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CREPÚSCULO
DOS ÍDOLOS
Autor
ERNST VLCEK
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
Revisão
ANTÔNIO CARLOS
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Na Terra e nos outros mundos da Humanidade os
calendários registram meados de maio do ano 3.442. Para Perry
Rhodan e os terranos não atingidos pela imbecilização de âmbito
galaxial, ou os menos atingidos, o seu grupo é muito diminuto,
quando comparado aos muitos bilhões de atingidos; se oferece
uma quantidade de tarefas importantes, as quais dificilmente
podem ser levadas a cabo, devido a uma aguda falta de forças
qualificadas.
Eles procuram por meios e modos para deter o “Enxame”
na sua destruidora penetração na Galáxia. Eles procuram
diminuir a miséria na Terra e outros mundos habitados. Eles se
preocupam com o “Império Secreto”, cuja existência parece
representar uma ameaça suplementar. E eles procuram mobilizar
todas as forças inteligentes da galáxia, ainda não recrutadas.
Nestas difíceis missões, a despeito de todas as resistências,
entrementes já se conseguiram conquistas parciais consideráveis.
E agora parece esboçar-se mais êxito na confrontação com o
“Enxame”.
As operações da nave espacial Gevari, que desde algum
tempo se encontra dentro do “Enxame”, começam a dar frutos.
Isso fica demonstrado no momento em que uma frota de divisão
abandona o “Enxame”, tomando o rumo do Sistema Heleva-EX.
Os conquistadores amarelos são perturbados nos seus
planos – e tem início o Crepúsculo dos Ídolos...
Perry Rhodan tinha bons motivos para cruzar com a Good Hope II e a Intersolar,
diante do “Enxame” que voava com metade da velocidade da luz para dentro da Via
Láctea.
Primeiramente ele sabia, através de relatórios de Sandal Tolk e do seu companheiro
de lutas Tahonka-No, que dentro do “Enxame” havia inúmeros “conquistadores
amarelos”, que em tempo muito curto seriam obrigados à divisão. Portanto era de se
prever que uma esquadrilha de divisão logo abandonaria o “Enxame”. Quando chegasse
a esse ponto, Rhodan queria estar a postos, para impedir ocorrências semelhantes àquelas
que destruíram o mundo das amazonas, Diane. Por isso, as centrais de rastreamento da
Good Hope II e da Intersolar estavam ocupadas dia e noite.
Em segundo lugar, Rhodan ainda não recebera qualquer sinal de vida dos oito
homens da 5a Coluna, que tinham penetrado no “Enxame”, há mais de três semanas. Ele
não sabia nada sobre o seu destino, não sabia se eles ainda viviam, se tinham tido sucesso
ou se haviam falhado. Esta incerteza o deixava cansado. O seu humor transferia-se para o
restante da tripulação. Os nervos dos homens estavam superirritados, deles se apoderara
uma tensão que a qualquer momento podia estourar.
Era como se todos estivessem sentados em cima de um barril de pólvora com um
rastilho aceso.
Quando então no dia 14 de maio, em ambas as naves, soou o alerta geral, aquilo
pareceu uma redenção para a tripulação.
Perry Rhodan, que se recolhera à sua cabine, ao primeiro som do alarma, já estava
de pé. Ainda antes dele deixar sua cabine, Fellmer Lloyd chamou pelo intercomunicador.
O mutante, depois que Alaska Saedelaere tinha penetrado no “Enxame” com a 5a Coluna,
assumira o comando da central de rastreamentos da Good Hope II.
― Os hipersensores mostram que, da parte da cabeça do “Enxame”, está saindo,
em vôo ordenado, uma grande frota, sir ― avisou ele. ― Ainda não nos foi possível uma
medição mais exata, porque ainda nos encontramos mais ou menos 200 anos-luz distantes
do local de saída. Mas, numa primeira avaliação, parece tratar-se de cerca de seis mil
naves.
― Dentro de um minuto estarei na central de comando ― declarou Rhodan, e saiu
correndo de sua cabine.
Quando ele chegou à central, ali já reinava uma grande atividade. O Primeiro
Oficial Cosmonauta, Senco Ahrat, estava sentado no seu lugar e colocara o capacete-Sert
por cima de sua cabeça. O assento do Segundo Oficial Cosmonauta estava vazio. O
emocionauta Mentro Kosum encontrava-se dentro do “Enxame”, com a 5a Coluna.
― Prepare tudo para uma curta etapa linear, Ahrat ― ordenou o arcônida. ― O
objetivo é a formação da frota que saiu do “Enxame”. — Joak ― chamou ele o chefe da
central de rádio. ― Informe Bell de nosso propósito. A Intersolar também deve ficar
preparada para uma rápida manobra linear.
Rhodan, que ouvira as palavras de Atlan, alcançou o console de comutações gerais.
― Executar manobra linear! ― ordenou ele ao Primeiro Oficial.
Senco Ahrat agiu imediatamente. Na galeria panorâmica empalideceram as estrelas
e a faixa brilhante prateada do “Enxame”. Somente uma única fonte luminosa brilhava
na retícula ― o ponto do alvo, a frota saída de dentro do ― “Enxame”.
A Good Hope II encontrava-se no semi-espaço.
Rhodan virou-se para Atlan.
― O rastreamento, entrementes, descobriu mais alguma coisa acerca dessa frota?
Fellmer Lloyd, que escutara também através da instalação de rádio, respondeu, no
lugar do arcônida, pelo intercomunicador.
― São certamente 6.500 naves de diferentes classes e tamanhos. Mil e quinhentas
unidades correspondem a massa das já conhecidas naves-faviformes gigantes. Em cerca
de cem unidades, poderá tratar-se de astronaves-cogumelo. As naves restantes, até agora
não puderam ser identificadas claramente.
―Isso basta ― disse Rhodan.
Ele olhou para Atlan.
O arcônida disse:
― Ainda vamos precisar de mais provas de que se trata de uma flotilha de divisão?
Fellmer falou de mil e quinhentas astronaves faviformes. Isso são três bilhões de
conquistadores amarelos, que irão voar para algum mundo florescente, para destruí-lo.
― Nós vamos impedir que eles façam isso ― prometeu Rhodan.
***
A Good Hope II caiu de volta para o espaço normal, a uma distância de 10 milhões
de quilômetros da formação da frota saída do “Enxame”. A captação ótica mostrou no
vídeo que as primeiras medições hiperestruturais de Fellmer Lloyd estavam corretas.
Aqui tratava-se de uma flotilha de divisão, que consistia de 1.500 astronaves-
faviformes e 5.000 naves da chamada frota de caça.
― Desta vez você vai ter que proceder de forma rigorosa, se quiser impedir um
segundo Diane, Perry ― declarou Atlan.
― Antes de pensarmos sobre os nossos próximos passos, teremos que determinar
onde fica o destino da flotilha de divisão ponderou Rhodan.
― Você não está pensando, por acaso, que os conquistadores amarelos iriam
escolher um planeta desabitado, para seu mundo de nascimento ― disse Atlan, com leve
zombaria.
― Ainda podemos ter esperanças. ― Rhodan deu instruções para que se calculasse
a rota previsível da flotilha de divisão, e descobrir todos os sóis e sistemas solares, que
ficavam até uma distância de 700 anos-luz dessa rota.
Enquanto os cálculos ainda corriam e enquanto ainda eram feitas as primeiras
avaliações, Reginald Bell chamou da Intersolar.
― Perry, eu sugiro que ataquemos, com toda nossa capacidade de fogo, a frota de
divisão.
― E o que é que você acha que ganha com isso? ― perguntou Rhodan.
― Pelo menos confundimos os dominadores secretos do “Enxame” e os deixamos
perplexos ― respondeu Bell. ― Em primeira linha queremos impedir que os
conquistadores amarelos pausem num mundo, e ali destruam toda a vida, através da
ajustagem secundária. Desta vez você não quer tentar tomar medidas preventivas?
― Contra 6.500 astronaves nada podemos fazer ― afirmou Rhodan.
O rosto de Bell mostrou-se irado.
― Isso são subterfúgios. Há um mês atrás, em Diane, nós vimos claramente que as
naves do “Enxame” não têm nada igual para contrapor-se aos nossos canhões
transformadores. Nós somos absolutamente capazes de assestar um golpe decisivo contra
a frota de divisão, ainda antes que ela possa executar a transição. Você deveria decidir-se
rapidamente, Perry!
Até certo ponto Bell tinha razão. Seria possível, apenas com a força de fogo da
Intersolar, causar perdas decisivas ao adversário. Mas Rhodan se incomodava com o fato
de que isso seria uma campanha de destruição insensata, cujo efeito final nada renderia.
Talvez eles conseguissem destruir algumas centenas de naves antes que ocorresse a
transição. O restante da frota então ainda seria capaz de voar para o mundo escolhido
para a divisão dos conquistadores amarelos.
― Não, Bell, assim não pode ser ― disse Rhodan, decidido. Ele se entristeceu um
pouco que o seu amigo, geralmente tão pacífico, repentinamente se mostrasse tão
agressivo. Mas talvez isso era devido ao fato de que as imagens de horror de Diane ainda
estivessem muito nitidamente na sua memória.
Rhodan acrescentou:
― Primeiramente vamos ter que esperar, para ver para onde os conquistadores
amarelos se dirigem. Até agora não está comprovado que um mundo habitado está em
perigo.
― Mas é comprovado que os conquistadores amarelos somente escolhem mundos
de oxigênio para o seu processo de divisão ― retrucou Bell. ― E estes, quase sempre,
são habitados.
― Temos que esperar ― declarou Rhodan. ― Somente depois que os cálculos da
rota estiverem à disposição, podemos tomar decisões.
Rhodan não precisou esperar por muito tempo pelos resultados do computador.
Tinha sido calculado, que toda a frota se afastava do “Enxame”, com um quarto da
velocidade da luz, e portanto voava com um quarto de velocidade da luz, tomando-se em
conta a velocidade própria do “Enxame” que era de 1/VL.
Os cálculos de rota mostraram que dentro dos próximos 700 anos-luz, somente
havia dois sóis no caminho da esquadrilha de divisão, caso esta mantivesse a sua direção.
Um deles era um astro vermelho gigante a 535 anos-luz de distância, que apenas
possuía um planeta. O planeta era um mundo inabitável de metano, do tipo de Júpiter.
O segundo sol, a uma distância de apenas 338 anos-luz da frota, era do tipo do Sol,
e possuía sete planetas. Tratava-se do Sistema Heleva-EX, que certa vez fora descoberto
por uma nave Explorer, e devidamente catalogado. Sobre todos os sete planetas havia
dados exatos disponíveis, que no catálogo estelar da Frota Explorer enchiam algumas
páginas e que ocupavam todo um banco de dados da positrônica de bordo da Intersolar. A
maioria dos dados, entretanto, referia-se ao terceiro planeta.
Era um mundo parecido com a Terra, que tinha recebido o nome de Trantus-Tona
do pessoal das Explorer. Ali viviam os descendentes dos colonos arcônidas, que já há
muitos milênios tinham perdido contato com a civilização. Eles tinham revertido ao
primitivismo, e no momento se encontravam na mesma escala de desenvolvimento mais
ou menos que os terranos do Século XV.
Como Trantus-Tona era habitado, uma colonização por terranos fora excluída
automaticamente. Em consequência de sua posição militar insignificante, e também
porque não seria economicamente rentável, os terranos tinham desistido até mesmo de
erguerem ali um entreposto de comércio. O Sistema Heleva-EX acabou sendo esquecido.
Agora, através da frota de divisão, ele ganhava uma significação especial.
― Não pode haver dúvidas de que a meta dos conquistadores amarelos seja o
Sistema Heleva-EX ― declarou Atlan. ― E dos sete mundos, somente Trantus-Tona
interessa como mundo de nascimento.
― Você ainda tem dúvidas em proceder contra a frota de divisão? ― quis saber
Reginald Bell, pelo hipercomunicador.
― A sua sugestão não pode ser executada ― disse Rhodan, decidido. ― Nós
precisamos encontrar uma outra solução.
― Se você esperar ainda muito tempo, então a frota entra em transição, e os 500
milhões de habitantes de Trantus-Tona sofrerão o mesmo destino que as amazonas de
Diane! ― disse Bell, numa acusação.
― Tarde demais ― disse Atlan, e apontou para as telas de vídeo da galeria
panorâmica.
Rhodan seguiu com os olhos a mão estendida do arcônida, mas não entendeu
imediatamente. Ele esperara ver na tela de imagem uma transição em massa da frota de
divisão. Porém agora ele teve que verificar que nem todas as 6.500 naves desapareceram
de uma só vez, mas unitariamente, e uma depois da outra.
― Isso é novo ― gritou Rhodan, perplexo. ― Até agora as naves de uma frota
nunca executaram transições unitárias.
― Não pode tratar-se de transições ― avisou Fellmer Lloyd, da central de
rastreamentos. ― Nós não medimos um só abalo estrutural, como costuma ocorrer, numa
penetração à força, do hiperespaço.
― Isso apenas pode significar que as naves da esquadrilha de divisão são equipadas
com propulsores lineares ― verificou Rhodan, surpreso. ― Agora nós temos a prova
definitiva de que os conquistadores amarelos não apenas dominam a hipertransição com
extrema precisão, mas que também podem vencer grandes distâncias no semi-espaço.
― Isso nós já suspeitávamos há algum tempo ― disse Atlan, sem tirar os olhos de
Rhodan.
― Vôo linear! ― ordenou Rhodan ao Primeiro Oficial Cosmonauta. ― Vamos
ficar nos calcanhares da frota, com ajuda do sensor de semi-espaço.
Atlan disse:
― Você ainda acredita que os conquistadores amarelos tenham escolhido um outro
destino que o Sistema Heleva-EX?
Rhodan silenciou. Ele ficou olhando o monitor do libroflex e esperou que a Good
Hope II passasse para o espaço linear.
5
Para Blazon Beta e Blazon Alfa, os físicos-sextadim, não tinha sido muito difícil
manipular a tela de vídeo dentro do tubo sextavado. Eles tinham descoberto como se
podia modificar o ângulo de tomada, como regular a nitidez da imagem, e como
conseguir ampliações grandemente aumentadas.
Fora disso, eles não meteram os dedos nos aparelhos na antecâmara, para não
disparar por acaso um alarme, ou provocar outros perigos.
Depois da queda da frota de volta ao espaço normal, ela se encontrava nas bordas de
um sistema solar relativamente grande. Alfa e Beta reconheceram na tela de imagens
cinco planetas, que se encontravam diante do sol. Mas isso não comprovava que não
poderia haver mais planetas, que se encontravam, em suas órbitas, por trás do sol.
Com os aparelhos embutidos nos seus trajes de combate, foi-lhes possível realizar
uma simples análise espectral. Assim eles descobriram, de que dois planetas vistos de
onde eles se encontravam, o terceiro e o quarto ―, ainda estavam dentro da ecosfera. A
distância mais favorável naturalmente possuía o terceiro planeta, de modo que eles se
convenceram de que ele tinha sido escolhido como o destino.
As astronaves faviformes e uma parte da frota de vigilância diminuíram sua
velocidade. Isso os irmãos gêmeos notaram pelo fato de que as linhas espectrais do sol se
afastavam do azul. Reconhecidamente, na aproximação de uma fonte de luz, por segundo,
recebia-se mais oscilações do que quando do seu afastamento. Mais oscilações
significavam uma luz mais azulada. Como o sol originalmente brilhante azul mudava a
sua cor para o amarelo, os irmãos gêmeos tinham certeza de que eles se aproximavam
dele com uma maior velocidade.
Entretanto eles verificaram que cerca de três mil naves se separavam da formação.
Entre elas estavam oitenta das temidas naves-cogumelos, que os instaladores do
“Enxame” utilizavam para as ajustagens secundárias dos mundos de nascimento
escolhidos.
As espaçonaves-cogumelo convencionais tinham um comprimento de cinco mil
metros, o “chapéu” do cogumelo, meio-redondo, abaulado, tinha um diâmetro, no seu
eixo inferior, de sete mil metros. O tronco metálico, abaulado, do cogumelo, ainda tinha
uma grossura de dois mil metros na sua extremidade circularmente redonda, achatada.
Sobre este espaço pousava a astronave-cogumelo. As turbinas de propulsão, entretanto,
não se encontravam nesta plataforma de pouso, e sim na parte inferior do chapéu do
cogumelo, em volta do soquete redondo como um pilar. As naves-cogumelo voavam com
a cabeça semi-esférica de sete mil metros de diâmetro para a frente.
Quando Alfa ligou a ampliação da tela de imagem, enfocando uma das naves-
cogumelo que saíam da formação na tela, os irmãos gêmeos reconheceram,
surpreendidos, que aqui estavam tratando um tipo modificado. Estas naves não possuíam
chapéus de cogumelo, semi-esféricos, mas tetos cônicos, e com isso tinham pelo menos
mais mil metros de comprimento.
Atlan vira estes objetos voadores modificados pela primeira vez no sistema Opus-
Nurmo. As astronaves de tetos cônicos, naquela ocasião, não tinham ocasionado qualquer
ajustagem secundária, mas tinham, numa única transição, deslocado todo o sistema solar
em 532 anos-luz.
― Você acha que os instaladores do “Enxame” também pretendem executar uma
transição com este sistema solar? ― Alfa perguntou ao irmão.
Beta ergueu os ombros, o que não se podia ver, devido ao pesado traje de pressão.
― Pode ser. Por outro lado também é possível que estas naves de tetos cônicos
sejam utilizadas para ajustagens secundárias. Agora sabemos que nem todos os povos do
“Enxame” utilizam os mesmos métodos da astronáutica. Também podia ser semelhante
em outras áreas.
As três mil espaçonaves desapareceram no semi-espaço, enquanto a frota restante
voava para dentro do sistema solar com um pouco mais que meia velocidade da luz. O
planeta mais externo foi ultrapassado, uma distância de dois milhões de quilômetros.
De repente, Blazon Alfa recebeu mensagens radiofônicas. Toda transmissão durou
no máximo dez segundos, porém para Alfa este espaço de tempo foi suficiente para
goniometrar a localização do transmissor.
As mensagens de rádio foram transmitidas de sua astronave faviforme.
― Isso se parece com gorjeios de passarinhos ― verificou Beta, que também tinha
captado os impulsos.
― Será que descobriram o desaparecimento do rabo-de-cavalo branco? ― achou
Alfa e apontou para o purpurino paralisado, que estava caído a um canto da antecâmara.
Antes que Beta pudesse responder alguma coisa, eles receberam uma segunda
mensagem de rádio, que ainda era mais curta que a primeira. Ela vinha do interior do
sistema solar. Mal ela terminara, foi respondida por várias naves faviformes ao mesmo
tempo. E então começou entre as naves, que tinham entrado numa etapa linear dentro do
sistema solar, e a frota restante, um intenso intercâmbio de rádio.
― Toda essa agitação por causa de um único purpurino? ― disse Beta, incrédulo.
― Vamos perguntar a Gahork o que querem dizer todas estas mensagens de rádio
― decidiu Alfa.
Da câmara-chocadeira ecoou um grito lancinante.
***
Alfa e Beta se atiraram, ao mesmo tempo, através da escotilha.
― O que significa isso? ― perguntou Alfa, pela aparelhagem externa do rádio do
seu traje de combate.
O tradutor verteu as palavras.
Gahork estava de pé, o seu corpo pulsava. As membranas de ambos os multi-órgãos
começaram a vibrar, um grito ecoou.
― Vitória! Vitória! ― verteu o tradutor.
E agora em toda a nave parecia irromper o caos. Nos corredores ressoaram as
passadas miúdas dos purpurinos que passavam correndo. De longe vinham os gritos e
guinchos dos amarelo-ocres em vias de se dividirem, para dentro do tubo-favo, formando
um horrendo empastamento.
Beta correu até Gahork e segurou-o por baixo da bifurcação dos dois braços laterais.
― O senhor agora não pode enfraquecer, Gahork! ― gritou ele, procurando sacudi-
lo.
Mas ele não era suficientemente forte para poder mexer aquela pesada massa
corporal de mais de dois metros de altura do amarelo-ocre.
― O senhor prometeu que aguentaria até a decisão!
― A decisão chegou! ― triunfou Gahork.
Os dois irmãos gêmeos se entreolharam. Eles tiveram a mesma ideia, mas ainda não
queriam acreditar, o que Gahork aludia. Eles queriam ter certeza.
― O que aconteceu? Fale de uma vez, Gahork! ― insistiu Beta.
― Eu vou me entregar à doce dor... do mesmo modo como agora o estão fazendo
todos os meus companheiros de sofrimento ― disse o doente-imune.
― E o que há com sua vingança? ―lembrou Beta.
― Ela se realizou.
― Isso quer dizer que outros amarelo-ocres... ― Alfa hesitou antes de continuar
falando ― ...que outros amarelo-ocres foram infectados?
O doente-imune ruiu visivelmente sobre si mesmo, as modificações no seu corpo
podiam ser observadas a olho nu.
― Nada mais turva a alegria nos sítios aclars...
― Outros amarelo-ocres, até agora saudáveis, foram infeccionados?
― Sim. Meus companheiros de infortúnio me comunicaram isso.
― Quantos foram contagiados?
― Muitos... inúmeros.
― Milhares?
― Mais.
― Centenas de milhares?
― Muitas centenas de milhares! ― gritou Gahork, em triunfo. ― São milhões que
agora dividem a minha sorte e a sorte dos meus companheiros de infortúnio.
Os irmãos gêmeos soltaram o doente-imune.
― Isso explica tudo ― disse Alfa, sorrindo. ― Quando os comandantes da frota de
divisão ficaram sabendo que o bacilo deformador de células se espalhou, acometendo
inúmeros amarelo-ocres prontos para a divisão, eles compreensivamente entraram em
pânico. Por isso o intercâmbio de rádio.
― Nossa conta deu certo, mas com um êxito tão rápido certamente nem mesmo
Alaska Saedelaere teria sonhado ― achou Beta. ― Quando nós contrabandeamos os
oitocentos doentes-imunes na frota de divisão, ninguém podia imaginar que a infecção
pudesse se espalhar de uma maneira tão rápida.
― Eu o imaginei ― afirmou Alfa. ― Não se esqueça de que muitos doentes-
imunes, já antes da partida, tiveram contato com muitos amarelo-ocres saudáveis,
podendo contagiá-los. Os infectados passaram os bacilos da doença para outros amarelo-
ocres. Isso é como uma reação em cadeia. Além disso, os oitocentos doentes-imunes
foram alojados em diversas astronaves faviformes. Eu aposto que a infecção continuará a
se espalhar de maneira explosiva.
Eles abandonaram a câmara-chocadeira.
― Agora chegou a hora de entrar em contato com Perry Rhodan ― disse Beta.
Ele parou abruptamente.
― O pequeno purpurino sumiu!
Ele disse aquilo e saiu correndo pela escotilha aberta para o estreito corredor do
lado de fora. Ainda enquanto corria ele sacou o seu paralisador.
― Era só o que ainda nos faltava ― que o purpurino acordasse de sua paralisação
antes do tempo ― disse Alfa, com raiva, e seguiu o seu irmão para o corredor, com o
paralisador na mão.
Não se via qualquer vestígio do purpurino. O corredor estava cheio de gritos
miantes dos amarelo-ocres, que já se encontravam nos estados iniciais do processo de
divisão.
Vinte metros diante de si, Alfa de repente viu o seu irmão cair ao chão.
Alfa alcançou o rapaz, deitado, imóvel, no chão.
― Beta! Meu Deus, Beta!
Ele puxou-o para dentro do tubo-chocadeira mais próximo.
Por trás dele, fechou a escotilha. Os miados queixosos incharam dentro do tubo-
chocadeira para uma gritaria insuportável. Alfa desligou a instalação de rádio externa.
E enquanto ele procurava pela causa do desmaio do seu irmão gêmeo, ele começou
a transmitir com o seu possante hipercomunicador, na onda da Frota Solar.
― A 5a Coluna chama Perry Rhodan...
Joak Cascal passou a ligação do hipercomunicador para a central da Good Hope II.
― A 5a Coluna chama Perry Rhodan!
― Aqui Good Hope II, Perry Rhodan. Nós o estamos recebendo muito bem,
Alaska!
Seguiu-se uma curta pausa para respirar. Depois:
― Alaska Saedelaere e os outros ainda estão dentro do “Enxame”. Aqui fala
Blazon Alfa. Eu e meu irmão conseguimos subir a uma nave faviforme, sem sermos
notados. Esse idiota! Ele quis poupar oxigênio, fechou muito a alimentação e agora...
― Aconteceu alguma coisa ao seu irmão? ― perguntou Rhodan.
― Ele apenas está desmaiado ― respondeu Alfa. ― Eu aumentei a alimentação de
oxigênio para o seu traje de pressão. Ele está justamente voltando a si novamente.
Uma outra voz, mais fraca, pôde ser ouvida, que evidentemente era transmitida pelo
receptor de capacete de Blazon Alfa.
― O que aconteceu, Alfa? Você conseguiu pegar o purpurino?
Alfa respondeu.
― Você desmaiou. Falta de oxigênio. Você pousou no lugar errado, irmão.
― O que há com o purpurino?
― Ele escapou.
Rhodan entrou novamente no circuito.
― Vocês estão em dificuldades? Se vocês estão ameaçados de algum perigo nós
poderíamos voar para dentro da frota de divisão com a Good Hope, e goniometrar vocês
pelo rádio. Para Ras Tschubai seria uma ninharia, teleportar até vocês.
― Isso não vai ser preciso ― disse Alfa e contou o incidente com o purpurino. ―
Mesmo se ele der alarme eu não creio que eles iniciem uma grande ação de busca contra
nós. Dentro da frota de divisão reina o pânico. Eles já têm problemas sobrando.
Ouviu-se uma risada abafada. Ela vinha de Blazon Beta.
― Nós ensinamos aos responsáveis pela frota de divisão o que quer dizer o medo
― disse ele.
― Então foram vocês dois o motivo que deu início ao grande intercâmbio de rádio
dentro da frota? ― perguntou Rhodan, perplexo.
― Somente de modo indireto ― relatou Alfa. ― Nós contrabandeamos para dentro
da frota de divisão oitocentos amarelo-ocres que são portadores de uma doença altamente
contagiosa. A doença espalhou-se de modo explosivo, de modo que entrementes alguns
milhões desses seres são acometidos pela mesma.
― Isso é interessante ― disse Rhodan. ― Façam-me um relatório pormenorizado.
― Para dar-lhe uma impressão melhor, eu terei que voltar um pouco atrás ― disse
Alfa.
E então, em poucas palavras ele contou suas aventuras dentro do “Enxame”.
Ele contou como eles entraram em contato com o plasma de Kokon, como tinham
dominado o demônio negro, utilizando a sua estação energética para ponto de saída para
outras missões. Como ficaram sabendo do plasma, de que ele surgira de amarelo-ocres,
que traziam dentro de si o bacilo de uma doença, que contagiava outros amarelo-ocres à
menor aproximação ― por isso Kokon tinha sido declarado um planeta de quarentena.
Para todos os povos do “Enxame” ele era tabu. Quando então eles tinham descoberto que
em Kokon havia 9.500 doentes-imunes, que traziam o bacilo infeccioso da doença dentro
de si, podendo contagiar os outros, mas que não se desfiguravam a si mesmos. Como
finalmente Alaska Saedelaere planejou contrabandear 800 dos doentes-imunes na frota de
divisão, na esperança de contagiar os amarelo-ocres prontos para a divisão, com o que
talvez pudesse ser impedido que um planeta habitado da Via Láctea fosse destruído mais
uma vez pelos conquistadores amarelos.
Rhodan estava fascinado. Este êxito estava acima de suas mais audaciosas
expectativas. Não apenas que os homens da 5a Coluna tinham encontrado uma base de
apoio, eles ainda tinham conseguido assestar um golpe de grandes proporções contra os
conquistadores amarelos. O quanto esta ação ainda teria êxito, ainda era preciso esperar
para saber. Porém, não importava como isso terminaria, o começo fora feito.
― Se os senhores são de opinião que não existe um perigo iminente para suas
pessoas, então eu gostaria de pedir lhes que mantivessem sua posição na nave faviforme
― disse Rhodan, depois que Blazon Alfa tinha terminado.
― Nós aguentaremos ― garantiram os irmãos gêmeos, como de uma só boca.
― Os senhores não devem temer que o seu aparelho de hiper-rádio seja rastreado?
― perguntou Rhodan, preocupado.
Blazon Beta riu.
― Com esta confusão de impulsos de rádio?
― O senhor tem razão ― concordou Rhodan. ― É muito pouco provável que os
encontrarão devido a esta transmissão de hiper-rádio. Mesmo assim, não devemos abusar
da sorte. Mais tarde entraremos novamente em contato, na frequência da Frota. Agora só
me interessa uma coisa: os senhores têm alguns indícios de que criaturas influentes do
“Enxame” tenham bons motivos para evitar a divisão de nascimento dos conquistadores
amarelos em planetas do “Enxame”.
― Nós mesmos já tivemos suposições nesta direção ― declarou Blazon Alfa. ―
Mas não encontramos provas nem a favor nem contra. Uma coisa, nesta linha, ainda é
interessante. Apesar dos amarelo-ocres, durante a duração do processo de divisão serem
expelidos do “Enxame”, eles parecem ser suficientemente importantes, para que depois
disso sejam novamente levados de volta. Este fato devia ser levado em consideração.
Rhodan também achou que se devia dar importância a este fato.
Ele ainda fez com que os gêmeos Blazon lhe prometessem que, ao menor indício de
perigo, entrariam em contato com a Good Hope II. Depois ele terminou a ligação por
hiper-rádio.
De Joak Cascal, Rhodan ficou sabendo que continuava sendo impossível decifrar as
mensagens radiofônicas. Mas isso agora não era mais tão ruim, pois já se sabia o motivo
pela agitação na frota de divisão.
Muitos dos três bilhões de conquistadores amarelos estavam acometidos pela
doença maligna. Até agora os responsáveis da frota de divisão não tinham demonstrado
reação, além das mensagens de rádio caóticas.
As astronaves faviformes continuavam voando, sem modificação, para dentro do
sistema Heleva-EX. A outra parte da frota orbitava o planeta-E, Trantus-Tona.
― As naves-cogumelo estão dando início ao pouso! ― Esta noticia veio de Fellmer
Lloyd, da central de rastreamento.
Perry Rhodan ordenou a Senco Ahrat que levasse a Good Hope II, numa curta
manobra linear, para mais perto de Trantus-Tona.
***
As cerca de três mil espaçonaves formavam, por cima do terceiro planeta do sistema
Heleva-EX, um cordão impenetrável. Mesmo assim, Fellmer Lloyd conseguiu descobrir
o seguinte, através do telerrastreamento:
Tanto no polo norte quanto no polo sul, tinham pousado quarenta espaçonaves-
cogumelo em cada um ― e tratava-se daquelas naves com os tetos pontudos.
Este fato fez com que Atlan tivesse novas esperanças.
― Talvez ainda ganhemos algumas horas de graça ― disse ele. ― A utilização
destas naves-cogumelo de telhado pontudo poderia significar que todo o sistema solar
deverá ser deslocado numa gigantesca transição. Se for assim, a ajustagem secundária
sofrerá um retardamento. O que, por seu lado, significará que a doença se espalhará mais
ainda entre os conquistadores amarelos. E então talvez já seja tarde demais para o
processo de divisão.
Rhodan sacudiu a cabeça.
― Eu não creio nisso. Eu suspeito, isto sim, de que a ajustagem secundária deverá
ser acelerada, com a utilização destas naves especiais. As astronaves-cogumelo com os
tetos cônicos são maiores e também possuem uma capacidade maior. Elas podem sugar
uma alimentação energética bem mais elevada, e por essa razão poderão acelerar a
ajustagem secundária. Em Diane, este processo demorou quarenta e oito horas, mas aqui
ele poderia ser decisivamente reduzido, para um tempo mais curto, devido a uma mais
forte sangria da energia solar.
― Você pinta a situação ainda mais negra que Bell e eu juntos ― verificou Atlan.
― Se você vê as coisas deste modo, Perry ― neste caso, passe a agir!
― Eu ainda vou arriscar fazer uma pergunta aos gêmeos Blazon ― Rhodan mudou
de assunto. ― Talvez eles nos possam dizer algo de definitivo.
Levou algum tempo até que Joak Cascal conseguiu entrar em contato, pelo hiper-
rádio, com os dois físicos-sextadim.
― O senhor acha, que poderão chegar a uma transição de todo o sistema Heleva-
EX? ― quis ele saber.
― Impossível ― respondeu Blazon Beta, com certeza. Para que serviria uma
transição? Três bilhões de amarelo-ocres exigem, com grande urgência, condições
ambientais adequadas para o processo de divisão. Os responsáveis vão fazer de tudo para
liquidar os trabalhos antecipadamente preparados o mais depressa possível. E também
porque a doença continua se alastrando. De Gahork, este é um dos doentes-imunes,
ficamos sabendo que aproximadamente duzentos milhões de amarelo-ocres já estão
infectados. E isso ainda não terminou. Os responsáveis precisam efetuar a ajustagem
secundária do mundo de nascimento o mais rapidamente possível.
― Foi o que eu presumi ― disse Rhodan, sombrio. ― Os senhores agora não
querem decidir-se a vir para a Good Hope? Quando a nave faviforme tiver pousado na
colônia arcônida, a ação de salvamento será bem mais difícil.
― Quer dizer que a frota de divisão está voando novamente para um planeta
habitado por seres humanos ― fez-se ouvir Blazon Alfa. ― Se isso for assim, nós
ficamos. Talvez possamos ajudar os que sofreram danos com a ajustagem secundária.
― Desta vez saberemos evitar que seres humanos sejam prejudicados ― declarou
Rhodan, decidido.
― Então é muito melhor assim, e nós não temos nada a temer.
A estas palavras seguiu-se um palavrão abafado, depois uma respiração ofegante e
um gemido.
― O que aconteceu? ― Quis saber Rhodan.
― Nenhuma razão para preocupar-se, sir ― garantiu Blazon Alfa. ― Parece que os
pequenos purpurinos estão fazendo uma revista na nave faviforme, à nossa procura. Eles
estão revistando o cilindro-favo de Gahork, mas nós passamos para um outro.
― Não estão em perigo?
― Não.
― Por que está respirando com tanta dificuldade?
― É o calor. A temperatura externa, entrementes, subiu para sessenta centígrados, a
gravitação é de mais de dois gravos. — respondeu Alfa. ― Nós não podemos colocar os
neutralizadores de gravitação e a instalação climática, em força total, pois neste caso
nossas reservas de energia logo se esgotarão.
― Nós vamos tirá-los daí ― decidiu Rhodan. ― Deixem seu aparelho de rádio
ligado, para que Lloyd possa goniometrá-los.
Do alto-falante saiu um ruído crepitante, quando a ligação foi abruptamente
interrompida.
― Insubordinação! ― disse Atlan, curto.
Rhodan sacudiu a cabeça.
― Não se pode ver as coisas assim.
8
Antes que eles recuassem para dentro do tubo sextavado, Blazon Alfa depositou seu
aparelho de pulso, com vídeo, que fazia parte de seu volumoso equipamento, a dois
metros de altura na parede do corredor estreito. Através de um segundo aparelho de
pulso, com vídeo, que pertencia a Blazon Beta, deste modo eles podiam observar tudo
que se passava do lado de fora do tubo sextavado.
O que eles viram, não foi do seu gosto.
O pequeno purpurino com o rabo-de-cavalo branco desceu o corredor com seis
outros, e ficou parado diante da entrada para o cilindro sextavado de Gahork. Os cinco
purpurinos mantinham suas armas-bastões preparadas, prontas para atirarem, enquanto o
de cabelos brancos abria a escotilha. Eles não davam qualquer som de si.
Também não se ouviu nenhum tiro.
― Nós devíamos ir em auxilio de Gahork ― murmurou Alfa, enquanto, por cima
do ombro de Beta, olhava para a tela, do tamanho de um selo postal, do intercomunicador
de pulso.
― Eles não o importunarão ― disse Beta, convencido.
Os seis pequenos purpurinos entraram no cilindro-fava de Gahork, logo depois
saíram dele novamente e desapareceram no corredor lateral mais próximo.
― Já é a segunda vez que eles inspecionam o favo-chocadeira de Gahork ― disse
Alfa. ― Eles voltarão.
― E daí? ― Beta guardou o intercomunicador-pulseira e tomou providências para
abandonar o cilindro-favo.
Apesar de terem desligado a instalação de rádio externa, eles percebiam,
surdamente, os torturantes miados dos amarelo-ocres deformados.
— Você gosta de jogos de qualquer tipo. Neste caso, procure se entusiasmar com
este joguinho de esconde-esconde.
Eles chegaram ao cilindro-fava de Gahork. Conforme Beta tinha presumido
corretamente o doente-imune não havia sido molestado pelos purpurinos.
Ele estava acocorado no meio da câmara-chocadeira, a parte inferior do corpo
inchada, pulsando mais forte que antes. Os braços principais, e os braços adicionais que
saíam deles, tremiam convulsivamente. Os dois multi-órgãos tinham perdido o seu brilho,
pareciam sombrios e de algum modo “sem ver”. Por cima da membrana trêmula vinham
sons de queixumes.
― Controle-se, Gahork! ― berrou-lhe Beta.
― Deixe-o em paz ― Alfa pediu ao seu irmão. ― Ele mereceu finalmente entregar-
se ao impulso, que manteve reprimido por quase dois mil anos.
Pela membrana de Gahork veio uma série de sons articulados, que foram vertidos
pelo aparelho tradutor.
― Não falem mais com o invisível distante. Isso pode custar-lhes a vida.
― O senhor se repete, Gahork ― Beta gritou com o doente-imune. ― Suas
constantes advertências irritam os nervos. Entrementes já devia ter reconhecido, que não
podem captar nossas mensagens de rádio no “Enxame”.
― Não falem mais com o invisível...
Beta quis gritar, mas Alfa impediu-o.
― Deixe-o, irmão, ele está como embriagado...
Beta olhou para o seu irmão mais alto, e fez uma careta.
― Sua compaixão não tem lugar aqui. Não podemos permitir que Gahork se
entregue a uma ilusão. Pois se nosso plano der certo, então esta frota de divisão jamais
vai alcançar os sítios aclars ― e o desejo mais veemente de Gahork jamais se realizará.
Por que, portanto, não deveríamos prepará-lo para isso, já desde agora?
Beta tinha razão. Se eles quisessem salvar a colônia de arcônidas, então não devia
ocorrer nenhuma ajustagem secundária, e consequentemente nenhum processo de
divisão. Não havia nenhuma exceção ― nem mesmo para os doentes-imunes.
Infelizmente era assim. O que era útil aos amarelo-ocres fazia mal aos seres
humanos. E vice-versa. Nisto, neste momento, nada podia se mudar.
Alfa foi arrancado de volta à realidade, ao olhar para a tela de imagem. Ele apontou,
mudamente, para ela.
― Se não acontecer logo alguma coisa, o mais veemente desejo de Gahork vai
mesmo se cumprir ― disse Beta, amargo, depois de ter olhado para a tela de vídeo por
algum tempo. ― Portanto você não precisa mais se preocupar com a sua sorte, irmão.
A frota das astronaves faviformes tinha alcançado o terceiro planeta. As naves de
vigilância que orbitavam o planeta deram uma guinada para dois lados, liberando um
caminho de entrada para as astronaves faviformes.
Blazon Beta quis dizer alguma coisa, mas apenas um estertor saiu-lhe dos lábios.
Sua garganta estava ressecada. Dentro do traje de combate estava insuportavelmente
quente e ele não ousava ligar o aparelho de climatização para um rendimento maior. Pois
agora eles não podiam mais esperar, que depois do pouso das astronaves faviformes no
planeta, encontrassem melhores condições de vida.
Era possível que a ajustagem secundária já estivesse em andamento. Neste caso, o
calor e a gravidade no planeta ainda seriam mais insuportáveis que dentro da astronave
faviforme.
***
― Olhe, as astronaves faviformes se desmancham pelo método de Aggres ― disse
Blazon Beta.
Alfa sabia o que o seu irmão queria dizer com isso.
Em Aggres, onde tinha descido a primeira frota de divisão, as astronaves faviformes
de oito mil metros de altura tinham se dividido cada uma em dois mil blocos-favo, com
alimentação energética própria, e tinham pousado com sua própria força. Da astronave
faviforme só restou o disco de propulsão de quatro mil metros de diâmetro. A divisão,
com aquele efeito de tiro de chumbo, por isso foi chamada de método Aggres pelos
irmãos gêmeos, porque o pouso das naves faviformes da segunda frota de divisão se
processara de modo um pouco diferente.
A segunda frota de divisão, sabia-se, tinha pousado em Diane. Também ali, como
em Aggres, dois mil blocos-favo de cada astronave faviforme se haviam separado da
parte do propulsor. Mas então tinha havido uma diferença. Os blocos-favo, por sua vez,
se haviam separado em milhares de tubos-favo, e cada tubo-fava tinha pousado
autonomamente.
Naquela ocasião esta modificação tinha criado alguns enigmas, porém agora tinha-
se uma explicação simples. Assim como os diferentes povos escolhiam entre a
hipertransição e o vôo linear, utilizando os tipos de naves diferenciadas, assim também se
fazia a separação das naves faviformes nos seus fragmentos individuais.
Desta vez, foi utilizado o método primeiramente demonstrado. Os dois mil blocos
de favos desligaram-se das peças de propulsão, entretanto se dividiram nos cilindros-
favos individuais.
Quando o bloco-favo, no qual se encontravam os gêmeos Blazon, pousou no solo
daquele mundo parecido com a Terra, não se sentiu o menor abalo.
― Parece que descemos numa região quente ― verificou Alfa, com um olhar para a
tela de vídeo.
Eles tinham pousado numa colina florestada. Árvores gigantescas tinham sido
quebradas como peso do cilindro-favo. Numa colina, distante alguns quilômetros, podia
reconhecer-se uma formação de pedra. Pela ampliação da tela de vídeo, Beta verificou
que se tratava de uma grande cidade medieval, que era rodeada por um fosso com água e
altos muros de pedra. No horizonte oeste, onde o sol podia ser visto justamente como
uma grande bola vermelha, erguia-se no ar a plataforma de propulsores, de quatro mil
metros de diâmetro, parada numa planície fértil.
O ar cintilava.
― A deduzir pela vegetação, acho que descemos numa zona temperada ― retrucou
Beta. ― Por isso eu acho que a ajustagem secundária já teve início.
Ele levou a mão para o bolso externo do seu traje de proteção e tirou de lá o seu
intercomunicador de pulso. Um olhar para a tela de vídeo do tamanho de um selo postal
mostrou-lhe que cinco purpurinos, sob o comando do que tinha os cabelos brancos, se
aproximavam do favo-chocadeira de Gahork.
― Agora não temos outra alternativa, a não ser colocá-los para dormir ― disse
Beta. ― E então, rapidamente saíramos desse complexo de favos.
Do favo-chocadeira vinham os gritos animalescos de Gahork.
9
Uma cabeça esperta podia ir longe no tempo da maldição. Isso Cleran Raklanka já
reconhecera há muito tempo.
Pois ele era esperto.
Ele podia derrubar os ídolos da Arte Negra, disso ele tinha certeza. Somente por
este motivo ele partira de sua pátria, no alto norte, há três verões atrás. Ele queria libertar
a terra do sul do jugo dos ídolos terríveis, e assim se tornar um herói. Nisto até hoje não
se modificara nada.
Porém, de outro modo, tudo tinha ficado diferente.
Quando há três verões atrás os boatos das terríveis práticas dos demônios tinham
alcançado o norte, muitos homens valentes da terra de Klingonak tinham partido para
ajudarem o sul.
Um deles era Cleran Raklanka, que, junto com o seu mestre e melhor amigo,
Aklirio Garalan, tinha reunido em tomo de si vinte homens valentes.
As histórias daqueles que tinham fugido para o norte, da terra maldita, eram de
arrepiar os cabelos e pareciam inacreditáveis. Elas eram um desafio para homens como
Cleran e Aklirio, que sabiam usar o seu juízo corretamente.
― Os deuses desceram dos céus e trouxeram castigo para toda a terra, porque não
queriam que nós adorássemos outros deuses. Eles destruíram nossos templos, trouxeram
a seca para os nossos campos, e enchentes e tempestades sobre nossas cidades ― até que
todos os sacerdotes se colocaram do lado deles, construindo-lhes templos e oferecendo-
lhes sacrifícios, espalhando suas palavras em todas as direções da rosa-dos-ventos. Os
novos deuses, os ídolos da Arte Negra, como os chamam, com a mão diante da boca,
entretanto não ficaram mais conciliadores. Eles exigiam que nós plantássemos em nossos
campos de grãos a erva-das-três-almas, e continuaram exigindo que se lhes sacrificassem
jovens donzelas. Não vai demorar mais muito, e então os ídolos da Arte Negra
expandirão o seu poder até as terras do norte.
― O que é que você diz a esses boatos? ― quis saber Cleran do seu amigo Aklirio.
Aklirio Garalan, que já resolvera muitos mistérios da natureza, respondeu,
impassível:
― Para todos os problemas deste mundo existe uma solução.
― Neste caso vamos pôr-nos a caminho, para descobrirmos a verdade a respeito
dos ídolos da Arte Negra ― determinou Cleran.
Desde aquele dia tinham-se passado três verões, e o mundo se modificara. A palavra
dos ídolos terríveis tinha se tomado verdade, o tempo da maldição tinha chegado. Toda a
vida tinha se desenvolvido às avessas, os homens e os animais estavam imbecilizados.
Menos Cleran.
O amigo de Cleran tinha caído pela mão de um servo do ídolo terrível. Cleran
continuava vagando através da terra sulina de Vomeggen, que tinha sido visitada pela
imbecilização, que sofria sob o terrível regime dos ídolos e que era envolta pelos vapores
da erva-das-três-almas. Ele sentia necessidade de vingança por seu amigo Aklirio, e
queria derrubar os ídolos da Arte Negra.
Ele tinha lutado um verão após outro, contra inúmeros perigos, conquistando uma
vitória depois de outra, sem entretanto chegar mais perto do seu objetivo.
Mas finalmente a sua persistência e sua tenacidade se fizeram pagar.
Certa manhã ele acordou ― em uma cama estranha, em arredores estranhos ― e
reconheceu que o mundo ganhara uma nova face. Ele o reconheceu em dois indícios
infalíveis. Primeiramente no bate-boca das pessoas, que do pátio da estalagem penetrava
no seu quarto, e no comportamento da moça em sua cama.
***
A noite anterior
Quando Cleran entrou cavalgando no pátio fronteiro da estalagem, já estava escuro.
A estalagem era um prédio de quatro cantos, no qual também ficavam as cavalariças. A
floresta em volta tinha sido derrubada, para não oferecer cobertura a assaltantes de
estrada e outros bandidos.
Cleran parou seu animal de montaria e saltou da sela.
― Cavalariço! ― gritou ele em voz alta.
Mas como não era de se esperar diferente, nenhum cavalariço apareceu. Como as
estrebarias estavam fechadas por dentro, Cleran amarrou o seu animal num poste, e
entrou no salão da estalagem. Mal ele tinha posto os pés no recinto mal iluminado,
quando uma sombra saltou de trás da porta.
Tratava-se de um homem grande, gordo, com cuspe escorrendo pelo canto da boca.
Numa de suas mãos erguida ele mantinha uma clava. Antes que ele pudesse executar o
golpe planejado, Cleran o tinha jogado ao chão com um soco bem assestado.
O homem ficou deitado no chão, de costas. Nos seus olhos havia incompreensão e
uma grande admiração.
― Eu só quero dormir esta noite aqui com vocês ― disse Cleran para o
estalajadeiro. ― E eu também vou pagar por isso.
O gordo limpou a boca e se pôs de pé, com muito custo.
― Eu vou mandar preparar-lhe um leito, senhor. ― O estalajadeiro virou-se e
gritou: ― Lussi!
Uma mulher velha saiu de um corredor, por trás da mesa do bar.
― Este senhor vai pernoitar conosco.
A velha não demonstrou por nada que entendera as palavras.
Ela foi até a escada que levava ao andar de cima, e ali ficou parada. Ela esperava
por Cleran. Este, entretanto, não se preparava para seguir a mulher ao andar superior.
― Vocês não têm moças na casa? ― perguntou ele ao estalajadeiro.
O homem sacudiu a cabeça.
Cleran puxou o punhal e o encostou na barriga do homem.
― Quantas garotas há na casa? ― perguntou Cleran, ameaçador.
O gordo contou nos dedos, e foi rápido com sua resposta:
― Sete garotas, senhor. Elas moram em minha casa.
― Vocês têm uma filha?
O estalajadeiro continuou mudo.
― É uma honra, apresentar seus filhos a um senhor de respeito ― explicou Cleran.
― Ó, o senhor está querendo isso. ― O estalajadeiro parecia aliviado. Ele chamou
por cima do ombro: ― Nyryla!
Pouco mais tarde, uma moça jovem, bonita, passou por uma porta lateral para
dentro da taberna. Ao contrário das outras moças que Cleran encontrara no caminho para
cá, ela parecia cuidada. Ele também imaginou o motivo por que ela tinha se penteado,
tomado banho e perfumado.
― Ela que venha ao meu quarto ― pediu Cleran.
O taberneiro recuou.
― Isso não é possível, senhor. Amanhã ela será levada para o templo de Shavi
Yanar.
“Então é verdade”, pensou Cleran.
Em voz alta ele disse:
― Ela deve vir ao meu quarto!
Para dar apoio às suas palavras, ele fez um movimento rápido com a mão que
mantinha o punhal, e abriu a blusa do gordo, de cima a baixo, mostrando a barriga.
― Shavi Yanar vai puni-lo por isso, senhor!
Mais tarde, no seu quarto, Cleran perguntou à moça, que estava deitada, rígida, na
sua cama:
― Você tem medo de mim?
― Não.
― Mas você sabe que eu poderia possuir você.
― Sim.
― Você não tem medo disso?
― Isso não tem importância.
Ele suspirou. Ele agora já estava procurando há mais de um verão por uma criatura
à qual ele poderia dedicar-se, e que não fosse tão estúpida como as outras. Ele
simplesmente tinha desejos por alguém que pelo menos se aproximasse espiritualmente
dele, por alguém que estava em situação de pensar sensatamente e de dar respostas
inteligentes.
Ele pensara encontrar esta criatura em Nyryla. Mas a sua visão agradável o
enganara, ela era tão imbecilizada quanto as outras.
― Você sabe que vai ser sacrificada no templo de Shavi Yanar?
― Não tem importância.
― Você não gostaria de fugir?
A moça não respondeu.
― Você não tem o desejo de permanecer viva?
― Sim.
― Por que, então, você não age nesse sentido? Por que você não tenta salvar a sua
vida? Se você quiser eu posso ajudá-la na fuga.
Ela permaneceu muda.
― Quer dizer que você não se importa absolutamente, que destino a espera?
― Não tem importância ― confirmou ela, monossilábica.
Logo depois ela adormecera. Ele teve que colocar o cobertor por cima dela, porque
ela não tinha sequer a força de vontade de fazê-lo sozinha.
***
Isso fora ontem.
Hoje tudo era diferente.
Nyryla estava com medo. Todo o seu feitio se modificara. A Cleran pareceu que ela
também ficara mais inteligente. Essa suposição confirmou-se logo depois, quando ele se
encontrou com o taberneiro no pátio da estalagem.
― Isso fede ― disse o taberneiro. De repente ele deu-se conta da pessoa com quem
estava falando. ― Desculpe-me, senhor. Eu não queria ofendê-lo com minhas palavras.
Mas eu simplesmente tive que dizê-lo.
Cleran sorriu.
― O senhor tem razão, isso fede. E o que o senhor vai fazer contra isso?
Cleran pôde convencer-se com seus próprios olhos, o que estava sendo feito contra
aquele fedor insuportável: Os criados juntavam lixo e sujeira que se acumulara no
decorrer de muito tempo, dentro da casa, e carregavam tudo em cima de uma carreta.
O taberneiro olhou instintivamente para cima.
― Nyryla! ― gritou ele, perplexo, quando viu sua filha na abertura da janela do
quarto de Cleran.
― Não se preocupe, nada lhe aconteceu ― Cleran tranquilizou o homem agitado.
No rosto gordo do homem alguma coisa tremeu.
― Mas alguma coisa ela sofrerá. Hoje ela deve ser levada para o templo.
E então Cleran sabia que em todas as criaturas humanas tinha ocorrido uma
modificação para melhor.
― Nyryla poderia salvar-se através da fuga ― sugeriu Cleran.
― Neste caso, duas outras moças seriam sacrificadas em seu lugar ― retrucou o
taberneiro.
― Não, se todas as moças das redondezas se esconderem dos servos de Shavi
Yanar.
O taberneiro sacudiu a cabeça.
― Os servos de Shavi Yanar incendiariam minha casa, e nos ameaçariam a todos.
Eu teria que dar-lhes explicações.
― Diga-lhes simplesmente que o demônio Cleran levou todas as moças consigo.
Ela ergueu-se, assustada, apertou o cobertor firmemente contra o corpo que tremia,
e olhou-o, amedrontada.
― Eu não quero ser sacrificada ― disse ela, batendo os dentes.
Ele a olhou por muito tempo, depois disse, esperançoso:
― Você realmente não quer ir para o templo de Shavi Yanar?
Ela sacudiu a cabeça e o olhou, implorando.
Ainda na noite anterior, ela não teria sido capaz de uma reação semelhante.
Espaçonaves Extraterrenas
Favo-lncubadeira dos “conquistadores amarelos”
GENERALIDADES:
Os favos-incubadeiras
servem para o transporte
dos “conquistadores
amarelos” para os p1anetas
Chocadeira. De cada vez, 2
milhões de favos formam,
com a parte da propulsão,
uma astronave faviforme.
Em cada favo encontra-se
um “conquistador amarelo”.
Recipientes de 25 m
de comprimento, com corte
transversal sextavado.
Largura: 10 m. Altura: 6 m.
Capacidade de vôo atmosférico até uma altura de 10.000 m e 200 quilômetros por hora de velocidade
máxima, através de propulsores antigravitacionais e projetores de raios de pressão. Casco exterior sólido
para vôo espacial, com uma camada especial para ancoragem magnética à astronave faviforme.
DADOS TÉCNICOS:
Ali, onde estivera a estalagem, uma coluna de fumaça subia aos céus.
Algumas das oito moças começaram a chorar. Cleran ordenou-lhes que recuassem
para dentro da caverna. Ele mesmo tomou lugar, atrás de um rochedo, na proximidade da
entrada. A lança estava com a ponta enterrada no chão, a espada estava dependurada,
pronta para ser alcançada, do seu lado ― assim ele esperava pelos servos de Shavi Yanar.
Quando o sol já se posicionava quase ao meio-dia, ele viu um ponto escuro no ar,
que se aproximava rapidamente. O ponto aumentou de tamanho e transformou numa
carruagem celeste dos ídolos.
A carruagem celeste pousou quase silenciosamente nas proximidades do
esconderijo de Cleran. De sua cobertura ele pôde ver como dois dos servos de Shavi
Yanar desembarcavam do cilindro de dez metros de comprimento.
Eles usavam couraças que só consistiam em parte de metal. Cleran calculou-se uma
chance numa luta a dois. Ele não poderia defrontar-se abertamente com os yanarsares ―
como os servos dos ídolos eram chamados ―, pois contra suas armas que cuspiam fogo o
seu escudo não o protegia. Melhor seria preparar-lhes uma emboscada e dali acertá-las
nos lugares onde podiam ser feridos.
Apesar de estar pela primeira vez diante de yanarsares, o seu olhar treinado
reconheceu imediatamente onde ficavam os pontos fracos de suas couraças.
Os capacetes, apesar de serem na parte da frente de um material transparente, eram
resistentes. Do mesmo modo não se podia fazer nada com a espada contra as partes dos
ombros ou das costas, onde havia placas metálicas. Em contrapartida as coxas, os braços
e as partes do peito estavam praticamente desprotegidos. O material semelhante a tecido
nestes lugares deveria ser facilmente penetrável pela lança ou pela espada.
Cleran sacou a espada, pegou a haste da lança e arrancou-a do chão com um puxão.
Não muito longe dele as rochas íngremes formavam um passo estreito, pelo qual
yanarsares tinham que passar no caminho para a gruta. Ali ele pretendia ficar à espreita
deles.
Ele deixou para trás aquele trecho curto, cautelosamente, e escondeu-se atrás dos
rochedos. Ele esticou os músculos, e não ousava sequer respirar, enquanto esperava pelos
seus inimigos.
Passos se aproximaram.
Alguém disse:
― Lá em cima ― lá está a caverna!
Cleran estremeceu ao som da voz. Ela pertencia a Mayur, o proprietário da taberna.
Provavelmente os yanarsares o tinham obrigado a acompanhá-las na carruagem celeste,
para indicar-lhes o caminho para o esconderijo das moças. Cleran não lhe quis mal.
Da gruta vinham, abafadas, as vozes assustadas das moças.
Isso era bom para Cleran ― os yanarsares agora deviam acreditar que a sua chegada
não fora observada.
Agora o ruído que suas botas metálicas provocavam sobre as rochas já vinha de
muito perto. Mais ainda três metros, dois... Eles alcançaram o passo estreito.
Cleran saltou para a frente e enterrou a espada no peito do primeiro. O yanarsar caiu
ao chão, mortalmente ferido. Cleran voltou-se para o outro, a lança erguida para o golpe.
Quando, entretanto, através da viseira transparente do capacete viu um rosto humano, ele
mudou de tática. Ele virou a lança, e golpeou com a parte invertida. Enquanto o yanarsar
se contorcia de dores, Cleran bateu com a lança durante tanto tempo em cima do
capacete, até que ele perdeu a consciência e foi ao chão.
Mayur, que durante todo o tempo ficara parado, apalermado, jogou-se ao chão
diante dos pés de Cleran.
― Senhor, eu fui obrigado a acompanhar os servos de Shavi Yanar até aqui ―
afirmou ele, com voz chorosa. ― Eles incendiaram minha casa, e teriam nos torturado
todos até a morte, se eu não tivesse obedecido.
― Eu não estou com raiva de você ― disse Cleran. ― Levante-se de uma vez, e
ajude-me a tirar as couraças dos yanarsares.
Mayur recuou assustado.
― Eu não atento contra seres divinos, senhor!
Cleran ficou chateado.
― Então não me atrapalhe aqui, e suma com as moças!
― Para onde devemos ir? ― perguntou Mayur, desesperado. ― A maldição de
Shavi Yanar vai nos acompanhar em todos os lugares.
― Vá para Klingonak ― disse Cleran. ― Se vocês disserem o meu nome, ali serão
bem-vindos. E agora saia de minha frente.
Cleran queria se ocupar calmamente com o yanarsar inconsciente. Ele ainda estava
perturbado com o fato de que se tratava de uma criatura humana.
***
O yanarsar era um homem. Ele ergueu-se, tonto, segurando a cabeça, e disse alguma
coisa numa língua desconhecida. Somente depois que ele estava de pé, chamou sua
atenção que ele estava inteiramente nu.
E então ele viu Cleran.
― Deu-me algum trabalho tirar sua armadura ― disse o klingonakona. ― E eu tive
que destruí-la, de outro modo não o conseguiria. Ela está junto com suas armas mágicas
dentro da caverna.
Cleran sorriu, depreciativo.
― Agora você está tão indefeso quanto qualquer outro homem desarmado. Ou você
possui forças sobrenaturais com as quais pode me destruir? Neste caso faça uso delas, eu
me coloco em luta contra você.
Cleran colocou-lhe a espada no peito.
O yanarsar estava de costas contra a rocha e olhava amedrontado para a ponta da
espada, que se enfiava um pouco abaixo do seu queixo na sua pele.
― Você ameaça um servo de Shavi Yanar ― disse o yanarsaro ― Se você não se
arrepender imediatamente e agir sensatamente, será atingido pela ira dos deuses.
Cleran não se deixou intimidar.
― Se você tiver o poder para isso, então destrua-me, ou eu matarei você!
― Não! ― o yanarsar quase gritou aquilo. O seu olhar foi até a carruagem celeste,
que ainda estava parada na clareira próxima, depois para o seu companheiro morto, e para
Cleran. ― Não me mate. Eu quero fazer-lhe uma proposta.
O medo da criatura diante da morte mostrou a Cleran que ele não estava
absolutamente tratando com um ser divino, e sim com um mortal comum.
― Estou escutando ― disse Cleran.
― Primeiramente retire a espada ― pediu o yanarsar. Cleran atendeu o pedido. ―
E então, dê-me pelo menos roupas. Estou com frio.
Cleran sacudiu a cabeça e ergueu ao mesmo tempo a espada.
― Eu acho que você quer apenas me enganar. Será melhor que eu o mate
imediatamente.
― Pare! ― gritou o yanarsar. ― Ouça primeiro a minha proposta. O que é que você
acha de receber uma couraça semelhante à minha, e armas que cospem fogo e uma
carruagem celeste?
― Eu não poderia fazer nada com isso ― disse Cleran, não se deixando
impressionar.
― Você aprenderia a manejar com eles. ― O yanarsar apertou os olhos. ― Você
não parece ser apenas valente e forte, mas também mais inteligente que as outras pessoas
nativas. Gente como você, nós sempre podemos usar.
Cleran repuxou a cara.
― Foi o que pensei, que cada um pode se tomar um yanarsar.
― Não cada um, são precisas determinadas capacidades. — retrucou o yanarsar.
― O que eu quis dizer é que vocês são apenas seres humanos ― disse Cleran. ― O
que lhe dá o direito de se dizer uma criatura divina e subjugar outras criaturas humanas?
― Eu nasci nas estrelas, e fui escolhido para transformar as palavras de Shavi
Yanar em fatos. Eu lhe ofereço mais uma vez, para que seja um dos nossos.
― E o que é que eu preciso fazer para isso?
― Entre comigo na carruagem celeste, e eu o levarei para um lugar onde farão de
você um yanarsar.
― Como se chama este lugar? ― perguntou Cleran, com muita expectativa.
― Yonyegy.
― Mas esta é a capital de Vomeggen ― gritou Cleran, perplexo. Ele ficou
desconfiado. ― Na realidade eu esperava que você me levaria para um templo de Shavi
Yanar.
O yanarsar fez um gesto teatral.
― O espírito de Shavi Yanar mora em todos os seus templos, mas Yonyegy é o
local onde ele se encontra corporificado.
Cleran sentiu como o ódio represado contra os ídolos da Arte Negra recrudescia
dentro dele. Shavi Yanar era um desses ídolos ― ele tinha que ser morto.
― Leve-me na sua carruagem celeste para Yonyegy ― disse Cleran, decidido.
― Não antes que eu tiver minhas roupas de volta ― declarou o yanarsar. ― Se eu
aparecer deste jeito, serei ridicularizado por todos os tempos. Neste caso eu prefiro a
morte.
Cleran notou que o yanarsar falava sério, por isso decidiu-se a lhe entregar as
roupas, mas não a couraça nem as armas.
Cleran continuou vigilante, enquanto o yanarsar vestiu as roupas. Depois de estar
vestido, ele disse:
― Pegue as armas, pois armas de raios estão cada vez mais raras.
Cleran não tirou os olhos do yanarsar enquanto se abaixou para apanhar as armas
que cuspiam fogo.
Nisto aconteceu-lhe um contratempo. Ele tocou em alguma alavanca, ou num
disparador, e de repente um raio fulgurante saiu de um dos canos da arma.
Cleran gritou, quando o seu braço esquerdo foi envolto pelas chamas. Ele não gritou
de dor, porém mais de surpresa. Ele viu que seu antebraço ficou incandescente, mas ainda
não sentiu qualquer dor. Somente quando o fogo se apagou e o seu antebraço se dissolveu
no nada, ele sentiu uma coisa preta diante dos olhos.
Ele caiu ao chão, mas não perdeu os sentidos.
― Por que você não me mata? ― perguntou ele, na escuridão que baixava sobre o
seu espírito.
― Porque você é um dos nossos ― respondeu o yanarsar. Estes acontecimentos já
ficavam para trás, há algum tempo.
Cleran tinha sido admitido nas fileiras dos yanarsares. Mas isso não o levara nem
um passo adiante. Ele continuava afastado dos ídolos da Arte Negra, como no dia em que
ele tinha partido do norte com vinte valentes e seu amigo Aklirio Garalan.
Mesmo assim, ele não desistia de sua esperança numa vingança.
II
Cleran aprendia muito, mas entendia pouco. De há muito tempo ele desistira de agir
de acordo com o lema de Aklirio, que dizia: “Para todos os acontecimentos deste mundo
há uma explicação.”
Cleran não procurava mais por explicações para as coisas estranhas que aconteciam
à sua volta. Ele as aceitava, aplicava-as em parte, e tentava ajustar-se ao seu meio
ambiente fantástico.
Ele não fazia perguntas.
― Cleran, um milagre está por acontecer ― ecoou a voz de Tarwson, um dos
yanarsares nascidos nas estrelas, de dentro do gradil que tinha a designação de
“instalação de locução”.
― Vai ser feito ― disse Cleran, e abandonou o seu quarto na parte traseira do
templo.
Ele jamais vira Tarwson pessoalmente. Ele não sabia como era sua aparência, e isso
também lhe era indiferente.
Cleran executava o seu serviço no templo Losho Yanar e esperava por uma chance.
Ele realizava milagres, sem saber como eles se davam.
― “Para todos os acontecimentos deste mundo há uma explicação!”
Cleran sorriu sobre esta sabedoria. Em pensamentos ele acrescentava: “Mas não
para mim”.
Lentamente ele subiu a escada em caracol para o púlpito, de onde tinha uma visão
geral de todo o recinto do templo, sem que ele mesmo pudesse ser visto. Tarwson certa
vez lhe explicara que o púlpito estava rodeado de uma barreira que deixava passar
“Ondas eletromagnéticas” apenas para um lado. Quando Cleran perguntara o que eram
“ondas eletromagnéticas” e como a barreira funcionava exatamente Tarwson não soube
dizer. Não que ele não quisesse dar a informação a Cleran, não, ele simplesmente
também não conhecia a resposta.
Através deste acontecimento e outros de tipo semelhante, Cleran tinha tirado a
conclusão de que os yanarsares nascidos nas estrelas tinham sido acometidos pela mesma
imbecilização que as pessoas restantes deste mundo. Visto deste lado Cleran era-lhes
superior, pois em nenhum momento ele sofrera perdas espirituais ― nem naquela ocasião
quando a imbecilização ainda tivera formas muito piores.
Agora a situação geral tinha se moderado, as criaturas humanas tinham recebido de
volta parte de sua inteligência, mas elas não se comparavam a ele. Nem mesmo os
yanarsares nascidos nas estrelas. Cleran usava esta vantagem o mais que podia ―
somente que isso não o adiantara muito.
Cleran sentou-se junto do “quadro de instrumentos” do púlpito e ligou a
“instalação de alto-falantes”. O templo estava totalmente cheio, gente de todas as
camadas tinham vindo, para atrair para si as graças dos ídolos da Arte Negra. Até mesmo
uma série de membros do Paço Real ocupava os camarotes da nobreza.
A parte dianteira do templo estava trancada. Ali, perto do altar, estavam, tremendo
muito, as trinta jovens moças que deviam ser sacrificadas. Nas imensas conchas de
sacrifício estavam amontoados os pacotes com folhas da erva-das-três-almas. Os três
servos metálicos dos ídolos, ou “robôs”, como eram chamados no idioma dos ídolos,
estavam parados, imóveis, à esquerda das colunas. No momento, o altar ainda não estava
iluminado, mas quando Cleran puxava para baixo determinada alavanca, no “quadro de
instrumentos”, entre as colunas se formaria um “campo energético”, envolvendo o altar
numa luz impressionante.
Cleran começou com o seu sermão.
― Honrai os nossos deuses Shavi Yanar, Losho Yanar e Raga Yanar, sacrificando-
lhes erva-de-três-almas e beleza. Lembrem-se deles e então eles lhes serão bem-
intencionados e lhes trarão bênçãos. Se vocês os esquecerem, os desprezarem, e se vocês
se voltarem para falsos ídolos, então eles os precipitarão nos infernos!
Cleran virou uma alavanca que estava marcada com um raio.
Através desta manipulação ele, como por encanto, fazia aparecer sob o teto do
templo uma grossa camada de nuvens negras, da qual saíam relâmpagos, e neve e saraiva
se precipitavam sobre os cidadãos amedrontados de Yonyegy.
Através da manipulação de algumas alavancas, ele ainda fez aparecer algumas
cenas admoestadoras: peste, fome, apodrecimento e o fim do mundo, antes de criar diante
dos olhos dos impressionados servos dos ídolos, o ponto alto do seu sermão, um
verdadeiro idílio. Um murmúrio saudoso encheu o templo.
Cleran fez com que aquela ilusão sedutora empalidecesse só lentamente, para que
ela pudesse impregnar-se bem nas mentes dos presentes.
Depois deu início à cerimônia do sacrifício. Ele criou entre as colunas do altar o
“campo energético”, e “ativou” os três robôs.
***
Sob os sons da instalação de alto-
falantes, e os cantos dos adoradores dos
ídolos, os robôs carregaram os pacotes com
a erva-das-três-almas para junto das colunas
do altar. Ali eles foram colocados em cima
de uma pequena carreta. Quando a carreta
estava carregada, um robô dava-lhe um
empurrão e o carro rolava na direção do
campo energético fluorescente ― e
desaparecia dentro dele.
Parecia que ele se dissolvia entre as
luminárias sob as colunas do altar. Era isso
naturalmente que acreditavam os visitantes
do templo, mas Cleran sabia que não era
assim. Entrementes ele ficara sabendo que a
erva-das-três-almas não era realmente
sacrificada, ou seja, não era destruída, mas
sim transportada para um outro local.
Depois que também a última carreta
com a erva-das-três-almas tinha
desaparecido no campo energético do altar,
chegou a vez das moças. Cleran observou-
as. Elas pareciam controladas e calmas e
também não pareciam ter medo da suposta
morte. Não era de admirar que elas
suportavam a sua sorte tão facilmente. Antes, elas tinham sido obrigadas a aspirar
vapores da erva-das-três-almas. Agora os seus sentidos estavam nebulosos, elas tinham
visões de sonhos e nem sabiam o que estava acontecendo com elas. Elas se
encaminharam, em passadas iguais, na direção do altar ― como o cerimonial o exigia.
Sempre que uma das moças alcançava o campo energético, as outras ficavam paradas. A
luz verde por cima da coluna do altar se iluminava, a moça desaparecia no campo
energético. A seguinte colocava-se no seu lugar e esperava pacientemente, até que a luz
verde aparecia...
Cleran verificou que o comportamento da última moça se diferenciava das outras.
Ou ela recebera uma dose pequena demais da erva-das-três-almas, ou ela era imune
contra os vapores. De qualquer modo, ela mostrava inquietação, olhava, desesperada em
volta de si, e parecia que estava querendo sair da fila.
Quando a sua antecessora desapareceu no campo energético, parecia que ela iria
perder inteiramente o controle dos seus nervos. Mas um robô atento colocou-se do seu
lado e a conduziu para as colunas do altar. Ali ele soltou-a, e recuou.
A moça nem pensava em atravessar o portal de energia. Cleran ficou impaciente.
― Vamos, menina ― murmurou ele. ― Não vai lhe acontecer nada.
A moça naturalmente não podia ouvi-lo. Nos seus olhos havia o medo da morte. E
neste momento Cleran a reconheceu.
Nyryla!
Nyryla, a filha do estalajadeiro.
Sem pensar muito tempo, Cleran se intrometeu. Ele virou uma alavanca, que existia
para casos de emergências e panes, a qual os servidores dos ídolos nada deviam ver.
Instantaneamente ergueu-se em volta da moça um “escudo defletor”, que a tornava
invisível.
Os visitantes do templo respiraram fundo, aliviados, para eles a cerimônia
terminara.
Cleran, ao contrário, abandonou o púlpito e correu pela escada em caracol abaixo.
Pouco depois, ele estava junto de Nyryla, puxou-a para fora do campo defletor e trouxe-a
para uma câmera atrás do altar. Quando ela o reconheceu, caiu-lhe nos braços, soluçando.
De repente, entretanto, ela o afastou violentamente de si.
Com os olhos muito abertos ela olhou o seu braço esquerdo.
O seu nojo causou-lhe uma pontada no peito, e ele rapidamente escondeu a prótese
atrás das costas.
12
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