tabela 1:
Tabela 1
Versão Andamento (BPM)
Cartola 78
Ney Matogrosso 65
Marisa Monte 56
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Objetivos
O objetivo principal deste trabalho é questionar a separação entre ver-
bal (conteúdo) e musical (expressão) no modelo clássico, a partir de
uma discussão do estatuto semiótico do timbre.
Contribuições
Na famosa peça instrumental “Duelo de Banjos” de Eric Weisberg, tri-
lha sonora do filme Amargo Pesadelo, de 1972, temos – como sugere o
título – dois instrumentos “duelando” entre si. Nossa análise tentará
anular por completo a informação verbal transmitida pelo título, e
verificar se o conceito de “duelo” pode ser extraído exclusivamente da
informação musical.
Um primeiro fator capaz de sustentar o sentido de duelo é a apresen-
tação das frases melódicas. Alternadamente, são apresentadas frases
ritmicamente bem resolvidas e mal resolvidas. As frases ímpares são
apresentadas com pulso regular e acentuação constante. As durações
são homogêneas. As expectativas das resoluções rítmicas são confir-
madas. Nas frases pares, acontece o oposto. Embora sejam tocadas as
mesmas notas (alturas), as durações não são homogêneas e as
resoluções rítmicas não são confirmadas. Entre essas frases, podemos
perceber a permanência de determinada informação (alturas) e a
deterioração de outra (durações). A impressão auditiva é muito clara:
estamos diante de um processo de comunicação, ou seja, a peça
constrói uma cena sobre a transmissão de um /saber/.
Se esta tese se sustenta, temos também que admitir que estamos diante
de dois actantes. De fato, se a primeira frase melódica é ritmicamente
perfeita, temos um sujeito competente, em conjunção com o /saber-
fazer/. A segunda frase melódica, ritmicamente imperfeita, mostra um
sujeito em disjunção (ao menos parcial) com o /saber-fazer/. É interes-
sante notar que o material sonoro é aqui antropomorfizado, construin-
do um plano narrativo – no caso, uma manipulação. Para a semiótica
greimasiana, a aquisição do /saber/ faz parte de uma etapa do esquema
narrativo denominado “aquisição de competência”. Para poder tocar a
melodia, o sujeito precisa estar em conjunção com o /saber-fazer/. No
decorrer da música, esta performance recebe uma sanção positiva: as
duas melodias se encontram, desembaraçadas, sem entraves rítmicos.
Um outro fator capaz de sustentar a tese do duelo é o timbre. Como
vimos, a peça começa com a apresentação e repetição de frases sim-
ples. No entanto, o timbre das frases pares é diferente do das frases
ímpares. O primeiro instrumento é um violão de aço, e o segundo um
banjo. Todo instrumento de corda tem um leque de variações timbrísti-
cas possíveis, reguladas pela maneira como as cordas são tocadas (com
palheta ou com dedo, com ou sem unha) e pelo ponto de ataque (mais
perto do cavalete, mais perto do braço). Essas variações podem ser
usadas por um mesmo intérprete em uma mesma peça, mas geralmente
acabam por constituir uma “assinatura pessoal”: é possível reconhecer
um instrumentista apenas pelas características do timbre do seu toque.
Ou seja, o timbre pode ser um elemento que produz o efeito de senti-
do de identidade (ou parcialidade). Por outro lado, em determinadas
situações musicais, o timbre pode ser usado para criar o efeito de sen-
tido de homogeneidade, ou de totalidade. De qualquer forma, é impor-
tante perceber que o timbre é um dos recursos que o enunciador do
discurso musical possui para criar efeitos de sentido. No início de
“Duelo de banjos”, é possível perceber que existem dois instrumentos
distintos. Mais que isso: foi produzido o efeito de sentido de dois
instrumentos distintos.
Essa música pode ser o ponto de partida para uma reflexão mais pro-
funda sobre o conceito de timbre. O timbre, independentemente de
suas características acústicas, é sempre o som de algum instrumento. E
um instrumento – uma vez reconhecido pelo seu timbre – passa a ser
não só um som, mas uma figura do mundo. O som de um violino pres-
supõe um violino tocando. E um violino é um instrumento que tem
tamanho, cor e forma. Mais que isso: tem história, e por isso mesmo,
tem contexto. Sabemos que o violino é um instrumento de orquestra,
assim como sabemos também que é um instrumento antigo. Um violi-
no em uma escola de samba (como ocorreu no samba enredo da Beija-
flor em homenagem a Bidu Sayão, em 1998) é algo absolutamente
inusitado e original (foi na época e ainda seria hoje) – o mesmo acon-
teceria com um pandeiro numa orquestra. Neste ponto, o processo de
construção do sentido musical aproxima-se muito do verbal.
Aprendemos a associar o som da palavra “violino” com o conteúdo
violino (instrumento de orquestra, tocado com arco, feito de madeira,
pequeno, etc…). A única diferença é que aqui não estamos mais
tratando do som da palavra violino, construída com vogais e
consoantes, mas do som do instrumento violino, construído a partir da
fricção entre arco e cordas.
Resumindo: o timbre é uma figura do mundo, é um marcador de
presença, e – como vimos em “Duelo de banjos” – pode atuar na
função de ator do discurso. Por todas essas funções, fica claro que o
nível discursivo é o lugar (ou pelo menos um dos lugares possíveis) para
o timbre.
Devemos ressaltar que estamos definitivamente falando de plano de
conteúdo. A presença do timbre no plano de expressão tem caracterís-
ticas essencialmente diferentes. Na expressão, o timbre poderia opor a
categoria de brilhante versus opaco, por exemplo, e contrair relações
semi-simbólicas com a letra – se for uma canção – ou com outros ele-
mentos do plano de conteúdo musical. No plano de conteúdo, os tim-
bres são identificados a partir de figuras do mundo (vozes, instrumen-
tos, sons eletrônicos, etc…). Além disso, eles podem ser sérios ou
descontraídos, frívolos ou austeros. Um timbre pode também ser
dramático – ou simplesmente engraçado. Na canção Julia/Moreno, de
Caetano Veloso, há uma flauta doce (timbre suave) acompanhando o
trecho “Julia” e uma guitarra elétrica distorcida (timbre áspero) acom-
panhando o trecho “Moreno”. Daí se extrai uma relação semi-simbóli-
ca áspero versus suave e masculino versus feminino (Dietrich, 2003).
Neste caso, ressaltamos uma característica do timbre presente no plano
de expressão. Poderíamos nos limitar ao discurso musical, e verificar a
relação entre áspero versus suave e guitarra versus flauta, estes últimos
tomados aqui como atores do discurso musical, e figuras do mundo. A
guitarra é o instrumento símbolo do Rock, que por sua vez carrega va-
lores de rebeldia e agressividade. A flauta é associada ao conceito de
pureza e leveza. Estaríamos então relacionando uma manifestação de
expressão do timbre com uma manifestação do conteúdo do timbre.
Outro elemento que parece contribuir para a caracterização deste “ator
musical” é a intensidade. A intensidade é antes de tudo um marcador
da presença do sujeito. A oposição forte vs. fraco, no plano da
expressão, pode marcar a intensidade da presença desse ator no plano
do conteúdo. Sons mais fortes (qualquer operador de mixagem sabe
disso) parecem estar mais próximos. Em uma primeira análise, a
intensidade opera uma categoria própria do nível discursivo: aproxi-
mação vs. distanciamento. Ela pode também marcar a presença de
determinadas passagens (ou determinados sujeitos) como átonos ou
tônicos. O ouvido tende a atribuir maior importância a sons mais altos.
Em um arranjo polifônico (com muitos atores, portanto) é muito
comum variar ao longo da peça o instrumento que toca mais alto. É
como se o discurso “focalizasse” um ator diferente a cada momento –
o correspondente desse efeito no teatro, por exemplo, é o foco de luz
que pode passar de um ator a outro.
A intensidade pode também “deformar” o timbre do instrumento,
podendo com ele compor uma imagem de agressividade – ou de
mansidão. São efeitos de sentido que estão atuando também no nível
discursivo.
Conclusões
A semiótica greimasiana está hoje em franco desenvolvimento.
Pesquisadores de vários países se empenham para proporcionar ao
modelo novas ferramentas, capazes de descrever um número cada vez
maior de fenômenos. No Brasil, graças principalmente ao desenvolvi-
mento das pesquisas de Luiz Tatit, podemos ver o surgimento de um
importante pólo de pesquisa em semiótica da canção. Isso faz com que
o modelo original se mantenha em constante revisão e ampliação. Para
que o desenvolvimento da semiótica da canção aconteça sem o
surgimento de incoerências e contradições internas, acreditamos ser
necessário enriquecer o plano do conteúdo, atualmente formado
apenas pelo verbal, com elementos extraídos do discurso musical.
Além de ampliar as ferramentas descritivas do modelo, este
procedimento abre o caminho para a consolidação de uma semiótica
do discurso puramente musical.
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Aprendizado de música
Em meados dos anos quarenta, Shinichi Suzuki desenvolveu uma abor-
dagem para o ensino de música baseada nestes estágios universais da
aquisição linguística. Para Suzuki, o processo de aquisição da língua
materna é a chave de qualquer aprendizado. De acordo com ele, qual-
quer criança é capaz de desenvolver habilidades musicais a um nível
muito elevado — assim como toda criança normal desenvolve a
capacidade de falar — se o “Método da Língua Materna”, como ele
mesmo o denominou, for utilizado. Defendendo a idéia de que talento
não é um acaso do nascimento e que o indivíduo é fruto do meio em
que vive, cada aspecto de seu método é, intuitivamente, relacionado a
um aspecto do processo de aquisição da língua materna.
Segundo Suzuki, quanto mais cedo, e o quanto mais música houver no
ambiente da criança, tanto melhor (para a aquisição, ela está envolvi-
da constantemente com sua língua materna). Os primeiros sons no
instrumento, as primeiras melodias, deveriam estar internalizados antes
da criança tentar tocar, isso se consegue através de muitas repetições
(assim como as primeiras palavras na língua, como “mama”, que são
repetidas inúmeras vezes antes que a criança consiga proferi-la). Deve
haver constante motivação e incentivo por parte dos pais a cada
pequeno passo e a cada obstáculo superado pela criança (durante a
aquisição, cada ação da criança ao tentar falar é motivada com entusi-
asmo pelos que a cercam). O progresso se daria pela prática diária (as
crianças normalmente não passam um dia sem falar, e assim a fala
torna-se natural e fluente). A leitura não deveria ser ensinada antes da
fluência no instrumento (assim como ninguém aprende a ler antes de
falar).
O Método Suzuki tem méritos em muitos aspectos, mas sua falha é
pensar na aquisição da língua materna através da repetição – o que
reflete o pensamento behaviorista, que teve seu auge durante a criação
do método.
Apesar de sua abordagem ser bastante diferente daquela de Shinichi
Suzuki, Edwin Gordon também faz uma analogia entre a aprendizagem
da música e da língua. Segundo ele, música e língua estruturam-se e
são aprendidas semelhantemente:
“Considere-se linguagem, fala e pensamento. A linguagem é o resulta-
do da necessidade de comunicar. A fala é o modo como nos comuni-
camos. O pensamento é aquilo que foi comunicado. Música, interpre-
tação e audiação (audiation) têm significados paralelos. A música é o
resultado da necessidade de comunicar. A interpretação é como a
comunicação acontece. Audiação é aquilo que é comunicado.”
(Gordon, 1997: 6)
Gordon comenta que a aquisição da língua materna dá-se pela imersão
do bebê no ambiente em que ela é falada. A criança absorve o que
ouve, vocalizando sons por imitação até ser capaz de articular as
primeiras palavras e, em seguida, apreender o código da língua de sua
cultura. Gordon considera que infelizmente a experiência musical
segue, em geral, um caminho diferente, pois as crianças não recebem
orientação formal ou informal até sua entrada na escola, criando-lhes
grandes dificuldades. Na introdução ao livro Music Play, Gordon (et
alii, 1998) ressaltam a importância dessa orientação a crianças peque-
nas, pois segundo pesquisas recentes
“existem períodos críticos associados ao surgimento de conexões neu-
rológicas e sinapses que ocorrem antes do nascimento e durante a
primeira infância. (…) A Natureza proporciona à criança uma super-
abundância de células para estabelecer estas ligações, quer antes do
nascimento quer em alturas cruciais após o nascimento. Se estas célu-
las não forem usadas para este objetivo durante esses períodos cru-
ciais, acabam por se perder e nunca mais podem ser recuperadas.”
Sendo assim, se uma criança muito pequena não tiver a oportunidade
de desenvolver um vocabulário de audição musical, as células que
teriam sido usadas para estabelecer esse sentido auditivo serão dire-
cionadas para um outro. Nenhuma medida de educação compen-
satória posterior poderá eliminar na totalidade essa deficiência.”
Este “vocabulário musical” seria desenvolvido através da internalização
de padrões (“patterns”) rítmicos e tonais que formam a base da teoria
de aprendizagem musical (Music Learning Theory) de Gordon. Segundo
ele, assim como o morfema é a unidade básica de significado da
linguagem, os padrões — rítmicos e tonais — são as unidades básicas
de significado na música. São as palavras, não fonemas isolados, que
tornam possível nossa compreensão da linguagem e assim quanto mais
palavras temos em nossos vocabulários ativo e passivo, tanto melhor
somos capazes de pensar sobre aquilo que nos é dito e de formar
conclusões próprias. Da mesma maneira, pessoas com vocabulários
musicais limitados têm a capacidade de imitar a música, mas não de
“audiá-la” (audiate). (Gordon, 1997: 113)
É importante frisar, entretanto, que, apesar de enfatizar o paralelismo
entre música e linguagem, Gordon também reforça em seus textos as
diferenças entre elas:
“Não obstante as analogias que tenho feito entre linguagem e música,
deve-se ficar entendido que música não é uma linguagem. Música não
tem palavras ou gramática. Ao contrário, ela tem apenas sintaxe, que
é o arranjo ordenado dos sons. É interessante especular, entretanto, se
a linguagem poderia na verdade ser uma forma de música.” (Gordon,
1997: 6)
Assim como Suzuki, ao dar demasiado valor à repetição, Gordon peca
ao enfatizar incansavelmente o desenvolvimento de “patterns”. A
música consegue ter significado mesmo quando se livra dos “patterns”
rítmicos e tonais; e é justamente quando ela foge disso e deixa de ser
previsível que ganha mais expressividade.
Considerações finais
Até hoje ninguém foi capaz de explicar como, exatamente, as crianças
adquirem sua língua materna. Assim como não existe uma teoria defi-
nitiva sobre aquisição de língua, as teorias de aprendizagem musical
também têm um longo caminho à sua frente. Por isto, as hipóteses com-
parativas entre processamento cognitivo musical e lingüístico repousam
em fundações pouco firmes. De qualquer modo, abordagens como as
de Suzuki e de Gordon, dentro de suas limitações, têm sido ampla-
mente utilizadas e com sucesso. A existência de um L.A.D. não é com-
provada, e não penso que devêssemos ir em busca de um M.A.D., pois
a evolução não parece ter-nos dotado de mecanismos específicos para
a música. Mesmo assim, acredito que os estudos de nossa capacidade
cognitiva de aquisição lingüística podem ainda vir a colaborar muito no
campo da aprendizagem musical e quem sabe um dia possamos pen-
sar em “aquisição musical”.
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Do “quanto” ao “quando”:
novos estudos sobre cognição do ritmo e a experiência
de um seqüenciador posicional
Darcy Alcantara Neto
Universidade Federal do Espírito Santo
Cognição e ritmo
“The study of time in music (in the form of its durational parameters,
rhythm and metre) has received only modest attention from the Western
theory of music, as compared with the study of pitch issues (in the form
of melody and harmony”, como afirmado em “Just in time: towards a
theory of rhythm and metre” (Lopes, 2003). O maior número de estudos
sobre temporalidade e ritmo de que dispomos hoje de características
fortemente interdisciplinares, envolvendo cognição, semiótica, lingüís-
tica e filosofia procuram restabelecer ao ritmo um caráter fundamental,
anterior às alturas. Moraes (1991), encontra a fala de Cooper & Meyer
(1960), que, citado por Martin (1972), afirmam que
Every musician, whether composer, performer, or theorist, will agree
that ‘In the beginning was rhythm’. (…) For the shaping power of
rhythm and, more broadly speaking, of the temporal organization of
music is a sine qua non of the art (…) To study rhythm is to study all of
music.
Para Lopes, “a música relaciona vibrações físicas (i.e. propriedades
mensuráveis do som) com algum tipo de forma humana. The special
feature of that human form is the creation of a temporal order without
which sound could not be raised to the level of music” (Lopes, 2003).
Susanne Langer, em “Sentimento e Forma” (1953, apud Moraes, 2003),
também alertava para o fato de que:
quase no mesmo momento em que nos propomos pensar em termos
estritos sobre o fenômeno chamado “música”, apresenta-se a física do
som como o fundamento natural de qualquer teoria” (Langer,
1953:113), apesar de que, continua a autora, “… o som, e mesmo o
tom, como tal não é música”. (Moraes, 2003).
A necessidade dessa “ordem temporal”, sem a qual o som não se torna
música, é presente em textos de vários autores, em especial a partir das
últimas três décadas, quando observamos um crescente interesse no
estudo de ritmo e temporalidade, não apenas no domínio musical, mas
na lingüística, psicologia, neurociência e nas ciências exatas (Moraes,
1991). Curiosamente, é também na década de 70, a partir da
publicação de Fundações Biológicas da Linguagem (1967), por Erick
Lenneberg, que
talvez, pela primeira vez, tornou-se amplamente reconhecido que
domínios do conhecimento exibiam suas próprias regras e princípios,
e que estes podiam ser atribuídos, em alguns detalhes concretos, a
estruturas e mecanismos do cérebro (...), às surpreendentes especifici-
dades das funções cerebrais e às localizações corticais particulares,
nas quais elas eram executadas. (...) O trabalho de pesquisadores
como Chomsky, Lenneberg ou Geschwind (...) salientaram as con-
strições sob as quais o desenvolvimento opera. (Gardner,1991)
Gardner, então, enumera uma série de situações que exemplificam tais
“constrições” ou “cerceamentos” em nosso desenvolvimento cognitivo,
ressaltando a grande importância epistemológica e psicológica do fato
de que “crianças, também, dividem ou ‘analisam’ contínuos sensoriais
de nível mais alto de maneira muito semelhante à dos adultos”. No
caso da cor, elas reconhecem a existência de cores focais, bem como
os chipanzés, o que “assegura o argumento de que tais inclinações per-
ceptivas são construídas na neurofisiologia do sistema visual”. No
âmbito lingüístico, Gardner também apresenta “uma analogia reve-
ladora para o contínuo cromático”, na leve diferença de tempo de
emissão da voz de um /p/ e do /b/, lembrando que
[d]esde o começo, as crianças, como os adultos, tratam todos os /b/s
como /b/s, e todos os /p/s como /p/s, com a percepção categórica
sobrepujando a detecção de diferenças puramente físicas no tempo de
emissão da voz (...) O fato de que crianças de comunidades de fala
largamente diferentes analisam o continuum semelhantemente nos
primeiros meses de vida fornece evidência ainda mais decisiva de que
a natureza cerceou a percepção de estímulos lingüísticos auditivos.
(Gardner,1991)
Para Gardner, “a noção behaviorista de que os seres humanos podem
aprender – ou esquecer – qualquer coisa parece tão ingênuo como a
crença computacional inicial de que todas as resoluções de problemas
são uma só coisa”. A constatação de que há estruturas mentais que,
simultaneamente, limitam nossa capacidade de perceber o tempo, e ao
mesmo tempo nos permitem lidar com eventos rítmicos, memorizá-los
e repeti-los, segundo cerceamentos impostos pela natureza e biologia,
levanta a questão sobre quais são os cerceamentos impostos à per-
cepção de ritmo. Sakai et alii, 1999 dá-nos uma definição de ritmo que
se desdobrará até o final de nosso estudo:
Rhythm is a flow of time, a series of time intervals marked off by the
onsets of sensory or motor events, such as tones, flashes of lights, and
steps in dances. Thus, rhythm is a supramodal entity that is determined
solely by time information. The fact that we can recognize, discrimi-
nate and reproduce a large number of rhythms suggests that individual
rhythms can be internally represented, but its neural mechanism has
not been well understood. [g.n.]
Sakai et alii (1999), partindo do estudo de Essens & Povel (1985), que
propõe dois tipos de representação mental para ritmo, dependendo dos
intervalos de tempo – representação métrica e não-métrica, para ritmos
formados com razões de intervalos de tempo inteiras (e pequenas) e
não-inteiras, respectivamente –investiga se essas tais diferentes repre-
sentações ativam igualmente diferentes áreas do sistema nervoso. A
representação métrica consiste em “mapear um ritmo em uma estrutu-
ra temporal de referência, chamada de relógio interno, através do qual
as séries de intervalos temporais são metricamente relacionadas umas
com as outras”. É o caso dos ritmos formados com proporções simples.
Em síntese, Sakai et alii concluem que
there are two modes of neural representation for rhythm. Their selec-
tion depends on the interval ratios of the rhythm or, more precisely, on
the strategy used for encoding the rhythmn, metrical or nonmetrical.
Nonmetrical strategy may require explicit processing for the individual
time intervals, whereas metrical strategy may operate automatically,
and possibly implicitly, to allow hierarchical encoding of the whole
rhythm. In this regard, the right and left hemispheric dissociation
observed in the nonmetrical and metrical rhythm processing may be
closely related to the finding of Hazeltine et alii (1997), who showed a
similiar hemispheric dissociation between explicit and implicit motor
sequence learning.
Os dois padrões de ativação cerebral encontrados no estudo de Sakai
et alii, no entanto, correspondiam, não à razão dos ritmos apresenta-
dos, mas, em maior parte, à razão dos ritmos que foram produzidos
pelos sujeitos, quando lhes era pedido que repetissem o que tinham
ouvido, “sugerindo que as ativações observadas refletiram a represen-
tação interna do ritmo”. Os dados da ressonância magnética indicaram
também que os padrões de ativação para os ritmos 1:2:4 e 1:2:3 foram
muito parecidos, mas completamente diferentes daqueles observados
no ritmo 1:2.5:3.5. Em relação à localização dos hemisférios, houve
uma predominância da representação métrica associada ao hemisfério
esquerdo, enquanto a não-métrica ao hemisfério direito, o que está de
acordo com estudos anteriores que mostram que deficiências rítmicas
eram encontradas após lesões no hemisfério esquerdo. Uma outra con-
clusão importante de Sakai et alii é que “embora nós tivéssemos usado
estímulos auditivos para apresentar os ritmos, os lobos temporais não
mostraram ativação significativa; apenas uma pequena porção no lado
direito estava ativa para o ritmo 1:2.5:3.5”. Conclui, assim, que
The frontaparietal network active in the present study would, thus,
reflect the supramodal mechanism for rhythm processing, as suggested
by Mavlov (1980). Indeed, it was shown that the ability in rhythm pro-
cessing was preserved, even after the lesions in the temporal lobe
(Peretz and Kolinsky, 1993; Peretz, 1996). [g.n.]
Em consonância com o estudo, Guttman et alii (2005) no artigo de
sugestivo título “Hearing What the Eyes See: Auditory Encoding of
Visual Temporal Sequences” relatam os resultados de experimentos em
que ritmos veiculados através de impulsos visuais são codificados e
transformados em representação mental auditiva, de forma automática,
obrigatória e sem esforço. Baseado na “modality-appropriateness
hypothesis” (Welch,1999, e Welch & Warren, 1980), “perception gives
precedence to the ‘best’ sensory modality for the task at hand: vision for
spatial judgements and audition for temporal judgments. Intersensory
conflicts are resolved through subjugation of the less reliable sense – as
reliable by auditory driving – and possibly even through sensory
recalibration”.
A referência auditiva para estímulos visuais não é algo inteiramente
novo. Conhecemos a fala subvocalizada quando se lê um texto. No
entanto, os experimentos manifestam um “markedly different flavor”:
“It arouse automatically, unintentionally, and without learning or
practice”. Em um dos experimentos, a presença proposital de “incon-
gruent auditory information substantially impeded rhythm memory,
even though this information was irrelevant to the visual task”. Os
observadores foram incapazes de ignorar os sons e se concentrar
exclusivamente nas seqüências visuais.
O estudo também supõe a existência de um módulo perceptual para
processar tempo, que facilitaria a construção de uma estrutura tempo-
ral única a partir de múltiplas modalidades sensoriais, com diferentes
pesos para cada um dos sentidos, na entrada de informação, como su-
gerido pela “modality-appropriateness hypothesis” (Welch, 1999;
Welch & Warren, 1980). Conseqüentemente,
given the effectiveness with which auditory information reflects time,
the representations arising from such a module could well engender an
auditory (rather than amodal) character, resulting in the experience of
‘hearing’ visual temporal structure. [g.n.]
Outra idéia importante é a compreensão de que nossa percepção musi-
cal, assim como a visão e a linguagem verbal, em alguns aspectos,
opera discretizando o contínuo físico. David Temperley, em “The
Cognition of Basic Musical Structures” (2001), ressalta que “the per-
ception of rhythm is, in an important sense, categorical: we understand
notes as being in one rhythmic category or another, rather than merely
perceiving them as continually varying”. Temperley (2001) afirma clara-
mente que “duration patterns are not usually performed with perfect
precision, nor do they need to be in order to be recognized and under-
stood”.
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Timbre Musical
Modelos Auditivos
Pesquisas em neuropsicologia e neurofisiologia da audição humana
têm possibilitado a construção de modelos que buscam representar o
comportamento dos componentes responsáveis pela audição, tais
como ouvido externo e médio, membrana basilar, células ciliares do
ouvido interno e fibras nervosas do oitavo nervo craniano do sistema
nervoso. Modelos auditivos ou cocleares vêm oferecendo uma alterna-
tiva promissora para pesquisa em timbre musical. Estes modelos trans-
formam o sinal em padrões de disparos neuronais, conhecidos como
neurogramas, resultando numa representação que não traduz neces-
sariamente a distribuição de energia do sinal ao longo de seu espectro
de freqüência. Estudos comprovaram uma maior eficiência destes mod-
elos frente aos tradicionais, em casos em que o sinal se apresenta alta-
mente corrompido por ruído. Esta propriedade os torna adequados para
a pesquisa em timbre, por implementarem uma característica complexa
da percepção auditiva, que é a capacidade de discriminação de timbres
mesmo com a presença de altos níveis de ruído. Estudos mais recentes
comprovam a robustez destes modelos na investigação dos mecanis-
mos perceptivos do timbre musical (Cosi, De Poli et alii, 1994;
Toiviainen, Kaipainen et alii, 1995; Toiviainen, 1996; De Poli e
Prandoni, 1997).
Objetivos
Este trabalho buscou explorar as possibilidades de utilização de
modelos auditivos computacionais para investigar o significado dos
parâmetros físicos determinantes nas variações de timbre que ocorrem
na execução de uma nota musical. A rica variação timbrística da
clarineta foi utilizada para a construção de mapas timbrísticos, nos
quais similaridades entre sonoridades pudessem ser representadas por
distâncias geométricas em espaços de baixa dimensionalidade.
Métodos
Dados de Análise
Embora o timbre possa variar independentemente da intensidade ou da
duração, o alto grau de correlação entre timbre e intensidade facilita a
amostragem de "valores" distintos de timbre para uma mesma nota a
partir da especificação da intensidade. Assim, um músico foi instruído
a executar cada nota em quatro níveis de intensidade distintos: pianis-
simo, mezzo-piano, mezzo-forte e fortíssimo, com o mínimo de varia-
ção possível. As amostras foram obtidas a partir de gravações de todas
as notas dos dois registros mais graves da Clarineta em Si b, variando de
Ré 3 (147 Hz) a Lá 5 (880 Hz), executadas nos quatro níveis de intensi-
dade acima, com uma duração média de 3 segundos. Utilizamos tam-
bém neste estudo amostras de grande conteúdo expressivo e larga
variação de dinâmica e timbre, em diferentes registros do instrumento,
extraídas da Abertura do 1º movimento do Quintetto op. 115 em Si
menor para clarineta e quarteto de cordas de Brahms (compassos 5 a
17). As gravações foram reamostradas a 22,05 kHz, e suas amplitudes
foram normalizadas, para que fossem classificados em função de sua
variação dinâmica.
Modelos Auditivos
Estas amostras foram então representadas em cocleagramas, extraídos
com a utilização do modelo auditivo desenvolvido por Richard Lyon
(1988) implementado em Matlab por Malcolm Slaney (1998). Neste
modelo, um filtro linear simples simula a filtragem que ocorre no canal
auditivo. Na modelagem da cóclea, são combinados vários canais de
bancos de filtros, que modelam a propagação das ondas de pressão,
com ressonadores, as convertem em movimento da membrana basilar.
O movimento da membrana basilar é detectado pelas células ciliares
internas, que capturam apenas a fase positiva do sinal. Estas são simu-
ladas através de Retificadores de Meia Onda (Half Wave Rectifiers ou
HWRs), que fazem a representação neural do sinal. Controles de
Ganho Automático modelam efeitos como mascaramento, diferenças
de tempo de adaptação no ouvido interno e não-linearidades da cóclea
(Lyon e Mead, 1988). A saída gerada por esse modelo é uma matriz
com a probabilidade de ocorrência de disparos ao longo do nervo audi-
tivo, denominada cocleagrama. A fim de reduzir a quantidade de
dados, os dados de entrada foram decimados a cada 500 amostras.
SOM Toolbox
Os cocleagramas foram então classificados por um mapa auto-orga-
nizável de Kohonen bidimensional com topologia hexagonal. Os arran-
jos destes mapas neurais podem tomar várias formas, definindo as
relações de vizinhança entre os neurônios. Este estudo utilizou uma
implementação do SOM em Matlab desenvolvida por Juha Vesanto e
equipe, da Helsinki Unversity of Technology, o SOM Toolbox (Versanto,
Himberg et alii, 2000).
Conclusão
Esta representação gráfica do timbre e de sua evolução temporal ofere-
ce caminhos para a compreensão do controle dinâmico e instantâneo
que o instrumentista detém sobre o som dos instrumentos acústicos e
de como este controle é percebido pelo ouvinte. Entretanto, a interação
entre a não linearidade dos modelos auditivos e a topologia não uni-
forme dos mapas auto-organizáveis de Kohonen ainda precisam ser
melhor entendida para que esta representação reflita mecanismos de
produção intencional e percepção do timbre.
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6. O Desenvolvimento Paralelo
da Mente e das Artes Musicais
1 Integrante do Primeiro Barroco na música ocidental. Para conhecer sobre a biografia e obra de
Pachelbel, ver Cande (1964), Sadie (1994), Franco (2005).
2 Soube combinar o tecnicismo dos compositores alemães, com o virtuosimo dos mestres italianos,
criando um estilo que foi atingir seu apogeu com Johann Sebastian Bach (Franco, 2005).
3 De acordo com Horta (1985: 64), o cânone constitui uma “técnica ou peça em que uma melodia
imita exatamente uma outra (normalmente à pequena distância), como se a estivesse perseguindo,
mas sem nunca alcançá-la…”. Ver também definição de cânone no Dicionário Grove de Música
(Sadie, 1994: 163), e polifonia em Horta (1985), Sadie (1994).
circular ou rota, quando as imitações percorrem todos os tons (Ferreira,
1977).
O Cânon em Ré foi composto para um baixo e três violinos. É de cará-
ter simples e espirituoso. Começa com notas longas, que gradualmente
se tornam rápidas, enquanto o baixo retorna à velocidade inicial.
Isto pode ser afirmado a partir de uma análise musical. Dentre vários
aspectos desta música percebe-se que estruturalmente ela é de uma
simplicidade que causa admiração. De acordo com Cande (1964: 237),
a originalidade de Johann Pachelbel “…reside na pureza e na grandiosa
simplicidade do seu estilo que contrasta com o estilo virtuosístico dos
organistas do Norte da Alemanha”.
Está na tonalidade de Ré Maior; apresenta três vozes, e um cravo que
faz os acordes da progressão harmônica. Uma das vozes é a do baixo,
que não “participa” do “efeito” cânone, tocando apenas as tônicas. As
outras duas vozes são executadas por violinos. Existe uma estrutura
básica que se apresenta em oito compassos, acontecendo quinze vezes
ao longo da música toda. Seu compasso é quaternário (c).
Cada compasso da estrutura básica tem uma função: 1º- tônica, 2º-
dominante, 3º- tônica, 4º- dominante, 5º- subdominante, 6º- tônica, 7º-
subdominante, 8º- dominante. Em termos musicais esta progressão har-
mônica seria representada da seguinte forma: I V VIm IIIm IV I IV V,
sendo os acordes, nesta tonalidade, respectivamente: | D A Bm F#m G
D G A |. Isto também foi evidenciado na análise harmônica de Summer
(1995: 36).
De acordo com a movimentação melódica e harmônica da música, na
primeira vez que a estrutura básica é tocada apresenta-se o baixo e o
cravo. Na segunda vez, a primeira voz inicia-se na nota de fá sustenido
(fá#) e vai, em um movimento descendente na escala de Ré Maior, pas-
sando pelos acordes, com os quais cria os seguintes intervalos, em
relação à nota tônica destes acordes: 3ªM, 5ªJ, 3ªm, 5ªJ, 3ªM, 5ªJ, 3ªM
e 3ªM (sensível). Na terceira vez da estrutura básica entra a segunda voz
fazendo um contraponto, porém em um movimento paralelo com a
primeira voz, sendo que o cânone só se inicia, efetivamente, na sexta
vez em que acontece a estrutura básica. Na quarta e quinta vez as
vozes passam a se movimentar de modo independente.
Os cânones iniciados na sexta vez que se reapresenta a estrutura bási-
ca não são uma simples repetição. Existe um cânone “diferente”. Parece
que é um cânone levado ao limite, ou seja, à fronteira daquilo que
depois, não seria mais um cânone, que só é possível por meio de
alguém que domina completamente esta técnica. Pode-se dizer que é
um cânone em nível de Terceiridade, segundo a compreensão
4 Terceirida- Semiótica de Peirce4, onde a máxima resultante lógica e complexa se
de: “corres- volta ao simples, ou seja, à Primeiridade. As repetições não acontecem
ponde à
nossa esfera de maneira que se possa “sentir” que algo está repetindo, mas há
cognitiva, ao cânone de idéias melódicas, rítmicas e até de timbres e tessituras.
movimento
do pensa- Aqui se pode iniciar a analogia da música apresentada com a questão
mento em do processo de constituição do sujeito.
signos, à
captação da Para fazer um “resumo da ópera”, ou melhor, do cânone, destaca-se
estrutura
musical, à
que sua construção musical se inicia no baixo contínuo. Uma base que
síntese sustenta desde o começo. A partir dele, entra a movimentação musical
intelectual do cravo, uma linha melódica é construída, e ainda uma segunda.
por meio da
qual repre-
Melodias que se entrecruzam, caminham em paralelo, se contrapõe,
sentamos e geram intervalos entre notas, que se identificam em alguns momentos,
interpreta- em outros não, são independentes, e que por caminharem juntas – o
mos o
mundo...”
que não significa estarem em concordância – vão constituindo o todo
(Sefekk, da peça musical. É o movimento da polifonia, simultaneidade de várias
1998: 42). melodias que se desenvolvem independentes, dentro de uma mesma
Ver também
Santaella
tonalidade. Melodias que se identificam na trajetória deste percurso,
(1983: 51). identificações em curso. Melodias que se cruzam, se tecem, aconte-
cem, se contrapõe no contexto musical. Um grande e diverso movi-
mento, onde há diálogo, escolhas que levam a outros lugares, contra-
posições. Contra ponto. Nota contra nota. Poli fonia. Independentes,
mas ocorrendo juntos em uma trajetória. Um movimento não de
repetição, mas inovação dentro de um já conhecido. Um desconheci-
do que entra sonoramente e participa junto, permitindo conhecer o que
existe e criar algo novo a partir da interface. Um baixo contínuo que
mantém um existente, e que se inova a cada momento com a presença
e construção da música, de sons outros que se fazem audíveis e cons-
tituem o todo. Porque primeiro há uma voz afirmada, depois é negada
pela presença de outra, que não a repete integralmente, mas que no
embate com a primeira cria um outro som, outro todo de sonoridades
possíveis, e tecem algo novo pelo seu entrecruzamento, um movimen-
to dialético, assim como o processo de constituição do sujeito.
Contradição, ambigüidade. Uma síntese inacabada e aberta (Maheirie,
2002), porque não se fecha na permanência e aceita outras possibili-
dades, ou movimentos que a ela não apenas se somam, mas que
acontecem ora na contradição, ora na unicidade, produzindo sempre
um devir, um vir-a-ser.
Sobre a “constituição do sujeito” e a analogia com o cânone
O projeto, “a práxis, com efeito, é uma passagem do objetivo ao obje-
tivo pela interiorização”, pela subjetividade (Sartre, 1984: 154). Esta
frase de Sartre se configura como uma nova “voz” a ser desenvolvida
nesta “composição”. Entendendo, a partir daí, que nenhuma objetivi-
dade no mundo humano pode ser desprovida de subjetividade, e, ao
mesmo tempo, que não há subjetividade que não se objetive. Com esta
idéia é que se pretende, agora, tecer um novo “cânone”, que tal como
no “Cânon em Ré”, não irá fazer única e estritamente uma repetição da
“voz seguidora” sobre a “voz líder”, mas buscar articular os elementos
aproximando-se da compreensão deste que pode ser o movimento de
constituição do sujeito, um movimento, diga-se de passagem, também
polifônico.
Falar de constituição do sujeito na perspectiva histórico-cultural da
Psicologia, é falar do movimento dialético que existe entre objetividade
e subjetividade. Essas duas dimensões que se fazem constituintes do
sujeito. Pela contínua movimentação entre objetividade e subjetividade
é que o sujeito vai se constituindo, de modo que poderia ser definido
como produto aberto e inacabado da relação entre subjetividade e
objetividade (Maheirie, 2002). Estas dimensões estão permeadas uma
pela outra, uma construção em mão dupla, um movimento que se
desenvolve em espiral… um movimento tal como a composição de um
“cânone” - onde as vozes5 não são uma simples repetição uma da 5 Aqui se
outra, mas um cânone tecido por estas duas vozes e levado ao limite, entendam
“as vozes”
à fronteira daquilo que depois, não mais seria um cânone. Ou que até como as
seria, justamente por conter ainda, mas de modo transformado, estas dimensões
mesmas duas vozes, que também não seriam mais as mesmas, visto que objetiva e
subjetiva do
já estariam, por sua vez, transformadas. sujeito.
Este movimento dialético não acontece no vazio, pois “o sujeito é cons-
tituído e constituinte do contexto social no qual está inserido”
(Maheirie, 2003: 147). Ou ainda: “…inserido neste cenário de múlti-
plas singularidades que se entrecruzam ele realiza a sua história e a dos
outros, na mesma medida em que é realizado por ela, sendo, por isso,
produto e produtor, simultaneamente…” (Maheirie, 2002: 36). Neste
ponto, a contextualização do espaço, tempo e momento histórico se
faz imprescindível, uma vez que existem determinações e limites colo-
cados pelo sistema político-social-econômico no qual se está inserido.
No entanto, além das determinações, o homem tem a possibilidade de
escolha, ou seja, de atuar no mundo (Sartre, 1984). Isto sempre em
volta à compreensão de que o sujeito é constituído a partir da objetivi-
dade, mediada pela subjetividade, e estabelecendo vínculos de
relações as mais diversas possíveis.
Sartre (1984) fala do “projeto” como o motivo pelo qual a realidade
humana seja sempre “desejo de ser”. De acordo com Maheirie (2002),
o desejo de ser é “…aquilo que movimenta o sujeito no mundo e seu
movimento é o impulso ao não existente, aquilo que não se é” (ibid.).
Então, o que é este projeto senão o desejo de ser “alguém”? O projeto
é um sujeito. O desejo de se fazer aquele alguém que ele deseja ser.
É o projeto da existência de um sujeito. Não é algo que se espera do
futuro, em termos de expectativa, muito embora o futuro faça parte
deste projeto, assim como o já vivido e os momentos presentes. É um
articular, um constituir-se sob a trama destas três dimensões. É o mover-
se da subjetividade em relação àquilo que ela ainda não é. A subjetivi-
dade enquanto ainda não “sendo”, enquanto ausência de realidade físi-
ca, que, na dialética com a objetividade, com o existente – aquilo que
já é –, poderá se constituir em realidade física, em objetividade.
Subjetividade objetivada. O processo de constituir-se sujeito passando
do objetivo ao objetivo pela subjetividade (Sartre, 1984).
Um processo que transforma e mantém. Transforma porque parte de
algo que se mantém, e se supera. Mantém porque, ao se transformar,
carrega junto o momento primeiro de que existe para poder depois se
transformar. E isto se pode ver na movimentação musical do “Cânon em
Ré”. É com este olhar que se pode entender, seja no “Cânon” seja na
constituição do sujeito, que “segundo a concepção dialética, a passa-
gem do “ser” ao “não-ser” não é aniquilamento, destruição ou morte
pura e simples, mas movimento para outra realidade. A contradição faz
com que o ser suprimido se transforme” (Aranha & Martins, 1993: 89).
É na trama das relações sociais que este processo ocorre. Zanella
baseia-se no psicólogo russo Vygotsky para que se possa compreender
o processo de constituição do sujeito. Segundo a autora, “a dimensão
do outro, ou mais adequadamente falando, da relação com um outro é,
6 Nota por sua vez, uma constante: as explicações do autor [Vygotsky]6 sobre
acrescida a constituição do psiquismo humano fundam-se no pressuposto de que
pelos esta se origina no contexto das relações sociais” (2005: 8).
autores.
Compreende-se aqui o sujeito como um ser que se constitui dialetica-
mente, por meio das relações que vivencia no mundo, produzindo sua
história, a dos outros e por elas produzido. Constitui-se, portanto, a par-
tir de determinações econômicas e sociais, mas o faz orientado por um
futuro, mediado semioticamente7 no contexto específico no qual se 7 Esta
mediação
encontra. semiótica se
dá principal-
Isto demonstra, remetendo-se ao “Cânon em Ré”, de Pachelbel, que mente por
sem a relação entre as vozes - que constituem a polifonia, ou sem a meio da
relação entre as linhas rítmicas e melódicas do baixo, do cravo e a poli- ação do
signo lingüís-
fonia tecida entre violinos e violas, o cânone não poderia existir. Uma tico e das
voz precisa da outra para existir, e indo um pouco mais adiante ou mais funções da
“a fundo”, cada nota musical em si é afirmada e integra-se aos movi- linguagem,
segundo
mentos melódicos e harmônicos devido as outras notas musicais, que compreendi-
junto ou contrariamente a ela tecem o próprio fato do existir enquanto do em
nota, enquanto som, integrando, no contexto total da composição, a Vygotsky, ao
serem uti-
forma do cânone, que depois se constituiu no “Cânon em Ré”, pela lizados pelos
atividade e pelo significado que atribuía, pelo fazer musical de Johann sujeitos em
Pachelbel. Que por sua vez, enquanto homem, músico, organista, relação, o
que configu-
professor, compositor, tem também a sua própria história, inserido num raria a
determinado contexto histórico-social, cultural, musical, que o natureza
permitiu constituir-se enquanto tal, e objetivar, neste contexto todo, social e cul-
tural das
suas músicas. funções
mentais
Ao compor este dueto entre as vozes da psicologia histórico-cultural e superiores,
da música, com o “Cânone em Ré”, para se fazer audível o processo de permitindo
constituição do sujeito, finalizamo-lo com aquilo que se pode chamar ao sujeito
produzir sig-
de “coda”, fazendo ouvir a voz de Zanella: “…o encontro permanente nificações
e incessante com um outro possibilita reconhecer a pluralidade do que em suas
se é e do que se pode vir a ser” (2005:15). Esta voz contrasta e tece tam- ações e
vivências
bém um cânone com outra voz, quando diz que “constituir-se como concretas no
sujeito é, nesta perspectiva, realizar a dialética do objetivo e do subje- cotidiano, e
tivo, já que o sujeito existe como subjetividade objetivada, que pela uma dimen-
são simbóli-
subjetividade (…), se objetiva novamente (…), e assim infinitamente… ca da vida
(Maheirie, 2002: 37). (Pino, 2005).
“… A existência é o lançar-se contínuo às possibilidades sempre reno-
vadas”. (Sartre, 1984: 304).
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H
á alguns anos, em minha ansiedade em me realizar como
trompista e entediada pela rotina dos ensaios na Orquestra
Municipal de São Paulo, cometi alguns erros que resultaram
no colapso de minha técnica. Como muitos músicos, iniciei-me no
instrumento de maneira “natural”, sem grandes impedimentos técnicos,
e o que parecia uma dificuldade momentânea resultou num problema
quase intransponível, estendo-se por anos a fio. Procurei ajuda de
profissionais e textos, passei por questionamentos diversos, inclusive o
de haver me enganado a respeito de meu talento, até descobrir o peso
dessa palavra que usamos com muita freqüência, indiscriminadamente,
sem nos darmos conta do julgamento que ela implica.
O dicionário de Aurélio Buarque de Holanda traz no segundo sentido
– figurado – da palavra talento, a seguinte descrição: aptidão natural ou
habilidade adquirida. Infelizmente, a cultura brasileira valoriza a
“aptidão natural” em detrimento da “habilidade adquirida”. De acordo
com Sérgio Buarque de Holanda (2003: 82-3), “o prestígio universal do
‘talento’, com o timbre particular que recebe essa palavra … provém
sem dúvida do maior decoro que parece conferir a qualquer indivíduo
o simples exercício da inteligência, em contraste com as atividades que
requerem algum esforço físico”, ou, nas palavras de Leppert (1993:
27): “nenhum poder é tão absoluto como o de aparentar não fazer nada
enquanto os outros fazem por você”. O ideal de poder está sutilmente
afinado ao de “facilidade” e “naturalidade”.
Deixando os ideais de poder à parte, sabe-se que a cognição musical
de estudantes e profissionais não se explica somente com base em suas
capacidades “naturais”. Kemp (Hargreaves & North, 1997: 25-6) afirma
que o desenvolvimento das habilidades musicais de um indivíduo
depende, entre outros fatores, da “existência ou aquisição de uma com-
binação incomum de fatores de personalidade”. Argumenta que o
“desenvolvimento musical reflete o tipo de pessoa que os músicos ten-
dem a ser, assim como o ambiente em que tendem a se nutrir”. Fatores
individuais como: introversão/extroversão, independência, sensibili-
dade e ansiedade, assim como fatores externos como: estereótipos de
gênero e ambiente educacional interagem com habilidades físico-
motoras, de memória e percepção. Tendemos a resumir os vários fatores
que levam ao desenvolvimento musical ao termo genérico: talento.
Tanto a concepção de talento musical como seu oposto, a inabilidade,
parecem não ter significado na tribo Anang Ibibo da Nigéria. Davidson
et al. (Hargreaves & North, 1997: 188-89) mencionam a pesquisa do
etnomusicologista J. Messenger que, ao estudar o comportamento em
relação à música e à dança daquela tribo, diz não haver encontrado
nenhuma pessoa com problemas de cognição de alturas, nem tam-
pouco o termo “anti-musical”. Ao contrário do que ocorre no Ocidente,
esse conceito era inexistente numa tribo onde a dança e a música
fazem parte do cotidiano comum a todos os integrantes. Davidson
afirma que a prática e o conhecimento das habilidades musicais são,
no Ocidente, reservados apenas a uma minoria seleta, qualificada
como detentora de alguma “dádiva ou talento especial” herdado
biologicamente.
Exemplo da idéia de herança genética ou atributo dos deuses encontra-
se na reportagem de Teixeira (2006: 65) na Revista Veja sobre a influên-
cia da corrupção na atitude ética do cidadão brasileiro. Num exemplo
fictício, aconselha um professor de tênis que detecta a “falta de poten-
cial” de um aluno a “ser claro a respeito de seu julgamento” para que
ele não alente sonhos impossíveis de serem realizados. Sempre fui
adepta da idéia de que não existe professor, por melhor profissional que
seja, capaz de identificar o potencial que um aluno tem de superar suas
dificuldades e muito menos julgar seu grau de “talento”. Jamais levaria
um aluno a desistir de tocar um instrumento por julgá-lo inapto, por
uma simples razão: eu poderia estar errada.
O’Neill (Hargreaves & North, 1997: 48-9) afirma “não haver um acor-
do geral entre pesquisadores sobre qual deveria ser a definição precisa
de ‘habilidade’ musical”, muito embora testes de aptidão sejam aplica-
dos em escolas na Grã-Bretanha, que utilizam a relação causal entre
“habilidade musical e achievement”. Por essa razão, acredito que
somente o praticante pode definir, ainda que somente tenha condições
de fazê-lo ao adquirir maturidade, o rumo que dará ao seu estudo musi-
cal. Parece-me demasiado prepotente a atitude de certos professores (e
dirigentes de orquestras) em escolher o destino que um músico vai dar
a sua carreira. Em outras palavras, definir com exatidão o significado da
palavra talento, se é que isso será possível, requerá a coordenação de
diversos aspectos da prática musical, incluindo: fatores ambientais,
cognitivos, de gênero, motivação, psicológicos, educacionais e, não
menos importantes, considerações a respeito das relações de poder na
sociedade.
Música: Gênero Feminino, Propriedade Masculina,
Perda para Todos – Relações de Poder entre os Sexos Opostos
Comentando uma pintura feita num virginal no século XVII na
Inglaterra, Leppert diz:
A magnitude da dominação masculina é tal que as próprias artes lhe
são inteiramente incorporadas; à mulher que toca o virginal, resta
realizar o que o homem lhe prescreveu. … A relação entre notação
musical e vigilância é mais estreita do que a história da estética tem
preferido considerar. Para expressar o assunto ainda mais escandalosa-
mente, [a notação] foi desenvolvida para dar às pessoas ordens a
seguir. O fato de [a existência de] grande música ser indiscutivelmente
ligada à longa história da notação não diminui o preço social dessa
conquista, que não é desconsiderável (1993: 133).
Leppert (1993: 72) afirma que a música é estreitamente relacionada a
tudo o que é feminino, incluindo aí o sentido de inferioridade.
Historicamente, o homem recebeu pouco estímulo para estudar músi-
ca como intérprete,1 enquanto, ao contrário, foi encorajado a abordá- 1 Analisando
la como “‘ciência’, concatenando filosofia e matemática” (p. 64). Ele um panfleto
do último
ainda sugere que a evidente “agressividade, imposição e insistência em quarto do
muito da música instrumental do século XIX” soa como um grito de século XVI,
“súplica” masculina pelo direito de exercer a atividade musical e uma Leppert
deduz que o
recusa à idéia embutida pela cultura de que a atividade artística autor consi-
pertence exclusivamente ao universo feminino (p. 187). dera música
como “uma
O trabalho de O’Neill (Hargreaves & North, 1997) aborda a mesma entidade
questão sob outro ponto de vista: tanto meninas como meninos vêem feminina…,
cuja missão
a música como uma atividade feminina. Ao crescerem, no entanto, as é desmas-
mulheres têm que lidar com o fato de que profissionalmente são con- culinizar o
sideradas “inferiores”. Como intérpretes, meninos optam por instru- homem”
(1993: 89).
mentos culturalmente relacionados à masculinidade, como percussão e
trombone, ou preferem embrenhar-se em tecnologia musical, evitando
“uma espécie de transexualismo musical”.
Esses fatores sociais e culturais em torno do gênero seguramente
contribuem para a motivação e conseqüente assimilação no decorrer
do desenvolvimento musical do indivíduo. Para O’Neill, somente os
meninos com maior motivação intrínseca seguirão no estudo da
música, enquanto as meninas mais motivadas irão certamente se
deparar com dificuldades no desenvolvimento da carreira, ainda que
tenham alcançado maior grau de assimilação no estudo. Suas
dificuldades, talvez maiores em países cuja tradição em manter
estereótipos de gênero como o Brasil, já começam na própria
formação, justamente por iniciar seus estudos freqüentemente com
profissionais do sexo oposto, especialmente nos instrumentos
categorizados como “masculinos”.
Tive uma aluna de compleição pequena que já estudava trompa havia
dois anos e mostrava alguma dificuldade para projetar o som e manter
as notas constantes e afinadas. Percebi que era necessário mudar a
posição do bocal para a tradicional proporção de 2/3 do bocal apoia-
dos no lábio superior para 1/3 no lábio inferior. Passadas as primeiras
semanas, a menina passou a produzir um belíssimo som e a se expres-
2 Com
sar em frases contínuas, num exemplo de como a simples observação
exceção da
menção à destituída de julgamento pôde mudar o resultado final.
preparação
técnica ade- Profissionais, muitas vezes competentes, tornam-se automaticamente
quada antes excelentes professores quando ensinam alunos e alunas que não de-
da apresen- monstram dificuldades, mas quando estes apresentam problemas, são
tação e da
consideração responsabilizados por sua falta de talento. A isso dou o nome de exer-
da terapia de cício do poder. Acredito que o papel do professor é o de observar o
indivíduos aluno com isenção de julgamento e, como é seu papel, procurar
que apresen-
tam sintomas identificar e oferecer soluções possíveis para seus problemas.
de fobia
social, Poder e Humilhação
tratando
estes como Segundo Wilson (Hargreaves & North, 1997: 230), o “orgulho humano
casos indi-
viduais – o é um motivo tão poderoso que o medo da humilhação pública produz,
que outra com freqüência, o mesmo grau de pânico emocional” do homem que
pesquisa no deve fugir de um “tigre de dentes de sabre”. O artigo discute os vários
mesmo livro
demonstra o fatores que levam o músico a sentir pânico ao tocar em público e
contrário: “É propõe algumas formas de tratamento. Deixa de considerar, porém, as
bem docu- causas da ansiedade.2
mentado que
músicos ten- Pergunto: é fundamental que o músico toque em público? O músico é
dem a ser
introver- artista porque se apresenta? Minha resposta é: não. Concordo com
tidos” Rilke (1992: 22) quando aconselha seu correspondente a deixar de
(Hargreaves pedir a opinião alheia a respeito da qualidade de seus versos: “O
e North,
1997: 27) — senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria
o autor deixa fazer neste momento. … Não há senão um caminho. Procure entrar em
de consider- si mesmo”.
ar, para mim
um fator cru- Jung (1971: 79) diz que “a principal de todas as ilusões consiste em
cial, a
origem do admitir que alguma coisa pode satisfazer alguém. Esta ilusão está por
medo da trás de tudo o que é intolerável e na frente de todo e qualquer progres-
humilhação: so”. Julga a idéia de poder que persegue o homem ocidental uma
o ideal de
poder. ilusão, e se pergunta o que poderia ser feito “para que renunciasse a
seu terrível poder” (p. 57).
A opinião do outro tem o poder de conduzir o músico à humilhação ou
à exaltação. Qualquer das opções é ilusória porque corresponde a uma
idéia passageira e parcial. Se eliminarmos as ilusões criadas pelas
relações de poder, a apropriação da verdade perderá a importância.
Nenhum dos lados envolvidos será mais forte, nenhum mais fraco.
Talvez então poderemos nós, do Ocidente, eliminar a idéia de que
alguém pode ser “não-musical” e passar a respeitar o talento adquirido,
suado e conquistado, tanto quanto o natural ou herdado.
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Considerações finais
Não há diferenças significativas nas respostas dos participantes, sejam
eles estudantes de Licenciatura ou Bacharelado matriculados em
diferentes semestres dos cursos, sejam eles homens ou mulheres, ou
tenham idades diferentes. No entanto, podem ser destacados alguns
pontos para reflexão:
a) A diversidade de definições sobre o que é o talento, encontrada
nas respostas dos participantes e na literatura, aponta para a
complexidade desta questão, evidenciando a necessidade de se
aprofundar este tema.
b) O fato da maioria dos participantes acreditar que é preciso
talento para se lidar com música, agrega a esta temática novos
questionamentos e remete à necessidade de se conceituar melhor o
que é ‘talento’. Como as definições de talento apresentadas pelos
participantes eram bastante diversificadas, ao considerarem a
necessidade de talento para lidar com música os estudantes podem
estar pensando em diferentes atributos que estariam evidenciados
nos indivíduos. Mas isto ainda não é suficiente para identificar com
clareza o que é talento e, conseqüentemente, afirmar com
segurança que é preciso talento para lidar com música.
c) Apesar das diferentes definições de talento e da presença da
concepção inatista nas respostas dos estudantes, parece haver uma
concordância muito grande sobre o fato de que todos os indivíduos
podem se desenvolver musicalmente. Em diversas respostas está
enfatizada a questão da educação musical, sendo este um fator
determinante para o desenvolvimento musical. Isto quer dizer que
mesmo aqueles que anteriormente haviam considerado o talento
como uma característica inata, assumem que todos podem se
desenvolver, mesmo aqueles que não têm tal característica inata ou
não apresentem facilidade para a realização musical.
d) Os resultados apontam para a necessidade de aprofundamento
de questões fundamentais na formação de estudantes de música em
seus cursos universitários. Tais estudantes serão multiplicadores de
conceitos, e por esta razão deveriam estar preparados para discutir
uma questão tão complexa quanto o talento de maneira
consistente.
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Sessões de Demonstração
Interação e cognição
no processo de interpretação mediada da marimba
Cesar Traldi
Jônatas Manzolli
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Interpretação Mediada
Uma das primeiras obras que encontramos no repertório para Marimba
e eletrônicos ao vivo é Daydreams, composta em 1991 pelo composi-
tor norte-americano Philippe Boesmans. O percussionista Robert Esler
comenta as dificuldades de execução dessa peça naquela época e até
mesmo nos dias atuais no que tange a complexidade da tecnologia uti-
lizada através de inúmeros dispositivos eletrônicos aplicados à inter-
ação entre o intérprete e o computador. A interface utilizada foi sen-
sores piezoeléctricos nas teclas da marimba, a informação recebida era
enviada a um conversor MIDI e o computador gerava informação
musical em resposta ao estímulo gerado pelas teclas através de eventos
programadas numa das primeiras versões do programa Max.
Obras mais atuais utilizam dispositivos mais atualizados para realizar a
interação intérprete/computador. Um exemplo é a composição A
Gravidade Liberta (2003) para marimba e eletrônicos ao vivo do com-
positor espanhol Ricardo Climent. Nessa obra o computador reage em
tempo real aos estímulos produzidos pelo intérprete através de micro-
fones e o computador processa o material sonoro produzindo efeitos
como duplicação, repetição, distorção e alteração do timbre.
Apesar dos diferentes meios de interação utilizados em Daydrems e em
A Gravidade Liberta, podemos notar que, em ambos os casos, é exigido
do intérprete um conhecimento e familiarização com a tecnologia
utilizada que não faz parte da grade curricular convencional. Essas
duas peças demonstram algumas das inúmeras possibilidades de
interpretação com eletrônicos ao vivo, o que nos leva a projetar a
necessidade de uma nova visão interpretativa.
Nosso objetivo é estudar essa nova postura interpretativa em obras para
marimba e eletrônicos ao vivo sob a ótica da capacitação perceptiva
derivada da mediação tecnológica. A interação em tempo real com
diferentes dispositivos como microfones, sensores piezoeléctricos,
baquetas interativas, sensores de movimento, entre outros, leva o músi-
co a buscar uma nova dimensão interpretativa para cada obra ou até
mesmo para diferentes trechos da mesma, postura que é diferente da
utilizada no repertório tradicional.
Na interpretação mediada há outro nível de cognição musical, pois o
músico responde a estímulos gerados pelo computador com novas pos-
sibilidades de execução. Como exemplo do que preconizamos neste
estudo pode-se generalizar o processo de interação reativa aplicado em
Daydreams. Além de interagir percutindo cada uma das teclas da
marimba, o intérprete poderia interagir com o computador e moldar os
sons através de gestos de suas mãos onde sensores fixados numa luva
captariam esses movimentos e provocariam novos estímulos fazendo
com que ocorressem alterações em tempo real. Desta forma, a pesquisa
que apresentamos busca fomentar uma nova postura interpretativa, ou
seja, o que chamamos de técnicas interpretativas mediadas. Neste
artigo apresentamos um dos dispositivos já desenvolvidos.
Baqueta interativa
As baquetas têm grande importância na performance dos instrumentos
de percussão e, em especial, na marimba. Elas são a interface entre o
instrumentista e o seu instrumento, portanto pareceu-nos natural explo-
rar, como primeiro passo de pesquisa, tal dispositivo. Pois, apesar de
elementar, no que tange à eletrônica envolvida, o estudo das baquetas
interativas poderá nos levar a conclusões mais avançadas sobre as
implicações dos processos interativos envolvidos e da metodologia de
pesquisa adotada.
Desenvolvemos baquetas do tipo mallets que, normalmente, são uti-
lizadas nos instrumentos de percussão de teclado e que também podem
ser utilizadas em outros instrumentos de percussão como tambores,
tímpanos, caixas, pratos, etc. Uma preocupação na construção das
baquetas foi que as mesmas obtivessem a maior semelhança possível
com as baquetas tradicionais. Esse cuidado foi tomado para não atra-
palhar o instrumentista em performance. Assim, buscamos com que
parâmetros como peso, tamanho, material e formato fossem preserva-
dos e, desta forma, estaríamos tornando invariantes uma série de técni-
cas tradicionais as quais poderíamos aplicar novos modos gestuais.
O dispositivo eletrônico utilizado foi o sensor piezoeléctrico que, após
ser soldado a dois fios de conexão de 2,5 m de comprimento, foram
envolvidos com um pequeno pedaço de espuma para evitar a produção
de ruídos metálicos causados pelo contato direto do sensor com as
esferas de borracha utilizadas para envolvê-los.
As primeiras baquetas foram desenvolvidas com tubos de alumínio com
40 centímetros de comprimento e 4,0 mm de diâmetro. As mallets são
normalmente construídas com cabos de madeira mas, devido a sua
fragilidade quando perfurados, optamos por cabos de alumínio. Após
vários testes, a nova baqueta ainda produzia ruído causado pelo cabo
de alumínio. Desenvolvemos, então, um segundo modelo de baqueta,
com a utilização de cabo de madeira e com os fios passando pelo seu
exterior.
O fio da baqueta foi conectado a um dispositivo para fazer a conversão
de cada pulso elétrico em um evento MIDI. Assim, o sinal produzido
pelo percussionista poderia ser processado pelo computador ou
produzir som diretamente através de um módulo de percussão digital.
1. Atelier de Interpretação
2. Primeiros Resultados
Com os resultados obtidos na análise das oficinas já realizadas, obser-
vamos que a necessidade de conhecimento dos dispositivos utilizados
em performance somado à forte presença da improvisação em obras
colocam o intérprete na posição de co-criador. O intérprete deixa a
postura de apenas ser meio de execução para assumir a posição de
elemento de coesão da obra. O instrumentista deixa de ter a postura de
especialista para ter uma visão interacionista na qual, através da
adaptação, molda-se a cada obra.
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Método
Os aspectos da percepção timbrística e rítmica foram levantados a par-
tir de um experimento desenvolvido em duas etapas: preparação do
material de leitura musical para os sujeitos, dos termos de consenti-
mento livre e esclarecido, do equipamento de gravação e dos aspectos
a serem observados. A principal hipótese levantada foi que o performer
busca aspectos familiares para interagir com elementos não acústicos
na preparação de uma obra que envolve suporte-fixo (sons digitaliza-
dos). As referências principais na preparação de obras envolvendo
suporte-fixo são aquelas advindas do estudo tradicional: altura,
duração precisa, intensidade limitada ao extremo do instrumento (sem
amplificação) e presença de outro executante (e não de equipamentos
eletrônicos). A frase abaixo (exemplo 1) foi entregue aos dois sujeitos
que tiveram 24 horas antes da gravação. O espaço de tempo foi con-
siderado viável face à experiência dos sujeitos, ambos contrabaixistas
graduados em Música-Habilitação em Contrabaixo. As gravações foram
feitas em vídeo digital em uma única sessão que demorou cerca de 2
horas. A observação foi feita por mim e por um convidado, pianista e
pesquisador.
Resultados
Os contrabaixistas sujeitos deste experimento mostraram-se mais cal-
mos e seguros quanto lhes foi apontada alguma possibilidade de uti-
lizar seu conhecimento prévio de música para interagir com elementos
não acústicos na preparação do trecho da obra em questão. À medida
que os sujeitos conseguiram associar o som digitalizado a um
parâmetro tradicional, a estratégia de preparação se tornou mais
palpável e a performance passou a ser viabilizada. Os parâmetros mais
utilizados como referência foram pulso e metro, porém alterações na
dinâmica e timbre provocaram alterações na percepção rítmica e na
afinação.
Conclusões
A conclusão mais importante é que quanto maior a referência de altura
e timbre entre o suporte fixo e o instrumento acústico, maior o acerto
rítmico e mais apurada é a afinação. Estudos mais detalhados ainda
precisam ser desenvolvidos sobre este tema, porém, o presente trabalho
deve inspirar novos questionamentos neste sentido. O presente trabalho
não é conclusivo, pelo contrário, deve propor caminhos para outras
visões sobre o tema e para abordagens semelhantes sobre outros
aspectos tais como intensidade, textura, forma, etc.
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Exemplo 2
Situações mais complexas do que as ilustradas nos exemplos 1 e 2
podem acontecer quando as figuras rítmicas da equação da modulação
não aparecem explicitamente no texto musical. O Exemplo 3 ilustra a
situação na qual o intérprete precisa reagrupar a duração que vinha efe-
tivamente realizando, mas, desta feita, o reagrupamento necessário
para a realização da semínima é feito mentalmente.
Exemplo 3
Exemplo 4
Análise do exercício
Dentre os vários procedimentos rítmicos explorados na Cartilha, o da
modulação métrica chamou-nos a atenção pela forma extremamente
simples como Almeida Prado apresenta a idéia, levando-nos a uma per-
feita compreensão do princípio envolvido. São três os exercícios nos
quais aplica o procedimento: aceleração progressiva por meio de quiál-
tera de 3 sobre 2, aceleração progressiva por meio de quiáltera de 5
sobre 4, rallentando progressivo por meio de quiáltera de 3 sobre 4.
Eles são um bom exemplo da impropriedade do termo a que nos refe-
rimos anteriormente, porque operacionalizam alterações controladas
do andamento sem modificação da fórmula de compasso. Talvez por
isso, o compositor os agrupe sob o título ‘modulação rítmica’.
Entretanto, cabe observar que não encontramos esta expressão para
identificar o procedimento que aqui estamos abordando na literatura
voltada para o ritmo na música do século XX.
O primeiro dos três exercícios, composto em , consiste em um mode-
lo, apresentado do compasso 1 ao 4.1, sucessivamente transposto aos
doze graus da escala cromática (Exemplo 5). A cada transposição, o
compositor indica a modulação temporal a ser aplicada – a duração da
colcheia da tercina determina a duração da colcheia do compasso
seguinte. O c.1 é constituído por colcheias na mão esquerda. Estas
colcheias são duas vezes mais rápidas do que a semínima que lhes cor-
responde. A estas colcheias se superpõem tercinas na mão direita no
c.2. As colcheias da tercina são três vezes mais rápidas que a semínima
que lhes corresponde, e conseqüentemente são uma vez e meia (3:2)
mais rápidas que as colcheias do primeiro compasso. O c.3 é a
repetição do c.2 com o acréscimo de acentuações nas colcheias das
tercinas, de duas em duas. Esse reagrupamento faz com que o conjun-
to de duas colcheias seja mais rápido que o conjunto de duas colcheias
do c.1. É a politemporalidade resultante da polirritmia. Tem-se aí a
ponte para a nova velocidade da unidade de tempo do c.4. O
compositor ‘facilita’ a modulação através dos acentos das tercinas que
a antecipam.
Discussão
Apesar do aumento da literatura disponível sobre performance musical
e o funcionamento do cérebro, pesquisadores não se cansam de afir-
mar que ainda há muito a ser desvendado (Critchley, 1977;
Sloboda,1989; Radocy, Boyle, 1997). Na prática do ensino e apren-
dizado da performance musical as experiências continuam a ser trans-
mitidas como resultados de pesquisas informais. Um exemplo recente
é trabalhos da contrabaixista Diana Gannett (1997) registrado em suas
disputadas apostilas de exercícios diários de técnica, trabalho que
envolve aspectos neurológicos, mas que não se apresenta de forma a
demonstrar “como” os comandos cérebro foram utilizados. Partindo de
conceitos apresentados em relatos de pesquisa da neurocientista
Suzana Houzel (2003), discutirei aspectos neurológicos implícitos na
proposta de Gannett.
Memória e Aprendizado
Da forma proposta por Gannett, a preparação técnica, sobretudo de
determinadas passagens de alta dificuldade, pode passar por um
processo de verbalização simultâneo a ação. Segundo ela o instrumen-
tista de cordas deve
“falar o nome das notas e dos acordes enquanto toca... pois o cérebro
adora etiquetas com nomes. [É como se fosse] uma síntese de entrada
de diversas informações ajudando a solidificar uma ação neurológica."
(Gannett apud Ray, 2005: 79)
Houzel (2000) relata uma pesquisa desenvolvida em 2000 por Maguire
et al. sobre a capacidade de memorização impressionante que os taxis-
tas londrinos desenvolveram, provavelmente relacionada ao fato de
terem como condição para tirar sua licença de trabalho, que decorar
cerca de 2000 ruas e avenidas da capital inglesa. Pesquisas anteriores,
diz Houzel, “nos últimos dez anos vêm mostrando que de fato há uma
reorganização de regiões do cérebro muito requisitadas. O exemplo
mais conhecido é o aumento da área [no cérebro] que representa as
sensações dos dedos da mão esquerda de violinistas profissionais…”
(p.133). Neste sentido, a sugestão de Gannett de “etiquetar” o cérebro,
encontra fundamento na pesquisa relatada por Houzel. A necessidade
de se memorizar grandes quantidades de notas comprovadamente já
levou músicos a desenvolverem alta da capacidade de memorização.
Entretanto, a síntese da qual nos fala Gannett, parece implicar em uma
combinação de teorias behaviorista e cognitivista para fazer sentido no
contexto do aprendizado musical e merece um olhar mais detalhado.
Da forma como colocado por Gannett pode-se pensar que fala e ação
sejam “sintetizados” antes que informados ao cérebro, ou ainda, que a
fala e o processo motor relacionados ao tocar música são informados
ao cérebro em uma única via. Pensar assim, na verdade, facilita nossa
compreensão do exercício técnico, mas não esclarece o que realmente
acontece no processo de memorização e assimilação do conhecimen-
to em questão, qual seja: tocar.
A combinação ou síntese da fala e da ação motora da mão esquerda
são informações combinadas dentro do cérebro. Entretanto, isto acon-
tece numa velocidade incrivelmente rápida de forma que, se o proces-
so for repetido, como é na prática diária dos instrumentistas, esta “sín-
tese” será registrada e memorizada pelo cérebro. Como este não é um
estudo formal sobre a questão, fica aqui registrado como uma reflexão
e sugestão para equipes com estrutura laboratorial pra tal empreitada.
Vale a pena destacar que o diferencial neste processo de memorização
e aprendizado em uma atividade artístico-criativa é a qualidade da
informação que é “sintetizada”. Por isso, na utilização desta vai cogni-
tiva para assimilação da técnica de preparação para a performance, o
instrumentista deve manter constante atenção com a afinação apurada
do som que é assimilado à determinado movimento da mão esquerda
(num processo de condicionamento físico), pois este é o “rótulo” que o
cérebro vai “ler” e memorizar.
Soma-se às questões de aprendizado as formas diferentes de memo-
rização. Segundo Houzel (apud Ray, 2005), o cérebro tem um limite de
funcionamento “válido”, isto é, um limite daquilo que ele realmente
assimilará e este limite também difere de pessoa para pessoa. Para falar
de uma maneira simplificada, pode-se dizer que existem três tipos de
memória: de curta, média e longa duração. É necessário que você saiba
qual o seu objetivo com a memorização de um determinado trecho ou
uma peça. A memorização de longa duração é construída com etapas
curtas e com alto nível de concentração na qualidade do que é memo-
rizado. É aquela que nos tem maior utilidade como músicos. As
memórias de média e curta duração têm pouca utilidade na atividade
musical. É aquela que usamos para lembrar um número de telefone
quando não encontramos um papel pra anotar. Se você não anotar
assim que desligar telefone você esquece! Parece viável que se veri-
fique num experimento futuro se o músico popular (da noite!) faz uso
significativo da memória de curta duração, mas esta seria uma outra
pesquisa.
Na minha experiência pedagógica com os aspectos da preparação para
a performance musical, esta reflexão tem possibilitado sugestões para
mapeamento de estudo de peças, preparação pra performances públi-
cas e esquemas de memorização de peças que têm otimizado o rendi-
mento de meus alunos e o meu próprio À medida em que question-
amos nossas habilidades e capacidades, podemos nos planejar melhor
para a construção de uma performance sólida. É preciso cada vez mais
considerar os recursos oferecidos pelos avanços da ciência e combiná-
los com nossas imperfeições humanas, tornando a arte de preparar e
tocar uma obra musical um trabalho não só complexo mas gratificante.
Contribuições
A maior contribuição deste trabalho está em ampliar as discussões
sobre a preparação da performance a partir de aspectos cognitivos e
suas aplicações diretas na otimização dos procedimentos pedagógicos
atualmente utilizados na pedagogia da performance musical.
Implicações:
Discutir aspectos da literatura disponível sobre performance musical
envolvendo neurociência e propor estudos que inspirem investimento
em pesquisas interdisciplinares envolvendo performance musical e
cognição.
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Objetivos
Este trabalho apresenta resultados e discussões da pesquisa desenvolvi-
da pelos autores entre agosto de 2004 até o presente, cujo objetivo é
detectar como grupos camerísticos planejam e realizam seus ensaios.
Pretende-se, com isso, determinar as estratégias e técnicas utilizadas
por esses grupos, a fim de entender como ocorrem as etapas com-
preendidas entre os ensaios preparatórios e a performance em público.
Os resultados e discussões abaixo são referentes à primeira etapa da
pesquisa (concluída em julho de 2005) na qual buscou-se identificar a
possível existência de uma técnica-padrão usada em ensaios gerais. De
agosto de 2005 até julho de 2006, a investigação (ainda em andamen-
to) sobre as técnicas e planejamento dos ensaios se estende também
aos ensaios preparatórios.
Método
Entre agosto e dezembro de 2004, foi feita uma revisão de literatura
disponível sobre o tema (em português e inglês), organizada, posterior-
mente, em fichamentos.
No mesmo período, realizou-se um experimento envolvendo grupos de
câmara que consistiu numa série de 10 gravações (8 ensaios
preparatórios, ensaio geral e performance pública). O objetivo do
experimento foi acompanhar o desenvolvimento dos ensaios de cada
grupo para detectar se os grupos camerísticos utilizavam uma técnica-
padrão para a realização de seus ensaios. Também observou-se a eficá-
cia das estratégias utilizadas durante os ensaios tendo em vista seu
impacto sobre a performance pública (resultado final). Após o término
das filmagens, estas foram repassadas para fitas de vídeo e analisadas
sob forma de protocolos.
Resultados
A análise das gravações mostrou a existência de tendências comuns aos
grupos, ainda que não haja uma técnica-padrão para os ensaios. Um
exemplo disso é que o ensaio geral preservou, em geral, a mesma
ordem de apresentação das peças da performance pública, o que indi-
ca que ele é encarado como uma prévia da performance. Também
notou-se que a impossibilidade de se ensaiar no local da performance
com antecedência e apenas imediatamente antes da apresentação pode
ter limitado outras formas de se estruturar o ensaio geral.
Verificou-se o uso de diversas estratégias utilizadas durante os ensaios.
Foram elas: 1) interrupção para correção de problemas do grupo; 2)
interrupção para estudo individual; 3) uso de repetições (da peça toda
e de trechos); 4) ensaio de passagens entre trechos; 5) ensaio em anda-
mento reduzido; 6) discussão para definir melhores estratégias de
ensaio; 7) uso de sinais para marcar as entradas (por contagem verbal e
gesto ou outro sinal corporal); 8) anotações na partitura; 9) uso de
metrônomo; 10) uso de piano para conferir afinação; 11) discussão da
interpretação da peça (articulações, fraseado, dinâmicas); 12) liderança
dos ensaios exercida majoritariamente por 1 dos integrantes do grupo.
No entanto, na maior parte dos grupos, verificou-se a total ausência de
planejamento dos ensaios e da performance, o que indica falta de
consciência sobre a maneira como estes estão estruturados. Elementos
psicológicos – como a ansiedade e falta de concentração na perfor-
mance – levaram muitos músicos a cometerem erros em passagens
onde não houve problemas durante os ensaios preparatórios, o que
denota a falta de preparo psicológico como um elemento complicador
na performance pública.
Um fato interessante foi que os músicos usam seus corpos como meio
de interação e expressão. Isso se deu de três formas:
1) associação de determinados gestos à produção de sons específi-
cos;
2) movimentação corporal e alterações no ritmo da respiração e nas
expressões faciais de acordo com a intensidade e caráter das idéias
musicais;
3) uso de gestos (movimentos com a cabeça, os braços, as mãos,
troca de olhares, respirações e expressões faciais) para sincronizar
entradas (no início, final e sessões dentro de uma mesma peça).
Resta ainda saber até que ponto os performers têm consciência de
como seus corpos atuam durante os ensaios e a performance.
Determinando-se a importância que o corpo tem na performance, é
possível alertar os músicos e proporcionar um melhor aproveitamento
do tempo de ensaio. O mesmo pode ser afirmado em relação às técni-
cas utilizadas pelos grupos durante os ensaios.
A partir dos dados obtidos do experimento, é possível afirmar que os
performers empregam determinadas técnicas para resolução de proble-
mas de execução. Contudo, a discussão para decidir pelo emprego
dessas estratégias praticamente inexistiu. Este fato indica a falta de
consciência por parte dos músicos sobre como o ensaio ocorre e ausên-
cia de reflexão sobre melhores formas de se estruturarem os ensaios.
Foram levantados quatro principais problemas de execução encontra-
dos durante os ensaios. Apresentamos abaixo estes problemas junta-
mente com as técnicas mais utilizadas pelos grupos e sugestões de out-
ras possíveis estratégias para solucioná-los.
1) Má afinação: O uso do piano mostrou-se eficiente para corrigir
problemas de afinação e entoação. Aliados ao uso do piano,
repetições do trecho com problemas de afinação e estudo indivi-
dual durante os ensaios e em andamento reduzido mostraram-se
importantes para adequar a afinação entre os performers.
2) Dificuldades de comunicação visual: A maior dificuldade encon-
trada em relação à comunicação entre os performers foi o fato de
piano não se encontrar em posição que favorecesse a interação
visual. Para isso, bastaria ter mudado o piano de posição em vez de
tentar achar a posição que ficasse menos desconfortável – o que
não ocorreu. Porém, em alguns casos, o local onde o ensaio se real-
izou não permitia uma boa comunicação visual entre os músicos.
Nestes casos, sugere-se o uso de metrônomo, contagem verbal ou
respirações (sinais auditivos) para compensar as eventuais dificul-
dades visuais.
3) Problemas individuais de execução: Principalmente nos ensaios
iniciais, ocorreram maiores dificuldades individuais na execução
das peças. O recurso utilizado pelos grupos foi a interrupção do
ensaio para estudo individual de trechos (em diversos andamentos).
Ainda se poderia sugerir o uso de solfejo e metrônomo como
estratégias que podem minimizar o tempo necessário para a
correção dessas dificuldades.
4) Equilíbrio de sonoridade: De modo geral, os grupos apresen-
taram bom equilíbrio sonoro. Quando surgiu algum problema desta
natureza, o ensaio foi interrompido 0para discutir possibilidades de
fraseado. Uma possível estratégia, que não ocorreu no experimen-
to, seria a realização de discussões prévias sobre a estruturação da
peça, o que poderia reduzir o tempo utilizado nos ensaios.
Conclusão
A partir da revisão bibliográfica, notou-se que a importância das
pesquisas em performance musical tem aumentado consideravelmente
nos últimos anos (Gerling e Souza, 2000). Os rumos que estas
pesquisas tomaram foram os mais diversos, constituindo-se como um
campo de pesquisas interdisciplinares. Portanto, deve-se buscar a inte-
gração das diversas ferramentas disponíveis para a melhora da quali-
dade da performance. Gabrielsson (1999), a exemplo, aborda questões
referentes às pesquisas em performance musical, tratando de assuntos
variados como ansiedade, improvisação e dos modelos propostos por
pesquisadores para definir a performance musical. Entretanto, outros
trabalhos se mostram mais específicos ao enfocar apenas um aspecto
da performance, como evidenciado em Green (1986), em que o autor
discute os processos que levam ao surgimento das interferências na
performance.
Pelo experimento utilizado constatou-se que, apesar de não haver téc-
nica-padrão de ensaio, é possível detectar algumas tendências comuns.
Os grupos adotam várias estratégias combinadas, dependendo do prob-
lema ocorrido. No entanto, mesmo nos grupos em que o uso de um
maior número dessas técnicas ocorreu, a discussão sobre a escolha do
emprego de determinada técnica específica inexistiu. Isso aponta para
a ausência de reflexão sobre como os problemas surgidos nos ensaios
estão sendo resolvidos e como se poderia resolvê-los de outras
maneiras.
Entretanto, alguns grupos solicitaram cópias das gravações para que
pudessem ver como se deu o andamento de seus ensaios. Esta pode ser
apontada como uma outra estratégia importante, já que, ao assistir as
gravações, os músicos podem atentar para detalhes não percebidos no
momento do ensaio.
Finalmente, espera-se que o presente trabalho possa contribuir para
com as pesquisas em performance musical, à medida que disponibiliza
material de referência para músicos em geral. Espera-se também que
este trabalho estimule a criação de novos materiais que estudem o
processo de preparação para a performance musical.
Referências bibliográficas
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4 Os samples e as imagens dos dois projetos podem ser acessadas através do sites:
<http://unesco.uiah.fi/water/pieces/results?get_regions
=Latin%20America%20and%20the%20Caribbean> para o projeto “O Som da Nossa
Água”, e <http://unesco-mycity.paris4.sorbonne.fr/ gallery/050324/dia/LEAA/> para o
projeto “Scenes and Sounds of my City”.
envolvidos ter os resultados de suas pesquisas incluídos nos anexos dos
inventários dos bens culturais de Cachoeira e São Félix, constituintes do
acervo do Museu do Folclore no Rio de Janeiro; e, no segundo caso,
através da interação com jovens de outros países, também participantes
dos programas da Young Digital Creators. Essa valorização externa tem
contribuído, também, para a auto-valorização desses jovens, tanto de
suas primeiras pesquisas etnomusicológicas e criações musicais con-
juntas, quanto das práticas tradicionais de sua cultura – especialmente
as musicais.
A APCM/Recôncavo oferece também assessoria de comunicação e pro-
jetos a grupos de cultura popular do Recôncavo, zelando, inclusive,
pelo cumprimento da lei do direito autoral, por meio da orientação a
grupos de cultura popular e música tradicional, para que tenham asses-
soria jurídica especializada. As atividades destinam-se também a auxi-
liar esses grupos na realização de práticas organizacionais e formais,
como encaminhamento de reuniões, elaboração de documentos, etc.
Derivou dessa frente de trabalho a formação da ONG Associação
Cultural do Samba-de-Roda Dalva Daiana de Freitas, irmã da
APCM/Recôncavo.
Considerações Finais
Podemos notar que, em todas as atividades descritas – dos projetos de
Cachoeira e entre os Timbira –, o foco está no estímulo à conscientiza-
ção das comunidades sobre a importância e o valor de seu patrimônio
cultural – principalmente o musical. Nos dois casos, essa conscientiza-
ção tem levado os participantes “nativos” a um retorno para a prática
dessas tradições, anteriormente por eles não notada, ou mesmo desva-
lorizada. Esse processo contribui significativamente para a con-
tinuidade dessas tradições musicais frente a um contexto mundial que
estimula seu abandono. Nos dois projetos, existe uma grande preocu-
pação com a participação e autonomia das comunidades na definição
dos rumos das atividades, o que lhes confere um caráter emancipatório.
Entre os Timbira, a conscientização sobre o valor de seu repertório
musical é estimulada principalmente através de práticas estritamente
musicais (nas oficinas de música) e da introdução à prática de pesquisa
em Etnomusicologia (no Arquivo Musical Timbira). Nos projetos da
APCM/Recôncavo, a ênfase está na introdução à pesquisa e à profis-
sionalização em Etnomusicologia, complementados pela participação
em criações musicais e audiovisuais. Embora o foco das práticas dos
dois projetos seja diferente, ambos estão alcançando um objetivo
semelhante, a saber, o fortalecimento de práticas musicais tradicionais,
com participação ativa de jovens, através de metodologias que, sob
diferentes práticas, estimulam a conscientização sobre seu valor.
Este artigo apresenta alguns resultados preliminares de pesquisa de Iniciação
Científica (FAPESP) em andamento, intitulada “Etnomusicologia Aplicada: uma
reflexão crítica sobre as metodologias de dois projetos de pesquisa e ação”,
desenvolvida no Departamento de Música do Instituto de Artes da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), sob orientação da Profa. Dra. Lenita W. M.
Nogueira. Nele discutimos as metodologias adotadas por dois projetos em
Etnomusicologia Aplicada para estimular, em diferentes comunidades, a cons-
cientização sobre a importância e o valor de práticas musicais tradicionais e
contribuir, assim, para a o processo de sua continuidade.
Esperamos que a divulgação e breve discussão sobre as metodologias desses
projetos possa contribuir, nos parâmetros de uma Iniciação Científica, para a
ampliação do debate sobre a Etnomusicologia Aplicada ou Participativa no
Brasil e, também, para a implementação, criação e execução de outros proje-
tos nessa área.
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Posters
Este artigo traça um panorama de alguns estudos que vêem sendo realizados
nas últimas décadas e que buscam compreender os processos pelo qual o cére-
bro processa armazena e produz música, e ainda, uma breve comparação entre
música e fala. Tais estudos têm como base, principalmente, os avanços na neu-
rociência cognitiva, que podem auxiliar no esclarecimento sobre a relação
música-cognição. O artigo apresenta possibilidades de estudos disciplinares
entre Música e neurociências cognitivas, tanto para compreender melhor o fun-
cionamento geral do cérebro e dos processos mentais, quanto para entender as
questões pertinentes a área de Música.
Música, cognição e educação: um estudo comparativo
sobre as diferenças cognitivas entre músicos e leigos
Melody Lynn Falco Raby
Mestre em Psicologia – Universidade Tuiuti do Paraná
Este trabalho tem por objetivo demonstrar que a música pode ser usada como
ferramenta terapêutica e social dentro da busca de resultados de uma solução
para a as dificuldades de linguagem, sejam elas na escrita ou na fala. A popu-
lação em questão era composta por 4 crianças entre 9 e 11 anos de idade, per-
tencentes a uma faixa econômica de renda baixa, com um perfil de carência
afetiva e educacional. Uma das crianças tinham uma deficiência mental leve,
apresentando dificuldades maiores que as demais.
Em um primeiro momento a música foi usada como forma de recreação. A
palavra recreação provém do latim (recreatio, recreationem) e significa vulgar-
mente o mesmo que recreio (divertimento, entretenimento). Bruscia, definindo
Recreação Musical, complementa a afirmação acima acrescentando a expe-
riência musical vivida pelo individuo para realizar a recreação: “(…) o ter-
apeuta utiliza música, jogos e brincadeiras espontâneas e as artes como parte
de um processo sistêmico que visa a ajudar crianças ou grupos de crianças a
explorar e trabalhar questões terapêuticas” (Bruscia, 2000: 235)
Fazendo uso da música como recreação as diferenças dentro do grupo desa-
pareceram e os primeiros movimentos em relação ao outro apareceram de
forma acolhedora. As dificuldades do grupo estavam centradas em déficits de
atenção auditiva apresentando estes trocas fonológicas nos processos de escri-
ta espontânea. Bruscia diz que: “Quando um cliente que tem déficits de
atenção apreende a se concentrar no contexto musical, essa capacidade ou
habilidade potencialmente pode ser aplicada a muitos outros aspectos da vida
do cliente.” Utilizando o CD da Casa de Brinquedos, trilha sonora de um pro-
jeto musical criado por Toquinho, iniciamos então o atendimento propriamente
dito. Todas as músicas foram apresentadas no decorrer das sessões e após a
apresentação das mesmas eles enquanto grupo, escolheram uma delas para tra-
balharmos a escrita. A música escolhida foi o Caderno, que foi apresentada em
forma de jogo de adivinhação, já que a música descreve o objeto sem citar o
seu nome. A música foi trabalhada dentro dos aspectos auditivos (escuta),
visuais (leitura da letra) cinestésico (sensações que esta música trazia ao ser
escutada) e motor (dança).
A melhora dos participantes aconteceu em conformidade destes irem vencendo
níveis cada vez maiores de dificuldades, e como conseqüência do processo,
chegando mais perto dos seus objetivos de mudança. Mesmo que os objetivos
não fossem aulas de música, as possibilidades a exploração asseguravam a
mudança. Como afirma Gainza:
“A educação musical deverá tender a desenvolver, mediante diversas ativi-
dades e processos musicais, a mais ampla gama de possibilidades
humanas, e não apenas a tendência dominante” (Gainza, 1988: 38).
Neste processo terapêutico a evolução dos participantes foi avaliada como
tendo bom resultado, sendo que do grupo dois tiveram alta e os demais foram
remanejados para atendimento individual em fonoaudiologia e psicopeda-
gogia. Concluimos com isso a importância da utilização da música nas ativi-
dades terapêuticas em fonoaudiologia, na busca de soluções para os aspectos
de déficit em fala e linguagem.
A escrita para quinteto de metais, mesmo que ainda sem uma formação clássi-
ca, tem suas origens desde o período renascentista. Bill Jones, no New Grove
Dictionary of Music, nos afirma que compositores europeus do séc.XVI e XVII
escreviam quintetos de metais (sem formação específica). Outros, da mesma
época, escreviam para duas cornetas e três sacabuchas. Entretanto, somente a
partir do séc.XIX é que essa formação se consolida: dois trompetes, uma
trompa, um trombone tenor e uma tuba ou trombone baixo. Assim sendo, o
repertório desta formação começa a receber sérias contribuições (preocu-
pações específicas com relação à instrumentação e orquestração).
A presente comunicação propõe um estudo acústico-analítico dos instrumen-
tos que compõem esta formação visando contribuir e auxiliar na prática com-
posicional. A metodologia adotada consiste na participação dos ensaios de um
quinteto de metais de Curitiba (trompetes, trompa e trombones). Os ensaios
foram gravados utilizando microfones condensadores e dinâmicos, mixer e um
sistema de armazenamento multipistas com 24bits/96kHz. Como softwares,
gravador multipistas, editor de áudio e analisadores de espectro. Na gravação,
cada instrumento foi registrado individualmente e em grupo, gerando assim
uma análise sob diversos aspectos: tessitura, dinâmica e ângulos de medida. Os
instrumentos foram captados numa distância aproximada de 1.5m, sob diver-
sos ângulos em um auditório de Curitiba. Todo este procedimento resultou em
uma análise do comportamento dos instrumentos sob vários aspectos.
Os resultados e conclusões deste trabalho foram focados exclusivamente para
o profissional da área de composição musical. Muitos tratados de orquestração
analisam os instrumentos sob um aspecto instrumental (características de cada
instrumento).
Pouca literatura do assunto concentra na questão orquestral, ou seja, aspectos
da combinação instrumental. Este trabalho visa contribuir de uma maneira
científica para demonstrar diversas combinações e seus diferentes efeitos,
sejam eles tradicionais ou não.
Interação e Cognição
no Processo de Interpretação Mediada da Marimba
Cesar Adriano Traldi – UNICAMP
PALAVRAS-CHAVE: INTERAÇÃO, INTERFACE, MARIMBA
O estudo das relações que o ser humano estabelece com a música tem adquiri-
do dimensões multidisciplinares. A musicoterapia, como um campo novo de
estudos, se dedicada à aplicação e compreensão de uma prática interativa, na
qual predomina a linguagem musical, também buscando o entendimento dessa
relação comunicativa.
A expressão da emoção e das intencionalidades humanas, desde o nascimento
e por todo o desenrolar existencial, se concretizam por meio do choro, do bal-
bucio, da voz falada e cantada. Nesse sentido os parâmetros musicais como
ritmo, intensidade, duração, altura e timbre, fazem parte das trocas sociais que
a pessoa realiza ao longo da sua vida.
A música coloca-se como uma ferramenta que possibilita a efetivação de tro-
cas sociais significativas nos diferentes períodos da vida humana: desde as
canções de ninar, as brincadeiras de roda, as parlendas e rimas, as sonoridades
intensas da juventude, até o repertório da idade adulta e a reminiscência
melódica da velhice. Como forma musical presente em nossa cultura, a canção
tem acompanhado as manifestações da vida cotidiana das pessoas, expressan-
do sentimentos e intenções, traduzindo motivações, narrando histórias. A
canção torna-se, nessa perspectiva, um ato de comunicação participativa, uma
narrativa na qual alguém diz algo a alguém (Tatit, 1996).
Nesse trabalho a canção passa a ser considerada como uma narrativa cantada
por meio da qual as pessoas interagem e compartilham fatos e emoções que
lhes são significativos (Ruud, 90). Essa narrativa emerge de uma cultura que,
por fornecer descrições do pensamento e da maneira de viver do ser humano,
constitui-se num elemento interpretativo possibilitado às pessoas a organização
de seu mundo social e de suas experiências (Bruner, 1997).
O envelhecimento populacional é uma realidade social. Os idosos de hoje par-
ticiparam da popularização do rádio e da televisão, vivenciando um período
histórico de intensa musicalidade. Talvez por isso, as canções emergem, no rol
de suas ações coletivas ou individuais, como uma linguagem expressiva que
potencializa suas trocas sociais. Qual o significado das canções que formam o
repertório musical construído pelos idosos? Esse trabalho teve por objetivo
analisar o repertório musical expressado por um grupo de 23 pessoas cuja
idade variava entre 60 a 80 anos, no decorrer de um processo musicoterapêu-
tico, na tentativa de entender o significado da música para essa faixa etária.
Para tanto foi utilizado o método proposto por Vygotsky (1999) que parte da
análise funcional dos elementos e da estrutura da obra musical, para a recons-
trução da resposta estética e o estabelecimento das leis gerais.
Os dados analisados revelaram que a interação musical proporcionou a cons-
trução de um espaço de comunicação e aproximação no qual os participantes
foram reconhecidos e respeitados nas suas opções e preferências, reafirmando
suas individualidades. O repertório expressado se constituiu, dessa forma, na
narrativa musical de suas histórias de vida.
A música como ferramenta de inserção social do deficiente mental
Carmen Lígia Barboza Gruner
APAE, União da Vitória
Musicalizando bebês
Celina Maydana & Maria de Fátima Machado Brasil
PALAVRAS-CHAVE: MUSICALIZAÇÃO, BEBÊS