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“A
contra o racismo. A fonte principal, geralmente, é a
• Portal Ponte violência que acontece cotidianamen- polícia”. Outro caso emblemático, aponta, é o trata-
ponte.org te nas periferias não é considerada mento que a mídia dá à crise no sistema prisional.
• Agência Pública suficientemente relevante para os “Situações gravíssimas como a de Pedrinhas (MA) e
apublica.org jornais tradicionais”. Essa constatação, Cascavel (PR) chamam a atenção pela brutalidade,
expressa pela jornalista Maria Carolina Trevisan, foi mas não pode ser só isso o que leva a mídia a conside-
feita pelos vinte profissionais de comunicação que se rar uma notícia. Os casos são resultado de uma série
reuniram para desenvolver o projeto da Ponte (ponte. de deficiências, do sistema prisional, que é superlo-
org), portal online sobre justiça, segurança pública e tado, ao Judiciário, que é moroso e preconceituoso”,
direitos humanos. “A gente queria ir na contramão, comenta. De outro lado, a polícia e suas condições
fazer essa ponte entre o que é notícia, mas não está de trabalho também são pauta. “Quem morre são
no jornal, e o público que precisa ser informado”, as baixas patentes da PM”, observa.
explica ela, uma das integrantes do grupo. Na estrutura da redação da Ponte, não há
Desde junho no ar, o portal lança um novo hierarquia como nas redações tradicionais, diz Maria
olhar sobre a cobertura de violência, problema- Carolina. “Não temos chefe, todo mundo é repórter
tizando a questão e tratando das suas causas e e todos botam mãos à obra”. Segundo a jornalista,
consequências, dos contextos e das políticas pú- isso não só reflete uma visão do trabalho, como
blicas. “A gente busca fazer reportagens que não ajuda a preservar a segurança dos profissionais.
sejam só baseadas no fato em si, mas em outros “Pela própria natureza do jornalismo que cobrimos,
questionamentos e reflexões, ligados aos direitos essa área tão delicada, precisamos estar atentos uns
humanos, à cidadania, à responsabilização do aos outros”, explica.
Destaques do site da Ponte
Estado. É relevante destacar se determinado ato Para deslanchar, a Ponte contou com a parce-
expressam a proposta de
produzir reportagens com de violência é causado pelo Estado ou por uma ria da Agência Pública de jornalismo investigativo.
foco nos direitos humanos, omissão do Estado”, aponta Maria Carolina. Em fase de consolidação, ainda busca financiamen-
cidadania e papel do Estado tos. “No momento, não temos uma
fonte de recursos que seja sustentável.
REPRODUÇÃO
CARTUM
C.N.
No final do mês são preenchidas estatísticas própria sorte. Gostaria de saber se já houve
Leishmanioses e repassadas aos gestores. debate ou manifestação em relação a essa
EXPEDIENTE
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Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Programa Benigno
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Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp). Osvaldo José Filho (Informática)
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saúde”, explica Luis Eugenio à Radis.
m 1992, o tema da 9ª Conferência A fragmentação se deu pelo privilégio
Nacional de Saúde indicava: ao papel do município sem a face da coor-
Municipalização é o caminho. Em 2014, denação regional e com fraco papel dos
sanitaristas reveem criticamente o pro- estados brasileiros na ordenação de redes
cesso de descentralização da saúde no Brasil e assistenciais, na avaliação da pesquisadora
reinventam esse slogan. Agora, “regionalização Ana Luiza d’Ávila Viana, coordenadora do
é o caminho”. A frase foi dita pelo presidente estudo Regiões e Redes, que reúne 90 pesqui-
da Associação Brasileira de Saúde Coletiva sadores em todo o país voltados a abordar o
(Abrasco), Luis Eugenio Portela, em seminário tema sob diversas perspectivas. Somou-se a
do 7º Congresso Interno da Fundação Oswaldo isso, segundo ela, padrão de financiamento
Cruz (Fiocruz), em 1º de agosto. “A regionaliza- baseado fortemente em recursos municipais
ção é o caminho porque pode permitir superar e transferências federais.
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o Brasil, as necessidades para diminuir os vazios articulação do SUS, fazer uma reforma da gestão
assistenciais e os recursos financeiros para acabar pública e diminuir a interferência político-partidária
com esses vazios”, diz. clientelista na saúde sem burocratizar”, explica.
Luis Eugenio lamenta que o contrato organizati- Assim, diz, haveria um planejamento conjunto
vo de ação pública, que para ele “é uma alternativa”, da saúde em cada uma das regiões (que ele propõe
não tenha sido amplamente adotado. “O Conselho serem 202 no país): onde falta atenção básica? quais
Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) é muito são os problemas de urgência e emergência? onde
explícito, nesse caso: sem dinheiro novo não há como há tratamento de câncer? que municípios contam
assumir compromissos de maneira tão formalizada. com centros de atenção psicossocial? Os profissio-
Os gestores municipais também estão inseguros em nais de saúde seriam contratados pelo SUS Brasil, por
assumir compromissos, ainda mais com o próprio concurso, com plano de carreira a partir de finan-
Poder Executivo federal se dando o direito de denun- ciamento comum: da União, dos estados e de cada
ciar os gestores que não cumprirem o contratado”. município (conforme o número de trabalhadores).
“Mais do que uma proposta, o SUS Brasil é
uma provocação. Uma maneira de acabar com a
SUS BRASIL
privatização da saúde e diminuir a multiplicidade
No bojo da discussão “adere” ou “não adere” de modelos de gestão”, diz Gastão. “Temos que
ao Coap, Gastão Wagner apresentou uma proposta, repensar a administração pública, fazer a reforma
que ele chama de SUS Brasil: uma autarquia especial da reforma de que falo há tanto tempo. E já temos
integrada pelo Ministério da Saúde, Secretarias de experiências positivas com as universidades fede-
Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde, rais, que são autarquias, públicas e com controle
organizada por regiões de saúde, às quais caberia a governamental. Se a minha provocação servir para
gestão de redes de atenção integral à saúde (ver pág. se criar uma autarquia somente para carreira na
16). Tendo como núcleo organizacional as Regiões saúde, tirando dos municípios essa responsabilidade,
de Saúde, a nova autarquia buscaria superar a frag- já seria uma grande vitória”.
mentação, a privatização e a inadequação da política Luis Eugenio avalia que é uma boa ideia, no
de pessoal do sistema. “O objetivo é aumentar a sentido de que toca na questão central das regiões
Cirurgias de alta
e das redes, a partir do aperfeiçoamento dos meca- de responsabilidades pode ser produtivo”.
complexidade e a
nismos de coordenação federativa. “Em tese, uma Ele aponta que o Ministério da Saúde, assim gestão das redes de
autarquia tripartite resolveria todos os problemas como diversas secretarias estaduais e mesmo grupos atenção integral:
de descoordenação federativa”, analisa, ressalvan- de municípios, têm feito esforços significativos para planejamento conjunto
do que “a viabilidade de criação de uma autarquia estruturar algumas redes, mas vê limitações nesses da saúde por regiões
desse porte e dessa complexidade, no entanto, não esforços. “Primeiramente, as redes não precisam
é evidente”. Já Nardi afirma discordar “veemente- ser sempre temáticas (rede de urgências, rede de
mente” da proposta: “O Coap com financiamento câncer, rede Cegonha etc.). Ao contrário, a ideia de
é a necessidade que o SUS tem para ser efetivado”. rede sugere a busca da integralidade da atenção.
Em segundo lugar, o subfinanciamento do SUS tem
inviabilizado negociações sérias entre os distintos
LUZ NO FIM DO CAMINHO
municípios e entre estes e os estados e a União
“No fundo, a estruturação das regiões está a para constituir as redes. Chega-se, quase sempre,
exigir a revisão do pacto federativo, ou melhor, está ao impasse, na discussão sobre quem vai assumir
a exigir o cumprimento do pacto formalizado na os custos que ultrapassam os montantes repassa-
Constituição federal de 1988”, vai além o presidente dos pelo Fundo Nacional de Saúde”, diz, para logo
da Abrasco. “Com efeito, ao longo dos anos 90, o reforçar a importância das redes.
Governo Federal voltou a concentrar a arrecadação “A regionalização apresenta as vantagens de
de recursos da sociedade (via contribuições, já que um sistema descentralizado — adequação das po-
as receitas de impostos são obrigatoriamente dividi- líticas e dos serviços à situação epidemiológica local
das), sem voltar a assumir as responsabilidades pela e favorecimento da participação democrática, já que
execução de políticas públicas, que foram descentra- os espaços de decisão permanecem próximos dos
lizadas pela Constituição. Nesse sentido, a reforma cidadãos comuns — sem as desvantagens de um
tributária é urgente, assim como o maior comparti- sistema fragmentado. Há a escala necessária para
lhamento de responsabilidades entre as três esferas uma gestão eficiente e colaborativa e conforma um
de governo. O Programa Mais Médicos talvez seja espaço de decisão em que as três esferas de governo
um bom exemplo de como esse compartilhamento são estimuladas a compartilhar”.
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de gestão no SUS. [secretarias de estado de
A fragmentação não é a única causa para a Saúde] e SMS [secretarias
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péssima gestão, nem para a péssima política de municipais de Saúde]. O
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pessoal do SUS, entretanto, neste caos, diluiu- mesmo modelo seria adota-
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-se a responsabilidade de estados e da União, do nos estados e nas regiões
delegando-se aos municípios tarefas impossíveis de saúde.
de serem levadas a cabo ao nível local e de ma- • Ainda para diminuir a inter-
neira isolada. Produziu-se com isto uma cultura da ferência política partidária no SUS
improvisação, de precariedade e de maltrato em Brasil, todos os cargos de gestão
relação aos profissionais de saúde e ao cuidado de serviços e de programas deixariam
dos usuários. Infelizmente, esse padrão de simpli- de ser de livre provimento pelo Poder
ficação, de estratégia da precariedade, estendeu- Executivo e passariam a depender de seleção
-se também para infraestrutura, equipamentos interna oferecida aos profissionais do SUS Brasil,
e modelo de atenção e de cuidado. Gostaria de mediante processo de seleção pública.
indicar algumas estratégias para o SUS Brasil para • Seria criada a autoridade sanitária e corpo
concretizar esse debate em caminhos concretos: técnico para as Regiões de Saúde. O Secretário
uma utopia possível? Regional de Saúde seria indicado pelo Conselho
O SUS Brasil deveria superar a fragmentação, Regional de Saúde, obedecidos a prérequisitos
a privatização, a inadequação da política de pessoal técnicos, sanitário e a capacidade de gestão dos
tendo como núcleo organizacional as Regiões de candidatos.
Saúde. • Tudo isto para garantir devida atenção em saú-
• Constituir o SUS Brasil: uma autarquia especial de aos brasileiros, ampliando o financiamento para
integrada pelo Ministério da Saúde, Secretarias de 8% do PIB, a ser gasto em investimento prioritário
Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde. para a expansão da Atenção Básica para 80 a 90%
Todos os serviços de saúde de caráter público, bem dos brasileiros.
como contratos e convênios de todos os entes • Garantir equipe básica de qualidade com mé-
federados passariam a esta autarquia especial. dico, enfermeiro e apoio matricial multiprofissional
Constituir a autarquia com modelo organizacio- para o conjunto dos brasileiros.
nal e de gestão próprio e específico conforme as • A atenção básica não se destina somente a
singularidades e características da área da saúde. populações pobres, tratase de uma estratégia para
• O SUS Brasil seria organizado por Regiões de resolver 80% dos problemas de saúde mediante
Saúde. As regiões de Saúde fariam a gestão de cuidado personalizado e que implique abordagem
uma rede de atenção integral à saúde. Todos os clínica e preventiva. Para isso será necessário
serviços públicos teriam um modelo organizacional melhorar a qualidade da atenção básica: melhor
autárquico, que valeria para atenção básica, redes infraestrutura e integração com hospitais e serviços
de atenção, organizações sociais, fundações priva- especializados. Ampliar a liberdade das famílias,
das, etc. O fim da privatização e a invenção de um garantindolhes a possibilidade de escolher a qual
novo modelo público de organização e de gestão! equipe se vincular em uma dada região.
• Todos os profissionais de saúde que traba- • Estima-se a necessidade de 200 novos hospi-
lharem no SUS passariam à gestão da autarquia tais gerais em regiões carentes. Para construílos
especial por dois caminhos: optariam livremente e equipálos serão necessários R$ 10 bilhões, o
por integrar as novas carreiras do SUS Brasil ou custeio anual exigirá orçamento semelhante. A
seriam cedidos por municípios, estados, universi- recuperação e reorganização da precária da rede
dades para o efetivo exercício no SUS Brasil. Seriam já existente custarão outros R$ 20 bilhões anuais.
criadas carreiras profissionais para o SUS Brasil. Haveria ainda que se ampliar o gasto com a vi-
Carreiras multiprofissionais organizadas pelas gilância em saúde, controlar epidemias, drogas,
grandes áreas de cuidado do SUS: atenção básica, violência. Para isso, outros R$ 5 bilhões/ano. Enfim,
vigilância à saúde, urgência e emergência, atenção vamos tornar possível a utopia do SUS Brasil!
hospitalar e especializada e outros agregados a
serem definidos. O ingresso seria por concurso * Professor titular de Saúde Coletiva da FCM/
por estado da federação (ou talvez por Região de Unicamp. Texto adaptado pela Radis do documento
Saúde?), havendo possibilidade de progresso por Algumas hipóteses desesperadas e uma utopia
mérito e mobilidade antes de novos concursos. Os possível: o SUS Brasil
Envolvimento do homem
no cuidado das crianças,
na saúde materna e na
divisão de tarefas domésticas
como forma de promoção
da saúde masculina
FOTO: INSTITUTO PROMUNDO
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a doenças do coração, câncer, diabetes, colesterol
e até o Super-Homem, herói dos quadrinhos, elevado e pressão alta, possivelmente pelos com-
tem lá seu ponto fraco, imagine aqueles portamentos de risco mais frequentes; estão mais
sem superpoderes, em um reino não tão expostos aos acidentes de trânsito e de trabalho;
distante. Por trás da capa de infalibilidade, utilizam álcool e outras drogas em maior quanti-
homem tem medo. Medo de ficar doente, de sofrer dade; e envolvem-se na maioria das situações de
um acidente vascular cerebral, de morrer de câncer violência, como deixou claro o documento Perfil
povoam seu imaginário. Homem tem muito medo da Situação de Saúde do Homem no Brasil, publi-
de se tornar impotente. Mas, ao que tudo indica, cado pelo Ministério da Saúde em parceria com o
tem mais medo ainda de médico. Levantamento Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança
divulgado em julho pela Sociedade Brasileira de e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz),
Urologia (SBU) constatou que 51% dos brasileiros em 2012.
não costumam ir ao urologista ou ao cardiologista Das 665.551 mortes masculinas, em 2011,
regularmente para tratamentos preventivos e que 175 mil foram causadas por doenças do aparelho
apenas 14% passaram por uma consulta há mais de circulatório seguidas de causas externas (crimes e
um ano, enquanto 6% estiveram em um consultório acidentes de trânsito), com 119 mil mortes. Câncer
para um check-up há mais de dois anos. e tumores mataram 98 mil homens e doenças do
É comprovado que os homens morrem mais aparelho respiratório foram responsáveis por 66
cedo que as mulheres. Dados de 2011 do Instituto mil mortes entre eles. A despeito disso, em geral,
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram como demonstrou a pesquisa da SBU homens têm
que 57% dos óbitos foram do sexo masculino, medo de descobrir doenças e não procuram os
enquanto a esperança de vida ao nascer era de 71 serviços de saúde.
FANTASMA DA IMPOTÊNCIA
Para André, a saúde sexual constitui um
bom termômetro de como anda a saúde do ho-
mem. Não à toa, na recente pesquisa da SBU, o
fantasma da impotência desponta como um dos
principais medos do homem brasileiro (28%) –
maior do que o medo de ser traído (25%) ou de
perder o emprego (25%). No Brasil, cerca de 25
milhões de homens apresentam algum grau de
disfunção erétil. O problema, em geral, é associa-
do a múltiplas causas – psicogênicas, alterações
arteriais ou hormonais, diabetes, idade, obesida-
de, cirurgias, entre outras – e abala, em maior ou
menor grau, a autoconfiança masculina.
“Para alguns, significa algo semelhante a
uma doença terminal, enquanto, para outros, é
absolutamente compreensível, eles podem acei-
tar passivamente a situação sem nem procurar
ajuda médica”, analisa o urologista. Quando o
impacto é grande, o homem passa a ser agressivo
ou depressivo, rende menos no trabalho, pode
ter insônia ou dormir muito, tratar mal familiares
e apresentar doenças psicossomáticas como
gastrite e bronquite. “Como o brasileiro é ainda
bastante machista, o homem que não tem bom A campanha é a versão nacional de uma iniciativa O designer Guto Lins com
seus filhos e as campanhas
desempenho sexual sente-se diminuído, com bai- global (MenCare) destinada a promover rela- concebidas pela política
xa autoestima, triste e até depressivo”, considera. ções equitativas e não violentas entre homens, de atenção à saúde
Mas apesar de preocupados com a falta de mulheres e crianças. Busca influenciar políticas masculina para promover
ereção, 83% dos homens ouvidos pela pesquisa públicas e pressupõe, com base em evidências, relações equitativas e não
não conhecem sequer os sintomas da andropau- que o envolvimento do homem no cuidado das violentas entre homens,
sa – baixa acentuada da testosterona – e quase crianças, na divisão das tarefas domésticas e na mulheres e crianças
50% nunca ouviu falar de reposição hormonal. saúde materna, é fundamental não apenas para
Diferente da mulher que cedo ainda incorpora a equidade de gênero e diminuição da violência,
a ida ao ginecologista à sua rotina, o homem mas também para a promoção da saúde. “É im-
ignora o urologista até precisar dele. Alexandre portante não esquecer que, uma vez envolvido
explica que o tratamento da deficiência de tes- no cuidado, o homem tende a cuidar também
tosterona é importante não somente devido às de sua própria saúde”, diz Marco Aurélio, coor-
doenças relacionadas, mas também pela quali- denador da campanha no Brasil.
dade de vida que se pode ter durante o processo O psicólogo chama atenção para o fato de
de envelhecimento. que a mulher é criada para cuidar de si e dos
“As principais doenças que afetam a saúde outros. “Talvez por isso a prática da preven-
masculina são tratáveis se forem descobertas a ção seja algo mais comum entre elas”, sugere
tempo”, diz Alexandre, citando o caso do exame Marco Aurélio, refletindo sobre os motivos de
de próstata, ainda tratado como tabu, e refor- os homens entrarem no sistema de saúde pela
çando a tese de que o machismo e o preconceito via das emergências. “Tudo isso é reflexo de
são uma barreira severa quando se fala de saúde uma educação que não oferece ao homem um
do homem. “A saúde da população masculina modelo de masculinidade baseada no cuidado,
está diretamente ligada à prevenção de doenças que valoriza o risco como forma de provar virili-
urológicas e à educação sexual”, conclui. dade, onde ainda lhe é cobrado o papel apenas
de provedor”, aponta.
CAMPANHAS
OUTRAS MASCULINIDADES
“Não importa que tipo de homem você é:
seja do tipo que cuida da saúde”. Esse foi o mote E m a g o s t o, d u r a n t e o 6 º S i m p ó s i o
de uma das campanhas educativas coordenadas Paternidades, Singularidades e Políticas Públicas,
pela PNAISH. Mais recentemente, a campanha realizado no Rio de Janeiro, o Promundo lançou o
Paternidade e cuidado: você é meu pai, do Manual P, publicação de 215 páginas disponível
Instituto Promundo, tem lançado luzes sobre o na internet, um desdobramento da campanha de
comportamento masculino em relação à saúde. paternidade que tem como objetivo sensibilizar e
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uitas chuvas de um lado, estiagem mais ou minimizar efeitos
longa de outro. Indícios do fenômeno
climático El Niño, previsto para este se- como temporais e seca,
gundo semetre, já começam a aparecer.
De ocorrência cíclica, provocada pelo aumento acentuados pelo fenômeno
de temperatura das águas da região tropical do
Oceano Pacífico – não relacionada às mudanças
El Niño e que podem durar
climáticas –, o El Niño torna os eventos de seca até o ano que vem
e de chuva mais agudos, o que pode resultar em
desastres naturais e prejuízos às cidades e à popu-
lação. O fenômeno foi batizado com esse nome dengue e diarreia (Radis 135). “É importante sair da
em homenagem ao Menino Jesus (em espanhol, El lógica de improvisação e da reatividade e passar para
Niño), por provocar eventos em período próximo ao uma lógica de prevenção. Da gestão de desastres
Natal. Sabendo-se da probabilidade de ocorrência, para a gestão de riscos”, aconselha Sidnei Furtado,
os municípios podem – e devem – buscar caminhos coordenador da Defesa Civil da região de Campinas,
para tomar as providências necessárias para mini- São Paulo (ver pág. 27). Campinas recebeu em 2013,
mizar ou evitar suas consequências. o título de cidade-modelo, no programa Cidades
“No Brasil, na região Nordeste e no norte da Resilientes, das Nações Unidas (Radis 135). Em
Amazônia, a seca costuma se agravar. Na região caso de desastres naturais, os municípios podem
Sudeste e, com mais frequência, no sul do país, decretar situação de emergência ou calamidade e
são as chuvas intensas o principal efeito”, explica solicitar ajuda externa. O trâmite básico a ser segui-
o geógrafo Christovam Barcellos, pesquisador do do nesses casos é o gestor fazer a comunicação do
Laboratório de Informação em Saúde da Fiocruz desastre oficialmente, por meio do sistema online
(LIS/Icict/Fiocruz). S2ID. A partir desse primeiro passo, para solicitar
A intensidade do fenômeno este ano deverá recursos federais, é preciso apresentar um plano
ser de fraca a moderada. Mesmo assim, há risco de trabalho no socorro às vítimas, reconstrução,
de enchentes e deslizamentos de terra no Sudeste. remoção etc. “É importante investir na capacitação
“O setor saúde tem que estar preparado”, alerta o de coordenadores para lidar com esses processos,
pesquisador Carlos Machado, da Escola Nacional que envolvem organização de despesas, gastos
de Saúde Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Entre as governamentais e prestação de contas. Na maior
providências imediatas estão organizar os setores de parte das vezes, os profissionais de Defesa Civil
urgência, emergência e atenção básica dos municí- não são especialistas nessas áreas”, explica Sidnei,
pios, planejar o atendimento a doenças específicas lembrando que esse tipo de ajuda só deve ser soli-
que podem resultar das enchentes, como a leptos- citada em caráter de excepcionalidade. O ideal, diz,
pirose, e avaliar as condições físicas das instalações é o município ou a região buscar maior autonomia.
das unidades de saúde, que precisam resistir a fortes Para orientar prefeitos e outras autoridades,
temporais, por exemplo. “De 60 a 70% das unidades de forma a minimizar ou prevenir os efeitos de
de saúde ficam em áreas vulneráveis”, diz Christovam. desastres naturais, como os provocados pelo El
No caso dos municípios que convivem com a Niño, Radis ouviu consultou a Defesa Civil Nacional
seca crônica, a passagem do El Niño tende a agra- e setores do Ministério da Saúde responsáveis, além
var o problema, e a estocagem de água de forma de sites e documentos oficiais. O resultado está
inadequada aumenta a incidência de doenças como registrado sob a forma de perguntas e respostas.
“Parece uma coisa simples, mas implica uma trans- eles ocasionam, em termos de vidas humanas e re-
ferência de autoridade de outros setores para gerar ferentes aos bens sociais, econômicos e ambientais
agilidade em casos de emergência”, observa. das comunidades e dos países.
Desde então, a cidade deu uma guinada, e em As estiagens longas vividas pela região também
2013 foi considerada cidade-modelo do programa acarretam incêndios florestais ocasionalmente, por
Sementes da
Reforma Sanitária
Realizada em 1963, a 3ª Conferência Nacional de
Saúde diferenciou-se das anteriores, abordando temas
desafiadores, como descentralização, e fazendo crítica ao
corporativismo dos serviços médico-assistenciais
FOTO: APCBH/ASCOM - CURRALDELREY.COM
Situação sanitária da
população brasileira no
início da década de 1960
era ruim, como mostrou
a pesquisa, com índices
de mortalidade de 162
pessoas por mil habitantes
Liseane Morosini com suas propostas de descentralização e de crítica
V
ao caráter corporativo dos serviços médico-assis-
inte e três anos antes da 8ª Conferência tenciais, ao contrário das conferências anteriores,
Nacional de Saúde, que, em 1986, come- constituiu-se também em fórum político. Todavia,
çou a construir um novo projeto para a seu formato, ainda foi o de reunião administrativa
saúde brasileira, uma proposta de reforma do governo, uma vez que só puderam ser apresen-
sanitária já se delineava no país. Realizada em de- tados documentos e trabalhos de órgãos federais”,
zembro de 1963, durante o governo João Goulart, a analisa Naiara. Mas, ainda assim, a 3ª Conferência
3ª Conferência Nacional de Saúde trazia o embrião teria sido “ousada demais”, segundo a pesquisado-
de um Plano Nacional de Saúde, a ser efetivado ra. “Meu esforço foi o de tentar reconstruir o evento
por meio de uma política nacional, e várias de suas cujas discussões e debates permaneceram vivos,
propostas anteciparam pontos importantes para ainda que durante o contexto do autoritarismo
a constituição do pensamento sanitário do SUS, brasileiro, pós-golpe, tivessem sido silenciados”, diz.
mostrou a dissertação A 3ª Conferência Nacional
de Saúde (1963): antecedentes para um sistema
DEMORA DE 13 ANOS
nacional de saúde público e descentralizado, de-
fendida em junho, no Programa de Pós-Graduação De acordo com Naiara, a elaboração de um
em História das Ciências e da Saúde da Casa de Plano Nacional de Saúde havia sido incorporada às
Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), pela jornalista Naiara recomendações da 1ª Conferência, realizada em
Prata Cardoso. 1941. Ao final desse encontro, conta, ficou definido
Em sua pesquisa, Naiara, assessora de que os governos estaduais fariam o levantamento
Comunicação do Ministério da Saúde, fez um de suas necessidades e depois apresentariam as
mergulho na 3ª CNS, assunto pouco explorado demandas para o Ministério da Saúde. Mas, na
na historiografia e nas Ciências Sociais. “Dada a 2ª Conferência, realizada em 1950, o tema da
Mário Magalhães, à conjuntura em que foi realizada e o fato de abordar elaboração do Plano Nacional de Saúde sequer
frente da organização temas desafiadores para a época, a 3ª Conferência, foi incluído na pauta. Somente 13 anos depois, o
da conferência,
defendia integrar as
medidas assistenciais
e médico-sanitárias ao
desenvolvimento do país
Plano Nacional de Saúde voltaria a ser discutido, do capital estrangeiro, o que também incluía o setor
fundamentando o documento da 3ª Conferência saúde, explica a pesquisadora.
e fazendo referência à necessidade de uma Política
Nacional de Saúde.
SAÚDE E DESENVOLVIMENTO
“A situação sanitária da população brasileira
era péssima. Só para se ter uma ideia, os índices “A ideia de que a saúde de uma população se-
de mortalidade infantil no Brasil eram estimados ria inseparável do processo nacional de desenvolvi-
em 162,5 por mil habitantes e a estimativa de vida mento vinha ganhando espaço desde os anos 1950,
ao nascer do brasileiro na década anterior havia orientando, cada vez mais, sanitaristas e técnicos
sido de 42,3 anos, sendo as principais causas de do Ministério da Saúde, e a 3ª CNS representou
morte as doenças de massa evitáveis, endêmicas e o auge deste pensamento”, conta. Ela acrescenta
epidêmicas”, relata. que “a concepção predominante, à época, era a
Naiara explica que o texto da Terceira foi do sanitarismo desenvolvimentista, orientada pelo
baseado nas recomendações aprovadas pelo 15º entendimento de que os padrões de saúde de uma
Congresso Brasileiro de Higiene e nos princípios comunidade eram inseparáveis de seu nível de de-
do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e senvolvimento econômico. Assim, já era entendido
Social, elaborado pelo economista Celso Furtado, que a saúde resultava de condições globais de
que sugeria a adoção da introdução do planejamento trabalho, bem estar físico e habitação, por exem-
como técnica administrativa de governo, tanto para a plo”, afirma. Em 15 de março de 1964, momentos
área econômica, quanto para as políticas sociais. No antes do golpe civil-militar, a Terceira foi citada em
período compreendido entre fins de 1945 e início de mensagem de Jango ao Congresso Nacional, por
1964, a saúde no Brasil esteve intrinsecamente rela- ocasião da abertura da sessão legislativa daquele
cionada ao debate sobre o desenvolvimento do país e ano, como uma das principais realizações de seu A articulação das atividades
sanitárias nos níveis federal,
deve ser compreendida levando-se em consideração governo no setor saúde, ressalta Naiara.
estadual e municipal era
os problemas então colocados de uma economia Embora nas Reformas de Base do go- defendida por Wilson Fadul,
capitalista dependente do crescimento da presença verno Goulart, com proposta de diminuir as ministro da Saúde e presidente
da 3ª CNS, destacada nos
jornais da época
Saúde e o caráter fragmentário e corporativo de
seus serviços, pontos que foram endossados pelo
presidente João Goulart. “O olhar retrospectivo
trazido pelo estudo revela, ainda, que a realidade
mostrava a dicotomia ou setorização dos serviços
das ações de saúde”, diz. “Havia a assistência mé-
dica especializada, proporcionada pelos institutos
de Aposentadorias e Pensões da previdência, que
vinculavam o atendimento médico individualizado
à carteira de trabalho; e as ações entendidas como
de saúde pública, realizadas pelo Ministério, que
englobavam um aspecto mais geral e eram mais
focadas no combate a doenças infectocontagiosas
que afetavam a coletividade.”
DESENVOLVIMENTISMO
De acordo com Naiara, a grande maioria da
Naiara, na pesquisa, esforço
para reconstruir o evento,
população estava alheia à assistência individualiza-
cujas discussões e debates
desigualdades sociais por meio de alterações nas da. “O acesso para quem não podia pagar ou não
mantiveram-se vivos mesmo estruturas políticas, econômicas e sociais, não era vinculado a um Instituto se dava por meio de
durante a ditadura houvesse um capítulo específico para tratar da programas como o da Fundação Serviço Especial de
Saúde, segundo Naiara, isso estava contemplado Saúde Pública que tinha ações válidas, porém caras e
nos Pré-investimentos para o fator humano que muitas vezes baseadas em modelos importados”, diz.
integravam o programa setorial e cumpririam o Ela cita o caso de unidades de saúde que receberam
papel de valorização do homem brasileiro e de equipamentos importados, que não podiam ser uti-
sua integração na comunidade nacional. lizados, pois no município não havia energia elétrica.
A pesquisadora explica que, no final da déca-
MUNICIPALIZAÇÃO da de 40, começa a surgir o entendimento de que
o modelo centralizador e verticalizado, baseado
A tese da municipalização, com objetivo de em campanhas, com a União efetivando todas as
descentralizar a execução das ações básicas de ações, e setorizado, não dava conta da realidade do
saúde, foi adotada como um caminho para se criar país. Já a partir dos anos 1950, a questão voltou-se
uma estrutura sanitária considerada mais adequada para as estratégias de desenvolvimento econômico
à realidade econômica, política e social de um país que o país deveria adotar e passou a ter influência
subdesenvolvido e com vastas diferenças regionais. determinante na formulação das políticas de saúde.
Com base na documentação consultada, Naiara “Essa corrente se tornou conhecida como sanita-
aponta que, como medida indispensável à muni- rismo desenvolvimentista – e ganhou primazia no
cipalização dos serviços de saúde, era necessário Brasil, principalmente a partir do governo Juscelino
também que se discutisse a articulação das ativida- Kubitschek, entre 1956 e 1961”.
des sanitárias nos diversos níveis da administração Medidas assistenciais e médico-sanitárias não
(federal, estadual e municipal), o que foi definido teriam efeito se não ocorressem integradas ao de-
por Wilson Fadul, ministro da Saúde que presidiu senvolvimento do país. O principal expoente deste
a 3ª CNS, como um “primeiro passo para a implan- pensamento, de acordo com Naiara, foi o sanitarista
tação de um sistema nacional de Saúde unificado”. Mário Magalhães da Silveira, eleito presidente da
De acordo com a historiadora, a proposta de Sociedade Brasileira de Higiene em 1962, e que em
municipalização dos serviços de saúde baseava-se 1963 presidiria a Comissão Organizadora da 3ª CNS.
na concepção de que as populações locais é que Por isso, segundo Naiara , a Terceira adotou a
poderiam ter conhecimento mais realista de seus tese da municipalização como caminho para efetivar
problemas. Diferentemente dos governos ante- ações de saúde que deveriam ser coordenadas,
riores, o governo Goulart entendia que a criação descentralizadas e mais adequadas à realidade
de uma estrutura básica de órgãos de assistência econômica, política e social de um país subdesen-
médico-sanitárias, atendendo a todo o país, mas volvido e com vastas diferenças regionais. Para ela,
tendo os municípios como centro de ação, seria o algumas medidas de certa maneira antecipavam a
caminho mais adequado para a melhoria das con- hierarquização dos serviços já prevendo níveis de
dições de saúde da população. “A municipalização atenção. “Com o golpe civil-militar de 1964, essas
foi proposta da forma como a entendemos hoje. orientações foram interrompidas e houve clara
No projeto, os serviços não seriam uniformes, mas opção pelo fortalecimento das ações no âmbito
estruturados conforme, ‘as necessidades e possibi- da previdência, privilégio do fornecedor privado e
lidades’ de cada localidade”. ampliação do modelo hospitalocêntrico”.
B
uscando repensar o
sistema democrático
representativo, o semi-
Pública (vol. 30, nº 7), da
Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca (Ensp/
desafios para o controle e as estratégias
para o enfrentamento do agravo.
O obstáculo
básico à luta dos
C.N
direitos humanos
Leonardo Boff* à democracia reduzida é a democracia humanos mas também sociocósmicos.
O
social, participativa, de baixo para cima, Em outras palavras, a biosfera da Terra é
tema dos direitos humanos é uma na qual todos possam caber. O Estado patrimônio comum de toda vida em sua
constante em todas as agendas. que representa esse tipo de democracia imensa diversidade, e não apenas da vida
Há momentos em que se torna enriquecida teria uma natureza nitidamen- humana. Então, mais que falar em ter-
um clamor universal, como atual- te social e se organizaria para garantir os mos de meio ambiente, deve-se falar em
mente com a criação do Estado Islâmico direitos sociais de todos. Enquanto isso comunidade de vida, ou ambiente inteiro.
que comete sistemático genocídio das não ocorrer, não haverá uma real univer- O ser humano tem a função, já assinalada
minorias. Por que não conseguimos fazer salização dos direitos humanos. Parte dos no Gênese, a de ser o tutor ou guardião da
valer efetivamente os direitos não só hu- discursos oficiais são apenas retóricos. vida, o representante legal da comunidade
manos mas também os da natureza? Onde As classes subalternas expandiram o biótica, sem a pretensão de superiorida-
reside o impasse fundamental? conceito de cidadania. Não se trata mais de, mas se compreendendo como um elo
A Carta da ONU de 1948 confia ao daquela burguesa que coloca o indivíduo da imensa cadeia da vida, irmão e irmã
Estado a obrigação de criar as condições diante do Estado e organiza as relações de todos. Daqui resulta o sentimento de
concretas para que os direitos possam entre ambos. Agora se trata de cidadãos responsabilidade e de veneração que fa-
ser realizados para todos. Ocorre que o que se articulam com outros cidadãos para cilita a preservação e o cuidado por todo
tipo de Estado dominante é um Estado juntos enfrentarem o Estado privatizado e o criado e por tudo o que vive.
classista. Como tal é perpassado pelas a sociedade desigual de classe. Daí nasce a Ou faremos essa viragem neces-
desigualdades que as classes sociais origi- concidadania: cidadãos que se unem entre sária para essa nova ética, fundada
nam. Concretamente: a ideologia política si, sem o Estado e muitas vezes contra o numa nova ótica, ou poderemos conhe-
deste Estado é o neoliberalismo que se Estado, para fazerem valer seus direitos e cer o pior, a era das grandes devastações
expressa pela democracia representativa levarem avante a bandeira política de uma do passado. A reflexão sobre os direitos
e pela exaltação dos valores do indivíduo; real democracia social, onde todos possam humanos de primeira geração (individuais),
a economia é capitalista que operou a se sentir representados. de segunda geração (sociais), de terceira
Grande Transformação, substituindo a Cidadãos se unem entre si, sem o geração (transindividuais, direitos dos po-
economia de mercado pela sociedade de Estado e muitas vezes contra o Estado, vos, das culturas etc.), da quarta geração
mercado para a qual tudo vira mercadoria. para fazerem valer seus direitos (direitos genéticos) e da quinta geração (da
Por ser capitalista, vigora a hegemonia da Esses movimentos fizeram crescer, realidade virtual) não podem desviar nossa
propriedade privada, o mercado livre e a mais e mais, a consciência da dignidade atenção dessa nova radicalidade na luta
lógica da concorrência. Esse Estado é con- humana, a verdadeira fonte de todos os pelos direitos, agora começando pelos
trolado pelos grandes conglomerados que direitos. O ser humano não pode ser visto direitos da Terra e das tribos da Terra, base
hegemonizam o poder econômico, político como mera força de trabalho, descartável, para todos os demais desmembramentos.
e ideológico. Em grande parte é privatizado mas como um valor em si mesmo, não Até hoje, todos davam por desconta-
por eles. Usam o Estado para a garantia passível de manipulação por nenhuma da a continuidade da natureza e da Terra.
de seus privilégios e não dos direitos de instância, nem estatal, nem ideológica, Não precisavam se preocupar com elas.
todos. Atender os direitos sociais a todos nem religiosa. A dignidade humana Esta situação se modificou totalmente, pois
seria contraditório com sua lógica interna. remete à preservação das condições de os seres humanos, nas últimas décadas,
A solução que as classes subalternas continuidade do planeta Terra, da espécie projetaram o princípio de autodestruição.
encontraram para enfrentar essa contradi- humana e da vida, sem a qual o discurso A consciência desta nova situação
ção foi elas mesmas se organizarem e cria- dos direitos perderia seu chão. fez surgir o tema dos direitos humano-
rem as condições para seus direitos. Assim Por isso, os dois valores e direitos bási- -sócio-cósmicos e a urgência de que, se
surgiram os vários movimentos sociais e cos que devem entrar mais e mais na cons- não nos mobilizarmos para as mudanças,
populares por terra, por teto, por saúde, ciência coletiva são: como preservar nos- a contagem regressiva do tempo se coloca
por escola, pelos negros, índios e mulheres so esplêndido planeta azul-branco, a Terra, contra nós e pode nos surpreender com um
marginalizadas, por igualdade de gênero, Pachamama e Gaia? E o segundo: como bioecoenfarte de consequências devastado-
por respeito do direito das minorias etc. É garantir as condições ecológicas para que o ras para todo o sistema da vida. Devemos
mais que uma luta pelos direitos; é uma experimento homo sapiens/demens possa estar à altura desta emergência.
luta política para a transformação do tipo continuar, se desenvolver e coevoluir? Esses
de sociedade e do tipo de Estado vigentes, dois dados constituem a base de tudo mais. * Leonardo Boff é teólogo, filósofo e
porque com eles seus direitos nunca irão Ao redor desse núcleo, se estruturarão os escritor. Artigo publicado na Carta Maior,em
ser reconhecidos. Portanto, a alternativa demais direitos. Eles serão não somente 10/9/2014.