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LICENCIATURA EM HISTÓRIA

HISTÓRIA DA ÁFRICA
EaD
EaD
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

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2 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


RAPHAEL RODRIGUES VIEIRA FILHO

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

HISTÓRIA DA ÁFRICA

EDUNEB
Salvador
2012
© UNEB 2012
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que façam parte desta publicação.

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Catalogação na Fonte
BIBLIOTECA DA COORDENAÇÃO UAB / UNEB

VIEIRA FILHO, Raphael Rodrigues


V657 História da África / Raphael Rodrigues Vieira Filho. Salvador: COORDENAÇÃO UAB / UNEB,
2012.
76p.

ISBN: 978-85-7887-108-6

1. História 2. Historia da África 3. Continente Africano 4. Civilização Africana. I. Raphael


Rodrigues Vieira Filho II. Título. III. Universidade Aberta do Brasil. IV. COORDENAÇÃO UAB /
UNEB

CDD: 960

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Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB.


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Caro (a) Cursista.

Estamos começando uma nova etapa de trabalho e para auxiliá-lo no desenvolvimento da sua aprendizagem
estruturamos este material didático que atenderá ao Curso de Licenciatura em História na modalidade de educação
à distância (EaD).
O componente curricular que agora lhe apresentamos foi preparado por profissionais habilitados, especialistas da
área, pesquisadores, docentes que tiveram a preocupação em alinhar conhecimento teórico-prático de maneira
contextualizada, fazendo uso de uma linguagem motivacional, capaz de aprofundar o conhecimento prévio dos
envolvidos com a disciplina em questão. Cabe salientar, porém, que esse não deve ser o único material a ser
utilizado na disciplina, além dele, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), as atividades propostas pelo Professor
Formador e pelo Tutor, as atividades complementares, os horários destinados aos estudos individuais, tudo isso
somado compõe os estudos relacionados a EaD.
É importante também que vocês estejam sempre atentos as caixas de diálogos e ícones específicos que aparecem
durante todo o texto apresentando informações complementares ao conteúdo. A idéia é mediar junto ao leitor, uma
forma de dialogar questões para o aprofundamento dos assuntos, a fim de que o mesmo se torne interlocutor ativo
desse material.
São objetivos dos ícones em destaque:

– convida o leitor a conhecer outros aspectos daquele tema/


conteúdo. São curiosidades ou informações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta.

– apresenta notas, textos para aprofundamento de assuntos


diversos e desenvolvimento da argumentação, conceitos, fatos, biografias, enfim, elementos que o auxiliam a
compreender melhor o conteúdo abordado.

– neste campo, você encontrará sugestões de livros, sites,


vídeos. A partir deles, você poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas
ou outros olhares e interpretações sobre determinado tema.

– consiste num conjunto de atividades para você realizar


autonomamente em seu processo de autoestudo. Estas atividades podem (ou não) ser aproveitadas pelo professor-
formador como instrumentos de avaliação, mas o objetivo principal é o de provocá-lo, desafiá-lo em seu processo
de autoaprendizagem.

Sua postura será essencial para o aproveitamento completo desta disciplina. Contamos com seu empenho e
entusiasmo para juntos desenvolvermos uma prática pedagógica significativa.

Setor de Material Didático


Coordenação UAB/UNEB

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EaD
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Apresentação da disciplina

Ultimamente, você deve ter ouvido falar muito na África, nos interesses políticos e comerciais despertados no governo e
nas empresas brasileiras por este continente. Dependendo de onde você mora, é capaz até de ter conhecidos trabalhando
na África.

Recentemente tivemos uma copa do mundo de futebol na África do Sul e isso expôs ainda mais o continente aos olhos
de todo o globo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegeu as relações com o continente africano como prioritário para as ações diplo-
máticas. Além disso, uma das primeiras leis aprovados no seu primeiro mandato foi a Lei n. 10.639/2003, que obriga
todos os níveis educacionais, entre outras coisas, a incluir em seus currículos o estudo da História e Cultura da África e
de seus descendentes.

A humanidade começou no continente africano, portanto do ponto de vista cronológico é o mais intenso de todos em
relação a história.

A África é um continente rico em beleza e em recursos naturais e humanos.Sua diversidade de povos e culturas milenares
são surpreendente e a diversidade religiosa é fascinante.

Muçulmanos, cristãos das mais variadas denominações, e adeptos das religiões tradicionais africanas convivem, na mesma
cidade, no mesmo bairro, e às vezes na mesma família.

Então, como um continente tão grande, com tanta história, com uma variedade de povos tão grande, pode ser tão pobre
do ponto de vista econômico?

Esse é um dos motivos que torna a História do continente africano instigante. Porém, durante longos períodos a África ficou
esquecida, assim como sua história e todo seu legado de ideias, filosofia, religiosidade e desenvolvimento tecnológico.

Depois de um longo período de descaso, recentemente, retomou-se o interesse pela História da África principalmente para
nós brasileiros.

Os mercados africanos são de grande interesse para as potências mundiais, não só as maiores economias mundiais, mas
também as potências em desenvolvimento – o chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China) – e os grandes recursos naturais
do continente atraem cada vez mais empresas para explorá-los.

Diversos programas de pós-graduação têm elaborado e desenvolvido projetos sobre o continente e atividades envolvendo
pesquisadores africanos e brasileiros tomam vulto nas universidades e centros de pesquisa.

Projetos nas áreas de desenvolvimento regional e local, educacionais, Biodiversidade, Sociologia, Antropologia, Língua e
Literatura, Saúde e também na área de História, cada vez mais atraem pesquisadores brasileiros para os diversos países
africanos.

Essa disciplina é reflexo desse novo interesse sobre o continente africano, e também, visa atender a Lei n. 10.639/2003. Ela
visa o início de um instigante caminho rumo à apreensão do conhecimento sobre o continente africano, suas civilizações,
histórias, sua diversidade e beleza.

Este módulo é apenas uma forma de inseri-lo em alguns aspectos da História da África e instigá-lo a buscar temas e as-
suntos em outras fontes para enriquecer seus conhecimentos sobre esse continente lindo e com tantas nuances em sua
diversidade de culturas e histórias.

Esperamos que você, ao final do módulo, aproveite os instrumentos aqui propostos e busque temas para discussão sobre
a História da África e se sinta estimulado a fazer novas viagens, mesmo que virtuais, ao continente africano.

Bons estudos.

O Autor

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EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

SUMARIO
CAPÍTULO 1 - O CONTINENTE AFRICANO 11
África: continuidades e descontinuidades 16
As matrizes da educação brasileira e um pequeno histórico das reivindicações dos Movimentos 20
Sociais até a promulgação da lei 10.639/2003

CAPÍTULO 2 - O QUE OS EUROPEUS CONHECIAM DA ÁFRICA? 25


As diversas fontes para a História do continente africano na antiguidade 27
Documentos entre os séculos VI a.C. e II a.C. 27
Documentos do império romano século I a.C. até o século IV d.C. 29
Documentos escritos em árabe 30

CAPÍTULO 3 - AS GRANDES CIVILIZAÇÕES AFRICANAS NA ANTIGUIDADE 33

De que cor eram os egípcios? 35


Kush e Axum 38
Kush 38
Axum 40

CAPÍTULO 4 - ÁFRICA AO SUL DO SAARA: A IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO E DO 45


COMÉRCIO

Muitos povos andavam por muitos caminhos 50


Ghana, Mali e Songhai 52
Ghana 52
Mali 55
Songhai 57

CAPÍTULO 5 - O TRÁFICO ESCRAVO NO ATLÂNTICO SUL 61

A escravidão na África 63
A montagem do tráfico no Atlântico Sul 66
Costa do Ouro e Costa dos Escravos 69
Reino do Kongo e Ndongo 70
Costa Oriental 72

REFERÊNCIAS 74

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EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

O Continente africano

CAPÍTULO 1
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Vamos começar falando um pouco do continente outros fatores, uma diversidade de culturas.
africano e de seus dados geográficos, importância Três quartos do continente africano se encontram
geoestratégica e para a História, afinal a humanidade entre os trópicos de Capricórnio e de Câncer, portanto,
veio de lá. nesta região o clima é quente e úmido com pouca varia-
Ele ocupa cerca de 30 milhões de quilômetros qua- ção durante o ano e invernos secos. Dentro desta mesma
drados, uma área de 20,3% da terra firme do globo ter- região, existe uma infinidade de microclimas,ocasionado
restre. Esses números o colocam como o terceiro maior pelo relevo acidentado do interior.
continente em extensão. É o segundo mais populoso, Os desertos do Saara e Calaari, que se encontram no
com 900 milhões de pessoas, perdendo apenas para a limite desta faixa – o primeiro no Trópico de Câncer e o
Ásia. Falando mais de 1000 línguas diferentes, divididas segundo no Trópico de Capricórnio –, são exemplos des-
em pelo menos quatro famílias linguísticas distintas. sa diversidade, pois não apresentam chuvas regulares,
Além dessa diversidade de línguas faladas, na África se os dias são quentes e secos e as noites frias, clima típico
desenvolveram diversas formas de escrita. de áreas desertas tropicais ou em vias de desertificação
Os hieróglifos egípcios, uma das formas mais antigas como a nossa região de caatinga. Além deles, podemos
da humanidade, não são os únicos, outros sistemas “[...] também falar das várias cadeias de montanhas com pi-
como o meroídico, o núbio antigo, o copta, o tifinagh, cos que chegam à mais de 5800 metros de altura, como
o ge’ez e o bamun. Ideogramas estilizados nsidibi, o Quilimanjaro, que destoa completamente da paisagem
inventado pelos ejagham da Nigéria e do Camarões e do entorno, pois apresenta em todas as épocas do ano
muitas outras tipologias de sinais gráficos [...]”, foram neve em seu cume. Além disso, o clima na microrregião
desenvolvidas e utilizadas em diferentes regiões afri- contendo cadeias de montanhas sofre as influências da
canas, além dessas ainda temos diversas línguas que altitude apresentando temperaturas mais amenas.
foram “[...] vertidas para o alfabeto árabe ou adaptações
do mesmo [...]” (SERRANO; WALDMAN, 2007, p. 93-95)
(grifo dos autores).

REGISTRE SUA IDEIA Procure imagens do Quilimanjaro, veja como ele é imponente e como
nossas ideias pré-concebidas do continente africano ficam abaladas
com a imagem de um pico coberto de neve e animais, como elefantes
Porque se diz que a África é marcada pela oralidade, quando podemos e girafas, passado próximo a ele.
enumerar tantas formas escritas?
A quem interessa esconder essa diversidade de escritas desenvolvidas
no continente africano? Nos extremos nor te e sul do continente, existe
a influência do chamado clima mediterrânico com
Geograficamente o continente africano está limitado temperaturas mais amenas que no resto do continente
pelo oceano Atlântico à oeste; ao norte pelo Mediter- e com invernos úmidos. Apesar de serem pequenas
râneo, o que o torna muito próximo da Europa, sendo essas regiões, elas também apresentam em seu interior
separados no estreito de Gibraltar por menos de 15 qui- interrupções por conta de acidentes geográficos como
lômetros na menor distância entre os dois continentes; os Atlas ao norte e a Cadeia do Cabo, ao sul.
a leste pelo oceano Índico e a noroeste se limita com
a Ásia pelo Mar Vermelho, pela península do Sinai e o
Golfo de Aden. Sua vasta extensão territorial permite uma
variedade climática e de ecossistemas, diversidade onde
os homens aprenderam a conviver, proporcionando, entre

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EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Existe uma polêmica geográfica sobre uma porção de terras de não Pesquise em um atlas, ou mesmo na internet, e tente localizar os
mais de 61.000 km2, a península do Sinai, que liga a África à Àsia e continentes, mares e acidentes geográficos que foram citados no
em cuja região foi construído o Canal de Suez. A polêmica é se essa texto e preencha o Mapa Mudo do Continente Africano abaixo, com
porção de terra, que pertence ao Egito, fica na África ou na Ásia. Com legendas.
a construção do canal de Suez em meados do século XIX, adotou- Faça cópias antes, pois você pode utilizá-lo para outras atividades.
se como divisa entre os dois continentes esse marco artificial, porém
para alguns estudiosos a polêmica continua, considerando o golfo de
Aqaba como marco divisor, portanto incluindo a península na África.
Outra curiosidade é que desde os tempos faraônicos foram feitos
canais de comunicação cortando o Saara com as águas do Rio Nilo
e do Mar Vermelho, fazendo a conexão entre o Mediterrâneo e o Mar
Vermelho. Rica em petróleo, gás natural e o mais importante, em
depósitos subterrâneos de água, essa região foi disputada por Israel e
Egito, ocasionando diversos conflitos, mas desde 1979 foi devolvido
para o Egito como parte das negociações conhecidas como Acordos
de Camp David, de 1978.

Os continentes africano, europeu e asiático estão


muito próximos e unidos pelo Mediterrâneo. Existem
estudos sobre a História geológica da terra colocando
esses três continentes e ainda mais as Américas, Antár-
tica e a Oceania unidos, ou seja, toda a porção de terras
firme do globo formaria um único e enorme continente,
chamado Pangeia, banhado por apenas um oceano, o
Pantalassa.

Anote suas ideias:


Essa ligação de todos os continentes, em período remoto, já nos
remete às várias formas de união que deveriam também vigorar entre
os seres humanos, mas não é isso que acontece atualmente.
Existe disseminado por todo o continente africano a ideia de
solidariedade entre os membros do grupo, mesmo agora com o
fenômeno da urbanização quando um parente chega, ele é recebido
como um filho e permanece na casa o tempo que for necessário, não
se pensa em hotel.
Pense e depois anote, de que forma o mundo poderia ser diferente se
os vínculos entre os seres humanos fosse maior, e se, a humanidade
fosse tratada como responsabilidade de todos os povos.

Bom, deixamos esse questionamento para vocês


pensarem e procurarem outros subsídios para o debate.
Vamos, agora, nos concentrar no continente africano,
suas continuidades e descontinuidades.

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Figura 1 – Mapa Mudo do Continente Africano.

Fonte: PACHECO, Felippe Jorge Kopanakis. Cartografia do Projeto ABA. CIEAA/Universidade Estadual de Goias. Disponível em: <http://www.pre.ueg.
br/projetospresee/projetoaba/pdfs/anexo% 20de%20mapas.pdf>. Acesso em: 20 out. 2010.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 15


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

África: continuidades e
descontinuidades

Para ver um mapa de Pangeia acesse:


Falar em continuidades, descontinuidades e África <http://www.canadiangeographic.ca/atlas/Images/Glossary/Pangea.
pode remeter a diversos temas e assuntos. Vamos ex- png>
Para ver uma animação de Pangeia e sua separação formando os
plorar alguns deles, a começar pela história geológica
continentes atuais, acesse:
da Terra. <http://www.divediscover.whoi.edu/tectonics/pangea-animation.
É a ideia conhecida com Teoria da Deriva Continental, html>
formulada por Alfred Wegener no início do século XX, se- Para saber mais sobre a origem dos continentes acesse:
<http://espacodageografia.spaceblog.com.br/105639/A-ORIGEM-
guindo formulações originais de um cartógrafo do século
DOS-CONTINENTES-E-AS-PLACAS-TECTONICAS/>
XVI, Orthelius, e também do geógrafo Snider-Pellegrini,
de meados do século XIX, que já haviam desenhado a
Vamos agora falar de uma descontinuidade para
união dos continentes Africano e Americano em seus
alguns e continuidade para outros: O Saara.
mapas. Segundo essa ideia, há pelo menos 200 milhões
de anos atrás, havia somente um mega continente que foi As ligações da África com os outros continentes é
se separando com o passar do tempo. (MOURA, 2010) muito antiga e sólida. Porém, dentro da própria África,
existe esse importante marco geográfico que poderia
Baseada em suposições lógicas e modelos
ser um fator de separação, mas foi responsável por
matemáticos sobre o deslocamento das placas
diversos processos de aproximações, deslocamentos,
tectônicas, na forma e recorte dos continentes que
enfrentamentos, articulações e relocações, proporcio-
aparentemente se encaixam como em um grande quebra-
nando e impedindo expansões de reinos e impérios,
cabeça e em achados fósseis semelhantes presentes em
mas também servindo de refúgio e proporcionando uma
sítios arqueológicos de continentes diferentes, quando
grande identificação de culturas e povos.
veio a público, essa teoria foi motivo de chacotas no
mundo científico da época, que explicava os vestígios Assim comenta essa união o estudioso da Geografia
arqueológicos semelhantes em continentes diferentes e História da África, senegalês, ex-diretor da UNESCO,
com a teoria das Pontes Continentais, ou seja, ligações M. Amadou-Mahtar M’Bow (2010):
por terra entre os continentes, hoje submersas.
Certamente, a história da África norte-saariana esteve
Wegener, o proponente da teoria da Deriva Conti- antes ligada àquela da bacia mediterrânea, muito mais que
nental, ficou desacreditado nos clubes de ciência, mas a história da África subsaariana mas, nos dias atuais, é
continuou suas expedições para encontrar provas de sua amplamente reconhecido que as civilizações do continente
idéia, falecendo em uma dessas excursões na Groenlân- africano, pela sua variedade linguística e cultural, formam
dia em 1930. No entanto, com o tempo, as pesquisas em graus variados as vertentes históricas de um conjunto
dele e de outros, ficou provada a validade de sua teoria. de povos e sociedades, unidos por laços seculares. (M’BOW,
2010, p. XXII)
A Teoria da Deriva dos Continentes com as novas
evidências a seu favor proporcionada por novas pesqui-
sas ganhou mais adeptos e superou a Teoria das Pontes
insulares ligando os continentes. (MOURA, 2010)

O Saara é o maior deserto quente do mundo, perdendo em tamanho


apenas para a Antártica que também é considerada um deserto,
um deserto gelado. Ocupando grande faixa do norte do continente
africano, tendo como divisas, a oeste o oceano Atlântico; a leste o Mar
Vermelho e ao norte a cordilheira de Atlas e o Mediterrâneo.

Ao sul, o Saara se limita com uma grande área


semiárida de savana denominada Sahel e nesse caso,
esse limite é portando móvel, pois as dunas de areia e

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

a formação dessa vegetação dependem das condições Depois de Hegel, que apontou a aistoricidade dos
climáticas, ventos, tempestades úmidas ou de areia, povos ao sul do Saara, as ideias apontadas no parágrafo
humidade relativa, temperaturas médias, para ocorrência acima ficaram mais fortes, destacando duas razões para
ou não de vegetação em um determinado ano ou período isso: a primeira porque a História seria própria do Velho
de alguns anos. Mundo, então os povos “descobertos” recentemente
Dentro dessa faixa compreendida como Sahel, o não podiam ter história; a segunda por considerar que
Saara também se limita com a bacia do Rio Niger, o esses povos não tinham autonomia para realizar grandes
terceiro maior em extensão da África e em menor escala feitos, entrando na história pelas mãos dos europeus.
com a bacia do Rio Senegal. Além desses dois rios, o (KI-ZERBO, 1999, p. 10; HERNANDEZ, 2008, p. 19-20)
Nilo também corta o deserto do Saara, mas na direção Durante algum tempo, talvez um século, essas ideias
sul para o norte. de separação e essas nomenclaturas de África Branca e
O Saara é uma importante baliza regional dentro África Negra vigoraram e tiveram grande prestígio entre
do continente africano, pois para fins de estudos, os os estudiosos de forma geral, porém, elas passaram a
pesquisadores costumam agrupar os povos, países e ser questionadas, primeiro pelos estudiosos oriundos da
as culturas existentes no sul do Saara e nominá-las de própria África e depois pelos novos projetos de pesquisas
subsaarianas e as do norte do Saara são denominadas incluindo pesquisadores de várias partes do mundo.
como setentrionais, ou apenas do norte africano. Essas ideias começaram a ruir, pois foram encon-
Alguns pesquisadores, principalmente europeus e tradas continuidades históricas, ligações estreitas entre
norteamericanos, também denominam as regiões e os povos dessas duas regiões – que antigamente se
povos do norte do Saara como África Branca e os do acreditava separadas pelo Saara – desde o surgimento
sul como África Negra, para evidenciar uma separação, do Homo sapiens sapiens no globo, em novas pesquisas
tanto geográficas como culturais, entre esses povos, arqueológicas e linguísticas.
países e culturas. Essa ideia de descontinuidade tem O processo de desertificação da região começou à
início com os estudos clássicos sobre a antiguidade, cerca de 10 mil anos atrás – mais ou menos no mesmo
nos quais o Mediterrâneo era o elo de ligação entre as período da centralização de vários estados africanos con-
civilizações, portanto, tudo que não estava banhado por forme veremos mais à frente.– um tempo relativamente
ele, não merecia atenção. curto, provocando migrações, ocupações, encontros,
desencontros, miscigenações, incompreensões, com-
As ideias de separação da África pelo Saara ganharam
preensões e adaptações populacionais, tecnológicas e
força, impulsionadas por uma série de discussões sobre
culturais.
as razões das diferenças entre os diversos povos, sobre
a cientificidade do conhecimento histórico, sobre a vali- Além disso, apesar da diversidade de povos e cul-
turas existentes no continente africano, subsiste uma
dade das teorias Darwinistas para explicar os fenômenos
complexidade identitária e cultural ligando povos dos
e evolução das sociedades – ideias promovidas desde
dois lados do deserto. Essa continuidade identitária não
o final do século XVIII, mas consolidadas, sobretudo,
foi levada em conta por essas denominações e ideias
no século XIX quando surgem as teorias de Darwin. de África Branca e África Negra, identidades e culturas
Além disso, o florescimento do positivismo e a rápida compartilhadas por vários povos que se desenvolveram
expansão dos institutos de pesquisa e as sociedades de no interior e nas granjas do Saara, especializando-se na
ciências ajudaram a difundir as ideias de superioridade travessia de homens e mercadorias – e sempre carregan-
dos europeus sobre os outros povos. do junto com os artigos de venda das caravanas ideias,
sabedorias, religiosidades, tecnologias, etc. –, fazendo
a ligação entre as regiões.

[...] junto às bacias hidrográficas formaram-se sociedades


e culturas como as do rio Nilo, rio Níger, rio Congo, rio Zam-
Na história das Ciências Naturais existe uma diferença entre o
evolucionismo que é um conceito bem antigo, foi sugerido por Santo beze. Havia [sic] rotas comerciais com ciclos de longa dis-
Agostinho e foi reavivado por um biólogo, Jean-Baptiste Lamarck – que tância, a arqueologia descobriu vestígios de rotas transaari-
no final do século XVIII estudou a adaptação dos moluscos da Bacia de anas, tornando visível uma rede de conexões do interior do
Paris e suas diferenças – e o Darwinismo que explicou cientificamente continente com as zonas litorâneas e daí para outros espaços
a evolução com o estudo de várias espécies e diferentes evidências. geográficos. (SILVA, 2007, p. 15)

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 17


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Portanto, fica evidenciado que culturas e sociedades


estavam ligadas em toda a África e não há motivos para
pensarmos em separações entre África Branca e África
Negra para organização e classificação dentro do conti- Charles Robert Darwin nasceu em 1809, no interior da Inglaterra em
nente. Também é muito utilizado o critério geográfico para Shrewsbury, revolucionou a ciência moderna com a Teoria da Evolução.
organizar e classificar os países em blocos geográficos
Procure nos sítios da internet que existem várias biografias e
– África do Norte, Ocidental, Central, Oriental e Meridional comentários disponíveis sobre esse cientista revolucionário.
–, porém esse critério é questionado pelos estudiosos Ver:
africanos, pois esses blocos geográficos muitas vezes se <http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u172.jhtm>
confundem com limites colônias europeus estabelecidos < h t t p : / / n a t u r l i n k . s a p o . p t / a r t i c l e .
no século XIX. aspx?menuid=17&cid=2407&bl=1>

Outras formas de construir continuidades é agrupar Para quem preferir veja o documentário:
povos, culturas e países no continente utilizando para CHARLES Darwin. A Voz da Evolução. Londres: Produção: BIO. THE
fins de estudos a depender dos objetivos: a) as bases BIOGRAPHY CHANNEL. Distribuição: Log On. 2009. 1 DVD.
linguísticas nativas faladas ou os idiomas europeus
implantados; b) os recursos minerais existentes; c) as A hipótese da origem única, baseada nas ideias de
tradições de produção agrícola; d) as formas religiosas Darwin – e mais aceita atualmente pelas comprovações
dominantes; e) os limites impostos pelos países euro- arqueológicas, paleológicas, da primatologia, antropolo-
peus responsáveis pela colonização de determinadas gia física e os estudos genéticos recentes –, os Homo
regiões. Também podem ser utilizados outros critérios sapiens teriam surgido no continente africano entre
históricos menos precisos, como os limites de deter- 400.000 e 250.000 anos atrás e migrado para várias
minados impérios anteriores à colonização europeia, partes do mundo, partindo de um epicentro que se acre-
ou os povos vassalos deste ou daquele rei, antes da dita ser o sudoeste africano. De lá eles migraram para
colonização. Ásia e depois foram para Europa, Oceania e Américas.
O continente africano abriga enormes recursos na- Até pouco mais de uma década atrás, os estudiosos
turais, o que sempre despertou a cobiça dos vizinhos. das várias ciências que estudam a evolução humana
Em seu interior, existem jazidas de metais preciosos, acreditavam que somente quando os homens se fixaram
pedras preciosas, gás natural, petróleo, tem uma área no continente europeu, por volta de 30.000 à 40.000
ensolarada enorme, ventos constantes, enfim uma anos atrás, tiveram uma repentina evolução, explicada
infinidade de recursos energéticos a serem explorados. por uma mutação genética afetando principalmente o
Além disso, como já foi dito, sua população é a segunda cérebro, provocando uma mudança de hábitos e formas
maior entre os continentes, perdendo apenas para o de comunicação, facilmente perceptíveis nos vestígios
continente asiático. encontrados na França – Caverna de Chauvet datados
Outra forma de continuidade é a própria História dos de 30.000 a.C e Lascaux 17.000 a.C – e Altamira na
homens na Terra, que nos guarda surpresas. Espanha, com vestígios datados entre 19.000 e 14.000
Segundo Charles Darwin, foi na África que apare- a.C. composto de pinturas e objetos de cotidiano. (NO-
ceram os primeiros homens, teoria contestada durante VOS, 2006)
muito tempo pelos cientistas europeus. Porém, com as descobertas, primeiro do sítio ar-
A teoria de Darwin foi comprovada por diversos queológico de Blombos – composta de objetos de uso
achados arqueológicos do final do século XIX e, também, cotidiano, objetos de artes, uso pessoal e decorativos
muitos do século XX. Mas agora, no século XXI, desco- – na África do Sul, e posteriormente nos montes Tso-
bertas importantes – realizadas desde o final do século dilo, em Botsuana – compostos principalmente de arte
XX, mas datadas e publicadas somente no início do rupestre e objetos de uso religioso –, a comunidade
século XXI – têm demonstrado que além da antiguidade científica começou a reformular essa tese. (MORIN,
do surgimento dos homens, também existiu algo muito 2002; HOMEM, 2006)
mais importante no continente africano para as ciências
que estudam a evolução humana.

18 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

O atraso nestes estudos é explicado em parte pela


ideia de que uma modificação genética afetando todo
o corpo humano, – mais diretamente o cérebro dos
homens – proporcionou uma evolução na capacidade
O sítio arqueológico de Blombos fica no sul a África do Sul, distante
aproximadamente 300 quilômetros da cidade do Cabo. cognitiva, acarretando o surgimento da representação
Neste sítio são realizadas pesquisas há mais de 15 anos lideradas pelo simbólica mais elaborada.
Prof. Dr. Christopher Henshilwood, incluindo equipes de várias partes Essa simples modificação teve como consequência
do mundo. Até o momento, foram encontrados e datados objetos de
uma maior capacidade de comunicação, através das
mais de 75.000 anos compondo um acervo de peças de uso cotidiano,
artes e ornamentos pessoais. O conjunto destas descobertas múltiplas formas de linguagens, como a fala, as artes, a
revolucionou as teorias sobre a evolução dos homens. religiosidade, a capacidade de domesticação de plantas
e animais – fazendo surgir a agricultura e o pastoreio –,
e consequentemente uma capacidade de organização
Reforçando as ideias darwinianas de evolução gradual
de sociedades mais complexas. Segundo essas ideias
das espécies, essas novas descobertas arqueológi-
isso só aconteceu em um determinado local, uma região
cas indicam que as demonstrações de criatividade e
específica do sul da Europa, e de uma forma repentina.
sensibilidade, sinais do desenvolvimento do cérebro e
consequentemente do pensamento lógico, surgiram na A nova capacidade de transmissão do conhecimento
África cerca de 75.000 anos antes do que se acreditava, vai aos poucos transbordar da Europa para outras partes
pelos vestígios já citados encontrados no continente do globo através das várias formas de relacionamentos
europeu, contrariando um pensamento antes consoli- entre as populações, tais como migrações e os contatos
dado desde o final do século XIX, processo conhecido provocados pelas disputas por novas áreas mais propí-
como Revolução Cultural do Paleolítico Superior, com cias para a coleta e produção de alimentos. Essa teoria
forte influência principalmente nos centros europeus de é denominada de difusionista.
difusão do conhecimento científico.

Pelas pesquisas com base na teoria difusionista, a agricultura e a


pecuária teriam surgido na Ásia e migraram com as populações
O sítio arqueológico de Tsodilo é considerado um Patrimônio da
seminômades que se fixaram na região Sul da Europa e daí essa
Humanidade pela UNESCO, desde 2001, localiza-se no noroeste de
tecnologia foi disseminada para o restante do litoral do Mediterrâneo.
Botsuana, em pleno deserto do Calaari - pode ser grafado também
Kalahari ou Calaári. O acervo comprende mais de 4.500 pinturas
Vários trabalhos contestam essa visão difusionista, principalmente
e outros registros em uma área de aproximadamente 10 km2, com
com relação ao surgimento da agricultura, dando a primazia da
datação de 70.000 a 80.000 anos. Além disso, ele tem um forte
domesticação de plantas e animais para as populações do interior do
significado religioso para o povo San servindo de local de peregrinação.
continente africano.
Pelas novas descobertas, principalmente de uma escultura de cabeça
de cobra, provavelmente uma píton africana – serpente parecida
com nossa sucuri, a píton africana pode chegar até a 6 metros de Essa forma de ver uma região do globo como deten-
comprimento –, acredita-se que seja o mais velho local de celebração
religiosa da humanidade conhecido, com pelo menos 40.000 anos de
tora da capacidade para o racional e para a criatividade
uso contínuo. e consequentemente da gestação de técnicas e conheci-
mentos, bem como também da capacidade de transmiti-
Alguns pesquisadores consideram os San como os ”pais” de toda a -los e expressá-los leva a desdobramentos maiores e
humanidade – outros pesquisadores consideram os povos axumitas prejudiciais para toda a humanidade, como veremos
–, pois nos sítios arqueológicos de suas terras ancestrais foram
encontrados os vestígios mais antigos de populações Homo sapiens
mais adiante, mas voltemos para o caso específico do
sapiens. Além disso, a semelhança entre as reconstituições dos continente africano.
esqueletos encontrados e os san é notável. Habitam hoje em terras da Segundo Ki-Zerbo (2010), uma forma de ver a África
África do Sul, Butsuana e Namíbia. foi construída Históricamente da seguinte forma:

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 19


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Abatido por vários séculos de opressão, esse continente O lugar das populações negras na sociedade brasileira
presenciou gerações de viajantes, de traficantes de escravos, é o lugar da exclusão. Essa forma de não ver essa popu-
de exploradores, de missionários, de procônsules, de sábios lação tem consequências bastante danosas para toda a
de todo tipo, que acabaram por fixar sua imagem no cenário
sociedade, já que uma parcela importante das pessoas
da miséria, da barbárie, da irresponsabilidade e do caos [...]
não é atendida ou têm seus talentos aproveitados. A
Esse filme desarticulado e parcelado, que não é senão a
escola brasileira foi sempre um lugar de reprodução
imagem de nossa ignorância, nós o transformamos por uma
deformação deplorável ou viciosa, na imagem real da história
dessas ideias de exclusão das populações não brancas,
da África tal como efetivamente se desenrolou. (KI-ZERBO,
pois foi criada e cresceu tendo como base a civilização
2010, p. XXXII) judaico-cristã.
Os povos, línguas nativas e tecnologias encontradas
Os debates sobre o surgimento do pensamento ló- aqui no momento de ocupação pelos portugueses – pe-
gico e do desenvolvimento da capacidade cerebral dos ríodo conhecido como colonial –, as variadas e diversas
homens é um bom exemplo de como o continente afri- línguas, populações e conhecimentos para cá trazidas do
cano foi desprezado e desprestigiado pela comunidade continente africano, não são lembrados e considerados
científica, durantes vários séculos. pelos sistemas educacionais, que sempre escolhem o
patrimônio civilizatório europeu e norteamericano como
Os vestígios existentes nos montes Tsodilo, estando
privilegiado, tanto nas metodologias/teorias, como nos
a céu aberto, são conhecidos há séculos pelos explo-
pontos de vistas e práticas adotadas.
radores europeus, mas só recentemente começaram a
ser pesquisados com mais afinco, por equipes multidis-
ciplinares e multinacionais e de forma mais sistemática,
revelando várias formas de religiosidade e cultos muito
mais antigas do que se acreditava até a poucos anos Na África, atualmente são conhecidas mais de 1000 línguas africanas
atrás. divididas em quatro grandes famílias e que antes da chegada dos
portugueses no continente africano, no século XV, estima-se que o
número ainda fosse duas vezes maior.

REGISTRE SUA IDEIA


As diversas expressões culturais africanas foram
desenvolvidas por milhares de sociedades ao longo de
Pense e depois anote os motivos do atraso das pesquisas sobre o
milhares de anos, desenvolvendo tecnologias milenares
surgimento do pensamento lógico no continente africano.
e variadas, adaptadas aos materiais encontrados e tam-
Quais as consequências disso e quem se beneficia com isso? bém aos diversos ecossistemas das quais sobrevivem/
sobreviveram e nos quais habitam/habitavam. Essas
variadas técnicas, filosofias, inspirações, materiais e
formas de expressão chegaram até nós através das
As matrizes da educação brasileira e pessoas trazidas forçosamente para trabalhar, nos mais
um pequeno histórico das reivindi- diversos setores da sociedade brasileira.
cações dos Movimentos Sociais até a
promulgação da lei 10.639/2003

É possível participar de diversas exposições virtuais sobre arte africana


Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- pela internet. Tente achar alguma e veja parte desse patrimônio.
tísticas (IBGE) as pessoas que se declararam pretos
e pardos na última Pesquisa Nacional de Amostra Verifique a Sala de Exposição Virtual da Secretaria do Estado da
Domiciliar (PNAD 2009) totalizaram 51,1% do total de Cultura da Bahia, como exemplo, no site a seguir:
brasileiros, e portanto, mais da metade dos entrevistados <http://adm.cultura.ba.gov.br/conteudo/exposicaovirtual/>

são considerados afrodescendentes. Porém, o percentual


correspondente à presença de negros nas universidades
brasileiras é muito inferior a este número.

20 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Existe uma memória viva pulsante em nossa socieda- Agora vamos fazer uma pequena introdução da
de brasileira, conforme enfatizam Deoscoredes M. dos história das lutas pela educação formal das populações
Santos (Mestre Didi) e Juana Elbein dos Santos (1997), negras, somente como subsídios para pesquisas mais
ela está enraizada nas multiplas heranças recebidas aprofundadas que poderão ser feitas partindo das refe-
do continente africano e se amplifica nas experiências rências citadas.
dessas populações no Brasil. As populações negras já haviam percebido a im-
A ancestralidade extravasa a comunidade afro- portância da educação formal para a superação de sua
brasileira e expande, modela, compõe e recompõe situação de desigualdade na sociedade brasileira, desde
diversas manifestações culturais brasileiras, mesmo de o século XIX, época em que alguns estudantes negros
grupos que aparentemente não têm nenhuma ligação pioneiros adentraram nas brechas do sistema educa-
e afinidade com esse patrimônio civilizatório. Desta cional e iniciaram uma trajetória exitosa de estudos, ou
forma, as manifestações culturais também portam essa ainda em iniciativas individuais como a do negro Cosme,
influência civilizatória africana, composta ao longo dos do Quilombo da Fazenda Lagoa Amarela no Maranhão,
anos por todos os grupos e povos para cá trazidos e que criou uma escola para as crianças, em 1838. (CRUZ,
também pelas adaptações e reestruturações promovidas 2005, p. 28)
aqui por eles e seus descendentes. Conforme Gonçalves e Silva (2000, p. 136), existia
Apesar de todas essas nuances, não temos em nosso uma proibição formal de escravizados frequentarem os
sistema educacional a valorização dos componentes bancos escolares, até 1879, quando da Reforma enca-
fundamentais de nossas tradições, culturas, formas de beçada por Leôncio de Carvalho, porém antes disso,
agir e pensar vindos do continente africano. Ele continua associações abolicionistas e republicanas mantinham
distante de nossos cursos, parecendo longe de nossa cursos voltados para os escravizados e libertos a fim
história, mas no entanto, estamos intimamente ligados. de cooptá-los para suas causas.
A implementação da Lei n. 10.639/2003 que obriga A preocupação com a educação das populações
o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira negras já constava dos projetos políticos de Perdigão
em todos os níveis de ensino, permitiu aos gestores Malheiros, em meados do século XIX, mas esses projetos
repensar possibilidades de utilização de novos temas, não foram concretizados da forma como foram pensados
materiais, metodologias e ações para o atendimento des- e excluíram as populações negras do convívio escolar.
sa obrigatoriedade legal. Também nos instiga a pensar e (FONSECA, 2001).
transformar nossas aulas, adaptando suportes e técnicas
para conseguir alcançar os objetivos da lei em referência.
As discussões para implantação da Lei n. 10.639/2003
não foram isoladas, elas fazem parte de um conjunto de
lutas pela inclusão das populações negras e de temas
Agostinho Marques Perdigão Malheiro (filho),foi um eminente jurista
e assuntos referentes a História e Cultura pertinentes a que defendeu a abolição. Escreveu A escravidão no Brasil: ensaio
essas populações na educação formal brasileira iniciada histórico-jurídico-social, obra que influenciou os debates sobre o
no século XIX, portanto essas reivindicações são bas- processo de libertação dos escravos no Brasil. Suas preocupações
tante antigas e têm uma história. iam além da simples abolição, compreendendo o escravizado que seria
libertado e o já liberto como pessoas que deveriam ser integrados à
sociedade brasileira de forma efetiva.

As preocuções com a educação formal voltam com


A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e força nas ações de várias organizações negras das déca-
Diversidade (SECAD), do Ministério da Educação (MEC), das de 1910, 1920 e 1930, quando elas fundam escolas,
disponibiliza gratuitamente vários livros completos em formato digital
publicam jornais e promovem clubes de leitura, festas
para consulta e leitura na página de publicações do Ministério da
Educação. e outras atividades de cunho cultural para proporcionar
uma formação condizente com os padrões aceitos por
Veja: <http://portal.mec.gov.br/publicacoes> toda a sociedade da época. A instrução das populações

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 21


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

negras era uma das principais preocupações da Frente


Negra Brasileira, que promoveu um curso preparatório Um marco dessas manifestações foi a Marcha Zumbi
para o ginásio como forma eficaz de promover ascensão dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida,
da população negra. (CRUZ, 2005, p. 28) empreendida em Brasília no ano de 1995. No documento
Segundo Santos (2005, p. 22), no final da década entregue a Fernando Henrique Cardoso, presidente do
de 1940, o jornal Quilombo, dirigido por Abdias do Nas- Brasil na época, haviam vários itens, entre eles os espe-
cimento, “[...] já indicava a necessidade de educação cíficos que tratavam das questões educacionais eram:
formal para os negros como uma condição necessária
à superação da exclusão sócio-racial a que estavam • Implementação da Convenção Sobre Eliminação da Dis-
submetidos.” criminação Racial no Ensino.
Na década de 1950, sob a liderança de Florestan • Monitoramento dos livros didáticos, manuais escolares e
Fernandes e Roger Bastide em São Paulo, uma série de programas educativos controlados pela União.
pesquisas encomendadas pela UNESCO sobre as po- • Desenvolvimento de programas permanentes de treina-
pulações negras constata a não existência da propalada mento de professores e educadores que os habilite a tratar
Democracia Racial. Os estudos também constataram adequadamente com a diversidade racial, identificar as práti-
que a educação formal era muito importante para os cas discriminatórias presentes na escola e o impacto destas
na evasão e repetência das crianças negras (EXECUTIVA,
grupos negros, principalmente nos grupos denominados
1996 apud SANTOS, 2005, p. 25).
nos estudos como integrados. (CRUZ, 2009, p. 10-11)
Apesar de diversos estudos indicarem a existência de
As respostas governamentais vieram aos poucos.
alunos negros, escravizados, libertos e livres, no século
Primeiro foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial
XIX, no sistema de educação formal, e ainda as várias
(GTI) para propor ações específicas para as populações
propostas alternativas de educação para as populações
negras, em 1995. Um ano depois, em 1996, apareceram
negras no século XX, o sistema educacional formal
ações afirmativas no texto do Programa Nacional de Di-
brasileiro não conseguiu incluir em seus projetos as
reitos Humanos (PNDH). Foram tornados obrigatórios os
experiências históricas dessas populações no currículo
quesitos cor/raça no Plano Nacional de Qualificação do
escolar, uma vez que sua matriz civilizatória escolhida
Trabalhador (PLANFOR), no Registro da Relação Anual
pelos administradores da educação brasileira é a euro-
de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de
cêntrica.
Emprego e Desemprego (CAGED). (RODRIGUES; GO-
A inadequação da escola para as populações ne- MES, 2006)
gras, as formas de exclusão de suas experiências e de
Com relação às questões educacionais, no próprio
seus diversos saberes já haviam sido detectadas pelos
PLANFOR foram traçados, como uma das metas priori-
intelectuais negros e por parte dos movimentos sociais
tárias, o atendimento das populações negras e somente
negros desde o final da década de 1940.
em 2003 foi sancionada a Lei n. 10.639 que tornou
Entre as propostas do I Congresso do Negro Brasi- obrigatório o ensino de História e Cultura da África e
leiro, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, em 1950, dos Afro-brasileiros. Portanto, das primeiras reivindi-
estavam incluídas “[...]o estímulo ao estudo das reminis- cações dos movimentos sociais negros até uma ação
cências africanas no país [...] e a formação de Institutos efetiva do estado no sentido de visibilizar a inclusão no
de Pesquisas, públicos e particulares, com esse objetivo” sistema educacional do estudo das contribuições das
(NASCIMENTO, 1968, apud SANTOS, 2005, p. 23). populações negras na história do Brasil, se passaram
Ou seja, já havia uma preocupação com a inclusão da mais de 70 anos.
História e Cultura Afro-brasileira nos currículos escola- Agora que você foi informado sobre como foram às
res. Essas reivindicações tomam maior vulto em 1978, lutas para inclusão da História da África, de temas liga-
com a abertura política, a reorganização dos movimentos dos à colaboração das populações negras na História
sociais negros e a maior propagação na mídia em geral do Brasil e como ocorreu historicamente a aprovação
de suas ideias e solicitações e depois com as discussões de Lei n. 10.639/2003 vamos passar a olhar a História
preparatórias para a constituinte, empreendidas pela do continente africano com mais atenção.
sociedade civil em geral.

22 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Para aprofundar a discussão sobre o surgimento da agricultura e


pecuária:

M’BOKOLO, Elikia. As civilizações materiais. In: M’BOKOLO, Elikia.


SUGESTÃO DE ATIVIDADE 1:
África Negra: história e civilizações. Salvador: EDUFBA; São Paulo:
Como temos um conteúdo bastante extenso e poucas páginas para
Casa das Áfricas, 2009. p. 64-75
desenvolvê-lo, propomos a vocês criarem seu próprio glossário. Uma
boa estratégia para isso é anotar as palavras que não conhece em
uma folha, conforme vai lendo o texto, sem a preocupação de procurar PORTÈRES; R.; BARRAU, J. Origens, desenvolvimento e expansão das
no primeiro momento, pois muitas vezes o próprio texto elucida técnicas agrícolas. In: KI-ZERBO, Joseph. História Geral da África
seu significado. Se for resolvido com o texto, anote a palavra e seu I: Metodologia e Pré-História da África. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO,
significado, se não foi, procure em dicionários, na internet, ou outros 2010. p. 781-802.
livros.
Uma boa dica de leitura para aprofundar as questões sobre educação
SUGESTÃO DE ATIVIDADE 2: das populações negras, além dos já citados do texto, são os artigos:
Pesquise sobre reserva de vagas na universidade brasileira,
principalmente as ações propostas para as populações negras. GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira. Negros e educação no Brasil. In:
LOPES, Eliane Maria Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA,
SUGESTÃO DE ATIVIDADE 3: Cynthia Greive (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo
Para uma ideia da diversidade no continente africano, procure na Horizonte: Autêntica, 2000. p. 325-346.
internet músicas das diversas regiões africanas.

VEIGA, Cynthia Greive. Escola pública para os negros e os pobres no


Solomon Linda, músico sulafricano; Brasil: uma invenção imperial. Revista Brasileira Educação. n. 39,
Oliver Mtukudzi, cantor do Zimbabwe; set./dez. 2008, p. 502-516.
Qorchak, músico da Eritréia, (também procure por Korchach);
Helen Meles, cantora da Eritréia, (vídeos muito interessantes, pois ela é
uma cantora engajada no movimento nacionalista da Eritréia); Sobre as possibilidades de utilização da Lei n. 10639/2003 ver:
Muda Scheda & Meron Teferi, músico etíopes;
Mohamed Redá, cantor popular marroquino; BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Educação anti-racista: caminhos
Nayem Alal, grupo musical ativista do Saara Ocidental; abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Secretaria da Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), 2005.
É possível encontrar vídeos dos artistas. Veja alguns e anote tudo que
achar diferente. Um bom roteiro é começar observando em cada uma
MUNANGA, Kabengele. (Org.) Superando o racismo na escola. 2. ed.
das músicas: os instrumentos musicais utilizados e sua quantidade, a
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
forma de cantar, as imagens exploradas, procure observar a sonoridade
Alfabetização e Diversidade, 2005.
das palavras. Depois compare aos pares e procure semelhanças e
diferenças. Se preferir, para facilitar, você pode elaborar uma tabela
com parâmetros como: instrumentos utilizados, língua, imagens, e Existem diversos artigos em revistas eletrônicas sobre a Lei n.
etc.. 10.639/2003, as diversas propostas de como implantá-la e mais
recentemente sobre a lei 11.645/2008. Para uma leitura inicial ver:

<http://www.africaeafricanidades.com/documentos/Educacao_Afro-
Indigena.pdf>

Sobre o evolucionismo de Darwin o melhor é ler o próprio livro do <http://www.ceap.org.br/downloads/pdf/xq_lucio_conceicao.pdf>


autor:

DARWIN, Charles. A Origem das Espécies.

Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/Detalhe


Obra Form.do?select_action=&co_obra=5783>.

Também é possível acessar o livro em: <http://ecologia.ib.usp.br/ffa/


arquivos/abril/darwin1.pdf>

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 23


EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

24 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

O que os europeus
conheciam da África?

CAPÍTULO 2
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

26 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Como vimos na introdução, a história dos primeiros estada entre os reinos e povos africanos, cobrem
homens na terra começou na África e se espalhou por desde o século XVI até o século XX;
todo globo terrestre. Além disso, vimos também que o • Escritos de africanos e afrodescendentes produ-
Continente Africano está ligado ao continente europeu e zidos nas diversas línguas europeias, produzidos
asiático pelo Mar Mediterrâneo, e que é de longa data os principalmente a partir do início do século XX;
contatos, relações comerciais, intercâmbios, trocas de Agora vamos nos deter em alguns desses grupos de
experiências e tecnologias entre esses três continentes. testemunhos para dar uma ideia geral sobre documentos
Então, porque se diz que na época das grandes nave- antigos servindo de fonte para os estudos da História do
gações – século XV e XVI – os europeus descobriram continente africano, pois as mais recentes, do século XVI
a África? em diante, serão exploradas à frente no texto.
Uma das explicações está no pensamento de Hegel,
já referido anteriormente, sobre a aistoricidade dos po-
Documentos entre os séculos VI a.C. e II a.C.
vos africanos. Outra estaria na forma de hierarquização
dos povos e culturas, promovido pelos precursores do O conjunto de escritos anteriores aos romanos é
racismo científico e só contestadas de forma mais vee- muito importante, pois revelam as chamadas civilizações
mente em meados do século XX por novos estudiosos antigas habitantes do continente africano e cuja pujança
preocupados em desfazer as ideias de inferioridade e fez os fenícios – os maiores comerciantes da antiguidade
submissão dos povos colonizados. – empreenderem várias viagens para montar postos de
Esse é um bom debate, mas a principal desculpa trocas e feitorias no litoral dessas regiões.
utilizada para não se incluir a História da África nos Encontramos algumas informações sobre essas
compêndios escritos nos séculos XIX e XX, foi de que viagens em um texto sobre o pioneirismo da navegação
não existiam documentos escritos e uma historiografia portuguêsa no século XV, publicado nas Memorias de
africana que servisse de base para os enciclopedistas. Litteratura Portugueza, de 1814, de autoria de Antonio
Ribeiro do Santos (1814, p. 327-364).
As diversas fontes para a História do Neste histórico das navegações pela costa africana,
continente africano na antiguidade Santos fala do Périplo de Hannon, um rei de Cartago,
que empreendeu sua viagem para fundar novas colônias
Podemos, grosso modo, dizer que existem diversos e conhecer os povos das terras desconhecidas e que
tipos de testemunhos escritos sobre a África e que eles deixou seus relatos depositados no templo de Molosh
eram conhecidos de muito tempo pelos europeus, afinal, (GIORDANI, 1985, p. 18), em Cartago, próximo da atual
os primeiros escritos falando do continente africano são cidade de Tunis, na Tunísia.
mais ou menos da mesma época dos primeiros escritos
Hannon, navegando com uma frota de mais de 60
sobre os continentes europeu e asiático.
embarcações pelo Mediterrâneo, passou pelas Colunas
Vejamos as épocas e características principais dessas de Hercules, hoje Estreito de Gilbratar. (KI-ZERBO, 1999,
fontes: p. 108)
• Escritos entre os séculos VI e II a.C., narram na sua Para alguns estudiosos, essa viagem foi bastante
maioria sobre epopeias e excursões pela África; longa chegando até a Ilha do Príncipe, hoje São Tome
• Escritos romanos consistindo principalmente em e Príncipe, ou até mais longe, conseguindo fazer a cir-
relatórios, relatos de viagens e de conquistas, co- cunavegação de todo o continente até o Golfo Arábico.
brindo desde o século I a.C. até o século IV d.C.; Na versão mais curta os barcos de Hannon teriam saído
• Escritos árabes, principalmente sobre o norte da Cartago, passado nas Colunas de Hércules, por Lixo – ou
África, iniciando no século VIII d.C. e indo até o Lixus – e chegou ao máximo até as atuais ilhas Canárias,
século XVII d.C.; fazendo apenas uma viagem pela costa do atual Marro-
• Escritos de europeus consistindo em relatórios de cos. (JABOUILLE, 1995)
administradores coloniais, relatos e impressões
de viagens, crônicas e ensaios descritivos da

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 27


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Oeste para que parte do Norte para o Sul e se favorecia


das correntes de vento sempre a favor da rota traçada.

Existem várias traduções do Périplo de Hannon que chegaram até nós,


principalmente escritas em grego, mas também existem alguns textos
em latim.

José Bonifácio de Andrada e Silva, famoso por ser amigo de O termo África para designar todo continente só foi adotado após
Dom Pedro I e por sua atuação na independência do Brasil, consolidadas as conquistas romanas no século I d.C.. Na antiguidade
era um estudioso de geografia histórica e traduziu uma das eram utilizados vários termos para designar cada uma das partes
versões do Périplo de Hannon, que foi publicada na coleção conhecidas, tais como Lybia, Cirenaica, Tripolitânia, Aethiopia, Núbia,
coordenada em: SOUSA, Alberto (coord.). Os Andradas. Azánia, entre outros.
São Paulo: Typographia Piratininga, 1922.

As informações produzidas por essas expedições


Outra viagem bastante comentada nos escritos do são bastante acanhadas se limitando apenas às infor-
século XVIII e XIX, sobre a navegação pelo litoral do mações sobre o litoral e algumas notas sobre os povos
continente africano é a empreendida por Sataspes. Por encontrados. Nenhuma delas se aventurou pelo interior
volta de 475 a.C., seu tio Xerxes ordenou como forma do continente, ou pelo menos não nos legou essas infor-
de punição que Sataspes contornasse toda a costa da mações. Outro detalhe importante é que somente foram
África. Saindo do Egito com apenas um navio, atraves- relatados com maior minúcia, ou sobreviveram até nós,
sou as Colunas de Hércules, “[...] teria ladeado a costa os fragmentos sobre regiões já bastante conhecidas.
para o sul, até ao país ocupado por homens de pequena Outras expedições de circunavegação do continente
estatura, vestidos de folhas de palmeira e habitando em africano são citadas por Antonio Ribeiro dos Santos,
aldeias, talvez os Pigmeus” (KI-ZERBO, 1999, p. 108). como a frota de “[...] Salomão enviva a Ophyr: Ella partia
Dando continuidade à narrativa utilizando como fonte do porto de Asiongaber no Mar Roxo, esquipada por
os escritos de Antonio Ribeiro dos Santos (1814), temos: marinheiros Tyrios”; a de Magão, que por volta de 330
a.C conseguiu fazer a volta completa no litoral da África;
[...] aterrado das tormentas, ou anojado da prolixidade do a viagem de Meneláo, “[...] que descreveo Homero”
caminho, ou falto de mantimentos, não acabou de passar a (SANTOS, 1814, p. 334-339) (grifos do autor). Porém,
Lybia [como era chamado o território ao sul do Saara, na todas estas últimas carecem de comprovação de outras
antiguidade]; recuou sobre seus passos [...] dando causa, fontes além da simples citação por um ou outro autor.
que o navio não poderia ir por diante, impedido dos grossos
Alguns autores também colocam como importantes
mares; e que Xerxes não lhe dando credito, o mandou justiçar.
as informações contidas nas várias tradições escritas
(SANTOS, 1814, p. 333)
da Bíblia. Principalmente no Velho Testamento, existem
várias citações a regiões do Egito e outras partes do
As duas expedições pelo litoral do continente africano Norte da África.
ocorreram mais ou menos no mesmo período, século V
São importantes as informações, sobretudo, refe-
a.C., porém, existem informações, relatadas por Heródo-
rentes aos hábitos sociais e formas de organizações
to (2006, p. 321), sobre uma viagem de reconhecimento
religiosas, de administração e políticas contidas no Velho
patrocinada pelo faraó Neco II – ou Necao II – no século
Testamento, porém, a utilização destas informações tem
VI a.C.. Não existem maiores informações sobre ela a
sido questionada nos últimos anos pelos estudiosos de
não ser o roteiro inicial que saindo do Mar Vermelho,
forma geral pela imprecisão dos dados relatados.
deveria dar a volta em toda a costa do continente africano
e voltar para o Egito e que ela durou cerca de três anos
para sua total execução.
Os estudiosos de geografia histórica afirmam ser pos-
sível essa viagem, pois evitava as correntes marítimas
contrárias do Cabo da Boa Esperança e do litoral da costa

28 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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Segundo Djait (2010), outros textos deste período


são muito importantes para encontrarmos dados sobre
a História do continente africano na antiguidade:
O próprio Heródoto – o pai da História – na época de seu exílio esteve [...] o Périplo do Mar da Eritréia, obra anônima que calculam-
no Egito e fez pequenas incursões pelo norte da África, chamada por os ter sido composta em cerca de 230 (datada anteriormente
ele de Lybia ou Líbia. Seus relatos sobre o mundo antigo misturam suas do século I); a Topografia Cristã de Cosmas Indecopleustes
impressões de viagem com informações tomadas de outros autores (535 aproximadamente). Esses escritos representam a base
citados por ele. Ele comenta o exílio de Sataspes, o empreendimento de nossa informação sobre a Etiópia e o chifre oriental da
do faraó Neco, além de outras expedições, em seu livro História.
África. (DJAIT, 2010, p. 89) (grifos do autor)

É possível obter uma versão em português da obra através do


eBooksBrasil: Esse conjunto documental, além de nos legar dados
importantes sobre a geografia da costa africana oriental,
HERÓDOTO. História. 2006. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil. também deixou inscritas importantes informações sobre
org/adobeebook/historiaherodoto.pdf>. os povos destas regiões.
No período de dominação cristã bizantina no norte
Além de Heródoto outros escritos antigos chegaram do continente africano, cuja língua oficial era o latim, os
até nós trazendo informações sobre a África como os sábios Victor de Vita e Coripo deixaram sua contribuição
de: “[...] Menandro, Aristodemo, Filocoro [...] os papi- sobre o continente africano. Seus escritos são muito
ros deste período aparecem escritos em grego ou em importantes como fontes de informações sobre o cha-
demótico escrita ainda mais cursiva que o hierático” mado sertão africano, pois “[...] penetraram no interior
(DJAIT, 2010, p.88). do continente, fazendo emergir da obscuridade essa
África por tanto tempo esquecida” (DJAIT, 2010, p. 92).
Documentos do império romano século I a.C. Portanto, esses dois autores relatam sobre regiões
até o século IV d.C. não deslindadas por outros textos, mas ainda não ex-
ploram a parte ocidental do continente, ou seja, a maior
Segundo KI-ZERBO (1999, p. 109), os romanos en- parte do interior do continente africano continuava uma
viaram pelo menos uma expedição de reconhecimento incógnita até pouco depois da dominação romana e
dos postos avançados dos derrotados cartageneses, posteriormente a bizantina.
fundadas por Hannon. Políbio foi o encarregado de pres-
tar as informações sobre elas. Ele navegou pela costa da
África enumerando rios que podem ser identificados hoje.
Também outros sábios antigos a serviço dos romanos
escreveram sobre a região do Magreb, foram eles “[...] Existem estudos que destacam que o cristianismo teve uma grande
Estrabão, Diodoro da Sicília; Salustio (-87 a -35); Tito disseminação na África, sendo sua expansão no continente africano
anterior à ocorrida na Europa.
Lívio; Ápio; Plínio; Tácito; Plutarco (século +I) e Ptolo-
meu (século + II), sem contar os numerosos escritores Ainda hoje existem grupos de cristãos desde o século I d.C – alguns
menores” (DJAIT, 2010, p. 90). fundados por São Marcos, o evangelista –, no Egito, na Etiópia e em
outras partes do Norte da África que, mesmo com as perseguições
sofridas, continuam sem descontinuidade ao longo dos anos. Esses
grupos são compostos principalmente de seguidores da Igreja Copta
Ortodoxa – que não estão ligados nem à Igreja Católica Apostólica
Romana e nem à Igreja Católica Apostólica Ortodoxa –, mas além deles
também existem, em menor número, grupos que aderiram ou a Igreja
Claudio Ptolomeu citado acima, autor do mais célebre mapa da Católica Romana ou a Ortodoxa.
antiguidade, também esteve a serviço dos generais romanos no
norte do continente africano, no século II d.C.. Colheu informações
valiosas para formulação de sua representação cartográfica do mundo
conhecido em sua época.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 29


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Detivemo-nos em pormenorizar as fontes antigas, não ter sido explorada em todas as suas dimensões: o Kitab
porque elas são até hoje mencionadas nos livros sobre Wulat Misr wa Qudhatuha, de Kindi [...] (DJAIT, 2010, p. 95)
a História da África, mas estas, quase sempre não são (grifos do autor)

detalhadas.
Uma das explicações para sua farta menção seria a
sua fácil leitura, são todas escritas em línguas europeias
ou já foram publicadas, em sua versão total ou em
excertos, dentro de outras obras de autores em línguas Ta’rikh ou tarikh é uma palavra árabe para se referir tanto
europeias. às memórias ou diários pessoais escritos por viajantes
ou administradores, como compêndios de informações
No próximo item será apresentada uma pequena
sobre um determinado local.
amostragem de textos um pouco mais difíceis de
encontrarmos e de lermos, já que se encontram na sua
grande maioria em árabe. Outros autores também são indicados para o período
entre os séculos IX e XI d.C., como Cadi al-Nu’Man, al-
Documentos escritos em árabe
-Raqiq, Ibn al-Idhari, além dos geógrafos Surat al-Ardh,
Ibn Khordadhbeh, Ya’kub, al-Mas’udi, Ibn Hawkal e al-
A documentação escrita em árabe tem duas carac- -Biruni. (DJAIT, 2010, p. 97)
terísticas muito importantes e diferenciadas. O primeiro Para um período posterior, entre os séculos XII e XV,
grupo é representado pelos escritos de estudiosos são mencionadas as seguintes obras, por Djait (2010):
muçulmanos, africanos, árabes ou mesmo da península
Ibérica, que reportam suas viagens a Geografia ou a [...] o Kamil, de Ibn al-Athir, até o Kitab al-Ibar, de Ibn
História da ocupação e expansão do islamismo partindo Khalduri, passando por Ibn al-Idhari, al-Nuwairi, Ibn Abi
da península Árabe, passando pelo Norte do continente Zar’, al-Dhahabi. Testemunhas de seu tempo, esses homens
africano e chegando até a península Ibérica e sul da realizaram também um esforço de síntese dos acontecimentos
dos séculos anteriores. Nuwairi é tão importante para os
França. Também fazem parte desse primeiro grupo os
Mamelucos como para a conquista do Magreb [...] (DJAIT,
documentos produzidos pelas diversas administrações
2010, p. 100) (grifos no original).
e governos muçulmanos nessas regiões ocupadas.
No segundo grupo, encontramos escritos produzidos
Sobre o segundo grupo de fontes escritas em árabe,
por sábios e/ou estudiosos africanos que aprenderam a
temos poucas informações. São mencionadas em diver-
escrita árabe – ou pela conversão ou por qualquer outra
sos livros a sua existência, porém, em nenhuma delas
razão – e fizeram anotações das tradições antes trans-
é possível encontrar referências que não foram escritas
mitidas oralmente, produzindos compêndios históricos
antes do século XIX.
dos reinos e impérios africanos anteriores à expansão
islâmica e os contatos entre os povos tradicionais e os
grupos islamizados. Algumas línguas africanas, com os
contatos com islã, foram grafadas utilizando o alfabeto
Para uma melhor compreensão da importância dessas fontes, ver o
árabe, produzindo outras linguagens, que também fazem
capítulo:
parte deste grupo de fontes.
Djait (2010) menciona, fazendo parte das fontes DJAIT, H.. As fontes escritas anteriores ao século XV. In: KI-ZERBO,
escritas em árabe por funcionários da administração Joseph. História Geral da África I: Metodologia e Pré-História da
África. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010. p. 77-104.
ou sábios islâmicos, que são importantes reservas de
informações :

[...] as grandes ta’rikh (al-Tabari, al-Dinawari, al-Baladhori


dos Ansab al-Ashraf) focalizadas no Oriente [... e ainda,]
uma crônica até recentemente quase desconhecida: a ta’rikh
de Khalifa b.Khayyat [...] uma obra fundamental que parece

30 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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Como está a elaboração de seu glossário?

Anote as palavras que não conhece em uma folha conforme vai lendo
o texto, sem a preocupação de procurar no primeiro momento, pois
muitas vezes o próprio texto elucida seu significado. Se foi resolvido
com o texto anote a palavra e seu significado, se não foi, procure em
dicionários, na internet, ou outros livros.

SUGESTÃO DE ATIVIDADES 2
Retome o texto e tente fazer um quadro síntese das fontes e períodos
da História da África.

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EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

32 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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EaD

As grandes
civilizações
Africanas na
Antiguidade

CAPÍTULO 3
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

34 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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Agora que conhecemos um pouco mais a respeito de falsa identificação depreciou a história dos povos africa-
dos registros e informações existentes que podem servir nos no espírito de muitos, rebaixando-a a uma etno-história,
para escrever a História africana, falaremos um pouco em cuja apreciação das realidades históricas e culturais não
podia ser senão falseada. (M’BOW, 2010, p. XXII)
dos antigos povos, reinos e impérios da África iluminados
por essas diversas fontes, pois apesar de nossa ementa
indicar que devemos estudar a História africana a partir Além disso tudo, as chamadas civilizações antigas
das grandes navegações, não podemos cometer o africanas são o berço de muitas das tecnologias, base
mesmo erro dos estudos que somente dão importância do pensamento e filosofias, das formas de religiosida-
a História do continente africano quando inicia o período de, organização política, padrões comportamentais e
de feitorias e primeiras experiências de colonização mo- alimentares, musicalidades, formas de comunicação e
derna dos europeus na África, no século XV d.C. outras coisas, influentes ainda hoje em várias partes do
Na introdução da sua História Geral da África, Mahtar globo e não só na África. Portanto, vamos estudar um
M’Bow (2010), pesquisador renomado da geografia e pouco desses antigos povos antigos.
história africana, diretor geral da UNESCO durante as
décadas de 1970 e 1980, assim comenta esse esqueci- De que cor eram os egípcios?
mento da História da África como disciplina importante:
O Egito das pirâmides e dos faraós talvez seja a mais
[...] o continente africano quase nunca era considerado como forte lembrança da África que temos na memória, mas
uma entidade histórica. Em contrário, enfatizava-se tudo o não a identificamos como africana, porque será?
que pudesse reforçar a ideia de uma cisão que teria existido, Em primeiro lugar o Egito, por seu rápido e pujante
desde sempre, entre uma “África branca” e uma “África ne-
desenvolvimento tecnológico, político, religioso e social
gra” que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-se fre-
marcou toda a região do Mediterrâneo e com isso pro-
quentemente o Saara como um espaço impenetrável que tor-
vocou a cobiça de outros povos. Portanto, com certeza,
naria impossíveis misturas entre etnias e povos, bem como
trocas de bens, crenças, hábitos e ideias entre as sociedades
em toda a história da humanidade, o território egípcio
constituídas de um lado e de outro do deserto. Traçavam-
foi o mais invadido e ocupado por outros povos. Essa
se fronteiras intransponíveis entre as civilizações do antigo sua exuberância e as invasões e ocupações, também
Egito e da Núbia e aquelas dos povos subsaarianos. (M’BOW, provocaram diversas migrações voluntárias e forçadas
2010, p. XXII) de outros povos para seu território.
Por um lado, isso foi benéfico para toda a huma-
Essa visão limitada, criticada por M’Bow, tem como nidade, pois os contatos, mesmo os acontecidos nas
base a ideia de aistoricidade dos povos fora dos domí- guerras e ocupações, levaram a uma troca de tecnologias
nios europeus, já referida anteriormente. Mas também e elementos de cultura, religiosos, padrões culturais e
o professor senegalês aponta outros motivos: alimentares, enfim, estabeleceram modos de vida bas-
tante similares em regiões totalmente diversas.
[...] outro fenômeno que grandes danos causou ao estudo Por outro lado, elas provocaram a descaracterização
objetivo do passado africano foi o aparecimento, com o tráfi- de elementos típicos dos egípcios, como por exemplo, o
co negreiro e a colonização, de estereótipos raciais criadores modo de se pronunciar as palavras em sua própria língua,
de desprezo e incompreensão, tão profundamente consoli- que foi esquecido devido as diversas ocupações e que
dados que corromperam inclusive os próprios conceitos da somente aparecem hoje em cultos religiosos.
historiografia. Desde que foram empregadas as noções de
“brancos” e “negros”, para nomear genericamente os colo-
nizadores, considerados superiores, e os colonizados, os
africanos foram levados a lutar contra uma dupla servidão,
econômica e psicológica. Marcado pela pigmentação de
sua pele, transformado em uma mercadoria entre outras, e
destinado ao trabalho forçado, o africano veio a simbolizar,
na consciência de seus dominadores, uma essência racial
imaginária e ilusoriamente inferior: a de negro. Este processo

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 35


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representação de Cleópatra, interpretada por atrizes com


esteriótipos europeus, essa discussão tem levado o meio
acadêmico a se movimentar em diversas pesquisas.
A última invasão do território egípcio ocorreu na Guerra dos Seis Dias,
Segundo o historiador Elikia M’Bokolo (2009):
em 1967, quando tropas israelenses invadiram a Península do Sinai.
Na antiguidade, fenícios, persas, gregos e romanos invadiram o Egito.
Há já cerca de duzentos anos que a questão das relações
Após a invasão, Roma impôs dinastias aliadas aos seus interesses na
entre o Egito faraônico e a África Negra se tornou um dos
chefia do estado, sendo contestada em revoltas religiosas e populares.
problemas mais tratados na historiografia africana e um dos
No final do período antigo e início do medieval, do ocidente, o Egito pontos de fixação privilegiados pela memória negro-africana.
foi conquistado por Bizâncio, depois por islâmicos e ainda por turcos. Mas contrariamente às idéias difiundidas na opinião corrente,
Napoleão invadiu o Egito em 1798, portanto, o seu território ficou este debate é muito mais complicado do que pode parecer a
sendo um protetorado francês por um pequeno período. Depois disso, princípio. (M’BOKOLO, 2009, p. 53)
voltou ao domínio dos turcos e mais tarde, em 1882, foi invadido pelas
tropas da Gran Bretanha e anexado ao Império Britânico.
Parece uma discussão infrutífera, porém, no seu cer-
ne está a afirmação da ideia de primazia e protagonismo
Vamos falar um pouco da História desse povo então. do desenvolvimento administrativo, religiosos, científico
A região do vale do rio Nilo tem uma história antiga de e tecnológico e de quem são os verdadeiros herdeiros de
ocupação humana de grupos caçador-coletores e tam- todo legado da grande civilização egípcia, os europeus
bém de plantadores de grãos, mas com a desertificação ou os africanos.
do hoje Saara, as populações migraram para junto das A arte egípcia de vários períodos não se furtou a
áreas mais férteis banhadas pelo rio. representar o povo, os sacerdotes e os faraós de forma
Vestígios arqueológicos indicam a convivência de bastante eclética e podemos dizer inclusive que no
grupos de complementares e que a crescente e rápida se- antigo Egito havia uma combinação de cores e etnias,
dentariazação dessas comunidades levou à centralização proporcionada pelo encontro de diversos povos oriundos
política e religiosa formando pequenos cidade-Estados de diferentes regiões atraídos pela pujança egípcia em
chamados nomos. Com a necessidade de grandes obras todo período faraônico e além dele.
para utilização das águas do Nilo, aconteceu um movi- Também podemos dizer com base nestas repre-
mento de centralização maior ainda do poder, formando sentações que a maioria dos representados tem traços
dois grandes grupamentos de nomos, o Baixo Egito e o marcadamente negros, pois apesar da miscigenação
Alto Egito, comprovada pelos vestígios urbanos e gran- sempre presente no Egito, a maioria da população era de
des construções já por volta de 6.000 a.C.. negros, assim como na maior parte do tempo também
O Baixo Egito tinha uma região limitada ao Norte pelo a sua elite.
Mediterrâneo e ao Sul pela primeira cachoeira do Nilo.
Grosso modo, podemos dizer que compreendia a região
do Delta do Nilo, seu clima mais ameno, com chuvas
mais abundantes e terras mais férteis. Na historiografia egiptóloga existe um debate bastante acirrado sobre
O Alto Egito compreendia a extensão de terras ao a dinastia da qual fez parte Cleópatra. Alguns pesquisadores acreditam
Sul da primeira cachoeira. Com um clima mais inóspito, que só foi possível seu reinado graças às influências romanas, portanto,
ela teria sido colocada no poder pelos romanos e desta forma, fazia
porém com terras férteis, favorecia as culturas de junco
parte da nobreza egípcia, mas já estava bastante miscigenada e já
e papiro, além disso, também existiam na região grandes havia incorporado costumes romanos. Outros estudiosos acreditam
recursos minerais. Por volta do ano 3.200 a.C. Menés I que mesmo com os contatos e trocas culturais com os romanos, a
se torna o ”senhor das duas terras” unificando o Egito. nobreza egípcia deste período preservava suas expressões culturais
próprias.
Existe uma grande polêmica quanto à cor dos egípcios
antigos, fomentada pela imagem veiculada das camadas
Sobre o debate específico da imagem e cor de Cleópatra leia os artigos:
dirigente de hoje e dos faraós – e mesmo do povo –,
SHOHAT, Ella. Des-orientar Cleópatra: um tropo moderno da identidade.
principalmente no cinema, e constante nos meios de Caderno Pagu, n. 23, jul./dez. 2004.
comunicação de massa. Alimentada por estudos sobre a

36 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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BALTHAZAR, Gregori da Silva. Plutarco e a Ocidentalização de Cleópatra. produtividade permitindo uma organização da sociedade
In: NEARCO: Revista Eletrônica de Antiguidade. Rio de Janeiro: UERJ/ de tal forma que pessoas podiam se dedicar integral-
NEA, v. 4, n. 6, 2010. mente à religiosidade, à proteção e administração do
estado. Essa separação, portanto, criava segmentações
Sobre a cor dos egípcios ver:
DIOP, Cheikh Anta .Origem dos antigos egípcios. In: MOKHTAR. Gamal. no interior da sociedade com hierarquia rígida e também
História Geral da África II: África Antiga. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, a criação de formas de garantir o sustendo dessas pes-
2010. p. 1-35. soas, os tributos.
Na base da sociedade estavam os escravos, em
Existe também um autor inglês chamado Martin Bernal, que causou
um verdadeiro furor quando do lançamento da obra Atenas Negra, não quase todo o período faraônico composto por estran-
traduzida para o português, quando afirmou com base em exaustivas geiros – responsáveis pelo trabalho nas grandes obras
pesquisas, que a cultura grego-romana tem suas bases nas culturas –, depois, vinham os camponeses livres – a quem cabia
fenícia e egípcia, e que esta é uma cultura africana e negra. Sustentando produzir para todos e também eventualmente trabalhar
a retomada da visão denominada de modelo antigo, que vigorou até o
nas grandes obras –, a seguir, os artesãos citadinos
século XVIII e foi substituída pela ideia que a civilização grego-romana
é baseada na chamada cultura indoeuropéia, denominada modelo e no topo da pirâmide social estavam os militares, os
ariano, parte autóctone do continente europeu e parte trazida por sacerdotes, os nobres que compunham a burocracia do
migrações da Ásia e Oriente Próximo. estado. Acima de todos, acumulando a chefia dos exér-
citos, dos sacerdotes, do judiciário, e da administração
civil, estava o faraó.
A estrutura de poder e social permaneceu a mesma
durante todo o período faraônico – mesmo com os
períodos de ocupação sudanesa, persa e assíria –, que
É possível ver a discussão sobre a cor dos egípcios de uma forma
bastante lúdica. vai desde a unificação até aproximadamente o século I
Existem dois filmes que trabalham com faraós em tempos diversos. a.C., quando as forças romanas se instalaram no Egito
São indicados para crianças, mas podem ser utilizados também por e iniciaram uma série de modificações, a começar pela
adultos. estrutura religiosa, reformularam o sistema jurídico e
A RAINHA sol: A esposa amada de Tutankhamon. Título Original: La
a administração introduzindo tradições romanas, mas
reine soleil. Philippe Leclerc. Produção: Olivier Zuratas. França/Bélgica/
Hungria: RENZO FILMS; Distribuição: FOCUS: 2007. 1 DVD. também adaptaram formas egípcias para aproximarem o
ASTERIX e Obelix: Missão Cleopatra. Título Original: Astérix & Obélix: estado dos novos súditos romanos. (DONADONI, 2010)
Mission Cléopâtre. Direção: Alain Chabat. Produção Executiva: Pierre No Egito também existia uma forte organização
Grunstein. Fança: Katharina/Ren Productions/ TF1 Films Produticon/
religiosa que incluía o faraó como principal líder. Em
Chez Wam; Distribuição: Pathe Distribuition: 2002. 1 DVD.
Veja os filmes e anote os principais personagens e como eles são algumas oportunidades os egípcios experimentaram
retratados, tanto do ponto de vista físico como psicológico, nos filmes. o monoteísmo. Alguns pesquisadores da história
Preste, também, atenção nas questões de gênero e poder apontadas das religiões identificam nestas oportunidades e no
nos filmes. Zoroastrismo, os fundamentos de todas as religiões
monoteístas surgidas na antiguidade clássica, já que
O reinado de Cleópatra representa também a proemi- foram anteriores, por exemplo, ao judaísmo base das três
nência das mulheres nas sociedades africanas de uma maiores religiões monoteístas da atualidade: o próprio
forma geral. Além dela, existem muitas outras mulheres judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
com participação destacada na história egípcia. Também Toda ocupação – ainda mais as pacíficas – implica
em alguns dos templos mais importantes, as mulheres em adaptações, transformações e adições, porém, com
eram centrais, como as Divinas Esposas, as Divinas a ocupação militar romana, o Antigo Egito se transformou
Adoradoras de Tebas, além das mulheres que funciona- de tal maneira que não mais conseguiu retomar sua vida
vam como oráculos, portanto conselheiras dos faraós. autônoma, pois após os romanos se sucederam outros
Graças a grande fertilidade das terras do vale do Nilo povos na ocupação, como bizantinos, muçulmanos,
e as tecnologias desenvolvidas para a utilização das europeus e recentemente israelenses.
águas, como canais de irrigação e drenagens, manejo
e preparação de fertilizantes, a agricultura alcançava alta

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 37


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Kush e Axum banhadas pelo Nilo eram frequentes, pois alguns faraós
e parte da nobreza egípcia entre 2.000 a.C. e 1.500 a.C.
Os reinos de Kush e Axum se desenvolveram no eram oriundos desta região.
noroeste africano e tiveram uma grande proeminência
na história, pois influenciaram diversos outros povos,
com suas culturas.
Segundo importantes descobertas arqueológicas,
essa região compete com o sudoeste africano pelo título As proximidades tanto de fronteiras como culturais eram enormes
de berço do Homo sapiens sapiens e disputa com o Egito entre os egípcios e os kushíticas – também podem ser chamados de
a primazia da organização de sociedades complexas por cuxitas ou cuchitas, dependendo da tradição evocada – levando várias
volta de 6.000 a.C., ou seja elas foram organizadas na vezes a invasões de parte a parte, em diversos episódios. Os melhor
documentados foram a submissão de Kush pelo faraó Tutmés I, por
mesma época. volta de 1.500 a.C., e a tomada de poder do Egito por uma dinastia
kushítica, a chamada XXV ou dinastia etíope, por volta de 700 a.C..
Kush
Além dessas existem também outras incursões e invasões. Ver:
Conforme a tradição bíblica, Kush – ou Cuxe, ou
Cuche, ou Cus, a depender da tradição utilizada – foi SHERIF. Nagm-El-Din Mohamed. A Núbia antes de Napata (3100 a 750
povoada primeiramente por Cuche, um dos filhos Can antes da Era Cristã). In: MOKHTAR. Gamal. História Geral da África II:
que por sua vez era filho de Noé, chegando à região após África Antiga. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010, p. 235-272.

o salvamente do dilúvio.
Se existe uma polêmica quanto a cor dos antigos Leclant (2010) fala de um período pouco anterior
egípcios, o mesmo não acontece com Kush e Axum, a dominação da dinastia etíope no Egito: “Na primeira
ambas surgidas na região denominada de Núbia, uma metade do II milênio, a chamada cultura de Kerma cor-
denominação usual na antiguidade para designar a por- respondia ao rico e próspero reino de Kush, mencionado
ção de terras ao Sul do Egito e irrigadas pelo Nilo. Alguns nos textos egípcios” (LECLANT, 2010, p. 273). O período
pesquisadores apresentam esse território com uma também é marcado por imponentes construções e um
extensão maior ou menor, mas sempre sob a influência florescimento das artes de forma geral.
tanto climática como cultural do Nilo. A prosperidade, talvez ocasionada pela exploração
As primeiras organizações sociais centralizadas na do comércio das diversas mercadorias importantes para
região foram contemporâneas do Alto Egito e do Baixo todo o Norte da África e oriente, como ouro, incenso,
Egito e os achados arqueológicos confirmam as intensas óleos e outras especiarias, fez de Kush uma potência e
trocas comerciais e culturais entre essas regiões, porém, a levou a se arriscar nas conquistas bélicas do território
destacando uma identidade própria nas manifestações de seu vizinho ilustre do Norte, fundando a XXV dinastia
artísticas encontradas em Kush desde esse período no trono egípcio, por volta de 710 a.C.. Essa dinastia
inicial, além de também oferecer pistas de um pujante reinou no trono do Egito por cerca de um século.
comércio com outras regiões africanas e asiáticas das Neste período também foram realizadas muitas
quais era vizinha privilegiada. viagens patrocinadas pelos faraós núbios para desbra-
Com a construção de vários fortes para proteção vamento e conhecimento de outras terras.
do Sul do território egípcio – obra da primeira dinastia
unificada por volta de 3.200 a.C. – as relações entre as Vestígios arqueológicos deste período, encontrados no Mé-
regiões se ressente um pouco, porém, as trocas comer- xico, apontam para o contato com viajantes núbios. Uma das
ciais continuam, pois os egípcios necessitavam de vários maiores expressões dessa proximidade são as esculturas
produtos locais, como os minerais, sobretudo o ouro. olmecas representando africanos. Em algumas, é possível
distinguir ornamentos iguais aos utilizados na Núbia. (LOPES;
Outros produtos locais interessavam ao Egito, vinham
ARNAUT, 2005, p. 22-23)
“[...] de Wawat: incenso, marfim, óleos, ébano, peles
de leopardo, penas de avestruz” (M’BOKOLO, 2009, p. Pesquisadores especializados na História e Cultura
78). Também as trocas políticas entre as duas regiões egípcia consideram que após a retirada do poder faraô-

38 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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nico, os kushíticas sofreram um retrocesso se afastando faziam todo tipo de móveis e utensílios de madeiras;
cada vez mais da cultura do delta do Nilo, porém, no en- existiam até mesmo fabricantes de instrumentos musi-
tendimento de Sherif (2010), Kush continua assegurando cais. (HAKEN, 2010)
as especificidades africanas próprias de sua cultura, mas Além da irrigação por canais, também eram utilizados
também recebendo influências externas: outros métodos de irrigação desenvolvidos localmente
que se espalharam por toda a região, o kole e saqia,
Na realidade, trata-se de uma cultura africana que ora se o primeiro era acionado pelo homem, enquanto que
firma em sua especificidade ora procura alinhar-se à civili- o segundo por animais, principalmente búfalos, eram
zação egípcia – ela mesma, aliás, africana. De tempos em mecanismos utilizados para elevar a água e ajudar na
tempos, chegam ecos do Mediterrâneo, particularmente após irrigação de terrenos mais altos.
a fundação de Alexandria. (SHERIF, 2010, p. 278)
O desenvolvimento dessa tecnologia gerou facilidades
para o cultivo de novas áreas fazendo aumentar a pro-
Para proteger a nobreza das investidas estrangeiras, dutividade da agricultura. Elikia M’Bokolo (2009) ainda
foi decidido mudar a capital de Kush de Napata para destaca a produção de algodão como muito importante
Méroe, provavelmente no século IV a.C.. A região da matéria prima para o artesanato local. (M’BOKOLO,
nova capital tinha clima mais agradável, áreas propícias 2009, p. 85-86)
à agricultura irrigada e mais centralizada para favorecer
o comércio, tornando “[...] Meroé um intermediário nos
negócios internacionais da Antiguidade” (M’BOKOLO,
2009, p. 85).
O Império de Kush constituiu um entreposto ideal para as ro- Para ter uma ideia de funcionamento de elevação de água utilizando o
kole, chamado no Egito de shaduf, ver o sítio da Expedição Científica de
tas de caravanas entre o mar Vermelho, o Alto Nilo e a savana
Napoleão, Napoleon and the scientif expedition to Egypt:
Nilo-chadiana [...] O comércio exterior dirigia-se principal-
<http://www.lindahall.org/events_exhib/exhibit/exhibits/napoleon/
mente para o Egito e o mundo mediterrânico – mais tarde, conte.shtml>.
talvez, para a Arábia do Sul. A rota comercial mais impor-
tante passava ao longo do Nilo, embora em algumas partes Para ter uma ideia de como funcionava o saqia ver o sítio do Projeto de
atravessasse a savana (entre Méroe e Napata, e entre Napata arqueologia grego-norueguês que tem como finalidade explorar os sítios
e a Baixa Núbia, por exemplo). A “ilha de Méroe” [...] era do antigo Sudão, Medieval SAI Project: <http://medievalsaiproject.
também o ponto de partida para as caravanas que se dirigiam wordpress.com /2011/02/05/saqia-in-old-nubian/>.
à região do mar Vermelho, da Etiópia do norte, do Kordofan e
do Darfur. (HAKEM, 2010, p. 324) Méroe também foi um local importante no desenvol-
vimento de tecnologias revolucionando a arte de fundi-
O reino neste período se estendia: “[...] ao longo do ção, proporcionando a fabricação desde instrumentos
Nilo (bacias de Napata, Dongola e Kerma), [...] incluía o de trabalho até finas peças religiosas, de decoração e
Sudão central e se estendia pelo menos até Sennar, no ornamentação pessoal. Vestígios arqueológicos indicam
Nilo Azul, e Kosti, no Nilo Branco [...] Na direção oeste, que “[...] Méroe passara a uma fase quase industrial de
sua influência deve ter alcançado pelo menos o Kordofan produção.” (KI-ZERBO, 1999, p. 114)
[...]” (SHERIF, 2010, p. 279). A fama de seu povo aguerrido e seu exército bem or-
A produção de gêneros alimentícios era variada e ganizado circulava pelo Mediterrâneo, sendo encontradas
ocupava boa parte da população, apesar da pequena diversas informações de solicitações de proteção contra
faixa agricultável, utilizando as técnicas de irrigação os exércitos egípcios feitas pelos hititas e de Jerusalém
era possível ter uma boa produção de “[...] trigo, cen- que estava na eminência de um ataque dos assírios, no
teio e sobretudo sorgo completados pelas uvas assim mesmo período.
como pelas lentilhas, abóboras, melões e pepinos [...]” Quando Heródoto escreveu suas Histórias (HERÓ-
(M’BOKOLO, 2009, p. 85). Também existia diversos e DOTO, 2006), entre 450 e 430 a.C., Kush já estava
habilidosos artesãos. Nas escavações de cidades e novamente independente e contava com uma estrutura
túmulos foi possível encontrar peças de cerâmica; joias de poder organizada e autônoma, uma pujante rede de
de ouro, prata e pedras semipreciosas; marceneiros comércio, cidades organizadas e uma florescente arte

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 39


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

decorativa. Mas o que mais espantava os visitantes de sociedade se organizava nos mesmos moldes egípcios.
Méroe é que seus governantes eram escolhidos através “[...] o rei era considerado divino. As rainhas desempe-
de uma espécie de eleição entre um grupo de famílias nhavam papel importante na vida do país e, por vezes,
consideradas da nobreza e seus candidatos eram espe- governavam. Os sacerdotes exerciam considerável
cialmente preparados para governar, recebendo desde influência, e os templos contavam ricas propriedades”
muito jovens uma educação diferenciada realizada por (RIAD; DEVISSE, 2010, p. 187).
tutores e supervisionada pelo próprio monarca. Segundo Hakem (2010)
M’Bokolo (2009) observa que existia uma forte li- O importante papel da rainha-mãe nas cerimônias de eleição e
gação entre a integridade do reino e a integridade física coroação de seu filho é mencionado por Taharqa e Anlamani,
do governante, portanto a beleza física e as qualidades de modo a não deixar dúvidas acerca de sua influência decisiva
morais do governante eram além de valorizadas, muito e de seu status específico. Muito importante também era a
necessárias para a prosperidade do reino. Eram reali- sua participação em um complicado sistema de adoção, pelo
zadas “[...] cerimônias rituais reatualizando a coroação qual a rainha-mãe, designada pelo título Senhora de Kush,
do rei e destinadas a rejuvenescer o rei e o seu reino.” adotava a esposa do filho. (HAKEM, 2010, p. 303-304)
(M’BOKOLO, 2009, p. 83)
Quando os nobres meroítas governavam Kush, eles No final do primeiro século, a era cristã Kush
rechaçaram várias tentativas de invasão do território não tinha mais a proeminência de outrora, como no
de seu império pelos persas. Os exércitos kushíticas império romano. Suas fronteiras foram ocupadas
eram bastante eficientes e eles contavam também com por pequenos grupamentos de povos vizinhos, isso
a proteção natural do relevo do deserto. Apesar dos provocou a deterioração primeiro da agricultura e depois
reveses sofridos da arrecadação de impostos. Os Egípcios, principais
[...] os persas consideravam os habitantes de Kush como
compradores de seus produtos, também passavam por
seus súditos. No pedestal da magnífica estátua de Dario
mudanças, provocadas pela ocupação romana. Isso tudo
descoberta em Susa, decorado com os povos do império, levou ao declínio de Kush e ascensão de Axum.
foi-lhes reservado um escudo [...] Pode-se supor que uma
estreita faixa do território núbio tenha permanecido sob seu
controle e que houvesse contingentes cuxitas nos exércitos
de Dario e Xerxes [...] (SHERIF, 2010, p. 282)
A região de Kush foi uma das primeiras do continente africano a
se cristianizar. Existem vestígios arqueológicos que indicam uma
Não se tem muitos documentos sobre a vida cotidiana crescente cristianização desde o século I d.C, mas com forte presença
de Méroe, mas pelas informações que nos chegaram, no século III d.C..
podemos dizer que a sociedade se organizava mais ou
menos da mesma forma que no Egito. A escrita era Para aprofundamento ver:
MICHALOWSKI, K.. A cristianização da Núbia. In: MOKHTAR. Gamal.
parecida com a dos vizinhos do Norte, sendo utilizados
História Geral da África II: África Antiga. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO,
os mesmos hieróglifos, porém, ao que parece, eles de- 2010, p. 333-349.
vem ser lidos em outro sentido. A religião também era
muito próxima dos egípcios, porém alguns deuses eram
exclusivos kushíticas.
Axum
As artes também tinham um caráter próprio e peculiar
e seu apogeu se encontra no período próximo ao século A região de Axum – ou Aksum –, segundo os achados
I d.C., conforme atestam as diversas e suntuosas cons- arqueológicos, também é muito antiga, talvez da mesma
truções datadas deste período. Também é desta época a época que o Egito e Kush. Sua área abrangia o que atu-
reconstrução de Napata destruída pelos romanos. almente corresponde à Etiópia e parte do território atual
Também em Méroe reinaram as mulheres. Atribui-se da Erritréia. Segundo M’Bokolo (2009),
a Amanirenas a liderança do exército e a assinatura de Axum é, sem a mínima dúvida, o primeiro Estado africano a
paz com os romanos no primeiro século da era cristã. respeito do qual possuímos fontes muito variadas e comple-
Elas ocupavam papel de destaque nos governos e a mentares, mesmo se a sua interpretação não deixa de susci-

40 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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tar intermináveis interrogações e discussões. É, além disso, formar a população peculiar da Etiópia e de todo o Chifre
notável que as mais ricas destas fontes sejam de origem in- da África – também chamado de península Somáli e/ou
terna. (M’BOKOLO, 2009, p. 86) Corno da África, por se assemelhar a um chifre de rino-
ceronte –, é a designação geográfica para o Noroeste do
Entre o conjunto de documentos nos respaldando continente onde ficam localizados hoje, além da Etiópia,
para o estudo de Axum podemos dizer que são signi- a Eritréia, a Somália e o Djiboti. (ZI-ZERBO, 1999).
ficativas fontes de informações: os escritos egípcios, Nos textos gregos de três séculos a.C., já apareciam
relatos de sábios da antiguidade, as variadas e pontuais informações sobre os soberanos axumitas e o comércio
informações das diversas tradições bíblicas, os escritos de seus principais portos com as regiões mediterrâneas
romanos, também algumas fontes árabes e o conjunto e também com o oriente, além disso, nos escritos dos
mais importante são as fontes produzidas pela própria romanos do século I a.C. ao século III d.C., Axum já
sociedade local, algumas escritas em Grego e outras na aparece como importante império comercial.
língua própria dos axumitas, o Gueze ou Geês.
Outra peculiaridade é a longevidade da autonomia e
independência de Axum, permanecendo desde o século
I a.C. – alguns autores como Cheikh Anta Diop (2010)
Segundo alguns arqueólogos, entre eles Tufnell (1959), desde o século
destacam essa independência desde o século X a.C. –
III a.C. existem evidências de objetos não circulares cunhados pelos
até nossos dias com administração política, militar e soberanos da região que podem ter sido utilizados como moedas.
jurídica autônomos de sua região realizada por nativos
sem interferências mais sérias. Ver:
CONTENSON, H. De.. A cultura pré-axumita. In: MOKHTAR. Gamal.
História Geral da África II: África Antiga. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO,
2010, p. 351-374.

Em relação à referida autonomia e independência de Axum, existiram


somente pequenas interrupções ocasionadas pelas duas tentativas de M’Bokolo (2009) destaca fontes locais como o
invasão e ocupação italiana, as guerras Ítalo-Etíopes, a primeira de diferencial na historiografia axumita, constituídas de
1895 e 1896 e a segunda de 1935 à 1941, porém, em nenhuma das inscrições em pedra destacando as principais realizações
duas o governo local foi reconhecidamente destituído e em nenhuma
dos soberanos de Axum, cobrindo um período que vai
da duas vezes os italianos conseguiram domínio total do território.
Além disso, na primeira o exército italiano ficou desmoralizado com as do século V ao I a.C., uma parte escrita em grego, mas
táticas de guerra de guerrilha empreendida pelos etíopes. também textos escritos em gueze, língua oficial do rei-
no cobrindo o período posterior, do século I a.C. até o
Na segunda tentativa, o exército italiano estava melhor preparado, século VI d.C.. com uma profusão maior entre o século
porém, conseguiu êxito parcial, pois teve que lutar com uma guerra II e IV d.C..
de guerrilha promovida pela população pobre organizada em pequenas
Temos ainda as diversas e importantes obras arqui-
facções, fieis ao Imperador Hailé Sellassié.
tetônicas, principalmente do século I d.C. até o século V
d.C.. Os soberanos de Axum também cunharam moedas
Após a invasão militar italiana, Selassie fez um discurso na Liga das
Nações em que denunciava o uso de armas químicas e apelava para
desde o século III d.C., se constituindo em importante
uma negociação de paz e respeito à soberania das nações africanas. fonte de informação dos diversos soberanos axumitas no
Após esse discurso ele se tornou uma celebridade mundial, sendo tempo. No século IV d.C. “[...] começou a tradução da
escolhido pela revista norte-americana, Times como o Homem do Ano, Bíblia e de outros textos religiosos cristãos do grego para
em 1935.
o gueze.” (M’BOKOLO, 2009, p. 87-88) (grifo do autor)

Segundo Ki-Zerbo (1999, p. 115), Axum era “[...] a


‘terra dos deuses’ e das árvores de perfume, como o
incenso e a mirra, cuja resina se empilhava nos porões
dos navios com a madeira de ébano, o marfim e os
escravos.” Também destaca o papel da miscigenação
entre grupos árabes pré-islâmicos e grupos negros para

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 41


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Porém isso pode ser contestado, pois na mesma época


o reino da Núbia, vizinho da Etiópia, se tornava cristão e
talvez sua ascensão, pois conseguiu acordos diplomáti-
cos e comercais mais vantajosos com os muçulmanos,
Axum, segundo alguns estudiosos, é monoteísta desde o século X
a.C., na verdade um monoteísmo semitizado, quando aconteceu a
seja a explicação mais plausível para o declínio de Axum.
conversão da Rainha Sabá, conhecida na Etiópia como Makeba, para Outro fator importante para o declínio de Axum foi a
o judaísmo e sua ligação amorosa com Salomão, gerando assim o crise do império bizantino, aliado comercial e militar de
herdeiro do trono real etíope.
Axum, forçando sua retração e retirada do continente
Existe um livro sagrado da Igreja Ortodoxa Etíope e dos RasTafari
narrando essa história, o Kebra Nagast, em português Glória dos Reis,
africano. Isso proporcionou uma retomada dos pontos
com várias publicações inclusive em português. comerciais pelos persas reduzindo assim a participação
Como no Egito também na região de Axum o cristianismo é muito dos axumitas no comércio com o Mediterrâneo, além
antigo, alguns teóricos datam a catequização da região realizada no disso, os muçulmanos começavam sua expansão e
tempo dos apóstolos, portanto concomitante com Roma, só que de
ocuparam uma outra fatia do pujante comércio regional.
forma mais rápida e geral do que ocorreu com os romanos.
Ver: Segundo a tradição islâmica, alguns etíopes figuram
MEKOURIA, Tekle Tsadik. Axum cristão. In: MOKHTAR. Gamal. História entre os primeiros covertidos a fé do Profeta e em 615
Geral da África II: África Antiga. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010, p. d.C. aconteceu a imigração de vários muçulmanos para
425-450.
Axum inclusive pessoas muito próximas de Maomé,
porém com o tempo as relações vão se deteriorar ocasio-
A organização administrativa central era nos moldes nado pela disputa pelo controle comercial e estratégica
dos “estados tributários” com cobrança de impostos que do Mar Vermelho. (M’BOKOLO, 2009, p. 110-114)
vinha dos seus habitantes e também dos povos frutos de
suas conquistas, pois além das atividades comerciais, os
soberanos de Aksum também se dedicavam às guerras
para manter regiões suas vassalas ou estabelecer no-
Mesmo com um primeiro acordo feito pelos etíopes com os
vos territórios. “[...] a submissão só se manifestava em representantes de Maomé (CLEARY, 2008, p. 15) indicando as trocas
certas ocasiões, nomeadamente quando se registrava a comerciais e o estabelecimento de feitorias de parte à parte em suas
entrega anual do tributo e quando se levantavam tropas possessões e o respeito dos cultos dos mercadores estabelecidos
para a guerra.” (M’BOKOLO, 2009, p. 90) nos domínios alheios, esse tratado foi desrespeitado em algumas
ocasiões durante os séculos de consolidação de poder muçulmano
As guerras eram também importantes economica- na região do Mar Vermelho, entre o século VII e XII d.C., levando
mente, pois angariavam bens e cereais para os celeiros também a combates que enfraqueceram as relações entre Axum e os
dos soberanos, além de uma mercadoria extremamente muçulmanos, desarticulando as rotas comerciais controladas pelos
importante nestes tempos e procurada no mercado etíopes.
interno e externo, os escravos.
Eram muito hábeis, os dirigentes axumítas, no campo
da política externa fazendo alianças e tratados de paz
com grandes reinos e procurando a expansão, através
de tratados de vassalagem, nos reinos menores. Fizeram Além do capítulo já indicado acima o volume II de História Geral da
muitos contatos comerciais e também ocupações na África tem mais 6 capítulos sobre o Egito.
península Arábica. No século III d.C. foi considerado por
BAKR, A. Abu. O Egito faraônico. In: MOKHTAR. Gamal. História Geral
Mani, um escritor persa, um dos quatro maiores reinos
da África II: África Antiga. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010, p. 37-67.
da terra. (M’BOKOLO, 2009, p. 91)
O império de Axum começou seu declínio, segundo YOYOTTE, J..O Egito faraônico: sociedade, economia e cultura. In:
alguns estudiosos, a partir da escolha de seus sobera- MOKHTAR. Gamal. História Geral da África II: África Antiga. 2. ed. rev.
Brasília: UNESCO, 2010, p. 68-96.
nos por se manterem fiéis ao cristianismo, isso gerou
seu isolamento, uma vez que a expansão muçulmana ZAYED, Abd El Hamid; DEVISSE, J.. Relações do Egito com o resto da
na região foi muito rápida e permanente, ocasionando África. In: MOKHTAR. Gamal. História Geral da África II: África Antiga.
também a perda de mercados para suas exportações. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010, p. 97-118.

42 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

NADOURY, Rashid El; VERCOUTTER, J.. O legado do Egito faraônico. In:


MOKHTAR. Gamal. História Geral da África II: África Antiga. 2. ed. rev.
Brasília: UNESCO, 2010, p. 119-159.

RIAD, H.; DEVISSE, J.. O Egito na época helenística. In: MOKHTAR.


Gamal. História Geral da África II: África Antiga. 2. ed. rev. Brasília:
UNESCO, 2010, p. 161-189.

DONADONI, S.. O Egito sob dominação romana. In: MOKHTAR. Gamal.


História Geral da África II: África Antiga. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO,
2010, p. 191-212.

Para uma visão mais geral do Antigo Egito:


BAKOS, Margaret Marchiori. Fatos e mitos do antigo Egito, Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1994.

CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense,


1982.

DESPLANCQUES, Sophie. Egito Antigo. Porto Alegre: L&PM, 2009.

DONADONI, Sergio. O Homem egípcio. Lisboa: Presença, 1994.

FUNARI, Raquel dos Santos. Imagens do Egito Antigo: um estudo


de representações históricas. São Paulo: Annablume, 2006.

Sobre a conversão da rainha Makeba ver:

BROOKS, Miguel F. (ed.). Uma tradução moderna de Kebra Negast (A


Glória dos Reis). São Paulo: edição do autor, 2001.

Procurar na internet ou em livros didáticos imagens das regiões e


estados tratados até aqui. Faça uma legenda no Mapa Mudo dos reinos
estudas até o momento e se for possível também seus limites.
Um bom exercício – e que vale para suas futuras aulas – é fazer um
banco de imagens dos temas, personagens e lugares citados no texto,
não esquecendo de fazer um arquivo com as referências de onde foram
encontradas as imagens.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 43


EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

44 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

África ao sul do Saara:


a importância da
religião e do comércio

CAPÍTULO 4
EaD
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DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

46 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Concluimos o item anterior falando da tradição de De acordo com os ensinamentos islâmicos, Deus
serem os etíopes os primeiros convertidos ao islamismo sempre quis que suas mensagens fossem espalhadas
no continente africano, porém, foi na África ao Norte por toda a humanidade, mas os hebreus se desviaram
do Saara que essa religião teve sua maior influência e desse princípio, por diversos motivos e se proclamaram
expansão, mas ela também teve uma grande importância único povo escolhido.
ao Sul do Saara, principalmente na região do Sahel onde Deus, então, enviou Jesus para restaurar a universa-
surgiram grandes reinos e impérios. Vamos agora fazer lidade do monoteísmo e acrescentar novos paradigmas
uma pequena introdução do islamismo e sua expansão à fé, porém os cristãos empolgados com os novos en-
no Norte da África e Península Ibérica. sinamentos do profeta Jesus proclamaram-no filho de
Conforme a tradição do Islã, Maomé – cujo nome era Deus, desviando-se dos princípios do monoteísmo de
Abulqasim Muhammad ibn Abdala ibn Abd al-Mutalib ibn um só Deus, indivisível. Muhammad, por sua vez, veio
Hashim – foi o último dos profetas, portanto, ele não é para reestabelecer o monoteísmo universalista, utilizando
o fundador do islamismo e sim o continuador de uma todos os meios para isso.
tradição monoteísta antiga muito anterior ao nascimento Filho de uma família tradicional de Meca, o profeta
do profeta. Atualmente, os pesquisadores preferem ao ficou órfão muito cedo e foi criado primeiro pelo avô e
se referir ao profeta escrever Muhammad ao invés de depois pelo tio. Sua família tinha destaque, pois era en-
Maomé, por uma questão de respeito a forma como a carregada de fornecer aos peregrinos, que vinham visitar
maioria dos fieis se refere à ele. a Pedra Negra do santuário de Caaba, a água do poço
sagrado de Zamzam. Além disso, a tradição destaca que
eles eram descendentes diretos de Abraão.
Cedo, ele teve contato com os ensinamentos do
Existem peculiaridades na transliteração de palavras em árabe para as monoteísmo, porém, como boa parte dos habitantes
línguas europeias que permitem a grafia de diversas formas diferentes de Meca, se dedicou ao comércio e somente perto dos
para o mesmo nome ou palavra. Para aquelas que designam nomes de quarenta anos, quando meditava em uma caverna do
objetos, acidentes geográficos ou pessoas de uma forma mais geral
Monte Hira, recebeu as primeiras revelações do anjo
não existe nenhum problema mais sério, porém, quando se designa
coisas ligadas à religião as formas podem causar desconfortos e até Gabriel, conforme a tradição islãmica. Os ensinamentos
ofensas graves. recebidos só foram reunidos em um único livro após a
Desde as cruzadas existem diversas formas em línguas europeias de morte do profeta, nominado Alcorão.
escrever o nome do profeta e referir-se a ele, mas muitas delas são
corruptelas bastante ofensivas, já que Muhammad representava o
inimigo contra o qual se estava lutando.

Para saber mais sobre o Islamismo e seus princípios existem vários


As ideias de continuidade presentes no islamismo são
sítios na internet contendo textos disponíveis para leitura e impressão.
baseadas na premissa de que Deus, desde a criação da Como por exemplo:
humanidade, enviou vários profetas – Abraão, Ismael, <http://www.islamhouse.com/> ou <http://www.arresala.org.br/
Moises, Jesus Cristo, entre outros – para anunciar-lhe text.php?op=35>
as revelações e conduzi-la para a perfeição eterna. Eles Nesses sítios existem vários livros sobre o Islam inclusive o Alcorão,
em português.
sempre reafirmam as doutrinas e ensinamentos de seus
predecessores e acrescentam novos preceitos de acordo
com o estágio de compreensão da humanidade. As revelações de Muhammad chegaram em um
Muhammad então é o continuador de seus prede- momento único na península arábica, quando os clãs
cessores, Abraão, Ismael, Isaac, Jacob, David, Moisés estavam divididos em cabilas – reunião de vários clãs
e Jesus, e não o criador de uma nova religião. Segundo em torno de uma chefia única administrativa e militar –,
a tradição islâmica, ele é último e maior dos profetas e a população era grande e havia uma crise na produção
o homem mais perfeito nascido entre os homens, por- de alimentos, pois haviam poucas terras agricultáveis
tanto seus ensinamentos devem ser seguidos por toda disponíveis para atender toda a população.
humanidade, daí o caráter expansionista do Islã.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 47


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O comércio, principalmente de gêneros alimentícios, Registre sua idéia


era uma atividade muito usual e bastante valorizada entre
as populações nômades e seminômades da região e Quais as principais características da religião muçulmana?
Meca, uma cidade-estado, era um dos mais importantes A religião muçulmana apresenta semelhança em suas bases com
alguma religião que você conhece? Se apresentar, quais são elas?
centros comerciais da região, graças ao fluxo enorme
de pessoas proporcionado pela peregrinação aos seus
templos e santuários. O próprio profeta Maomé foi um As várias vitórias militares, contra as caravanas que
comerciante abastado da cidade. (FASI; HRBEK, 2010a) se dirigiam à Meca e outras cidades comerciais, também
O islamismo, apesar de sua continuidade religiosa, garantiram cada vez mais adeptos, pois eram a confir-
trazia uma mensagem de salvação para todos que ra- mação do estado profético de Muhammad, atribuídas
pidamente cooptou os mais pobres, fazendo os ricos às forças divinas. Essas campanhas garantiam não só
julgarem-na como ruim, pois retirava os princípios o conforto espiritual como também o material, já que os
hierárquicos vigentes. Além disso, os grupos dirigentes infiéis podiam ser pilhados.
temiam que o monoteísmo pregado pelo profeta afugen- Após várias batalhas, acordos não cumpridos e
tasse os peregrinos de Meca que comportava muitos alianças feitas e desfeitas em 630 d.C. Maomé entra,
santuários das diversas e antigas tradições religiosas com uma tropa de 10.000 homens, em Meca. Neste
árabes e enfraquecesse o poder da cidade frente às período, o islamismo já havia se tornado a religião com
outras. Esse temor fez com que os primeiros seguidores maior número de seguidores na Península Arábica, prin-
do profeta Maomé fossem furiosamente perseguidos cipalmente entre os habitantes das cidades.
em Meca, tendo um grupo se refugiado na Abissínia, na Com a morte de Maomé começaram as divergên-
África, por volta da década de 610 d.C. e outro seguido cias sobre a sucessão à chefia tanto da administração
para Medina sob a liderança do próprio Maomé, em 622 terrena como da religiosa. O profeta já havia sugerido
d.C., onde havia vários grupos de hebreus e cristãos, em várias oportunidades o sistema de consulta – a
conforme a tradição muçulmana. chamada shurâ – e foi isso que aconteceu com a es-
Na época em que esteve em Medina, Maomé prota- colha dos primeiros quatro califas, essa nomenclatura
gonizou a unificação de várias cabilas sob seu comando, foi introduzida pelo primeiro sucessor do Profeta como
utilizando o convencimento e as diversas formas de chefe principal de todos os muçulmanos, seu sogro Abu
alianças, geralmente seladas com casamentos. O uso da Bakr, com o tempo ela passou a designar os chefes de
força das armas não é uma versão verossímil, pelo me- uma comunidade islâmica. Porém, na escolha do quarto
nos neste primeiro momento de expansão do islamismo califa, começaram as divergências, isso fez com que
na região de Medina, pois “[...] os seus vizinhos mais os diversos grupos mantivessem sempre mobilizados
próximos eram, por sua vez, cristãos, judeus e zoroás- homens armados e bem treinados para a resolução de
tricos, ou seja, do ponto de vista islâmico, pessoas do eventuais disputas, apesar de o direito islâmico pregar
Livro, ahl al Kitãb.” (FASI; HRBEK, 2010b, p. 70), pois a escolha de um arbitro autônomo para dirimir todas as
todos eles seguiam uma tradição religiosa fundamentada questões conflituosas.
nas ideias de um juízo final, na existência de um paraíso
para os bons após a morte e na vinda de um messias
orientador e salvador da humanidade.
Do ponto de vista religioso ele também consegue A falta de um consenso na disputa pela hegemonia, neste momento
aglutinar em seu entorno as diversas tradições árabes, histórico, fizeram surgir as duas principais correntes do islamismo, os
pregando sempre que o islamismo é, além de uma reli- partidários de Al ibn Ab Talib, primo do profeta Maomé, chamados de
gião, também um modo de vida. Após unificar as várias xiitas e os seus contrários os sunitas. Os partidários de Ali, ou em árabe
Sh ’atu ‘Alios, que pela corruptela nas línguas europeias são chamados
cabilas em Medina começa uma nova fase da expansão
de xiitas, consideram que Deus envia sempre um representante seu
islâmica marcada por ataques as caravanas dos infiéis, para direcionar os passos dos fieis. No caso específico das primeiras
principalmente as dirigidas à Meca, principais rivais sucessões, elas já estariam resolvidas, pois as mais altas posições de
comerciais e religiosos. mando deveriam ser reservadas aos parentes do profeta Maomé, pois
sabidamente eles seriam os agraciados por Deus.

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Os sunitas consideravam que a sucessão deveria ser decidida


conforme os preceitos estabelecidos pelo profeta, ou seja, deveria ser
respeitado o sistema de consulta a todos os chefes e o eleito seria o
nome de consenso entre todos eles – a chamada shurâ. Desta forma,
ficaria preservada a unidade de todos os muçulmanos e se evitariam Para saber as etapas da expansão muçulmana, existem diversos livros
os confrontos internos. em português que podem ser facilmente encontrados, porém o artigo
abaixo – dividido em duas partes – contém boa dose de conteúdo e é
de fácil consulta:
Um grupo entre os seguidores de Ali não concordou com a aceitação da
arbitragem externa para resolver a questão da sucessão, e se separou
COSTA, Ricardo. A expansão árabe na África e os Impérios negros de
criando um novo grupo, os khawarij – em uma tradução livre “aqueles
Gana, Mali e Songai (sécs. VII-XVI) - Primeira Parte. s/d. In: Casa das
que se separaram” –, também chamados de kharijitas ou caridjitas.
Áfricas. Textos e Livros. Disponível em: <www.casadasafricas.org.br/
site/img/upload/867829.doc>.
As lutas internas das várias facções que se formaram
COSTA, Ricardo. A expansão árabe na África e os Impérios negros de
também foi uma das causas da expansão do islamismo,
Gana, Mali e Songai (sécs. VII-XVI) - Segunda Parte. s/d. In: Casa das
já que todas queriam cada vez mais se fortalecer através Áfricas. Textos e Livros. Disponível em: < http://www.casadasafricas.
do ingresso ou conversão de novos adeptos, ou ainda org.br/site/img/upload/902781.doc>
da submissão e recebimento da taxa dos infiéis cobrada
dos povos não convertidos que habitavam regiões já sob
Conforme já foi explanado anteriormente, até a expan-
o domínio muçulmano. Assim, a conquista de novos
são islâmica, no século VII, a África ao sul do Saara era
territórios e as conversões vão se tornar prioridade.
pouco conhecida pelos povos do norte e também os de
Ainda podemos apontar como fatores externos que fora do continente, porém, existiam trocas sistemáticas
contribuíram para a expansão islâmica: entre o Norte e Sul, com caravanas indo e vindo atra-
[...] o enfraquecimentos dos reinos de Bizâncio e da Pérsia, vés do deserto, proporcionando informações sobre as
que se encontravam devastados pelas guerras e tinham suas populações e sociedades das diversas regiões com as
províncias em franco processo de declínio [...]; possíveis afi- quais comercializavam.
nidades inter-étnicas [...], e até o uso de camelos nas batal-
has em campo aberto por parte dos exércitos muçulmanos.
Nestas áreas surgiram reinos e impérios bastante
(COSTA, s/d) ricos convivendo com grupos pouco especializados e
com suas economias baseadas nas atividades agrícolas.
Com o avanço do islamismo, o sul do Saara passou a
O uso do camelo dava certa vantagem para os
ser mais explorado e todas as riquezas, tanto minerais
muçulmanos frente a seus adversários e em menos de
como tecnológicas e artísticas, foram mais conhecidas.
cem anos os muçulmanos dominaram uma vastíssima
área que ia do rio Indo, na Ásia, á Península Ibérica, Conforme Ki-Zerbo (1999, p. 224) as sociedades nes-
ocupando todo o Médio Oriente e o Norte de África. A ta vasta região “[...] eram muito variadas e escalonavam-
coesão em torno de uma religião e língua proporcionou -se de ‘horda’ patrilinear ou matrilinear, por vezes muito
um incremento no comércio de toda a região dominada. isolada, às sociedades que, disseminadas até à periferia
Mesmo os reinos que não se converteram e pagavam a da floresta, eram altamente diferenciadas e viviam ao
chamada “taxa dos infiéis” foram beneficiados. ritmo do resto do mundo.”
Neste pequeno período de menos de cem anos, os As primeiras tinham sua economia quase que total-
islamitas recuperaram rotas comerciais existentes desde mente voltada para o mundo rural, eram organizadas
os cartagineses e romanos e criaram novas, expandin- a partir dos clãs familiares e o poder geralmente era
do as trocas de bens materiais e imateriais, fazendo a exercido pelos mais velhos. Além disso, muitos grupos
ligação entre o oriente e o ocidente, que quase sempre desenvolveram também conselhos ou assembleias onde
passava pelo norte do continente africano. os vários segmentos sociais, mulheres, jovens, estran-
geiros e ás vezes até escravos, estavam representados
Vamos agora falar um pouco de alguns reinos que
e tinham voz.
sofreram grande influência dessa expansão, do contexto
em que se encontravam as sociedades africanas e das As sociedades mais complexas surgiram em locais
rotas dentro deste continente. estratégicos – quase sempre em rotas comerciais – que
partindo de sociedades rurais bastante simples, conse-

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guiram por motivos variados se tornarem cada vez mais


complexas, acumulando “[...] reservas que autorizavam
a manutenção de categorias sociais especializadas em
certas tarefas, ainda que não fosse a distribuição eco-
Dielis, ou djelys, ou ainda Griot em francês, é o termo utilizado para
nômica e a organização sociopolítica, assumidas por designar várias pessoas e funções comuns nas sociedades tradicionais
um rei, e sua corte e os seus funcionários.” (KI-ZERBO, do oeste do continente africano. No momento atual eles estão sendo
1999, p. 224-225). bastante requisitados e revivem um momento de revalorização.
A mulher nestas sociedades, conforme Zi-Zerbo
Os colonizadores chamaram de griot tanto a pessoa responsável
(1999): pelas apresentações e louvações nas cortes africanas, como também
[...] gozava também de prerrogativas que são precisamente o as pessoas responsáveis pela memória dos reinos africanos e seus
contrário da opressão e que lhe davam um estatuto invejável soberanos. Muitas vezes essas duas funções eram exercidas por uma
em relação às mulheres de certos países na mesma época: única pessoa.
liberdade sexual [...]; liberdade de deslocação por ocasião da
O djely é muito importante, pois é o mestre da palavra. Nas sociedades
maternidade ou das visitas à família; benefício de um amor
ágrafas ele tinha – e ainda tem – uma posição de destaque e são
filial particularmente intenso [...]; regime matrilinear, que dá
subdivididos conforme seu conhecimento – pode ser considerado um
ao irmão a autoridade sobre os filhos; liberdade econômica grande sábio – e suas habilidades em guardar a memória e transmiti-la.
pela apropriação dos ganhos das suas múltiplas actividades Para saber mais sobre as atividades especializadas, os ritos que as
rurais ou comerciais [...]; direitos políticos ou espirituais envolvem e a formação dos mestres, ver:
que lhe abrem por vezes o caminho do trono e da regência
ou fazem dela sacerdotiza respeitada [...] Apesar das BÂ, Hampaté Amadoul. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph. História
desvantagens que por vezes sofria e da diminutio capitis, que Geral da África I: Metodologia e Pré-História da África. 2. ed. rev.
Brasília: UNESCO, 2010. p. 167-212.
dela fazia uma espécie de perpétua menor, a mulher africana
era uma fonte sempre viva e inesgotável de esperança. (KI-
ZERBO, 1999, p. 225-226)
Muitos povos andavam por muitos
As sociedades, cada vez mais complexas, permitiram caminhos
a especialização de algumas atividades exercidas por
grupos que necessitavam de uma formação exclusiva
para atuarem, como os tecelões, os ferreiros, alguns Segundo Heródoto (2006), na antiguidade os cartagi-
artistas, os dielis ou griot, alguns sacerdotes, as pessoas neses, utilizando seus conhecimentos sobre navegação,
especializadas nas artes das curas e outros. já praticavam o comércio mudo com os habitantes do sul
Para completar seu período de aprendizagem, os do Saara, explorando as rotas marítimas que levavam dos
aprendizes tinham que deixar as casas/oficinas de seus portos do Mediterrâneo às várias partes da costa oeste
mestres e necessitavam realizar viagens para conhecer do continente africano. No comércio mudo o vendedor
especialistas/mestres de outras regiões, o que possibi- deixa sua mercadoria em um determinado local e se
litava o desenvolvimento e troca de tecnologias. retira, os compradores chegam e se gostarem pegam a
mercadoria e deixam outra em pagamento e se retiram.
Conforme Hampaté Bâ (2010)
Os vendedores voltam e se concordarem com a merca-
O africano da savana costumava viajar muito. O resultado era
doria e quantidade deixada levam, se não deixam tudo no
a troca e a circulação de conhecimentos [...] Muitas cara-
mesmo lugar, até que se segue a uma troca considerada
vanas abriam caminho pela região servindo-se de uma rede
justa por ambas as partes, mas sem se verem.
de rotas especiais, protegidas tradicionalmente por deuses e
reis e nas quais se estava livre de pilhagens e ataques. (BÂ, Os vestígios e informações obtidas nos documentos
2010, p. 202) antigos apontam rotas terrestres ligando várias regiões
africanas suficientemente conhecidas e utilizadas desde
Os caminhos percorridos por essas caravanas e a a antiguidade até o século XV. Algumas delas eram pouco
prosperidade proporcionada pelo comércio serão nosso percorridas, apenas de ano em ano, outras tinham uma
próximo assunto. frequência maior, mas o certo é que elas existiam desde
os tempos de formação do império egípcio, proporcio-

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nando a troca de várias mercadorias entre os impérios do Em contrapartida, os soberanos tinham que garantir
Norte e Noroeste do continente africano, para o comércio a infraestrutura necessária, tais como: mercados nas
mediterrâneo e também para os mercados do oriente. grandes cidades, segurança nas estradas, além de ga-
Com a expansão islâmica no norte do continente rantias extras, como por exemplo, permitir que grupos
africano e sul da Península Ibérica, o comércio cresce específicos de comerciantes pudessem cultuar seus
ainda mais nas rotas transsaarianas, principalmente pela próprios deuses ou erigir locais de culto.
inclusão de novos produtos vindos do norte e a sede As atividades comerciais pouco ou nada melhoravam
cada vez maior pelo ouro e escravos vindo do sul. a vida cotidiana das populações em geral, porém, os
Segundo M’Bokolo (2009) podemos dividir os pro- detentores do poder eram beneficiados tanto com seus
dutos circulantes nestas rotas naqueles destinados ao lucros como também com a utilização de bens que os
comércio exterior e os destinados ao comércio interre- distinguia do restante da população, pois principalmente
gional. o comércio internacional era constituído de mercadorias
O ‘comércio exterior’ é aquele que, sucedendo às antigas
de luxo.
‘rotas dos carros’, ligava os países sudaneses aos da ba- Criticando os estudos que veem no comércio transa-
cia mediterrânica, Magreb, Tripolitânia e Cirenaica, Egito. As ariano o motivo principal da formação e fortalecimento
grandes cidades mediterrânicas como Túnis, Cairo, Fez e de muitos dos reinos e impérios surgidos no interior do
Tlemcen, constituíam o terminus norte das pistas comerciais continente africano, M’Bokolo (2009) afirma que:
que, para o sul, levavam às cidades sudanesas – Awdaghost, A economia de trocas encontrou, nos países sudaneses,
Walata, Tombuctu, Gao, Tadmekka, Agadés – onde os comer- relações estreitas, que não eram de causalidade simples e
ciantes importadores redistribuíam os produtos nas redes do unilateral, mas de caráter dialético, com o fenômeno estatal
‘comércio inter-regional’. (M’BOKOLO, 2009, p. 129) (grifos e com processos muito amplos de mudança social. A in-
do autor). trodução relativamente precoce do Islã também moldou mais
ou menos profundamente as sociedades e os sistemas políti-
Os produtos vindos do norte incluídos neste comér- cos oeste-africanos. (M’BOKOLO, 2009, p. 132)
cio de exportação eram: cauris – conchas coloridas
utilizadas como moeda em algumas regiões; trigo, Porém, é inegável que o comércio também foi um dos
frutos, passas e tâmara – esta última considerada a fatores relevantes propiciadores da criação e desenvol-
fruta dos príncipes –; cavalos, muito procurados para vimento de importantes cidades e até reinos. Vejamos
formar cavalarias dos exércitos reais; tecidos, sedas, então alguns desses estados influenciados tanto pelo
brocados – sedas ou outros tecidos finos bordados grande comércio, como pelo islamismo na região do
em ouro e prata –, barretes dourados, lã e até mesmo oeste africano.
tecidos de algodão; metais, cobre, ferro, prata, estanho e
chumbo; escravos, turcos, árabes e outros, empregados
sobretudo nos palácios; perfumes, drogas e livros. Ouro
e escravos eram os principais produtos exportados do
sul, mas também iam para o norte especiarias, couros
e peles, marfim, nozes de cola e tecidos, principalmente
os decorados. (M’BOKOLO, 2009, p. 129-130)
No comércio interregional os produtos trazidos do
norte para o sul eram: sal, tecidos, cobre, pérolas, cauris,
tâmaras, gado, cavalos e burros e peixes secos. Do sul
para o norte iam: sal marinho, o marfim, as pimentas e
noz de cola. (M’BOKOLO, 2009, p. 131) Figura 2 – Principais Rotas Transsarianas – Século XIV.
Os negócios eram controlados pelas burocracias
Fonte: PACHECO, Felippe Jorge Kopanakis. Cartografia do Projeto ABA.
estatais e desde pequenos reinos até os grandes im- CIEAA/Universidade Estadual de Goiás. disponível em: <http://www.pre.
périos lucravam com o rendimento dessas atividades ueg.br/projetospresee/projetoaba/pdfs/anexo %20de%20mapas. pdf>.
mercantis, através de impostos ou com o monopólio Acesso em: 20 out. 2010.

de alguns produtos.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 51


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Ghana, Mali e Songhai A região também foi bastante explorada logo depois
da ocupação muçulmana ou por conta da intenção de
A região oeste e centro oeste do continente, corres- fazer novas conquistas ou apenas para explorar novas
pondente à uma grande porção de terras já com vege- regiões e povos com os quais se poderia pelejar futu-
tação de savanas e cursos de água perene à sudoeste ramente ou mesmo para explorar as potencialidades
do deserto do Saara – também denominada de Sudão comerciais.
ocidental –, já era conhecida dos egípicios e do império
bizantino como uma região bastante rica, principalmente Ghana
de ouro e sal. Portanto, sempre chamou a atenção das
civilizações surgidas no vale do Nilo e também às me- O império do Ghana sempre chamou a atenção para
diterrânicas. (ZAYED; DEVISSE, 2010, p. 97). si graças ao ouro. Sua posição geográfica favorável ao
Conforme pesquisas arqueológicas, os grupos popu- norte do Niger e do Senegal ligava a região produtora
lacionais da região conheciam a agricultura e a pecuária de gado e de produtos agrícolas à região saariana. Era
desde muito antes de Cristo. também o final de uma rota de caravanas conhecida
Vestígios arqueológicos que indicam a presença de um grupo desde a pré-história como rota dos carros e tudo isso
de negros produtor de gêneros alimentícios pelo menos contribuiu para Gana se tornar um importante entreposto
desde -1400 a -1300 (talvez antes) foram descobertos em comercial e um reino bastante conhecido e rico. (KI-
quatro regiões principais de Gana: no leste dos montes Ban- -ZERBO, 1999, p. 133-134)
da, nas terras altas ao redor de Kintampo, nos sítios fluviais
As origens de Gana se perdem no tempo longo da
espalhados pelas vastas matas da bacia interior do Volta e
memória, “[...] teria sido fundado antes do ano 400 P.C.
nas planícies de Acra, no extremo sul. (WAI-ANDAH, 2010,
É curioso notar que este início coincidiria [...], no tempo,
p. 670)
com o fim do reino de Méroe.” (GIORDANI, 1985, p. 102)

Também foram encontrados vários vestígios de arte


rupestre em sítios da região, denotando já uma maior
organização das populações alguns séculos antes da
migração de grupos vindos do norte do continente.
(POSNANSKY, 2010a). Existe uma suposição de que o reino de Uagadu, nome tradicional de
Gana, tenha sido fundado – ou pelo menos habitado – por grupos vindos
As populações nômades da região começam um
da região do vale do Nilo ou até mesmo por grupos líbios, pois além
processo de sedentarização com o cultivo de grãos, da constatação acima, foram também encontradas várias semelhanças
principalmente o arroz, e o pastoreio de gado, provocan- entre os ritos de inumação egípcios e os praticados na região. Alguns
do também uma mudança gradual na sociedade e uma estudiosos atribuem uma sucessão de nobres e príncipes brancos no
posterior centralização do poder. No século II d.C., já trono de Gana, mas isso só foi mencionado por um documento árabe
que escrito mais de 1000 anos após os acontecimentos.
temos notícias de grandes reinos organizados na região,
porém é depois da ocupação muçulmana que encon- Ver:
tramos mais notícias sobre a região, principalmente em AZIZ, Philippe. O opulento império de Gana. In: AZIZ, Philippe. Os
escritos árabes. impérios negros da Idade Média. Rio de Janeiro: Otto Pierre Editores,
1978, p. 242-249.
Nas diversas tentativas de circunavegação do con-
tinente africano, já comentadas neste texto, existe a KI-ZERBO, Joseph. A África Negra do século VII ao século XII; dos
possibilidade de Hannon em seu périplo, dos fenícios reinos aos impérios. In: KI-ZERBO, Joseph. História da África negra I.
– enviados por Necao II –, ou ainda Sartapes terem 3. ed. Lisboa: Publicações Europa-América, 1999, p. 129-161.
aportado na costa oeste africana na região conhecida
ZAYED, Abd El Hamid; DEVISSE, J.. Relações do Egito com o resto da
como Costa do Ouro. Porém, é na época da cristianização
África. In: MOKHTAR. Gamal. História Geral da África II: África Antiga.
da Núbia, entre o século VII e IX d.C., e a progressiva 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010, p. 97-118.
abertura ou reativação de rotas comerciais cobrindo
grande parte do interior do continente africano, que as
comunicações entre a região do Nilo e o oeste africano De qualquer forma, Ghana só se tornou uma potência
se tornam mais intensas. (MICHALOWSKI, 2010, p. 342). regional governada por uma nobreza negra em meados

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do século X d.C. dominando um “[...] um verdadeiro comercial. “[...] Al Bakri não se esquece de mencionar
império que se estendia do Tagant ao Alto Níger e do a cozinha deliciosa preparada pelas mulheres e a graça
Senegal a Tombuctu [...]” (KI-ZERBO, 1999, p. 135). proverbial das raparigas da terra, de que celebra as quali-
Estavam nos domínios ou pagavam tributos aos prín- dades com lirismo e precisão.” (KI-ZERBO, 1999, p. 136)
cipes de Ghana “[...] Reinos negros do Sul, com Tekrur, O Império de Gana começa seu crescimento a partir
o Sosso, e a leste os países do delta central nigeriano. do século VIII d.C.. Procurando as razões principais de
Principados berberes como os de Walata e Awdaghost”. sua centralização e instalação da nobreza no poder,
(KI-ZERBO, 1999, p. 135) Posnansky afirma:
Podemos ver que vários povos faziam parte do [...] vamos encontrá-las na posse de preciosas riquezas min-
reino de Ghana, somando “[...] contribuições de tribos erais –cobre, ferro e ouro(para respeitar a provável ordem
de origem muito diversas: negros indígenas [nativos] de exploração) –, no controle do comércio do sal e, provav-
fugindo do deserto ou da floresta equatorial isalubre; elmente, em sua localização numa área onde antes se de-
senvolvia um modo de vida agrícola, como evidenciado no
brancos líbios, semitas, berberes, ouros e, ainda peuls
contexto de Tichitt. (POSNANSKY, 2010b, p. 819)
[...]” (AZIZ, 1978, p. 242).
Ressaltando um dos principais centros de trocas e
posto de reabastecimento do reino ganense, Awdaghost,
baseado nos escritos de Ibn Khaldun e Al Bakri, Ki-Zerbo
(1999) exalta a prosperidade desse oásis, contando com
criação de carneiros e bois, muito mel e afirmando que Existem hipóteses para explicar a formação de nobrezas nos
os habitantes possuíam muitos bens. estados centralizados nas sociedades surgidas no continente
africano, que talvez também expliquem o surgimento das
Awdaghost tinha um mercado repleto de mercadorias linhagens dominantes dentro do estado centralizado de uma
e muito animado, onde se pagava tudo com ouro em forma geral. Pelo menos duas são as mais usuais:
pó., A cidade vivia:
a) Ideia da Natureza Sagrada do Chefe. Nela a sociedade
[...] a formigar de transações, rodeada de hortas [sic] em
atribuía ao chefe algum tipo de poder mágico que beneficiaria
que abundavam os pepinos, e palmeiras e grande quantidade
a todos, assim o chefe político/administrativo era antes
de figueiras, estabelecia uma cortina de protecção contra o um chefe religioso. Essa crença inicial faz com que seja
calor do deserto e a sua importância como centro islâmico centralizado o poder nas mãos de um pequeno grupo;
dotado de uma mesquita-catedral e de numerosas mesquitas
mais pequenas [sic] [...] (KI-ZERBO, 1999, p. 135-6) b) Teoria do Chefe Guerreiro. Nesta teoria o grupo com
melhor tecnologia militar incorpora o grupo mais fraco seu
vizinho, que fica dependente do antigo agressor para sua
Não se sabe ao certo onde era a capital do Ghana no proteção contra a invasão de outros grupos e assim acontece
período de maior apogeu, ou as capitais. Pelas informa- uma expansão do território;
ções dos cronistas árabes e escavações recentes, po-
demos dizer que a capital era composta de dois grandes c) Teoria do Chefe Comercial. Nesta hipótese a formação da
nobreza dirigente está associada à ideia da acumulação de
bairros, um comercial, onde a população muçulmana era riquezas proporcionada pelas atividades comerciais. O grupo
predominante, composto de casas de pedras, mesquitas, destacado nesta atividade consegue riquezas possibilitando
poços e hortas. (AZIZ, 1978) o controle da produção de novas mercadorias e assim por
diante.
O outro é afastado deste centro comercial, onde
moravam o rei e sua corte. Este bairro – ou cidade – A primeira hipótese, de chefe sagrado, para a História da
era cercado por Bosques Sagrados abrigando locais de África leva a ideia de difusionismo, ou seja, os estados
diversos cultos e cerimônias. Nestes bosques também africanos teriam copiado o que ocorria no Egito. A segunda
estavam localizados os túmulos reais, compostos de traz em sua base a ideia de surgimento e desenvolvimento
autóctone de certas tecnologias, principalmente a fundição
uma câmara subterrânea onde o soberano era sepultado
de metais. A terceira traz também a idéia de desenvolvimento
com diversos servidores, principalmente os cozinheiros de tecnologias no seio da própria comunidade, como: formas
e copeiros do palácio. (KI-ZERBO, 1999) de cálculos, conhecimento de meios de transportes, rotas
As mulheres não foram esquecidas da observação e outras línguas, e outras coisas importantes nas trocas
comerciais.
atenta dos escritores árabes que estiveram no centro

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 53


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Ghana era impressionante aos olhos dos visitantes


árabes. O sistema de sucessão era matrilinear, sendo
sempre escolhido o filho da irmã do rei para ocupar o
trono vago. O rei contava com um conselho composto,
Almorávida foi um movimento de muçulmanos berberes dedicados à
por nobres – entre eles os dos reinos vencidos –, antigos preservação de todos os preceitos originais proclamados pelo Profeta
escravos e até mesmo muçulmanos. Maomé que eles liam de forma a transformar a sociedade em pura
O rei se encarregava pessoalmente da justiça e “[...] e igualitária. Fundaram diversos mosteiros, cujo principal e primeiro
foi Arat-n-Anna, e, por volta do ano de 1054 d.C., começaram uma
todas as manhãs, o soberano, numa espécie de ronda
ofensiva, primeiro verbal e depois com a Guerra Santa – chamada
da justiça, saía a cavalo acompanhado de todos os seus jihad –, no sentido de fazer os que se diziam muçulmanos à respeitar
oficiais e dava uma volta pela capital, parando para ouvir as leis e praticar os ritos conforme o estabelecido no Corão, e aos
as possíveis queixas de seus súditos mais humildes e outros crentes de outras religiões deveriam ser convertidos pelo
para lhes mandar logo fazer justiças [...]” (KI-ZERBO, convencimento ou a força da espada. Em sua rápida atuação,
reconquistaram parte da Península Ibérica perdida para os católicos ou
1999, p. 136).
fragmentados em pequenos reinos muçulmanos e dominaram grande
Também era um reino muito liberal, pois aceitava em parte do Noroeste Africano que estavam sob a dominação de outros
sua corte os filhos dos reis vencidos, incorporando-os grupos islamizados.
na administração, além disso, “[...] uma parte dos ha-
bitantes professava também a fé cristã [...] é igualmente Mali
certo que o império de Gana e todo o Sudão abrigaram
um grande número de judeus [...]”, e os muçulmanos As origens do Reino do Mali são pouco conhecidas.
podiam professar sua fé abertamente, além de partici- Segundo Ki-Zerbo (1999):
parem ativamente da administração altos cargos junto É provável que numerosos pequenos grupos mandeus domi-
ao rei, como escribas, interpretes reais, e até ministros. nassem o Alto Senegal e o Alto Niger: os Traorés em Dakady-
(AZIZ, 1978, p. 247) ala, na região de Kri, perto de nyagassola, no Alto Bakoy;
os Konatés em Tabu, no Dodugu; os Kamaras em Sibi, no
Siendugu, e os Keitas em Narena, no Dogugu e nos montes
do Mandinga, situados entre Sigui e Kita [...] No Dodugu,
os camponeses bambaras colonizarão a região na direcção
A aproximação dos religiosos muçulmanos às cortes reais politeístas
leste, [...] Nas colinas do Mandinga, os Malinqués, dispun-
do interior do continente africano foi estratégica para uma posterior
ham de duas cidades principais: Kiri e Dakadyala. (KI-ZERBO,
conversão primeiro da família real e posteriormente de todo o reino.
1999, p. 164)
Ver:
HRBEK, Ivan. A difusão do islã na África, ao Sul do Saara. In: FASI, Todos esses povos tiveram a experiência de chefes
Mohammed El. História geral da África III: África do século VII ao XI.
2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010, p. 83-112.
que se reuniam em confrarias de caçadores, essas
confrarias escolhiam um chefe principal, que participava
do “[...] grande conselho que decidia da guerra e dos
Apesar desse tratamento dispensado aos muçulma- impostos. Os impostos consistiam em dias de trabalho
nos no século XI d.C. os almorávidas começam uma nas terras do chefe e em gêneros agrícolas reunidos
feroz ofensiva na Península Ibérica e África, atingindo para as festas agrárias da colectividade.” Os chefes
também Ghana, fator desencadeante de uma crise e também detinham o monopólio da exploração do ouro
desorganização no império ganense. Os almorávidas e a sociedade era organizada com base nas famílias.
ficam pouco tempo no poder, mas Gana nunca mais vai (KI-ZERBO, 1999, p. 165-166)
ter a pujança alcançada anteriormente.

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amado por Deus, pois ele era o último dos grandes


conquistadores.” (NIANE, 1982, p. 13)
Os problemas de saúde de Sundjata o salvaram quan-
Entre as famílias mencionadas por Ki-Zerbo que formaram dinastias
do Sumanguru, senhor do Sosso, promoveu a unificação
nos pequenos reinos estão os Keita, que continuam sendo uma do Mali através do “[...] massacre em que perderam a
nobreza bastante respeitada até hoje. vida onze outros príncipes que Sumaoro [Sumanguru]
mandou matar impiedosamente depois da conquista do
Um dos filhos mais famosos dessa família é o artista multimídia
Mandinga.” (KI-ZERBO, 1999, p. 167)
– escritor, compositor, multi-instrumentista, cantor, produtor e
videomaker – Salif Keita, mencionado na música de Chico César, A Sundjata, após passar por vários episódios extraordi-
primeira Vista. Ele, como descendente real, não poderia se dedicar nários – entre eles sua própria cura –, conseguiu reunir
às artes, mas é uma boa exceção e exemplo da modernização dos os sobreviventes das dinastias dos reinos aliados de seu
costumes.
pai e “[...] reorganizou o governo e derrotou Sumanguru
na batalha de Kirina nas proximidades da atual Bamako.
Tudo indica que todos esses pequenos grupos eram A tradição do Mali ainda evoca em cantos esta épica
tributários de Gana e essa dispersão favoreceu a hege- batalha.” (GIORDANI, 1985, p. 105)
monia na região do reino de Sosso, “[...] herdeiro do O reino do Mali agora apaziguado podia pensar em
império do Gana, fundado por um clã de ferreiros, [...] expansão. “[...] Sundjata apoderou-se facilmente de
tomava para si o título de maghan ou mansa [...] No Sosso e das suas dependências: o Baghana, o Norte
entanto, estava em curso desde há muito um processo do Beledugu, o Uagadu, o Bakunu e a cidade de Kumbi
de integração política. Já no século XI Al Bakri nos fala [...]” (KI-ZERBO, 1999, p. 168).
da conversão do rei do ‘Mallel’ ao islão.” (KI-ZERBO, Preocupou-se também com o campo, pois o Mali era
1999, p. 166) essencialmente agrícola. Conta a tradição que Sundjata
Aziz (1978, p. 253) citando Idrissi fala de Malel “[...] introduziu “[...] pelo menos, a desenvolver, a cultura do
é uma cidade que não é nem importante nem cercada algodão, do amendoim e a papaia nestas regiões, assim
de muros; ela está construída sobre uma colina de terra como a criação de gado.” (ZI-ZERBO, 1999, p. 169)
vermelha e sólida por sua posição [...] Eles possuem Uma das principais novidades no governo de Sundjata
camelos e cabras de cujo leite se nutrem. Comem tam- foi a mudança para Niani uma imponente nova capital do
bém caça e carne de camelo seca ao sol.” império e anexou o Bambuque, outra região produtora
Existe uma polêmica sobre a conversão da nobreza do do ouro do Mali até aquele momento não pertencente ao
Mali ao islamismo, alguns autores afirmam que isso se império. Anexou também o Bondu, o Baixo Senegal e o
deu no início do século XI d.C. e outros que a conversão Baixo Gâmbia, antigas províncias do Gana. O Mali passou
de um rei do Mali só aconteceu no final século XIII d.C., a dominar as rotas comerciais das caravanas do Saara.
pois conforme vasta documentação, a primeira fase da Isso mais uma vez estava ligado à islamização e aos
expansão muçulmana produziu conversões duvidosas. mercados abertos por ela no norte da África, Península
Entre uma data e outra aconteceu um episódio mar- Ibérica e oriente. (M’BOKOLO, 2009)
cante na História de centralização e serve como marco Segundo Hrbek (2010) os comerciantes eram os
da instalação do Império do Mali: a ascensão ao poder primeiros a se converter e a existência de uma:
de Sundjata, ou Mari Djata – Príncipe Leão –. Segundo [...] associação do islã e do comércio na África subsaariana
consta na memória coletiva da população da região, é um fato bem conhecido. Os grupos mais ativos no plano
Sundjata, da dinastia Keita soberanos do Mandinga, nas- comercial, tais como os dioula, os haussa e os dyakhanke,
ceu com problemas de saúde e não conseguia caminhar, estiveram entre os primeiros a se converterem quando os
nem mesmo se levantar. seus países entraram em contato com os muçulmanos e esta
Niane (1982) em um dos parágrafos iniciais da His- conversão explica-se por fatores sociais e econômicos. (HR-
tória do Mali, conforme relatado por vários griots, assim BEK, 2010, p. 88)

exalta o grande rei “[...] Sundjata, aquele cujas proezas


espantarão os homens por muito tempo. Ele foi grande Os fatores econômicos destacados por Hrbek (2010)
dentre os reis, foi incomparável dentre os homens; foi estão ligados às origens do islã, nascido no seio da

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 55


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

comunidade de comerciantes de Meca proclamada por durante os doze anos que se seguiram.” (MUNANGA;
um ativo comerciante, Maomé. Por isso: GOMES, 2006, p. 45)
[...] o islã apresentava (e apresenta) um conjunto de Além dessas consequências econômicas, esta fa-
preceitos morais e práticos estreitamente ligados às mosa peregrinação também abriu os olhos do mundo
atividades comerciais. Este código moral ajudava a sancionar mediterrâneo para a pujança do Mali. Quando passou
e controlar as relações comerciais e oferecia, aos membros pelo Egito, Kango Mussa adquiriu várias obras de arte,
dos diferentes grupos étnicos, uma ideologia unificadora obras jurídicas e filosóficas, além de mercadores de
que atuava em favor da segurança e do crédito, duas
todo o mundo mediterrâneo terem presenciado seus
das condições essenciais para a existência de relações
feitos colocando literamente o Mali no Mapa. Nos mapas
comerciais entre parceiros comerciais distantes entre si.
genoveses e venezianos a partir daí o Mali – chamado
(HRBEK, 2010, p. 88)
de Melli – foi incluído, com destaque para suas riquezas,
principalmente o ouro.
O segundo grupo a se converter era o dos chefes
Segundo Aziz (1978, p. 267) quando Ibn Battuta “[...]
políticos e suas cortes. Diferente das conversões de
visita o Sudão em 1352, é sensibilizado pela ordem,
comerciantes que tiveram pouco espaço nas crônicas
segurança, boa administração das finanças e etiqueta
árabes que chegaram até nós, as conversões dos chefes
da corte do Mali.” A explicação parece estar na forma
de clãs, dos reis ou de importantes figuras nas suas
como a educação era tratada pelos soberanos maline-
cortes foram retratadas com destaque. Os motivos da
ses. Existem notícias de investimentos de Sundjata na
conversão eram muito mais ligados à política interna
construção de escolas.
e as conjunturas econômicas que propriamente à um
fervor religioso. Kango Mussa,na volta de sua peregrinação a Meca, ao
passar por Tombuctu “[...] ali deixou o seu amigo o poeta
No plano interno, o islã oferecia ao soberano o
Es-Sahili com a soma de 40 mil meticais de ouro para
amálgama para sedimentar sua dominação entre grupos
poder restaurar ou construir os edifícios destinados ao
heterogêneos, que antes da conversão, tinham costumes
culto e às coisas do espírito.” (M’BOKOLO, 2009, p. 147).
totalmente variados e adoravam deuses diversos. Com a
conversão dos chefes regionais, se criava uma nobreza M’Bokolo (2009, p. 148) utilizando o testemunho
minimamente coesa em alguns aspectos. Além disso, deixado por Mahmud Kati, o primeiro historiador negro da
os muçulmanos traziam para a administração conheci- cidade que escreveu no século XVI, fala da urbanização
mentos pouco difundidos na nobreza até então, como crescente do Mali: “[...] encontrar-se-iam em Tombuctu
por exemplo, a escrita. (HRBEK, 2010, p. 90-100) [...] 26 oficinas de alfaiates empregando entre 1.300 a
2.600 aprendizes; 150 a 180 escolas, das quais uma
No plano externo, a conversão garantia uma estabili-
das mais importantes acolhia mais de 120 alunos [e
dade territorial importante para manter os limites e evitar
que a população da cidade era] da ordem de 70 mil a
invasões, além de propiciar novos contatos comerciais
80 mil habitantes.”
importantes para manter a entrada de mercadorias e
assegurar mercados para as exportações. Outro fator
importante é que esses contatos também sedimentavam
alianças políticas externas essenciais para manter o pres-
tígio do governante além de garantir proteção no caso Ki-Zerbo (1999, p. 189) calcula a população da cidade de Tombuctu
de necessidades futuras. (HRBEK, 2010, p. 90-100) em 100.000 habitantes, utilizando como base um recenseamento
realizado por jovens estudantes citado no Tarick el-Fettach, escrito no
São relatadas várias viagens a Meca de dirigentes século XVI d.C.. Ele ainda destaca como grandes cidades recenseadas
do Mali – principal sinal externo da conversão –, desde na mesma operação Gao e Cano, porém não fala da população das
o início do século XII, mas a mais impressionante foi a duas. Para a cidade de Gao foram contadas “[...] 7626 casas, sem
realizada por Kango Mussa – ou Kanku Mussa –, entre incluir as cubatas construídas de palha [...]”.
1324 e 1325, que “[...] passa por Ualata, Tuat (Adrar)
e Cairo. Todas as crônicas árabes falam desta incrível e A administração do império se organizava com a
mirífica peregrinação, onde o rei de Mali distribui mãos cobrança dos impostos dos produtos agrícolas e da
cheias de ouro à sua passagem” (AZIZ, 1978, p. 266). Foi pecuária “[...] em tributos, na requisição de pepitas de
tanto ouro “[...] que o valor do precioso metal despencou

56 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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ouro, em taxas aduaneiras e despojos de guerra.” (KI- e outras de um tirano opressor. Após vencer os desafios,
-ZERBO, 1999, p. 178). Também são citadas taxas sobre os dois irmãos se separam. Fará Maka Bate desaparece
mercadorias importadas e exportadas. das histórias, mas Za el-Ayamen é proclamado rei pelo
O ouro que tinha sido o signo do esplendor do povo songai. (GIORDANI, 1985; AZIZ, 1978)
Mali também era o motivo das cobiças externas e das Os Dia reinaram por várias dinastias, perfazendo
disputas internas pelo seu controle. Assim, o império cinco séculos. Quando transferiram a capital do império
sofreu investidas externas por parte de vários povos, para Gao, na primeira década do século XI d.C., cidade
mas principalmente dos tuaregues que invadiram por retomada dos berberes e antiga vassala do império do
diversas vezes cidades importantes como Tombuctu. Mali, já haviam reinado 14 soberanos desta dinastia,
Foi também questionada em diversas oportunidades a segundo Aziz (1978).
forma de sucessão que algumas vezes foi matrilinear, Giordani (1978), citando Ibn Haukal, que escreveu
outras patrilinear e outras o poder foi tomado à força, em fins do século IX, assevera a amizade entre o rei de
além disso, vários reinos vassalos também questiona- Ghana e os dirigentes do Gao. Porém, em momentos
ram a legitimidade das taxas cobradas. As invasões, os posteriores, eles passam de amigos à tributários, pri-
questionamentos dos vassalos, a perda de controle das meiro de Ghana e depois do Império do Mali.
rotas comerciais e as intrigas palacianas enfraqueceram Na volta da peregrinação de Kango Mussa, em 1336
o império que foi perdendo, à partir do final do século – existem controvérsias sobre se pacificamente ou por
XVI, cada vez mais a proeminência na região. imposição –, os dois filhos de Dia Assibai, chamados Ali
Kolen e Solimão Nar, são levados para serem educados
Songhai na faustosa corte de Kango Mussa. Após onze anos
os dois irmãos conseguem fugir, reúnem um exército e
Os songhais ocupam a região desde tempos imemo- derrotam o governador imposto pelo imperador do Mali,
riais, mas seu reino, deve ter sido organizado entre os conquistando nova independência para o Songhai. As
séculos V e VII d.C. (KI-ZERBO, 1999; GIORDANI, 1978). lendas de criação do império se recriam, e novamente
Sua base foi o pequeno reino de Kukia, “[...] fundado por dois irmãos chegam de fora para recriar o império. (AZIZ,
uma população de camponeses, caçadores e pescado- 1978; GIORDANI; 1985; KI-ZERBO, 1999)
res.” (MUNANGA; GOMES, 2006, p. 46) Segundo Aziz (1978, p. 279) após a recriação do
Segundo Aziz (1978) os songai são formados por império os soberanos iniciam um movimento de volta
três distintos povos: populações oriundas do Norte, aos costumes tradicionais negligenciando cada vez mais
provavelmente da região do Volta ligados a agricultura; a religião islâmica e trazendo de volta práticas ances-
as populações ocupantes de tempos mais remotos, os trais, como por exemplo, a utilização de “[...] epítetos
pescadores Sorko e os caçadores Gow, todos encontra- bárbaros a seus nomes como ‘pequeno cavalo barbado’,
ram-se nas margens orientais do rio Níger. ou ‘pantera-crocodilo’, nomes que cheiram a mato e a
Sobre o Império Songhai, também conhecido como animalismo.”
Gao, depois do século IX, observa Aziz (1978, p. 269) A convivência com outras culturas é pacífica neste
“[...] as fontes são abundantes: narrações de Ibn Khal- período, conforme relatado por El-Bekri sobre Kaukau
dun, de Leon, o Africano, de Usmane dan Fodio, de que na prática eram duas cidades, uma onde os peque-
Mohammed Bello, de El-Mucheli, crônicas sudanesas nos e grandes negócios eram a tônica e habitada pelos
e o Tarikh as-Sudan e o Tarikh al-Fattah [...]” (grifos comerciantes – judeus, berberes e principalmente mu-
do autor). Além dessas, ainda temos os relatos de Ibn çulmanos – e outra onde o rei e sua corte viviam. (AZIZ,
Battuta que também passou pela região. 1978; ALMOULOUD, 2003;)
São conhecidas algumas lendas sobre a criação do O império Songhai começa sua expansão com Ali Ber,
Songhai. Todas falando dos dois irmãos Za el-Ayamen e também conhecido como Sonni Ali, que governou entre
Fará Maka Bate, fundadores da dinastia Dia, que teriam 1464 e 1492. Grande guerreiro tomou várias cidades
vindo do norte para livrar a população de perigos emi- do antigo império do Mali ocupadas por outros povos,
nentes, algumas falando sobre um dragão de maldades, como Tombuctu ocupada pelos tuaregues desde 1435.
outras de um demônio manifestado em um grande peixe (GIORDANI, 1985, p. 110).

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Alguns pesquisadores consideram Sonni Ali como o No período da regência de Daud, entre 1549 até 1583,
protetor das tradições dos povos negros, tendo lutado o sultão do Marrocos faz várias tentativas de controle
contra a expansão do islamismo no oeste africano e tam- das minas de sal de Teghazza, pertencentes ao império
bém tomando atitudes de grande desagrado ao mundo Songhai, primeiro pacificamente e depois em excursões
muçulmano, como por exemplo, as ações relatadas por militares e mais uma vez o império é enfraquecido pelos
Giordani (1985, p. 110): “[...] em Tombuctu executou problemas de sucessão após a morte do askiya Daud,
os ulemas, sábios muçulmanos, que se opunham a ele em 1583 d.C.
e encarcerou os letrados.” Com os problemas internos de sucessão, a falta de
Por volta da década de 1470 d.C., os domínios de coesão das diversas províncias e as incursões militares
Sonni Ali se extendiam por grande parte do sul do Daomé, do Marrocos utilizando equipamentos modernos de ar-
a região do Gurmah, o Homberi, no recôncavo do Níger, tilharia como canhões e mosquetes, o Império Songhai
partes dos territórios do Mossi e parte do território começa a se desintegrar. Após a invasão de Tombuctu,
Yatenga. Porém, o rei mossi Nasserê não se conforma Djennê e Gao pelo exército de mercenários do Sultão de
com a perda de seus domínios e arquiteta uma reviravolta Marrocos o “[...] Sudão está submerso em uma maré
promovendo “[...] verdadeiramente uma emigração de barbárie.” (AZIZ, 1978, p. 310)
gigantesca das tribos Mossi [...]” (AZIZ, 1978, p. 282). Mesmo com a resistência da população local liderada
Com a morte de Sonni Ali ocorre uma disputa de por descendentes dos askiya não foi possível retomar
poder provocada principalmente pelas contradições o poder e toda a região passa a ser regida pelo Sultão
entre as regras tradicionais sucessórias com as novas de Marrocos, mas sem muito sucesso nas diversas
regras islâmicas. Com a instabilidade provocada pelos tentativas de unificação e restauração da unidade do
questionamentos sobre a legitimidade do novo soberano, antigo império.
sobe ao poder Mohammed Turi, um antigo general de
Sonni Ali, que reorganiza o reino em províncias com certa
autonomia, criando o Império do Tekrur, regido por uma REGISTRE SUA IDEIA
nova dinastia proclamada de askiya.
O novo imperador retoma o diálogo com os muçulma- Anote as principais características dos diversos reinos citados nesta
nos, incorporando vários conselheiros ulemás, fazendo parte e tente fazer um quadro com suas semelhanças e diferenças.
sua peregrinação pessoal à Meca onde é proclamado
califa da região do Sudão.
Depois disso ele empreende várias campanhas de
conquistas ampliando seus domínios e produzindo uma
mercadoria bastante requisitada naquele momento na
região do Mediterrâneo: escravos. Em 1501 o askiya Mo-
hammed Turi entra triunfante na antiga capital do Império
Mali, estendendo seus domínios também para Maussa
de Gobir, Katsena e Kano. (DRAMANI-ISSIFOU, 2010)
A migração de diversos povos começou a minar o
império dos askiyas por dentro desde aquela empreen-
dida pelos mossi no último quartel do século XV d.C..
Havia uma diversidade de culturas, costumes, línguas e
organizações sociais dentro do império.
Conviviam nas cidades populações trazendo culturas
tradicionais africanas, com grupos berberes, judeus e
muçulmanos – e dentro desse último grupo havia fac-
ções divergentes. No campo, a maioria da população
era songai sustentando suas tradições ou praticando
um islamismo de fachada.

58 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Existe uma fábula transposta para filme, retratando os encontros e


desencontros ocorridos entre as culturas islâmica e cristã, no final do
período medieval ocidental. Faremos uma atividade para fixação dos
principais pontos estudados até o momento.

AS AVENTURAS de Azur e Asmar. Título Original: Azur et Asmar. Direção:


Michel Ocelot. Produção: Christophe Rossignon. Bélgica, Espanha,
Itália, França: Eurimages/Nord-Ouest Productions/Intuition Films/Lucky
Red/Studio O. Distribuição: Videofilmes: 2005. 1 DVD.

Existem diversas formas de trabalharmos os temas e assuntos


abordados neste filme como a simbologia existente entre os
personagens principais e as culturas islâmica e cristã; a forma como
a mãe/babá age com os dois meninos; as atitudes do pai cristão com
os meninos. Utilizaremos apenas alguns dos aspectos históricos/
geográficos para sedimentarmos os conhecimentos da História do
continente africano tratados até aqui.

Veja o filme e preste atenção nos seguintes aspectos:


a) Quais são os personagens principais?

b) Você consegue identificar as regiões retratadas pelo filme?

c) Como são as paisagens retratadas no filme? São sempre iguais?

d) Como é a terra de Azur e como é a terra de Asmar?

e) Como são as pessoas retratadas no filme? Elas são sempre iguais?

f) Quais as ligações entre o filme e o que foi lido até aqui?

SUGESTÃO DE ATIVIDADE 2:
Como está a elaboração de seu glossário?

Anote as palavras que não conhece em uma folha conforme vai lendo
o texto, sem a preocupação de procurar no primeiro momento, pois
muitas vezes o próprio texto elucida seu significado. Se for resolvido
com o texto, anote a palavra e seu significado, se não foi, procure em
dicionários, na internet, ou outros livros.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE 3:
Procurar na internet ou em livros didáticos imagens das regiões e
estados tratados até aqui. Faça uma legenda no Mapa Mudo dos reinos
estudados até o momento e se for possível, também, seus limites.
Você está fazendo seu banco de imagens?

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 59


EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

60 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

O Tráfico escravo no
Atlântico Sul

CAPÍTULO 5
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

62 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Até aqui apresentamos reinos e impérios que pouco Alguns pesquisadores adotam o termo escravidão
contato tiveram com os povos europeus após a domina- somente para o processo de tráfico organizado de pes-
ção romana, porém, chegou o momento de estudarmos soas para fora do continente africano, que podemos
um pouco dos povos, reinos e impérios construídos na dizer que se inicia com a consolidação das conquistas
época das grandes navegações e que tiveram grande muçulmanas no final do século IX d.C. e toma corpo com
importância para nossa História, pois a partir desta época os europeus em meados do século XVI d.C.. (INIKORI,
o continente africano passou a ser o maior fornecedor 2010)
de mão de obra para o desenvolvimento mundial e par- Outros pesquisadores argumentam que a escravidão
ticularmente para as Américas através da escravização no continente africano é bastante antiga e que era uma
de um grande contingente de pessoas. prática comum para vários povos africanos desde muitos
A escravidão é um fenômeno da humanidade e to- séculos antes do início do período chamado de grandes
dos os grupos humanos conheceram alguma forma de navegações europeias, no século XVI d.C..
escravização. Segundo Lovejoy (2002, p. 29) a “[...] O périplo do Mar da Eritréia, escrito no século I a.C.,
escravidão foi um importante fenômeno da história, da cita os escravos como mercadoria valiosa nas trocas
antiguidade clássica à época muito recente.” comerciais do Mar Vermelho, no período da História
Segundo Souza (2003, p. 12), a “[...] história da hu- Antiga europeia. A tradição bíblica indica que os hebreus
manidade, por muitos séculos, testemunhou a presença foram escravos durante muito tempo dos egípcios. Além
da escravidão na vida social de diferentes povos, desde disso, estudos recentes, assevera Souza (2003, p. 12-
a Antiguidade Clássica.” 13), indicam que os egípcios já organizavam expedições
Para João Reis (1987), citando Evsey Domar, sempre militares com fins de obtenção de mão-de-obra compul-
que exista uma “[...] situação de abundância de terras sória, desde pelo menos 2680 a.C..
e escassez de mão-de-obra se verifica uma tendência A principal diferença entre os dois argumentos se
ao aparecimento do trabalho forçado” ( DOMAR apud refere às formas de escravidão surgidas no interior das
REIS, 1987, p. 8). sociedades africanas tradicionais e sua comparação com
As conquistas do Império Romano geravam prisio- novas formas de escravização surgidas com o grande
neiros de guerra que eram vendidos como escravos. tráfico de escravos para exportação, principalmente entre
Havia também, na antiguidade, regiões fornecedoras os séculos XVI e XVIII d.C..
de escravos para todos os grandes impérios, como por Também é discutida a violência ou brandura na escra-
exemplo, a Europa Oriental de onde eram exportados vidão no continente africano, servindo esse ponto para
grandes contingentes de cativos. Os eslavos, cujo nome diferenciações e classificações de acordo com o grau
deu origem a palavra escravo em diversas línguas euro- de brandura ou violência empregado contra os escravi-
peias, eram exportados para reinos africanos e da Ásia. zados ou para sua obtenção. Além disso, as formas de
(INIKORI, 2010, p. 91-92) utilização, propriedade, funções e autonomia do cativo
também indicam diferenças entre as formas tradicionais,
e mais tarde também sobre as implantadas no mundo
muçulmano, após o século XI, e com o tráfico Atlântico
no século XVI.
Existe um pequeno artigo muito instigante que é o resumo de um
debate sobre as correlações entre a escravidão antiga e a moderna, Trabalharemos um pouco sobre a escravidão na
que traz importantes discussões sobre o conceito de escravidão. África, suas principais características e como ela vai se
transformar ao longo do tempo.
Ver:
CARDOSO, Ciro Flamarion; REDE, Marcelo; ARAÚJO,
Sônia Regina Rebel. Escravidão antiga e moderna. Revista A escravidão na África
Tempo. v. 3, n. 6, dez. 1998. Disponivel em: <www.historia.
uff.br/tempo/artigos_dossie/artg6-1.pdf>.
Existe uma infinidade de formas de exploração com-
pulsória de pessoas surgidas nas diversas regiões da
No continente africano, a escravidão é um assunto África que levariam a uma enorme lista de classificação
muito pesquisado e polêmico. se pensarmos os diversos critérios para estabelecer as

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 63


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

várias tipologias que poderiam ser utilizadas como, por se torna um estrangeiro, ou seja, perdia as prerrogativas
exemplo: quanto à propriedade, as formas de utilização, “[...] de direito e privilégios de uma determinada socie-
as formas de transferência, tratamento dispensado, for- dade [...]” (LOVEJOY, 2002, p. 31).
mas de reprodução, formas de conquista de liberdade, Existiam outras circunstâncias em que as pessoas
etc.. podiam se tornar escravos, além das punições judiciais
Para evitarmos grandes e exaustivas listas e clas- e penhora por dívidas. Alguns grupos, em momentos
sificações – e também as discussões sobre elas – uti- de fome, podiam vender alguns de seus membros para
lizaremos a definição de João Reis (1987, p. 6), para grupos vizinhos.
quem o escravo é “[...] alguém que é propriedade de [...] Esse tipo de comércio muitas vezes garantia não apenas a
outro – que pode ser pessoa, grupo social, instituição sobrevivência de grupos inteiros, mas também das mulheres
ou cargo político –, e cuja propriedade é reconhecida e crianças e homens que eram transformados em escravos
pelas leis e costumes.” nos grupos receptores. (REIS, 1987, p. 7)

Outra característica marcante dos escravizados era a


instabilidade dentro da comunidade. A qualquer momen- Escravos também poderiam ser produzidos com
to, mesmo gozando de todas as prerrogativas de uma a simples reprodução física. Em algumas sociedades
pessoa livre como em algumas sociedades africanas, o africanas os filhos de mulheres escravas também eram
escravizado podia ser vendido para outra comunidade. considerados escravos, mas na maioria eles eram livres,
Para João Reis (1987), a escravidão no continente o que gerava uma constante busca por novos cativos.
africano pode ser classificada, para facilitar os estudos, Em muitas dessas sociedades existia um sistema
em doméstica e mercantil. A primeira proveniente das onde o controle sobre os filhos de uma união era exer-
sociedades tradicionais e a segunda implantada com a cido pelo líder da família da mãe, mas no caso de união
expansão capitalista. Utilizando outros autores falaremos entre um homem livre com uma concubina escrava, esse
um pouco de cada uma delas. controle era do próprio pai ou do líder de sua linhagem.
A escravização doméstica – também chamada escra- Nas sociedades islamizadas, as escravas tomadas
vidão de linhagem ou parentesco – é bastante peculiar como concubinas não podiam ser vendidas se tivessem
para nós que estamos acostumados com as formas de um filho de seu senhor/amante. Além disso, os filhos
exploração estabelecidas na plantation – definida como eram tidos como livres. A escrava/concubina ganhava
escravidão mercantil ou ampliada. a liberdade com a morte de seu senhor, em todas as
Na escravidão doméstica: sociedades islamizadas ou tradicionais. A única restrição
[...] as pessoas eram transformadas em escravos apenas
à escrava/concubina, na sociedade muçulmana, era não
como resultado de punição judicial por algum crime ou
poder renunciar à união estabelecida com o senhor/
como uma espécie de garantia para o pagamento de amante.
débito. No último caso trata-se da difundida instituição da A aquisição de mulheres escravas e sua transforma-
penhora humana [...] tinham acesso aos meios de produção ção em concubina garantia ao homem uma descendên-
(basicamente a terra), podiam casar-se com pessoas livres cia sob seu controle, isso significa a possibilidade do
e eram consideradas membros da família do senhor. (REIS, controle futuro de mais homens para cultivar a terras,
1987, p. 6) para lutar nas guerras, produzir mais alimentos, etc. No
caso de uma filha mulher, ele futuramente controlaria
Enquanto que os escravizados nas plantation eram seus descendentes.
comprados no mercado aberto, não tinham acesso aos Usando a mesma lógica, os filhos do casamento de
meios produtivos, não podiam casar-se, não podiam se um homem escravo com uma mulher livre proporciona-
ausentar das vistas de seus senhores, além de uma série va ao líder da linhagem da mulher o controle sobre os
de outras interdições. descendentes. Além de tudo isso, as mulheres também
Nas sociedades tradicionais africanas todos têm seu conheciam bem todos os segredos da agricultura.
lugar, e uma das formas de punição era/é a expulsão Portanto, a mulher escrava era muito valorizada no
do grupo, o que tornava o sujeito passível de passar à mercado interno africano, assim como as crianças,
condição de escravo de outro grupo que o acolhia, pois pois elas assimilavam mais facilmente a cultura de seu

64 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

novo grupo, fator essencial para garantir uma adesão Além delas, o indivíduo escravizado, por exemplo, no
às normas e mecanismos de funcionamento do grupo, Brasil onde vigorou a escravidão de caráter mercantil,
assim como garantiam uma adaptação “[...] mais rápida passava a ser um simples objeto passível de compra e
e facilmente às estruturas de parentesco da linhagem do venda – era um bem móvel –, além disso, o escravizado
senhor.” (REIS, 1987, p. 8) perdia a autonomia sobre seus atos e decisões, ou seja,
O poder sobre um grande número pessoas está deveria seguir as ordens de outro; passava também a
associado, no continente africano, ao prestígio social ser dependentes de outra pessoa, já que não respondiam
e político. Vários grupos consideravam os escravos por seus atos socialmente e juridicamente.
como filhos do senhor, por extensão das regras acima O estágio atual das pesquisas sobre a escravidão
descritas e alguns pesquisadores acreditam que essa na África procura desvendar, além de outros assuntos,
característica proporcionou uma escravidão mais amena os processos que levaram às mudanças nas formas de
e ligada à pessoalidade. escravização acontecidas no continente africano e nas
No entanto, algumas tarefas mais pesadas e degra- transformações ocorridas permitindo a compreensão das
dantes podiam ser destinadas aos escravos liberando o modificações de uma escravidão do tipo predominan-
senhor e seus parentes cosanguíneos desses encargos, temente doméstico ou de linhagem para a escravização
assim como o senhor podia interferir na vida pessoal do em larga escala. Um dos principais pontos debatidos é
escravizado, como na escolha do par para casamento, como a influência de culturas externas – islâmicas e eu-
escolha da profissão ou atividade exercida pelo escra- ropeias – interferiram nestas mudanças e de que forma.
vizado, entre outras coisas.
Em resumo, as principais características da escra-
vidão doméstica ou de linhagem para João Reis (1987)
eram:
Para uma discussão mais aprofundada sobre a escravidão na África,
[...] a escravidão funcionava como um mecanismo de re-
ver:
produção demográfica para o indivíduo ou grupo escravista
(era importante aumentar o número de membros da linhagem SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o Libambo: a África e a
através da aquisição externa e reprodução interna de escra- escravidão (1500-1700). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
vos; estes serviam como uma medida de prestígio social e
poder político, bem como mercadoria que podia ser eventual- Para Lovejoy (2002) o mundo islâmico foi herdeiro
mente trocada por outra); mulheres e crianças eram preferi- de uma difundida tradição de escravidão presente na
das em razão da lógica da reprodução e da fácil assimilação antiguidade mediterrânica, porém, os muçulmanos
às estruturas de parentesco. (REIS, 1987, p. 10) reinterpretaram e resignificaram esta instituição à luz
de seus preceitos religiosos. Inicialmente os escravos
Lovejoy (2002) apresenta as principais características eram os prisioneiros das guerras santas, portanto não
da escravidão, informando que, de uma forma geral, ela necessariamente negros.
traz: Escravos vinham de todas as novas regiões de
[...] a idéia de que os escravos eram uma propriedade; que conquistas muçulmanas, Norte da Península Ibérica,
eles eram estrangeiros, alienados pela origem ou dos quais, estepes da Rússia, Ásia e também da África. Assim como
por sanções judiciais ou outras, se retirara a herança social nas comunidades tradicionais africanas, as mulheres e
que lhes coubera ao nascer; que a coerção podia ser usada crianças eram as preferidas, tinham mais oportunidades
à vontade; que a sua força de trabalho estava à completa de inserção na sociedade islâmica, pois na “[...] tradi-
disposição de um senhor; que eles não tinham o direito à sua ção islâmica, a escravidão era vista como um meio de
própria sexualidade e, por extensão, à suas próprias capaci- converter os não-muçulmanos” (LOVEJOY, 2002, p. 49).
dades reprodutivas; e que a condição de escravo era herdada,
Em alguns grupos muçulmanos a conversão era o
a não ser que fosse tomada alguma medida para modificar
essa situação [...] (LOVEJOY, 2002, p. 29-30)
primeiro passo para a liberdade. Os convertidos tinham
tratamento melhor que os não convertidos, assim como
eram destinadas tarefas mais degradantes e perigosas
Excetuando a transformação de livre para escravo aos não convertidos.
como sanções judiciais, todas as outras características
acima parecem refletir a escravidão ampliada.

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Os meninos eram treinados para várias atividades, Para Lovejoy (2002):


entre elas a fabricação de cerâmicas, tecelagem e A história da escravidão envolvia a interação entre a es-
outros produtos artesanais, os serviços domésticos e cravização, o tráfico de escravos e a utilização de cativos
administrativos, mas, sobretudo, para o serviço militar. na própria África. Um exame dessa interação demonstra a
Existem diversos relatos de escravos alcançando altos emergência de um sistema de escravidão que era fundamen-
postos administrativos e militares no mundo islâmico. tal para a economia política de muitas regiões do continente
[...] Relacionada com a articulação de escravos com as suas
Os atributos estéticos tinham influência no preço das
ligações estruturais com outras partes do mundo, estava a
mulheres, as mais belas eram destinadas aos haréns.
consolidação dentro da África de uma estrutura política e
Eunucos também eram muito valorizados. “Os homens
social que contava em muito com a escravidão. (LOVEJOY,
adultos e mulheres menos atraentes eram destinados às 2002, p. 56)
tarefas mais baixas e trabalhosas [...]” (LOVEJOY, 2002,
p. 48). Com a intensificação comercial entre o norte e sul
Portanto, de uma instituição marginal nas sociedades
do continente os homens passaram a ser valorizados,
africanas antes do século VII a escravidão se tornou um
neste tipo de tráfico, pois também serviam para carregar
sistema produtivo dentro do continente, absorvendo um
as outras mercadorias.
montante enorme de pessoas e capitais em sua organiza-
Lovejoy (2002) continua: ção e administração, depois do século XVI e até o século
Um sistema econômico plenamente baseado no trabalho XIX. É importante lembrar que o tráfico de escravos no
escravo não tinha aparecido na maior parte do mundo mundo mediterrânico conviveu com o transatlântico e
islâmico ente 700 e 1400, apesar da importância dos cativos
subsistiu até o final do século XIX e em algumas regiões
administrativos e militares na manutenção da sociedade
islâmicas só foi abolida a escravidão, no século XX.
islâmica. Concubinas e escravos domésticos eram comuns
e afetavam a natureza do casamento como uma instituição
e a organização das famílias abastadas. A adaptação de
REGISTRE SUA IDEIA
práticas similares na África subsaariana igualmente envolveu
mudanças. (LOVEJOY, 2002, p. 50)
Faça um resumo com as principais características da escravidão no
Continente Africano.
Portanto, a escravidão doméstica sofreu alterações
com a expansão islâmica, mas sofreu mudanças mais
radicais quando se intensificam os contatos entre os po- A montagem do tráfico no Atlântico Sul
vos na costa africana do Oceano Atlântico e os europeus,
fruto das grandes navegações do século XV em diante. A retirada forçada de pessoas escravizadas através
A demanda era grande por escravizados tanto no do tráfico talvez seja o fato de maior perversidade, e, é
mercado interno, como para as áreas muçulmanas e um dos fatores que explica todas as mazelas enfrentadas
ainda para atender o nascente mercado Atlântico. Exis- pelos povos do continente africano ainda hoje. Portanto,
tia uma organização para produção de escravos e uma o tráfico de escravos também mereceu e merece um
complementaridade na divisão e distribuição, onde as forte investimento nas pesquisas.
crianças e mulheres abasteciam preferencialmente o Assim se refere ao tráfico o texto em português do
mercado interno e os homens eram destinados para o Projeto Rota dos Escravos da UNESCO:
mercado Atlântico. Considerado a maior tragédia da história humana, por sua
Com o tempo, século XIX, o próprio mercado interno duração e sua amplitude, e, também, uma estranha forma de
também começou absorver os homens para a produção globalização, o tráfico de escravos provocou em nível global,
interna de bens para exportação nas plantation organi- profundas transformações que explicam, em parte as con-
figurações geopolíticas e sócio-econômicas do mundo con-
zadas em regiões específicas no interior do próprio con-
temporâneo. (UNESCO, 2006)
tinente, na exploração de minas e em outras atividades
que necessitavam de grande volume de mão de obra e
eram perigosas. A escravidão mercantil – também chamada de am-
pliada – pressupõe uma demanda por mão-de- obra,
um sistema comercial e, o mais importante, a produ-

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ção dessa valiosa mercadoria. A toda essa cadeia, os obtenção de cativos na África, segundo Lovejoy (2002):
especialistas, geralmente, se referem como “tráfico de O tipo mais comum de violência era a guerra, na qual os pri-
escravos” ou somente tráfico. Vamos ver como se forma sioneiros eram escravizados. Variações na organização de tal
esse circuito. violência – incluindo ataques cujo objetivo era adquirir escra-
Para abastecer o mercado mundial de mercadorias vos, banditismo e sequestro – indicam que a escravização
violenta pode ser vista como inserida em uma sucessão con-
antes muito caras e destinadas para uma elite, embora,
tínua da ação política em larga escala, na qual a escravização
no século XV e XVI se tornavam mais baratas, foram
pode ser apenas um subproduto da guerra e não a sua causa,
feitos maciços investimentos em toda cadeia produtiva
ou como uma atividade criminal em pequena escala, na qual
de artigos como, por exemplo: os tropicais, como o
escravizar é o único objetivo da ação. (LOVEJOY, 2002, p. 33)
açúcar e o fumo; os industriais, como os metalúrgicos
e os tecidos; e até mesmo os mais raros e caros, como
o ouro ou os cativos. Após a violência da captura se juntavam a ela outras,
como: a violência da retirada de sua comunidade; a
Muitas vezes, a busca por maiores lucros provocava
violência do deslocamento, momento da primeira via-
a ampliação da produção de um determinado artigo,
gem para o centro comercial; a violência do momento
porém isso dependia do avanço da fabricação de outros
da primeira venda; a violência de um segundo – muitas
setores – ou para seu próprio aumento de produção, ou
vezes até de um terceiro deslocamento, e até mais que
ainda, um determinado gênero era utilizado como moeda
isso –; violência do depósito em algum ponto do litoral;
de troca no mercado, portanto, dependia de outras mer-
violência da passagem do Atlântico; violência de nova
cadorias. Assim o mercado se tornou interdependente.
compra; violência de novo deslocamento; etc. Toda
A produção e distribuição desses gêneros necessi- a cadeia envolvendo a comercialização de escravos
tavam da criação ou ampliação de uma rede comercial também era violenta, como a produção desses cativos.
envolvendo diversas etapas e uma divisão mundial des-
A cadeia produtiva dessa rica mercadoria era bas-
sas etapas de produção e comercialização. A escravidão
tante complexa e envolvia várias etapas dentro e fora
era um elo dentro desse sistema mundial de produção/
do continente africano e só pode ser montada graças à
comercialização.
união de interesses internos e externos, o envolvimento
Porém, como produzir escravos? de pessoas ricas e poderosas para garantir algumas
Uma das formas seria a reprodução através do au- dessas etapas mais trabalhosas e que dependiam de
mento vegetativo da população de escravos utilizando investimentos maciços e a contribuição de estados cen-
as uniões entre escravos, mas isso, parece ter sido tralizados para ajudar na organização de todo o sistema.
inviável, sobretudo pela própria forma de organização e Não devemos esquecer que o principal móvel para
dos mecanismos de valorização da criança cativa dentro os europeus procurarem outras rotas comerciais foram
do sistema de escravidão doméstica. as especiarias e o ouro, portanto, as mercadorias que
Por outro lado, as necessidades do mercado para antes circulavam pelas rotas do Mediterrâneo agora
exportação eram prementes, valorizando indivíduos começaram a circular por outros caminhos e algumas
adultos com idade e condições físicas necessárias para que tinham uma presença apenas marginal nas transa-
serem utilizados como mão-de-obra, imediatamente, em ções, passaram a ser essenciais para movimentar todo
diversos trabalhos produtivos, ou seja, homens jovens o ciclo. Com isso, o eixo do comércio mundial muda
e fortes.. do Mediterrâneo para o Atlântico, devido ao volume de
A melhor opção encontrada no momento de organiza- metais preciosos e aos novos hábitos de consumo, es-
ção da escravização ampliada foi a utilização de jovens tabelecidos pela produção de novas mercadorias vindas
já capturados nas guerras. Porém, isso só foi possível das Américas e também das feitorias africanas.
durante o período inicial do tráfico, eram necessários Quase todos os estados europeus queriam participar
outros instrumentos para atender a demanda sempre desse rico comércio, principalmente, o de escravos. Des-
crescente por mão-de-obra compulsória. Fomentar no- ta forma, franceses, ingleses, holandeses, espanhóis e
vas guerras ou estimular a produção de outras formas portugueses, que foram os precursores nas navegações
de captura, foram as soluções encontradas. atlânticas, disputavam o privilégio de estabelecer feitorias
A violência estava associada a todas as formas de no litoral africano, com prerrogativa para os portugueses

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dada com o Tratado de Tordesilhas, questionada por


todos os outros. Porém, para organizar, instalar e man- Os portugueses tinham notícias das riquezas africa-
ter feitorias no litoral africano era necessário negociar nas e seu próspero comércio desde o período de ocu-
diretamente com os mandatários dos grandes reinos que pação dos muçulmanos na Península Ibérica, porém não
dominavam a região. sabiam direito quais produtos iriam encontrar naquela
Serrano e Waldman (2007) destacam essa ligação região. Só tiveram a confirmação com a conquista de
entre europeus e mandatários africanos: Ceuta em 1415 d.C.
[...] tenta-se justificar a ação do Ocidente nesse Encontraram neste importante centro comercial do
empreendimento pela cumplicidade dos chefes e reis norte africano, vários produtos já conhecidos e com
africanos nesse tráfico. O pressuposto inconfesso é que o potencial enorme para crescimento do consumo na Eu-
Ocidente não poderia ser responsabilizado isoladamente. ropa, como as pimentas, noz de cola, óleo de palmeira,
Claro é que não seria possível negar a participação das chefias tecidos, mas, principalmente os minerais encabeçados
autóctones nesse fato. Mesmo assim, seria absurdo tentar
pelo ouro, o objeto de maior cobiça de todos os explo-
minimizar o papel pioneiro do mundo mercantil em expansão
radores, além de escravos.
nos eventos brutalizantes que gerenciaram um processo de
transmigração compulsória de enorme contingente humano, Pouco tempo depois, os portugueses conheceram
calculado em cerca de 15 milhões de africanos, só para as a pujança comercial da região denominada de Costa
Américas. (SERRANO; WALDMAN, 2007, p. 161) (grifos dos do Ouro. Lá eles encontraram no mercado local uma
autores) infinidade de mercadorias, mas perceberam logo que a
principal fonte de lucros estava na comercialização de
Como vimos anteriormente, os europeus hoje tentam produtos utilizando o transporte da cabotagem, já que
se eximir das responsabilidades sobre o tráfico de escra- a capacidade de seus barcos superava em muito a das
vizados e também sobre as consequências da retirada de grandes canoas africanas.
milhões de pessoas do continente africano, deixando-o Os portugueses rapidamente compreenderam que ha-
esgotado do ponto de vista populacional sem condições via produtos com grande aceitação no mercado interno,
de conseguir superar seus problemas. No entanto, parte como por exemplo: a noz de cola, os zimbos – espécie
importante, na responsabilidade da montagem da cadeia de concha utilizada também como moeda, alguns autores
do tráfico, era dos europeus. falam nos mesmos cauris utilizados em outras regiões,
Um dos principais argumentos para esta esquiva é porém, são diferentes –, e os escravos que poderiam
que nos documentos das primeiras viagens preparadas servir de moeda na troca de outros produtos necessários
para cruzar os oceanos constavam como principais na Europa.
objetivos atingir as Índias e conseguir furar o bloqueio
dos turcos otomanos que cobravam altas taxas para a
comercialização de produtos do oriente que passavam
pelo seu território. Mas as principais mercadorias vin- Procurar na internet ou em livros didáticos imagens de Cauris e de
das do oriente eram as especiarias, essenciais para a Zimbos.
conservação de alimentos e também utilizados como
produtos medicinais e artigos de luxo como as sedas. Depois procure imagens de Máscaras africanas em sítios de Salas
de Exposição Virtual e veja se consegue identificar esses crustáceos
Segundo Ki-Zerbo as especiarias vinham nelas.
[...] do Extremo Oriente, mas transitavam da Malásia até à
Itália através de numerosas mãos de negociantes chineses,
persas, armênios, árabes, egípcios, sírios ou genoveses,
O Atlântico ao sul do trópico de Câncer era visto ape-
todos eles muito ávidos de lucros. Por outras palavras, as nas como um lugar de passagem para chegar a outros
especiarias chegavam aos revendedores europeus e às destinos, como Índia e China, porém quando os portu-
cozinhas a preços elevadíssimos. Daí a ideia de pôr de lado gueses adentraram no Reino do Congo encontraram:
os mercadores árabes, procurando uma rota marítima para [...] grandes mercados regionais, nos quais produtos especí-
as Índias perfumadas, isto é, contornando a África. (KI- ficos a certas áreas como sal, metais, tecidos e derivados de
ZERBO, 1999, p. 263) animais eram trocados por outros, e um sistema monetário,

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no qual conchas chamadas nzimbu, coletadas na região da mento das regiões, os soberanos passam a dar mais
ilha de Luanda, serviam de unidade básica. O estreitamento importância a costa. Além disso, a produção de cativos
das relações com os portugueses intensificou o comércio re- passou a ser uma atividade muito lucrativa, gerando cada
gional e o internacional e aumentou a importância dos com-
vez mais conflitos internos.
erciantes, muitos deles não congoleses. (VAINFAS; SOUZA,
1998)
A região próxima do Delta do Níger era densamente
Os negócios eram realizados em pequenas feitorias povoada. Não existiam grandes reinos ou impérios e sim
quase sempre protegidas por um pequeno forte, o que um conjunto de Cidade-Estados com uma abrangência
permitia que os navios permanecessem somente o regional pequena e sem uma liderança muito clara de
tempo de descarrega-los e recarrega–los com as novas uma delas no início dos contatos com os portugueses.
mercadorias. Mas os negócios dependiam de uma enor- Segundo Lovejoy (2002, p. 158), na região da Costa
me quantidade de “[...] intermediários, de intérpretes, dos Escravos e Costa do Ouro existiam pelo menos cinco
de feiticeiros, de intervenientes de toda a espécie se estados envolvidos nas atividades comerciais: Acuamu,
refastelava naquele chavascal em que a cupidez e a ma- Huedá, Aladá, Caomé e Oió. Todos tinham em comum
nha disputavam o terreno à devassidão e à crueldade.” o monopólio dos soberanos nas negociações em geral,
(KI-ZERBO, 1999, p. 270-271) sobretudo, nos metais preciosos, sal, tecidos e couros,
Falaremos agora um pouco mais sobre regiões im- noz de cola e peixe seco. Com a intensificação do co-
portantes para a consolidação do tráfico escravo. mércio de cativos, os mandatários também tomaram
para si esse monopólio.
Costa do Ouro e Costa dos Escravos
O comércio de cativos era abastecido nas disputas
internas das Cidade-Estados pelo controle do comércio
A Costa do Ouro, também chamada de Costa da e também das áreas de exportação dos cativos, onde
Mina, é uma pequena região do Golfo da Guiné, primei- cobravam impostos dos europeus por cabeça exportada.
ramente ocupada pelos portugueses onde construíram Os europeus se beneficiavam duplamente, pois, estabe-
pelo menos quatro fortificações – Castelo São Jorge da leciam acordos de exportação com vários governantes
Mina, Forte Santo Antônio do Axim, Forte São Francisco garantindo de todos os lados um grande número de
Xavier e Forte de São Sebastião –, mas que sofreu várias escravizados.
invasões de outros europeus. Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006):
As fortalezas e feitorias facilitavam os negócios pro- A avidez por escravos reorganizou de tal maneira o mapa
porcionando um local de referência para os comerciantes político africano que alguns reinos experimentaram o apogeu
nos séculos XVII e XVIII graças ao tráfico negreiro. Foi o caso
africanos que detinham o conhecimento das redes de
dos reinos de Daomé, Sadra, Achanti e Oió. Até o século
distribuição mercantil interioranas possibilitando também
XVI, Oió era apenas uma cidade-estado iorubana que tinha
aos portugueses o acesso aos novos produtos e ofe-
na agricultura e na tecelagem as suas principais atividades.
recendo aos negociantes internos artigos nunca vistos, Dedicava-se especialmente à fabricação de tecidos, os
ou de difícil acesso. famosos panos-da-costa que viriam a ser tão apreciados
Como foi dito acima, o comércio interno via cabota- pelos negros na Bahia. Mas as atividades agrícolas e
gem foi o mais lucrativo para os portugueses no primeiro artesanais perderam importância diante do tráfico. No final do
instante, e os escravos entraram como moeda de troca século XVI, as cidades iorubanas participavam tão ativamente
neste tipo de negócios entre portos africanos, porém, desse comércio que a região do golfo de Benim passou a
com as necessidades de mão-de-obra para atender a ser conhecida como Costa dos Escravos. (ALBUQUERQUE;
cadeia produtiva açucareira. Os traficantes começaram FRAGA, 2006, p. 26)
a ver grandes possibilidades de lucro nas operações
transatlânticas. O comércio na região foi grande e intenso e como
A presença das feitorias europeias no litoral, redire- vimos, algumas das Cidade-Estados se tornaram reinos
cionou os vetores do poder regional. Antes os poderosos pujantes graças ao tráfico de escravos, principalmente
da região não davam importância ao litoral e as maiores Oió e Benim, enquanto que as menores viram seus
cidades ficavam no interior dos estados, porém, com o habitantes diminuírem ao ponto de não mais conseguir
crescimento comercial no litoral e o rápido enriqueci- sobreviver.

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grandes navegações, entre eles Ndongo.


Outra peculiaridade importante é que grande parte As províncias eram governadas por parentes próxi-
desta região era, e ainda hoje é, de predominância cul- mos do mandatário principal, cuja fundamental função
tural e linguística iorubá. Os falantes do iorubá ocuparam era o recolhimento dos impostos, pagos em sal, couro
a região à muito tempo, aproximadamente o século V ou tecidos, e a organização do comércio com a capital,
d.C. surgiram os primeiros aglomerados urbanos im- Banza Congo. Também havia os reinos tributários que
portantes, mas as principais cidades estados só são tinham suas próprias dinastias, mas sofriam uma grande
organizadas efetivamente no século X d.C. influência do manicongo, denominação do soberano do
Ifê, ou Ile Ifê, é a cidade mais antiga, e onde as len- Congo.
das asseguram que surgiram a Terra e a humanidade. Também era função do administrador a redistribui-
Segundo Aziz (1978, p. 80), “[...] Ifê herdou estruturas ção de parte dos impostos em uma festa ritual, onde
já existentes e não é senão uma amálgama de diferen- também eram recolhidas mercadorias do imposto do
tes povos [...]”, essa abertura para incorporar novos ano vigente. Isso pressupunha formas de controle dos
aspectos bons de outros povos talvez seja a melhor impostos recebidos e formas de armazenamento de
característica dos iorubás. mercadorias em uma dinâmica rede de distribuição e
As pesquisas arqueológicas confirmam as lendas e redistribuição espalhada por todo o império. Apesar de
também asseguram que partindo de Ifê ocorreram mi- não deter o conhecimento de toda essa rede interligada,
grações dos iorubanos fundando várias outras cidades os portugueses se beneficiaram dela na implantação de
estados e propagando sua rica cultura por uma vasta seu sistema comercial no litoral.
região. Os congueses foram os primeiros a ter contatos
Podemos dizer que esta difusão não ficou somente com os portugueses na África Central e desde então
restrita à África, pois grande parte dos africanos trafica- perceberam que os novos visitantes dispunham de uma
dos como escravos que chegou ao porto de Salvador no melhor tecnologia e, portanto, deveriam contar com um
século XIX veio de lá. Além disso, percebe-se a influência deus muito poderoso. Assim eles rapidamente procura-
iorubá em algumas partes das Américas, como em Cuba ram aprender com os estrangeiros, enviando, inclusive,
e no sul dos Estados Unidos. Atualmente, os aspectos quatro congueses para Portugal, para aprenderem a
religiosos iorubanos são os mais visíveis na nossa cul- língua e conhecerem onde habitavam os portugueses.
tura, porém outros aspectos podem ser observado nas Muitos elementos religiosos dos congueses se as-
artes em geral. semelhavam ao catolicismo como: o monoteísmo e a
vida após a morte. Os inquices foram facilmente identi-
Reino do Kongo e Ndongo ficados com os santos, além disso, as mulheres tinham
um grande destaque para os sacerdotes congueses,
A região compreendida entre as florestas equato- isso facilitou a adoção da adoração a Nossa Senhora.
riais, o do Rio Zambeze e as savanas foi ocupada por Portanto, rapidamente os soberanos se converteram
populações bantus desde séculos antes da chegada dos ao catolicismo, também,utilizado como estratégia para
europeus na região, a procura de novas terras para o facilitar os contatos com os portugueses.
cultivo. Introduziram na região a metalurgia e a agricultura A conversão dos dirigentes foi contestada, principal-
praticada principalmente nas regiões úmidas nas bacias mente, pelos sacerdotes tradicionais e pela aristocracia
dos rios. Porém, a família linguística bantu formou vários formada de doze clãs matrilineares que se revezavam na
povos e sociedades variadas e reinos como o Congo, o sucessão dos manicongos, os muxicongos.
Lunda e o Ndongo. Com a conversão para o catolicismo, o manicongo
O império do Congo ocupava partes do norte da atual abriu mão da poligamia adotando as regras sucessórias
Angola, da República do Congo e República Democrática dos portugueses. Isso descontentou os muxicongos,
do Congo e partes do atual Gabão. Tinha uma estrutura pois fazia parte dos costumes o soberano escolher
baseada na centralização do poder nas mãos de um mulheres dessas famílias, o que também facilitava as
soberano, o manicongo, que tinha sob seus domínios negociações para as sucessões, sendo escolhido pelo
nove províncias e pelo menos três reinos, na época das conselho o herdeiro da família previamente acertada.

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monopólio do comércio de escravos, não conseguia


Na sucessão de Nzinga Nkuvu, Dom João I deveria deter as diversas expedições para o interior com intuito
sucede-lo um muxicongo, porém, o primogênito Mbemba de trazer mais escravos para o litoral. Adicionalmente,
Nzinga, que era filho de uma das esposas não perten- pequenos delitos começaram a ser punidos com a es-
cente ao grupo muxicongo, com a ajuda das armas cravidão. Percebeu, também, que os senhores estavam
dos portugueses, saiu da província que administrava e trocando seus escravos por mercadorias de pouco valor,
marchou para Banza Congo, onde assassinou o sucessor somente para manter um ar de europeu, não gerando
do manicongo escolhido pelo conselho dos muxicongos os laços de família importantes para a reprodução da
e assumiu o poder. Na sua sucessão houve mais atritos sociedade local.
entre os supostos herdeiros. Portanto, mais uma vez as Mbemba Nzinga chegou a escrever ao rei de Portugal
regras externas influenciando nas sucessões internas da solicitando que não mais enviasse mercadorias para
África provocaram uma instabilidade interna. seu país somente sacerdotes e professores, porém, o
Os portugueses ajudaram Mbemba Nzinga, proclama- rei D. João III respondeu que se não encaminhasse as
do Dom Afonso I, com vivos interesses nos privilégios mercadorias o Congo não se tornaria europeizado. Essa
comerciais, já que o manicongo detinha o monopólio atitude forçou os mercadores de escravos portugueses
comercial do sal, zimbos e também dos escravos, assim a procurar novos fornecedores, encontrando-os nas
como dos produtos importados dos europeus, como feiras do lago Malebo, onde comerciantes só queriam
rendas, porcelanas, tecidos, entre outros. receber em zimbos.
Os escravos, antes da chegada dos europeus, eram Para o manicongo foi um alívio e as possibilidade de
um privilégio das famílias abastadas e desempenhavam mais lucros, pois os zimbos só eram encontrados no
várias funções desde a agricultura até atividades cita- litoral de seus domínios e ainda ele detinha o monopólio
dinas como o comércio. Porém, ao ser incorporado à de seu comércio. Para os portugueses foi também inte-
família por diversos mecanismos, ele não podia mais ser ressante, pois podiam lucrar mais, comprando cativos
vendido e seus filhos eram considerados livres, apesar por preços mais baixos. Porém, isso desagradou os
de sempre dever obediência à família onde havia sido comerciantes de São Tomé que tinham por decreto real
incorporado seus pais. as prerrogativas comerciais com o Congo.
Os escravos eram dados aos portugueses como O desfecho final, desse episódio da transformação
gesto de boa vontade e formas de estreitar amizades. de um império tradicional através da conversão de seu
Com o tempo os portugueses começaram a receber os soberano, aconteceu em um dia de Páscoa de 1539,
escravos como parte do pagamento das mercadorias e quando “[...] meia dúzia de brancos irromperam numa
finalmente passaram a receber somente em escravos. igreja em que o rei assitia à missa e fizeram fogo em
As autoridades de São Tomé iniciaram uma inves- sua direcção, matando uma pessoa e ferindo duas.”
tida para controlar o comércio de escravos da região, (KI-ZERBO, 1999, p. 261)
promovendo também várias intrigas internas no reino Os portugueses também encontraram grandes pos-
do Congo, estimulando os aprisionamentos por delitos, sibilidades comerciais na província de Ndongo – atual
as rusgas entre as províncias do império – lembro que Angola –, onde foram bem recebidos e passaram a
elas eram controladas pelos parentes do manicongo ou comercializar sem a intermediação do manicongo e a
pela nobreza muxicongo – e as guerras contra os reinos intervenção dos atravessadores de São Tomé. Além
vizinhos. disso, nesta região tiveram notícias da existência de
Para desgosto do manicongo, rapidamente “[...] os minas de prata.
traficantes de escravos já percorriam o seu próprio reino Rapidamente estabeleceram uma feitoria e tentaram
e incitavam os seus vassalos à revolta, levando nos bar- avançar para o interior com o intuito de encontrar as
cos príncipes e mesmo parentes do rei [...]” (KI-ZERBO, minas. Porém, os chefes locais barraram as investidas.
1999, p. 261) Conforme Albuquerque e Fraga Filho (2006):
D. Afonso percebeu que estava perdendo o controle A cada investida portuguesa para o interior do continente cor-
respondiam ataques de hábeis chefes políticos, a exemplo
sobre seus súditos e sobre os traficantes europeus
da rainha Jinga (ou Nzinga). No mais, ainda existiam outros
instalados em seus domínios, pois apesar de deter o

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 71


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inimigos bem poderosos: as febres, a escassez de comida, tornaram-se dependentes dos europeus.
os insetos, a estiagem e a frustração diante da inexistência
Outras consequências foram provocadas pelo co-
de prata e ouro nas proximidades. (ALBUQUERQUE; FRAGA,
mércio de cativos:
2006, p. 33)
[...] Além da dimensão econômica, o tráfico dos escravos
provocou igualmente interações significativas entre os povos
Os portugueses conseguiram fazer de seu forte e da África, Europa, das Américas, e do Oceano Índico, do
feitoria uma capitania e concluíram que as minas de mundo Árabe-Muçulmano e da Ásia, que transformaram pro-
prata eram inatingíveis pela forte resistência local a seus funda e duravelmente suas culturas, seus conhecimentos,
avanços se concentrando no tráfico de escravos. Com suas crenças, e seus comportamentos. O processo de inter-
o tempo, Ndongo, Angola, tornou-se o maior porto ex- culturalidade que começou com o tráfico, continua ainda hoje
portador de escravizados para as colônias portuguesas a transformar a humanidade. (UNESCO, 2006)
e espanholas nas Américas.
O tráfico de escravos foi muito longo e contínuo, no
Costa Oriental continente africano, o que acarretou certamente muitos
problemas sentidos até hoje neste continente como a
Os portugueses também se aventuraram na Costa falta de braços para tocar a agricultura, a pecuária e
Oriental da África onde encontraram portos bastante outras formas de produção de bens de consumo, a falta
movimentados e o comércio dominado por muçulmanos. de pessoas para pensar soluções para os problemas
Apesar do encantamento com a arquitetura das cidades concretos vividos pelas comunidades. Além, é claro,
do litoral como Zamzibar, Sofala e Moçambique, os por- dos problemas psicológicos causados pela perda de
tugueses pretendiam atingir os locais de produção dos pessoas de uma determinada comunidade e até mesmo
metais preciosos encontrados na costa oriental. o deslocamento de comunidades inteiras.
Os comerciantes islâmicos não aceitaram sem lutas
a entrada de novos concorrentes e foi difícil aos portu-
gueses fazer os primeiros contatos diretos com os man- REGISTRE SUA IDEIA
datários do interior em busca dos contratos comerciais
e também da cristianização de novos povos, pois eles
tinham notícias tanto da antiga cristianização de partes Tente escrever sobre as principais características dos reinos africanos
importantes da região oriental africana, como também que ajudaram no tráfico.
da nova expansão islâmica pretendida naquele momento.
Após vários embates com os muçulmanos, no final Outro aspecto pouco explorado é que havia uma
do século XVI alguns dos importantes centros comerciais resistência à escravidão na própria África. Apesar de
orientais já estavam sob domínio dos portugueses como: termos acesso a poucos trabalhos sobre esse tema, ele
[...] Quiloa, Mombaça, Massapa, Melinde e Moçambique. Es- esta sendo paulatinamente explorado. Curto (2005, p.
sas disputas desestabilizaram redes comerciais milenares. 67) acevera que para os estudos tomando como base
A cobrança de tributos, os saques, incêndios e as rebeliões Angola “[...] que a resistência à escravidão, especialmen-
contra os lusitanos, além das investidas dos holandeses e te a fuga, possui um passado tão longo quanto agudo.”
ingleses, ameaçavam a prosperidade da atividade mercantil.
Em Moçambique existiram as aringas que abrigavam
(ALBUQUERQUE; FRAGA, 2006, p. 34)
os escravizados fugidos em comunidades semelhantes
aos quilombos brasileiros. Além dessas resistências,
A procura por metais preciosos foi infrutífera, mas o
digamos mais individuais, vários reis e chefes tribais se
comércio de escravos fez fortuna para muitos traficantes
africanos e estrangeiros instalados na costa oriental afri- insurgiram contra o tráfico de escravos, alguns reinos
cana, assim como para os instalados na costa ocidental. fomentaram lutas ferozes contra os europeus até o final
Como consequência, podemos dizer que diversos reinos do século XIX. Portanto devemos ficar atentos também
tiveram sugado de seus domínios pessoas que poderiam para as resistências dos dois lados do Atlântico.
produzir e garantir impostos futuramente aos soberanos,
na pior das hipóteses. Além disso, os próprios reinos e
impérios que se beneficiaram do tráfico, em longo prazo,

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Como está a elaboração do seu glossário?
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Anote as palavras que não conhece em uma folha conforme vai lendo
o texto, sem a preocupação de procurar no primeiro momento, pois
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muitas vezes o próprio texto elucida seu significado. Se foi resolvido
com o texto, anote a palavra e seu significado, se não foi, procure em
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