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experiência regulatória
BERNARDO SICSÚ
Rio de Janeiro
2002
ii
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBC
experiência regulatória
BERNARDO SICSÚ
______________________________________________________
Profa. Dra. Maria Antonieta Leopoldi - IFCH/UFF
______________________________________________________
Prof. Dr. Aluisio Teixeira - IE/UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Sulamis Dain - IMS/UERJ
______________________________________________________
Prof. Dr. Cid Manso - IMS/UERJ
______________________________________________________
Prof. Dr. George Kornis - IMS/UERJ
Rio de Janeiro
2002
iv
DEDICATÓRIA
Nosso amor...
Já teve ilusões...
(Anônimo)
MARCIA
Agradecimentos
Esta, sem dúvida, é uma das partes da tese que mais me prendeu a atenção pelo
pânico de esquecer a colaboração de alguém. As contribuições foram tantas que
peço, antecipadamente, desculpas por alguma "falha do mercado" de minha
memória.
Em primeiro lugar, sou grato ao meu orientador: Professor Dr. George Kornis.
Sem sua orientação de mestre e, principalmente, de amigo, não chegaria a este
bom termo. Não posso esquecer o apoio logístico da amiga Dra. Monica, quando
dos saraus de orientação 'chez les Kornis'. Obrigado AMIGOS.
Aos professores do curso, pela paciência, apoio e dedicação. Não poderia deixar
de citar as especiais atenções das professoras, Sulamis Dain e Anna Campos.
Sou agradecido a vocês.
Aos profissionais do ramo que dedicaram horas de seu tempo para responder às
questões da entrevista, com sabedoria e boa vontade. São eles: Helio
Portocarrero, Henrique Berardinelli, Horacio Cata Preta e Marcio Coriolano.
Alguns amigos foram bastiões nesta jornada, por isso sou grato. O Edson Souto
teve a pachorra de ouvir minhas hipóteses filosóficas de botequim - in loco -
sempre coadjuvado pelo Ricardinho Colonesi. Outros pacientes ouvintes desse
time são o Ricardo Macedo e o João Evangelista. A vocês, o meu muito obrigado.
Ao meus filhos, Marcio e Marcelo, pela compreensão com o pai, sempre às voltas
com os livros, com os artigos e com outros instrumentos acadêmicos, por isso
sempre postergando nossas conversas. Com o primeiro sobre o desfile da escola
de samba da qual é "tamborinista" e com o segundo sobre as vitórias ou derrotas
do nosso Flamengo. Minha esposa, Marcia, a quem dedico a tese, meu
agradecimento especial. Afinal, ela sabe harmonizar prioridades díspares.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO DA TESE..........................................................................................13
4.4.1 – Antecedentes...............................................................................................114
4.4.2 - Atualidade.....................................................................................................116
4.4.3 - Conclusão.....................................................................................................121
CONCLUSÃO..................................................................................................................175
BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................192
ix
RESUMO
ABSTRACT
This thesis analyses the effect on the health insurance sector of changes in
economic competition. It examines the transformations which took place in Brazil
during the 90's and focuses on changes in the financial and banking systems and
their effects on insurance companies, specifically those providing private health
cover. The developing links between health care and the financial system has
resulted in health insurance becoming a financial product marketed and supplied
by the banking system.
Towards the end of the 1990's the Brazilian government introduced regulations
controlling the health insurance sector, with consequent wide-ranging implications
for this market.
RÉSUMÉ
Le Brésil a connu pendant ces années des transformations sur son système
financier et bancaire qui ont été étendues d'une façon décisif vers les entreprises
d'assurances et plus specifiquement, vers le produit financier assurance-maladie.
À la fin du XXème siècle, le Brésil a crée une agence régulatrice pour contrôler le
système privé de santé - la Agência Nacional de Saúde. L'expérience brésilienne
récente de régulation en santé doit faire attention aux formes de compétition, à la
structure du marché et même aux specificités du produit assurance-maladie, car
les entreprises d'assurances jouent un rôle important dans le système privé de
santé du pays.
João Sayad
D'où viennent les idées justes? Tombent-elles du ciel? Non. Sont-elles innées?
Non. Elles ne peuvent venir que de la pratique sociale, de trois sortes de pratique
sociale: la lutte pour la production, la lutte de classes et l'expérimentation
scientifique.
Mao-Tsé-Tung
APRESENTAÇÃO DA TESE
A conclusão desta tese poderá propiciar uma resposta para o(s) motivo(s) que
levou(aram) as seguradoras a disputar esse mercado. A princípio, e partindo-se
desta hipótese, pode-se identificar dois motivos: i) as transformações ocorridas no
sistema financeiro; e ii) a postura do Estado (no mundo e no Brasil) aliviando o
peso de sua interferência como agente direto na provisão dos serviços do setor
saúde - afastando-se das atividades principais da operação - e tomando para si
as tarefas regulatórias.
Para chegar aos objetivos traçados, a tese será apresentada em três partes,
modulada em cinco capítulos, distribuídos da seguinte forma: i) as transformações
sócio-econômicas e políticas ocorridas no mundo, a partir dos anos 70 do século
XX; ii) as mudanças no Brasil, em conformidade e decorrentes das
transformações no mundo; iii) a ascensão do setor de serviços na nova era da
economia, com destaque para as mutações do setor financeiro - onde se
encastela o ramo de seguros - e para o setor de assistência médica; iv) o seguro
saúde no Brasil: a origem e as perspectivas, a forma de organização e operação
das empresas, os aspectos da regulação; e, v) as formas da competição entre as
empresas brasileiras ofertantes de seguro saúde, ressaltando as características
da oferta e da demanda, os aspectos sobre as falhas de mercado e a feição
competitiva da realidade brasileira. Como de praxe, antecedendo-se aos
capítulos, a introdução ao tema conduz o leitor ao texto e os conclusivos
comentários finais encerram o trabalho.
Por fim, a tese não tem a pretensão de encerrar ou limitar o debate sobre a
competição empresarial no ramo do seguro saúde. Pelo contrário, destaca a
necessidade do desenvolvimento de estudos mais abrangentes, propõe a
ampliação desses debates, é receptiva a adendos e críticas, e, em última
instância, extravasa a inquietação acadêmica do autor acerca da competição
empresarial na oferta do produto de proteção ao risco do não atendimento aos
cuidados à saúde, no Brasil, dos anos 90. Apresentada a tese, mostra-se, a
seguir, o tema.
22
A saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, não sendo,
apenas, a ausência de perturbações, doenças ou enfermidades.
Organização Mundial da Saúde
23
INTRODUÇÃO AO TEMA
“...nos anos 90, ficou claro que a tecnologia da informação alteraria de forma
impressionante a feição e a percepção da economia dos Estados Unidos.”
No campo das finanças, em sua roupagem atual, a atuação dos agentes faz
circular capitais ao redor do mundo. As fronteiras geográficas entre as nações
perdem sua finalidade de contenção e os recursos financeiros ancoram onde as
taxas de juros elevadas proporcionem maior rentabilidade. As organizações
financeiras também se transformaram, ganhando mobilidade e rapidez nas
decisões, apoiadas que estão pelas inovações das telecomunicações e da
informática. Adaptações cujos objetivos estão voltados para atender aos atuais
requisitos de presteza e agilidade no atendimento aos consumidores e na busca
da rentabilidade exigida pelos detentores do capital. Isto, num ambiente
operacional reestruturado pela concorrência mundial acirrada.
“De fato, pode-se dizer que os fluxos financeiros têm adquirido vida própria, cruzando
fronteiras em intensos movimentos especulativos de reiteradas idas e vindas diárias, com
total independência da base econômica real a que, até pouco, se supunham subordinada.
A crescente mobilidade e desmaterialização da moeda – hoje reduzida a pura informação
eletrônica transmitida de maneira instantânea e simultânea por rede de computadores,
através do espaço cibernético – faz com que as atividade dos mercados financeiros se
tenham transformado em paradigma da desterritorialização das atividades, características
do processo de globalização.” (grifo no original).
"Às vésperas do Plano Real, em junho de 1994, cinco bancos detinham 43,3% dos
depósitos totais do sistema bancário. Em junho de 1977, dominavam 67,3%, revelando
uma corrida dos depositantes para as maiores instituições financeiras. Na área de
crédito, a concentração foi mais suave, uma vez que cinco bancos dominavam, 54,8%
dessas operações, antes do Plano Real, cerca de quatro pontos percentuais menos do
que os 62,6%, em junho de 1977." (grifos no original).
1 Sobre o conceito, ver também, Chesnais, 1996; Hirst & Thompson, 1998; Tavares & Fiori, 1998.
27
“...de fato, desde de 1990 os recursos federais investidos em saúde têm tidos fortes
quedas, sem que Estados e Municípios aumentem seus recursos de forma compatível
com a queda verificada nos níveis centrais de Governo.”
2 Desestatização: Transferência para o setor privado de bens semi-públicos. Oferta sob o controle
de agências reguladoras. Ex: Educação, saúde, transportes etc.
3 O termo privatização, nesta tese, é definido como a transferência do Estado para iniciativa
privada de patrimônio produtor de bens de mercado. Ex: Siderurgia, aviação, petroquímica, etc.
28
4 Sobre o assunto cf. Belluzo & Almeida, 2002, Nogueira da Costa, 1999 e Cardim de Carvalho et
alli, 2000.
29
O tema será desenvolvido nesta tese a partir das metamorfoses gerais para as
particulares. As abrangentes mudanças ocorridas nos campos político, social e
econômico, por sua vez, repercutem nas transformações do setor terciário, do
ramo financeiro, do bancário, da área do seguros e da assistência à saúde,
localizada no espaço geográfica do Mundo e do Brasil, com recorte temporal nos
últimos 30 anos do século XX.
31
"WIND OF CHANGE"
I follow the Moskva
Down to Gorky Park
Listening to the wind of change
An August summer night
Soldiers passing by
Listening to the wind of change
The world is closing in, did you ever think
That we could be so close, like brothers?
The future's in the air
I feel it everywhere
Blowing with the wind of change
Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away in the wind of change
Walking down the street
Distant memories
Are buried in the past, forever
I follow the Moskva down to Gorky Park
Listening to the wind of change
Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow share their dreams
With you and me
Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away in the wind of change
The wind of change
Blows straight into the face of time
Like a stormwind that will ring the freedom bell
For peace of mind Let your balalaika sing
What my guitar wants to say
The Scorpions
Lyrics: Klaus Meine
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Neste conjunto de autores destaca-se, por exemplo, Karl Polanyi que num
contexto ampliado, reescreve a história sobre as origens da nossa época no
clássico "A Grande Transformação", cujo centro das atenções é a revolução
sócio-econômica provocada pela economia de mercado. Sem a intenção de
resenhar o livro de Polanyi, onde o foco temporal é o século XIX e o início do XX,
pode-se destacar seu enfoque analítico sobre a transformação, pela ótica da livre
iniciativa, do ser humano em mercadoria trabalho, da natureza em mercadoria
recursos naturais (especificamente para o autor: a terra) e o aparecimento da
mercadoria dinheiro, sem o qual, como intermediário das trocas, não seria
possível uma economia de mercado.
"O ponto crucial é o seguinte: trabalho, terra e dinheiro são elementos essenciais da
indústria. Eles também têm que ser organizados em mercados, e de fato, esses formam
uma parte absolutamente vital do sistema econômico."
"Today the world is in a period of punctuated equilibrium - which is being cause by the
simultaneous movements of five economics plates. In the end a new game with new rules
requiring new strategies will emerge. Some of today's players will adapt and learn how to
win in this new game. They will be those who understand the movement of the economic
tectonic plates." 5
5 Na edição brasileira do livro de Thurow (1996) da Editora Rocco, pg. 21, a tradução do texto
original citado é a seguinte: "Hoje o mundo está em um período de equilíbrio interrompido - o qual
está sendo causado pelos movimentos simultâneos de placas econômicas. Ao final um novo jogo,
com regras claras e exigindo novas estratégias, irá emergir. Alguns dos atuais participantes irão
adaptar-se e aprender como vencer nesse novo jogo. Serão aqueles que compreendem os
movimentos das placas tectônicas".
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O mundo, nas décadas finais do século XX, foi marcado por três grandes blocos
de transformações: políticas, sociais e econômicas.
Note-se que, a derrocada do sistema soviético, pondo fim à guerra fria, altera o
equilíbrio de forças vigentes no cenário político e libera o esforço diplomático
norte-americano – antes concentrado, também, na manutenção de uma barreira
de contenção da expansão das idéias soviéticas - para atuar na disseminação e
consolidação do pensamento neoliberal. O objetivo é assegurar aos Estados
Unidos, uma posição hegemônica na agenda política mundial.
“(...) o mundo, no inicio dos anos 90, assistiu uma reviravolta sem precedentes na
evolução de suas estruturas políticas, da qual a queda do muro de Berlim, a incorporação
da Alemanha Oriental pela Alemanha Ocidental, a dissolução da União Soviética e a
decomposição do bloco socialista foram os momentos culminantes”.
As estruturas políticas em revolução do início dos anos 90, são motivos de análise
do autor citado. O foco do questionamento é a dissolução do bloco de nações que
aderiram o regime político e econômico socialista, fato que redunda numa nova
ordem mundial.
As palavras dos três autores citados - Alosio Teixeira, José L. Fiori e Robert
Solomon - mostram o desvio do foco de atenção dos embates ideológicos entre a
economia de mercado e a economia planificada e as políticas socialistas versus
as capitalistas, para a nova formatação política do mundo.
A idéia do 'Welfare State' como um mito enfraquecido para cumprir seus objetivos
de inserção social, é difundida por Seldon (1996):
“The myth continues that, despite its weakness and failures, the welfare state is the only
way to rescue the poor from the consequences of their poverty”
O autor acredita, apesar dos percalços, no Estado do Bem Estar Social como o
caminho único de resgatar os desvalidos da situação em que se encontram.
6 Proteção social aqui entendida como as ações que permitam à coletividade acesso à
previdência, aos cuidados à saúde e à assistência social.
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"Hoje está sendo gestada uma nova revolução, mas não há muitos sinais de que
estejamos preparando as estruturas para suportar-lhe o impacto: trata-se da [pesquisa]
da vacina contra a Aids. Uma vez descoberta, e isto é apenas questão de tempo, uma
nova revolução de costumes aos estilo dos anos 60 deverá apresentar-se e, muito
provavelmente, logo após um período de "repressão dos desejos", advirá uma nova
época de "liberalização dos desejos reprimidos", acompanhada de um provável baby
boom e de uma nova onda de expansão no número de incidências de doenças
sexualmente transmissíveis e outras moléstias conexas, afetando com isto o orçamento
público." (Destaques no original).
"A 'cidadania global' não é mais apenas um léxico dos futurologistas. É tão real e
concreta quanto as alterações mensuráveis no PIB ou no fluxo de comércio".
40
"... are financial intermediaries that provider a number of key functions, such as risks
pooling of assets, transforming large denominations securities into amount convenient to
individual savers, and transforming illiquid assets into liquid liabilities. In the context of
financial services industry, though, these firms are identified with the names of the
products and services they provide."
Embora a tese esteja centrada nas mudanças ocorridas na década dos anos 90,
para um melhor entendimento do processo de mudança do setor financeiro, foi
prudente recorrer-se a uma breve retrospectiva dos acontecimentos dos anos 70.
Assim, desde as três últimas décadas do século XX até o presente, vem
ocorrendo uma revolução nas finanças internacionais. O fluxo financeiro –
girando, com o apoio da telemática, ao redor do globo às 24 horas do dia – torna-
se mais fluído, veloz e apátrida, buscando maximizar sua rentabilidade nos locais
onde as taxas de juros elevadas proporcionem retornos compatíveis com os
riscos assumidos.
“The structural changes that have occurred in national and international finance during the
past two decades can be seen as part of a complex process best described as the
globalization of finance and financial risk. The key elements of this ongoing transformation
have been; (1) an increase in the technical capabilities for engaging in precision finance,
that is, for unbundling, repackaging, pricing, and redistributing financial risks;(2) the
integration of national financial markets, investor bases, and borrowers into a global
financial markets place; (3) the blurring of distinctions between financial institutions and
the activities and markets they engage in; and (4) the emergence global bank and
international financial conglomerate, each providing a mix of financial products and
services in a broad range of markets and countries.”
7 Também obre o assunto, cf. Cardim de Carvalho et alli, 2000 e Nogueira da Costa, 1999.
44
“(...) esta nova situação vem criando enormes desafios para as autoridades do Banco
Centrais e demais responsáveis pela condução das políticas bancaria, monetária e
cambial.”
Para este autor, a competitividade, na briga de ‘todos contra todos’, tem como
estratégia principal dos agentes - os conglomerados da área financeira - uso de
instrumentos financeiros, permitindo-lhes a continuação na luta pelo mercado.
“A decisão de privatizar surge, assim, na maioria dos países, como resposta à existência
de um desajuste nas contas públicas. (...) a venda de ativos produtivos do Estado passou
a ser vista como forma de viabilizar uma melhora da situação das finanças públicas (...) à
medida que as operações das empresas [públicas] deixariam de ser responsabilidade do
Estado”.
47
"Os processos de privatização passaram então a fazer parte da agenda das chamadas
reformas "estruturais" dos principais países capitalistas. (...) onde os programas de
privatização passaram a refletir o renascimento das políticas ditas "liberais", promovendo
uma redefinição "modernizadora" da intervenção do Estado.” (aspas no original).
“Para um país como o Brasil, que experimentou uma das maiores inflações da história
mundial, foi inegavelmente um grande resultado ter conseguido, no espaço de apenas
quatro anos, passar de níveis hiperinflacionários para uma taxa de inflação em torno de
4% ao ano, (sic) bastante próxima da inflação dos países desenvolvidos”.
9 Nos meses anteriores a julho de 94, a taxa mensal de inflação atingiu níveis de 80% ao mês. Cf.
Belluzo & Gomes de Almeida, 2002.
10 Para maiores detalhes, consultar: Barros, L. C. M. (1992); Resende, André L. (1985).
53
"Com inflação, os bancos obtêm ganhos com a arbitragem do dinheiro e a agilidade que
possam ter na aplicação dos recursos. Sob alta inflação, a arbitragem pode corresponder
à própria taxa nominal de juros, uma fonte de lucros extraordinários se é ampla a base
sobre a qual se aplica o diferencial entre os juros cobrados nos empréstimos (ativos) e
aqueles pagos na captação de recursos do público (passivos)"..
"...a convivência entre duas moedas habilitava o acesso de todos os agentes ao lucro
inflacionário (e não apenas os bancos), que captavam ou 'compravam' na moeda velha,
em franca desvalorização (ou sob um critério que se aproxime dela), e emprestavam ou
'vendiam' na 'moeda indexada'. Essa foi a base de lucros extraordinários para muitas
empresas e bancos... (aspas no original).
A adaptação do setor bancário, sob a ótica do autor citado, para o período da pós-
estabilização monetária, foi através do incremento das operações de crédito.
Como será abordado oportunamente este ajuste inicial do setor bancário, perde
potência quando o setor público, ao necessitar de financiamento, eleva as taxas
de juros para captar recursos, propiciando maior rentabilidade para as instituições
financeiras nas operações com os títulos públicos e, ao mesmo tempo, como
conseqüência das altas taxas de juros, eleva o risco do crédito ao setor privado
(cf. Belluzzo & Gomes de Almeida, 2002).
54
"O aumento do crédito, sobretudo crédito pessoal dirigido ao financiamento dos bens
duráveis, foi produto também da mudança das estratégias bancárias. A perda da fonte de
lucro oriunda da gestão da moeda indexada - floating e arbitragem de taxas - levou os
bancos a apostarem no crédito como nova origem dos lucros.
Como se vê, afloram nos comentários dos autores citados a percepção das
mudanças e das adaptações do sistema financeiro às condições pós estabilização
da moeda, no cenário econômico brasileiro.
Num cenário econômico onde a indústria, sob o conceito tradicional, perde seu
papel de liderança no processo de desenvolvimento, o Estado, até então atuante
na produção de bens e serviços, cede espaço para a subida ao poder do setor
privado. As privatizações 13 e as desestatizações 14 foram os caminhos encontrados
pelo Estado para adaptar-se às exigências de um modelo econômico rotulado de
neoliberal.
13 Vide nota 3
14 Vide nota 2
15
Comentários no prefácio do livro "Desenvolvimento em Crise" de Ricardo Carneiro (2002). Vide bibliografia.
61
Assim, pode se afirmar que nas atividades primárias é alta a intensividade dos
recursos produtivos terra e trabalho (mão-de-obra). Os exemplos clássicos dos
resultados dessa atividade são os produtos oriundos da pecuária, da lavoura e da
extração vegeto-mineral. É possível correlacionar, com um viés positivo, o uso
desse dois fatores – terra e trabalho - e, consequentemente a produção
resultante, aos povos com menor grau de desenvolvimento e pouco acúmulo de
conhecimento. Era a atividade predominante nos primórdios da civilização. A
ordem econômica era caracterizada por um sistema de troca incipiente em
estruturas primitivas de mercado. Na atualidade, as atividades primárias de
produção ainda subsistem, embora modificadas e sem o mesmo vigor de outrora.
Dentre os ramos do terciário, a área das finanças emerge com força, ocupando
um lugar de destaque no cenário econômico. Cardim de Carvalho et alli (2000)
definem os sistemas financeiros como um
"... conjunto de mercados financeiros existentes numa dada economia, pelas instituições
financeiras participantes e suas inter-relações e pelas regras de participação e
intervenção do poder público nesta atividade."
De uma forma evidente, o Prof. Franklin Edwards diz que um ambiente de intensa
competitividade e uma degradação das regras de proteção do sistema financeiro,
em conjunto, resultaram num declínio significativo dos bancos tradicionais no
papel de intermediários financeiros, em favor dos instituições não bancárias.
Ainda sobre o mesmo tema, Edwards (1996) é taxativo ao afirmar:
"... a steady stream of technological advances and financial innovations gave business
borrowers greater direct access to capital markets so that they could bypass financial
intermediaries entirely."
"In the process, banks as whole appear to have increased the amount of risk they are
willing to bear so as to maintain both their market share and profitability."
18 Para detalhes sobre o assunto, veja Hull, John (1991). Introduction to Futures and Options
Markets. New York; Prentice Hall.
69
se os principais aspectos das mudanças (cf. Belluzzo & Gomes de Almeida, 2002;
Carneiro 2002; Cardim de Carvalho et alli, 2000; Nogueira da Costa, 1999).
Nos anos 80, em função da crise econômica, ocorreu um desajuste das empresas
em geral e das pertencentes ao ramo das finanças, em particular. (cf. Belluzzo &
Gomes de Almeida, 2002). Aconteceu um processo de desintermediação
financeira onde os agentes do mercado de crédito perdiam terreno - e clientes -
para os agentes do mercado de capitais. Com o advento do Plano Cruzado
(1986), os bancos são atingidos por uma perda de rentabilidade, motivada pelo
controle - ainda que momentâneo - do processo inflacionário. De pronto,
procuram se reajustar com medidas táticas, promovendo o fechamento de
agências, a demissão de pessoal e buscando o caminho da automação. Em 1987,
o Banco Mundial libera recursos para que o Governo brasileiro capitaneasse uma
outra reforma institucional no sistema financeiro. No ano de 1988 é dada a partida
para uma nova conformação do sistema e surgem, nos conglomerados
financeiros, os 'bancos múltiplos'. Sob a pressão do Banco Mundial, o Banco
Central do Brasil desregulamenta o setor bancário acabando, por exemplo, com a
exigência de 'compartimentalização', imposta pelas regras de 1964, e com as
'cartas-patentes'.
"Nosso objetivo para a reforma do setor financeiro no Brasil é a integração dos mercados
de crédito, de forma que as taxas de juros praticadas reflitam apenas o risco de mercado
percebido. Para alcançar este objetivo, será necessário desregulamentar o mercado de
crédito e reduzir o porte e o campo de atuação dos bancos oficiais." (grifos do original).
crédito. A intenção era reduzir o papel dos bancos estaduais e para isso, o setor
público recorreu, entre outros expedientes, à privatização.
"A maioria dos processos de compra de bancos nacionais por estrangeiros foi realizada
sob o controle do Banco Central, por medidas ad hoc à revelia do Congresso Nacional,
ao abrigo do artigo 52 das disposições transitórias da Constituição de 1988".
“...neste período a companhia seguradora passa a ser tratada antes de tudo como uma
investidora, pois produz grandes volumes de provisões que tendem a ser aplicados em
investimentos no mercado financeiro...”
Para entender com mais clareza esta ligação, narra-se a seguir o comportamento
do setor de saúde, com ênfase nas mudanças ocorridas no Brasil, em especial na
década dos 90.
73
"These are the four powerful winds blowing through global health care: new ideas and
different vision of health; more demanding and knowledgeable public; advances in
technology - in particular chip-based technology; and a desire for greater affordability and
value for money. These forces are bring about phenomenal and rapid change in health
care delivery as we know it. They offer the potential for great constructive change, as well
as certainty of significant disruption order
A primeira força de mutação apresentada pelo autor citado são as novas idéias,
as quais contemplam uma mudança de paradigma na política de saúde. Há uma
migração da política da provisão dos serviços individuais para a política de
gerência dos custos, com o objetivo de administrar o 'status' da saúde da
população. O foco das atenções mudou dos serviços de saúde para o estado da
saúde.
alocação dos recursos; e, iii) pela mensuração dos resultados e não mais pela
quantificação da provisão.
No início do século XX, nas décadas de 1930 e 1940, a assistência médica era
uma prática essencialmente urbana, de caráter privado e de cunho profissional
liberal. A assistência hospitalar concentrava-se nas 'Casas de Misericórdia',
vinculadas às instituições religiosas e filantrópicas (cf. Costa, 2000). O sistema
brasileiro privado de atenção à saúde, em sua forma corporativa, tem seu registro
de nascimento assentado no início da década dos 50, época que um hospital, no
Rio de Janeiro, passa a ofertar à população um 'plano' de atendimento médico-
hospitalar. Nas décadas de 60, 70 e 80 firma-se o 'complexo médico-empresarial'
com o aumento da oferta dos serviços por entidades privadas, com a ascensão
dos grupos médicos e com o enfraquecimento do caráter filantrópico das
organizações civis (cf. Cordeiro, 1984).
Nos anos 90, pode-se inferir que mudaram as características dos agentes
econômicos, componentes do ramo, e as condições da oferta dos serviços. Além
dos atores tradicionais da oferta - profissionais da saúde, hospitais, clínicas,
laboratórios, ambulatórios etc - e das empresas que, à guisa de complemento
salarial, dispunham de cuidados assistenciais à saúde para os seus
colaboradores e respectivos familiares (plano de autogestão ou administrados por
terceiros), estão presentes no ramo, as empresa de medicina de grupo, as
cooperativas médicas e as companhias seguradoras, ofertando não só os
cuidados médico-hospitalares em si, mas em paralelo, o produto seguro saúde.
Com a ação desses atores, a atenção à saúde torna-se um dos maiores e mais
complexo setores da economia na atualidade. A importância econômica da
78
produção dos serviços de cuidados à saúde, no Brasil, é destacada por Kornis &
Caetano (2001), ao dizerem que:
"É um setor produtivo responsável pela geração e circulação de valores tão expressivos
quanto limitadamente conhecidos"
“...é como se, tardiamente, a atenção à saúde vivesse sua Revolução Industrial; o
cuidado deixou de ser artesanal ou manufatureiro - prestado pelo médico isolado e por
serviços bastante simplificados - e passou a assumir características de grande indústria -
papel desempenhado pelo hospital moderno. Da mesma forma, o capital - enquanto valor
que se reproduz - instalou-se na atenção médica, que passou a produzir mercadorias no
sentido mais estrito da palavra.
"A contínua contenção de gastos públicos com saúde tem criado incentivos para que
hospitais filantrópicos busquem no mercado recursos que possam fazer face aos
minguados repasses públicos. Os mecanismos utilizados tem sido a venda parcial de
leitos aos seguros e terceirização de serviços de alta tecnologia (Cotta et alli, 1998) e a
organização de planos próprios de pré-pagamento (Confederação das Misericórdias do
Brasil, 1992)"
20 Cabe lembrar que numa classificação abrangente, ao Governo está vinculado o papel de
produtor de bens e serviços públicos que são fornecidos, sem ônus, à população. Reduziu-se o
escopo da classificação para direcionar a Tese ao setor privado.
81
PARTE II - SEGUROS
21
Gitman, Lawrence. (2001).Princípios de Administração Financeira: Essencial. Porto Alegre: Bookman.
22
Bodie, Z. & Merton, Robert.(1999). Finanças. Porto alegre: Bookman.
84
O risco, em suas mais variadas formas, está presente na rotina dos agentes
econômicos, ou seja, as famílias, as empresas e o Governo. As famílias
defrontam-se com a ocorrência de doenças, com a invalidez, com a morte, com a
perda do emprego, portanto da renda, e do patrimônio; as empresas podem
enfrentar, por exemplo, interrupções na produção e volatilidade dos preços dos
produtos e dos insumos; ao Governo cabe o papel de prevenção e redistribuição
do risco de ocorrência desses eventos.
Do ponto de vista legal, o seguro estabelece uma relação contratual na qual uma
parte (seguradora) concorda em compensar a outra (segurados) por perdas
específicas quando da ocorrência de infortúnio.
ANOS NÚMERO
1970 157
1972 144
1974 100
1976 95
1978 94
1980 93
4 - SEGURO SAÚDE
23
definição constante na Medida Provisória N o 1976-30, de 28 de agosto de 2000.
91
Pode-se ainda afirmar que, o produto seguro saúde possui um mercado com
problemas de assimetria de informação, de regulações contratuais, do fator moral,
da seleção adversa e dos demais, inerentes às chamadas 'falhas do mercado',
Essas distorções requerem correção através de um sistema de regulação.
brasileiro de assistência à saúde, a partir dos anos 80, o setor privado vem
ocupando cada vez mais espaço. Nos dizeres de Badia (1997):
24 Fonte: Operadoras (Jornal Medicina no 115 do Conselho Federal de Medicina em Mar/ 2000)
96
26 Para Cerqueira Lima (1998), "...não há evidências conclusivas de redução de custos com a
conglomeração financeira a partir de estudos realizados em diferentes países."
98
As empresas ofertantes de seguro saúde trabalham com o risco e têm como limite
a capacidade da oferta e da demanda, ou seja, a dimensão do mercado. Isto não
lhe permite a universalidade (inclusão irrestrita de toda a população) nem a
integralidade das ações da atenção à saúde. É de interesse da oferta privada que
o Estado cubra aquilo que não seleciona adversamente para atender, procurando
reduzir os conflitos com seus consumidores.
1 - As Companhias de Seguros
3 - As Cooperativas Médicas
Por esta razão, algumas Unidades Regionais impõe aos seus cooperados e
pretendentes, atendimento exclusivo em suas cooperativas, vedando-lhes a
prestação dos seus serviços aos concorrentes. Esta postura é objeto de
reclamação, tanto por parte da concorrência quanto de uma parcela dos
cooperados que não concordam com a deliberação.
iii) Contrato coletivo por adesão - Oferta válida para pessoas jurídicas visando a
cobertura de pessoas a elas vinculadas. A adesão é livre e espontânea. Pode
incluir grupo familiar. Recebe tratamento diferenciado com base no número de
adeptos, igual às disposições do contrato institucional.
Nos anos recentes (em torno da década dos 80), a tendência à concentração,
seguindo a moda européia, tornou-se mais intensa, sobretudo no ramo do
seguros das pessoas. Magalhães (1997), para ratificar a situação, mostra a
classificação das empresas seguradoras sediadas na Espanha, afirmando:
29 Para o caso brasileiro, cf. Cerqueira Lima, 1998; Nogueira da Costa, 1999.
107
Vale lembrar que o mercado segurador está eivado de 'falhas' quando analisado à
luz da teoria econômica clássica, portanto, é área fecunda para atuação do
Estado, nas suas funções alocativa e distributiva via regulação.
30 Para detalhes, cf. Anuatti Neto. (1998). Regulamentação dos Mercados . In Manual de Economia. Equipe
dos Professores da USP. São Paulo: Atlas.
110
Ocké Reis, Bahia & Barbosa (1997), debatendo sobre o assunto dizem que:
".... a regulação não é aceita na prática por todo mercado - pois ela afeta
desigualmente a rentabilidade e o padrão de competição dos planos em um contexto
de acelerada “fusão de carteiras”. (grifos nossos).
Por isso, os autores defendem a ampliação das ações públicas na área da saúde,
de modo que contribuam para haja qualidade na prestação dos serviços, dizendo
serem estes importantes para a população. A intenção demonstrada é a da
equidade nas relações.
31 Inclui-se nesta categoria todas as instituições cujo objetivo é a oferta de proteção cont r a o risco
de não atendimento médico. A classificação da oferta está descrita na seção 4.2 do capítulo.
32 As companhias seguradoras são investidores institucionais.
113
Portanto, todas as pessoas jurídicas de direito privado que ofertam seguro saúde
submetem-se ao Conselho de Saúde Suplementar - CONSU, órgão colegiado,
integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde - MS 33, cuja
competência abrange: a) estabelecer e supervisionar a execução de políticas
gerais do setor de saúde suplementar; b) aprovar o contrato de gestão,
supervisionar as ações e o funcionamento da ANS; c) fixar as normas para
constituição, organização, funcionamento e fiscalização das empresas ofertantes
de seguro saúde no que tange: ao: conteúdo do modelo de assistência;
adequação e utilização de tecnologias em saúde; aspectos econômico-
financeiros; normas contábeis, atuariais e estatísticas; parametrização do capital e
do patrimônio líquido mínimo, sua forma de subscrição e integralização quando se
tratar de sociedades anônimas; critérios de constituição de garantias para
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro; direção fiscal ou técnica;
liquidação extrajudicial; procedimentos para recuperação financeira das
operadoras; e normas de aplicação de punições.
4.4.1 – Antecedentes
Toda atividade securitária no Brasil, nos últimos 60 anos, foi fortemente conduzida
pela 'mão visível' do Estado. Não havia competição entre as seguradoras e
nenhuma ação era tomada sem a presença de um órgão estatal regulador. O
mercado (se a denominação é adequada sob o ponto de vista político-econômico
conservador-liberal) era composto, no final dos anos 50, por três grandes
companhias nacionais de seguros 34, algumas de porte médio e muitas empresas
pequenas. As empresas estrangeiras eram poucas e se restringiam à oferta de
seguros aos grupos industriais multinacionais. O seguro saúde ainda não
constava no 'mix' dos produtos ofertados.
A partir de 1966 uma ampla reforma atinge o segmento. Neste ano foi criado o
sistema nacional de seguros privados. Sistema abrangente englobando o
consumidor (demanda), a empresa seguradora (oferta), o corretor de seguros
(intermediário) e o Governo (regulador), através do Conselho Nacional de
Seguros Privados – CNSP (agência normativa) e da Superintendência de Seguros
Privados – SUSEP (fiscalização).
Outra vaga reformista ocorre a partir dos anos 80, quando as atividades
financeiras se concentram em conglomerados e se constata o estertor das
seguradoras tradicionais e dos bancos comerciais. Agora, por estar operando em
larga escala e, talvez, obtendo redução de custos das operações, essas mega-
empresas de prestação de serviços diversificam seus portfólio de produtos,
ofertando, além dos serviços bancários tradicionais, outros como: cartão de
crédito, títulos de capitalização, créditos imobiliários e seguros, entre os quais o
116
4.4.2 - Atualidade
A ação desregulatória do setor tem início (em 1985) num ambiente econômico
conturbado pela inflação e pela crise da dívida pública. O Governo, através da
SUSEP, tomou algumas medidas liberatórias flexibilizando as operações e
empurrando as reformas na direção do mercado. Por exemplo: i) autorizou a
formação de novas empresas de seguros; ii) permitiu o ingresso de capital
estrangeiro no controle acionário das empresas de seguros; iii) estimulou a
formação de empresas regionais especializadas em determinados segmentos; e
iv) liberou as tarifas de alguns grupos de riscos.
36 Re-regulação é a criação de novas normas para setores que já atuavam dentro de controle
governamental e para os setores ainda não regulados, como é o caso das denominadas operadoras
de `planos de saúde'.
117
A corrida das empresas estrangeiras para o mercado brasileiro, pode ter como
explicação parcial a adoção pela agência reguladora de algumas praticas
normativas em vigor no exterior, por isso, já de conhecimento das empresas.
Quando analisa, especificamente, a questão da regulamentação do seguro saúde,
Ocké Reis (2001) afirma:
"A regulamentação, tal como vem sendo conduzida, a partir das propostas do managed
care, acabaria assim criando, paradoxalmente, bases institucionais que favorecem uma
crescente internacionalização e oligopolização do mercado de planos de saúde" (grifos
nossos)
Assim, o seguro saúde está regulamentado pela lei 9656, promulgada em junho
de 1998 e medidas provisórias posteriores. A partir da promulgação da lei, todos
os ofertantes de seguro saúde estão subordinados à Agência Nacional de Saúde
Suplementar - ANS, quanto à autorização para funcionamento, quanto ao tipo de
produto ofertado e quanto a forma das operações.
38 Foram criadas a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS e a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária - ANVS.
120
4.4.3 - Conclusão
39 A lei 9656/98 sofreu diversas alterações desde a data em que entrou em vigor. Para maiores detalhes, cf.
Mesquita, 2002. Op. cit.
Faz-se mister, ainda, lembrar que o seguro saúde, embora venha sendo ofertado
como um produto financeiro, está vinculado, no seu íntimo, a algo cujo preço é
inexistente, mas o valor é inestimável: a vida humana. Por essa razão, além dos
aspectos econômicos e operacionais, a regulação do setor deve levar em
consideração o equilíbrio das relações entre os produtores e os consumidores. Há
de se estabelecer, através de organismos estatais, instrumentos jurídicos que
44 No Brasil, as Autoridade Monetárias são Conselho Monetário Nacional - CMN, o Banco Central do Brasil -
Bacen, e o Conselho de Política Monetária - Copom. Vale lembrar o papel da Comissão de Valores
Mobiliários - CVM, integrante do sub-sistema normativo do Sistema Financeiro, regulando e fiscalizando o
mercado de capitais.
124
dêem amparo aos usuários. Este fundamental aspecto deve ser observado pelas
autoridades reguladoras do setor. Portanto a sugestão apresentada, da
remodelação da regulação, não excluí, de forma alguma, o amparo aos usuários.
Entende-se que o acesso aos cuidados à saúde é um direito inalienável dos
cidadãos, de acordo com os preceitos constitucionais e com a ideologia do autor
da tese.
5 - A COMPETIÇÃO NO BRASIL
“...é, pois, um grupo de compradores e vendedores que, por meio de suas reais ou
potenciais interações, determina o preço de um produto ou de um conjunto de produtos”.
“Os mercados são convenções sociais regidas por leis gerais, basicamente aquelas que
estabelecem os direitos de propriedade e troca entre os indivíduos, e também por
estatutos específicos instituídos com o objetivo de restringir ou ampliar o conjunto de
transações possíveis para determinados bens ou serviços”
“The notion of market structure implies a clear conception of what it is whose structure is
being assessed. In practice, for example in implementing the measurements required to
enforce competition policy rules, substantial difficulties intrude. The lay person recognizes
a market as the locus where buyers and sellers interact to exchange goods and services.
The practical question of modern market delineation focus on two dimensions: how broad
the market’s geographic bounds should be, and what range of products should be
encompassed. “
"...competition is a rivalry between individual (or groups or nations), and its arises
whenever two or more parties strive for something that all cannot obtain.(...) competitions
therefore at least as old as man's history, and Darwin (who borrowed the concept from
economist Malthus) applied it to species as economists had applied it to human
behaviour."
"(...) after World War II has this market form become important in economic reality, as a
result of two processes of economic change: the process of concentration and the
process of differentiation. (...)"
"Mixed oligopoly (concentration cum differentiation) (...) can be found in several important
service sectors such as banking and insurance. (...) a large number of non-durables
consumers' goods and service - including commercial services - constitute the area where
differentiated oligopoly prevails." (grifos nossos)
O autor afirma que após a segunda guerra mundial (maio de 1945) a estrutura de
mercado não competitiva torna-se uma realidade relevante na economia mundial.
Surge como fator resultante de dois processos econômicos de mudanças
ocorridas: O processo de concentração e o processo de diferenciação.
Corroborando a idéia central da tese, Labini diz que o oligopólio com
concentração e diferenciação do produto pode ser encontrado em setores como o
bancário e o securitário.
“In an imperfectly competitive market the consumer [normally] loses much of this
sovereignty. Firms have strategies, including the strategy of influencing the consumer
demand: the advertising firm tries to get the consumer to dance to its jingle. Goods are not
sold as cheaply as possible, but with a 'monopolistic' profit..."
"(...) um mercado dominado por um pequeno número de vendedores. Cada firma tem
influência considerável no preço de mercado, devendo-se levar em conta a reação de
outras firmas do mercado".
"O oligopólio é uma estrutura de mercado que, hoje, prevalece no mundo ocidental
(inclusive no Brasil), como, por exemplo, na indústria de transporte aéreo, rodoviário,
química, siderurgia, de certos tipo de serviços etc..." (destaques nossos).
convergir para ele, e mais, que elas, de forma aleatória, encontrem este equilíbrio
dentre as inúmeras alternativas de decisões possíveis.
“...a demanda por atenção à saúde ocorre em uma circunstância anormal, a doença, o
que pode comprometer a racionalidade da decisão do consumidor"
Portanto, existe aleatoriedade na demanda por seguro saúde pois, como já dito, é
uma demanda derivada. O autor ressalta também impossibilidade da decisão
(escolha) do consumidor, anulando uma das prerrogativas influentes na demanda.
Na teoria econômica neoclássica, a racionalidade na escolha do bem ou do
serviço é regra primordial do comportamento do consumidor. No caso específico
do produto seguro saúde, onde a regra descrita encontra-se violada, além das
variáveis: i) incerteza na quantidade demandada do uso de atenção médica e, em
134
"As individuals, we cannot predict which health services we will need or what they will
cost. Some of us need a treatment that exceeds our annual earnings, or even our lifetime
earnings. This is why most systems have element of sharing risk, either socializing costs
through the state or pooling the risk through private insurance."
Rice, McCall & Boismier (1991), citados em Andreazzi (2002), quando analisaram
os fatores condicionantes da demanda por seguro saúde, identificaram que certas
características das pessoas estavam correlacionadas positivamente com a busca
por cobertura. Assim, i) os consumidores inseridos nos extratos sócio-econômicos
mais elevados da população, através da escolaridade e da renda; ii) as pessoas
com idade mais baixa e estado conjugal estável; e, iii) os indivíduos com melhores
135
80 000 000
60 000 000
50 000 000
40 000 000
Rural
30 000 000
20 000 000
10 000 000
Número de Segurados
Milhões
6
5
4
3
2
1
0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Fonte: FENASEG
"... tão ou mais importante do que nos anos 90, foi o crescimento desta alternativa
privada de financiamento de saúde nos anos 70 e 80.
45.000.000
40.000.000
35.000.000
30.000.000
25.000.000
20.000.000
15.000.000
10.000.000
5.000.000
0
1970197219741976 19781980 1982198419861988 19901992199419961998
Até 1 389 1
1e2 1.204 3
2e3 1.910 5
3e5 5.596 14
5 e 10 10.935 28
10 e 20 9.142 24
20 e mais 7.724 20
Sem rendimento 279 1
Não declarado 1.410 4
TOTAL 38.589 100
Fonte: PNAD/Saúde 1998, IBGE. Elaboração própria.
RISCOS
1.103.682 1.173.801 1.067.727 1.134.376 471.792 373.814 353.823 399.742
DIVERSOS
AC. PESSOAIS 310.766 449.214 459.926 512.276 554.340 611.500 694.604 811.548
DEMAIS
870.078 793.755 750.685 868.660 868.624 1.043.897 1.273.004 2.209.629
RAMOS
Fonte: SUSEP
141
"com o aumento dos custos de atenção médica, parte deste mercado já existente
substitui seus gastos diretos [com saúde] por gastos com seguro saúde".
A autora explica a demanda do seguro saúde sob a ótica dos gastos em saúde e
apoia-se, além das pesquisas efetuadas, na teoria econômica neoclássica,
citando Feldstein (1988):
Na prática, a constatação, tanto por parte das pesquisas oficiais tanto quanto por
parte dos executivos do mercado segurador, de uma desaceleração do
crescimento da demanda por seguros privados nos anos 90, não significa que os
vetores responsáveis pelo crescimento em décadas anteriores tenham
desaparecido. A limitação e a provisão dos serviços públicos e o aumento dos
custos de prestação dos serviços de assistência médica, dentre outros fatores,
continuam existindo. Outros fatores, devem ter contribuído, de maneira mais
significativa, para conformar o comportamento dos cidadão e das empresas,
como por exemplo, a dinâmica do emprego nos anos 90, onde imperou a
precariedade, portanto sem benefícios associados à cobertura de seguros
privados de saúde. Este tema, que não é escopo da tese, fica como sugestão
para outros estudos.
Sinistralidade %
Fonte: SUSEP
145
DESPESAS
2.593.870 2.700.193 3.010.041 3.138.495 3.164.433 3.241.867 3.458.048
COMERCIAS
DESPESAS.
2.310.321 2.427.079 2.804.259 3.038.183 3.746.224 3.414.158 3.706.222
ADMINISTRATIVAS
RESULTADO
2.116.007 1.537.195 1.587.116 2.281.672 3.179.781 2.701.543 2.702.047
FINANCEIRO
Fonte: SUSEP
45
Embora constem do quadro os “planos administrados” e de “autogestão” eles não foram incluídos na
classificação de ofertantes apresentada no presente trabalho, pois entende-se que as empresas
patrocinadoras (do benefício) não estão ofertando o produto de proteção ao não atendimento médico-
hospitalar para o mercado, mas, apenas ao seus colaboradores. Portanto, não estão competindo por uma
fatia do mercado, ao contrário, estão selecionando os consumidores via vínculo empregatício e contratando
serviços do mercado. Em última instância, o risco é da patrocinadora, que, como alternativa, pode repassar
este risco a uma empresa especializada, ou seja, uma companhia seguradora, uma cooperativa médica ou
148
"Dos 80 para os 90, verifica-se, ainda, uma dinâmica distinta de crescimento entre as
modalidades que compõem a oferta de planos e seguros privados de saúde. Na primeira
metade da década de 90, relativamente ao final dos 80, há um aumento da participação
das seguradoras no mercado e redução da medicina de grupo. A autogestão e
cooperativas, a despeito da redução apresentada em alguns anos da série, se
apresentam mais estabilizadas quanto ao market-share do que a medicina de grupo, que
vê cair, progressivamente, a sua participação relativa no mercado. O crescimento das
seguradoras não parece ter se dado por redução de preços, já que seu faturamento por
usuário revelou-se, em geral, mais elevado do que as demais modalidades.
A revista Agora SP, citada por Andreazzi (2002), relata sobre o assunto:
"...Análise realizada em 2000 pela Agência Nacional de Saúde Suplementar mostrou que
78 das 112 operadoras de planos de saúde pesquisadas apresentam problemas
econômicos(...). Estas empresas(...) correspondem a 34% do total de conveniados de
planos de saúde...As empresas, principalmente as de pequeno porte, estão com
dificuldades de adaptação às novas regras, afirma o presidente da Associação
Brasileira de Medicina de Gupo/ABRAMGE, Arlindo de Almeida... A crise que atinge as
operadoras de planos de saúde não afeta com a mesma intensidade as
seguradoras, de acordo com o Diretor da área de saúde da Federação Nacional das
Seguradoras... Segundo ele, isso acontece porque as seguradoras já estavam sob a
regulamentação da SUSEP..." 46 (grifos nossos).
uma empresa de medicina de grupo. Portanto, esta modalidade de operação, nesta Tese, é considerada
como consumidora.
46
Citação de Andreazzi (2002), extraída de Agora, SP de 10/01/2001, pg. H6
149
Dentre as razões relatadas por Moura Viana, pode-se destacar: i) a redução dos
índices de inflação, que afetou, negativamente, as receitas financeiras das
empresa; ii) o baixo nível de crescimento da economia e o aumento do
desemprego, acarretando numa redução dos produtos adquiridos através de
contatos coletivos e aumento da utilização dos serviços médico-hospitalares pelos
segurados; iii) a política cambial adotada pelas Autoridades Monetárias
brasileiras, em função da importação de equipamentos; iv) a ampliação das
coberturas, em função da intensificação da concorrência, o que provoca a
elevação dos custos de atenção à saúde; v) o controle de preços pela ANS; vi) a
elevação dos custos administrativos e tributários, decorrentes do processo de
regulamentação.
47
Vide nota 16
151
do produto seguro saúde privado, pois acredita estar coberta pelos serviços
estatais. Está situação, teoricamente, não permite ao produtor privado estabelecer
a escala ideal da oferta dos serviços de atenção à saúde o que condiciona a
atuação do ofertante do seguro saúde. Assim, a premissa básica da teoria da
oferta, na qual o produtor maximiza seus lucros quando atinge o nível de
produção onde o preço é igual ao custo marginal unitário, fica prejudicada para
este segmento da economia, quando analisado à luz da teoria dos mercados em
competição sem restrições. Como existe, por exemplo, assimetria nas
informações desse mercado fica difícil, para o produtor, encontrar o equilíbrio em
termos de quantidade e preço. Esta dificuldade leva o produtor a adotar uma
estratégia de diferenciação do produto, como mostrar-se-á mais adiante.
"If the agents are asymmetrically informed, (...), there will be several fundamental changes
in the appropriate economic analysis. (...) in world in which agents have different
information about the economic environment, agents behavior may (...) be reflected in
market variables such as prices (...)"
"The recognition that economic variables may serve an informational role (in addition to
whatever allocative function they may have) has allowed economists to analyze and to
understand better a broad set of phenomena that previously had been difficult to reconcile
with neoclassical economic models.
"Por que as pessoas com mais de 65 anos têm dificuldades para adquirir seguro saúde,
seja a preços altos ou baixos? Os indivíduos mais velhos apresentam riscos muito mais
elevados de vir a ter doenças sérias, mas por que o preço do seguro saúde não poderia
ser majorado de modo que refletisse tais riscos mais altos? (...) a razão são as
informações assimétricas."
O fator moral (moral harzard) é a ocorrência relacionada as atitudes por parte dos
segurados que não podem ser observadas (monitoradas) pela seguradora e
redundam na elevação do risco, afetando a probabilidade do pagamento de
indenizações em função do sinistro. Os adquirentes de seguro saúde, por estarem
cobertos contra o risco da não acessibilidade ao atendimento médico, utilizam os
serviços de atenção a saúde com maior freqüência, o que não fariam se não
houvesse cobertura ou se esta fosse limitada.
49 Oligopolista em função da concentração. Declaração dos especialistas e os números mostram que cinco
empresas dominam o mercado. Vale lembrar que existe um grupo minúsculo de pequenas empresas que
ofertam o serviço mas a participação no mercado é irrelevante.
155
50
O economista João Fernando Moura Viana é um dos mais destacados profissionais do setor de seguros.
Especialista na área de seguros saúde. Tem amplo reconhecimento de seu trabalho pela sua atuação na
recuperação da estrutura econômico-financeira de várias empresas do segmento.
156
Henrique Berardinelli 51, diretor da área de saúde da Sul América nos últimos 18
anos, em entrevista concedida ao autor da tese, declarou:
"As seguradoras que operam com [seguro] saúde estão desistindo do negócio com
pessoas físicas e focando cada vez mais clientes corporativos...A Porto Seguro parou de
operar planos [apólices] individuais"
51
Henrique Berardinelli, diretor da área de saúde da Sul América durante 18 anos, também entrevistado pelo
autor da Tese, em outubro de 2002.
52
Calmon, Cristina (2001). Seguradoras desistem de pessoa física. Jornal Valor Econômico de 15 de
Outubro.
159
53
Conforme RDC N o 27, de 26 de Junho de 2000 - Agência Nacional de Saúde Suplementar.
160
Marcio Coriolano 55, diretor da seguradora Bradesco Saúde, fazendo coro aos seus
colegas de profissão, ressalta que há uma disputa acirrada das empresas
ofertantes do seguro saúde pelo mercado de 'apólices coletivas' e entende que
neste segmento a 'customização' do produto prevalece. Vale dizer, o produto,
obedecendo à espinha dorsal estabelecida pela ANS, é desenhado de acordo
com as necessidades da empresa estipulante da apólice. Nas 'apólices
empresariais', as seguradoras negociam o preço em função do formato do
produto pretendido pelo cliente. Para a formatação do produto são levados em
conta, por exemplo, a rede de atendimento, a co-participação dos segurados, a
inclusão ou exclusão de um determinado tipo de atendimento médico, programas
de prevenção de doenças e de promoção da saúde etc. Também há um
gerenciamento contínuo, por parte da seguradora, para informar à empresa
contratante do seguro quais as ocorrências com a sua apólice. Ou seja, informar o
que ela está pagando. No ponto de vista de M. Coriolano, este diferencial é muito
valorizado pelas empresas clientes. O Bradesco Saúde, por exemplo, tem um
sistema de informações eficaz que, ao final de um determinado período, relata
para o cliente o tipo e a freqüência de utilização dos serviços com um grau de
detalhamento avançado.
54
Cabe destacar que o produto seguro saúde, devido a sua essencialidade, é inelástico em relação à renda e
ao preço.
161
55
Marcio Coriolano, diretor da Bradesco Saúde S.A . foi entrevistado pelo autor da Tese em outubro de 2002.
56
Mais uma oportunidade para reafirmar o atributo do seguro saúde como produto financeiro.
57
João Fernando Viana diz que estes serviços são cobrados a parte e insiste que a fuga dos planos
individuais é a principal ação das empresas quando buscam equilíbrio econômico-financeiro.
58
Feldstein (1988), citado em tradução livre de Andreazzi (2002).
162
Tem-se notado, nos últimos anos, uma tendência do setor em valorizar a imagem
da empresa, principalmente, aquelas vinculadas ao ramo financeiro. Explica-se:
por se tratar de prestação de serviços, a execução só ocorre após a aquisição do
produto, ou seja, quando da aceitação da apólice (pela seguradora) e a assinatura
do contrato (pelo segurado). Assim, estes ofertantes buscam diferenciação não só
do produto, mas da própria instituição, exaltando e divulgando, por exemplo, a
aparência física das suas instalações, sinalizando para os consumidores ordem,
segurança e credibilidade. Esses atributos podem influir, de maneira relevante, na
decisão de escolha do comprador e, no atual contexto, são os fatores decisivos
na diferenciação do produto.
59
Moura Viana, Henrique Berardinelli, Horacio Cata Preta e Marcio Coriolano.
163
regulado sob a égide de uma entidade (ANS) criada com a específica finalidade
da regulamentação.
"...a transição de um modelo Informal, baseado nas regras gerais das relações
comerciais, para outro, marcado pela forte presença de um órgão regulador, (...), está se
dando com forte reestruturação setorial."
Horácio Cata Preta,60 diretor da Fenaseg, quando indagado sobre como analisava
a questão da concorrência entre as seguradoras, respondeu que na prática a
legislação 'engessou' o mercado, pois não permite a existência de outros produtos
além dos estipulados. Sugere um período de transição/adaptação61 (de
aproximadamente 10 anos), do sistema privado às exigências da agência
reguladora e durante o qual fosse permitido às seguradoras oferecerem produtos
com menor amplitude de cobertura. A oferta deste tipo de produto possibilitaria o
acesso ao seguro saúde de pessoas com menor poder aquisitivo e desoneraria o
SUS de muitos atendimentos. Cata Preta, diz que:
"a idéia de um produto de “referência” é boa, porém, sua aplicação é complicada e cara
para o consumidor (...) e se compararmos com o Sistema Oficial (SUS) é altamente
discriminatório, pois cada Prefeitura ou Estado oferece um tipo de serviço, de acordo com
as suas disponibilidades orçamentárias."
60
As citações foram extraídas da entrevista com Horácio Cata Preta em outubro de 2002.
61
Nas palavras de Moura Viana é a transição de um modelo Informal, baseado nas regras gerais das
relações comerciais, para outro, marcado pela forte presença de um órgão regulador.
164
mercado, das quais duas com mais da metade do 'número de vidas seguradas'. 62
Nominalmente, foram citadas como as maiores empresas do ramo: Bradesco
Seguros, Sul América, Porto Seguro, Itáu, Unibanco-AIG, sendo que, Sul América
e Bradesco lideram o 'ranking' do segmento seguro saúde. Berardinelli, é mais
incisivo, dizendo: "A Sul América é a maior seguradora de saúde, carteira que
representa, aproximadamente, 50% de sua receita".
62
A expressão é um jargão do ramo. No seguro de pessoas, os beneficiários do seguro saúde são assim
mensurados.
63
A fonte dos dados descritos, citada pela autora é o jornal Gazeta Mercantil em suas edições de 6 de maio
de 1997 e 14 de abril de 1998.
165
"...Os anos de 1996 e 1997 foram marcados por grande movimentação no mercado
segurador... grandes fusões de seguradoras estrangeiras com brasileiras, como a Aetna
com a Sul América (US$ 425 milhões), a da AIG com a Unibanco Seguros (US$ 550
milhões)... a da Allianz com a Bradesco (US$ 21 milhões) ...e a Cigna com o Banco Excel
(US$ 70 milhões), entre outras..."
"O processo está paralisado pois o mercado não está favorável a novos investimentos.
Além disso os estrangeiros estão temerosos com as regulamentações efetuadas pela
ANS e as condições impostas pela Lei nº 9656/98 e alterações através de Medidas
Provisórias (foram aproximadamente 40 editadas)".
"...no caso do Brasil, porque tinha um setor estatal muito grande, a população em geral
não tinha confiança nos seguros, por causa da relação com a inflação: o seguro nada
mais é do que um contrato de um pagamento eventual futuro, portanto extremamente
sensível à inflação."
"...o que eu vejo é que as grandes seguradoras internacionais...as americanas que têm
grande interesse no Brasil, não têm interesse na carteira de seguro saúde...é um produto
de seguradoras brasileiras"
"A regulamentação do seguro saúde que ele [Ex-ministro da saúde José Serra] fez é
péssima, por diversas razões e a principal é a seguinte: ele 'engessou' todos os tipos de
'planos'. A questão de tornar os produtos pouco flexíveis é uma algo irrealista".
"...não é possível exigir de uma Santa Casa, localizada no interior do País, um produto
homogeneizado... é preferível que ela forneça o que é possível a um preço acessível do
que o produto regulamentado a um preço elevado e...que a entidade não vai cumprir o
contrato de assistência".
64
Helio Portocarrero é presidente da SUSEP. Foi entrevistado em outubro de 2002.
168
oferecidas pela ANS. Segundo ele, antes da Lei 9656/98, qualquer movimento
para a transferência da carteira de segurados de uma seguradora para outra
havia um leilão com muitos participantes interessados. Hoje, a ANS transfere
quase de forma obrigatória as carteiras das entidades que estão sem equilíbrio
financeiro, para as seguradoras lideres do mercado. Marcio Coriolano, credita ao
modelo de regulação atualmente em vigor o 'engessamento' do mercado,
redundando numa estagnação do mesmo.
"No tocante à competição entre as seguradoras, penso que hoje, com as atuais regras,
não há muito por que competir. Senão vejamos: a) as operadoras de planos e seguros de
saúde não podem recusar clientes, inclusive os portadores de doenças preexistentes; b)
não há qualquer tipo de limitação para os atendimentos; c) não é possível reajustar as
mensalidades dos contratos individuais sem autorização da ANS, mesmo que a carteira
esteja apresentando déficit econômico/financeiro; d) a Justiça tem concedido atendimento
de novas coberturas (existentes a partir de janeiro/1999) para os contratos anteriores
àquela data, gerando aumento significativo da sinistralidade. Considerando esse cenário,
competição é o que não haverá, no máximo sobrevivência."
Conclui sua análise profetizando um desastre: "Em breve a ANS será a liquidante
de uma grande massa falida".
"As empresas de medicina de grupo conseguem fazer um 'mix' interessante, quer dizer,
ao mesmo tempo que aquele hospital [provedor dos serviços] vende serviços para outros
por um preço mais alto, ele presta serviços para a própria empresa a custo mais baixo,
equilibrando-se financeiramente. Isto permite a entrada das medicinas de grupo no setor
de 'planos coletivos'.
"O produto não tem um posição boa nas carteiras das seguradoras, não em termos de
quantidade, nesses termos é muito importante, mas em termos de resultados, porque a
rentabilidade do seguro saúde é complicada. A taxa de sinistralidade é alta...e não é só
no Brasil".
Além da taxa de sinistralidade, que precisa ser administrada pelo gestores das
seguradoras, outros fatores estão influenciando na rentabilidade do produto
seguro saúde. Para Portocarrero, nos anos anteriores a 1994, quando não havia
estabilidade monetária no Brasil, a carteira de seguro saúde, ainda principiante,
171
"...é bom que existam as reservas?...sim é claro que as companhias devem ter
reservas...mas a existência de reservas implica em elevação dos custos... então não é
possível controlar todos os preços e fazer uma lei com ampliação das coberturas e exija a
formação de reservas...porque são coisas contraditórias...ou se controla o preço...ou se
flexibiliza as reservas..."
"..a lei é impeditiva de uma expansão maior do setor ... é prejudicial à população,
irrealista em relação as instituições existentes no Brasil..."
A opinião dos autores coaduna-se com uma parte dos profissionais entrevistados
e diverge da outra. Assim, os diretores das companhias seguradoras
entrevistados, declaram-se cautelosos quanto a continuação das firmas no
segmento seguro saúde. Ressaltam a vantagem competitiva das organizações de
medicina de grupo fazendo a provisão dos serviços de atenção à saúde, o que é
vedado, pela legislação, às firmas do ramo securitário. O diretor da Bradesco
Saúde foi taxativo na afirmação da vantagem comparativa do segmento
ABRAMGE. Os outros profissionais do ramo acreditam que a regulação, sob a
abordagem econômico-financeira é, extremamente, rígida com as empresa de
medicina de grupo o que pode se constituir numa forte barreira de entrada ou até
mesmo de permanência no mercado.
"...num claro esforço de competição, houve uma ampliação das coberturas, dos prazos
de internação e a Sul América foi pioneira na cobertura para tratamento de AIDS, muito
antes que o Governo tornasse essa cobertura obrigatória para todos os seguros. Havia
portanto, os mais variados 'planos', com as mais variadas coberturas e preços para todos
os níveis da população". (grifos nossos)
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A Bradesco adquiriu a carteira da Golden Cross.
66
Informações contidas nas declarações de Henrique Berardinelli, quando entrevistado pelo autor da Tese.
174
CONCLUSÃO
Nas três últimas décadas do século XX, à crise do mundo industrial correspondeu
uma ascensão do setor terciário no cenário econômico. Nesse processo as
alterações ocorridas na forma de prestação de serviços de cuidados à saúde e na
dos serviços financeiros ganharam destaque. Esse destaque será tanto maior
quanto maior for a percepção da conexão existente entre esses segmentos e a
emergente 'economia do conhecimento'.
Com base nesta exposição pode-se afirmar que as seguradoras estão operando
no grupo das entidades que realizam funções de intermediação e esse papel - de
intermediário financeiro - é avalizado, também, pela sua condição de investidor
institucional. Assim, é preciso ter clara a condição do produto seguro saúde como
um produto financeiro (cf. Cerqueira Lima, 1998; Leopoldi, 1999; Fuchs, 1991;
Hale, 1999).
Berardinelli, ex- diretor da Sul América e Horacio Cata Preta, diretor da Fenaseg,
seguem a mesma linha de raciocínio de Moura Viana e apresentam informações
sobre o 'mix' da carteira das seguradoras confrontando a participação entre os
seguros 'individuais' e os 'coletivos'. Em outro plano analítico o superintendente
da SUSEP, Helio Portocarrero, sem especificar o produto, também entende que
as seguradoras desviam-se da oferta dos produtos cujo preço é controlado pela
ANS. A partir da declaração dos profissionais do mercado, contatou-se que a
estratégia modal das firmas é a fuga dos 'planos individuais' para os 'planos
coletivos'.
Um olhar sobre a demanda por seguro saúde concluiu-se que ela é caracterizada
pela incerteza na quantidade procurada. A demanda por seguro saúde é derivada
dos serviços de cuidados à saúde e neste setor é grande a imprevisibilidade. Ou
seja, a população demanda seguro saúde em função da utilização da atenção
médico-hospitalar e não há previsão da quantidade de atendimento médico que
será usado e nem quando isso ocorrerá. A doença é um fenômeno aleatório. Por
isso há a derivação da demanda e da imprevisibilidade do setor.
Alguns autores (cf. Ocké Reis 2002; Bahia, 1999; Dain, 2000) falam do tratamento
fiscal dado pelo Estado aos gastos das famílias com a aquisição do produto.
Esses gastos seriam subsidiados, por exemplo, com a dedução da renda
tributável. Dain (2000) fala que os gastos com seguro saúde continuam sendo
patrocinados pelo Estado por meio da renúncia fiscal.
Nos últimos anos da década de 90, o seguro saúde foi regulamentado pela lei
9656, promulgada em junho de 1998 e pela medida provisória No 1665/98. A Lei
No 1976, promulgada em 2000, complementou o arcabouço jurídico da regulação
do mercado. Foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar ( ANS)
subordinada ao Ministério da Saúde, em dezembro de 1999. A ANS é uma
autarquia especial que tem como finalidade institucional promover a defesa do
interesse público na assistência suplementar à saúde. Tal regulamentação, já em
vigor, tem despertado um vigoroso debate entre os agentes do setor. O cerne da
discussão sob a ótica do mercado é a definição de um modelo regulatório que
considere as condições específicas do setor. Além disso, que seja definida a
competência de uma organização para liderar e promover o processo de
regulamentação do mercado e do produto.
Com esta proposta, a tese não tem intenção de desmerecer o papel da regulação
brasileira do setor. Pelo contrário, pretende contribuir com subsídios para a
Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS - consolidar sua posição levando
em consideração as especificidades do produto. Não se preconiza um retorno ao
passado, em termos regulatórios, mas propugna-se a favor de um futuro onde
sejam contempladas as mudanças ocorridas e as práticas vigentes no mercado,
para que de maneira eficiente e eficaz a ANS cumpra a sua missão. Assim, o
188
Estado estaria alcançando sua meta de proteção ao cidadão e este teria seus
direitos atendidos.
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Sugestão de estudo apresentada por Horacio Cata Preta, em entrevista com o autor da Tese.
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Finalizando, esta tese tem a pretensão de abrir caminhos para outros estudos,
com diferentes enfoques sobre o mercado, por isso a proposta é de incentivar os
debates e ampliar as pesquisas. Acredita-se que os resultados desses estudos
podem ajudar aos gestores privados, ao travarem conhecimento com a idéias
emanadas das pesquisas acadêmicas e usarem a teoria como suporte em suas
decisões, a interagir com a sociedade de uma forma mais equânime, de modo
que sejam repartidos entre ambos tanto os benefícios quantos os custos. Os
resultados podem contribuir também com os gestores públicos, quer seja na
tarefa da regulação quer seja na de alocação dos recursos. Quando esses
administradores públicos passam a conhecer o modo operacional e de pensar do
mercado, imagina-se que poderão tomar decisões aliando à política o
embasamento da técnica. Desta forma, poder-se-á prever um modelo regulatório
eficaz e uma alocação dos recursos eficiente.
BIBLIOGRAFIA
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