Sei sulla pagina 1di 11

7

Homens e saúde na pauta da Saúde Coletiva

DEBATE DEBATE
Men and health as targets of the Public Health

Lília Blima Schraiber 1


Romeu Gomes 2
Márcia Thereza Couto 1

Abstract It shows the thematic “men and health” Resumo Apresenta-se a temática “homens e saú-
as a contemporary matter of the Public Health de” como questão contemporânea da Saúde Cole-
and interface product among human sciences and tiva e produto da interface entre as ciências hu-
health: the social view of illness; the gender per- manas e a saúde: o caráter social do adoecimento;
spective as a particular form of the relation a perspectiva de gênero como forma particular da
health-society and the health promotion while relação saúde-sociedade; e a promoção da saúde
positive means of health. It elaborates the themat- como conceituação positiva Elabora-se a temática
ic around three approach axises, conformed in the em torno de três eixos de aproximação, sob a pers-
relation between men and health from the per- pectiva dos exercícios das masculinidades: saúde
spective of exercises of the masculinity: sexual and sexual e reprodutiva; violência e gênero e morbi-
reproductive health; violence and gender, and mortalidade em homens. São apontadas as con-
morbid-mortality in men. The contributions that tribuições que estes eixos produzem como esforço
these axises produce are mentioned as empiric ef- empírico para realizar a categoria gênero, ao tem-
fort to accomplish the category gender, the time in po em que revelam novas problemáticas para a
which they reveal health new problems to the área de saúde: a paternidade, o exercício interati-
health’s area: the paternity, the interactive exer- vo da sexualidade, a violência interpessoal no
cise of the sexuality, the interpersonal violence in âmbito da vida privada, a hiper-masculinidade
life closet scope, the hipper-masculinity in the vi- na violência entre homens, o cuidado de si e o cui-
olence among men, the care of their self and the dar em saúde para os homens. Estas contribuições
caring of health for the men. These contributions permitirão não apenas inserir as masculinidades
will allow not only to insert the masculinities as como questão de saúde, mas renovar as formas de
health matter, but also to renew the treatment tratamento de homens e mulheres no campo da
forms for men and women in the health field. saúde.
1 Departamento de Key words Men and health, Masculinities, Gen- Palavras-chave Homens e saúde, Masculinida-
Medicina Preventiva, der and health des, Gênero e saúde
Faculdade de Medicina, USP.
Av. Dr. Arnaldo,
455/2o andar, 01246-903,
São Paulo SP.
liliabli@usp.br;
marthet@usp.br.
2 Instituto Fernandes
Figueira, Fiocruz.
8
Schraiber, L. B. et al.

Introdução alguns quando promovem o cuidado de seu cor-


po apresentam um extremo fisiculturismo, quan-
Este artigo parte de uma indagação: vale a pena do o cuidado de si transforma-se em risco de
trazer a temática de homens e masculinidades adoecimentos (Keijzer, 2003). Gomes (2003) e
para a pauta dos estudos de saúde e gênero? Os Keijzer (2003) advertem que a reivindicação de
autores crêem que sim por pelo menos três sub- uma política de saúde mais integral voltada pa-
versões que a temática traz para o campo: 1) ra a população masculina poderia, à primeira
obriga cientistas e formuladores de política a vista, ser tomada como um movimento contrá-
enfrentar questões das inter-relações entre os rio ao empenho de promover programas de gê-
gêneros, com imensa repercussão nas práticas nero destinados à saúde da mulher. No entanto,
de prevenção e principalmente na promoção à é a partir da própria dimensão de gênero que se
saúde, deslocando as aproximações individuali- advoga uma abordagem também do masculino,
zantes; 2) traz novas temáticas para os estudos e uma vez que tanto homens quanto mulheres
políticas em saúde da mulher, bem como impõe necessitam ser vistos em sua singularidade e em
novos olhares (de gênero) para antigos objetos sua diversidade no âmbito das relações que es-
da saúde das mulheres e dos homens; 3) ressal- tabelecem (Gomes, 2003). O conhecimento das
ta o entrelaçamento entre saúde, cidadania e di- singularidades permite melhor aproximação da
reitos humanos. forma imediatamente relacional do par mascu-
Ao longo das duas últimas décadas, pesqui- lino-feminino, assegurando uma maior densi-
sadores de diferentes campos disciplinares bus- dade de conhecimento das especificidades de
cam entender os riscos diferenciados de adoeci- cada pólo em interação. Tomando-se em parti-
mento e morte para homens e mulheres. Do cular as questões da prevenção e da promoção,
ponto de vista histórico, ressaltam-se duas con- pode-se perceber que os efeitos do movimento
tribuições das ciências sociais, apontando o ca- de incluir o homem no debate sobre saúde não
ráter relacional das problemáticas de saúde: o se restringem à saúde masculina. Por conse-
próprio caráter social do adoecimento, em ge- qüência, consegue ganhos para a saúde femini-
ral, e a perspectiva de gênero como forma par- na em temas que só avançam na medida em que
ticular da relação saúde–sociedade quando se se consegue a participação masculina em seu
tratou da saúde das mulheres. Não obstante, há enfretamento (Keijzer, 2003).
que se reconhecer que uma terceira esfera do A partir dessas considerações, o presente ar-
campo da Saúde Coletiva tem também relevan- tigo se propõe a discutir uma nova situação dos
te contribuição para que a saúde dos homens homens na saúde: as formas de se trabalhar os
sob a ótica das masculinidades surja como uma coletivos dos homens diante da promoção e
temática de primeiro plano nos dias atuais: o prevenção e as questões relacionadas ao modo
progressivo acúmulo de discussão acerca da pelo qual esses sujeitos vivenciam seus adoeci-
promoção da saúde, cuja definição positiva im- mentos e o cuidado de si e de outros.
plica questões de direitos e de eqüidades
O foco específico na relação homens e saú-
de vem ocorrendo, nos últimos anos, tanto nos Estudos sobre homens, gênero e saúde:
meios acadêmicos quanto no âmbito dos servi- alguns marcos históricos
ços de saúde. Keijzer (2003) observa que o cam-
po da saúde reprodutiva é um dos que mais Sabo (2000) e Couternay (2000) apontam co-
vem advogando a participação do homem, seja mo marco inicial dos estudos norte-americanos
no sentido exclusivamente de informação e co- sobre homens e saúde as análises críticas da dé-
mo apoio à saúde das mulheres, seja no sentido cada de 1970 ao modelo biomédico. Para Sabo
de reconhecer o homem como sujeito que tem (2000), o pensamento produzido sobre a saúde
necessidades, assim como direitos sexuais e re- dos homens nos anos 70 foi apenas explorató-
produtivos. rio, tangenciado pela teoria e política feministas
Incluir a participação do homem nas ações e organizava-se conceitualmente em torno da
de saúde é, no mínimo, um desafio, por diferen- premissa de que a masculinidade tradicional
tes razões. Uma delas se refere ao fato de, em ge- produzia déficit de saúde.
ral, o cuidar de si e a valorização do corpo no Nos anos 80, tal perspectiva avança de for-
sentido da saúde, também no que se refere ao ma mais consistente, observando-se, inclusive,
cuidar dos outros, não serem questões coloca- uma mudança de terminologia: de estudos dos
das na socialização dos homens. Por outro lado, homens para estudos de masculinidades (Cou-
9

Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):7-17, 2005


ternay, 2000). Em período mais recente, transi- Estudos sobre homens e saúde:
ta-se das teorias de papéis-sexuais para o enfo- temáticas privilegiadas
que de gênero, quando se assiste à expansão da
perspectiva de gênero em domínios como a epi- No campo da Saúde Coletiva, em levantamento
demiologia e a sociologia médica nos EUA. realizado na base SCIELO (www.scielo.com.br),
Os anos 90 consolidam as noções de poder, para as palavras-chave homem, masculinidade,
desigualdade e iniqüidade de gênero na maioria masculino, saúde do homem, saúde masculina ou
dos estudos sobre homens e saúde, articulando- expressões equivalentes, nas línguas inglesa e
as a outras, tais como raça/cor, etnia, orientação espanhola (Gomes, 2004), observa-se um total
sexual, classe, geração, religião etc., a fim de se de 34 trabalhos tendo o homem como foco de
entender os processos de saúde e doença dos di- discussão. Nesses artigos, a masculinidade ou o
ferentes segmentos de homens. ser homem é associado a numerosos assuntos,
Keijzer (2003) observa que há na América predominando, porém, os trabalhos que os re-
Latina uma quantidade crescente de programas lacionam a HIV/Aids (mais de 26% do total).
que se voltam para a experiência de homens em Este achado, sem dúvida, fala da relevância
relação à sexualidade, reprodução, paternidade, contemporânea da saúde sexual e, ainda, apon-
violência ou a própria saúde. O autor considera ta para o tema que tem sido o grande referencial
que a inclusão da temática “homens e saúde” do campo médico e sanitário, representado pe-
poderá ter como resultado a participação dos las infecções sexualmente transmissíveis (IST) e
homens no alcance dos objetivos programáti- em particular pela Aids, para o debate acerca da
cos dessas organizações, deslocando-se da visão prevenção e promoção em saúde e os impasses
tradicional do homem apenas como parte dos provenientes da ausência de abordagem direta
problemas para concebê-lo também como par- das questões masculinas. De forma conexa à
te da solução. Destaque-se que nos últimos questão sexual, a saúde reprodutiva, através da
anos, os referenciais conceituais de Connell problemática da contracepção, trouxe à cena as
(1995) e Kimmel (1992; 1997) vêm fundamen- relações de gênero.
tando análises de pesquisadores interessados Desse modo, a saúde reprodutiva e a sexual
nos processos de morbi-mortalidade em popu- constituem um primeiro eixo temático privile-
lações masculinas, tais como os já citados auto- giado nos estudos sobre homens e saúde.
res que defendem que a masculinidade hege- Incluída nas questões da saúde sexual e re-
mônica gera comportamentos danosos à saúde, produtiva, constituindo relação diversa com ca-
fazendo emergir fatores de risco importantes da qual, está a violência doméstica, considerada
para o adoecimento. obstáculo para a consecução tanto da saúde se-
Os estudos latino-americanos e brasileiros xual quanto da reprodutiva. Originária da te-
sobre homens e saúde surgem no final dos anos mática “iniqüidades de gênero”, a violência vem
80 e seguem a tendência dos estudos produzi- sendo associada a comprometimentos e agravos à
dos na Europa e nos Estados Unidos. O estudo saúde. Quer por sua magnitude, quer pela impor-
de Laurenti (1998) sobre o perfil epidemiológi- tância de sua visualização como questão de saúde,
co da saúde masculina na região das Américas, quer ainda pelas especificidades que possui ao res-
por exemplo, destaca um diferencial entre os se- saltar a vida privada e a esfera do doméstico como
xos, especialmente quanto a uma maior morta- lócus problemático também para os homens, a
lidade masculina em todas as idades, além da violência é um segundo eixo a ser considerado.
sobremortalidade neste sexo para a quase tota- Embora sexualidade, reprodução e violên-
lidade das causas. Por outro lado, segundo esse cia constituam, sem dúvida, eixos instigantes
estudo, há, em geral, um predomínio do adoe- dos estudos contemporâneos acerca da saúde
cimento feminino, constatado por indicadores de homens, existem agravos que, há muito, são
de morbidade, medidos pelas demandas dos vinculados aos “indivíduos de sexo masculino”,
serviços e inquéritos populacionais. constituindo um terceiro eixo examinado: a te-
Hardy & Jiménez (2000) consideram que mática da morbi-mortalidade nessas popula-
estudos demográficos, que antes só entrevista- ções. Doenças associadas à atividade do traba-
vam mulheres, começaram a incluir os homens lho e certas causas de morte de maior ocorrên-
como informantes. Os homens também vêm cia no sexo masculino constituem tal temática.
sendo convidados a participar na atenção à gra- E se é, de fato, mais difícil vê-las como agravos
videz e ao parto, não sendo considerados res- relacionados às questões de gênero, cabe aqui o
ponsáveis somente por provocar a gestação. exercício desta aproximação.
10
Schraiber, L. B. et al.

Como Laurenti (1998) já demonstrou exis- taxas de mortalidade. Nos últimos anos, entre-
tem quatro grupos de doenças que oscilam en- tanto, e com a incorporação crescente do hábito
tre os países das Américas, mas sempre estão de fumar pelas mulheres, tem-se observado um
presentes como principais causas de morte de incremento nas taxas de câncer de pulmão na
indivíduos do sexo masculino. Constituem um população feminina, demonstrando que os as-
dos aspectos da vulnerabilidade dos homens pectos comportamentais ditados pela cultura
diante de agravos: 1) neoplasias malignas (cân- têm peso decisivo nos processos de morbi-mor-
ceres de estômago, pulmão e próstata); 2) as do- talidade.
enças isquêmicas do coração; 3) as doenças ce- Quanto ao câncer de próstata, como comen-
rebrovasculares e 4) as causas externas (desta- ta Laurenti (1998), não parece mobilizar as au-
cando-se os acidentes de carro e os homicídios). toridades sanitárias para o desenvolvimento de
Ao considerar este terceiro eixo temático, mes- trabalho educativo voltado ao fenômeno e, além
mo que de forma sumária, pretende-se ressaltar disso, os homens não se mostram sensíveis a tal
de que modo a perspectiva de gênero também o trabalho educativo. Comparando a população
perpassa e traz contribuições importantes para masculina com a feminina, especificamente no
sua compreensão. Traz ressignificações para as que toca à adesão a programas e resposta às
mortes, os adoecimentos e seus riscos, e ao mes- campanhas de câncer de colo de útero e mama,
mo tempo, uma realocação de temas. Nesta rea- Laurenti destaca que o enfoque de gênero quan-
locação, certos agravos são mais bem compreen- to ao câncer de próstata representaria uma con-
didos como produto do comportamento mas- tribuição importante no entendimento das bar-
culino no ambiente social; outros, na relação reiras culturais dos homens, ao mesmo tempo
trabalho-adoecimento, como produto do modo em que subsidiaria a formulação de programas
como se dá o exercício das masculinidades; e e campanhas melhores.
outros, ainda, como é o caso dos homicídios, Segundo Korin (2001), em sociedades que
em contraste e compondo com a violência do- equiparam poder, sucesso e força como caracte-
méstica, têm uma face de sua compreensão da- rísticas masculinas, os homens buscam, no pro-
da como comportamento violento de gênero. cesso de socialização (pela mídia, entre pares,
na família), o distanciamento de características
relacionadas ao feminino: sensibilidade, cuida-
A temática da morbi-mortalidade do, dependência, fragilidade. Estas atribuições
em homens simbólicas diferenciadas entre homens e mu-
lheres resultam, muitas vezes, para os homens,
Na temática da morbi-mortalidade dos indiví- em comportamentos que os predispõem a doen-
duos de sexo masculino, quando se considera o ças, lesões e mortes. O mais comum é que ho-
câncer de pulmão e o de próstata, ressaltam-se mens casados dependam de suas mulheres no
dois comportamentos culturalmente marcados cuidado à saúde, resultando que, para eles, o ca-
pelas distinções de gênero: o hábito de fumar, samento é fator de proteção em uma variedade
fator de risco bem estabelecido para o câncer de de doenças, o que não acontece para as mulheres.
pulmão e o padrão de uso dos serviços de saúde Se considerarmos agravos as doenças is-
no caso do câncer de próstata, denotando a forma quêmicas do coração, pode-se ponderar com
de relacionar-se com ações preventivas para o cui- Helman (1987), que investigou aspectos da per-
dado de si. Este último comportamento contrasta sonalidade em busca de correlação com riscos
com o adotado pelas mulheres na prevenção do para cardiopatias, que o padrão de risco encon-
câncer de colo de útero, lembrando-se que esses trado centra-se na figura do homem ambicioso,
dois agravos sofrem alto impacto pela prevenção, hostil, obcecado com o tempo, competitivo e
quando bem executada. E ainda que estes com- individualista. Helman designa tais característi-
portamentos não se caracterizem como de ime- cas como “síndrome vinculada à cultura” espe-
diato vinculáveis à dimensão diretamente rela- cialmente no grupo de homens de classe média
cional entre homens e mulheres, não resta dú- e de meia idade. Destaque-se que todas estas ca-
vida que fumar ou não, realizar exames preven- racterísticas estão associadas ao padrão hege-
tivos ou não, faz parte do imaginário e do sim- mônico de masculinidade.
bólico que perpassam as concretas e particula- Por fim, a influência da socialização de gê-
res relações entre homens e mulheres nero nos processos de morbidade relativos ao
O hábito de fumar é mais prevalente entre ambiente de trabalho evidencia como o traba-
homens podendo explicar o diferencial entre as lho, tão importante na constituição da identi-
11

Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):7-17, 2005


dade masculina ou mesmo sua falta (o desem- Segundo Arilha (2001), o reconhecimento e
prego/ a não-ocupação), tem conseqüências pa- a valorização da necessidade de enfocar os ho-
ra o adoecimento e o cuidado com a saúde. Des- mens na área da saúde reprodutiva deveram-se,
tacam-se o stress ocupacional (especialmente em grande parte, à urgência imposta pela pan-
relacionado à competência e possibilidades de demia de HIV/Aids, à crescente visibilidade da
conseguir avanço na carreira), os riscos de de- violência contra mulheres baseadas nas desi-
sempenho de tarefas perigosas, o não-acatamen- gualdades de gênero e à constatação do dese-
to de normas de segurança no uso de equipa- quilíbrio de gênero nas decisões e cuidados no
mentos e em certas atividades no trabalho, to- campo da saúde sexual e reprodutiva. Trata-se,
dos eles desempenhos ou comportamentos bas- neste caso, de uma visível ampliação da temáti-
tante convergentes com os padrões constituin- ca da reprodução em direção à da sexualidade,
tes do perfil masculino de morbi-mortalidade. com a qual passaria a combinar-se.
Em termos de perda de trabalho ou dificuldade Entretanto, a inclusão dos homens nessa te-
de recolocação, há os comportamentos associa- mática combinada não é uma proposta de con-
dos ao uso abusivo de álcool. A falta de trabalho senso, pois no campo específico da saúde repro-
(e impossibilidade de prover materialmente a dutiva por muito tempo os homens foram pen-
família) é aspecto importante relacionado aos sados de uma maneira “instrumental”. Só re-
riscos de saúde dos homens. Por outro lado, centemente investigações passam a incorporar
quando se trata de cuidado com a saúde, o tra- a discussão sobre as necessidades masculinas
balho tem sido considerado como obstáculo pa- com um olhar sobre os homens para além do
ra o acesso aos serviços de saúde ou a continui- papel de apoiar ou dificultar o comportamento
dade de tratamentos já estabelecidos. Falta de e as decisões reprodutivas das mulheres (Figue-
tempo, impossibilidade de deixar as atividades, roa-Perea, 1998; Vila, 1997).
ou medo de que a revelação do problema de Em suma, as discussões sobre a presença
saúde e a ausência para tratamento médico pos- dos homens argüiram a centralidade tradicio-
sam prejudicá-los, resultando em perda do pos- nalmente conferida às mulheres que gerou uma
to de trabalho, são as preocupações em homens percepção do homem como irresponsável e/ou
que adoecem no trabalho, por doenças ocupa- não confiável X responsável e/ou confiável, para
cionais ou não (Nardi, 1998; Marinho, 2000). inseri-los também no mesmo debate acerca dos
direitos e necessidades.
De outro lado, a estas questões da reprodu-
A temática da saúde reprodutiva ção, devemos acrescentar o questionamento le-
e sexual e os homens vantado por Leal & Boff (1996): será que a se-
xualidade está para o homem assim como a re-
Uma das áreas em que a perspectiva de gênero produção está para a mulher? A inclusão dos
ganha destaque é a saúde reprodutiva, a princí- homens nas questões reprodutivas traria a se-
pio uma temática tipicamente aplicada às mu- xualidade como imperativo masculino também
lheres (morte materna, cesariana, aborto, aleita- para a reprodução? Tais indagações nascem do
mento, câncer de colo uterino e de mama etc.), fato de que a temática da reprodução estrutu-
mas que recentemente se volta para questões rou-se com a “ausência” do masculino e os es-
que exigem uma abordagem relacional de gêne- tudos focalizados nos homens privilegiaram
ro, tais como: violência, anticoncepção, IST e sempre a sexualidade.
HIV-Aids. A partir da mudança do perfil epidemioló-
Enquanto o foco inicial da noção de saúde gico da Aids, com o aumento da transmissão
reprodutiva e dos estudos produzidos na área por via heterossexual e as crescentes taxas de in-
da Saúde Coletiva voltava-se ao reconhecimen- fecção entre mulheres, os estudos passam a bus-
to e proteção dos direitos reprodutivos das mu- car a incorporação da perspectiva de gênero pa-
lheres, a partir de meados dos anos 90 alguns ra entender o aspecto relacional da conjugali-
pesquisadores e militantes do campo passaram dade-afetividade e sua conexão com HIV-Aids.
a reconhecer a necessidade da inclusão dos ho- Por exemplo, surgem estudos do poder nas re-
mens, especialmente no que toca a comporta- lações entre homens e mulheres que dificulta a
mentos e valores que intervêm nos processos negociação feminina do preservativo nas rela-
relacionais de saúde reprodutiva e sexualidade ções (Barbosa, 1999), bem como dos referen-
incluindo as questões dos indivíduos e seus di- ciais identitários de masculinidade que promo-
reitos como parte da reprodução. vem o aumento da vulnerabilidade dos homens
12
Schraiber, L. B. et al.

a práticas sexuais de risco. Esta maior vulnera- temas mais problemáticos e, ao mesmo tempo,
bilidade dar-se-ia devido ao número de parcei- promissores, pois, muitas vezes, se constitui no
ras, à identificação de uma pseudo autoprote- principal objetivo dessa participação. Além dis-
ção e à idéia de masculinidade associada à viri- so, há que se considerar, nas diversas modalida-
lidade, entre outras (Olavarría, 1999; Villela, des de ser pai, dimensões pouco exploradas, tais
1998; Kalckmann, 1998). como a vivência que os homens têm no exercí-
A entrada da sexualidade como questão ter- cio da paternidade, contribuindo para que se
mina por introduzir problemáticas adicionais reconheça formas mais presentes e eqüitativas
na própria saúde reprodutiva. Surgem avalia- relativamente à participação das mulheres, ou o
ções sobre a sexualidade e saúde reprodutiva impacto atual das mudanças no tradicional pa-
masculina que focalizam o referente heterosse- pel de provedor, com a intensa participação da
xual. Nelas é privilegiada a crítica à “heterosse- mulher no mercado de trabalho. Esta última si-
xualidade compulsiva”, que se expressa pela ne- tuação, por exemplo, pode conduzir para ou-
cessidade de ter muitas parceiras e práticas se- tros tipos de provisão: o de cuidador e o de guia
xuais, pelo reforço da objetificação sexual da cognitivo, em que novas emoções e experiências
mulher e da referência ao ato sexual como con- podem ser vivenciadas pelos pais.
quista do outro na afirmação da identidade. Es- Ainda em relação à paternidade, pensada
ses estudos abordam também a crítica cultural como pertença do masculino, a discussão deve
à noção de “necessidade de conquista” pelo ho- ser ampliada à luz das atribuições tradicional-
mem. Esta, assim como a ereção, a penetração e mente demarcadas e de seus re-arranjos no ce-
as proezas sexuais, tomadas como símbolos de nário contemporâneo. Desse modo não há co-
auto-afirmação e virilidade, passam a ser objeto mo pensar na existência de um modelo único
de problematização. A masculinidade exigiria de paternidade. Com base na premissa de que o
comportamentos de riscos, com conseqüente debate do exercício da paternidade deve cami-
menor preocupação com o cuidado de si e de nhar junto com a discussão das relações de gê-
suas parceiras. nero, Gomes (1998) faz um convite para a con-
Este comportamento masculino, como de- tinuidade dessa reflexão por meio dos seguintes
monstra Figueroa-Perea (1998), está associado questionamentos: Como exercer a paternidade
à busca de auto-afirmação e gera, na maioria em situações em que a mulher é cabeça do casal?
dos casos, uma banalização quanto ao risco de Como se define a figura paterna num casal ho-
contrair IST, bem como indiferença quanto a mossexual que por ventura venha adotar uma
atitudes preventivas para si e protetoras em re- criança? O que é ser pai quando não há figura da
lação às parceiras. Cabe, então, apontar a ques- mãe? São temas não explorados que aguçam os
tão do planejamento familiar, a vivência das re- investigadores.
lações afetivo-sexuais e das IST como aspectos
da saúde reprodutiva e da saúde em geral, sob o
prisma da sexualidade como assuntos relevan- A temática das violências e gênero
tes para a saúde do homem.
Em estudos mais recentes, Ford, Vieira e As conexões entre violência e saúde são estuda-
Villela (2003) já buscaram apreender o envolvi- das, como destacam Minayo & Souza (1999),
mento masculino na saúde reprodutiva e nas desde os anos 70. Pitanguy (2003) reitera análi-
práticas de sexo seguro também nas relações ses que mostram que a violência varia por gê-
conjugais e estáveis. Isso é importante na medi- nero na bipolaridade público/privado e quanto
da em que, primeiro, o enfoque em tais aborda- ao tipo de agressão sofrida: os homens adultos
gens extrapola a questão da participação mas- sofrem, sobretudo, violência física enquanto que
culina nas decisões reprodutivas das mulheres e as mulheres adultas, física e sexual. A referida
centra-se no comportamento reprodutivo mas- bipolaridade faz com que os homens se envol-
culino como parte do relacionamento com as vam mais na violência relacionada ao trabalho
mulheres. Em segundo lugar, é importante pela e ao crime, e as mulheres em conflitos domésti-
ênfase dada à esfera doméstica, na qual as re- cos. Nesse cenário, levando em conta os agres-
presentações e decisões sobre a vida reproduti- sores, a autora observa que os homens adultos
va adquirem sentido e significado. são raramente agredidos por membros de sua
Ainda por referência à essa participação dos família, enquanto que as mulheres são agredi-
homens em questões de saúde reprodutiva, das por estranhos, em menor proporção, e por
Keijzer (2003) considera a paternidade um dos conhecidos e parentes, em maior proporção.
13

Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):7-17, 2005


Além disso, quando se leva em consideração o questões de raça/cor, classe e orientação sexual
desfecho da violência, constatam-se diferenças e 2) homens cuja socialização se deu com ou-
significativas. Segundo os dados da Polícia Civil tros homens que apresentam uma conformida-
do Estado do Rio de Janeiro, levantados em de exagerada com os papéis tradicionais.
1999, entre os homicídios dolosos, 81,1% eram Apesar da constatação de que a violência é
homens; 8,4%, mulheres e em 10,5% não havia marca identitária da masculinidade hegemôni-
informação. Por outro lado, ainda segundo es- ca, vale dizer que não se deve fixar estereótipos:
ses dados, em relação às queixas por lesões do- o homem como eterno agressor e a mulher co-
losas, 59,3% eram de mulheres, 35,7% eram de mo vítima. Do ponto de vista da Saúde Coleti-
homens e em 5,0% não havia informação (ISER, va, no entanto, tampouco se pode desconside-
2003). Tais dados, corroborando estudos da Saú- rar a diferença das magnitudes encontradas e
de Coletiva (Laurenti, 1998; Mello Jorge & Yu- dos comportamentos que predominam, sobre-
nes, 2001), podem apontar que os homens são tudo no que diz respeito a propostas de preven-
mais atingidos pela violência na modalidade ção e combate às violências.
homicídio enquanto que, ao se tratar de morbi- Quanto à violência contra a mulher, dife-
dade (comprometimentos da saúde e adoeci- rentes estudos da área (Gregori, 1993; Giffin,
mentos por conta da violência), a mulher é quem 1994; Saffioti & Almeida, 1995; Heise, Ellsberg
mais sofre. & Gottemoeller, 1999; Schraiber & d´Oliveira,
O contraste com as agressões vividas pelas 1999) apontam reiteradamente sua localização
mulheres, é, pois, total, já que os homens vivem no âmbito privado, apesar do uso de diferentes
as várias formas de violência nesses espaços pú- formas de nomeação do evento (violência fami-
blicos e principalmente entre eles próprios. Nas liar ou violência intrafamiliar, violência domés-
suas manifestações, esse fenômeno aponta para tica, violência de gênero etc.). Também mos-
diferenciais de gênero que respondem aos posi- tram que freqüentemente esta violência ocorre
cionamentos dos sujeitos na sociedade e às iden- superposta ao espaço da casa, socialmente asso-
tidades construídas nos modos como vivenciam ciado à família, segurança, lealdade, compa-
as relações sociais intra-sexo e com o sexo opos- nheirismo, solidariedade. O espaço doméstico,
to, nos domínios público e privado. campo das relações afetivo-conjugais entre os
Sobre a maior incidência de violência sexual gêneros, está potencialmente carregado de ten-
nas mulheres, cabe comentar com Acosta (2003) sões e conflitos, impondo-se a necessidade coti-
que, simbolicamente, as agressões sexuais estão diana de re-arranjos e negociação nas relações
associadas e reforçam visões tradicionais de de poder, hierarquia e reciprocidade entre os su-
masculinidade e seu imperativo da conquista jeitos. Diante de tal configuração a questão que
sexual. Mas há também diferenças marcantes se coloca é: como se consubstancia o sentido
entre homens e mulheres quanto à conforma- que relaciona a representação social masculina
ção de agressores. A literatura mostra que os com a violência e que razões ou motivos podem
homens são os maiores perpetradores da vio- ser acionados na busca de entender o envolvi-
lência interpessoal, seja nos homicídios ou nas mento de homens e mulheres que partilham vi-
agressões físicas e sexuais (Hong, 2000; Holtz- da afetiva em situações de violência?
worth-Munroe et al., 1997). Cecchetto (2004) A análise de alguns estudos que contem-
chama a atenção para o fato de, em quase todas plam a face masculina dos episódios de violên-
as sociedades humanas, a aquisição das atribui- cia contra a mulher aponta que a maioria refor-
ções masculinas se caracterizar por um proces- ça interpretações sobre um ethos masculino que
so violento, sendo a violência fundante da pró- associa violência à própria construção da mas-
pria masculinidade. Por outro lado, a autora culinidade. Para alguns, o peso maior da asso-
lembra que existem diferentes estilos de mascu- ciação está no processo de socialização em que
linidade. Masculinidades reprimidas ou auto- o machismo prevalece (Muszkat, 1998; Greig,
reprimidas pelo senso comum hegemônico. Au- 2001); para outros, teria como fundamento o
tores como Hong (2000) também fazem alusão princípio simbólico de honra que rege as expec-
às categorias do citado Connell (2001) – espe- tativas e as atuações dos homens na “casa” e na
cialmente “masculinidade hegemônica” e “hi- “rua” (Suarez et al., 1999); para outros, ainda,
per-masculinidade” – e relacionam a “hiper- teria como fundamento a conexão entre a no-
masculinidade” a comportamentos violentos, ção de virilidade e violência (Fuller, 1998).
especialmente entre: 1) homens a quem foram No que se refere às sociedades latinas, dife-
negados acesso à masculinidade hegemônica por rentes autores e, dentre eles Fuller (1998), con-
14
Schraiber, L. B. et al.

sideram que a violência contra a mulher tem tos e crescentes índices de violência e morte en-
como um dos principais suportes simbólicos o tre adolescentes (Mello Jorge, 1998; Bercovich
machismo, característico do sistema de gênero et al., 1998). Como aponta Laurenti (1998), em
onde também se destaca: 1) compreensão de fe- várias regiões da América Latina e Caribe, essa
minino e masculino como opostos; 2) organi- mortalidade tem sido crescente e atinge sobre-
zação social expressa em uma divisão moral na maneira homens jovens. Schraiber et al. (2004)
qual a força e a honra dos homens e a vergonha também observam a alta magnitude da violên-
das mulheres são qualidades morais importan- cia perpetrada e sofrida por homens na esfera
tes; 3) defesa da dupla moral sexual e a impor- pública: cerca de um a cada dois homens (56,3%)
tância conferida ao controle da sexualidade fe- já experimentou alguma situação de agressão fí-
minina em oposição à ênfase na virilidade, for- sica traduzida nos seguintes atos: tapas, empur-
ça e desinteresse com respeito a assuntos do- rões, socos, chutes. Nota-se que são os amigos
mésticos pelos homens. (37,5%) e estranhos (34,8%) as categorias mais
Em termos das relações concretas e particu- referidas em termos dos agressores, embora
lares entre homens e mulheres, a ênfase tem si- mereça destaque a categoria dos policiais (5%).
do posta em dois conjuntos de fatores: 1) os po- Assim, nos estudos sobre violências experi-
deres e privilégios sociais dos homens nas so- mentadas por homens, a perspectiva de gênero
ciedades e a conseqüente permissividade social é fundamental para que se possa compreender
para a violência dos homens contra as mulheres que os nexos entre masculinidade e violência,
(Heise & Garcia-Moreno, 2002); e 2) as expe- reforçados no processo de socialização e de afir-
riências contraditórias de poder vividas pelos mação da masculinidade, representam desvan-
homens, especialmente na infância, que se trans- tagens em termos de saúde, dado que os expõe
formam, na vida adulta, em terreno fértil para a a situações constantes de risco, especialmente
utilização do recurso à violência na esfera pri- nos espaços públicos.
vada (Kaufman, 1997). Diferentes estudos destacam que os homens
Seja no campo das relações ou dos referen- sofrem mais pressões sociais para endossar as
ciais simbólicos, para a maior parte destes auto- prescrições de gênero da sociedade. Seguindo-
res, o recurso à violência (de caráter psicológi- se tal argumento, os homens seriam mais vul-
co, físico ou sexual) não é simplesmente um neráveis ao envolvimento em situações de vio-
elemento constitutivo da relação afetiva/conju- lência na esfera pública. Embora a validade de
gal. Antes, sua emergência responde à necessi- tal argumento seja reconhecida, faz-se necessá-
dade masculina de re-colocar elementos asso- rio reforçar o caráter plural e dinâmico das
ciados à honra, autoridade e poder na relação masculinidades concretas diante do modelo he-
quando esta é questionada ou está em crise. gemônico de masculinidade.
Sem dúvida, com a ampliação dos estudos Por último, vale destacar que o cerne da
que visam à inclusão dos homens na perspecti- questão não se refere ao quanto os homens so-
va de gênero, criaram-se possibilidades de pro- frem maiores pressões – do que, por exemplo,
mover o trânsito entre uma visão da relação en- as mulheres – para reconhecer como legítimo e
tre masculinidade-violência com base numa utilizar o recurso à violência, mas como estes
idéia genérica de patriarcado para uma idéia têm mais dificuldades em aceitar “imposições”
que privilegia a violência como expressão de in- sociais sobre direitos de igualdade com os “ou-
segurança masculina ou como a não-atualiza- tros” menos valorizados na escala social. O im-
ção de um padrão hegemônico de masculinida- portante é não se resumir a questão do poder à
de. Tal mudança parece importante na medida masculinidade, lembrando da alternativa de
que é discutido de que modo a experiência de aproximação da noção de poder tal como for-
poder ou da falta dele está relacionada, para os mulada por Arendt (2000), em que o conceito
homens, a outros referenciais identitários, tais expressa mais a face positiva que negativa do
como classe, geração/idade, raça/etnia, entre exercício deste, correspondendo ao compromis-
outros. Isso aponta para a possibilidade de fugir so ético e socialmente responsável implicado
de categorizações abstratas de papéis sexuais nas escolhas de sujeito.
constitutivos de uma visão monolítica de ho-
mem e mulher.
No campo da violência cometida por ho-
mens contra homens no espaço público, as pes-
quisas têm início a partir da visibilidade dos al-
15

Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):7-17, 2005


A contribuição da perspectiva mulheres têm maior resistência, pesquisas re-
de gênero em estudos sobre homens centes sugerem que o aumento do estresse da
e saúde: considerações finais vida cotidiana das mulheres tem minimizado as
diferenças.
Embora atualmente não pareça novidade de- Durante muito tempo, os homens foram es-
fender o argumento de que processos sociais re- tudados com base numa perspectiva essencia-
lacionados ao gênero produzem diferenças no lista, como se a biologia predeterminasse seu
padrão de morbi-mortalidade de homens e comportamento, como se fossem todos iguais.
mulheres, bem como nos comportamentos de Tal perspectiva é paulatinamente superada à me-
proteção à saúde e, de outro lado, embora du- dida que os estudiosos consideram importante
rante séculos quase todos os livros publicados distinguir e inter-relacionar constantemente a
eram sobre homens (Kimmel, 1992), existe uma masculinidade como um princípio simbólico e
enorme diferença entre se ter os homens como as várias masculinidades (no sentido das várias
foco por se negligenciar a participação das mu- identidades dos homens). Assim, passa-se a cons-
lheres na vida social e o fato recente de se ter os tatar e assumir o compromisso de analisar a
homens (e as masculinidades) como objeto de complexa relação entre homens concretos e mas-
estudo segundo o referencial de gênero. culinidade. E isto implica adotar uma perspec-
A despeito de diferenças entre os pesquisa- tiva analítica com foco nas relações sociais.
dores sobre a incorporação maior ou menor da Com isto, no estudo das masculinidades é
perspectiva feminista fundante da categoria gê- fundamental evitar reduzir as análises apenas a
nero, todos concordam que gênero deve ser vis- traços ou características diretamente associáveis
to como fator de grande importância no padrão ao hegemônico ou ao seu polar, marginalizado,
dos riscos de saúde nos homens e na forma co- pois na vida cotidiana deve-se levar em conta a
mo estes percebem e usam seus corpos. posição concreta e particular dos sujeitos em
Bird & Rieker (1999) destacam que, com a cada grupo de referência. E nesse concreto par-
entrada da perspectiva de gênero, a maioria das ticular os matizes são extremamente relevantes,
doenças passa a ser considerada como respon- mais do que por vezes a identificação genérica e
dendo a uma combinação de causas biológicas simplista de hegemônico versus marginal.
e socioculturais que podem promover a amplia- Voltar-se para uma aproximação de gênero
ção (há uma base biológica que pode ser exacer- implica requalificar o agrupamento “homens”.
bada pelo contexto sociocultural) ou a supres- Implica, ainda, tomar as masculinidades como
são (que envolve diferenças biológicas que são seu eixo estruturador, construindo, assim, um
reduzidas pelo padrão de comportamento de leque novo de questões para pensar homens e
homens e mulheres) do evento morbidade em mulheres, como sujeitos com necessidades con-
questão. Como exemplo do primeiro, alguns es- cretas a serem consideradas em todas as formas
tudos (George, 1997) apontam que as diferen- de interação. Se a tomada dos homens como
ças de padrões hormonais para homens e mu- objeto, para entendê-los e também às mulheres,
lheres estão associadas a comportamentos agres- representa o esforço empírico concreto de reali-
sivos para homens e depressão para mulheres. zar a categoria gênero, o produto de tal esforço
Assim, tais predisposições seriam aumentadas efetivamente constituirá uma contribuição da
(mas não criadas) pela socialização de gênero. perspectiva de gênero para renovar o conheci-
Como exemplo de supressão têm-se os proble- mento e as práticas da Saúde Coletiva.
mas cardiovasculares. Embora se afirme que as

Colaboradores

O trabalho de revisão e redação foi desenvolvido de for-


ma conjunta, com um freqüente debate entre os autores,
considerando o conhecimento acumulado por cada um.
16
Schraiber, L. B. et al.

Referências bibliográficas

Acosta F 2003. Homens, violência de gênero e saúde sexual ternidade, pp. 175-181. In P Silveira (org.) Exercício
e reprodutiva: um estudo sobre homens no Rio de Ja- da paternidade. Ed. Artes Médicas, Porto Alegre.
neiro/Brasil. Instituto NOOS, Rio de Janeiro. Gomes R 2004. Levantamento sobre a produção biblio-
Arendt H 2000. Sobre a violência. Ed. Relume-Dumará, gráfica da saúde coletiva acerca da masculinidade.
Rio de Janeiro. Atividade da pesquisa do CNPq A construção da mas-
Arilha M 2001. Homens, saúde reprodutiva e gênero: direi- culinidade como fator impeditivo do cuidar de Si/
tos em perspectiva. Projeto de doutorado apresentado 2003-2006. IFF/Fiocruz, Rio de Janeiro.
à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Gregori MF 1993 As desventuras do vitimismo. Revista
Paulo. (Mimeo). Estudos Feministas 1(1):143-149.
Barbosa RM 1999. Negociação sexual ou sexo negociado? Greig A 2001. Political connections: men, gender and vio-
Poder, gênero e sexualidade em tempos de Aids, pp. lence. United Nations International Research and
73-88. In RM Barbosa & R Parker (orgs.). Sexuali- Training Institute for the Advancement of Women/
dades pelo avesso: direitos, identidade e poder. IMS/ Working Paper Series on Men’s Roles and Responsi-
UERJ-Ed. 34, Rio de Janeiro-São Paulo. bilities in Ending Gender Based Violence, Disponível
Bercovich A, Dellasoppa E & Arriaga E 1998. J’adjunte, em <http://www.un-instraw.org./mensroles/>
mais je ne corrige pas: jovens, violência e demografia Hardy E & Jiménez AL 2000. Masculinidad y género, pp.
no Brasil. Algumas reflexões a partir dos indicadores 349-367. In R Briceño-León, MCS Minayo & CEA
de violência, pp. 293-363. In Jovens acontecendo na Coimbra Jr. (coord.). Salud y equidad: una mirada
trilha das políticas públicas. CNPD, Brasilia. desde las ciencias sociales. Fiocruz, Rio de Janeiro.
Bird C & Rieker P 1999. Gender matters: an integrated Heise L, Ellsberg M & Gottemoeller M 1999. Ending vio-
model for understanding men’s and women’s health. lence against women. Population Reports 27(4).
Social Science & Medicine 48:745-755. Heise L & Garcia-Moreno C 2002. Violence by intimate
Ceccheto FR 2004. Violência e estilos de masculinidade. Ed. partners, pp. 87-122. In EG Krug, LL Dahlber, JA Mer-
FGV, Rio de Janeiro. cy, AB Zwi & R Lozano. WHO Report on Violence and
Connell R 1995. Masculinities: knowledge, power and so- Health. World Health Organization, Genebra.
cial change. University of California Press, Berkeley, Helman C 1987. Cultura, saúde e doença. Artes Médicas,
Los Angeles. Porto Alegre, 1987.
Connell R 2001. Men and violence. United Nations Inter- Holtzworth-Munroe A, Bates L, Smutzeler N Sandin E
national Research and Training Institute for the Ad- 1997. A brief review on the research on husband vio-
vancement of Women/Working Paper Series on Men’s lence. Aggression and violent behavior 2(1):65-99.
Roles and Responsibilities in Ending Gender Based Hong L 2000. Toward a transformed approach to preven-
Violence. Disponível em <http://www.un-instraw. tion: breaking the link between masculinity and vio-
org./mensroles/>. lence. Journal of American College Health 48:269-279.
Courtenay WH 2000. Constructions of masculinity and ISER – Instituto Superior de Estudos Religiosos 2003. In-
their influence on men’s well-being: a theory of gen- dicadores de violência e acidentes no Rio de Janeiro. Dis-
der and health. Social Science & Medicine 50:1385- ponível em <www.iser.org.br>. Acesso em 30/12/2003.
1401. Kalckmann S 1998. Incursões ao desconhecido: percep-
Figueroa-Perea J 1998. Algunos elementos para interpre- ções de homens sobre saúde reprodutiva e sexual. In
tar la presencia de los varones en los procesos de sa- M Arilha, S Ridenti & B Medrado (orgs.). Homens e
lud reproductiva. Cadernos de Saúde Pública 14 (su- masculinidades – Outras palavras. Editora 34, São
plemento 1):87-97. Paulo.
Ford NJ, Vieira EM & Villela WV 2003. Beyond stereotypes Kaufman M 1997. Las experiencias contradictorias del
of Brazilian male sexuality: qualitative and quantita- poder entre los hombres. Isis Internacional – Edi-
tive findings from São Paulo, Brazil. Culture, Health ciones de las Mujeres 24:63-81.
& Sexuality 5(1):53-69. Keijzer B 2003. Hasta donde el cuerpo aguante: género,
Fuller N 1998. Reflexiones sobre el machismo en América cuerpo y salud masculina, pp. 137-152. In C Cáceres,
Latina, pp. 258-266. In T Valdés & J Olavarría (eds.). M Cueto, M Ramos & S Vallens (coord.). La salud como
Masculinidades y equidad de género en América Lati- derecho ciudadano: perspectivas y propuestas desde Amé-
na. Flasco, Santiago-Chile. rica Latina. Facultad de Salud Pública y Administra-
Galvão L & Díaz J 1999. Saúde sexual e reprodutiva no ción de la Universidad Peruana Cayetano Herida, Lima.
Brasil. Hucitec-Population Council, São Paulo. Kimmel M 1997. Homofobia, temor, verguenza y silencio
George MJ 1997. Into the eyes of Medusa: beyond testos- en la identidad masculina. Isis Internacional – Edi-
terone, men, and violence. The Journal of Men’s Stud- ciones de las Mujeres 24:49-62.
ies 5(4):295-314. Kimmel M 1992. La producción teórica sobre la masculi-
Giffin K & Costa S 1999 (orgs.). Questões da saúde repro- nidad: nuevos aportes. Isis Internacional – Ediciones
dutiva. Fiocruz, Rio de Janeiro. de las Mujeres 17:129-138.
Giffin K 1994 Violência de gênero, sexualidade e saúde. Korin D 2001. Novas perspectivas de gênero em saúde.
Cadernos de Saúde Pública 10(suplemento 1). Adolescência Latino-Americana 2(2):1-16.
Gomes R 2003. Sexualidade masculina e saúde do homem: Laurenti R 1998. Perfil epidemiológico da saúde masculina
proposta para uma discussão. Ciência & Saúde Cole- na Região das Américas. Uma contribuição para o en-
tiva 8(3):825-829. foque de gênero. Faculdade de Saúde Pública/USP, São
Gomes R 1998 As questões de gênero e o exercício da pa- Paulo.
17

Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):7-17, 2005


Leal OF & Boff AM 1996. Insultos, queixas, sedução e se- Pitanguy J 2003. A questão de gênero no Brasil. Banco
xualidade: fragmentos de identidade masculina em Mundial, Brasília – DF.
uma perspectiva relacional, pp. 119-135. In R Parker Sabo D 2000. Men’s health studies: origins and trends.
& R Barbosa (orgs.) Sexualidades brasileiras. Ed. Re- Journal of American College Health 49:133-142.
lume-Dumará-ABIA-IMS/UERJ, Rio de Janeiro. Saffioti H & Almeida SA 1995. Violência de gênero. Revin-
Marinho, MFS 2000. Um estudo de prevalência e risco para ter, Rio de Janeiro.
as lesões por esforços repetitivos (LER/DORT) entre Schraiber LB et al. 2004. Homens, violência e saúde: uma
trabalhadores e trabalhadoras em processamento de da- contribuição para o campo de pesquisa e intervenção
dos bancários. Tese de doutorado. Faculdade de Medi- em gênero, violência doméstica e saúde. Relatório Final
cina, USP Faculdade São Paulo. de Pesquisa à Fapesp. FM-USP, São Paulo.
Mello Jorge MH & Yunes J 2001. Violência e saúde no Schraiber LB & D’ Oliveira AF 1999. Violência contra
Brasil. Revista USP 51:114-127. mulheres: interfaces com a saúde. Interface – Comu-
Mello Jorge MH 1998. Como morrem nossos jovens, pp. nicação, Saúde e Educação 3(5).
209-292. In Jovens acontecendo na trilha das políticas Suarez M, Machado LZ & Bandeira L 1999. Violência, se-
públicas. CNPD, Brasília. xualidade e saúde reprodutiva, pp. 277-309. In L Gal-
Minayo MCS & Souza ER 1999. É possível prevenir a vio- vão & J Díaz. Saúde sexual e reprodutiva no Brasil.
lência: reflexões a partir do campo da Saúde Pública. Hucitec-Population Council, São Paulo.
Ciência & Saúde Coletiva 4(1):7-32. Vila AM 1997. O significado da reprodução na construção
Muszkat ME 1998. Violência de gênero e paternidade, pp. da identidade masculina em setores populares ur-
215-233. In M Arilha, S Ridenti & B Medrado. (orgs.). banos. In A Costa (org.). Direitos tardios – saúde, se-
Homens e masculinidades – outras palavras. Ed ECOS, xualidade e reprodução na América Latina. FCC-Ed.
São Paulo. 34, São Paulo.
Nardi HC 1998. O ethos masculino e o adoecimento rela- Villela W 1998. Homem que é homem também pega Aids?,
cionado ao trabalho, pp. 95-104. In LFD Duarte & OF pp. 129-142. In M Arilha, S Ridenti & B Medrado
Leal. (orgs.). Doença, sofrimento, perturbação: per- (orgs.). Homens e masculinidades – Outras palavras.
spectivas etnográficas. Fiocruz, Rio de Janeiro. Ed. 34, São Paulo.
Olavarria J 1999. Desejo, prazer e poder: questões em
torno da masculinidade heterossexual, pp. 153-173.
In R Barbosa. & R Parker (orgs.). Sexualidades pelo
avesso: direitos, identidade e poder. Editora 34, São
Paulo.

Potrebbero piacerti anche