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A Alegria Delicada dos Dias Comuns

Poemas de Mara Coradello

Também eu saio à revelia

e procuro uma síntese nas demoras

cato obsessões com fria têmpera e digo

do coração: não sou e digo

a palavra: não digo (não posso ainda acreditar

na vida) e demito o verso como quem acena


e vivo como quem despede a raiva de ter visto

Ana Cristina César

“batalhão perdido de debatedores platônicos saltando dos gradis das escadas de emergência

dos parapeitos das janelas do Empire State da Lua,”

Allen Ginsberg, em Uivo


Para aquele que primeiro me leu e me autorizou.
A alegria delicada dos dias comuns

O mais triste são os dias sem cores fortes,

dias aparentemente, banais

com seu syrah favorito

uma cerveja gelada com camarões fritos.

Uma noite de sexo exemplar.

A manhã mostrando seu cachorro

agradecendo a existência da grama,

rolando feliz.

Um exemplo: poucas vezes ele conseguia dormir cedo

_quase nunca a abraçava durante o sono.

E era das noites de exceção que ela gostaria de lembrar agora, com exatidão.

Dos pés gelados e dos braços ao redor do infinito

da companhia encontrada em meio à profusão de pequenas coincidências

que é o amor.

Um dia desses que não existem

Por ser bom e perfeito

ele se perde na massa convulsa dos GRANDES ACONTECIMENTOS.

Onde se escondem esses dias?

Nas dobras rugosas do tempo, onde cavamos o bom, o ótimo, o grandiloquente.


Onde guardamos a alegria delicada dos dias comuns?

Enquanto esperamos esses dias de

grandes decisões, de rupturas, de colisões, de bodas, de aniversários, de prêmios,

enquanto aguardamos e engendramos o grandioso,

somos felizes nos dias pequenos.

Enquanto esperamos que chegue a hora de cear,

somos felizes na cozinha triturando nozes ou, quem sabe,

sentindo pela casa inteira o cheiro bom e doce.


Testamento

Eu mesma tenho tédio

da minha cara de escritora classe média

dentes brancos

cara lívida

Eu mesma me decreto

um simulacro de vida

que só lacra a lava de outras que não vicejam

e que ainda diz, sejam

no imperativo hediondo do anúncio do jornal

Sou com exclamação e pouca dor

de quem sempre teve danoninho,

mãe que não bebe nada mais que vinho

pai que trazia brinquedo

tio que era exemplo

avó que contava segredo

tudo organizado, enumerado, nome à caneta no meu copinho

Uma vocação de casa, escola, analista, vestidos, tinta de cabelo, cinema, academia e olhe

aquele sapato.

Eu mesma tenho tédio e procuro a loucura,

como quem flerta com o tempo

com a promiscuidade do verso

com o balançar do lira


com a meteção da rima

e o cacete do poema

Eu mesma tergiverso

sobre o homem nos trilhos do trem

quem o esmagou de fato?

Quantas mortes nos trilhos do trem da indiferença fazemos com nosso assentir?

Eu mesma me despeço

Arranco a folha imaginária dessa máquina de pixel

te amasso

te arremesso na lata do lixo de Borges

Na Biblioteca dos Livros que Não Foram Escritos

Dos que deixam o poema virar dor

Dos que deixam o verso os arremessar da ponte

Dos que matam em si o filho romance

Dos que abortam a filha crônica

Que nem chegam a dar nomes aos netos livros

Esses que não escrevem as palavras e sim arranham a existência

com cada uma de suas miseráveis vidas

E para eles que eu vejo apenas o inútil da brincadeira de vaidade

da futileza

de toda delicadeza escrita

Essa gente que ejacula poesia antes que se torne a epopeia de nomes, mercado, vinho ruim

no lançamento e silêncio na estante.


Incêndio Portátil

Para saber de mim é só perceber que: antes de tudo, sempre, ontem, até amanhã e só

enquanto vivemos, agora, neste instante, em qualquer que seja lido: acontece um incêndio.

Descaso, criminal, por cigarro, por karma, por curto-circuito, para caber num escrito,

enfim: sempre haverá um incêndio.

Enquanto te olho e você recolhe aquele papel no chão e por ignorar em alguma parte do

mundoeste, pelas asas da borboleta da fábula ruim, pela sua tatuagem que você ensaia fazer

há dez anos.

É somente pela noção do incêndio é que não gritamos a palavra fogo.

Essa guerra do oxigênio que significa retirar sempre a mão, a pele, o olho.

Já pensou que um incêndio só acontece porque quase tudo é de fato feito de epidermes?

Algo que queima arquivos de ferro e desterra.

Você me pergunta: para quê fatalista e urgente? Eu imagino que sei do mundo. É apenas

porque eu acho das coisas que perduram: elas precisam queimar somente para que, enfim,

encontrem a sua extinção.


Trago seu amor em cinco dias

Primeiro dia trarei seus olhos para tomares conta.

E impedir que olhe outra.

Segundo dia: a mão com a qual nas suas costas, no meio da noite

qual cursor do google map

pedindo abraço e concha.

Terceiro dia trago os cigarros não fumados,

que ele insiste na impotência frágil do tabaco mentolado.

A boca dele delineada num estilete de brinquedo.

No quarto dia arrumo delicadamente sua voz,

emoldurada numa garganta profunda de fio de nylon,

cortada em medo.

No quinto dia te dou seus pés.

Para que enfim, more com você.

e dormir seja pra sempre ao seu lado.

Trago seu amor em cinco dias,

em fatias.
Oração dos Amantes Platônicos

Vou fazer uma oração porque quero saber de Deus e de você. Como quero ser teológica,

vou falar antes de Deus e me referir a ele com maiúsculas. Vou falar antes de Deus, porque

quero ser obediente desse amor a Ele antes de todas as coisas. Se bem que você não é

apenas coisa. Antes desta oração terminar você ainda é coisa, até literário este mandamento

da forma que foi traduzido: amar sobre todas as coisas, sendo todo o resto coisas, então

coisificando espaços, populações, toda a coletividade e você. Como se as coisas fossem o

chão, e sobre elas o amar a Deus.

Somente antes da oração você é simplesmente coisa, porque para isso serve esta oração,

para transmutação.

Mesmo porque não acredito em traduções de hebraico antigo para português

contemporâneo.

Vou falar de Deus.

Com meu silêncio.

Quero-o deitado antes de mim na cama, sem lamúrias ser sua e dentro de mim ter o

verdadeiro díspar, ser disparidades, poros abertos, cabelos que encrespam dias difíceis e

sofrimento – que Deus seja o apaziguador – e potente para que à sombra dEle o dia seja

apenas um dia_a noite uma noite – e espero ter, ao contrário do que tenho tido_mais

coragem de dia do que à noite – como nós, imbecis, tememos mais as margens dilatadas,

incabíveis na nossa visão_que são os dias_ e amamos o pequeno e aconchegante espaço

onde o que podemos ver se insere e se encerra: as noites.

Deus: que nosso dia seja nosso irmão e que pertençamos à mesma natureza, eu, o dia e

Você.
Depois de querer ser apenas da mesma matéria que Deus.

Vem a parte profana de amar você sobre todas as coisas.

O que tenho tido por você é o desejo de saber_quero saber quem é você_esse “quem” em

sua totalidade. E em seus riscos.

O maior risco é que depois de saber eu ainda queira.

Como você dorme à noite? De camiseta branca e uma leve bermuda de algodão.

O que come ao acordar_como é sua voz ao acordar?

O que espera do dia? E a marca preferida de dentifrício? O banho e o cheiro que se

desprende de seus cosméticos. O horário do banho? Seu café é forte. Açucarado. Uma vez

me confessou que não comia gordura – fiquei feliz com esse pormenor como a um presente

precioso – e suas manias de mastigação?

Qual o rumo prefere tomar quando entra em seu carro?

E como seria logo após se apaixonar por mim? E aonde poríamos as mãos?

Confesso que não sei aonde por as mãos e os acentos. Qual de nós começará a começar?

Onde precipita o sim?

De conjecturas eu vivo agora, como que com cafeína nas veias.

Comece.
Insone

Ele a esperava dormir, noite após noite.

Quando ela era pedra,

ele aspirava o odor do hálito dela, de sono e distância.

E recolhia um longo fio de cabelo, sempre restava um

_ao final da cabeleira entrelaçada nos sonhos irriquietos da mulher.

Ao final de vinte anos

ele havia recolhido um edredom de fios.

Então ele se cobriu da coleção de cabelos entrelaçados

manta marrom ocre dedilhado de prata

numa seda tecida com o mais macio dos interstícios.

_E enfim conseguiu dormir.


Meu desejo a tamborilar um samba

Deus teve pena do meu desejo.

Deus teve pena de mim com um pires sentimental na mão.

Com a inglória deste brilho obsceno no olhar.

Meu desejo é esse cego bailarino que insiste em não andar nas pontas dos pés.

Meu desejo extraviado.

Meu desejo é uma carta com um só remetente, e esse nunca está em casa.

E meu desejo retorna a mim.

Com selos do descaso e carimbo de devolvido.

Eu sou a trilha do Último Tango em Paris.

Meu coração é aquele apartamento abandonado que exige somente um morador.

Meu desejo não quer fiador contra infortúnios.

Porque meu desejo não faz sentido.

Coisas cortantes e estilhaçadas e recolhidas no chão.

Como as pequenas flores da ikebana que você não me deu.

Meu desejo sai de casa sobre meus pés e me leva junto.

Para te ver tocar e ensaiar sua arritmia proposital nas mãos.

Meu desejo é uma bateria. Um solo qualquer de bateria em qualquer música descompassada

de jazz improvisado. Meu desejo é novo em folha. E entorna-se perante seus olhos.

E meu desejo é singularmente ridículo.

Como são ridículas todas as coisas ainda desprovidas do amor.


Da série: poesia sem tratamento: feita no ato

vou ficando transparente

sumo como limo

suco feito nuvem

plúmbea quanto chuva

vou esquecendo de mim

em gentes que nunca nem vi

em lugares que não pousei

antes doida que chata

antes desordem que calendário

antes mãe que medo

antes eu que você

antes que seja tarde e

viro adélia, adilia e homilia de missa parda

viro quente, penugem e leite

viro eternidade

e fico moça de novo no beijo do instante

antes que seja quieto

pra sempre
Sinto uma Não-dor Física

sinto euforia nos dedos. se eu fosse asmática inalaria cidreira em meio ao vapor.

meu estômago tem certa medida do que sinto.

meu estômago alardeia aos meus outros órgãos o que pressente.

meus órgãos todos pressentem a vida, como uma celebração em secreções novas

células em glórias

ritmo profundo de ouvir minha própria respiração.

sinto gostos e cheiros com enormidade de notas.

eau de cologne da vida

do tempo e das ruas

profusão de mim

deve ser porque não fumo há uma semana e não bebo há dias.

deve ser porque hoje é sexta. porque tenho medos. ou porque os perdi.
Primícias ao Inferno

Anelize pensou em quantos anos de solidão e dor

ainda havia pela frente.

Vistos pela fresta e duvideodó que um dia

tudo mudasse assim, repentino.

Como essa sensação de presidente novo, nos primeiros dias.

Como festa surpresa de aniversário.

Ou tentar e achar um código novo, nas letras do alfabeto arábico.

Um dia Analize despejou tanto perfume quanto cabia no decote.

E entrou no puteiro.

Anelize era tão velha para um puteiro quanto seus 32 anos poderiam suportar.

E acabou sendo cozinheira, depois fazia drinques, depois virou assessora de notícias do

puteiro.

Faz freelas em segredo para as putas.

Ficou rica e ainda realiza a vontade, sem doer muito:

tem fama de puta na rua em que mora.


Verdades, verdades fresquinhas

O carro de pamonha passa e ouço suas melancólicas verdades.

Fresquinhas.

Faz um sol que herdamos de nossos subterrâneos de inferno.

sol que nos arde nas entranhas encarrega-se de dissuadir o sol oficial.

O lá de fora.

Aqui dentro há um ar-condicionado e um edredom com flores pálidas e roxas e verde

[milhares de lagartas destruíram

as árvores de minha cidade.

As lagartas estavam

nas folhas e caindo sobre nossos cabelos e olhos e ombros.

Aquela minha cidade que é uma ilha e tem todos os lugares diminutivos para caberem nesta

ilha sem chegar a escorregar pelos mares]

Vi de lá de cima que as nuvens podem estar em diversas alturas.

Quando vim no avião as nuvens eram tudo que importava.

Vejo você trazendo suco e só assim tem direito de estar lendo agora sobre os meus ombros

os parágrafos anteriores.

Posso escrever eu te amo agora.


Cibele

Nenhuma novidade por ali.

Aliás,

quando perguntavam pelas novidades à Cibele ela odiava

a pergunta e o perguntador.

As novidades.

Os dias tinham aqueles acontecimentos pequenos,

mofados e sem interferir na vida: a rotina.

como um pequena sujeirinha na blusa branca,

você vai ao banheiro esfrega com a escova de dentes e sabonete.

Fica aquela aguinha ali,

depois só lembra porque sua escova de dentes está salobra.

Eram os restos do sabonete.


Cibele Comia

Arroz, feijão, farofa, fritas e dois tomates que devem ter sido cortados

pela manhã,

o que posso ver pela envergadura de sua película de cobertura e

por seu vermelho triste.

E filé de alcatra

Desfaço o bolinho de arroz.

Jogo o molho à campanha que em alguns estados do Brasil é

vinagrete.

Ponho na boca.

E mastigo.

Em dado momento

vejo que o filé de alcatra tem pouco.

Mas a pequena montanha de arroz persiste.

R$ 6,10.

Ponho pedacinhos miúdos de filé na boca.

E ao longo de sua mastigação ponho mais arroz.

Rende o filé assim até eu quase terminar a montanha de arroz.

Arroto em silêncio porque me lembro de ainda ser uma menina.

Ódio é uma coisa que você segura bem no cantinho de algum lugar seu.

Faz você render mais nessa vida.

Chupe o caldinho do ódio. Não pronuncie a palavra. Pega mal.


senhoras e senhores.

toda vez em que vivo não escrevo se apenas me ponho a escrever: não vivo.

esse pormenor de vida que é viver pensando frases]

pinçando frases

sobrancelhas longas numa vida em branco rosto de poros

e enquanto vivo olhando garçons de uniforme desbotado vermelho

pedaços de algo que foi era em anos passados

quero viver trezentos anos

pinças velhas

felicidade fácil

eu te amo

250 cervejas

O negro caribenho francês no bar na esquina

Copacabana nos olha de esguelha

na esquerda

só os cartões postais não esquecem do que fala a vida

retratos coloridos de um fausto terror para onde correm montmartre todos os mendigos

velhas que caem de janelas e velhas que se pintam e têm amantes


amor

amor eu amo e me espalho entre amores entre os lugares todos sempre há este resto de

amor entre os dentes

pedaços

viva os pedaços que inteiros não seriam pedaços

seriam as coisas pela metade

faminta e ainda mordo esse otimismo morno

me espalho
Missiva para ninguém e para todos.

Um escritor tem a obrigação de nunca se cansar.

Não pode se cansar de ouvir histórias,

nem se cansar de ter vontades de curiosidades.

Um escritor pode arrefecer como as cores na neblina,

sua voz ficar inaudível,

mas o inaudível nunca é igual ao calado.

O escritor se mantém inteiro dentro dele neste pacto com sua própria morte,

porque ele sabe que vai sobreviver às traças, agora que inventaram os chips.

Um escritor a esperava e ela contaria uma história para ele,

uma história de sua prostituição.

Qualquer uma.

Contou a ele, enquanto se maquiava com tons de dourado,

sangue e azul violáceo, contou histórias de alguns homens.

Mas o escritor,

já recolhido à pura busca de forma em detrimento do conteúdo,

perdeu-se em inventar horas.

Antes horas do rosto dela abaixo da luz amarelada

e encoberta por filó lilás.

Depois pedaços de sua maquiagem depois da foda.


Maquiagem antiga

e diluída na mais clara temperatura do suor.

Logo mais,

era a luz do sol acertando-lhe em cheio as rugas.

Assim,

esse escritor, que na verdade sou eu, escreveu esta

memória triste, que termina com a pele dela, sob a terra.


A Mulher Mais Bonita da Cidade

Não tem cor de bege.

É negra e dentro dela mora um gato que vive num telhado com chuva.

Chove sempre lá e a mulher por isso vive com os cabelos molhados e parece ter saído do

banho agora

e sempre.

Ela tem a pele morna ainda do banho. Agora e sempre.

A Mulher Mais Bonita da Cidade tem um título de Bukowski, outro de Miller.

Mas ela também tem Sabino, Parker, João Antonio e todo o resto.

Ela tem homens e mulheres.

Numeradas portas existem dentro da estante dela.

Em dias em que ela se sabe a Mulher Mais Feia da Cidade, ela entra lá,

se encolhe num dos livros e bebe sozinha as letrinhas todas enrugadas da vida que rouba

dos livros.

Porque esta moça é indisfarçável.

Uma moça nunca igual às outras, só para variar.

Aprendeu a usar rímel semana passada.

Nunca fala mal de ninguém e tem um hálito invisível.

Mass palavras dela não são invisíveis.

Ela as coleciona em potes de café solúvel.

Palavras solúveis.

Em baús debaixo da cama.

Empilhadas entre seus discos de vinil.


Ela manda notícias que logo depois são repetidas pela vida.

Um dia essa Moça veio me falar dela.

E contou histórias tristes e belas e cheias de abraços e despedidas.

Um desterro e uma certa hora de ir embora pontuavam o assunto.

Quero que ela fique e tenho de contar a ela o quanto ela é linda e cálida

e o quanto ela é boa em queda de braço e o quanto ela doa.

e dói vê-la indo embora.

Os espelhos distorcidos nos quais elas se olham, os olhos dela.

Eu tenho medo que um dia eles exagerem.

Tenho tanto medo que conto essa história.

Da Mulher Mais Linda da Cidade.


Emaranhada

Ultrapassar os limites do razoável em literatura.

Uma mistura de teclas em excesso, cortes bruscos de palavras

como suicídios.

Um conclusão da dor.

Uma ironia da mesma dor.

Zombar de tudo e dedilhar como quem toca o ermo, o acima, o pus.


Endereço da epifania

Parar na esquina da Prado Júnior com a Ministro Viveiros de Castro, no Lido,

é sempre ver algo literário.

Um bom livro lembra a vida.

Uma boa vida tem acentos de certos livros.

Ele com seu andar magro e sua barba que escava o ar abaixo de seu queixo.

A pele tem um colar nos ossos.

Nos olhos que vi

bem depois pude adivinhar sonhos de sua mãe para ele.

Ousei até ver suas imprecações

e ver que ela sonhava uma vida nele.

Não havia mais nesse homem a sua mãe.

Por ver isso, chorei.

Outro giro de cabeça.

Um homem que deve usar sem culpa o adjetivo normal:

calça de brim, rosto em pregas sensatas, uma camisa amarela clara

e lavada

sabão em pó, amaciante, ferro com vapor

certamente em um tanque num espaço ínfimo pela mulher.


Pedalava com felicidade uma bicicleta de corrida.

Em seus ombros flácidos_espere, em seus ombros coisas peludas?

O homem carregava na corcunda um cachorro branco peludo.

Agarrado a ele como um filho.

Pior: agarrado a ele como se o homem fosse o seu filho

Eu sorri.

........................................................................................................................

Mas Copacabana tem salvações

no Lido posto 6 em seus segredos

Em algum lugar onde andou Antônio ( o Maria e o João)

na minha mobília preferida do Cervantes: o Fausto.

contado pelas velhinhas de roupas em pois combinados

de mão dadas na emocionante tarefa de atravessar a rua.

há caixas de ovos com meia dúzia versando Bataille

e me vendem bifes solitários para ocupar geladeiras de uma pessoa

há café árabe no Amyr com borra que suja os dentes dos amantes

como sua shawarma indecente e grega

há pedras portuguesas santificadas

pela porra de mendigos que amam, inutilmente, as travestis

aceitando a tudo impassíveis e à prova de modas, putas e pés

há um turbilhão de negros, loiros e morenos, italianos, noruegueses, americanos

competindo com frango assado na esquina sem farofa


e tudo isso conspira para que sejamos autênticos como aquela senhora de bobs

nesse circo de resistências que é Copacabana

não precisamos mentir

nossas bizarrices são respeitadas e sempre menores que as do próximo

uma coisa escrita rápida sem ser automática

Copacabana me dói na alma, na cara, na cana, na mens nada sana

como se minha alma fosse feita de um lápis

e as ruas de Copacabana uma borracha rosa e azul a apaga-la

meninos me pedem para ser mãe,

pari-los ao meio dia com uma nota amassada de um real

medo de minha bolsa ser arrancada por um sorriso

ficar vendo livros nas esquinas com gente que vende

e ainda me pergunta se quero pagar amanhã

tratados de código civil, sheldons e quintanas

no mesmo saco

.................

e minha alma anda sendo arrancada

qual pedrinha portuguesa que engoliu um salto errado.


P.s:

em alemão literatura e poesia são designadas pela mesma palavra.


Passagens motorizadas e sem Benjamin

Tiro minhas sandálias de cor crua com salto de cortiça.

Alpargatas de salto alto. Ponho meus pés no painel do carro dele.

Sou a carona. Carona na vida dele.

Ele consegue dirigir e olhar meus pés. Eles estão sujos. Ele diz. Cheios de craca. Ele diz.

Isso me machuca. Tiro meus pés. Os dois. O esmalte está saindo.

Meia hora depois no tal motel da Glória. Ele lambe meus dedos um a um.

Lembra o cão que achamos na rua.


Faço uma espécie fervorosa de reza que me aquece a cabeça.

durmo com essa oração e juro que dela não acho palavra.

ela miscigena termos de um pai-nosso com palavras soltas que falam juntas sem acentos e

algumas sem vogais

certas palavras que nem existem, umas que eu apenas sinto e não se trata de Joyce.

trata-se de algo muito mais santo.

mas sei que resultam numa oração às cegas.

o amor certas orações e qualquer tentativa de sair do chulo e tocar com dedos

bem suaves unhas feito curtas e muita candura o sagrado é assim: no escuro.

mesmo que as luzes daquele motel na gloria entrem, mesmo que os faróis de nossa

senhora de Copacabana esporrem.


Para ler em dias de skylines turvos.

Quem foi que inventou essas mentiras que a gente fala um pro outro?

Quem foi que cortou as fitas amarelas e pretas ao redor das observações funestas que

dizemos um ao outro?

E elas se soltaram e resolveram chegar às bocas.

E se reproduzem só de encostar.

Agressões verbais são assim: germes que se tocam e proliferam.

E como essas mentiras saem assim vestidas de verdades infladas?

Quem foi que primeiro deixou de adoçar o café do outro?

Cinco gotas de adoçante versus cinco colheres de açúcar o que acaba sendo tão difícil de

equilibrar em duas mãos que seguram ainda a colherzinha da falta de gentileza?

Quem não dosou certo o afeto?

Quem derramou shampoo de menos, sem lembrar dos outros 120.000 fios de cabelo, são

fios demais para ignorar, ainda na água fria para não torná-los opacos, a água fria do banho

tomado só.

Quem foi que inaugurou o grito?

Quem lembrou da displicência? Quem antes do outro pernoitou de esguelha, incomodado

na cama, quem juntou nós nas costas só para não encostar?

Quem de nós dois crê mais piamente na


Santa Insegurança do que no

Deus das Pequenas Coisas?


Pseudocrônica

Vamos fazer um movimento?

uma dessas revoluções de improviso.

ao som de Brubeck.

limpo de referências feito um bom solo de caixa de fósforos.

Vamos pernoitar insones?

tecer no escuro pequenas bolhas de luz,

trazer nos dedos as unhas intactas de não roer.

Vamos ouvir os ruídos de vitamina C

efervescente em crianças pequenas sem carências?

Vamos aglutinar os dias onde as alegrias são coalhadas?

E unir todas as alegrias, na pequena indiferença às arestas, brechas, recônditos, desvãos.

Uma alegria compacta, lisa, rutilante, perolada, de brilho quase leitoso,

feito um capô de fusquinha branco.

Luzir.

Vamos luzir incipientes?

Vamos ser jovens, o novo, e cálidos para sempre?

Vamos marcar encontro com o acaso?

Sabe como funciona?

Assovie ao caminhar,

sem óculos escuros, num dia em que o sol franza sua testa.

Tropece sem querer nos interstícios da calçada.


O ruminar do tempo não polui os mares das palavras. Elas são banhadas em claras de ovos,

em doces portugueses caudalosos, em fremir ansioso de ventura e do toque sincero de asas

de borboletas abestalhadas nos cílios das estátuas: substituem os momentos, as palavras, e

assim intensamente os causam.

E a palavra é a pipoca no óleo quente da vida.

Se trancar palavras na mão elas morrem, como pássaros antes quentes borbulhando o ruído

de suas penas.

Sufoca pegar palavras, mas ao contrário da metáfora do pássaro,

prender palavras sufoca quem as prende.

O melhor invólucro das palavras

é o mesmo cristal que se parte ao ruído silábico.

Inaudito para matérias mais duras.

Escapista eu?

Até gente tem saídas de emergência:

buracos no nariz,

para sair bolhas de água tônica,

olhos por onde escapa a luz interna.


O seu amor por mim era igual aos pontos de ônibus de Vitória. Apenas uma aparência

transparente de um adorno que só pontua, que não protege do vento, nem da chuva, nem do

sol. O seu amor era uma beirada de vidro que não abraçava.
Mando notícias de mim, em tempo real.

estou com pressa, estou impressa, estou expressa.

Mando notícias de mim em tempo irreal.

estou em baixo de asas, recolhida em um encontro, com meus próprios joelhos.

Mando notícias de mim em tempo mórbido,

estou em busca, estou nublada, estou com sede.

tenho agora um fio

de memória pronta a degenerar-se.

Mando notícias de mim

estou abrupta, estou ininterrupta, e estou com sexo.

Os Riscos Além da Sua Janela

Meu amor há uma luz lá fora, intensa.

E os meninos perguntam por você.

O sol faz as cores se espreguiçarem,

mas elas podem ser delicadas com você, nos seus óculos escuros.
Você ainda poderá sentir o vento. E o vento desses dias de março

deve te pegar de jeito, numa grande lambida quente.

E descobrir coisas geladas pequenas como um picolé Itália. Dois por 1,20.

E tomar água mineral com gás nesta Av. Atlântica, é um programa extra-sensorial.

Mas apesar de confundirmos intensidade com urgência, não há pressa.

As coisas todas poderão esperar por você, elas me dizem que concordam.

E há música estendida nas calçadas.

E eu penso como deve ser acordar todos os dias, estender um pano qualquer

e vender a Cássia Eller.

Meu amor, eu tenho um pouco de vida a te dar.

Essa que me sobra me inunda e me transgride.

Mas tudo pode esperar suspenso.

Como aqueles círculos etéreos

que o moço cego faz com sabão em pó e entrega àquela criança.

Criança.

Meu amor, esse isolamento é invencível só por hora

Há tempo.
E o tempo é apenas a convenção da pele, dos tecidos e de nossa perecebilidade.

Mas ainda há o que chamamos de alma

E ela me disse que precisa de um pouco de tempo.

quero trazer à tona uma coisa que a auto-ajuda

estragou: a felicidade

quero decretar que a própria

é algo encontrado em slogans de rua

em ironias de tias

em qualquer lábio que a diga


que sou simples e viva

e que de minha vida a melhor parte é ser toda

de ser toda eu tenhos as metades

umas terríveis como ontens, cheias de medo

quero decretar que qualquer ausência já é

a presença compacta dessa própria ausência

deliciosa por si própria

quero decretar gritos de esmero

no único intento de alegria

pura, derramada como óleo ungido

em qualquer presença que emperre

quero decretar que a única forma de ver

é antes ter tido uma mais completa escuridão

quero decretar que se erga agora

e faça seus escândalos

que rasgue seus papéis que apague suas frases

que coma e engorde, que corra e emagreça

que suma e apareça que mude que fique que seja

recomece.
quero decretar a graça

Hematopoético

hoje, acordei a poesia.

dormia em meus pulsos.

veio este poema leucócito, hemoglobina.


em minha jugular

correm glóbulos de palavras

de uma poesia escarlate.

poema de quem come nuvens.

aos que isolam os rinocerontes da vida como asmas de fracos

declaro alergia.

frascos contaminados por si mesmos, doídos

dos idos dias de Sebastião Almeida

eu toda albumina, hemácias, fibrinas

e imunidade a qualquer coisa que não seja pulsante,

metaforizo tudo.

tomo ferro.

tenho anemia

metabolizo sensações em sopas de letrinhas.

durmo acordada, quando ouço os barulhos das veias,

as obras de arte decorativa de Florianne Gregório, vasos

e imunidade a qualquer coisa que não seja pulsante


a gênese da poesia está no tecido hematopoiético

na medula de nossos ossos

há essa procissão de glóbulos

essa aversão a anticorpos.

sou uma hemorragia,

faça-me coisas delicadas com as mãos.

você jura que não corre e nem vai achar que eu quero te colocar num:

pedestal, cartório, canto da minha cabeceira, holograma?

por quê eu simplesmente não consigo acertar um:

apelido, afago, frase com aspartame, entrega de corpo à domicílio, acento?

simplesmente eu tenho medo de ser:

assustadora, criança, previsível, tão lugar comum quanto este poema e etc, etc, etc.

eu te daria adjetivos:
feriado, copo de água, band aid da alma, mercurial, Graal, na sua

por que não na minha?

Antimemória

uma das formas de se preservar aqueles resíduos

dos bons momentos que ainda perduram na lembrança.

Mas, com o esquecimento, perdurarão apenas como a sombra de um quadro que existiu há

tempos.

Ali, naquele retângulo da parede, a tinta ainda está clara,


ao seu redor a poeira fez seus dias.

Fim

de inícios somos feitos.

Somos todos feitos de inícios, perambulamos até encontrar o próximo.

Portanto, envelhecer apavora,

há menos inícios depois de uma certa idade,


Eu penso na cadela Laika, abandonada pelas ruas, até ser convocada e chegar à Lua.

Penso naquela senhora que deu a volta ao mundo em um balão.

E o tempo se vende na rua, em falsos Luis Vuitton.

E somos.

Somos todos calados, iniciados por travessões, antes da boca, no ar ao nosso redor.

Eles escutam, escoltados como dentre os dentes entre as folhas que me surgem, brancas ao

nascer de um pensamento, eles sempre estão, os travessões e pormenores ditos,

somos tanto e alguns sempre com aspas, desde que houve clarices, herbertos, carlos

Antes de eu dizer meu próximo eu te amo há a rígida reta horizontal de um travessão.

Essa cama onde nos deitamos, a esperar o afago.

O travessão do próximo, o próximo, amar ao próximo, me aproximar, chegar.

Eu tenho apenas uma promessa: nunca, nunca, vou ficar amarga..

Meu nome quer dizer amarga, mas quer dizer amar se mudarmos a ordem das sílabas.

Sou assim, dicotômica, paradoxo de pele e frases, paradigma de meu passado e o desejo de

meu futuro.

E me precipito no sim.

Saí do meu abrigo.

Há uma festa acontecendo e eu estou nela.


Minhas mais insinceras desculpas

Instruções:

1) leia;

2) retire as páginas do livro;

3) faça uma bolinha de papel e jogue, com esmero, no crânio do amado (a).

Aconselho que envolva uma ametista gigante ou mesmo sua coleção


de pedrinhas de rio no imbróglio. Pode usar estilingue.

Aconselho que corra.

Vamos ser gentis um com outro e não nos tocar.

Seremos não a coisa em si, mas os desvãos, a luminosidade da possibilidade que antes de

ser, é.

Nunca dividiremos idiossincrasias, contas, copos, fotografias.

Alheios à carnificina do coração, mergulharemos pétalas de alcachofras e as sorveremos no

extra virgem em conjunturas de menus em mesas opostas.

Seremos substância por vezes opaca, transparente e com o devir do vermelho, fuga para o

ocre. A artéria que ainda não existe, globulando em células a pulsação futura.

Seremos extremamente sutis, nem nos perceberemos.

Um brilho que antecede o verbo, no olho, o oh.

Uma cor anterior e intermediária ao produto final que nunca terá e nem será final, a cor

intermediária e nunca vista do amálgama de dois pigmentos. Porque antecedemos.

Seremos sempre inocentes em nossas brigas, não brigaremos e nunca suaves demais pelo

sono, não dormiremos, juntos estaremos somente em um e outro. No desvão de um

resquício de pensar, escaparemos e povoaremos, nunca seremos malfeitores em nossas

traições, não trairemos.


Esse seu ignorar-me..como aquela camisola de voal bege amarelado deixada numa gaveta

pela tia morta que sonha...sonha não a camisola: a gaveta.

Assim eu era quando era belo e altinho o meu platô.

Depois eu era:

Por que meu desejo não chega logo até você?

Se ele é audível, até mudo e guardado com botões até o pescoço.

Tão soberbo que dorme ao redor de sua cama este desejo.

Ele é lodoso, com tons de vermelho sangüíneo, dilacera a caixa onde cabem minhas

artérias, todas as veias. As veias são similares às artérias mas, porque elas transportam

sangue sob condições de baixas pressões, elas não são tão fortes como as artérias. Como as

artérias, as veias são compostas por três camadas: uma camada de tecido mais externa, uma

camada central muscular e a camada mais interna suave, formada por células endoteliais.

Seu rosto de oco é como eu o quero e quero tanto este seu ausente estar, que seco.

Desmaio.

Desmaio é uma forma de o cérebro requisitar mais sangue rico em oxigênio. Quando se

desmaia, a pessoa cai e permanece com o cérebro no mesmo nível do coração, facilitando

com que o sangue rapidamente alcance o cérebro.

Devido à grande concentração de substâncias excretas, o sangue contido nas veias tem uma
coloração púrpura-escura. Porque as paredes das veias são finas, o sangue venoso (rico em

produtos de excreção) pode ser visível através da pele como uma cor azulada. Olhe para

seus punhos, mãos ou prega de seus cotovelos.

Você provavelmente poderá ver seu sangue venoso sendo carregado de volta para o

coração.

De volta pra a realidade, todos perdem para você.

Os homens deveriam todos andar bem devagar, como caubóis, clichês de propaganda de

cigarro, porque o homem que anda na chuva miúda com passos ainda mais miudinhos tem

resquícios do imemorável e inesquecível passado; o inconsciente coletivo humano é,

somente, a junção entre o imemorável e o inesquecível.

O homem que anda com prazos apertados de passo a um e a outro me repugna, porque é o

mais prosaico perdedor para o tempo.

Por isso prefiro andar de saltos altíssimos e você.

Lento sempre e até quando anda depressa e quanto mais eu grito, mais você fala baixo.

Espero-o na porta do cinema, você perdeu o filme.

Como é úmido e escuro e agradavelmente gélido o útero do cinema, quando saio dele tenho

algo a trazer, uma vida qualquer. E fora deste útero a rua, seu ar com substâncias metálicas
a ser aspiradas e os carros com seus cheiros carbônicos e o reflexo da lua numa poça velha

de lama e os asfaltos com suas listras amarelas e as pedrinhas onde realmente rola o mundo:

uma palmada e eu berro.

É dia. E um amor platônico é mais ou menos como seu pai negando-lhe aquele carrossel no

parquinho de diversões. Uma disneylândia inteirinha do outro lado da cidade e não há

ingressos, aqueles chocolates numa revista dinamarquesa que sua tia trouxe do vôo. E antes

de podermos importar - você era uma criança chinesa na época.

Neste sol de 12 horas, seu horário preferido para começar o trabalho, eu, eu peço muitas e

insinceras desculpas por saber que eu pensei tudo aquilo ontem à noite no meu quarto...que

diabos as crianças fazem mesmo quando se apaixonam? poucas puxam cabelos e guardam

pedaços de doces e fumam cigarrinhos de chocolate e tomam muito biotônico fontoura -

vermouth é a bebida que tem menos calorias eu li numa revista feminina mas este é um

nobre sentir este de não ter a coisa vista à mão. Nobre nada. Se soubesses o que fazemos,

no pornô secreto exibido em salas de minha cabeça, contra a vontade você foi escalado para

o papel principal

Por isso peço minhas mais insinceras desculpas.


Tabuada

Quando mais amor para outro menos amor para nós mesmos

É o tempo que gastamos ensaboando alguém no banho

E não nos esfregamos ao certo

Suavizado o intervalo
Entre este alternar de água quente e fria

Esta bipolaridade inata aos banhos nossos

Eu tenho uns olhos estranhos desde que te vi

gotas de um sabonete líquido insistente

Quando mais amor para o outro, menos amor para nós mesmos

Eu como no almoço os tomates que você iria cear.

E outras frutas alheias a tudo apodrecem na copa

Eu tenho uma hora certa para te esquecer

e decido tudo por nós dois,

mesmo que decida não ter dois em nós

Quanto mais amor para o outro menos amor para nós mesmos

Eu vou descuidar um pouco de mim e no entanto melhorar os fios, as texturas e os orifícios

Eu tenho uma vontade estranha desde que te quis. Eu quero habitar o intervalo abaixo da

sua pele e me ver de lá.

Quando mais amor para outro mais amor para nós mesmos

Começo a entender.
Possessão

foi assim

com a endorfina, com a serotonina.

os dias foram me lavando e eles escorregaram para um ralo qualquer. eles: serotonina e

endorfina.

posso gritar seu nome e cortar todos os meus 10 dedos para não mais tocar.
posso sumir por aí, flanar por uma Lapa morta e suja, ver vultos nas esquinas do Lido,

sumir para Santa e mudar para Tereza.

Norma, Clara, Suzana. Posso ser Zuleika. Ser uma Laika, ser um instantâneo.

posso ser um dia assim cheio de nuvens corvos e um frio particular esticado nos meus

novos ossos.

Novos depois do mistério

de me abandonar.

Posso dedilhar novas lorotas para parecer uma escrita, uma prosa, um qualquer subtítulo

novo de literatura.

Posso ser a vida que levo quando vejo o povo das ruas engravidando, povoando mais ruas,

se esfregando ao sol,

Estendendo as mãos para roubar meus amendoins.

Posso ir morrendo?

Aqui jazz

só para falar que meus dramas são criados de improviso como um jazz

na antecâmara da morte

soprado de uma gaita de rua

com um mendigo com mal de parkison batucando uma caixa fiat lux.
O trânsito das horas

Somos a vitrine do tempo.

Exibimos mais que a passagem do tempo.


Somos vivas amostras do tempo em intervalos inteiros de orbitações matemáticas:

ponteiros.

Subtrair a vida parece a primeira ideia de tempo.

Uma idéia desmedida: tempo sempre assoma.

O tempo é feito de uma substância sutil.

Partículas de olhares, pó de memória,

cheiro de lavandas já usadas pelos avós, pais, nossos filhos.

O tempo é a naftalina na gaveta da gente.

O tempo é o tatuador de nossa memória. Sem o tempo não seríamos.

Perder a noção das horas é viver.

O trânsito das horas é ir e vir nas ruas-pessoas.

Quem não usa relógio acha que tem mais tempo.

O tempo começa onde termina a espera.

Um tempo, pedimos quando queremos saudades.

Há tempos, dizemos quando lembramos de quem não vemos.


Dar um tempo é como dar um presente ao contrário. Dar um passado.

Há tempo: aprendemos a lembrar principalmente quando parece que temos menos tempo.

No fim.

O fim vem em letreiros e tem música e as luzes todas acendem.

Passadas a limpo pelo tempo/as memórias são cidades, paisagens, aviões, vestidos de noiva,

amigos rindo, praias das infâncias, doces da avó.

O tempo é casado com o futuro e são filhos do passado e netos da felicidade. E pais do

infortúnio.

Risque as palavras em desuso

por que o amor é uma palavra tão curta ?

Porque é a abreviação.

Não caberia.
O continente do teu olhar, as planícies do teu abraço, teu sorriso cordilheira.

Como um menino na creche debochando do amiguinho sensível demais.

E todas as constelações de tuas palavras no escuro dos dias em que não as escuto.

E nessa imensidão no amor as coisas não possuem proporção.

O que pequeno se avoluma,


o gesto delicado deriva do imenso que nos olha por dentro e nos assombra acima de nós, o

coração pulsa inchado,

os afogueados glóbulos do sangue se fazem ouvir em veias que são ferrovias por onde

passam os dias, descarrilados.

As pequenas e delicadas texturas de sua carne onde deposito toda a minha vida de imensa

reclusão no desconhecimento do amor.

Essa paixão é a única coisa que, por não a termos, sentimos falta

de todos os seus detalhes.

Talvez igual a ter algo que não possuímos com o dinheiro,

porém o amor é ainda maior que um carro, uma casa, uma joia que brilharia falsa se no

pescoço da pele faltassem afagos

O amor é feito de pequenas coisas que grandes são quando a temos,

múltiplo denominador comum,

matemática perversa de um árabe que inventou as regras como um deus cria o mundo, sem

nos mostrar a origem.

Oculto em perfumes e trejeitos e faltas de jeito o amor coabita com a surpresa e é tão

inesperado como a explosão de um sol, a superfície de buracos negros, a relatividade

aplicada a Deus e o acaso.

Aleatório o amor deriva da química, da geometria e acaba por causar literatura e novas

línguas e novos países e novos e insondáveis mulheres e homens.

Dizem que o amor é precipício. Eu acho que precipita.


Esta é uma história de cílios.

Da sua penugem nas pontas das pálpebras.

Pálpebras essas, escotilhas.

Humor vítreo do que se abre em janelas.


Quando se descerram os compartimentos das penugens castanhas.

Seus olhos são refrões sobre a coragem, o cuidado e a tempestade.

Do modo que seus cílios são a moldura do fogo.

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