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A alegria delicada dos dias comuns 08 Quero trazer à tona uma coisa que a 51
Testamento 10 auto-ajuda estragou: afelicidade 53
Incêndio Portátil 13 Hematopoíetico 55
Aqui Jazz 14 Antimemória 58
Trago seu amor em cinco dias 15 Maria, Marina, vocês se pintaram? 59
Insone 17 Para Beatriz 60
Meu desejo a tamborilar um samba 20 Tabuada 61
Da série: poesia sem tratamento 21 Possessão 63
Feita no ato Esta é uma história de cílios 64
Sinto uma dor não-física 23 Risque as palavras em desuso 65
Primícias ao inferno 24 Fim 68
Verdades, verdades fresquinhas 25
Cibele 27
Cibele comia 29
Senhora e senhores 30
Missiva para ninguém e para todos 31
A mulher mais bonita da cidade 33
Emaranhada 35
Epifania 37
Endereço da epifania 38
Passagens motorizadas e sem Benjamin 44
Pseudocrônica 46
Os riscos além da sua janela 48
A alegria delicada dos Por ser bom e perfeito
ele se perde na massa convulsa dos GRANDES
dias comuns ACONTECIMENTOS.
Onde se escondem esses dias?
Nas dobras rugosas do tempo, onde cavamos o
bom, o ótimo, o grandiloquente.
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TESTAMENTO com a promiscuidade do verso
com o balançar da lira
com a meteção da rima
e o cacete do poema
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de toda delicadeza escrita Incêndio Portátil
Essa gente que ejacula poesia antes que se torne
a epopeia de nomes, mercado, vinho ruim no
lançamento e silêncio na estante.
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Aqui jazz Trago seu amor em cinco dias
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Oração
dos amantes
platônicos
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porque não acredito em traduções de hebraico an- Como você dorme à noite? De camiseta branca e
tigo para português contemporâneo. Vou falar de uma leve bermuda de algodão.
Deus. Com meu silêncio. O que come ao acordar - como é sua voz ao acordar?
Quero-O deitado antes de mim na cama, sem la- O que espera do dia?
múrias ser Sua e dentro de mim ter o verdadeiro E a marca preferida de dentifrício?
díspar, ser disparidades, poros abertos, cabelos O banho e o cheiro que se desprende de seus cos-
que encrespam dias difíceis e sofrimento – que méticos. O horário do banho?
Deus seja o apaziguador – e potente para que Seu café é forte. Açucarado. Uma vez me confes-
à sombra dEle o dia seja apenas um dia - a noi- sou que não comia gordura – fiquei feliz com esse
te uma noite – e espero ter, ao contrário do que pormenor como a um presente precioso – e suas
tenho tido - mais coragem de dia do que à noite manias de mastigação?
– como nós, imbecis, tememos mais as margens Qual o rumo prefere tomar quando entra em seu
dilatadas, incabíveis na nossa visão - que são os carro?
dias - e amamos o pequeno e aconchegante espa- E como seria logo após se apaixonar por mim? E
ço onde o que podemos ver se insere e se encerra: aonde poríamos as mãos?
as noites. Confesso que não sei aonde por as mãos e os acen-
Deus: que nosso dia seja nosso irmão e que per- tos. Qual de nós começará a começar?
tençamos à mesma natureza, eu, o dia e Você. Onde precipita o sim?
Depois de querer ser apenas da mesma matéria De conjecturas eu vivo agora, como que com cafe-
que Deus. ína nas veias.
Vem a parte profana de amar você sobre todas as Comece.
coisas.
O que tenho tido por você é o desejo de saber_que-
ro saber quem é você - esse “quem” em
sua totalidade. E em seus riscos.
O maior risco é que depois de saber eu ainda
queira.
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Insone Meu desejo a tamborilar
um samba
Ele a esperava dormir, noite após noite. Deus teve pena do meu desejo.
Quando ela era pedra, Deus teve pena de mim com um pires sentimental
ele aspirava o odor do hálito dela, de sono e na mão.
distância. Com a inglória deste brilho obsceno no olhar.
E recolhia um longo fio de cabelo, sempre Meu desejo é esse cego bailarino que insiste em
restava um não andar nas pontas dos pés.
_ao final da cabeleira entrelaçada nos sonhos Meu desejo extraviado.
irriquietos da mulher. Meu desejo é uma carta com um só remetente, e
Ao final de vinte anos esse nunca está em casa.
ele havia recolhido um edredom de fios. E meu desejo retorna a mim.
Então ele se cobriu da coleção de cabelos Com selos do descaso e carimbo de devolvido.
entrelaçados Eu sou a trilha do Último Tango em Paris.
manta marrom ocre dedilhado de prata Meu coração é aquele apartamento abandonado
numa seda tecida com o mais macio dos interstícios. que exige somente um morador.
_E enfim conseguiu dormir. Meu desejo não quer fiador contra infortúnios.
Porque meu desejo não faz sentido.
Coisas cortantes e estilhaçadas e recolhidas
no chão.
Como as pequenas flores da ikebana que você
não me deu.
Meu desejo sai de casa sobre meus pés e me leva junto.
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Para te ver tocar e ensaiar sua arritmia proposital Da Série: Poesia sem
nas mãos.
Meu desejo é uma bateria. Um solo qualquer de tratamento
bateria em qualquer música descompassada de FEITA NO ATO
jazz improvisado. Meu desejo é novo em folha. E
entorna-se perante seus olhos.
E meu desejo é singularmente ridículo. vou ficando transparente
Como são ridículas todas as coisas ainda despro- sumo como limo
vidas do amor. suco feito nuvem
plúmbea quanto chuva
vou esquecendo de mim em gentes que nunca
nem vi
em lugares em que não pousei
antes doida que chata
antes desordem que calendário
antes mãe que medo
antes eu que você
antes que seja tarde e
viro adélia, adília e homilia de parda
viro quente, penugem e leite
viro eternidade
e fico moça de novo no beijo do instante
antes que seja quieto
pra sempre
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Sinto uma dor Primícias ao inferno
não física
Anelize pensou em quantos anos de solidão e dor
ainda havia pela frente.
Vistos pela fresta e duvideodó que um dia
tudo mudasse assim, repentino.
Como essa sensação de presidente novo, nos
sinto euforia nos dedos. se eu fosse asmática primeiros dias.
inalaria cidreira em meio ao vapor. Como festa surpresa de aniversário. Ou tentar
meu estômago tem certa medida do que sinto. e achar um código novo, nas letras do alfabeto
meu estômago alardeia aos meus outros órgãos o arábico.
que pressente.
meus órgãos todos pressentem a vida, como uma Um dia Anelize despejou tanto perfume quanto
celebração em secreções novas cabia no decote.
células em glórias E entrou no puteiro.
ritmo profundo de ouvir minha própria respira-
ção. Anelize era tão velha para um puteiro quanto
sinto gostos e cheiros com enormidade de notas. seus 32 anos poderiam suportar. E acabou sendo
eau de cologne da vida cozinheira, depois fazia drinques, depois virou
do tempo e das ruas assessora de notícias do puteiro.
profusão de mim Faz freelas em segredo para as putas. Ficou rica e
deve ser porque não fumo há uma semana e não ainda realiza a vontade, sem doer muito:
bebo há dias. tem fama de puta na rua em que mora.
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VERDADES,
VERDADES
FRESQUINHAS
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Vi de lá de cima que as nuvens podem estar em CIBELE
diversas alturas.
Quando vim no avião as nuvens eram tudo que
importava.
Vejo você trazendo suco e só assim tem direito de
estar lendo agora sobre os meus ombros os pará- Nenhuma novidade por ali.
grafos anteriores. Posso escrever eu te amo agora. Aliás,
quando perguntavam pelas novidades à Cibele
ela odiava
a pergunta e o perguntador. As novidades.
Os dias tinham aqueles acontecimentos pequenos,
mofados e sem interferir na vida: a rotina.
como um pequena sujeirinha na blusa branca,
você vai ao banheiro esfrega com a escova de
dentes e sabonete. Fica aquela aguinha ali,
depois só lembra porque sua escova de dentes
está salobra.
Eram os restos do sabonete.
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Cibele Comia Senhoras
Arroz, feijão, farofa, fritas e dois tomates que e senhores
devem ter sido cortados pela manhã,
o que posso ver pela envergadura de sua película
de cobertura e por seu vermelho triste.
E filé de alcatra toda vez em que vivo não escrevo se apenas me
Desfaço o bolinho de arroz. ponho a escrever: não vivo.
Jogo o molho à campanha que em alguns estados esse pormenor de vida que é viver pensando
do Brasil é vinagrete. frases]
Ponho na boca. pinçando frases
E mastigo.
Em dado momento sobrancelhas longas numa vida em branco rosto
vejo que o filé de alcatra tem pouco. de poros
Mas a pequena montanha de arroz persiste.
R$ 6,10. e enquanto vivo olhando garçons de uniforme
Ponho pedacinhos miúdos de filé na boca. desbotado vermelho
E ao longo de sua mastigação ponho mais arroz. pedaços de algo que foi era em anos passados
Rende o filé assim até eu quase terminar a mon- quero viver trezentos anos
tanha de arroz.
Arroto em silêncio porque me lembro de ainda pinças velhas
ser uma menina. felicidade fácil
Ódio é uma coisa que você segura bem no canti- eu te amo
nho de algum lugar seu. 250 cervejas
Faz você render mais nessa vida. O negro caribenho francês no bar na esquina
Chupe o caldinho do ódio. Não pronuncie a Copacabana nos olha de esguelha
palavra. Pega mal. na esquerda
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só os cartões postais não esquecem do que fala Missiva para ninguém e
a vida
retratos coloridos de um fausto terror para onde para todos
correm montmartre todos os mendigos velhas
que caem de janelas e velhas que se pintam e têm
amantes
amor Um escritor tem a obrigação de nunca se cansar.
amor eu amo e me espalho entre amores entre os Não pode se cansar de ouvir histórias, nem se
lugares todos sempre há este resto de cansar de ter vontades de curiosidades.
amor entre os dentes Um escritor pode arrefecer como as cores na
neblina,
pedaços sua voz ficar inaudível,
mas o inaudível nunca é igual ao calado. O es-
viva os pedaços que inteiros não seriam pedaços critor se mantém inteiro dentro dele neste pacto
com sua própria morte,
seriam as coisas pela metade porque ele sabe que vai sobreviver às traças, ago-
ra que inventaram os chips.
faminta e ainda mordo esse otimismo morno
Um escritor a esperava e ela contaria uma his-
me espalho tória para ele,
uma história de sua prostituição.
Qualquer uma.
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Mas o escritor, A Mulher Mais Bonita da
já recolhido à pura busca de forma em detrimen-
to do conteúdo, Cidade
perdeu-se em inventar horas.
Antes horas do rosto dela abaixo da luz amarelada
e encoberta por filó lilás.
Depois pedaços de sua maquiagem depois da Não tem cor de bege.
foda. É negra e dentro dela mora um gato que vive
num telhado com chuva.
Maquiagem antiga Chove sempre lá e a mulher por isso vive com os
e diluída na mais clara temperatura do suor. cabelos molhados e parece ter saído do
Logo mais, banho agora
era a luz do sol acertando-lhe em cheio as rugas. e sempre.
Assim, esse escritor, que na verdade sou eu, Ela tem a pele morna ainda do banho. Agora e
escreveu esta sempre.
memória triste, que termina com a pele dela, sob A Mulher Mais Bonita da Cidade tem um título
a terra. de Bukowski, outro de Miller. Mas ela também
tem Sabino, Parker, João Antonio e todo o resto.
Ela tem homens e mulheres.
Numeradas portas existem dentro da estante
dela.
Em dias em que ela se sabe a Mulher Mais Feia
da Cidade, ela entra lá,
se encolhe num dos livros e bebe sozinha as
letrinhas todas enrugadas da vida que rouba dos
livros.
Porque esta moça é indisfarçável.
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Uma moça nunca igual às outras, só para variar. Emaranhada
Aprendeu a usar rímel semana passada. Nunca
fala mal de ninguém e tem um
hálito invisível.
Mas palavras dela não são invisíveis. Ultrapassar os limites do razoável em literatura.
Ela as coleciona em potes de café solúvel. Uma mistura de teclas em excesso, cortes brus-
Palavras solúveis. cos de palavras
Em baús debaixo da cama. como suicídios.
Empilhadas entre seus discos de vinil. Uma conclusão da dor.
Ela manda notícias que logo depois são repetidas Uma ironia da mesma dor.
pela vida. Zombar de tudo e dedilhar como quem toca o
Um dia essa Moça veio me falar dela. ermo, o acima, o pus.
E contou histórias tristes e belas e cheias de abra-
ços e despedidas.
Um desterro e uma certa hora de ir embora pon-
tuavam o assunto.
Quero que ela fique e tenho de contar a ela o
quanto ela é linda e cálida e o quanto ela é boa
em queda de braço e o quanto ela doa.
e dói vê-la indo embora.
Os espelhos distorcidovs nos quais elas se olham,
os olhos dela.
Eu tenho medo que um dia eles exagerem.
Tenho tanto medo que conto essa história.
Da Mulher Mais Linda da Cidade.
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Endereço
da epifania
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camisa amarela clara
e lavada
sabão em pó, amaciante, ferro com vapor
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putas e pés e ainda me pergunta se quero pagar amanhã
há um turbilhão de negros, loiros e morenos, tratados de código civil, sheldons e quintanas
italianos, noruegueses, americanos no mesmo saco
competindo com frango assado na esquina
sem farofa .................
e tudo isso conspira para que sejamos autênti-
cos como aquela senhora de bobs nesse circo de e minha alma anda sendo arrancada qual pedri-
resistências que é Copacabana nha portuguesa que engoliu um salto errado.
não precisamos mentir
nossas bizarrices são respeitadas e sempre meno- P.s:
res que as do próximo em alemão literatura e poesia são designadas pela
mesma palavra.
uma coisa escrita rápida sem ser automática
Copacabana me dói na alma, na cara, na cana, na
mens nada sana
como se minha alma fosse feita de um lápis e as
ruas de Copacabana uma borracha rosa e azul a
apagá-la
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Passagens motorizadas certas palavras que nem existem, umas que eu
apenas sinto e não se trata de Joyce.
e sem Benjamin trata-se de algo muito mais santo.
mas sei que resultam numa oração às cegas.
o amor certas orações e qualquer tentativa de sair
do chulo e tocar com dedos bem suaves unhas
Tiro minhas sandálias de cor crua com salto de feito curtas e muita candura o sagrado é assim:
cortiça. no escuro. mesmo que as luzes daquele motel
Alpargatas de salto alto. Ponho meus pés no pai- na gloria entrem, mesmo que os faróis de nossa
nel do carro dele. senhora de Copacabana esporrem.
Sou a carona. Carona na vida dele.
Ele consegue dirigir e olhar meus pés. Eles estão
sujos. Ele diz.
Cheios de craca. Ele diz.
Isso me machuca. Tiro meus pés. Os dois. O es-
malte está saindo.
Meia hora depois no tal motel da Glória. Ele lam-
be meus dedos um a um.
Lembra o cão que achamos na rua.
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Para ler em dias de demais para ignorar, ainda na água fria para não
torná-los opacos, a água fria do banho tomado só.
skylines turvos Quem foi que inaugurou o grito?
Quem se lembrou da displicência? Quem antes
do outro pernoitou de esguelha, incomodado na
cama, quem juntou nós nas costas só para não
encostar?
Quem foi que inventou essas mentiras que a Quem de nós dois crê mais piamente na
gente fala um pro outro? Santa Insegurança do que no
Quem foi que cortou as fitas amarelas e pretas ao Deus das Pequenas Coisas?
redor das observações funestas que dizemos um
ao outro?
E elas se soltaram e resolveram chegar às bocas.
E se reproduzem só de encostar.
Agressões verbais são assim: germes que se to-
cam e proliferam.
E como essas mentiras saem assim vestidas de
verdades infladas?
Quem foi que primeiro deixou de adoçar o café
do outro?
Cinco gotas de adoçante versus cinco colheres de
açúcar, o que acaba sendo tão difícil de equilibrar
em duas mãos que seguram ainda a colherzinha
da falta de gentileza?
Quem não dosou certo o afeto?
Quem derramou shampoo de menos, sem lem-
brar dos outros 120.000 fios de cabelo, são fios
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Pseudocrônica sem óculos escuros, num dia em que o sol franza
sua testa.
Tropece sem querer nos interstícios da calçada.
Vamos fazer um movimento?
uma dessas revoluções de improviso. O ruminar do tempo não polui os mares das
ao som de Brubeck. palavras. Elas são banhadas em claras de ovos,
limpo de referências feito um bom solo de caixa em doces portugueses caudalosos, em fremir
de fósforos. ansioso de ventura e do toque sincero de asas de
Vamos pernoitar insones? borboletas abestalhadas nos cílios das estátuas:
tecer no escuro pequenas bolhas de luz, substituem os momentos, as palavras, e assim
trazer nos dedos as unhas intactas de não roer. intensamente os causam.
Vamos ouvir os ruídos de vitamina C
efervescente em crianças pequenas sem carências? E a palavra é a pipoca no óleo quente da vida.
Vamos aglutinar os dias onde as alegrias são
coalhadas? Se trancar palavras na mão elas morrem, como
E unir todas as alegrias, na pequena indiferen- pássaros antes quentes borbulhando o ruído de
ça às arestas, brechas, recônditos, desvãos. suas penas.
Sufoca pegar palavras, mas ao contrário da metá-
Uma alegria compacta, lisa, rutilante, perolada, fora do pássaro,
de brilho quase leitoso, prender palavras sufoca quem as prende.
feito um capô de fusquinha branco.
Luzir. O melhor invólucro das palavras
Vamos luzir incipientes? é o mesmo cristal que se parte ao ruído silábico.
Vamos ser jovens, o novo, e cálidos para sempre? Inaudito para matérias mais duras.
Vamos marcar encontro com o acaso? Escapista, eu?
Sabe como funciona? Até gente tem saídas de emergência:
Assovie ao caminhar, buracos no nariz,
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para sair bolhas de água tônica, Os riscos além da sua
olhos por onde escapa a luz interna.
janela
O seu amor por mim era igual aos pontos de
ônibus de Vitória. Apenas uma aparência trans- Meu amor há uma luz lá fora, intensa.
parente de um adorno que só pontua, que não E os meninos perguntam por você.
protege do vento, nem da chuva, nem do sol.
O seu amor era uma beirada de vidro que não O sol faz as cores se espreguiçarem,
abraçava. mas elas podem ser delicadas com você, nos seus
óculos escuros.
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E eu penso como deve ser acordar todos os dias, Quero trazer à tona uma
estender um pano qualquer
e vender a Cássia Eller. coisa que a auto-ajuda
Meu amor, eu tenho um pouco de vida a te dar.
Essa que me sobra me inunda e me transgride. estragou: a felicidade
Mas tudo pode esperar suspenso.
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em qualquer presença que emperre Hematopoético
quero decretar que a única forma de ver
é antes ter tido uma mais completa escuridão hoje, acordei a poesia.
dormia em meus pulsos.
quero decretar que se erga agora
e faça seus escândalos veio este poema leucócito, hemoglobina.
que rasgue seus papéis que apague suas frases
que coma e engorde, que corra e emagreça em minha jugular
que suma e apareça que mude que fique que seja correm glóbulos de palavras
recomece. de uma poesia escarlate.
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metabolizo sensações em sopas de letrinhas. quanto este poema etc. etc. etc.
eu te daria adjetivos:
durmo acordada, quando ouço os barulhos das feriado, copo de água, band aid da alma, mercurial,
veias, Graal, na sua
por que não na minha?
as obras de arte decorativa de Florianne Gregório,
vasos
e imunidade a qualquer coisa que não seja pulsante
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Antimemória Marina, Maria, vocês se
pintaram?
uma das formas de se preservar aqueles resíduos Maria José Coni, de 22 anos, e Marina Menegazzo, de 21, realizavam o sonho
dos bons momentos que ainda perduram na de sair de Mendoza, na Argentina, com uma mochila nas costas para conhe-
lembrança. cer a América do Sul. Esse sonho, porém, foi interrompido poucos dias atrás
Mas, com o esquecimento, perdurarão apenas no balneário de Montañita, no Equador, onde as duas foram assassinadas
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Para Beatriz Tabuada
Ela tinha olhos de costureira. Esses olhos aperta- Quanto mais amor para o outro menos amor
dinhos com um olhar miúdo. para nós mesmos
É o tempo que gastamos ensaboando alguém no
Acho que ela olhava pontos, tramas, pespontos, banho
linhas sobrando. E não nos esfregamos ao certo
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Quanto mais amor para o outro menos amor Possessão
para nós mesmos
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Esta é uma história de Risque as palavras em
cílios desuso
Da sua penugem nas pontas das pálpebras. Por que o amor é uma palavra tão curta?
Porque é a abreviação.
Pálpebras essas, escotilhas. Não caberia.
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em veias que são ferrovias por onde passam os a Deus e o acaso.
dias, descarrilados. Aleatório, o amor deriva da química, da geo-
metria e acaba por causar literatura e novas
As pequenas e delicadas texturas de sua carne línguas e novos países e novos e insondáveis
onde deposito toda a minha vida de imensa re- mulheres e homens. Dizem que o amor é preci-
clusão no desconhecimento do amor. pício. Eu acho que precipita.
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Fim Essa cama onde nos deitamos, a esperar o afago.
O travessão do próximo, o próximo, amar ao
próximo, me aproximar, chegar. Eu tenho apenas
uma promessa: nunca, nunca, vou ficar amarga.
Meu nome quer dizer amarga, mas quer dizer amar
de inícios somos feitos. se mudarmos a ordem das sílabas.
Somos todos feitos de inícios, perambulamos Sou assim, dicotômica, paradoxo de pele e frases,
até encontrar o próximo. Portanto, envelhecer paradigma de meu passado e o desejo de meu
apavora, futuro.
há menos inícios depois de uma certa idade, E me precipito no sim.
Eu penso na cadela Laika, abandonada pelas ruas, Saí do meu abrigo.
até ser convocada e chegar à Lua. Há uma festa acontecendo e eu estou nela.
Penso naquela senhora que deu a volta ao mun-
do em um balão.
E o tempo se vende na rua, em falsos Louis
Vuitton.
E somos.
Somos todos calados, iniciados por travessões,
antes da boca, no ar ao nosso redor.
Eles escutam, escoltados como dentre os dentes
entre as folhas que me surgem, brancas ao nascer
de um pensamento, eles sempre estão, os traves-
sões e pormenores ditos,
somos tanto e alguns sempre com aspas, desde
que houve clarices, herbertos, carlos
Antes de eu dizer meu próximo eu te amo há a
rígida reta horizontal de um travessão.
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Impresso em Impressão Offset
Papel Pólen Bold 80g/cm²
Fontes: Fjord e Bemio