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Pro mundo
ficar Odara
Instituto na Bahia se dedica à saúde e ao
empoderamento da mulher negra
Ludmila Silva* negra e, por outro, para enfrentar a vio-
R
lência contra a mulher negra. O Programa
acismo, sexismo e lesbofobia, de Comunicação tem projeto de jovens
formas de preconceito que fizeram Ialodês, que vem discutindo a criação de
um grupo de militantes negras uma agência de meninas comunicadoras.
dar origem ao Odara — Instituto A página no Facebook tem quase 5 mil
da Mulher Negra. Com quatro anos de curtidas. Emanuelle diz que o número de
existência, a organização negra feminista seguidores é decorrente dos contatos de
localizada na Bahia tem trabalho de cons- cada fundadora. Segundo ela, o Face e
cientização e de busca pelo bem-estar e o site do instituto (institutoodara.org.br)
saúde tanto moral quanto física da popu- são a principal forma de transmitir ideias,
lação negra. O instituto foi pensado para mostrar assuntos que merecem atenção
reforçar a agenda de enfrentamento à e também de empoderar.
discriminação racial, de gênero e de orien- A informação, para Emanuelle, é a
tação sexual e monitorar políticas públicas principal forma de empoderamento. O
para esse grupo. “Chegou um momento site tem textos sobre o feminismo negro,
em que nós, militantes negras do Odara, fa- o movimento negro e sobre marchas das
lamos: vamos montar uma organização que mulheres negras. “A comunicação para
garanta os direitos das mulheres negras e o Odara é de fato estruturante, ela vem
da população negra como um todo”, conta tomando uma grande força”, avalia. O
Emanuelle Goes, enfermeira de formação e instituto criou o “Julho das Pretas”, es-
uma das fundadoras do Odara. tratégia política para divulgar a agenda
Emanuelle coordena o Programa de negra e feminista. “Nós, militantes ne-
Saúde da Mulher Negra, um dos ramos gras, nos indagamos: se já tinha o Março
de atuação do instituto, juntamente da Mulher, por que não criar o Julho das
com o Programa de Comunicação e o Pretas?”, lembra, explicando que o dia 25
Programa de Direitos Humanos. O Odara de julho já era o dia das mulheres negras.
integra a sala de situação que avalia as Durante o mês de julho, o instituto
questões das arboviroses com o Fundo de organiza palestras e atividades diversifi-
População das Nações Unidas (UNFPA), o cadas a cada ano pautadas por um tema
Sesi e o grupo de mulheres de Salvador e diferente. O princípio é agregar ideias,
Recife. Também implementa projetos para opiniões e conhecimento, deixando
discutir o enfrentamento à zika a partir de lado qualquer tipo de opressão.
da perspectiva das formas de opressão. Emanuele afirma que a intolerância é a
“O papel do Odara nesse projeto é trazer principal adversidade enfrentada pelo
informações, discussões e oficinas para as Odara. “A intolerância, seja ela de qual
mulheres nas comunidades sobre racismo, tipo for, mas em especial a religiosa, não
sexismo, igualdade de gêneros e direitos deixa a pessoa abrir a mente e ver outras
reprodutivos”, informa Emanuelle. perspectivas”.
O Programa de Direitos Humanos é
voltado, por um lado, para a juventude *Estágio Supervisionado
EXPEDIENTE
é uma publicação impressa e online da Administração Fábio Lucas e Natalia Calzavara www.ensp.fiocruz.br/radis
Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Programa Apoio TI Ensp Fabio Souto (mala direta)
Radis de Comunicação e Saúde, da Escola /RadisComunicacaoeSaude
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp). Estágio Supervisionado Ludmila Moura da
Presidente da Fiocruz Paulo Gadelha Silva (Jornalismo) e Juliana da Silva Machado
(Administração)
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Reportagem Bruno Dominguez (subedição), críticas) • Tel. (21) 3882-9118 que enviem exemplar, referências ou URL.
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Documentação Jorge Ricardo Pereira, Sandra Ouvidoria Fiocruz • Telefax (21) 3885-1762
Benigno e Eduardo de Oliveira (Fotografia) www.fiocruz.br/ouvidoria
FOTO: OPAS/OMS
CARANDIRU
24 ANOS DEPOIS, UM NOVO MASSACRE
“F oi um inferno na Terra, estou
vivo por um milagre”, disse o ex-
-presidiário e um dos sobreviventes do
com gravidade (e nenhum deles com
armas de fogo), como informou o site do
El País Brasil (29/9).
Global republicou (30/9) o relatório feito por
Sandra e Evanize Sydow, jornalista e pes-
quisadora, para a Comissão Organizadora
massacre do Carandiru Jacy Lima de Enquanto entidades defensoras de de Acompanhamento para os Julgamentos
Oliveira, em entrevista ao portal de no- direitos humanos e da democracia critica- do Caso do Carandiru, em 2001. No docu-
tícias G1 quatro anos atrás, quando se vam a decisão, a Associação dos Cabos e mento (https://goo.gl/CrPNVI), é possível
completavam 20 anos do episódio que Soldados da Polícia Militar do Estado de São ler todos os detalhes do episódio desde a
deixou 111 mortos e uma enorme mácula Paulo comemorava o resultado. À Folha de fatídica manhã em que, durante um jogo
na história do sistema penal brasileiro. S.Paulo (29/9), o presidente da entidade, de futebol, um desentendimento entre dois
“Eu sobrevivi, eu vi a história, eu pisei cabo Wilson Morais, chegou a afirmar que detentos — causado pela disputa de espaço
em sangue que dava quase na canela, e era “um absurdo esses 74 pagarem por algo no varal do segundo pavimento do pavilhão
isso não é exagero, não! Ouvi gritos que que não foi crime. Eles estavam no estrito — acabou culminando horas mais tarde na
até hoje ecoam na minha mente”, tentou cumprimento do dever legal, atuando pelo violenta ação da PM.
resumir ao repórter naquela ocasião o ex- Estado”. Para a advogada e socióloga Sandra A polêmica decisão que anulou o
-detento que se transformou em pastor Carvalho, coordenadora da Justiça Global, julgamento dos policiais levou entidades
evangélico. organização não-governamental de promo- e personalidades que atuam no âmbito
Contra o testemunho dos sobrevi- ção de direitos humanos, o Brasil certamente dos direitos humanos a ingressar com
ventes e o veredito de cinco júris anterio- não é o país da impunidade, mas sim da uma reclamação disciplinar contra o de-
res, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de seletividade penal. “O vergonhoso papel do sembargador Ivan Sartori em que pedem
Justiça paulista decidiu (28/9) anular os Judiciário serve para mostrar como, no lugar também o seu afastamento. Segundo o
julgamentos em primeira instância que de avanços, há regressões na política institu- jornal O Globo (18/10), o documento cita
haviam condenado 74 policiais militares cional, altamente encarceradora e punitivista “abusos, falta de isonomia e impessoa-
pelas mortes dos detentos, em 2 de quando se trata de responsabilizar negros e lidade” na atuação de Sartori e solicita
outubro de 1992. O relator do processo, pobres, mas que quase nunca responsabi- ainda uma investigação sobre a postura
desembargador Ivan Sartori, votou pela liza agentes do Estado pelas violações que do desembargador que, em sua página no
anulação e absolvição dos réus, acatan- comete”, disse em entrevista publicada no Facebook (4/10), acusou a imprensa de ter
do a tese dos advogados dos PMs, que site da Justiça Global (29/9). feito cobertura tendenciosa sobre o caso,
alegavam que eles agiram em “legítima Sandra esteve dentro do Carandiru insinuando ainda que parte dela, além das
defesa”, apesar da contestação da horas depois da chacina. “Era evidente que organizações de direitos humanos, recebia
Promotoria de que a maioria dos homens muitos haviam sido mortos dentro de suas dinheiro do crime organizado. As entidades
foram fuzilados. Segundo o processo, 22 próprias celas, sem ter para onde correr ou esperam que a decisão seja reavaliada e
policiais ficaram feridos, nenhum deles se defender”, acrescentou. O site da Justiça que os julgamentos não sejam anulados.
RADIS ADVERTE
A morte da adolescente Lucía Perez, de 16 anos, em 9 de outubro na cidade argentina de Mar del Plata gerou uma onda de manifestações no continente contra o feminicídio
— crimes por motivação de gênero. Lucía foi raptada, drogada, violada, penetrada com objetos e torturada no início do mês de outubro. Houve protestos em Argentina, Brasil,
Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, Colômbia, Guatemala, Costa Rica, Panamá, Nicarágua, México e Honduras. Foto da Plaza de Mayo, por Emergente.
MENINAS
desprecarização dos contratos temporários, 30 horas semanais e rejeição da PEC 241.
MENINOS
a aprovação do uso do Truvada (com- significativo na garantia do direito à vida
binação de Tenofovir e Entricitabina) e do bem-estar das pessoas que vivem
para prevenção pela Agência Nacional com o HIV e aids”.
de Vigilância Sanitária (Anvisa) (Época, Em julho de 2015, a Conitec havia
7/10). Atualmente, o medicamento está
registrado apenas como tratamento. A
expectativa do movimento social era de
se manifestado desfavorável à incorpo-
ração do Dolutegravir devido ao alto
custo. A sociedade civil organizada,
O SUS passa a oferecer também para
meninos (com idades de 12 e 13
anos) a vacina contra HPV em janeiro.
que o Brasil adotasse o PrEP até o fim então, reuniu dados técnicos que ressal- A decisão de incluir os meninos no
do ano, o que não deve mais acontecer. tavam a relevância do medicamento por esquema de vacinação surgiu da ne-
O PrEP consiste no uso diário de an- meio de evidências clínicas que demons- cessidade de prevenir desde a infância
tirretrovirais por grupos não-infectados travam a importância para o tratamento os cânceres de pênis, garganta e ânus,
mas mais vulneráveis à exposição ao do HIV em adultos, tanto como opção doenças que estão diretamente rela-
vírus. Desde 2014, a profilaxia pré-expo- de terapia de resgate (terceira linha de cionadas ao HPV. A faixa etária dos
sição é recomendada pela Organização tratamento), como opção para terapia meninos deve ser ampliada, gradati-
Mundial da Saúde (OMS) para pessoas inicial, a exemplo do que já ocorre em vamente, até 2020, quando devem ser
em risco considerável de se infectarem outros países. No ano passado, a co- incluídos os com 9 anos até 13 anos.
com HIV. Sua eficácia para impedir a missão emitiu novo relatório, dessa vez, A expectativa é imunizar mais de 3,6
contaminação pelo vírus HIV foi compro- favorável à incorporação, mas apenas milhões de meninos em 2017, além
vada por quatro estudos clínicos. EUA, para terapia de resgate. de 99,5 mil crianças e jovens de 9 a
Malásia e Tailândia vendem o Truvada A Abia e demais organizações da 26 anos vivendo com HIV/aids, que
ou genéricos em farmácias. sociedade civil lutam agora pela utili- também passarão a receber as doses.
Por outro lado, o Ministério da zação do TAF, versão menos tóxica do A vacinação segue o mesmo esquema
Saúde incorporou no Protocolo Clínico medicamento Tenofovir, e por um preço das meninas: quadrivalente, em duas
e Diretrizes Terapêuticas para Manejo sustentável para a compra do Truvada, doses, com a capacidade de proteger
da Infecção pelo HIV em Adultos o medicamento parte da estratégia de contra quatro subtipos do vírus HPV
antirretroviral Dolutegravir como opção prevenção combinada. (6, 11, 16 e 18).
FOTO: DIVULGAÇÃO
DSEI’s, criados a partir da Lei Arouca
(1999), não poderão mais ordenar
despesas, fazer contratos e licitações.
De acordo com o secretário executivo
do Cimi, Cleber Buzatto, a centralização
causará ainda mais atrasos na execução
da atenção à saúde indígena.
C rianças que sofreram asfixia cerebral no
parto podem ter a vida salva por um
capacete que resfria o cérebro para evitar
(29/9). De acordo com o pesquisador da
Fiocruz responsável pela pesquisa, Renato
Rozental, o tratamento evita riscos para
Vidas ameaçadas I o avanço de lesões do tecido nervoso. os bebês pois o resfriamento é localizado
O invento, desenvolvido por pesquisa- apenas na cabeça — até então o recém-
#DiárioDoDesmonte #DiárioDaResistência
O ritmo de notícias tratando da diminuição de direitos é tão
acelerado desde a posse de Temer que a Radis precisou criar o
Diário do Desmonte no Facebook. Só no último mês, engrossam
O Movimento Ocupa Paraná — contra a Medida Provisória
746, que determina reforma no ensino médio, e a PEC
241, que congela os gastos sociais — mobilizou estudantes de
a lista: retirada da Petrobras da exploração do pré-sal, entendi- 820 escolas, 12 universidades e 3 núcleos de Educação até 20
mento do STF de que a presunção de inocência não vale após de outubro, segundo levantamento próprio. A Secretaria de
julgamento em segunda instância e de que a PM pode invadir Educação confirmava 812. O número equivale a cerca de 35%
domicílio para busca de provas sem mandado judicial, aprovação de todas os colégios do estado. O movimento teve início em
pela Comissão de C&T da Câmara de projeto que autoriza a ex- 3 de outubro e foi ganhando adesão desde então. Na foto,
posição de imagens de crianças a quem se atribua ato infracional alunos do colégio estadual que leva o nome do ditador Castelo
aliada à rejeição de outro que restringe propaganda de produtos Branco, em Foz do Iguaçu, rebatizam a escola em homenagem
infantis, sem falar no avanço da PEC 241... à escritora Clarice Lispector.
APP SINDICATO
PEC 241
N
maculou a imagem do Congresso Nacional”, dizia
o meio da tarde do dia 10 de outubro, as o texto corporativista, em verde e amarelo.
professoras de Curitiba Rosemary Ribas Só por volta das 20 horas, depois da sessão
Bertaia e Ismênia Maria Portela, ligadas extraordinária iniciada, as professoras conseguiram
ao sindicato local, conseguiram entrar no entrar na galeria do Plenário Ulysses Guimarães para
prédio da Câmara dos Deputados depois de muita acompanhar a votação da PEC da Morte, como
insistência para acompanhar a votação em primeiro vem sendo chamada pelos movimentos sociais. O
turno da Proposta de Emenda Constitucional 241, a presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se
do teto dos gastos públicos. Em todos os acessos, esforçava para imprimir ritmo acelerado. Na véspe-
estava armado um forte esquema para impedir a ra, ele e cerca de 210 congressistas estiveram em
entrada de movimentos sociais. A ordem era que banquete oferecido por Michel Temer para cobrar
só entrasse quem estivesse acompanhado de algum fidelidade da base aliada. A leitura política era de que
parlamentar, segundo os seguranças. Rosemary e a aprovação da PEC consolidaria seu governo pós-
Ismênia não estavam, mas conquistaram a simpatia -impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff.
de um dos responsáveis pelo bloqueio. “Um guarda
nos ajudou”, contou Rosemary, que vestia camiseta
“DESMONTE DO ESTADO”
com a frase “Crise: essa conta não é nossa”. Dezenas
não tiveram a mesma sorte e, barrados, entoaram No plenário, parlamentares da oposição levan-
gritos de “Golpistas não passarão!” do lado de fora tavam cartazes nos quais se lia “A PEC 241 congela
do Congresso. direitos sociais” e “A PEC 241 desmonta o Estado”.
Nos corredores, enquanto aguardavam o A faixa da base governista dizia “O governo do PT
início da votação da PEC, as duas expressavam quebrou o Brasil. Estamos consertando”. Na galeria,
suas preocupações. “Essa proposta representa um a reportagem de Radis não encontrou manifestantes
retrocesso de 20 anos no setor trabalhista e na favoráveis à proposta do governo Temer entre as
educação. Os institutos federais serão os primeiros cerca de três dezenas de pessoas que conseguiram
atingidos pelos cortes, e também vai faltar dinheiro furar todos os bloqueios da Câmara para teste-
para o financiamento estudantil e para ciência e munhar a votação. Indignadas, todas vaiavam os
tecnologia”, sentenciava Rosemary. A despeito da discursos da base governista, empunhando grande
visão dos impactos sociais, panfletos sem assinatura faixa com a expressão “PEC da Morte”. “Tudo passa,
em favor da aprovação da 241 eram distribuídos vocês também vão passar, e não nos esqueceremos
dentro da Câmara com o lema “Congresso empode- desse dia”, gritou para os parlamentares Marta
rado: priorizou, executou”. “Sujeitar parlamentares Vanelli, secretária-geral da Confederação Nacional
a mendigar nos ministérios pela (sic) liberação de dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
OPORTUNIDADES CONGELADAS
O deputado federal Odorico Monteiro (Pros-
CE), médico e pesquisador da Fundação Oswaldo
Cruz, votou contra a PEC. “Essa medida congela-
ria as oportunidades para as crianças que estão
nascendo hoje, ao retirar recursos da saúde e da Apenas três dezenas de representantes dos movimentos
educação”, afirmou à Radis. Ele lembrou ainda sociais acompanharam votação na galeria: todas vaiaram os
que a população do país é uma das que mais vai discursos da base governista
envelhecer nos próximos 20 anos, e isso vai gerar
pressão enorme sobre o setor Saúde. “A diminuição
nas transferências de recursos da União para os
estados e municípios criaria um caos federativo”,
FOTO: MARCOS CORRÊA/PR
SAÚDE EDUCAÇÃO
R$ 743 bilhões R$ 58,5 bilhões
É o cálculo de quanto a saúde perderia com a aprovação Apenas nos 10 primeiros anos de vigência da PEC, a
da PEC 241 em 20 anos. O estudo levou à demissão educação perderia R$ 58,5 bilhões, de acordo com
da Fabiola Sulpino Vieira, autora do texto junto com estudo técnico realizado pela Câmara dos Deputados. O
Rodrigo Benevides, do Instituto de Pesquisa Econômica corte comprometeria todas as metas do Plano Nacional
Aplicada (Ipea), órgão vinculado ao Ministério do de Educação (PNE), impedindo qualquer aumento de
Planejamento. Doutora em Saúde Coletiva, especialista matrículas na educação infantil e em outras etapas da
em políticas públicas e gestão governamental, Fabiola educação básica, a construção e a abertura de novas
era coordenadora de Estudos e Pesquisas de Saúde na escolas, e a contratação de profissionais da área.
Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea. Para o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
“A PEC 241 impactará negativamente o financiamento Roberto Leher, nas universidades públicas a medida
e a garantia do direito à saúde no Brasil”, afirmaram provocaria o fim da gratuidade. “Como o Estado dei-
os pesquisadores, ressaltando que congelar o gasto no xaria de financiar as universidades públicas, teríamos
setor por 20 anos parte do pressuposto “equivocado” um peso crescente do custeio feito pelos próprios
de que os recursos públicos para a saúde já estão em estudantes. O que é uma aberração em termos dos
níveis adequados para a garantia do acesso aos bens princípios constitucionais e republicanos”, disse.
e serviços de saúde. “Desmontar a universidade pública significa também
Fabiola pediu exoneração depois que o presidente do desmontar toda a expectativa de futuro em relação à
instituto, Ernesto Lozardo, indicado ao cargo por Michel ciência e tecnologia”.
Temer, emitiu nota pública contestando os dados e
declarando apoio à PEC. A associação de funcionários,
Afipea, manifestou apoio ao grupo técnico envolvido
no estudo e repudiou o procedimento adotado pela
presidência do instituto, falando em “constrangimento"
aos pesquisadores e desqualificação de seus trabalhos”.
Segundo ele, o Estado também perde com
o congelamento: “Quando você deixa as pessoas
adoecerem e morrerem é também o Estado que vai
pagar isso. Todas as grandes recuperações societárias
do mundo tiveram a ver com mais investimento em
educação, e não com menos. Essa PEC fará regredir
50 anos em 5 meses. É a morte da política e a morte
da democracia”.
Os analistas não negam a necessidade de reor-
ganização das finanças públicas, argumento utilizado
ad nauseam para defender a PEC na mídia de massa
e na base aliada de Temer. “A despesa é maior do
Deputados da base de Temer que a receita? É. Estamos conscientes da necessida-
comemoram aprovação da PEC que
de de se fazer sacrifício? Sim, mas com equidade e
congela investimentos públicos
consciência. Essa proposta escolhe um segmento da
população para ser prejudicada pelo ajuste. A parcela
da população que precisa do Estado como provedor
e a garantia de espaço para investimentos públicos de bens e serviços e que tem o trabalho como fonte
em infraestrutura para dinamizar uma retomada do para suprir suas necessidades alimentares”, apontou,
crescimento. Com o crescimento maior, a arrecada- poucos dias antes da votação, o jornalista e analista
ção volta a subir. político Antônio Augusto de Queiroz, diretor de
Jessé de Souza, ex-diretor do Instituto de documentação do Departamento Intersindical de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor de Assessoria Parlamentar (Diap), órgão que tem entre
Ciência Política da Universidade Federal Fluminense suas funções fiscalizar o desempenho de deputados
(UFF), disse acreditar que falta informação de e senadores, em apresentação na Fiocruz.
qualidade para a população ter condições efetivas Na madrugada de 26 de outubro,a PEC 241
de participar do debate político sobre a proposta. foi aprovada em segundo turno na Câmara, por 359
“Estamos em um processo de lavagem cerebral votos a 116, desta vez com as galerias totalmente
que só é possível em ditaduras, com o monopólio fechadas a representantes da sociedade. Todos os
da informação. Essa conta é uma transferência de destaques (sugestões de alteração ao texto original)
renda dos mais pobres e da classe média para que acabaram rejeitados, após cerca de 14 horas de
as grandes fortunas do Brasil possam aumentar sessão. A PEC segue agora para análise no Senado,
ainda mais”. onde deve ser votada em meados de dezembro.
VOZ NO
COMUNICAÇÃO PÚBLICA
C
ena 1. Cerca de duzentas pessoas se reúnem a população lésbica, gay, bissexual e transexual
no auditório do 21º andar do edifício da (LBGT). O “Estação Plural” — no ar na TV Brasil, uma
Rádio Nacional, próximo ao cais do Porto do vez por semana — propõe discutir questões como
Rio de Janeiro. Os rostos ali presentes são a a saúde, os direitos e a identidade dessas pessoas.
expressão de diferentes etnias, idades, trajetórias de O que essas três cenas têm em comum é a
vida e regiões brasileiras. Estudantes, aposentados, luta para que a comunicação pública seja uma
negros, pessoas com deficiência, músicos de banda arena capaz de dar voz às diferentes expressões
de coreto, pessoas sem teto e sem terra, gente de brasileiras. Urgência democrática e demanda social
todos os cantos. O que retirou aqueles cidadãos de negligenciada, as mídias públicas enfrentam um
seus afazeres e os trouxe até a reunião, na tarde de processo de desmonte, na esteira das primeiras
1º de junho de 2010, é a vontade de ver a diversi- medidas tomadas pelo governo de Michel Temer.
dade brasileira — os sonhos e as realidades de toda A Medida Provisória 744 (2/9), editada dois dias
a gente — representada na comunicação. Trata-se depois da votação do impeachment da presidenta
de uma audiência pública, com participação aberta eleita Dilma Rousseff, extinguiu o Conselho Curador
à sociedade, convocada pelo Conselho Curador da da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) — que
Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para ouvir contava com a participação da sociedade, para
opiniões, críticas e sugestões dos cidadãos sobre controlar a instituição e evitar abusos por parte
as rádios e televisões públicas brasileiras. do governo — e mudou a estrutura da empresa,
Cena 2. Depois de oito meses de debates, colocando-a submetida à Casa Civil e acabando com
com participação cidadã, os membros do Conselho o mandato de quatro anos do presidente. “O fim do
Curador da EBC aprovam uma resolução, em março Conselho Curador é o fim da TV Pública. O Brasil
de 2011, que determina a suspensão dos programas deixa de ter uma empresa pública de comunicação
religiosos presentes na grade de programação da e passa a ser um país sem comunicação pública de
TV Brasil. A medida gera resistência tanto da igreja caráter nacional, atrás das democracias europeias e
católica quanto de segmentos evangélicos — os de alguns países latino-americanos”, avalia à Radis o
conteúdos que deveriam ser suspensos são um pro- jornalista, sociólogo e professor da Universidade de
grama evangélico, outro católico e a Santa Missa, São Paulo (USP) Laurindo Leal Filho (leia entrevista
gravada nos estúdios da TV pública no Rio. Para na pág. 21).
não privilegiar uma crença específica e garantir o Livre da busca por audiência comercial e
princípio do Estado laico, o conselho recomenda a das pressões dos governos, o projeto das mídias
realização de programas que retratem a pluralidade públicas é uma reivindicação antiga daqueles que
das manifestações religiosas brasileiras. defendem uma comunicação mais democrática. “A
Cena 3. Para além de um beijo gay no final TV Pública deve ser a expressão maior das diver-
da novela, em março de 2016, estreia o primeiro sidades de gênero, étnico-racial, cultural e social
programa na televisão aberta brasileira voltado para brasileiras, promovendo o diálogo entre as múltiplas
PLURAL
LUIZ FELIPE STEVANIM FELIPE PLAUSKA
identidades do país”, sintetizava a carta final do extinguiu a própria existência do conselho, aconteceu
1º Fórum Nacional de TVs Públicas, em 2007, que na mesma data em que seus membros iriam se reunir
contou com a participação de emissoras educa- em Brasília. As ameaças impostas pelo governo Temer
tivas, comunitárias, legislativas e universitárias, já eram sentidas desde maio, quando o presidente
além de movimentos pelo direito à comunicação, recém-nomeado da instituição, o jornalista Ricardo
como o Fórum Nacional pela Democratização da Melo, foi destituído do cargo pelo então governante
Comunicação (FNDC) — proposta que culminou interino. A lei que criou a empresa pública (lei 11.652),
com a criação da EBC, em 2008. em 2008, determinava que o mandato do diretor-
O ataque recente à comunicação pública é -presidente da EBC seria de quatro anos — medida
parte das medidas, adotadas pelo governo Temer, que, segundo os especialistas, evitava que o dirigente
de desmonte dos direitos, avaliam pesquisadores, da instituição fosse destituído, em caso de mudança
profissionais de comunicação e militantes. De de governo, e garantia autonomia política. Aquele
acordo com os membros do Conselho Curador era apenas o primeiro sinal do desmonte.
extinto, em moção de repúdio (2/9), trata-se de Mesmo sem o reconhecimento da MP, o
uma “afronta” à Constituição. “A medida fere o Conselho Curador decidiu continuar com suas ati-
artigo 223 da Constituição Federal, que prevê a vidades, que incluem zelar pelo caráter público da
complementaridade dos sistemas público, privado empresa e pela participação da sociedade na co-
e estatal”, diz o texto. “Ao apagar da lei o Conselho municação pública. “O governo tenta calar um dos
Curador, ela violou o caráter público da EBC e in- poucos instrumentos que a sociedade brasileira tem
terrompeu uma história que a sociedade brasileira para manifestar a diversidade de suas vozes”, desta-
vinha construindo”, sentenciou a presidente do cou a presidente do conselho, Rita Freire, jornalista
conselho, Rita Freire, em reunião convocada pelos e gestora da Ciranda Internacional de Comunicação
membros da sociedade civil, em 06 de outubro, no Compartilhada. Em reunião no Rio de Janeiro (6/10),
Rio de Janeiro. Além de ouvir as vozes de resistência aberta à participação popular, ela ressaltou que des-
e defesa da comunicação pública, Radis também foi fazer o Conselho Curador não desfez o compromisso
em busca de entender o que diferencia as mídias das pessoas que permanecem na luta pela comuni-
públicas daquelas que são controladas pelo governo cação pública e democrática.
ou voltadas para o lucro, e porque é importante A extinção do órgão — que, dos 22 membros,
para a democracia a sua existência. contava com 15 representantes da sociedade, além
de um trabalhador da empresa — “tira a autonomia
da EBC em relação ao governo federal para definir
ATAQUE E RESISTÊNCIA
produção, programação e distribuição de conteúdo”,
Aquele que era para ser mais um dia de reunião afirmaram os conselheiros, em moção de repúdio as-
do Conselho Curador tornou-se um momento de re- sinada por nomes como o professor da Universidade
sistência e mobilização. A publicação da MP 744, que de Brasília (UnB), Venício Lima, a pesquisadora e
ex-diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ima a BBC no Reino Unido e o PBS nos Estados Unidos.
Vieira, e o maestro Wagner Tiso. Na avaliação de Laurindo, um dos desafios básicos
A jornalista Akemi Nitahara, que trabalha na EBC das mídias públicas no Brasil é chegar a todos os
desde 2004, quando ainda era Radiobrás, e repre- cidadãos brasileiros, o que não acontece com a TV
sentava os trabalhadores da instituição no conselho, Brasil — que não está presente em todos os estados.
conta que o ataque à comunicação pública tem sido “Se é um serviço público, tem que estar acessível a
um processo conturbado, com a exclusão de qualquer todos os cidadãos”, defende, ao destacar que uma
participação da sociedade. “As mudanças acabam das características desse tipo de comunicação deve
com o projeto de comunicação pública do país”, alerta ser o que chama de “universalidade geográfica”. Ele
à Radis. Ela defende que os conselheiros não tinham também ressalta a importância de serem criadas
representação partidária formando uma composi- fontes autônomas de financiamento, livres dos inte-
ção equilibrada, que incluía movimentos indígenas, resses políticos do governo, como acontece com a
negros, de mulheres, do campo, artistas, da área do BBC no Reino Unido. Segundo ele, uma das soluções
trabalho, pesquisadores e também uma funcionária encontradas no Brasil foi destinar recursos do Fundo
da instituição. “A sociedade civil atuava diretamente de Universalização dos Serviços de Telecomunicações
dentro da empresa, exercendo o controle social sobre (Fust), arrecadado das empresas de telefonia — mas
o que pode e o que não pode ser feito”, explica. essa verba nunca foi repassada inteiramente às emis-
Segundo a jornalista, os trabalhadores da EBC soras públicas.
tinham uma luta antiga pela ocupação dos cargos de Outro elemento importante é a independência
chefia por pessoas do quadro, o que foi jogado por editorial, que se resolve com a criação de conselhos
terra diante da intervenção realizada pelo governo representativos da sociedade. “Os conselhos ajudam a
Temer. O jornalista Laerte Rimoli, que em 2014 tra- manter a independência através de um sistema de pe-
balhou na campanha do senador Aécio Neves (PSDB- sos e contrapesos para garantir o equilíbrio”, afirma.
MG) à presidência, foi nomeado diretor-presidente. Segundo ele, o que contribui para que uma comuni-
Akemi relata que essas mudanças são acompanhadas cação seja pública não é o fato de ela estar vinculada
por alterações na grade de programação, pela não re- ao Estado, mas as possibilidades de participação da
novação de contratos e pela retirada de programas do sociedade na gestão. “Quanto mais mecanismos no
ar, principalmente aqueles ligados à chamada “faixa interior do órgão de comunicação pública permitam
de reflexão”, como debates. “Todas as democracias a presença da sociedade, mais ele será público e não
consolidadas têm empresas fortes de comunicação estatal”, reflete, indicando como exemplo a criação de
pública. Faz parte da democracia ter uma comunica- conselhos curadores, ouvidorias, audiências públicas e
ção que dê voz a quem não tem na mídia comercial”, conselhos de administração com participação cidadã.
aponta. Ela avalia que o sistema não era perfeito, mas
vinha cumprindo um papel importante de divulgar
PÚBLICA OU ESTATAL?
outras vozes e visões da sociedade. “Setores da popu-
lação que não têm espaço em lugar nenhum tinham A confusão entre o público e o estatal ocorre em
aqui dentro, mas a gente já percebe a diminuição”. razão da ausência de regulamentação para o artigo
da Constituição Federal que aborda essa questão e
determina que os sistemas público, privado e estatal
FOCO NO CIDADÃO
de comunicação devem ser complementares. De acor-
Para o jornalista Laurindo Leal Filho, a comu- do com uma resolução da 1ª Conferência Nacional de
nicação pública passou a incomodar ao mostrar Comunicação, realizada em 2009, o sistema público
que outra mídia é possível, diferentemente do que é aquele “integrado por organizações de caráter
faz crer a mídia tradicional. “O modelo público não público geridas de maneira participativa a partir da
tem nenhum vínculo nem com o governo de plan- possibilidade de acesso universal do/a cidadão/s a
tão, embora possa ter com o Estado, nem com a suas estruturas dirigentes e submetido a controle
iniciativa privada”, explica. Segundo ele, a função da social”. Ou seja, o público é aquele sistema que conta
comunicação pública é oferecer um serviço público com participação social.
à sociedade, com foco no cidadão. Laurindo também ressalta esse aspecto, lem-
Outros países do mundo têm experiências di- brando que a comunicação pública não abrange
versas de sistemas públicos de comunicação, como apenas projetos ligados ao Estado, mas que muitas
vezes a iniciativa de sua criação cabe ao poder pú- Maria Helena Weber, a função desse tipo de comu-
blico, em razão da carência de recursos fora dele. nicação é estimular o debate a partir de temas de
As duas edições do Fórum Nacional de TVs Públicas interesse público. Por isso, ela defende que os sistemas
(em 2007 e 2009) e o Fórum Brasil de Comunicação de comunicação ligados ao Estado devem incentivar
Pública (2014) mostraram que há um campo grande fóruns de debates e a participação da sociedade. “A
de emissoras não governamentais e não comerciais participação pode ocorrer na medida em que houver
que poderia ser articulado. Entre essas estão rádios espaço assegurado por direito”, aponta, citando o pa-
e TVs comunitárias, universitárias, legislativas e públi- pel dos conselhos de comunicação, das universidades e
cas. “Falta iniciativa política para criação desse con- dos cursos de comunicação. Ela considera lamentável o
junto de emissoras que poderiam suprir a população desmonte de “uma das grandes apostas da democracia
de informações, dramaturgia e conteúdos necessários brasileira no campo da comunicação”. “Falta perspec-
para que o Brasil conheça o próprio Brasil”, completa. tiva e conhecimento para entender a importância da
Também a professora e jornalista Iluska comunicação para a democracia”, destaca.
Coutinho, da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), considera que, para ser pública, a comunicação
ROSTOS DO BRASIL
precisa da legitimação da sociedade, além de evitar
uma abordagem partidária ou enviesada. Não é de Cena 4. Ela é a principal figura do jornalismo da
nenhum partido ou governo, mas de toda a socieda- TV Brasil. Negra e mulher, Luciana Barreto, a apresen-
de. “A comunicação pública é aquela comprometida tadora do “Repórter Brasil”, é uma minoria entre os
com o cidadão, e por isso ampla, geral e irrestrita rostos que aparecem na televisão brasileira. Ela sabe
quanto às abordagens, fontes de informação, formatos disso e encara o problema de frente: “É triste perceber
e narrativas”, explica. Segundo ela, para ser efetivamen- que somos 25% da população brasileira, mas somos
te pública, ou seja, de todos, a comunicação precisa de uma parcela mínima de representatividade na mídia.
diálogo com os cidadãos, a quem deve prestar contas. As mulheres negras no jornalismo são pouquíssimas. À
“Essa comunicação deve ser necessariamente diversa e frente de um telejornal, podemos contar nos dedos”,
plural, como é a sociedade, e ter espaço para o debate declarou em depoimento à Radis, enfatizando que
e a apresentação do contraditório”, reflete. essa ausência desconstrói a identidade do brasileiro.
Para a coordenadora do Observatório de São muitos os temas negligenciados pela grande
Comunicação Pública (Obcomp) e professora da mídia e ir em busca dessas vozes esquecidas é um
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), trabalho diário, enfatiza. “Damos voz a quem não tem.
Exibimos notícias negligenciadas pela grande mídia”,
ressalta Luciana, ao destacar que o compromisso do
jornalismo público é com o cidadão. Segundo ela,
sem a pressão de mercado, há mais liberdade para
trabalhar. “Podemos abrir mão de uma notícia com
grande apelo de audiência porque somos TV pública.
Isso nos dá espaço pra trabalhar temas importantes”,
observa. A ausência da diversidade e da pluralidade nas
mídias brasileiras aparece nas falas de Luciana, como
em uma declaração ao programa “VerTV”, apresentado
por Laurindo Leal Filho, em 2014: “Imagina o que é ser
uma criança pobre e negra no Brasil. Imagina o papel
que a televisão teria na construção de uma identidade
SOB ATAQUE
“O ataque dirigido à EBC representa simbolica-
positiva para essa criança pobre, negra, indígena, nor- mente todo o atentado aos direitos sociais, trabalhistas
destina. Mas o que a gente vê hoje é uma televisão, e garantias mínimas de uma sociedade democrática
uma concessão pública, que exclui a maior parte das saudável, que possa ter o direito de olhar criticamente
crianças brasileiras”, analisou. para si”, afirmou, durante o seminário “Comunicação
Para Iluska Coutinho, pesquisadora da UFJF e Pública: Construção e impasses”, na Fiocruz (25/7),
organizadora do livro “A informação na TV Pública” o presidente da Associação Brasileira de Emissoras
(2014), o desafio da comunicação pública é quebrar Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), Israel do Vale.
a barreira de invisibilidade e propor novas formas de Em outubro, ele também sofreria o reflexo do desmon-
acesso a informações e entretenimento. “O principal te da comunicação pública: presidente da Fundação
papel das mídias públicas é garantir visibilidade para TV Minas desde janeiro de 2015, ele foi exonerado do
as vozes em geral silenciadas na mídia hegemônica”, cargo pelo governador Fernando Pimentel (PT-MG)
considera. De acordo com ela, a discussão de temáticas no dia 19. Em nota (26/10), o Fórum Nacional pela
relacionadas ao universo das minorias nesses veículos Democratização da Comunicação (FNDC) considera
(como a população LGBT) não é episódica, vinculada que a intervenção na comunicação pública em Minas
à realização de eventos como a Parada Gay ou a fa- Gerais é uma grave ameaça à liberdade de expressão,
tos violentos, mas integra a grade de programação, como tem ocorrido com a EBC. “Além disso, viola o
como uma política ou temática constante. “Os canais dispositivo constitucional que prevê a autonomia das
públicos são mais plurais a outras representações, mas emissoras públicas em relação a governos e ao mer-
o pluralismo efetivo é um desafio cotidiano”, reflete. cado”, completa o texto.
Ela destaca que o papel central da comunicação Israel lembra que toda a concessão de rádio e
pública é contribuir para o exercício do direito de todos televisão é pública, mas que o modelo brasileiro gera
se comunicarem. Para isso, os ouvintes, telespectado- acesso desigual e concentração nas mãos de poucos.
res ou leitores não são meros objetos a serem conquis-
tados. “O conteúdo da mídia pública deveria se pautar
pela busca da autonomia do cidadão, entendido como
um ser de direitos, capaz de reivindicar seu cumprimen-
to e realizar demandas aos diversos setores sociais em
que se insere”, aponta. De acordo com Iluska, no caso
da saúde, é importante uma abordagem do tema a
partir das políticas públicas, permitindo o cidadão se
posicionar e agir em sua realidade cotidiana.
Metrópolis, apresentado por Cunha Jr e Adriana Couto, recebe
atrações musicais e performances teatrais em estúdio da TV
Cultura
[18] RADIS 170 • NOV/2016
"Estação Plural", primeiro programa na
TV aberta voltado para a população
lésbica, gay, bissexual e transexual,
discute saúde, direitos e identidade
desse grupo na TV Brasil
“O Estado dá a um grupo econômico o direito de explo- Sem comunicação pública, a democracia também
rar um bem que pertence a toda a sociedade brasileira”, é colocada em xeque, concordam as diferentes vozes
destacou. Também para o vice-diretor do Instituto de ouvidas por Radis. “Dentro de um momento político
Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em difícil, a luta pela comunicação pública é prioridade”,
Saúde (Icict/Fiocruz), Rodrigo Murtinho, as característi- alerta Rita Freire. Na visão de Orlando Guilhon, inte-
cas da radiodifusão brasileira não favorecem o conjunto grante da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão
da sociedade. Ele cita que, em razão da predominância e Direito à Comunicação do Rio de Janeiro (FaleRio), o
das mídias privadas, a própria população desconhece desmonte da comunicação pública vai afetar as redes
que rádio e TV são concessões públicas. “O sentimento de TVs e rádios do campo público coordenadas pela
predominante é de que a atividade de comunicação é EBC em todo o país. “Essa luta específica da comu-
eminentemente comercial”, avalia. nicação pública está inscrita numa luta maior pela
Ele lembra que a Constituição determina que democracia”, aponta. “A comunicação pública é um
deve haver a complementaridade entre os sistemas pilar importante da democratização da comunicação,
público, privado e estatal. “Porém, o que temos na para ampliar as vozes presentes na mídia”, defende
realidade é um sistema privado gigante e um sistema Akemi Nitahara. A esperança é que a resistência da
público que não sabemos de fato o que seja”, consi- sociedade possa impedir que medidas autoritárias
dera. Segundo ele, diferente da maior parte dos países condenem a diversidade ao silêncio.
desenvolvidos, o Brasil tem um sistema de rádio e te- “A comunicação pública é um indicador da
levisão majoritariamente privado e uma comunicação qualidade da democracia”, defende a coordenadora
pública incipiente, o que gera ausência de diversidade do Observatório da Comunicação Pública (Obcomp),
e pluralidade na mídia. “No Brasil existe muito pouco Maria Helena Weber. Por isso, de acordo com a
da cultura da comunicação pública”, reflete. pesquisadora, os seus princípios devem ser privi-
Rodrigo considera que instituições públicas do legiados na política de comunicação do Estado. O
SUS, a partir do protagonismo de trabalhadores e Observatório foi criado há um ano para reunir acervo
usuários, têm buscado discutir e construir iniciativas e fontes de acesso referentes aos sistemas de comuni-
de comunicação pública. Ele ainda menciona que esse cação dos poderes executivo, legislativo e judiciário,
anseio foi manifestado nas resoluções das conferências além de incentivar debates sobre temas de interesse
nacionais de saúde. “A comunicação pública coloca público. “O governo instituído pelo impeachment
a centralidade no cidadão, por meio do diálogo, do está assustado com a comunicação pública”, reflete.
respeito a suas características e necessidades, do estí-
mulo à participação ativa, racional e corresponsável”,
define. E completa: trata-se de um bem e um direito
coletivo. Segundo ele, os grupos que defendem o
direito à saúde e à comunicação não podem se intimi-
dar com a correlação de forças desfavorável frente ao
avanço de políticas de desmonte e corte de direitos.
“Nós estamos aqui para afirmar o caráter público da
comunicação e não vamos retroceder nesses conceitos
de forma alguma”, conclui. "Manos e Minas", da TV Cultura, celebra a cultura de
rua e acompanha a produção atual da música urbana
(rap, funk, soul, reggae, samba)
MÍDIAS PÚBLICAS: POR QUE TEMOS ESSE VAZIO?
SAIBA MAIS
“Ameaçada, comuni-
cação pública é vital
A rádio no Brasil nasceu pública e não comercial.
Quando o antropólogo Edgar Roquette Pinto
fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em
duas dezenas de TVs educativas ligadas aos governos
estaduais permaneceram à margem das emissoras
comerciais, em razão da falta de investimentos e de
para a democracia”
(Laurindo Leal Filho) 1923, com integrantes da elite carioca, a ideia era autonomia em relação aos governos.
goo.gl/bNIZ6f que tivesse finalidade científica, artística e de “pura Foi somente entre 2006 e 2007 que o projeto
educação popular”. Durou pouco assim, até que foi de criação de uma televisão pública de alcance na-
“A EBC pública e absorvida pelo Estado e transformada na Rádio MEC, cional ganhou força, com a reivindicação de ativistas,
a democratização em 1936, no governo de Getúlio Vargas. Desde então movimentos sociais, profissionais de comunicação
da mídia” (Akemi
Nitahara)
se consolidou duas tradições, como explica Rodrigo e representantes das emissoras educativas, comu-
goo.gl/Rqddng Murtinho. “Uma delas, a radiodifusão como atividade nitárias, universitárias e legislativas reunidos no 1º
comercial. Segundo, a comunicação como instrumen- Fórum Nacional de TVs Públicas, ocorrido em maio
“Sistemas Públicos to utilizado pelo Estado autoritário, o que se repetiu de 2007. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi
de Comunicação no em diferentes momentos de nossa história”, relata. então criada em 2008. Atualmente a instituição é
mundo” (Intervozes) Em outras palavras: a comunicação virou um grande responsável pela gestão da TV Brasil, de oito rádios
goo.gl/FCn5ul
negócio voltado para o lucro e o uso político. públicas (dentre elas, as rádios MEC e Nacional) e de
“Uma política do Já a televisão, logo quando surgiu, em 1950, uma agência de notícias (a Agência Brasil). Já nos esta-
ver: Negociações de adquiriu um caráter eminentemente comercial e dos, permanecem as emissoras ligadas aos governos
sentido e práticas em voltou-se para a conquista de grandes audiências, locais — 17 delas filiadas à Associação Brasileira de
torno do público nas enquanto as iniciativas públicas eram adiadas para Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec).
políticas brasileiras de evitar concorrência. “A história da televisão pública é Uma das transformações importantes que a
televisão” (Luiz Felipe
Stevanim)
uma história de sufocamentos e sabotagens”, conta comunicação brasileira vivencia atualmente é a mi-
goo.gl/otlvsY o presidente da Abepec, Israel do Vale. A primeira gração digital, que também impacta sobre as mídias
televisão educativa surge apenas em 1967, com a públicas. Entre as novidades está a criação do Canal
“Autonomia relativa e TV Universitária de Pernambuco, seguida por outras da Cidadania, que faz parte do conjunto de canais
disputa por hegemo- iniciativas nos estados. Com explica Rodrigo, essas públicos explorados pelo poder público e por entida-
nia na televisão públi- TVs surgem com um papel totalmente marginal, du- des das comunidades locais. O Sistema Brasileiro de
ca” (Allana Meirelles):
goo.gl/uvwvfY
rante a ditadura militar, voltadas oficialmente para a Televisão Digital (SBTVD-T) prevê a multiprogramação
transmissão de aulas e palestras: “As TVs educativas, desse canal em quatro faixas de conteúdo: a primeira
Observatório da desde que criadas, não poderiam competir com as para o município, a segunda para o governo estadual
Comunicação Pública empresas comerciais”. e as duas outras para associações comunitárias, que
http://www.ufrgs.br/ A Constituição de 1988 tratou, pela primeira vez poderão gerar programação de modo próprio ou
obcomp/ na história brasileira, da complementaridade entre os compartilhado. Israel do Vale aponta que a sociedade
sistemas público, privado e estatal de radiodifusão, precisa se apropriar do debate sobre os Canais da
mas não especificou qual seria a função de cada uma Cidadania como uma oportunidade para ampliar seus
dessas três esferas. Nos anos 1990, a TV Cultura de meios de expressão. “Esse momento de ampliação de
São Paulo (uma TV pública estadual) ganhou grande canais, quando se tem a possibilidade de criar canais
penetração popular com sua programação infantil voltados para a cidadania, a educação, a saúde e a
ainda hoje lembrada, que incluía programas como cultura, é a oportunidade para a sociedade se apro-
Castelo Rá-tim-bum e Mundo da Lua. Mas as cerca de priar desses espaços”, considera.
PRA
PRA SURDO
FOTOS: REPRODUÇÃO LIVRO SONHOS DO DIA
E
brasileiro. Apesar de o país ter quase 45 milhões de
xperimente desligar o som da TV e você verá pessoas com algum tipo de deficiência, segundo
um grande descompasso entre o que é fala- informações do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro
do na tela e o que a legenda apresenta; esta de Geografia e Estatística (IBGE), essas pessoas estão
sempre vem depois da fala. Em um filme ou à margem da oferta cultural.
peça de teatro, conte quantas pessoas surdas e cegas Os números do IBGE revelam que há cerca de
estão presentes na plateia; certamente você nem 9,5 milhões de surdos e 6,5 milhões de pessoas cegas.
verá alguma, já que as salas de exibição não estão “Para essas pessoas é negado o direito de comunicar e
preparadas para receber esse público. Procure um ser comunicado”, afirma Alberto Arguelles, fundador
livro em braile em uma livraria; você não vai encontrá- da WVA Editora. Desde 1993, a editora é focada na
-lo nas estantes. Vá até um museu e observe se há publicação editorial em vários formatos acessíveis e
audiodescrição das peças expostas para pessoas com seu trabalho foi reconhecido pela Organização das
baixa visão. Se você precisou ler esse texto para aten- Nações Unidas, em fevereiro de 2016, com o prêmio
tar sobre a existência de barreiras na comunicação, Innovative Practices of the Zero Project 2016 on
saiba que para um grande número de brasileiros elas education and ICT, por ter disponiblizado em nove
são concretas e impossíveis de serem contornadas formatos o livro Sonhos do Dia, da escritora e jorna-
no dia a dia. No Brasil, praticamente não há oferta lista Claudia Werneck, fundadora da Escola de Gente
de livros, peças teatrais e filmes com algum tipo de — Comunicação em Inclusão.
acessibilidade na comunicação, o que impede que “Quando fundamos a editora, pouca gente
pessoas cegas e surdas frequentem esses espaços e falava em acessibilidade. Nós somos a única editora
no mundo que produz livros acessíveis. Mas, infe- que podem comprometer a qualidade do trabalho.
lizmente, no Brasil livro não é gênero de primeira “Tivemos dificuldades na edição do livro Sonhos
necessidade”, apontou Alberto durante o seminário do Dia. É um trabalho duro. O processo é muito mais
Deficiência, invisibilidade e acessibilidade: o que complicado do que a gente pensa”, exemplificou. O
comunicação e informação têm a ver com isso?, livro foi publicado em sete formatos simultâneos:
realizado pelo Centro de Estudos do Instituto de impressão em tinta, impressão em braile, Daisy
Comunicação e Informação Científica e Tecnológica [sistema de livros digitais sonoros], Libras [Língua
em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), Brasileira de Sinais] e legenda, livro falado com e sem
em 27 de setembro. audiodescrição, e animação com audiodescrição. O
editor destacou que, como os editores de vídeo não
entendem Libras, os intérpretes não podem errar ou
LIVRO ACESSÍVEL
parar no meio da tradução, sob pena de comprometer
Alberto estimou em 64 milhões os brasileiros a compreensão da pessoa surda.
que interagem com pessoas com deficiência, que ne- Outro cuidado tomado com a edição da versão
cessitam de alguma forma de comunicação. Por isso, em braile é que ela foi feita com uma resina especial
para ele, é importante realizar o potencial de cada para não desgastar o papel com o manuseio. Por isso,
pessoa. Nesse cenário, ele acredita que os aspectos ele acha importante ter apoio estatal para incentivar a
cultural e econômico acabam por ampliar a lacuna produção desses livros, já que a venda não consegue
na comunicação para pessoas com algum tipo de cobrir os custos. “Cada exemplar teve 400 páginas e
deficiência. Indo além do custo, há, na avaliação dele, saiu por R$ 200. E o fato de o livro estar disponível em
questões práticas que se transformam em barreiras e vários formatos não trouxe mais leitores”, comentou.
SAIR DA CAVERNA
Armando Nembri usou a própria voz para traçar o
panorama da luta das pessoas surdas. Surdo profundo
de nascença, ele disse que foram precisos, no mínimo,
30 anos de aprendizado para que conseguisse falar.
“São trinta para ter o privilégio que a maioria dos sur-
dos não tem”, assegurou. Para chegar a ser oralizado,
Armando contou com o estímulo constante da família,
em especial da mãe, professora de Libras. “Eu hoje
não consigo mais ver a dificuldade como limitador,
mas como desafio. Sou capaz de afirmar que toda
e qualquer dificuldade pode ser olhada com motiva-
ção”. Aos que estranham a forma como se comunica,
Armando dá o recado: “Todo mundo fala português,
mas fala de um jeito diferente. Eu também falo desse
jeito diferente”. Por isso, de saída, ele recomenda que o que a coloca sempre em desvantagem". Tomando
a empatia seja a força que vai impulsionar a inclusão. como exemplo a prova de seleção para o doutorado,
“É preciso ter a sensibilidade de se colocar no lugar do foi ali que Armando percebeu na prática a diferença
outro e compromisso de defender o acesso pleno de entre igualdade e equidade. “Eu fui informado que o
todo cidadão a seus direitos”, afirmou. exame da língua inglesa seria aplicado em igualdade
Armando é o primeiro aluno surdo a concluir de condições. Mas minha primeira língua é Libras;
o doutorado em História das Ciências e das Técnicas aprendi português como a segunda língua; e fiz a
e Epistemologia na Universidade Federal do Rio de prova de inglês como terceira língua. Não havia como
Janeiro. Anteriormente, ele concluiu dois mestrados: ter igualdade de condições naquele momento”.
um em Ciências Pedagógicas e outro em Avaliação No silêncio da sala, Armando pediu para que
de Sistemas, Programas e Instituições. Para chegar lá, as pessoas surdas comecem a falar como caminho
contou que teve que superar muitas barreiras, espe- para saírem da invisibilidade. “Precisamos fazer ba-
cialmente no campo da linguagem. “O código de uma rulho para conhecer a comunidade ouvinte e sermos
pessoa ouvinte é diferente do de uma pessoa surda, conhecidos por ela. Somos todos iguais na diferença
humanidade, falar de empatia”. Segundo ele, é a vida cessidade de sites acessíveis por seja uma breve descrição
que precisa ser celebrada em qualquer instância. “Eu quem produz conteúdo para a de uma imagem na
noto que o nascimento de uma criança surda no seio web. “É comum vermos o uso
de uma família surda é cercado de alegria. Mas no das imagens presentes em um internet"
de uma não surda é encarado como um problema site sem uma descrição textual
médico”, relatou. correspondente”, observou.
Segundo ela, não há um programa que faça descri-
ção automática de arquivos de imagens. Além disso,
Simone entende que todos os cursos deveriam ofere-
Luís Fadel (ao centro), do cer a disciplina sobre interação humano-computador.
GT de Acessibilidade do
“Eu acho que há muito descaso. Não com o conteúdo
Icict, também integrado
por Marina Maria: "Se a disciplinar, mas com o humano. Se os sites são feitos
cidade não é acessível, ela para as pessoas, então deveria ser obrigatório de-
não é humana" senvolver sistemas para todas as pessoas”, concluiu.
O projeto #PraCegoVer visa disseminar a cultura
da acessibilidade nas redes sociais. Com isso, todas as
imagens postadas em páginas do Facebook que aderiram
à iniciativa são também descritas. Esse recurso permite
que pessoas cegas e com baixa visão utilizem programas
leitores de tela e assim consigam ter acesso, em áudio,
ao conteúdo postado em texto. O projeto informa que
a hashtag é “uma provocação, um chamamento para as
pessoas se enxergarem mais, saírem de suas zonas de
conforto e perceberem que podem fazer acessibilidade,
mesmo que seja uma breve descrição de uma imagem
na internet”.
O seminário surge na esteira de uma série
de projetos propostos desde 2015 pelo Grupo de
Trabalho sobre Acessibilidade do Icict/Fiocruz. A
iniciativa visa disseminar que a comunicação e a
informação, enquanto direitos humanos, devem ser
dirigidos para qualquer pessoa, reconhecendo a di-
versidade humana. Integrante do GT, o pesquisador
Ao falar sobre a acessibilidade na web, Simone Luís Carlos Fadel salientou a importância da reflexão
Bacellar, professora do Departamento de Informática já que, em sua visão, o trabalho é ao mesmo tempo
Aplicada da Universidade Federal do Estado do Rio um produtor de deficiências e um espaço de eman-
de Janeiro (Unirio), afirmou que o desenvolvimento cipação de pessoas com deficiência. “A cidade deve
de um site deve permitir que a acessibilidade [que ser feita para o conjunto das pessoas e se ela não
contempla perfis específicos] e a usabilidade [para tem acessibilidade, não é inclusiva, não é humana.
todas as pessoas] sejam programadas conjuntamente. Se existem aqueles que, de alguma forma, não são
“Essas são características prioritárias e é melhor que incluídos, então a cidade é um lugar de infelicidade”,
um site não seja tão bonito e que possa ser usado por ponderou. Já a jornalista Marina Maria, outra inte-
todos”, disse. Simone entende que o grande desafio grante do grupo, afirmou que é fundamental que as
é projetar sistemas da web que possam ser acessados instituições assegurem as medidas de acessibilidade
por uma diversidade de pessoas de diferentes culturas, previstas na legislação brasileira e em outros marcos
limitações e idades. A professora destacou ainda que, legais nacionais e internacionais buscando espaços
quando um código é escrito, é importante que ele mais acessíveis.
Elisa Batalha
I
ndicação médica: tomar sol. Foi assim com a professora
de inglês Lilian de Santana, de 41 anos, quando ela
apresentou deficiência de vitamina D, que pode levar
a osteopenia (diminuição do cálcio nos ossos). Lilian,
então, deixou de encarar o sol como um vilão e passou a fa-
zer um esforço para encaixar na rotina a exposição aos raios
solares — por alguns minutos, “sempre que lembra”, em casa
mesmo. “Uso uma pequena área externa enquanto tomo café
da manhã e fico nas redes sociais. Brinco que estou tomando
meu ‘sol na laje’”, conta.
A importância do SOL
• A VITAMINA D é em sua maior parte (até • Os horários mais adequados para se
90%) sintetizada a partir da exposição da tomar sol são até às 10H da manhã e
pele aos raios solares. Uma das principais DEPOIS DAS 17H
funções da vitamina é ajudar o organismo
• A LUZ SOLAR traz sensação de ALEGRIA.
a FIXAR CÁLCIO NOS OSSOS
Estudos sugerem que a luminosidade
• A deficiência dessa vitamina pode afeta a expressão de receptores no
levar o organismo a desenvolver cérebro para neurotransmissores
CÂNCER, OSTEOPENIA, DIABETES, ligados ao BEM ESTAR
HIPERTENSÃO E OSTEOPOROSE
• Para prevenção do câncer de pele,
• O sol ajuda a tratar problemas de pele o uso de FILTRO SOLAR é sempre
como PSORÍASE e dermatite seborreica, recomendado pelos dermatologistas,
a CASPA mesmo em dias nublados
[28] RADIS 170 • NOV / 2016
ZIKA
J
Este foi apenas um exemplo de sucessivos casos de
oselito Alves, 27 anos, técnico de informática. negligência da equipe médica e do poder público, desde
Maria Carolina Flor, 21 anos, estudante de Nutrição. antes do nascimento de Gaby, relatados no blog. Faltou
Juntos há quatro anos, os filhos de agricultores anal- informação correta no planejamento familiar sobre o risco
fabetos da cidadezinha de Esperança, na Paraíba, de engravidar durante a amamentação, com consequente
são pais de Gabriel, de dois anos, e de Maria Gabriela, de gravidez não planejada. Faltou diagnóstico precoce da
nove meses. O diagnóstico de microcefalia da caçula sur- má-formação craniana, apesar da realização dos exames
preendeu os pais e a equipe médica, logo após o parto, em pré-natal, incluindo a ultrassonografia morfológica, não
janeiro de 2016. Os olhares enviesados dos profissionais oferecida na rede SUS e realizada com recursos de uma
de saúde, a ausência do diagnóstico precoce, os direitos ‘vaquinha’ organizada pelos amigos do casal.
violados e o preconceito enfrentado pelo casal, das ruas Após o nascimento de Gaby, não houve contato pele
aos espaços de decisão da cidade, motivaram a criação a pele entre mãe e recém-nascido, nem amamentação na
do blog Somos Todos Maria Gabriela. primeira hora de vida, ações cientificamente comprovadas
como auxiliares na saúde do recém-nascido e na vincula-
“Ela interage com uma comunica- ção dele com a mãe e a família. “Não me deixaram ver a
menina. Fiquei sozinha na cama, levaram para examinar e
ção comum, comparada a outros vieram perguntar se eu tinha tido alguma virose. Não me
bebês. Ela ri, chora, tem ações de esclareceram nada”, conta Maria Carolina.
irritabilidade, mama, chora A informação da microcefalia foi dada primeiro a
Joselito, que solicitou transferência para outro hospital, já
pedindo colo [constantemente]... que as instalações daquele espaço de saúde em Esperança
Vivemos numa rotina exaustiva, pareciam inadequadas, as enfermeiras não atentiam com
mas prazerosa. presteza e não havia medicação para Gaby. Alguns dias
depois do nascimento, foram transferidos para Campina
Grande, a 27 km. A frieza da equipe médica continuava a
A página, que já tem mais de 15 mil acessos, traz deta- incomodar a família.
lhes do pré-parto, parto e pós-parto, relatos de negligência,
a luta da família por direitos, o andamento da formação da
associação de familiares de crianças como Gaby, o apoio (e
“Somos um pai e uma mãe que
a falta dele) por parte de pesquisadores e profissionais de clamam por justiça, por mais
saúde, curiosidades sobre as sessões de fisioterapia, bati- informação, por mais conhecimentos,
zado, visitas recebidas e encontros de que o casal participa
para falar do tema. Com linguagem simples e direta, o pai,
por garantias de direitos!”
também produz e divulga vídeos relatando o cotidiano da
família, porque, segundo ele, a imagem, em comparação Passado o período de internação, e já em casa,
com o texto, “expressa mais o que a gente sente”. quando Gaby completou três meses, o casal decidiu mover
Gaby, como é chamada pelos familiares, faz parte da uma ação contra o Estado, por negligência no diagnóstico
primeira geração de crianças brasileiras afetadas pelo zika durante a gestação e no cuidado durante o parto. “Como
vírus. Nasceu com 27 centímetros de perímetro encefálico, a gente passou preconceito, a gente não pode se calar.
quando o considerado normal é acima de 33. Durante o Se você se cala, piora a situação. Estudar em um curso de
MEDICALIZAÇÃO
do PARTO é produtora
de VIOLÊNCIA
Elisa Batalha
A
guinada pessoal e profissional da bióloga
Ligia Moreiras Sena começou ao engravidar
de sua filha Clara, hoje com 5 anos. “Eu era
da área de Farmacologia e estava começan-
do um pós-doutorado, mas era leiga na área de Saúde
Coletiva e Obstetrícia. O que eu sabia sobre parto
vinha de mídia tradicional”, conta à Radis. “Em uma
conversa informal com amigas, soube que duas delas
tinham passado por situações de extrema violência
durante os nascimentos dos
“É chocante, mas filhos. Aquilo me chamou a
muitas mulheres atenção porque eu não sabia
que era uma coisa frequente”.
comparam a violência A indignação e os questio-
sofrida no parto com a namentos de Ligia levaram à
de um sequestro criação do blog Cientista que
Virou Mãe — hoje um portal
ou estupro" colaborativo escrito a muitas
mãos. Com a filha nos braços,
ela decidiu ainda encarar um
novo doutorado, sobre a violência obstétrica, que
resultou na tese Ameaçada e sem voz, como num
campo de concentração — A medicalização do
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
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