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A IDEIA

revista de cultura libertária


fundador e proprietário João Freire
consultor editorial Artur Cruzeiro Seixas
director e editor António Cândido Franco
editor gráfico Luiz Pires dos Reys
assist. prod. gráfica Xénia Pereira Reis

periodicidade anual (número duplo, triplo ou quádruplo)

imagens (miolo): Alex Januário, Almerinda Pereira, António Paulo Tomaz, Bruno Barnabé, Cruzeiro Seixas, Délio Vargas,
Deodato Santos (Jorge Mealha), Dominique Labaume, Ferreira da Silva, Henry Holiday, Luis Manuel Gaspar, Manuela Correia,
Maria Antónia Viana, Maria João Fernandes, Maria João Vasconcelos, Mário Bruno Cruz, Martins Correia, Marta Pereira dos Reys,
Rachele Gigli, Renato Souza, Roberto Nobre
capa: YVES ELLÉOUËT; contracacapa: collage de AUBE BRETON ELLÉOUËT [Le Nautile, 1996]

agradecimentos especiais para este volume: Almerinda Pereira (iconografia); Ana Cardoso Pires (carta a José Cardoso Pires);
Ana Salomé/revista Golpe d’Asa (inéditos vários sobre Sade); Aube Breton Elléouët (capa e contracapa); biblioteca nacional
(espólios); biblioteca pública de Ponta Delgada (Natália Correia); Bruno da Ponte (fotografias); Cristina Pidwell (espólio de Al Berto e
iconografia); Daniel Pires (Bocage); Cruzeiro Seixas (iconografia, cartas de Franklin Rosemont e Vitor Silva Tavares, poema de
Ricarte-Dácio); Dominique Labaume (fotografias); Éditions de Minuit (direitos dos trechos de Récidive); Eduardo Medeiros
(iconografia); Francisco Bronze (cartas de Varik); Fundação Cupertino de Miranda (imagem de António Paulo Tomaz); Elsa Martins
Correia (imagem de Martins Correia); José Luiz de Almeida Silva (fotografias, Ferreira da Silva); Luis Manuel Gaspar (iconografia);
Manuela Correia (Hermínio Monteiro); Maria Antónia Vitorino (António Telmo); Maria de Lourdes Cortez (cartas de Grabato Dias);
Nicolau Saião (cartas de Francisco Quintal e Franklin Rosemont); Rui Martinho (poema de Virgílio Martinho, imagem de Mário
Cesariny e dedicatória de Raul Leal); Suhrkamp Verlag (direitos do poema de Robert Walser)

endereço rua dr. Celestino David n.º 13-C, 7005-389 Évora, Portugal
endereço electrónico acvcf@uevora.pt
blogues http://aideialivre.blogspot.com; http://colectivolibertarioevora.wordpress.com
depositários Livraria Letra Livre: calçada do Combro, n.º 139, 1200-113 Lisboa; Livraria Uni-Verso: rua do Concelho, 13, 2900
Setúbal; Livraria Alfarrabista – Miguel de Carvalho: Adro de Baixo, 6, 3000 Coimbra.
Impressão Europress
tiragem 500 exemplares
depósito legal 365900/13
registo do título 104 197
ISSN 0870-6913

A Ideia é uma revista que faz da cultura o seu campo de acção. Através da criação poética e plástica, da expressão
filosófica, da pesquisa social, da investigação histórica, da abertura a uma ciência humanizada, desligada dos interesses
lucrativos do dispositivo industrial/militar, a publicação visa criar as bases dum espírito livre, criativo, gratuito e solidário,
contributo efectivo para a realização plena de todos os seres vivos. Tirando este princípio geral, suficiente para lhe dar
um propósito de acção, o libertário, e uma família de ideias, o anarquismo cultural, a revista não tem plataforma
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DESEJA-SE PERMUTA – PIDESE CANJE – ON DEMANDE L’ÉCHANGE – CHIEDESI SCAMBIO
WE ASK FOR EXCHANGE – MAN BITTET UM AUSTAUSCH
A IDEIA
revista de cultura libertária
II série – ano XLII – vol. 19
n.º 77/78/79/80 – Outono de 2016

LIMIAR 7 Manuel Maria Barbosa du Bocage


Quando in stato naturale abitava…/
I. ABJECÇÃO & ABJECCIONISMO Quando la specie umana
[tradução e versão de Manuele Masini] 48
Manuel Maria Barbosa du Bocage Mário Cesariny
Quando no estado natural vivia… / Correspondência para Virgílio Martinho 49
When humans to natural life were left… Virgílio Martinho
[trad. ingl. de Patrícia Odber de Baubeta A luz encarnada 53
e Margarida Vale de Gato] 10 Ricarte-Dácio de Sousa
Cruzeiro Seixas Soneto a Cruzeiro Seixas 54
Sade 11 Jacques Vaché
Luís Amaro Carta a André Breton 55
Um Cristo literário: Luiz Pacheco 12 Bruno da Ponte
– O Libertino: bilhete-postal para Mário Cesariny 15 Notas de Testemunho 57
– Correspondência: Luiz Pacheco /Cruzeiro Seixas 16 Entrevista: a Editora Minotauro 61
Ana Luísa Amaral Tony Duvert
“Et pourtant”, antes tu que a terra fria 18 Três monólogos[trad. de Júlio Henriques] 65
Manuel Maria Barbosa du Bocage Joëlle Ghazarian
Quando en su estado natural vivía… “L’Île Atlantique” de Tony Duvert 71
Quan en l’estat natural vivia João Carlos Raposo Nunes
[trad. de Eloísa Álvarez e Jordi Cerdà] 19 [Bocage em Setúbal] 74
– Correspondência: Luiz Pacheco / Natália Correia 20 Paulo Jorge Brito e Abreu
– Correspondência: Luiz Pacheco / José Cardoso Pires 25 A nova fala de Bocage aprisionado 74
– O neo-abjeccionismo num postal para João Rodrigues 27 António Salvado
António Pedro Dores Com um ramo de urzes e rosmaninhos
As Prisões em Portugal no séc. XXI 28 para Manuel Maria 75
Filipe de Fiúza Fernando Grade
Carta apócrifa de Bocage ao marquês de Sade 32 Bocage (Bocage) 76
Manuel Silva Ramos Manuel Maria Barbosa du Bocage
Ouvrir les volets sur Sade 34 Quand à l’état naturel
Sade À l’état naturel 78
Três textos 38 [trad. Dominique Labaume e Joëlle S. Ghazarian]
Margarida Vale de Gato Carla Ferreira de Castro
A um gabarola de meia-foda sigilosa 47 Porque o Snark era um Boojum 79
4

Lewis Carroll II. DOCUMENTA


“Fit the third: the baker’s tale” Manuel Hermínio Monteiro 136
[tradução de Carla Ferreira de Castro Todas as mães na feira
e Patrícia Hortinhas] 84-86 Adília Lopes
Manuela Parreira da Silva Catalpa 137
Almada, Dantas e os acidentes de Soror Mariana 87 Fernando Guimarães
Lettres Portugaises (1669) Três poemas (inéditos) 138
[trad. Manuel Ribeiro] 95 Avelino de Sousa
Fátima Pitta Dionísio Dois poemas (inéditos) 139
Memória de Soror Mariana 100 Maria Estela Guedes
António José Queiroz Donis de Frol Guilhade: Quem? 140
Meditação do marquês de Chamilly 101 Luiz Pires dos Reys
Fernando J. B. Martinho O tempo testemunha a sangria das horas na sala
António José Forte 103 do capítulo da Pã-Ciência 142
Afonso Cautela Donis de Frol Guilhade
Poema do Dicionário do Cadáver Esquisito 105 eWAWe: haV.Vah 147
João Pedro Grabato Dias Ziul Qayin Syer
Envios (inéditos) a Maria de Lourdes Cortez Venúcifer 149
[anotações de M. de Lourdes Cortez] 106 Donis de Frol Guilhade
Luís Carlos Patraquim ALUANUA - tetractys poético 151
Frei Mutimati Grabato João 112 Ruy Ventura
Carlos Loures Poesia e absoluto em dois livros de Al Berto 156
Ode a Jean de la Fontaine 113 Carlos Mota de Oliveira
Henrique Varik Tavares Do livro inédito Elefantes 162
Envios (inéditos) a Francisco Bronze 114 Robert Walser
Amadeu Baptista Selbstschau [trad. Alípio Carvalho Neto] 163
Na morte de Vitor Silva Tavares 117 Marc Herold
António Ferra Poemas [trad. Alípio Carvalho Neto] 164
Na morte de Vitor Silva Tavares 117 Alípio Carvalho Neto
Vitor Silva Tavares Primeira estação (Évora) 165
Envios (inéditos) a Cruzeiro Seixas 118 Maria Estácio Marques
Daniel Pires Antiga e contemporaneamente europeia 166
A subversão de Bocage 121 Adriano Alcântara
Manuel Maria Barbosa du Bocage Não 166
Toen het mensdom nog naturlijk was Francisco Cardo
[trad. Laurens Vancrevel] 122 Dois poemas 167
Inquérito: Bocage em 2016 Miguel Teotónio Pereira
[Ângelo Monteiro, António Carlos Cortez, Claudio Scardanelli 168
Willer, Francisco Soares, Gastão Cruz, José Emílio- Jorge Telles de Menezes
Nelson, José Luís Mendonça, Luís Adriano Carlos, O produtor em série 169
Manuel de Freitas, Nuno Júdice, Ruy Ventura, Luiz Gonçalo Salvado
Pires dos Reys] 123 Corpo todo 170
LUIZ PIRES DOS REYS
O TEMPO TESTEMUNHA A SANGRIA DAS HORAS
NA SALA DO CAPÍTULO DA PÃ-CIÊNCIA

Preparados e prestes, os pés de Alice voam entre mundos. A aranha-peregrina é a arquitecta onírica
dos fios de sombra imaginária nas paredes dos adros infindos. E fita (e, por vezes, finta) os sonhos da
menina que é sonho sempre menino. As paredes incandescem-lhe para o outro lado, para o iod da visão,
aquele ponto (irritante, até ser atingido – e atingi-lo é irritantemente impossível) onde tudo enfim é em
fim. É depois que nada verdadeiramente começa. Ou antes, depois de tudo vir a ser intérmino ser imóvel
e voo imperituro.
Entre a pequena angular da paralaxe do canto-chão do olhar e o encantamento que assim se faz
presente, há um crepitar do ver na dança singular que as sombras projecta ao longo das estrias
encandeadas pela própria luz: por ser o limite delas o exacto impreciso ilimite da umbra. Da perfeição de
tal cadeado sai o desencadeio da tempestade da sua orquestra. Puro festim arrancado às fístulas dos
despojos em que tudo se inconsuma.
Arrende-se, pois, o melhor sofá para lá sentar bandarras sobre as trovas do imprevisível e pôr no colo
da imparidade das mãos perpotentes o desejo menos calculado. Cosa-se em seguida os quatro dedos da
mão que mais se use à simetria indomada das colunatas assimétricas do instante que o prediz. Os sulcos
daí resultantes não deixarão de progredir à razão de uma perna de anjo por minuto. De cada lado da
eternidade. Pois nunca é cedo de mais para perceber que a eternidade nem sempre dá jeito. Disso vivem
todos os alter-nostrademos do logro próprio.
Não faltará quem não ouça mais que um silvo esfíngico nas frestas pardas da janela com vista para as
vistas que faltem. Mas os pés, invisíveis sempre para os passos que já foram dados, sabem que a luz mais
barricada nunca se deita a sós, e só assenta na penumbra se sinta que já não valha a pena ser filha dos
véus impragmáticos do coxeio persistente naquela exacta usura semicega que sempre trai os insublimes.
Jerónimo (aliás, Eusébio Sofrónio) contemplava, na mão precocemente morta pelas asceses de
demasiada vulgata, um crânio de belos globe trotters oculares varados de suas bem jejuadas ocavidades.
Como faziam outrora dentro de si os atonitas, monges que mantinham o que mantém perfeita no
coração anamnésico de si, em prece e sem pressas, a lâmia lembrança da morte. Para nunca esquecer
quanto na vida há de puro transido de sermos gente esquecida sobretudo de não esquecer o
perfeitamente esquecível. Devia talvez o mundo ser um Lethes acrobata. E, quem sabe, talvez seja...
É este o crime perfeito dos imperfeitos: planearem meticulosamente o carril da própria morte,
supondo fazerem o contrário. A foice da Senhora da Morte é um pé-de-cabra da Dama da Vida. Por isso –
ou seja, por não-isso, pelo desterro no âmago de tudo o que tal não é – importa saber que, para saber,
há que contracorrer lenta esta morte que é a vida sonolentamente invivida. O númeno da quase-morte
não é, em verdade, epifenómeno da quase-vida. É o inverso. Do reverso.
Aos dois minutos e quarenta de qualquer coisa, começa sempre uma sessão de apocalypse nesta
cinecitta mundi. Trata-se de uma rábula de revista muito pouco à portuguisa, mas o mundo não sabe.
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A IDEIA – revista de cultura libertária

Nem sabe que o português é uma língua hoje tão bestialmente ortográfica, pouco ou nada mais do que
impura artimanha de oliveira varada por cavaleiros ortoimbecis sem montada e sem a arte de montar a
toda a sela a língua que tão laboriosamente descalabram, desapiedados e com inteiro desdó. O horizonte
abismar-se-lhes-á pouco divino, filho de temores tão indefinidos e tão indefiníveis trapaças.
É de alumbrar os poros da alma em tal pira, por dentro das palmilhas do mínimo sucesso. Eis o
mistério da Garbo, que disse um dia: "até onde consigo lembrar-me, eu apenas quis estar só". Pois é. E,
sim, é a vida esse aprender a não estar desnecesariamente mal acompanhado por si próprio.
Há de ter, pois, isto tudo um belo sem-sentido para se dormir nele plácida, ainda que
desassossegadamente. Fique pois o bernardo com todo o desassossego soares, mas não o fiquem menos
os sem-abrigo investigadouros do fragmento d’alma bastardos da desdita pessoana. (Fernando, a
labiríntica fragmentária é a delícia ao pequeno-almoço destes meninos e meninas menestréis do espolia-
espólio-até-ao-osso-da-cota-do-catar-bento-que-arre-bolas-que-já-basta. É, Fernando. O que te fizeram!...)
Em cada gesto sem gesta, os gestos tresandam todos à honesta impossibilidade de havê-los coerentes
a não ser na cabeça das emoções que pairam rasteiras, de mecafísicas de certos auto-profetas. É esse o
seu invertido milagre! O melhor é guardar bem guardado tudo isto e pôr no armário o roupão filosófico.
Já guardei. Ainda lá há muito lugar, mas não está vago para praticantes do vagido epigonista.
Repare-se. Entre cada sorriso, cada lágrima. A coisa não é nova. Novo é não achar um diacho de um
novo novo mesmo, isto é, mais antigo que o velho, e estar-se assim tempos infinitos rodeado de uma
multidão de vivalmas defunctas que apenas replicam e repetem que nem carabinas descalibradas os ecos
de tiros disparados por outros bem mais alhures de si do que imaginam. Mas lá vão eles, com muito
artifício e o imenso ofício de arco-íris-fátuo. E, nós, com uma persistência placidamente desrotinada,
presentes a esta coisa de velório em formato de festival modelo reality-ciao, urdimos os dias que já não
vêm e eles a sua ausência de tanto, e de tão tontos. É de doidos! Ou antes, é de gente excessivamente
normal que quer parecer o contrário. O problema é que o contrário de normal não é, como se supõe, o
genial. O génio não é o contrário de nada, o normal é que é sinónimo da mais comum e congenial
anormalidade.
Este cadáver quotidiano nosso de cada dia, a que os deuses recusam rastejar-se para coroação de
míticas moscas de puro vasilhame cultural, é o avesso do sarcófago em que os animais arquetípicos
aflorariam do frémito intacto do seu imemorial poder. Tal poderio, que habita na ânfora anteprimeira da
vida, é o empalamento sagrado que nos dependura do infinito e do eterno, como anões gigantescos que
nos agrilhoássemos minuciosamente neste nosso presídio da grande glória dos pequeninos do tic-tac de
uma Hora anunciada que nunca mais começa, porque nunca mais acaba o que nos há-de acontecer nisto
em que estamos.
Passa-se tal às mãos omnipotentes, facínoras porém, do mais belo pai de tudo. E o tédio-telenovela
disto é o caruncho displicente daquilo que tudo isto jamais será. Assim se explica que Kali corte a
própria cabeça e que as veias de tal hecatombe, as suas, sejam de lámen. Amen. Lá.
A arte – e toda a forma de arte é já, metade, a decair de Arte – a arte é o puro sangue da vivência
arquê-tectural de tudo. É outrossim a verdade, essa coisa escorregadia, a cortar a cabeça à realidade
(coisa de que apenas existe coisas – a nós aparecentes – e, com labor, sorte e sobremodo uma pitada de
graça, pairecente a nós). Trata-se de um paredes-meias entre o pé caminheiro que se faz fito a Santiago e
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o morto-para-si que de lá há-de regressar. Há meias-solas para todos os números. Faltam é pés-romeiros
que as queiram aceitar para a boa resolução do único problema da álgebra vital: a limpidez caórdica do
gigante bíface número-númeno.
Tudo o que se faça com uma mão sangrando incôncios primórdios de mistério e a outra sufocante
quase no abismo de uma consumação sempre plenamente inconseguida, é arte. Absoluta, gosta-se de
dizer. Erroneamente, diz aqui quem gosta até de desdizer-se. Pois é jorro do inominável o que invade e
extravasa o agora e o afoga de uma tal desmesura incontida: enfartamento metafísico do espanto do
sempre inaugural dom arquetipado de sentir com o olho paradisíaco, golfejo infante das mais arcaicas
entranhas. E, o que quer que isso seja, não farta que se farta. O mais é metanóia fatalmente suicidária da
química dos sentidos sitiados no pobre aquém, naquela fortaleza do avesso do fútil e do além apenas
útil. Do apenas til de uma palavra sem ele.
A coisa é séria, e é em série que a coisa é. Coisa, como alguns sabemos, é o quasi-nenhures do que é
exílio de si que esguicha ausentias-fátuas. Quando se está possesso do reinado dos objectos, ainda que
eles sejam software abstracto da técnica operativa da aplicação. O mundo é basicamente uma app. Mas
não se aplica a nada em particular.
Depois, um dia à noite (é sempre à noite, porque de dia não há tempo para isto), à noite tudo canta.
Cantará o canto que há nos seres que sobrevivem às coisas, e o canto arrancará asas ao peso que nelas e
neles quase soçobra: como se esperassem o inesperado. E esperam. Mesmo que ele não caiba esperável.
É a fé: intestina matemática treslouca e pitagónica do mundo.
Então, o repouso, que é o consumar irrealizado do nada de que é feita a saudade que exala de tudo,
abrirá suas pétalas para a raiz do céu que há-de abraçar, solícito como nunca é desde sempre, o tronco
da terra na semente de todas as brisas – as que sustentam a dança dos gestos que a alma faz ao apenas-
ser-alma. O problema com isto é que não há isso de ... ser apenas. Ou será ser apenas o mesmo que
apenas ser? Parece-me que está tudo estragado. O universo é, parece-me, um iogurte: já não é leite, mas
também não é leite estragado.
Explico, exemplificando com o que não é exemplo para ninguém. Se Portugal desaparecer, não faz
diferença nenhuma. A Mesopotâmia e a Fenícia também desapareceram, e o mundo não acabou, lá por
causa disso. Mas, se os portugueses desaparecerem, isso sim, pode fazer o mundo acabar. Para os
portugueses, claro. O problema é que todos os humanos são ... portugueses. E esquecem-se de que o
são, de que o foram ou de que o serão. Ser português é esse não sei o quê que faz não sermos
confundidos com mais ninguém. Repare-se que eu não disse: com mais nenhum povo. Para o diabo com
os povos: o que faz os povos é a gente deles. Por isso, o serão na aldeia é hoje global, e o globo que rege
o cosmo do omniverso continua a ser, não o planeta, mas o símbolo mais-que-perfeito dela, aldeeia: a
armila.
As capelas, nós e a nossa circunstância, continuam imperfeitas. Perfazê-las é a verdadeira pedreiria e a
necessária batalha. Não precisa o pedreiro de ser livre, porque o homem não pode senão sê-lo. É até
bem livre de ser escravo da tirania maníaca da liberdade. Basta que, em vez de fixar-se na aracnídea
fábrica de si, se quede nos meandros labirínticos e sizificamente ante-iniciadores da teia em que a si se
captura. Não é bonito de se ver. Mas ver é sempre bonito.
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A IDEIA – revista de cultura libertária

Isso explica que fazer o bem (isto vale para o mal, como é mais que muito óbvio), e fazê-lo muito
cedo, pode ser de mais e ser mal a mais. Pode ser cedo de mais, digo eu. Ou seja, pode já ser tarde para
ser um bom bem. Cabe então a pergunta analógica: um diário que não seja diariamente lavrado é ainda
um diário? E um anuário, se for feito em Janeiro é um januário? Bem...
Aconselhemo-nos antes com quem sabe, com quem sabe que tudo isto é um emaranhado que não se
sabe jamais. Diz o desemaranhador: A minha visão confiante é a alucinação [Herberto Helder,
«Photomaton & Vox», 5ªed., 2013. pág.22]. A minha desconfiada suspeita é de que a alucinação seja apenas
algo que, quanto muito, nos previna de um simulacro que é gémeo de um descalabro. Do desencalabro
que nos alucina deste tão pouco ver no tanto achar-se ver-se, e daquele símil-lacre em que a lucidez nos
seja simples confiança alumbrada no que nunca é simples ou que é simples no ser o nunca o ser simples
o simples que tudo tanto é como não é. Enfim, tudo isto é tão sem novidade.
Nós não somos mesmo seres em que se possa confiar. Somos confidentes prováveis de alucinações
em linha de montagem que se encontram (quando se encontram) e se cruzam (porque reincidimos em
desreencontrar-nos) nesse pelourinho do largo a que alegremente chamamos dia-a-dia, mas que é tão-só
o curso transcorrido de uma inenarrável translação de momentos-ilhéus, que só não são desarticulados
porque nós somos sobretudo isso: lugares ausentes de si, na arte continuada de articularmos todas as
nossas mais seguras incertezas, de laboratórios ambulantes da incerta segurança a socialmente garantir-
nos o ingarantível, quais vagos vagões de um comboio de crenças mesmo que as de ciência,
consumindo-nos e inconsumando-nos no mais improvável que fazemos por provar e fazer comprova. E é
isto a rasteira, dita quântica, do mundo. Mas ainda não é isto que isto é. E agora? Agora? E? E.
Milagre é o mundo ainda existir, e só raros darem-se conta do que nisso há de quase aterradoramente
belo e espantosamente terrível. Eu quero lá saber de querer saber, eu não quero é saber!! Saber é esse
apocalíptico sabor doce-amargo dos dias que nos dão a notícia do adiar do que nos fazem carreio,
descarrilado ou não. Há que ter cuidado apenas com as imitações alucinantes mas com cara de lúcidas,
sobretudo aquelas que se plagiam a si mesmas com a sapiência dos outros.
É preciso que se diga: já não é preciso dizer nada. Já tudo precisou de ser dito. E já o foi. Agora
precisa é de ser maldito. (Notar que eu não disse ... mal dito.)
Começo a pensar que há gente a mais, mas falta pessoas. Onde diacho estão as pessoas?! Tem dias em
que a pessoa sente que é gente. E isso, que pareceria uma boa coisa, é depois uma coisa assim-assim. É
assim-assim a parte de um qualquer conglomerado. Mas há dias em que a pessoa anda à procura de si,
que se farta. No fundo, isso nem é mau. Antes andar perdido daquilo que não interessa nem dado, do
que andar todo convicções de bonito embrulho e todo cheio de eu-cá-acho-isto e eu-cá-acho-aquilo.
Que achadinhos!!... Depois, há aqueles outros dias em que, quando a pessoa se encontra, assusta-se.
Noutros ainda, a pessoa encontra-se, mas é no meio do desencontro total à sua volta. Também é bom,
mas é tarde de mais. E por um triz de ser algo de terrível ou de tsunamicamente importante. Somos, a
maior parte, a maior parte das vezes, relógios atrasados num fuso horário adiantado. Poucos mais são o
inverso. Os raros são. São a intermitência do per-manente.
O mundo tem muita animação, mas pouca acção. Quando o mundo está mal não sabe senão como
há-de voltar a estar bem pior; quando está bem, acha-se que estar bem é uma coisa optimamente
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recomendável. E fazem-se poemas até, para disfarçar tudo com torradas e meias-de-leite de bairro onde
já foi giro viver, e até era bem ir morrer. Agora, tudo é nada de um ar-que-dá ou que-deu. Veremos.
Chegou-se a um estado em que os estados de estar são-no tanto mais quanto menos estados de ser
forem. Com o Estado é o mesmo. Kafka é hoje lido, sem se saber, nos infantários da pré-escola dos
adultos-anões, prematuros adultos que hoje se fabrica nas escolas, e para ajudar as criancinhas a
comerem mais tarde, mas depressinha, a papa toda. Com os infantários do poder público é o mesmo. É
absolutamente preciso chegarmos ao ponto de o Estado chegar a não ser preciso. Sem isso, a nada de
muito preciso nem de muito precisado se chegará. E estão já, algures por aí, as crianças que nos vão
safar disto.
Em caso de dúvida, duvidar é sempre o mais certo. Em caso de dúvida, fica a dúvida. Em caso de
dúvida, o melhor é sem dúvida. Em caso de dúvida, pois ... é duvidar-se convictamente. Em caso de
dúvida, há dúvidas? Há. Há o caso. De.

E assim termina a sangria. Com um conto. Fora d’horas. Porque a hora, para ser Hora, não precisa de
agá grande. Eis o que é o que uma vez era:
Era uma vez uma criança. Era uma segunda vez também uma criança. Era mais uma vez a mesma
criança. Há-de-me a criança destas vezes. E a criança recordou-se e cavou em si mesma, dependurada do
reflexo que a olhava, plexo em caveira. E a caveira era de brincar mas era, por isso, muito a sério.
Pendurada da árvore de si, a criança ganhou raízes no brinquedo do mundo, girando sobre si mesma em
torno do umbigo-espelho-placenta, que fica no lado cristal-negro da luz que dela emana. E viu que esse lado
era uma porta. E viu que ninguém a via. E viu mais, viu que a porta dava para uma parede que parecia
ficar sempre para trás de si, à medida que ela nela se transformava. Era a porta do parto de si mesma. Vendo
porém que ela era sem dentro nem fora, como os verdadeiros espelhos, decidiu fugir para onde está hoje. E
fugiu mesmo, e tão depressa, que já lá não está onde estaria. Depois, de tanto não estar onde era uma vez a
criança, foi ficando cada vez menos onde seria suposto já não estar de vez e de cada vez. Para estar com
tudo. Contudo... Bem... mas com tudo é outra história. Fica pois o final desta, e tudo.
E assim poemo-me:

ao crepúsculo
colho sempre uma flor invisível
ao crepúsculo
o invisível colhe-me por vezes como se colhe uma flor
ao crepúsculo
o invisível olha-me como nunca
em flor ao crepúsculo
sou flor sem crepúsculo

[de «Oragos & Ordálios da Pã Ciência», 2015-2016, inédito]


DONIS DE FROL GUILHADE

EW AW E

: ha v.v ha :

[ou do exílio de LiliTHe sua vulva de uva


dos Evos & das Evas do êxodo do aedo dos Evoés]

Electo o lado alado em estrito acto anteprimeiro, El


ohim – leito triádico d’O .I.psis.I.mum – d’AdamaEl
extraíram-nA [a eWa, a ViV’ente]
qual cepo da vide qadmadâmica da costEla dEle

Ela, incasta tanto, da casta genesíaca do synestro, em seu


mais claro custado flanco, na dextra natura e no que de tão cerne
e carne e dOo mais sangue todoO empós, em queda
fechou-se de paraísos, em parapeito, em si quedada toda

D’IpSi e de Si expulsa, tocou o evo Adama


com seu dedo-dardo a Eva, a Dama – de kadmon
antiquÍssimo filhados hermaphro ditos ambos –,
no lado que avito de certo Tomé que empós virá

incréu d’Origem [que o olho não vê jamais mais que a Via vira]
da terra moldara-O, do barro carmim, promisso a Qayin
que virá. E de tanto seu flâmeo berra húmusdecido
n’archaica feyção da satúrnia bygorna dos ordálios
148 n.º 77/78/79/80 – Outono de 2016

que para símil ante a imagem sua insufla-se-lhe vivo


o sopro sangue e água desde o iMo – que d'Outro
peito hão-de jorrar para a Vida, na morte da Morte:
& a ViV’a:mortalha-se ali mesmo – Eva é. Evoé!

Logo, e no Lago Trismegista do bafejo iperceptívEl


Pneuma de Seu hálito, costela-se-lhe íntima a parecença
no osso arrancado ao sapo da sabbática Nocte de Nut
que seus ossos, esses, ingenha d’aço ingre de si.

Fibra i carnura de Hypnos nos lentos somnos da alma


empalada, abre-se abyssal o horizonte ao extrair-se
eWa, novalagrest’auriga da origem do Vivo, Mãe-grã
– amada mater agridoce do clã dos amaros viv’entes *

sygillo mântico
ewa omin zolokayié
ekróphia tanathí sabatanô
slava toiyé pô-ha rinzeh pami
gnum tê lílitha yoni ma yah
fórmula
glossolálica
E le itool adoe loh imde leext rair amcos telac ostag enesi acadof lancoe ncos
tadoana turaq edeta ocar nedep oisfech ouset oco uocomse uded ool adodoa vitod
eumth omeq eem posvi riain creud aori gemd aster ram oldara obar rocarm
imhum usdec idaaor dena dafe icaop arassimi lhante asu aimag emins uflandol hevi
vo osoproos angu eiaa guaq uedout rope itoj orrara oparav idam ortedam orteb
afe joimperc epti veldese uhal itocos tel adai ntimap arec enc aoss oarran
cadodese uos soing enuoac oing redesif ibraic arnur adehyp noslen toson oda
almape rfuradap ors eushor iz otaisab ys mos aoex trairev adacos telano valagr esteo
rigemdav ivagr andema termaeag ridoc edosvive ntesam ar o
[2016]

* Poema originalmente integrando a obra (inédita) «Noval Agreste - Apócrifo pseudopropositadamente desacabado»,
datado de 1999, aqui abissalmente reescrito.
| ZIUL QAYIN SYER |
VENÚCIFER

Do umbro a pedra límpida a testa do abysmo doma


do delta a venúsia teta— tecto do inframundo —
prostitudo da Umbra na raiz incandesce
que do Não decifra o ind’essente luar da noute
das eras: é indegredo no nigredo plenilúnio!

[Áugure do silêncio ordoador da espada ímpia


irrompe-lhe de espéculo o desejo
dos escancarados poros no oráculo]

Da alba vasta dos mares pasmante, o par


seus tempestados amores vaticina d’olvido
e, cortante d’esmero de esmeralda e de eros,
de serem círio único de gelo, tecem-se kyrios
em sua arte matutina: em urro urgem-se argentes!

[No ordálio da profecia dos gritos consuma-se o conúbio,


Líquido o fogo boja águas que fervem garras
no infindar dos lautos beijos devorados]

No fio etéreo de seu cio de brilhar, em treva o luar


do imo brilha-lhe todo negro do sol dali:
entre a imagem e a gema de seu bréu de brios arrebates
o mystério desagua-se-lhes núctil frescor
dos caudais do ventre nu de Vénua luciflor

[Fatal no profanar todo o nascer inascido


porque mais viva, mais degola: porque mais
que a vida e a quimera viva fera assim neles asseveram]
150 n.º 77/78/79/80 – Outono de 2016

Preciso como gelo, bisturi atávico de rigor


lazúlico dos antiquAntes, qual das entranhas
lápis cioso arquitecta a vulva
chacal de Lilith seu escarro ártico
escorrendo-se qual morte sobreviva

[No plaino do jorro aceso que da testa finistremos pare


a terra fecunda-se negra
e o terror calcinado nasce dela]

A louca chama (carro de Nut) sobre a sela gélida


lúcida em lâmina lívida o lado látego fulgura
bestial de seu negro cavalgá-lo Babalon:
a que se lhe sagre a luxúria sacra
e se lhe promontore leão a agápica vindicta —

a estela hiperbórea que a matutina estrela designa


é bruma, é avesso do dia, é dia da Noite,
é filha da eterna Umbra

Ininterrupto o cauto coito é rapto


cravado no eixo magno da noite leda
– entre o mando, sua monda e o parco mundo:
répteis no peito do extreme desejo, sejam eles gémeos —
Lucívenus, de seu intento imparável.

Vêm-se mútuos, margem a margem, inatos do nada


que se lhes cascata da áurea entranha da negrura
em seu puro frémito e, suspenso da fonte nua, o esguicho jáculo

No dia mantino da limpidez indomável


o abystmo sigila-se-lhes além-horizonte
e o fogo umbro se lhes decifra. De Sombra
venuciferem-se de gelo, do sempre mais
de si frável, arável de ambos: asas de Um/a ...

[in «donis: antre luiz i ziul – dispersos (1984-2014)», Évora, Edt. Licorne, 2015, pág. 130, aqui em texto revisto.
Publicado originalmente, na sua versão primeira, no nº 30 da revista Infernus, 2013, pág. 37.]
. DONIS DE FROL GUILHADE .

A
lua
nua
t
etr
actys
poético

4
.I.
1. Da oblíqua pitagórica da inclinação canónica, desce em primórdia hipotenusa
{madeira viva da matéria do caos} o corpo, a glória de lava, & seu ab initio moldável, da alma.
2. Lâmia, lama d’alma, chão adâmico das coisas anteprimeyras, o barro dragónico dos céus eleva-se da
radícula da carnura – terra virgem, gema de todas as peregrinações i erranças : trânsito do sagrar :
oceano de lava incônscia, liquaz lavoura do coração & do corpo : do -.I.-mortal ao fogo .i.mar cescível
em mãe e .a.mar de nóctuo vaticínio.
3. O caminho de santIago faz-se saltando d’estrela em estrela
rútilo de drama& de saudade.
.II.
1. É matéria primeva, é o corpo no cetim vivente das garras de s.I. mesm:O:
2. doMar d’Aurora o diminuendo tacto brota, desventrando-se das águas, imparável da entreaberta
floração do frútero
3. & o broto da almarosácea nO adro sagrado afla ao seu desSer [diz o philósopho que o que há, há-O em vez
de nada: pois aqui diz-se que O-Há é o Grande Talvez-Não, é o Isto-é-Aquilo – acessível de haver, inacessível de ter]
4. Desce ao ventre almo fariz & logo transpára doxo do ma[li]gno[se] em mysTherion do indivi duo-
átomo soluto, esbradejando nu & de nácar, no oceano uno do atma, istmo do ipsissimum abbasoluto.
5. & geminado germinanda-se &, gemidando-se, germe i nado até ao zymbório do s.Elo : o se.I.o : o
nutriente peito da passagem da grande porta-orto :
6. são sedentros os fontanários do impúbere, são áreas brancas da alma plúvea {que de Phi ama há-se o
pneuma e o poemAmorfismo} o anteprimórdio dos pais brand’hão
7. todos os 61 são sete rios – campo grande do perfazer breve a obra longa da arte em seu Fogo evo
152 n.º 77/78/79/80 – Outono de 2016

.III.
1. Da nuvem d’auromas [rede.moinho de perfumes] o leite inseguro artefeiçoa-se inicial, & o gesto a alma
voa-o desnuda em forma de mundo {só a mudez do sublime a quase inquieta} : a cada espanto, a cada
nOvO, a cada sempre mesmo, a cada ermo sem m’esmo :
2. d’O mosto lauto em variuna mestria seu rosto {em todos} é rasto sem nome {dos tudos};
3. o Nome mínguo {ninguém!} é Nume do nada do eVo intacto {amen};
4. é o oVo da fábula melodeusa, é o inato na arquialma da língua : ah, o autor! – narciso eudouro & sua
ode, autofageia, noval d’amor do sempre ausente estrañ[geir]o : {xénio génio} :
5. o que ama perde{se n}o nada, & sua palavra toda lavra o abysmo [de silêncio]
6. & do lábio liberta-se do cancro de não ser
por achada a alma perdida ond’há-de enfim encontrar: -se
7. sempre que ganhe o pé não perderá a asa.

.IV.
1. Há um serpetriângulo sagrado. Há as Três Graças & Há as três desgraças da queda de Si em si
2. [eis a queda que há] repouso-êxodo da lâmina escalada que designa o povo álmico da Terra-vaivém de
spe e de espir, alado-se a todo o tríface da sphairos sem tamanho;
3. horizontal a toda a escada, o ourizonde rasteja o tempo nela : o rosto em seu rasto inum-era-se por
gerações [o rosto fita o céu por dentro das estrelas que lhe testifaçam rasto no céu]
4. Pelo terror que golpeia o coração da ternura mais extreme, o solidéu dos infantes sabe onde ficam as
criptas do fogo gelado, ali onde as poeiras dos antípodas sedimentam os beijos eremitas.
5. Pulsa em seu seio o gume mudo do meão saber-se Si, se Sim, ou se apenas sol: tudo é lá sustenido –
& só logra repouso da viagem a gema do horizonte; & é ela clara como o ovo dos mundos fecundando
o fio do tempo desenhado no perfil ombro-peanha [umbra-alicerce] da cabeça-rainha de copas do medo.
6. Furibundas, as corolas dos dedos impetuam-se em sua alquimia meticulosa [dos feitos & seus efeitos] &
os fazedores mais belos, as crianças, lançam aos céus os dados que rolam pairando até à plena Terra Oca
(a Pura, a que é d’entro & está entre tudo) daquela infante mnese de que a alma se inscrusta no eixo-
coração da nóvel régia entranha entronizada {é mystério-degredo dos infantes : colóquio dos simples e dos
dragões, d’ainda não-índia nada na almanau}
7. & lá o anho do Grande Sábado eterno espera tudo [não sabemos nós: “não sabeis a Hora!” (Mt, 25.13) ?]
& há também o Bode dos antípodas celebrado Sabbateviterno, Dia sem jamais semana.
8. & então todo o mastro é uma almanauta & é leme a Ave Mares ia desd’o castro de Castello Melhor ao
MarMarão do Monte Dauana Malogue: que as asas, evola-as o ovo do tanto trasmudar o putrefacto dos
mundos:
9. & é então do evitern’O o Não mais cru nem mais Pedro, Cru ente, nem mesmo cruzado d’Amor lacre
10. mais o pavor de seu rasto lacrado libérrimo no voo das lágrimas do jardim da fonte. Pois de si é como
se adejasse tudo o nada em cada pulsar:
de tanto ser isto tão belo, mas ser tão mais por isso terrível e quase vão
11. mas Não...
A IDEIA – revista de cultura libertária

3
.V.
1. A mão primeira o gesto tacteia da sinistra de si derradeira, a de que melhor se desencontra: mãomãe
perene, lar dos mirtilos, colar de mirto que a si do Si.smo da sede do sentir & do sentido heca tomba
desvelando no rapto imotivo o fólio mártir da alma exalando-se os perfumes de seu dom.
2. Tocar é afogar-se no perto. Nadar – arte do nada – é voar sem pontas que se nos peguem com instru
mentes atlantes movediças. Que os poros são todos de apren:dizer.
3. Veraz, o toque-parapeito no instável dos mundos, lança-se em puras asas-som; & não ser nau senão o
Não ignaro de seu nada – eis a nata das coisas. Mas não todas
4. que o fazer é o nunca chegar a tocar no mais secreto. & o Segredo é para sempre, e é o Sê-lo na
inversa chave das coisas.
5. Que ao abandono esteja o que à solidão se doa. Não importa o Gigante Se]th.&lema
6. O SoliSdom [não] é não ter ninguém, solidão é não se ter a .S:I. em si, solidão é o ser-pe.rder de ter-se
perdido de serpe ser no rastego rútil do eGo, é ser mão firme daalma, é ser a alma damão, é ser irmanadas
alma e mão, é ser mais além, ser mais almão & assim o mar ser seu marão.
7. De mando o porto na foz do mar mal Dio onde só Damão é dada ao bom porto: é perfeyto o lacre (que
a saudade morre nunca) para ser tão mais futuro vieiro o abba insoluto no .I. de .S.I. irresoluto :
de toda a lembrança
ser o mar-mor insolúvel
do mais tão mínimo semínimo & semibreve
sau.dom do
evo & ovo
ov o ev o
e av e d’
o
O
.VI.
1. O perfil do flanco é flâmula, fra[n]queza do forte
2. Apho.ri[s]me-se tudo:
mora o incerto em cada erro que o ignosa
.
todo o acerto habita um tropeço: o dogma de si
.
tropeça o eterno na sua mesma arma:dura: ternação do perfazer & fazer da prova
.
terrível a sombra da prov[erber]ação : o invisível da ternura é só do deus
.
dos ais nos ecos que dais de si ao [d]eu[s] dá ninguém
.
no sinai antí poda-se o que há da imemmória dos ermos
— tudo é uma anáph ora aleph ora sem ó mega – & é ist[m]o tudo:
154 n.º 77/78/79/80 – Outono de 2016

3. a fortalleza do fraco é a face do pei[c]to do seu pacto : – se morrer pela boca (drácula de si) há-de
jorrar o Soma da abóbada, desde o coração dos deuses – a gárgula dos mundos inacaba dos em chama
como se o dragão mais-que-imperfeito seja ele
o drago dragando até que se neg[r]a a luz do sangue cego : in.can desce
até ao antes da boca
abre-se primordial em ejáculo e já
o fogo que é flor do fulvo da vulva
por tão tal desmesura o falo hirta-se desde o nada:
falo do Nada
e responde tudo: Não!!
que é o Grande Si
m de ver de
esmeralto no regresso ao paraíso-pórtico.
.VII.
1. Busca o que já sabe: no que não sabe encontra O Que não cabe no que é [não] : sabe já mais do menos.
2. É cada folha pétala do ig.nato saber infólios sem in folio.
3. É de uma árvore sem falhas: tem raízes imemoriais no abyssum, tem limbos foliares que bracejam céus
4. Para lá do janus do caule há a diana que caça o desejo que sara e há o arco-desígnio —
5. o amor errante caminha seus desterros & o cante a tudo evola que seja não breve & todo seja julius
— até que não mais Eva, não mais Evoé ou mais Avalon.
6. Que nela augural expirou a ave-mestra.
7. Em sua ária-ventre canta o mineiro intérmino, que
8. a colheita celebra o metal precioso & nas veias do céu vê as entranhas de que é couraçada a terra.
9. A mina de tal Oiro é onde sabe só quem lá foi quando a hora soa & quando é a desOra de sê-la.
10. É o mundo mundo mais certo que o certeiro desconcerto pelo carteiro da alma insegura.
11. Sim, Luiz Vaz, tinha-lo bem em ti: tudo está certo por tudo ser tão desacerto — mas só a Luz Í[si]ada
que se in screve com o pneuma seminal do sangue sabe tudo & sabe que o tudo não há
Que, em tudo, nada do todo se perde
12. Desencoberta a índia, demandando-se em todo o encoberto achamento, armila infinita a reconquista-
pomba que nos voa à desencoberta do senfim dos mundos
13. & é o transbordo da mestria do mando:
que do desmando não há bom bordo.

.2.
.VIII.
1. Arranca-se ao seio o que a si esventra & tudo paradoxa de sua infinita meta.de
2. Em ceia, via d’asseio da sagrada blasfêmea, enfunde o Um-migo próprio até à placenta do
presequente devir; é-se irmão do ventre de que se é filho, do útero a mão-mãe (salve, António Maria
Lisboa!) ovala-se & nisso abraça & desembaraça seu embarque na ilha do Ah-’mores: que do fundo-
óvulo vem o estrangeiro-pós que advém antes do estro.
A IDEIA – revista de cultura libertária

3. Para lá dos phragmentos do Segredo, para lá dos cruzados despojos & das feridas dos amados, da
Janela Nobre vê-se Tomar & há-de tomar-se d’assalto o mund
O
4. Que a guerra só é lide santa no coração da Paz
5. & caberá a cada um o consigo ser grande humilde & isso ser-lhe Pax húmida & ser-lhe o O que não
ex.I.ste mas muito É [e é do rey, do El e é de magíster irmão]
.IX.
1. Armória heráldica do sentir, amário do sentido : maior o dançário [ária do gesto] que o a.bordá-lo
2. Desert’O povoa-se tôdala sagres na ponta extreme da gesta e o corpo hiero i ático em seu majestado
hyperespaça-se todo no bravo gesto
3. Que no voo em que, irmãos, os dedos se descobrem luz & em lua mútuos flutuam, a mão [ingémea
una idade dos dedos] floresce nisso.
4. A dor desenha o espelho do lema na rosácea do leme & a flora dos ventos em cruz ilha o vasto
núncio que do tudo-nada nunca visto inteiro a eira do assombro puro assombra de espantos e
maravilhas.
5. Desde o sem umbra, o condestabre o coração almarma em que se aljuba rota ao Almo do mais alto
rumo –
A batalha perfeita é dos inacabados
a perfeita capela é o acabado infinito, a céu aberto de si.
Batalha é boiça do sangue louco que a carne intacta levou de vencida.
De serem eles deuses quase, nas armilas do belo e na ala-abysmo dos mais enamorados d’Algo:
Que só aqui em nós tem Nome... e é Portugal seu inomado mystério.

.1.
.X.
1. Ordena-se o olhar arma i lado pelo caminho do Não [que diz] ser o Silêncio.
2. Forma-se o eixo de que o caminho meão [torre-amor] se desprende.
3. É de sal o percurso que o verbo, desvendando-se alchymico, fixa a compasso do Sangue & do Amor.
4. Sua íntima fábrica o peregrino conjuga no acto de [des]ser até do próprio caminho
5. peregri
nu
nUm
i nu
d’outr’O
:
d’ : O
O
.0.
.
[excertos de «ALUANUA», inédito, 2016]

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