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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL

SEGURO SAÚDE NO BRASIL DOS ANOS 90: Uma análise da

competição empresarial como subsídio ao desenvolvimento da

experiência regulatória

BERNARDO SICSÚ

Tese apresentada como requisito parcial


para a obtenção do grau de doutor em
Saúde Coletiva - área de concentração em
Políticas, Planejamento e Administração em
Saúde - do Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Dr. George Edward Kornis

Rio de Janeiro

2002
ii

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBC

S567 Sicsú, Bernardo.


Seguro saúde no Brasil dos anos 90: uma análise da
competição empresarial como subsídio ao desenvolvimento
da experiência regulatória / Bernardo Sicsú. – 2002.
200f
.
Orientador: George Edward Kornis.
Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Medicina Social.

1. Seguro – Saúde - Brasil - Teses. 2. Seguros –


Regulamentação - Brasil - Teses. I. Kornis, George Edward.
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Medicina Social. III. Título.
CDU369.22(81)
iii

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL

SEGURO SAÚDE NO BRASIL DOS ANOS 90: Uma análise da

competição empresarial como subsídio ao desenvolvimento da

experiência regulatória

BERNARDO SICSÚ

Orientador: Prof. Dr. George Edward Kornis

Aprovada em 13 de dezembro de 2002 pela banca examinadora:

______________________________________________________
Profa. Dra. Maria Antonieta Leopoldi - IFCH/UFF

______________________________________________________
Prof. Dr. Aluisio Teixeira - IE/UFRJ

______________________________________________________
Profa. Dra. Sulamis Dain - IMS/UERJ

______________________________________________________
Prof. Dr. Cid Manso - IMS/UERJ

______________________________________________________
Prof. Dr. George Kornis - IMS/UERJ

Rio de Janeiro
2002
iv

DEDICATÓRIA

Nosso amor...

Já teve emoções, já teve decepções...

Já teve alegrias, já teve dores...

Já teve ilusões...

Mas, sobretudo, nosso amor tem tido amor...

O amor que você e eu lhe damos,

Que o faz forte, grande e vitorioso....

(Anônimo)

MARCIA

Só você consegue harmonizar prioridades tão díspares


v

Agradecimentos

Esta, sem dúvida, é uma das partes da tese que mais me prendeu a atenção pelo
pânico de esquecer a colaboração de alguém. As contribuições foram tantas que
peço, antecipadamente, desculpas por alguma "falha do mercado" de minha
memória.

Em primeiro lugar, sou grato ao meu orientador: Professor Dr. George Kornis.
Sem sua orientação de mestre e, principalmente, de amigo, não chegaria a este
bom termo. Não posso esquecer o apoio logístico da amiga Dra. Monica, quando
dos saraus de orientação 'chez les Kornis'. Obrigado AMIGOS.

Aos professores do curso, pela paciência, apoio e dedicação. Não poderia deixar
de citar as especiais atenções das professoras, Sulamis Dain e Anna Campos.
Sou agradecido a vocês.

Ao economista João Fernando Moura Viana. Suas 'dicas' sobre o funcionamento


do setor seguros e o relato de suas experiências, sendo um dos maiores 'experts'
do ramo, foram fundamentais para o desenrolar do trabalho.

Aos profissionais do ramo que dedicaram horas de seu tempo para responder às
questões da entrevista, com sabedoria e boa vontade. São eles: Helio
Portocarrero, Henrique Berardinelli, Horacio Cata Preta e Marcio Coriolano.

Devo muitas contribuições aos meus colegas de curso. Se esquecer alguém na


citação, parafraseando o Carlinhos Ocké, a quem já agradeço; "vão à forra nas
próximas teses". À Fátima Andreazzi, em especial, sou grato pela constante troca
de informações sobre o assunto, pela leitura dos textos e pelas sugestões
apresentadas. Vale mencionar que o fato de termos partilhado inúmeras sessões
de orientação com o Dr. George Kornis, ajudou-nos a consolidar uma reflexão
sistemática sobre o tema. Aos demais colegas, pelos incentivos e pela paciência
de conduzirem um economista pelo mundo da saúde coletiva. Por ordem
alfabética: Ana Faveret, Ana Rosa Oliveira, Fátima Silva, Leyla Sancho, Márcia
Pinheiro, Paulo Henrique Rodrigues, Rosa Pastrana, Rosângela Caetano, Roseni
Pinheiro, Sandra Impagliazzo, Sergio Dantas e Tatiana Wargas.
vi

À equipe da secretaria do IMS: Taninha, Leila, Marcia Cristina, Silvia, Marcos


Paulo, Paulo Gerson, Deane e todos aqueles que contribuem para a vida
cotidiana do IMS. Vocês foram meu esteio nas questões administrativas. Estendo
os agradecimentos aos demais funcionários do IMS, onde sempre encontrei
respaldo para as minhas demandas.

Alguns amigos foram bastiões nesta jornada, por isso sou grato. O Edson Souto
teve a pachorra de ouvir minhas hipóteses filosóficas de botequim - in loco -
sempre coadjuvado pelo Ricardinho Colonesi. Outros pacientes ouvintes desse
time são o Ricardo Macedo e o João Evangelista. A vocês, o meu muito obrigado.

Aos meus irmãos e irmãs, cunhados e cunhadas, sobrinhas e sobrinho. Enfim,


aos meus familiares em geral. Especialmente minha mãe, pela eterna
preocupação e orgulhosa de ver um segundo filho doutor. Ao meu pai - in
memoriam - e à Neca, que também partiu antes que esta minha jornada chegasse
ao fim.

Ao meus filhos, Marcio e Marcelo, pela compreensão com o pai, sempre às voltas
com os livros, com os artigos e com outros instrumentos acadêmicos, por isso
sempre postergando nossas conversas. Com o primeiro sobre o desfile da escola
de samba da qual é "tamborinista" e com o segundo sobre as vitórias ou derrotas
do nosso Flamengo. Minha esposa, Marcia, a quem dedico a tese, meu
agradecimento especial. Afinal, ela sabe harmonizar prioridades díspares.

Enfim... agradeço a todos, por tudo.


vii

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DA TESE..........................................................................................13

INTRODUÇÃO AO TEMA ...............................................................................................23

PARTE I - AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES .......................................................32

1 – MUNDO: MUTATIS MUTANDI................................................................................35

2 – BRASIL E O VENTO DAS MUDANÇAS................................................................49

3 – SETOR DE SERVIÇOS: MUDANÇA NA BASE ...................................................62

3.1 - Setor Financeiro: Inovações e Mudanças Estruturais ...................................64

3.2 - Setor Saúde: Transformações Recentes.........................................................73

PARTE II - SEGUROS .....................................................................................................83

4 - SEGURO SAÚDE .......................................................................................................89

4.1 - O Sistema Privado de Seguro Saúde no Brasil..............................................93

4.2 - Formas de Organização das Empresas...........................................................98

4.3 - Formas de Operação das Empresas..............................................................104

4.4 - Aspectos da Regulação....................................................................................109

4.4.1 – Antecedentes...............................................................................................114

4.4.2 - Atualidade.....................................................................................................116

4.4.3 - Conclusão.....................................................................................................121

PARTE III - FORMAS DE COMPETIÇÃO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA.........125

5 - A COMPETIÇÃO NO BRASIL ............................................................................126

5.1 - A Competição na Teoria Econômica ..............................................................126


viii

5.2 - Aspectos da Demanda......................................................................................133

5.3 - Aspectos da Oferta ............................................................................................143

5.4 - Falhas de Mercado............................................................................................150

5.5 - Experiência Brasileira .......................................................................................154

CONCLUSÃO..................................................................................................................175

BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................192
ix

RESUMO

A presente tese analisa, no quadro das transformações ocorridas no Brasil ao


longo da década de 90, os termos da competição econômica no segmento seguro
saúde e seus desdobramentos face à experiência regulatória.

As mudanças operadas na esfera do setor de prestação de serviços se


projetaram no sistema financeiro, atingindo o sistema bancário e as empresas
seguradoras. Na seqüência, essas mudanças alteraram um produto financeiro
específico: o seguro saúde. Assim, os padrões de competição entre as empresas
seguradoras atuantes nesse segmento demandam uma atenção especial no
processo de regulação da assistência à saúde.

No final dos anos 90, o Estado brasileiro inaugura um sistema de regulação do


setor de saúde suplementar que, em seu desenvolvimento, pode dispensar
atenção especial à estrutura do mercado, ao padrão de competição empresarial e
à configuração do produto seguro saúde.

Palavras chaves: 1 - Seguros; 2 - Seguro saúde; 3 - Competição econômica; 4 -


Estrutura de mercado; 5 - Regulação em saúde.
x

ABSTRACT

This thesis analyses the effect on the health insurance sector of changes in
economic competition. It examines the transformations which took place in Brazil
during the 90's and focuses on changes in the financial and banking systems and
their effects on insurance companies, specifically those providing private health
cover. The developing links between health care and the financial system has
resulted in health insurance becoming a financial product marketed and supplied
by the banking system.

Towards the end of the 1990's the Brazilian government introduced regulations
controlling the health insurance sector, with consequent wide-ranging implications
for this market.

Key words: 1 - Insurance; 2 - Health insurance; 3 - Economic competition; 4 -


Market structure; 5 - Health regulation
xi

RÉSUMÉ

Cette thèse analyse les nouvelles conditions de la compétition économique parmi


les entreprises d'assurance qui offrent, au Brésil, le produit assurance-maladie,
dans le contexte des transformations qui ont eu lieu dans les années 90.

Le Brésil a connu pendant ces années des transformations sur son système
financier et bancaire qui ont été étendues d'une façon décisif vers les entreprises
d'assurances et plus specifiquement, vers le produit financier assurance-maladie.

À la fin du XXème siècle, le Brésil a crée une agence régulatrice pour contrôler le
système privé de santé - la Agência Nacional de Saúde. L'expérience brésilienne
récente de régulation en santé doit faire attention aux formes de compétition, à la
structure du marché et même aux specificités du produit assurance-maladie, car
les entreprises d'assurances jouent un rôle important dans le système privé de
santé du pays.

Mots-clés: 1 - Assurances; 2 - Assurance-maladie; 3 - Compétition économique; 4


- Structure du marché; 5 - Régulation de la santé.
xii

Economistas são os sacerdotes do capitalismo. À Economia, cabe a tarefa de


explicar o inexplicável, o misterioso e o contraditório, como aos sacerdotes dos
tempos da religião cabia a tarefa de explicar a divindade do monarca e as
injustiças do mundo de Deus bom e onipotente.

João Sayad

D'où viennent les idées justes? Tombent-elles du ciel? Non. Sont-elles innées?
Non. Elles ne peuvent venir que de la pratique sociale, de trois sortes de pratique
sociale: la lutte pour la production, la lutte de classes et l'expérimentation
scientifique.

Mao-Tsé-Tung
APRESENTAÇÃO DA TESE

Nas sociedades contemporâneas as mudanças de 'status' requererem a


apresentação de um símbolo do rito de passagem. Com este preâmbulo
pretende-se mostrar o instrumento do ritual para a obtenção do grau de doutor: a
tese. Quando eu estava cursando o ensino médio (na época era chamado de
clássico, científico ou técnico) toda vez que acontecia uma festa na escola, havia
sempre uma apresentação. Na ‘festa‘ da formatura, a ‘apresentação’ do coral e do
grupo de teatro da Escola era acontecimento certo. O Grêmio Escolar – do qual
eu era o diretor de esportes - sempre criava uma maneira de ‘driblar’ as amarras
da censura e ‘apresentar’, de forma velada e sutil, um mote contra a ditadura
militar que subjugava o povo brasileiro. Claro, estou falando de dezembro de 1969
e a Escola era pública. Lembram-se do decreto-lei 477? Pois é. Mas... Voltando à
colação de grau, os alunos que tinham se destacado durante o curso eram
‘apresentados’ aos presentes à solenidade e recebiam prêmios. E assim, iam
desfilando diante do público, o corpo docente, o(a) coordenador(a) do curso, o(a)
diretor(a) da Escola, sucessivamente, todos eram apresentados aos familiares e
amigos dos formandos, presentes ao evento. Por sua vez, estes familiares e
amigos ‘passavam a conhecer’ o mundo escolar do qual seu ente querido estava
emergindo, para no próximo período letivo ser ‘mostrado’ aos seus colegas de
terceiro grau. Através da experiência do famoso ‘trote’ - onde os veteranos
‘sábios’ apresentam os calouros ‘burros’ à comunidade universitária - iniciei meus
estudos na universidade.

Estava eu na Faculdade de Economia. Hora de aprender a aprender. A leitura dos


autores clássicos era obrigatória. Assim, naveguei nas páginas de ‘A Riqueza das
Nações’ encontrando uma exaltação à liberdade econômica. Atravessei três
volumosos tomos de ‘O Capital’ (era uma edição portuguesa) e me deparei com
uma defesa intransigente da igualdade social. Por fim, completando o trio de
autores recomendados pelos mestres, trilhei os capítulos da ‘Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda’ onde conheci uma ode à solidariedade, emanada
das ações do Estado.
14

A ciência econômica, minha musa na universidade, forjou-me com argumentos


sólidos, mostrou-me alternativas coerentes e ensinou-me a analisar com lógica os
acontecimentos sociais para que eu pudesse, com os instrumentos econômicos,
lutar a ‘boa luta’ na busca de meus ideais de liberdade, igualdade e solidariedade.
Os reflexos desses ideais estão nesta tese que estou apresentando à
comunidade do Instituto de Medicina Social e à banca examinadora.

Ao escolher como tema a competição empresarial no setor de cuidados à saúde,


especificando o seguro saúde, resgata-se ao debate um assunto vital ao gênero
humano: a questão da saúde. O conceito de saúde de uma coletividade não deve
ser reduzido à simplória relação morbidade/tratamento. Ele deve ser ampliado,
conforme preconiza a Organização Mundial da Saúde, dizendo que é: ”...um
estado de completo bem estar físico, mental e social, não sendo, apenas, a
ausência de perturbações, doenças ou enfermidades”.

A saúde vem, como fenômeno econômico-social, tendo uma evolução muito


intensa, desde o último quarto do século XX e requer a liberdade político-
econômica dos agentes sociais na busca de um estado ótimo de bem estar e de
qualidade de vida da população. Exige a atenção do Estado para conseguir a
universalização do atendimento, portanto, a equidade no acesso aos cuidados
sanitários. Reivindica a atuação das empresas - vale dizer do mercado - para que
sejam oferecidas alternativas de escolhas ao consumidor e, conta, ainda, com a
participação solidária da sociedade como uma forma de promover a coesão
social.

O setor de serviços de atenção à saúde é um dos que mais tem se destacado em


termos de participação no produto da economia dos países membros da
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. É um setor
cuja dinâmica impressiona pela intensidade da inovação tecnológica e pela
geração de emprego (cf. World Bank Report, 1993).

Os gastos em saúde têm representado uma proporção crescente dos dispêndios


dos países nos últimos anos, (cf. Relatório do Banco Mundial, 1993)
demonstrando a prioridade que este segmento tem adquirido frente à outras
alternativas de aplicação dos recursos econômicos. Esses gastos variam bastante
15

entre os países, tanto em termos absolutos, ao se apurar, por exemplo, o


dispêndio per capita, quanto em termos relativos, ao se calcular o gasto como
uma proporção do PIB (cf. Relatório do Banco Mundial, 1993).

A parcela de recursos dedicada à saúde é captada de diversas formas junto à


sociedade: i) parte pelo setor público através de impostos pagos pelas empresas
e famílias; ii) parte pelo setor privado por meio da venda de bens e serviços, seja
diretamente, seja por meio de seguros ou ‘planos de saúde’, demandados pelas
famílias e pelas empresas. No Brasil, a ação do Estado na área de atenção
sanitária consiste em duas funções básicas: i) a de garantir ações e serviços de
saúde, por meio do Sistema Único de Saúde - SUS; e ii) a de regular as
atividades do setor privado, que, em princípio, suplementa as ações públicas.
Identifica-se, portanto, um importante papel a ser desempenhado pelo Estado na
correção das falhas de mercado que limitam o acesso da população aos serviços
de saúde.

Além de procurar resgatar ao debate um assunto vital ao gênero humano - a


saúde - uma outra motivação para estudar o assunto - analisar a competição na
oferta do seguro privado de saúde como um produto financeiro, destacando o
papel no mercado das companhias seguradoras - é a de olhar a atuação dos
agentes econômicos sob a ótica do mercado, complementando a abordagem das
recentes pesquisas que versam sobre o setor suplementar da saúde e privilegiam,
de forma brilhante, os aspectos das relações sociais. Especificamente, na área do
seguro saúde, os autores têm estudado o tema ressaltando a atuação das
empresas de medicina de grupo e das cooperativas médicas, sem considerar a
ligação dessas instituições e do produto ofertado (seguro saúde) com o sistema
financeiro. Entende-se tal direção dada pelos autores aos seus trabalhos, porque
desde a metade dos anos 70 este grupo de organizações vem ocupando um lugar
de destaque no ramo da assistência à saúde. Mas a partir do início dos anos 90,
sob a égide das transformações ocorridas no setor terciário, sobretudo no sistema
financeiro, as companhias seguradoras, já entrelaçadas aos bancos
('bancassurance'), procuram ocupar o mercado segurador, também, ofertando o
produto seguro saúde. A participação das empresas de seguros na oferta do
produto seguro saúde altera a correlação de forças existentes no mercado da
16

assistência médica, onde se identifica uma participação crescente do segmento


financeiro.

A conclusão desta tese poderá propiciar uma resposta para o(s) motivo(s) que
levou(aram) as seguradoras a disputar esse mercado. A princípio, e partindo-se
desta hipótese, pode-se identificar dois motivos: i) as transformações ocorridas no
sistema financeiro; e ii) a postura do Estado (no mundo e no Brasil) aliviando o
peso de sua interferência como agente direto na provisão dos serviços do setor
saúde - afastando-se das atividades principais da operação - e tomando para si
as tarefas regulatórias.

Vale lembrar, por exemplo, que corria a segunda metade da década de 90 e o


programa brasileiro de privatizações estava com as velas enfunadas, de vento em
popa. Siderurgia, telecomunicações, química eram os setores alvos do programa.
No setor financeiro, os bancos estatais são transferidos para a iniciativa privada e
ocorre um processo de fusão e incorporação entre as organizações financeiras.
Aportam no Brasil, com maior pujança, os bancos estrangeiros causando uma
'rearrumação' setorial. O ramo securitário, definitivamente, agrega-se ao
financeiro. Surgem, com freqüência, as agências reguladoras. É a redefinição das
esferas de atuação dos setores público e privado. Alteram-se as ações do Estado,
que abandona o papel de produtor e assume o de regulador. Velasco Jr. (1997)
diz que:

“A construção do estado regulador implica a reforma do aparato regulatório existente, ou


seja, uma desregulação que precede ou se faz concomitantemente à criação de um novo
sistema regulatório.”

Tais acontecimentos estão sintonizados com as mudanças ocorridas no cenário


mundial. O novo ambiente geopolítico e sócio-econômico do mundo é marcado
pelo desenvolvimento e difusão das tecnologias da informação e da comunicação,
pela aceleração do processo de globalização, pela desigual distribuição espacial
das atividades econômicas, das informações e dos conhecimentos, pela
intensificação do fluxo de comércio (importação e exportação), pelas novas
formas de produção e distribuição dos produtos, pelos novos conceitos de
competitividade e cooperação, pelos novos formatos organizacionais e
institucionais. O Brasil (re)adapta-se a este 'novo mundo'.
17

Todas essas observações necessitam de comprovação técnico-acadêmica, por


isso justificam e conferem relevância ao estudo ora desenvolvido e neste espaço
apresentado. Uma pesquisa sobre o produto seguro saúde que: i) analise a
competição, a tipologia das empresas ofertantes e do mercado desse produto; ii)
mostre as perspectivas de internacionalização e operação das organizações em
escala mundial – em função da globalização – iii) compare o comportamento de
todas essas variáveis com o de um passado recente, e, iv) mostre alguns
aspectos da regulação estatal, com certeza contribuirá para um debate profícuo
sobre o tema.

Tanto o setor público quanto o setor privado precisam de referenciais e sistemas


de informação (cf. Carvalho, 1998) com os quais possam gerar um processo
decisório de alocação de recursos e estabelecer políticas setoriais. O resultado do
presente trabalho pretende apontar alguns desses instrumentos e parâmetros
decisórios. Pretende-se, com o resultado da pesquisa: i) mostrar como as
empresas estão competindo na oferta do produto seguro saúde; ii) descrever as
transformações operacionais e organizacionais ocorridas no âmbito do setor
financeiro e no setor da saúde e as tendências desses dois setores, interligados
na economia contemporânea; iii) destacar as peculiaridades das transformações
ocorridas no ramo do seguro saúde; iv) mostrar a influência da regulação estatal
no mercado.

Durante uma visita, em agosto de 1997, ao Departamento de Política e Gestão


dos Serviços de Saúde da George Washington University, em Washington - DC,
tive a oportunidade de ouvir algumas conferências sobre Economia da Saúde
proferidas pelo professor Ph.D Warren Greenberg. Os tópicos versavam sobre a
competição, a tarifação e a regulação dos serviços de cuidados à saúde e o
produto seguro privado de saúde foi intensamente discutido. Retornei convicto
que este tema poderia ser pesquisado com relação ao mercado brasileiro e
dediquei-me a este trabalho.

Encontrei no Instituto de Medicina Social da UERJ o fórum adequado para discutir


e pesquisar o tema pelo qual fiquei fascinado. Apresentei meu projeto de trabalho
e fui aceito no programa de doutorado para receber a orientação firme e segura
do professor e amigo Dr. George Kornis. Assim, culminando uma jornada de
18

aproximadamente quatro anos de trabalho apresento o resultado do projeto de


trabalho.

Trata-se de uma tese no campo conceitual da economia da saúde e tem como


objeto de estudo as formas de competição do setor privado de seguro saúde no
Brasil dos anos 90 e o objetivo principal é examinar a competição empresarial na
oferta do produto seguro saúde, como um produto do mundo das finanças, onde
as companhias seguradoras são o foco da atenção. Este aspecto do ramo
securitário aliado ao ramo bancário e o seguro ter se tornado um produto
financeiro, parece ser senso comum, debatido por alguns autores nacionais (cf.
Cerqueira Lima, 1997; Leopoldi, 1999; Cardim de Carvalho et alli, 2000) e
internacionais (cf. Fuchs, 1991; Hale, 1999). Os objetivos secundários abrangem
a descrição das transformações operacionais e organizacionais ocorridas,
recentemente, nas empresas de prestação de serviços e a tendência dessas
transformações no Brasil; as peculiaridades das transformações ocorridas no
sistema financeiro e de forma específica no ramo do seguro saúde; o
comportamento da regulação estatal no mercado de seguro saúde; e busca
contribuir para a construção de instrumentos aptos a servir como referenciais aos
gestores dos setores público e privado na otimização do processo de alocação de
recursos.

É oportuno apresentar uma limitação encontrada no desenvolvimento da


pesquisa: a escassez de dados para serem transformados em informações úteis.
Por ser o produto seguro saúde um campo de estudo ainda incipiente foi (e ainda
é) grande a dificuldade para encontrar um banco de dados consistente. Para a
coleta dos dados relevantes à sustentação do referencial teórico da tese, foram
utilizadas duas formas de pesquisas. Inicialmente, a pesquisa bibliográfica que
permitiu demonstrar o 'estado da arte' com relação ao conteúdo de cada parte do
trabalho. Depois, para verificar a aderência da teoria à pratica dos negócios,
foram feitas diversas entrevistas com profissionais ligados ao ramo segurador e
com executivos das empresas seguradoras, especialmente aqueles dirigentes
responsáveis pelo segmento saúde. Os critérios para a escolha dos entrevistados
foram: a tarefa que estão desempenhando na atualidade, a experiência no ramo
19

e, claro, a acessibilidade. As entrevistas foram realizadas durante o mês de


outubro de 2002.

O inicio da série de entrevistas foi com Helio Portocarrero, dirigente da


Superintendência de Seguros Privados e Capitalização - SUSEP. Experiente
profissional do mercado de seguros e de capitais, Portocarrero descortinou um
panorama, até então, encoberto aos olhos dos autores interessados na discussão
do assunto. Seu pragmatismo mercadológico aliado aos conhecimentos de gestor
do órgão público regulador propiciou perspectivas interessantes de análise e
avaliação do comportamento do setor. Marcio Coriolano, diretor da Bradesco
Saúde e ex-dirigente da SUSEP, foi também escolhido para opinar sobre o tema
da tese. Foi importante a contribuição dada por este profissional, pois sua
experiência encampa a visão do mercado e a do Estado, principalmente, quanto
aos aspectos da regulação.

A escolha desses dois interlocutores foi importante porque reúnem em suas


trajetórias profissionais características peculiares. Ambos conhecem: o 'lado do
mercado' e a 'banda Governo'.

Neste ponto, julga-se importante explicar ao leitor a opção do autor da tese em


direcionar o estudo enfatizando o aspecto mercadológico da questão. Em primeiro
lugar, pela natureza do serviço em tela. Entende-se que o seguro saúde é um
produto cuja essência transcende as relações de mercado, pois, em primeira
instância, está vinculado a algo de valor incomensurável: a vida. No jargão
econômico, a vida não tem valor de troca, portanto, não tem preço. Porém, os
caminhos transversos do capitalismo conduziram o produto seguro saúde para a
esfera do mercado e os ofertantes - companhias seguradoras - seguem o
receituário do sistema da livre iniciativa que preconiza a maximização dos
ganhos. Por isso há necessidade de se conhecer as idéias, a postura e as
operações dos ofertantes do produto. Em segundo lugar, como uma tentativa do
autor, mesmo correndo o risco de ser mal entendido, de mostrar o outro 'lado da
moeda' do problema, ou seja, o viés do mercado. Até então, os trabalhos lidos e
pesquisados pelo autor da tese, para com os quais se tem alta consideração,
enfatizam a face social da questão, portanto, acredita-se na oportunidade de
divulgar posições diferentes, a partir da ótica do mercado. A tese, ao mostrar a
20

visão do mercado sobre este segmento econômico, pretende contribuir


oferecendo subsídios ao Estado para desempenhar o seu papel de regulador e
encontrar um equilíbrio nas relações entre a sociedade - na busca do maior
benefício social - e o mercado - ao perseguir o máximo lucro do capital -
conciliando os interesses público/privado na esfera da oferta e da demanda do
produto seguro saúde. Não é escopo desta pesquisa enveredar pelas trilhas das
relações entre o setor público e o setor privado, pois tal assunto tem sido
estudado com vigor e dedicação por diversos autores (cf. Andreazzi, 2002; Ocké
Reis, 2002; Bahia, 1999). Os comentários sobre as relações público/privado
surgem porque são imanentes ao tema da pesquisa.

No âmbito da regulação, é fundamental para atuação da Agência Nacional de


Saúde Suplementar - ANS travar conhecimento com as declarações e as idéias
dos profissionais que atuam na produção e comercialização do produto, e desta
forma, cada vez mais ajustar os seus instrumentos regulatórios.

Dando prosseguimento às entrevistas, o outro profissional eleito para ser


entrevistado foi Horácio Catta Preta, diretor da Federação Nacional das Empresas
de Seguros Privados e de Capitalização - FENASEG, que ao responder as
questões básicas (roteiro anexo) ressaltou, de forma contundente, os anseios e
expectativas da classe empresarial. De um modo especial e oportuno, Henrique
Berardinelli, que muito recentemente deixou o cargo de diretor da área de saúde
da Sul América, contribuiu com dados e informações primorosas, as quais, de
modo independente, ajudaram a montar o quadro das relações do mercado.

Justifica-se a escolha desse 'segundo bloco' de entrevistados pelo perfil


profissional marcante de atuação no mercado. Como será observado nas citações
dos trechos das entrevistas, as declarações destes profissionais ressaltam a auto
regulação do mercado e a liberdade operacional das seguradoras. Abandonam,
sem menosprezo, as atuais sugestões oriundas das pesquisas divulgadas pelos
centros estudos. As críticas dos especialistas do mercado, aos trabalhos citados,
recaem, pontualmente, sobre ausência das opiniões e sugestões destes
profissionais, no conteúdo da matéria apresentada.
21

Dentre os profissionais do ramo, cabe destacar a entrevista e a colaboração do


economista João Fernando de Moura Viana. Sua 'expertise', adquirida ao longo
da carreira, entremeada pela assessoria prestada aos órgãos governamentais e
às empresas, foi traduzida nas informações dadas, fundamentais para as
conclusões desta pesquisa.

Para chegar aos objetivos traçados, a tese será apresentada em três partes,
modulada em cinco capítulos, distribuídos da seguinte forma: i) as transformações
sócio-econômicas e políticas ocorridas no mundo, a partir dos anos 70 do século
XX; ii) as mudanças no Brasil, em conformidade e decorrentes das
transformações no mundo; iii) a ascensão do setor de serviços na nova era da
economia, com destaque para as mutações do setor financeiro - onde se
encastela o ramo de seguros - e para o setor de assistência médica; iv) o seguro
saúde no Brasil: a origem e as perspectivas, a forma de organização e operação
das empresas, os aspectos da regulação; e, v) as formas da competição entre as
empresas brasileiras ofertantes de seguro saúde, ressaltando as características
da oferta e da demanda, os aspectos sobre as falhas de mercado e a feição
competitiva da realidade brasileira. Como de praxe, antecedendo-se aos
capítulos, a introdução ao tema conduz o leitor ao texto e os conclusivos
comentários finais encerram o trabalho.

Alguns esclarecimentos adicionais são necessários. Quanto às citações, estas


seguem o padrão contemporâneo, aparecendo no texto o nome do autor e o ano
de publicação da obra utilizada na pesquisa, e na bibliografia o detalhamento.
Algumas citações foram mantidas na língua original pois, são extratos de livros ou
documentos publicados em idioma estrangeiro.

Por fim, a tese não tem a pretensão de encerrar ou limitar o debate sobre a
competição empresarial no ramo do seguro saúde. Pelo contrário, destaca a
necessidade do desenvolvimento de estudos mais abrangentes, propõe a
ampliação desses debates, é receptiva a adendos e críticas, e, em última
instância, extravasa a inquietação acadêmica do autor acerca da competição
empresarial na oferta do produto de proteção ao risco do não atendimento aos
cuidados à saúde, no Brasil, dos anos 90. Apresentada a tese, mostra-se, a
seguir, o tema.
22

A muralha mais segura e forte contra a opressão e a tirania é a união dos


cidadãos.
Pitágoras. Matemático. 568 a 470 A.C.

Não há nada mais permanente, exceto a mudança.

Heráclito - filósofo grego - 540 a 476 A.C.

A saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, não sendo,
apenas, a ausência de perturbações, doenças ou enfermidades.
Organização Mundial da Saúde
23

INTRODUÇÃO AO TEMA

A chegada do século XXI vem acompanhada de profundas mudanças no 'modus-


vivendi' da população e no `modus-operandi` da economia mundial. No campo
das ciências, tais mudanças traduzem-se, muitas vezes, com o surgimento de um
novo paradigma, um novo ponto de referência. Nas ciências econômicas pode-se
afirmar que vem ocorrendo uma transição da era industrial para a era da
‘economia da informação’ ou ‘era do conhecimento’. Segundo Albagli (1999):

“Entende-se por Era da Informação e do Conhecimento a configuração de um padrão


sócio-técnico-econômico, hoje emergente, em que as atividades humanas estão
centralmente baseadas e organizadas em torno das atividades de geração, recuperação
e uso de informações e conhecimentos.”

A autora realça, em sua pesquisa, que as atividades produtivas da humanidade


estão apoiadas nas tarefas geradoras de conhecimento, oriundas de um fluxo de
informações. Albagli não é solitária na percepção da transição. Suas idéias são
encampadas por Krugman (1999) ao ratificar a assertiva do parágrafo anterior
afirmando que:

“...nos anos 90, ficou claro que a tecnologia da informação alteraria de forma
impressionante a feição e a percepção da economia dos Estados Unidos.”

Especificando a década dos 90, ponto temporal da tese, Krugman destaca o


papel da tecnologia da informação como um fator preponderante na nova
economia estadunidense.

Com o estabelecimento desse marco na Economia, o destaque é para o setor da


prestação de serviços, atividade integrada ao ramo terciário da classificação
econômica. O setor terciário, como será visto em capítulo posterior, usa
intensivamente a mão de obra, como insumo.

Um dos campos do setor terciário, onde os reflexos desse paradigma - economia


da informação - estão presentes é o das finanças e, de forma pontual, o do ramo
securitário. Uma das características das finanças no mundo atual é o uso intenso
e abrangente da telemática, como instrumento basal para oferta dos produtos.
24

O outro campo é o da assistência à saúde, onde mudanças tão intensas


aconteceram nos últimos 30 anos, tanto do lado da oferta como do lado da
demanda. As inovações tecnológicas e as exigências do consumidor, entre
outras, servem como exemplo das metamorfoses (cf. Decter, 2000).

A partir das transformações mencionadas, surgiu, por caminhos tortuosos, um


vinculo entre os dois setores: é o produto seguro saúde. Restringindo-se aos dois
citados exemplos de mudanças, explica-se o viés da trilha: as inovações
tecnológicas elevaram os custos de produção do atendimento médico-hospitalar,
tornando-o inacessível a uma grande parte da população, alijada do consumo via
fator renda; por outro lado, os consumidores (demanda) buscam (ou exigem?),
para seu atendimento, o uso da tecnologia disponível - diga-se que a exigência é
estimulada pelos profissionais e entidades que ofertam serviços de atenção à
saúde - mas têm acesso limitado em função do preço elevado e do minguante
suporte financeiro e operacional dado pela esfera pública. Para harmonizar
demanda e oferta de assistência à saúde, o setor financeiro cria um produto cuja
finalidade é possibilitar o acesso dos consumidores aos produtos de atenção
médico-hospitalar, reduzindo o risco da 'não-acesssibilidade' aos cuidados à
saúde. É o seguro saúde. Neste contexto, o seguro saúde é o produto que faz a
integração dos serviços de atenção à saúde ao segmento terciário - via setor
financeiro e ramo de seguros.

No campo das finanças, em sua roupagem atual, a atuação dos agentes faz
circular capitais ao redor do mundo. As fronteiras geográficas entre as nações
perdem sua finalidade de contenção e os recursos financeiros ancoram onde as
taxas de juros elevadas proporcionem maior rentabilidade. As organizações
financeiras também se transformaram, ganhando mobilidade e rapidez nas
decisões, apoiadas que estão pelas inovações das telecomunicações e da
informática. Adaptações cujos objetivos estão voltados para atender aos atuais
requisitos de presteza e agilidade no atendimento aos consumidores e na busca
da rentabilidade exigida pelos detentores do capital. Isto, num ambiente
operacional reestruturado pela concorrência mundial acirrada.

Ratificando os dizeres do parágrafo anterior, Lerda (1996) escreve:


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“De fato, pode-se dizer que os fluxos financeiros têm adquirido vida própria, cruzando
fronteiras em intensos movimentos especulativos de reiteradas idas e vindas diárias, com
total independência da base econômica real a que, até pouco, se supunham subordinada.
A crescente mobilidade e desmaterialização da moeda – hoje reduzida a pura informação
eletrônica transmitida de maneira instantânea e simultânea por rede de computadores,
através do espaço cibernético – faz com que as atividade dos mercados financeiros se
tenham transformado em paradigma da desterritorialização das atividades, características
do processo de globalização.” (grifo no original).

J. C. Lerda, em sua análise do fluxo financeiro mundial, reforça a idéia da


'desterritorialização' das atividades financeiras e destaca que isto é uma
característica da globalização. Não é escopo do trabalho ora desenvolvido visitar
o conceito de globalização 1, mas o termo tem sido usado por diversos autores
para expressar, e algumas vezes explicar, as mudanças ocorridas. Por isso, .vale
relembrar que para Batista Jr.(1997), numa chamada versão 'forte', o termo
significa o domínio da economia mundial pelas forças do mercado, de forma
incontrolável, cujos os agentes são as corporações transnacionais, as quais são
soberanas e não devem lealdade a nenhum Estado-Nação. Batista Jr. apresenta,
também, uma versão, 'fraca' para o termo, entendido como uma tendência a
internacionalização do comércio, das finanças e do processo de produção, tarefas
facilitadas pelo progresso tecnológico na informática e nas telecomunicações.
Acredita-se que o termo ‘fraco’, na definição de globalização dada por Batista Jr.,
esteja mais adequado ao tema sob estudo.

Redirecionando o foco da análise para o panorama das finanças brasileiras, pode-


se dizer que restabelecido o poder de compra da moeda (com o Plano Real, em
julho de 1994), os setores produtivos - mercantis e não mercantis - buscaram
formas operacionais diversificadas para continuar auferindo resultados positivos.
Especificamente, as empresas financeiras - organizadas em conglomerados -
buscaram ajustes na forma operacional. Por exemplo, logo após a estabilização
da moeda, os bancos voltaram-se para as operações de financiamento do
consumo privado e de oferta de capital de giro às empresas. Mas, a necessidade
de financiamento do setor público e as taxas de juros atraente por ele oferecidas,
fizeram com que os bancos retirassem a oferta do crédito do setor privado para
26

redirecioná-la ao setor público. Sobre as operações bancárias no Brasil, Nogueira


da Costa (1999) afirma que:

"Às vésperas do Plano Real, em junho de 1994, cinco bancos detinham 43,3% dos
depósitos totais do sistema bancário. Em junho de 1977, dominavam 67,3%, revelando
uma corrida dos depositantes para as maiores instituições financeiras. Na área de
crédito, a concentração foi mais suave, uma vez que cinco bancos dominavam, 54,8%
dessas operações, antes do Plano Real, cerca de quatro pontos percentuais menos do
que os 62,6%, em junho de 1977." (grifos no original).

Os dados, constatados pelo autor, revelam uma concentração de duas operações


relevantes do ramo bancário: a captação de depósitos e a oferta de crédito. O
parágrafo seguinte esclarece a importância das duas variáveis, citadas por
Nogueira da Costa.

Os anos 90 foram um período de transformações importantes para o setor


financeiro brasileiro. Há uma busca incessante e permanente pela liderança do
mercado. As estratégias, para obter a liderança, contemplam a redução do preço
ou a formatação do produto ofertado. A lucratividade e a rentabilidade agora
dependem de outras variáveis – alocação eficiente dos recursos e produtividade
total dos fatores de produção - e não mais da inflação. Os lucros inflacionários
surgiam da diferença (spread) de taxas de juros pagas na captação de recursos
(praticamente `custo zero`: os depósitos correntes não eram remunerados) e das
taxas ganhas nas aplicações (concessões de créditos e operações de tesouraria).
O risco do negócio (má administração dos recursos, perda de um cliente
importante, por exemplo) e o risco sistemático, oriundo dos cenários sócio-político
e econômico, existem e precisam ser administrados. Em capítulo posterior as
transformações no setor financeiro serão descritas com maiores detalhes (cf.
Belluzo & Gomes de Almeida, 2002; Cardim de Carvalho e alli, 2000, Nogueira da
Costa, 1999).

No campo da política as mudanças recaem, entre outras, sobre o papel do


Estado, ao estabelecer diferenciadas diretrizes para a prestação de serviços à
coletividade. Ianni (1999), por exemplo, destaca as pressões com a finalidade de

1 Sobre o conceito, ver também, Chesnais, 1996; Hirst & Thompson, 1998; Tavares & Fiori, 1998.
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reestruturar o Estado, incidindo nos sistemas educacional, da previdência e da


saúde.

“São diversas (...) as pressões externas e internas destinadas a provocar a restruturação


do Estado. Trata-se de promover a desestatização e desregulação da economia nacional;
(...) promover a privatização de empresas produtivas estatais e dos sistemas de saúde,
educação e previdência”. (grifos nossos).

As palavras do autor indicam um reposicionamento do setor público, tendo seu


papel de provedor dos serviços coletivos reformatado e reduzido.

O Estado – adaptando-se aos orçamentos incertos e aos recursos reduzidos -


flexibiliza a sua oferta de serviços, via desestatização 2 e privatização 3. É através
das duas operações que o setor público faz uma tentativa de transferir para a
coletividade o ônus das suas obrigações. Explica-se: uma vez privatizadas a
oferta de determinados tipos de serviços (por exemplo, previdência, educação e
saúde, citadas por Ianni), a população para demandá-los arcaria com o valor
estabelecido pelo mercado, de forma unilateral, ou com o preço estabelecido via
negociação com as agências de regulação. Este assunto será abordado em
capítulo posterior.

Analisando o montante de recursos alocados na área da saúde brasileira, na


primeira metade dos anos 90, Médici (1997) constata a situação minguante do
papel estatal na oferta de serviços à coletividade, quando afirma que:

“...de fato, desde de 1990 os recursos federais investidos em saúde têm tidos fortes
quedas, sem que Estados e Municípios aumentem seus recursos de forma compatível
com a queda verificada nos níveis centrais de Governo.”

No entender de Médici, o Brasil também seguiu a tendência de redução dos


recursos destinados à prestação de serviços públicos, aqui especificada a área da
saúde, independentemente da esfera governamental: União, Estados ou
Municípios.

2 Desestatização: Transferência para o setor privado de bens semi-públicos. Oferta sob o controle
de agências reguladoras. Ex: Educação, saúde, transportes etc.
3 O termo privatização, nesta tese, é definido como a transferência do Estado para iniciativa
privada de patrimônio produtor de bens de mercado. Ex: Siderurgia, aviação, petroquímica, etc.
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Ainda debruçado sobre os fatos da transformação do Estado, no Brasil, há uma


confusa alocação de recursos públicos de um modo geral e dos recursos da
saúde em particular (cf. Médici, 1997). Na tentativa de se tornar um ‘Estado
mínimo’ - conforme orientação da política neoliberal, emanadas do Consenso de
Washington (cf. Fiori, 1998) - o setor público brasileiro abre uma lacuna na oferta
dos serviços de atenção à saúde. Esta lacuna deve ser entendida como uma
menor provisão de serviços de atenção à saúde, causada por um menor volume
de recursos disponíveis.

O setor financeiro, através da união do ramo bancário com o securitário, percebe


o espaço deixado pelo Estado na oferta dos serviços de atenção à saúde e
procura preenchê-lo oferecendo, não o serviço médico-hospitalar em si, mas um
produto que dê proteção ao risco do não atendimento da atenção à saúde: o
seguro saúde.

Na esteira de todas essas transformações, as instituições que ofertam serviços


financeiros, surgem em conglomerados, operando em nível mundial e oferecendo
um amplo portfólio de produtos (derivativos, operações de ‘hedge’ e de ‘swaps’
administração de recursos, carteira de investimentos etc)4. Destaca-se entre
esses produtos componentes do portfólio das empresas financeiras, o seguro, e
especificamente o seguro saúde. É um produto, à semelhança dos demais, onde
está embutido o fator risco e o retorno. O risco explícito pela probabilidade da
ocorrência do sinistro. A transferência do risco pelo consumidor, ou segurado,
para a companhia seguradora; protege-o de perdas. O retorno, sob o ponto de
vista da empresa seguradora, pela administração dos prêmios recebidos, de
modo que os ganhos possam ser suficientes para fazer frente aos possíveis
sinistros ocorridos. Na segunda parte da tese existem detalhes do assunto.

Como apresentado nos parágrafos anteriores, as metamorfoses gerais ocorridas


nos campos sociais, político e econômico redundaram em transformações no
setor terciário das atividades produtivas humanas, e pontualmente, nos cenários
dos ramos financeiros e no de cuidados à saúde. O setor de seguros, como parte
do ramo financeiro, cria o produto seguro saúde, o qual se transforma num elo

4 Sobre o assunto cf. Belluzo & Almeida, 2002, Nogueira da Costa, 1999 e Cardim de Carvalho et
alli, 2000.
29

entre o setor das finanças e o de cuidados à saúde. Portanto, a seguir, apresenta-


se algumas considerações preliminares sobre o funcionamento das companhias
de seguros, ponto principal da investigação ora desenvolvida.

Entende-se, que entre as empresas seguradoras, por possuírem, hipoteticamente,


as mesmas características operacionais e organizacionais, há uma intensa busca
por formas diferenciadas de produtos. As características operacionais, que estão
sendo mencionadas, dizem respeito, por exemplo, ao tipo de contrato, a utilização
de franquias, as classificações dos seguros (ou tipos de seguro) etc (cf. Galiza,
1997). As características organizacionais são as formas da estrutura
administrativa e societária de cada empresa. Quanto à administração, seguem o
desenho básico das divisões por carteira de seguros, ou seja, por tipo ou
modalidade de cobertura dos riscos. Quanto à organização societária, são as
chamadas seguradoras independentes e as seguradoras vinculadas aos
conglomerados financeiros. Justifica-se a assertiva da busca pela oferta, por parte
das seguradoras, de produtos diferenciados, a priori, porque os preços, estão
'estabelecidos' pela regulamentação da ANS, para um produto básico: o 'plano
referencial'. Portanto, a atuação do Estado regulador e a sua influência no
mercado serão analisadas. Por hipótese, o controle dos preços e a formatação de
um produto básico (plano referencial) - pela ANS - alteram as condições de
competição dos ofertantes do produto seguro saúde.

Finalizando a apresentação do tema, é necessário dizer que o autor desta tese


efetuou uma pesquisa sobre o 'estado da arte' do ramo seguro saúde e dos
assuntos correlatos. O resultado da pesquisa indicou uma tendência dos autores
brasileiros (cf. Bahia, 1999, Andreazzi, 1991, Reis, 1995) concentrarem seus
esforços analíticos no segmento dos produtores do seguro saúde organizados
sob a forma de cooperativas médicas e de empresas denominadas 'medicina de
grupo' ofertantes dos produtos 'planos de saúde'. Entende-se o posicionamento
dos autores, por serem estas empresas as precursoras na oferta de tal produto.
As companhias de seguros, no sentido estrito da forma de operação mencionada
no parágrafo anterior, só aparecem no cenário do seguro saúde no meio da
década dos anos 80 e com maior pujança, a partir dos anos 90.
30

O tema será desenvolvido nesta tese a partir das metamorfoses gerais para as
particulares. As abrangentes mudanças ocorridas nos campos político, social e
econômico, por sua vez, repercutem nas transformações do setor terciário, do
ramo financeiro, do bancário, da área do seguros e da assistência à saúde,
localizada no espaço geográfica do Mundo e do Brasil, com recorte temporal nos
últimos 30 anos do século XX.
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"WIND OF CHANGE"
I follow the Moskva
Down to Gorky Park
Listening to the wind of change
An August summer night
Soldiers passing by
Listening to the wind of change
The world is closing in, did you ever think
That we could be so close, like brothers?
The future's in the air
I feel it everywhere
Blowing with the wind of change
Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away in the wind of change
Walking down the street
Distant memories
Are buried in the past, forever
I follow the Moskva down to Gorky Park
Listening to the wind of change
Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow share their dreams
With you and me
Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away in the wind of change
The wind of change
Blows straight into the face of time
Like a stormwind that will ring the freedom bell
For peace of mind Let your balalaika sing
What my guitar wants to say
The Scorpions
Lyrics: Klaus Meine
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PARTE I - AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES

A filosofia aristotélica diz que só se pode compreender a natureza das coisas


quando estas alcançam a sua maturidade. Os acontecimentos políticos e sócio-
econômicos ocorridos nas últimas décadas do século passado ainda não
atingiram seu apogeu. Portanto, para o pensamento de Aristóteles, não estão
suficientemente maduros para uma avaliação justa e conclusiva. Entretanto, de
forma evidente, fatos econômicos, sociais e políticos, surgiram sob nova
perspectiva e o que parecia sazonal se investiu de um significado mais profundo,
merecendo, se não uma compreensão justa do modelo aristoteliano, pelo menos
uma descrição contextual e uma conclusão parcial de um modelo eclético de
autores contemporâneos.

Neste conjunto de autores destaca-se, por exemplo, Karl Polanyi que num
contexto ampliado, reescreve a história sobre as origens da nossa época no
clássico "A Grande Transformação", cujo centro das atenções é a revolução
sócio-econômica provocada pela economia de mercado. Sem a intenção de
resenhar o livro de Polanyi, onde o foco temporal é o século XIX e o início do XX,
pode-se destacar seu enfoque analítico sobre a transformação, pela ótica da livre
iniciativa, do ser humano em mercadoria trabalho, da natureza em mercadoria
recursos naturais (especificamente para o autor: a terra) e o aparecimento da
mercadoria dinheiro, sem o qual, como intermediário das trocas, não seria
possível uma economia de mercado.

Polany (2000) afirma:

"O ponto crucial é o seguinte: trabalho, terra e dinheiro são elementos essenciais da
indústria. Eles também têm que ser organizados em mercados, e de fato, esses formam
uma parte absolutamente vital do sistema econômico."

Numa época posterior a Polanyi, o professor de economia política e historiador


David Landes questiona, no livro "A Riqueza e a Pobreza das Nações", por que
algumas nações são ricas e outras são pobres. Através de fatos sócio-históricos
modificativos o autor procura resposta à questão narrando, por exemplo, as
mudanças nos hábitos alimentares e de higiene da população mundial, o
progresso da medicina, as mudanças ecológicas provocadas pelas atividades
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econômicas da população, o fim da dicotomia do poder, entre Leste e Oeste, e a


transferência no domínio da tecnologia entre as nações. Especificamente, na área
da saúde, campo de interesse da presente tese, Landes (1996), cita:

"...hábitos e instituições podem favorecer a doença e contrariar soluções médicas. As


doenças são quase invariavelmente moldadas por padrões de comportamento humano, e
o tratamento requer não só medicação mas também mudanças no comportamento."

A assertiva de David Landes ratifica a idéia apresentada neste trabalho, que as


mutações, entre as quais as ocorridas no seio da sociedade e explícitas pelas
alterações do padrão de comportamento humano, mudam o panorama do setor
de cuidados à saúde.

Lester Thurow - professor de economia do Massachusetts Institute of Technology


- numa fase mais atual, descreve no livro "The Future of Capitalism" as
transformações político-econômicas que estão redesenhando as feições da
sociedade mundial O autor cita como ocorrências marcantes do final do século
XX: o fim do comunismo, com a extinção da União Soviética e a conversão das
suas nações satélites, situadas no Leste Europeu, para o sistema econômico
capitalista; as mudanças na tecnologia, com a dominação das 'indústrias do
conhecimento'; a metamorfose demográfica, destacando como variável
preponderante o envelhecimento da população; a globalização da economia,
onde além da intensificação das atividades comerciais, ocorre a livre
movimentação do capital financeiro; e, a inexistência de um único Estado
dominador econômico, político e militar, que tenha força e poder suficientes para
estabelecer e organizar as regras do jogo político e econômico-social. O autor
denominou estas ocorrências de 'cinco placas tectônicas' da economia, numa
analogia aos fenômenos geológicos dos terremotos e das erupções vulcânicas
que quando ocorrem provocam transformações na região atingida.
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Lester Thurow (1996) diz:

"Today the world is in a period of punctuated equilibrium - which is being cause by the
simultaneous movements of five economics plates. In the end a new game with new rules
requiring new strategies will emerge. Some of today's players will adapt and learn how to
win in this new game. They will be those who understand the movement of the economic
tectonic plates." 5

A literatura sobre as metamorfoses ocorridas no século XX é vasta e a citação de


mais autores tornariam repetitivas as afirmações e a contribuição para a tese teria
rendimentos decrescentes. Sem desmerecer outros estudos e pesquisas, de
autores conhecidos e não citados, sobre este específico tema, conclui-se que:
inerente a uma nova era, as mudanças sócio-econômicas e políticas formataram
um modo de vida diferenciado para população mundial. A influência desses
acontecimentos foi disseminada em vários campos de atividade e, portanto,
também na área da saúde e na financeira.

Nesta parte do trabalho apresenta-se, em síntese, as principais transformações


ocorridas no mundo (capítulo 1), no Brasil (capítulo 2) e no setor terciário da
economia com destaque para a prestação de serviços (capítulo 3), onde é
produzido o seguro saúde.

5 Na edição brasileira do livro de Thurow (1996) da Editora Rocco, pg. 21, a tradução do texto
original citado é a seguinte: "Hoje o mundo está em um período de equilíbrio interrompido - o qual
está sendo causado pelos movimentos simultâneos de placas econômicas. Ao final um novo jogo,
com regras claras e exigindo novas estratégias, irá emergir. Alguns dos atuais participantes irão
adaptar-se e aprender como vencer nesse novo jogo. Serão aqueles que compreendem os
movimentos das placas tectônicas".
35

1 – MUNDO: MUTATIS MUTANDI

O mundo, nas décadas finais do século XX, foi marcado por três grandes blocos
de transformações: políticas, sociais e econômicas.

No primeiro bloco, as mudanças políticas estão representadas, com maior


destaque, pelo fim do confronto Leste-Oeste; pela ascensão das idéias
neoliberais; pelo afloramento de lutas étnicas – enquanto reação aos vetores
globalizantes - ; pelo agrupamento de alguns Estados-nações em associações
econômicas e comunitárias; e, pelo fortalecimento das mediações dos organismos
multilaterais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização
Mundial do Comércio), entre outras.

Note-se que, a derrocada do sistema soviético, pondo fim à guerra fria, altera o
equilíbrio de forças vigentes no cenário político e libera o esforço diplomático
norte-americano – antes concentrado, também, na manutenção de uma barreira
de contenção da expansão das idéias soviéticas - para atuar na disseminação e
consolidação do pensamento neoliberal. O objetivo é assegurar aos Estados
Unidos, uma posição hegemônica na agenda política mundial.

Teixeira (1994) alerta sobre o assunto, dizendo que:

“(...) o mundo, no inicio dos anos 90, assistiu uma reviravolta sem precedentes na
evolução de suas estruturas políticas, da qual a queda do muro de Berlim, a incorporação
da Alemanha Oriental pela Alemanha Ocidental, a dissolução da União Soviética e a
decomposição do bloco socialista foram os momentos culminantes”.

As estruturas políticas em revolução do início dos anos 90, são motivos de análise
do autor citado. O foco do questionamento é a dissolução do bloco de nações que
aderiram o regime político e econômico socialista, fato que redunda numa nova
ordem mundial.

Outros autores brasileiros debruçaram-se sobre a rearrumação política do mundo,


no final do século XX. Por exemplo, Fiori (1998) ratifica e amplia as palavras de
Aloisio Teixeira ao afirmar que:
36

“O inimigo já não é mais o comunismo, é o 'populismo macroeconômico' capaz de


‘ameaçar’ a estabilidade das expectativas dos agentes investidores nacionais e
internacionais.” (aspas no original)

Nota-se nas palavras de J. L. Fiori, a conjugação do aspecto político vinculado ao


econômico, demostrando, ainda que de forma tênue, uma preocupação com a
ascensão ao poder dos grupos transnacionais. A ultima frase do texto citado,
conduz a tal dedução.

Dentre os autores estrangeiros - alguns já citados quando da apresentação do


tema - destacou-se Solomon (2001), que conjugando o viés político e o
econômico afirma:

"O chamado Segundo Mundo - economias de planejamento central sob governos


comunistas - é formado hoje por países em transição para economias de mercado, e em
sua maioria são democracias."

As palavras dos três autores citados - Alosio Teixeira, José L. Fiori e Robert
Solomon - mostram o desvio do foco de atenção dos embates ideológicos entre a
economia de mercado e a economia planificada e as políticas socialistas versus
as capitalistas, para a nova formatação política do mundo.

Percebe-se, também, as tentativas de redução dos conflitos raciais ressurgentes,


como a situação do povo basco, a questão curda, o conflito na Palestina e os
enfrentamentos balcânicos. Estes eventos constituem-se num vetor de
preocupação da diplomacia estadunidense e, também, dos países do Grupo dos
Sete (G7), ou seja, as sete nações mais ricas e poderosas do mundo, na medida
em que alteram a dinâmica política e desestruturam antigas formas de
contestação do poder. Nas palavras de Lastres & Albagli (1999):

“Uma nova dinâmica política também se estabelece, frente à desestruturação ou à


reestruturação das antigas formas, mecanismos e escalas de poder e contestação de
poder – desafiando as Estados-Nações e sua soberania como locus da hegemonia – e
frente à emergência ou projeção de novos atores – tais como os novos blocos político-
econômicos regionais, os organismos multilaterais e, particularmente, os grandes grupos
multi ou transnacionais”.
37

As autoras, também abordam a questão dos blocos econômicos e comunitários: a


União Européia, o Mercosul, o Nafta, a Asean etc. A reunião de países em
comunidades alteram o jogo de forças nas negociações políticas, sociais e
econômicas.

Apresentada a sinopse do módulo das mudanças no campo da política, ocorridas


ao longo dos anos 90, mostra-se, a seguir, sob o ponto de vista do autor e
limitando a demonstração ao escopo do trabalho proposto, as transformações no
campo social.

No segundo bloco de mudanças - o campo social - constata-se a sociedade


transformando-se rápida e profundamente. Dentre as mutações no âmbito da
sociedade, é importante destacar aquelas referentes ao papel do Estado, como
parte fundamental do arranjo social (cf. Esping-Andersen, 1994). Para entendê-
las, ou mesmo para traçar considerações sobre elas, julga-se necessário
descrever o comportamento do Estado, pelo menos a partir do fim da 2a guerra
mundial (maio de 1945). Sem as amarras do rigor temporal, baseado no
calendário gregoriano, pode-se afirmar que com o término do conflito armado,
surge, na Inglaterra, o chamado Estado do Bem Estar Social (Welfare State/État
Providence), sendo a idéia disseminada para diversos países. Não cabe analisar
nesta tese, o conceito do Estado-Providência à luz da Teoria Geral do Estado, ou
qualquer outra ciência política, mas a título de esclarecimento, vale fazer
referência a Rosanvallon (1984) quando diz que é a noção de probabilidade
(oriunda da estatística) que torna praticamente possível e teoricamente pensável
(sic) a integração da idéia de providência no Estado. Isto porque, para este
mesmo autor, o Estado-Providência "visa substituir a providência religiosa pela
certeza da providência estatal". O autor vê o papel do Estado como uma entidade
seguradora que "aos acasos da caridade e da providência sucedem-se as
regularidades do Estado" (cf. Rosanvallon, 1984). Assim nasce o 'Welfare State',
com a missão de dar cobertura aos cidadãos que o acaso tenha privado, definitiva
ou temporariamente, de sua capacidade laborativa, quer seja por velhice, por
invalidez, pela doença, ou pelo desemprego. É a proteção estatal traduzida,
respectivamente, pela previdência, pela assistência médica e pela assistência
social (cf. Kornis, 1994; Werneck Vianna, 1998; Dain, 2000).
38

O tradicional “Estado do Bem Estar Social” tem suportado com crescente


dificuldade o ônus da ilimitada prestação de serviços de proteção social6. Houve
um acréscimo no número de pessoas que demandam os serviços e em
contrapartida houve uma redução no número de contribuintes - que geram o
financiamento - criando uma defasagem no lado da oferta dos serviços face à
minguante origem dos recursos. O setor público, desde o final da década dos 70,
procura, sob demanda crescente dos serviços, adequar-se ao montante
decrescente de recursos disponíveis para consecução dos seus objetivos (cf.
Kornis, 1994; Pierson, 1994).

A idéia do 'Welfare State' como um mito enfraquecido para cumprir seus objetivos
de inserção social, é difundida por Seldon (1996):

“The myth continues that, despite its weakness and failures, the welfare state is the only
way to rescue the poor from the consequences of their poverty”

O autor acredita, apesar dos percalços, no Estado do Bem Estar Social como o
caminho único de resgatar os desvalidos da situação em que se encontram.

A polêmica sobre o papel do Estado, na sociedade atual, é intensa. De um lado


os defensores da ideologia neoliberal, preconizando a redução das atividades
estatais e atribuindo-lhe apenas as tarefas de ofertar os serviços de justiça e
segurança - demais serviços seriam ofertados pelo mercado.. Do outro lado, a
corrente guardiã da participação intensiva do Estado, regulando e modulando o
funcionamento dos diversos setores da sociedade.

Deslocando a apresentação dos fatos modificativos do Estado para os dos


costumes da população, a revolução do comportamento social ocorrida nos anos
60, não só através da música (dos Beatles e dos Rolling Stones), mas em
distintos campos de conhecimento humano como as ciências e as artes,
influenciou o comportamento social das gerações futuras. Surgem novos
paradigmas culturais, oriundos da Londres de Mary Quant e do festival de
Woodstock, com suas implicações psicodélicas. O invento da pílula
anticoncepcional faz surgir a liberação sexual (através do planejamento familiar)

6 Proteção social aqui entendida como as ações que permitam à coletividade acesso à
previdência, aos cuidados à saúde e à assistência social.
39

propiciando à mulher maior espaço na sociedade e no mercado de trabalho. Por


força destas mudanças de hábitos surgiram novas doenças sexualmente
transmissíveis destacando-se a Aids, cujo impacto é grande nos orçamentos dos
Governos e nas verbas privadas de pesquisa e desenvolvimento, na busca pela
descoberta da cura e do tratamento da enfermidade.

Bueno (2001), sobre o tema, diz:

"Hoje está sendo gestada uma nova revolução, mas não há muitos sinais de que
estejamos preparando as estruturas para suportar-lhe o impacto: trata-se da [pesquisa]
da vacina contra a Aids. Uma vez descoberta, e isto é apenas questão de tempo, uma
nova revolução de costumes aos estilo dos anos 60 deverá apresentar-se e, muito
provavelmente, logo após um período de "repressão dos desejos", advirá uma nova
época de "liberalização dos desejos reprimidos", acompanhada de um provável baby
boom e de uma nova onda de expansão no número de incidências de doenças
sexualmente transmissíveis e outras moléstias conexas, afetando com isto o orçamento
público." (Destaques no original).

Como descrito, a partir do parágrafo anterior, os hábitos e os costumes da


população, em geral, sofrem alterações, e o credito da metamorfose é dado a
uma disseminação, rápida e ampla, de informações que se espalham por todo o
mundo. As inovações na moda, na alimentação e no uso de medicamentos, por
exemplo, são divulgadas de modo instantâneo, através dos meios de
comunicação. Assim, as inovações ao chegarem nos locais mais longínquos do
mundo são incorporadas no modo de vida das pessoas, transformando-o.

É através do fluxo de informações, - contendo as novidades e que com a ajuda da


tecnologia avançada das telecomunicações, rompe as fronteiras demarcatórias
dos Estado-Nações - que os cidadãos apreendem novos e diversificados
conhecimentos referentes aos múltiplos aspectos da vida, em todos os cantos do
mundo. Assim, são revelados, por exemplo, os gostos e preferências sobre moda,
esportes, culinária, religião e lazer, modificando a forma de vida em sociedade. As
pessoas tornam-se 'cidadãs globais'. A perspectiva de Ohmae (1991) sobre o
assunto está explícita a seguir:

"A 'cidadania global' não é mais apenas um léxico dos futurologistas. É tão real e
concreta quanto as alterações mensuráveis no PIB ou no fluxo de comércio".
40

Ë factível extrair-se da assertiva do autor, a noção de um ‘cidadão do mundo’


compartilhando, independentemente de sua localização na geografia do globo,
dos mesmos tipos de comportamento social. Se a abordagem comparativa usar
um parâmetro qualquer da esfera econômica, pode-se dizer que, o cidadão, tanto
quando atua como produtor ou como consumidor, seu comportamento será
idêntico ao dos demais cidadãos, ao redor do mundo.

As metamorfoses ocorridas no papel do Estado e no modo de vida da população,


principalmente, sintetizam o cenário social cambiante dos últimos anos do século
XX. A seguir, apresenta-se o terceiro módulo de mudanças: o campo econômico.

No terceiro bloco, encontram-se as mudanças no espaço econômico. Essas


transformações alcançaram uma dimensão distinta. A ‘economia da informação’,
está deixando para trás métodos e processos característicos da era da economia
industrial. Por exemplo, o motor a combustão, a eletricidade e as combinações
químicas formaram a base tecnológica da economia industrial. Hoje. a informação
e o conhecimento são os equivalentes daqueles no quadro da economia
contemporânea.

Para consubstanciar a afirmação do parágrafo anterior, recorreu-se a duas


autoras brasileiras, cujo foco de atenção atual de seus trabalhos é a 'economia da
informação'. Assim, Lastres & Albagli (1999) afirmam que:

“Do ponto de vista econômico, verificam-se novas práticas de produção, comercialização


e consumo de bens e serviços, cooperação e competição entre os agentes, assim como
de circulação e de valorização do capital, a partir da maior intensidade no uso de
informação e conhecimento nesses processos.”

Pelas características mencionadas do novo paradigma da economia, a 'era da


informação' traz aliada ao seu crescimento, o setor terciário e, como
conseqüência, constata-se uma expansão do setor de serviços, especificamente,
daqueles mais intensivos no uso das informações, como é caso dos serviços
financeiros. Nas palavras de Crane (1992), no "The New PALGRAVE Dictionary of
Money & Finance", a ‘industria’ de serviços financeiros, em termos econômicos:
41

"... are financial intermediaries that provider a number of key functions, such as risks
pooling of assets, transforming large denominations securities into amount convenient to
individual savers, and transforming illiquid assets into liquid liabilities. In the context of
financial services industry, though, these firms are identified with the names of the
products and services they provide."

Crane destaca as funções dos intermediários financeiros: i) na distribuição de


riscos; ii) na oferta de liquidez; e, iii) na transformação do volume de recursos
financeiros em quantias adequadas, tanto para tomadores quanto para
poupadores. Neste contexto, cada empresa do setor é identificada pelos tipos de
serviços financeiros que está oferecendo.

Embora a tese esteja centrada nas mudanças ocorridas na década dos anos 90,
para um melhor entendimento do processo de mudança do setor financeiro, foi
prudente recorrer-se a uma breve retrospectiva dos acontecimentos dos anos 70.
Assim, desde as três últimas décadas do século XX até o presente, vem
ocorrendo uma revolução nas finanças internacionais. O fluxo financeiro –
girando, com o apoio da telemática, ao redor do globo às 24 horas do dia – torna-
se mais fluído, veloz e apátrida, buscando maximizar sua rentabilidade nos locais
onde as taxas de juros elevadas proporcionem retornos compatíveis com os
riscos assumidos.

A partir da década de 1980 o mundo testemunhou uma significativa aceleração na


mobilidade de capitais. O sistema monetário mundial passou por três revoluções
simultâneas: a desregulamentação, a internacionalização e a inovação (cf. Turner,
1985 apud Solomon, 2001).

Para Solomon (2001), parte da explicação desse incremento na mobilidade dos


capitais é creditada as inovações da tecnologia e à revolução nas informações,
possibilitando o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros, além, da
obviedade do conhecimento aperfeiçoado e veloz dos mercados geograficamente
distantes. Corroborando esta idéia, Herring & Litan (1995), citados por Solomon
(2001) explicam:
42

"A função fundamental das empresas de serviço financeiro é reunir e processar


informação. A drástica redução nos custos das telecomunicações e da compilação,
armazenamento e análise de informação ampliou áreas geográficas sobre as quais as
instituições financeiras e seus clientes tomam decisões. Os avanços no hardware e
software dos computadores reduziram drasticamente os custos de coleta e análise de
dados, iniciando e confirmando transações, compensando e acertado pagamentos, e
monitorando fluxos financeiros através da administração de informações e sistemas de
contabilidade. Na verdade, os avanços tecnológicos possibilitaram a empresas
sofisticadas levantar ou investir fundos, trocar moedas ou mudar os atributos de ativos
em todo o globo nas vinte e quatro horas do dia."

O destaque dos autores é para o conteúdo informacional contido nas operações


financeiras. Eles sustentam que, com avanço tecnologia na área da informática,
houve uma drástica redução dos custos de transação, possibilitando às empresas
operarem todos os dias e o dia todo.

As organizações empresariais - bancos múltiplos, investidores institucionais -


atuantes na área das finanças também se transformaram para atender aos novos
requisitos do ambiente operacional. Ou seja, uso intensivo de tecnologia da
informação, operações em escala e eficiência na utilização dos recursos. A
adaptação às exigências do ambiente, provoca o aparecimento dos
conglomerados financeiros, operando em nível mundial e oferecendo um amplo
portfólio de produtos, entre os quais o seguro, e mais, especificamente, o seguro
saúde.

Ratificando a tendência à conglomeração, Cardim de Carvalho e alli (2000) dizem


que:

“...a tendência à conglomeração financeira é apenas a face mais visível de um processo


de transformação da atividade financeira, que tem se concretizado principalmente na
redução de barreiras entre segmentos do mercado financeiro...”

Dos comentários de Cardim de Carvalho e seus associados, depreende-se que o


processo de mudança no ramo financeiro é intenso e a conglomeração
empresarial é evidente. Creditam à queda das barreiras entre os diversos
segmentos do mercado, a aceleração do processo.
43

De uma forma geral, as mudanças do sistema financeiro estão contidas no âmago


das questões macroeconômicas. Assim, pode-se afirmar que a ordem econômica
vigente na atualidade emerge das mudanças iniciadas nos anos 70. O processo
de reordenamento econômico é desencadeado a partir da elevação do preço do
petróleo, dos ajustes monetários-cambiais, da reestruturação financeira e
industrial dos países capitalistas centrais. (cf. Tavares & Fiori, 1993).

Essas mudanças estruturais, com ênfase na reestruturação financeira, são


observadas - conforme transcrição abaixo extraída de um relatório sobre o
mercado de capitais - pelo Fundo Monetário Internacional – FMI (1998):

“The structural changes that have occurred in national and international finance during the
past two decades can be seen as part of a complex process best described as the
globalization of finance and financial risk. The key elements of this ongoing transformation
have been; (1) an increase in the technical capabilities for engaging in precision finance,
that is, for unbundling, repackaging, pricing, and redistributing financial risks;(2) the
integration of national financial markets, investor bases, and borrowers into a global
financial markets place; (3) the blurring of distinctions between financial institutions and
the activities and markets they engage in; and (4) the emergence global bank and
international financial conglomerate, each providing a mix of financial products and
services in a broad range of markets and countries.”

O Fundo Monetário Internacional entende que as mudanças estruturais ocorridas


nas finanças nacionais e internacionais, durante as duas últimas décadas, podem
ser vistas como componentes de um processo complexo, descrito, de uma melhor
maneira, como globalização das finanças e do risco financeiro. Descreve como
fator chave da transformação, por exemplo, o surgimento dos bancos universais -
múltiplos - e dos conglomerados financeiros internacionais 7, ofertando um portfólio
de produtos variados em diversos mercados e países.

É notória, também, a preocupação e análise de diversos autores quanto aos


ajustes macroeconômicos, derivados da crise do petróleo e dos problemas
monetários e cambias. Tavares (1993), discorrendo sobre o tema, afirma:

7 Também obre o assunto, cf. Cardim de Carvalho et alli, 2000 e Nogueira da Costa, 1999.
44

“Os ajustes macroeconômicos ocorridos ao longo da década de 70 foram uma resposta


defensiva imposta de forma progressiva a todos os países capitalistas, a partir da crise
monetária internacional nos começo dos anos e do primeiro choque do petróleo. Tratava-
se, em geral, de políticas monetárias que propunham a um só tempo combater a inflação
e realizar o ajuste do balanço de pagamentos com taxa de câmbio flutuantes...”

Portanto, é latente no bojo das mudanças a questão do reordenamento da


economia, em função de variáveis exógenas - elevação do preço do petróleo e
problemas das taxas cambiais - às economias nacionais. Lerda (1996), corrobora
as palavras de Conceição Tavares sobre este ambiente em mutação, afirmando:

“(...) esta nova situação vem criando enormes desafios para as autoridades do Banco
Centrais e demais responsáveis pela condução das políticas bancaria, monetária e
cambial.”

Este autor, em sua afirmação, reposiciona a questão para os ajustes da moeda,


das taxas de câmbio e das instituições bancárias. Afirma ser a tarefa dos Bancos
Centrais um desafio frente à situação mutante. Vale enfatizar que os bancos
passam a operar em diversos mercados e em várias localidades, facilitados pela
tecnologia da informação. Continuando em sua análise, na mesma obra, Lerda
reafirma o papel preponderante das autoridades monetárias, em função da
mundialização da economia e diz que:

“A globalização da economia mundial (...) apresenta desafios extraordinários aos


responsáveis pela estabilidade do sistema financeiro e pela condução das políticas
monetária e cambial.”

Continuando na mesma linha de pensamento, Lerda reafirma a existência de


desafios extraordinários para as autoridades monetárias e cambiais dos diversos
Estado-Nações, em função da integração financeira mundial. O pensamento de
Lerda é também preocupação de Solomon (2001), para quem a política monetária
passou a ser o principal instrumento da política macroeconômica. Os Bancos
Centrais tornam-se importantes na tentativa de conseguir credibilidade e eficácia
da política monetária.
45

"A política monetária passou a ser o principal instrumento da política macroeconômica, e


os bancos centrais tornaram-se não apenas mais importantes como também mais
visíveis." (Solomon, 2001)

Além da preocupação dos responsáveis pela condução das políticas


macroeconômicas dos Governos, direcionadas ao câmbio e à moeda, são
implementadas ações para eliminar ou reduzir o déficit do Estado, para equilibrar
a balança comercial e o balanço de pagamentos dos países. O comércio
internacional, de onde surge o resultado da balança comercial, não é mais só um
fenômeno macroeconômico. Representa hoje, uma atividade político-econômica
de um grupo de organizações - corporações transnacionais - mundialmente
hegemônicas. O ajuste da balança comercial, via política de câmbio, ou qualquer
outro ato comercial/financeiro, está cada vez mais difícil.

No âmbito desse terceiro bloco de mudanças (econômicas), em resumo, pode-se


dizer que os efeitos deste arranjo econômico espalharam-se pelos países: i)
influenciando o comportamento das empresas, quanto à natureza do processo
competitivo, pois os grandes conglomerados assumem a hegemonia dos mais
variados setores; ii) manietando o Estado quanto à execução das políticas
cambial e monetária e reduzindo os graus de liberdade para controle das finanças
públicas; e, iii) impulsionando uma contração no tamanho do Estado e o equilíbrio
das finanças públicas, através da privatização de empresas públicas e da redução
do escopo das políticas sociais, desregulando e privatizando o financiamento e a
prestação dos serviços.

O primeiro efeito da nova arrumação do campo econômico mostra que a


ascensão dos conglomerados financeiros influencia o padrão de concorrência.

Braga (2000), estudando o assunto, mostra que:

“A concorrência financeira se sobressai na estratégia de todos os agentes. Não é apenas


a competição entre bancos, ou entre estes e as demais instituições, ou corporações
produtivas. A concorrência financeira desata a competição de ‘todos contra todos’ nos
âmbitos monetário-financeiro e patrimonial...”
46

Para este autor, a competitividade, na briga de ‘todos contra todos’, tem como
estratégia principal dos agentes - os conglomerados da área financeira - uso de
instrumentos financeiros, permitindo-lhes a continuação na luta pelo mercado.

Outro efeito, o segundo, da nova conjuntura econômica que se espraiou pelos


países, pode ser, simbolicamente descrito, como as algemas colocadas no
Estado impedindo-o de executar políticas visando o controle financeiro das contas
do Governo, a circulação da moeda e a flutuação das taxas de câmbio.

Recorrendo-se, ainda, à Braga (2000), encontra-se o seguinte comentário:

“Os bancos centrais atuam, na medida do possível, sobre a expansão monetária, a


liquidez, e a taxa de juros de curto prazo. Com essas medidas podem reverter,
conjunturalmente, a capitalização financeira autonomizada, as valorizações patrimoniais
fictícias Podem fazê-lo, contudo, apenas temporariamente, porque uma reversão
completa exigiria uma mudança no próprio padrão de riqueza. (...). Relacionada a essa
dinâmica, insistamos, está a transformação das finanças públicas em reféns ao ponto de
lhes reduzir sensivelmente a capacidade de promover o gasto autônomo dinamizador
do investimento, da renda e do emprego; de tornar financeirizada a divida pública que
como tal, sanciona os ganhos financeiros e amplia a financeirização geral dos mercados.
(grifos nossos).

Os comentários do autor mostram a redução da capacidade de atuação dos


Bancos Centrais vis a vis a 'fìnanceirização geral dos mercados'.

O terceiro efeito oriundo da conjuntura econômica reordenada diz respeito às


funções do Estado e ao equilíbrio das contas do setor público. Dentre os autores
que abordam o assunto, encontrou-se nos comentários de Giambiagi & Além
(1999) o seguinte:

“A decisão de privatizar surge, assim, na maioria dos países, como resposta à existência
de um desajuste nas contas públicas. (...) a venda de ativos produtivos do Estado passou
a ser vista como forma de viabilizar uma melhora da situação das finanças públicas (...) à
medida que as operações das empresas [públicas] deixariam de ser responsabilidade do
Estado”.
47

"Os processos de privatização passaram então a fazer parte da agenda das chamadas
reformas "estruturais" dos principais países capitalistas. (...) onde os programas de
privatização passaram a refletir o renascimento das políticas ditas "liberais", promovendo
uma redefinição "modernizadora" da intervenção do Estado.” (aspas no original).

A procura do equilíbrio das contas do setor público e a tentativa do 'encolhimento'


das atividades do Estado, encontraram no processo de privatizações uma
alternativa. Sob o ponto de vista da discussão ideológica atual, é a
implementação da política neoliberal de ajustes das finanças públicas e da
participação do Estado na economia.

O objetivo deste capítulo foi apresentar, em síntese, as principais transformações


nos campos da política, da sociedade e da economia, ocorridas no últimos trinta
anos dos século XX. No início dos anos 90, ocorreu uma reviravolta na evolução
das estruturas políticas, onde a reunificação alemã e a decomposição do bloco
socialista (queda do muro de Berlim e da 'cortina de ferro') são os fatos marcantes
que mudam a direção das estratégias dos Estados-Nações na luta pela
hegemonia e pelo poder. Há um acirramento na competição frente ao surgimento
de novos atores, como os blocos político-econômicos regionais.(União Européia,
Mercosul, Nafta, Asean etc.), os organismos multilaterais (OMC, FMI, Banco
Mundial) e os grupos transnacionais. No campo social, a coletividade adota novos
hábitos e costumes, torna-se mais exigente, quer quando demanda serviços
prestados pelo Estado, quer quando interage com o mercado, como consumidora.
O Estado, - representado um segmento da sociedade - abraça as tendências da
ideologia neoliberal e faz uma revisão do seu papel e dos objetivos das políticas
públicas que pretende implementar. O campo econômico vê a emergência da
'economia da informação' na 'sociedade do conhecimento'. Neste mesmo campo,
o setor de prestação de serviços se agiganta e traz a reboque o setor das
finanças, onde na atualidade, está incluído o ramo securitário. O setor de
cuidados à saúde também emerge, alavancado, principalmente, pelas inovações
tecnológicas.

Ao encerrar este capítulo, pode-se identificar o mundo do século XXI - nas


dimensões aqui abordadas: política, social e econômica – como socialmente
interativo e político-economicamente competitivo. Socialmente interativo, em
48

função da disseminação das informações sobre os aspectos da vida dos povos ao


redor do mundo e da reformatação do papel do Estado, influenciando as
expectativas dos cidadãos nas demandas pelos serviços coletivos. Politicamente
competitivo, em decorrência, principalmente, da formação dos blocos
comunitários e do redirecionamento dos objetivos estratégicos dos Estado-
Nações vis à vis organizações transnacionais. Economicamente em concorrência,
dado que a produção é conduzida pelos grandes conglomerados e a demanda
ocorre em escala global.

O Brasil, interagindo no mundo globalizado, se transforma também e busca


caminhos para se engajar neste ambiente cambiante. É o que se verá no capítulo
a seguir.
49

2 – BRASIL E O VENTO DAS MUDANÇAS

Como visto no capítulo anterior, o mundo cambiante do final do século é palco de


profundas mudanças de caráter estrutural e conjuntural. As transformações sócio-
econômicas e políticas surgem com destaque neste cenário, onde o Brasil é
participante. É sobre essas transformações no panorama brasileiro que,
descritivamente, este capítulo pretende debruçar-se. A descrição mostra, na
questão social, a atuação cambiante do papel do Estado na execução das
políticas públicas, mormente, as de assistência à saúde. No cenário da economia,
os ajustes decorrentes de fatores externos oriundos da integração do País ao
mundo globalizado e, principalmente, as repercussões no setor das finanças. A
descrição das mudanças no campo político ficou restrita à transição do regime
ditatorial para o regime democrático.

O cenário econômico brasileiro, também, se transformou na década dos 90.


Mudança defasada no tempo em pelo menos uma dezena de anos. Primeiro,
porque necessitava alinhar-se (de modo subordinado) às variáveis econômicas,
políticas e sociais que aconteciam no ambiente mundial, cujos novos paradigmas
econômicos, por exemplo, exigem dos países – em especial os emergentes –
ajustes para que haja estabilidade monetária e crescimento auto-sustentado. Em
conseqüência, a tecnocracia do Estado introduziu reformas contemplando: i) a
eliminação de déficit orçamentário; ii) a liberalização do comércio com o exterior;
iii) a implantação de regimes de taxas de câmbio flutuantes; e iv) política
monetária rígida. Ou seja, as reformas orientam a economia para o mercado,
conforme o manual liberal ressurgente. Segundo, por necessitar de ajustes
derivados do plano de estabilização monetária (Plano Real em 1994) orientado no
sentido de debelar a descontrolada espiral inflacionária do período 1987 a 1994
(cf. Fiori & Kornis, 1994). A adoção do plano de estabilização da moeda foi um
fator de ajuste da economia brasileira às exigências do mutante cenário
econômico mundial.

Corroborando a análise de Fiori & Kornis, quanto ao aspecto inflacionário da


economia brasileira, as palavras de Batista Jr. (2000) são significativas:
50

“Para um país como o Brasil, que experimentou uma das maiores inflações da história
mundial, foi inegavelmente um grande resultado ter conseguido, no espaço de apenas
quatro anos, passar de níveis hiperinflacionários para uma taxa de inflação em torno de
4% ao ano, (sic) bastante próxima da inflação dos países desenvolvidos”.

No Brasil, após várias tentativas frustadas de ‘planos’ de estabilização na década


dos 80 e uma primeira tentativa – Plano Collor – na década dos 90, surge em
1994, seguindo a orientação (ou receituário?) exógena, o Plano Real com o
objetivo de debelar a inflação (conseguir a estabilidade monetária) e promover o
crescimento econômico. O ambiente conjuntural da deflagração do Plano Real é
conturbado, pois a sociedade encontrava-se desgastada pela contínua luta para
defender-se da desvalorização da moeda, vale dizer, para a manutenção do
poder aquisitivo. A princípio, a chegada de uma nova arma para a continuação da
luta causou apreensão e desconfiança aos agentes econômicos. O programa de
estabilização, posto em prática a partir de 1994, utiliza o mecanismo cambial
como âncora. Ou seja, foi utilizada a fixação do valor externo da moeda como
meio de alcançar a estabilidade do valor interno. A adoção dessa fórmula trouxe
algumas implicações relevantes como a redução das taxas inflacionarias em
alguns setores primordiais para a coletividade, como por exemplo, o ramo de
alimentos. Com relação aos serviços privados, tais como a saúde e educação, a
redução relativa dos preços foi menor, sem alteração da tendência de
encarecimento desses produtos.

A tabela a seguir mostra a situação descrita no parágrafo anterior:


51

EVOLUÇÃO DOS PREÇOS - %

ITENS Julho 94 a Dez/98 Janeiro/99 a Março/ 01


Saúde 84,0 12,7
Remédios 83,2 20,6
Serviços 118,6 7,3
Cuidados 33,1 17,1
Alimentação 40,8 12,6
No domicílio 33,2 14,7
Fora 64,8 6,4
Fonte: IBGE - Elaboração própria

As políticas adotadas, pós Plano Real, orientam a economia para o mercado e


tem início um processo de 'downsizing' estatal. Este processo, de concepção
privada - ideologia neoliberal - reduz o poder do Estado transferindo-o (o poder)
para o mercado. É válido dizer, para as corporações transnacionais da economia
globalizada. Constata-se, assim, uma inibição (ou omissão?) das ações estatais
na promoção de políticas públicas8.

Para Andreazzi & Kornis (2002):

"No redesenho do aparelho do Estado brasileiro, além das próprias privatizações de


empresas produtivas, vão se forjando novas instituições e formas de funcionamento...[os]
impactos na área de saúde foram: i) A descentralização da execução de políticas sociais,
que significou para o sistema público de saúde a implementação da própria agenda do
SUS; e, a ii) A constituição de Agências Reguladoras voltadas ao controle indireto de
mercados. Na área de saúde foram criadas duas delas: a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (1997) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar/ANS (1999).

Os autores apontam a direção das mudanças no sentido de um Estado regulador


do mercado, em lugar do Estado provedor.

O setor de assistência à saúde é um dos mais afetados pelo reposicionamento do


Estado, como será descrito em seção posterior.

8 Políticas públicas: no sentido de políticas coletivas. Interesse comunitário.


52

Controlado o processo inflacionário agudo do país 9 (com a adoção do Plano Real,


em julho de 1994), os setores produtivos buscaram novas formas operacionais
para continuar auferindo resultados positivos. O setor financeiro - que obtinha
lucros facilitado pelo ambiente com altas taxas de inflação - acompanhou os
desdobramentos das mudanças e se adaptou, ao atual ‘modus-operandi’
econômico, através da formação de conglomerados, quanto à estrutura
organizacional e da oferta de novos produtos, quanto à manutenção da
lucratividade. Cabe lembrar que uma das fontes de lucros do ramo financeiro, no
período de altas taxas de inflação, eram as operações de arbitragem do dinheiro
(captação a 'custo zero' e aplicações remuneradas) e com a agilidade na
aplicação dos recursos captados. A outra fonte lucrativa do setor das finanças
eram as operações com moeda indexada. Belluzo & Gomes de Almeida (2002)
entendem que para o sistema financeiro, no cenário econômico brasileiro da
década de 80:

"...ficaram suspensos os sentidos de concorrência e economicidade (relação preço-custo)


e o enriquecimento transformou-se em um fenômeno predominantemente patrimonial e
arbitrário."

Numa tentativa de apresentar, da forma mais lógica possível, o quadro mutante


da economia monetária brasileira e com o apoio do referencial teórico dado por
Belluzo & Gomes de Almeida (2002), encontrou-se, nesta parte do capitulo, um
espaço para narrar o fenômeno da 'indexação' da moeda.

De uma maneira muito peculiar, os condutores da política monetária no Brasil,


introduziram - na segunda metade da década dos anos 60 - um sistema de
indexação monetária 10 cuja finalidade era regularizar os contratos e permitir a
ampliação da intermediação financeira em uma economia com problema crônico
de inflação. O segundo propósito da implantação do sistema de moeda indexada -
ampliação da intermediação financeira - é item de interesse do presente trabalho,
pois é um elemento substancial na conformação atual do sistema financeiro.
Acrescente-se, ainda, o fato das empresas componentes do setor financeiro,

9 Nos meses anteriores a julho de 94, a taxa mensal de inflação atingiu níveis de 80% ao mês. Cf.
Belluzo & Gomes de Almeida, 2002.
10 Para maiores detalhes, consultar: Barros, L. C. M. (1992); Resende, André L. (1985).
53

buscarem na alternativa de operações com a 'moeda indexada' apropriação de


renda, ou seja, lucro inflacionário. Belluzzo & Gomes de Almeida (2002) relatando
o fato, dizem que:

"Com inflação, os bancos obtêm ganhos com a arbitragem do dinheiro e a agilidade que
possam ter na aplicação dos recursos. Sob alta inflação, a arbitragem pode corresponder
à própria taxa nominal de juros, uma fonte de lucros extraordinários se é ampla a base
sobre a qual se aplica o diferencial entre os juros cobrados nos empréstimos (ativos) e
aqueles pagos na captação de recursos do público (passivos)"..

Além da arbitragem do dinheiro, como fonte da apropriação de renda no processo


de inflacionário, os autores citados, na mesma obra e de forma mais contundente,
mostram a questão da indexação monetária quando afirmam que:

"...a convivência entre duas moedas habilitava o acesso de todos os agentes ao lucro
inflacionário (e não apenas os bancos), que captavam ou 'compravam' na moeda velha,
em franca desvalorização (ou sob um critério que se aproxime dela), e emprestavam ou
'vendiam' na 'moeda indexada'. Essa foi a base de lucros extraordinários para muitas
empresas e bancos... (aspas no original).

Com o fim do processo inflacionário, acontece uma restruturação da área


financeira no Brasil. Puga (1999), para explicar o acontecimento usa as palavras a
seguir:

“A queda das transferências inflacionarias pós-estabilização da economia tornou


inevitável a profunda reestruturação do sistema financeiro brasileiro. Em um primeiro
momento, os bancos procuraram se ajustar a essa nova situação aumentando fortemente
as operações de crédito.”

A adaptação do setor bancário, sob a ótica do autor citado, para o período da pós-
estabilização monetária, foi através do incremento das operações de crédito.
Como será abordado oportunamente este ajuste inicial do setor bancário, perde
potência quando o setor público, ao necessitar de financiamento, eleva as taxas
de juros para captar recursos, propiciando maior rentabilidade para as instituições
financeiras nas operações com os títulos públicos e, ao mesmo tempo, como
conseqüência das altas taxas de juros, eleva o risco do crédito ao setor privado
(cf. Belluzzo & Gomes de Almeida, 2002).
54

Além dos autores citados, Carneiro (2002), também analisa a mudança da


estratégia bancária na busca por lucratividade, após a estabilização da moeda.
Sobre o assunto comenta:

"O aumento do crédito, sobretudo crédito pessoal dirigido ao financiamento dos bens
duráveis, foi produto também da mudança das estratégias bancárias. A perda da fonte de
lucro oriunda da gestão da moeda indexada - floating e arbitragem de taxas - levou os
bancos a apostarem no crédito como nova origem dos lucros.

A conseqüência da nova estratégia bancária de aumentar a oferta de crédito foi


um aumento na fragilidade econômico-financeira das firmas, resultante dos
elevados níveis de inadimplência, decorrente das altas taxas de juros reais.

Para o segmento securitário, Galiza (1997) diz:

"...um fenômeno importantíssimo ocorreu no mercado segurador em épocas em que as


taxas inflacionárias estavam elevadas - década de 80 e início da de 90. Em virtude das
elevadas taxas de juros ocorridas no período, observou-se uma queda nos resultados
operacionais das seguradoras, já que haveria compensação da rentabilidade através dos
resultados financeiros (giro financeiro dos prêmios provisionados)". (destaques no
original).

A queda nos resultados operacionais era resultante de uma oferta de seguros


com preços (prêmios) mais baixos, pois a empresa que não tivesse preços
competitivos não conseguia arrecadar prêmios e não obteria, destarte, recursos
para girar no mercado financeiro, inviabilizando o negócio. Com a estabilização da
moeda, via Plano Real, o mercado segurador, busca alternativas para melhorar
seus resultados operacionais, entre as quais um incremento na oferta do produto
seguro saúde, até então, fora da regulamentação estatal.

O tema da reestruturação das finanças na economia é empolgante e polêmico.


Nogueira da Costa (1999) ressaltando as mudanças, afirma:

"Instituições financeiras, enquanto construções resultantes de ações coletivas, constituem


um fenômeno político. São, portanto, datadas e localizadas. Frutos de um contexto
histórico, em determinado país, sofrem o condicionamento da origem. Se não se
adequarem às condições mutantes, correm o risco de ficar esclerosadas." (grifos
nossos)
55

Como se vê, afloram nos comentários dos autores citados a percepção das
mudanças e das adaptações do sistema financeiro às condições pós estabilização
da moeda, no cenário econômico brasileiro.

Tendo como origem estas transformações, há uma busca incessante e


permanente pela liderança do mercado (cf. Belluzzo & Gomes de Almeida, 2002).
As estratégias, para obter tal liderança, contemplam a diversificação e a
especialização. A lucratividade e a rentabilidade agora dependem de outras
variáveis e não mais só da inflação. O risco do negócio e o risco sistemático, este
oriundo do cenário sócio-econômico e político, existem e precisam ser
administrados. Sobre as estratégias adotadas pelas corporações, para administrar
os riscos do novo ambiente competitivo, leia-se os comentários de Siffert Filho &
Silva (1999):

“A estratégia corporativa envolve (...) a escolha do negócio no qual a corporação deve


atuar. (...) a principal preocupação diz respeito ao posicionamento da corporação no
mercado a longo prazo,(...). Entre as estratégias adotadas destacam-se: a diversificação
e a especialização.” (grifos dos autores).

“Diversificação e especialização são, portanto, movimentos antagônicos sob o ponto de


vista estratégico, uma vez que delimitam de forma diferenciada o espaço concorrencial. A
especialização busca focar capacitações, concentrando o risco, ao passo que a
diversificação, busca reduzir o risco, com maior ou menor sinergia com os negócio
correntes da corporação.”

Analisando as metamorfoses sob outro ângulo - o da competição e da


administração do risco - os autores citados, mostram o caminho percorrido pelas
empresas do ramo das finanças para continuarem competindo com resultados
positivos.

No Brasil, seguindo a tendência dos acontecimentos no mundo, houve uma


expansão das operações do setor de serviços, em especial, e a dos serviços
financeiros. As corporações emergentes no cenário das finanças brasileiras,
frutos da união do ramo bancário com o securitário, passam a ofertar um produto
que dá proteção ao risco do não atendimento sanitário: o seguro saúde. A
ausência do estado na oferta de serviços de atenção à saúde cria uma lacuna na
56

questão da seguridade social, e estas corporações passam a preencher o espaço


deixado pelo Estado - em virtude de seu reposicionamento e em consonância
com as mudanças estratégicas propostas pela ideologia neoliberal - quando este
reduz para um patamar mínimo a oferta dos serviços de atenção à saúde,
propiciando ao setor privado (vale dizer, ao mercado) oportunidade para obtenção
de ganhos.

As empresas seguradoras – nos anos 90 já integradas ao setor financeiro - na


busca por novas alternativas operacionais que lhe propiciem maiores lucros,
passaram a oferecer cobertura para o risco da população não encontrar acesso
ao atendimento médico-hospitalar quando do aparecimento da doença. A lógica
do mercado prevaleceu e a demanda (constituída pela população do País)
percebeu que o produto ofertado pelas seguradoras, isto é, o seguro saúde,
funcionaria como um passaporte para acessar os serviços de cuidados à saúde.
O produto seguro saúde passa a compor o portfólio das empresas bancárias,
integradas que estão nos conglomerados financeiros.

A oferta do seguro saúde, pelo setor financeiro, provoca alterações no mercado


das organizações prestadoras de serviços de assistência à saúde 11 (cf. Andreazzi,
2002). Essas instituições têm sua capacidade de atendimento à população, vale
dizer, a oferta de seus serviços, também, dependente da demanda das
instituições financeiras (via empresas seguradoras). As seguradoras pagariam
aos provedores, diretamente, quando os segurados demandassem assistência à
saúde ou, indiretamente, reembolsando os segurados.

As políticas de atenção à saúde no Brasil modificaram-se a partir dos anos 80,


quando, caudatário da crise econômica, adoece o Estado-Providência. Com
recursos financeiros minguantes e aproveitando os sopros das idéias neoliberais,
o Estado brasileiro dá inicio a sua estratégica retirada do setor.

O primeiro movimento indicando esta retirada é percebido quando a União passou


a responsabilidade da atenção primária à saúde para os Municípios, os quais, na
teoria, deveriam ter suporte, financeiro e institucional, das unidades federativas

11 São os hospitais, laboratórios de análises, ambulatórios, consultórios de profissionais da saúde,


abrangendo todas as formas legais de organização. Cf. Andreazzi, 2002.
57

que por sua vez se encarregariam da atenção secundária. Municípios e estados


federados, sem recursos financeiros, sempre a espera de repasses de verba
federal, comprimem a oferta de serviços e abrem alas para o crescimento da
oferta via iniciativa privada.

De modo marcante, a oferta privada de serviços de atenção à saúde surge e,


empiricamente, dois motivos podem ser relacionados a este fato: i) falta de
alocação de recursos do Estado no setor, portanto, reduzindo a oferta estatal; e ii)
o suporte comercial oferecido pelas empresas de seguro saúde 12.

As mudanças buscando um patamar de assistência ideal continuam até a época


atual. Tomando como ponto inicial a situação vigente nos anos 70, pode-se
afirmar que a estrutura do sistema de saúde brasileiro passou por três fases
distintas, quanto ao seu aspecto organizacional (cf. Médici, 1997). Uma delas - a
partir do meado dos anos 60 até a metade da década dos 80 - estava voltada
exclusivamente para a proteção do trabalhador (e família) inscrito na previdência
social. A partir de 1983, inicia-se uma migração para a ampliação da cobertura de
modo que contemplasse toda população e, finalmente, em 1988, com a
promulgação da Constituição Federal, o sistema muda para o patamar do
‘universalismo', onde todo o cidadão encontra proteção. Estas transformações
aconteceram com maior visibilidade no setor público, mas, é preciso dizer que a
área privada também mudou, e de forma significativa, como será apresentado em
seções posteriores.

Constatou-se, portanto, uma progressiva, mas lenta, transição do sistema


brasileiro de atenção à saúde na direção de um modelo que: i) seja universal,
equânime e integral quanto ao amparo e atendimento da população; ii)
descentralizado na gestão e nas ações e, também, na prestação dos serviços,
quer sejam públicos ou privados; iii) tenha direção única, em cada nível decisório
(governamental ou empresarial); e iv) com participação comunitária - ainda de
forma tênue - para o estabelecimento das prioridades e controle social do sistema
(âmbito do Estado), de modo a elevar o grau de satisfação dos usuários.

12 O conceito de empresas de seguro saúde é amplo, englobando: Seguradoras, Cooperativas


Médicas, Medicina de Grupo e assemelhadas.
58

Dentre as novas situações da economia mundial, que forçaram modificações no


panorama nacional, pode-se citar as transformações das operações do Estado na
prestação de serviços à população, advindas de um reposicionamento do 'Welfare
State'.

O liberalismo clássico preconiza a idéia de que no Estado moderno, dois outros


coexistem. Um de direito, que estabelece condições jurídico-institucionais,
garante a liberdade e a democracia à comunidade. E outro, intervencionista e, por
isso mesmo, destruidor das liberdades e limitador das ações dos cidadãos.
Portanto, é necessário manter apenas o primeiro, eliminando ou reduzindo o
segundo. Esta idéia reinou absoluta desde o século 18, com Adam Smith, até
1936, quando Keynes publica seu tratado de economia intitulado “Teoria Geral do
Emprego, dos Juros e da Moeda”, recomendando a participação do Estado nas
questões econômicas para promover a organização das relações sociais.

Assim, o Estado intervencionista e promotor da organização das relações sociais,


a partir das idéias keynesianas, atua com vigor até a segunda metade dos anos
70. Neste período aparecem limitações ao financiamento das políticas públicas
implementadas pelo Estado e com maior intensidade nos países carentes de
poupança interna, como o Brasil. No novo ambiente, há um redirecionamento da
atuação estatal, abrindo espaço para a iniciativa privada, movida pelos ventos do
neoliberalismo. Pinheiro, Giambiagi e Gostkorzewicz (1999) identificam essa
forma de operação estatal quando dizem que:

“O papel do Estado na economia mudou de forma drástica, passando de um Estado-


empresário, que procurava impulsionar o desenvolvimento econômico definindo
diretamente onde os fatores de produção deveriam ser alocados, para um Estado
regulador e fiscal da economia.”

A mudança no papel do Estado, descrita pelos autores da citação, coaduna-se


com o ideário das reformas neoliberais - liberalização da economia, abertura
comercial e financeira etc. - cuja implementação tem início na década de 1990,
quando assume a presidência do Brasil, Fernando Collor. Ao longo dos anos 90, a
economia do Brasil passou por um processo intenso de liberalização financeira e
comercial. Segundo Carneiro (2002), a liberalização das finanças provoca a
59

desnacionalização do setor bancário e o aumento da dívida brasileira com o


exterior. Sobre o problema, o autor diz:

"...essa abertura engloba duas dimensões principais: a conversibilidade da conta de


capital do balanço de pagamentos e a desnacionalização de parcela expressiva das
empresas do setor financeiro, em especial do ramo bancário." (grifos nossos).

O mesmo autor, na mesma obra, relata que a conseqüência principal da


liberalização comercial sobre o setor produtivo da economia brasileira foi a
desnacionalização da propriedade das empresas e credita às privatizações uma
parcela significativa do impacto.

Nas palavras de Carneiro (2002):

"O processo de abertura comercial e financeira da economia brasileira e a redefinição do


Estado por meio das privatizações deram ensejo a uma importante mutação na estrutura
da propriedade das empresas."

Comparando as linhas analíticas dos autores citados - Belluzo & Gomes de


Almeida e Carneiro - constata-se, em ambas, a preocupação em mostrar os
efeitos da condução da economia brasileira, pós 'Plano Real', pelos caminhos da
ideologia neoliberal.

A partir da metade da década dos 90, o papel de Estado regulador torna-se


preponderante, como será visto, no caso específico do setor de cuidados à saúde.
O início da regulamentação setor de saúde suplementar data do ano de 1998. A
criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS ocorre no final de
1999.

Historicamente, as intervenções do Estado brasileiro na economia estão


condicionadas a fatos exógenos. Desde a época colonial - quando da chegada da
família real portuguesa em 1808 e o decreto da 'abertura dos portos', passando
pela era inicial da República, cujo primeiro ministro da Fazenda, Rui Barbosa (no
período de 1889 até 1891) implementou a política do Encilhamento, até a
atualidade, onde o ministro Pedro Malan comanda as ações traçadas no Plano
Real (1994) - as políticas econômicas são influenciadas por acontecimentos
60

externos, os quais refletem em maior ou menor grau o relacionamento do sistema


econômico do Brasil com o resto do mundo.

Num cenário econômico onde a indústria, sob o conceito tradicional, perde seu
papel de liderança no processo de desenvolvimento, o Estado, até então atuante
na produção de bens e serviços, cede espaço para a subida ao poder do setor
privado. As privatizações 13 e as desestatizações 14 foram os caminhos encontrados
pelo Estado para adaptar-se às exigências de um modelo econômico rotulado de
neoliberal.

Valem algumas observações neste ponto. Contrariando o pensamento da


corrente neoliberal, a respeito da atuação do Estado na economia, pode-se
constatar que alguns empreendimentos produtivos do Estado brasileiro geravam
externalidades positivas para a economia. Isto significa que o setor privado ao
apropriar-se das 'economias externas' alocava os seus recursos disponíveis em
setores geradores de novos postos de trabalho, contribuindo para o crescimento
da renda - via pagamento de salários e obtenção de lucros - e aumentando a
capacidade produtiva do país.

A questão enunciada, tem apoio em Belluzo (2002) ao prefaciar o livro


"Desenvolvimento em Crise"15, quando diz:

"A perda do controle nacional sobre as empresas e bancos desarticularam os


mecanismos de governança e de coordenação estratégica da economia brasileira...O
neoliberalismo à brasileira deixou escapar a oportunidade oferecida pelas privatizações
para criar grupos nacionais - privados e públicos - dotados de poder financeiro, de
capacidade competitiva nos mercados mundiais e comprometidos formalmente com as
metas de desenvolvimento do país e com a geração de moeda forte."

Encerrando este capitulo, vale lembrar que, no campo político, a transição do


estado autoritário para o regime democrático, tem seu ponto culminante com a
promulgação da Constituição Federal de 1988 – Constituição Cidadã –que entre
outros pontos de interesse, privilegia o ramo de assistência à saúde tornando-o

13 Vide nota 3
14 Vide nota 2
15
Comentários no prefácio do livro "Desenvolvimento em Crise" de Ricardo Carneiro (2002). Vide bibliografia.
61

um dever do Estado e um direito da população. É a universalização do sistema de


assistência à saúde. Mas como já abordado em parágrafos anteriores, a
minguante fonte de financiamento estatal para o setor da saúde transmuta a
prestação do serviço, alienando-a da esfera governamental.

A transição para a democracia redunda, ainda, na eleição presidencial por


sufrágio universal, com a posse do presidente eleito (Fernando Collor) em 1990.
Descrevendo as mudanças na área da política, foram promulgadas diversas leis
visando a 'moralidade administrativa' dos dirigentes públicos, como por exemplo,
a 'Lei de Responsabilidade Fiscal'. Quanto às reformas do sistema de
representatividade política, duas questões estão em debate no Congresso
Nacional: i) a representatividade parlamentar; e, ii) o financiamento das
campanhas eleitorais.

Em resumo, procurou-se destacar neste capítulo, as principais transformações


ocorridas no cenário econômico, social e político brasileiro. Na questão social, foi
enfatizado o câmbio no papel do Estado quanto às políticas públicas - em
especial a de assistência à saúde - ao reduzir suas atividades de provedor e
deslocar-se para as atividades de regulação. Portanto, abrindo espaço para a
ascensão das ações privadas, ou seja, a atuação do mercado. A questão
econômica, quando da adoção das reformas oriundas de fatos exógenos e em
conformidade com o receituário ideológico neoliberal. Ainda, no campo
econômico, a transformação do setor de serviços com o surgimento dos
conglomerados financeiros ofertando o produto seguro saúde. O campo político,
onde o fato marcante é a transição para o regime democrático com a
promulgação de uma nova Constituição (1988) e a eleições diretas para os cargos
do executivo.

Esse ambiente mutante, que predomina no cenário brasileiro em geral e na


atenção à saúde em particular, durante a década dos anos 90, é responsável,
também, pela ‘rearrumação’ da oferta de serviços de cuidados à saúde e,
portanto, pelo aparecimento do produto seguro saúde ofertado pelas instituições
financeiras. A ascensão do setor terciário e as transformações provocadas no
ramo financeiro da economia atual serão discutidas no capitulo a seguir.
62

3 – SETOR DE SERVIÇOS: MUDANÇA NA BASE

Sob a ótica da ciência econômica, as atividades produtivas humanas, são


classificadas em primárias, secundárias e terciárias 16. A intensividade do uso dos
fatores de produção17 e as diferentes categorias de produtos resultantes são os
parâmetros referenciais desta classificação.

Assim, pode se afirmar que nas atividades primárias é alta a intensividade dos
recursos produtivos terra e trabalho (mão-de-obra). Os exemplos clássicos dos
resultados dessa atividade são os produtos oriundos da pecuária, da lavoura e da
extração vegeto-mineral. É possível correlacionar, com um viés positivo, o uso
desse dois fatores – terra e trabalho - e, consequentemente a produção
resultante, aos povos com menor grau de desenvolvimento e pouco acúmulo de
conhecimento. Era a atividade predominante nos primórdios da civilização. A
ordem econômica era caracterizada por um sistema de troca incipiente em
estruturas primitivas de mercado. Na atualidade, as atividades primárias de
produção ainda subsistem, embora modificadas e sem o mesmo vigor de outrora.

A evolução da sociedade, do ponto de vista do aumento do estoque de


conhecimento e da dinâmica das instituições, impulsiona as atividades produtivas
para um novo âmbito, onde se constata a utilização mais intensiva do capital
como fator de produção. Numa perspectiva histórica, a partir da Revolução
Industrial, o setor secundário firma-se como o motor propulsor da economia,
expandindo não só o quantum produzido como agregando valor ao resultado do
processo.

Ao longo dos séculos XIX e XX verifica-se a ascensão e a queda da era industrial.


As invenções e inovações do final do século XIX e as do século XX,
principalmente, transformaram com intensidade a combinação do uso dos fatores
de produção. A sofisticada tecnologia, com destaque para as áreas de

16 O conceito das atividades de produção pode ser encontrado em Rosseti, J. P. (2000)


Introdução à Economia. 18a ed. São Paulo: Atlas.
17 Os fatores ou recursos de produção são: terra. capital, trabalho, tecnologia e capacidade
empresarial. Cf. Rosseti, 2000.
63

telecomunicações e informática, e a mão-de-obra, agora qualificada, são


utilizadas com alta intensividade propiciando a ascensão do setor terciário.

Na atualidade econômica o setor terciario é o destaque. O dinamismo da


economia é deslocado para o setor de serviços, com destaque para o setor
financeiro que é usuário intensivo de informações. O que se constata,
paralelamente, é a transformação dos setores agrícola e industrial pela
incorporação de recentes tecnologias e estruturas organizacionais (cf. Albagli,
1999). A prestação de serviços nas atividades do comércio, por atacado e a
varejo; a diversificada oferta das indústrias do entretenimento e das
comunicações; os sofisticados produtos dos conglomerados financeiros, incluindo
o ramo securitário e serviços profissionais especializados; inclusive os voltados
para a atenção à saúde, demonstram a pujança do setor.

A prestação de serviços cresce e os serviços de assistência financeira, no qual


está inserido o ramo securitário, surgem como um dos propulsores da economia.
Os serviços de assistência à saúde acompanham o desenvolvimento tecnológico
beneficiando-se das pesquisas científicas e ocupando uma posição de destaque
dentro da economia.

Em síntese, o crescimento das atividades terciárias faz deslanchar o setor


financeiro, trazendo a reboque de seu crescimento o ramo dos seguros. Este por
sua vez, cria e desenvolve o produto seguro saúde, como um instrumento de
proteção ao risco do não acesso ao serviços de cuidados à saúde. Os serviços de
à atenção à saúde, destaque do ramo terciário das atividades econômicas, e o
produto seguro saúde, agora ofertado pelos conglomerados financeiros, se
aglutinam ao mundo das finanças, como será visto nas seções seguintes.
64

3.1 - Setor Financeiro: Inovações e Mudanças Estruturais

Dentre os ramos do terciário, a área das finanças emerge com força, ocupando
um lugar de destaque no cenário econômico. Cardim de Carvalho et alli (2000)
definem os sistemas financeiros como um

"... conjunto de mercados financeiros existentes numa dada economia, pelas instituições
financeiras participantes e suas inter-relações e pelas regras de participação e
intervenção do poder público nesta atividade."

O sistema financeiro, um dos focos das complexas transformações econômicas


dos últimos anos - no mundo e no Brasil - tem sido objeto de análise de autores
internacionais (cf. Solomon, 2001; Krugman, 1999; Chesnais, 1999) e nacionais
(cf. Belluzzo & Gomes de Almeida, 2002; Carneiro, 2002; Cardim de Carvalho et
alli, 2000, Nogueira da Costa, 1999).

Assim, é importante analisar o conceito de Cardim de Carvalho, citado


anteriormente, para entender as inovações e mudanças estruturais do setor.

Historicamente, o foco dos negócios do ramo financeiro tem sido a concessão de


empréstimos com fundos oriundos dos depósitos bancários. Ou seja, os
intermediários financeiros captam recursos de agentes econômicos superavitários
(cujas rendas superam os gastos) para emprestá-los aos deficitários (cujas
rendas são menores que os gastos). A remuneração das instituições financeiras é
obtida a partir do diferencial entre os juros cobrados em suas operações ativas
(empréstimos a terceiros e aplicações nos mercados) e os juros pagos em suas
operações passivas (remuneração dos poupadores). É o sistema financeiro
baseado no crédito.

A partir dos últimos anos do século XX o sistema bancário tradicional, baseado no


crédito, mudou. Inovações no mercado financeiro têm permitido aos tomadores de
empréstimos contatar, de forma direta, os possuidores de fundos, sem a
interveniência dos bancos. Instituições financeiras não bancárias - entre as quais
as seguradoras - estão ofertando fundos aos agentes deficitários e, assim,
reduzindo a participação dos bancos no mercado de crédito. É o sistema
financeiro baseado no mercado de capitais.
65

Edwards (1996), dissertando sobre o tema, afirma:

" An intensified competitive environment coupled with an erosion of protective regulations


resulted in a significant decline in the importance of traditional banking relative nonbank
financial intermediaries...."

De uma forma evidente, o Prof. Franklin Edwards diz que um ambiente de intensa
competitividade e uma degradação das regras de proteção do sistema financeiro,
em conjunto, resultaram num declínio significativo dos bancos tradicionais no
papel de intermediários financeiros, em favor dos instituições não bancárias.
Ainda sobre o mesmo tema, Edwards (1996) é taxativo ao afirmar:

"... a steady stream of technological advances and financial innovations gave business
borrowers greater direct access to capital markets so that they could bypass financial
intermediaries entirely."

O autor ratifica suas afirmações quanto ao acesso direto dos tomadores de


recursos aos mercados de capitais. Apoia suas convicções nos avanços
tecnológicos e nas inovações financeiras. Portanto, o autor constata relevante
mudança do setor das finanças, cujos detalhes, a partir de um recorte histórico no
inicio da década dos 70, será visto a seguir.

Ë possível identificar nos anos 70 o início do processo das transformações no


sistema financeiro. Em 1971, o presidente dos Estados Unidos da América, de
forma unilateral, suspendeu a paridade dólar/ouro estabelecida desde o tratado
de Bretton Woods - assinado em 1944 - pondo fim ao sistema cambial fixo até
então vigente. A volatilidade das taxas de câmbio, a instabilidade das moedas e
das taxas de juros, conseqüências do fim da paridade decretada pelo Governo
americano, criam um ambiente de incerteza para operações dos mercados
financeiros internacionais. Os agentes econômicos do sistema geram
procedimentos para administrar riscos e reduzir incertezas. Criam produtos
financeiros diferenciados tentando atrair clientes tomadores e doadores de
recursos que têm diferentes propensões ao risco. Surge, por exemplo, o mercado
de derivativos e o processo de securitização (de direitos e obrigações). Ainda são
citados, como vetor de inovação no sistema financeiro, a revisão dos princípios
66

reguladores do Estado e o progresso tecnológico (cf. Nogueira da Costa, 1999;


Cardim de Carvalho et alli, 2000).

Numa perspectiva global, as transformações e inovações pelas quais passaram (e


ainda passam) os sistemas financeiros, podem ser estudadas e abordadas de
diversas formas. Nesta tese, o apoio teórico da abordagem é a de Cardim de
Carvalho e alli (2000) que apresentam cinco áreas de análise das transformações
ocorridas no setor: i) a convergência estrutural do sistema bancário, com a
criação dos bancos múltiplos; onde o objetivo é a eficiência através da economia
de escala; ii) o surgimento dos investidores institucionais; onde se abrigam as
companhias de seguros; iii) a desregulamentação e liberalização financeiras, com
a revisão da regulação estatal; iv) a emergência do mercado de derivativos; e, v)
o processo de securitização. Cada vetor de transformação será comentando a
seguir.

A criação dos bancos múltiplos, componente da reestruturação bancaria é uma


resposta à situação mutante. Os bancos, para retomarem suas fatias de mercado
e continuarem competitivos, buscaram fusões e incorporações, estenderam seu
alcance geográfico e expandiram suas atividades com a oferta de novos produtos.
Houve uma tendência a universalização das atividades bancárias, pois as formas
de organização segmentadas, até então vigentes, tornam-se obsoletas.

Edwards (1996) fala da restruturação bancária:

"Banks responded those pressures by increasing their off-balance-sheet activities and by


providing a wider array of nontraditional financial products, such as underwriting,
securities, and derivatives market services."

Para o autor, os bancos respondem às pressões da reestruturação dos produtos


oferecendo produtos bancários não tradicionais, visando assim, manter-se
competitivos e rentáveis. É o objetivo da eficiência através de ganhos de escala.

A segunda área de análise da metamorfose setorial é a emergência dos


investidores institucionais. No conceito de Cardim de Carvalho et alli (2000),
essas instituições:
67

"...compreendem um conjunto relativamente heterogêneo de iniciativas que têm


como traço comum o de constituírem pools de recursos para aplicação
financeira."

Especificando, são os fundos de pensão, fundos de investimentos e as


companhias seguradoras. A característica marcante dessas instituições é a
agregação dos recursos, permitindo um aproveitamento melhor das
oportunidades de acumulação de renda ofertada pelo mercado financeiro, seja
pela gestão profissionalizada de uma carteira de ativos, seja pela alocação
eficiente dos recursos em relação ao binômio risco e retorno. As companhias de
seguros reúnem os prêmios recebidos dos clientes (segurados) e realizam
inversões financeiras buscando renda para fazer frente às indenizações diante
dos sinistros ocorridos. Outra marca institucional do segmento é a dimensão da
poupança agregada em relação à unidade original, o indivíduo ou a família. É o
deslocamento da função poupança - no sentido econômico do termo - do agente
econômico família para o emergente investidor institucional.

A desregulamentação e a liberalização das finanças são funções crescentes da


integração da economia mundial e do avanço tecnológico do setor. O
protecionismo e o isolacionismo, existentes no início do século XX, desaparecem
para dar lugar a um complexo onde há equalização das operações e tendência à
unificação dos mercados (cf. Cardim de Carvalho e alli, 2000). Os recursos da
telemática (telecomunicações e informática), empregados de forma generalizada
e, em particular no ramo bancário, foram decisivos para determinar os caminhos
percorridos pelo setor. Os novos produtos advindos do processo de securitização
e do mercado de derivativos, jamais existiriam sem o apoio e o uso intensificado
dos computadores, operando em tempo real, estabelecendo preços e divulgando
as informações mercadológicas. Sem os recursos computacionais, também não
seria possível a expansão geográfica das atividades das instituições, vetor
importante de competitividade na conjuntura atual.

Surgem novos produtos financeiros, permitindo proteção contra possíveis


prejuízos nas transações globais: os contratos de derivativos. Derivativos são
ativos cujos valores são determinados pelo valor de algum outro ativo,
denominado subjacente. O mercado de derivativos, produto das transformações
68

de sobrevivência do ramo bancário, tem como papel mais importante a


possibilidade de decompor e negociar os riscos de uma operação de finanças, de
forma separada. Isto possibilita aos envolvidos nas transações, e que possuem
preferências diferentes pelo risco, a escolher a posição que estão dispostos a
assumir. Os principais tipos de derivativos são os contratos de futuros, o de
opções, a termo, 'swaps' e 'hedges' 18.

A securitização é um processo que surge quando a função poupança se desloca


do agente família para os investidores institucionais. Refere-se à transformação
de obrigações financeiras em papéis ofertados diretamente ao mercado, sem a
intermediação bancária. Portanto, descreve uma situação em que a instituição
bancária muda sua forma primitiva de atuação (oferta de crédito) e, para atender
aos novos requisitos dos clientes e do mercado, deixam de ser intermediários do
crédito para se tornarem promotores ou corretores de negócios. Como exemplo
desses instrumentos pode-se citar os 'commercial papers' emitidos por empresas
e os papéis da dívida pública, em particular, dos países chamados emergentes.

Analisando o processo de transformação, em escala global, Edwards (1996) diz:

"In the process, banks as whole appear to have increased the amount of risk they are
willing to bear so as to maintain both their market share and profitability."

O Prof. Edwards, quando analisa o processo de transformação, conclui que os


bancos, em conjunto, parecem carregar um o risco maior que o desejado, pois só
assim, mantém a lucratividade e suas fatias de mercado.

Até aqui, as transformações apresentadas tem caráter geral, e ocorreram,


geograficamente, em todas as praças financeiras do mundo. Da Wall Street nova-
iorquina à City londrina, passando pelas praças da Europa continental, da Ásia
emergente (Coréia, Taiwan, Tailândia, Indonésia etc) e da tradicional (Japão).

Mas, os anos 90 foram férteis em acontecimentos que mudaram a feição do setor


financeiro no Brasil. A partir da visão e análise de autores brasileiros, apresenta-

18 Para detalhes sobre o assunto, veja Hull, John (1991). Introduction to Futures and Options
Markets. New York; Prentice Hall.
69

se os principais aspectos das mudanças (cf. Belluzzo & Gomes de Almeida, 2002;
Carneiro 2002; Cardim de Carvalho et alli, 2000; Nogueira da Costa, 1999).

Para dissertar sobre a dinâmica do setor financeiro no Brasil pode-se estabelecer


como marco, as reformas implementadas a partir de 1988. Com o intuito de
'contexualizar' o leitor, é oportuno informar que as reformas ocorridas
anteriormente, nos anos de 1964 e 1965, tinham como concepção básica a
especialização por agente financeiro, onde o princípio da 'compartimentalização'
tentava evitar as superposições de atribuições (cf. Nogueira da Costa, 1999).

Nos anos 80, em função da crise econômica, ocorreu um desajuste das empresas
em geral e das pertencentes ao ramo das finanças, em particular. (cf. Belluzzo &
Gomes de Almeida, 2002). Aconteceu um processo de desintermediação
financeira onde os agentes do mercado de crédito perdiam terreno - e clientes -
para os agentes do mercado de capitais. Com o advento do Plano Cruzado
(1986), os bancos são atingidos por uma perda de rentabilidade, motivada pelo
controle - ainda que momentâneo - do processo inflacionário. De pronto,
procuram se reajustar com medidas táticas, promovendo o fechamento de
agências, a demissão de pessoal e buscando o caminho da automação. Em 1987,
o Banco Mundial libera recursos para que o Governo brasileiro capitaneasse uma
outra reforma institucional no sistema financeiro. No ano de 1988 é dada a partida
para uma nova conformação do sistema e surgem, nos conglomerados
financeiros, os 'bancos múltiplos'. Sob a pressão do Banco Mundial, o Banco
Central do Brasil desregulamenta o setor bancário acabando, por exemplo, com a
exigência de 'compartimentalização', imposta pelas regras de 1964, e com as
'cartas-patentes'.

A interferência do Banco Mundial nas transformações do sistema financeiro


brasileiro buscava: i) eliminar a atuação do Governo, como emprestador, no
mercado de crédito, desenvolver o mercado de capitais e criar instrumentos de
empréstimos a longo prazo; ii) o aumento da competição entre os bancos e a
introdução de um mecanismo de seguro de depósito; iii) nivelar as exigências de
reservas para todas as instituições e instrumentos financeiros, reduzindo o grau
de variância dessas exigências; iv) a reestruturação do Bacen com melhoria nas
práticas de fiscalização, controle e aprimoramento da capacidade técnica de
70

pesquisa econômica; v) a privatização ou eliminação do sistema bancário do


Estados membros da federação; e, vi) a reforma completa do sistema financeiro
da habitação com a eliminação do crédito direto e a criação de fundos privados,
ofertados pelo mercado (cf. Nogueira da Costa, 1999).

Num documento oficial o Banco Mundial (1988), citado em Nogueira da Costa


(1999), afirmava de forma explicita:

"Nosso objetivo para a reforma do setor financeiro no Brasil é a integração dos mercados
de crédito, de forma que as taxas de juros praticadas reflitam apenas o risco de mercado
percebido. Para alcançar este objetivo, será necessário desregulamentar o mercado de
crédito e reduzir o porte e o campo de atuação dos bancos oficiais." (grifos do original).

Da assertiva do Banco Mundial, depreende-se que a implantação das reformas


preconizadas, conduzem o sistema para a esfera do mercado, onde o crédito é
desregulamentado e os chamados bancos oficiais (estatais) têm seu campo de
atuação reduzido. O objetivo é eleger a taxas de juros como sinalizadora do risco
do mercado.

Na esfera da comercialização, há uma ampliação da oferta de produtos, pois as


pesquisas mercadológicas orientam as decisões estratégicas das empresas
financeiras nesta direção. Além dos produtos tradicionais - certificados de
depósitos bancários, títulos públicos e privados, ações, metais preciosos,
'commodities' (café, soja etc.) - surgem os derivativos ('swaps', mercado de
opções e futuro) e os seguros.

Na segunda metade da década de 90, constata-se um processo de transferência


do controle acionário dos bancos nacionais para acionistas estrangeiros. Em
outras palavras, ocorre uma 'desnacionalização' do setor bancário brasileiro. Os
defensores desse processo argumentam que a participação dos bancos
estrangeira nas operações do mercado financeira nacional amplia a concorrência
e trazem inovações tecnológicas, portanto, implicando em benefícios para os
consumidores e em redução dos 'custos de transação'. De forma não explícita ao
público em geral, mas detectado pelos analistas acadêmicos, o incentivo aos
'take-overs' dos bancos estrangeiros sobre o setor bancário nacional, atendia às
recomendações do Banco Mundial, quanto ao afastamento do Estado na oferta de
71

crédito. A intenção era reduzir o papel dos bancos estaduais e para isso, o setor
público recorreu, entre outros expedientes, à privatização.

Carneiro (2002), um dos acadêmicos que se debruçou sobre o problema,


comenta:

"A maioria dos processos de compra de bancos nacionais por estrangeiros foi realizada
sob o controle do Banco Central, por medidas ad hoc à revelia do Congresso Nacional,
ao abrigo do artigo 52 das disposições transitórias da Constituição de 1988".

Para exemplificar os acontecimentos, dentre as grandes operações de


incorporação de bancos brasileiros por estrangeiros pode-se citar a do Banco
Real, comprado pelo holandês ABN-Amro, a do Excel-Econômico encampado
pela espanhol BBV e a do Bamerindus incorporado ao HSBC.

O aspecto mais significativo da entrada dos bancos estrangeiros no Brasil é a sua


adaptação ao modo de operação dos bancos brasileiros. Ou seja, racionamento
na oferta de crédito, principalmente de longo prazo, e concentração nas
operações de tesouraria, de onde tem origem parcela significativa de seus lucros.

As companhias seguradoras incorporam-se às empresas do ramo financeiro e


passam a fazer parte dos conglomerados e o produto seguro passa a ser ofertado
como um produto financeiro. Destaca-se que o mercado de seguros no Brasil,
caracteriza-se pela participação das seguradoras vinculadas às empresas
bancárias. Essa particularidade é conceituada na literatura internacional como
bancassurance. Um dado de 1997 mostra que das quinze maiores companhias
seguradoras, oito estavam vinculadas ao setor bancário (cf. Cerqueira Lima,
1998).

Descrevendo as mudanças no ramo dos seguros, que ocorreram no Brasil em


função, entre outras, da globalização e da reforma do Estado, Leopoldi (1998) diz
que tais transformações surgem da reconfiguração do setor financeiro no mundo
após 1973. As repercussões sobre as seguradoras são provenientes do declínio
do banco comercial tradicional, do crescimento do mercado de títulos e valores,
da internacionalização das operações financeiras, da desregulamentação e do fim
72

da segmentação do mercado. Surgem entidades que ligam bancos, seguradoras


e indústrias, organizadas em conglomerados: A autora diz:

“...neste período a companhia seguradora passa a ser tratada antes de tudo como uma
investidora, pois produz grandes volumes de provisões que tendem a ser aplicados em
investimentos no mercado financeiro...”

Os comentários de Leopoldi corroboram a análise de outros autores citados, e


indicam a existência de um senso comum que entende ser o produto seguro
integrante do sistema financeiro, ofertado por um investidor institucional (as
companhias seguradoras).

É neste contexto de transformações que o sistema financeiro engloba o setor


securitário. Além dos produtos tradicionais, os conglomerados financeiros
oferecem, também, o produto seguro, e especificamente, o seguro saúde.

O produto seguro saúde, como se verá com detalhes em capítulo posterior,


constitui-se no elo entre o setor financeiro e o setor de cuidados à saúde. Ele
oferece a cobertura para o risco do usuário não encontrar acesso aos serviços de
atenção à saúde em função, dentre outras, dos elevados preços cobrados pelas
empresas ofertantes desses serviços.

Para entender com mais clareza esta ligação, narra-se a seguir o comportamento
do setor de saúde, com ênfase nas mudanças ocorridas no Brasil, em especial na
década dos 90.
73

3.2 - Setor Saúde: Transformações Recentes

O setor de assistência à saúde emergiu com destaque no setor terciário da


'economia da informação'. Mudanças substanciais contribuíram para o
crescimento da área. Autores estrangeiros e nacionais visitaram o tema. Por
exemplo, Decter (2000) identifica quatro poderosas forças que estão mudando o
sistema de cuidados à saúde, ao redor do mundo: i) as novas idéias; ii) as novas
exigências dos consumidores; iii) a tecnologia; e iv) as restrições de recursos
fiscais. As palavras de Decter (2000) são:

"These are the four powerful winds blowing through global health care: new ideas and
different vision of health; more demanding and knowledgeable public; advances in
technology - in particular chip-based technology; and a desire for greater affordability and
value for money. These forces are bring about phenomenal and rapid change in health
care delivery as we know it. They offer the potential for great constructive change, as well
as certainty of significant disruption order

A primeira força de mutação apresentada pelo autor citado são as novas idéias,
as quais contemplam uma mudança de paradigma na política de saúde. Há uma
migração da política da provisão dos serviços individuais para a política de
gerência dos custos, com o objetivo de administrar o 'status' da saúde da
população. O foco das atenções mudou dos serviços de saúde para o estado da
saúde.

Esta abordagem, de acompanhamento do estado da saúde da população, se


coaduna com o conceito de saúde da OMS que enfatiza a necessidade das ações
de prevenção dos estados de morbidade, portanto, ações de promoção da saúde.
O relatório anual de 1993, do Banco Mundial, cujo assunto em evidência era o
setor da saúde, associa como indicadores do estado de saúde o patamar da
renda da população - o estado de saúde cresce com a riqueza - o estilo de vida
(qualidade da alimentação, sedentarismo) e o ambiente não poluído e seguro.

Resumindo pode-se dizer que as idéias emergentes perpassam: i) pela ampliação


dos fatores determinantes da saúde, onde são pesquisados temas sobre a
biologia humana, o ambiente, o estilo de vida da população e a organização do
sistema de saúde; ii) pela competição, como direcionadora da eficiência na
74

alocação dos recursos; e, iii) pela mensuração dos resultados e não mais pela
quantificação da provisão.

O outro bloco de força mutante é o referente às expectativas e às exigências dos


consumidores dos serviços de saúde. A qualidade, a velocidade, as alternativas
de escolha, o suporte financeiro e a adequação do atendimento são os fatores
que conduzem o julgamento do cliente quanto ao sistema de saúde.

A revolução tecnológica constitui-se na terceira força do câmbio. Na geração dos


serviços de saúde é, talvez, a mais intensa destas mudanças. O último quartel do
século XX foi testemunha de várias ondas de inovações no setor, como a
descoberta de novas drogas, o desenvolvimento de vacinas, as terapias genéticas
e as espetaculares 'nanomáquinas' que viajam no interior do corpo humano,
transmitindo informações sobre o estado de saúde dos pacientes. A ubiqüidade
dos 'chips' transforma a capacidade do produtor dos serviços em obter,
armazenar e gerenciar as informações, afetando a oferta dos serviços de
cuidados à saúde. Por exemplo, as consultas médicas e intervenções cirúrgicas,
podem ser realizadas através da telemática. A utilização dessas inovações eleva
o custo da prestação dos serviços, fazendo o setor defrontar-se com restrições no
financiamento.

O quarto vento da analogia de Decter, são as restrições de recursos financeiros.


A questão do restrito financiamento tem sido motivo para os dirigentes - do setor
público e do setor privado - repensarem as prioridades na área de atenção à
saúde. O que tem sido observado é uma redução na alocação dos recursos,
resultando numa reestruturação da oferta. Há uma pressão por parte dos
dirigentes governamentais e dos gerentes do setor privado para uma maior oferta
de serviços com menores custos. Vale dizer, ofertar com eficácia e eficiência.

A 'ventania decteriana' atinge, como um todo, o setor da saúde. Dirigentes


públicos e empresários voltam-se para esmiuçar os fatos, tentando identificar no
ambiente oportunidades e ameaças às suas instituições. As oportunidades, para o
setor privado, surgem através de um incremento na oferta de serviços de atenção
à saúde, em complemento (ou suplemento?) às atividades do setor público. É o
setor de saúde suplementar emergindo, com a força do vendaval.
75

O setor de cuidados à saúde, no segmento chamado de suplementar,


compreende todo o conjunto de instituições privadas que têm como objetivo
ofertar serviços de atenção à saúde, paralelamente à oferta do Estado. A razão
da denominação, por alguns autores (cf. Bahia, 1999; Andreazzi, 2002; Almeida,
1997), do segmento privado como assistência médica suplementar é, segundo
Kornis, Nunes & Caetano (2000) a existência de

"... um serviço público de atenção médica de caráter obrigatório, sendo permitida ao


beneficiário a opção pelo pagamento de um seguro privado, a despeito da manutenção
da obrigatoriedade de contribuição para a previdência social”

As companhias de seguros usam, de forma generalizada, a expressão assistência


médica suplementar, baseando-se na seguinte classificação para o setor: i)
alternativo: quando é dada opção ao cidadão escolher entre o sistema de seguro
governamental (público) ou seguro do mercado (privado); ii) complementar:
quando há suposição da existência e de limites de cobertura ofertados pelo
Governo e o mercado complementa a cobertura em determinados tipos de
serviços; e iii) suplementar: quando a oferta governamental existe, é obrigatória e,
além disso, ao cidadão é dada a opção de um seguro privado, a despeito de sua
contribuição compulsória para a seguridade social do Governo.

Elias (1996) diz ser mais adequado ao caso brasileiro a denominação


complementar. O argumento que suporta sua afirmação tem origem na
Constituição Federal de 1988 quando a Lei Magna mostra a relação entre as
instituições privadas e o Sistema Único de Saúde - SUS. Nesta tese, a expressão
assistência médica suplementar será de uso corrente, pois, corroborando a
expressão utilizada pelas companhias seguradoras, entende-se como melhor
adaptada às condições de oferta de cobertura para o risco da falta de acesso ao
cuidados médico-hospitalares, no caso brasileiro.

Define-se assim, os cuidados à saúde com um bem semipúblico ou meritório19,


pois embora a oferta seja um dever do Estado, a área privada, ou seja, o mercado
tem interesse, também, em ofertar. Portanto, o que caracteriza o mercado de

19 Bens `semi-públicos` ou meritórios (exs: saúde e educação), constituem-se num caso


intermediário entre o bem privado (submetido ao principio da exclusão) e o bem público. (Cf.
Giambigi & Além, 1999).
76

serviços privados de atenção à saúde é a natureza mercantil-contratual das


relações entre os agentes. São as formas de produção e gestão (de serviços de
cuidados à saúde) cujo objetivo é atender à demanda de uma clientela seletiva. O
consumo, como praxe mercadológica, é através da compra - pagamento pela
utilização dos serviços - podendo assumir duas modalidades básicas: i) aquisição
direta pelo usuário ao prestador do serviço; ou ii) com a intermediação de
terceiros, através de contratos entre as famílias/organizações e os intermediários.

A produção (oferta) e o consumo (demanda) dos serviços de atenção à saúde têm


se modificado ao longo do tempo. Historicamente, as ações de saúde surgem sob
a égide do Estado e quando este ainda não existia, da caridade alheia,
representada pelas organizações eclesiásticas. A evolução das sociedades e o
despertar do capitalismo impulsionam a oferta da prestação dos cuidados à saúde
na direção dos agentes privados, fora da órbita estatal e das entidades religiosas.
O despontar do ensino da medicina curativa habilita profissionais que, em busca
de renda (salários), ocupam-se da oferta de ações redutoras do estado de
morbidez. Vale dizer, vendem os serviços profissionais do restabelecimento da
saúde: a cura das doenças. O trabalho remunerado dos profissionais de saúde é
o embrião do ramo privado de atenção à saúde.

A história brasileira da assistência à saúde relata que o primeiro profissional do


ramo a chegar ao país foi Mestre João, em maio de 1500, membro da frota de
Pedro Álvares Cabral. Tinha conhecimentos de física e astrologia, em
consonância com as práticas médicas da época, embora insuficientes para certas
ocorrências. Os cuidados com a saúde dos nativos - de maneira geral eram
saudáveis - eram exercidos pelo curandeiro da tribo, conhecedor das virtudes da
flora local. Com a colonização começou também a contaminação. Os
colonizadores trouxeram os germes de doenças estranhas aos habitantes locais,
disseminando a varíola e o sarampo, por exemplo. Os escravos, oriundos da
África negra, trouxeram novas patologias como a febre amarela e a filariose. Na
época colonial havia insuficiência de profissionais da saúde e deficiência técnica
no atendimento. A vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808,
modifica, positivamente, a situação vigente. Foi criado o cargo de Provedor Mor
da Saúde, ao qual, entre outras atribuições, competia o controle sanitário dos
77

portos, a quarentena dos escravos e as medidas de higiene geral. Em 1828,


aconteceu a extinção do cargo e a transferência para as Câmaras Municipais da
responsabilidade do controle sanitário, do comércio de medicamentos e do
exercício profissional. Em 1850 surge a Junta Central de Higiene Pública e tinha
como atribuição principal a coordenação das ações sanitárias das Juntas
Municipais. Nessa época a preocupação era evitar a epidemia da febre amarela.
Em 1881, foi criada a Inspetoria Geral de Saúde e Higiene Pública, em
substituição à Junta, com competência ampliada e unificando as ações sanitárias
na busca de eficácia.

No início do século XX, nas décadas de 1930 e 1940, a assistência médica era
uma prática essencialmente urbana, de caráter privado e de cunho profissional
liberal. A assistência hospitalar concentrava-se nas 'Casas de Misericórdia',
vinculadas às instituições religiosas e filantrópicas (cf. Costa, 2000). O sistema
brasileiro privado de atenção à saúde, em sua forma corporativa, tem seu registro
de nascimento assentado no início da década dos 50, época que um hospital, no
Rio de Janeiro, passa a ofertar à população um 'plano' de atendimento médico-
hospitalar. Nas décadas de 60, 70 e 80 firma-se o 'complexo médico-empresarial'
com o aumento da oferta dos serviços por entidades privadas, com a ascensão
dos grupos médicos e com o enfraquecimento do caráter filantrópico das
organizações civis (cf. Cordeiro, 1984).

Nos anos 90, pode-se inferir que mudaram as características dos agentes
econômicos, componentes do ramo, e as condições da oferta dos serviços. Além
dos atores tradicionais da oferta - profissionais da saúde, hospitais, clínicas,
laboratórios, ambulatórios etc - e das empresas que, à guisa de complemento
salarial, dispunham de cuidados assistenciais à saúde para os seus
colaboradores e respectivos familiares (plano de autogestão ou administrados por
terceiros), estão presentes no ramo, as empresa de medicina de grupo, as
cooperativas médicas e as companhias seguradoras, ofertando não só os
cuidados médico-hospitalares em si, mas em paralelo, o produto seguro saúde.

Com a ação desses atores, a atenção à saúde torna-se um dos maiores e mais
complexo setores da economia na atualidade. A importância econômica da
78

produção dos serviços de cuidados à saúde, no Brasil, é destacada por Kornis &
Caetano (2001), ao dizerem que:

"É um setor produtivo responsável pela geração e circulação de valores tão expressivos
quanto limitadamente conhecidos"

O conhecimento desses valores e de outras informações vinculadas ao setor, é


essencial quando da formulação de políticas de saúde - tanto públicas quanto
privadas - de modo que permitam aos agentes diagnosticar, planejar, financiar,
gerenciar e avaliar suas ações. Tais informações, por exemplo, devem abranger
as condições epidemiológicas, sócio-econômicas e demográficas da população.
Envolvem, ainda, dados para conhecer a necessidade de serviços de saúde e
parâmetros assistenciais relacionados à oferta dos serviços e seu financiamento,
além de identificar os custos da prestação dos serviços e os indicadores de
avaliação de desempenho.

A utilização desse conjunto de informações reduzirá os contratempos na


formulação das políticas de saúde, pois, segundo o World Bank (1993) os
sistemas de saúde - em todo mundo - apresentam-se com problemas
semelhantes. Destacam-se, entre outros: i) a alocação equivocada de recursos,
em termos de benefícios/custos; ii) desigualdade no acesso e a qualidade dos
serviços; iii) ineficiência nos gastos; e iv) incremento nos custos, em função da
utilização de novas tecnologias combinadas com o advento de certas
modalidades de seguro saúde.

Quanto a este último item, a tecnologia e os insumos necessários para a


prestação dos cuidados à saúde passam a ser produzidos em escala e são
decorrentes de invenções e inovações tecnológicas desenvolvidas por
corporações empresariais, os denominados ‘complexos médico-industriais’ (cf.
Andreazzi, 2002 e Caetano, 2002).

Braga & Paula (1981) falam do impacto dessas mudanças:


79

“...é como se, tardiamente, a atenção à saúde vivesse sua Revolução Industrial; o
cuidado deixou de ser artesanal ou manufatureiro - prestado pelo médico isolado e por
serviços bastante simplificados - e passou a assumir características de grande indústria -
papel desempenhado pelo hospital moderno. Da mesma forma, o capital - enquanto valor
que se reproduz - instalou-se na atenção médica, que passou a produzir mercadorias no
sentido mais estrito da palavra.

Quanto ao financiamento dos gastos, o equilíbrio entre o Estado e o mercado, até


então existente, desaparece em prol da ascensão deste último. Uma das
características marcantes desta mudança foi a expansão dos seguros privados de
saúde (cf. Andreazzi, 1998). O Banco Mundial (1993) estima que 33% dos gastos
com saúde ocorrem neste setor. Há uma redução da participação do
financiamento público de 89,5%, no ano de 1986, (Vianna et alli, 1987) para 75%
em 1992 (Buss, 1993), citados por Andreazzi, (1998).

Andreazzi (1998) diz que:

"A contínua contenção de gastos públicos com saúde tem criado incentivos para que
hospitais filantrópicos busquem no mercado recursos que possam fazer face aos
minguados repasses públicos. Os mecanismos utilizados tem sido a venda parcial de
leitos aos seguros e terceirização de serviços de alta tecnologia (Cotta et alli, 1998) e a
organização de planos próprios de pré-pagamento (Confederação das Misericórdias do
Brasil, 1992)"

Para o caso brasileiro, Médici (1990) identificou no mercado privado de prestação


de serviços de cuidados à saúde, quatro segmentos: i) produtores privados
contratados pelo setor público, compreendendo as clínicas ambulatoriais e de
exames complementares e os hospitais lucrativos e filantrópicos. Vendem
serviços para uma clientela indiferenciada; ii) a oferta médico-assistencial das
empresas, atendendo à demanda de clientela específica, vinculada ao mercado
formal de trabalho; iii) a demanda das famílias que, de forma voluntária,
consomem os serviços comprando diretamente dos produtores ou estabelecendo
contratos de seguros com os intermediários; e, iv) o segmento beneficente
filantrópico.
80

Em síntese, e utilizando-se os conceitos da teoria econômica, é possível


demonstrar o modelo organizacional da saúde suplementar vigente, a partir dos
anos 90. Assim, os agentes são classificados em função do papel institucional
que exercem no sistema econômico. Assim, identifica-se: empresas, famílias e
Governo. Essas instituições são classificadas em produtoras (empresas),
consumidoras (famílias) e reguladoras (Governo) 20.

As empresas (produtores) são definidas por Kornis & Caetano (2001):

"O setor institucional empresa abrange todas as unidades produtivas dedicadas à


produção de bens e serviços para posterior venda no mercado por um preço que cubra,
ao menos, os custos de produção. Esse setor engloba a atividade de empresas privadas
(sociedades anônimas ou limitadas; empresas individuais ou familiares); empresas
públicas que financiam seus custos de produção através da venda de produtos;
produtores independentes (isto é, trabalhadores por conta própria, autônomos e
profissionais liberais)..."

Destaca-se, a partir da conceituação desses autores, uma particularidade a


respeito do setor institucional da saúde: é a inclusão das empresas públicas que
buscam financiamento para sua produção através da venda de seus produtos ao
mercado. Entende-se, portanto, que público refere-se ao desejo coletivo, ou seja,
à demanda 'não-mercantil'. A discussão político-filosófica sobre o conceito de
'público' ou 'mercado' foge do escopo desse trabalho.

Considera-se, ainda, uma subdivisão do conjunto institucional empresa: i) as


financeiras; e ii) não-financeiras. A respeito deste assunto, Kornis & Caetano
(2001) relatam:

"O âmbito desse subsetor compreende empresas financeiras e não-financeiras que


atuam, direta ou indiretamente, na área de prestação de serviços médicos, hospitalares,
e serviços auxiliares de diagnóstico e terapêutica à população. Os serviços prestados por
estas entidades são unicamente de natureza mercantil, isto é, a sua prestação gera
necessariamente, como contrapartida, uma receita."

20 Cabe lembrar que numa classificação abrangente, ao Governo está vinculado o papel de
produtor de bens e serviços públicos que são fornecidos, sem ônus, à população. Reduziu-se o
escopo da classificação para direcionar a Tese ao setor privado.
81

As famílias - como instituições - utilizam suas rendas (provenientes da


remuneração recebida pela alocação dos fatores de produção ou dos repasses do
Governo) para consumir (demandar) os serviços de atenção à saúde, de acordo
com suas necessidades.

O Governo, neste contexto, compreende as instâncias da administração pública


que ofertam bens e serviços públicos - portanto, de forma gratuita - e relacionam-
se com as instituições produtoras (empresas) e consumidoras (famílias), via
regulamentação.

As dicotomias público/privado, atenção coletiva ou atenção pessoal, proteção


coletiva ‘versus’ proteção individual, são temas provocantes e polêmicos que
ocupam espaço na literatura especializada do ramo (cf. Bahia, 1999; Andreazzi,
2002). Não é escopo da tese enveredar por trilhas já percorridas. Portanto, nesta
seção (3.2), partindo de uma demonstração geral, mostrou-se como as
transformações ocorridas no setor da saúde moldaram as características do ramo,
em particular a chamada saúde suplementar. No âmbito desta tese, saúde
suplementar, como já foi dito, é a modalidade cujo acesso ao usuário
(consumidores) está vinculado a um pagamento, ou diretamente, 'do próprio
bolso' ou através de um seguro saúde. As entidades privadas atuantes no
mercado combinam a oferta do produto seguro saúde com a prestação de
serviços de cuidados a saúde e são: i) as cooperativas médicas; ii) as empresas
de medicina de grupo; e, iii) as companhias de seguros. Como foi relatado
anteriormente, existem empresas com organização própria de cuidados a saúde
que atendem, - exclusivamente - aos seus colaboradores (empregados,
funcionários etc.) e familiares, portanto, neste estudo, comportam-se como
consumidoras, pois demandam os serviços médico-hospitalares diretamente do
produtores, arcando com o gasto, ou indiretamente, ao reembolsarem os seus
colaboradores quando estes é escolhem o fornecedor dos serviços de cuidados à
saúde.

À guisa de conclusão, neste terceiro capítulo, que encerra a primeira parte da


tese, procurou-se mostrar, descritivamente, as principais ocorrências
revolucionárias no setor terciário das atividades produtivas da economia. O ponto
de partida foi a descrição da ascensão do ramo da prestação de serviços, onde
82

despontam aqueles intensivos na utilização da tecnologia da informação. Dentre


os setores que emergiram na 'economia da informação', dois foram esmiuçados,
pois constituem-se no núcleo central da tese: o setor financeiro e o setor de
assistência à saúde. O primeiro, em virtude das transformações (já relatadas)
ocorridas no setor de serviços, fazendo com que assuma um papel peculiar e
importante no contexto econômico da atualidade. A importância do setor pode ser
constatada, por exemplo, quando as operações do ramo securitário são por ele
englobadas e as empresas seguradoras passam a operar como investidoras
institucionais, geralmente, ligadas aos conglomerados financeiros. O segundo, em
função das mudanças que conduziram a oferta dos seus produtos (consultas,
exames, internações, cirurgias etc.) para a esfera do mercado e como tal, o setor
de cuidados à saúde busca o caminho do equilíbrio entre a oferta e a demanda.
As particularidades dos dois setores de prestação de serviços se cruzam e
encontram um elo nas suas operações: o produto seguro saúde.

Assim, para o sistema financeiro, a inclusão no seu portfólio do produto seguro


saúde representa competir em mais um nicho de mercado, na busca de
rentabilidade para o capital investido. Para o sistema de atenção à saúde que,
direta ou indiretamente, é demandante do produto seguro saúde ofertado pelo
sistema financeiro, representa a possibilidade de escoamento da produção, ou
seja, o equilíbrio entre a oferta e a procura. Visto da forma descrita nos parágrafos
anteriores, o seguro saúde é um produto financeiro, contendo todos os
ingredientes específicos, tais como: risco, retorno, segurança e liquidez.

A segunda parte da tese abordará a questão do seguro saúde destacando as


características como produto financeiro.
83

PARTE II - SEGUROS

O seguro, como instrumento de proteção ao gênero humano, surge da


necessidade dos agentes econômicos se resguardarem coletivamente de perdas
individuais, a partir do princípio do mutualismo. O objetivo da atividade
seguradora é oferecer proteção aos patrimônios e às rendas contra os danos
causados pelas desventuras da vida. É resguardar as coisas e as pessoas dos
acontecimentos que resultarão em perdas patrimoniais (seguro das coisas) e/ou
em perda da capacidade de geração de renda (seguro das pessoas).

Com a possibilidade de perdas surge o conceito de risco, que no dicionário Novo


Aurélio Século XXI (1999) é definido como "a situação em que há probabilidades
mais ou menos previsíveis de perda ou ganho" ou, ainda na mesma obra,
especificamente no jargão do ramo de seguros: "evento que acarreta o
pagamento de indenização". Refere-se, portanto, à probabilidade de algum
acontecimento desfavorável venha ocorrer. Assim, nas apostas em corrida de
cavalos há o risco da perda do dinheiro (patrimônio) e nas competições
automobilísticas, o risco da perda da saúde ou da vida (capacidade de gerar
rendas). Portanto, o risco envolvido em cada evento é a variável com a qual as
companhias seguradoras e os segurados defrontam-se nas suas atividades
interativas.

Os teóricos da área financeira - muitos vinculados às seguradoras, administrando


suas reservas técnicas - conceituam o risco de forma simples, como por exemplo
Gitman (2001) 21: "no sentido básico, risco pode ser definido como a possibilidade.
de perda"; ou Bodie & Merton (1999) 22; "O risco é a incerteza que `importa`,
porque afeta o bem estar das pessoas".

Sob o ponto de vista da Economia de Seguros, o risco é uma medida da incerteza


quanto à ocorrência de uma distribuição de probabilidades de um específico
evento. O risco traz em seu conceito duas outras definições: probabilidade de
perda e incerteza. A probabilidade de perda está associada à probabilidade do

21
Gitman, Lawrence. (2001).Princípios de Administração Financeira: Essencial. Porto Alegre: Bookman.
22
Bodie, Z. & Merton, Robert.(1999). Finanças. Porto alegre: Bookman.
84

bem ou da pessoa sofrer um sinistro. A incerteza é o desconhecimento total, pelo


agente econômico, da distribuição de probabilidades de suas possíveis perdas.
Simonsen (1994) diz que:

"Risco é enfrentar uma variável aleatória cuja distribuição de probabilidade é conhecida.


Incerteza é lidar com outra variável aleatória cuja distribuição de probabilidade se
desconhece,"

O risco, em suas mais variadas formas, está presente na rotina dos agentes
econômicos, ou seja, as famílias, as empresas e o Governo. As famílias
defrontam-se com a ocorrência de doenças, com a invalidez, com a morte, com a
perda do emprego, portanto da renda, e do patrimônio; as empresas podem
enfrentar, por exemplo, interrupções na produção e volatilidade dos preços dos
produtos e dos insumos; ao Governo cabe o papel de prevenção e redistribuição
do risco de ocorrência desses eventos.

O processo de administração do risco é uma tentativa sistemática de analisar e de


lidar com o risco. Esse processo pode ser desmembrado em cinco etapas; i)
identificação do risco; ii) avaliação do risco; iii) seleção de técnica para redução
do risco; iv) Implementação; e, v) revisão. Para o escopo do trabalho as três
primeiras serão abordadas, nos parágrafos seguintes.

A identificação do risco consiste em descobrir quais são as exposições ao risco


mais importantes para o agente sob análise. Geralmente, os agentes econômicos
não têm conhecimento dos riscos que estão expostos. Por exemplo, um
componente de uma unidade familiar que nunca sofreu um acidente ou ficou
desempregado e uma empresa que jamais tenham sofrido a volatilidade do preço
de seus insumos, talvez nunca tenham pensado em sobre as conseqüências
desses acontecimentos. Fazer seguro contra esses infortúnios talvez faça sentido,
mas, é possível que isso nunca tenha sido levado em conta.

Avaliar o risco consiste na quantificação dos custos a ele associados. Para


entender o processo de avaliação, considere-se o exemplo de uma pessoa que
possui seguro saúde às expensas do empregador e tem seu estado de saúde
impecável. As perguntas para avaliar o risco são: Qual a probabilidade da pessoa
perder o emprego? Portanto perdendo a condição de segurado. Qual a
85

probabilidade desta pessoa ficar doente, tendo ocorrido a perda do emprego?


Qual é o custo do tratamento, caso ocorra a doença? A avaliação do risco
depende de informações atuariais, que com base na matemática e na estatística
analisam dados e estima a probabilidade de custos dos riscos associados. É
função das companhias seguradoras, através de seus profissionais atuários,
divulgar as informações necessárias para o consumidor tomar sua decisão.

A terceira etapa no processo de administração do risco consiste em escolher,


entre as quatro técnicas de redução do risco, a mais conveniente para
determinada situação: As técnicas são: i) evitar o risco; ii) prevenção de perdas e
controle do risco; iii) retenção do risco; e, iv) transferência do risco. Assim, as
empresas podem decidir evitar o risco quando selecionam não operar em
determinados negócios, as famílias podem evitar que seus membros exerçam
determinadas profissões, mas todas as pessoas estão, inevitavelmente, expostas
ao risco das doenças pelo fato de pertencerem ao gênero humano. Não se pode
evitar a exposição ao risco da enfermidade. A prevenção de perdas e controle
situacional são providências para reduzir a probabilidade de perdas. As pessoas
podem reduzir o risco de adoecer ao optarem por uma vida saudável,
alimentando-se de maneira correta, evitando o tabagismo e as bebidas alcóolicas,
o sedentarismo e descansando regularmente. Se a pessoa contrair um resfriado,
consultando um médico e seguindo suas recomendações, pode precaver-se de
uma pneumonia (redução do risco). Absorver o risco e cobrir os danos causados
com sues próprios recursos, significa retê-lo. Trata-se de outra técnica de
administração do risco. Ocorre por ignorância - desconhecimento da existência do
risco - ou por negligência - embora conhecendo opta por ignorar - . Porém, muitas
vezes a decisão de reter o risco é consciente. Por exemplo, algumas pessoas
podem decidir absorver os custos do tratamento das doenças e não contratar um
seguro saúde. Em última instância, é dada ao agente econômico a opção de
transferir o risco. Significa, por exemplo, utilizar um mecanismo de 'hedging' ou a
contratação de um seguro. Cabe esclarecer uma diferença fundamental entre
uma e outra modalidade de transferir o risco de uma operação. Quando é feita
uma operação de 'hedging' ocorre a eliminação do risco da perda, mas, também,
é eliminado o potencial de ganhos, na contratação de seguros, o potencial de
86

ganhos permanece e a eliminação do risco da perda ocorre porque o segurado


faz o pagamento de um prêmio, com tal finalidade.

O seguro reduz os riscos porque aumenta a previsibilidade dos eventos adversos


através do agrupamento de um grande número de riscos similares. Sob a ótica
das finanças, o seguro é um mecanismo redistribuidor de custos das perdas
súbitas advindas de eventos desfavoráveis.

Do ponto de vista legal, o seguro estabelece uma relação contratual na qual uma
parte (seguradora) concorda em compensar a outra (segurados) por perdas
específicas quando da ocorrência de infortúnio.

A contratação do seguro é uma atitude racional de proteção individual e coletiva.


A perda de um patrimônio ou da capacidade de geração da renda sem reparação
afeta o indivíduo e a sociedade. Portanto, é também de interesse da sociedade a
existência de uma rede de proteção securitária eficiente, capitalizada e universal.

A história do mercado segurador, no Brasil, tem inicio com a chegada da corte


portuguesa. Sua evolução histórica é, usualmente, classificada em três fases
distintas (cf. Patri, 1992 citada por Galiza, 1997). A inicial, desde os tempos
imperiais - com a criação da Seguradora Boa Fé em 1808, que operava seguros
marítimos - até o ano da criação do Instituto de Resseguros do Brasil - IRB em
1939, é caracterizada pela pouca importância das companhias brasileiras. O setor
era operado por empresas estrangeiras que, sem capacitação técnica no país,
apenas repassavam os prêmios captados para o exterior, onde eram desenhadas
as apólices e montadas as operações de cobertura. A partir da criação do IRB -
cujo surgimento incentiva a formação técnica e empresarial no segmento - nova
fase se inicia. O órgão estatal estabelece medidas operacionais para
fortalecimento das companhias brasileiras, que passam de 74 entre os anos de
1905 e 1935, para 143 no período 1935/1970 (cf. Galiza, 1997). Na sua terceira
fase de história, a partir dos anos 70, o mercado segurador é caracterizado por
três fatos marcantes: i) ampliação do 'portfólio' dos produtos ofertados; ii)
aumento da concentração empresarial na atividade; e iii) a penetração do ramo
bancário nas atividades de seguros.
87

O primeiro dos fatos é motivado pelo crescimento econômico registrado no


período. O modelo exportador, adotado como alavanca do crescimento, induziu à
diversidade de 'produtos-seguros' ofertados. A segunda característica dessa fase
foi decorrente dos problemas técnicos e econômico-financeiros que atingiram o
mercado segurador na fase histórica anterior. O Estado, através da legislação,
criou mecanismos de incentivos às fusões e concentrações das empresas. A
intenção governamental era estabelecer padrões para a saúde técnica e
econômico-financeira das empresas. Visava-se a redução dos custos de
operação e de administração, via ganhos de escala. A tabela a seguir mostra o
número de seguradoras do período em referencia:

Seguradoras No Brasil - 1970 a 1980

ANOS NÚMERO
1970 157
1972 144
1974 100
1976 95
1978 94
1980 93

Fonte: Patri (1992), citado em Galiza (1997)

A escalada das firmas bancárias no mercado de seguros (terceiro fato marcante


da última fase da história do mercado segurador), a partir dos anos 70, foi
incentivada pelo Governo em complemento às medidas anteriores de fusão e
concentração. No total de prêmios arrecadados em 1973, a participação das
empresas integradas aos conglomerados financeiros era de 28% (cf. Bottallo e
alli) e em 1994 a participação aumenta para 67% (cf. Galiza, 1997 a partir de
balanços publicados).

Para Galiza (1997):


88

"O movimento dessa fase trouxe benefícios, aumentando a solidez do mercado


segurador - pois empresas bem capitalizadas representam um menor risco de
insolvência. Além disso, proporcionou um desenvolvimento maior da cultura do seguro
nos consumidores e também uma maior rede de distribuição dos produtos. Entretanto,
esta entrada intensiva dos bancos na comercialização de seguros foi severamente
criticada por alguns setores."

A tendência do sistema segurador brasileiro é de fortalecer-se do ponto de vista


econômico-financeiro de modo que possa ampliar sua capacidade de garantir
cobertura a patrimônios de maior valor, aumentando, também, a quantidade de
pessoas que buscam proteção para sua potencialidade na geração da renda.
Significa dizer que o sistema procura massificar a clientela (número de
segurados), ou seja, horizontalizando-se e capitalizando-se para dar cobertura a
riscos vultosos e especiais.

Prospectivamente, como será abordado com detalhes em seções posteriores


desta tese, pode-se especular com o advento de uma outra fase histórica do
mercado segurador, que se inicia por volta de 1990: o produto seguro em geral e
o seguro saúde em particular, como um produto financeiro ofertado por empresas
integradas aos conglomerados do sistema bancário. Esta hipótese, no caso
brasileiro, é foco de atenção de alguns autores (cf. Cerqueira Lima, 1998),
portanto será, também, o ponto de investigação da pesquisa ora desenvolvida..

Nesta segunda parte da tese apresenta-se o capitulo 4, dedicado ao produto


seguro saúde. Este capítulo será desenvolvido em quatro seções. A primeira, com
uma descrição do sistema privado de seguro saúde no Brasil. A segunda, mostra
as formas de organização da oferta do produto, ou seja, como as instituições que
produzem e comercializam o seguro saúde se apresentam ao mercado. Na
terceira, as formas de operação de cada tipo de entidade empresarial são
descritas. Na última seção, finalizando o capítulo, são relatados alguns aspectos
da regulação do sistema.
89

4 - SEGURO SAÚDE

Na teoria dos seguros, o seguro saúde é classificado como um produto do


mercado securitário do grupo de riscos pessoais. Compõem, ainda, este ramo o
seguro de vida, o de acidentes pessoais e a previdência privada (cf. Galizza,
1997).

De forma especifica, é um contrato cujo 'núcleo duro' é a oferta ao segurado de


proteção para que tenha acesso ao atendimento médico-hospitalar e para que
tenha suporte financeiro para as despesas decorrentes dos cuidados de atenção
à saúde, utilizados.

A denominação seguro saúde está relacionada com pelo menos duas


abordagens, oriundas da realidade norte-americana. Uma vinculada ao seguro
tradicional, entendendo-se como a proteção contra o risco da pessoa arcar com
gastos elevados e, como conseqüência, perdas financeiras decorrentes da
utilização (consumo) dos serviços de cuidados à saúde. A outra abordagem, de
cunho atual, combina a proteção do risco financeiro com o da garantia ao acesso
aos serviços médico-hospitalares.

Na linha tradicional do conceito, Andreazzi (1991) conceitua o 'seguro saúde


privado' como:

"Todo e qualquer mecanismo de financiamento privado de consumo de serviços de


saúde contemplando o pagamento de prestações a uma empresa, que se obrigará a
fornecer assistência médica ou reembolsar seus gastos mediante contrato firmado entre
as partes" (grifo nosso).

Guerra (1998), comentando o conceito apresentado por Andreazzi, faz duas


ressalvas. A primeira quanto ao tempo, pois o relacionamento contratual tem
vigência temporal predeterminada, inclusive sob o aspecto legislativo. A segunda,
diz respeito às coberturas que também obedecem à legislação e as cláusulas
contratuais. A definição do tempo do contrato e a amplitude da cobertura são dois
itens que mais têm gerado conflitos entre produtores e consumidores do serviço.
90

A Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS 23 - define o setor que


regulamenta como:

"Plano Privado de Assistência à Saúde...é a prestação continuada de serviços ou


cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo
indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde,
pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde,
livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou
referenciada ,visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral
ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso e
pagamento direto ao prestador"

Apenas com um formato redacional de cunho jurídico, a definição da ANS não é


diferente do conceito mostrado pelos estudiosos do assunto e corrobora a
definição de Andreazzi (1991), complementada por Guerra (1998).

Mas, como se tem procurado mostrar nesta tese, as mudanças do mundo


contemporâneo conduziram as operações do seguro saúde, assim como as dos
seguros em geral, para a órbita do sistema financeiro. É a modalidade onde há
intermediação financeira de uma entidade (seguradora) que oferta cobertura para
o atendimento ou para reembolso dos gastos com a assistência médica do
segurado, segundo as condições estabelecidas em contrato (apólice). Portanto,
pode-se afirmar que as seguradoras compõem o grupo das entidades que
realizam funções de intermediação. Existe a intermediação financeira de uma
entidade seguradora quando ela atua dando cobertura ao segurado, das
despesas referentes ao atendimento médico-hospitalar, na ocasião de sinistros
relativos à saúde. O valor dos prêmios (preço do seguro) pagos pelos segurados
e que compõem o fundo das reservas técnicas das seguradoras, devem ser
administrados de modo que os rendimentos financeiros, resultantes dos
investimentos, alcancem um montante capaz de fazer face às indenizações
provenientes dos sinistros.

O papel de intermediário financeiro exercido pelas seguradoras é avalizado pela


sua condição de investidor institucional. Ao analisar o papel sistêmico exercido

23
definição constante na Medida Provisória N o 1976-30, de 28 de agosto de 2000.
91

pelos investidores institucionais nas décadas recentes, a teoria financeira faz um


sumário das funções que, de maneira ideal, deveriam ser por eles
desempenhadas. Entre as funções relacionadas por Davis (1996), citado por
Nogueira da Costa (1999), escolheu-se para análise duas, as quais reforçam a
condição das seguradoras como empresas investidoras institucionais e a hipótese
do seguro saúde como produto financeiro. São as funções de fornecimento de
meios: i) para administrar a incerteza e controlar o risco; e, ii) para lidar com
problemas, tais como informações privilegiadas, controle e constrangimento de
contratos, risco moral, seleção adversa etc.

Examinando cada item das funções escolhidas, encontramos algumas das


evidências empíricas, mencionadas anteriormente. Assim, o produto seguro
saúde, tanto do lado da oferta quanto da demanda, é utilizado para administrar a
incerteza e para a redução do risco.

Do lado da oferta, quando as empresas de seguros aplicam os prêmios recebidos


dos segurados no mercado financeiro ou no de capitais e têm expectativa de
retorno condizentes à mensuração do risco. Ou seja, procuram preservar o valor
de suas reservas técnicas para enfrentar o pagamento das indenizações. Do lado
da demanda, quando os consumidores (segurados) adquirem o produto - seguro
saúde - e esperam cobertura na eventualidade do sinistro.

Pode-se ainda afirmar que, o produto seguro saúde possui um mercado com
problemas de assimetria de informação, de regulações contratuais, do fator moral,
da seleção adversa e dos demais, inerentes às chamadas 'falhas do mercado',
Essas distorções requerem correção através de um sistema de regulação.

Procurou-se, no início deste capítulo, mostrar as características do produto


seguro saúde, ressaltando que, em sua roupagem atual, ele pertence ao mundo
das finanças, portanto um produto financeiro. Essa particularidade do seguro
saúde conduz o foco da análise da tese para as formas de competição entre as
companhias seguradoras. Sobre este assunto, julga-se necessário um importante
esclarecimento.

Trata-se da explicação porque a tese está direcionada para a competição entre o


grupo de empresas financeiras, ou seja, as companhias seguradoras. O primeiro
92

motivo é a forma atual de comercialização do seguro saúde, como um produto


financeiro. O produto é oferecido num grande balcão de serviços bancários. Este
assunto já foi debatido anteriormente. Um segundo ponto de apoio desta
explicação é a crescente participação do ramo financeiro no mercado de seguro
saúde, em detrimento das outras modalidades de oferta do produto. Além deste
ponto, a atuação das empresas de medicina de grupo, das cooperativas médicas
e do modelo híbrido da autogestão já foram abordados por vários autores. Essas
entidades foram pioneiras no ramo da prestação dos serviços de assistência
médico-hospitalar e da oferta do produto seguro saúde. Busca-se com esta
abordagem, mostrar um ineditismo em relação aos trabalhos já apresentados,
além, é claro, de esperar a contribuição, questionamentos e adendos de outros
pesquisadores do tema.
93

4.1 - O Sistema Privado de Seguro Saúde no Brasil

Com as mudanças ocorridas no Brasil, após o programa de estabilização


monetária (em 1994), a luta pela participação no mercado de prestação de
serviços financeiros - no qual está incluído as operações com o seguro saúde -
ficou acirrada (cf. Cerqueira Lima, 1998; Belluzzo, 1998; Belluzzo & Gomes de
Almeida, 2002). Dissipada a névoa provocada pela inflação que impedia a
percepção dos preços relativos, os agentes econômicos sentiram-se mais firmes
e informados para suas tomadas de decisão, quer sejam decisões de produção,
de consumo, de poupança ou de investimento. Tornou-se necessário que as
empresas - em geral e as atuantes no mercado financeiro e no de serviços de
atenção à saúde, em particular - soubessem administrar a influência, em suas
operações, das variáveis econômico-financeiras utilizadas pelos 'policy-makers'
na condução da economia do País. Por exemplo, lidar com as taxas de juros
elevadas – se comparadas às vigentes no mercado internacional (Libor ou Prime-
Rate) - com a restrição na oferta de crédito, e como a movimentação, sob
restrição legal, dos capitais financeiros, são alguns dos fatores merecedores de
atenção por parte das empresas, e especificamente as do ramo de seguros, onde
aportam, com maior pujança, na década dos anos 90, as companhias oriundas do
exterior. Perseguem, como praxe do capitalismo, o máximo lucro.

Do lado da demanda, os consumidores puderam se posicionar melhor para


estruturar seus gastos. A renda auferida não mais sofreria o impacto da
desvalorização monetária. Os consumidores passaram a incluir na cesta de
consumo o produto seguro e, especificamente, o seguro saúde, impulsionado pela
redução da proteção do Estado e pela maior disponibilidade do produto no
mercado (cf. Costa, 2000; Trindade, 1998). Também, como praxe da economia de
mercado, a demanda busca a máxima satisfação.

Nos ambientes político, social e econômico apresentados nas seções anterior,


surge as condições para o surgimento do sistema privado de seguro saúde no
Brasil. Com o objetivo de suplementar a assistência médico-hospitalar oferecida
pelo setor público, surgiu como uma alternativa o sistema privado. No modelo
94

brasileiro de assistência à saúde, a partir dos anos 80, o setor privado vem
ocupando cada vez mais espaço. Nos dizeres de Badia (1997):

“... o surgimento deste nicho de mercado [foi em] ...decorrência da deterioração da


qualidade do atendimento na rede pública de assistência à saúde, além da lógica de
financiamento do setor, que é falha” .

A autora credita ao Estado, a emergência da provisão privada dos serviços e o faz


com base na constatação de dois fatos: a falha no financiamento e a falta de
qualidade dos serviços públicos. Não é demais repetir que o seguro saúde
privado é um produto derivado e, inversamente, correlacionado com os serviços
de cuidados médicos ofertados pelo setor público.

Analisando o aspecto do período de ascensão das diversas modalidades de


seguros saúde, Costa (2000) afirma:

“Data desse período [década de 1980] o fortalecimento das diversas modalidades de


planos e seguros-saúde, para onde acorreram as camadas médias da população
brasileira, excluídas do sistema público de saúde em razão do seu sucateamento."
(grifos no original)

Sob a ótica do autor, na década de 80, as modalidades de coberturas ofertadas


pelos 'planos' e seguro saúde, encontram na classe média da população do Brasil
grande receptividade. O crédito, da aceitação pela demanda dos produtos
ofertados, é conferido ao 'sucateamento' do sistema público de saúde. A análise
de Costa (2000), corrobora os dizeres de Badia (1997) na conceituação da
qualidade da oferta dos serviços de saúde pelo Estado.

Cordeiro (1984), desvia o foco de análise do comportamento do Estado para as


relações de produção de serviços atenção à saúde, sob a égide do sistema
capitalista. Diz que o surgimento do complexo médico-empresarial é
conseqüência do processo de subordinação das relações sociais de prestação de
cuidados à saúde às relações de produção da economia de livre mercado. Para o
autor, isto pode ser observado pela ampliação da oferta através de hospitais
particulares, pela mudança do caráter filantrópico para fins lucrativos das
instituições civis e pelo crescimento e consolidação dos grupos médicos que
atuam através dos complexos empresariais de 'medicina de grupo'.
95

Independente do enfoque, pode se deduzir que: insatisfeita a demanda - quer seja


com o sistema público ou com o sistema de mercado, na oferta dos serviços de
cuidados à saúde - entraram em cena, no início dos anos 60, as empresas que
ofertavam os produtos denominados 'planos de saúde' e, posteriormente, na
década dos 80, o seguro saúde. As companhias seguradoras, as empresas de
medicina de grupo e as cooperativas médicas – instituições integrantes do
segmento de assistência securitária médico-hospitalar privada - identificaram esse
mercado, estimado para o ano de 2000 em de 42 milhões de pessoas 24 e
começaram a atender a demanda, ofertando produtos diversificados. Neste
portfólio o destaque é para o seguro saúde, já com sua nova roupagem de
produto financeiro.

Os primeiros 'planos de saúde' apareceram na década de 60 e se multiplicaram


nos anos seguintes, pois conforme Coriolano (1998): “não há dificuldades para
empresariá-los”.

O aparecimento e a expansão dos 'planos de saúde' está ligado às mudanças


promovidas pelo Governo brasileiro, em 1966, no sistema previdenciário até então
existente, os conhecidos IAP’s - Institutos de Aposentadoria e Pensões. Nesse
mesmo ano foi criado o INPS – Instituto Nacional da Previdência Social unificando
todos os Institutos. Como informação adicional de cunho histórico, e para que a
dinâmica do aparecimento do setor de saúde privado, em função das reformas
empreendidas pelo Estado, sejam de fácil compreensão ao leitor, vale relatar: Em
1967, o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência - INAMPS, oferece
a possibilidade de um convênio com as empresas que assumissem a
responsabilidade da prestação de assistência médico-hospitalar aos seus
funcionários. O INAMPS não cobraria da empresa conveniada o valor dos
encargos que lhe eram devidos. Por sua vez, a empresa contrataria, no mercado
de serviços de atenção à saúde, aqueles requeridos por seus empregados. A
modalidade de convênio entre o INAMPS e as empresas vigora até meados de
1983, quando começam a ser extintos por iniciativa do Estado (cf. Médici, 1997).

24 Fonte: Operadoras (Jornal Medicina no 115 do Conselho Federal de Medicina em Mar/ 2000)
96

Apesar de ter seu funcionamento previsto desde 1966, através do Decreto-lei


73/6625, o seguro saúde só tomou impulso a partir dos anos 80, quando as
seguradoras ofertaram, inicialmente, os seguros coletivos e depois, os individuais.
Na década dos 90, o seguro saúde tornou-se um componente do “mix” de
produtos ofertados pelos conglomerados financeiros. No aspecto operacional, a
característica marcante é a obrigatoriedade de oferecer aos segurados a livre
escolha do atendimento médico-hospitalar e o reembolso das despesas
efetuadas.

A partir do início do século XXI, a tendência do produto seguro saúde é a de


adquirir elevada importância no conjunto de produtos ofertados pelas empresas
seguradoras. Constata-se um movimento de aperfeiçoamento das técnicas de
produção e comercialização desse produto, como por exemplo, a cobertura para
determinados riscos (de doenças como o câncer, a AIDS e os transplantes) e
alternativas de gerenciais ('managed care' e 'home care'). As exigências dos
consumidores têm, cada vez mais, influenciado nas decisões gerenciais dos
ofertantes do produto. Mesmo correndo o risco da redundância, vale lembrar que
as exigências dos consumidores são descritas por Decter (2000), como um dos
'ventos fortes' das mudanças do setor saúde e, portanto, influenciam a oferta do
seguro saúde.

As empresas seguradoras tendem a trabalhar em economia de escala, com


esforços para obter redução de custos (administrativos e comerciais) e preços

25 O Decreto-Lei 73 de 1966 estabelece as bases do sistema nacional de seguros privados no


Brasil através das seguintes instâncias: Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP);
Superintendência de Seguros Privados (SUSEP); IRB; companhias de seguros e corretores de
seguros. O seguro saúde é instituído pelo artigo 129 do Decreto Lei 73 e têm seus mecanismos de
funcionamento definidos pelos artigos 130 e 133 que determinam que as seguradoras devam
efetuar pagamento em dinheiro à pessoa física ou jurídica que tenha prestado assistência médica
ao segurado e a proibição das seguradoras prestarem diretamente assistência médico-hospitalar.
O artigo 135 define a participação das entidades organizadas sem objetivos de lucro, por médicos
e paramédicos ou por estabelecimentos hospitalares na operacionalização de sistemas de pré-
pagamento. A regulamentação do seguro saúde só se efetivará através da resolução n° 11 do
Conselho Nacional de Seguros Privados em 1976 que autoriza as companhias seguradoras que
operam no ramo vida a desenvolverem a modalidade denominada reembolso de despesas de
assistência médica e/ou hospitalar, estabelecendo como padrão de remuneração das despesas
médico-hospitalares valores fixados pelo Instituto Nacional de Previdência Social ou seus
múltiplos. A Circular n° 59 de 1976 da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) detalha a
regulamentação de seguro saúde grupal com os índices de adesão e manutenção citados
anteriormente, embora limite a idade dos dependentes. A restrição da idade de beneficiários
dependentes será revogada posteriormente.
97

competitivos. Para isso, operam em conglomerados, mas buscam descentralizar


as decisões para se tornarem mais ágeis26. Também, ocupam nichos específicos
do mercado, apresentando produtos diferenciados e ampliam a presença nas
diversas regiões do Brasil.

O desenho organizacional da empresas será o assunto da próxima seção.

26 Para Cerqueira Lima (1998), "...não há evidências conclusivas de redução de custos com a
conglomeração financeira a partir de estudos realizados em diferentes países."
98

4.2 - Formas de Organização das Empresas

Operando no mercado de seguro saúde, existe uma diversidade de formas de


constituição das entidades. São entidades organizadas sob a forma de
sociedades anônimas, cooperativas, associações etc. Dependendo da forma
organizacional da instituição, a operação do negócio, também torna-se
diferenciada, vale dizer, a transferência do produto seguro saúde ao consumidor
assume características peculiares. Diferentemente de outros produtos do ramo, o
seguro saúde, possui vários fatores que devem ser observados para alcançar
sucesso, quer seja no aspecto da comercialização, quer seja no aspecto da
rentabilidade. A formatação dos produtos contempla coberturas amplas e
exclusões variadas, por isso o segurado deve ser esclarecido quanto a forma
adequada de utilização do seguro. Estas particularidades têm direcionado as
empresas seguradoras à criação de estruturas específicas para a comercialização
do produto.27

De forma usual, os ofertantes de seguro saúde utilizam-se da intermediação


comercial para alcançar o mercado. Os corretores de seguros têm papel relevante
na comercialização do produto. A remuneração desses agentes, paga sob a
forma de comissões sobre as vendas efetuadas, é fator preponderante na
composição final do prêmio do seguro, ou seja, o preço que é pago pelo
consumidor. Existem vários tipos de comissões praticadas no mercado segurador:
i) comissão de corretagem - é a remuneração paga ao corretor em cada venda de
apólice, concedida, de forma usual, com um percentual do valor do prêmio pago
pelo segurado; ii) comissão de angariação - é estabelecida em percentual sobre o
primeiro prêmio. O objetivo é remunerar o angariador pelo fechamento do
negócio; e, iii) comissão de administração ou pro-labore - tem como objetivo
remunerar o próprio estipulante ou pessoa jurídica encarregada de gerir a apólice.

Sobre este aspecto - a forma de comercialização do produto - a venda do produto


seguro pelo setor bancário, como tem sido feito na atualidade, tem provocado a
insatisfação e reclamações por parte das associações de classe dos corretores de

27 Na oportunidade, cabe lembrar os aspectos da regulação, assunto que será retomado em


seção posterior da Tese.
99

seguros. Argumentam, os corretores tradicionais, que os funcionários das


agências bancárias não possuem a devida qualificação para lidar com um produto
especial, por isso, pouco informam os clientes sobre os direitos e deveres
constantes nas apólices. Acrescentam na sua argumentação que existe uma
elevada rotatividade de funcionários nos bancos, agravando o problema. Por seu
lado, os bancos vêm o seguro como mais um produto de sua carteira, cujas metas
precisam ser alcançadas e para isso, muitas vezes utilizam a comercialização dos
seguros como uma forma de reciprocidade de uma outra operação financeira. A
situação reforça o argumento do seguro saúde como um produto financeiro.

As empresas ofertantes de seguro saúde trabalham com o risco e têm como limite
a capacidade da oferta e da demanda, ou seja, a dimensão do mercado. Isto não
lhe permite a universalidade (inclusão irrestrita de toda a população) nem a
integralidade das ações da atenção à saúde. É de interesse da oferta privada que
o Estado cubra aquilo que não seleciona adversamente para atender, procurando
reduzir os conflitos com seus consumidores.

Como relatado anteriormente, pode-se identificar três tipos de organizações que -


independente de sua forma de operação - ofertam seguro saúde. Produto definido
`strictu sensu`, como aquele que permite ao segurado cobertura para os gastos e
para o acesso ao atendimento médico-hospitalar. São elas:

1 - As Companhias de Seguros

As companhias seguradoras são instituições que assumem obrigações


contingentes junto ao público. Isto é, obrigações cujo pagamento (indenização)
está vinculado a uma específica ocorrência (sinistro), como, por exemplo, a
destruição de um determinado bem (seguro material), a morte de uma pessoa
(seguro de vida) ou o aparecimento da doença, gerando despesas para o
tratamento (seguro saúde).

Assim, a típica política das companhias de seguro é o reembolso ao segurado do


gasto efetuado com assistência médica, em todo ou em parte, segundo os valores
estipulados na apólice. As seguradoras não são prestadoras de serviços de
cuidados à saúde. Elas proporcionam cobertura aos gastos de seus clientes por
ocasião de sinistros com a saúde, segundo as especificações da apólice de seus
100

segurados. Os produtos das seguradoras são apólices que se transformam em


indenizações pagas aos beneficiários do sistema, de acordo com os valores de
ressarcimento estabelecidos em contrato. A atual legislação faculta às
seguradoras o credenciamento de prestadores de serviços e os convênios com
empresas, associações profissionais e/ou grupos específicos. Assim, nessa
modalidade, o seguro saúde, contratado sempre através de uma apólice, pode ser
feito tanto por pessoas físicas quanto jurídicas (empresas, em favor de pessoas
físicas).

O financiamento se efetiva por um sistema de pré-pagamento. O contratante do


seguro paga antecipadamente pelos serviços de assistência médico-hospitalar
utilizados, tendo direito à cobertura dos eventos previstos na apólice.

Caracterizada sob esta ótica de organização, as seguradoras oferecem um


produto contra um específico tipo de risco: o seguro saúde.

2 - As Empresas de Medicina de Grupo

São empresas de medicina de grupo as pessoas jurídicas de direito privado que,


segundo a portaria número 3.232/86, do Ministério do Trabalho, se dedicam à
"oferta de assistência médico-hospitalar, mediante contraprestações pecuniárias",
com ou sem finalidade lucrativa. São constituídas por empresas médicas similares
às Health Maintenance Organizations - HMO's norte-americanas, administrando
'planos de saúde' para empresas, indivíduos, famílias ou grupos (cf. Almeida,
1997). Entretanto, Médici (1990) não aceita esta classificação, argumentando que
as empresas brasileiras, em alguns casos, operam contratos com grupos e com
indivíduos e as HMO's americanas tem segmentos diferenciados. A classificação
norte-americana para as HMO's é a seguinte: i) 'staff model', com
estabelecimentos de atendimento próprios e profissionais da saúde assalariados;
ii) 'group model', contratam ou credenciam estabelecimentos de atenção à saúde
ou grupos médicos; e iii) 'individual practice association' que contratam
consultórios individuais de cuidados à saúde, pagando-lhes por 'capitação' (cf.
Médici, 1990).

A estrutura de atendimento da clientela para a assistência médico-hospitalar,


acima referida, é compostas de serviços próprios e serviços credenciados, sendo
101

que as empresas combinam ou não as duas formas de oferta. O acesso à rede


de serviços próprios ou credenciada é livre e o uso de serviços não credenciados
é previsto em alguns tipos de contrato e implica no ressarcimento, pela empresa
de medicina de grupo, dos gastos efetuados pelos segurados, segundo os valores
da tabela de preços, sugerida pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela
Associação Brasileira de Hospitais (ABH).

Nos produtos destinados às pessoas jurídicas, a característica predominante é a


adesão automática dos empregados, quando o pagamento às empresa de
medicina de grupo é feito, integralmente, pelo empregador. Quando os custos são
divididos entre empresa contratante e funcionário, a adesão é opcional. Em outros
casos, existe um produto básico, cujo ônus é do empregador e os demais,
opcionais, com diferentes preços e normas de acesso aos serviços,
complementares ao básico. As negociações das empresas de medicina de grupo
com empresas, associações profissionais ou grupos específicos podem incluir
prazos de carência mais vantajosos, ou mesmo nenhum tipo de carência, para
utilização de alguns serviços, assim como valores menores de prestações,
dependendo do volume e características da clientela cadastrada. As entidades
que representam as empresas de medicina de grupo são a ABRAMGE, criada em
1966, no mesmo ano de constituição da Federação Brasileira de Hospitais - FBH,
do Sindicato Nacional de Medicina de Grupo - SINAMGE (1987) e o Conselho
Nacional de Auto-regulação das Empresas de Medicina de Grupo - CONANGE
(1990).

O produto ofertado pelas empresas de medicina de grupo, numa definição 'strictu


sensu' é um seguro saúde.

3 - As Cooperativas Médicas

As cooperativas médicas tem seu “modus operandi” baseado no cooperativismo28.


Visa a prestação de serviços aos seus associados sem a finalidade de lucro. Os
cooperados, ao ingressarem no grupo, adquirem ‘quotas’ de participação cuja
finalidade é a cobertura do valor dos serviços realizados por eles mesmos. É a
modalidade onde os profissionais da área de atenção à saúde são,
102

simultaneamente, cooperados e prestadores de serviços. A remuneração desses


profissionais é proveniente da produção de cada um, por tipo e quantidade de
atendimentos. A apuração do valor a ser pago pelas Cooperativas aos
profissionais, sob esta rubrica, segue a tabela da Associação Médica Brasileira
(AMB). Além da remuneração pelos serviços prestados, os cooperados recebem,
ao final de um determinado período e através do sistema de ‘rateio’, parte do
superávit final (quando houver) obtido pela unidade onde está vinculado e
proporcional ao valor das 'quotas' possuídas.

Cada unidade, estabelecida em determinada região geográfica, é denominada de


'singular' e agrupam-se em Federações e Confederações. A UNIMED é o grupo
de cooperativas mais representativo deste segmento, apresentando importante
crescimento no final da década dos 80, espalhando-se em todo território nacional
e agregando-se em representações regionais.

A lei do cooperativismo recomenda a existência de apenas uma Cooperativa por


região. Essa postura, no entender de Czapski (1971) citado por Guerra (1998),
gera um monopólio, que se agrava com o estabelecido no parágrafo 4o do artigo
2o da lei 5674/71 que diz:

"agentes e empresários que operem no mesmo campo econômico da sociedade não


podem ingressar no quadro das cooperativas".

Por esta razão, algumas Unidades Regionais impõe aos seus cooperados e
pretendentes, atendimento exclusivo em suas cooperativas, vedando-lhes a
prestação dos seus serviços aos concorrentes. Esta postura é objeto de
reclamação, tanto por parte da concorrência quanto de uma parcela dos
cooperados que não concordam com a deliberação.

A argumentação contrária à imposição é que uma cooperativa não deveria,


também, possuir negócios no mesmo campo econômico dos cooperados
(hospitais, clínicas, laboratórios e assemelhados). Mas, a lei, de forma ambígua,
permite às unidades singulares participarem em sociedades não cooperativas
para atender aos objetivos complementares à sua atividade (cf. Guerra, 1998).

28 Cf. Lei 5674/71 e Lei 6891/82


103

Os estatutos e princípios de funcionamento do segmento preconizam que todo


atendimento deve ser realizado em instalações dos cooperados ou credenciados,
porém, algumas cooperativas têm direcionado recursos na aquisição, construção
e arrendamento de hospitais e assemelhados (cf. Andreazzi, 1991 e Bahia, 1994),
ação que provoca reação de alguns cooperados, dizendo-se prejudicados por
uma concorrência desleal, pois são coibidos de ampliar sua oferta de prestação
de serviços além dos limites das Cooperativas.

Os associados (segurados), que demandam os serviços ofertados pelos


cooperados, pagam um valor mensal estabelecido em um contrato, a partir do
qual têm direito de acesso (seguro) aos serviços de cuidados à saúde
discriminados nas cláusulas contratuais. Ou seja, operam com o sistema de pré-
pagamento e, segundo Bahia (1994), a maioria de seus beneficiários é
proveniente de convênios-empresa.

As cooperativas médicas, indubitavelmente, ofertam um produto de proteção ao


risco da população não ter acesso e/ou capacidade financeira para utilizar a
assistência médica, portanto, seguro saúde.

Pode-se concluir que nas três formas de organizações ofertantes do seguro


saúde predominam as relações de mercado. O posicionamento de cada grupo
ante a demanda (clientela) depende do modo de suas operações. Em
continuação ao estudo, apresenta-se na seção seguinte, o modo como as
empresas ofertantes do seguro saúde desempenham suas atividades.
104

4.3 - Formas de Operação das Empresas

O objetivo desta seção é descrever como as empresas de cada grupo - financeiro


e não financeiro - se comportam quanto à produção dos serviços, quanto às suas
relações com os clientes (segurados) e quanto as suas relações com o mercado
financeiro e de capitais, haja visto que têm obrigação de preservar seus recursos
para fazer frente as obrigações assumidas com os segurados. Encontrou-se
também nesta seção, um espaço adequado para apresentar ao debate o grau de
concentração do setor. À reboque da constatação do grau de concentração
empresarial, surge a necessidade de citar e questionar os problemas de
regulação. Sem dúvida, este assunto - regulação - será abordado oportunamente.

Descrevendo, em primeiro lugar, as relações com o mercado, pode-se afirmar que


as empresas do ramo financeiro, ou seja, as seguradoras operam como
intermediários financeiros. Os prêmios captados passam a compor as reservas
técnicas obrigatórias as quais são aplicadas no mercado financeiro e de capitais,
gerando receita financeira para seguradora. Quanto às relações com os clientes,
neste segmento empresarial os direitos e deveres dos contratantes são
estipulados em um documento denominado apólice. A produção do serviço,
efetiva-se pela configuração de um documento (apólice), em conformidade com
as exigências do mercado consumidor.

As empresas de medicina de grupo e as cooperativas pertencem ao grupo das


empresas não financeiras. Relacionam-se com seus associados/segurados
através de um contrato, cujas cláusulas descrevem os direitos e deveres dos
contratantes. É o documento comprobatório do acordo. Vale dizer que a produção
do serviço, também é proveniente de uma negociação com o mercado. As
empresas do grupo não financeiro, a partir da regulação de suas operações pela
Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, tornam-se participantes do
mercado de capitais e do financeiro, pois, assim como as empresas do grupo
financeiro, têm obrigações contratuais e regulamentais para cumprir.

Para qualquer arranjo institucional ofertante de seguro saúde (empresas


financeiras e não financeiras) existem diversas modalidades de contratação do
seguros, as mais usadas estão descritas a seguir:
105

i) Contrato individual - oferecido ao mercado com a espontânea adesão do


segurado pessoa física, que pode ou não incluir o seu grupo familiar. Pode ser
prevista uma cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária em caso de
doenças ou lesões pré-existentes. A cobertura parcial temporária é concedida ao
segurado,. pela seguradora, para a cobertura das doenças e lesões pré-
existentes detectadas quando da aceitação da proposta do segurado. Vigora
durante um período de vinte e quatro meses, contados a partir da vigência das
coberturas contratadas. Na contratação individual, são admitidas carências.

ii) Contrato coletivo institucional - Oferta cobertura à população restrita e


vinculada às pessoas jurídicas. O vínculo à instituição pode ser empregatício,
associativo ou sindical, por exemplo. Pode incluir os dependentes legais. No ato
da contratação há o pressuposto que a maior parte ou a totalidade da massa
populacional vinculada está incluída na apólice e a adesão dos segurados é
automática na data da contratação da vinculação.

Dependendo do número de segurados os contratos institucionais coletivos


recebem tratamento diferenciado. Por exemplo, a partir de cinqüenta segurados
não pode haver carência e nem cobertura parcial temporária. Abaixo desse
número estas duas restrições são passíveis de negociação.

iii) Contrato coletivo por adesão - Oferta válida para pessoas jurídicas visando a
cobertura de pessoas a elas vinculadas. A adesão é livre e espontânea. Pode
incluir grupo familiar. Recebe tratamento diferenciado com base no número de
adeptos, igual às disposições do contrato institucional.

Nesta seção, também vale analisar a questão do grau de concentração no setor,


pois reforçará o argumento da existência de competição oligopolista, situação que
procura-se comprovar nessa tese.

Recorrendo ao apoio da história, verificou-se que no final do século 19 e inicio do


século 20, no sistema econômico em geral e no setor financeiro em particular,
operavam empresas que monopolizam ou detinham excessivas fatias do mercado
(cf. Magalhães, 1997). As autoridades condutoras da política econômica
preocupavam-se com os abusos do poder econômico associado à concentração
do mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, esta preocupação governamental
106

resultou no McFadden Act, do ano de 1927, que regionalizou as atividades


financeiras e bancárias, com instituições especializadas em termos de produtos
Houve restrição para que as instituições financeiras atuassem como seguradoras,
mas era admitida a atuação como canal distribuidor de seguros. Este modelo
americano generalizou-se internacionalmente. No entanto, a partir de mudanças
na legislação (americana), nas décadas dos 70 e 80, foi aberta a possibilidade
para a presença do ramo bancário na operação de seguros. Na atualidade
constata-se a presença das atividades securitárias integradas ao ramo das
finanças 29..

Nos anos recentes (em torno da década dos 80), a tendência à concentração,
seguindo a moda européia, tornou-se mais intensa, sobretudo no ramo do
seguros das pessoas. Magalhães (1997), para ratificar a situação, mostra a
classificação das empresas seguradoras sediadas na Espanha, afirmando:

"Das 10 maiores seguradoras do 'ranking' em 1991, na Espanha: 2 são independentes


(Mapfre , a maior, e Mutua Madrileña); 2 são estrangeiras (Winterhur e Zurich); 2 são
ligadas a instituições financeiras de poupança ( C. Ahorro Com.e Caixa) e 4 ligadas a
bancos (BBV, Grupo Vitalício, Union y Félix e La Estrella) Em 1988, 93% dos prêmios de
novas apólices de vida e 17% dos [prêmios] de ramos elementares foram gerados
através de bancos e instituições financeiras de poupança seja atuando como
seguradores, seja como canais de distribuição, e tais fatias de mercado devem se
expandir ainda mais até 1995"

No Brasil, esse processo de incorporação do ramo de seguros ao financeiro


consolidou-se nos anos 90. A partir da atuação dos conglomerados financeiros,
trata-se de resolver o 'trade-off’ entre os ganhos de escala e a maior eficiência na
comercialização do produto. Esta questão resulta na presença marcante do setor
bancário, por um lado, e a exposição aos riscos do poder econômico e
concorrência desleal por outro (cf. Cerqueira Lima, 1998 e Magalhães, 1997).

Procurando o apoio de Magalhães (1997), para verificar o grau de concentração


no mercado segurador brasileiro, encontrou-se o seguinte relato do autor:

29 Para o caso brasileiro, cf. Cerqueira Lima, 1998; Nogueira da Costa, 1999.
107

"O problema da concentração no Brasil se manifesta mais intensamente no nível das


maiores do ranking: as 3 maiores detêm 40% dos prêmios; as 5 maiores, 50%; e as 10
maiores, 65%, aproximadamente."

O autor afirma ainda que, se comparada ao mercado internacional, a


concentração brasileira é igualada ou superada por alguns países, como por
exemplo a Bélgica, onde as oito maiores seguradoras detêm 51% dos prêmios e a
Dinamarca onde a metade dos prêmios são captados pelas três maiores.

Na Holanda, a participação no mercado das cinco maiores seguradoras, nos


ramos vida é de 68%, sendo de 35% nos ramos elementares (cf. Magalhães,
1997).

A constatação de um grau elevado de concentração no mercado segurador


brasileiro (até comparáveis ao dos mercados externos) exige tratamento
regulatório, pois é suficiente para a prática de abuso econômico quer contra o
consumidor e quer contra a concorrência. Cabe lembrar que houve uma política
governamental de incentivo à conglomeração, portanto, deve o setor público,
também, estabelecer os limites de atuação das empresas. Portanto, outro fator
que deve contemplar a atenção das empresas e dos consumidores é a recente
regulamentação do setor.

Em 1998, tem início a regulamentação do sistema privado de seguro saúde – Lei


No 9656/98, MP No 1665/98 e No 1976/2000 - aprovada pelo Congresso Nacional
e trazendo em seu conteúdo fatores que regulam a oferta e a demanda dos
serviços. As análises e comentários sobre a regulação estão na seção seguinte
do presente estudo.

A criação e a influência da atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar –


ANS, no mercado de seguro saúde é outro fator relevante na análise e no
entendimento do sistema privado seguro saúde, por isso, também é assunto
abordado a seguir (cf. Leopoldi, 1999; Cerqueira Lima, 1998; Ocké Reis, 1995).

Retornando à questão da concentração empresarial são necessárias algumas


observações. Não se pode omitir que a operação da oferta de seguros pelos
conglomerados financeiros contribuí para a solidez econômico-financeira do setor
108

no Brasil. A forma de operação - em conglomeração - propiciou condições para


ampliação das coberturas e da assunção de riscos. A oferta de seguros como um
produto bancário, difundiu a prática e as informações sobre o produto e permitiu a
sua utilização nas regiões geográficas mais longínquas, promovendo, ainda,
ampliação do mercado e dinamismo ao setor. Reverter a situação promovendo a
retirada das operações de seguro do ramo financeiro e dos conglomerados seria
um retrocesso e, também, marchar contra corrente (é a tendência do mercado
internacional) criando situações traumáticas para as atividades setoriais.

Concluindo esta seção, duas constatações podem feitas. A primeira é que a


relação das empresas - financeiras e não financeiras - com a produção do serviço
é assemelhada, se analisada somente quanto à formatação do produto. Não se
deve esquecer que os conglomerados financeiros transformaram o seguro saúde
num produto financeiro, embora, o tipo de serviço ofertado, de uma forma
genérica, siga as instruções da entidade reguladora. A segunda é com relação a
atuação das empresas nos mercados de capitais e financeiro, cujo 'modus
operandi' também é semelhante, qualquer que seja a forma de organização
empresarial. Neste item, também prevalecem as instruções da agência de
regulação. É evidente a interferência da regulação estatal nas operações das
empresas, por isso, a próxima seção abordará o assunto.
109

4.4 - Aspectos da Regulação

O problema da alocação eficiente e da distribuição eqüitativa dos recursos


sempre causou preocupação para os pesquisadores da ciência econômica. A
teoria clássica atribuía ao mercado a incumbência da resolução dessa questão.
Acreditava-se (com base nas suposições da teoria econômica clássica) na
perfeição do mercado, sem falhas, e em concorrência perfeita, onde cada agente,
ao buscar seus próprios interesses, fazia uso eficiente dos recursos disseminando
os benefícios por toda a coletividade.

Mas nas sociedades contemporâneas, onde predominam estruturas de mercado


em concorrência imperfeita (cf. Spinola & Troster, 1998), surge a necessidade da
intervenção governamental para corrigir as chamadas 'falhas do mercado'.
Através da regulamentação, o Estado age reduzindo as incertezas do ambiente
onde são realizadas as transações. A formulação e implementação de um
processo regulatório, num determinado mercado, requer custos administrativos
elevados, altera a distribuição de rendas e pode interferir na eficiência alocativa
de outros mercados correlacionados. Portanto, para desencadear um processo de
regulação, há necessidade da comparação dos ganhos (benefícios) de eficiência,
com as perdas (custos) da ineficiência do mercado desregulamentado, embora
apresentado falhas. Os instrumentos de regulação preconizados pela teoria são,
de uma forma geral, classificados em: i) instrumentos de comando e controle; e, ii)
incentivos financeiros. Os primeiros estão vinculados às sanções e penalidades
impostas pelas agências governamentais, e os segundos estão associados aos
subsídios e às transferências de recursos via tributação.30

Vale lembrar que o mercado segurador está eivado de 'falhas' quando analisado à
luz da teoria econômica clássica, portanto, é área fecunda para atuação do
Estado, nas suas funções alocativa e distributiva via regulação.

A regulação é assunto polêmico e vem, de forma crescente, ocupando espaço na


literatura, nos estudos e nos debates sobre as operações do setor.

30 Para detalhes, cf. Anuatti Neto. (1998). Regulamentação dos Mercados . In Manual de Economia. Equipe
dos Professores da USP. São Paulo: Atlas.
110

Ocké Reis, Bahia & Barbosa (1997), debatendo sobre o assunto dizem que:

"Regular implica na definição e aplicação continuada, de arcabouço normativo ou de


referência, capaz de circunscrever limites a determinadas práticas dos entes regulados"

Portanto, para os autores citados, o processo regulatório é entendido como as


ações que definam uma estrutura normativa e de referência capazes de
estabelecer fronteiras e limites aos procedimentos dos agentes que ofertam e
demandam seguro saúde. O Estado, através de um órgão específico, estabelece
o modo pelo qual a oferta e a demanda tenham suas práticas e expectativas
respeitadas, evitando desequilíbrios e conflitos entre as partes.

Analisando a regulação, sob o aspecto de sua influência no mercado de seguro


saúde, Ocké Reis (2001) diz que:

".... a regulação não é aceita na prática por todo mercado - pois ela afeta
desigualmente a rentabilidade e o padrão de competição dos planos em um contexto
de acelerada “fusão de carteiras”. (grifos nossos).

Embora o autor use, particularmente, a expressão ‘planos’, o referencial é sem


dúvida, quanto à oferta de seguro saúde pelos diversos segmentos do setor. A
‘fusão de carteiras', nas palavras autor, é a adaptação dos contratos dos
segurados às exigências da atual legislação vigente.

Destaca-se que, ao estabelecer uma cobertura mínima a ser ofertada pelas


operadoras de seguro saúde aos seus segurados, o órgão regulador - ANS -
altera o padrão de competição ao tentar tornar o produto homogêneo, à guisa de
uma estrutura de mercado em concorrência perfeita.

A respeito da regulamentação, ratificando a intenção da igualdade de condições


entre as partes envolvidas, Bierrenbach (1997) diz que:

“se garantir a igualdade de competição entre os diversos segmentos, a


regulamentação será de muito valor, principalmente para os consumidores”. (grifos
nossos).
111

Nota-se, nas palavras do autor, a preocupação com a concorrência em igualdade


de condições para os diversos segmentos, e ainda, a percepção que os
consumidores estarão em melhor posição após a regulamentação.

A apresentação da opinião de vários autores é importante. Elas ajudam a


compreender que a ação regulatória é uma atividade de julgamento e arbitragem
e, por ser constante, requer sempre, a introdução de novos valores e novas
referências, numa busca incessante de aprimoramento nas interações entre
fornecedores e consumidores (cf. Boyer, 1990; Vianna & Ocké Reis, 1997).
Portanto, a regulação visa possibilitar aos atores envolvidos no processo uma
equidade de poderes. Os ganhos e perdas devem ser socialmente aceitáveis e
divididos entre as partes. É uma idéia de mediação entre a oferta e procura, na
busca de um equilíbrio. Em função de encontrar a estabilização das relações
entre os agentes envolvidos (produtores e consumidores) e, talvez, percebendo
uma desvantagem dos consumidores no equilíbrio entre as partes, Kornis &
Caetano (2001) entendem que:

“(...) a ampliação da ação do Estado na área da saúde, regulando a atuação das


entidades intervenientes na assistência médica suplementar, poderá contribuir para a
melhoria na prestação de um serviço cuja importância é cada vez maior para as famílias
brasileiras”.

Por isso, os autores defendem a ampliação das ações públicas na área da saúde,
de modo que contribuam para haja qualidade na prestação dos serviços, dizendo
serem estes importantes para a população. A intenção demonstrada é a da
equidade nas relações.

No Brasil, a questão da regulamentação despertou um jogo de forças e uma luta


pelo poder regulatório. Neste jogo de forças e poder, duas correntes
governamentais propugnaram pela hegemonia do setor. Uma das correntes é
oriunda do Ministério da Fazenda, representante da área econômica, portanto,
com objetivos de manutenção da estabilidade da moeda e do crescimento do
produto e da renda. A outra tem origem no Ministério da Saúde, cujas metas
incluem, entre outras, o controle epidemiológico e a vigilância sanitária.
112

Especificamente, sobre o assunto em tela, a área econômica, tem como


preocupação: i) a dinâmica da variação dos prêmios (vale dizer: aumento dos
preços dos produtos) cobrados pelas empresas seguradoras 31 que fazem a oferta
do produto seguro saúde; ii) a atuação das empresas seguradoras no mercado
financeiro e de capitais 32 - como investidoras institucionais - e, iii) com a evasão
fiscal oriunda das atividades de alguns agentes ofertantes. Todas essas
preocupações listadas têm reflexo na condução da política econômica do país,
daí a atenção do órgão responsável por esta tarefa.

A corrente vinculada à área da saúde tem como ponto de defesa a concepção


constitucional de saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Conceito que,
segundo os formuladores da política da saúde brasileira, não está sendo
contemplado pelos fornecedores do seguro saúde, quando da formatação dos
seus produtos. Essa constatação serve como justificativa para o órgão
responsável pela política pública de saúde requerer o controle e a fiscalização das
operações de seguro saúde.

Do lado do consumidor, a sociedade civil organizada em tipos diversos de


associações, vem clamando por ações regulatórias favoráveis à ampliação da
cobertura do seguro saúde e aos preços acessíveis. Pelo lado do produtor, as
entidades empresariais reivindicam maior flexibilização das normas de operação,
editadas pelo agente regulador, para que tenham equilíbrio econômico-financeiro
e desta forma, possam oferecer um produto compatível com a demanda, onde
sejam respeitadas a preferência e a renda do consumidor.

Na situação vigente, o locus regulatório da saúde suplementar foi postulado e


obtido pela área da saúde. Em dezembro de 1999 foi criada a Agência Nacional
de Saúde Suplementar - ANS, subordinada ao Ministério da Saúde. A Agência
surge com a intenção de enquadrar o setor: i) definindo responsabilidades; ii)
estabelecendo regras financeiras e médicas; iii) incentivando a concorrência e
combatendo-a quando desleal (cf. Mesquita, 2002).

31 Inclui-se nesta categoria todas as instituições cujo objetivo é a oferta de proteção cont r a o risco
de não atendimento médico. A classificação da oferta está descrita na seção 4.2 do capítulo.
32 As companhias seguradoras são investidores institucionais.
113

Portanto, todas as pessoas jurídicas de direito privado que ofertam seguro saúde
submetem-se ao Conselho de Saúde Suplementar - CONSU, órgão colegiado,
integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde - MS 33, cuja
competência abrange: a) estabelecer e supervisionar a execução de políticas
gerais do setor de saúde suplementar; b) aprovar o contrato de gestão,
supervisionar as ações e o funcionamento da ANS; c) fixar as normas para
constituição, organização, funcionamento e fiscalização das empresas ofertantes
de seguro saúde no que tange: ao: conteúdo do modelo de assistência;
adequação e utilização de tecnologias em saúde; aspectos econômico-
financeiros; normas contábeis, atuariais e estatísticas; parametrização do capital e
do patrimônio líquido mínimo, sua forma de subscrição e integralização quando se
tratar de sociedades anônimas; critérios de constituição de garantias para
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro; direção fiscal ou técnica;
liquidação extrajudicial; procedimentos para recuperação financeira das
operadoras; e normas de aplicação de punições.

Quanto à sua estrutura colegiada, o CONSU é integrado pelos seguintes


membros: i) Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da Republica, como
Presidente; ii) Ministro da Saúde; iii) Ministro da Fazenda; iv) Ministro da Justiça;
v) Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia sob regime especial,


apresenta a seguinte estrutura básica: i) Diretoria Colegiada; ii) Câmara de Saúde
Suplementar; iii) Procuradoria; iv) Ouvidoria; e v) Corregedoria.

A Câmara de Saúde Suplementar é composta pelo Diretor Presidente da ANS, na


qualidade de presidente da Câmara; por um representante dos seguintes
ministérios: da Fazenda, da Previdência e Assistência Social, do Trabalho e
Emprego e da Justiça; por um representante de cada órgão e entidade social do
mercado de saúde privada do Brasil (Operadora, Conselhos Regionais etc) (cf.
Mesquita, 2002).

33 Para detalhes consulte: Mesquita. Ma Angélica F. (2002). A Regulação da Assistência Suplementar à


Saúde: Legislação e Contexto Institucional. In Regulação & Saúde: Estrutura, Evolução e Perspectiva da
Assistência Médica Suplementar. Rio de Janeiro: ANS.
114

Embora já estando estruturada (mas em revisão permanente) e em vigor, a


regulamentação do sistema de saúde suplementar, ainda, tem despertado uma
discussão acalorada quanto à definição e à competência da entidade que deve
capitanear a atividade de regulação e quanto ao escopo da mesma.

A tese pretende contribuir para o debate apresentando. Nas seções seguintes,


estão descritos fatos relevantes vinculados a nova roupagem com a qual se
apresentam os itens objetos da regulação: o mercado e o produto seguro saúde.

4.4.1 – Antecedentes

No Brasil, um dos setores da economia onde a presença do Estado tem sido


preponderante é o de seguros privados. Na época do governo Vargas, em 1933, o
Ministério do Trabalho assumiu a gestão da política de seguros como parte da
política de bem estar da sociedade. Sob total controle do Governo, o segmento se
desenvolve e atinge um porte relevante na economia. A implementação das
reformas econômicas, a partir do início dos anos 90, muda as características do
setor. Novos atores surgem no cenário e desempenham novos papéis. O ramo do
seguro saúde, até então de pouca importância, cresce e incorpora-se, de forma
definitiva, no sistema financeiro nacional. A necessidade da intervenção
governamental reaparece e a regulação é a forma encontrada para a monitoração
do setor.

Toda atividade securitária no Brasil, nos últimos 60 anos, foi fortemente conduzida
pela 'mão visível' do Estado. Não havia competição entre as seguradoras e
nenhuma ação era tomada sem a presença de um órgão estatal regulador. O
mercado (se a denominação é adequada sob o ponto de vista político-econômico
conservador-liberal) era composto, no final dos anos 50, por três grandes
companhias nacionais de seguros 34, algumas de porte médio e muitas empresas
pequenas. As empresas estrangeiras eram poucas e se restringiam à oferta de
seguros aos grupos industriais multinacionais. O seguro saúde ainda não
constava no 'mix' dos produtos ofertados.

34 Sul América, Internacional e Boavista. Cf. Leopoldi, 1999.


115

A partir de 1966 uma ampla reforma atinge o segmento. Neste ano foi criado o
sistema nacional de seguros privados. Sistema abrangente englobando o
consumidor (demanda), a empresa seguradora (oferta), o corretor de seguros
(intermediário) e o Governo (regulador), através do Conselho Nacional de
Seguros Privados – CNSP (agência normativa) e da Superintendência de Seguros
Privados – SUSEP (fiscalização).

Nos anos 70 há um incentivo governamental para a fusão entre bancos e


seguradoras, além do fomento às incorporações, redundando em um decréscimo
no número de empresas 35. Destarte o mercado ficou segmentado entre as
seguradoras ditas independentes – não vinculadas ao setor da intermediação
financeira - e as empresas de seguros ligadas a um grupo financeiro. A
intensificação do processo de integração das atividades de seguros aos produtos
ofertados pelos conglomerados do setor financeiro e o direcionamento dado pelas
políticas públicas caracterizam a 'financeirização' do seguro privado.

Para Leopoldi (1999):

“O processo de financeirização do seguro privado vai se completar quando o regime


militar passa a gestão da política de seguros para o Ministério da Fazenda em 1979. Na
Constituição de 1988, o setor de seguros já aparece como parte do Sistema Financeiro
Nacional, ao lado dos bancos e do mercado de capitais.” (grifos no original)

Analisando a dinâmica do setor, a autora mostra o direcionamento das operações


para o âmbito financeiro e, também, a condução do processo através da
intervenção do Estado.

Outra vaga reformista ocorre a partir dos anos 80, quando as atividades
financeiras se concentram em conglomerados e se constata o estertor das
seguradoras tradicionais e dos bancos comerciais. Agora, por estar operando em
larga escala e, talvez, obtendo redução de custos das operações, essas mega-
empresas de prestação de serviços diversificam seus portfólio de produtos,
ofertando, além dos serviços bancários tradicionais, outros como: cartão de
crédito, títulos de capitalização, créditos imobiliários e seguros, entre os quais o
116

seguro saúde. É neste ambiente operacional que surge e se desenvolve o seguro


saúde, como um produto constante da prateleira dos bancos.

4.4.2 - Atualidade

Rompendo uma tradição iniciada no governo de Getulio Vargas, o processo de


desregulação do setor seguros começa a partir de 1985, ano em que também tem
início a transição política em busca da democracia. Desenvolvido em ambiente
democrático, o processo de desregulação e re-regulação 36 é lento e gradual,
envolvendo diversos atores com papéis distintos e necessitando conciliação.

A Superintendência de Seguros Privados - SUSEP e o Instituto de Resseguros do


Brasil – IRB, órgãos vinculados ao Ministério da Fazenda, são, por parte do
Governo, os principais atores e de onde emanam as regras do jogo. As empresas
de seguros, representadas pela sua entidade de classe, a FENASEG e os
corretores de seguros, também representados pela sua entidade, a FENACOR,
compõem o elenco de agentes das mudanças.

A ação desregulatória do setor tem início (em 1985) num ambiente econômico
conturbado pela inflação e pela crise da dívida pública. O Governo, através da
SUSEP, tomou algumas medidas liberatórias flexibilizando as operações e
empurrando as reformas na direção do mercado. Por exemplo: i) autorizou a
formação de novas empresas de seguros; ii) permitiu o ingresso de capital
estrangeiro no controle acionário das empresas de seguros; iii) estimulou a
formação de empresas regionais especializadas em determinados segmentos; e
iv) liberou as tarifas de alguns grupos de riscos.

A Constituição Federal, de 1988, elimina a necessidade de cartas patentes para


criação de novas seguradoras. O IRB, em julho de 1992, cria o Plano Diretor de
Seguros Privados, onde está prevista a liberação de tarifas, a privatização das
seguradoras públicas (estaduais e federais), a abertura do setor ao capital

35 Os incentivos às fusões e incorporações levaram a um enxugamento no número de


seguradoras. Houve uma redução de 47% e passaram de 176 em 1970 para 94 em 1975. Cf.
Leopoldi, 1999.

36 Re-regulação é a criação de novas normas para setores que já atuavam dentro de controle
governamental e para os setores ainda não regulados, como é o caso das denominadas operadoras
de `planos de saúde'.
117

estrangeiro, a forma do controle da liquidez das empresas seguradoras, a reforma


da Lei dos Corretores (de 1964) e a quebra do monopólio do resseguro. Em 1993,
a Lei das Licitações acaba com a obrigatoriedade dos sorteios, entre as empresas
seguradoras, para oferta de produtos ao Governo. A liberação para as empresas
estrangeiras atuarem no setor de seguro saúde surge em 1996. Esse ato gerou
uma grande ebulição no mercado de seguros. Fusões e aquisições de
seguradoras brasileiras por concorrentes estrangeiras ocorrem nesse período. As
reformas (des)regulatórias prosseguiram e, em junho de 1998, foi aprovada a 'Lei
dos Planos de Saúde'. Estas reformas possibilitaram ao mercado comercializar
'produtos' de proteção ao risco da não prestação dos serviços de cuidados à
saúde e de suporte financeiro para as despesas incorridas com o atendimento
médico-hospitalar, ou seja, o seguro saúde.

Algumas constatações podem ser feitas a partir da (des)regulação setorial. A


primeira é que apesar da Constituição Federal, ora em vigor, estabelecer a saúde
como direito do cidadão e dever do Estado, a prática das ações públicas de saúde
mostra um distanciamento entre o texto constitucional e a realidade via ‘’market
friendly economics reforms” desencadeadas pelo Governo, em função das
reformas administrativas e patrimoniais. A segunda, como um corolário das
reformas empreendidas, é que há uma inversão na situação mercadológica se
comparada com a década dos 80, quando as seguradoras estrangeiras eram
pequenas e nem apareciam no 'ranking' dos ofertantes Nos anos 90, entre as dez
maiores empresas do ramo, oito são estrangeiras ou tem participação relevante
de capital oriundo do exterior. 37

A corrida das empresas estrangeiras para o mercado brasileiro, pode ter como
explicação parcial a adoção pela agência reguladora de algumas praticas
normativas em vigor no exterior, por isso, já de conhecimento das empresas.
Quando analisa, especificamente, a questão da regulamentação do seguro saúde,
Ocké Reis (2001) afirma:

37 Após a liberação do mercado para as empresa estrangeiras as seguintes associações


surgiram: i) Aetna com a Sul América; ii) Generalli com a Sudameris; iii) Allianz com Bradesco; iv)
ITT Hartford e Icatu; v) AIG e Unibanco vi) Mapfre com a Vera Cruz; e vii) Liberty Mutual com a
Seguradora Paulista. Cf. Gazeta Mercantil de 15 de Abril de 1998.
118

"A regulamentação, tal como vem sendo conduzida, a partir das propostas do managed
care, acabaria assim criando, paradoxalmente, bases institucionais que favorecem uma
crescente internacionalização e oligopolização do mercado de planos de saúde" (grifos
nossos)

O autor da assertiva, analisando o modelo brasileiro de regulamentação, afirma


que há uma forte tendência do mercado operar em estrutura oligopolista sob a
liderança de corporações transnacionais. A afirmação de Ocké Reis induz ao
entendimento de estrutura oligopolista, no sentido econômico, como um grupo de
empresas dominando a oferta do produto. Quanto ao termo internacionalização,
compreende-se como o domínio do mercado por empresas oriundas do exterior,
onde já tenha percorrido sua curva de aprendizado do negocio e, aproveitando as
oportunidades do mercado brasileiro, procuram alocar seus recursos disponíveis
visando rentabilidade para o capital investido.

Outro ponto de atenção dos analistas de políticas de saúde, é quanto a


capacidade regulatória do Estado frente as empresas estrangeiras que atuam no
mercado brasileiro. Eles - os analistas - afirmam que 'ajustar' o mercado via
incentivo governamental (subsídios para o setor) pode criar condições para o
ingresso de grupos econômicos internacionais, dificultando a capacidade
regulatória do Estado. Sobre o assunto, Ocké Reis (2001) diz:

"Dada a rigidez do tamanho do mercado e os custos crescentes do setor, a


conseqüência inevitável seria uma acelerada concentração do poder econômico. Isso
tornaria ainda mais frágil a capacidade regulatória do Estado no sentido de atenuar o
primado do lucro e da radicalização da seleção de riscos tão presentes na dinâmica de
acumulação capitalista dos planos - que tanto prejudica consumidores quanto a própria
sinergia do sistema de saúde."

Entende-se que o autor citado, ao usar a frase 'ajustar' o mercado, está se


referindo às ações da agência reguladora no sentido de promover a concorrência,
de modo que as condições de competição sejam as mais abrangentes,
disseminando benefícios tanto para os produtores quanto para os consumidores.
Vale lembrar que a questão da concorrência, em estrutura de oligopólio, será
debatida na terceira parte da tese. Serão apresentados argumentos de defesa da
119

existência de competição oligopolista entre as empresas seguradoras brasileiras,


as quais apresentam um produto, hipoteticamente, diferenciado.

Tradicionalmente, o setor securitário era um ramo da economia onde o dirigismo


estatal sempre foi relevante, mas não existia regulamentação especifica para a
área da saúde. A partir dos anos 90, o Estado reage e cria agência(s)
regulatória(s) 38 para o setor, buscando estabelecer o equilíbrio necessário para o
funcionamento do mercado de seguro saúde e da assistência suplementar à
saúde.

Assim, o seguro saúde está regulamentado pela lei 9656, promulgada em junho
de 1998 e medidas provisórias posteriores. A partir da promulgação da lei, todos
os ofertantes de seguro saúde estão subordinados à Agência Nacional de Saúde
Suplementar - ANS, quanto à autorização para funcionamento, quanto ao tipo de
produto ofertado e quanto a forma das operações.

A regulamentação, com base na lei, não se limita à recuperação da saúde


(medicina curativa), mas amplia o campo de atenção à saúde quando inclui nos
procedimentos médicos a reabilitação e a prevenção com promoção e proteção
da saúde. Como comentado anteriormente, outro ponto de destaque da
regulamentação é a autorização dada aos investidores estrangeiros para
participarem na oferta do produto seguro saúde. A intenção da medida foi de
estimular a concorrência e a atração de novas técnicas e metodologias de
controle e avaliação do desempenho setorial, permitindo o uso eficiente dos
recursos, a redução nos custos da oferta, a ampliação da oferta e a, conseqüente,
melhoria na qualidade do atendimento à população segurada. As medidas
regulatórias também permitem a oferta regionalizada de produtos, Isto é, a uma
delimitação da área geográfica de atuação do ofertante propiciando a formatação
do produto adequado as realidades de cada espaço territorial.

Outra novidade da lei é a obrigatoriedade da oferta do chamado Plano ou Seguro


Referência de Assistência à Saúde, onde há cobertura para todas as doenças
relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas

38 Foram criadas a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS e a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária - ANVS.
120

Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial de Saúde - OMS. A


inclusão deste tipo de cobertura, indiscutivelmente, dá credibilidade ao setor e
proporciona mais segurança à população assistida. Ainda, quanto à abrangência
da lei, pode-se relacionar ainda: a permissão para o segurado incluir no contrato
com a seguradora filho adotivo com os mesmos direitos dos filhos naturais; a
possibilidade de permanência, como segurado, do trabalhador demitido sem justa
causa quando participante de um seguro coletivo patrocinado pelo empregador,
total ou parcialmente; a aceitação, por parte do segurador, do proponente,
independente da idade ou de doenças pré-existente; a possibilidade de
ressarcimento ao Sistema Único de Saúde - SUS, por parte das seguradoras,
pelo atendimento de um segurado entidades do sistema. A expectativa do Estado
é que essas medidas redundem em melhor ordenamento do segmento privado de
seguro saúde.

Finalizando a seção, julga-se importante acrescentar que o modelo de regulação


adotado inicialmente (pela Lei 9656/98) era dividido entre dois campos de atuação
e subordinado a duas entidades reguladoras. O primeiro campo abrangia a
normatização dos aspectos econômico-finaceiros das empresas e da formatação
dos produtos. A entidade responsável pelo emissão das normas e pela
fiscalização do cumprimento era o Conselho Nacional de Seguros Privados -
CNSP, sob a supervisão da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. As
normas assistenciais eram emitidas pelo Conselho Nacional de Saúde - CONSU,
fiscalizadas e operacionalizadas pelo Ministério da Saúde 39.

A polêmica sobre a regulamentação do setor continua acalorada - no meio


acadêmico, no setor público e na área privada. Apesar de estar estruturado e em
operação, algumas questões surgem a respeito do modelo regulatório no Brasil.

Campos & Santiago Jr. (2002), comentando a natureza e os objetivos da ANS,


afirmam:

"Não podemos esquecer que os próprios objetivos da Agência estarão em permanente


(re)definição em resposta ao jogo de interesses sobre os quais a ação reguladora
intervirá..."
121

Depreende-se do comentário desses autores citados, a atenção voltada para as


mudanças da área de regulação, condicionando os objetivos da entidade aos
interesses dos agentes.

Muitas questões continuam em debate. Uma, por exemplo, é sobre a instituição


governamental que, efetivamente, deve controlar a área. Outra, é quanto a própria
definição da área de controle. Dentre outros pontos relevantes, a tese pretende,
discutir estes dois. O palco do debate será a seção seguinte, como parte
conclusiva dos aspectos da regulação.

4.4.3 - Conclusão

A teoria econômica quando aborda as questões da intervenção do Estado na


economia diz que a regulação é necessária onde existem 'falhas no mercado'.
Como descrito em outra seção da tese, o mercado segurador está repleto de
falhas - concentração da oferta, assimetria de informação, seleção adversa, risco
moral etc - o que propicia a regulamentação.

Com o intuito de redimir as falhas de mercado inerentes ao setor saúde, ocorre a


intervenção do Estado através da criação de agências reguladoras - ANS e
ANVISA - .O modelo de regulação adotado por essas agências é oriundo da
experiência brasileira utilizada nos setores - das telecomunicações, do petróleo e
da energia elétrica - que passaram (no final da década dos anos 90) pelas
reformas patrimoniais do Estado (privatizações e desestatizações), 40 seguindo as
idéias e instituições já experimentadas por outros países. O desenho
organizacional da ANS, criado pela lei 9656/98, estabelece como foco da
regulação os mercados das "operadoras de planos e seguros de saúde"41, além
de fiscalizar os aspectos sanitários, os epidemiológicos e controlar os contratos
firmados, entre seguradoras e segurados, quanto à abrangência das coberturas
de patologias e procedimentos médicos. A Agência é uma autarquia especial
vinculada ao Ministério da Saúde tendo como finalidade institucional promover a
defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde.

39 A lei 9656/98 sofreu diversas alterações desde a data em que entrou em vigor. Para maiores detalhes, cf.
Mesquita, 2002. Op. cit.

40 Vide nota 3 e nota 2.


122

Com este preâmbulo, inicia-se a apresentação de fatos mostrando que a


regulação do setor, no caso brasileiro, deve adotar um modelo, onde sejam
contemplados dois campos: i) o da normatização da dimensão econômico-
financeira e da formatação do produto; e, ii) o da normatização dos aspectos
assistenciais. Quanto ao primeiro campo, sob o aspecto mercadológico, o seguro
saúde tem sua oferta inserida numa estrutura oligopolista 42 do âmbito das
finanças. Os conglomerados financeiros são os ofertantes do produto e atuam no
mercado financeiro como investidores institucionais. Analisando a questão sob a
ótica do produto, o seguro saúde, em sua formatação atual, assume
particularidades de produto financeiro 43 e como tal, deve seguir as regras
estabelecidas pelas autoridades monetárias, como os demais produtos do ramo.
Assim, pela lógica científica, a regulamentação da dimensão econômico-
financeira e da formatação do produto deve estar subordinada ao órgão
responsável pela condução da política econômica do País.

No segundo campo citado - o referente aos aspectos assistenciais - o objeto da


regulação é a adequada prestação dos serviços de atenção à saúde. Portanto,
significa que a agência reguladora deve estabelecer ações de fomento,
fiscalização e controle dos modelos assistenciais em vigência, induzindo os
seguradores (ofertantes do seguro saúde) a exigirem dos provedores
(prestadores de serviços contratados ou conveniados) serviços de qualidade
visando o pronto atendimento da clientela. É preciso que o órgão regulador, de
forma clara e precisa, defina às ações de prevenção e promoção da saúde e as
de tratamento das enfermidades que devem estar contempladas na cobertura
oferecida aos usuários. Com base nas características apresentadas neste
parágrafo, pode-se afirmar que a entidade adequada para levar avante tais
atribuições deve estar vinculada às autoridades responsáveis pela condução das
políticas de saúde do país. A análise lógica do enunciado dá validade à proposta
de que a dimensão assistencial do setor privado do seguro saúde, no Brasil, deve
ficar subordinada aos condutores das políticas públicas de saúde.

41 Expressão utilizada no corpo da lei citada.


42 A terceira parte da Tese contempla este estudo.
43 Segurança, liquidez, risco e rentabilidade.
123

Em resumo, defende-se a idéia da especificação do controle das operações dos


ofertantes do seguro saúde. Uma parte envolvendo os aspectos econômico-
financeiros e mercadológicos e a outra encampando os aspectos assistenciais.
Justifica-se esta proposição pelas peculiaridades da oferta, quer seja pela
organização do agente produtor, quer seja pela a formatação do produto. Como já
dito anteriormente, o produtor é um integrante do ramo financeiro e, portanto,
oferta um produto financeiro. Assim, as caberia às Autoridades Monetárias44 a
incumbência de assumir a responsabilidade para deliberar, fiscalizar e controlar o
mercado e o produto.

Acrescenta-se ainda, como suporte ao proposto, que as organizações de saúde


pública, possuem vantagem comparativa em relação às autoridades monetárias,
quanto ao acúmulo de conhecimento sobre as condições sanitárias e
epidemiológicas brasileiras, tornando-se, desta forma, a condutora ideal do
processo da regulação referente as essas específicas questões.

Redirecionando o foco da lente de investigação para os aspectos político-


institucionais da operação de uma agência reguladora e com a finalidade de dar
apoio científico à proposta apresentada, conjectura-se que a remodelação do
controle, evitaria as falhas típicas de uma regulação por delegação (cf. Majone,
1996). A centralização do controle num único agente, este poderia, com mais
facilidade, ser capturado pelos conglomerados econômicos ofertantes do produto.
A configuração proposta pode ajudar o Estado a acumular forças para formatar o
mercado em busca da eficiência (menor dispêndio de recursos) e da eficácia
(alcances de objetivos sanitários e epidemiológicos).

Faz-se mister, ainda, lembrar que o seguro saúde, embora venha sendo ofertado
como um produto financeiro, está vinculado, no seu íntimo, a algo cujo preço é
inexistente, mas o valor é inestimável: a vida humana. Por essa razão, além dos
aspectos econômicos e operacionais, a regulação do setor deve levar em
consideração o equilíbrio das relações entre os produtores e os consumidores. Há
de se estabelecer, através de organismos estatais, instrumentos jurídicos que

44 No Brasil, as Autoridade Monetárias são Conselho Monetário Nacional - CMN, o Banco Central do Brasil -
Bacen, e o Conselho de Política Monetária - Copom. Vale lembrar o papel da Comissão de Valores
Mobiliários - CVM, integrante do sub-sistema normativo do Sistema Financeiro, regulando e fiscalizando o
mercado de capitais.
124

dêem amparo aos usuários. Este fundamental aspecto deve ser observado pelas
autoridades reguladoras do setor. Portanto a sugestão apresentada, da
remodelação da regulação, não excluí, de forma alguma, o amparo aos usuários.
Entende-se que o acesso aos cuidados à saúde é um direito inalienável dos
cidadãos, de acordo com os preceitos constitucionais e com a ideologia do autor
da tese.

Pretende-se, com a proposta sobre o modo de regulação aqui apresentada,


contribuir para que a agência reguladora - ANS - redirecione o foco de sua
atenção. Não há críticas à atuação da Agência, apenas um sinal de alerta para
fatos que estão acontecendo. De uma forma especial e com muita ponderação a
'voz do mercado' deve ser ouvida. Além disto, julga-se importante intensificar os
debates sobre a questão e a abertura de novos campos de discussão para que
seja encontrado o formato e o 'locus' ideal da regulação.

Encerra-se com esta discussão a segunda parte da tese. Na terceira parte, a


seguir, serão mostrados os aspectos da competição entre as empresas ofertantes
do seguro saúde no Brasil.
125

PARTE III - FORMAS DE COMPETIÇÃO: A EXPERIÊNCIA


BRASILEIRA

No sistema econômico de mercado a concorrência é fator preponderante para o


crescimento da economia. Na busca por uma posição melhor no mercado - vale
dizer em competição - os agentes econômicos promovem o crescimento via
acumulação da riqueza. O ramo de seguros, incrustado no setor financeiro,
emerge com robustez no cenário da economia competitiva do final do século XX.
Tal fato propicia condições para a acumulação e fluxo dos recursos financeiros
num amplo e globalizado mercado, impulsionando, destarte, o crescimento da
renda e do produto.

No início da década de 1990, o Brasil procura adaptar-se ao ambiente competitivo


vigente no mundo. Dentre os ramos de negócios, que buscam adaptação ao
mundo concorrencial, encontra-se o dos seguros, com destaque para o produto
seguro saúde. As seguradoras, vinculadas aos conglomerados financeiros, criam
estratégias competitivas visando melhor posicionamento na divisão do mercado.
Quando se trata do seguro saúde constata-se, como será apresentado em seção
posterior, que há uma busca intensa pela estratégia de diferenciação do produto.

Nesta terceira parte da tese, são mostrados as diversas facetas da competição no


ramo do seguro saúde no Brasil dos anos 90. A experiência brasileira do mercado
de seguros é abordada à luz da teoria econômica da concorrência, sob os
aspectos da oferta e da demanda do produto e das falhas existentes no mercado
segurador da saúde. Este capitulo está direcionado para demonstrar como a
teoria econômica dá suporte à realidade brasileira da concorrência entre as
seguradoras que ofertam o produto seguro saúde e, também, para mostrar como
a realidade encontrada conforma-se à teoria. O capítulo foi dividido em cinco
seções: a primeira discorrendo sobre a competição na teoria econômica e servirá
de embasamento para explicar o que ocorre na realidade do mercado brasileiro
de seguro saúde. A segunda e a terceira mostram o comportamento,
respectivamente, da demanda e da oferta do mercado no Brasil. As falhas do
mercado de seguros saúde são apresentadas na quarta seção e encerrando o
capítulo, na quinta seção, uma descrição da experiência mercadológica brasileira.
126

5 - A COMPETIÇÃO NO BRASIL

A estabilidade da moeda, a abertura do mercado segurador às empresas


estrangeiras e o fim do monopólio estatal na área de resseguros, a presença da
regulação na área da saúde suplementar, entre outros fatos, modificaram o
panorama mercadológico dos seguros no Brasil, nos últimos anos da década dos
90. A luta pela conquista dos milhares de consumidores que estavam à margem e
ingressam no mercado, em função das medidas de estabilização da economia
implementadas pelo Plano Real, torna-se acirrada. As estratégias das empresas
seguradoras, monitoradas pela regulação estatal, tornam-se flexíveis e criativas,
enfocando cada vez mais o cliente e a forma diferenciada dos produtos. Estes
assunto serão objetos de análise e reflexão nas seções que se seguem.

5.1 - A Competição na Teoria Econômica

A economia da saúde, área específica da ciência econômica, é o referencial


teórico do presente trabalho. Através dos instrumentos analíticos do
conhecimento microeconômico da tipologia dos mercados, aplicados à área do
seguro saúde, poder-se-á inferir como as empresas seguradoras ofertantes do
seguro saúde estão competindo no mercado brasileiro, na década dos anos 1990.

Descrevendo o verbete “health economics” no “The New PALGRAVE: A dictionary


of economics”, Fuchs (1991) diz:

“Health economics is an applied field in which empirical research predominates. It draws


its theoretical inspiration principally from four traditional areas of economics: finance and
insurance, industrial organisations, labour and public finance.”

O autor destaca em sua afirmação que a economia da saúde é um campo onde


predomina a pesquisa empírica, retirando suas principais idéias de quatro
tradicionais áreas da ciência econômica: finanças e seguros; organização
industrial; trabalho e finanças do setor público. Destaca-se da citação do autor a
vinculação do ramo dos seguros com o setor financeiro, corroborando as
afirmações da primeira parte da tese.

O outro ponto contemplado no estudo é a tipologia do mercado segurador


brasileiro. A teoria econômica neoclássica, em seu vasto leque de objetos de
127

pesquisa, privilegia um campo especial de estudo: o mercado. Mas o que é o


mercado?

Para Schmalensee (1991), no “The New PALGRAVE: A dictionary of economics”:

"In microeconomic theory, a market is the locus of trades in a single, perfectly


homogeneous product."

Baseado na teoria microeconômica, o autor citado define o mercado como o local


de trocas de produtos perfeitamente homogêneos. Pindyck & Rubinfeld (2002),
ampliam o foco do conceito de mercado, quando acrescentam outras variáveis,
dizendo:

“...é, pois, um grupo de compradores e vendedores que, por meio de suas reais ou
potenciais interações, determina o preço de um produto ou de um conjunto de produtos”.

Na definição desses autores o destaque é para interação entre a oferta e a


demanda, da qual o preço é determinado.

Abandonando os conceitos neoclássicos de mercado, Anuatti Neto (1998) define:

“Os mercados são convenções sociais regidas por leis gerais, basicamente aquelas que
estabelecem os direitos de propriedade e troca entre os indivíduos, e também por
estatutos específicos instituídos com o objetivo de restringir ou ampliar o conjunto de
transações possíveis para determinados bens ou serviços”

Pode-se observar na conceituação de mercado deste autor, que os destaques


são para as instituições e convenções determinando os rumos das transações.
Vale dizer: o foco da atenção desloca-se dos objetos da teoria neoclássica -
demanda, oferta, preços - e enfatiza os da teoria institucional.

Ao apresentar as definições e os conceitos de mercado sob a abordagem de


diferentes autores, a intenção é mostrar que para analisar um tema amplo existe a
necessidade de recortar o campo de estudo. Portanto, o recorte da tese recaí
sobre a organização e tipologia dos mercados.

A partir das definições e das características encontradas, a ciência econômica


criou modelos que captam aspectos da organização dos mercados, destacando
as peculiaridades da interação entre oferta e demanda.
128

Numa pesquisa sobre as estruturas de mercado, no dicionário de economia “The


New PALGRAVE”, encontrou-se Scherer (1991) escrevendo que:

“The notion of market structure implies a clear conception of what it is whose structure is
being assessed. In practice, for example in implementing the measurements required to
enforce competition policy rules, substantial difficulties intrude. The lay person recognizes
a market as the locus where buyers and sellers interact to exchange goods and services.
The practical question of modern market delineation focus on two dimensions: how broad
the market’s geographic bounds should be, and what range of products should be
encompassed. “

Para Scherer a noção de estrutura de mercado implica numa questão prática da


atualidade: Que abrangência podem ter as fronteiras geográficas do mercado e
qual a faixa de produtos pode ser alcançada?

À primeira indagação do autor, se respondida com relação ao mercado do produto


seguro saúde, pode-se afirmar que há uma ampliação das fronteiras, quer do
ponto de vista da oferta quanto da demanda. A oferta é efetuada por empresas
seguradoras em mercados globais e o consumo, a utilização do seguro pelos
segurados, também. Quanto à segunda questão, a diferenciação de produto
vigora no mercado de seguro saúde. Estes assuntos serão abordados com
detalhes em seções posteriores.

Com base na teoria econômica, é possível afirmar que os mercados apresentam-


se com duas tipologias básicas: os competitivos e não-competitivos. No mercado
de bens e serviços, onde se encontra o produto objeto desta análise - o seguro
saúde - as estruturas básicas estão divididas em duas: i) as clássicas, onde
despontam as formas de monopólio e de concorrência perfeita; e, ii) as
derivações dessa corrente principal, que são classificadas em concorrência
monopolística e oligopólio, com todas as suas nuanças, como as do cartel
perfeito, da liderança de preço e da diferenciação do produto (cf. Pindyck &
Rubinfeld, 2002).

Em cada estrutura de mercado, as ações dos agentes são diferenciadas,


propiciando formas distintas de competição. Nos mercados competitivos, ou em
concorrência perfeita, o número de participantes tende, no limite, ao infinito.
129

Portanto, de forma individual, estes integrantes não alteram o funcionamento do


mercado, em termos de preço e quantidade transacionada.

Nos dizeres de Stigler (1991), no dicionário de economia “The New PALGRAVE”:

"...competition is a rivalry between individual (or groups or nations), and its arises
whenever two or more parties strive for something that all cannot obtain.(...) competitions
therefore at least as old as man's history, and Darwin (who borrowed the concept from
economist Malthus) applied it to species as economists had applied it to human
behaviour."

"The popularity of the concept of perfect competition in the theoretical economics is as


great today as it has ever been. (...) The concept is equally popular as first approximation
in the more concrete studies of markets, and industries that comprise the field of 'industrial
organization' (applied microeconomics)."

J. Stigler conceitua a competição como uma rivalidade entre pessoas, grupos ou


nações que surge quando duas ou mais partes têm uma necessidade por algo
que só alguns conseguirão obter. Afirma ainda que, na atualidade, é bastante
difundido o conceito de competição perfeita aplicado ao campo da organização
industrial. Cabe neste instante alertar ao leitor que todo o estudo desenvolvido no
campo microeconômico foi aplicado ao setor industrial e, portanto, este
instrumental teórico de análise deve ser utilizado com adaptações no ramo do
seguro. Este cuidado foi observado neta Tese.

Ainda buscando apoio no campo teórico, encontrou-se o conceito de alguns


economistas do 'mainstream' sobre a questão da concorrência perfeita. Como por
exemplo, Kon (1994):

"o mercado em concorrência perfeita ou pura é concebido como organizado por um


grande número de empresas que, individualmente, são pequenas em relação a todo o
mercado e não podem exercer influência perceptível no preço".

A autora brasileira destaca a idéia da formação dos preços exclusivamente pelas


interações da oferta e da demanda no mercado.

A partir da observação dos conceitos, sobre a estrutura de mercado em


competição perfeita, mostrados por esses autores, já é possível uma constatação:
130

as características da estrutura do mercado do produto seguro saúde são


diferentes das apresentadas pelos autores citados. Portanto, a estrutura não se
enquadra na classificação da competição perfeita.

Nos mercados não-competitivos, conforme a definição da escola clássica -


também chamados de mercados em concorrência imperfeita - o número de
integrantes, que fazem a oferta, é pequeno e a ação de um agente influencia as
decisões dos demais.

Para Sylos-Labini (1991), no "The New PALGRAVE Dictionary of Economics":

"(...) after World War II has this market form become important in economic reality, as a
result of two processes of economic change: the process of concentration and the
process of differentiation. (...)"

"Mixed oligopoly (concentration cum differentiation) (...) can be found in several important
service sectors such as banking and insurance. (...) a large number of non-durables
consumers' goods and service - including commercial services - constitute the area where
differentiated oligopoly prevails." (grifos nossos)

O autor afirma que após a segunda guerra mundial (maio de 1945) a estrutura de
mercado não competitiva torna-se uma realidade relevante na economia mundial.
Surge como fator resultante de dois processos econômicos de mudanças
ocorridas: O processo de concentração e o processo de diferenciação.
Corroborando a idéia central da tese, Labini diz que o oligopólio com
concentração e diferenciação do produto pode ser encontrado em setores como o
bancário e o securitário.

Redirecionando o foco da análise, no conceito dos mercados imperfeitos, para o


âmbito do consumidor, Heilbroner & Thurow (1994), dizem que:

“In an imperfectly competitive market the consumer [normally] loses much of this
sovereignty. Firms have strategies, including the strategy of influencing the consumer
demand: the advertising firm tries to get the consumer to dance to its jingle. Goods are not
sold as cheaply as possible, but with a 'monopolistic' profit..."

Nas palavras dos autores, em um mercado não competitivo o consumidor perde


sua soberania, ou seja, o seu poder de influenciar o comportamento do mercado.
131

As firmas possuem estratégias que influenciam o usuário do produto através da


propaganda intensiva. Os produtos são ofertados por um preço que propiciem ao
produtor um 'lucro monopolista'. Neste sentido, Wonnacott & Wonnacott (1994)
definem, por exemplo, o oligopólio como:

"(...) um mercado dominado por um pequeno número de vendedores. Cada firma tem
influência considerável no preço de mercado, devendo-se levar em conta a reação de
outras firmas do mercado".

Ao apresentar a definição da estrutura de um oligopólio, os autores destacam a


questão do preço do produto como uma variável decidida exclusivamente pelas
empresas, vale dizer, entre as empresas concorrentes.

Essa questão é latente em alguns setores da economia no Brasil. Por isso,


dissertando sobre oligopólio, com ênfase para o caso brasileiro, Spinola & Troster
(1998), dizem que:

"O oligopólio é uma estrutura de mercado que, hoje, prevalece no mundo ocidental
(inclusive no Brasil), como, por exemplo, na indústria de transporte aéreo, rodoviário,
química, siderurgia, de certos tipo de serviços etc..." (destaques nossos).

Embora não tenha citado nominalmente o ramo financeiro ou o securitário, os


autores, quando exemplificam os setores onde prevalece a estrutura oligopolista,
dizem que em "certos tipos de serviços" Pode-se então afirmar, com base nesses
autores e em Labini (1991), que o oligopólio é a estrutura prevalecente no setor
de serviços financeiros, especificamente, no ramo do seguro saúde.

No mercado oligopolista uma empresa determina seu preço e sua quantidade


ofertada, pelo menos em parte, com base em considerações estratégicas relativas
ao comportamento de suas concorrentes. Ao mesmo tempo, as decisões dos
concorrentes dependerão das decisões tomadas pela própria empresa. Assim, o
equilíbrio do mercado é alcançado, parcialmente, quando cada empresa está
fazendo o melhor que pode em função daquilo que estão fazendo suas
concorrentes (cf. Nash, 1951).Uma dificuldade para se estabelecer o Equilíbrio de
Nash é oriunda do fato de que a existência de um equilíbrio no mercado
segurador não implica, necessariamente, que as empresas em competição irão
132

convergir para ele, e mais, que elas, de forma aleatória, encontrem este equilíbrio
dentre as inúmeras alternativas de decisões possíveis.

Confrontando a teoria econômica com a realidade do mercado brasileiro é


possível afirmar que os ofertantes do produto seguro saúde estão inseridos numa
estrutura de mercado oligopolista. Existe um grupo de empresas ofertantes que
dominam a maior fatia do mercado e inúmeras empresas de pequeno porte cuja
participação é irrelevante e disputam nichos específicos onde não há interesse
das lideres. Conforme dados coletados, no Brasil, duas empresas ofertantes de
seguro saúde dominam o mercado (Sul América e Bradesco).

Corroborando a hipótese da pesquisa quanto à concentração da oferta, Andreazzi


(2002), utilizando a receita auferida pelas seguradoras como uma variável proxy
do grau da concentração do setor, mostra que:

"Em 2000, dados da FENACOR (Federação Nacional dos Corretores de Seguros)


revelaram que as três maiores [seguradoras] ficaram com 78,2%, sendo que a Sul
América com 45,6%, a Bradesco Saúde com 27,2% (...) e a Seguradora Golden Cross
com 5,4%"

A autora, a partir de informações coletadas no Jornal do Commercio de 06/04/01,


demonstra através dos prêmios captados com a venda de seguro saúde o
'market-share', mas ressalva, a seguir, que a variável relevante para a
mensuração da divisão do mercado seria a quantidade de apólices de seguro
saúde comercializadas pela firmas seguradoras. A Agência Nacional de Saúde
Suplementar - ANS, órgão regulador do mercado, não divulga tal informação por
considerá-la confidencial, impossibilitando aos pesquisadores, desenvolverem
análises mais precisas da questão.

Correlacionando a estrutura do mercado oligopolista vigente no ramo segurador


aos aspectos da demanda, pode-se evidenciar o comportamento concorrencial
das empresas na disputa pelo mercado.

A seção seguinte aborda os aspectos da demanda.


133

5.2 - Aspectos da Demanda

Sob a abordagem da ciência econômica, define-se a demanda como o desejo dos


consumidores, num determinado período cronológico, de comprar determinadas
quantidades de um produto, por um dado preço. Além do preço, outros fatores
condicionam a demanda; são eles: i) a renda; ii) a disponibilidade e o preço dos
produtos concorrentes e dos produtos complementares; e iii) as preferências
(hábitos de consumo) do comprador. Estas condições, quando atendidas, devem
proporcionar, ao consumidor, máxima satisfação.

A demanda por seguro saúde é caracterizada pela incerteza na quantidade


procurada, pois está condicionada à demanda dos serviços de cuidados à saúde
(demanda derivada) onde a imprevisibilidade é marcante. Arrow (1963) e Phelps
(1973), citados por Fuchs (1991), dizem, na citação original de Vitor Fuchs: “Risk
aversion and uncertainty about future health create a demand for health
insurance”

Portanto, para os autores, é a aversão ao risco e a incerteza quanto a saúde


futura que criam a demanda por seguro saúde.

Ainda analisando a imprevisibilidade quanto ao estado de saúde, Arrow (1963),


afirma que:

“do ponto de vista do indivíduo, a demanda por serviços de saúde é irregular e


imprevisível. Isto é, a maioria de nós, não sabe quando e com que freqüência vai
necessitar de atenção médica”

“...a demanda por atenção à saúde ocorre em uma circunstância anormal, a doença, o
que pode comprometer a racionalidade da decisão do consumidor"

Portanto, existe aleatoriedade na demanda por seguro saúde pois, como já dito, é
uma demanda derivada. O autor ressalta também impossibilidade da decisão
(escolha) do consumidor, anulando uma das prerrogativas influentes na demanda.
Na teoria econômica neoclássica, a racionalidade na escolha do bem ou do
serviço é regra primordial do comportamento do consumidor. No caso específico
do produto seguro saúde, onde a regra descrita encontra-se violada, além das
variáveis: i) incerteza na quantidade demandada do uso de atenção médica e, em
134

conseqüência, a demanda derivada do seguro saúde; e ii) preferência (escolha


racional) do consumidor; outras variáveis, como a renda e o preço dos serviços,
também, atuam de forma errática, não obedecendo às leis básicas da teoria do
mercado. Estas observações do comportamento das variáveis influentes na
demanda, conferem ao produto seguro saúde características especiais.

Decter (2000), ratificando e ampliando as palavras de Kenneth Arrow, diz:

"As individuals, we cannot predict which health services we will need or what they will
cost. Some of us need a treatment that exceeds our annual earnings, or even our lifetime
earnings. This is why most systems have element of sharing risk, either socializing costs
through the state or pooling the risk through private insurance."

O autor escreve sobre a impossibilidade de preestabelecer qual serviço de


atenção a saúde será demandado e destaca outro fator relevante: quanto
custará? Em função deste último fator, é explicada a existência de sistemas que
redistribuem o risco e socializam os custos, através da seguridade social,
patrocinada pelo Estado, ou dos seguros privados, ofertados pelo mercado.

Traduzidas para a linguagem do mercado segurador estas variáveis, sob análise,


são: i) prêmio: valor pago pelo segurado (consumidor) para obter o serviço, é o
preço; ii) propensão ou aversão ao risco; iii) risco: probabilidade do evento
(sinistro) ocorrer; iv) dimensão da perda (custo do sinistro); e a v) riqueza (renda)
do segurado. Para Feldstein (1998), citado por Andreazzi (2002), estas variáveis
influenciam diretamente o comportamento do consumidor na demanda pelo
seguro saúde. Acrescenta, ainda, o tratamento fiscal (via intervenção do Estado)
dado ao prêmio pago pelo consumidor transformando-o em subsídios para a
coletividade, portanto aumentando, de forma indireta a renda disponível da
coletividade.

Rice, McCall & Boismier (1991), citados em Andreazzi (2002), quando analisaram
os fatores condicionantes da demanda por seguro saúde, identificaram que certas
características das pessoas estavam correlacionadas positivamente com a busca
por cobertura. Assim, i) os consumidores inseridos nos extratos sócio-econômicos
mais elevados da população, através da escolaridade e da renda; ii) as pessoas
com idade mais baixa e estado conjugal estável; e, iii) os indivíduos com melhores
135

condições de saúde, deslocam a curva da demanda para a direita, afastando-a da


origem dos eixos cartesianos. Vale dizer, aumentam a demanda.

Ainda utilizando os conceitos econômicos no ramo de seguros, pode-se constatar


que o produto seguro saúde tem sua demanda fortemente vinculada à maior ou
menor disponibilidade (oferta) dos serviços de cuidados à saúde, pois estes se
constituem em: i) serviços complementares (ao seguro saúde); e ii) não existem
bens substitutos.

Pelas características econômicas do produto - extrema necessidade, portanto


inelástico em relação ao preço (prêmio) e à renda – os consumidores, por serem
“atomizados”, não influenciam no comportamento do mercado quanto ao preço,
assumindo os valores dos prêmios cobrados pelas seguradoras. São
denominados de 'price-takers'.

A população brasileira, como um todo, constitui-se no mercado consumidor. Essa


premissa includente da população é originária dos ditames da Constituição
Federal (de 1988), que preconiza a saúde como direito dos cidadãos brasileiros.
Mas, o assunto enfocado é o seguro privado de saúde, um produto destinado ao
mercado. Portanto, dessa totalidade populacional, está excluída uma parcela,
através da variável renda. Teoricamente, a parcela da população cuja renda não
permite acesso ao seguro saúde privado, busca proteção na seguridade do
Estado, no Brasil representada pela oferta de serviços do Sistema Único de
Saúde - SUS.

Vinculando o instrumental teórico com a realidade no Brasil, buscou-se em


algumas pesquisas material contendo informações que pudessem ajudar a
montar um quadro analítico da demanda. Assim, no quadro a seguir, mostra-se a
situação da população brasileira por tipo de cobertura. Vale lembrar a afirmação
do parágrafo anterior, sobre proposição da Tese, na qual a população compõe a
demanda do setor.

COBERTURA População - Milhões %


SUS (Público) 115 73,1
SEGUROS PRIVADOS 42,1 26,9
o
Fonte: Operadoras (Jornal Medicina n 115 do Conselho Federal de Mar/2000)
136

Verifica-se, a partir da tabela publicada, que apenas 26,9% do universo


populacional está segurada pelo mercado, sendo o restante de responsabilidade
do sistema público. Pode-se inferir também que, dada à restrição de recursos do
Estado e direcionamento das políticas públicas de saúde para o mercado, ainda
que sob regulação, existe um espaço para a expansão das atividades de oferta do
seguro saúde privado, assunto a ser apresentado na próxima seção.

Os dados apresentados no gráfico a seguir, referentes ao ano de 1998, mostram


a distribuição da população residente no Brasil e sua situação por tipo de
domicílio ocupado, com relação à cobertura de seguro saúde.

População residente por cobertura de plano de


saúde e situação do domicílio
Brasil - 1998
90 000 000

80 000 000

70 000 000 Urbana

60 000 000

50 000 000

40 000 000
Rural
30 000 000

20 000 000

10 000 000

Não cobertos Cobertos

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Emprego e Rendimento,


Pesquisa Nacional
Domicílios
por Amostra de
1998, Acesso e Utilização de Serviços de Saúde.

Nota: Exclusive a população rural de Rondônia, Acre,


Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

O quadro, elaborado pelo IBGE, mostra que aproximadamente 39 milhões de


brasileiros têm cobertura de seguro saúde, independente do tipo de organização
ofertante e 95% dos segurados estão localizados na área urbana. Esta situação
explica, de forma parcial, a concentração da oferta nas regiões urbanas.

A comparação entre o número de segurados divulgados pelas duas fontes de


informação, embora para anos diferentes, mostram certa proximidade. Mesmo
assim, nada se pode afirmar de maneira conclusiva, pois não é conhecida a
metodologia da pesquisa. Mas, da observação empírica, constata-se uma
tendência de aumento da população atendida pelo mercado segurador. O gráfico
137

a seguir, elaborado pela FENASEG, contém a informação atualizada da evolução


do número de segurados, só considerando os contratos com as companhias
seguradoras.

Número de Segurados
Milhões
6
5
4
3
2
1
0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Fonte: FENASEG

Prosseguindo na coleta de informações, para mostrar o comportamento e o perfil


da demanda, encontrou-se na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -
PNAD, Suplemento da Saúde - 1998, publicado pelo IBGE (2000a) a informação
que 38,7 milhões de residentes no país teriam a cobertura de pelo menos um tipo
de seguro privado de saúde.

O crescimento da demanda de seguros (e 'planos de saúde'), na década de 90,


revelou-se menor do que nos anos anteriores, segundo dados disponíveis. Alguns
trabalhos acadêmicos apontam (cf. Bahia, 1999) como fator restritivo de
mensuração do desenvolvimento da demanda a fragilidade e a inexistência de
informações. Entretanto, se forem comparadas os dados do IBGE, o Suplemento
Saúde da PNAD de 1998 e os dados do mercado (FENASEG) há coerência na
explicação do fenômeno. As pesquisas oriundas de representantes do mercado,
projetaram uma quantidade de beneficiários de 41 milhões de pessoas para 1996,
(cf. Catta Preta, 1997) e a PNAD (1998) encontrou 38,7 milhões com, ao menos,
um 'plano de saúde'.
138

Para Andreazzi & Kornis (2002):

"... tão ou mais importante do que nos anos 90, foi o crescimento desta alternativa
privada de financiamento de saúde nos anos 70 e 80.

O gráfico a seguir, elaborado pelos autores da citação, mostram o comportamento


da demanda nas duas últimas décadas.

Crescimento do mercado de seguros privados de


saúde. Brasil. 1970-1998

45.000.000
40.000.000
35.000.000
30.000.000
25.000.000
20.000.000
15.000.000
10.000.000
5.000.000
0
1970197219741976 19781980 1982198419861988 19901992199419961998

Fonte: Andreazzi & Kornis (2002)

A renda é um fator que influencia a demanda. Quanto ao aspecto renda,


encontrou-se na PNAD/98 a seguinte afirmação: "...observa-se uma associação
positiva entre cobertura de plano de saúde e renda familiar" (cf. IBGE, 2000a).
Somente 2,6% da população com renda até um salário mínimo possuía algum
tipo de seguro saúde, em contraste com 76% na faixa de 20 salários ou mais.
Observou-se, ainda, no mesmo instrumento de pesquisa, a correlação entre a
renda, o vínculo trabalhista e a cobertura do seguro saúde. Das faixas de renda, o
quanto da demanda é atribuído ao fato do cidadão estar empregado. Assim, a
PNAD/98 mostra que a relação vínculo trabalhista com demanda por seguro
saúde é menor para a faixa de renda acima de dez salários mínimos em
comparação com a faixa de renda abaixo dos dez. A participação dos gastos com
seguro saúde revelou que 23,3% dos titulares não foram os responsáveis pelos
pagamentos diretos da cobertura, proporção muito próxima daqueles que
obtiveram o benefício através do vínculo trabalhista, aproximadamente 22,2%. Foi
139

constatado também que a participação dos titulares do seguro saúde no


financiamento teve uma variação positiva com a renda.

A próxima tabela mostra, para o ano 1998, a distribuição da população coberta


com seguro saúde, segundo a classe de renda. Os dados foram extraídos do CD-
ROM da PNAD/Saúde, publicado pelo IBGE.

População com cobertura de seguro saúde, segundo a classe de renda

Classe de Renda (em salários mínimos) População(em mil) %

Até 1 389 1
1e2 1.204 3
2e3 1.910 5
3e5 5.596 14
5 e 10 10.935 28
10 e 20 9.142 24
20 e mais 7.724 20
Sem rendimento 279 1
Não declarado 1.410 4
TOTAL 38.589 100
Fonte: PNAD/Saúde 1998, IBGE. Elaboração própria.

As informações da tabela corroboram a assertiva da correlação positiva entre a


demanda e a renda. Verifica-se que as classes centrais da distribuição,
concentram 52% da população coberta e a classe mais elevada da renda
corresponde a 20% da totalidade.

Outra informação que deve ser observada, com finalidade analítica, é a


composição da demanda, em função dos prêmios arrecadados pelas
seguradoras, a partir dos dados constante na tabela abaixo:
140

Prêmio Total - R$ Mil

RAMOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

AUTO 4.802.674 5.006.766 4.592.940 5.784.103 6.598.126 6.307.781 7.307.281 7.935.269

VIDA 1.524.355 2.406.173 2.830.577 3.335.682 3.474.966 3.507.232 3.918.004 4.282.827

SAÚDE 1.817.711 2.152.834 3.018.650 3.975.502 4.289.856 4.923.669 5.694.418 5.010.101

RISCOS
1.103.682 1.173.801 1.067.727 1.134.376 471.792 373.814 353.823 399.742
DIVERSOS

INCÊNDIO 438.878 527.541 671.719 782.751 927.040 1.038.703 1.188.055 1.473.020

AC. PESSOAIS 310.766 449.214 459.926 512.276 554.340 611.500 694.604 811.548

DPVAT 453.151 488.450 549.137 690.069 763.445 1.045.412 1.181.933 1.279.981

HABITAÇÃO 483.350 683.150 819.746 925.123 1.069.870 1.032.031 893.299 290.457

TRANSPORTE 305.288 364.008 350.023 386.455 377.221 440.637 484.591 582.356

DEMAIS
870.078 793.755 750.685 868.660 868.624 1.043.897 1.273.004 2.209.629
RAMOS

TOTAL 12.109.935 14.045.692 15.111.131 18.394.997 19.395.279 20.324.676 22.989.012 24.274.931

Fonte: SUSEP
141

Verifica-se que a participação percentual do prêmio do seguro saúde no total de


prêmios arrecadados pelas seguradoras é crescente a partir do ano de 1994.
Neste ano, a participação representava 15% do total arrecadado e passou para
20,6% em 2001. No período de 1994 a 2001 o crescimento total dos prêmios foi
de 175,6%, significando um crescimento médio anual de 15,6%. Os dados sobre
os prêmios obtidos pelas seguradoras mostram o avanço da demanda do seguro
saúde privado pela população brasileira.

A população brasileira constituí-se no universo do mercado e nos dizeres de


Andreazzi (2002),

"com o aumento dos custos de atenção médica, parte deste mercado já existente
substitui seus gastos diretos [com saúde] por gastos com seguro saúde".

A autora explica a demanda do seguro saúde sob a ótica dos gastos em saúde e
apoia-se, além das pesquisas efetuadas, na teoria econômica neoclássica,
citando Feldstein (1988):

"Uma implicação interessante desta relação entre o preço do seguro e o tamanho da


perda é que a medida em que o custo de atenção médica aumenta, também aumenta a
magnitude provável da perda, e isto por si mesmo tem resultado num aumento (num
desvio) na demanda por seguro saúde..."

Feldstein, reafirma que a correlação positiva existente entre o aumento do custo


da atenção médica, a dimensão da perda para o segurado, o valor da indenização
para a seguradora e o prêmio do seguro, resulta num incremento da demanda por
seguro saúde. Entende-se esta afirmação, a partir da percepção da coletividade,
que a transferência do risco das perdas financeiras para as firmas seguradoras é
mais vantajosa. As seguradoras, por seu turno, selecionando a retenção do risco,
aumentam o valor do prêmio cobrado, visando formar reservas para fazer frente
às indenizações reclamadas quando o ocorrência dos sinistros.

Concluindo os aspectos da demanda do produto seguro saúde, sob a ótica da


teoria econômica, pode-se constatar que ela tem como característica a incerteza
na quantidade procurada e a randomicidade do período de ocorrência. Constata-
se, também, que a demanda é inelástica em relação à renda e ao preço do
142

produto, isto é, a variação relativa na quantidade procurada é menor que a


variação relativa da renda ou do preço (prêmio) do seguro. O seguro saúde é
serviço complementar aos de cuidados à saúde, não tendo substitutos ou
similares, portanto, é pouco influenciado na sua medida de elasticidade em
relação ao preço e à renda. A variação crescente do preço dos cuidados de
atenção é fator que gera aumenta da demanda, pois ao perceber a probabilidade
de maiores perdas financeiras (maior risco), motivadas pelos pagamentos com
serviço de atenção à saúde, a população se protege demandando seguro saúde.
Ressalte-se que a demanda por seguro saúde tem forte influência da oferta dos
serviços de atenção à saúde, pois é dela derivada.

Na prática, a constatação, tanto por parte das pesquisas oficiais tanto quanto por
parte dos executivos do mercado segurador, de uma desaceleração do
crescimento da demanda por seguros privados nos anos 90, não significa que os
vetores responsáveis pelo crescimento em décadas anteriores tenham
desaparecido. A limitação e a provisão dos serviços públicos e o aumento dos
custos de prestação dos serviços de assistência médica, dentre outros fatores,
continuam existindo. Outros fatores, devem ter contribuído, de maneira mais
significativa, para conformar o comportamento dos cidadão e das empresas,
como por exemplo, a dinâmica do emprego nos anos 90, onde imperou a
precariedade, portanto sem benefícios associados à cobertura de seguros
privados de saúde. Este tema, que não é escopo da tese, fica como sugestão
para outros estudos.

Na próxima seção serão mostrados as características da oferta do produto seguro


saúde.
143

5.3 - Aspectos da Oferta

Os manuais de economia definem a oferta como as diversas quantidades de um


produto que os empresários desejam colocar no mercado em determinado
período do tempo, dado um específico preço. O preço, sem dúvida, constituí-se
em um fator relevante na determinação da quantidade de produtos à disposição
do consumidor, vale dizer, de produtos no mercado. Além do preço, outros fatores
condicionam a oferta , como por exemplo: (i) a tecnologia; (ii) o custo dos fatores
de produção; (iii) a existência de bens substitutos (concorrentes) e bens
complementares; e (iv) o número de empresas ofertantes do produto.

Pelo lado da oferta, constata-se a influência do fator preço condicionando a


quantidade ofertada. Por causa da regulação do setor e em obediência a
legislação, cada empresa coloca à disposição do mercado uma dada quantidade
do produto (seguros saúde) 'referência', prevalecendo, nesta situação, a lei
econômica do Equilíbrio de Nash, em que cada empresa oferta a sua quantidade
levando em consideração o que as empresas concorrentes estão ofertando,
pressupondo que estas façam o mesmo. Para Andreazzi & Kornis (2002), "o
mercado parece aproximar-se mais de um modelo de oligopólio não conivente,
não organizado". Complementam sua análise, a partir de um estudo de Kon
(1994), citando-a: ”...ocorrendo ações independentes das firmas, com menor
exatidão com relação à reação das rivais e com guerras de preços ou de
marketing”...

Os custo dos fatores de produção - neste segmento entendidos como os custos


de transação, de comercialização e o índice de sinistralidade - podem ser
analisados a partir da ótica da eficiência e eficácia de cada grupo concorrente. A
estratégia modal é aquela utilizada pelos conglomerados, tanto os financeiros
(onde estão posicionadas as Seguradoras) quanto os não financeiros
(Cooperativas Médicas e Medicina de Grupo), quando buscam a redução dos
custos de transação e de comercialização e a administração do índice de
sinistralidade. A taxa de sinistralidade mede a expectativa de perdas, o que é
imprescindível para estabelecer o custo da proteção. Além disso, é uma medida
do equilíbrio financeiro da 'carteira de segurados', dependente, portanto, do
desenho do produto ofertado.
144

Em um artigo sobre o assunto, Catta Preta (1997), executivo de grande


experiência no mercado de seguros e diretor da FENASEG, diz que uma elevada
taxa de sinistralidade:

"...torna inviável, econômica e financeiramente, qualquer plano ou seguro privado de


saúde...Para que o problema possa ser resolvido na sua essência, é fundamental que as
Operadoras tenham programas de gerenciamento de custos, associados a programas de
saúde pública e campanhas de prevenção..."

O quadro, a seguir, mostra a estatística da sinistralidade no mercado segurador


brasileiro, destacando-se a do seguro saúde.

Sinistralidade %

RAMOS 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

AUTO 60,54 68,21 72,87 70,76 75,81 72,51 68,97

VIDA 45,86 48,89 46,78 50,80 51,46 51,29 49,09

SAÚDE 73,48 75,54 77,74 79,47 79,05 79,91 83,12

RISCOS DIVERSOS 58,68 65,74 67,61 56,34 60,79 64,60 63,59

INCÊNDIO 47,12 48,65 64,75 69,46 71,31 63,22 62,02

ACIDENTES PESSOAIS 17,98 22,56 21,59 23,80 23,88 23,83 24,88

DPVAT 73,57 75,94 75,74 61,98 72,66 77,14 79,04

HABITACIONAL 77,92 71,78 74,79 70,31 44,11 39,34 29,39

TRANSPORTE 48,67 49,12 52,41 53,85 61,44 51,15 51,38

DEMAIS 50,46 57,71 66,11 58,29 67,86 62,08 64,73

TOTAL 58,49 63,38 66,37 66,25 68,92 67,34 65,67

Fonte: SUSEP
145

Um foco sobre os números apresentados na tabela de sinistralidade do seguro


saúde é possível afirmar que o índice vem crescendo desde 1995. Observa-se
também que o índice sinistralidade global do setor, para o ano de 2001, é de
65,7%, abaixo do índice especifico da carteira do segurado saúde, que para o
mesmo período apresentou-se em 83,1%. A lucratividade e a rentabilidade das
firmas seguradoras, ainda, é um tema colocado para a pesquisa no Brasil. O que
se pode perceber foi que a sinistralidade cresceu, colocando, para as empresas, a
necessidade de contar com mecanismos eficazes de controle de sinistros (cf.
Andreazzi & Kornis, 2002). Portanto, validando a preocupação do diretor da
Fenaseg.

As seguradoras, empresas do grupo financeiro, buscam reduzir os custos de


transação e os de comercialização (procuram eficiência) quando utilizam a
estrutura das empresas bancárias, as quais estão vinculadas através de contrato
societário, para divulgar e vender o produto seguro saúde. Portanto estão
reduzindo os custos da propaganda e da comissão de agentes. Quanto ao
controle do risco, cuja mensuração é dada pelo índice de sinistralidade, as ações
estratégicas englobam a seleção adversa e a análise do fator moral, sendo que
para este último, via perfil do consumidor. As falhas do mercado serão analisadas
em seção posterior.

O grupo das empresas não financeiras, com os mesmos objetivos de alcançar


eficiência e eficácia, procura direcionar os seus segurados, quando da ocorrência
de um sinistro, para atendimento em entidades próprias que prestam serviços de
cuidados à saúde. Com isso administram o risco e os custos operacionais. Cabe
lembrar que as seguradoras não operam com rede própria de prestação de
serviços de cuidados à saúde. A tabela a seguir mostra um panorama da
evolução do mercado segurador brasileiro:
146

MERCADO SEGURADOR - BRASIL


R$ MIL
ITENS 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

PRÊMIO TOTAL 14.045.692 15.111.131 18.394.997 19.395.279 20.324.676 22.989.012 24.274.931

PRÊMIO GANHO 12.520.086 13.997.631 16.430.689 17.979.414 17.936.783 19.789.968 21.381.252

SINISTRO RETIDO 7.323.544 8.871.128 10.904.611 11.912.095 12.362.727 13.326.092 13.814.345

DESPESAS
2.593.870 2.700.193 3.010.041 3.138.495 3.164.433 3.241.867 3.458.048
COMERCIAS

DESPESAS.
2.310.321 2.427.079 2.804.259 3.038.183 3.746.224 3.414.158 3.706.222
ADMINISTRATIVAS

RESULTADO
2.116.007 1.537.195 1.587.116 2.281.672 3.179.781 2.701.543 2.702.047
FINANCEIRO

SINISTRALIDADE 58,49% 63,38% 66,37% 66,25% 68,92% 67,34% 65,67%

Fonte: SUSEP

Dos números apresentados, pode-se destacar a evolução das despesas


comerciais, com um crescimento 33,3% entre os anos 1995 e 2001. O
crescimento médio anual de 4,9% mostra o esforço das firmas seguradoras em
reduzir o custo de comissão dos agentes comerciais, ao aproveitarem, por
exemplo, a estrutura dos conglomerados do qual fazem parte, para vender o
produto seguro, dentre os quais o seguro saúde.

A situação da oferta, focalizada quanto ao número de empresas presentes no


mercado, está representada pelo quadro a seguir:
147

TIPOS NO OPERADORAS NO SEGURADOS %


MEDICINA DE GRUPO 730 17.800.000 42,3
45
AUTOGESTÃO 280 8.000.000 19,0
SEGURADORAS 30 5.300.000 12,5
COOPERATIVAS MÉDICAS 386 11.000.000 26,2
TOTAL 1.426 42.100.000 100,0
Fonte: Operadoras (Jornal Medicina no 115 do C. F. de Medicina em Mar/2000)

Este quadro mostra um panorama da oferta dos serviços de seguro saúde no


Brasil. Pode-se inferir que cabe às companhias de seguros, em termos relativos, a
menor parcela do mercado. Deduz-se, assim, que é factível o crescimento deste
segmento da oferta como resposta positiva à demanda e elevando a participação
no mercado desse conjunto de organizações. As razões para acreditar no
crescimento são oriundas, principalmente, da forma de comercialização do
produto seguro saúde, ou seja: i) como um produto financeiro, fazendo parte do
leque de oferta do balcão de negócios bancários; ii) do espaço geográfico
alcançado, ao utilizarem (as seguradoras) como ponto de venda as agências
bancárias, espalhadas por um amplo território; iii) da redução dos custos de
comercialização, incluindo os gastos com a propaganda. A divulgação contempla
a imagem da instituição ofertante mais o conteúdo e qualidades diferenciais do
'portfolio' ofertado. As comissões pagas pela comercialização do produto estão
embutidas nos salários dos funcionários do conglomerado financeiros, portanto,
relativamente, menores do as que seriam pagas a um outro intermediário. Entre
outras razões, as descritas dão embasamento à crença do crescimento da
participação das firmas seguradoras no mercado de seguro saúde.

Os estudos de Andreazzi & Kornis (2002) indicam que:

45
Embora constem do quadro os “planos administrados” e de “autogestão” eles não foram incluídos na
classificação de ofertantes apresentada no presente trabalho, pois entende-se que as empresas
patrocinadoras (do benefício) não estão ofertando o produto de proteção ao não atendimento médico-
hospitalar para o mercado, mas, apenas ao seus colaboradores. Portanto, não estão competindo por uma
fatia do mercado, ao contrário, estão selecionando os consumidores via vínculo empregatício e contratando
serviços do mercado. Em última instância, o risco é da patrocinadora, que, como alternativa, pode repassar
este risco a uma empresa especializada, ou seja, uma companhia seguradora, uma cooperativa médica ou
148

"Dos 80 para os 90, verifica-se, ainda, uma dinâmica distinta de crescimento entre as
modalidades que compõem a oferta de planos e seguros privados de saúde. Na primeira
metade da década de 90, relativamente ao final dos 80, há um aumento da participação
das seguradoras no mercado e redução da medicina de grupo. A autogestão e
cooperativas, a despeito da redução apresentada em alguns anos da série, se
apresentam mais estabilizadas quanto ao market-share do que a medicina de grupo, que
vê cair, progressivamente, a sua participação relativa no mercado. O crescimento das
seguradoras não parece ter se dado por redução de preços, já que seu faturamento por
usuário revelou-se, em geral, mais elevado do que as demais modalidades.

A análise geral do comportamento da oferta no mercado, efetuada pelos autores


mostram, na teoria, a constatação prática dos profissionais de seguros, colhida
das informações e dados por eles divulgados. Os dados coletados e as pesquisas
dos autores citados, mostram as empresas de 'medicina de grupo' sendo as
maiores fornecedoras dos serviços de proteção ao risco do não atendimento
sanitário. As informações sobre este segmento são esparsas e de pouca
confiabilidade. Mas a partir do estudo de Andreazzi (2002), onde alguns dados
foram sistematizados e analisados, pode-se inferir que há uma tendência de
retração para o segmento.

A revista Agora SP, citada por Andreazzi (2002), relata sobre o assunto:

"...Análise realizada em 2000 pela Agência Nacional de Saúde Suplementar mostrou que
78 das 112 operadoras de planos de saúde pesquisadas apresentam problemas
econômicos(...). Estas empresas(...) correspondem a 34% do total de conveniados de
planos de saúde...As empresas, principalmente as de pequeno porte, estão com
dificuldades de adaptação às novas regras, afirma o presidente da Associação
Brasileira de Medicina de Gupo/ABRAMGE, Arlindo de Almeida... A crise que atinge as
operadoras de planos de saúde não afeta com a mesma intensidade as
seguradoras, de acordo com o Diretor da área de saúde da Federação Nacional das
Seguradoras... Segundo ele, isso acontece porque as seguradoras já estavam sob a
regulamentação da SUSEP..." 46 (grifos nossos).

uma empresa de medicina de grupo. Portanto, esta modalidade de operação, nesta Tese, é considerada
como consumidora.
46
Citação de Andreazzi (2002), extraída de Agora, SP de 10/01/2001, pg. H6
149

Uma das razões que explicam a tendência da retração do segmento (medicina de


grupo e cooperativas médicas) é a regulamentação vigente, onde a curva de
aprendizado das novas regras já estavam, em grande parte, assimiladas pelas
companhias seguradoras. As firmas do ramo securitário já estavam sob a
regulamentação das autoridades econômicas, via SUSEP.

Para Moura Viana (2001):

"A evolução recente da economia brasileira e do mercado de planos de assistência à


saúde vem acarretando modificações nesse mercado, que contribuíram para tornar mais
vulnerável a situação econômico-financeira das empresas de medicina de grupo".(grifos
no original).

Dentre as razões relatadas por Moura Viana, pode-se destacar: i) a redução dos
índices de inflação, que afetou, negativamente, as receitas financeiras das
empresa; ii) o baixo nível de crescimento da economia e o aumento do
desemprego, acarretando numa redução dos produtos adquiridos através de
contatos coletivos e aumento da utilização dos serviços médico-hospitalares pelos
segurados; iii) a política cambial adotada pelas Autoridades Monetárias
brasileiras, em função da importação de equipamentos; iv) a ampliação das
coberturas, em função da intensificação da concorrência, o que provoca a
elevação dos custos de atenção à saúde; v) o controle de preços pela ANS; vi) a
elevação dos custos administrativos e tributários, decorrentes do processo de
regulamentação.

Observou-se, através dos dados coletados, que a resposta do setor privado à


deficiência do atendimento de atenção à saúde por parte do setor público foi
através de soluções para: i) os problemas crônicos de gerência dos recursos
financeiros, materiais, humanos, tecnológicos e institucionais; ii) a garantia da
prestação do serviço através da contratação de uma das modalidades ofertadas;
iii) as diferenças de padrão de atendimento, através da segmentação do mercado,
segundo as classes de renda e preferências dos usuários; iv) a garantia das
condições de atendimento e do padrão técnico, através da rigorosa regra que
afasta do mercado os serviços de baixa qualidade; v) a otimização do retorno do
capital investido e a maximização da riqueza dos investidores. Na seção seguinte
apresentar-se-á as questões relativas às falhas do mercado.
150

5.4 - Falhas de Mercado

As falhas de mercado são situações na qual um mercado competitivo, não


regulamentado, é ineficiente no sentido 'paretiano' porque os preços não
fornecem sinais adequados aos produtores e consumidores. Para a teoria
econômica neoclássica, os mercados em competição apresentam imperfeições
devido a quatro razões básicas: poder de mercado, informações incompletas,
externalidades e bens públicos.

Quando se aplica as hipóteses da teoria econômica do modelo de mercado


perfeitamente competitivo ao ramo do seguro e ao da assistência à saúde,
evidências empíricas mostram a existência de falhas de mercado. Mais uma
razão para considerar, o mercado de seguros no âmbito da estrutura oligopolista.
A ausência de falhas colocaria os ofertantes do seguro saúde na arena da
competição sem restrições, sem barreiras de entrada e sem regulamentação. A
realidade do mercado apresenta um quadro inverso, tanto do lado da oferta
quanto do lado da demanda.

Sendo a área de saúde produtora de um bem semipúblico 47, de acordo com os


manuais clássicos da teoria econômica, a alocação de recursos pela iniciativa
privada é condicionada à atuação governamental que visa, em primeira instância,
a inclusão universal da população na demanda do produto e tem como
expectativa o maior benefício social. Essa postura do Estado é contraditória às
leis do mercado que estabelece o maior retorno do capital investido. A alocação
privada de recursos na produção de serviços de atenção à saúde é, portanto,
negativamente correlacionada com a alocação estatal. Quando há uma retração
da oferta pelo Estado, expande-se a da iniciativa privada e vice-versa. Sendo o
seguro saúde um produto cuja demanda é derivada da oferta dos serviços de
atenção à saúde, entende-se que quanto maior a produção desses serviços pelo
Estado, menor será a demanda da proteção para o risco da não acessibilidade ao
atendimento sanitário, ou seja, do seguro saúde. Explica-se: a população, ao
perceber a ampliação da acessibilidade aos serviços de cuidados à saúde,
oriunda da maior oferta patrocinada pelo Estado, reduz a quantidade demandada

47
Vide nota 16
151

do produto seguro saúde privado, pois acredita estar coberta pelos serviços
estatais. Está situação, teoricamente, não permite ao produtor privado estabelecer
a escala ideal da oferta dos serviços de atenção à saúde o que condiciona a
atuação do ofertante do seguro saúde. Assim, a premissa básica da teoria da
oferta, na qual o produtor maximiza seus lucros quando atinge o nível de
produção onde o preço é igual ao custo marginal unitário, fica prejudicada para
este segmento da economia, quando analisado à luz da teoria dos mercados em
competição sem restrições. Como existe, por exemplo, assimetria nas
informações desse mercado fica difícil, para o produtor, encontrar o equilíbrio em
termos de quantidade e preço. Esta dificuldade leva o produtor a adotar uma
estratégia de diferenciação do produto, como mostrar-se-á mais adiante.

Postlewaite (1992) no "The New PALGRAVE Dictionary of Money & Finance"


afirma:

"If the agents are asymmetrically informed, (...), there will be several fundamental changes
in the appropriate economic analysis. (...) in world in which agents have different
information about the economic environment, agents behavior may (...) be reflected in
market variables such as prices (...)"

"The recognition that economic variables may serve an informational role (in addition to
whatever allocative function they may have) has allowed economists to analyze and to
understand better a broad set of phenomena that previously had been difficult to reconcile
with neoclassical economic models.

Para o autor, se os agentes são informados desigualmente irão ocorrer mudanças


fundamentais quando de uma análise econômica adequada. Num mundo em que
as informações sobre o ambiente chegam aos agentes de forma diferente, o
comportamento destes agentes pode refletir-se nas variáveis do mercado, como
por exemplo, o preço. O reconhecimento que as variáveis cumprem um papel
informacional, permitiu aos economistas analisar e entender melhor um conjunto
amplo de fenômenos que anteriormente eram difíceis de reconciliação com os
postulados do modelos neoclássicos. Portanto, para Postlewaite (1992) é
relevante a questão analítica do papel da assimetria das informações para definir
o tipo de estrutura de mercado de um determinado setor.
152

A assimetria da informação no mercado de seguro saúde foi motivo de


inquietação para Pindyck & Rubinfeld (2002), que fazem as seguintes indagações:

"Por que as pessoas com mais de 65 anos têm dificuldades para adquirir seguro saúde,
seja a preços altos ou baixos? Os indivíduos mais velhos apresentam riscos muito mais
elevados de vir a ter doenças sérias, mas por que o preço do seguro saúde não poderia
ser majorado de modo que refletisse tais riscos mais altos? (...) a razão são as
informações assimétricas."

Corroborando as investigações gerais de Postlewaite, estes autores centralizam


suas inquietações no mercado do produto seguro saúde explicando que a
assimetria da informação excluí do consumo uma fatia do mercado.

Esta característica do mercado segurador - assimetria da informação - faz com


que os consumidores, também, não dimensionem o preço e a quantidade
procurada, ignorando para o setor a lei clássica da oferta e da procura.

Decorrente da assimetria de informação, a seleção adversa é outra variável


relevante que merece observação. O mercado de seguros, com destaque para o
seguro saúde, é propenso a este fenômeno. As pessoas adquirentes de um
seguro saúde sabem muito mais a respeito de suas condições físicas e mentais
do que as companhias seguradoras, mesmo quando estas submetem o
comprador do seguro saúde a exames médicos. A predisposição das pessoas
com problemas de saúde comprarem um seguro aumenta a participação desse
grupo no total de segurados, aumentado o risco de acontecer um sinistro,
desequilibrando a 'carteira de segurados'. Esse fato eleva o preço (prêmio) do
produto, causando um desinteresse por parte das pessoas de baixo risco
(pessoas sadias) em comprar o seguro, em função do preço elevado. Por outro
lado, a seguradora, cuja carteira de clientes é arriscada, perde a motivação
econômica em continuar ofertando o produto, mesmo a preços mais elevados.
Para resguardar-se da falha do mercado da seleção adversa - seleção de
consumidores de alto risco e não interessantes aos ofertantes do seguro saúde -
a oferta pratica a seleção do risco (cream-skimming). É um sistema de filtragem
que recusa as pessoas ou as situações com alta probabilidade de ocorrência do
sinistro. No caso do seguro saúde, portadores de determinadas patologias
crônicas e as pessoas de faixa etária elevada, são descartados como
153

consumidores, independentemente do prêmio que vier a ser cobrado pela firma


seguradora. A seleção adversa e a seleção do risco respondem à pergunta de
Pindyck & Rubinfeld, apresentada acima.

O fator moral (moral harzard) é a ocorrência relacionada as atitudes por parte dos
segurados que não podem ser observadas (monitoradas) pela seguradora e
redundam na elevação do risco, afetando a probabilidade do pagamento de
indenizações em função do sinistro. Os adquirentes de seguro saúde, por estarem
cobertos contra o risco da não acessibilidade ao atendimento médico, utilizam os
serviços de atenção a saúde com maior freqüência, o que não fariam se não
houvesse cobertura ou se esta fosse limitada.

Por causa do risco moral e da seleção adversa, as companhias seguradoras, por


vezes, se vêm forçadas a aumentar o preço do seguro ou deixar de oferecer
determinado produto.48. A estratégia encontrada pela oferta, para contornar as
situações oriundas das falhas do mercado é a diferenciação do produto. Com
base na estrutura do mercado no Brasil e na diferenciação dos produtos
ofertados, a próxima seção mostrará as peculiaridades da competição do seguro
saúde .

48 Para evitar as falhas decorrentes da assimetria de informações as empresas seguradoras oferecem


programas de seguro saúde coletivos ou para empresas
154

5.5 - Experiência Brasileira

O objetivo desta seção é mostrar como as seguradoras têm se comportado frente


à concorrência na década de 1990 e no mercado atual. Analisando os fatores
componentes da estrutura do mercado brasileiro, sob o enfoque da teoria
econômica clássica, conforme descrição das seções anteriores, constata-se que o
mercado de seguro saúde assume as peculiaridades da estrutura de oligopólio49 e
o 'market share' se dá através da diferenciação do produto , pois todas as firmas
do segmento são, teoricamente, 'price-takers'. Vale lembrar que a regulação (pela
ANS) influencia a tomada de decisão das entidades produtoras com relação ao
preço, portanto, o caminho da competição por esta variável (preço) é complexo,
com redução dos graus de liberdade da atuação de cada agente. Assim, a saída
para que as firmas seguradoras mantivessem ou aumentassem sua participação
no mercado foi desenhar um produto diferente dos seus concorrentes, mas que,
na base, atendesse às exigências do órgão regulador em relação ao consumidor.

Lopes (1993), em sua dissertação de mestrado, afirma que, de um modo geral, o


ingresso das seguradoras como ofertantes do produto seguro saúde, já era uma
estratégia competitiva de diferenciação. O autor diz:

" ...as seguradoras encontravam-se com seus segmentos já existentes praticamente


saturados, com a demanda e a margem decrescendo em todas as gamas de produtos
existentes... as seguradoras visualizam o setor de assistência médica para altos
executivos como um novo segmento de mercado."

Entende-se, a partir da afirmação de Lopes, que a estratégia de diferenciação é


utilizada pelas seguradoras para toda a sua carteira de produtos, onde está
incluído o seguro saúde.

Prosseguindo o questionamento sobre o padrão de competição entre as


empresas seguradoras, utilizou-se a metodologia de entrevistas com profissionais
do ramo. Durante os meses de setembro e outubro de 2002 foram realizadas
entrevistas, as quais se mostraram de grande valia para consubstanciar os

49 Oligopolista em função da concentração. Declaração dos especialistas e os números mostram que cinco
empresas dominam o mercado. Vale lembrar que existe um grupo minúsculo de pequenas empresas que
ofertam o serviço mas a participação no mercado é irrelevante.
155

argumentos da tese. Os resultados encontram-se descritos e citados ao longo dos


parágrafos seguintes desta seção.

Dentre as causas que conduzem as firmas à diferenciação, a intervenção


governamental é preponderante. Por exemplo, o sistema de preços e o ingresso
das firmas no setor (barreiras de entrada) são controlados pela Agência Nacional
de Saúde Suplementar - órgão regulador do setor - descaracterizando o mercado
sob a ótica da concorrência perfeita. Para o economista João Fernando Moura
Viana (2002) 50, em entrevista pessoal concedida ao autor da tese, mais relevante
que as barreiras de entrada são as barreiras de saída. Relata o economista citado
que ao desenharem e comercializarem um determinado tipo de produto, as
empresas ofertantes ficam impossibilitadas, pela regulamentação, de romperem o
contrato, ou reformatá-lo. São obrigadas a permanecerem prestando o serviço
pactuado na apólice, sem considerar dois fatores de extrema importância no
negócio: o resultado econômico-financeiro para as empresas e a satisfação do
cliente. Assim, a iniciativa para romper o contrato e reformatar o produto foge do
âmbito da decisão empresarial, concentrando tal poder na esfera da agência
reguladora ou no cliente, quando percebe transtornos no atendimento.

A lei 9656/98, entre outras medidas, estabeleceu os padrões para o mercado.


Foram definidos neste instrumento legal cinco tipos de produtos,
independentemente do tipo de organização ofertante. São eles: i) plano ou seguro
referência de assistência à saúde; ii) atendimento ambulatorial; iii) internação
hospitalar; iv) atendimento obstétrico; e v) atendimento odontológico.

O produto Plano/Seguro Referência compreende cobertura para todas as


doenças do CID da OMS com internações em padrão enfermaria, partos e
tratamentos realizados no território brasileiro. A autoridade reguladora admite
excluir da cobertura desse produto: i) tratamentos clínicos ou cirúrgicos
experimentais ou com fins estéticos; ii) órteses e próteses estéticas; iii)
inseminação artificial; iv) tratamento de rejuvenescimento e emagrecimento com a
finalidade estética; v) fornecimento de medicamento importado não nacionalizado

50
O economista João Fernando Moura Viana é um dos mais destacados profissionais do setor de seguros.
Especialista na área de seguros saúde. Tem amplo reconhecimento de seu trabalho pela sua atuação na
recuperação da estrutura econômico-financeira de várias empresas do segmento.
156

e para tratamento domiciliar; vi) fornecimentos de órteses e próteses e seus


acessórios não vinculados ao ato cirúrgico; vii) tratamentos ilícitos, antiéticos ou
não reconhecidos pela autoridades sanitárias; viii) casos de cataclismos, guerras
e comoções internas, quando declarados pelas autoridades competentes.

O atendimento ambulatorial, como produto, compreende: i) consultas médicas


sem restrição de quantidade, em unidades básicas e especializadas, incluindo as
clínicas obstétricas para pré-natal desde que reconhecidas pelo Conselho Federal
de Medicina - CFM; ii) serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais
procedimentos ambulatoriais, incluindo procedimento cirúrgico quando solicitado
pelo profissional da saúde e que não caracterize internação.

A Internação Hospitalar é o produto que abrange os atendimentos realizadas em


unidades hospitalares, em clínicas básicas ou especializadas. Neste produto
estão vedadas o limite de prazo de permanência do paciente, o valor máximo de
gasto e o número de atendimentos, entretanto não estão incluídos os
atendimentos ambulatoriais para fins de diagnóstico, terapia ou recuperação. A
cobertura para os procedimentos de obstetrícia é opcional. Em resumo, as
coberturas obrigatórias são: i) internações hospitalares, inclusive CTI; ii) gastos
com honorários médicos, serviço de enfermagem e alimentação; iii) gastos com
exames complementares para controle da evolução da doença e elucidação
diagnóstica; iv) gastos com medicamentos, anestésicos, gases medicinais,
transfusões, sessões de radio e quimioterapia, realizados durante o período de
permanência na unidade hospitalar; v) cobertura de toda e qualquer taxa de
materiais utilizados e remoção. No caso da remoção, há de se respeitar a
territorialidade brasileira e a área geográfica de abrangência do contrato; vi)
despesas com acompanhante quando o paciente for menor de dezoito anos de
idade.

A formatação e obrigatoriedades do produto Atendimento Obstétrico são as


seguintes: i) assistência ao recém nascido, filho natural ou adotivo do segurado,
ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto; ii) inclusão
assegurada do recém nascido, como dependente, na apólice compreensiva,
isento de qualquer prazo de carência, se efetivada a inscrição no limite máximo
de trinta dias do nascimento ou da adoção.
157

O seguro Odontológico prevê cobertura para: i) consulta e exames auxiliares ou


complementares, quando da solicitação do ondontólogo; ii) procedimento de
tratamento preventivo de dentística e endodontia; iii) pequenas cirurgias orais
realizadas em ambiente ambulatorial e sem a utilização de anestesia geral.

A vigência da lei tornou o produto homogêneo quanto à cobertura prestada e


provocou o acirramento da competição oligopolista entre as seguradoras, nos
'seguros em grupo'. Vale dizer, também, entre os ofertantes do produto seguro
saúde.

Henrique Berardinelli 51, diretor da área de saúde da Sul América nos últimos 18
anos, em entrevista concedida ao autor da tese, declarou:

"Depois da promulgação da MP (sic) 9656 o seguro saúde se tornou uma 'commodity'.


Todos as seguradoras foram obrigadas a oferecer exatamente as mesmas coberturas (...)
e os aumentos de preços (prêmios) passaram a ser limitados e sem a contrapartida de
fiscalização dos médicos e prestadores. Em vez de criar mecanismos de fiscalização que
obrigassem aos planos cumprir as cláusulas contratuais, deixando o consumidor escolher
o produto mais adequado às suas necessidades e ao seu bolso, o Ministério da Saúde,
ao tornar todos os 'planos' iguais, acabou com milhares de produtos bem baratos, que
tinham coberturas restritas, mas atendiam a uma grande parcela da população. A parcela
mais carente da população deixou de ter acesso ao 'planos' e foi obrigada a voltar para o
SUS".

A declaração do entrevistado ajuda na confirmação da hipótese da tese sobre a


tentativa de homogeneização (quanto aos tipos de cobertura) do produto seguro
saúde ditada pela ANS. Portanto, há uma tentativa das empresas seguradoras de
mostrar ao mercado que o produto ofertado, por cada uma das firmas, é diferente
das demais competidoras.

A adaptação dos produtos existentes ao formato requerido pela legislação


provocou, no instante inicial, uma elevação dos preços. Este fato excluiu da
demanda, via fator renda, grande parte da população. Para lidar com esta nova
situação, as empresas buscaram alternativas para manter ou talvez até aumentar
sua participação no mercado. Limitadas e assemelhadas pelo fator preço, nos
158

cinco tipos obrigatórios dos produtos, a trilha encontrada para continuar


competindo foi a diferenciação do atendimento na oferta dos produtos básicos e a
inovação na oferta de produtos substitutos ou complementares aos exigidos pela
lei. Sob a condição restritiva do limite no preço, os produtores buscam uma
diferenciação dos seus produtos.

Um outro profissional do ramo, o presidente da Sul América, em entrevista para o


jornal Valor Econômico, afirma que a restrição dos preços, imposta pela ANS, é o
motivo da desistência das seguradoras oferecerem apólices individuais de seguro
saúde. No mesmo artigo a jornalista Cristina Calmon52 descreve:

"As seguradoras que operam com [seguro] saúde estão desistindo do negócio com
pessoas físicas e focando cada vez mais clientes corporativos...A Porto Seguro parou de
operar planos [apólices] individuais"

A declaração do executivo da Sul América e o artigo da jornalista mostram a fuga


das firmas da competição via preço e o avanço para a oferta de produtos
diferenciados. Para ratificar as palavras dos seguradores, outra vez recorreu-se à
entrevista do economista Moura Viana que, de forma direta e objetiva, declara:
"...[as seguradoras] afastam-se de planos individuais (...) concentram-se em
pessoas jurídicas."

Para Moura Viana, as firmas seguradoras evitam a oferta do produto 'plano


individual' porque a regulação - via ANS - "impõe regras rígidas para a
comercialização, e além disso, o produto aumenta o risco da carteira das
operadoras".

H. Berardinelli, citado em parágrafo anterior, também se manifesta de acordo com


seus pares, reafirmando o desinteresse das seguradoras na comercialização dos
'planos individuais' e culpa a forma equivocada da regulação para explicar tal
desinteresse.

51
Henrique Berardinelli, diretor da área de saúde da Sul América durante 18 anos, também entrevistado pelo
autor da Tese, em outubro de 2002.
52
Calmon, Cristina (2001). Seguradoras desistem de pessoa física. Jornal Valor Econômico de 15 de
Outubro.
159

Pesquisadores também perceberam, ainda que de forma tênue e vinculada a


outros fatores, a mudança de estratégia das empresas, de redução da oferta dos
'planos individuais' e do acirramento da rivalidade no produto 'seguro saúde
coletivo'. Andreazzi & Kornis (2002) dizem que:

"Numa conjuntura de crise econômica e estagnação de demanda, uma das principais


estratégias das empresas foi a preferência por clientes corporativos em face aos
individuais, pelos ganhos em escala e possibilidade de negociar preços bilateralmente,
sem interferência da ANS, dentro do atual marco regulatório. O que caracteriza um
comportamento de aversão ao risco em face de conjuntura instável".

Neste ponto analítico do mercado, os estudos dos centros de pesquisas e os


profissionais das seguradoras estão em sintonia.

As empresas "operadoras de planos de saúde" têm a opção de solicitar à agência


reguladora (ANS) uma "revisão técnica" dos produtos de suas carteiras que, por
defasagem no preço, possam comprometer o equilíbrio financeiro da seguradora.

A revisão técnica 53:

"... é um procedimento com vistas à correção de desequilíbrios na carteira de planos


privados de assistência à saúde que possam comprometer a liquidez e a solvência da
operadora, mediante remodelagem integral ou parcial dos produtos, combinada ou não
com o reposicionamento dos valores das contraprestações pecuniárias."

Portanto, a própria agência reguladora, ao monitorar o valor das


"contraprestações pecuniárias", conduz as empresas seguradoras para a
concorrência pelas diferenças no produto ofertado. A "remodelagem " consiste nos
ajustes destinados a eliminar ou reduzir desequilíbrios na carteira de produtos da
operadora, mediante o oferecimento, ao consumidor, da faculdade de alterar as
condições gerais dos planos já comercializados.

Entende-se por diferenciação, as ações estratégicas das empresas visando tornar


o seu produto singular, nas dimensões valorizadas pelos compradores. Assim, o
esforço dos ofertantes do seguro saúde tem sido direcionado para sinalizar ao
mercado os diferentes produtos ofertados - substitutos e complementares aos

53
Conforme RDC N o 27, de 26 de Junho de 2000 - Agência Nacional de Saúde Suplementar.
160

básicos. Através da propaganda e da publicidade, as firmas concorrentes


destacam: i) sua relação com os clientes, em termos de atendimento e atenção; ii)
a sua estabilidade financeira, para fazer frente aos encargos oriundos das
indenizações; iii) as qualidades de sua rede de profissionais indicados para
atendimento aos segurados ou a liberdade de escolha pelo cliente e uma atraente
(portanto, diferenciada) tabela de reembolso dos gastos; iv) o conteúdo específico
de cada apólice/contrato, ou seja a 'customização' do produto, adequando-o ao
gosto e à renda do consumidor. 54

Marcio Coriolano 55, diretor da seguradora Bradesco Saúde, fazendo coro aos seus
colegas de profissão, ressalta que há uma disputa acirrada das empresas
ofertantes do seguro saúde pelo mercado de 'apólices coletivas' e entende que
neste segmento a 'customização' do produto prevalece. Vale dizer, o produto,
obedecendo à espinha dorsal estabelecida pela ANS, é desenhado de acordo
com as necessidades da empresa estipulante da apólice. Nas 'apólices
empresariais', as seguradoras negociam o preço em função do formato do
produto pretendido pelo cliente. Para a formatação do produto são levados em
conta, por exemplo, a rede de atendimento, a co-participação dos segurados, a
inclusão ou exclusão de um determinado tipo de atendimento médico, programas
de prevenção de doenças e de promoção da saúde etc. Também há um
gerenciamento contínuo, por parte da seguradora, para informar à empresa
contratante do seguro quais as ocorrências com a sua apólice. Ou seja, informar o
que ela está pagando. No ponto de vista de M. Coriolano, este diferencial é muito
valorizado pelas empresas clientes. O Bradesco Saúde, por exemplo, tem um
sistema de informações eficaz que, ao final de um determinado período, relata
para o cliente o tipo e a freqüência de utilização dos serviços com um grau de
detalhamento avançado.

Na teoria, a diferenciação do produto ocorre sob os aspectos legal, filosófico e


das próprias percepções dos consumidores (cf. Guerra, 1998). A questão
filosófica, no âmbito das firmas seguradoras, é quanto à prestação de um serviço
de intermediação financeira. Como visto, em capítulo anterior, a atuação como

54
Cabe destacar que o produto seguro saúde, devido a sua essencialidade, é inelástico em relação à renda e
ao preço.
161

agente do mercado financeiro é uma realidade presente no ramo do seguros e do


ponto de vista legal os serviços ofertados restringem-se à venda de proteção
contra os gastos decorrentes de um possível sinistro ocasionado pela perda da
saúde 56. É vedada às seguradoras oferecem serviços de assistência médico-
hospitalar. Portanto a proteção vendida deve estar estabelecida em contrato e nos
limites pactuados. Outra questão da diferenciação do produto é a percepção do
consumidor. Está vinculada a imagem da empresa ofertante em função da
credibilidade e da presteza dispensadas aos clientes quando criam e formatam
seus produtos. A partir dos desenhos estabelecidos pela ANS, com o 'plano
referência', (vide seção 4.3), as seguradoras passam incluir nos contratos
serviços especiais, do tipo: remoção aérea e terrestre; assistência personalizada
24 horas, atendimento em rede de farmácias, seguro de vida acoplado à apólice
do seguro saúde 57 etc. A propaganda e o relacionamento com os gerentes das
instituições bancárias complementam a diferenciação do produto.

Feldstein (1998), citado por Andreazzi (2002), ao analisar a questão da


diferenciação do produto diz:

"...deveremos, daí, esperar, diferenças de preços entre as companhias... as seguradoras


competirão [também] em termos de diferenças do produto..." 58

O autor citado dá embasamento teórico à tese, aqui apresentada, quando afirma


que o produto seguro saúde busca tanto diferenças 'reais' como tipo de cobertura,
co-pagamento e critérios transparentes de pagamento das indenizações, quanto
diferenças 'percebidas' pelos clientes, do tipo: reputação no pagamento das
indenizações, agilidade no atendimento das demandas do cliente e agilidade nas
tomadas de decisões. A teoria é corroborada pela prática quando os profissionais
do mercado 59 entrevistados têm a mesma opinião dos autores citados, fazendo
apenas a ressalva que, na atualidade, tal disputa acontece no produto 'seguro
coletivo'.

55
Marcio Coriolano, diretor da Bradesco Saúde S.A . foi entrevistado pelo autor da Tese em outubro de 2002.
56
Mais uma oportunidade para reafirmar o atributo do seguro saúde como produto financeiro.
57
João Fernando Viana diz que estes serviços são cobrados a parte e insiste que a fuga dos planos
individuais é a principal ação das empresas quando buscam equilíbrio econômico-financeiro.
58
Feldstein (1988), citado em tradução livre de Andreazzi (2002).
162

Tem-se notado, nos últimos anos, uma tendência do setor em valorizar a imagem
da empresa, principalmente, aquelas vinculadas ao ramo financeiro. Explica-se:
por se tratar de prestação de serviços, a execução só ocorre após a aquisição do
produto, ou seja, quando da aceitação da apólice (pela seguradora) e a assinatura
do contrato (pelo segurado). Assim, estes ofertantes buscam diferenciação não só
do produto, mas da própria instituição, exaltando e divulgando, por exemplo, a
aparência física das suas instalações, sinalizando para os consumidores ordem,
segurança e credibilidade. Esses atributos podem influir, de maneira relevante, na
decisão de escolha do comprador e, no atual contexto, são os fatores decisivos
na diferenciação do produto.

Carlos Resseti (1999), gerente técnico de uma seguradora, ao responder uma


indagação da revista 'Cadernos de Seguros' sobre como aumentar a participação
no mercado frente à atual situação, respondeu:

"Neste cenário, acreditamos que a principal maneira de ampliarmos o número de


segurados no sistema será através do diferencial de atendimento, ou seja, (...)
agregando serviços adicionais às coberturas..." (grifos nossos)

O declarante fala de um cenário onde a concorrência é acirrada entre os grandes


grupos (oligopólio) e o mercado está regulamentado. Para enfrentar o desafio de
permanecer e até aumentar a participação no mercado, a estratégia adotada pela
firmas seguradoras, está na diferença de atendimento aos clientes e exalta a
diferença agregando serviços adicionais aos contratos oferecidos aos segurados.
Vale dizer, as ações práticas dos executivos nos mercados, dão vida e coerência
aos estudos e trabalhos desenvolvidos nos diferentes centros de pesquisas.

O diretor da área de seguros saúde Marcos Anacleto (1999), respondendo à


mesma questão (como manter a participação no mercado?), no mesmo veículo de
comunicação acima citado, declara: "Prestação de serviço diferenciado (...) é o
grande desafio do momento." (grifos nossos). Outra vez um profissional da área
securitária percebe a relevância da diferenciação do produto. O momento
desafiador, da declaração do profissional, é o da transição de um mercado de
seguros saúde com regulamentação parcial e principiante, para o do mercado

59
Moura Viana, Henrique Berardinelli, Horacio Cata Preta e Marcio Coriolano.
163

regulado sob a égide de uma entidade (ANS) criada com a específica finalidade
da regulamentação.

Para Moura Viana (2001):

"...a transição de um modelo Informal, baseado nas regras gerais das relações
comerciais, para outro, marcado pela forte presença de um órgão regulador, (...), está se
dando com forte reestruturação setorial."

Pode-se entender tal reestruturação, dentre outras abordagens, como as ações


visando a redução dos custos crescentes que rondam as operações do setor. A
ampliação das coberturas, acarretou um aumento dos custos médico-
hospitalares, exigindo das seguradoras, modificações na área administrativa e
comercial.

Horácio Cata Preta,60 diretor da Fenaseg, quando indagado sobre como analisava
a questão da concorrência entre as seguradoras, respondeu que na prática a
legislação 'engessou' o mercado, pois não permite a existência de outros produtos
além dos estipulados. Sugere um período de transição/adaptação61 (de
aproximadamente 10 anos), do sistema privado às exigências da agência
reguladora e durante o qual fosse permitido às seguradoras oferecerem produtos
com menor amplitude de cobertura. A oferta deste tipo de produto possibilitaria o
acesso ao seguro saúde de pessoas com menor poder aquisitivo e desoneraria o
SUS de muitos atendimentos. Cata Preta, diz que:

"a idéia de um produto de “referência” é boa, porém, sua aplicação é complicada e cara
para o consumidor (...) e se compararmos com o Sistema Oficial (SUS) é altamente
discriminatório, pois cada Prefeitura ou Estado oferece um tipo de serviço, de acordo com
as suas disponibilidades orçamentárias."

Quanto ao aspecto da concentração oligopolista, as informações obtidas mostram


um grau elevado de concentração da oferta. Todos os profissionais contatados
foram incisivos na afirmação de que apenas cinco firmas do setor dividem o

60
As citações foram extraídas da entrevista com Horácio Cata Preta em outubro de 2002.
61
Nas palavras de Moura Viana é a transição de um modelo Informal, baseado nas regras gerais das
relações comerciais, para outro, marcado pela forte presença de um órgão regulador.
164

mercado, das quais duas com mais da metade do 'número de vidas seguradas'. 62
Nominalmente, foram citadas como as maiores empresas do ramo: Bradesco
Seguros, Sul América, Porto Seguro, Itáu, Unibanco-AIG, sendo que, Sul América
e Bradesco lideram o 'ranking' do segmento seguro saúde. Berardinelli, é mais
incisivo, dizendo: "A Sul América é a maior seguradora de saúde, carteira que
representa, aproximadamente, 50% de sua receita".

Os especialistas, quando indagados se as associações e fusões que têm ocorrido


nos últimos anos modificaram a posição das empresas no 'ranking' do mercado,
todos responderam de forma negativa, embora Cata Preta tenha ressalvado que a
fusão entre a Sul América e Aetna/Ing permitiu a manutenção da primeira na
mesma posição ocupada. Henrique Berardinelli, entende que as aquisições e
fusões foram estratégias adotadas (antes da lei 9656/98) pelos maiores grupos
seguradores na disputa pela liderança do mercado. Relata, ainda, as aquisições
de várias seguradoras de menor porte, feitas pela Sul América, como por
exemplo: a Bandeirante, a Iochpe e Vera Cruz.

Na opinião de Marcio Coriolano, não ocorrerão aquisições ou fusões entre as


empresas seguradoras - qualquer que seja a origem do capital financeiro ou a
procedência da organização - pelo menos, para atuar no segmento seguro saúde.
Porém, acredita num processo de aquisições e incorporações muito intenso. entre
as empresas de medicina de grupo. Cita o exemplo da AMIL, que vem
absorvendo 'carteiras' de empresas de menor porte e da Golden Cross voltando a
atuar com maior intensidade na busca de carteiras cujo conteúdo sejam 'planos
coletivos'.

Neste é ponto é oportuno cotejar o discurso dos profissionais do mercado com a


pesquisas divulgadas pelos centros de estudos. Sobre as fusões e incorporações
ocorridas no mercado segurador, na década dos anos 90, Leopoldi (1998) 63 diz:

62
A expressão é um jargão do ramo. No seguro de pessoas, os beneficiários do seguro saúde são assim
mensurados.
63
A fonte dos dados descritos, citada pela autora é o jornal Gazeta Mercantil em suas edições de 6 de maio
de 1997 e 14 de abril de 1998.
165

"...Os anos de 1996 e 1997 foram marcados por grande movimentação no mercado
segurador... grandes fusões de seguradoras estrangeiras com brasileiras, como a Aetna
com a Sul América (US$ 425 milhões), a da AIG com a Unibanco Seguros (US$ 550
milhões)... a da Allianz com a Bradesco (US$ 21 milhões) ...e a Cigna com o Banco Excel
(US$ 70 milhões), entre outras..."

Pode-se afirmar que o movimento no mercado segurador continuou num processo


de modificações. Das fusões citadas pela autora, por exemplo, desfez-se a da
Cigna com o Banco Excel, que por problemas de liquidez sofreu intervenção do
Banco Central e foi incorporado a um grupo estrangeiro.

Outro aspecto analisado e respondido pelos entrevistados foi quanto ao ingresso


e atuação das seguradoras estrangeiras no mercado brasileiro. Para H. Cata
Preta:

"O processo está paralisado pois o mercado não está favorável a novos investimentos.
Além disso os estrangeiros estão temerosos com as regulamentações efetuadas pela
ANS e as condições impostas pela Lei nº 9656/98 e alterações através de Medidas
Provisórias (foram aproximadamente 40 editadas)".

Henrique Berardinelli entende que as seguradoras estrangeiras estão


desinteressadas do segmento saúde. Cita, como exemplo, a fracassada
experiência da Aetna no mercado brasileiro. Uma das maiores seguradoras do
ramo da saúde nos Estados Unidos, após algum tempo de operação vendeu sua
participação para o grupo ING, também oriundo do exterior, que só assumiu a
carteira de segurados do ramo saúde porque no acordo operacional estavam
incluídas outras carteiras, como vida, previdência, automóveis e ramos
elementares. H. Berardinelli, acrescenta que o grupo ING não tem direcionado
seu esforço de vendas para o segmento saúde, esperando apenas um
crescimento vegetativo. Cita, ainda, a Prudential, de origem americana, que está
se instalando no Brasil, mas só deverá operar no ramo vida, assim como Hartford
associada ao grupo Icatu para as operações do ramo vida e previdência.

Para Marcio Coriolano, também, não há nenhum interesse para o ingresso e a


participação das empresas estrangeiras no segmento saúde. As firmas que já
166

estão operando, agem com extrema cautela e aguardam os acontecimentos


quanto às mudanças na regulação.

Quando indagado sobre o ingresso e o interesse das empresas estrangeiras no


mercado do Brasil, Helio Portocarrero 64, fez uma retrospectiva da dinâmica da
atuação das firmas de seguros nos últimos anos do século XX. Declarou que, na
década dos 90, "as empresas estrangeiras tiveram um enorme interesse pelo
Brasil". Explicou que o setor de seguros em geral, passou por uma fase de
instabilidade muito intensa e

"as seguradoras internacionais, para continuarem a expansão de seus negócios,


procuraram novos mercados, como a Índia, a China e o Brasil, onde os mercados eram
potencialmente atraentes e o setor de seguros era pouco desenvolvido".

No caso brasileiro, além do interesse pela expansão dos negócios e do setor de


seguros ser pouco desenvolvido, o superintendente da SUSEP, descreve que o
afastamento do Estado brasileiro das operações diretas de seguros e a
estabilidade monetária, obtida a partir do ano 1994, propiciaram condições para
as empresas estrangeiras se instalarem no país, ofertando seguros em geral. H.
Portocarrero explicando as razões do ingresso das seguradoras estrangeiras, a
partir da segunda metade da década dos anos 90, declara:

"...no caso do Brasil, porque tinha um setor estatal muito grande, a população em geral
não tinha confiança nos seguros, por causa da relação com a inflação: o seguro nada
mais é do que um contrato de um pagamento eventual futuro, portanto extremamente
sensível à inflação."

Corroborando a opinião dos outros profissionais que foram entrevistados,


Portocarrero enfatiza o desinteresse das empresas estrangeiras pelo segmento
seguro saúde. Ressalta a associação da seguradora Aetna com a Sul América e o
acordo operacional da Cigna com a Golden Cross como os fatos mais relevantes
ocorridos no segmento. Complementa a informação, dizendo que a Cigna já
desfez o contrato com a Golden e mantém uma operadora de 'plano de saúde' ,
na cidade de São Paulo, denominado Amico. Quanto à operação da Aetna com a
Sul América faz coro com o H. Berardinelli ao reafirmar o desinteresse da
167

seguradora americana pelo segmento saúde ao transferir sua participação na Sul


América para o ING, caso já descrito anteriormente. Na conclusão do assunto, H.
Portocarrrero, diz:

"...o que eu vejo é que as grandes seguradoras internacionais...as americanas que têm
grande interesse no Brasil, não têm interesse na carteira de seguro saúde...é um produto
de seguradoras brasileiras"

Para o superintendente da SUSEP, a instabilidade da regulação é um dos motivos


que afastam as empresas estrangeiras do segmento. Comentando sobre a
regulação vigente, diz que:

"A regulamentação do seguro saúde que ele [Ex-ministro da saúde José Serra] fez é
péssima, por diversas razões e a principal é a seguinte: ele 'engessou' todos os tipos de
'planos'. A questão de tornar os produtos pouco flexíveis é uma algo irrealista".

A homogeneidade do produto torna-o inacessível, via preço, para uma camada da


população e constrange a oferta pois a preços mais baixos não há interesse em
ofertar o produto. Portocarrero diz:

"...não é possível exigir de uma Santa Casa, localizada no interior do País, um produto
homogeneizado... é preferível que ela forneça o que é possível a um preço acessível do
que o produto regulamentado a um preço elevado e...que a entidade não vai cumprir o
contrato de assistência".

Este argumento de H. Portocarrero, coaduna-se com as opiniões de outros


especialistas aqui citados, mormente, com as de H. Berardinelli.

Vale destacar as opiniões do diretor da Fenaseg, do diretor da Bradesco Saúde e


do ex-diretor da Sul América, pois elas se opõem a uma corrente da área
acadêmica preocupada com a idéia da fraca capacidade regulatória do Estado
ante ao ingresso no mercado de grupos transnacionais, cujo acesso foi
incentivado pela oferta de subsídios governamentais (cf. Ocké Reis, 2001 e
Bahia, 1999). As análises dos profissionais do mercado segurador, também,
contrariam uma das hipóteses da tese, quando o autor argumenta que as
empresas oriundas do exterior, por terem percorrido sua curva de aprendizado no

64
Helio Portocarrero é presidente da SUSEP. Foi entrevistado em outubro de 2002.
168

negócio, inclusive com a regulação, aproveitariam as oportunidades de mercado


brasileiro. Na realidade, os especialistas do ramo declaram que o interesse das
seguradoras estrangeiras pelo mercado brasileiro exclui o segmento saúde.

Ao responder uma indagação sobre a tendência do mercado de seguro saúde, o


diretor da Fenaseg foi taxativo ao afirmar que o mercado encontra-se recessivo e
encolherá. Apoia a sua resposta com os dados consolidados sobre número de
beneficiários e da sinistralidade, explicando que a redução do número de
beneficiários aliada ao aumento da sinistralidade são os fatores de contenção do
mercado. A tabela a seguir mostra o cenário descrito por Cata Preta.

Mercado de Seguro Saúde no Brasil - Junho - 2002

PERÍODO NO BENEFICIÁRIOS VARIAÇÃO - %

Dez/2000 5.962.576 ------

Jun/2001 5.792.986 (-2,85%)

Dez/2001 5.538.847 (-4,39%)

Jun/2002 5.373.137 (-2,99%)

Fonte: Horácio Cata Preta (2002) - Elaboração própria.

Os números para a sinistralidade global no primeiro semestre de 2002 foi de


83,4%, observando-se uma pequena alta em relação ao índice de 83,1% até
dez/2001. Além dos números sobre os beneficiários e as taxas de sinistralidade, o
entrevistado fala sobre o redirecionamento da oferta para o produto 'seguro
coletivo' e mostra o 'mix' entre os seguros individual/coletivo de 22,5%/77,5% em
junho de 2002, o que significou uma pequena alteração no observado em
Dez/2001, que foi de 23,3%/76,7%. Esta última constatação dá suporte as
declarações de Moura Viana e seus pares, quanto à fuga das firmas das
contratações de seguro saúde 'plano individual'.

O argumento de H. Berardinelli para dar suporte à sua percepção da tendência de


encolhimento do mercado é relativo à procura pelas carteiras de segurados
169

oferecidas pela ANS. Segundo ele, antes da Lei 9656/98, qualquer movimento
para a transferência da carteira de segurados de uma seguradora para outra
havia um leilão com muitos participantes interessados. Hoje, a ANS transfere
quase de forma obrigatória as carteiras das entidades que estão sem equilíbrio
financeiro, para as seguradoras lideres do mercado. Marcio Coriolano, credita ao
modelo de regulação atualmente em vigor o 'engessamento' do mercado,
redundando numa estagnação do mesmo.

Falando sobre o processo de competição entre as seguradoras, Cata Preta é


taxativo ao afirmar, de maneira pessimista:

"No tocante à competição entre as seguradoras, penso que hoje, com as atuais regras,
não há muito por que competir. Senão vejamos: a) as operadoras de planos e seguros de
saúde não podem recusar clientes, inclusive os portadores de doenças preexistentes; b)
não há qualquer tipo de limitação para os atendimentos; c) não é possível reajustar as
mensalidades dos contratos individuais sem autorização da ANS, mesmo que a carteira
esteja apresentando déficit econômico/financeiro; d) a Justiça tem concedido atendimento
de novas coberturas (existentes a partir de janeiro/1999) para os contratos anteriores
àquela data, gerando aumento significativo da sinistralidade. Considerando esse cenário,
competição é o que não haverá, no máximo sobrevivência."

Conclui sua análise profetizando um desastre: "Em breve a ANS será a liquidante
de uma grande massa falida".

Refletindo sobre as observações do diretor da FENASEG, pode-se inferir um


profundo descontentamento com a forma da regulação exercida pela ANS.

O diretor da Bradesco Saúde, Marcio Coriolano, ao responder à indagação sobre


a tendência do mercado, centrou sua resposta a partir do produto seguro saúde
dizendo:

"...tudo dependerá do padrão regulatório. Ao persistir o modelo atual, as seguradoras,


paulatinamente, vão acelerar a sua saída da oferta do produto 'plano individual' e vão
passar a competir no 'plano coletivo'. Esse e ó padrão que se percebe. Além disso,
procurarão [as seguradoras] diferenciar-se cada vez mais no sentido do gerenciamento
financeiro desse produto".

Continuando sua resposta, Coriolano, acredita que:


170

"...se houver interesse em continuar no segmento [seguro saúde], as seguradoras podem


vir a modificar a própria natureza do seu negócio, no médio prazo, repensando se não
seria adequado ter hospitais, clínicas, laboratórios etc. Vale dizer participar mais da
provisão dos serviços de atenção à saúde".

Esta mudança dependeria da autorização da entidade reguladora, pois no modelo


atual de regulação não é permitido às empresas do ramo securitário a provisão
dos serviços. O declarante considera uma restrição competitiva para as
seguradoras a existência de tal proibição. Portanto, o argumento da hipótese de
M. Coriolano, é apoiado pelo modelo de operação das empresas de medicina de
grupo, que são detentoras das fontes de provisão dos serviços e ofertam o seguro
saúde. Declara Coriolano:

"As empresas de medicina de grupo conseguem fazer um 'mix' interessante, quer dizer,
ao mesmo tempo que aquele hospital [provedor dos serviços] vende serviços para outros
por um preço mais alto, ele presta serviços para a própria empresa a custo mais baixo,
equilibrando-se financeiramente. Isto permite a entrada das medicinas de grupo no setor
de 'planos coletivos'.

Concluindo sua percepção sobre a tendência do mercado, o diretor da Bradesco


Saúde, comenta que a ação reguladora da ANS será um fator preponderante no
futuro desenho mercadológico. Propõe um pacto entre os agentes e a entidade
reguladora, sem o qual ela (ANS) poderá ser responsabilizada, no futuro, pela
inviabilização do negócio, seguro saúde, para as seguradoras.

O presidente da SUSEP, Helio Portocarrero, quando entrevistado sobre o


mercado de seguro saúde disse que:

"O produto não tem um posição boa nas carteiras das seguradoras, não em termos de
quantidade, nesses termos é muito importante, mas em termos de resultados, porque a
rentabilidade do seguro saúde é complicada. A taxa de sinistralidade é alta...e não é só
no Brasil".

Além da taxa de sinistralidade, que precisa ser administrada pelo gestores das
seguradoras, outros fatores estão influenciando na rentabilidade do produto
seguro saúde. Para Portocarrero, nos anos anteriores a 1994, quando não havia
estabilidade monetária no Brasil, a carteira de seguro saúde, ainda principiante,
171

tinha a sua rentabilidade oriunda da área não operacional. As seguradoras


antecipavam recebimentos e diferiam pagamentos, obtendo ganhos no mercado
financeiro. Com a estabilidade monetária restabelecida, a operação da carteira de
seguro saúde, cuja a rentabilidade ficou limitada, deixou de ser interessante para
a maioria das companhias seguradoras.

Analisando a rentabilidade sob a ótica da atual regulamentação, a critica é voltada


para a forma como a ANS está controlando os preços. Portocarrero diz:

"...é bom que existam as reservas?...sim é claro que as companhias devem ter
reservas...mas a existência de reservas implica em elevação dos custos... então não é
possível controlar todos os preços e fazer uma lei com ampliação das coberturas e exija a
formação de reservas...porque são coisas contraditórias...ou se controla o preço...ou se
flexibiliza as reservas..."

Sobre a tendência do mercado de seguro saúde, o presidente da SUSEP declara


que a demanda "[por] seguro saúde está atingindo o seu limite". Justifica sua
afirmativa utilizando o número de segurados pelo setor privado - em torno de 40
milhões - dizendo ser esta a população componente da classe média brasileira
consumidora do produto. Entende que pode ocorrer uma transferência de clientes
das empresas de medicina de grupo e cooperativas médicas para as companhias
seguradoras, mas a migração será tênue pois, dadas as condições atuais não há
interesse das firmas seguradoras na carteira seguro saúde. O modelo de
regulação adotado, o desequilíbrio do preços, a alta taxa de sinistralidade, a baixa
rentabilidade da carteira, desencorajam as seguradoras atuarem com maior vigor
na oferta do produto.

H. Portocarrero concluí, dizendo:

"..a lei é impeditiva de uma expansão maior do setor ... é prejudicial à população,
irrealista em relação as instituições existentes no Brasil..."

As contundentes observações do presidente da SUSEP, dão ênfase às críticas


dos gestores das seguradoras, corroborando a idéia de 'engessamento' do setor,
baixa rentabilidade, desinteresse nas operações da carteira. Além do que reafirma
a idéia do autor da tese, sobre a continuidade dos debates sobre a melhor forma
de regulação do setor.
172

A colaboração do ramo acadêmico para o tema em debate, vem de Andreazzi &


Kornis (2002):

"Acreditamos que as empresas de auto-gestão e as seguradoras tenham mais


possibilidades de manter-se no mercado do que as organizações médicas de pré-
pagamento - cooperativas médicas e empresas de medicina de grupo".(grifos nossos).

A opinião dos autores coaduna-se com uma parte dos profissionais entrevistados
e diverge da outra. Assim, os diretores das companhias seguradoras
entrevistados, declaram-se cautelosos quanto a continuação das firmas no
segmento seguro saúde. Ressaltam a vantagem competitiva das organizações de
medicina de grupo fazendo a provisão dos serviços de atenção à saúde, o que é
vedado, pela legislação, às firmas do ramo securitário. O diretor da Bradesco
Saúde foi taxativo na afirmação da vantagem comparativa do segmento
ABRAMGE. Os outros profissionais do ramo acreditam que a regulação, sob a
abordagem econômico-financeira é, extremamente, rígida com as empresa de
medicina de grupo o que pode se constituir numa forte barreira de entrada ou até
mesmo de permanência no mercado.

Quanto às as pequenas empresas, Andreazzi & Kornis (2002) acreditam:

"..., [n]a sua transformação em prestadoras de serviço para as grandes seguradoras e,


mesmo, para algumas poucas grandes empresas de medicina de grupo de envergadura
nacional." ...A sobrevivência de algumas empresas médicas, constrangidas pela
demanda decrescente, pode tornar vantajosa, por outro lado, a opção de funcionarem
como firmas terceirizadas de um grupo financeiro".

A partir das entrevistas com os especialistas e da análise dos autores citados,


pode-se sugerir como uma alternativa favorável para as seguradoras, a
transferência dos riscos para as organizações provedoras dos serviços médico-
hospitalares, através de um pré-pagamento, e a concentração de seus esforços
na intermediação e na gerência dos recursos no processo de acumulação
financeira.

Em completa sintonia, as opiniões dos especialistas consultados prevêem


dificuldades para o mercado segurador da saúde. Essas dificuldades são criadas,
173

principalmente, pelo modelo de regulação adotado, cuja a conceituação da


natureza da regulação deve ser revisto, pois está prejudicando o mercado.

Concluindo a seção, a experiência brasileira mostra que na década de 90 a


competição entre as seguradoras está dividida entre dois períodos distintos: o
primeiro entre 1990 e 1997, quando a SUSEP, regulamentou o 'seguro saúde em
grupo' e o outro período, de 1998 até o presente momento, quando a
regulamentação ficou sob a égide da ANS. Henrique Berardinelli, ao ser
entrevistado, confirmou a ocorrência das duas fases e descreveu sua vivência
profissional nos períodos mencionados, ratificando a conclusão da pesquisa e as
impressões do autor da tese.

No primeiro período, as seguradoras - como a Sul América - que já tinham


experiência adquirida através da administração de plano de empresas, entraram
no mercado, aproveitando-se dessa vantagem comparativa. Outras, como por
exemplo a Bradesco 65, ingressaram no mercado comprando as carteiras de
'operadoras' sem equilíbrio econômico-financeiro e estruturaram uma unidade de
negócios com a finalidade específica de crescer no mercado. Houve crescimento
do mercado e as duas líderes Sul América e Bradesco, em conjunto, vendiam
aproximadamente 100.000 (cem mil)66 novas apólice por mês, das quais metade
eram de 'planos individuais'. Todas as normas, condições gerais e coberturas
oferecidas nos produtos, eram regulamentadas pela Superintendência de Seguros
Privados e Capitalização - SUSEP. Segundo, H. Berardinelli:

"...num claro esforço de competição, houve uma ampliação das coberturas, dos prazos
de internação e a Sul América foi pioneira na cobertura para tratamento de AIDS, muito
antes que o Governo tornasse essa cobertura obrigatória para todos os seguros. Havia
portanto, os mais variados 'planos', com as mais variadas coberturas e preços para todos
os níveis da população". (grifos nossos)

Deduz-se da declaração do especialista que havia intenção das empresas de


seguros em participar na oferta dos variados segmentos do mercado, com

65
A Bradesco adquiriu a carteira da Golden Cross.
66
Informações contidas nas declarações de Henrique Berardinelli, quando entrevistado pelo autor da Tese.
174

produtos diferenciados de acordo com a vontade e capacidade de pagamento do


consumidor.

Analisando o padrão da oferta deste primeiro período, verifica-se que as


seguradoras competiam em todos os segmentos do mercado, distintamente do
período atual onde os 'seguros individuais' foram abandonados pelos ofertantes.
No segundo período, com a promulgação da Lei 9656, o seguro saúde tornou-se
uma 'commodity' e a oferta dos 'planos individuais' acabou não tendo mais
atrativo para as seguradoras. Os 'seguros em grupo' são os principais produtos da
carteira das seguradoras.

Independentemente dos períodos mencionados, constata-se que o grau de


concentração do setor é elevado, com duas empresas liderando a oferta no
mercado, caracterizando a tipificação teórica de oligopólio. Como foi mencionado
em seções anteriores, pequenas firmas atuam no mercado sem, contudo, mudar
as características de um segmento oligopolizado.
175

CONCLUSÃO

Nas três últimas décadas do século XX, à crise do mundo industrial correspondeu
uma ascensão do setor terciário no cenário econômico. Nesse processo as
alterações ocorridas na forma de prestação de serviços de cuidados à saúde e na
dos serviços financeiros ganharam destaque. Esse destaque será tanto maior
quanto maior for a percepção da conexão existente entre esses segmentos e a
emergente 'economia do conhecimento'.

Os serviços financeiros emergem nessa cena com grande força e o


desenvolvimento da telemática, ao ampliar o espaço geográfico de suas
operações, contribui decisivamente, para a hipertrofia da esfera financeira. Afinal,
esta ampliação permite, por exemplo, ao fluxo financeiro girar ao redor do mundo,
todos os dias o dia todo. A informação torna-se um elemento essencial da
dinâmica financeira. Assim, essa transformação conduz o mundo das finanças
para um plano de importância estratégica na era da 'economia da informação'.

O sistema financeiro baseado no crédito, ou seja, o sistema bancário tradicional, é


crescentemente, substituído pelo sistema baseado no mercado de capitais.
Surgem, então, os bancos múltiplos, os investidores institucionais - onde estão
incluídas as companhias de seguros - os mercados de derivativos e, finalmente, o
processo de securitização das obrigações das empresas e dos Estados. Nesse
quadro de mudanças, configuram-se novos produtos financeiros, ofertados, em
geral, por organizações transnacionais.

As companhias seguradoras incorporam-se às empresas do ramo financeiro e


passam a fazer parte de conglomerados. Esse processo caracteriza o nascimento
do 'bancassurance' e o produto seguro passa a ser, de forma explícita, ofertado
como um produto financeiro.

Em função das transformações globais, os conglomerados financeiros passam a


buscar a resolução do 'trade-off’ entre os ganhos de escala e a maior eficiência na
comercialização dos produtos. A razão que leva os grupos financeiros, em
particular o segmento segurador, a resolver o dilema acima mencionado é o fato
de que os custos de comercialização do produto seguro, se não forem
176

devidamente controlados, acabam por reduzir a lucratividade do empreendimento.


Portanto, uma maneira de minimizar esses custos é através dos ganhos de
escala, só passíveis de serem logrados com uma expansão da oferta do produto
a ser realizada pelas demais empresas integrantes do conglomerado financeiro.
Vale dizer pelas agências bancárias. Neste processo o setor de seguros é
definitivamente incorporado ao sistema financeiro.

No Brasil, o processo de incorporação do ramo de seguros ao sistema financeiro


consolidou-se a partir da última década do século XX. É senso comum no
mercado que a operação de oferta de seguros pelos conglomerados financeiros
contribuí para a solidez econômico- financeira do setor no Brasil. A forma de
operação - em conglomeração - propiciou condições para ampliação das
coberturas e da assunção de riscos. A oferta de seguros como um produto
bancário, difundiu a prática securitária e as informações sobre o produto
permitindo a sua utilização nas regiões geográficas mais longínquas,
promovendo, destarte, a ampliação do mercado e o dinamismo no setor. Os
especialistas do mercado afirmam que reverter tal situação, promovendo a
retirada das operações de seguro do ramo financeiro e dos conglomerados seria
um retrocesso e, também, marchar contra corrente, pois esta é a tendência
dominante no mercado internacional.

O mercado segurador brasileiro, nesse processo, se apresenta como um mercado


de elevado grau de concentração, ou seja, poucas empresas controlam a maior
parte das operações do segmento. Vale, no entanto, observar que este grau de
concentração não é muito diferente do verificado nos mercados seguradores da
Europa. O estudo de Magalhães (1997) destaca os elevados graus de
concentração dos mercados da Espanha, Bélgica e Holanda, mostrando que eles
não se diferenciam muito do caso brasileiro.

O ponto de vista desenvolvido por Magalhães, não foi contrariado pelos


depoimentos prestados, no desenvolvimento desta tese, por profissionais do
mercado segurador e em especial do segmento de seguro saúde. Assim, pode-se
dizer que os depoimentos de Henrique Berardinelli, Horácio Cata Preta e João
Fernando Moura Viana, corroboram, na prática, a análise de Magalhães, pois
afirmam, de modo unânime o seguinte: um pequeno grupo de seguradoras
177

domina o mercado de seguro saúde, sendo que a Sul América e a Bradesco


Saúde possuem juntas mais da metade dos beneficiários inscritos em "pelo
menos um plano de saúde".

Na mesma onda de mudanças setoriais, o ramo prestador de serviços privados de


atenção à saúde também mudou, emergindo com crescente importância. As
forças condutoras do processo de emergência estão apoiadas no avanço da
tecnologia; nas idéias dos dirigentes do ramo, quer sejam públicos ou privados;
nas exigências dos consumidores, mais informados e conscientes de seus direitos
e obrigações; e, nas restrições de recursos fiscais (cf. Decter 2000). Dentre as
idéias emergentes cabe destacar a que contempla o novo paradigma da política
de saúde preconizado pela Organização Mundial de Saúde - OMS, cujo foco das
atenções é o estado de saúde das populações. É o redirecionamento do conceito
de saúde para o estado de prevenção e promoção. Em resumo, as idéias que
transformaram o campo da prestação de cuidados à saúde perpassam: i) pela
ampliação dos fatores determinantes da saúde; ii) pela competição, como
direcionadora da eficiência na alocação dos recursos; e, iii) pela mensuração dos
resultados alcançados, não mais sendo fator relevante a quantificação da
provisão. Dos itens citados, vale esclarecer que os fatores determinantes da
saúde envolvem, por exemplo, os estudos sobre o estilo de vida da população e a
organização dos sistema de saúde. As forças competitivas sinalizam a direção
onde os recursos devem ser utilizados. No período pós mudanças, a medida da
quantidade ofertada perde terreno para os resultados alcançados pela ações de
promoção e prevenção da saúde.

Em função das transformações descritas, tanto no espaço geográfico geral, ou


seja, no mundo, quanto no espaço particular, vale dizer no Brasil, ocorre um
entrelaçamento do sistema financeiro com o ramo da assistência à saúde. O
sistema financeiro, através da rede bancária e da securitária, operando em
conglomerados, além dos produtos tradicionais, oferece, também, o produto
seguro, e especificamente, o seguro saúde.

O produto - seguro saúde - oferece a cobertura para o risco da população vir a


não encontrar acesso aos serviços de atenção à saúde em função, dentre outros
178

fatores, dos elevados preços cobrados pelas empresas provedoras desses


serviços.

Vale reafirmar que as mudanças contemporâneas dos ambientes - econômico,


social e político - conduziram as operações do seguros em geral e aquelas
referentes ao seguro saúde em especial, para a órbita do mundo financeiro. No
interior do mundo financeiro as atividades de seguros constituem-se em uma
modalidade onde há intermediação financeira. A companhia seguradora oferta
cobertura para o acesso ao atendimento ou para reembolso dos gastos com a
assistência médica do segurado, segundo as condições estabelecidas em
contrato (apólice) e a legislação estabelecida pela agência de regulação. Assim, a
intermediação financeira existe a partir do momento em que uma entidade
seguradora atua dando cobertura ao segurado com relação às despesas
referentes ao atendimento médico-hospitalar, na ocasião de sinistros relativos à
saúde. O valor dos prêmios pagos pelos segurados e que compõem o fundo das
reservas técnicas das seguradoras devem ser administrados de modo que os
rendimentos financeiros, resultantes dos investimentos, alcancem um montante
capaz de fazer face às indenizações provenientes dos sinistros. Mais uma vez,
julga-se relevante alertar quanto às especificidades do seguro saúde, assim como
das operações envolvendo a sua oferta. O seguro saúde, ofertado pelos
conglomerados bancários, assumiu os principais atributos de um produto
financeiro, tais como: o risco, a segurança, a liquidez e a rentabilidade.

Com base nesta exposição pode-se afirmar que as seguradoras estão operando
no grupo das entidades que realizam funções de intermediação e esse papel - de
intermediário financeiro - é avalizado, também, pela sua condição de investidor
institucional. Assim, é preciso ter clara a condição do produto seguro saúde como
um produto financeiro (cf. Cerqueira Lima, 1998; Leopoldi, 1999; Fuchs, 1991;
Hale, 1999).

A análise do setor revelou as companhias seguradoras como instituições que


contraem obrigações contingenciais perante o público. As obrigações por
contingência são as indenizações cujo pagamento está vinculado a um sinistro,
como, por exemplo, a destruição de um determinado bem, a morte de uma
pessoa ou o aparecimento da doença, gerando despesas para o tratamento. É
179

importante ressaltar que as seguradoras não são prestadoras de serviços de


cuidados à saúde. Elas proporcionam cobertura aos gastos dos segurados por
ocasião de sinistros com a saúde, segundo as especificações da apólice. Os
produtos das seguradoras são apólices que se transformam em indenizações
pagas aos beneficiários do sistema, de acordo com os valores de ressarcimento
estabelecidos em contrato quando da ocorrência dos sinistros.

A literatura do ramo de seguros trata o seguro saúde como um produto do grupo


de riscos pessoais (cf. Galiza, 1997). É um contrato cuja essência é a oferta ao
consumidor da proteção contra o risco da inacessibilidade ao atendimento
médico- hospitalar e, também, para fazer frentes às despesas decorrentes desses
cuidados à saúde. Nesta tese, foi adotado o conceito de seguro saúde
apresentado por Andreazzi (1991), o qual afirma que é todo e qualquer
mecanismo de financiamento privado de consumo de serviços de saúde,
mediante o pagamento de prestações a uma empresa responsável por prover a
assistência médica ou reembolsar os gastos decorrentes da utilização dos
serviços de atendimento médico - hospitalar. Foram consideradas, também, as
observações de Guerra (1998) sobre a definição de Andreazzi, quanto ao tempo
de vigência contratual e quanto à abrangência das coberturas, as quais devem
estar discriminadas nas cláusulas do contato e, também, obedecer à legislação
vigente. O seguro saúde é contratado sempre através de uma apólice, e pode ser
feito tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas (empresas, em
favor de pessoas físicas).

As particularidades do setor de seguros e as especificações do produto seguro


saúde redundaram na participação do Estado regulando o segmento. Assim, as
seguradoras, buscando desvencilhar-se das amarras da regulação estão evitando
a oferta do produto destinado às pessoas físicas, nos chamados 'planos
individuais', e procuram concentrar-se no segmento pessoas jurídicas, ou seja,
nos denominados 'planos coletivos'. Esta afirmação é apoiada pela entrevista
concedida por Moura Viana ao autor da tese, quando inquirido sobre as
estratégias das seguradoras para competir no mercado, diferenciando produto. A
resposta simples e objetiva foi: "Fogem dos planos individuais e concentram-se no
planos coletivos". Marcio Coriolano, diretor da Bradesco Saúde, Henrique
180

Berardinelli, ex- diretor da Sul América e Horacio Cata Preta, diretor da Fenaseg,
seguem a mesma linha de raciocínio de Moura Viana e apresentam informações
sobre o 'mix' da carteira das seguradoras confrontando a participação entre os
seguros 'individuais' e os 'coletivos'. Em outro plano analítico o superintendente
da SUSEP, Helio Portocarrero, sem especificar o produto, também entende que
as seguradoras desviam-se da oferta dos produtos cujo preço é controlado pela
ANS. A partir da declaração dos profissionais do mercado, contatou-se que a
estratégia modal das firmas é a fuga dos 'planos individuais' para os 'planos
coletivos'.

Os dados comparativos da participação dos dois produtos na arrecadação dos


prêmios da carteira de seguro saúde, em dezembro de 2000 e dezembro de 2001,
observamos uma redução da participação dos prêmios relativos ao 'seguro
individual' em favor daqueles arrecadados com os 'seguros coletivos. Assim, os
dados apresentados corroboram as declarações dos especialistas do mercado
quanto a estratégia das empresas.

O relato dessa estratégia, utilizada pelas seguradoras, permite que se chame a


atenção das autoridades responsáveis pela regulação brasileira para a
necessidade de um tratamento diferenciado para as operações relativas ao
mercado de seguro saúde. Entende-se que as seguradoras ao evitarem a oferta
de um determinado tipo de seguro, no caso em questão os seguros 'individuais',
estarão prejudicando o consumidor. Assim, há necessidade da participação do
Estado na regulação, mas de maneira que permita também às empresas
ofertarem um tipo de produto desenhado de acordo com os requisitos dos
usuários.

Procurando a identidade dos padrões de competição vigentes no mercado


segurador brasileiro, o resultado encontrado é que a estrutura de mercado em
oligopólio predomina. Existe um grupo pequeno de empresas ofertantes que
dominam a maior fatia do mercado. Somente duas se destacam e possuem, em
conjunto, mais da metade do número de beneficiários. Essa observação é
confirmada pelas declarações dos profissionais do setor que foram entrevistados.
Todos confirmam que a Sul América e a Bradesco Saúde são as líderes do
mercado. Inúmeras empresas de pequeno porte disputam nichos específicos -
181

especialmente em mercados regionais - que não despertam maior interesse para


as empresas dominantes. É oportuno então dizer que há um movimento de uma
das seguradoras líderes do mercado no sentido de formatar um produto para
oferta regional, em associação (convênio) com provedores locais, vale dizer,
ampliando o âmbito da competição e especializando os termos da disputa. Assim,
fica reforçada a idéia da oferta efetuada através de conglomerados em elevado
grau de concentração.

Ao observar os tipos de produto oferecidos ao mercado, percebeu-se que eles,


teoricamente, não têm distinção para os consumidores, por terem seus formatos
estabelecidos pela agência reguladora. No entanto, no conceito de Henrique
Berardinelli o produto é, atualmente, uma 'commodity', pois é comercializado
como um ativo qualquer do mercado financeiro. Utilizando outras palavras, o
especialista está afirmando que pode haver muita variação na qualidade do
produto que está disponível no mercado, portanto deve ser classificado por tipo
ou tipos aceitáveis para negócios. Vale dizer ainda, do ponto de vista do
segurador, o seguro saúde é apenas mais um dos componentes do balcão de
negócios da empresa.

Apesar disto, as empresas procuram divulgar seus produtos como se fossem


diferenciados, ao agregar no desenho 'standard', itens como rede de atendimento
privilegiado, ampliação da área geográfica de cobertura, reembolso de despesas
com regalias e outros benefícios. Ressalta-se que tal esforço competitivo está
dirigido, exclusivamente, para o produto 'seguro coletivo', pois as empresas
ofertantes, como já descrito em parágrafo anterior, evitam ofertar os produtos,
cujo preço é controlado pela agência reguladora.

No esforço da diferenciação do produto, o que prevalece como fenômeno


marcante é a imagem da empresa seguradora na qual o consumidor sinta
confiança e credibilidade e perceba, também, uma pujança econômico -
financeira. O segurado acredita que terá indenização quando ocorrer o sinistro.
Ou seja, este fenômeno da diferenciação, pela imagem da empresa, ocorre
porque a formatação do produto é estabelecida pela ANS.
182

Ainda, no tocante à questão relativa ao produto, as entrevistas com os


profissionais do mercado segurador revelaram que tentativa da ANS em
homogeneizar os tipos de cobertura, portanto o produto em si, tem causado um
certo distúrbio no mercado. Esta forma de atuação foi alvo de críticas por parte
desses profissionais, pois o pensamento comum entre esses executivos do ramo
é que a agência reguladora deveria estabelecer normas de controle para verificar
se as empresas ofertantes estão cumprindo as cláusulas contratuais oferecidas e
deixar livre o tipo de produto ofertado. O consumidor teria opção de escolher o
desenho de produto mais adequado às suas necessidades e à sua renda. A
formatação do produto para atender as exigências da lei e a conseqüente
elevação do seu preço deixaram fora do consumo do seguro privado de saúde
grande parcela da população. A parcela populacional excluída pelo mercado
retorna ao atendimento público (SUS), provocando a mobilização de recursos
governamentais (escassos) que poderiam estar sendo utilizados em outras
atividades prioritárias do Estado, como por exemplo, em campanhas de
prevenção e promoção da saúde ou pesquisas e desenvolvimento de tecnologia
médico- sanitárias. O diretor da Fenaseg, Horácio Cata Preta, expressou sua
opinião a favor da inclusão de maior parcela da população no consumo privado de
seguro saúde, através, por exemplo, da eliminação das barreiras da formatação
do produto. Explicou que com a inclusão, haveria uma desoneração do Estado
para o atendimento de outras necessidades.

A experiência brasileira da competição entre as seguradoras na década de 90


está dividida entre duas fases distintas. A primeira, entre 1990 e 1997, quando a
SUSEP regulamentou o 'seguro saúde em grupo'. A outra fase, de 1998 até o
presente momento, quando a regulamentação ficou sob a égide da ANS. No
primeiro período houve crescimento do mercado e as duas líderes - Sul América e
a Bradesco - num esforço competitivo ofertavam produtos desenhados de forma
específica para seus clientes, ou seja, de acordo com a preferência e a
capacidade de pagamento do consumidor. No segundo período, a partir de 1998,
com a promulgação da Lei 9656, o seguro saúde tornou-se uma 'commodity' e a
oferta dos 'planos individuais' não teve mais atrativo para as seguradoras. A
estratégia encontrada na disputa por um melhor posicionamento na divisão do
mercado é a oferta de um produto diferenciado e as empresas estão empenhadas
183

em competir apenas no segmento do produto 'seguros em grupo'. Enfatiza-se a


influência da regulação na oferta do tipo de produto, dado que o preço do seguro
saúde individual é, indiretamente, determinado pelo órgão regulador.

Um olhar sobre a demanda por seguro saúde concluiu-se que ela é caracterizada
pela incerteza na quantidade procurada. A demanda por seguro saúde é derivada
dos serviços de cuidados à saúde e neste setor é grande a imprevisibilidade. Ou
seja, a população demanda seguro saúde em função da utilização da atenção
médico-hospitalar e não há previsão da quantidade de atendimento médico que
será usado e nem quando isso ocorrerá. A doença é um fenômeno aleatório. Por
isso há a derivação da demanda e da imprevisibilidade do setor.

Vários fatores influenciam a demanda por seguro saúde, dentre os quais é


possível citar o valor do prêmio; a propensão ou aversão ao risco; o risco; a
dimensão da perda e a renda do segurado. O valor do prêmio, ou seja, o preço do
produto determina as classes de consumidores em razão direta da renda. A
propensão ou aversão ao risco está relacionada com o tamanho da perda, que
pode ser traduzida, nos caso da saúde, pelo valor despendido com o tratamento
de determinada doença.

Alguns autores (cf. Ocké Reis 2002; Bahia, 1999; Dain, 2000) falam do tratamento
fiscal dado pelo Estado aos gastos das famílias com a aquisição do produto.
Esses gastos seriam subsidiados, por exemplo, com a dedução da renda
tributável. Dain (2000) fala que os gastos com seguro saúde continuam sendo
patrocinados pelo Estado por meio da renúncia fiscal.

A análise da demanda, desenvolvida por Andreazzi (2002), apoiada nas


pesquisas de Feldstein (1998), correlaciona positivamente, o aumento dos custos
da atenção médica com os gastos com seguro saúde. A variação crescente do
preço dos cuidados de atenção à saúde é fator gerador de aumento da demanda
do seguro saúde. Quando o consumidor percebe a probabilidade de maiores
perdas financeiras, em conseqüência de maiores pagamentos com serviço de
atenção à saúde, demanda proteção comprando seguro saúde.

A demanda, sob o aspecto das relações sociais, está contemplada na


Constituição Brasileira de 1988 que preconiza a saúde como um dever do Estado
184

e um direito do cidadão. Esta demanda é representada pela parcela da população


cuja renda não permite acesso ao seguro saúde privado, busca proteção na
seguridade do Estado representada pela oferta de serviços do Sistema Único de
Saúde - SUS. Os números publicados pelo jornal do Conselho Regional de
Medicina em março de 2000 mostram que 73,1% da população do Brasil está sob
a responsabilidade do SUS, ficando o restante coberta por seguro privado de
saúde.

A oferta do produto seguro saúde tem no preço (prêmio) e na quantidade ofertada


a influência da ação individual das firmas, condicionadas pelas restrições da
regulação. Cada empresa coloca no mercado uma dada quantidade de produtos
'referência' a um determinado preço, de acordo com as regras da ANS. No
segmento, prevalece o equilíbrio de Nash, onde cada firma oferta a sua
quantidade levando em consideração o que as empresas concorrentes estão
ofertando. A teoria de Nash, para a competição em oligopólio, diz que as ações
de cada competidor são definidas em função do que seus concorrentes estão
fazendo. Dado que no segmento existem duas grandes empresas dominantes
(Sul América e Bradesco) estas seguem na prática a teoria aqui descrita.

Verificando os aspecto da lucratividade no setor, observou-se que dentre os


custos dos fatores de produção o mais relevante é o índice de sinistralidade. Este
índice mede a expectativa de perdas da seguradora. Para Horacio Cata Preta,
executivo de grande experiência no mercado de seguros, uma elevada taxa de
sinistralidade inviabiliza econômica e financeiramente qualquer empreendimento
ofertante de seguro saúde. A partir das palavras de Cata Preta, verificou-se que o
mercado tem apresentado uma elevação do índice de sinistralidade desde 1995,
atingindo em 2001 o índice de 83,1%. Este fator contribuiu para reduzir o número
de empresas ofertantes do segmento. Em março de 2000, o número de empresas
ofertantes era de 30 firmas seguradoras, com um total de 5,3 milhões de vidas
seguradas, representando um a participação de 12,5% do total do mercado
segurador.

Na questão relativa à rentabilidade, o superintendente da SUSEP, Helio


Portocarrero, afirma: "é um mercado onde existe um grande desequilíbrio de
preços". Portanto, as empresas buscam administrar suas 'carteiras de seguro
185

saúde' de forma a torná-las rentáveis. O desequilíbrio de preços provoca uma


instabilidade nas 'carteiras de seguro saúde', provocando um desinteresse pela
oferta de específicos tipos de contratos, como por exemplo, o ‘contrato individual’
cujo preço é controlado pela agência reguladora. Além de afetar a quantidade
ofertada, tal desequilíbrio pode levar as empresas a um estado de insolvência. A
quantidade ofertada é atingida porque as seguradoras buscam restringir o número
dos contratos cujo o índice de sinistralidade é elevado e os preços praticados não
cobrem os custos. Ainda mais, existem carteiras onde o valor dos pagamentos
dos sinistros são maiores que os recebimentos, levando a empresa ao estado de
iliquidez.

No caso brasileiro do ramo de seguro saúde, predominam as estruturas de


mercado em oligopólio, portanto, requerendo a intervenção governamental para
corrigir as chamadas 'falhas do mercado'. Na busca pela correção de tais falhas, o
Estado age reduzindo as incertezas do ambiente onde são realizadas as
transações. O mercado segurador está eivado de 'falhas' e é área fecunda para
que o Estado via regulação exerça sua função alocacional e distributiva. As falhas
de mercado que estão presentes na estrutura oligopolista do mercado de seguros
são: a assimetria de informações, o fator moral, a seleção adversa e a seleção do
risco.

Portanto, a participação do Governo na atividade de regulação visa que a oferta e


a demanda tenham suas práticas e expectativas respeitadas, evitando
desequilíbrios e conflitos entre as partes. Vale dizer, a regulação tem por
finalidade possibilitar aos consumidores e aos produtores uma equidade de
poderes.

Além da busca pela correção das falhas de mercado, existe a disposição do


Estado em intervir no segmento como uma tentativa de garantir aos cidadãos o
direito de acesso à prestação de serviços de cuidados à saúde, quando do
surgimento de uma doença. Esta postura se coaduna com a mudança do papel
do Estado provedor para o Estado regulador, fato que se constatou vir ocorrendo
ao longo dos anos 90.
186

Nos últimos anos da década de 90, o seguro saúde foi regulamentado pela lei
9656, promulgada em junho de 1998 e pela medida provisória No 1665/98. A Lei
No 1976, promulgada em 2000, complementou o arcabouço jurídico da regulação
do mercado. Foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar ( ANS)
subordinada ao Ministério da Saúde, em dezembro de 1999. A ANS é uma
autarquia especial que tem como finalidade institucional promover a defesa do
interesse público na assistência suplementar à saúde. Tal regulamentação, já em
vigor, tem despertado um vigoroso debate entre os agentes do setor. O cerne da
discussão sob a ótica do mercado é a definição de um modelo regulatório que
considere as condições específicas do setor. Além disso, que seja definida a
competência de uma organização para liderar e promover o processo de
regulamentação do mercado e do produto.

É importante mencionar que o modelo de regulação adotado inicialmente (pela Lei


9656/98) estabelecia a atuação de duas entidades reguladoras em dois campos
distintos. Um campo abrangia as normas relativa aos aspectos econômico-
financeiros e à formatação dos produtos enquanto outro campo encampava as
normas assistenciais. A entidade responsável pela emissão e pela fiscalização do
cumprimento das normas inerentes às finanças e aos produtos era o Conselho
Nacional de Seguros Privados - CNSP, sob a supervisão da Superintendência de
Seguros Privados e Capitalização - SUSEP, órgão do Ministério da Fazenda. As
normas de assistência eram emitidas e fiscalizadas pelo Conselho Nacional de
Saúde - CONSU, entidade subordinada ao Ministério da Saúde. Tal organização
foi alterada cabendo somente a ANS, através de suas diversas câmaras, conduzir
todo o processo de regulação.

A idéia apresentada nesta tese é de um reestudo do modelo de regulação para o


setor, de maneira que seja contemplada a especificidade do produto seguro
saúde, como uma mercadoria do âmbito das finanças. Dado que existe um
produto financeiro, reconhecido pelo mercado e pelos autores que estudam o
assunto, a forma regulatória deve estar sensível para esta situação.

Assim, a dimensão econômico-financeira, onde a atenção da regulação deve


estar voltada para a solidez das empresas e para formatação do produto, deve
ser conduzida pelas estratégias da política econômica, mais especificamente,
187

pelos instrumentos de política monetária. A administração, pelas seguradoras,


dos recursos financeiros provenientes das operações de seguros impactam o
mercado monetário e o de capitais.

O argumento de defesa para esta sugestão é que as empresas seguradoras


estão vinculadas a um conglomerado financeiro, agindo no mercado como
investidores institucionais. Portanto, o desequilíbrio financeiro de uma companhia
seguradora pode causar danos ao mercado financeiro, via 'efeito dominó'. Quanto
ao produto, o seguro saúde compõe o 'portfólio' dos conglomerados financeiros e
é negociado como outra qualquer 'mercadoria' do ramo das finanças, possuindo
as características de um produto financeiro: risco, segurança, liquidez e
rentabilidade. O risco é assumido pelas seguradoras, constituindo-se no cerne do
produto. A segurança para o cliente/segurado, ao escolher uma empresa com
solidez econômico-financeira. A liquidez pode ser entendida como a capacidade
da seguradora honrar o pagamento das indenizações aos seus segurados,
quando da ocorrência dos sinistros. A rentabilidade do produto tem haver com a
própria solvência e estabilidade da empresa seguradora. Os prêmios arrecadados
devem ser administrados de forma que proporcionem rentabilidade ao
empreendimento, tornando-o sólido e equilibrado financeiramente.

As questões envolvendo os aspectos assistenciais deverão estar sob o olhar


atento das autoridades vinculadas à saúde pública, especialistas dos problemas
sanitários e epidemiológicos do Brasil. Assim, todas as querelas onde estejam
presentes os tipos de coberturas, a inclusão no contrato de específicos tipos de
tratamentos e o uso de determinadas técnicas médicas ou de equipamentos,
devem passar pelo sistema regulador, de modo que sejam verificados se estão
sendo cumpridos pela empresa ofertante o estabelecido em contrato.

Com esta proposta, a tese não tem intenção de desmerecer o papel da regulação
brasileira do setor. Pelo contrário, pretende contribuir com subsídios para a
Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS - consolidar sua posição levando
em consideração as especificidades do produto. Não se preconiza um retorno ao
passado, em termos regulatórios, mas propugna-se a favor de um futuro onde
sejam contempladas as mudanças ocorridas e as práticas vigentes no mercado,
para que de maneira eficiente e eficaz a ANS cumpra a sua missão. Assim, o
188

Estado estaria alcançando sua meta de proteção ao cidadão e este teria seus
direitos atendidos.

Sendo coerente com a proposta inicial da tese, de mostrar a visão do mercado


sobre a questão, buscou-se ouvir a opinião dos profissionais do ramo sobre a
questão. Assim, com um conhecimento acumulado ao longo de 20 anos de
destacada atuação no ramo securitário, dos quais 18 anos como diretor da área
de saúde de empresa seguradora, encontrou-se em Henrique Berardinelli um
defensor convicto de um modelo de regulação que atente para a questão da
conciliação entre o atendimento integral ao consumidor e os objetivos das
empresas seguradoras. Em outras palavras, vale dizer: que assegure a máxima
satisfação do consumidor e a máxima rentabilidade para o produtor, como é
inerente ao sistema de iniciativa privada. Em essência a opinião deste profissional
é corroborada por Marcio Coriolano, atual diretor da Bradesco Seguros, e que já
foi diretor da SUSEP, quando diz ser indiferente quanto ao órgão regulador, mas
diz ser importante uma definição clara e precisa da natureza da regulação.

Para Hélio Portocarrero, atual superintendente da SUSEP, os problemas da


regulação analisados e colocados como ponto de reflexão na tese "...são
coerentes e fazem sentido", pois atendem à visão do mercado e aos anseios do
Estado na busca pela proteção da coletividade.

Das discussões no âmbito dos centros de pesquisas, procurou-se na teoria de


Majone (1996), o apoio para a questão regulatória apresentada na tese. Este
autor aborda a questão dos aspectos político-institucionais onde podem ocorrer
as falhas típicas de uma regulação por delegação. Essas falhas, analisadas por
Majone, dizem respeito à captura do agente regulador pelos grandes grupos
atuantes no segmento. Vale lembrar que a estrutura de mercado dominante no
setor é oligopolista e duas empresas são hegemônicas.

Concluindo a questão da regulação, é importante frisar que, qualquer que seja o


modelo adotado, há de se respeitar o equilíbrio das relações entre produtores e
consumidores e os direitos destes últimos devem ser, devidamente, considerados.
O produto em debate - seguro saúde - está vinculado a uma variável cujo valor é
inestimável: a vida humana. Os pontos para reflexão sugeridos visam intensificar
189

os debates e abrir novos campos de discussão para que sejam encontrados o


formato e o ‘locus’ ideal da regulação do setor.

Os estudos analisando o comportamento do mercado de seguro saúde no Brasil


têm despertado interesse nos últimos anos, embora ainda seja rara a literatura
sobre o assunto. Este fato contribuí para que os enfoques de análise também, se
situem numa faixa estreita de abrangência. A explicação para este fato pode ser
dada pela própria origem do mercado segurador da saúde que teve seu início
com as operações das empresas conformadas como 'cooperativas médicas' e de
'medicina de grupo'. Portanto, há um direcionamento dos estudos emanados dos
centros universitários e de pesquisas, para analisar este segmento em particular.
A partir do início do anos 90, com a emergência das seguradoras, passando a
atuar com as 'carteiras de saúde' é que desperta o interesse de alguns
pesquisadores.

A idéia de apresentar um estudo verificando o padrão de competição vigente, a


partir da estrutura do mercado e da formatação do produto, especificamente para
as firmas seguradoras, tem como finalidade mostrar que as mudanças ocorridas
ao longo dos últimos anos moldaram uma nova interação entre os agentes do
setor. A presença do setor privado ofertando um bem complementar - seguro
saúde - de um bem semipúblico - serviços de atenção à saúde - provoca uma
atitude de reflexão na condução das políticas de saúde, no Brasil.

Com a apresentação da tese pretende-se contribuir com o debate no âmbito das


universidades, dos centros de pesquisas, do Governo e do mercado, além de
ampliar as abordagens de análise do tema.

Ao serem indagados e ouvidos sobre a questão dos pontos de abordagem do


tema, os profissionais e especialistas do ramo segurador, sugeriram diferentes
óticas de análise do mercado: i) a abordagem econômica, com ênfase nos custos
da prestação dos serviços e a correlação com a rentabilidade do investimento, ii)
a da prestação dos serviços (produto), onde o destaque será a assistência médica
e hospitalar, com ênfase na qualidade e efetividade dos tratamentos; iii) uma
visão comparativa entre o produto ofertado pelo mercado e o 'plano de saúde
oficial (SUS)'; iv) a partir do papel do Estado em sua relação com o mercado.
190

Nesta abordagem o destaque seria na dimensão da quantidade dos incentivos


oferecidos pelo Governo ao setor privado para aumentar a oferta do seguro
saúde. A adoção de incentivos para a oferta reduziria os custos dos atendimentos
pelo setor público e liberaria recursos do Governo para aplicar na "assistência de
grupos carentes" 67.

Em síntese, as transformações no campo político, onde o destaque é para o papel


do Estado regulador, no campo social, com a ascensão do consumidor ao 'status'
de agente relevante na economia de mercado e no campo econômico, com a
emergência do setor terciário, alteram, de forma significativa, o panorama no
mundo e no Brasil. Neste contexto, o setor de prestação de serviços se vestiu
com nova roupagem. Foram alteradas as formas da prestação dos serviços de
assistência à saúde e dos serviços financeiros. O vínculo entre esse dois ramos -
setor saúde e setor financeiro - se dá através da comercialização do seguro
saúde pelos grupos financeiros. Tal conjuntura propicia, no Brasil, um grau
elevado de concentração da oferta, caracterizando um mercado de estrutura
oligopolista onde as empresas lutam para marcar suas diferenças. O Estado, que
mudou a sua concepção de provedor para regulador, intervém no mercado,
buscando coibir as falhas de mercado e, ao mesmo tempo, assegurar os direitos
dos cidadãos à demanda do seguro saúde. O mercado não sintonizado com o
modelo regulatório vigente procura caminhos alternativos para fugir às regras
estabelecidas pelo Governo. Entretanto, o mercado entende que a regulação
deva existir, desde que sejam respeitadas as especificidades do produto, do
produtor e dos consumidores.

Pode-se inferir que a expectativa inicial de encontrar o padrão da competição


entre as seguradoras brasileiras na oferta do produto seguro saúde foi alcançada.
Compreende-se, também, que houve contribuição da tese para esclarecer as
dimensões do mercado e as interações entre os diversos agentes, até então
pouco divulgadas ou desconhecidas e que foram reveladas, principalmente, com
as entrevistas dos profissionais do setor.

67
Sugestão de estudo apresentada por Horacio Cata Preta, em entrevista com o autor da Tese.
191

Finalizando, esta tese tem a pretensão de abrir caminhos para outros estudos,
com diferentes enfoques sobre o mercado, por isso a proposta é de incentivar os
debates e ampliar as pesquisas. Acredita-se que os resultados desses estudos
podem ajudar aos gestores privados, ao travarem conhecimento com a idéias
emanadas das pesquisas acadêmicas e usarem a teoria como suporte em suas
decisões, a interagir com a sociedade de uma forma mais equânime, de modo
que sejam repartidos entre ambos tanto os benefícios quantos os custos. Os
resultados podem contribuir também com os gestores públicos, quer seja na
tarefa da regulação quer seja na de alocação dos recursos. Quando esses
administradores públicos passam a conhecer o modo operacional e de pensar do
mercado, imagina-se que poderão tomar decisões aliando à política o
embasamento da técnica. Desta forma, poder-se-á prever um modelo regulatório
eficaz e uma alocação dos recursos eficiente.

No campo pessoal, os resultados da tese contribuíram para acalmar a inquietação


do autor sobre a questão da competição empresarial na oferta de um singular
produto - o seguro saúde - que possui o atributo de mercadoria, mas está
vinculado ao bem mais precioso do ser humano: a vida.
192

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