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EXPRESSÕES E EXPERIÊNCIAS

Direitos humanos e cidadania


na cobertura de violência
Portal especializado em reportagens sobre justiça,
segurança e direitos humanos, a Ponte busca ir além do
factual e abre espaço para outras vozes e questionamentos

SAIBA MAIS Elisa Batalha entrevistados pessoas negras ou militantes da causa

“A
contra o racismo. A fonte principal, geralmente, é a
• Portal Ponte violência que acontece cotidianamen- polícia”. Outro caso emblemático, aponta, é o trata-
ponte.org te nas periferias não é considerada mento que a mídia dá à crise no sistema prisional.
• Agência Pública suficientemente relevante para os “Situações gravíssimas como a de Pedrinhas (MA) e
apublica.org jornais tradicionais”. Essa constatação, Cascavel (PR) chamam a atenção pela brutalidade,
expressa pela jornalista Maria Carolina Trevisan, foi mas não pode ser só isso o que leva a mídia a conside-
feita pelos vinte profissionais de comunicação que se rar uma notícia. Os casos são resultado de uma série
reuniram para desenvolver o projeto da Ponte (ponte. de deficiências, do sistema prisional, que é superlo-
org), portal online sobre justiça, segurança pública e tado, ao Judiciário, que é moroso e preconceituoso”,
direitos humanos. “A gente queria ir na contramão, comenta. De outro lado, a polícia e suas condições
fazer essa ponte entre o que é notícia, mas não está de trabalho também são pauta. “Quem morre são
no jornal, e o público que precisa ser informado”, as baixas patentes da PM”, observa.
explica ela, uma das integrantes do grupo. Na estrutura da redação da Ponte, não há
Desde junho no ar, o portal lança um novo hierarquia como nas redações tradicionais, diz Maria
olhar sobre a cobertura de violência, problema- Carolina. “Não temos chefe, todo mundo é repórter
tizando a questão e tratando das suas causas e e todos botam mãos à obra”. Segundo a jornalista,
consequências, dos contextos e das políticas pú- isso não só reflete uma visão do trabalho, como
blicas. “A gente busca fazer reportagens que não ajuda a preservar a segurança dos profissionais.
sejam só baseadas no fato em si, mas em outros “Pela própria natureza do jornalismo que cobrimos,
questionamentos e reflexões, ligados aos direitos essa área tão delicada, precisamos estar atentos uns
humanos, à cidadania, à responsabilização do aos outros”, explica.
Destaques do site da Ponte
Estado. É relevante destacar se determinado ato Para deslanchar, a Ponte contou com a parce-
expressam a proposta de
produzir reportagens com de violência é causado pelo Estado ou por uma ria da Agência Pública de jornalismo investigativo.
foco nos direitos humanos, omissão do Estado”, aponta Maria Carolina. Em fase de consolidação, ainda busca financiamen-
cidadania e papel do Estado tos. “No momento, não temos uma
fonte de recursos que seja sustentável.
REPRODUÇÃO

Toda a nossa equipe, com exceção


de um dos profissionais, tem outras
atividades para se manter financei-
ramente”, conta Maria Carolina, que
diz ter sentido bom acolhimento do
público, apesar dos temas pesados
de algumas coberturas. “Reportagem
sobre violência não gera um boom
de compartilhamentos”, constata,
lembrando que a página do portal no
Facebook já contava com mais de 8 mil
curtidas no início de setembro.
A Ponte conta, também, com
uma rede de apoiadores. “Não são
financiadores, mas estão comprometi-
dos com o mesmo tema, e disponíveis
para nos ajudar, se for necessário”, diz.
Ela aponta como exemplo a relação entre “São juristas, ex-ministros, rappers, escritores, ato-
violência e raça no Brasil, mote de matéria publicada res, militantes, defensores, pessoas e organizações
no portal sobre o assassinato de jovens negros. “A ligadas aos direitos humanos”, enumera. “Estou
cobertura sobre violência não aponta que o jovem muito otimista em relação à consolidação desse
negro é a principal vítima de homicídio no país. As espaço. Estamos fazendo um trabalho consistente
reportagens sobre o tema não costumam trazer como e temos um produto para mostrar”, avalia.

[ 2 ] RADIS 145 • OUT / 2014


Nº 145
EDITORIAL OUT. 2014

Novo mapa para a Saúde Expressões e Experiências


• Direitos humanos e cidadania na cobertura
da violência 2

S e o caminho da municipalização foi


essencial para a construção do Sistema
Único de Saúde até agora, avançar numa
de Saúde (SUDS), com repasses de recursos
do Inamps às secretarias estaduais de Saúde,
não conseguiu estruturar instâncias regionais
Editorial
• Novo mapa para a Saúde 3
atenção mais universal, integral, com melhor que articulassem e apoiassem de fato os
compartilhamento de responsabilidades e municípios. Só com a grande ênfase na mu- Cartum 3
recursos e mantendo o princípio da des- nicipalização, a partir do início dos anos 1990,
centralização pode depender de uma nova a descentralização definida pela Constituição Voz do leitor 4
estratégia, que aponte para o fortalecimento de 1988 começou a acontecer, concretizando
da regionalização do SUS. e dando capilaridade a muitos dos princípios e
O atual modelo de descentralização objetivos do SUS. O Jornal Proposta, editado
expandiu a cobertura, mas não resolveu pelo Programa Radis, reportou e debateu
desigualdades regionais no acesso aos cada passo desses dois movimentos. O
Súmula 5
serviços e na utilização de recursos, além segundo deles marcado pela convergência
de não ter integrado de forma mais coope- do pensamento da Reforma Sanitária dos Radis Adverte 8
rativa serviços, instituições e práticas nos anos 1980 com o do sanitarismo desenvol-
territórios, avalia um estudo que reuniu 90 vimentista e municipalista dos anos 1950 e Toques da Redação 9
pesquisadores de todo país. 60, que teve na 3ª Conferência Nacional de
Como lidar com essa situação? Saúde, em 1963, a síntese de suas propostas. Capa / Descentralização
Assegurar mais recursos e efetividade na Não por acaso, o golpe civil-militar de 1964 • Regionalização é o caminho 10
implementação do Pacto de Gestão, estabe- baniu os anais da terceira, que só vieram a ser
• Gastão Wagner de Sousa Campos
lecido em 2006, para fortalecer os estados e, publicados 29 anos depois, como relatamos Uma utopia possível: o SUS Brasil 16
principalmente, os municípios no cumprimen- em outra matéria desta edição.
to de seus papéis? Fazer uma revisão do papel Com a proximidade do verão e a previ- Saúde do homem
dos estados e constituir redes de serviços que são de eventos de seca e chuva mais agudos • A língua dos homens 18
assegurem a oferta de cuidados da atenção em decorrência do fenômeno climático El
• Licença paternidade ainda reflete
primária à alta complexidade, compensando a Niño neste final de ano, ouvimos especialistas ‘modelo do macho’ 23
disparidade entre os municípios e eliminando em desastres ambientais, defesa civil e situa-
vazios assistenciais? Ou demarcar regiões, nas ções de emergência em saúde para oferecer Desastres naturais
quais autarquias tripartites iriam gerir redes às autoridades locais informações úteis para • Prevenção a uma ocorrência anunciada 24
de atenção integral e uma política unificada evitar ou minimizar os impactos sobre a po-
• Campinas, cidade resiliente 27
para a força de trabalho, sem recorrer à pulação, especialmente os mais vulneráveis.
privatização? Seriam em torno de 200 ou de Retomamos também a discussão Memória
400 as regiões de municípios limítrofes, com necessária sobre a saúde do homem, em
• Sementes da Reforma Sanitária 29
identidades culturais, econômicas e sociais nova reportagem. E, na seção Pós-Tudo,
e infraestrutura urbana, passíveis de serem fechamos a edição com uma reflexão sobre
Serviço 34
integrados na organização, planejamento e os direitos humanos que inspiram tantos
execução de ações de saúde? A discussão so- movimentos sociais em luta por uma vida Pós-Tudo
bre a regionalização do SUS está na ordem do digna, ao logo da história.
• O obstáculo básico à luta dos
dia e é o assunto de nossa matéria de Capa. direitos humanos 35
No final da década de 1980, a implemen- Rogério Lannes Rocha
tação do Sistema Unificado e Descentralizado Editor-chefe e coordenador do Programa Radis

CARTUM

Capa Felipe Plauska

RADIS . Jornalismo premiado


pela Opas e pela A s foc-SN

C.N.

RADIS 145 • OUT / 2014 [ 3 ]


VOZ DO LEITOR

No final do mês são preenchidas estatísticas própria sorte. Gostaria de saber se já houve
Leishmanioses e repassadas aos gestores. debate ou manifestação em relação a essa

A mei o exemplar sobre as Leishmanioses.


Gostaria de ver outras zoonoses ne-
gligenciadas nas próximas capas. Quero
• José Edval Galdino, enfermeiro do traba-
lho, Londrina, PR
portaria, que deixa cada vez mais comba-
lida a estratégia de saúde do trabalhador.
• Marco Aurélio Barbosa, Juiz de Fora, MG
também parabenizá-los pelo excelente Caro José, seus comentários são muito
trabalho. A revista é ótima! pertinentes e serão levados em conta em Caro Marco Aurélio, ainda não trata-
• Tassiana Carvalho, pelo Facebook nossas pautas. Um abraço! mos do assunto, e sua sugestão foi muito
bem-vinda. Um abraço!

O lá, sou assinante da Radis e gostaria


de comunicar que mudei de endereço
Preconceito religioso
Publicidade antiética
e aproveitar a oportunidade para parabe-
nizá-los pelo excelente trabalho. Recebi
a Radis 143, que aborda as leishmanioses.
S obre a crítica que considero ser a qual-
quer evangélico que defenda sua fé, na
nota Racismo e preconceito religioso, da C ompanheir@s, acompanho vocês há
muitos anos, recebo a revista e discuto
Sou estudante de Farmácia, e a matéria vai coluna Toques da redação [Radis, 142], com os meus alunos de graduação e pós-
me ajudar na faculdade, pois estou tendo gostaria de deixar a minha opinião: se fos- -graduação na UFRJ. Gostei particular-
aulas de Parasitologia. Um grande abraço se um homossexual denegrindo a imagem mente da crítica aos publicitários (Radis
a todos da equipe. de igrejas evangélicas, não estaria tendo 143, seção Toques) que muitas vezes são
• Renilton Affonso Marques, Itaperuna, RJ foco algum na revista, mesmo sendo uma antiéticos. Fiz um post de protesto (www.
“liberdade utilizada em nome da segrega- aleitamento.com) e estou divulgando nas
ção e do preconceito”. redes sociais.
Saúde da família • Danielle da Silva Gois Araújo, Brasília, DF • Marcus Renato de Carvalho

B om dia a todos da revista, que Deus


continue iluminando cada um nessa
luta tão árdua de informar e divulgar tudo
Saúde do trabalhador
Caro Marcus, ficamos muito contentes
quando os conteúdos da Radis inspiram
que norteia a Saúde e seus afluentes. Muito
obrigado de coração e sigam sempre em
frente. Há mais de 24 anos, sou da Saúde
O Ministério da Saúde publicou a Portaria
1.271, de 6/6/2014, que redefiniu a
Lista Nacional de Notificação Compulsória
desdobramentos. Um abraço!

e venho acompanhando a área no Brasil. de doenças e agravos e eventos em saúde Álcool


Sou enfermeiro do trabalho, mas tenho
contato com vários amigos que atuam
em saúde pública, e sempre vem à tona
pública, nos serviços de saúde públicos
e privados, em todo território nacional,
que exclui doenças e agravos, até então
B oa noite! Gostaria de sugerir um tema
para as próximas edições da revista.
Seria sobre o alcoolismo e os alcoólicos
o PSF [Programa Saúde da Família] e a ESF de notificação compulsória, relacionados anônimos, pois vejo que esse tema anda
[Estratégia Saúde da Família]. Quando o aos ambientes de trabalho. São doenças meio esquecido nos meios de comunicação,
projeto chegou a Londrina, em meados como câncer relacionado ao trabalho, perdendo sua importância nos dias de hoje.
dos anos 90, eu era auxiliar de Enfermagem dermatoses ocupacionais, LER [lesão por • Alex Siqueira, pelo Facebook.
em uma unidade básica de saúde na cidade esforço repetitivo] e os transtornos mentais
vizinha de Cambé, e ajudei na implantação. relacionados ao trabalho. Avaliamos que os Caro Alex, sugerimos que consulte a
Fiquei maravilhado com o que aquilo po- transtornos mentais aumentaram a partir edição 132 da Radis, que traz matéria
deria trazer de benefícios, uma revolução das mudanças organizacionais, com metas de capa dedicada ao tema do álcool.
na saúde pública, desafogando o segundo e novas formas de trabalho, bem como a Um abraço!
e terceiros setores, fazendo realmente inovação tecnológica, e já temos histórico
acontecer a promoção, a prevenção, a de subnotificações das doenças e agravos.
intervenção, a cura, a recuperação. No Vejo com preocupação tal portaria, pois NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA
início, o intuito foi alcançado, mas hoje compromete as ações de vigilância em A Radis solicita que a correspondência
vejo que os programas foram perdendo Saúde do Trabalhador e as estratégias dos leitores para publicação (carta,
a consistência. Meus amigos dizem que de prevenção dessas doenças e agravos. e-mail ou facebook) contenha nome,
a ESF só existe no papel, como um meio Com esta portaria ganha o CAPITAL em endereço e telefone. Por questão de
de os poderes governamentais receberem relação ao FAP [Fator Acidentário de espaço, o texto pode ser resumido.
dinheiro e fantasiarem que são atuantes. Pevenção], e o trabalhador fica à mercê da

EXPEDIENTE
www.ensp.fiocruz.br/radis
® é uma publicação impressa e online da Documentação Jorge Ricardo Pereira e Sandra
Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Programa Benigno
Radis de Comunicação e Saúde, da Escola Administração Fábio Lucas, Natalia Calzavara e /RadisComunicacaoeSaude
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp). Osvaldo José Filho (Informática)
Estágio supervisionado Edison Gomes
Presidente da Fiocruz Paulo Gadelha (Administração) USO DA INFORMAÇÃO • O conteúdo da
Diretor da Ensp Hermano Castro revista Radis pode ser livremente reproduzido,
acompanhado dos créditos, em consonância com
Assinatura grátis (sujeita a ampliação de a política de acesso livre à informação da Ensp/
Editor-chefe e coordenador do Radis cadastro) Periodicidade mensal | Tiragem 81.300 Fiocruz. Solicitamos aos veículos que reproduzirem
Rogério Lannes Rocha exemplares | Impressão Ediouro ou citarem nossas publicações que enviem
Subcoordenadora Justa Helena Franco exemplar, referências ou URL.

Edição Eliane Bardanachvili Fale conosco (para assinatura, sugestões e Ouvidoria Fiocruz • Telefax (21) 3885-1762
Reportagem Adriano De Lavor (subedição), críticas) • Tel. (21) 3882-9118 | Fax (21) 3882-9119 • www.fiocruz.br/ouvidoria
Bruno Dominguez (subedição interina), Elisa • E-mail radis@ensp.fiocruz.br
Batalha, Liseane Morosini e Ana Cláudia Peres • Av. Brasil, 4.036, sala 510 — Manguinhos,
Arte Carolina Niemeyer e Felipe Plauska Rio de Janeiro / RJ • CEP 21040-361

[ 4 ] RADIS 145 • OUT / 2014


SÚMULA

Senado suspende proibição de inibidores de apetite


informou que exigirá nova análise dos remédios representavam risco aos pacien-
medicamentos para emagrecer antes de tes. Mesmo a sibutramina, que continuou
autorizar a volta ao mercado. liberada, teve aumentado o controle sobre
O líder do PT, senador Humberto seu consumo.
Costa (PE), foi o único senador a posicio- Entre os médicos, embora muitos
nar-se contra o projeto e defender a per- defendam que a decisão de recomendar
manência da resolução. “Essa resolução da os emagrecedores caiba aos especia-
Anvisa não foi tirada do bolso do colete. listas, a interferência de senadores no
Ela surgiu após estudos aprofundados e tema foi criticada, informou O Globo.
detalhados acerca desses medicamentos”, “Qual o entendimento de saúde do
C.N. disse Costa. Senado?”, indagou, segundo o jornal, a
Apesar da decisão do Senado, a volta endocrinologista Adriana Lucia Mendes,

O Senado suspendeu (2/8) por meio


de decreto legislativo a resolução da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
dos inibidores de apetite às farmácias deve
demorar de seis a oito meses, informou
O Globo (4/9). Após a promulgação do
da Faculdade de Medicina da Unesp
em Botucatu (SP), acrescentando, no
entanto, que concorda com a liberação,
(Anvisa) que proibia a venda e prescrição projeto e publicação no Diário Oficial, defendendo prescrição mais rigorosa.
de medicamentos que contêm anfeta- será necessário, ainda, que as indústrias Para a endocrinologista Maria Edna
minas, usadas no controle da obesidade farmacêuticas peçam novos registros e de Melo, da Sociedade Brasileira de
(Radis 104). A resolução da Anvisa, de aprovação dos medicamentos à Anvisa. Endocrinologia e Metabologia (SBEM),
2011, proibia a fabricação, importação, Segundo a agência, os registros desses a liberação é uma vitória para o pa-
exportação, manipulação, prescrição anfetamínicos estavam cancelados. O ciente. “O médico volta a ter mais
e comércio de remédios contendo as órgão informou também que uma nova ferramentas para tratar a obesidade”.
substâncias femproporex, anfepramona resolução definirá regras rígidas para a Já o professor de Endocrinologia da
e mazindol na fórmula. Com a aprovação venda da sibutramina (substância que não Unicamp Marcos Tambascia disse ser
do projeto de Decreto Legislativo (PDS), nº estava entre as proibidas e se mantém favorável à proibição pela Anvisa: “Na
52/2014, os senadores sustaram os efei- liberada) e para a volta dos medicamen- maioria dos países, esses medicamentos
tos da resolução. O projeto já havia sido tos proibidos ao mercado, que só deverá não existem mais. Estudos já provaram
aprovado pela Câmara, em abril. Como se dar após apresentação de estudos de que os riscos são maiores que os be-
se trata de projeto de decreto legislativo, efetividade e segurança. nefícios. Não se resolve a epidemia de
não necessita de sanção presidencial e se- A proibição, em 2011, veio acompa- obesidade com remédio, mas com mu-
guirá para promulgação pelo Congresso. nhada de nota técnica com 73 páginas, dança de alimentação e estilo de vida”,
A Anvisa reagiu à decisão do Senado e na qual a agência argumentava que os considerou.

Biofármacos 100% nacionais


O Brasil vai produzir, a partir de 2017,
medic amentos biote cnológicos
100% nacionais para tratamento de
Gadelha, disse que, além de economia
para os cofres públicos, a parceria, que
envolve também pesquisa e desen-
câncer, artrite e outras doenças. O ter- volvimento tecnológico, trará benefí-
mo de cooperação nesse sentido foi as- cios, como desenvolvimento de novos
sinado (2/7) entre a Fiocruz, o Instituto produtos e geração de emprego. “A
Vital Brasil e a Bionovis (associação dos área de biofármacos é cada vez mais
laboratórios Sem, Aché, Hypermarcas essencial para o tratamento de câncer
e União Química), prevendo a constru- e de doenças degenerativas, e só será
ção de uma nova fábrica, no campus agregada como componente de direito
da Fiocruz, em Jacarepaguá, Rio de dos cidadãos brasileiros se tivermos
Janeiro, em uma área que ocupa mais capacidade de produzir tais medica-
de 500 hectares, informou a Agência mentos em território nacional”, afirmou
Brasil (2/7). Hoje, o país é totalmente (Agência Brasil, 2/7).
dependente de importações. Inicialmente, a unidade produzirá
As empresas investirão R$ 500 os medicamentos rituximabe, indicado
milhões nos próximos cinco anos e rece- para linfoma e artrite reumatoide; eta-
berão incentivos fiscais para instalação C.N. nercepte e infliximabe, ambos para artrite
da fábrica, que deve estar concluída no reumatoide; e cetuximabe, trastuzumabe
final de 2016, informou O Globo (3/7). e bevacizumabe, usados no tratamento
Os medicamentos biológicos – feitos global”, disse o secretário de Ciência, de câncer. O acordo prevê que as tecno-
com células vivas modificadas geneti- Tecnologia e Insumos Estratégicos do logias dos seis insumos sejam transferidas
camente – abastecerão o SUS, e a pro- Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, integralmente para o Brasil até 2021. Esse
dução nacional deve gerar economia de durante a assinatura do termo de coo- foi o primeiro registro concedido pela
R$ 460 milhões aos cofres públicos, em peração, na Fiocruz, no Rio de Janeiro. Agência Nacional de Vigilância Sanitária
cinco anos. “A saúde só será um direito Ele acrescentou que o Brasil “é o quarto (Anvisa) para o desenvolvimento de um
se tivermos capacidade tecnológica pro- mercado de Saúde do mundo”. medicamento biológico em uma parceria
dutiva no país que mexa com o mercado O presidente da Fiocruz, Paulo público-privada no país.

RADIS 145 • OUT / 2014 [ 5 ]


Comissão da Verdade entrega ossada Migrantes, não
de líder camponês à família ‘estrangeiros’

FOTO: REPÓRTER BRASIL


Comissão Nacional da Verdade (CNV) em seguida, a gente teve a notícia de que
divulgou (29/8) laudo confirmando ele foi preso. Eu vi meu pai chorando, minha
que os restos mortais desenterrados mãe chorando, e eu não entendia aquela
do Cemitério Campo da Esperança, no agonia”, contou, lembrando que, em segui-
Distrito Federal (foto), são do líder campo- da, veio a notícia da morte de Epaminondas
nês maranhense Epaminondas Gomes de e a ordem para a família ficar calada.
Oliveira, morto em 1971, 11 dias após ter De acordo com o laudo, a identifica-
sido preso por militares, no Pará, informou
a Agência Brasil (30/8). A ossada foi leva-
da para Porto Franco (MA), cidade onde
ção dos restos mortais do líder camponês
foi determinada com base em exames an-
tropológicos e documentais e de testemu-
O Ministério da Justiça apresentou
(29/8) proposta para uma nova Lei de
Migrações, para substituir o Estatuto do
viveu o camponês, para ser enterrada. Foi nhas que conviveram com ele. Na versão Estrangeiro, datado de 1980, período de
a primeira vez que a comissão conseguiu oficial, o Exército atestou que Epaminondas ditadura militar, e assinado pelo então pre-
identificar e devolver aos familiares os morreu em decorrência de coma anêmico, sidente João Figueiredo, informou O Globo
restos mortais de uma vítima da ditadura, choque, desnutrição e anemia. “Quando (30/8). Comissão de especialistas instituída
informou O Globo (30/8). foi presa, a pessoa estava gozando de boa pelo ministério entregou o anteprojeto de
“É um momento de muita emoção, saúde, e, logo após, seu quadro piora e lei, cujo texto não trata de estrangeiros,
porque a CNV conseguiu localizar o corpo ele vem a óbito em circunstâncias estra- mas de migrantes, e considera o primeiro
de uma pessoa que estava desaparecida nhas”, observou o legista Aluísio Trindade, termo pejorativo. Um grupo de trabalho
e fez hoje a entrega dos restos mortais à coordenador da equipe que elaborou o interministerial analisará o anteprojeto, que
família para que ela possa velar o corpo e laudo. A análise, no entanto, não permitiu propõe desburocratizar procedimentos de
sepultar dignamente”, disse o coordena- aos peritos desmentir ou acrescentar regularização, garantir participação política
dor da comissão, Pedro Dallari, em sessão elementos à causa mortis atestada pelo dos imigrantes e criar um órgão estatal
pública sobre o caso. médico do Exército. para atendê-los – o que retiraria funções
Epaminondas integrava o Partido “ F o i u m a c a m i n h a d a”, d i s s e da Polícia Federal, que cuida hoje de boa
Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), Epaminondas Neto. “Posso dizer, em nome parte dos pedidos de residência e refúgio.
organização derivada da Ação Popular de todos nós, que o nosso sonho era vir a O Estatuto do Estrangeiro hoje em
(AP), e foi preso em um garimpo paraen- Brasília pegar os restos mortais [do meu vigor é considerado arcaico. Proíbe que o
se, em 7 de agosto de 1971, durante avô]. Isso durou 43 anos. Foi uma história migrante participe de atividade de cunho
a Operação Mesopotâmia, que visava de dor, de muito sofrimento, de muita político, como filiar-se a sindicatos, dificulta
prender lideranças políticas da oposição. O incerteza. Meu pai morreu e não pôde ver a regularização e também dá ao Ministério
camponês foi declarado morto enquanto o seu pai ser enterrado”. da Justiça o poder de impedir exibições ar-
estava sob custódia do Exército, em 20 de tísticas estrangeiras, se forem consideradas
FOTO: ELZA FIÚZA/ABR

agosto de 1971, aos 68 anos, no antigo conflitantes com interesses nacionais.


Hospital de Guarnição de Brasília, atual Os migrantes que deixam o país –
Hospital Militar de Área de Brasília. emigrantes – também são contemplados
Seu neto, Epaminondas de Oliveira na proposta. A comissão avalia que, se o
Neto, falou em nome da família e lembrou migrante era assunto de segurança nacio-
que o avô lutava por igualdade e liberdade nal, agora pode ser um tema de direitos
e, já na década de 1930, defendia a alfa- humanos. Outro aspecto novo é que o
betização de adultos, tendo dado aulas de anteprojeto não vincula mais a regulariza-
reforço escolar. “Eu tinha 9 anos quando ção migratória ao emprego formal, e busca
meu avô foi levado em um caminhão. Logo incluir socialmente os migrantes.

Sociedade civil toma posse no Conselho Nacional de Juventude


O Conselho Nacional de Juventude
(Conjuve) empossou novos conselhei-
ros da sociedade civil, em sua 37ª Reunião
terço refere-se a representantes do poder
público. A cerimônia de posse contou
com a presença do então ministro-chefe
será realizada a 3ª Conferência Nacional
de Juventude”, disse.
Durante a reunião ordinária fo-
Ordinária (27/8), em Brasília. Ao todo, 62 da Secretaria Geral da Presidência da ram eleitos os novos presidente e
entidades irão compor as 40 cadeiras de República, Gilberto Carvalho, e da se- vice-presidente do conselho, Ângela
titulares e outras 40 de suplentes, entre cretária Nacional de Juventude, Severine Guimarães, dirigente da União da
elas, membros do movimento estudantil; Macedo. Juventude Socialista, e Daniel Souza,
trabalhadores rurais e urbanos; represen- Essa é a primeira gestão da socieda- representante da Rede Ecumênica da
tantes de jovens negros, indígenas e qui- de civil após a aprovação do Estatuto da Juventude pela Promoção dos Direitos
lombolas; jovens empreendedores; jovens Juventude, em julho de 2013, como lem- Juvenis, e os integrantes das três
ligados ao hip hop e ao funk; e integrantes brou o secretário Nacional de Juventude comissões da entidade – Articulação
de organizações religiosas, entre outros, em exercício, no momento da posse, e Diálogo (CAD), Acompanhamento
informou o site da Secretaria Nacional de Rodrigo Amaral. “Agora o desafio é a im- de Políticas e Programas (C APP) e
Juventude (26/8). Os novos conselheiros plementação das onze diretrizes expressas Comunicação e Parlamento. “O Conjuve
da sociedade civil representam dois terços em Lei, com maior participação e controle representa todos os invisíveis como su-
do total de integrantes do conselho – um social, destacando, ainda, que em 2015 jeitos de direito e de fato”, disse Ângela.

[ 6 ] RADIS 145 • OUT / 2014


Amazônia: PIB melhora, qualidade de vida, não
R elatório publicado pela organização
Imazon, instituto de pesquisa volta-
do ao desenvolvimento sustentável da
Comparada com o restante do Brasil, a
região apresenta resultados inferiores para
todas as dimensões e quase todos os com-
Amazônia, indicou que o investimento ponentes do índice. “Se quisermos que
feito há 40 anos por programas de de- a população assuma o papel de guardiã
senvolvimento para a região amazônica dos recursos naturais, a qualidade de vida
não foi capaz de gerar progresso para dessas pessoas tem que melhorar muito”,

FOTO: GLEISON MIRANDA/ SECOM-AC


seus habitantes, informou O Globo analisa o pesquisador Beto Veríssimo, um
(23/8). “Houve um crescimento do dos autores do estudo.
Produto Interno Bruto (PIB) da região, A dimensão 1 do IPS, necessidades
mas, ao mesmo tempo, com o processo humanas básicas, apresentou índice de
de ocupação da fronteira, desmatamento 58,75 – abaixo da média nacional, de
e concentração de renda e terra, isso 71,60. A dimensão 2, fundamentos para
não representou um bem estar para a o bem estar, obteve o resultado mais alto
população”, disse o diretor executivo (64,84), mas ainda assim, abaixo da mé-
do Instituto de Pesquisa Ambiental da dia nacional (70,42). O melhor resultado
Amazônia (Ipam), Paulo Mourinho. mais de 50 indicadores, entre eles, saúde, foi alcançado pelo componente sustenta-
Na região, vivem mais de 24 milhões moradia, acesso a informação e susten- bilidade dos ecossistemas (74,85), devido
de pessoas em 772 municípios de nove tabilidade, e representa diagnóstico mais principalmente à queda recente no des-
estados e, segundo o relatório, a popu- detalhado do progresso social e ambien- matamento e também a maior proporção
lação não tem acesso a direitos básicos, tal. O desempenho social da Amazônia era de Áreas Protegidas (Terras Indígenas e
como saneamento e moradia. A situação avaliado somente por índices que sofrem Unidades Conservação) na região. A dimen-
na Amazônia mostrou-se mais grave do forte influência da economia. O IPS possi- são 3 (oportunidades) teve o pior desempe-
que a do restante do país, de acordo com bilita avaliar o progresso social da região, nho na região, com índice de 48,33. Além
o Índice de Progresso Social (IPS), um considerando exclusivamente indicado- do relatório com os principais resultados do
instrumento de medição internacional, res sociais e ambientais. IPS Amazônia, podem ser acessados no site
adaptado para o Brasil pelo Imazon. O ín- O IPS médio da Amazônia (57,31) do Imazon os resultados municipais desa-
dice avalia o desenvolvimento por meio de é inferior à média nacional (67,73). gregados (www.imazon.org.br).

Brasil é oitavo em suicídios no mundo


R elatório divulgado (4 / 9) pela
Organização Mundial da Saúde (OMS)
apontou que o Brasil é o oitavo país com
Para a OMS, o tabu em torno deste tipo
de morte impede que famílias e governos
abordem a questão abertamente e de for-
restrição de acesso a meios utilizados
para o suicídio (armas de fogo, pesticidas
e medicamentos), redução do estigma
mais suicídios no mundo. De acordo com ma eficaz. De acordo com o relatório, ainda, e conscientização do público. E, ainda,
o estudo, uma pessoa comete suicídio nos países ricos, a prática tem relação com fomentar a capacitação de profissio-
no mundo a cada 40 segundos. São desordens mentais provocadas especial- nais da saúde, educadores e forças de
804 mil casos por ano – uma taxa de mente por abuso de álcool e depressão. Já segurança.
11,4 mortes para cada grupo de 100 mil nos mais pobres, as principais causas são Ouvido pelo G1, o psiquiatra
habitantes, informou o portal G1 (4/9). pressão e estresse por problemas socioeco- Geraldo Possendoro, professor convi-
A OMS chamou a atenção dos gover- nômicos. Há casos, ainda, de pessoas que dado de Medicina Comportamental da
nos para o que considerou “um grande tentam superar traumas vividos durante Unifesp, observou que, em mais de 90%
problema de saúde pública” que não é conflitos bélicos, desastres naturais, violên- dos casos de suicídio, a pessoa já tinha
tratado e prevenido de maneira eficaz. cia física ou mental, abuso ou isolamento. alguma doença psiquiátrica; e a psicóloga
Os estudos mostraram, ainda, que 75% A OMS recomenda aos países esta- Karen Scavacini, do Instituto Vita Alere
dos casos envolvem pessoas de países belecer estratégias de prevenção, como de Prevenção e Posvenção do Suicídio,
onde a renda é considerada baixa ou apontou que, além dos sinais diretos que
média. O Brasil é o oitavo país em número a pessoa emite quando tem a intenção
de suicídios. Em 2012, foram registradas de se matar – falar explicitamente que
11.821 mortes, sendo 9.198 homens e quer morrer, por exemplo –, alguns sinais
2.623 mulheres (6 para cada grupo de 100 indiretos também podem ser percebi-
mil habitantes). Entre pessoas com 70 anos dos. “A pessoa começa a se despedir
ou mais, o índice é maior. de parentes e amigos, pode apresentar
Entre 2000 e 2012, houve aumen- muita irritabilidade, sentimento de culpa,
to de 10,4% na quantidade de mortes choros frequentes”, enumerou. “Também
– alta de 17,8% entre mulheres e de pode começar a colocar as coisas em or-
8,2% entre os homens. O país com mais dem e ter uma aparente melhora de um
casos é a Índia (258 mil óbitos), seguido quadro depressivo grave, de uma hora
de China (120,7 mil), Estados Unidos para outra. Muitas vezes, isso significa
(43 mil), Rússia (31 mil), Japão (29 mil), que já se decidiu pelo suicídio, por isso
Coreia do Sul (17 mil) e Paquistão (13 fica mais tranquila. É a falsa calmaria”, diz.
mil). Apenas 28 países do mundo pos- Comportamentos de risco desnecessários
suem planos estratégicos de prevenção. C.N. podem ser observados nesse período.

RADIS 145 • OUT / 2014 [ 7 ]


Pesquisa avalia Mais Médicos: aprovação dos brasileiros
O Ministério da Saúde apresentou
(4/9) balanço de um ano do pro-
grama Mais Médicos, divulgando da-
compreender o que os médicos falavam.
Arthur Chioro informou que o Mais
Médicos superou a meta de profissionais
com o ministro, só foi possível garantir
o atendimento a toda demanda após a
chegada dos 11.429 médicos cubanos que
dos de pesquisa de opinião realizada participantes, atendeu 100% da demanda participam do programa.
pela Universidade Federal de Minas dos municípios e garantiu, pela primeira vez, Os 1.846 profissionais brasileiros
Gerais, que aponta índices altos de apro- médicos em todos os 34 distritos sanitários participantes do programa, que tinham
vação da iniciativa, informou a Folha de S. indígenas do país, informou a Rede Brasil prioridade na escolha, optaram por tra-
Paulo (5/9). Em coletiva para a imprensa, o Atual (4/9). Ele ressaltou, ainda, que a inicia- balhar em capitais e cidades médias. O
ministro da Saúde, Arthur Chioro, apontou tiva garantiu mais investimentos na atenção mesmo ocorreu com os 1.187 médicos
que, de acordo com a pesquisa, 95% dos básica e modernização de equipamentos de estrangeiros ou brasileiros com diploma de
beneficiados pelo programa estão satisfei- saúde pública, outros eixos do programa. outros países que aderiram ao programa,
tos ou muito satisfeitos com a iniciativa e, A meta inicial do governo federal era informou a reportagem da Rede Brasil
ainda, que 87% dos pesquisados deram de alcançar 13,3 mil médicos participantes Atual. “É a primeira vez que temos padrão
nota de oito a dez ao programa e, ainda, (Radis 134). Foram cinco ciclos de inscri- nacional de distribuição de médicos”,
que 74% acreditam que ele é melhor ou ção – privilegiando os profissionais brasi- ressaltou Chioro.
muito melhor do que esperavam. Foram leiros – resultando em 14.462 profissio- O ministério considerou prioritários
ouvidas 4 mil pessoas com mais de 16 nais selecionados, que estão espalhados os municípios com mais de 20% da popu-
anos, de 200 municípios e distritos sani- nos 3.785 municípios que solicitaram lação em situação de extrema pobreza,
tários indígenas atendidos. profissionais ao Ministério da Saúde e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Entre os entrevistados, 86% dis- em todos os distritos sanitários indígenas baixo ou muito baixo, e os localizados no
seram que a qualidade do atendimento do país, prestando atenção básica a pelo médio e alto Araguaia, no Vale do Ribeira
médico é melhor ou muito melhor do que menos 50 milhões de pessoas. (SP), Vale do Jequitinhonha (MG), Vale do
a anterior, 84% afirmaram que o tempo “O programa contempla todos os Mucuri (MG), além dos distritos indíge-
de duração das consultas melhorou ou estados, mesmo os mais ricos, como São nas. Aí se concentram 70% dos médicos
melhorou muito, assim como os esclare- Paulo, o que mostra que havia necessidade do programa.
cimentos sobre os problemas de saúde de médicos não só no sertão nordestino “Era uma polêmica se os médicos do
(83%), facilidade de atendimento (79%), e na Amazônia, mas também nas perife- programa estariam aptos a atender a po-
comunicação com o médico (73%) e rias das cidades grandes e médias”, disse pulação com qualidade. Mostramos que
tempo de espera por uma consulta (73%). Chioro, observando que, em relação aos sim”, disse Chioro. “É importante não só
Dos beneficiados pelo programa, 87% 34 distritos de saúde indígena, foram garantir o atendimento, mas que ele seja
afirmam que não tiveram dificuldade de atendidos 600 mil índios. De acordo cada vez mais de respeito e humanizado”.

Fome diminui, mas ainda afeta 805 milhões de pessoas no mundo


R e lató r i o di v ul gad o (16 / 9) p e la
Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
fixados pelas Nações Unidas para 2015.
O país tem, hoje, 3,4 milhões de pessoas
em situação de insegurança alimentar, ou
Ásia, região mais populosa do mundo, 526
milhões de pessoas passam fome. Em re-
lação ao aumento da segurança alimentar,
apontou que o número de pessoas atin- 1,7% da população nacional, informou a América Latina e Caribe destacaram-se:
gidas pela fome no mundo diminuiu em Folha Online (16/9). O relatório destacou a região reduziu em 45,9% o número de
mais de 100 milhões na última década, o programa Fome Zero e a entrada da pessoas que passam fome. O Haiti apare-
mas que cerca de 805 milhões, ou um segurança alimentar no centro da agenda ce com a situação mais grave: 51,8% da
habitante em cada nove, ainda sofrem do governo brasileiro. população subnutrida. O texto realça a
sem ter o que comer, informou o Correio Até a data da pesquisa, 63 países necessidade de compromisso político no
Braziliense (16/9). Elaborado com o em desenvolvimento haviam atingido a combate à fome. “A insegurança alimentar
Fundo Internacional de Desenvolvimento meta dos ODMs, e mais seis estavam no e a desnutrição são problemas complexos
Agrícola (FIDA) e o Programa Mundial caminho para alcançá-la em 2015. Regiões que não podem ser resolvidos por um
de Alimentos (PMA), o estudo mostra, como a África Subsaariana e o continente setor ou parte interessada sozinhos, mas
ainda, que o Brasil reduziu à metade a asiático, no entanto, ainda estão fora des- precisam ser enfrentados de forma coor-
porcentagem de sua população atingida se cenário. Na África Subsaariana, mais de denada”, registrou o relatório.
pela fome, cumprindo um dos Objetivos uma em cada quatro pessoas permanecem A pesquisa incluiu sete estudos de
de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), cronicamente subnutrida, enquanto na caso, entre eles o do Brasil – além de
Bolívia, Haiti, Indonésia, Madagascar,
Malaui e Iémen, definidos por suas polí-
Radis Adverte ticas, diretrizes econômicas e diferenças
culturais. A Bolívia, por exemplo, está
envolvendo no processo de combate à
fome os povos indígenas anteriormente
marginalizados.

SÚMULA é produzida a partir do acompanha-


mento crítico do que é divulgado na mídia
impressa e eletrônica.

[ 8 ] RADIS 145 • OUT / 2014


TOQUES DA
REDAÇÃO

Pode não pagar? Gravidez, só se a Em defesa do SUS


empresa deixar O Centro Brasileiro de
Estudos em Saúde

A empresa de telemarketing Brasil Center


Comunicações, do Grupo Embratel,
resolveu pôr “ordem na casa” e fazer um
(Cebes) está divulgando,
em versão impressa e
digital, a publicação Por
Programa de Gestação para “conciliar a que defender o Sistema
gravidez das funcionárias com o aten- Ú n i co de Sa ú de? –
dimento das demandas de trabalho”. A Diferenças entre Direito
denúncia foi feita por uma das empre- Universal e Cobertura
gadas, e o Tribunal Superior do Trabalho Universal de Saúde, que busca subsidiar

A manchete Economia fraca faz calote


a FGTS subir 42%, publicada no jornal
O Globo em 15/9, mais desinforma do
condenou a empresa a indenizá-la em R$
50 mil. Conforme o relato, as regras foram
estabelecidas por uma gerente e enviadas
tanto as eleições de 2014 quanto a próxi-
ma Conferência Nacional de Saúde, que
se realizará em 2015. No documento, o
que informa o leitor. Culpa a economia por email. As empregadas que já tivessem Cebes resgata a história do SUS e aponta
do país pelo fato de as empresas estarem filho somente poderiam engravidar depois as estratégias para que o setor público
inadimplentes. Não é demais lembrar das empregadas à frente. Se mais de uma acabe por financiar o setor privado de saú-
que elas indicam nos contracheques de empregada estivesse “elegível”, a escolha de. Uma dessas estratégias é a defesa da
seus funcionários, mensalmente, que o obedeceria a ordem de chegada. As que cobertura universal, que “promete acesso
desconto para o FGTS foi feito. Reunindo não fossem casadas oficialmente estariam aos serviços de saúde, mas separando ri-
uma coleção de números altos no subtítulo fora do programa. A orientação incluía cos e pobres, de acordo com a capacidade
(Houve 18.558 novas dívidas em 2013. ainda comunicar a empresa do plano de en- de pagar”, em detrimento dos sistemas
Débito total chegou a R$ 2º,5 bi), a cha- gravidar com antecedência de seis meses. universais de saúde, que “visam à garantia
mada parece buscar envolver o leitor em A gerente disse que tudo não teria pas- de saúde para todos e à consolidação do
um cenário de crise para justificar o não sado de brincadeira. No entanto, planilhas direito à saúde”. A publicação pode ser
cumprimento das empresas daquilo que estabelecendo uma “fila para a atividade baixada em: http://cebes.com.br/site/wp-
é sua obrigação. Faltou o jornal informar reprodutiva das trabalhadoras” indicavam -content/uploads/2014/07/layout-7-para-
que o trabalhador pode acionar na Justiça o contrário. Uma ofensa à dignidade e à in- -internet.pdf ou no site do Programa Radis
o patrão que sonega direitos. timidade das mulheres, concluiu o processo. (www.ensp.fiocruz.br/radis).

Ponto de vista Medicalização Elogio e correção


O destaque para o Brasil como caso
de sucesso no esforço mundial pela
redução da fome, agora restrita a 1,7%
Q uem chamou atenção foi uma jornalis-
ta leitora da Radis: há uma enxurrada
de anúncios de remédios nos canais de
P rocurou a Radis
a secretária de
Atenção à Saúde do
da população (3,4 milhões de pessoas), TV abertos. “De cada dez anúncios da Ministério da Saúde,
chegou a ser reconhecido pelo jornal Record, sete são de remédios. Os outros Aparecida Linhares
Washington Post, mas não entre alguns são de celulares, eletrônicos e carros”, Pimenta, para elogiar
veículos brasileiros. Enquanto no jornal exemplifica. “A tal da Neosaldina tem até a reportagem sobre
americano a manchete foi Brasil sai do um clube, os Neosa, como se fosse uma o sanitarista David
mapa da fome da ONU, a rádio CBN torcida organizada, quando todos sabe- Capistrano (R a d is
preferiu realçar que 3,4 milhões de bra- mos que dor de cabeça é um alerta, um 143), apontando-a
sileiros vivem em insegurança alimentar, sintoma e deve ser objeto de exames”. Ao como “muito lúcida”
segundo ONU, e o jornal O Povo que o final dos anúncios, observa ela ainda, uma e “com belos depoimentos de seus amigos
Brasil ainda tem 1,7% das pessoas com voz em off alerta em alta velocidade: Se mais queridos”.
insegurança alimentar. O índice abaixo persistirem os sintomas, um médico deve Aparecida, que militou com David
dos 5% aponta o fim da fome estrutural ser procurado. “Soa como “um escárnio”, no PCB, foi sua companheira de partido
no país, uma notícia, com certeza, a se considera a leitora. Vale prestar atenção e no PT, tendo sido, ainda, sua sucessora na
comemorar. engrossar os protestos na Anvisa. Secretaria Municipal de Saúde de Bauru
(SP), solicitou, no entanto, duas correções
aqui contempladas. David não deixou
Homenagem a Akira Homma o Partido dos Trabalhadores, conforme
indicou a reportagem. Na verdade, o vín-

S eleção realizada pela organiza-


ção Va cci n a t i o n com apoio do
Congresso Europeu de Vacinas indicou
Akira foi presidente da Fiocruz
(19 8 9 -19 9 0 ), v i c e - p r e s i d e n t e d e
Tecnologia da instituição (1997-2000) e
culo com o PT deu-se até o final da vida
do sanitarista, que teve o caixão coberto
com a bandeira do partido.
entre as 50 pessoas mais influentes diretor de Bio-Manguinhos(1976-1989). Retificamos também o nome do
na indústria de vacinas em todo o Atualmente, é, ainda, membro do prefeito de Bauru, em cuja gestão David
mundo o pesquisador da Fiocruz Akira Grupo Técnico Assessor do Programa Capistrano foi secretário de Saúde: na
Homma. Presidente do Conselho Político de Imunização da OPA S/OMS e do reportagem estava indicado Tidei de Lima,
e Estratégico de Bio-Manguinhos (CPE/ Programa Nacional de Imunizações do mas foi com o prefeito Tuga Angerami, em
Fiocruz), Akira Homma conquistou a 20ª Brasil, e membro do Conselho Científico e sua primeira gestão, que o sanitarista tra-
posição. Em primeiro lugar, ficou o em- Tecnológico da Hemobrás e do Conselho balhou. Agradecemos à Aparecida pelos
presário Bill Gates, por apoio a pesquisas Executivo da rede de fabricantes de va- elogios e informações e nos desculpamos
em países em desenvolvimento. cinas DCVMM. com nossos leitores.

RADIS 145 • OUT / 2014 [ 9 ]


DESCENTRALIZAÇÃO

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[10] RADIS 145 • OUT / 2014


Bruno Dominguez a fragmentação municipalista do sistema de

E
saúde”, explica Luis Eugenio à Radis.
m 1992, o tema da 9ª Conferência A fragmentação se deu pelo privilégio
Nacional de Saúde indicava: ao papel do município sem a face da coor-
Municipalização é o caminho. Em 2014, denação regional e com fraco papel dos
sanitaristas reveem criticamente o pro- estados brasileiros na ordenação de redes
cesso de descentralização da saúde no Brasil e assistenciais, na avaliação da pesquisadora
reinventam esse slogan. Agora, “regionalização Ana Luiza d’Ávila Viana, coordenadora do
é o caminho”. A frase foi dita pelo presidente estudo Regiões e Redes, que reúne 90 pesqui-
da Associação Brasileira de Saúde Coletiva sadores em todo o país voltados a abordar o
(Abrasco), Luis Eugenio Portela, em seminário tema sob diversas perspectivas. Somou-se a
do 7º Congresso Interno da Fundação Oswaldo isso, segundo ela, padrão de financiamento
Cruz (Fiocruz), em 1º de agosto. “A regionaliza- baseado fortemente em recursos municipais
ção é o caminho porque pode permitir superar e transferências federais.

RADIS 145 • OUT / 2014 [11]


“A ênfase nos municípios inibiu a cobertura No processo, diz ele, ocorreu um desvirtua-
universal”, afirma Ana Luiza. Mesmo municípios mento da noção de “comando único”: quando
com maior nível de renda tiveram dificuldade de criado, o conceito pretendia unificar o comando
construir uma rede de serviços que ofereça cui- do sistema de saúde no Ministério da Saúde e nas
dados da atenção primária à alta complexidade. secretarias da Saúde, superando a dicotomia com
Naqueles com menos recursos, o que se constata a área da Previdência Social. No entanto, passou-se
hoje são vazios assistenciais — especialmente a se falar de “comando único municipal”, o que,
de equipamentos de maior complexidade, o que segundo o presidente da Abrasco, não faz sentido
gera peregrinação de moradores de municípios de em uma Federação — “ainda mais em uma área
pequeno porte para grandes capitais em busca de como a Saúde, que exige participação solidária das
atendimento especializado. três esferas de governo”.
Autor de proposta recente que põe em des- Luis Eugenio analisa que, por um lado, a
taque as regiões de saúde, intitulada SUS Brasil, o descentralização representou avanço importante
professor do Departamento de Medicina Preventiva para concretizar o SUS. Foi o que propiciou a
e Social da Universidade Estadual de Campinas expansão da oferta, fortemente dependente dos
Gastão Wagner é outro nome que aponta que, investimentos feitos pelos municípios, sobretudo
sem a constituição de redes, o país não conse- na atenção básica; estimulou a formação dos
guirá garantir a integralidade do cuidado. “Foram Conselhos Municipais de Saúde, criando espaço
atribuídas aos municípios responsabilidades im- significativo de participação social; e sustentou o
possíveis de serem atingidas: da atenção básica à fortalecimento da racionalidade técnico-sanitária,
alta complexidade, passando pelas especialidades, com a organização de estruturas administrativas
pelo enfrentamento de epidemias...”. O caminho, (as secretarias municipais de Saúde) para conduzir
então, é regionalizar. as políticas da área.
Luis Eugênio: noção de Por outro, indica ele, a descentralização não
‘comando único‘desvirtuada; foi acompanhada do fortalecimento dos meca-
Ana Luiza: municipalização MUNICIPALIZAÇÃO ‘EXAGERADA’
nismos de coordenação federativas, entre União,
inibiu cobertura universal,
A descentralização é um dos princípios orga- estados e municípios. “Hoje, está claro que a
mesmo em municípios
com mais renda
nizativos do SUS, estabelecidos em 1990, pela Lei descentralização fazia parte também do projeto
8.080. O texto previa descentralização político-ad- neoliberal de redução da ação estatal na área so-
ministrativa, com direção única em cada esfera cial, com a desresponsabilização da União com a
de governo, ênfase na descentralização execução de políticas sociais”, observa.
dos serviços para os municípios e O presidente do Conselho Nacional de
regionalização e hierarquização Secretarias Municipais de Saúde (Conasems),
da rede de serviços de saúde. Antônio Carlos Figueiredo Nardi concorda que, do
“A municipalização foi a modo como aconteceu, a descentralização colocou
estratégia mais viável de sobre os municípios um peso muito grande. “Em um
descentralização, pois sistema interfederativo e solidário, temos que ser
permitiu a aliança entre solidários em tudo, dividir inclusive os ônus — entre
os sanitaristas e os mu- eles o financiamento”. A média de investimento dos
nicipalistas. Olhando, municípios na saúde é hoje de 22% da receita, com
retrospec tivamente, alguns chegando até 30%, quando a lei estabelece
é possível pensar que aplicação mínima de 15%.
houve, sim, um exage- O que diferencia o discurso de Nardi do de Luis
ro na municipalização, Eugênio é que, para Nardi, o “exagero” foi positivo.
como se fosse possível “A municipalização da saúde mostrou a que veio.
que todos os municípios Se não tivesse sido tão radical, o sistema não teria
cumprissem o papel de se efetivado. São hoje os municípios que tocam o
único prestador de serviços”, SUS. É nos municípios que a saúde acontece. São
KA
US

analisa Luis os municípios que contratam, atendem, executam


A
PL
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IP
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: Eugenio. todos os serviços de saúde”.
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NORMA APÓS NORMA


De acordo com Ana Luiza, a política de saúde
dos governos desenvolveu formas de indução da
descentralização e da regionalização do SUS. A
ÃO
GAÇ

regulação desses processos foi realizada pelo


DIVUL

Ministério da Saúde por meio da normatização,


com a edição anual de dezenas de portarias,
em geral associadas a mecanismos financeiros,
que favoreceram a adesão e implementação
das políticas pelos gestores locais e estaduais.
Sucessivas Normas Operacionais do SUS
trataram da regionalização. A Norma Operacional
Básica do SUS 01/93 referiu-se à estratégia da
regionalização a partir de um enfoque na arti-
culação e mobilização municipal, com vistas a

[12] RADIS 145 • OUT / 2014


FOTO: ABr

Exames como a tomografia


podem ser oferecidos em
garantir acesso à saúde, embora ainda não priori- definiu as regiões como áreas de abrangência ter- uma rede regionalizada
zasse a estruturação de regiões de saúde. A Norma ritorial e populacional sob a responsabilidade das e hierarquizada de
Operacional Básica do SUS 01/96, com a finalidade redes de atenção à saúde. serviços de saúde
de promover o avanço e consolidar a gestão muni-
cipal, reafirmou que a rede de serviços municipais
COAP ESVAZIADO
deveria ser organizada segundo as diretrizes da
Constituição de 1988. O conceito de região de saúde foi retomado
“O balanço que se faz do modelo de descen- no Decreto 7.508/11 e na Resolução CIT Nº 1, de 29
tralização no SUS nos anos 1990 é de que ele foi de setembro de 2011, sendo definida como “espaço
importante para a expansão da cobertura de servi- geográfico contínuo constituído por agrupamentos
ços e recursos públicos provenientes dos governos de municípios limítrofes, delimitado a partir de iden-
subnacionais. Porém, não foi capaz de resolver tidades culturais, econômicas e sociais e de redes
as imensas desigualdades regionais presentes no de comunicação e infraestrutura de transportes
acesso, na utilização e no gasto público em saúde; compartilhados, com a finalidade de integrar a or-
além de não ter conduzido à integração de servi- ganização, o planejamento e a execução de ações
ços, instituições e práticas nos territórios, nem à e serviços de saúde” (Radis 109).
formação de arranjos mais cooperativos na saúde”, De acordo com o texto, uma região deve ter, no
conclui Ana Luiza no artigo Expansão, qualificação mínimo, ações e serviços de atenção primária, urgên-
e regionalização da oferta de serviços e ações de cia e emergência, atenção psicossocial, atenção am-
saúde, que assina com mais três autores. bulatorial especializada e hospitalar e vigilância em
A definição de região de saúde apareceu saúde. À época, foram identificadas pelo Ministério
pela primeira vez com a publicação das Normas da Saúde 419 regiões, que deveriam ter condições
Operacionais de Assistência à Saúde do SUS para realizar de consultas de rotina a tratamentos
01/2001, cujo principal objetivo era a equidade complexos. Os instrumentos para sua efetivação se-
na alocação de recursos e no acesso às ações e riam o mapa sanitário; os Contratos Organizativos de
serviços de saúde. A regionalização foi definida, Ação Pública (Coap); os planos de saúde; a Relação
então, como macroestratégia para aprimorar a Nacional de Ações e Serviços de Saúde (Renases);
descentralização. a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
Em 2006, com a publicação do Pacto pela (Rename); e as Comissões Intergestores.
Saúde, a concepção da regionalização foi ampliada Mas, de lá prá cá, apenas três estados aderiram
para além da assistência e apresentada como eixo ao Coap: Ceará, Mato Grosso do Sul e Sergipe. Nardi
estruturante do Pacto de Gestão, sendo responsável explica que estados e municípios resistem porque
por potencializar o processo de descentralização, não há recursos novos envolvidos. “Não vamos
fortalecendo estados e municípios para exercerem assinar mais do mesmo. O Coap deveria servir para
seu papel de gestores. A Portaria 4.279, de 2010, identificar a capacidade instalada hoje em todo

RADIS 145 • OUT / 2014 [13]


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O: ABr
o Brasil, as necessidades para diminuir os vazios articulação do SUS, fazer uma reforma da gestão
assistenciais e os recursos financeiros para acabar pública e diminuir a interferência político-partidária
com esses vazios”, diz. clientelista na saúde sem burocratizar”, explica.
Luis Eugenio lamenta que o contrato organizati- Assim, diz, haveria um planejamento conjunto
vo de ação pública, que para ele “é uma alternativa”, da saúde em cada uma das regiões (que ele propõe
não tenha sido amplamente adotado. “O Conselho serem 202 no país): onde falta atenção básica? quais
Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) é muito são os problemas de urgência e emergência? onde
explícito, nesse caso: sem dinheiro novo não há como há tratamento de câncer? que municípios contam
assumir compromissos de maneira tão formalizada. com centros de atenção psicossocial? Os profissio-
Os gestores municipais também estão inseguros em nais de saúde seriam contratados pelo SUS Brasil, por
assumir compromissos, ainda mais com o próprio concurso, com plano de carreira a partir de finan-
Poder Executivo federal se dando o direito de denun- ciamento comum: da União, dos estados e de cada
ciar os gestores que não cumprirem o contratado”. município (conforme o número de trabalhadores).
“Mais do que uma proposta, o SUS Brasil é
uma provocação. Uma maneira de acabar com a
SUS BRASIL
privatização da saúde e diminuir a multiplicidade
No bojo da discussão “adere” ou “não adere” de modelos de gestão”, diz Gastão. “Temos que
ao Coap, Gastão Wagner apresentou uma proposta, repensar a administração pública, fazer a reforma
que ele chama de SUS Brasil: uma autarquia especial da reforma de que falo há tanto tempo. E já temos
integrada pelo Ministério da Saúde, Secretarias de experiências positivas com as universidades fede-
Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde, rais, que são autarquias, públicas e com controle
organizada por regiões de saúde, às quais caberia a governamental. Se a minha provocação servir para
gestão de redes de atenção integral à saúde (ver pág. se criar uma autarquia somente para carreira na
16). Tendo como núcleo organizacional as Regiões saúde, tirando dos municípios essa responsabilidade,
de Saúde, a nova autarquia buscaria superar a frag- já seria uma grande vitória”.
mentação, a privatização e a inadequação da política Luis Eugenio avalia que é uma boa ideia, no
de pessoal do sistema. “O objetivo é aumentar a sentido de que toca na questão central das regiões

[14] RADIS 145 • OUT / 2014


FOTO: RADILSON GOMES

Cirurgias de alta
e das redes, a partir do aperfeiçoamento dos meca- de responsabilidades pode ser produtivo”.
complexidade e a
nismos de coordenação federativa. “Em tese, uma Ele aponta que o Ministério da Saúde, assim gestão das redes de
autarquia tripartite resolveria todos os problemas como diversas secretarias estaduais e mesmo grupos atenção integral:
de descoordenação federativa”, analisa, ressalvan- de municípios, têm feito esforços significativos para planejamento conjunto
do que “a viabilidade de criação de uma autarquia estruturar algumas redes, mas vê limitações nesses da saúde por regiões
desse porte e dessa complexidade, no entanto, não esforços. “Primeiramente, as redes não precisam
é evidente”. Já Nardi afirma discordar “veemente- ser sempre temáticas (rede de urgências, rede de
mente” da proposta: “O Coap com financiamento câncer, rede Cegonha etc.). Ao contrário, a ideia de
é a necessidade que o SUS tem para ser efetivado”. rede sugere a busca da integralidade da atenção.
Em segundo lugar, o subfinanciamento do SUS tem
inviabilizado negociações sérias entre os distintos
LUZ NO FIM DO CAMINHO
municípios e entre estes e os estados e a União
“No fundo, a estruturação das regiões está a para constituir as redes. Chega-se, quase sempre,
exigir a revisão do pacto federativo, ou melhor, está ao impasse, na discussão sobre quem vai assumir
a exigir o cumprimento do pacto formalizado na os custos que ultrapassam os montantes repassa-
Constituição federal de 1988”, vai além o presidente dos pelo Fundo Nacional de Saúde”, diz, para logo
da Abrasco. “Com efeito, ao longo dos anos 90, o reforçar a importância das redes.
Governo Federal voltou a concentrar a arrecadação “A regionalização apresenta as vantagens de
de recursos da sociedade (via contribuições, já que um sistema descentralizado — adequação das po-
as receitas de impostos são obrigatoriamente dividi- líticas e dos serviços à situação epidemiológica local
das), sem voltar a assumir as responsabilidades pela e favorecimento da participação democrática, já que
execução de políticas públicas, que foram descentra- os espaços de decisão permanecem próximos dos
lizadas pela Constituição. Nesse sentido, a reforma cidadãos comuns — sem as desvantagens de um
tributária é urgente, assim como o maior comparti- sistema fragmentado. Há a escala necessária para
lhamento de responsabilidades entre as três esferas uma gestão eficiente e colaborativa e conforma um
de governo. O Programa Mais Médicos talvez seja espaço de decisão em que as três esferas de governo
um bom exemplo de como esse compartilhamento são estimuladas a compartilhar”.

RADIS 145 • OUT / 2014 [15]


Gastão Wagner de Sousa Campos*
Uma utopia possível:
o SUS Brasil
A
dvogo que o SUS ainda necessita de uma unificação desse mosaico caberia ao Ministério da
ampla reforma administrativa e organiza- Saúde e às Secretarias de Saúde.
cional, e que, portanto, as inovações con- Essa doutrina, na prática, não vem produzin-
tidas na Lei Orgânica da Saúde e em leis do efeitos suficientes para uma adequada gover-
e decretos posteriores não foram suficientes para nança do SUS. Isto apesar do SUS, para integrar
proteger o SUS do caráter clientelista, privatista e entes federados autônomos — União, estados
ineficiente do Estado brasileiro. e cidades — em um sistema único, tenha criado
Uma diferença radical na organização do SUS arranjos organizacionais inovadores para a secular
em relação aos sistemas públicos foi o grau de tradição dos serviços públicos brasileiros.
descentralização adotado no país. Aqui optamos Ressalta-se a invenção de novos mecanismos
por considerar o município como núcleo básico de cogestão entre estes entes federados: a gestão
organizacional do sistema. O funcionamento sistê- colegiada, que deu origem a Comissão Tripartite
mico seria garantido pela atuação integradora das de âmbito nacional, as Comissões Bipartites com
secretarias de estado e pelo ministério da Saúde. governabilidade sobre projetos em cada estado
O resultado desta opção gerou efeitos paradoxais: e, mais recentemente, as Comissões Regionais de
tanto propiciando a existência de experiências Saúde, que reúnem todos os dirigentes municipais
exitosas em municípios com contexto favorável, de uma macrorregião com delegados do governo
o que serviu como efeito demonstração de que o estadual. Apesar da criação desses espaços de de-
modelo SUS era possível e efetivo, quanto também liberação participativa, observou-se uma tendência
instalando uma fragmentação do sistema já que do Ministério da Saúde e secretarias de estado em
cada município tem autonomia para definir sua utilizar mecanismos de repasse financeiro para
própria política de gestão e de atenção à saúde. induzir a adesão dos municípios a determinados
Essa construção municipal do SUS tem gerado programas e prioridades. É ainda muito recente
iniquidade, desigualdade e comprometido a sus- a tentativa de introduzir-se a metodologia dos
tentabilidade do SUS como um todo e mesmo das contratos ou de pactos de gestão entre os entes
redes locais (Mendes, 2013). federados. Apesar destes esforços, contudo, a
A essa forma de fragmentação decorrente da integração sistêmica ainda é baixa no Brasil.
dificuldade de integração em rede das políticas, Agravou ainda mais a fragmentação do SUS
programas e serviços federal, estaduais e muni- e, portanto, a baixa governança, a privatização
cipais, somou-se ainda uma antiga fragmentação direta ou indireta da gestão de serviços e de redes
típica da tradicional saúde pública brasileira, que municipais, apresentada como solução conserva-
atuava com programas focais, voltados cada um dora e liberal, supostamente potente para resol-
para um tipo de risco ou de enfermidade e que foi ver os impasses da administração pública. Com
ampliada ao longo da existência do SUS. isto, criaram-se dentro de um mesmo território
Ao SUS restou o desafio de compor um municipal agentes gestores com importante grau
sistema com milhares de modos de governar em de poder e autonomia para definir estratégias de
cada local e estado e ainda tentar compor isso cuidado, política de pessoal, entre outros aspectos.
com duas centenas de programas sanitários que Vale ressaltar que desde a constituição do SUS, ao
funcionam com regras e padrões de financiamento contrário do que ocorreu na implementação de
e de prestação de contas diferentes. Formava-se outros sistemas nacionais de saúde, optou-se como
uma nova Torre de Babel. Quem, que organismo, compra de serviços a hospitais e ambulatórios pri-
que gestor, que conselho teria governabilidade vados e filantrópicos, sob os quais os gestores têm
para unificar esses pedaços do Estado com grande baixa capacidade de controle e quase nenhuma
grau de autonomia de planejamento, de tomada governabilidade. Em decorrência, ao longo de toda
de decisão e de gestão tão ampliado? a história do SUS não se conseguiu integrar estes
Funcionamento sistêmico depende de coor- serviços conveniados e contratados à rede de saúde
denação e de forte interligação entre os pontos da e tampouco foi possível que adotassem normas e
rede. No caso, integração entre os vários sistemas práticas recomendadas pelo sistema.
municipais de saúde, programas e redes de atenção Bem, com todo esse processo de fragmen-
diferentes e desconectadas e inventadas por cada tação, de privatização e de descentralização
novo governante em exercício. Isto sem contar comprometeu-se o funcionamento sistêmico e
a tradição brasileira, típica dos países em que a integrado da política de saúde.
atenção à saúde é regulada pelo mercado, de fun- O processo de municipalização na saúde foi
cionamento isolado entre os milhares de serviços competitivo e não solidário (Mendes, 2013). O
e equipes de saúde. O papel de coordenação e de SUS, hoje, é um mercado imperfeito, um mosaico

[16] RADIS 145 • OUT / 2014


ingovernável em que mais de oito mil agentes de servidores já concursados por entes públicos po-
produção em saúde, com diferentes modalidades deriam optar para ingressar na nova carreira
organizacionais —secretarias municipais, esta- como quadro em extinção.
duais, redes e programas do MS, milhares de orga- • Para evitar a burocratização
nizações sociais, hospitais universitários, privados e e limitar o predomínio de inte-
filantrópicos –, com autonomia relativa para definir resses privados no SUS Brasil
suas prioridades, modelos de atenção e de gestão, seria ampliado e valorizado
política de pessoal –, operam com baixo grau de o sistema de cogestão e
planejamento, com subfinanciamento, sobreposi- de gestão participativa. O
ção de papéis e de responsabilidade, compondo Conselho Nacional de Saúde
um caos de governança impossível. e Comissão Tripartite fariam
Duas das consequências nefastas desse pro- o planejamento e gestão
cesso de fragmentação foram a precariedade das do SUS Brasil, valendose
políticas de pessoal e a inadequação das estratégias de gestores do MS, SES

BOECHAT
de gestão no SUS. [secretarias de estado de
A fragmentação não é a única causa para a Saúde] e SMS [secretarias

RINA
péssima gestão, nem para a péssima política de municipais de Saúde]. O

MA
pessoal do SUS, entretanto, neste caos, diluiu- mesmo modelo seria adota-

:
TO
FO
-se a responsabilidade de estados e da União, do nos estados e nas regiões
delegando-se aos municípios tarefas impossíveis de saúde.
de serem levadas a cabo ao nível local e de ma- • Ainda para diminuir a inter-
neira isolada. Produziu-se com isto uma cultura da ferência política partidária no SUS
improvisação, de precariedade e de maltrato em Brasil, todos os cargos de gestão
relação aos profissionais de saúde e ao cuidado de serviços e de programas deixariam
dos usuários. Infelizmente, esse padrão de simpli- de ser de livre provimento pelo Poder
ficação, de estratégia da precariedade, estendeu- Executivo e passariam a depender de seleção
-se também para infraestrutura, equipamentos interna oferecida aos profissionais do SUS Brasil,
e modelo de atenção e de cuidado. Gostaria de mediante processo de seleção pública.
indicar algumas estratégias para o SUS Brasil para • Seria criada a autoridade sanitária e corpo
concretizar esse debate em caminhos concretos: técnico para as Regiões de Saúde. O Secretário
uma utopia possível? Regional de Saúde seria indicado pelo Conselho
O SUS Brasil deveria superar a fragmentação, Regional de Saúde, obedecidos a prérequisitos
a privatização, a inadequação da política de pessoal técnicos, sanitário e a capacidade de gestão dos
tendo como núcleo organizacional as Regiões de candidatos.
Saúde. • Tudo isto para garantir devida atenção em saú-
• Constituir o SUS Brasil: uma autarquia especial de aos brasileiros, ampliando o financiamento para
integrada pelo Ministério da Saúde, Secretarias de 8% do PIB, a ser gasto em investimento prioritário
Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde. para a expansão da Atenção Básica para 80 a 90%
Todos os serviços de saúde de caráter público, bem dos brasileiros.
como contratos e convênios de todos os entes • Garantir equipe básica de qualidade com mé-
federados passariam a esta autarquia especial. dico, enfermeiro e apoio matricial multiprofissional
Constituir a autarquia com modelo organizacio- para o conjunto dos brasileiros.
nal e de gestão próprio e específico conforme as • A atenção básica não se destina somente a
singularidades e características da área da saúde. populações pobres, tratase de uma estratégia para
• O SUS Brasil seria organizado por Regiões de resolver 80% dos problemas de saúde mediante
Saúde. As regiões de Saúde fariam a gestão de cuidado personalizado e que implique abordagem
uma rede de atenção integral à saúde. Todos os clínica e preventiva. Para isso será necessário
serviços públicos teriam um modelo organizacional melhorar a qualidade da atenção básica: melhor
autárquico, que valeria para atenção básica, redes infraestrutura e integração com hospitais e serviços
de atenção, organizações sociais, fundações priva- especializados. Ampliar a liberdade das famílias,
das, etc. O fim da privatização e a invenção de um garantindolhes a possibilidade de escolher a qual
novo modelo público de organização e de gestão! equipe se vincular em uma dada região.
• Todos os profissionais de saúde que traba- • Estima-se a necessidade de 200 novos hospi-
lharem no SUS passariam à gestão da autarquia tais gerais em regiões carentes. Para construílos
especial por dois caminhos: optariam livremente e equipálos serão necessários R$ 10 bilhões, o
por integrar as novas carreiras do SUS Brasil ou custeio anual exigirá orçamento semelhante. A
seriam cedidos por municípios, estados, universi- recuperação e reorganização da precária da rede
dades para o efetivo exercício no SUS Brasil. Seriam já existente custarão outros R$ 20 bilhões anuais.
criadas carreiras profissionais para o SUS Brasil. Haveria ainda que se ampliar o gasto com a vi-
Carreiras multiprofissionais organizadas pelas gilância em saúde, controlar epidemias, drogas,
grandes áreas de cuidado do SUS: atenção básica, violência. Para isso, outros R$ 5 bilhões/ano. Enfim,
vigilância à saúde, urgência e emergência, atenção vamos tornar possível a utopia do SUS Brasil!
hospitalar e especializada e outros agregados a
serem definidos. O ingresso seria por concurso * Professor titular de Saúde Coletiva da FCM/
por estado da federação (ou talvez por Região de Unicamp. Texto adaptado pela Radis do documento
Saúde?), havendo possibilidade de progresso por Algumas hipóteses desesperadas e uma utopia
mérito e mobilidade antes de novos concursos. Os possível: o SUS Brasil

RADIS 145 • OUT / 2014 [17]


SAÚDE DO HOMEM

Envolvimento do homem
no cuidado das crianças,
na saúde materna e na
divisão de tarefas domésticas
como forma de promoção
da saúde masculina
FOTO: INSTITUTO PROMUNDO

[18] RADIS 145 • OUT / 2014


Ana Cláudia Peres anos para homens contra 78 anos para mulheres.
Isso acontece porque homens são mais suscetíveis

S
a doenças do coração, câncer, diabetes, colesterol
e até o Super-Homem, herói dos quadrinhos, elevado e pressão alta, possivelmente pelos com-
tem lá seu ponto fraco, imagine aqueles portamentos de risco mais frequentes; estão mais
sem superpoderes, em um reino não tão expostos aos acidentes de trânsito e de trabalho;
distante. Por trás da capa de infalibilidade, utilizam álcool e outras drogas em maior quanti-
homem tem medo. Medo de ficar doente, de sofrer dade; e envolvem-se na maioria das situações de
um acidente vascular cerebral, de morrer de câncer violência, como deixou claro o documento Perfil
povoam seu imaginário. Homem tem muito medo da Situação de Saúde do Homem no Brasil, publi-
de se tornar impotente. Mas, ao que tudo indica, cado pelo Ministério da Saúde em parceria com o
tem mais medo ainda de médico. Levantamento Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança
divulgado em julho pela Sociedade Brasileira de e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz),
Urologia (SBU) constatou que 51% dos brasileiros em 2012.
não costumam ir ao urologista ou ao cardiologista Das 665.551 mortes masculinas, em 2011,
regularmente para tratamentos preventivos e que 175 mil foram causadas por doenças do aparelho
apenas 14% passaram por uma consulta há mais de circulatório seguidas de causas externas (crimes e
um ano, enquanto 6% estiveram em um consultório acidentes de trânsito), com 119 mil mortes. Câncer
para um check-up há mais de dois anos. e tumores mataram 98 mil homens e doenças do
É comprovado que os homens morrem mais aparelho respiratório foram responsáveis por 66
cedo que as mulheres. Dados de 2011 do Instituto mil mortes entre eles. A despeito disso, em geral,
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram como demonstrou a pesquisa da SBU homens têm
que 57% dos óbitos foram do sexo masculino, medo de descobrir doenças e não procuram os
enquanto a esperança de vida ao nascer era de 71 serviços de saúde.

RADIS 145 • OUT / 2014 [19]


Para o presidente da SBU Rio de Janeiro, André Nacional de Atenção Básica, com as estratégias de
Guilherme Cavalcanti, os homens não gostam de humanização, e em consonância com os princípios
visitar com regularidade o médico porque associam do SUS, fortalecendo ações e serviços em redes e
à “típica fragilidade feminina”, a procura por ajuda cuidados da saúde”, reforça a nota.
médica. “Por causa desse mau comportamento,
as doenças masculinas são diagnosticadas tardia-
PROJETO DE LEI
mente e geram repercussões maiores na saúde e
na qualidade de vida, impedindo o homem de se Essa política pode agora transformar-se em
beneficiar dos avanços da medicina preventiva”, diz lei. Projeto da senadora Ângela Portela (PT-RR)
o urologista, lembrando que a identificação precoce foi aprovado no Senado e encontra-se na Câmara
dos fatores de risco e do tratamento adequado é dos Deputados, para votação em regime de prio-
capaz de evitar complicações e sofrimentos des- ridade. O projeto institui a Política de Atenção
necessários, fazendo com que o homem viva mais Integral à Saúde do Homem e deve incluir ações
e melhor. de prevenção, detecção precoce, diagnóstico e
tratamento de doenças e agravos à saúde que
acometam exclusiva ou predominantemente a
ATENÇÃO INTEGRAL
população masculina. O projeto dialoga direta-
Foi justamente por considerar a realidade do mente com o trabalho realizado até aqui pela
mundo masculino e para ampliar o acesso dessa Coordenação Nacional de Saúde do Homem,
população aos serviços de saúde que o Ministério atuando nos mesmos eixos: acesso e acolhi-
da Saúde lançou, em 2009, a Política Nacional de mento; saúde sexual e reprodutiva; paternidade
Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), e cuidado; doenças prevalentes na população
fazendo do Brasil o primeiro país da América Latina masculina; e prevenção de violências e acidentes.
e o segundo do mundo a implementar uma política A principal justificativa para o projeto é a
com essas características (Radis 74) – depois do necessidade de garantir uma política integral de
exemplo da Irlanda que, desde 2008, conta com saúde do homem que não corra ao sabor dos
uma política específica para a população masculina. ventos e humores de cada governante. “Mas
Cinco anos depois, 159 entes federativos, entre es- que seja formulada, implementada e mantida,
tados, Distrito Federal e municípios pelas secretarias em caráter permanente, pelas diversas instâncias
municipais e estaduais de Saúde (incluindo todas gestoras do sistema”, defende a parlamentar.
as capitais) já aderiram à PNAISH. Nesse período, “Como se sabe, uma portaria pode ser derru-
foram publicadas três portarias que contemplaram bada pelo governo seguinte. Já uma política
todos os estados e 132 municípios totalizando R$ pública, permanece”. Segundo Ângela, o pro-
12,9 milhões em recursos repassados a ações de jeto foi elaborado com a intenção de antecipar,
implementação da PNAISH, de acordo com infor- cada vez mais, a conscientização da população
mações do Ministério da Saúde. masculina brasileira sobre a importância do
Em nota à Radis, a Coordenação Nacional de diagnóstico precoce no enfrentamento e na cura
Saúde dos Homens (CNSH/DAET/SAS/MS) explica das doenças.
que, ao promover ações de saúde voltadas para o O urologista André Cavalcanti acredita
universo masculino, levando em conta os diferen- que, nos últimos anos, apesar das questões
tes contextos socioculturais e político-econômicos socioculturais e após a criação de um programa
no território brasileiro, a PNAISH quer possibilitar específico pelo Governo Federal de atenção à
o aumento da expectativa de vida e a redução saúde do homem, o panorama vem paulatina-
dos índices de adoecimento e morte por causas mente se alterando, e o homem brasileiro está
evitáveis. “Para isso, está alinhada com a Política começando a se preocupar mais com a saúde. DIVULGAÇÃO
ARQUIVO PESSOAL

Marco Aurélio (E): homem


não é educado segundo
modelo de masculinidade
baseada no cuidado;
André: diferente da mulher,
que incorpora desde cedo
a ida ao ginecologista,
brasileiro ignora urologista
até precisar dele

[20] RADIS 145 • OUT / 2014


Coordenador do Centro Integrado de Saúde do
Homem no Rio de Janeiro, ele lembra que os
avanços da medicina são significativos, mas só
podem favorecer aqueles que se consultam com
periodicidade e, idealmente, antes de sentir que
a saúde precisa de ajuda.

FANTASMA DA IMPOTÊNCIA
Para André, a saúde sexual constitui um
bom termômetro de como anda a saúde do ho-
mem. Não à toa, na recente pesquisa da SBU, o
fantasma da impotência desponta como um dos
principais medos do homem brasileiro (28%) –
maior do que o medo de ser traído (25%) ou de
perder o emprego (25%). No Brasil, cerca de 25
milhões de homens apresentam algum grau de
disfunção erétil. O problema, em geral, é associa-
do a múltiplas causas – psicogênicas, alterações
arteriais ou hormonais, diabetes, idade, obesida-
de, cirurgias, entre outras – e abala, em maior ou
menor grau, a autoconfiança masculina.
“Para alguns, significa algo semelhante a
uma doença terminal, enquanto, para outros, é
absolutamente compreensível, eles podem acei-
tar passivamente a situação sem nem procurar
ajuda médica”, analisa o urologista. Quando o
impacto é grande, o homem passa a ser agressivo
ou depressivo, rende menos no trabalho, pode
ter insônia ou dormir muito, tratar mal familiares
e apresentar doenças psicossomáticas como
gastrite e bronquite. “Como o brasileiro é ainda
bastante machista, o homem que não tem bom A campanha é a versão nacional de uma iniciativa O designer Guto Lins com
seus filhos e as campanhas
desempenho sexual sente-se diminuído, com bai- global (MenCare) destinada a promover rela- concebidas pela política
xa autoestima, triste e até depressivo”, considera. ções equitativas e não violentas entre homens, de atenção à saúde
Mas apesar de preocupados com a falta de mulheres e crianças. Busca influenciar políticas masculina para promover
ereção, 83% dos homens ouvidos pela pesquisa públicas e pressupõe, com base em evidências, relações equitativas e não
não conhecem sequer os sintomas da andropau- que o envolvimento do homem no cuidado das violentas entre homens,
sa – baixa acentuada da testosterona – e quase crianças, na divisão das tarefas domésticas e na mulheres e crianças
50% nunca ouviu falar de reposição hormonal. saúde materna, é fundamental não apenas para
Diferente da mulher que cedo ainda incorpora a equidade de gênero e diminuição da violência,
a ida ao ginecologista à sua rotina, o homem mas também para a promoção da saúde. “É im-
ignora o urologista até precisar dele. Alexandre portante não esquecer que, uma vez envolvido
explica que o tratamento da deficiência de tes- no cuidado, o homem tende a cuidar também
tosterona é importante não somente devido às de sua própria saúde”, diz Marco Aurélio, coor-
doenças relacionadas, mas também pela quali- denador da campanha no Brasil.
dade de vida que se pode ter durante o processo O psicólogo chama atenção para o fato de
de envelhecimento. que a mulher é criada para cuidar de si e dos
“As principais doenças que afetam a saúde outros. “Talvez por isso a prática da preven-
masculina são tratáveis se forem descobertas a ção seja algo mais comum entre elas”, sugere
tempo”, diz Alexandre, citando o caso do exame Marco Aurélio, refletindo sobre os motivos de
de próstata, ainda tratado como tabu, e refor- os homens entrarem no sistema de saúde pela
çando a tese de que o machismo e o preconceito via das emergências. “Tudo isso é reflexo de
são uma barreira severa quando se fala de saúde uma educação que não oferece ao homem um
do homem. “A saúde da população masculina modelo de masculinidade baseada no cuidado,
está diretamente ligada à prevenção de doenças que valoriza o risco como forma de provar virili-
urológicas e à educação sexual”, conclui. dade, onde ainda lhe é cobrado o papel apenas
de provedor”, aponta.
CAMPANHAS
OUTRAS MASCULINIDADES
“Não importa que tipo de homem você é:
seja do tipo que cuida da saúde”. Esse foi o mote E m a g o s t o, d u r a n t e o 6 º S i m p ó s i o
de uma das campanhas educativas coordenadas Paternidades, Singularidades e Políticas Públicas,
pela PNAISH. Mais recentemente, a campanha realizado no Rio de Janeiro, o Promundo lançou o
Paternidade e cuidado: você é meu pai, do Manual P, publicação de 215 páginas disponível
Instituto Promundo, tem lançado luzes sobre o na internet, um desdobramento da campanha de
comportamento masculino em relação à saúde. paternidade que tem como objetivo sensibilizar e

RADIS 145 • OUT / 2014 [21]


treinar profissionais de saúde para envolver ho- para o cumprimento da aplicação da Lei do
mens no cuidado por meio da prática diária dos Acompanhante, que garante à mulher o direito
serviços de saúde. Resultado da articulação com de ter um acompanhante de sua livre escolha
parceiros como Instituto Noos, Instituto Papai e durante o trabalho de parto. “Seria muito bom
Gema, além do próprio Ministério da Saúde, o se o pai fosse o escolhido, mas muitas vezes, por
manual apresenta exemplos nacionais de boas ele não ser um cuidador, a mulher prefere ser
práticas de maior atenção à saúde e autocuidado acompanhada pela mãe, a sogra ou outra figura
do homem, além de expor propostas de criação feminina”, pondera Marco Aurélio.
de espaços seguros onde os homens possam A campanha inclui, ainda, a promoção
aprender a cuidar, falar das expectativas e medos de um debate nacional sobre a extensão do
e tratar de outros temas como comunicação não número de dias da licença paternidade paga,
violenta e métodos contraceptivos. que no Brasil é de apenas cinco dias. “O gran-
“A gravidez é um momento chave para en- de obstáculo ainda é a cultura machista, que
sinar o cuidado”, diz Marco Aurélio, lembrando dificulta bastante a associação do homem ao
que o modelo de família tem se diversificado cuidado”, diz Marco Aurélio. “Entretanto, os
bastante nas últimas décadas. “A figura da fa- obstáculos têm apontado para onde o trabalho
mília tradicional composta por pai e mãe está deve se encaminhar. Por isso o investimento em
mudando, as mulheres têm tido menos filhos, campanhas centradas na disseminação de dados
enquanto famílias onde há apenas um cuidador sobre o tema, na apresentação de mensagens
(monoparentais) vêm ficando mais comuns, além de um modelo de masculinidade que cuida, que
daquelas compostas por dois pais ou duas mães não é violenta, que compartilha tarefas no lar.
terem se tornado mais visíveis”. Só quando houver de fato alteração na cultura é
Antenada com esses novos modelos de fa- que essas mudanças vão poder ocorrer”.
mília e com outras masculinidades, a Campanha
de paternidade e cuidado vem aler t ando

[22] RADIS 145 • OUT / 2014


Licença paternidade ainda
reflete ‘modelo do macho’
Liseane Morosini uma discussão”, alertou. “A lei tem que vir junto
com uma série de políticas públicas, debates sobre

A licença paternidade como expressão da im-


portância do papel do homem como pai e
cuidador foi tema de debate realizado na Escola
masculinidades e prevenção de violência de gênero
nas escolas”. Otimista, Romeu acredita na mudança.
“Há nas ruas homens cuidando de crianças, algo
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/ que não se via há dez, quinze anos. Ainda é muito
Fiocruz), em setembro. Em busca de alternativas ao pouco, mas o caminho está apontado”.
modelo hegemônico do homem macho e insensível,
o coordenador executivo do Instituto Promundo,
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Marco Aurélio Martins, o pesquisador do Instituto
Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Romeu Gomes, A professor Claudia Abdala pensou a presença SAIBA MAIS
Claudia Abdala, professora do Centro Universitário da figura masculina em casa ao traçar um rápido
Política Nacional de
de Volta Redonda, e Juliano Lima, diretor de Recursos perfil da violência doméstica. “No Brasil, os índices Atenção Integral à Saúde
Humanos da Fiocruz, refletiram sobre “outros mode- de violência contra a mulher são similiares aos do do Homem (PNAISH)
los e possibilidades de homem, que podem emergir”, resto do mundo. Além da monstruosidade dos
http://goo.gl/RwF6bu
como resumiu Marco Aurélio no evento, coordena- números, sabemos que são violências cometidas
do por Elizabeth Fleury, coordenadora do Comitê por pessoas com quem as mulheres têm algum Pesquisa na íntegra
Nacional Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz. relacionamento. Em média, 62% dos casos de vio- sobre saúde do homem,
Para Marco Aurélio, o período de licença mater- lência são cometidos contra mulheres por pessoas realizada pela Sociedade
Brasileira de Urologia –
nidade hoje concedido ao homem é reflexo da valo- que ela conhece”. Claudia explicou que a proposta SBU (2014)
rização do “modelo do macho” e do entendimento das feministas é lutar pela inclusão do femicídio –
de que o cuidado é atribuição da mulher. “Quando conceito que vem sendo construído para designar http://www.sbu.org.br/
publico/pdf/pesquisa-
o homem tem cinco dias a partir do nascimento da perseguição e assassinato de mulheres em razão do
saude-do-homem-2014.pdf
criança para ficar em casa, damos uma mensagem gênero – entre os crimes hediondos.
à sociedade que ele não é importante, não tem o Do ponto de vista do gestor público, o sani- Campanha de
que fazer ali”. Marco Aurélio considera que a expe- tarista Juliano Lima afirmou que não tinha ainda Paternidade e Cuidado
Você é meu pai
riência da maternidade é socialmente construída e o “parado para pensar” por que a licença paternidade
mesmo pode se dar com o homem. “A experiência tem apenas cinco dias e relacionou isso ao mercado http://voceemeupai.com
grandiosa da maternidade é um mito. O cuidado é de trabalho. “A relação que a administração tem Publicação: Perfil da
algo que se aprende. Se as mulheres aprenderem, com o trabalhador é a da máxima produtividade. Situação de Saúde do
os homens também podem ser ensinados”, disse, Afastar um trabalhador de alta produtividade é Homem no Brasil (2012)
ressaltando, mais uma vez, o tema da paternidade encarado como uma perda”, analisou. Segundo
http://goo.gl/mC0Frh
e do cuidado como estratégico para tratar de temas Juliano, infelizmente ainda persiste a ideia de que a
“mais espinhosos”, como violência de gênero, saúde mulher vale menos. “Como a mulher está inserida Publicação:
sexual e direitos reprodutivos. em postos de trabalhos mais precários, com menor Manual Promundo
remuneração, em sua maioria, e não ocupa funções http://goo.gl/YeHNav
dirigentes, a ideia é a liberação de quem tem menor
PARA ALÉM DA LEI
valor agregado”, ressaltou. “O modelo é pautado
Para Romeu Gomes, a lei da licença paterni- pela expropriação da alma do trabalhador e com
dade é um mecanismo importante para promover, ênfase na produtividade e no retorno, especialmente
primeiramente, o reconhecimento de que o homem no setor privado”.
também é um cuidador. Contudo, para ele, apenas
FOTO: PETER ILICIEV

a lei não basta. “Eu não vejo como um simples dis-


positivo legal pode ter como resultado aquilo que
ele espera. A lei não cria adesão social”, diz. Para o
professor, mais importante do que mudar a lei agora,
é a discussão que ela gera em torno desse novo
lugar do homem. “Os homens não sabem cuidar,
mas não porque são maus, e sim porque não foram
ensinados, não tiveram oportunidade”, considera.
Por isso, Romeu defende uma ressignificação dos
modelos de gênero, muitas vezes, congelados no
tempo e cristalizados. Sem isso, acredita, a pre-
sença do homem em casa, após o nascimento do
bebê, pode implicar sobrecarga à rotina da mulher.
Romeu (D): lei é importante,
“Muitas pessoas que são contra a extensão da lei
mas sozinha não cria
dizem que ela vai servir para que os homens fiquem adesão social e deve vir
em casa, sem fazer nada, ou então no boteco, be- acompanhada de
bendo. Pode ser que aconteça isso caso não haja políticas e debates

RADIS 145 • OUT / 2014 [23]


DESASTRES NATURAIS

Elisa Batalha Um guia para evitar

M
uitas chuvas de um lado, estiagem mais ou minimizar efeitos
longa de outro. Indícios do fenômeno
climático El Niño, previsto para este se- como temporais e seca,
gundo semetre, já começam a aparecer.
De ocorrência cíclica, provocada pelo aumento acentuados pelo fenômeno
de temperatura das águas da região tropical do
Oceano Pacífico – não relacionada às mudanças
El Niño e que podem durar
climáticas –, o El Niño torna os eventos de seca até o ano que vem
e de chuva mais agudos, o que pode resultar em
desastres naturais e prejuízos às cidades e à popu-
lação. O fenômeno foi batizado com esse nome dengue e diarreia (Radis 135). “É importante sair da
em homenagem ao Menino Jesus (em espanhol, El lógica de improvisação e da reatividade e passar para
Niño), por provocar eventos em período próximo ao uma lógica de prevenção. Da gestão de desastres
Natal. Sabendo-se da probabilidade de ocorrência, para a gestão de riscos”, aconselha Sidnei Furtado,
os municípios podem – e devem – buscar caminhos coordenador da Defesa Civil da região de Campinas,
para tomar as providências necessárias para mini- São Paulo (ver pág. 27). Campinas recebeu em 2013,
mizar ou evitar suas consequências. o título de cidade-modelo, no programa Cidades
“No Brasil, na região Nordeste e no norte da Resilientes, das Nações Unidas (Radis 135). Em
Amazônia, a seca costuma se agravar. Na região caso de desastres naturais, os municípios podem
Sudeste e, com mais frequência, no sul do país, decretar situação de emergência ou calamidade e
são as chuvas intensas o principal efeito”, explica solicitar ajuda externa. O trâmite básico a ser segui-
o geógrafo Christovam Barcellos, pesquisador do do nesses casos é o gestor fazer a comunicação do
Laboratório de Informação em Saúde da Fiocruz desastre oficialmente, por meio do sistema online
(LIS/Icict/Fiocruz). S2ID. A partir desse primeiro passo, para solicitar
A intensidade do fenômeno este ano deverá recursos federais, é preciso apresentar um plano
ser de fraca a moderada. Mesmo assim, há risco de trabalho no socorro às vítimas, reconstrução,
de enchentes e deslizamentos de terra no Sudeste. remoção etc. “É importante investir na capacitação
“O setor saúde tem que estar preparado”, alerta o de coordenadores para lidar com esses processos,
pesquisador Carlos Machado, da Escola Nacional que envolvem organização de despesas, gastos
de Saúde Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Entre as governamentais e prestação de contas. Na maior
providências imediatas estão organizar os setores de parte das vezes, os profissionais de Defesa Civil
urgência, emergência e atenção básica dos municí- não são especialistas nessas áreas”, explica Sidnei,
pios, planejar o atendimento a doenças específicas lembrando que esse tipo de ajuda só deve ser soli-
que podem resultar das enchentes, como a leptos- citada em caráter de excepcionalidade. O ideal, diz,
pirose, e avaliar as condições físicas das instalações é o município ou a região buscar maior autonomia.
das unidades de saúde, que precisam resistir a fortes Para orientar prefeitos e outras autoridades,
temporais, por exemplo. “De 60 a 70% das unidades de forma a minimizar ou prevenir os efeitos de
de saúde ficam em áreas vulneráveis”, diz Christovam. desastres naturais, como os provocados pelo El
No caso dos municípios que convivem com a Niño, Radis ouviu consultou a Defesa Civil Nacional
seca crônica, a passagem do El Niño tende a agra- e setores do Ministério da Saúde responsáveis, além
var o problema, e a estocagem de água de forma de sites e documentos oficiais. O resultado está
inadequada aumenta a incidência de doenças como registrado sob a forma de perguntas e respostas.

[24] RADIS 145 • OUT / 2014


O que diferencia uma situação de emergência
de uma situação de calamidade?
Um município ou estado atingido decreta situa-
ção de emergência em razão de desastre, quando,
embora tenha capacidade inicial de resposta ao pro-
blema, necessita de auxílio complementar do estado
ou da União para as ações de socorro e recuperação.
O estado de calamidade pública em razão de desastre
se dá quando, devido à magnitude dos danos, é
necessário auxílio direto e imediato. Conforme
disposto na Instrução Normativa nº 1, de 24/8/2012
do Ministério da Integração Nacional, a situação de
emergência refere-se a um desastre de nível 1 e o
estado de calamidade pública, a um desastre de nível
2. A diferença está na intensidade do desastre e na
capacidade de resposta do ente federativo atingido.

Como é feita a previsão de fenômenos cli-


máticos e como a Defesa Civil se prepara
para fazer frente a um alerta, como o da
ocorrência do El Niño?
A previsão de fenômenos climáticos é acom-
panhada pelos meteorologistas do Centro Nacional
de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad),
por meio de relatórios. Esses documentos informam
como deverão ser as condições de precipitação e
temperatura, em relação aos padrões climatoló-
gicos normais. São analisados modelos climáticos
e sistemas de escala global que irão influenciar as
condições de tempo no país. Como o fenômeno El
Niño é uma das principais fontes de influência do
clima do país, acaba por condicionar as previsões
realizadas para o trimestre. Com base nas previsões,
é estabelecido contato com os órgãos de proteção e
defesa civil dos estados para repassar o prognóstico
e encaminhar, se necessário, medidas de prepara-
ção para enfrentamento dos possíveis desastres.

Como declarar uma situação de emergência


ou de calamidade pública?
Por meio da Instrução Normativa nº 1, o
Governo Federal estabeleceu procedimentos e cri-
térios para a decretação de situação de emergência
ou estado de calamidade pública por municípios,
estados e Distrito Federal. Isso é feito por meio
de decreto do prefeito ou governador do estado
ou do Distrito Federal, quando há necessidade de
estabelecer situação jurídica especial que permita
“o atendimento às necessidades temporárias de
excepcional interesse público, voltadas à resposta
aos desastres, à reabilitação do cenário e à recons-
trução das áreas atingidas”, como indica o texto
da legislação. O gestor deve remeter documentos
à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil
(Sedec) para análise e reconhecimento e conse-
quente ajuda federal. Nos casos em que os desas-
tres atingem mais de um município, o governador
do estado pode decretar situação anormal em razão
FOTO: LEO NUNES

de desastre, remetendo os documentos à Sedec.


Seca crônica pode
ser agravada com a
Caso o município ou estado precise solicitar
passagem do El Niño,
ajuda ao Governo Federal, isso deve ser feito aumentando incidência
por intermédio do estado? de problemas como
Conforme a Lei 12.340/2012, os municí- doenças ligadas a
pios afetados por desastres podem pedir ajuda estocagem de água de
forma inadequada
diretamente ao Governo Federal, sem passar pelo Como se dá a resposta do Governo Federal?
estado. O reconhecimento da situação de emergência
ou do estado de calamidade pública pelo Poder
Como deve ser feita a solicitação de ajuda? Executivo Federal se dá por meio de portaria. Existe
Quando o ente federativo (estado, município um rito sumário, utilizado quando o desastre e seu
ou Distrito Federal) decreta situação de emer- impacto social, econômico e ambiental na região
gência ou estado de calamidade pública, deve afetada forem de grande intensidade. Nesse caso,
formalizar o pedido de ajuda ao Governo Federal, a Sedec, com o objetivo de acelerar as ações fede-
preenchendo o Sistema Integrado de Informações rais de resposta, pode reconhecer sumariamente
sobre Desastres (S2ID), acessando o endereço s2id. a situação de emergência ou o estado de calami-
mi.gov.br. O S2ID agiliza o processo de transferên- dade pública com base apenas no requerimento
cia de recursos e dá acesso a informações sobre e no decreto do ente federado, antes mesmo do
desastres. Além de comunicar o desastre, o gestor envio de relatórios mais extensos, com cobertura
deve, pelo mesmo sistema, preencher também fotográfica detalhada e medidas da área afetada,
um requerimento, no qual explica as razões pelas por exemplo. Isso significa que quando o desastre é
quais deseja o reconhecimento da necessidade público e notório e o município decretou a situação
de envio de recursos externos, incluindo auxílio de emergência ou calamidade, o Governo Federal
complementar por parte do Governo Federal. não precisa esperar o trâmite para publicar portaria
Pelo sistema, é possível registrar e acompanhar os de reconhecimento no Diário Oficial. Neste caso,
processos de reconhecimento, além de consultar a documentação deverá ser enviada à Sedec em
informações sobre ocorrências e gestão de riscos até dez dias após publicação do reconhecimento.
e desastres com base em fonte de dados oficial.
O que é a Força Nacional do SUS?
Quais são os prazos para que isso seja feito? A Força Nacional do SUS foi criada em novem-
No caso de desastres súbitos, o envio do do- bro de 2011 (Decreto nº 7.616) para agir no atendi-
cumento ao Ministério da Integração Nacional deve mento a vítimas de desastres naturais, calamidades
se dar até dez dias após a ocorrência e, em relação públicas ou situações de risco epidemiológico e
aos desastres graduais ou de evolução crônica, dez eventos de massa, quando superada a capacidade
dias contados da data do decreto do ente federado de resposta do estado ou município. Atualmente, a
que declara situação anormal. Força Nacional conta com 12,8 mil voluntários em
todo o país. São equipes assistenciais para resposta
Por quanto tempo vale a decretação de às emergências em saúde pública e apoio à gestão
situação de emergência ou de calamidade? em eventos de massa. Desde sua criação, a Força
O prazo de validade do decreto que declara a Nacional do SUS participou de 26 missões, sendo
situação anormal decorrente do desastre é de 180 11 de desastres naturais.
dias. Decorrido o prazo, caso haja novo desastre, o
município decreta situação de emergência novamen- Como acionar a Força Nacional do SUS?
te e solicita outra vez o reconhecimento federal. Isso O município ou o estado deve decretar situação
Municípios afetados por
desastres naturais, como
também pode ser feito quando a situação decorrente de emergência, calamidade ou desassistência e soli-
enchentes, podem pedir do desastre se agrava ou os efeitos continuam. citar o apoio do Ministério da Saúde. Uma equipe é
ajuda diretamente ao
Governo Federal

FOTO: FERNANDO STANKUNS


deslocada para a missão exploratória, que consiste profissionais de saúde aos riscos dos desastres.
em um diagnóstico da rede de saúde e verificação da O Plano de Resposta à Emergência em Saúde
necessidade de apoio em relação a equipamentos, Pública, organiza a resposta a uma emergência
insumos e recursos humanos. Essa etapa pode ser (epidemiológica ou associada aos desastres), de-
descartada em situações em que a resposta precisa fine os níveis da emergência. O monitoramento da
ser imediata, como aconteceu no incêndio da boate execução do Plano de Resposta é feito por meio
Kiss, no Rio Grande do Sul, em janeiro de 2013. As do Centro de Operações de Emergência em Saúde
equipes da Força Nacional do SUS dão orientações Pública (Coes).
técnicas, realizam ações de busca ativa e monitora-
mento de pacientes, atendimentos e liberação de Como se dá a atuação do Ministério da Saúde
medicamentos e apoiam a reconstrução da rede de no que diz respeito à prevenção a desastres?
atenção à saúde. São desenvolvidas ações como capacitação
dos profissionais de saúde para organização dos
Com que tipo de ajuda material do Ministério serviços (elaboração de planos de contingência,
da Saúde os municípios podem contar? diagnóstico e tratamento de doenças relacionadas
O Ministério possui estoque de kits com me- ao desastre, entre outros), articulação com os ór-
dicamentos e insumos estratégicos para abastecer gãos que atuam em desastres como Defesa Civil e
estados e municípios, especialmente quando há Desenvolvimento Social, produção de material de
desabrigados e desalojados. Cada um tem capaci- orientação e educação em saúde e, ainda, identifi-
dade para atender cerca de 1,5 mil pessoas ao mês. cação da capacidade instalada e das necessidades
O ministério tem estoque adicional de frascos de para organização ou reorganização dos serviços
hipoclorito (utilizado na purificação de água), am- de saúde. Já as ações de resposta aos desastres
polas de soro para uso em acidentes com animais envolvem apoio às secretarias de Saúde, com envio
peçonhentos e kits de diagnóstico para leptospi- de recursos adicionais, quer sejam humanos, finan-
rose para evitar contaminações. Essas ações são ceiros ou materiais. As ações englobam atenção
desenvolvidas por meio do Vigidesastres, criado básica, passando pela urgência e emergência até
em 2003 para apoiar as autoridades públicas em a assistência farmacêutica e vigilância e controle de
ações de redução a exposição da população e dos doenças transmissíveis e não transmissíveis.

Campinas, cidade resiliente


E
m 17 de fevereiro de 2003, a cidade de Cidades Resilientes das Nações Unidas e tornou-se
Campinas sofreu um revés. Choveu durante um centro nacional de preparação de defesas civis.
duas horas seguidas mais da metade do que Foram reduzidas de 75 para 30 as áreas de risco, o
costuma chover em todo o mês. A inundação que demandou remoções e grande envolvimento da
brusca dos rios Atibaia e Capivari alagou 12% da área comunidade e articulação com programas sociais. A
da cidade e os deslizamentos de terra deixaram seis Defesa Civil realiza constantes simulados de situações
mortos, incluindo um bombeiro que trabalhava no de desastre para treinar a comunidade a lidar com as
resgate. Mais de 1,3 mil pessoas ficaram desabriga- emergências. Hoje, 254 municípios brasileiros fazem
das. “Foi a chuva do século”, lembra Sidnei Furtado, parte do programa Cidade Resiliente, e Campinas é
coordenador da Defesa Civil de Campinas e Região. responsável por replicar as estratégias de redução
Os institutos de meteorologia haviam registrado de desastres para grande parte destes municípios.
ocorrência do El Niño – de intensidade moderada –
entre o final de 2002 e o início de 2003.
PRIORIZAR E FOCAR
Aquele dia fatídico, como conta Sidnei, tornou-
-se um marco, e levou a uma ampla revisão do “O segredo é estudar o que cai na prova”,
planejamento de redução de desastres na cidade. resume Sidnei. Ou seja, priorizar e focar a atuação
“A Defesa Civil tinha caráter meramente reativo, e a em todas aquelas áreas onde morreram pessoas e
partir desse episódio passaram a ser feitos estudos de onde já houve problemas mais sérios. Remoções
prospecção de cenário e mapeamento de risco”, ex- exigiram integração entre diversos setores da admi-
plicou. Algumas ferramentas tecnológicas que eram nistração e o envolvimento de toda a comunidade.
originalmente da Marinha passaram a ser utilizadas Campinas procura seguir as diretrizes preconizadas
com fim de evitar novas tragédias. Mas a principal no Marco de Ação de Hyogo (MAH), instrumento
mudança, segundo ele, não foi a aquisição de equi- da ONU para a implementação da redução de riscos
pamentos. A Defesa Civil passou a trabalhar em de desastres. O objetivo é aumentar a resiliência das
formato de sistema, e não como setor isolado. Está nações e das comunidades e alcançar, para o ano
hoje ligada diretamente ao gabinete da Prefeitura. de 2015, uma redução considerável das perdas que
FOTO: FERNANDO STANKUNS

“Parece uma coisa simples, mas implica uma trans- eles ocasionam, em termos de vidas humanas e re-
ferência de autoridade de outros setores para gerar ferentes aos bens sociais, econômicos e ambientais
agilidade em casos de emergência”, observa. das comunidades e dos países.
Desde então, a cidade deu uma guinada, e em As estiagens longas vividas pela região também
2013 foi considerada cidade-modelo do programa acarretam incêndios florestais ocasionalmente, por

RADIS 145 • OUT / 2014 [27]


FOTO: DECOM

As fortes chuvas que


assolaram Campinas em
2003 levaram a cidade a isso, são feitos constantes patrulhamentos utilizando Civil e desenvolve serviços preventivos para esses
rever seu planejamento de viaturas próprias. A seca leva também a aumento de públicos. A secretaria também mantém o serviço
minimização de desastres casos de atendimento por problemas respiratórios, de proteção social especial em situações de cala-
questão importante de saúde pública na cidade. midades públicas e emergências, como informa o
site da prefeitura.
Além de Campinas, outros 644 municípios
NOVAS INICIATIVAS
no Brasil são monitorados pelo Centro Nacional
Em setembro deste ano, a prefeitura anunciou de Monitoramento de Alertas e Desastres Naturais
duas novas iniciativas de prevenção a desastres, tam- (Cemadem), instituição ligada ao Ministério da
bém como parte do programa Cidades Resilientes, Ciência, Tecnologia e Inovação. O critério para a
para situações de emergência em defesa civil. As inclusão de uma cidade no sistema de monitora-
ações incluem instalação e monitoramento de seis mento é que tenha mapeado suas áreas de risco de
equipamentos de medição de intensidade das chuvas deslizamentos em encostas, de alagamentos e de
automáticos na cidade. Um sexto equipamento, ins- enxurradas, entre outros desastres naturais, além
talado no rio Capivari, que corta a cidade, conta com da estimativa da extensão dos prováveis danos
um diferencial: além de medir a quantidade de chuva, decorrentes.
mede o nível do rio e é dotado com uma câmera. Com o “dever de casa” feito em termos de
Campinas é a primeira cidade do Brasil a as- prevenção a desastres naturais, Sidnei observa
sinar o Protocolo Nacional Conjunto para Proteção mudanças em outras situações em que prevenir é
Integral a Crianças e Adolescentes, Pessoas Idosas necessário. “Hoje, a demanda da Defesa Civil tem
e Pessoas Portadoras de Deficiência, que estejam aumentado nas áreas urbanizadas e tradicionais da
em situação de risco durante um desastre natural. cidade, por conta de problemas como falhas estru-
A Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e turais em construções, que podem levar a queda de
Inclusão Social já participa de ações com a Defesa muros, por exemplo”, relata.
SAIBA MAIS

Plantão do Cenad Organização do SUS para Cartilha Cidades resilientes


• 0800-6440199 atuação em desastres • http://portalsaude.saude. • http://www.mi.gov.br/cidadesresi-
• http://goo.gl/q1xumI lientes/pdf/mah_ptb_brochura.pdf
Instrução Normativa Nº 01 Autoaprendizagem em
• http://goo.gl/c0tlCf Guia de Preparação e Resposta Comunicação do Risco Observatório Clima e Saúde
aos Desastres • www.bvsde.paho.org/cursocr/p/ • www.climasaude.icict.fiocruz.br
FOTO: APCBH/ASCOM - CURRALDELREY.COM

Decreto e Portaria de • http://goo.gl/kSvAHs bienvenida.php


Emergência em Saúde Pública e Centro de Conhecimento em
da Força Nacional do SUS Webradio Atlas Brasileiro de Desastres Saúde Pública e Desastres
• http://goo.gl/t57X1b • http://webradio.saude.gov.br/ Naturais • http://andromeda.ensp.fiocruz.br
• http://goo.gl/6fAAiw enchentes.php • http://150.162.127.14:8080/atlas/
atlas2.html Revista Radis
Planos de Resposta às Centro de Conhecimento em • 135 (capa) – Desastres naturais
Emergências de Saúde Pública Saúde Pública e Desastre Observatório das Chuvas • 142 (p.2) – Sistema estima impac-
• http://goo.gl/WfD3FP • http://goo.gl/lM7HBh • http://goo.gl/y4holc tos de desastres naturais na saúde

[28] RADIS 145 • OUT / 2014


MEMÓRIA

Sementes da
Reforma Sanitária
Realizada em 1963, a 3ª Conferência Nacional de
Saúde diferenciou-se das anteriores, abordando temas
desafiadores, como descentralização, e fazendo crítica ao
corporativismo dos serviços médico-assistenciais
FOTO: APCBH/ASCOM - CURRALDELREY.COM

Situação sanitária da
população brasileira no
início da década de 1960
era ruim, como mostrou
a pesquisa, com índices
de mortalidade de 162
pessoas por mil habitantes
Liseane Morosini com suas propostas de descentralização e de crítica

V
ao caráter corporativo dos serviços médico-assis-
inte e três anos antes da 8ª Conferência tenciais, ao contrário das conferências anteriores,
Nacional de Saúde, que, em 1986, come- constituiu-se também em fórum político. Todavia,
çou a construir um novo projeto para a seu formato, ainda foi o de reunião administrativa
saúde brasileira, uma proposta de reforma do governo, uma vez que só puderam ser apresen-
sanitária já se delineava no país. Realizada em de- tados documentos e trabalhos de órgãos federais”,
zembro de 1963, durante o governo João Goulart, a analisa Naiara. Mas, ainda assim, a 3ª Conferência
3ª Conferência Nacional de Saúde trazia o embrião teria sido “ousada demais”, segundo a pesquisado-
de um Plano Nacional de Saúde, a ser efetivado ra. “Meu esforço foi o de tentar reconstruir o evento
por meio de uma política nacional, e várias de suas cujas discussões e debates permaneceram vivos,
propostas anteciparam pontos importantes para ainda que durante o contexto do autoritarismo
a constituição do pensamento sanitário do SUS, brasileiro, pós-golpe, tivessem sido silenciados”, diz.
mostrou a dissertação A 3ª Conferência Nacional
de Saúde (1963): antecedentes para um sistema
DEMORA DE 13 ANOS
nacional de saúde público e descentralizado, de-
fendida em junho, no Programa de Pós-Graduação De acordo com Naiara, a elaboração de um
em História das Ciências e da Saúde da Casa de Plano Nacional de Saúde havia sido incorporada às
Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), pela jornalista Naiara recomendações da 1ª Conferência, realizada em
Prata Cardoso. 1941. Ao final desse encontro, conta, ficou definido
Em sua pesquisa, Naiara, assessora de que os governos estaduais fariam o levantamento
Comunicação do Ministério da Saúde, fez um de suas necessidades e depois apresentariam as
mergulho na 3ª CNS, assunto pouco explorado demandas para o Ministério da Saúde. Mas, na
na historiografia e nas Ciências Sociais. “Dada a 2ª Conferência, realizada em 1950, o tema da
Mário Magalhães, à conjuntura em que foi realizada e o fato de abordar elaboração do Plano Nacional de Saúde sequer
frente da organização temas desafiadores para a época, a 3ª Conferência, foi incluído na pauta. Somente 13 anos depois, o
da conferência,
defendia integrar as
medidas assistenciais
e médico-sanitárias ao
desenvolvimento do país
Plano Nacional de Saúde voltaria a ser discutido, do capital estrangeiro, o que também incluía o setor
fundamentando o documento da 3ª Conferência saúde, explica a pesquisadora.
e fazendo referência à necessidade de uma Política
Nacional de Saúde.
SAÚDE E DESENVOLVIMENTO
“A situação sanitária da população brasileira
era péssima. Só para se ter uma ideia, os índices “A ideia de que a saúde de uma população se-
de mortalidade infantil no Brasil eram estimados ria inseparável do processo nacional de desenvolvi-
em 162,5 por mil habitantes e a estimativa de vida mento vinha ganhando espaço desde os anos 1950,
ao nascer do brasileiro na década anterior havia orientando, cada vez mais, sanitaristas e técnicos
sido de 42,3 anos, sendo as principais causas de do Ministério da Saúde, e a 3ª CNS representou
morte as doenças de massa evitáveis, endêmicas e o auge deste pensamento”, conta. Ela acrescenta
epidêmicas”, relata. que “a concepção predominante, à época, era a
Naiara explica que o texto da Terceira foi do sanitarismo desenvolvimentista, orientada pelo
baseado nas recomendações aprovadas pelo 15º entendimento de que os padrões de saúde de uma
Congresso Brasileiro de Higiene e nos princípios comunidade eram inseparáveis de seu nível de de-
do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e senvolvimento econômico. Assim, já era entendido
Social, elaborado pelo economista Celso Furtado, que a saúde resultava de condições globais de
que sugeria a adoção da introdução do planejamento trabalho, bem estar físico e habitação, por exem-
como técnica administrativa de governo, tanto para a plo”, afirma. Em 15 de março de 1964, momentos
área econômica, quanto para as políticas sociais. No antes do golpe civil-militar, a Terceira foi citada em
período compreendido entre fins de 1945 e início de mensagem de Jango ao Congresso Nacional, por
1964, a saúde no Brasil esteve intrinsecamente rela- ocasião da abertura da sessão legislativa daquele
cionada ao debate sobre o desenvolvimento do país e ano, como uma das principais realizações de seu A articulação das atividades
sanitárias nos níveis federal,
deve ser compreendida levando-se em consideração governo no setor saúde, ressalta Naiara.
estadual e municipal era
os problemas então colocados de uma economia Embora nas Reformas de Base do go- defendida por Wilson Fadul,
capitalista dependente do crescimento da presença verno Goulart, com proposta de diminuir as ministro da Saúde e presidente
da 3ª CNS, destacada nos
jornais da época
Saúde e o caráter fragmentário e corporativo de
seus serviços, pontos que foram endossados pelo
presidente João Goulart. “O olhar retrospectivo
trazido pelo estudo revela, ainda, que a realidade
mostrava a dicotomia ou setorização dos serviços
das ações de saúde”, diz. “Havia a assistência mé-
dica especializada, proporcionada pelos institutos
de Aposentadorias e Pensões da previdência, que
vinculavam o atendimento médico individualizado
à carteira de trabalho; e as ações entendidas como
de saúde pública, realizadas pelo Ministério, que
englobavam um aspecto mais geral e eram mais
focadas no combate a doenças infectocontagiosas
que afetavam a coletividade.”

DESENVOLVIMENTISMO
De acordo com Naiara, a grande maioria da
Naiara, na pesquisa, esforço
para reconstruir o evento,
população estava alheia à assistência individualiza-
cujas discussões e debates
desigualdades sociais por meio de alterações nas da. “O acesso para quem não podia pagar ou não
mantiveram-se vivos mesmo estruturas políticas, econômicas e sociais, não era vinculado a um Instituto se dava por meio de
durante a ditadura houvesse um capítulo específico para tratar da programas como o da Fundação Serviço Especial de
Saúde, segundo Naiara, isso estava contemplado Saúde Pública que tinha ações válidas, porém caras e
nos Pré-investimentos para o fator humano que muitas vezes baseadas em modelos importados”, diz.
integravam o programa setorial e cumpririam o Ela cita o caso de unidades de saúde que receberam
papel de valorização do homem brasileiro e de equipamentos importados, que não podiam ser uti-
sua integração na comunidade nacional. lizados, pois no município não havia energia elétrica.
A pesquisadora explica que, no final da déca-
MUNICIPALIZAÇÃO da de 40, começa a surgir o entendimento de que
o modelo centralizador e verticalizado, baseado
A tese da municipalização, com objetivo de em campanhas, com a União efetivando todas as
descentralizar a execução das ações básicas de ações, e setorizado, não dava conta da realidade do
saúde, foi adotada como um caminho para se criar país. Já a partir dos anos 1950, a questão voltou-se
uma estrutura sanitária considerada mais adequada para as estratégias de desenvolvimento econômico
à realidade econômica, política e social de um país que o país deveria adotar e passou a ter influência
subdesenvolvido e com vastas diferenças regionais. determinante na formulação das políticas de saúde.
Com base na documentação consultada, Naiara “Essa corrente se tornou conhecida como sanita-
aponta que, como medida indispensável à muni- rismo desenvolvimentista – e ganhou primazia no
cipalização dos serviços de saúde, era necessário Brasil, principalmente a partir do governo Juscelino
também que se discutisse a articulação das ativida- Kubitschek, entre 1956 e 1961”.
des sanitárias nos diversos níveis da administração Medidas assistenciais e médico-sanitárias não
(federal, estadual e municipal), o que foi definido teriam efeito se não ocorressem integradas ao de-
por Wilson Fadul, ministro da Saúde que presidiu senvolvimento do país. O principal expoente deste
a 3ª CNS, como um “primeiro passo para a implan- pensamento, de acordo com Naiara, foi o sanitarista
tação de um sistema nacional de Saúde unificado”. Mário Magalhães da Silveira, eleito presidente da
De acordo com a historiadora, a proposta de Sociedade Brasileira de Higiene em 1962, e que em
municipalização dos serviços de saúde baseava-se 1963 presidiria a Comissão Organizadora da 3ª CNS.
na concepção de que as populações locais é que Por isso, segundo Naiara , a Terceira adotou a
poderiam ter conhecimento mais realista de seus tese da municipalização como caminho para efetivar
problemas. Diferentemente dos governos ante- ações de saúde que deveriam ser coordenadas,
riores, o governo Goulart entendia que a criação descentralizadas e mais adequadas à realidade
de uma estrutura básica de órgãos de assistência econômica, política e social de um país subdesen-
médico-sanitárias, atendendo a todo o país, mas volvido e com vastas diferenças regionais. Para ela,
tendo os municípios como centro de ação, seria o algumas medidas de certa maneira antecipavam a
caminho mais adequado para a melhoria das con- hierarquização dos serviços já prevendo níveis de
dições de saúde da população. “A municipalização atenção. “Com o golpe civil-militar de 1964, essas
foi proposta da forma como a entendemos hoje. orientações foram interrompidas e houve clara
No projeto, os serviços não seriam uniformes, mas opção pelo fortalecimento das ações no âmbito
estruturados conforme, ‘as necessidades e possibi- da previdência, privilégio do fornecedor privado e
lidades’ de cada localidade”. ampliação do modelo hospitalocêntrico”.

FRAGMENTÁRIO E CORPORATIVO ESTADO AUTORITÁRIO


Segundo a pesquisadora, além da proposta O contexto em que as conferências seguintes
de muncipalização e descentralização das ações, ocorreram foi marcado pelo aumento do controle
durante a abertura da 3ª Conferência, Wilson Fadul burocrático e de um Estado autoritário. E as dis-
criticou o formato institucional do Ministério da cussões sobre planejamento passaram, claramente,

[32] RADIS 145 • OUT / 2014


a beneficiar fornecedores de serviços médicos que desembocaria no SUS, mas de certa maneira SAIBA MAIS
privados, atuando no âmbito da atenção médica essas propostas antecipavam propostas do SUS”.
previdenciária”, afirma. Ela lembra que, a partir da Naiara reforça que as propostas não desapare- • Wilson Fadul
7º Conferência, temas como a regionalização dos cem com golpe. “As pessoas continuaram vivendo, Fadul no Congresso Interna-
cional de Saúde, Genebra,
serviços, articulação interinstitucional nos níveis as ideias circulando e o debate continuaria”. Wilson 1963 / fonte: PDT.org
federal, estadual e municipal, saneamento do Fadul estava com Sérgio Arouca, à época presidente
meio e alimentação e nutrição voltam a compor da Fundação Oswaldo Cruz, na 8ª conferência. http://pdt.org.br/index.php/
o temário das discussões. A pesquisadora pontua “O evento de 1986 guarda relação com a Terceira noticias/morre-o-trabalhista-
que, somente a partir da 8ª CNS, em meio às lutas também por seus participantes”, reforça, lembran- -wilson-fadul-ex-ministro-
pela redemocratização do país, as propostas, ainda do que tal entendimento não é consenso entre os -de-jango
embrionárias da 3ª Conferência, “foram retomadas historiadores e sanitaristas.
e orientadas, agora, pelo princípio de que a saúde
deveria ser direito de todos e dever do Estado”.
‘CAIXA PRETA’
Naiara reforça que a 8ª Conferência defendeu
a ampliação, para toda a população do direto à Orientadora da dissertação, a professora
assistência à saúde, a integralidade e a universali- Tania Maria Dias Fernandes reforça que a pesquisa
dade do cuidado, bem como o financiamento do mostra conexões entre a 3ª e a 8ª conferências. “Os
Estado, estabelecendo as bases para o SUS, que atores e o leque de questões colocadas na Terceira
deveria ser descentralizado, com a distribuição de Conferência continuaram em pauta. Naquele mo-
responsabilidades e de recursos da esfera estadual mento, o Brasil precisava de uma revisão de suas
para a municipal, como forma de aumentar o aces- políticas sanitárias pensando em saúde pública
so da população aos serviços, articuladas com os como algo que estava sendo apontado antes da-
processos de regionalização e hierarquização dos quela interrupção grotesca que foi o golpe militar”,
níveis de atenção, conforme escreveu. afirma. Para ela, o trabalho de Naiara abre a caixa
Das 14 conferências nacionais já realizadas, preta da ditadura. “Creio que o movimento de rever
a pesquisadora ressalta que a 3ª CNS foi a única o passado histórico, promovido pelas comissões da
que não teve seus anais editados pelo Ministério Verdade, permite que a Terceira ganhe uma luz. Ela
da Saúde. “Os Anais foram editados em 1992 pela volta a ser colocada. Na década de 60, se discutia
Fundação Municipal de Saúde de Niterói, no Rio o que era saúde pública e saúde do trabalhador.
de Janeiro, para onde convergiu grande parte das Hoje, esses são temas que a gente tira de letra”.
pessoas envolvidas com o movimento da Reforma Para a professora, o SUS vinha desde então sendo
Sanitária dos anos 1980”, conta. Ela chama atenção pensado no sentido de atender e evitar a doença.
para as razões que teriam levado à não edição do “Se a questão era essa, ela continua. Melhoramos
material. Para Naiara, se o caminho era a munici- muito. Não tenho a menor dúvida de que o SUS Concepção de que as
populações locais é que
palização da saúde, não dá para saber o que viria resolveu um problemão que a gente tinha. Mas a poderiam ter conhecimento
depois. “Deveria ocorrer um novo encontro em Terceira consegue sinalizar que muitos problemas de seus problemas orientou
novembro de 1964. Não houve. Não dá para afirmar ainda permanecem”. proposta de descentralização
dos serviços de saúde

FOTO: ACERVO COC / DAD / FIOCRUZ


SERVIÇO

EVENTOS  PERIÓDICO participação de 59 pesquisadores, questões


relacionadas ao parasito leishmania e seus
aspectos evolutivos, taxonômicos e meta-
I Seminário Internacional Acesso aberto
bólicos, aos vetores, reservatórios e mode-
Poder Popular na América A edição de julho dos los experimentais, além de características
Latina (Sippal) Cadernos de Saúde da doença, seu tratamento, diagnóstico,

B
uscando repensar o
sistema democrático
representativo, o semi-
Pública (vol. 30, nº 7), da
Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca (Ensp/
desafios para o controle e as estratégias
para o enfrentamento do agravo.

nário deverá ser espaço Fiocruz), abrange uma diver-


de intercâmbio de ex- sidade de temas, em artigos, Tecnologia e saúde
periências e reflexões revisões e comunicação. Entre os temas, Conhecimento, Inova-
sobre os caminhos para estão: uso de pesticidas no Brasil; virologia ção e Comunicação em
o fortalecimento e consolidação do poder ambiental e saneamento; coordenação das Serviços de Saúde, orga-
popular, pela democratização do Estado e redes de atenção à saúde pela atenção nizado por Francisco José
protagonismo do povo, a partir de movi- primária; fatores associados às recidivas de Aragão Pedroza Cunha,
mentos sociais, organizações dos trabalha- malária; evolução das despesas com alimen- Cristiane Pinheiro Lázaro,
dores e povos indígenas, e por iniciativas de tação fora de casa; autoavaliação de saúde Hernane Borges de Barros
governos locais ou nacionais. Organizado em comunidades quilombolas; e qualidade Pereira (Editora Fiocruz) trata da adoção e
pelo Núcleo Interdisciplinar para o desen- de vida de pacientes idosos vivendo com assimilação de tecnologias de produção,
volvimento social da Universidade Federal HIV. No editorial, as editoras incentivam o circulação e acesso a informações geren-
do Rio de Janeiro (Nides/UFRJ), o evento uso pelos pesquisadores de instrumentos ciais nos sistemas de atenção à saúde. O
estará organizado em torno dos eixos te- de aferição disponíveis em acesso aberto livro está organizado em três eixos temáti-
máticos como: o poder popular nas ruas; e softwares de código aberto, informando cos: políticas de informação, comunicação
o papel das universidades; movimentos so- que esta será condição para que artigos e inovação para os sistemas e redes de
ciais; comunicação; lutas no campo latino- enviados sejam aceitos. A publicação pode serviços em saúde; perspectivas e limita-
-americano; gênero, raça e opção sexual; ser acessada na íntegra em: www4.ensp. ções da política de inovação nos serviços
democracia e capitalismo; e integração fiocruz.br/csp de atenção e no Complexo Industrial da
regional na América Latina. Saúde; e comunicação organizacional e
Data 25 a 28 de novembro LIVROS difusão de inovações gerenciais.
Local UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil
Informações sippal2014@gmail.com
www.nides.ufrj.br/index.php/sippal
Doença diagnosticada Incentivo às ciências
A visita inesperada, Marcado pela própria
de Ana Luiza Novis e natureza: O Imperial
Convenção Internacional de Lucia Helena Abdalla Instituto Fluminense
Saúde Pública – Cuba Salud (Editora Jaguatirica), de Agricultura – 1860 a
traz um novo olhar 1891, de Begonha Bediaga
sobre traumas causados pela descoberta (Editora FGV) aborda a tra-
de uma doença. De forma descontraída, jetória do IIFA, instituição de
com uso de ilustrações, o livro trata de caráter privado, que sobreviveu com verbas
sentimentos, sensações e reações, por do governo, com objetivo de modernizar as

O rganizado pelo Ministério da Saúde


Pública de Cuba, a convenção tem como
objetivo discutir a saúde em Cuba e no
meio da Terapia Narrativa, desenvolvida
nos anos 1970 e 1980, que propõe, por
meio de exercícios lúdicos, que paciente e
atividades rurais, sobretudo a agricultura do
país. Editado em formato impresso e digital,
o livro permite acompanhar personagens
mundo. Buscando integração e diversidade, familiares imaginem e descrevam o apare- que gravitavam em torno das ciências no
o evento abordará as políticas públicas e as cimento da doença em suas vidas. O livro Império e mostra que o IIFA serviu de espaço
estratégias, organização e bases econômi- conta a história de um personagem, criado de institucionalização de áreas científicas
cas de apoio às atividades de saúde, bem a partir das experiências das autoras, ambas relacionadas à agricultura, como química
como a avaliação de novos processos de psicólogas, que encontra uma forma de agrícola e zootecnia, até que constituíssem
renovação dos cuidados primários de saúde conviver com a “visita inesperada”. A obra os próprios espaços científicos.
e suas implicações para os serviços. O even- está disponível em e-book.
to reunirá 400 delegados cubanos e 500
delegados estrangeiros. Entre os temas em E NDEREÇOS
debate estarão: políticas econômicas, sociais
Doença negligenciada
e ambientais; mudanças nos sistemas de Leishmanioses do con- Editora Jaguatirica
saúde; atenção primária; cobertura univer- t i n e nte a m e ri ca n o: (21) 3747-1887
sal; determinantes sociais da saúde; papel desafios e soluções, http://loja.jaguatiricadigital.com
da comunicação social; internacionalização organizado por Fátima Editora Fiocruz
da educação médica; e direito médico. Conceição-Silva e Carlos (21)38829039 e 3882-9006
Trabalhos acadêmicos deverão ser encami- Rober to Alves (Editora editora@fiocruz.br
nhados ao comitê científico até 31/12. Fiocruz), trata de uma das www.fiocruz.br/editora
Data 20 a 24 abril de 2015 doenças tropicais negligenciadas, que é
Local Palácio das Convenções, problema de saúde pública no Brasil e no Editora FGV
(21) 3799-4426/4427/4428
Havana, Cuba mundo (Radis 143). Os autores, pesqui-
editora@fgv.br
Informações www.convencionsaludcuba. sadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/
www.editora.fgv.br
com; convencionsalud2015@infomed.sld.cu Fiocruz), reúnem, em 26 capítulos, com a

[34] RADIS 145 • OUT / 2014


PÓS-TUDO

O obstáculo
básico à luta dos
C.N
direitos humanos
Leonardo Boff* à democracia reduzida é a democracia humanos mas também sociocósmicos.

O
social, participativa, de baixo para cima, Em outras palavras, a biosfera da Terra é
tema dos direitos humanos é uma na qual todos possam caber. O Estado patrimônio comum de toda vida em sua
constante em todas as agendas. que representa esse tipo de democracia imensa diversidade, e não apenas da vida
Há momentos em que se torna enriquecida teria uma natureza nitidamen- humana. Então, mais que falar em ter-
um clamor universal, como atual- te social e se organizaria para garantir os mos de meio ambiente, deve-se falar em
mente com a criação do Estado Islâmico direitos sociais de todos. Enquanto isso comunidade de vida, ou ambiente inteiro.
que comete sistemático genocídio das não ocorrer, não haverá uma real univer- O ser humano tem a função, já assinalada
minorias. Por que não conseguimos fazer salização dos direitos humanos. Parte dos no Gênese, a de ser o tutor ou guardião da
valer efetivamente os direitos não só hu- discursos oficiais são apenas retóricos. vida, o representante legal da comunidade
manos mas também os da natureza? Onde As classes subalternas expandiram o biótica, sem a pretensão de superiorida-
reside o impasse fundamental? conceito de cidadania. Não se trata mais de, mas se compreendendo como um elo
A Carta da ONU de 1948 confia ao daquela burguesa que coloca o indivíduo da imensa cadeia da vida, irmão e irmã
Estado a obrigação de criar as condições diante do Estado e organiza as relações de todos. Daqui resulta o sentimento de
concretas para que os direitos possam entre ambos. Agora se trata de cidadãos responsabilidade e de veneração que fa-
ser realizados para todos. Ocorre que o que se articulam com outros cidadãos para cilita a preservação e o cuidado por todo
tipo de Estado dominante é um Estado juntos enfrentarem o Estado privatizado e o criado e por tudo o que vive.
classista. Como tal é perpassado pelas a sociedade desigual de classe. Daí nasce a Ou faremos essa viragem neces-
desigualdades que as classes sociais origi- concidadania: cidadãos que se unem entre sária para essa nova ética, fundada
nam. Concretamente: a ideologia política si, sem o Estado e muitas vezes contra o numa nova ótica, ou poderemos conhe-
deste Estado é o neoliberalismo que se Estado, para fazerem valer seus direitos e cer o pior, a era das grandes devastações
expressa pela democracia representativa levarem avante a bandeira política de uma do passado. A reflexão sobre os direitos
e pela exaltação dos valores do indivíduo; real democracia social, onde todos possam humanos de primeira geração (individuais),
a economia é capitalista que operou a se sentir representados. de segunda geração (sociais), de terceira
Grande Transformação, substituindo a Cidadãos se unem entre si, sem o geração (transindividuais, direitos dos po-
economia de mercado pela sociedade de Estado e muitas vezes contra o Estado, vos, das culturas etc.), da quarta geração
mercado para a qual tudo vira mercadoria. para fazerem valer seus direitos (direitos genéticos) e da quinta geração (da
Por ser capitalista, vigora a hegemonia da Esses movimentos fizeram crescer, realidade virtual) não podem desviar nossa
propriedade privada, o mercado livre e a mais e mais, a consciência da dignidade atenção dessa nova radicalidade na luta
lógica da concorrência. Esse Estado é con- humana, a verdadeira fonte de todos os pelos direitos, agora começando pelos
trolado pelos grandes conglomerados que direitos. O ser humano não pode ser visto direitos da Terra e das tribos da Terra, base
hegemonizam o poder econômico, político como mera força de trabalho, descartável, para todos os demais desmembramentos.
e ideológico. Em grande parte é privatizado mas como um valor em si mesmo, não Até hoje, todos davam por desconta-
por eles. Usam o Estado para a garantia passível de manipulação por nenhuma da a continuidade da natureza e da Terra.
de seus privilégios e não dos direitos de instância, nem estatal, nem ideológica, Não precisavam se preocupar com elas.
todos. Atender os direitos sociais a todos nem religiosa. A dignidade humana Esta situação se modificou totalmente, pois
seria contraditório com sua lógica interna. remete à preservação das condições de os seres humanos, nas últimas décadas,
A solução que as classes subalternas continuidade do planeta Terra, da espécie projetaram o princípio de autodestruição.
encontraram para enfrentar essa contradi- humana e da vida, sem a qual o discurso A consciência desta nova situação
ção foi elas mesmas se organizarem e cria- dos direitos perderia seu chão. fez surgir o tema dos direitos humano-
rem as condições para seus direitos. Assim Por isso, os dois valores e direitos bási- -sócio-cósmicos e a urgência de que, se
surgiram os vários movimentos sociais e cos que devem entrar mais e mais na cons- não nos mobilizarmos para as mudanças,
populares por terra, por teto, por saúde, ciência coletiva são: como preservar nos- a contagem regressiva do tempo se coloca
por escola, pelos negros, índios e mulheres so esplêndido planeta azul-branco, a Terra, contra nós e pode nos surpreender com um
marginalizadas, por igualdade de gênero, Pachamama e Gaia? E o segundo: como bioecoenfarte de consequências devastado-
por respeito do direito das minorias etc. É garantir as condições ecológicas para que o ras para todo o sistema da vida. Devemos
mais que uma luta pelos direitos; é uma experimento homo sapiens/demens possa estar à altura desta emergência.
luta política para a transformação do tipo continuar, se desenvolver e coevoluir? Esses
de sociedade e do tipo de Estado vigentes, dois dados constituem a base de tudo mais. * Leonardo Boff é teólogo, filósofo e
porque com eles seus direitos nunca irão Ao redor desse núcleo, se estruturarão os escritor. Artigo publicado na Carta Maior,em
ser reconhecidos. Portanto, a alternativa demais direitos. Eles serão não somente 10/9/2014.

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