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GRUPO DE TRABALHO “UNIDOS VENCEREMOS”

CARNAVAL DE RUA DE SÃO


PAULO: HISTÓRICO, PRESENTE E
FUTURO
- VISÕES E REFLEXÕES.

SÃO PAULO, JULHO DE 2018.

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“ Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a
sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva.”
Albert Camus

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SUMÁRIO

1. Prólogo………………………………………………………………………….… 04
2. Uma breve história do nosso Carnaval de Rua………………………………..05
2.1 Carnaval, origem remota………………………………………..…..05
2.2 Desfiles de Carnaval de Rua em São Paulo………………...…...06
2.3 Primeira sociedade carnavalesca de SP………………………….07
2.4 Cordões, ranchos e escolas de samba……………………………07
2.5 Cordão Barra Funda…………………………………..…………….08
2.6 Anos 1920 e 1930……………………………………………………08
2.7 Ditadura Vargas, Segunda Guerra Mundial e mais repressão….08
2.8 Carnaval dos anos 1950…………………………………………….09
2.9 Anos 1960 e 1970 - Anos de Chumbo da Ditadura Militar………09
2.10 Carnaval Oficial de São Paulo…………………………………….09
2.11 Ausência dos Blocos Carnavalescos……………………………..10
2.12 Polo Cultural e Esportivo Grade Otelo - Sambódromo…………11
2.13 Embrião da chegada dos blocos carnavalescos atuais…….…..11
2.14 Bandalha e o carnaval da resistência…………………………….11
2.15 Dos anos 1990 a 2010……………………………………………..12
2.16 Manifesto Carnavalista……………………………………………..13
2.17 Novos Blocos Arrastando Multidões……………………………...14
2.18 Conclusão da seção..………………………………………………15
3. Carnaval de Rua e Cultura, sobre sua indissociabilidade…………………………..16
4. Os horizontes e limites do apoio comercial ao Carnaval de Rua de SP…………..18
4.1 Efeitos Organizacionais e Impactos…………………………………………20
4.2 Efeitos de Caráter Financeiro………………………………………………..21
4.3 Sobre um novo modelo de aporte…………………………………………...25
4.4 Conclusão da seção…………………………………………………………..27
5. Outras disposições………………………………………………………………………28
5.1 Policiamento e segurança…………………………………………………….28
5.2 Relação com moradores……………………………………………………...30
5.3 Campanhas contra o assédio sexual e contra a LGBTFobia…..….……..31
6. Alcançando os Objetivos………………………………………………………………..32
7. Conclusão Geral…………………………………………………………………………33
8. Assinaturas……………………………………………………………………………….35

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1. PRÓLOGO

É um trabalho de certa forma ingrato se propor a resumir em menos de 40 páginas a


história do nosso carnaval de rua e explicitar os principais anseios e visões atuais dos
blocos de nosso município. Certamente interessante e gratificante! Mas, principalmente,
ingrato. Ingrato pois são tantas vivências, experiências, tantas afluentes, que este trabalho
mereceria ao menos 3 livros de 400 páginas cada, e ao escrever tal obra a história já teria
passado e o texto se tornaria desatualizado antes mesmo de sua conclusão. Ingrato pois
mesmo com a concordância de uma parcela significativa dos atores, haverá outros tantos
que, com suas razões próprias hão de discordar de alguns pontos e visões. Mas, assim se
faz o estado democrático em sua realidade, e somente por meio da vociferação e da ação
teremos o todo. O que não podemos é ficar em silêncio, e nos deixar levar por forças
alheias a nossos ímpetos legítimos.
Portanto, este documento, fruto dum grupo de trabalho chamado “Unidos
Venceremos”, criado para a discutir os pontos aqui consolidados e abrir esta frente de
diálogo, grupo formado por blocos diversos da cidade e estudiosos da cidade e suas
questões, não se propõe a ser definitivo, e não possui a presunção de que as perguntas e
respostas aqui contidas sejam levadas como ultimatos. Somente por meio do amplo e
irrestrito diálogo e participação ativa de todas as entidades civis e governamentais
envolvidas e afetadas pelo nosso Carnaval de Rua - em vias de se tornar o maior do País -,
é que poderemos chegar à consolidação dele, e se certificar de que nossa manifestação
continue livre, democrática, respeitosa com todos, verdadeiramente legítima e próspera.
Somente com a união das visões dos mais diversos blocos e entidades de nossa Cidade
poderemos alcançar nossos objetivos, daí, inclusive a formação do grupo “Unidos
Venceremos” para redigir este documento.
Gostaria de agradecer imensamente a todos aqueles que de alguma forma
participaram do processo de elaboração deste documento dentro do nosso grupo de
trabalho e fora dele, seja em sua concepção e escrita, seja co-assinando e assim
respaldando as informações aqui contidas. Que este seja apenas o início de um trabalho
espontâneo e profissional de altíssimo nível, assim como deve ser o nosso Carnaval. Que
nossa luta centenária pelo direito e respeito a nossas manifestações e expressões culturais,
sociais e políticas encontrem, finalmente, o alento e fruição devidas, e que nossa sociedade
possa usufruir dos incalculáveis benefícios que esta celebração única traz.

Estêvão Romane
Coordenador e redator do Grupo de Trabalho Unidos Venceremos.

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2. ORIGEM, TRADIÇÃO E PIONEIRISMO DO CARNAVAL DE RUA DE SP
Uma breve história de nosso Carnaval de Rua.
Por Candinho Neto – Jornalista pela Faculdades Integradas Alcântara Machado; Bacharel
em Direito pela UNI-FMU; Cronista Carnavalesco entre 1980 a 2012 nos Jornais Popular da
Tarde/Diário Popular; presidente da Banda do Candinho & Mulatas; nascido a 2 de dezembro
de 1949.

2.1 CARNAVAL, ORIGEM REMOTA


O carnaval é a manifestação popular mais celebrada no Brasil e que, ao longo do
tempo, tornou-se elemento da cultura nacional. No entanto, a celebração não é uma
invenção brasileira nem tampouco realizado apenas neste país.
A História do Carnaval remonta à Antiguidade, tanto na Mesopotâmia quanto na
Grécia e em Roma. O Carnaval tem origem no paganismo, no qual, oriundo da expressão
popular, havia uma troca de autoridades e valores, onde ​o povo se tornava mandatário de
sua liberdade, e o mandante escravo da liberdade do povo. Ocupando as ruas de milênios
atrás, o povo exibia suas expressões artísticas, culturais e políticas, e por um dia podiam
ser livres das amarras do poder. O pobre tornava-se rei e o rei tornava-se povo. Pode-se
dizer, portanto, que o Carnaval sempre foi uma válvula de escape da população perante a
vida massacrante de um sistema de poder e classes sociais dominantes, e sua origem é tão
antiga que podemos encontrar esta expressão em quase todos os povos organizados em
grandes sociedades e comunidades.
É importante dizer que o Carnaval, tal qual conhecemos hoje, cujo calendário foi
definido pela igreja Católica Apostólica Romana, permaneceu nos costumes sociais
tamanha era a expressão legítima do povo - a qual perdura até os dias atuais. É possível
remontar registros históricos de uma tentativa de frear a manifestação por parte da Igreja,
mas, mostrando-se em vão e com reluto, os católicos abraçaram a celebração do povo
dentro do calendário gregoriano onde o Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa.
Observando-se que sete dias antes do domingo de Páscoa, é o domingo de ramos
(começo da semana santa) sendo Quarenta dias antes da semana santa, a terça-feira de
Carnaval, logo o último dia do Carnaval é o início da quaresma em que a igreja Católica faz
o jejum de carne, surgindo daí o termo CARNAVAL, que significa Festa da Carne
Então, podemos nos perguntar: como esta manifestação veio parar no Brasil?
É possível remontar a origem do Carnaval no Brasil com os ​entrudo,​ de origem
portuguesa, onde a população se fantasiava e pintava o rosto, atirando uns nos outros
bolinhas de ceras, luvas cheias de água ou areia, laranjinhas e limões de cheiro. Com a

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crescente participação popular e posteriormente com a participação da população negra
escravizada ou recém liberta, a qual tomavam as ruas entoando cantos religiosos de seus
países e regiões de origem, o governo e a polícia interviram com repressão, sustando a
festa e a fazendo permanecer num período latente nos idos de 1854. Efetivamente, a
brincadeira popular foi criminalizada, e alguns membros da elite passaram a dar sequência
ao ato em espaços privados, como teatros e clubes. Neste período, a música foi introduzida,
plantando as origens do carnaval que conhecemos hoje.
No entanto, a tentativa de repressão da expressão nas ruas não perdurou, se
mostrando ineficaz perante a força de expressão latente do povo. Logo, começaram a se
formar, mesmo ilegais à época, os cordões e ranchos carnavalescos, que contavam com
outras expressões populares como a capoeira, músicas entoadas por grandes bumbos e
diferentes ritmos miscigenados. Nas próximas décadas, ainda na virada entre o século XIX
e XX, graças a perseverança destes heróis de nossa cultura popular, pudemos acompanhar
o surgimento das marchinhas carnavalescas, dos Afoxés na Bahia, do Samba, observamos
o frevo tomando as rua de Recife e o maracatu nas ruas de Olinda, efetivando, assim, o
Carnaval de Rua.
Não obstante, ao longo do início do século XX, nota-se que rapidamente o Carnaval
ganhou força e tornou-se símbolo de nossa cultura, numa manifestação cultural, social e
política que transcendem as classes sociais e econômicas, ganhando notória diversidade de
realização de formatos, origens e culturas, tal qual temos o reflexo até hoje.
​Entende-se, portanto, como ​Carnaval de Rua toda manifestação pública, gratuita e
aberta, realizado nas ruas, praça e, avenidas das cidades brasileiras. Tanto Bandas,
Blocos, Cordões ou qualquer outro tipo de desfile são chamados de ​Carnaval de Rua.
Por seu turno, o Carnaval de Salão conforme a própria denominação o diz, trata-se
de festejos ou Bailes realizados internamente em clubes, associações de classes e mesmo
em Teatro Municipais. Entrando neste contexto, vale notar, os badalados Concursos de
Fantasias, de enorme glamour entre as décadas de 1930 a 1960 no Brasil.

2.2 DESFILES DE CARNAVAL DE RUA EM SÃO PAULO


Para nos situarmos de forma capaz de entender o atual momento do vertiginoso
crescimento do Carnaval de Rua de São Paulo, que atingiu números gigantescos de foliões
seguidores de Blocos, Bandas e Cordões Carnavalescos, não se pode fugir às origens das
agremiações tradicionais e pioneiras legítimas de São Paulo.
Existem hoje na Capital Paulista cerca de 500 agremiações Carnavalescas de Rua
arrastando verdadeira multidão de amantes de nossa cultura que, segundo informações
oficiais, bem como da imprensa, chegou-se no Carnaval de 2018 a 10 milhões de pessoas
em diversos desfiles em locais diferentes da cidade paulistana.

2.3 PRIMEIRA SOCIEDADE CARNAVALESCA SP


Segundo informação do Jornal Correio Paulistano, em 1856, substituindo ao
entrudo, um grupo de pessoas lideradas pelo Capitão Joaquim Sertório fundou a primeira

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Sociedade Carnavalesca de São Paulo, com o nome de Sociedade Carnavalesca
Piratininga - iniciando aí as Sumidades Carnavalescas com desfiles realizados no chamado
Triângulo Paulista, compreendido entre as Ruas Direita, XV de Novembro e São Bento no
centro da cidade.
Nos carnavais seguintes surgiram outras sociedades carnavalescas como os
Zuavos, os Fenianos, os Girondinos e os Tenentes de Plutão. Por volta de 1860 as
Sociedades Carnavalescas eram muito elitizadas pois era muito caro manter os carros,
comprar ou alugar fantasias luxuosas, e as decorações para os desfiles. Assim, a partir de
1863, por falta de financiamento, este tipo de carnaval foi desaparecendo, restando apenas
algumas pessoas que passavam abaixo assinados de forma a colocar uma Banda Musical
nas ruas para animar os foliões - uma solução mais econômica e prática.
É importante lembrar que naquela época a polícia e o governo eram
majoritariamente repressores do Carnaval de Rua, obrigando quem quisesse brincar nas
ruas com máscaras e fantasias a portar um cartão com autorização da delegacia da região
proposta.
Entre 1865 a 1869 por causa da Guerra do Paraguai, que debilitou a economia do
Brasil, houve a interrupção do Carnaval de Rua de São Paulo, que só ressurgiu com força
total em 1872 com a participação expressiva feminina. É curioso notar que, como as ditas
“moças de família” eram à época proibidas de participar dos desfiles, por vezes eram
cortesãs que alegravam os carros alegóricos dos clubes, remontando, mais uma vez, a
origem e expressão genuína de pessoas reprimidas por definições e estereótipos de
classes sociais e econômicas, e da importância do Carnaval de Rua para a quebra destes
paradigmas e tabus que nada contribuem à sociedade.
Neste período também é de se notar a origem do costume de se utilizarem carros
alegóricos, por meio dos desfiles chamados de Corsos. Segundo Jorge Americano, no livro
“São Paulo Daquele Tempo”, o Corso durou entre 1910 a 1915 no centro de São Paulo,
quando foi transferido para a Avenida Paulista. O Corso era composto de automóveis de
capotas abertas, onde as senhoras vinham sentadas nos bancos e as moças sentadas sob
as capotas abertas enquanto os rapazes acompanhavam a pé os carros que seguiam
devagar pelas ruas. Este tipo de desfile de carnaval obviamente era apenas para a elite,
pois outras classes não dispunham de meios econômicos para acompanhar esta
manifestação festiva.

2.4 CORDÕES- RANCHOS E ESCOLAS DE SAMBA.


Os cordões, ranchos e escolas de samba apareceram em São Paulo com a
popularização do Carnaval de Rua e sua gênese encontra-se nos caiapós, festejos
praticados pela população negra que era inicialmente realizado no acompanhamento de
procissões religiosas que, depois de proibidos, acabaram encontrando espaço na época do
Carnaval.

2.5 CORDÃO BARRA FUNDA

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O primeiro Cordão Carnavalesco de São Paulo oficial foi o Cordão Da Barra Funda,
fundado em 1914 no antigo Largo da Banana (onde hoje se encontra o Memorial da
América Latina) por Dionisio Barbosa, segundo artigo de Chico Santana publicado na
Revista Histórica do Arquivo Público do Estado de São Paulo​. O Cordão da Barra Funda foi
o embrião do Cordão Camisa Verde e Branco, que culminou com a fundação da Escola de
Samba Camisa Verde e Branco em 1972, além de inspirar o surgimento de outros Cordões
como o Cordão Vai-Vai, em 1930, que originou a Escola de Samba Vai-Vai, também em
1972. Convém destacar que tanto a Camisa Verde como a Vai-Vai deixaram de ser cordão
para seguir a Lei do Carnaval sancionada pelo então prefeito José Vicente de Faria Lima no
ano de 1968, institucionalizando o Carnaval de Rua de São Paulo e unificando o desfile das
Escolas de Samba. Outro Cordão de destaque na época em São Paulo foi o Cordão
Campos Elíseos formado pela comunidade negra paulistana.

2.6 ANOS 1920 E 1930


Neste período, o Carnaval de Rua de São Paulo teve a presença crescente de
Blocos, Cordões e Ranchos que faziam a alegria popular no centro paulistano,
principalmente no chamado triângulo paulista composto pelas Ruas Direita, São Bento e XV
de Novembro, além das ladeiras próximas e principais praças de São Paulo como Sé e
João Mendes. Também nos bairros Vila Esperança, Brás, Lapa, dentre outros, o Carnaval
dos Blocos Carnavalescos já despontava nos dias de Carnaval.
Convém destacar que a exemplo do período da Guerra do Paraguai, houve
entroncamentos com o governo, e o Carnaval de Rua ficou à mercê deles. Vejamos, para
tal, passagem do livro de Zélia Lopes Silva, ​Os carnavais de rua e dos clubes na
cidade de São Paulo: ​Metamorfoses de uma festa (1923-1938): ​“Os anos de 1923
inauguraram o governo de Artur Bernardes, que tomou posse sob os ruídos militares de
1922. Embora sufocados, esses motins alteraram a rotina dos folguedos carnavalescos de
1923, impondo regras duras aos foliões e maior controle ao seu movimento. Os foliões de
1938 também sofreram as sequelas do golpe de estado de 1937, que não censurou apenas
os órgãos de imprensa, mas igualmente a ‘circulação livre’ dos possíveis pândegos que
conformaram a efetividade dos festejos do carnaval.”

2.7 DITADURA VARGAS, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E MAIS REPRESSÃO.


Os Carnavais Paulistanos dos anos 1940 sofreram com o período da Ditadura do
Presidente Getúlio Vargas e com a Segunda Guerra Mundial - dois eventos políticos que
promoveram alterações nos desfiles e outros eventos carnavalescos. Nesta época o
Carnaval sofreu muitas interdições e ocorreu um rígido controle dos foliões e dos espaços
festivos que ficaram marcados por forte processo de censura. Era comum a exigência de
alvarás complexos para a realização de bailes, autorização para a exibição em grupo ou
individual nas ruas e o controle do horário de início e de término dos desfiles. Por estes
motivos o Carnaval de Rua entrou em declínio e a manifestação popular foi, novamente,
calada.

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O então prefeito Prestes Maia, que governou a cidade entre 1938 e 1945 , tendo
como interventor federal do Estado de São Paulo o polêmico Ademar de Barros, se
posicionou contrário a oficialização do Carnaval de Rua de São Paulo, se limitando a
assumir parte dos encargos dos desfiles como a ornamentação das ruas para as festa dos
blocos, cordões e Escolas de Samba.
Havia ainda restrições políticas quanto aos aspectos morais envolvendo os
costumes. O apoio financeiro oficial foi suspenso por causa da frágil economia que racionou
o combustível, desativando efetivamente os desfiles de rua do Corso e das Grandes
Sociedades.

2.8 CARNAVAL DOS ANOS 1950


Conforme pudemos notar, o Carnaval de Rua de São Paulo sempre teve momentos
de euforia e outros de baixas quase a determinar seu desaparecimento das ruas. Nos anos
1950 foi a vez de cronistas carnavalescos, jornais, revistas, rádios, associações de lojistas e
comerciais fazerem a retomada dos Carnavais de Rua, tendo novamente como palco
principal a Av. São João e também o Vale do Anhangabaú e mais tarde o Parque Ibirapuera
inaugurado em 1954 como parte do Quarto Centenário de São Paulo.
Para o Carnaval de 1956, os jornais da época publicaram as regras baixadas pela
Secretaria de Segurança Pública do Estado, que, com o argumento de manter os “preceitos
dos bons costumes”, impunham regras rígidas às entidades carnavalescas e aos foliões,
praticamente impossíveis de serem atendidas. Nesta época era comum a polícia agredir
carnavalescos de Blocos e principalmente sambistas de Escolas de Samba que não
estivessem autorizados, mas também até os que portavam alvarás para ensaios e desfiles
nos dias de Carnaval.

2.9 ANOS 1960 – 1970 ANOS DE CHUMBO DA DITADURA MILITAR


O Carnaval de Rua dos anos 1960 até 1964, quando houve a Revolução Militar que
derrubou o Governo do Presidente João Goulart, ainda seguia as regras dos “bons
costumes” dos anos 1950. Após 1964, somadas às já inviabilizadoras regras, a repressão
do Governo Militar passou a proibir temas considerados subversivos e exigia que os
enredos, marchinhas e desfiles das entidades carnavalescas e até mesmo as críticas
fossem censuradas pelo sistema. Desta forma, a cultura popular exprimida por meio da
manifestação carnavalesca sofria mais uma derrota, agora se submetendo por completo às
vontades do governo para se manterem vivas.
A maior prova disto foi que um dos sambas mais cantados no Carnaval dos anos
1960 – 1970 foi da Escola de Samba Vai-Vai, com letra do Compositor Zé Di que enaltecia
a Campanha Militar.

2.10 CARNAVAL OFICIAL DE SÃO PAULO


O primeiro desfile oficial de escolas de samba de São Paulo foi realizado em 1968
na avenida São João e, apesar dos desfiles ocorrerem há décadas por lá, e também nos

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bairros da capital, foi o prefeito José Vicente Faria Lima, o Brigadeiro Faria Lima, quem
resolveu transformar a festa em um acontecimento da cidade. "Para incentivar os foliões,
foram estabelecidos dotação orçamentária de verba e infraestrutura, prêmios e troféus
para as melhores fantasias, blocos, cordões e ranchos", prometia o prefeito, ao enviar o
projeto de lei que regulamentaria a promoção do carnaval pela Prefeitura.
Nesta tomada de decisão do prefeito foi criada a Secretaria Municipal de Turismo e
Fomento da Cidade de São Paulo, que mais tarde viria a ser substituída pela empresa mista
Paulistur S.A, durante muito tempo conhecida como Anhembi Turismo e Eventos, e
atualmente chamada de SPTuris - hoje em vias de privatização. Tal empresa deveria cuidar
da tramitação de processos e entendimentos para a contração de infraestrutura e liberação
de verba para os desfiles e Escolas de Samba, mas no fundo, atendia aos anseios da
Ditadura Militar em dominar e manter sob sua guarda os grandes movimentos socioculturais
brasileiros, como o Carnaval de Rua. As normas do desfile das escolas de samba foram
importadas do Rio de Janeiro, que também sofria com a repressão cultural e social.

2.11 AUSÊNCIA DOS BLOCOS CARNAVALESCOS


A oficialização do Carnaval de Rua de São Paulo a partir de 1968 obedeceu
claramente aos anseios das Escolas de Samba, até então renegadas pelas autoridades
municipais. Porém não atendeu diretamente os blocos carnavalescos, timidamente
espalhados pelas ruas da cidade, uma vez que não possuíam a mínima articulação entre si
e nem se conheciam para poder esboçar qualquer tipo de contato público para a obtenção
de apoio. Observando que enquanto isto ocorria em São Paulo, os blocos, bandas, cordões
e outros tipos de manifestações carnavalescas nas ruas de cidades brasileiras como o Rio
de Janeiro, Salvador, Recife, Olinda cresciam em participação popular e na mídia geral.
Os desfiles de blocos e mesmo de escolas de samba menores se limitavam a festas
isoladas no centro e principalmente na periferia paulistana, até com sucesso de público,
porém sem visibilidade na imprensa e no poder público.
Esta falta de apoio aos Blocos e Bandas Carnavalescas fundadas há décadas em
São Paulo foi suprida em parte quando da substituição da Lei do ex-Prefeito Faria Lima
pela Lei 10.831/90 promulgada pela ex-prefeita Luiza Erundina de Souza, na qual não
apenas a Liga Independente das Escolas de Samba de SP e a União das Escolas de
Samba Paulistanas (que também possui Blocos Carnavalescos de Rua) como a
Associação das Bandas Carnavalescas de São Paulo e a Associação dos Blocos Bandas e
Cordões Carnavalescos do Município de São Paulo passaram a figurar no Carnaval Oficial
do Município de São Paulo.

2.12 POLO CULTURAL E ESPORTIVO GRANDE OTELO - SAMBÓDROMO


O Polo Cultural e Esportivo Grande Otelo – o SAMBÓDROMO DO ANHEMBI -
também se beneficiou da Lei quando de sua construção e inauguração no ano de 1991
sendo este o maior momento de dificuldade para o Carnaval livre das Bandas e Blocos

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Carnavalescos da ABASP e da ABBC exprimidos em verba orçamentária das menores
possíveis. A Lei do Carnaval beneficia sobremaneira os Desfiles das Escolas de Samba no
SAMBÓDROMO, e outros pontos da cidade, onde é consumida entre 80% (oitenta por
cento) e 90% (Noventa por cento). O restante é diluído em outros itens constantes na Lei
dentre eles Concurso de Rainha Princesas e Rei Momo do Carnaval de São Paulo sendo
que a ABASP e a ABBC recebem cerca de 1% (um por cento) cada uma delas para cumprir
com o repasse de verba para suas bandas e blocos associados dentre outras despesas
administrativas.

2.13 EMBRIÃO DA CHEGADA DOS BLOCOS CARNAVALESCOS ATUAIS


Em 1947 surgiu o Bloco Esfarrapado, o mais antigo em atividade (hoje um dos
associados da ABASP – Associação das Bandas Carnavalescas de São Paulo) fundado
pelo falecido agitador cultural Armandinho do Bixiga no bairro do Bixiga/Bela Vista na região
Central da cidade. Este bloco marcou o início dos chamados desfiles leves, livres e soltos
trazendo fantasias diversas, músicas com críticas ao governo e quebrando regras e
protocolos, haja vista que não seguia um circuito único com pistas definidas, mas sim
desfilando por vários pontos do bairro.

2.14 BANDALHA INAUGUROU O CARNAVAL DA RESISTÊNCIA


O modelo veio num crescente mais acentuado a partir dos anos 1970 com a Banda
Bandalha. Fundada em 1972, pelo falecido teatrólogo Plínio Marcos, reuniu a classe
artística (atores de Teatro – Cinema – Televisão) jornalistas e músicos de São Paulo no
Teatro de Arena (hoje Eugênio Cusnet) no centro da cidade. Plínio Marcos, atuando como
um dos atores da Novela Bandeira 2 da Rede Globo de TV (quando da TV branco e preto),
fazia a ponte aérea Rio-São Paulo. Os cariocas gozavam os paulistas dizendo que em São
Paulo “Bloco era de concreto, Cordão era de isolamento e Banda era de maçã”. Ou seja,
realmente não existia com grande destaque na imprensa os Blocos, Cordões
Carnavalescos e Bandas paulistanas. Na época, a Banda de Ipanema já era destaque no
Rio de Janeiro e em território nacional.
Para colocar São Paulo no mapa do Carnaval de Rua no Brasil, Plínio Marcos
fundou em 1972 a Banda Bandalha, cujo nome foi em homenagem ao personagem Nenê
Bandalho, contido em uma de suas inúmeras peças teatrais.
A Bandalha desfilou pelas ruas da Consolação, passou pelo Teatro Municipal, Av.
São João, Ipiranga retornando ao Teatro localizado na Rua Theodoro Baima. Este desfile se
repetiu em 1973 e a partir daí a Bandalha não mais retornou no Carnaval de Rua São
Paulo. Esta tomada de atitude de Plio Marcos deveu-se, além da burocracia dos órgãos
públicos municipais em liberar o desfile, a falta de verba e também a forte repressão da
Ditadura Militar nos anos 1970.
Em 1974 a Banda Redonda, tendo a frente o falecido Carlos Costa, o Carlão da Vila,
e outros tantos colaboradores, sucedeu a Bandalha, estando até hoje em atividade sob o
comando do Radialista Moisés da Rocha – do programa “ O Samba Pede Passagem “. A

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Banda Redonda deu sequência ao chamado Carnaval de Resistência nas ruas de São
Paulo, haja vista ter a Bandalha deixado de desfilar por imposição e principalmente
repressão dos órgãos públicos.
Nesta mesma época surgiu a Banda do Candinho & Mulatas, fundada em 1981 pelo
autor deste texto, Candinho Neto, com o intuito de divulgar a fase pré-carnavalesca de São
Paulo, que na época quase não existia no centro e era praticamente zerada na periferia
paulistana. O Carnaval de Rua de São Paulo se limitava basicamente aos desfiles das
Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos aos domingo e terça-feira de Carnaval na Av.
Tiradentes.
Vale lembrar saudosamente da Banda Gueri-Gueri, fundada pelo empresário
Roberto Suplicy fez enorme sucesso de público e mídia entre os anos 1980/90 nos jardins
finalizando suas atividades no Parque Ibirapuera na primeira década dos anos 2000. A
Banda do Biroska, no Bairro da Santa Cecília com saída na Rua Canuto Do Val sob o
comando da empresária Lilian Gonçalves, que desfilou por algum tempo deixando o cenário
carnavalesco de São Paulo por mudança de rumo de suas atividades.
Destacamos que as bandas e blocos carnavalescos da ABASP, que surgiram antes
da lei da Prefeita Luiza Erundina em 1990, participaram do chamado Carnaval de
Resistência uma vez que tinham que enfrentar dificuldades de toda ordem para colocar
seus desfiles nas ruas.

2.15 DOS ANOS 1990 A 2010


Os anos 1990 passando pelo final do Século XX até a primeira década do século
XXI vivemos o prosseguir de uma verdadeira latência no surgimento de novos blocos e
manifestações culturais carnavalescas de rua por todos os motivos políticos e econômicos
citados, que já vinham em declínio desde os idos de 1968. Neste período, graças a
persistência de entidades como a ABASP, ABBC e de blocos independentes, como o Jegue
Elétrico, Nóis Trupica Mas Não Cai entre outros, o Carnaval de Rua de São Paulo não foi
sepultado de vez.
As dificuldades impostas para se colocar um bloco na rua de forma independente
eram inúmeras, e durante muitos anos era praticamente impossível obter os alvarás
exigidos e licenças. Pouquíssimo são, até hoje, os blocos que contam e até mesmo
desejam ter uma estrutura profissional de execução, com verba de sobra para bancar os
custos como se fossem considerados como eventos, e não pelo que são: manifestações
culturais. A expressão do povo, portanto, com a desculpa da burocracia e da “ordem e bons
costumes”, era calada e ceifada a força.
Por este motivo, tais blocos se juntaram para retomar a tradição secular no Brasil e
milenar no mundo, e iniciaram o Manifesto Carnavalista.

2.16 MANIFESTO CARNAVALISTA


Entre os anos 2010 e 2013 surgiu em São Paulo o Manifesto Carnavalista, reunindo
principalmente Blocos Carnavalescos da Vila Madalena, inconformados com o modelo

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oficial do Carnaval de Rua de São Paulo que não abria espaço para os desfiles de novos
blocos, estando todo e qualquer desfile não-oficial considerados ilegais e sujeito a
repressão policial. Estes Blocos Carnavalescos e agremiações, ao saírem às ruas, dentre
outras repressões públicas vindas também de associações de moradores, apanhavam da
polícia por estarem na rua se divertindo e arrastando o povo para a folia, por estarem
exprimindo nossa cultura e desafiando preceitos políticos e sociais.
O movimento propunha, portanto, mudanças radicais para a folia carnavalesca da
maior cidade do Brasil. As entidades ABASP, ABBC e UESP, únicas então detentoras dos
desfiles de rua oficiais, foram combatidas pelos carnavalistas que defendiam a não
institucionalização das entidades e da quebra do monopólio das autorizações cedidas. Tais
entidades logo se solidarizaram com as idéias do Manifesto, pois na verdade não eram
contra a expansão e libertação do Carnaval de Rua como proposto.
Os Carnavalistas defendiam que fosse aberto o direito de estar na rua como direito a
manifestação cultural que é o carnaval. E para eles, o mais importante era reforçar que o
carnaval é uma manifestação cultural, e não um evento pago em uma avenida artificial onde
a expressão cultural do povo fica fora de sua origem de mais de um século e meio nas ruas
de São Paulo e, milenar mundo afora.
Com a união de blocos que existem até hoje como o Jegue Elétrico, Kolombolo, Nóis
Trupica Mas Num Cai entre outros da capital, este modelo foi abraçado pelo então
Secretário de Cultura Juca Ferreira, dando origem ao gigante Carnaval de Rua de São
Paulo que temos hoje.
A preocupação à época era da simples permissão de estar nas ruas, não havendo
ainda a construção de um modelo de regras e financiamento a manifestação, como o qual
buscamos agora em 2018 por meio inclusive deste documento. O Carnaval de Rua de São
Paulo, portanto, ressurgiu de forma espontânea e de certa forma sem controle, o que
ocasionou novos conflitos com moradores e outros atores da cidade. Tais conflitos e os
próprios problemas enfrentados pelos foliões e blocos nos desfiles fizeram o governo iniciar
um processo de ordenação do Carnaval de Rua. Processo este, que corre até hoje.

2.17 NOVOS BLOCOS ARRASTANDO MULTIDÃO


Com a Eleição do Prefeito Fernando Haddad em 2012, a partir de 2013 até 2016,
houve entendimento da Prefeitura com os novos Blocos de Rua, e a liberação de seus
desfiles passou a se tornar oficial. Então, fora publicada na sequência pela portaria 94 de 15
de março de 2013 que, por meio da Secretaria Municipal da Cultura, proporcionou um novo
modelo a exemplo dos desfiles do Rio de Janeiro, com a Prefeitura paulistana abrindo
Chamamento Público no qual Agências Publicitárias e de Promoção de Eventos poderiam
se inscrever no sentido de apresentar propostas capazes de assumir a implementação da
infraestrutura como banheiros químicos e ambulâncias em troca de exploração comercial e
de marketing, com os blocos carnavalescos assumindo as despesas financeiras advindas
da parte artística e estrutural de suas manifestações.

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Este modelo, também adotado pelo ex-prefeito João Dória nos anos de 2017/18,
agora infelizmente longe do controle da Secretaria de Cultura, nas mãos apenas da
Secretaria de Prefeituras Regionais, tem sido muito criticado pelos representantes dos
Blocos Carnavalescos que pleiteiam revisão total para os próximos carnavais.
É importante aqui citar que, buscando mais dinamismo, amparo e visibilidade a
vários Blocos Carnavalescos novos, principalmente na periferia de São Paulo, neste
período surgiu a UBCRESP – União de Blocos Carnavalescos do Estado de São Paulo,
hoje registrando 280 blocos da Capital, ou seja, metade da totalidade dos blocos inscritos
oficialmente na última edição do nosso carnaval. Tal entidade é de relevância a ser citada
pois é a única entidade de união dos novos blocos novos deveras institucional com
representatividade jurídica, tal qual a ABASP, ABBC e outras entidades. O surgimento
desta vai de encontro com a visão de que os blocos estão buscando uma união legítima
para que, após séculos de idas e vindas, consigam se estabelecer, de fato, e ganharem
estabilidade.
Em decorrência desta abertura de os novos blocos saírem às ruas o desejo latente
de expressão do povo e sede de cultura voltou rapidamente à tona. De 47 blocos que
desfilavam pelas ruas em 2012 e poucos milhares de pessoas nas ruas, vimos um
crescimento vertiginoso de mais de 400 blocos e 10 milhões de pessoas em menos de 5
edições do Carnaval de Rua paulistano. Acompanhando os tempos, observamos que hoje
temos blocos com DJ’s - puramente de música mecânica, blocos com temáticas LGBT,
Infantis, para idosos, blocos das mais diferentes parcelas da sociedade que, novamente,
encontram no Carnaval de Rua a oportunidade de se expressarem e de se conectarem com
suas comunidades, expandir seus horizontes e se divertirem em meio a tantos conflitos e
pesos.

2.18 CONCLUSÃO DA SEÇÃO


Pudemos observar que o Carnaval de Rua é uma entidade milenar, oriunda de
expressões legítimas do povo. Esta manifestação, durante vários momentos, foi por muitas
vezes alvo de repressão, da falta de apoio do governo - quando não do impedimento por ele
-, e da falta de mecanismos de apoio financeiros verdadeiramente eficientes e benéficos.
Após uma história de muita luta e resistência, o Carnaval de Rua de São Paulo hoje
atingiu seu ápice, e é reconhecido tanto pelos órgãos públicos quanto pela população como
uma entidade cultural de suma importância e relevância. No entanto, tendo em vista o
passado de descuido e desdém do governo para com sua operação, diversos conflitos com
moradores, organizadores e entidades surgiram, evidenciando que a manifestação, mais do
que nunca, carece de atenção imediata para que possamos continuar escrevendo esta bela
história.

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3. CARNAVAL DE RUA E CULTURA, SOBRE SUA INDISSOCIABILIDADE.

Conforme pudemos aprender com as lições históricas de Candinho no texto anterior,


a força que move o Carnaval e, especificamente o Carnaval de Rua, sempre foi um ímpeto
cultural, um ímpeto humano de presenciar as liberdades culturais e artísticas, de eximir
críticas sociais e políticas de um povo - seja ele de 3 mil anos atrás, ou nós mesmos,
atualmente. Seria, portanto, uma falácia clamar que o Carnaval de Rua se tornou um evento
comercial, uma vez que seu caráter gratuito, cultural e que emana do povo para o povo é
indissociável da festividade - e assim deve ser mantido.
“Pois bem, mas e os blocos patrocinados? E os patrocinadores da cidade que
ganham dinheiro com o carnaval vendendo seu produto?”, pode-se perguntar o leitor - é
uma pergunta muito oportuna. Aqui temos duas dimensões: o bloco, e o comércio. Vamos
primeira falar do bloco.
Podemos dizer que algo deixa de ser cultura quando recebe aporte de uma
empresa? Podemos dizer que algo deixa de ter um caráter de manifestação humana, como
a arte, pois ela tem um patrono? Certamente, fosse este o caso, a humanidade estaria
fadada ao fracasso e a pobreza cultural, e certamente não teríamos tido as Pirâmides do
Egito, a Monalisa, as sinfonias de Mozart, tampouco as obras de Michelangelo ou Goya. É
verdade que o embate entre liberdade cultural e de expressão versus os anseios dos
patronos sempre existiu. Mozart, como nota seus biógrafos, sentia que as músicas que lhe
eram feitas sob encomenda de um patrono era de certa forma menor do que a música feita
pela encomenda de seu coração - ou do espírito, por assim dizer. No entanto, ninguém
ousaria dizer que sua música oriunda de uma encomenda era “comercial” e que havia
perdido ali sua arte e expressão. Certamente, um tema para alguns tomos e ampla
discussão acadêmica! Porém, nosso resumo é breve: as manifestações culturais, artísticas
e sociais precisam de fomento para existir e progredir.
Toda criação necessita de investimento material para se concretizar, outrossim
permanecerá no plano da imaginação ou com expressão irrisória. Algumas criações
necessitam de mais recursos, outras, menos. O fato de receberem ajuda financeira de
fontes distintas não as demove do status de cultura e arte, pelo contrário, propicia que elas
existam, de fato. Neste sentido, podemos traçar o paralelo para afirmar que todo o bloco de
rua, enquanto se mantiver gratuíto, sem segregação de público, sem fins lucrativos, que
exiba arte e cultura para o povo nas ruas de forma democrática, sempre será cultura e
nunca será comércio - não há razão para afirmar o contrário.

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Ademais, é de se notar que, em razão do pressuposto, já é possível, inclusive,
aplicar leis de incentivo fiscal aos blocos, ponto este que deve ser expandido no nível
municipal, estadual e federal. As expressões oriundas do povo devem ser financiadas
publicamente e privadamente, sempre se atendo, é claro, a não corrupção do sistema,
priorizando aqueles que possuem pouco ou nenhum acesso a outras formas de
financiamento e ajuda, e aos projetos verdadeiramente sem fins lucrativos - o que, veja,
bem, não exclui o ressarcimento das horas-trabalho das equipes envolvidas.
Em nosso segundo ponto, respondendo ainda à pergunta auto-postulada aqui,
nomeadamente, “e o patrocinador da cidade que vende seu produto?”, este sim, por sua
própria natureza, atende interesses comerciais em sua essência e deve receber tratamento
distinto. É certamente um ato nobre o apoio às artes, o investimento na cultura, o ato de
injetar valor não no próprio bolso, mas de volta ao povo na propagação e evolução das
culturas e artes. Porém, é claro, o propósito final de um artista difere do empresariado: um
busca expressar, de diferentes formas, sua visão de mundo, passado, presente ou futuro; o
outro, busca invariavelmente, o lucro. Tal paralelo fazemos também no Carnaval de Rua, no
qual temos, de um lado, os blocos organizados há séculos por milhares de pessoas que
encontram nesta manifestação cultural uma forma de se expressarem, e, para que suas
criações passem ao plano concreto e físico, buscam formas de financiamento. Do outro
lado, marcas que enxergam nesta manifestação uma forma não somente de apoio à cultura,
mas também de lucro, diretamente via venda, ou indiretamente via marketing e campanhas
publicitárias. O bloco não pode ser demovido de seu status cultural por buscar um
patrocínio ou um patrono, ao passo que a empresa não pode ser promovida ao status de
arte e cultura por seu apoio.
Tal distinção é de suma importância ser compreendida, pois quando começamos a
erroneamente identificar um como o outro, acabamos por gerar barreiras para o
crescimento artístico e cultural. Ora, como podemos tratar como comércio uma
manifestação cultural tal qual um bloco de rua, cobrando dele taxas municipais, aplicando
leis tributárias e de alvarás com o mesmo rigor exigido a uma empresa, exigindo dos blocos
um rigor executivo que é muito aquém de suas afluências artísticas naturais? Ceifando sua
espontaneidade de criação (o que não quer dizer que não há limite em sua liberdade), se o
bloco, por decreto municipal e por própria cultura do nosso carnaval paulistano não pode
cobrar do público sua exibição, não pode ter lucro e deve ser realizado em espaço público
sem segregação?
Ao mesmo tempo, já que agora tratamos de separar a manifestação cultural do
comercial, como podemos deixar que somente uma ou duas grandes marcas e empresas
se apoderem do espaço público, se apoderem dos blocos que ali passam e que não são
apoiados pela marca, ceder tamanho poder até mesmo da fiscalização e cumprimento das
regras a ele submetidas? Como podemos permitir que somente uma grande marca dite qual
será a cor da rua em toda São Paulo? Dite que produto o consumidor irá consumir? Dite o
que um bloco pode ou não presentear seu folião? Como podemos permitir que uma marca

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ou empresa passe por cima do bom-senso, da Lei e da ordem para alcançar seus
objetivos?
Portanto, a próxima pergunta que buscaremos solucionar é: quais os limites que
devemos impor na busca pela materialização de nossa manifestação cultural? O que
estamos dispostos a ceder para que ela seja interessante e viável a possível patronos?

4. OS HORIZONTES E LIMITES DO APOIO COMERCIAL AO CARNAVAL DE RUA DE


SP

Vimos em nossa primeira parte que sem apoio financeiro, ou alguma relação com o
mercado, as manifestações culturais se minguariam ou nem viriam à existência. O público,
sedento por cultura de graça nas ruas, simplesmente não iria ver, sentir, nem ouvir a arte
dirigida a ele. Teríamos aí um ciclo que já é conhecido e sabido por todos: um público de
milhões de pessoas que não consegue matar sua sede de cultura se torna instável e apela
a outras formas menos louváveis de expressão, ficando num ermo sem conteúdo, no qual
impera a desordem, o abuso excessivo de álcool e drogas, a depredação do espaço
público, a falta de respeito com nossa Cidade e Comunidade. Basta acompanhar os relatos
de moradores e comerciantes para ter isto como afirmação. Curiosamente, é notado, o
problema maior não é o bloco na rua, mas a falta dele! E isto é muito curioso, pois poderia
se assumir o contrário. No entanto, é na ausência de conteúdo que os problemas surgem.
Neste sentido, na busca por um equilíbrio e florescimento de nossa tão rica e
importante manifestação cultural, nos propomos a pensar um modelo comercial capaz de
respeitar a todos. Primeiramente, podemos dizer que existem 3 categorias principais de
blocos no que diz respeito a suas relações comerciais:

1) Existem blocos que não querem, por princípio, receber apoio de marcas,
tampouco estar próximo de ações comerciais. Em sua maioria, tal qual
Mozart, estes blocos acreditam que ter um patrono diminui sua liberdade de
expressão. Não somente, tais blocos podem não concordar politicamente
com as marcas apresentadas, ou até mesmo com o modelo capitalista em si
que vivemos, e para se manterem “puros”, não se associam a marca ou
empresa alguma - mesmo que vendam produtos ou busquem uma forma de
financiamento, porém independente e auto-centrada. Devemos respeitar esta
direção com muita seriedade, e não tratá-los com desdém. Estes blocos
devem ter o direito garantido de se apresentarem livres de marcas.
Chamemos, para fins organizacionais, estes blocos de​ ​“Blocos Livres”.​

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2) Outra categoria são aqueles que não têm pretensão de se associar a um
patrono para alcançar seus objetivos e não buscam, necessariamente
crescimento de público. São blocos geralmente pequenos (em geral até 5mil
pessoas), composto por familiares, amigos, amigos de amigos, colegas de
trabalho, que desfilam nas ruas onde moram e convivem. Estes blocos em
geral evitam o grande público. Não possuem estrutura de sonorização e de
produção para atender um público grande e nem querem! Muitos não
divulgam publicamente local e data de saída para inclusive evitar que muita
gente vá a seu desfile. Tais blocos não possuem uma visão “radical” ao não
patrocínio, como os Blocos Livres, e até sentem que poderiam se beneficiar
de alguma verba ou infraestrutura oriunda do privado, mas como não
possuem estrutura de atendimento comercial e nem buscam o ter, em sua
maioria não geram interesse às marcas, nem as marcas se interessam por
eles. Este blocos estão num limbo: não querem crescer nem criar estrutura
de atendimento às marcas, porém precisam de apoio financeiro e de
infraestrutura para existirem e garantir segurança e um mínimo de conforto
aos foliões, por menor que seja o público, quem decide por um bloco na
comunidade é no mínimo um anfitrião com estima!; não são contra marcas,
porém não olham bem para aquelas que invadem seus blocos alegando que
“estão patrocinando a cidade, logo eu posso estar aqui com minha marca
pois você está na cidade” (atitude terrível esta que trataremos posteriormente
neste documento). É de se notar que esta categoria engloba a maioria dos
blocos da Cidade, e é parte intrínseca da alma do Carnaval de Rua
paulistano. Chamemos estes blocos de ​“Blocos Não-Profissionais”​.

3) A terceira categoria de blocos são os que podemos chamar de ​Blocos


Profissionais​. Estes blocos, que são por vezes erroneamente taxados de
blocos “comerciais”, têm em sua compreensão que, para melhor propagar
sua manifestação cultural, política e social, devem ser extremamente
organizados, produzidos por profissionais com equipamentos adequados,
possuir uma grande equipe de atendimento ao público (alguns chegam a
empregar mais de 400 funcionários no desfiles) e buscam um crescimento de
público para que o alcance de suas mensagens e arte sejam maiores. Para
estes blocos, o apoio comercial é fundamental, já que seus desfiles chegam
a custar centenas de milhares de reais, e por vezes envolvem artistas de
renome. Estes blocos, em geral, são os que levam mais público às ruas, pois
ativamente fazem campanha para atrair público, bem como buscam atrações
que também o fazem. É de se notar que poucos blocos da cidade surgiram
como Profissionais já em sua concepção. A grande maioria nesta categoria
começou como um bloco Não-Profissional, porém, sua relevância cultural,
social e/ou política foi tamanha que o público cresceu demasiadamente e se
viram numa situação onde ou cessariam de existir/adotariam medidas

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extremas para evitar uma massa de foliões, ou abraçariam o que se tornaram
e passariam a tomar medidas para se profissionalizar e garantir satisfação do
público que cativaram. Não são, portanto, “bloco comerciais”, pois esta
expressão é falaciosa: são blocos que assumiram a postura profissional
perante sua expressão, tal qual uma pessoa pode assumir-se um artista ou
escritor profissional, deixando de estar no nível do lazer ou amador.

Com estas 3 grandes categorias de blocos explicitadas, podemos dar sequência a


postular as interações com a cidade que cada um dos grupos causa:

4.1 EFEITOS ORGANIZACIONAIS E IMPACTOS

- Blocos Livres e Não Profissionais, somados, são a grande maioria dos blocos
da cidade. Não trazem, individualmente, grande número de foliões, porém,
estão espalhados pela cidade de forma simultânea. Geralmente possuem
forte relação com as regiões onde desfilam, em geral zonas residenciais ou
mistas. São manifestações que se removidas para longe de seus locais de
origem, deixarão de existir. São blocos em sua maioria conhecidos e amigos
de associações de bairro e de cuidado da comunidade. São blocos com
pouco ou nenhum equipamento de som móvel como trio elétrico, pouca ou
nenhuma organização para controle de público como corda, até porque são
desfiles em sua maioria tranquilos e sem grandes incidentes há séculos.
Individualmente não causam grande impacto na cidade, porém, como são
numerosos e espalhados, exigem dos órgãos públicos atenção e cuidado
simultâneo, o que traz um desafio de gestão por si só. Não precisam de
grande infraestrutura, mas precisam de atenção e cuidado.

- Blocos Profissionais atraem por vezes centenas de milhares de foliões. Num


esforço de concentrá-los em locais para melhor manejar os recursos e mitigar
os impactos na cidade, os órgãos públicos passaram a tentar concentrá-los
em avenidas e circuitos específicos da cidade que comportem o volume de
foliões e facilitem os trabalhos organizacionais e de atendimento ao público.
Uma atitude louvável, porém perigosa para a espontaneidade e qualidade do
carnaval se não tomada com cuidado. A exemplo, a Avenida 23 de Maio que
foi vendida como a grande solução para a cidade e que na verdade deve é
ser expurgada como opção para desfile para nunca mais retornar, tamanhos
os riscos envolvidos e incidentes que ali ocorreram. A cidade precisa
encontrar novos locais. Ademais, o carnaval paulistano se consolidou como
um Carnaval que abrange toda a cidade, e a nossa geografia e tamanho de
público permite esta expansão. Forçar os blocos a desfilar num só ou em
poucos grandes locais não irá contribuir para sua organização, tampouco

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para sua imagem de carnaval livre e diverso. Historicamente, vemos que
quando se reduz o carnaval de rua a poucas ruas e avenidas ele morre, fica
latente, como o ocorrido na década de 70, efeito que perdurou por ao menos
30 anos.

- Ao passo que os Blocos Profissionais desprendem muito efetivo policial, de


trânsito e ambulatorial, os outros tipos de blocos sofrem com a falta de
recursos que são sugados. É necessário buscar um equilíbrio entre os dois, e
isto causa um problema não só de gestão, como financeiro. Economicamente
e administrativamente falando, uma grande avenida com 1 milhão foliões por
dia é mais palpável de se administrar do que 100 ruas com 10 mil foliões por
dia. Por este motivo se faz necessária a descentralização desta gestão com
as Prefeituras Regionais, que deveriam ter capacidade de organizar as
manifestações em sua região. Tal solução deveria prover uma melhor gestão
regionalizada dos blocos, porém, na prática, as Prefeituras Regionais em sua
maioria encontram-se despreparadas para realizar o evento, seja por falta de
recursos monetários ou humanos, seja por falta de conhecimento a respeito
da própria festividade, seja por falta de vontade. Do outro lado, numa esfera
superior, a organização da Secretaria de Regionais de SP para o Carnaval
de Rua de SP encontra-se num volume de pessoas dedicadas ao Carnaval
deveras aquém do necessário. Diga-se de passagem, não há, em nenhum
órgão, uma pessoa sequer dedicada exclusivamente ao Carnaval de Rua em
si, o que deveria ser um absurdo dada a proporção e importância da
manifestação cultural para a Cidade. Poucas funcionárias realizam um
trabalho verdadeiramente herculano de administração e, sem apoio da
expertise de grandes eventos públicos que a Secretaria de Cultura possui -
que infelizmente foi removida de qualquer influência no carnaval, o que
deveria ser revisto-, encontram-se tendo de fazer malabarismo com bigornas.
A situação é perigosa e danosa. Os efeitos desta falta de estrutura humana
de atendimento vai desde a falta de aviso e interação com os moradores das
regiões, até a má gestão dos recursos disponíveis, ocasionando em blocos
com milhares de pessoas sem sequer um agente da CET presente, sem
banheiro público, causando problemas de saúde pública já conhecidos.

4.2 EFEITOS DE CARÁTER FINANCEIRO

A existência destas 3 principais categorias de blocos traz, do ponto de vista cultural,


político e social, um enorme benefício, como já vimos: a manifestação se torna diversa,
atendendo a inúmeras vontades, sonhos e sede de cultura e arte da população; diferentes
visões políticas e sociais são expostas e o Carnaval passa a funcionar como um grande

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catalisador de interações sociais e avanços positivos na sociedade. Barreiras sociais e
econômicas são quebradas, e pulsamos como uma só entidade. É bonito de se ver! No
entanto, no ponto de vista administrativo e financeiro surgem algumas questões, às quais
servirão de base para apontarmos algumas possíveis soluções ao final desta seção.

1 ) Se os grandes patronos buscam apenas blocos que possuam atendimento


adequado e grande número de público para apoiarem, quem poderá ajudar os blocos
não-profissionais a exercerem suas manifestações?
2 ) Se existem tantos focos de manifestações culturais pela cidade, simultâneos,
com diferentes públicos e afluências, faz sentido entregarmos TODA a cidade para somente
uma marca em cada categoria?
3 ) Quantas marcas e empresas, afinal, possuem tamanho poder financeiro e
interesse para, sozinhas, bancarem todo o Carnaval de Rua de SP? Podemos citar
exemplos de cidades onde este modelo se mostrou desastroso?
4 ) Como podemos maximizar o investimento privado na cidade e nos blocos? Como
podemos atrair mais recursos para a manifestação, garantindo uma operação segura,
respeitosa e proeminente?
4 ) O Carnaval de Rua já não se mostrou uma grande potência econômica e de
visibilidade nacional e mundial para a Cidade de São Paulo? O governo não deveria
também investir diretamente e assim mitigar que interesses individuais e empresariais
prevaleçam ao coletivo e público, defendendo um dos maiores símbolos culturais do nosso
país?
Pois bem, primeiramente, devemos citar principais categorias de marcas e empresas
que poderiam investir no Carnaval de Rua de SP:

1) Marcas e empresas que ganham com o marketing gerado pelo


apoio mas também com a venda de produtos e serviços durante o
carnaval. EX: Cervejarias, marcas de sorvete, empresas de transporte
privado, redes hoteleiras.
.
2) Marcas que ganham apenas com o marketing gerado pelo apoio,
mas não vendem seu produto ou serviço durante o carnaval. EX:
Seguradoras e Bancos.

3 ) Comerciantes locais. EX: bares, lojas de fantasias etc. Note que


estes poderiam se encaixar na primeira categoria, mas, pela natureza
de seus negócios, possuem poder de investimento reduzido, e
operam (ou poderiam operar) junto a blocos locais, em sua maioria
não-profissionais. Tal fato nos faz separar esta categoria.

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Grande parte da economia gerada pelo Carnaval de Rua para a cidade vem de
forma direta de impostos, oriunda do turismo e da venda dos produtos e serviços durante a
festividade. A movimentação das empresas de marketing e de serviço de apoio aos blocos
também deve ser levada em consideração. Não existe, ao passo, atualmente, um cálculo
que englobe todas estas categorias. Tal estudo deveria ser escopo de uma entidade tal qual
Fundação Getúlio Vargas a qual poderia nos trazer números mais precisos em relação a
economia gerada pela manifestação cultural. Estudos recentes já apontam um faturamento
de mais de 700 milhões de reais, número este baseado em turismo e gastos com o turismo
interno e externo de São Paulo. A cifra, porém, é certamente maior se considerado os
outros setores envolvidos.
Além do mais, os efeitos de arrecadação para a cidade se prolongam ao longo do
ano: como plataforma de marketing e expansão dos negócios, como catalisador de novos
empreendimentos, e como desdobramentos tais quais eventos e festas privadas que
seguem ao longo dos meses consequentes e anteriores ao Carnaval. Comparativamente, o
carnaval de Salvador, tradicional e antigo, gera em torno 1,7 bilhão de reais ​de faturamento.
Se temos a projeção de que o Carnaval de São Paulo será o maior do País, ultrapassando
o de Salvador já na próxima edição, pode-se ter uma idéia do potencial de crescimento que
temos pela frente.
Tal força gera uma enorme responsabilidade por parte do poder público: a
manutenção do interesse coletivo ante o cerceamento individualístico e canibalístico a qual
o mercado, sem qualquer regulação ou balizamento, tende a historicamente sofrer. E os
reflexos disto já vemos em nosso Carnaval e já vimos em outros carnavais. Voltamos,
portanto, para as nossas perguntas iniciais.
Ora, se temos um carnaval tão diverso, uma geografia que nos permite expandir os
conteúdos pela cidade sem interferência um do outro, e uma necessidade de investimento e
recursos tamanha, porque, então, adotar o fracassado modelo de Cota Master? Tal modelo,
importado de outras cidades sem qualquer estudo e cuidado, prevê que, para cada
categoria aberta (cervejaria, camisinha, banco, etc), apenas uma marca possa investir na
cidade. Obviamente, os valores pedidos para cada categoria são enormes, uma vez que a
conta não é dividida entre mais partes. Em 2017 o valor inicial orçado pela Prefeitura
ultrapassava os 16 milhões de reais, e o processo de captação foi feito de forma tão obtusa
e seletiva que hoje é alvo de investigação no Ministério Público de São Paulo. O Carnaval
de Rua do Rio De Janeiro, que também adotou tal modelo, foi praticamente a falência
utilizando o mesmo modelo. O que acontece de errado neste modelo?
Primeiro, e mais importante, temos o efeito Cobertor Curto: com este modelo,
pouquíssimas marcas possuem capacidade de investimento para aportar na cidade como
um todo. E mesmo as marcas que possuem tal capacidade, quando o fazem, acabam
ficando sem verba para investir nos blocos em si. Estes, que deveriam ser os alvos diretos
do investimento para colocarem suas manifestações culturais políticas e sociais na rua, de
graça para o povo, entram em colapso sem verba. Para cada real que uma marca investe
na cidade, ela precisa gastar mais 2 a 6 reais para “fazer valer o investimento”, como diz o

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jargão. Isto pois a verba aportada na cidade é apenas a porta de entrada para o que a
marca tem de gastar em visibilidade. Ela precisa investir em marketing, em produção, em
gerência, e nos próprios blocos para ser vista e apreciada. Outrossim, é um dinheiro jogado
no lixo. Portanto, uma marca que decide gastar 10 milhões numa “cota master” do Carnaval
de Rua da cidade, necessitará investir outros 10 a 60 milhões para que seus analistas e
executivos passem a enxergar o investimento como valioso. De outra forma, calculam, é
melhor jogar o dinheiro em outro lugar - que certamente não será numa manifestação
cultural de graça para a população, de tamanha proporção. A grosso modo, o bem geral
que a marca poderia propiciar aportando verba em nosso Carnaval será dissipado em
campanhas midiáticas que só beneficiaram a própria empresa - se tanto.
Investir em infraestrutura para a cidade é fundamental para os blocos saírem na rua
provendo o mínimo de conforto aos foliões. No entanto, não fomenta nem ajuda a pagar os
custos das apresentações em si. Não adianta um carnaval com banheiro público mas sem
conteúdo com qualidade na rua. O que isto ocasiona é um carnaval com infraestrutura
adequada, porém, com conteúdos aquém do que o público necessita e do podemos
alcançar em termos de expressão. Blocos sem carro de som, blocos sem verba para pagar
seus músicos e artistas, sem verba para ensaios etc. Não é incomum ouvirmos histórias de
pessoas que vendem o único carro da família para cobrir os custos do bloco, blocos que
deixam de sair por falta de verba, e blocos que saem sem o menor preparo por falta de
verba, o que pode ocasionar em danos para as pessoas e para a cidade, além de desgastar
a imagem do Carnaval como um todo, afastando outros possíveis investidores, turistas e
pessoas impactadas.
Ao mesmo tempo, se poucas marcas (em geral 2 ou 3) dividem a conta da cidade, e
num cenário global são as únicas que têm poder para investir, se uma sai, a conta fica
inviável até para as demais. Foi o caso no Rio de Janeiro, onde das 3 maiores marcas
apoiadoras, uma decidiu, como sempre decidem a bem-querer as empresas, se retirarem
do Carnaval de Rua. As duas restantes não tiveram, então, verba para manter o
investimento, e abriu-se um rombo nas contas que até hoje não foi reparado, deixando a
cidade desamparada, sem preparo, sem estrutura, colocando policiais e fiscalizadoras
trabalhando em condições sub-humanas. Blocos com centenas de milhares de pessoas
com estrutura para poucos milhares... e aí sabemos o desenrolar deste filme. Os efeitos
administrativos são catastróficos e os culturais irreparáveis.
Um outro problema com este modelo é o da falta de atratividade que ele gera. As
marcas operam num sistema de contrapartidas para seus patrocínios. Quando maior o
valor, maior a contrapartida que elas esperam. E quando a Cidade não consegue atender
as contrapartidas necessárias? Temos um cliente insatisfeito que não voltará mais ou nem
investirá conosco, ou um cliente ousado que fará de tudo, legal e ilegalmente, para fazer
valer seu investimento. Não à toa, novamente, temos a investigação do Ministério Público
de SP em andamento para avaliar os abusos ocorridos durante o Carnaval de 2018 pelas
entidades patrocinadoras.

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Ademais, criamos, com este modelo atual, um efetivo afastamento de outras marcas,
com poder de investimento menor, porém muito significativo. Isto ocorre pois, uma vez que
o valor requerido é alto, e as contrapartidas que a Cidade deve entregar são altas, não resta
espaço para quem é grande, médio ou pequeno. Só ficam os gigantes. Veja bem:
pensemos que você tem uma empresa que fatura 40 milhões de reais por ano. Você é uma
companhia grande, tem um grande público, é querida no mercado e gostaria de fazer parte
do Carnaval de Rua de SP aportando 5 milhões de reais. Igual a você existem outras 5, que
somadas poderiam investir 25 milhões. No entanto, existe uma concorrente que fatura 1
bilhão, e pagou a tal da “cota master” da cidade de 15 milhões, a qual, entre outras coisas,
para justificar o valor pedido, a permite que apenas ela possa reabastecer os ambulantes
durante a festa, que as ruas sejam tomadas de adereços com a marca e cor dela, bem
como ela pode realizar ações de marketing em qual bloco for, inclusive em um que você iria
investir. Você não tem, portanto, como vender seu produto, sua marca irá sumir no meio da
concorrente, e o poder da outra empresa é tão grande que há rumores que ela controla até
os fiscais da Prefeitura. Você investiria seus 5 milhões de reais neste cenário? Certamente
não. E é isto o que ocorre, atualmente, em nosso Carnaval. E até mesmo marcas que
vendem outros produtos se sentem ameaçadas, tamanha a contrapartida e poder que é
dado a estas marcas “master”.
Portanto, a cidade, que poderia receber um aporte de 40 milhões, e os blocos que
poderiam receber milhões em incentivo para suas expressões, por falta de um ecossistema
de negócios fruível, tem de se contentar com 15 milhões, e nenhuma das 5 outras marcas
irão investir nos blocos, ou investir irrisoriamente. Todos sofrem: os blocos, as marcas, a
economia, o público, a Cidade, nossa cultura.
Porque, então seguimos este modelo? E porque, então, não nos colocamos, a
pensar noutro?

4.3 SOBRE UM NOVO MODELO DE APORTE

A priori podemos constatar que o novo modelo necessita atender os seguintes


requisitos:
1 ) Respeitar blocos que não querem ter envolvimento algum com marcas.
2) Respeitar blocos que querem um envolvimento limitado com marcas caso elas
não o patrocinem diretamente, mas estejam ajudando a bancar a infraestrutura da cidade,
necessária em parte para seus desfiles.
3) Respeitar blocos que tenham outros patrocinadores que não os da cidade,
permitindo que haja interesse destas outras marcas.
4 ) Permitir que mais marcas do mesmo setor possam coexistir, diversificando o
portfólio de investidores, reduzindo o risco de falência do sistema e mitigando abusos de
poder.

24
5) Um modelo que ao mesmo tempo maximize o investimento na cidade e reduza o
valor total investido por marca na cidade, sobrando verba para os blocos - reduzindo, assim,
o efeito Cobertor Curto.
6 ) Um modelo que auxilie blocos não-profissionais ou em processo de
profissionalização a dialogar com marcas e empresas para que estes também possam
melhorar sua estrutura, elevando a qualidade total do Carnaval de Rua de SP.
7 ) Um modelo que compreenda a localidade dos blocos e permita que micro-marcas
e micro-empresas também possam investir sem serem engolidas por outras, ajudando as
comunidades locais a se beneficiarem.
8 ) Um modelo que não transforme a cidade num grande mercado a céu aberto, nem
numa grande campanha publicitária, buscando um equilíbrio nas contrapartidas permitidas e
negadas.

Para tal, propõe-se:

- Eliminar o patrocínio universal da cidade toda, elencando trajetos e zonas da


cidade separados e os valorando de acordo -, chamadas “Zonas e Trajetos
Patrocinados”. Desta forma, seriam abertos instrumentos separados para
cada localidade elencada, abrindo o mercado para outras marcas de uma
mesma categoria. O patrocinador ganharia exclusividade nas ações de
marketing e venda ou abastecimento por zona ou trajeto, não mais na cidade
toda. EX: Solicitando inicialmente 5 milhões cada localidade, temos Faria
Lima, Marquês de São Vicente e Marginal Pinheiros para as marcas
aportarem seus investimentos. As marcas de bebidas X, Y e Z agora podem
cada uma participar da manifestação na cidade, bem como as marcas 1, 2 e
3 de sorvete e A, B e C de transporte privado; uma não exclui a outra e todas
ganham um território para explorarem comercialmente e ajudarem os blocos.

- Tais marcas, por meio de seus mecanismos de marketing e


organização podem e devem fazer alianças com blocos interessantes
e interessados a participar de seus trajetos e zonas. Qualquer bloco,
patrocinado por qualquer marca, pode sair nas zonas de outras
marcas, porém, sabendo das limitações as quais será incorrida.

- Fluxo: DEFINIÇÃO DAS LOCALIDADES PATROCINADAS E


ESTUDO DE IMPACTO POR PARTE DA PREFEITURA >
DEFINIÇÃO DAS CONTRAPARTIDAS > CHAMAMENTO PÚBLICO >
MARCAS SE JUNTAM A PRODUTORAS E AGÊNCIAS PARA
ATENDER AS NECESSIDADES > REALIZAM APORTE >
OPERAÇÃO.

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- Criação de Zonas e Ruas Livres, onde não há qualquer exibição de marca
nem ação de marketing, para os Blocos Livres e público que não querem se
sujeitar a campanhas publicitárias.

- Criação das Zonas Intermediárias, de menor custo, onde é permitida a


exibição de marcas reguladas pela Prefeitura, porém em menor escala.
Desta forma marcas secundárias podem contribuir diretamente com a
festividade, sem assumir um grande compromisso financeiro e operacional.
Um edital ou chamamento [ver o instrumento jurídico adequado] para
produtora ou agência que queira prestar o serviço de implementação dos
serviços de infraestrutura das Zonas Intermediárias faz-se necessário.
Pode-se inclusive pensar num modelo de “adote uma rua”, onde marcas
menores e comerciantes locais possam contribuir com a infraestrutura do
local.

- Investimento direto do governos estadual e municipal na manifestação


cultural de forma a prover a base inicial da infraestrutura e taxas de órgãos
públicos. Desta forma, não somente temos um aumento no investimento,
como também é reduzida a necessidade de aporte de marcas e empresas
privadas, reduzindo fatores negativos de apropriação e abusos. A título de
comparação, em Salvador o governo investe diretamente dezenas de
milhões de reais, numa política que se mostra rentável. Não é um custo
governamental, é um investimento.

- Expansão e melhoria dos instrumentos de incentivo de lei para a festividade.


É necessário pacote de informação e aprimoramento dos instrumentos para
que os blocos possam se inscrever em programas de incentivo fiscal para
que tenham mais forças na busca por apoiadores.

- Abertura para a venda de outros produtos durante o Carnaval de Rua, como


sorvete, acessórios utilitários (protetor solar, bonés, porta-documentos),
fantasias e adereços, camisinhas etc. É importante ampliarmos as categorias
de vendas por ambulantes ou pontos de vendas durante o Carnaval de Rua,
não somente para expandir a comodidade para os foliões, mas também
como atrativo para mais marcas investirem nos blocos e na festividade.

- Renegociação dos termos e permissões da CPPU. É inegável a importância


e relevância deste órgão municipal. No entanto, é de nossa compreensão de
que, se tratando de um celebração duplamente temporária (não somente ela
tem um período de término geral e uma exposição temporária, mas os
próprios blocos passam por seus trajetos e duram menos de um dia no local).

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Este fator é de suma importância para aumentarmos o interesse das marcas
no apoio aos blocos e na cidade, e as limitações impostas são deveramente
extremas, pouco claras e afastam de forma incomensurável as marcas que
poderiam apoiar a todos.

4.4 CONCLUSÃO DA SEÇÃO

Ainda sobre as medidas necessárias, é de observar que para a implementação de tais


mudanças seria necessário um estudo mais profundo junto ao mercado e atores para
adequações, aprimoramentos e detalhamentos. O proposto aqui é uma visão, e certamente
carece de um aprofundamento em sua elaboração final, que deve ser feito em conjunto com
as entidades públicas e privadas que permeiam o Carnaval de Rua.
A Cidade, enquanto entidade governamental, deve assumir o Carnaval de Rua
como uma oportunidade de investimento para o município, realizando os estudos para os
novos trajetos necessários aos grande blocos e suas respectivas valorações. Os órgãos
públicos junto do conhecimento dos blocos e moradores, mais do que ninguém, possuem tal
capacidade de avaliação, e esta não deve ficar na mão das entidades privadas, a fim de se
gerar tanto interesse quanto responsabilidade na escolha e valoração dos instrumentos.
É importante também ressaltar que para a implementação de tais mudanças é
necessário tempo para o próprio mercado as assimilar e passarem a fazer parte do
planejamento estratégico das empresas, que hoje encontram-se ou desinteressadas pelo
Carnaval, em caráter secundário ou até mesmo perdidas sobre como nos apoiar. Em função
do Edital para o Carnaval de 2018 acordar que para a edição de 2019 o vencedor será o
mesmo, ou seja, que o modelo de negócio da cidade está congelado até a próxima edição
do Carnaval, o tempo natural deste curso é o suficiente. Isto é, se iniciarmos as discussões
para um novo modelo ainda neste ano de 2018, e o firmarmos logo após a edição do
Carnaval de Rua de 2019, em Maio-Abril, daremos tempo para o mercado se adaptar e criar
seus mecanismos internos de implementação.
Mais uma vez, faz-se necessária a lembrança de que, sem a revisão completa do
modelo que estamos seguindo, o futuro de nossa manifestação é terrível. Veremos cada
vez menos marcas interessadas em nos apoiar, devida a falta de interesse e monopólio da
exposição e comercialização de produtos, consequentemente uma conta a se pagar
galopante pelo tamanho e necessidades operacionais que, sem o devido remanejamento da
estrutura de aporte, se mostrará impossível de se debitar. Os impactos urbanos para com a
cidade tenderão, portanto, a crescer exponencialmente, tal qual a precariedade dos blocos,
que já sofre em demasia com a falta de apoio. Por todos os motivos históricos,
comparativos com outros municípios, e de racionalização interna, não há motivos para a
sustentação do modelo atual, salvo para empresas gigantes em poder financeiro e político,
o que já se mostrou desastroso.

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5. OUTRAS DISPOSIÇÕES

5.1 POLICIAMENTO E SEGURANÇA

É muito importante observarmos logo de início que o comportamento da polícias civil


e militar atuante no Carnaval de Rua de São Paulo melhorou muito em relação ao que
víamos em anos anteriores. Durante a gestão do então prefeito GIlberto Kassab, nosso
carnaval passou por um período escuro no qual nossa manifestação era considerada ilegal.
As prefeituras regionais, então em sua maioria dominadas por militares de carreira
aposentados, não rogavam pelo povo quando seus colegas de carreira batiam em pessoas
indefesas exercendo seu pleno direito de estarem nas ruas pacificamente durante uma
manifestação milenar. Os casos de truculência policial eram corriqueiros, e não havia apoio
algum, com raríssimas exceções, das forças de policiamento.
O cenário mudou, e podemos observar a boa disposição dos policiais que
aparentemente realmente buscam realizar o trabalho de proteção da população. Dados
coletados pela polícia Civil e Militar mostram uma atuação positiva crescente durante os
dias de Carnaval.
Não poderíamos deixar de comentar que estes agentes, durante o carnaval,
trabalham incessantemente, às vezes por horas a fio e merecem nosso digno respeito.
Devemos brigar por eles também, e exigir melhores condições de trabalho. Não é cabível
observamos, ao conversar com policiais em atividade, que estes são deixados nas ruas
sem comida quente em seus turnos, por vezes sem água, obedecendo a turnos extensos
sem descanso e sem rotatividade. Como podemos exigir um melhor atendimento se o
Estado e Município não lhes dão condições?
Do ponto de vista operacional, não é de se estranhar que o policiamento do
Carnaval de Rua ainda é tímido e distante: simplesmente, nosso Estado e Município não
tem a experiência e estudo sobre atuação em Carnaval de Rua, como tem a polícia do
Carnaval de Salvador, por exemplo. A explosão de nosso Carnaval é muito recente, e não
há, como já vimos, uma estrutura perene de estudo e aprimoramento da operação como um
todo. Notamos que faz-se necessário o intercâmbio de experiências, técnicas e protocolos
para a operação durante a manifestação. Não somente para aprender como fazer, mas
também para aprender como não fazer. Não gostaríamos de adotar vícios do policiamento

28
de Salvador que transgridem o limite do respeito ao cidadão, mas é evidente a necessidade
de um policiamento mais ativo, organizado e planejado junto a população.
Não obstante, é de se notar que caso tal operação de policiamento não seja de fato
melhorada, que não seja feita dentro da massa de gente, com expansão do sistema de
monitoramento integrado dentre outras medidas pertinentes, onde possíveis infratores
percebam que não há mais espaço para o crescimento de atividades criminosas, corremos
o risco de passar por uma explosão de incidentes durante o Carnaval. Hoje, é nítido que o
policiamento é feito a distância nos blocos, com poucos e espaçados agentes da Civil à
paisana, e que crimes como furto e roubo são demasiadamente fáceis de serem efetivados.
Não somente, a venda de drogas e bebidas falsificadas mostra-se facilitada, e já há relatos
de organizações que utilizam a massa de pessoas para efetivar sequestros e raptos de
pessoas, bem como o planejamento de ataques terroristas.
Por estes motivos, pedimos que as polícias sejam encaminhadas para um programa
de troca de aprendizados e técnicas com as polícias de outras municipalidades de nosso
país que já possuem aprendizado de décadas no controle de público e mitigação de
atividades criminosas. Nosso carnaval deve ser conhecido e reconhecido como
extremamente seguro para toda a população, com uma polícia respeitosa, não truculenta,
porém ativa.

5.2 RELAÇÃO COM MORADORES

Uma grande questão que sempre rondou o carnaval, bem como todo grande evento
público, é a relação com os moradores. Quando falamos em moradores temos de lembrar
que, é claro, cada folião, integrante de bloco e até mesmo os governantes da cidade são
habitantes. Porém, é muito importante lembrarmos que, numa metrópole de 17 milhões de
pessoas, mesmo com 10 milhões nas ruas, temos outros tantos que não estão participando
diretamente do acontecimento, e temos de levar em conta a todos quando fazemos nossas
atividades.
É de se notar que inúmeros blocos possuem boa relação com os moradores e suas
associações de bairro e de cuidado com a comunidade, até porque da comunidade vieram e
dela dependem para se manter e se expressarem. E ambos temos de entender isto.
Deveria ser dever de cada bloco entrar em contato direto com os moradores e associações
das regiões por onde desfilam, e vice-versa. Nós só temos a ganhar com esta aproximação,
e é dela que extraíremos efeitos ainda mais benéficos por meio da criação de laços, de
senso de pertencimento comunitário, do cuidado com a Cidade. Vivemos numa metrópole
embrutecida com tanta violência e um dia-a-dia corrido e caótico, e se não pararmos para
nos conhecermos e nos aproximarmos, jamais formaremos uma união capaz de vencer as
adversidades e aqueles que imperam na desordem. Que o Carnaval de Rua sirva de
catalisador para esta união.

29
No caminhar e nos aprendizados obtidos, pudemos notar que, apesar dos conflitos
entre blocos e moradores serem por vezes constantes e explosivos, ambos estamos
lutando pelas mesmas coisas e no fundo temos mais pautas iguais do que diferentes.
Ambos queremos mais respeito e atenção da prefeitura; ambos queremos uma
manifestação mais segura e organizada para os foliões e para a cidade; ambos não
queremos ver nossas ruas serem transformadas em vomitórios e mictórios a céu aberto;
ambos não queremos ver nossa cidade deteriorada após os desfiles; e, curiosamente, a
maioria dos moradores, até mesmos dos que possuem as críticas mais ferrenhas a respeito
do Carnaval de Rua, gostam da manifestação e a querem. Neste sentido, devemos buscar
a conciliação e não a dissidência.
Não é de interesse de nenhum bloco o desrespeito aos moradores de seus bairros e
por onde passam, e os conflitos gerados, em sua maioria, ocorrem por falta de preparo e
organização dos órgãos públicos. A citar, alguns pontos:
- Falta de aviso prévio aos moradores, a respeito dos trajetos e horários dos
desfiles que passarão em suas ruas, bem como avisos prévios nas vagas de
estacionamento, de forma a evitar o bloqueio de carros e a impossibilidade
de se sair ou chegar em casa. Estes avisos devem ter ao menos 30 dias de
antecedência, para que eles possam se organizar e se planejar. Atenção
especial para residências com idosos, pessoas portadores de necessidades
especiais, que sofrem com o passar constante dos blocos.
- Organização junto aos blocos para que os moradores não percam a
possibilidade de ir e vir durante os desfiles e entrada e saída de veículos. É
claro que é necessária a compreensão de que o acesso poderá ficar mais
difícil nas horas de desfile, porém em muitos casos não se trata de
dificuldade, mas de impossibilidade, e não é possível tolerar isto.
- Melhoria dos serviços de banheiros públicos e lixo, já que ninguém é
obrigado a ver sua porta de casa ser transformada em latrina.
- Melhoria na eficiência da remoção de ambulantes ilegais que perduram após
o término dos desfiles (que devem terminar às 22 horas), e dos batidões ou
carros de som que assumem a festa após os blocos passarem. Este item é
muito importante pois é uma frase muito repetida pelas entidades de
moradores: “nosso problema não são os blocos, mas o que fica depois que
eles passam, noite adentro.”.
- Melhoria do policiamento durante o Carnaval de Rua, a fim de se manter a
segurança do entorno e nas ruas.

Aqui, novamente, notamos que somente uma ação integrada entre moradores,
blocos e órgãos públicos poderemos dar o devido respeito e atenção aos habitantes da
nossa cidade, e só temos a ganhar com isto. É importante envolvê-los nas discussões e
tomadas de decisões, se beneficiando inclusive do conhecimento local profundo que
possuem.

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5.3 CAMPANHAS CONTRA ASSÉDIO SEXUAL, CONTRA LGBTFOBIA

O Carnaval de Rua traz uma enorme interação entre a população. São mais de 9
milhões de pessoas que pacificamente brincam, se expressam, se divertem e absorvem
cultura gratuitamente nas rua de sua cidade. Num espírito de confraternização, no entanto,
reflexos de uma parte doente da sociedade são expostos, e mais do que nunca é hora de
lidarmos com estes assuntos de forma efetiva.
O Assédio Sexual é um tema deveras sério que aflige todos os sexos, porém
especialmente as mulheres. Além de atos violentos como puxões de cabelo, apertões nas
partes íntimas e até o estupro em si, vemos também atos que já foram até considerados
como “inocentes” há algumas décadas, porém hoje sabemos que escondem problemas
muito mais profundos. O reflexo de tais atitudes se mostram nos inúmeros casos de
estupro, violência doméstica e feminicídios, além dos efeitos danosos do tratamento
não-igualitário no mercado de trabalho e socialmente. É necessária seriedade e efetividade
para frearmos este mal.
O Carnaval de Rua é especialmente vítima desses abusadores, que usam do clima
livre e da multidão para cometerem seus crimes e má-condutas. Ao mesmo tempo, é
justamente o mesmo clima e multidão que permitem uma pulverização de políticas
repressivas e ações educativas para contribuir no sanar este problema, não somente
durante o Carnaval, mas durante todo o ano, levando reflexo para a sociedade.
Neste sentido, é imperativo que os órgãos públicos sejam não somente
conscientizados a respeito de como lidar com o problema, mas também de buscarem
soluções práticas de denúncia e penalização. Não apenas um trabalho de policiamento,
mas de educação e informação a respeito dos canais de denúncia, a explicação de
comportamentos abusivos para a população. Somente por meio de uma ação coordenada
entre os blocos, a comunidade e o poder público, conseguiremos frear e eliminar o
problema tão latente.
É importante salientar que já existem campanhas ativas que lidam com o tema
oriundas de blocos de rua, portais de comunicação e da mídia em geral. Tais esforços
devem ser somados e interligados a canais efetivos de repressão a este tipo de violência.
Acreditamos também que é de responsabilidade e dever direto dos patrocinadores
que vendem bebidas inebriantes informar, educar e ativamente procurar meios educativos e
comunicativos para mitigar os efeitos danosos que o álcool causa em certas pessoas. É
sabida a relação entre os efeitos do álcool e atos de violência contra a mulher e minorias, e
não devemos tratar este assunto como uma mera campanha de marketing bonita por parte
das empresas. Toda a empresa que venda bebida alcoólica deve apresentar um plano de
comunicação e ação para mitigar seus efeitos perante a população durante o Carnaval. Já é
determinação a exibição de avisos contra o abuso de álcool, e por mais que estes devam
ser ainda mais enfatizados e explicados, é imperativo que seja obrigatório a participação

31
destas empresas em ações para frear o assédio sexual. Uma empresa que venda bebida
alcoólica e não assuma esta responsabilidade educativa pela natureza de seu produto deve
ser taxada de irresponsável e sofrer punições.
Um segundo tópico que podemos utilizar o carnaval para desenvolver um trabalho
muito efetivo é a eliminação da LGBTFobia de nossa sociedade. Novamente, aqui, vemos
um reflexo de uma parte da sociedade adoecida que não reconhece na diversidade da vida
uma igualdade fraterna, e nunca antes na história de nosso País o assunto foi tão
comentado e tão revisitado. Não à toa, os casos de violência contra LGBTs dispararam nos
últimos anos, em paralelo a diversas pessoas dos mais diversos gêneros e orientações
sexuais publicamente cansaram de viver às sombras e marginalizadas. É verdade que
vivemos no Brasil um período de certa forma libertador para esta parcela da sociedade, mas
também em contrapartida um período sombrio de repressão a esta liberdade que começa a
ser conquistada. Uma liberdade que vem sido conquistada literalmente a custas de muita
luta, sangue derramado, vidas danificadas e traumatizadas, quando não ceifadas. Temos a
responsabilidade de nos unirmos contra a LGBTFobia.
Interessante de se notar, diversos dos blocos mais conhecidos e notórios da cidade
tem origem e se assumem LGBTs. Nosso carnaval é o carnaval da diversidade, e deve ser
também o carnaval do respeito e do amor pela vida em suas mais diferentes formas. Aqui,
também, insistimos que o governo deve buscar, ativamente, a realizar campanhas contra a
LGBTFobia, instaurar mecanismos de denúncias práticas e ampliar a rede de apoio a esta
parcela ainda marginalizada pela maior parte da sociedade.

6. ALCANÇANDO OS OBJETIVOS

O trabalho necessário para chegar-se a estas mudanças é certamente maior do que


assumir o estado atual das coisas. Não somente para buscar as ferramentas jurídicas e
administrativas corretas para sua implementação, mas também para que sua modificação
seja refletida na otimização e coerência na aplicação dos recursos e da operação do
Carnaval de Rua. No entanto, considerando que o molde atual é fadado ao colapso desta
entidade com prejuízos culturais, materiais e humanos inestimáveis, mostra-se impreterível
a modificação e busca de uma solução harmoniosa e frutífera, e os custos em hora-trabalho
dedicados a isto hão de se mostrar baixos perante os riscos evidentes, e com grande
retorno cultural e financeiro para o Município, Estado e para o País.
Vale observar, aqui, a importância da melhoria de condição de trabalho dos agentes
envolvidos no carnaval, e necessidade do preparo e da organização com antecedência.
Sem a devida organização e preparo, até mesmo os próprios agentes públicos como CET,
DSV, fiscais e outros, tão importantes e fundamentais, sofrem, pois ficam sem informação,
sem preparo, trabalhando por horas a fio sem o devido respeito e cuidado das instituições
públicas. É muito comum encontrar agentes públicos que estão a horas sem uma comida
quente, funcionários na rua ​sem água,​ portanto em condições subumanas de trabalho.

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Indagamos novamente, como podemos permitir que nossos agentes públicos sejam
tratados desta forma? Como podemos permitir que um cidadão do bem, a serviço do povo
se encontre nestas condições de trabalho? Como poderemos cobrar maior eficiência e
empenho sem uma melhoria nas condições de trabalho? Não há cabimento tamanho
desrespeito e desdém.
Para tudo isto e mais um pouco, faz-se necessária a criação de um Grupo
Intersecretarial Permanente para o Carnaval de Rua de São Paulo, junto a órgãos como a
Secretaria de Cultura e seu vasto conhecimento de operação em grandes eventos públicos,
CET, DSV, órgãos que se dedicam a estudos de viabilidade e facilitação comercial como
SPNegócios e afins, além de pontes com instituições de pesquisa acadêmica e,
primordialmente, com participação ativa da comunidade - blocos, moradores, comerciantes.
A participação da comunidade, da sociedade civil, que envolve não somente blocos,
mas moradores e atores de nossa Cidade, mostra-se cada vez mais necessária em toda a
esfera pública. É um fato consumado que nossas instituições mostram-se à mercê de
interesses políticos e pessoais que oscilam e mudam por completo de direção conforme a
dança das cadeiras. A permeabilidade que se dá às forças de interesses que não
respondem ao coletivo é alarmante. Haja visto, em nossa esfera, novamente citando aqui, a
ação decorrente do Ministério Público que busca investigar a predominância de interesses
pessoais obtusos na administração de nossos recursos. Não podemos mais ficar à mercê
de operações oportunistas, eleitoreiras, quando não puramente criminosas. A participação
da comunidade nos trâmites públicos que respaldam diretamente sobre nossas cabeças é
imprescindível, e mostra-se evidentemente necessária no Carnaval de Rua, tratando-se de
uma manifestação cultural, social e política do povo para o povo, com tamanha repercussão
e potencial unificador e agregador de nossa comunidade. Que o nosso Carnaval sirva de
exemplo de participação popular efetiva em nossa democracia e governo.

7. CONCLUSÃO GERAL

É realmente difícil encerrar o assunto e fechar este documento. Nosso carnaval é tão
diverso e complexo, envolve tantos atores, vontades e receios que seria injusto dizer que
explicitamos aqui tudo o que temos para dizer, refletir, ponderar e reivindicar. Mas
acreditamos ser um bom começo, e agradecemos a todos os leitores que nos
acompanharam até o final. Sabemos que é um tema exaustivo e não economizamos nas
palavras e raciocínios. Não bastaria aqui entregar uma simples lista de considerações ou
tabela de pontos… seria demasiadamente simplista e até mesmo desrespeitoso com o tema
o tratar desta forma. Deste modo, incentivamos o pleno e amplo diálogo e convidamos a
todos para mais conversas e mais entrosamento entre todas as partes. Somente por meio
da união poderemos vencer as adversidades da vida, vida esta que refletimos em nossas
expressões carnavalitas.

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Pudemos observar aqui que nossas maiores virtudes vêm com muita
responsabilidade e carência de mudanças. Nosso Carnaval de Rua é multifacetado e exige
uma atitude de comprometimento governamental que não pode depender de vontades
políticas que vêm e que passam. As cadeiras do poder mudam, mas nós continuamos
carregando esta tradição milenar. Nesse ínterim de trocas, ficamos a deriva, o que ocasiona
diversos problemas dos quais os blocos pouco têm participação, mas que acabam por
rescindir sobre nossos ombros. Estamos aqui para aprender, mas também para ensinar.
Somos professores, trabalhadores, artistas, desempregados, somos executivos, somos
negros, asiáticos, transsexuais, mulheres, jovens, idosos… somos o reflexo completo de
nossa sociedade e por isso clamamos por atenção, respeito e participação ativa nas ações
que caem sobre nós. Não há mais espaço para atitudes unilaterais, sem diálogo, sem a
participação ativa da sociedade, sem o respeito devido a nossas instituições. Diga-se de
passagem, não há mais espaço para tal atitude em nenhuma parte de nossa vida política. A
política é do povo e ao povo pertence. O governo é do povo e ao povo pertence. Os
governantes são o povo e ao povo pertencem. Que nossa luta e sede por democracia,
coerência e união se expanda e sirva de alento ao fortalecimento em todas as áreas de
nosso país.
Por todos estes motivos, concluímos com o clamor pela perspectiva primordial de
que este seja apenas o início do diálogo e da participação ativa da sociedade na construção
do nosso Carnaval de Rua, consequentemente de nossa cultura como brasileiros e
cidadãos do mundo. Que possamos juntos encontrar as melhores soluções para nossos
problemas e que juntos consigamos fortalecer nossos acertos.
Com grande estima a todos os cidadãos de nosso município, estado e país,
agradecemos vossa leitura e nos prestamos a disposição para o diálogo construtivo
irrestrito.

8. ASSINATURAS

Por concluir serem os fatos e pensamentos aqui expostos legítimos, fidedignos e de


encontro a nossos anseios, apoio este documento
Assinado,

NOME, BLOCO OU ENTIDADE

Estêvão Romane - Rua Livre: blocos LoveFest, SPBeats, BregsNice; integrante do


“Unidos Venceremos”.

Anderson Luciano Santos - Bloco do Chocolatte; integrante do “UV”

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Candinho Neto - Banda do Candinho & Mulatas; integrante do “UV”.

Bruno Motta - Bloco Boca de Veludo, integrante do “UV”.

Emerson Boy - Bloco Jegue Elétrico; integrante do “UV”.

Fabiana Prado - B. C. Macaco Cansado; integrante do “UV”

Rosely Farrante - integrante do “UV”

Alvaro F.C.Fernandes - Bloco Vá Tomá na cupecê, integrante do “UV”

UBCRESP - perante Clarício Gonçalves, Presidente da entidade; integrante do “UV”

Rita Rosa lins de Almeida/ Bloco Fran Clube Samba

Renata Cohr - Bloco Desculpa Qualquer Coisa

Paula Klein - Bloco Agora Vai; integrante do “UV”.

Gustavo Xavier - Bloco JAH É; integrante do “UV”

César Paci - Bloco Bangalafumenga/Sargento Pimenta/Os Capoeira

Juliana Matheus - Bloco Filhas da Lua; integrante do “UV”

Emerson Nunes - Banda Das Cachorras; integrante do “UV”

Gustavo Gomes - GoFun: Blocos Rindo a Toa, Toca Um Samba Aí, Se te pego não te largo,
Vale o Que Vier, Eugênio, integrante do “UV’.

Michela Ruta - Bloco do Sai, Hetero.

Fernando Magrin - Bloco Minhoqueens

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