Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Vol.1, n.14.
Resumo
Pretendemos com este texto travar um debate epistemológico sobre o potencial político-
pedagógico presente na memória das lutas sociais que têm como protagonista as classes
populares. Deste modo, as lutas sociais carregam em si uma forma própria de observar,
conhecer e criticar a realidade, que, diferentemente das correntes de pensamento
hegemônicas convencionais, congrega em suas análises razão e experiência empírica,
sensibilidade, objetividade e posicionamento político-ideológico.
Abstract:
We want with this text lock an epistemological debate about political-pedagogical potential
present in memory of social struggles that have as protagonist the popular classes. In this
way the social struggles carry itself a shape to observe, understand and criticize the fact that
unlike conventional, hegemonic currents of thought brings together in its analysis reason
and empirical experience, objectivity and political-ideological positioning.
Keywords
Social struggles and epistemology; Rationality and sensitive experience; Memory and
history.
i
Roberta Lobo é doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora
do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFR-
RJ). Pesquisadora do grupo de pesquisa Filosofia e Educação Popular. E-mail: roberta.lobo@gmail.com.
ii
Leandro dos Santos é mestre em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e
professor do Departamento de Educação e Sociedade do curso de Graduação em Pedagogia da Univer-
sidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisador do grupo de pesquisa Filosofia e Educação
Popular. E-mail: marxcso@yahoo.com.br.
65
Enfoques Vol.1, n.14.
66
Enfoques Vol.1, n.14.
Para Freud, a noção de uma civilização é bom e mau, útil ou inútil, verdadeiro e
não-repressiva é impossível. A repressão falso, em outras palavras, “torna-se um
das liberdades ou de sua busca dá sujeito consciente, pensante, equipado
origem a um indivíduo autorreprimido para uma racionalidade que lhe é imposta
e a sua “autorrepressão apoia, por seu de fora” (Marcuse, 1981: 34). Esse Ego
turno, os senhores e suas instituições” ordenado realiza sua descarga motora
(Marcuse, 1981: 37). Essa repressão na “alteração apropriada da realidade:
que se acumula feito catástrofe na é convertida em ação” (Marcuse, 1981:
subjetividade humana reduz a ideia de 35). No tempo em que Marcuse está
liberdade, de autonomia e de felicidade refletindo, bem como no momento
do ser autorreprimido ao simples ato de presente essas potencialidades racionais
cotidianamente escapar da infelicidade, são direcionadas para uma ação
do encarceramento ou do sofrimento. reificada, para trabalho alienado, para
a manutenção do sistema mercantil,
Marcuse (1981) concorda de suas instituições e de sua estrutura
parcialmente com Freud. Acredita que de dominação. Entretanto, o mesmo
a formação social atual, regida por Ego ordenado acumula excessivamente
uma forma mercantil que reifica os estímulos contra a própria forma
sujeitos e as relações por ele travada mercantil e, consequentemente contra
reprime o Ego na substituição da luta a sua própria repressão. Recupera,
pela felicidade pela simples luta pela por exemplo, as ideias de liberdade,
existência. Para Marcuse, a repressão autonomia e felicidade ocultas em
inconsequente dos desejos tanto no uma memória distante, porém, sempre
desenvolvimento filogênico, quanto no passível de recuperação (Freud, 1974;
desenvolvimento ontogênico é uma Benjamin, 1994).
característica específica de nosso tempo
histórico marcado pelo capitalismo De acordo com Marcuse (1967:
moderno. Nestes termos, onde Freud vê 4), “as aptidões (intelectuais e materiais)
um tremendo mal-estar instransponível, da sociedade contemporânea são
Marcuse vê um imenso potencial dialético, incomensuravelmente maiores do que
dado que o princípio de realidade, nunca dantes”, no entanto, em vez da
estrutura fundamental da civilização, do liberação do sujeito à filosofia, à arte
mesmo modo que oprime, que reifica de modo geral, à política etc., o que
o Ego, pode contribuir para a sua total se tem é um aumento incomensurável
liberação, pois, com o estabelecimento da repressão e da dominação, ou
da civilização, isto é, com a afirmação seja, todas as aptidões intelectuais
do princípio de realidade o ser humano e materiais servem, na verdade, para
“esforça-se por obter o que é útil e o garantir que os tentáculos da sociedade
que pode ser obtido sem prejuízo para administrada alcancem os lugares e
si próprio e para o seu meio vital. Sob sujeitos em todos os cantos do Planeta.
o princípio de realidade, o ser humano
desenvolve a função da razão: aprende Neste sentido, a emancipação
a examinar a realidade” (Marcuse, 1981: humana é inversamente proporcional à
34). capacidade produtiva da atual forma de
organização social, na medida em que
Este desenvolvimento da razão nosso Ego reificado – que desconhece
permite ao sujeito distinguir entre o que quase que completamente seus instintos
71
Enfoques Vol.1, n.14.
regredir suficientemente até que seja prédios que outrora ocuparam essa
possível perceber e recuperar, ao menos antiga área, nada encontrará, ou,
teoricamente, parte daquilo que fora quando muito, restos escassos, já
deixado, melhor dizendo, “esquecido” que não existem mais. No máximo, as
melhores informações sobre a Roma
pelo caminho, isto é, tudo aquilo que
da era republicana capacitariam-
a sucessão de experiências traumáticas
no apenas a indicar os locais em
que vivemos nos fizeram esquecer. É que os templos e edifícios públicos
bom enfatizar que se trata apenas de daquele período se erguiam. Seu
“esquecimento”, pois em algum lugar da sítio acha-se hoje tomado por ruínas,
nossa psiquê coletiva está armazenada não pelas ruínas deles próprios,
a memória desta tradição crítica de mas pelas restaurações posteriores,
uma Epistemologia das Lutas Sociais, efetuadas após incêndios ou outros
pois, como afirma Freud (1974: 4), tipos de destruição. Também faz-
“no domínio da mente, por sua vez, se necessário que todos esses
o elemento primitivo se mostra tão remanescentes da Roma antiga
estejam mesclados com a confusão
comumente preservado”:
de uma grande metrópole, que
se desenvolveu muito nos últimos
Escolheremos como exemplo a história séculos, a partir da Renascença. Sem
da Cidade Eterna. Os historiadores dúvida, já não há nada mais que
nos dizem que a Roma mais antiga seja antigo, enterrado no solo da
foi a Roma Quadrata, uma povoação cidade ou sob os edifícios modernos.
sediada sobre o Palatino. Seguiu-se Este é o modo como se preserva o
a fase Septimontium, uma federação passado em sítios históricos como
das povoações das diferentes colinas; Roma (Freud, 1974: 4).
depois, veio a cidade limitada pelo
Muro Sérvio e, mais tarde ainda, após
todas as transformações ocorridas O mais interessante é que o pai
durante os períodos da república da psicanálise não vai se contentar em
e dos césares, a cidade que o construir conjecturas somente com a vida
imperador Aureliano cercou com as mental dos indivíduos, mas também com
suas muralhas. Não acompanharemos a história das sociedades, com o intuito
mais as modificações por que a de nos mostrar que, diferentemente da
cidade passou; perguntar-nos-emos, estrutura psíquica, a história guarda suas
porém, o quanto um visitante, que sequências relacionando diretamente
imaginaremos munido do mais
tempo e espaço, sendo necessário
completo conhecimento histórico e
topográfico, ainda pode encontrar,
que se sobreponha sempre uma fase
na Roma de hoje, de tudo que restou à outra, de forma que elas nunca
dessas primeiras etapas. À exceção existam no mesmo tempo e espaço
de umas poucas brechas, verá o simultaneamente. Freud (1974) nos fala
Muro de Aureliano quase intacto. ainda que, com a estrutura mental, a
Em certas partes, poderá encontrar preservação da memória não necessita
seções do Mudo do Sérvio que de uma sobreposição de imagens ou
foram escavadas e trazidas à luz. fases: dependendo do ângulo e da
Se souber bastante – mais do que a posição do observador, todas as imagens
arqueologia atual conhece –, talvez e fases vão estar sempre disponíveis
possa traçar na planta da cidade
à observação. A leitura que Freud
todo o perímetro desse muro e o
contorno da Roma Quadrata. Dos
(1974) faz da história certamente está
73
Enfoques Vol.1, n.14.
1
É importante considerar que para Marcuse (1969) tanto a primeira quanto a segunda forma de violência
estão condicionadas ao desenvolvimento do sistema mercantil, pois em momentos em que a taxa de acu-
mulação permanece estável a violência se manifesta em estado latente, pouco visível, pois são ofuscadas
pelas relações econômicas e alienadas do próprio processo produtivo; em contrapartida, caso a taxa de
acumulação tenha um movimento regressivo, ou seja, o sistema social esteja em um processo de crise e a
violência espiritual seja insuficiente para conter a insatisfação da massa, a violência extraeconômica seria
utilizada de modo mais intenso. Cabe destacar, ainda, que no desenvolvimento histórico do capitalismo os
dois tipos de violência serão utilizados simultaneamente, dependendo de sua vida orgânica.
74
Enfoques Vol.1, n.14.
na ordem do dia como contraponto dor, porém é unindo luta social, memória,
da luta pela sobrevivência e afirmação atividade livre e lúdica que demarca no
da necessidade vital da felicidade e da processo histórico objetivado a busca e
liberdade. Uma epistemologia das lutas a realização de uma razão sensível.
sociais não se abstém da dialética da
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Adorno, Theodor W. (2008). O ensaio como forma. In: Adorno, Theodor W. Notas de
Literatura I. Tradução de Jorge de Almeida. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34 (Coleção
Espírito Crítico)..
Adorno, Theodor & Horkheimer, Max. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Adorno, Theodor. (1983). O conceito de iluminismo. In: Benjamin, Walter; Horkheimer,
Max; Adorno, Theodor & Habermas, Jürgen. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural
(Coleção Os Pensadores).
Arantes, Paulo Eduardo. (2004). Zero à esquerda. São Paulo: Conrad Editores do Brasil.
Benjamin, Walter. (1994). Teses sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.
7ª ed. São Paulo: Brasiliense, (Obras escolhidas).
Freud, Sigmund. (1974). O mal-estar na civilização. Edição standard brasileira das obras
psicológicas, Versão digitalizada. Disponível em: <www.opopssa.info/livros/freud_o_mal_
estar_na_civilizaçao.pdf>.
Fromm, Erich. (2004). El miedo a la libertad. Buenos Aires: Paidós.
Hegel, Georg W. F. (1992). Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes.
Horkheimer, Max. (1983). Teoria tradicional e Teoria crítica. In: Benjamin, Walter; Horkheimer,
Max; Adorno, Theodor & Habermas, Jürgen. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural.
(Coleção Os Pensadores).
Kant, Imannuel. (2008). Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? Tradução de Luiz
Paulo Rouanet. Dezembro. Versão digitalizada disponível em: <http://geocities.yahoo.com.
br/eticaejustica/esclarecimento.pdf>.
Marcuse, Herbert. (1981). Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento
de Freud. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar.
Marcuse, Herbert. (1969). O fim da utopia. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Paz e Terra.
Marx, Karl. (2004). Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Alex Martins. São
Paulo: Martin Claret.
76
Enfoques Vol.1, n.14.
Matos, Olgária de. (1997). Filosofia, a polifonia da razão. São Paulo: Scipione.
Matos, Olgária de. (1989). Os arcanos do inteiramente outro. A Escola de Frankfurt, a
melancolia e a revolução. São Paulo: Brasiliense.
Menegat, Marildo. (2006). Kant e os vestígios da barbárie. In: O olho da barbárie. São
Paulo: Expressão Popular.
Oliveira, Francisco. (2008). Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo.
Santos, Leandro dos. (2011). Os desafios da Educação Popular no Contexto de guerra
cosmopolita. Dissertação de Mestrado. Seropédica, Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro.
77