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21 na Amazônia
Desafios evangelizadores 37 Roteiros homiléticos
Danilo César dos Santos Lima
Cláudio Hummes
Um clássico do
pensamento ocidental.
Leitura indispensável!
Confissões
Santo Agostinho
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A ética
de Jesus
Toda pessoa e toda sociedade, para terem vida digna, necessitam adotar
princípios consistentes que pautem a própria conduta. Jesus Cristo ofereceu
e continua oferecendo uma proposta ética original. Ao longo dos últimos
dois milênios, tal proposta foi levada a sério por muitas pessoas. Em tempos
em que se cultuam modismos líquidos e leves, a quantas anda a ética?
É o que procuraremos focalizar nas linhas que se seguem. Trataremos de
algumas coisas básicas, se não até elementares no modo de apresentar, mas
essenciais no modo de ser.
P
Congregação dos Paulinos. Mestre em
Teologia Moral (pela Academia ara que uma ética seja cristã, necessita ir
Alfonsiana de Roma) e coordenador de à fonte, que é Jesus. Pelos relatos neotes
conteúdos dos periódicos da Paulus
tamentários e pelo testemunho da Igreja,
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Editora.
constata-se que a ética de Jesus se pautava na
defesa da vida digna e da liberdade de todos
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Jesus sempre surpreendia: “Quando che bres, os que agora têm fome; os que agora
gou o sábado, começou a ensinar na sinagoga. choram; os que são odiados, insultados e
Muitos que o escutavam ficavam admirados e amaldiçoados por causa do Filho do ho
diziam: ‘De onde vem tudo isso? Onde foi que mem... (Lc 6,21s).
arranjou tanta sabedoria? E esses milagres que O apóstolo Paulo expressou em profun
são realizados pelas mãos dele? Esse homem didade esse sinal de contradição ao bendi
não é o carpinteiro, o filho de Maria?’ [...] E zer a Deus, afirmando: “Bendito seja Deus e
ficaram escandalizados por causa de Jesus” Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das
(Mt 13,53-57). misericórdias e Deus de toda
Jesus fez ver que a religião, a “Nosso tempo consolação! Ele nos consola em
política e a economia do seu é fortemente todas as nossas tribulações,
tempo não eram capazes de sus marcado pelo para que possamos consolar os
citar dignidade para todos. Seu que estão em qualquer tribulação,
narcisismo
olhar e sua atenção privilegiada através da consolação que nós
voltavam-se para os preteridos autorreferencial, mesmos recebemos de Deus”
pelas instituições oficiais. oposto à (2Cor 1,3ss).
Ser cristão implica praticar alteridade” São João Crisóstomo é, igual
a ética ensinada e testemunha mente, incisivo na defesa da coe
da por Jesus. É isso que vem ocorrendo hoje? rência entre a vida prática e as celebrações dos
Ainda que não nos seja possível resolver cristãos: “Não era de prata aquela mesa, nem
todos os problemas do mundo, a (não)vida do de ouro o cálice com o qual Cristo deu seu
outro deveria tocar a nossa vida. Sempre há sangue aos discípulos. […] Queres honrar o
condição de ser presença para o outro. Quem corpo de Cristo? Não permitas que ele esteja
age assim faz que o mundo seja melhor. O nu: e não o honres aqui, na igreja, com tecidos
compromisso com o próximo necessitado é ra de seda, para depois tolerar, fora daqui, que ele
zão de ser de quem defende a ética cristã. morra de frio e nudez. Aquele que disse: ‘Isto é
Enquanto estivermos voltados para nós o meu corpo’, disse também: ‘Tive fome e não
mesmos, seremos sacerdotes e levitas, no má me destes de comer’; e: ‘O que deixastes de fa
ximo pessoas cumpridoras do dever que, po zer a um destes pequeninos, o deixastes de fa
rém, passam longe do outro necessitado – zer a mim’. Aprendamos, portanto, a ser sábios
identificado com Cristo (Lc 10,29-37). Quem e a honrar o Cristo como ele quer, gastando as
abraça a ética de Jesus se volta necessariamen riquezas pelos pobres. Deus não precisa de ca
te para fora: “quando foi que te vimos com bedais de ouro, mas de almas de ouro. Que
fome e sede?” (Mt 25,38s). “Todas as vezes que vantagem há em que sua mesa esteja cheia de
fizestes isso a um de meus irmãos mais peque cálices de ouro, quando ele mesmo morre de
ninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). fome? Primeiro ele mesmo, o faminto, se sacia,
Nosso tempo é fortemente marcado pelo e então, com o supérfluo, ornarás sua mesa!”1
narcisismo autorreferencial, oposto à alteri Os apóstolos e os Padres da Igreja são ex
dade. Propagar o valor do dom e do serviço, celentes mestres em interpretar e ensinar a
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eis o desafio de quem crê na ética de Jesus! ética de Jesus. Beber desse poço é saudável
para a vida cristã.
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1. Pontos de destaque
da ética de Jesus
1 Disponível em: <https://tarcisiosilva680.wordpress.
•
com/2013/05/29/ensinamentos-de-joao-crisostomo-
sava. Era sinal de contradição: felizes os po -%E2%80%A0-407/>. Acesso em: 14 nov. 2017.
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A ética de Jesus propõe a generosidade
como pauta de vida: “ninguém tem maior Espiritualidade para
amor do que quem dá a vida” (Jo 15,13). A
insatisfeitos
essência da proposta de Jesus é o amor! As pri
meiras comunidades cristãs compreenderam José M. Castillo
perfeitamente isso até mesmo na vida do dia a
dia: “A multidão dos fiéis era um só coração e
uma só alma. Ninguém considerava proprie
dade particular as coisas que possuía, mas
tudo era posto em comum entre eles” (At 4,3).
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Vida Pastoral
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esta interpela-nos todos os dias com os 3. O essencial e o porquê de ser tão
seus inúmeros rostos vincados pelo sofri difícil praticar a ética de Jesus
mento, a marginalização, a opressão, a vio Jesus causava inquietação por onde passa
lência, as torturas e a prisão, pela guerra, a va. A tendência do ser humano é lutar para
privação da liberdade e da dignidade, pela conquistar posições para si, pouco lhe impor
ignorância e o analfabetismo, pela emer tando o que se passa com os outros. Nesse tra
gência sanitária e a falta de trabalho, pelo jeto, os mais capazes, os mais competentes, os
tráfico de pessoas e a escravi mais espertos reservam seu lugar
dão, pelo exílio e a miséria, “Em tempos ao sol. Quanto aos demais, cons
pela migração forçada. A po mais recentes, troem-se muros, para deixá-los
breza tem o rosto de mulhe do outro lado, ou fica-se na indi
res, homens e crianças explo
à falta de ética
ferença. Na época de Jesus, o im
rados para vis interesses, es de uns soma-se pério romano havia estendido
pezinhados pelas lógicas per o fingimento tentáculos mundo afora; enquan
versas do poder e do dinhei oportunista to alguns viviam muito bem, a
ro. Como é impiedoso e grande maioria passava necessi
de outros,
nunca completo o elenco dades. Jesus, anunciando o reino
que se é constrangido a ela reverberado pelos de Deus, traz inquietação aos que
borar à vista da pobreza, fru grandes meios de usufruem desse tipo de situação.
to da injustiça social, da mi comunicação” No reino de Deus, anuncia
séria moral, da avidez de do por Jesus, há lugar para todos
poucos e da indiferença generalizada! – a começar pelos mais fragilizados. A condi
ção para fazer parte desse reino é estar dis
Infelizmente, nos nossos dias, en posto a ser dom para os outros.
quanto sobressai cada vez mais a rique Jesus é e ensina a ser sinal de contradi
za descarada que se acumula nas mãos ção. A ética por ele defendida – que ajuda a
de poucos privilegiados, frequentemen iniciar a concretização, já agora, do reino de
te acompanhada pela ilegalidade e a ex Deus – sustenta princípios de justiça que
ploração ofensiva da dignidade humana, atendam às necessidades concretas das pes
causa escândalo a extensão da pobreza a soas. Não é uma moral que defende a justiça
grandes setores da sociedade no mundo retributiva, mas a justiça equitativa. Não a
inteiro. Perante este cenário, não se cada um segundo o tempo de seu trabalho,
pode permanecer inerte e, menos ainda, mas a cada um segundo o atendimento de
resignado. À pobreza que inibe o espíri suas necessidades. Mateus 20,1-16 é lapidar:
to de iniciativa de tantos jovens, impe os trabalhadores recebem (todos) o mesmo
dindo-os de encontrar um trabalho, à salário, suficiente para atender às necessida
pobreza que anestesia o sentido de res des de cada um.
ponsabilidade, induzindo a preferir a Outra viga mestra que sustenta a ética de
abdicação e a busca de favoritismos, à Jesus é a compaixão. Na parábola do Pai amo
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pobreza que envenena os poços da par roso, vê-se com nitidez isso: “O pai disse (ao
ticipação e restringe os espaços do pro filho mais velho): ‘Filho, você está sempre
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fissionalismo, humilhando assim o mé comigo, e tudo o que é meu é seu. Mas era
rito de quem trabalha e produz: a tudo preciso festejar e nos alegrar, porque esse seu
isso é preciso responder com uma nova
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Para Jesus é a misericórdia que conta. A
parábola do bom samaritano traduz com per Novos desafios para
feição essa proposta. Os personagens que vão
se sucedendo ao longo da narrativa de Lc
o cristianismo
A contribuição de José Comblin
10,30-37 têm estas atitudes éticas: assaltan
tes – o que é teu é meu; sacerdote e levita – o Eduardo Hoornaert (org.)
que é meu é meu; samaritano (estrangeiro) –
o que é meu é teu também. O ensinamento
que emana dessa parábola ressalta que o
amor é prática concreta.
Nosso tempo é marcado por uma socie
dade líquida e defensora de comportamen
tos leves e superficiais, na qual o pensa
mento é débil. Somos continuamente bom
bardeados por um modo de ser hedonista.
Necessitamos de permanentes novidades,
alimentadas pela publicidade. O modo de
vida pautado em fundamentos que exigem
fidelidade ao longo do tempo é questiona
do pela velocidade da contínua mudança
176 págs.
de (des)valores.
Prega-se a ética para fora, enquanto na
vida privada há hedonismo a comandar as Esta coletânea comporta oito
ações. As belas teorias não correspondem às trabalhos de teólogos e biblistas,
práticas de quem as enuncia. Exige-se com em sua maioria da nova geração,
que iluminam diversos aspectos
facilidade o bom comportamento alheio, sem
da teologia e da ação de José
a preocupação de vivenciar antes, pessoal Comblin, tendo sempre em vista os
mente, o que se requer dos outros. novos desafios para o cristianismo.
Em tempos mais recentes, à falta de éti Leitura para conhecer melhor a
ca de uns soma-se o fingimento oportunista contribuição do grande teólogo
de outros, reverberado pelos grandes meios que foi Comblin, falecido no final
de março de 2011.
de comunicação, o que leva ao agravamento
da situação de grandes contingentes da po
pulação. Propaga-se destemidamente a im
portância de ser gestor eficiente em vez da
Imagens meramente ilustrativas.
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Vida Pastoral
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A história da humanidade registra esse –, o que se tem como ético facilmente trans
tipo de comportamento já em tempos bem forma-se em bolha de sabão. Decisões dura
distantes do nosso. Veja-se, por exemplo, a douras e exigentes são logo preteridas.
passagem da vinha de Nabot (1Rs 21,1-16), Hoje há a tendência de valorizar compor
traduzindo a ganância que produz injustiça. tamentos mercantilizadores da vida. A con
A tão propalada meritocracia legitima a versa regeneradora em casa acaba sendo
moral da desigualdade. A lógica do evange substituída pela ida ao psicólogo, a caminha
lho é a da vida para todos – e não apenas para da diária para a manutenção da saúde é, não
os que acham ter mais méritos. A ótica do fi raro, trocada pela academia – ao menos para
lho mais velho, da parábola há pouco lem os que têm condições financeiras. Da gratui
brada, é a do mérito: “Eu trabalho para ti há dade passou-se ao que é pago! Nesse cami
tantos anos, jamais desobedeci a qualquer nho, a ética do evangelho acaba tendo gran
ordem tua; e nunca me destes um cabrito des obstáculos diante de si.
para eu festejar com meus amigos” (Lc Alguém poderia pensar: mas, então,
15,29). Ele despreza o irmão mais novo por quem consegue viver esse tipo de ética pro
considerá-lo fracassado e por ter merecido o posta por Jesus?
que lhe aconteceu. O pai apresentado nessa Felizmente há os que creem ser possível
parábola, ao contrário, defende que nenhum e, malgrado as dificuldades, dedicam-se a
de seus filhos é passível de desconsideração, cultivar valores que ajudam a construir esse
seja qual for seu passado. A ética de Jesus caminho. Afinal, Jesus deu o exemplo e con
desperta a alegria em todos os que estavam vida os que desejam segui-lo a fazer o mes
perdidos e foram reencontrados. mo, prometendo-lhes assistência: “Ide e ensi
Em tempos de valorização do vazio, do nai a observar tudo o que vos ordenei. Eis
efêmero e da leveza superficial – temas tão que eu estarei convosco todos os dias, até o
bem estudados na obra de Gilles Lipovetsky fim dos tempos” (Mt 28,20).
142 páginas
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Pastoral em tempo de crise
São Miguel Paulista e pároco da Igreja de Nossa – o “Grito da Mãe Terra”, ferida de morte
Senhora do Carmo em Itaquera, São Paulo (SP), é pela avidez destruidora de todos os recursos
membro da equipe de articulação e coordenação do
•
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meras conferências mundiais do clima. No deve estar para ser uma Igreja de todos”
Brasil foram realizadas sete Campanhas da (2006, p. 10). A Pastoral em tempo de crise
Fraternidade sobre a “crise ecológica” e suas reconhece o tempo da crise como um kairós,
interpelações socioambientais. Chegamos ao isto é, como um “tempo favorável” de salva
limite das capacidades de regeneração globa ção. Abraça a crise como desafio e, a partir
lizada do meio ambiente; dela, tece sua ação evangelizadora.
– a crise migratória planetária sem pre “Vivemos uma mudança de época” (CE
cedentes desafia os assombros xenófobos de LAM, 2007, n. 44), prenhe de temores e
países abastados, cuja ação co possibilidades. Na Igreja, com a
lonizadora ainda se impõe de “A Pastoral eleição do cardeal argentino
forma violenta e depredadora. Mario Jorge Bergoglio, o papa
é a ação
Chegamos ao limite da geopo Francisco, vivemos um kairós.
lítica como alternativa para a evangelizadora Francisco introduz a Igreja, ra
paz mundial; organizada e a dicalmente, na “mudança de
– fundamentalismos reli expressão do época” pelo seu testemunho
giosos impõem o pensamento ser e do agir da pessoal de cristão-bispo e por
único da salvação dos bons e meio de uma linguagem e de
da condenação dos maus. De
Igreja como povo gestos que provocam simpatia/
terminam o agir moral nas so de Deus nascido adesão e temor/reação.
ciedades. Caminhamos para o das águas Ousadamente se poderia di
limite da liberdade de cons batismais” zer: as palavras e gestos do papa
ciência sob a estratégica mani Francisco são verdadeiras encí
pulação religiosa mantenedora dos interes clicas, elaboradas no encontro com as pes
ses de poderosos grupos econômicos. soas, sob a permanente assistência do Espíri
Quando a Pastoral, em tempo de crise, to Santo:
sucumbe à imposição dos limites, torna-se,
ela mesma, o limite estéril de toda possível Penso, aliás, que não se deve esperar
ação evangelizadora. do magistério papal uma palavra definiti
va ou completa sobre todas as questões
1. A crise desperta a profecia que dizem respeito à Igreja e ao mundo.
A Pastoral é a ação evangelizadora orga Não convém que o papa substitua os
nizada e a expressão do ser e do agir da Igre episcopados locais no discernimento de
ja como povo de Deus nascido das águas ba todas as problemáticas que sobressaem
tismais para ser “sal da terra e luz do mundo” nos seus territórios. Neste sentido, sinto
(Mt 5,13-14). O Espírito Santo é a sua fonte a necessidade de proceder a uma salutar
regeneradora porque ele é o protagonista da “descentralização” (EG 16).
evangelização. A Pastoral se destina a fazer
emergir o reino de Deus das entranhas da Em 2007, o Documento de Aparecida rei
história. A Pastoral, portanto, tem de “situar vindicava, de toda a Igreja na América Latina
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-se dentro do mundo”. O teólogo Agenor e no Caribe, “uma valente ação renovadora
Brighenti faz a provocação: “Não basta à Igre das Paróquias” (CELAM, 2007, n. 170). Se
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ja situar-se ‘dentro do mundo’. Dadas as con há dez anos este chamado permanecera em
tradições e disparidades que ferem a dignida stand by, na Igreja de Francisco, também por
•
perguntar-se ‘dentro de que mundo’ a Igreja tura nacional e internacional, tal apelo se tor
10
na ultimato. Talvez o limite da possibilidade
de relevância da Igreja para o mundo ociden Diário da alma
tal e oriental esteja na atitude de adesão ou
rejeição diante das ousadas propostas pasto João XXIII
rais do papa Francisco. Ele próprio diz:
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Vida Pastoral
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lio Ecumênico Vaticano II, constatava a exis serção nas lutas populares de transformação
tência e discordava “dos profetas das des da realidade. O povo católico, num doloroso e
graças, que só anunciam infortúnios, como promissor parto, era formado para ser agente
se estivesse iminente o fim do mundo” da evangelização.
(JOÃO XXIII, 1962), assim também o papa As duas Conferências do Episcopado La
Francisco convoca a Igreja a não se deixar tino-Americano e Caribenho que se seguiram
abater pela crise enquanto limitação da mis à de Medellín – Puebla (México), em 1969, e
são eclesial. Santo Domingo (República Do
A crise pode se tornar profe “Os males do minicana), em 1992 – acontece
cia. E a profecia, vencer a crise! nosso mundo ram sob descomunal vigilância
não deveriam da Cúria romana, durante o
2. Variações do tempo servir como pontificado do papa são João
na caminhada da Igreja Paulo II. Tentou-se dar alguma
O Concílio Ecumênico Vati
desculpa para
continuidade à caminhada da
cano II (1962-1965), convoca reduzir a nossa Igreja conciliar e de Medellín por
do pelo papa são João XXIII, foi entrega e o meio das propostas pastorais de
chamado de “primavera da nosso ardor” “comunhão e participação” (Pue
Igreja”. No discurso inaugural, bla); “protagonismo dos leigos” e
a 11 de outubro de 1962, afirmando que o “inculturação da fé” (Santo Domingo).
principal objetivo do “trabalho conciliar não A CNBB dinamizava as Igrejas particula
é o de discutir princípios doutrinais”, João res. Viveu-se, de forma orgânica, a experiên
XXIII usava a expressão “razões pastorais” cia de uma Igreja “comunhão e participa
como motivação da sua convocação. ção”, que se punha inteiramente ao lado e a
Em 1968, realizou-se a II Conferência Ge serviço dos empobrecidos. Em meio às per
ral do Episcopado Latino-Americano na cida seguições eclesiásticas, promovidas sobretu
de de Medellín, Colômbia. Na introdução os do pela ditadura civil-militar, emergia uma
bispos afirmavam: “A Igreja latino-americana, Igreja martirial, sustentada pelo testemunho
reunida na II Conferência Geral de seu Episco das testemunhas. A Pastoral, em chave
pado, situou no centro de sua atenção o ho transformadora na articulação entre “fé e
mem deste continente, que vive um momento política”, punha seus recursos humanos e
decisivo de seu processo histórico” (CELAM, financeiros a serviço dos sem voz e sem vez.
1968). O Concílio Vaticano II ganha rosto e A crise não era da Pastoral, mas dos poderes
expressão latino-americanos. Desencadeou-se opressores, eclesiásticos e civis. A Pastoral
um processo radicalmente novo de participa inaugurava um “novo jeito de ser Igreja” e,
ção do povo de Deus na ação evangelizadora pretensiosamente, apontava para “um novo
por meio da elaboração de planos pastorais jeito de a Igreja ser”. Mas o inverno rigoroso
nacionais, diocesanos e paroquiais. Consu chegou.
mou-se a descentralização da igreja-matriz em O pontificado de são João Paulo II (de 16
pequenas comunidades, denominadas CEBs de outubro de 1978 a 8 de abril de 2005) “até
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– comunidades eclesiais de base. Bispos, pa hoje é entendido pela opinião pública como
dres e religiosas se empenharam em estar jun o governo de um homem que levou ao extre
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ano 59
to com o povo, convencidos da opção prefe mo a sua missão de conduzir a Igreja de Cris
rencial pelos pobres. O anúncio do reino de to” (LOPES, 2017). Sua última aparição pú
Deus ganhou centralidade, sendo assumido
•
por meio da leitura popular da Bíblia e da in – “santo já” –, bradava a multidão de 4 mi
12
lhões de pessoas presentes em seu funeral, das”; centralizam todos os serviços na matriz;
em Roma. Não se negam suas virtudes. Po as comunidades (quando existem) voltam ao
rém “há um lado que ficou escondido, dis estado pré-conciliar de “capelas” para deso
tante dos olhos da imensa maioria das pes briga de serviços sacramentais. O passado
soas: foram anos de punições, medo e até não importa, pois agora tem início a constru
terror no interior da Igreja; contra bispos, ção da verdadeira identidade da Igreja Cató
padres, freiras e leigos ligados à Teologia de lica. Dom Angélico Sândalo Bernardino, bis
Libertação ou simplesmente adeptos do Con po emérito de Blumenau (SC), quando auxi
cílio Vaticano II” (LOPES, 2017). liar da Arquidiocese de São Paulo (1975-
O gelo eclesiástico fez-se sentir por toda 2000) e vigário-geral da então Região Episco
parte. Desde o estabelecimento da política de pal São Miguel, ao dar posse a novos párocos,
nomeações de bispos conservadores ao des dizia: “Meu irmão, lembre-se que Anchieta
monte da colegialidade das conferências epis passou por aqui antes de você...” A Igreja da
copais. Imposição de um modelo de formação “noite escura” abomina a memória histórica!
presbiteral cultual e jurídico. Interferências da
Cúria romana nas conferências episcopais em Os trinta e cinco anos de Wojtyla/
questões teológicas, litúrgicas, morais, exegé Ratzinger deixaram a Igreja em franga
ticas e pastorais. Fortalecimento da pessoa do lhos, a ponto de um colégio de cardeais
papa como o bispo que fala ao mundo, em nomeado integralmente por ambos, de
detrimento da colegialidade episcopal no go perfil conservador, ter se dado conta de
verno das Igrejas. Desvalorização dos planos que a crise chegara ao limite, ameaçando
de pastoral pela preferência e anúncio de te a própria existência da instituição, e deci
máticas anuais. Censura a teólogos e teólogas dido eleger em 2013 o argentino Jorge
sob rigorosa vigilância da Congregação da Mario Bergoglio como novo papa: Fran
Doutrina da Fé. Romanização da liturgia, sub cisco. Depois de vinte e seis anos de João
metida ao julgamento da Congregação para o Paulo II e mais nove de Bento XVI, a mui
Culto Divino, e desconfiança de qualquer ten tos a primavera parecia impossível. Mas
tativa de inculturação litúrgica. O evangelho aconteceu (LOPES, 2017).
das bem-aventuranças foi substituído pelo Di
reito Canônico – então “lei magna da Igreja”.
A Igreja do retorno à “grande disciplina”, 3. Um estudo de caso: Igreja – Povo
num conservadorismo teológico obstinado e de Deus – em Movimento (IPDM)
dogmático, desconfiado e agressivo com Em 2010, depois de 20 anos da elevação
qualquer pensamento e prática progressista, da antiga Região Episcopal São Miguel Pau
reencontrou, na trincheira do clericalismo e lista, na zona leste de São Paulo, ao estatuto
do carreirismo, seu lugar de defesa e ataque. de Diocese de São Miguel Paulista (15 de
Nesse sentido, os seminários tornaram-se o março de 1989), quatro párocos, uma reli
“cavalo de Troia” de onde saíam (saem) os giosa e uns 15 leigos desta diocese, no intuito
exércitos ordenados para restauração da or de “revisitar” o Vaticano II e “resgatar” suas
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dem eclesiástica: uma Igreja de clérigos e lei propostas pastorais e eclesiais diante dos de
gos... Significativo número de presbíteros safios da atual mudança de época, articula
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nismos diocesanos deixados à míngua pela reino de Deus “não só descentra a Igreja de si
opção de uma eclesiologia clerical. Já não era mesma, como a situa de modo diferente no
possível continuar assistindo à destruição mundo e reivindica uma nova teologia da ação
das conquistas do Concílio Vaticano II e ficar evangelizadora, diante da concepção tradicio
resmungando por sua perda. nal de missão” (BRIGHENTI, 2006, p. 11).
IPDM é uma “inspiração”, em face da es A cada quatro anos, a CNBB publica as Di
tagnação eclesial do final dos anos 80 até, retrizes Gerais da Ação Evangelizadora da
pelo menos, a eleição do papa Francisco. É Igreja no Brasil, para que as dioceses elaborem
uma “aspiração” de reconquista dos avanços seus planos de pastoral. O documento 54, Di-
pastorais conciliares. É uma “provocação” à retrizes Gerais para o Quadriênio 1995-1998,
inércia e encolhimento dos cristãos diante apresenta as quatro exigências intrínsecas da
dos desafios expostos em san evangelização: o serviço, o diálo
gria pela sociedade da exclusão “O diálogo go, o anúncio e o testemunho de
e da desigualdade social. É uma é exigência comunhão. O assumir dessas exi
“espiritualidade” que questiona evangélica gências possibilita o emergir de
a fé dissociada do compromisso
que, na cultura uma “Igreja em saída”.
social e desfocada da encarna O serviço é exigência samari
ção do Verbo. pluralista tana. O papa Francisco denuncia a
IPDM, depois de sete anos, contemporânea, “cultura da indiferença” e procla
foi reconhecido como um “cole se torna ma a “cultura do encontro”. Servi
tivo”, à semelhança de inúmeros imprescindível” ço tanto como assistência emer
outros comprometidos na luta gencial de prestação de socorro ao
contra o “golpe parlamentar” de 2016, que indivíduo machucado quanto, e sobretudo,
derrubou a presidente Dilma e empurra o Bra presença ativa nos movimentos de transforma
sil a um atoleiro sem precedentes em sua his ção social. Em tempos idos, era comum encon
tória. IPDM é um “pouco de fermento” do trar agentes pastorais – bispos, padres, religio
evangelho; tende a perder-se na massa toda sos e leigos engajados – nas manifestações de
levedada. IPDM é uma proposta de rearticula rua, nas ocupações de terra e nas ações reivin
ção da pastoral de conjunto à luz do Documen- dicatórias. Hoje, na maior cidade do país, onde
to de Aparecida, cuja convocação se traduz na dia após dia acontecem manifestações e ocupa
necessidade de uma “Igreja em permanente ções dos sem-teto, raramente se vê algum agen
estado de missão”. IPDM busca reinventar “es te pastoral. Se há um movimento popular e
tratégias” para “articular” renovada, fecundan organizado, de expressiva atuação urbana no
te, transformadora, profética e comprometida Brasil, é o MTST. Na prática das ocupações, nas
ação pastoral no serviço ao reino de Deus, assembleias dos acampamentos e nas reuniões
com base na realidade de cada paróquia que de formação das lideranças, o povo toma cons
compõe esse coletivo. ciência de sua dignidade aviltada e encontra as
razões das suas lutas. Atabalhoadas com suas
4. As exigências da ação rotineiras preocupações, as paróquias, em ge
nº- 320
Deus. O apelo do papa Francisco para que a mantêm-se presencialmente a distância, quan
Igreja deixe de ser “autorreferenciada” e se tor do não as condenam.
ne uma “Igreja em saída” é insistência constan O diálogo é exigência evangélica que, na
•
Vida Pastoral
te. O apelo existe porque a realidade insiste. O cultura pluralista contemporânea, se torna im
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prescindível. O pluralismo é o novo paradig
ma do encontro cultural-antropológico e so A sabedoria no Antigo
ciorreligioso. Onde qualquer tentativa de he
Testamento
gemonia se impõe, o encontro está fadado ao Espiritualidade libertadora
fracasso. Constata-se um preconceituoso e
defensivo fechamento eclesial às novas pautas Anthony R. Ceresko, O.S.F.S.
do mundo contemporâneo: questões de gêne
ro e sexualidade, fundamentalismo religioso,
laicidade do Estado, diálogo ecumênico, fé e
política, teologia feminista, fé e razão etc.
O anúncio se origina do núcleo funda
mental do evangelho: “a beleza do amor salví
fico de Deus manifestado em Jesus Cristo
morto e ressuscitado”. O papa Francisco reto
ma o objetivo da convocação do Concílio Vati
cano II: “a Igreja, no passado, sempre se opôs
aos erros e os condenou com grande severida
de. [...] Em face das necessidades atuais, julga
mais conveniente elucidar melhor sua doutri
na do que condenar os que dela se afastam”
216 págs.
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Vida Pastoral
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O testemunho de comunhão inexiste se a mente “disputar o pensamento” das massas.
Pastoral não for uma “pastoral de conjunto” – Antes, visa formar um povo consciente das
ação de todo o corpo eclesial. Uma Igreja tes opções de Jesus em vista da construção do
temunha comunhão quando cerca de cuida reino de Deus.
dos e valoriza as seguintes realidades: os con A Pastoral em tempo de crise prioriza seu
selhos pastorais (diocesanos, temário e seus assessores. Assim
paroquiais e comunitários); a “A opção pastoral procedeu o coletivo IPDM desde
coordenação paroquial de pasto de uma Igreja o início de sua caminhada em
ral; as assembleias pastorais; as 2010 até hoje, em encontros ge
escolhas de prioridades pasto
comprometida rais de formação, no intuito de
rais; as análises de conjuntura com os pobres revisitar o Vaticano II e resgatar
política e eclesial; os serviços, os não tergiversa suas propostas pastorais e ecle
carismas e os diversos ministé no anúncio e siais diante dos desafios da atual
rios; as equipes pastorais e suas
no testemunho “mudança de época”.
coordenações; a formação de IPDM – encontros gerais: temá-
agentes pastorais leigos; a litur do Nazareno rio e assessores
gia participativa e inculturada; a crucificado e – Novembro/2010: “O Docu
evangélica partilha dos recursos ressuscitado” mento de Aparecida na ótica de
econômicos; a efetiva opção pre dom Angélico Sândalo Bernardi
ferencial pelos pobres, expressa na participa no”. Assessor: dom Angélico Sândalo Bernar
ção de suas lutas e organizações. dino, bispo emérito de Blumenau. Participan
tes: cerca de 600 pessoas.
5. Opção pastoral – Maio/2011: Tema: “A Igreja nas grandes
Um grupo religioso (ou outro qualquer) cidades: desafios, impasses, perspectivas”.
inserido na realidade humana nunca é neutro Assessor: Frei Betto, op. Participantes: cerca
nas opções que faz na “disputa do pensamen de 800 pessoas.
to” em relação ao seu projeto de evangeliza – Julho/2011: Celebração de são Tomás
ção. “Disputa do pensamento” tornou-se ex Morus – Mesa redonda: “A reforma políti
pressão de atualíssima relevância numa so ca”. Assessores: dom Angélico Sândalo Ber
ciedade como a brasileira, polarizada entre os nardino; Luiza Erundina, deputada federal
que vestem a camisa “verde-amarela” e os (PSOL); Dra. Maristela Bernardo, jornalista
que vestem a camisa “vermelha”. Reduzidas à e socióloga; Paulo Teixeira, deputado fede
bipolaridade raivosa, as massas se definem ral (PT); Eduardo Jorge, secretário munici
antipolíticas. Os poderosos grupos econômi pal do Verde (São Paulo) e Plínio de Arruda
cos, que sempre dominaram a política (mal Sampaio, deputado federal (PSOL). Partici
grado as irrupções da corrupção), empu pantes: cerca de 350 pessoas.
nham as bandeiras da pseudoneutralidade – Novembro/2011: “Conjuntura eclesial”.
ideológica de uma “Escola sem Partido”, da Assessor: Pe. Dr. Antônio Manzatto, teólogo.
moral guardiã da família e da criminalização Participantes: cerca de 350 pessoas.
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A opção pastoral de uma Igreja compro sor: Dr. Fernando Altemeyer Júnior, teólogo
metida com os pobres não tergiversa no (PUC-SP). Participantes: cerca de 300 pessoas.
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ficado e ressuscitado. Não busca simples guimento e o Reino”. Assessor: Pe. Dr. Bene
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dito Ferraro, teólogo. Participantes: cerca de
360 pessoas. De Babel a Pentecostes
– Novembro/2012: “Vaticano II – 50 anos: Ensaios de teologia inter-religiosa
da Igreja que temos para a Igreja que quere
mos”. Assessor: Pe. Dr. João Batista Libânio, Claude Geffré
sj, teólogo (PUC Minas). Participantes: cerca
de 530 pessoas.
– Março/2013: “Construir as forças vivas
de uma nova sociedade – o mundo da política
e da economia: justiça, solidariedade e ecolo
gia”. Assessor: Dr. Leonardo Boff, filósofo e
teólogo. Participantes: cerca de 1.300 pessoas.
– Abril/2013: “Igreja colegiada: grupos
de rua e ministérios”. Lançamento do livro:
Dom Angélico Sândalo Bernardino – bispo pro-
feta dos pobres e da justiça. Assessor: Pe. Ma
noel José de Godoy, teólogo. Participação de
dom Angélico Sândalo Bernardino e de dom
Antônio Celso de Queiroz. Participantes:
408 págs.
cidades do Brasil.
– Fevereiro/2015: Seminário sobre a CF-
2015 – “Fraternidade: Igreja e sociedade”. As
sessores: dom Angélico Sândalo Bernardino;
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Vida Pastoral
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Francisco Daniel – Pe. Beto, Diocese de Bau – As expressões da religiosidade popu
ru, excomungado. Participantes: cerca de lar, como romarias, peregrinações, promes
270 pessoas. sas, novenas de padroeiros, culto aos santos,
– Novembro/2015: “Igreja e movimentos encontram espaços de aprofundamento,
sociais”. Assessor: Pe. João Bak avaliação e incentivo na agenda
ker, svd. Participantes: cerca de “A Pastoral pastoral?
150 pessoas. em tempo de – A diocese/paróquia terceiri
– Março/2016: Encontro crise espera por zou a Pastoral, entregando-a aos
Ecumênico sobre a CF-2016: cuidados dos movimentos reli
“Casa comum, nossa responsa
agentes mais giosos (ECC, EJC, Caminho Neo
bilidade”. Assessora: Dra. Moe dispostos a gerar catecumenal, RCC, Mãe Peregri
ma Miranda, diretora do Ibase/ processos na na, Arautos do Evangelho, Foco
RJ. Participantes: cerca de 300 gestação de um lares e outros) em detrimento de
pessoas.
tempo novo do uma pastoral orgânica de maior
– Novembro/2016: “Eclesio amplitude?
logia em propulsão – papa Fran que desejosos de – A diocese/paróquia deixou
cisco, semeador da esperança” – ocupar espaços de investir na convocação e for
seminário. Assessores: Pe. Ma de poder” mação de pessoas para as equipes
noel José de Godoy, teólogo; pastorais e já não destina recursos
dom Manuel Parrado Carral, bispo diocesano econômicos para a sustentação destas equipes?
de São Miguel Paulista; dom Antônio Celso – As resoluções do Concílio Vaticano II,
Queiroz, bispo emérito de Catanduva/SP; os avanços pastorais das Conferências Gerais
dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo do Episcopado Latino-Americano e do Cari
emérito de Blumenau/SC. Participantes: cerca be e as diretrizes gerais da ação evangelizado
de 300 pessoas. ra da Igreja no Brasil propostas pela CNBB
encontram efetiva acolhida nas paróquias e
6. A ambivalência da crise comunidades?
O tempo de crise é ambivalente: impõe a – Os “sinais dos tempos” – em suas de
crise como limite à ação pastoral (já não há mandas por justiça, solidariedade, promoção
nada que fazer) ou propulsiona a ação pasto e defesa da dignidade humana, construção
ral na direção profética: para além da imposi da paz mundial, biossociodiversidade, diálo
ção de todo limite, há um horizonte de novas go ecumênico, participação e democracia, li
possibilidades. berdade de consciência – tiram-nos o sono e
Alguns questionamentos se impõem à aguçam o compromisso eclesial com o “cui
Pastoral em tempo de crise: dado da casa comum”?
– Tem-se feito bem o “tradicional” da – O pontificado do papa Francisco – que,
vida eclesial – celebrações litúrgicas, cateque ao entregar a exortação apostólica A Alegria
se, dízimo, cursinhos de preparação para os do Evangelho, assim se expressou: “Quero,
sacramentos do batismo, crisma e matrimô com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cris
nº- 320
nio, visitas e unção dos doentes, celebração tãos a fim de convidá-los para uma nova eta
de exéquias e missas de sétimo dia? pa evangelizadora marcada por esta alegria e
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estilos, os horários, a linguagem e toda a es dos simples, a militância dos inconformados,
trutura eclesial se tornem um canal propor a persistência dos sonhadores, a lucidez dos
cionado mais à evangelização do mundo sábios e a esperança dos santos.
atual que à autopreservação” (EG 27)? Ecoem, pois, os sete apelos do papa Fran
cisco para uma mística pastoral sustentada
Conclusão: os sete apelos do papa pela espiritualidade em tempos de crise:
Francisco – tentados por uma vida espiritual reco
A exortação apostólica A Alegria do Evan- lhida em “momentos religiosos que propor
gelho contém o que o papa Francisco espera e cionam algum alívio, mas não alimentam o
quer da Igreja, ela mesma imersa, tanto quan encontro com os outros”, afirmemos: “não
to a humanidade, num tempo de crise. nos deixemos roubar o entusiasmo missionário!”
A exortação é um compêndio atualiza (EG 78.80);
do do Concílio Vaticano II. Busca raízes – tentados a “fugir de qualquer compro
num dos mais importantes documentos de misso que nos possa roubar o tempo livre”,
pois do concílio, a exortação apostólica de afirmemos: “não deixemos que nos roubem a
Paulo VI sobre o anúncio do evangelho no alegria da evangelização!” (EG 81.83);
mundo contemporâneo Evangelii Nuntiandi – quando tomados pelo abatimento do pes
(1975), fruto do Sínodo dos Bispos de simismo estéril, afirmemos: “não deixemos que
1974. Apresenta à Igreja universal as con nos roubem a esperança!” (EG 86);
tribuições do Documento de Aparecida – tex- – se atitudes defensivas se tornarem ar
to conclusivo da V Conferência Geral do Epis- gumento para “escaparmos dos outros na
copado Latino-Americano e do Caribe. Com privacidade confortável ou no círculo redu
esses instrumentos, o novo papa tece seu zido dos mais íntimos, numa renúncia ao
primeiro documento com o coração de um realismo da dimensão social do evangelho”,
bispo-pastor, que leva nas roupas e no cor afirmemos: “não deixemos que nos roubem a
po o “cheiro das ovelhas”. comunidade!” (EG 88.92);
– quando dominados pela hipocrisia reli
O fato de ser um latino-americano giosa do “deveriaqueísmo”, como mestres espi
significou, por sua vez, um salto enorme rituais e peritos de pastoral que dão instruções
para a Igreja, pois assim abria-se cami ficando de fora” afirmemos: “não deixemos que
nho para superar a demasiada europei nos roubem o evangelho!” (EG 96.97);
zação da Igreja. Abria-se potencialmente – quando o “espírito de contenda” provo
a Igreja para grandes novidades e para car divisões na comunidade por causa da “bus
enormes desafios de inculturação. A ca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança
partir de então, tornava-se mais fácil fe econômica”, afirmemos: “não deixemos que nos
char velhas portas, histórica e cultural roubem o ideal do amor fraterno!” (EG 98.101);
mente ultrapassadas, e tornava-se possí – quando não levarmos em consideração
vel abrir novas portas, mais condizentes o protagonismo dos leigos na evangelização;
com o mundo atual e o futuro (HUM a contribuição da mulher na sociedade e na
nº- 320
sas pessoas oferecem ao mundo em crise a fé roubem a força missionária!” (EG 109);
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A Pastoral em tempo de crise espera por conjuntura, associada à crescente violência
agentes mais dispostos a gerar processos na (homicídios, assaltos, drogas), a nação reage
gestação de um tempo novo do que desejo com indignação (em conversas e redes digi
sos de ocupar espaços de poder. tais) e apatia (nas ruas e movimentos so
A Pastoral em tempo de crise é dialética: ciais). A indignação se manifesta em expres
supõe a paciência histórica do semeador, sões de ódio e desprezo; a apatia, na sensa
que espera os frutos da semente (cf. Mc ção de que é inútil protestar nas ruas, já que
4,26-29), e, ao mesmo tempo, impacienta se tirou um governo ruim pra dar lugar a
-se, tendo em si o ímpeto dos profetas pron outro pior...” (2017).
tos a lançar fogo sobre a terra no desejo de É tempo de semear, sem a expectativa
que já estivesse aceso (cf. Lc 12,49). de, um dia, poder sentar-se à sombra da ár
Frei Betto, no artigo Espiritualidade em vore. Pastoral em tempo de crise: limite ou
tempos de crise, afirma: “frente a tão nefasta profecia?
Bibliografia
Narrativas místicas
448 págs.
cristãos, desde os primórdios do cristianismo até os dias de hoje. A obra preenche uma
ano 59
lacuna nas pesquisas sobre o contato com o Mistério Divino, familiarizando o leitor com
a biografia e com os escritos originais dos místicos mais importantes da história cristã.
•
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Desafios evangelizadores
na Amazônia
Cláudio Hummes*
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desafio para a Igreja [...] a primeira de todas as mante mudança climática. Estamos nos apro
causas [...], sendo necessário passar de uma ximando de uma degradação irreversível da
pastoral de mera conservação para uma pasto Mãe Terra. O papa Francisco afirma ser neces
ral decididamente missionária” (n. 15). Mais sário e urgente sair da indiferença ou das hesi
adiante, ao falar da necessária transformação tações para tomar as decisões exigidas pela
missionária de toda a Igreja, ele diz: “Espero crise. Não se pode esperar mais tempo. Adiar
que todas as comunidades se esforcem por as mudanças para mais tarde seria demasiado
atuar os meios necessários para avançar no ca tarde. Isso o disse também, na COP21, em Pa
minho duma conversão pastoral e missioná ris, o então ministro das Relações Exteriores
ria, que não pode deixar as coisas como estão. da França, Laurent Fabius: “Plus tard, trop
Neste momento, não nos serve uma simples tard!” (mais tarde, tarde demais!).
administração. Constituamo-nos em estado Contudo, o papa Francisco sublinha que
permanente de missão, em todas as regiões da a questão ambiental não apresenta somente
terra” (n. 25). E ainda: “Sonho uma dimensão econômica e so
com uma opção missionária ca “O papa ciopolítica, mas também uma
paz de transformar tudo, para Francisco afirma dimensão ética e religiosa, de tal
que os costumes, os estilos, os ser necessário e forma que a Igreja tem o dever
horários, a linguagem e toda a urgente sair da de nela se empenhar. A dimen
estrutura eclesial se tornem um são ética consiste na nossa res
canal proporcionado mais à
indiferença ou ponsabilidade pelos pobres, os
evangelização do mundo atual das hesitações mais afetados. O papa diz que o
do que à autopreservação. A re para tomar as grito da natureza e o grito dos
forma das estruturas, que a con decisões exigidas pobres são o mesmo grito, em
versão pastoral exige, só se pode razão do abandono a que são re
pela crise”
entender neste sentido: fazer legados tanto a natureza como os
com que todas elas se tornem mais missioná pobres – o abandono, a exploração, o descar
rias, que a pastoral ordinária em todas as suas te, o uso e abuso indevidos, o lixo, a sujeira,
instâncias seja mais comunicativa e aberta, e assim por diante.
que coloque os agentes pastorais em atitude Outro aspecto ético é nossa responsabi
constante de ‘saída’” (n. 27). lidade para com as gerações futuras. Que
O empenho da Igreja no cuidado de “nos tipo de mundo queremos deixar aos nossos
sa casa comum”, o papa Francisco o propôs filhos? Eles têm o direito de que lhes legue
em várias ocasiões, mas principalmente na sua mos um planeta viável, saudável, sustentá
encíclica Laudato Si’, de maio de 2015. Essa vel e bonito.
encíclica é um documento histórico. Trata da A dimensão religiosa da questão se baseia
grave e urgente crise socioambiental e climáti na nossa fé num Deus criador. Deus criou o
ca que em nossos dias desafia globalmente a universo e nos entregou, como dom especial,
sociedade humana. A nossa irmã, a Mãe Terra, a Mãe Terra, para dela tirarmos nosso susten
começa a demonstrar que já não aguentará to e para dela cuidarmos. A Igreja precisa
nº- 320
por muito tempo a desvairada e gananciosa hoje sublinhar esta nossa fé e nosso conse
intervenção humana de que é vítima, princi quente louvar a Deus por todas as suas cria
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ano 59
palmente nos últimos dois séculos. Trata-se de turas, nosso cuidado para com todas elas,
grave crise ecológica mundial. Ela se torna evi nosso apreço por todas elas. Outro aspecto
•
global nas últimas décadas, causando alar tão é o fato de que o Filho de Deus se encar
22
nou e assim tomou um corpo formado pelos
elementos da Mãe Terra, um corpo que de Conversão pastoral
pois ressuscitou e assim já está plenamente Reflexões sobre o Documento
glorificado, também como profecia da nossa 100 da CNBB em vista da
renovação paroquial
ressurreição e da promessa de novos céus e
nova terra. O sacramento da eucaristia torna José Carlos Pereira
sempre presente esta misteriosa realidade da
fé na vida cotidiana da Igreja. No universo
criado, tudo está ligado. Há uma comunhão
universal, uma espécie de família universal.
Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado,
morto e ressuscitado, é o centro de unidade e
o ápice desta comunhão.
É neste contexto que devemos identificar
os desafios evangelizadores na Amazônia. Ela,
com sua realidade formada de imensas águas,
florestas e biodiversidade, tendo como guardi
ães milenares deste sistema os indígenas, é ci
tada pelo papa Francisco na Laudato Si’, que a
chama de um dos dois pulmões do planeta. O
outro é a bacia do Congo, na África. Diz o
72 págs.
paulus.com.br
Vida Pastoral
famílias linguísticas.
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Essa Amazônia, o papa Francisco a confia para a Amazônia. E há dois anos, depois de
de maneira especial à Igreja. Quando esteve diversos encontros anteriores que reuniram,
no Brasil para a Jornada Mundial da Juventu de uma ou outra forma, representantes de
de, em 2013, ele falou aos bispos brasileiros e dioceses, prelazias, vicariatos apostólicos da
lhes disse que “a Amazônia é um teste decisivo Pan-amazônia, fundou-se em Brasília, em
e um banco de prova para a Igreja e para a 2014, a Repam (Rede Eclesial Pan-amazôni
sociedade”. E ainda: “A Igreja está na Amazô ca). Os fundadores da Repam são nossa Co
nia não como aqueles que têm as malas na missão Episcopal para a Amazônia (da
mão para partir depois de terem CNBB), o Departamento de Jus
explorado tudo o que puderam. “A Igreja precisa tiça e Solidariedade (do Celam),
Desde o início, a Igreja está pre hoje sublinhar a Clar (Confederação Latino
sente na Amazônia com missio nossa fé e nosso -Americana e Caribenha de Reli
nários, congregações religiosas, giosos e Religiosas) e o Selacc
consequente
sacerdotes, leigos e bispos e lá (Secretariado Latino-Americano
continua presente e determinan louvar a Deus e Caribenho da Cáritas).
te no futuro daquela área”. Para por todas as suas Os principais objetivos da
a Amazônia, Francisco fala de criaturas, nosso Repam são, entre outros:
uma Igreja “com rosto amazôni cuidado para com – articular todas as forças vi
co” e da necessidade de um “cle vas, eclesiais e sociais que com
ro autóctone”. Igreja de rosto
todas elas, nosso põem a Repam, no sentido de um
amazônico significa uma Igreja apreço por serviço eclesial ao povo da região,
inculturada, encarnada, que as todas elas” especialmente aos mais pobres e
sume a história, a identidade, os vulneráveis, tendo como grande
problemas, os desafios, as aspirações e os so referência a Laudato Si’;
nhos da gente da Amazônia, de modo especial – promover uma pastoral de conjunto –
dos povos originários, os indígenas. Uma Igre como propôs a Conferência de Aparecida –,
ja profética, missionária, defensora da vida, uma colaboração territorial e a dinamização
dos direitos humanos, da preservação da na de ações articuladas, à luz de uma visão co
tureza. Um clero autóctone significa também mum pan-amazônica;
um clero indígena, diáconos, sacerdotes e bis – promover na Pan-amazônia a incultura
pos indígenas. ção do evangelho, uma Igreja de “rosto amazô
Para realizar melhor este trabalho missio nico” e a formação de um clero autóctone;
nário, de evangelização e de preservação da – colaborar na promoção integral das po
Amazônia, já a Conferência de Aparecida pulações amazônicas, para que sejam sujeitos
(2007) afirmava ser necessário “estabelecer de transformação na Igreja e na sociedade;
entre as Igrejas locais de diversos países sul – fazer tudo para que os povos indígenas
-americanos, que estão na bacia amazônica, voltem a ser sujeitos de sua história, também
uma pastoral de conjunto com prioridades de sua história religiosa;
diferenciadas para criar um modelo de de – promover e assumir o respeito às cultu
nº- 320
senvolvimento que privilegie os pobres e sir ras, tradições, costumes, crenças, organiza
va ao bem comum. Apoiar, com recursos hu ções e ritmos da gente da Amazônia;
•
ano 59
manos e financeiros necessários, a Igreja que – assumir a opção preferencial pelos mais
vive na Amazônia” (n. 475). pobres e excluídos desses territórios;
•
havia criado em 1997 a Comissão Episcopal cularmente os direitos dos povos indígenas,
24
ribeirinhos, afrodescendentes e periferias
urbanas; Nunca pare de sonhar
– trabalhar no sentido do respeito e cui O presbítero que ama Jesus
dado pelo meio ambiente, pela ecologia, na e sua Igreja
Amazônia;
– procurar ter incidência nas políticas Jésus Benedito dos Santos
públicas de caráter local, nacional e interna
cional em favor da Pan-amazônia e dos diver
sos territórios amazônicos;
– caminhar junto com as populações lo
cais, com os povos indígenas e outros grupos
vulneráveis para apoiar, articular, formar
agentes locais e capacitar lideranças.
Esta é a Repam, que vai se desenvolvendo
cada vez mais. Contudo, o caminho a percorrer
é longo. Por seu lado, a Comissão Episcopal
para a Amazônia, além de ser também integran
te da Repam, realiza um programa próprio na
Amazônia Legal do Brasil. Um dos mais recen
tes eventos foi o II Encontro da Igreja Católica
na Amazônia Legal, realizado em Belém (PA),
256 págs.
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Vida Pastoral
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tãos. Se é “a eucaristia que faz a Igreja”, se ela é Todos estes missionários/as precisam de
“o banquete da vida”, forma a comunidade e a formação adequada para as circunstâncias
alimenta, então entendemos quanto se torna culturais, sociais e históricas daqueles povos.
precária a vida de quem só a recebe uma ou Faltam recursos financeiros, instituições e
outra vez na vida. A confissão dos pecados é formadores.
igualmente um sacramento essencial para os
cristãos. Nossos católicos querem se confessar, A evangelização dos povos
pois a confissão lhes dá a certeza do perdão de indígenas
Deus e da paz com Deus. Jesus morreu para o Este é outro grande desafio para a Igreja
perdão dos pecados, dizem as Escrituras. Se na Amazônia. Primeiro, porque é preciso en
gundo o Evangelho de João, Jesus ressuscita frentar com seriedade e sabedoria a incultura
do, ao aparecer aos apóstolos, ção do evangelho na história e
soprou sobre eles e disse: “Rece “Parece cada cultura, na religião, costumes e
bei o Espírito Santo. Aqueles a vez mais difícil vida cotidiana dos diversos povos
quem perdoardes os pecados, encontrar indígenas. Muito pouco se conse
ser-lhes-ão perdoados; aqueles
missionários que guiu fazer até hoje. A fé cristã foi
aos quais os retiverdes, ser-lhes inculturada, nos primeiros sécu
-ão retidos” (Jo 20,22-24). No aceitem morar los, na cultura europeia, origi
Evangelho de Lucas, Jesus res com os indígenas. nando assim um cristianismo eu
suscitado diz aos seus apóstolos: Antigamente, isto ropeu. Foi uma inculturação
“Assim está escrito que o Cristo era normal” bem-sucedida. Porém, os missio
devia sofrer e ressuscitar dos nários, que da Europa se espalha
mortos ao terceiro dia, e que, em seu nome, ram pelo mundo e finalmente também no
fosse proclamado o arrependimento para a re Novo Mundo (as Américas), implantaram esse
missão dos pecados” (Lc 24,46-47). Também o cristianismo europeu por toda parte. As cultu
sacramento da unção dos enfermos, instituído ras originárias desses povos foram quase total
por Jesus, quando manda seus discípulos un mente ignoradas, quando não destruídas pe
gir os doentes e rezar sobre eles, é profunda los colonizadores. A Igreja sempre esteve
mente desejado pelo católico às portas da mor consciente da necessidade da inculturação da
te. Aliás, estes três sacramentos – eucaristia, fé em todas as culturas, mas por diversas cir
confissão e unção dos enfermos –, a Igreja os cunstâncias, entre as quais o temor do surgi
oferece a quem está para morrer. É o momento mento de Igrejas nacionais separadas, muito
decisivo da vida desta pessoa. Às vezes, tanto pouco conseguiu realizar neste campo nas cul
fazemos para converter as pessoas e as chama turas não europeias.
mos para participar da vida comunitária, mas O papa Francisco, na Evangelii Gaudium,
na hora de sua morte estamos ausentes! Falta levanta de novo e decididamente a questão
mos no momento decisivo. Ora, quando nem da inculturação e diz:
há sacerdotes, como em tantas situações da
Amazônia, tudo é ainda mais precário e difícil “O cristianismo não dispõe de um
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26
ção, a Igreja introduz os povos com as a comunidade passa a ser evangélica – agora,
suas culturas na sua própria comunidade, sim, com um pastor residente com eles! Até os
porque cada cultura oferece formas e valo sociólogos alertam a Igreja Católica, dizendo
res positivos que podem enriquecer o que grandes contingentes de católicos das pe
modo como o Evangelho é pregado, com riferias continuarão passando para os pente
preendido e vivido” (n. 116). costais porque há poucos padres católicos re
sidentes com os pobres das periferias da cida
E mais adiante diz: “Não podemos pre de e do campo ou com os indígenas. Assim,
tender que todos os povos dos vários conti vamos perdendo muitos frutos do enorme es
nentes, ao exprimir a fé cristã, imitem as mo forço e sacrifício de vidas inteiras dos antigos
dalidades adotadas pelos povos europeus missionários na Amazônia.
num determinado momento da história, por
que a fé não se pode confinar dentro dos li A urbanização crescente e
mites de compreensão e expressão duma cul desordenada (o índio urbano)
tura. É indiscutível que uma única cultura A Amazônia, mesmo no meio da imensa
não esgota o mistério de Cristo” (n. 118). floresta, registra hoje um processo crescente
Sobre o temor de quebra de unidade da de urbanização. Já não são apenas rios e ma
Igreja, Francisco diz: tas, com as populações indígenas e ribeiri
nhas, os seringueiros e outros grupos da flo
Se for bem entendida, a diversidade resta que compõem a realidade amazônica do
cultural não ameaça a unidade da Igreja. Brasil. Há uma onda de migração do interior
É o Espírito Santo, enviado pelo Pai e o para a cidade. Também de índios, o que cria
Filho, que transforma os nossos corações um novo grupo urbano: o índio urbano, total
e nos torna capazes de entrar na comu mente desenraizado e despreparado para
nhão perfeita da Santíssima Trindade, competir na vida da cidade. A migração se dá
onde tudo encontra sua unidade [...]. É o principalmente em razão do abandono do in
Espírito Santo que suscita uma abundan terior e das comunidades indígenas pelo po
te e diversificada riqueza de dons e, ao der público. Todos tentam buscar soluções na
mesmo tempo, constrói uma unidade vida urbana. De fato, porém, a grande maioria
que nunca é uniformidade, mas multifor terá na cidade condições igualmente péssimas,
me harmonia que atrai (n. 117). quando não piores e irreversíveis. A Igreja tem
suas estruturas e sua presença maior nas cida
O segundo grande desafio para a evangeli des, grandes ou pequenas. Sente-se envolvida
zação dos indígenas é a falta de sacerdotes que e exigida fortemente pelas necessidades do
convivam com eles. Parece cada vez mais difí povo urbano, e assim sua presença no interior
cil encontrar missionários que aceitem morar e junto aos índios se fragiliza. E como a Igreja
com os indígenas. Antigamente, isto era nor consegue lidar com o fenômeno do índio ur
mal. Hoje, os índios se sentem cada vez mais bano? Eis aí grandes desafios!
distantes e carentes de uma convivência com
nº- 320
no fim, fazem um dos indígenas pastor e toda postura profética da Igreja na Amazônia diante
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dos megaprojetos de desenvolvimento (hidre discriminação dos povos indígenas e das
létricas, mineração, desmatamento, agronegó comunidades tradicionais, ao inchaço das
cio: soja, gado, milho etc.), provenientes do go periferias pobres de nossas cidades. Uni
verno e da iniciativa particular. Há décadas a mos a nossa voz a tantos que denunciam
Igreja na Amazônia decidiu posicionar-se criti que “este sistema exclui, destrói e mata”. Es
camente diante desses projetos. Sofreu persegui tamos conscientes da nossa responsabili
ções e mortes. Hoje, os megaprojetos se multi dade de denunciar os males e de anunciar
plicaram e seguem aceleradamente. A questão se a esperança do reino de Deus.
agrava, pois buscam lucros a qualquer preço,
seja social, seja ecológico: desmatam, contami Conclusão
nam solo, rios, atmosfera, destroem e degradam Termino com a palavra do papa Francis
a natureza. E isso quando sabemos hoje, mais co, no encontro que teve com os bispos bra
do que antes, seja pela Laudato Si’, seja pela sileiros por ocasião da Jornada Mundial da
COP21, que a crise ambiental é real, grave e ur Juventude, em 2013:
gente. No recente II Encontro da Igreja Católica
na Amazônia Legal, já citado, os participantes A Amazônia é como um teste decisi
(bispos, sacerdotes, religiosos/as, leigos/as) di vo, um banco de prova para a Igreja e a
zem na Carta Compromisso: sociedade brasileira. [...] Desde o início a
Igreja está presente na Amazônia com
Os projetos predatórios que aqui se missionários, congregações religiosas, sa
alastram, pelos rios e pelas matas, não le cerdotes, leigos e bispos, e lá continua
vam em conta os direitos da natureza, dos presente e determinante no futuro da
povos indígenas e das comunidades tradi quela área. [...] Faz falta consolidar os
cionais, que, desde sempre, convivem em resultados alcançados no campo de for
harmonia e respeito com o ambiente, na mação de um clero autóctone, inclusive
casa comum, dádiva milenar. O mito do para se ter sacerdotes adaptados às con
progresso sem limites e do lucro a qual dições locais e consolidar, por assim di
quer custo continua prometendo o sonho zer, “o rosto amazônico” da Igreja. Sobre
do paraíso aqui na terra, ao alcance de to isto peço, por favor, para serem corajo
dos. Na realidade, assistimos à exclusão, à sos, para terem ousadia.
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O Messias inaudito e a
esperança messiânica do Filho
de Davi no Evangelho
de Marcos
Rita Maria Gomes*
*Ir. Rita Maria Gomes, nj, é natural do Ceará, onde fez seus
estudos em filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará Introdução
(Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui gradua-
ção, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuí-
ta de Filosofia e Teologia (Faje), onde leciona Sagrada Escritu-
ra. É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem
O Evangelho segundo Marcos começa
com uma afirmação sobre o texto e so-
bre Jesus. Ali se diz “evangelho de Jesus, cris-
como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura. E-
to, filho de Deus” (Mc 1,1).1 Aquele texto é
nº- 320
-mail: ritamarianj@gmail.com
um evangelho, uma boa notícia, e esta diz
respeito a Jesus, que é chamado “cristo” e “fi-
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ano 59
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lho de Deus”. Mas no evangelho se atribuem níveis internos, os eventos são narrados em
outras designações a Jesus, como “santo”, “fi âmbitos: transcendente e terreno.2
lho de Davi” e “filho do homem”. Assim as ocorrências do atributo em
Aqui refletiremos um pouco sobre o lu 1,11, 3,11, 5,7 e 9,7 correspondem ao nível
gar e a função de alguns desses atributos, co transcendente. A primeira e a última dessas
nhecidos como “títulos cristológicos”, na ocorrências encontram-se nos textos do ba
apresentação de Jesus. Nosso objetivo é, basi tismo e da transfiguração, que são claramente
camente, mostrar que o evangelista usa esses teofanias, e as outras duas ocorrências do ter
atributos a fim de revelar a pessoa de Jesus e mo estão em trechos classificados como exor
sua missão e, ao mesmo tempo, formar os cismos. Nestes últimos o atributo “filho de
seus discípulos de todos os tempos. Deus” aparece na boca dos “espíritos impu
A reflexão sobre os títulos ros”, o que de algum modo faz
nos ajudará, assim esperamos, a “Marcos é que todas essas ocorrências se
compreender a dinâmica da uma narrativa situem no âmbito transcenden
narrativa de Marcos, a qual nem multinível que te. Nesses textos o “filho de
sempre é bem compreendida Deus” tem sentido distinto, por
comporta ao
por aqueles que o leem. O certo que os personagens transcen
é que um livro só se conhece menos três níveis, dentes já têm o conhecimento
lendo, por isso nossa aborda dois dos quais pleno da pessoa de Jesus.
gem propõe oferecer uma chave internos ao relato Já as ocorrências de Mc 1,1 e
de leitura desse texto. e um externo” 15,39 situam-se no âmbito do
terreno e não têm exatamente o
1. Os usos marcanos do atributo mesmo significado que nos textos anteriores.
“filho de Deus” É o sentido próprio dessas narrativas que
O atributo “filho de Deus”, que aparece buscamos ressaltar e delinear ao considerar o
logo no início, na abertura (1,1), reaparece uso do atributo “filho de Deus” dentro do
em Mc 3,11, 5,7 e 15,39. Encontramos ainda todo da trama narrativa de Marcos por meio
uma variação sua, na qual consta apenas o da relação estabelecida entre esses usos de
termo “filho”, em Mc 1,11 e Mc 9,7, nos epi “filho de Deus” e os outros atributos aplica
sódios do batismo e da transfiguração, quan dos a Jesus na abertura e em suas retomadas.
do a voz vinda do céu, dirigindo-se a Jesus, o Assim, os usos na abertura (1,1) e na sua
chama “filho meu”. Consideramos ambas as retomada (15,39) se distinguem dos outros
formas como o único atributo “filho de Deus” usos ao longo do evangelho. Esses dois atri
porque no fundo é essa a afirmação presente butos, “cristo” e “filho de Deus”, em Mc 1,1
nos textos. são uma apresentação inicial do narrador ao
No entanto, há uma distinção entre os leitor do evangelho, com quem estabelece
usos marcanos de “filho de Deus”, só percep uma relação especial (nível externo).
tível após análise acurada da dinâmica mes Ora, se, nos usos do âmbito transcenden
ma da narrativa. Marcos é uma narrativa te, os personagens sabem exatamente quem é
nº- 320
externo. Os níveis internos correspondem ção dos três níveis narrativos em Marcos. Para maior apro-
aos eventos que se passam entre as persona fundamento sobre esses níveis, ver GOMES, Rita Maria.
Profeta taumaturgo e messias inaudito: o processo marca-
•
gens da narrativa, e o externo diz respeito à no de apresentação de Jesus messias. Faje, Belo Horizonte,
Vida Pastoral
30
Jesus por sua condição transcendente, como
vimos acima, o mesmo não ocorre com os Dicionário da Evangelii gaudium
personagens no âmbito terreno. Portanto, o 50 palavras-chave para uma
centurião romano não tinha maior consciên leitura pastoral
cia de quem era Jesus do que Pedro, ao con
Paulo Suess
fessá-lo, ou do que o leitor, ao receber a in
formação inicial na abertura.
2. Os atributos “cristo/messias”
e “filho de Davi”
Na abertura, Marcos diz “início do evan
gelho de Jesus cristo”. O atributo de cristo ou
messias é primeiramente uma abreviação da
expressão “o ungido de Yhwh” (MOWIN
CKEL, 1975, p. 8), e o significado desse títu
lo vem, originalmente, da expectativa ou es
perança de restauração de Israel que surge no
profetismo pós-exílico e tem sua expressão
na descendência de Davi (p. 21). Portanto,
tanto o atributo “cristo” quanto o “filho de
Davi” correspondem à expectativa messiâni
192 págs.
ca real ou monárquica.
Em Israel, a figura do rei se molda com
Nem todos os envolvidos nos
base em um amálgama da realeza cananeia e processos pastorais de hoje têm
da organização tribal da qual Israel nasce tempo suficiente para ler as quase
como povo. Em Israel, o rei chama a si mesmo 50 mil palavras da Exortação
de “filho de Yhwh” (MOWINCKEL, 1975, p. apostólica Evangelii gaudium. A
70), ou seja, filho de Deus. No entanto, ele se partir de 50 palavras-chave, este
sabe “lugar-tenente” de Deus em sua função dicionário procura facilitar a
compreensão desse documento
real, consciente de que, antes de tudo, deve com propostas surpreendentes,
ser responsável por exercer a justiça. Daí po audazes e inovadoras, explícitas e
demos inferir que Marcos compreende “filho nas entrelinhas, que Papa Francisco
de Deus” na mesma linha de “filho de Davi”. enviou ao centro da Igreja.
Assim, os atributos de cristo, filho de Deus e
filho de Davi pertencem ao mesmo ambiente
Imagens meramente ilustrativas.
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
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paulus.com.br
Vida Pastoral
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Analisaremos essas ocorrências porque são a C’37a o próprio Davi chama-o senhor,
base de sustentação de nossa intuição a respei B’ 37b e como dele é filho?
to da compreensão marcana dos dois atributos A’ 37c E a grande multidão o OUVIA com
messiânicos apresentados na abertura. Exami prazer.
naremos mais detalhadamente ainda Mc Observemos que o verbo “falava”
12,35-37, pois esse recorte traz claramente (éleguen) no início (A) se relaciona com o
uma reflexão do autor sobre o “filho de Davi” e verbo ouvia (ēkouen) do final (A’); Jesus “fa
os ensinamentos dos escribas re lava ensinando” e a multidão
ferentes a ele. “O messias é o “ouvia-o com prazer”, ou seja,
Em Mc 10,46-52 temos que há de vir, é estão no mesmo campo semân
duas ocorrências do título, no o esperado, e o tico da comunicação. O termo
vocativo. O cego Bartimeu diri “filho” (hyiós) e o verbo “é” (es-
ge-se a Jesus nestes termos: “Je
esperado é um tín) formam um claro paralelo
sus, filho de Davi, tem compai filho de em B e B’, além do nome Davi,
xão de mim!” No capítulo se Davi, filho que se relaciona com o pronome
guinte, na entrada triunfante em de Deus” pessoal genitivo “dele” (autou). E
Jerusalém, o título não aparece, essa relação é marcada princi
mas Jesus é aclamado como o rei esperado palmente pela questão da possibilidade da
(cf. Mc 11,1-10[11?]): “Bendito o que vem filiação davídica do messias e indicada pelo
em nome do Senhor, bendito o reino que advérbio interrogativo “como”. Os inícios
vem, o de nosso pai Davi”. E isso o relaciona dos versículos 36 e 37, respectivamente C e
manifestamente com a espera messiânica do C’, são praticamente idênticos: autòs Dauid
filho de Davi. eipen e autòs Dauid léguei. A diferença encon
Até esse momento, não aparece nenhuma tra-se no verbo “dizer” (légo), que ocorre de
avaliação, nem positiva nem negativa, desse modo diferente no v. 36 e no v. 37. Em nossas
atributo por parte do evangelista, nem como traduções, esse paralelismo desaparece, por
comentário do narrador nem na boca de Jesus. que não é possível traduzir com o mesmo
A avaliação vem apenas em Mc 12,35-37, no verbo. Eles começam exatamente da mesma
contexto das discussões com os diferentes forma, “o próprio Davi”, e depois se distin
grupos judaicos no templo. É sobre esse texto guem ao destacar o “Espírito Santo” pelo qual
que nos debruçaremos com maior atenção. Davi fala e o nome “senhor”, pelo qual Davi
Mc 12,35-37, uma controvérsia entre se dirige ao messias. No centro (D) fica a cita
tantas de uma unidade de controvérsias situ ção do Sl 110,1. Em 36b temos a resposta
ada no templo, está organizado de modo a dada pela Escritura para a questão da filiação
ressaltar o que está no centro, como se vê davídica do Messias.
abaixo: Portanto, o eixo central desse texto é a
A 35a E tendo tomado a palavra Jesus FA- relação do Messias com a figura de Davi. Afi
LAVA ensinando no templo nal, o messias é “filho de Davi” ou “senhor de
B 35b como dizem os escribas que o Cris Davi”? A apresentação desta relação aproxi
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inimigos teus debaixo de teus pés. rificar quem é maior (pesado) e quem é me
32
nor (leve).4 Ainda que não se possa provar
que essa regra tenha sido usada aqui, o que se Sujeitos no mundo e
deduz do texto concorda com o esquema de
na Igreja
interpretação dos antigos, pois mostra que
aquele que é chamado Senhor é maior (mais João Décio Passos (org.)
pesado) que aquele que chama ou se refere a
outro como “seu senhor”.
A forma do texto, como dissemos acima, é
uma controvérsia que, em Marcos, é apresen
tada secundariamente num monólogo de Je
sus. Mateus faz tal controvérsia aparecer em
sua pureza, uma vez que insere a questão con
trovertida num diálogo entre Jesus e os fari
seus. Se assim é, podemos intuir que o am
biente vital que dá origem a esse texto é a ca
tequese, pois a preocupação é esclarecer um
dado importante da identidade do messias.
Se a forma do texto é uma espécie de
controvérsia e seu ambiente vital é a cateque
se, então sua intencionalidade se revela como
344 págs.
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Vida Pastoral
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satã e seu reino, em antítese com o Senhor e lho de Jesus cristo, filho de Deus”. Os dois
seu reino (MALBON, 2009, p. 43-46). atributos aplicados a Jesus são retomados
Os textos veterotestamentários que fun posteriormente: o de cristo/messias é reto
damentam a expressão “filho de Davi”, ou mado em Mc 8,27 e o de filho de Deus em
melhor, a expectativa messiânica de um “fi Mc 15,39.6 Olhando assim, esse grande arco
lho de Davi”, são basicamente 2Sm 7,1-17 e não só parece evidente, mas também in
1Rs 11,36, nos quais encontramos a promes questionável. A questão que levantamos é:
sa de uma linhagem davídica. com essa organização se resolve
Em 2Sm 7,1-17 temos a “A primeira coisa tudo? Ela deixa clara, sem som
promessa de que Deus mesmo que Jesus faz, em bra de dúvida, a afirmação por
vai construir uma casa para Marcos, é chamar excelência de Marcos a respeito
Davi. A casa é claramente a des de Jesus? Afinal, as confissões
os primeiros
cendência. Já em 1Rs 11,36, de Pedro e do centurião roma
essa promessa é novamente afir discípulos, e estes no são o objetivo da obra ou os
mada por meio da imagem da o acompanham primeiros passos no reconheci
lâmpada, também falando da todo o tempo” mento da messianidade de Je
descendência de Davi sobre o sus e de adesão ao seu messia
trono. Nesses dois textos se enraíza a pro nismo? Como Marcos compreende esses
messa messiânica real de um “filho de Davi”. atributos cristológicos?
Essa promessa é igualmente retomada nos Consideramos que tal divisão não ajuda
Salmos 89,30-38 e 132,11-12, reafirmando a muito a perceber a grande afirmação marca
perenidade da descendência davídica no tro na da messianidade inaudita de Jesus. Para
no. Assim se consolida a esperança messiâni Marcos, Jesus é messias, filho do homem
ca davídica. -servo padecente. Com o clássico arco divisó
É essa esperança messiânica que o texto rio baseado nos atributos “cristo” e “filho de
marcano relativiza ao retomar o Sl 110,1, no Deus”, a revelação messiânica de Jesus se
qual Davi, falando no Espírito Santo, chama obscurece. No entanto, se partimos de seus
o messias de Senhor. A visão cristológica deslocamentos e ensinamentos, por palavras
mostra claramente a superioridade do mes e ações, aos discípulos e às multidões, o mes
5
sias inaudito ao questionar sua filiação daví sias inaudito surge com toda sua força.
dica. O título κύριος o coloca numa superio Assim, defendemos uma organização do
ridade indiscutível em relação a Davi. evangelho fundamentada nas indicações geo
gráfico-teológicas do “mar da Galileia” (1,16–
3. O processo de revelação de Jesus 8,21), do caminho (8,22–10,52) e de Jerusa
messias inaudito e a ressignificação lém (11,1–15,21). Essa organização permite
dos atributos messiânicos que a mensagem vivaz de Marcos venha à ple
É conhecida a organização ou divisão do na luz, pois o Evangelho segundo Marcos não
Evangelho segundo Marcos com base nos tem uma narrativa linear, mas em forma de
chamados “títulos cristológicos” dados a Je espiral, e é nessa dinâmica narrativa que a per
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sus. A já clássica divisão de Marcos tem seu gunta “quem é este?” recebe respostas. Entre
fundamento em Mc 1,1: “Início do evange tanto, estas respostas não são dadas pela via
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ano 59
Cf. GOMES, Rita. Jesus, o messias inaudito: hermenêutica 6 Essa organização encontra-se na introdução ao Evange-
do messianismo. Faje: Belo Horizonte, 2011. lho segundo Marcos na edição da CNBB.
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não é o messias que ele revela o messias inau O inaudito da messianidade de Jesus é a
dito. Marcos mostra-se como caminho de cruz, e o sentido da cruz só se dá na ressur
aprendizado de quem é o messias e de como reição. Por isso, aos três anúncios da paixão
ser discípulo desse messias inaudito. estão inseparavelmente unidos os anúncios
A primeira coisa que Jesus faz, em Marcos, da ressurreição.
é chamar os primeiros discípulos, e estes o Assim, a confissão do centurião romano
acompanham todo o tempo. É no convívio di deve ser compreendida na mesma dinâmica
ário com o mestre que o seguidor se faz discí da confissão de Pedro, ou seja, como um pri
pulo, mas isso se dá ao longo de uma cami meiro passo no reconhecimento de Jesus
nhada, tanto que é na seção do “caminho” que messias, filho do homem-servo padecente, e
se dá a crise do discipulado. No primeiro não “filho de Deus”, conforme a visão terrena
grande momento, na seção do “mar da Gali do monarca descendente de Davi.
leia”, os discípulos escutam Jesus e se maravi Se Jesus, no primeiro momento do evan
lham com sua autoridade ao ensinar, expulsar gelho, se dirige primeiramente aos judeus e
demônios e curar muitos e também por seu aos poucos vai alargando sua atuação junto
poder e autoridade ante as forças da natureza. aos gentios, a mesma dinâmica se verifica na
Eles são enviados em missão com a mesma au atuação dos discípulos. Os primeiros discí
toridade do mestre, tudo parece correr bem. pulos de Jesus são judeus e têm na confissão
No entanto, na seção central (caminho), de Pedro sua representação; os discípulos
após a confissão de Pedro (“tu és o cristo/ gentios que virão são representados antecipa
messias”), a harmonia entre os discípulos e o damente na confissão do centurião romano.
mestre parece desandar, pois a confissão de Portanto, a confissão do centurião não é o
Pedro desencadeia o primeiro de três anún termo da afirmação marcana de quem é Je
cios da paixão. A partir daí, os discípulos não sus, mas o passo necessário do discípulo que
compreendem mais nada. Ora, confessar Je entra no caminho do mestre Jesus. Como a
sus “cristo” era pensá-lo como o enviado mo confissão de Pedro é abertura para o que vem
nárquico que traria a vitória sobre os inimi depois, assim a confissão do centurião abre
gos políticos de Israel – como ele poderia caminho para os discípulos que se seguirão.
morrer? É essa a reação imediata de Pedro, e
também de seus companheiros. A compreen Conclusão
são dos discípulos até aquele momento era a Marcos compreende a confissão de fé do
esperança messiânica real, monárquica. centurião romano na mesma linha da confis
Por isso, em Mc 9,9-10, ao descerem da são de Pedro, como um primeiro passo na
montanha após a teofania da transfiguração, percepção de quem é o messias, cuja conti
quando Jesus lhes ordena não contar nada a nuidade, consequentemente, é a desconstru
ninguém até que o filho do homem tenha ção da ideia de vitória e de restauração, pas
ressuscitado dos mortos, eles ficam pensan sando não só pela experiência da cruz, mas
do e discutindo entre si o que significaria também pela experiência da ressurreição.
esse “ressuscitar do mortos”. O evangelista O leitor, a quem é dada a informação de
nº- 320
insere aqui a chave de compreensão do mes que Jesus é cristo e filho de Deus logo no
sianismo inaudito de Jesus e da condição de início, pode pensar que é privilegiado em re
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ano 59
verdadeiro discípulo desse messias. É neces lação aos personagens internos à narrativa,
sário viver a experiência da morte e da res mas, ao final das contas, não está numa situ
surreição para terminar o processo de apren ação tão melhor que os outros. Ele ignora a
•
Vida Pastoral
35
mo os atributos que apresenta inicialmente. todas as suas nuances e com isso descons
Em Marcos praticamente tudo ganha novo trua nossas falsas ideias e expectativas. Todos
sentido diante da pessoa de Jesus, e o evan os que quiserem saber “quem é este?” de
gelista não pretende dizer que alguém está vem, necessariamente, acompanhar Jesus
errado ou equivocado, mas prefere demons para saber quem ele é de verdade, sem con
trá-lo pela visão e audição do mestre Jesus. fusões ou distorções. Caminhemos, portan
Ele deixa que o próprio Jesus se revele em to, com o cristo Jesus.
Bibliografia
ARANDA PÉREZ, Gonzalo et al (Org.). Literatura judía intertestamentaria. Estella (Navarra): Verbo
Divino, 1996.
BULTMANN, Rudolph. Historia da la tradición sinoptica. Salamanca: Sígueme, 2000.
GOMES, Rita. Jesus, o messias inaudito: hermenêutica do messianismo. 2011. Dissertação (Mestrado em
Teologia – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Belo Horizonte, 2011.
MALBON, Elizabeth Struthers. Mark’s Jesus: characterization as narrative Christology. Waco, Baylor
University Press, 2009.
MOWINCKEL, Sigmund. El que ha de venir: mesianismo y Mesías. Madrid: Fax, 1975.
NESTLE-ALAND. Novum Testamentum Graece. 27. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelegesellschaft, 1995.
RAHLFS, Alfred. Septuaginta, id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesesllschaft, 2006.
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal; São
Paulo: Paulus, 1998.
O Vaticano II e a política
Carlos Signorelli
A partir do Concílio Vaticano II, a Igreja passa a olhar o mundo,
a sociedade contemporânea e a modernidade de maneira mais
positiva. Vários documentos desse evento, principalmente a
Gaudium et Spes, vão oferecer uma palavra de incentivo àqueles
que se internam no mundo da política: “ir para a política” não é
mais um desejo de alguns; ao contrário, passa a ser um chamado
do Espírito.
Imagens meramente ilustrativas.
nº- 320
120 páginas
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ano 59
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homiléticos
Roteiros
Também na internet:
vidapastoral.com.br
comércio”
Horizonte. Membro da Celebra
– Rede Nacional de Animação
Litúrgica. Leciona nos cursos de
Teologia da PUC Minas e do
Instituto Santo Tomás de Aquino
(Ista), em Belo Horizonte, como
I. Introdução geral
professor de liturgia fundamental, A Quaresma é um tempo oportuno para revisitarmos a
homilética, sacramentos da nossa condição batismal, o que implica guardar o precioso
nº- 320
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Roteiros homiléticos
quando os ritos e símbolos perdem seu vín trata de um deus estranho, mas daquele que
culo com a Palavra, e assim também a vida já é conhecido, na sua potência do seu ato
cristã, a liturgia e demais expressões religio criador e na força de seu braço libertador. Os
sas podem se degenerar em idolatria. mandamentos são frutos da salvação do povo
e da sua fé no Deus que o criou. Não são exi
II. Comentário dos textos gências preceituais sem história e sem uma
bíblicos relação que as preceda e sustente. Estão fun
Na sequência do itinerário quaresmal, a damentados numa experiência e num credo e
comunidade que adentrou com Jesus o de podem, por isso, ser observados como res
serto para vencer o adversário (domingo das posta àquele que é o proponente da aliança.
tentações) subiu ao monte para reconhecer Em relação ao evangelho, a primeira lei
sua identidade filial e o apreço amoroso que tura tem uma função didática de nos apre
o Pai lhe devota (domingo da transfiguração). sentar o horizonte do agir de Cristo e do
Seguindo os passos do Filho de Deus rumo à povo. A recordação da libertação e do sentido
Páscoa, somos convidados a aprofundar a re do sábado, como advertências para que não
lação com o Deus da aliança, buscando puri se reeditem os males sofridos, servirá para
ficar nossa experiência religiosa, que encon entender o acontecimento da purificação do
tra no evangelho deste domingo um parâme Templo. Além disso, alguns elementos po
tro: Jesus é a expressão maior de obediência e dem ser tomados em paralelo para apontar
de fidelidade a Deus, maior mesmo que o também um sentido tipológico dos textos. O
próprio Templo. Deus que libertou o povo da escravidão do
Egito manifesta-se na pessoa de seu Filho, li
1. I leitura: Ex 20,1-17 – bertando-o de suas ações idolátricas. Na pri
As dez Palavras meira leitura, evoca-se a Páscoa dos judeus;
Os dez mandamentos são chamados de no evangelho, a nova Páscoa da ressurreição,
“dez palavras” (decálogo), isto é, as palavras por meio da imagem do novo Templo que se
que, de modo proeminente, Deus entrega ao erguerá em três dias. Antes, a obra da criação
povo para que sejam observadas. Na versão é concluída com o repouso depois do sexto
do Êxodo (primeira leitura), o decálogo é dia. Depois, ao terceiro dia, após o repouso
introduzido por duas oportunas recorda de sua morte, sucede a recriação da humani
ções: quem fala ao seu povo é o Deus liber dade na ressurreição de Jesus.
tador que o tirou da escravidão do Egito e
não tolera a idolatria, mas recompensa e 2. Evangelho: Jo 2,13-25 – Um ato
protege os que guardam a sua lei; ele é o de violência ou de solidariedade?
Deus que, depois de ter criado tudo o que Uma moldura abre e apresenta o evange
existe, santificou o sábado como dia memo lho: a festa da Páscoa dos judeus comparece
rável do seu repouso. Mas é também o dia no início e quase ao final do relato (v. 13.23).
do repouso, da dignidade e da liberdade hu Entre esses dois versículos estão os elemen
manas. Dessa forma, a lei de Deus, enquan tos característicos e decisivos do evangelho: a
nº- 320
corre dessas afirmativas importantes. Não se santuário, chamado de soreg. Ali podiam en
38
trar os pagãos e também ali se estabelecera o
comércio de animais para o sacrifício e os A loucura de Deus
cambistas. Na Páscoa, essa atividade era mui O Cristo de João
to intensificada. Esse mercado tinha a função
de impedir que o dinheiro pagão entrasse no Alberto Maggi
Templo, mas provavelmente não sem ágio...
Era também um esquema que impunha aos
peregrinos comprar ali animais que servi
riam de oferenda para os sacrifícios. Longe
de ser um serviço aos romeiros do Templo,
a prática convertera-se em um sistema de
exploração, beneficiando não somente os
cambistas e vendedores, mas também a cas
ta sacerdotal. Ou seja, a estrutura religiosa
do Templo estava de tal modo contaminada
pela ganância e pelo pecado que compro
metia a sua real função de culto a Deus.
Diante dessa situação, Jesus reage vigorosa
mente, à semelhança dos profetas que sem
pre denunciaram os desvios das funções do
192 págs.
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Vida Pastoral
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Roteiros homiléticos
maior do que as nossas recusas e infidelida Nossas liturgias e demais instituições religio
des, pois nela está presente o amor fiel de sas devem se pôr a serviço do soerguimento
Deus, que chegou a ponto de nos dar o seu
•
Filho único para que tenhamos a vida. los sistemas econômico, social e religioso. A
40
defesa e a solidariedade com os pobres e a
preocupação com a vida podem até ser lidas Bioética, saúde e
como atos de violência, mas são justa indig
nação em favor dos que são sistematicamente
vulnerabilidade
Em defesa da dignidade dos
violentados pela exclusão. vulneráveis
bíblicos
No domingo que passou, Jesus declarou
que o templo do seu corpo, destruído pela
morte, seria erguido em três dias na ressur
nº- 320
para todos os que acolhem, pela fé, o imenso SAC: (11) 5087-3625
amor de Deus. A morte e a ressurreição de
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
Jesus superam o pecado, são anteriores a
•
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Vida Pastoral
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Roteiros homiléticos
demonstram o imenso amor de Deus pela e ordena que o povo se ponha em marcha.
humanidade. Na ressurreição de Jesus, so O texto ressalta o cumprimento da palavra
mos erguidos por Deus aos céus, repatriados de Deus comunicada pelo profeta Jeremias:
com ele para junto do Pai. a terra desfrutará do repouso por 70 anos
após a desolação da invasão, causada pela
1. I leitura: 2Cr 36,14-16.19-23 – idolatria e pela infidelidade. Depois desse
Que se ponha a caminho! “tempo pedagógico”, Ciro é movido por
A primeira leitura faz um resumo da his Deus para que repatrie o povo cativo. O de
tória da destruição de Jerusalém e do Tem creto do rei é emblemático: “que o Senhor,
plo, do sequestro do povo de Deus como ca seu Deus esteja com ele, e que se ponha a
tivo do rei Nabucodonosor, rei da Babilônia, caminho”, pois recorda o caminho que o
e seu posterior retorno para a terra de ori povo fizera do Egito para a terra prometida,
gem, sob Ciro, o rei da Pérsia. Esse relato su guiado por Deus no deserto. A oração do dia
mário de uma longa trajetória faz importante ressoa essa convocação de fazer caminho
releitura da história do povo à luz de duas para a Páscoa de Jesus, que supera a Páscoa
importantes chaves que, como polos, mar dos judeus e a volta do exílio.
cam o compasso da história da salvação. Os
pecados da idolatria e da infidelidade que 2. Evangelho: Jo 3,14-21
bram a aliança, apartam o povo da sua terra, – Um amor que cura
das suas raízes, e violentamente destroem a O evangelho deste domingo é um trecho
vida. Na outra extremidade, a fidelidade de do colóquio entre Jesus e Nicodemos (cf. Jo
Deus, de modo insistente e paciente, inter 3,1-21). Trata-se de catequese batismal joani
vém para que esse povo volte à relação de na que retoma nesta passagem, de modo figu
aliança. A princípio, o texto dá a entender rativo, o relato da serpente de bronze. Con
que a teimosia do povo venceu, pois este vém recordar esse episódio (cf. Nm 21,8-9),
chega a zombar dos enviados de Deus e a para compreender o sentido profundo de sua
desprezar sua mensagem, despertando o fu menção por Jesus. No deserto, o povo que
ror do Senhor. A invasão dos inimigos é lida murmurava injustamente contra Deus fora pi
e compreendida como resultado da infideli cado por serpentes e muitos chegaram a mor
dade, fruto de uma situação irremediável. rer. O incidente, interpretado como resposta
Em consequência disso, os inimigos des divina às injustas murmurações do povo, fez
troem tudo, o Templo e os muros da cidade, que Moisés intercedesse em seu favor. Seguin
e levam o povo como prisioneiro para o exí do as determinações de Deus, Moisés ergueu
lio na Babilônia. Esse exílio é mais que uma uma serpente de bronze sobre uma haste para
punição ou vingança de Deus. Ele é símbolo que ficassem curados aqueles que, picados,
de um distanciamento que o povo anterior olhassem para ela. Ao contrário do que se
mente tinha tomado, distanciamento de pensa, Deus não envenena o seu povo com
Deus e da aliança. vingança e punição. O povo mesmo é que se
Contudo, invencível mesmo é o amor intoxica com o seu pecado e sua injustiça. As
nº- 320
de Deus pelo seu povo e a sua fidelidade. É ações de Deus são de uma compaixão que su
isso que determina e rege a história da sal pera o veneno do pecado e da morte, estabele
•
ano 59
vação. Já sob o reinado dos persas e sob o cendo-se como referencial e marco – serpente
novo modo de governar de seu rei, Ciro, o erguida – de cura e de perdão.
povo é reconduzido à sua terra. O rei decre No evangelho, a serpente é figura daqui
•
Vida Pastoral
ta a reconstrução do Templo, em Jerusalém, lo que vai se realizar em Jesus. Ele é que será
42
erguido, levantado na cruz, para que a hu
manidade seja salva de suas infidelidades e Uma nova evangelização
de seus pecados. A morte de Jesus na cruz Pastoral de conjunto e pastorais
realiza e supera aquilo que, em figura, fora orgânicas
anunciado no Primeiro Testamento. Jesus é
o novo sinal não apenas de cura, mas de sal João Bosco Oliveira e Aparecida de
Fátima Fonseca Oliveira
vação para todos os que creem. Mais ainda
do que Moisés, ele, na cruz, também inter
cede pelo povo para que seja salvo por Deus.
Disso decorre o discurso sobre o julgamen
to: a sentença já foi dada. Deus fez sua ofer
ta máxima para a salvação: a vida do seu
Filho unigênito, que comprova o seu imen
so amor pelo mundo. Não há contrapartida
diante de tamanha oferta, pois o imenso
amor de Deus foi já manifestado.
O julgamento, contudo, aguarda a acolhi
da dessa sentença de amor e salvação. Ao pre
ferir as ações maldosas, simbolizadas pelas
trevas, isto é, o pecado, o ser humano recusa a
oferta amorosa de Deus e afasta-se da luz. Ao
agir conforme a verdade, isto é, ao distanciar
296 págs.
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Roteiros homiléticos
3. II leitura: Ef 2,4-10 – Deus nos vamos mortos por causa das nossas faltas. A
ressuscitou com Cristo união com Cristo faz do cristão um cidadão
Esse trecho da carta de Paulo aos Efésios do céu, e suas boas obras são fruto dessa
está fortemente marcado por uma constata união e manifestam já aqui essa participação
ção que reforça o raciocínio dos textos ante na ressurreição.
riores: é pela graça de Deus que somos sal
vos, não pelas obras. Estas são também fruto III. Dicas para reflexão
do desígnio divino que nos arranca da morte A liturgia deste domingo recupera o amor
para vivermos a união com Cristo. Assim, a de Deus manifestado na cruz e na ressurrei
alegria deste domingo quaresmal configura ção de seu Filho como o eixo da conversão,
-se como verdadeira bem-aventurança, pois é da salvação e da alegria. Somos salvos por
resultado do agir de Deus que nos faz partici um amor invencível. Nem nosso pecado nem
pantes da vida do seu Filho pela fé. A fé pode nossa teimosia fazem Deus desistir de nos
ser entendida aqui como resposta ao agir de pôr a caminho das realidades que celebrare
Deus que nos salva, como adesão a Jesus mos na Páscoa.
Cristo, ao qual estamos unidos pelo batismo. O pecado arruína a vida estabelecida e
Essa leitura nos alerta fortemente contra uma desterra os fiéis de sua condição batismal de
compreensão meritória da fé cristã. Onde va filhos de Deus. É o pecado que nos exila de
lem os méritos, não pode haver salvação e o nossa condição de salvos pelo amor de Deus
agir de Deus é substituído pelo agir humano. e envenena o ser humano, produzindo vio
Se valem os méritos, valem também a dispu lência, sofrimento, morte.
ta, a competência e a concorrência, que ge A alegria deste domingo nasce da graça
ram mais violência, pecado e morte. de Deus, não dos esforços humanos. A salva
A arrogância gera o afastamento de Deus ção só encontra espaço na vida quando se
e dos irmãos, outro tipo de desterro que o reconhece que Deus age em favor do seu
pecado fabrica. Conviver com o arrogante povo, reconduzindo-o às fontes da salvação.
não só é desagradável, como também inútil. Seria muito conveniente refletir sobre o
Em seu fechamento e presunção, a arrogân tema da Campanha da Fraternidade, a vio
cia cria obstáculos para a graça e para o agir lência, a partir do seu nascedouro: a intole
divinos. O alerta de Paulo aos cristãos de rância, a arrogância. Não há espiritualidade
Éfeso diz respeito a um espírito que pode es genuinamente cristã sem humildade, sem es
tar também entre os cristãos de hoje. A arro cuta e sem diálogo.
gância aparece em muitos comportamentos
que circulam por meio da internet e das re 5º Domingo da Quaresma
des sociais: intolerância religiosa, política, de 18 de março
gênero e raça... É preciso voltar à graça, pois
só ela nos concede a alegria da fé. Jesus, o grão
Outra é a compreensão da revelação cris
tã: Deus nos premiou não porque nos com de trigo que
nº- 320
que operou a salvação mesmo quando está supõe a transformação de quem se põe a ca
44
minho da Páscoa (cf. domingo passado). Tal
transformação comporta genuína assimilação Por uma Igreja do Reino
da Palavra de Deus, na obediência, como es Novas práticas para reconduzir
cuta profunda – desde as entranhas! – onde o cristianismo ao essencial
essa Palavra deixa as suas marcas. Sem trans
formação não é possível a aliança. Jesus é o Adriano Sella
modelo de aprendizagem da obediência pelo
sofrimento, pois, mesmo sendo Filho, se dei
xou guiar pela vontade do Pai.
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Roteiros homiléticos
“mestres” que guardavam a lei. Noutra parte, o rendo, transforma-se em outros tantos frutos.
profeta denuncia que também eles não a co Mas o discurso inclui também um paralelismo
nhecem (cf. Jr 2,8), deixando brechas para o surpreendente: ao grão que cai na terra (v. 24)
povo buscar o culto aos falsos deuses. O co corresponde a sua elevação (v. 32); ao discípu
nhecimento de Deus, anuncia Jeremias, será lo que odeia sua vida neste mundo (v. 25) cor
tão disseminado, que todos, do menor ao responde o julgamento deste mundo (v. 31);
maior, buscarão a Deus. Já não será como ou ao Pai que honra o discípulo que odeia o mun
trora, quando, por falta desse conhecimento, o do (v. 26) corresponde o Pai que glorifica o
povo vivia se aperfeiçoando na maldade e no seu nome (v. 28). O paralelismo nos oferece
crime (cf. Jr 4,22; 9,2). Nesse futuro descrito uma estrutura de compreensão do evangelho:
pelo profeta, Deus, tendo assim retomado o a disposição para a morte; a rejeição ao mun
seu povo para si, perdoará a maldade e esque do e o seu julgamento; a honra recebida e a
cerá o pecado, que violaram a aliança. O texto glorificação do nome de Deus.
proclama uma verdadeira purificação espiri A disposição para a morte no discurso do
tual, que parte do interior, das entranhas e do grão de trigo e na elevação da terra nada tem
coração, na liberdade e no conhecimento. Não que ver com vitimismo ou masoquismo. É,
mais pela força, nem mesmo de Deus... na verdade, expressão maior do serviço e do
amor, capazes de gerar situações novas e fe
2. Evangelho: Jo 12,20-33 – cundas: produzir muito fruto / atrair a todos.
Queremos ver Jesus A atitude contrária ao apego a si próprio é
A profecia de Jeremias, tratando do conhe que é proposta como caminho do seguimen
cimento de Deus, prepara os ouvidos da co to e do serviço a Cristo. Serve o mestre quem
munidade para o evangelho, no qual se narra o segue, realizando aquilo que ele mesmo
que os gregos, em romaria para as festas, bus realizou. Nisto se dá a glorificação de Deus,
cavam conhecer Jesus por meio dos discípulos: de seu Filho (“o glorificarei”), e dos discípu
“Senhor, gostaríamos de ver Jesus”. O verbo los (“o glorificarei de novo”).
ver, aqui empregado, pode isoladamente signi O julgamento do mundo é a cruz, que
ficar tão só “fazer contato” com Jesus. Mas o põe às claras a lógica de Jesus e do seu evan
contexto sugere uma disposição de crer nele. gelho e a lógica deste mundo. O julgamento
O episódio parece desconectado da sequência, separa e distingue os que são de Cristo, por
contudo aos gregos será dado conhecer o Filho que perfazem o seu caminho, dos que são do
do homem somente a partir da sua Páscoa. mundo, porque andam em sentido diame
Eles pertencerão ao grupo dos que creram sem tralmente oposto. Jesus se dará a conhecer a
ter visto. Por isso, Jesus não responde, mas in toda a humanidade – simbolizada pelos gre
troduz o discurso do grão de trigo, como me gos, que procuram vê-lo – por meio da cruz,
táfora da sua morte e ressurreição que haverão na qual se realiza o julgamento da humanida
de produzir muito fruto – neste caso, os discí de e a glorificação de Deus.
pulos gregos que ali se apresentam como sinal
futuro desse frutificar. 3. II leitura: Hb 5,7-9 – Ele
nº- 320
grão. Dito de outra maneira e acrescentando A carta aos Hebreus é um grande tratado
um significado a mais: o grão que não morre sobre o fim do sacerdócio veterotestamentá
como grão permanece somente um. A morte, rio, que se organizava por dinastia e tinha
•
Vida Pastoral
contudo, propicia nova situação: o grão, mor contornos e fundamentos exteriores e ritua
46
listas. O autor proclama que, pela morte e
ressurreição de Jesus, se estabeleceu novo Jesus de Nazaré
sacerdócio, superior ao dos anjos que ser
vem a Deus no céu, eterno como Melquise José Comblin
dec, do qual não se sabia a origem e o fim, e
contrário ao sacerdócio aarônico, porque
existencial. O pequeno trecho (vv. 7-9) per
tence a uma unidade maior (vv. 1-10) em que
o autor, Barnabé ou Apolo, discorre sobre o
sacerdócio de Cristo, que era leigo e não per
tencia a nenhuma casta sacerdotal. Por isso a
ênfase em seu caráter espiritual: é pela solida
riedade com a humanidade, pelo sofrimento
e obediência, que Cristo é estabelecido como
sacerdote. Ele pode compadecer-se e interce
der porque provou o sofrimento, a escola
onde aprendeu a confiar e obedecer. Sua ora
ção (forte clamor e lágrimas) exprime sua en
trega a Deus e dependência dele, não dos ri
120 págs.
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Roteiros homiléticos
Paixão do Senhor abre a Semana Santa, reu paz do Messias, que confronta o império com
nindo duas importantes tradições. Nas Igre humildade e serviço. A oração da coleta, con
jas do Oriente, era costume imitar a entrada cluindo a procissão, recorda o exemplo de
•
Vida Pastoral
de Jesus na Cidade Santa trazendo ramos nas humildade dado por Jesus.
48
1. I leitura: Is 50,4-7
– O Servo, firme e sereno Fé viva
A profecia de Isaías recorda a enigmática Como a fé inspira a justiça social
figura do Servo do Senhor. Essa imagem foi,
desde sempre, muito apreciada pela tradição Curtiss Paul DeYoung
cristã como profecia do Cristo. O Servo ali
descrito elucida e reforça a humildade, a con
fiança e a liberdade de Jesus. Assim como na
profecia de Isaías, Jesus é aquele que veio
confortar as pessoas abatidas. É ele que tem
os ouvidos excitados para, como bom discí
pulo, ouvir e cumprir a vontade de Deus. Ele
não foge do perigo, não se resguarda nem se
protege, pois confia imensamente em Deus, a
quem chama de “meu auxiliador”. Sua liber
dade consiste em não estar preso a si mesmo,
não fazer a própria vontade nem reagir à vio
lência sofrida. Na sua mansidão, ele confia
absolutamente em Deus. Por isso sabe que
não sairá humilhado.
288 págs.
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Roteiros homiléticos
de três grandes unidades ou blocos: o julga do pedagógico: ensinam aos seus seguidores
mento injusto diante de Pilatos, os açoites e que a trilha da glória humana situa a pessoa
escárnios de seus algozes, a crucifixão e mor ao lado de Pilatos e dos algozes de Jesus.
te de Jesus. Para nos colocarmos ao lado de Jesus, é ne
No primeiro bloco (15,1-15), vemos a cessário sair da lógica deste mundo, não re
motivação política da condenação de Jesus. A produzindo a maldade e a violência nem
pergunta que Pilatos lhe dirige revela o teor do respondendo com rancor e vingança.
julgamento: “Tu és o rei dos judeus?” A respos No terceiro bloco (15,20b-39), Jesus é
ta evasiva de Jesus não é fuga, mas postura crucificado e morto como malfeitor, fora da
isenta e crítica diante de um processo injusto. cidade (15,29). Ele continua sendo escarneci
Não importaria o que respondesse Jesus, a do pelos judeus e rejeitado pelos passantes e
sentença estava dada. Pilatos é juiz sem auto pelas autoridades religiosas do Templo. Ele
nomia nem autoridade: pergunta à multidão e não toma a bebida anestésica que lhe dão, suas
ao próprio Jesus o que fazer. A condenação de vestes são repartidas, e acima de sua cabeça é
um homem justo é denunciada pela sua pró colocada uma inscrição com o motivo da sua
pria fala à multidão: “Mas qual mal ele fez?” condenação. Tudo compõe um quadro devi
Entra em cena a figura de Barrabás, um bandi damente interpretado pela comunidade dos
do e assassino, apresentado pelo falso juiz seus seguidores: aquele que sofre na cruz sofre
como alternativa que satisfaria a multidão e injustamente, mas não perde a consciência
salvaria a sua própria pele. Jesus é julgado por nem a integridade. Sua morte tem caráter vo
um poder corrompido, sem isenção e substi luntário e põe em contraste a maldade e a in
tuído por um bandido cheio de culpa. Neste justiça. Tudo parece imerso em um turbilhão
contexto, vem à tona a identidade do Servo: histérico de maldade e de injustiça. Jesus pare
mansamente ele não resiste nem reage, man ce ser o único que se mantém no eixo. Sua
tendo-se firme e sereno diante de tanta malda consciência aguda grita também o abandono
de. Entende-se que o nome de Pilatos tenha que sente da parte de Deus, com palavras do
figurado no símbolo da fé: “Padeceu sob Pôn Salmo 22: “Meu Deus, por que me abando
cio Pilatos”. Isto é: Jesus, o inocente, foi con naste?” Mas sua morte desencadeia nova situa
denado por um poder injusto e corrupto, in ção religiosa: o véu do Templo, que resguarda
capaz de julgar justamente. o Santo dos Santos, rasga-se de alto a baixo,
No segundo bloco (15,16-20a), Jesus é em duas partes. Não se trata de um tecido
açoitado e escarnecido pelos seus algozes. O qualquer, mas de uma indumentária de pro
relato de Marcos é breve, mas suficiente porções monumentais e de grossa espessura.
para ressaltar a rejeição humana. Os tortura O culto a Deus se desloca do centro (Templo)
dores são soldados mercenários, que des para a periferia (Gólgota, fora dos muros), lá
prezam os judeus e aproveitam para de onde se realiza a vontade de Deus e onde bri
monstrar isso. Mas o sofrimento, que em lha a glória do seu amor, da verdade e da ino
muito recorda o Servo do Senhor da primei cência do seu Filho, a ponto de causar o reco
ra leitura, não tem nada de masoquista. Os nhecimento de um pagão: “Verdadeiramente
nº- 320
ria. Os sofrimentos de Cristo têm um senti ses retoma outro percurso, mais remoto e
50
subliminar: Cristo Jesus é aquele que, exis
tindo em condição divina, não fez caso dis Diálogos noturnos
so, mas humilhou-se até a morte de cruz.
Recorda, em sentido oposto, o primeiro ca
em Jerusalém
Sobre o risco da fé
sal, que não se conformou à sua condição
humana, mas arrogou a si o ser igual a Deus, Cardeal Carlo M. Martini e Georg Sporschill
comendo o fruto proibido. Enquanto Adão
e Eva foram desobedientes, não fazendo
caso do interdito divino, Jesus fez-se escra
vo (servo) obediente até o extremo da mor
te. Enquanto Adão e Eva foram rebaixados e
expulsos do paraíso, privados da glória ori
ginal, Jesus, por humilhar-se na obediência
extrema, foi exaltado acima de tudo. Jesus
desfaz o percurso de Adão, esvaziando-se.
Na tentação, Adão ficou cheio de si ao igno
rar a vontade de Deus. Jesus, ao contrário,
esvazia-se e por isso alcança para a humani
dade aquilo que Adão fizera perder.
Mas esse hino é também uma lição para a
comunidade de Filipos, introduzida por um
precioso convite presente no v. 5, que não
160 págs.
morte de Jesus não foi em vão. Ela destruiu SAC: (11) 5087-3625
um sistema violento que gera morte e produ
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
•
51
Roteiros homiléticos
a máquina que produz sofrimentos injustos e sus uma vida nova, sem igual, pois só ele
desumanidades. O discípulo de Jesus con cumpriu a vontade do Pai.
templa sua morte e obtém luzes para perfazer
o seu caminho, seguindo o Mestre. Mas é II. Comentário dos textos
também aquele que luta contra as mortes in bíblicos
justas que ainda crucificam a tantos... Neste domingo da Páscoa, os cristãos são
A morte de Jesus é expressão maior de chamados a uma vida nova, que vence a
sua confiança no Pai e sua obediência a ele. A morte, as dúvidas, os medos e os vazios da
liberdade e a firmeza de Jesus não se dobram existência. A proclamação da fé cristã indica
ante a maldade. Ele mantém-se sereno em o resultado de viver como Jesus: alcançar a
seu lugar de Servo, de Filho, com extremada plenitude da vida e ser sinal de esperança
lucidez. Nosso desafio cristão consiste em para o mundo.
permanecer, nos momentos de crise e dificul
dade, serenos e firmes contra a injustiça e a 1. I leitura: At 10,34a.37-43 –
violência, como Jesus. Passou pelo mundo fazendo o
A morte de Jesus desfaz o caminho de bem...
Adão. Seu despojamento da condição divi O querigma não é só um anúncio primei
na, para obedecer ao Pai, restaura o que o ro que principia outros. É anúncio primor
pecado das origens fizera perder. Jesus é o dial e estruturante, contido em toda a prega
Novo Adão. ção da Igreja, dos primórdios até os dias de
hoje. O anúncio querigmático de Pedro con
Os roteiros homiléticos do Tríduo Pascal tém todos os elementos da pregação primor
(Ceia do Senhor, Paixão do Senhor e Vi dial da Igreja: conforme as Escrituras (v. 43a),
gília Pascal) podem ser acessados no site Jesus é o ungido de Deus para a missão (v.
da revista: <vidapastoral.com.br>. 38). Mas ele sofre a rejeição e a morte (v. 39).
Deus, contudo, concede-lhe a ressurreição
Domingo da Páscoa dos mortos, tornando-o Senhor e Juiz (v. 40-
1º de abril 42). Diante desse acontecimento, os discípu
dade, pela justiça e pelo amor. O Inocente foi do o bem e curando a todos os que estavam
condenado por um tribunal injusto... Contu com o demônio, porque Deus estava com ele.
•
ano 59
do, a sua ressurreição contém importante in Essa afirmação demonstra o jeito de viver da
versão: a justiça de Deus, que é maior, reco quele que venceu a morte, isto é, o tipo de
nhece a inocência do Filho. O tribunal divi
•
no pronuncia sua sentença, conferindo a Je por isso que Jesus se torna modelo para os
52
discípulos, pois sua morte e ressurreição di assimilou o seu sentido último, o amor. Por
zem respeito ao modo como ele viveu neste isso, compreende os sinais no sepulcro vazio.
mundo: não para si, mas para os outros; não Ele tem, portanto, uma função propedêutica
autocentrado, mas deixando-se guiar por para os discípulos, sobretudo para Pedro, a
Deus. Aqueles que seguem Jesus poderão quem abre caminho para o Ressuscitado.
desfrutar vida nova se, imitando o seu modo Também por isso espera que o outro adentre
de vida neste mundo, se deixarem guiar por primeiro o túmulo; ainda assim, de fora, vê
Deus. Assim, o querigma continuará a ser os panos mortuários jogados ao chão e crê
anunciado existencialmente pelas obras de antes de Pedro...
seus discípulos. De Pedro diz-se que entra e vê também as
faixas de linho no chão, mas o pano que fora
2. Evangelho: Jo 20,1-9 – O amor posto sobre a cabeça de Jesus colocado num
que sinaliza a vida lugar à parte. Ele ainda está migrando do es
O relato da ressurreição comporta ele cândalo da cruz para a convicção da ressur
mentos oriundos de fontes diversificadas. reição. Continuará precisando do amigo que
Também o recorte operado pela liturgia in lhe conduza à fé no Ressuscitado. Só atingirá
terrompe a narrativa que tem no encontro a sua estatura no amor ao Mestre e na com
de Madalena com Jesus ressuscitado o seu preensão das Escrituras.
ápice. Seja como for, a liturgia, nas suas op Os panos dobrados e as faixas ao chão,
ções, impõe-se e será necessário tirar o devi como símbolos, permitem inúmeras hipóte
do proveito disso. ses. Entre as mais aceitas está aquela que
O relato começa com a menção do pri compara os panos mortuários de Lázaro
meiro dia da semana. Esta é uma marca co com os de Jesus. O primeiro sai atado do
mum aos textos da ressurreição e encontra túmulo, pois sua “ressurreição” é um sinal
ressonância e concretude no domingo, como provisório. Lázaro morreria novamente e
dia memorial por excelência do aconteci precisaria de suas mortalhas. Jesus ressusci
mento fundador da fé. Maria Madalena foi ao tou uma vez por todas e já não precisará dos
túmulo quando ainda estava escuro e perce panos. Mas não faz mal associar as teorias:
beu a pedra do sepulcro removida. Sem en os panos no sepulcro contrariam a possibili
trar no túmulo, ela recorre aos discípulos, dade de roubo do corpo de Jesus, pois la
Pedro e o discípulo amado, que acorrem ao drão algum se daria ao trabalho de retirar os
local. Pedro, todos sabemos, é aquele que panos e transportar o corpo nu.
confirma a fé dos demais, por isso entra pri O relato da ressurreição, ao focalizar Pe
meiro no recinto. O discípulo amado é um dro e o discípulo amado, dá-nos importantes
personagem impreciso, equivocadamente pistas para balizar nossa experiência de Pás
identificado com o evangelista João. Entre as coa: não se chega à fé na ressurreição sem três
hipóteses possíveis, ele seria o protótipo do ingredientes básicos. Estes ingredientes estão
discípulo, construção que exprime um ideal, relacionados à pessoa do discípulo amado e a
uma meta de seguimento. O fato de um cor Maria Madalena. O amor é o primeiro ingre
nº- 320
rer atrás do outro poderia ser esclarecido diente: tanto o discípulo amado quanto Maria
com base nessa ideia de meta, pois, no Evan Madalena fazem a experiência do amor ao
•
ano 59
gelho de João, Pedro está referenciado ao dis Mestre, a qual, para Pedro, será mais tardia. O
cípulo amado ao menos cinco vezes. Este segundo ingrediente é a comunidade: Pedro
corre à frente também porque experimenta o
•
amor e, tendo sido fiel no momento da cruz, seu companheiro de corrida, que o introduz
53
Roteiros homiléticos
no sepulcro e no contato com os sinais. Por do-se guiar por Deus. Fazer a experiência da
fim, a compreensão das Escrituras será sempre ressurreição tem que ver com o modo de vida
a chave última para acessar a ressurreição! que a comunidade assume: a vida de Jesus.
A ressurreição, como experiência, supõe
3. II leitura: Cl 3,1-4 – Ressurreição o amor, a comunidade e o conhecimento das
para já! Escrituras. Estamos todos como o discípulo
A ressurreição de Cristo desencadeia um Pedro: em processo de busca e encontro do
modo de vida que começa desde já. Paulo Ressuscitado. Somos todos como Madalena e
está se dirigindo a uma comunidade que o discípulo amado: cremos à medida que
ainda vive no seu tempo, historicamente. amamos e conduzimos outros a essa mesma
No entanto, afirma que eles já são ressusci experiência.
tados com Cristo. Como pode, se ainda não A morte e a ressurreição são mistérios vi
morreram? A ressurreição não é aconteci vidos hoje, neste mundo. Não são realidades
mento para depois da morte? O discurso só para depois... Os batizados morrem com
pode ser entendido à luz do batismo, que, Cristo e ressuscitam com ele. Por isso devem
segundo o apóstolo, pela fé, reproduziu na orientar sua vida para o alto e continuamente
vida do cristão a experiência de morte e res morrer para as coisas terrenas, isto é, para o
surreição (cf. Cl 2,12). Assim, o cristão, que modo de vida que não é o de Jesus.
está inserido em Cristo pelo batismo (v. 3),
tendo morrido com ele, já desfruta dessa 2º Domingo da Páscoa
vida nova que é própria dele. A ressurreição 8 de abril
de Jesus contagia já os que ainda estão a ca
minho e se dispuseram a morrer para as coi O testemunho
sas terrestres (v. 2).
Mas é possível viver como mortos e ressus comunitário da
citados em Cristo? O discurso do apóstolo faz
supor que sim. Em primeiro lugar, pela ligação ressurreição
dos discípulos e batizados com Jesus. Eles têm
a sua vida escondida com Cristo, em Deus (v. I. Introdução geral
3). Então, na vida de cada discípulo e da comu O tempo pascal amplia a experiência da
nidade, opera a vida e a morte de Jesus ressus ressurreição celebrada no Tríduo. A cada
citado. Mas a ressurreição não é um prêmio que domingo, a comunidade depara com o mes
se adiciona à existência. É um modo de vida mo mistério da ressurreição de Jesus narra
que começa já e continua de modo cada vez da de maneira diferenciada e fecunda. Por
mais intenso e progressivo: “esforçai-vos por tratar de um acontecimento muito significa
alcançar... aspirai...”. Aquilo que foi dito no co tivo, cada narrativa permite a entrada nesse
mentário da primeira leitura a respeito de Jesus mistério por meio de determinada porta.
vale para o cristão a ele unido: Cristo morreu e Neste domingo, a porta para a entrada no
ressuscitou como viveu, também o cristão deve mistério é a própria comunidade de fé: seus
nº- 320
morrer e ressuscitar como vive; isto é, segundo gestos, seu testemunho, seu serviço ao mun
a sua união com Cristo. do... Tudo afirma aquilo que os evangelhos
•
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Deus e nos irmãos, desapegando-se de suas
II. Comentário dos textos posses em favor do bem comum. Que grande
bíblicos sinal de poder estava sendo realizado: gerando
mais vida por terem feito a experiência da vida
1. I leitura: At 4,32-35 – Um só de Jesus ressuscitado! Se o quadro nos causa
coração e uma só alma na fé admiração, que dirá àqueles conterrâneos e
No segundo retrato da comunidade, o es contemporâneos da comunidade. Assim, po
critor dos Atos dos Apóstolos, provavelmente demos também ver que esse mesmo apelo en
Lucas, compõe precioso retrato da comuni controu eco na distante comunidade de Co
dade das origens. Esse é um olhar muito sim rinto, que se envolveu na partilha. Lucas faz
pático sobre a comunidade. Na verdade, a questão de demonstrar o efeito dessa vida co
afirmação “entre eles ninguém passava neces munitária: “E os fiéis eram estimados por to
sidade” parece ser contestada pelos próprios dos”. Assim, a comunidade fundada na Páscoa
escritos paulinos, que mencionam, por de Jesus agia por atração, e não por proselitis
exemplo, a coleta promovida pelo apóstolo mo. O seu viver internamente irradiava a força
em favor dos irmãos em Jerusalém (cf. 1Cor da ressurreição para os outros.
16,1-3). As necessidades vieram, talvez, por
causa das perseguições sofridas. Contudo, 2. Evangelho: Jo 20,19-31
sobressaem ao texto os valores alicerçados na – O testemunho dos irmãos
comunhão (koinonia) existente entre eles, si A narrativa do evangelho do segundo do
nalizada por ricas expressões como: “um só mingo do tempo pascal, também chamado
coração e uma só alma”, “tudo entre eles era pela antiga tradição de “domingo de são
posto em comum”. Esse era o clima estabele Tomé”, põe-nos diante de três temas funda
cido entre os componentes da comunidade mentais: a fé e a dúvida em relação à ressur
primitiva de Jerusalém, retratada por Lucas. reição, o valor da comunidade no testemu
Nesse terreno, a fé pascal na ressurreição fin nho da fé pascal e a experiência de Jesus res
cou raízes profundas e era testemunhada pe suscitado hoje. No centro desses três temas, o
los apóstolos com grandes sinais de poder apóstolo Tomé, símbolo de todos os cristãos
(cf. v. 33). Esses grandes sinais de poder não que procuram sinceramente crer em Jesus
são descritos aqui, neste trecho, como coisas ressuscitado. O texto é dividido em duas par
extraordinárias ou mirabolantes, mas como tes fundamentais: na primeira, Jesus se mani
evidências de uma importante transforma festa à comunidade sem a presença de Tomé;
ção: “ninguém considerava como próprias as na segunda, manifesta-se com Tomé presen
coisas que possuía”; “tudo entre eles era pos te. O texto principia com a afirmação do do
to em comum”; os que eram proprietários mingo, o primeiro dia da semana. No v. 26,
vendiam os seus bens e colocavam o dinheiro volta a mesma referência por meio de outra
aos pés dos apóstolos para a distribuição expressão: oito dias depois. O primeiro e o
conforme as necessidades. oitavo dia são expressões que a tradição en
Essa transformação pascal era promovida tendeu como referências ao “dia do Senhor”,
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pelo testemunho apostólico do Senhor Jesus. o dia privilegiado da ressurreição. Outro ele
Esse testemunho gerava em todos, comunita mento importante: nos dois momentos, a co
•
ano 59
riamente, a experiência coletiva da partilha de munidade dos discípulos está reunida (vv.
bens em favor das necessidades. Assim, os 19.26), mas, na primeira parte, o narrador
menciona o detalhe de que eles estão reuni
•
meio de gestos concretos de confiança em dos a portas fechadas, com medo dos judeus.
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Roteiros homiléticos
Jesus se põe no meio deles como aquele que pode conduzir à experiência da ressurreição.
supera os fechamentos e limites. Em meio ao É também na comunidade que se dá o teste
medo que fecha e paralisa, Jesus deseja a paz, munho querigmático do anúncio (primeiro
sopra sobre eles – como Deus, na criação, fi domingo da Páscoa). O rito da comunhão re
zera com o boneco de Adão (cf. Gn 2,7) – e toma, pela antífona a ser cantada como re
os envia, como ele mesmo fora enviado. Livre frão, a experiência de Tomé. Assim como ele
da sua inércia, a comunidade recupera sua foi chamado por Cristo a estender as mãos
capacidade de anunciar. Tomé será o primei para tocar-lhe as chagas, o fiel, na eucaristia,
ro destinatário do anúncio eclesial... estende as mãos para (receber) tocar os sinais
Tomé recebe o testemunho da comunida da paixão e ressurreição do Senhor.
de: “Vimos o Senhor”. Mas ele apresenta suas Na segunda parte do texto, Tomé está pre
dificuldades de acolher o testemunho. Quer sente na comunidade quando Jesus novamen
ver, tocar os sinais da paixão... Nega-se a crer te se manifesta, fazendo igual saudação de
sem ter suas exigências atendidas. Note-se que paz. Dirigindo-se a ele, Jesus o convida a reali
Tomé não demonstra ter um comportamento zar suas demandas e lhe censura a falta de fé,
anômalo ao da comunidade. Ela também teve declarando a bem-aventurança dos que cre
dificuldades (portas fechadas, medo). A ela ram sem ter visto. Junto da comunidade, o
também Jesus mostra as mãos e o lado. Mas, apóstolo pode fazer a experiência da ressurrei
na primeira parte do relato, Tomé estava dis ção que, no seu isolamento, lhe estava fora do
tanciado da comunidade. Não poderia experi alcance. Experimentar significa também sair
mentar o que os outros vivenciaram. Seu dis de si, entrar em relação, deixar-se guiar pelo
tanciamento, ou melhor, seu isolamento en outro e para o novo que surpreende e convo
fraqueceu a sua fé na ressurreição... Tomé ca, mas também alegra, fortalece e transforma.
também tem fechadas as portas dos ouvidos e
do coração. O escândalo da cruz, que nos ou 3. II leitura: 1Jo 5,1-6 – O amor a
tros produziu medo, nele produz desconfian Deus supõe o amor aos irmãos
ça. Assim, não ouviu o testemunho dos irmãos A primeira carta de João é um precioso
e, sem ouvir, não pôde chegar à fé. escrito, marcado pelos primeiros embates da
A fé e a dúvida em relação à ressurreição Igreja com o gnosticismo, corrente filosófica
acontecem com todos: com Tomé, mas tam muito influente na região da Ásia Menor. Em
bém com a comunidade. É necessário per suma, essa corrente de pensamento diminuía
correr o itinerário de uma para a outra. O a força da comunidade e a ameaçava no seu
evangelho nos oferece as pistas: primeiro for cerne ao inserir elementos doutrinários estra
talecer os vínculos, sobretudo os de fé, com a nhos à fé, como um modo de conhecimento
comunidade; acolher a revelação do evange de Deus que prescindia dos irmãos. Argu
lho (boa notícia) que a comunidade cristã mentando com base na fé nascida do batismo
custodia, mas também ser sincero sobre as de Cristo – alusão à água e ao sangue (v. 6) e
próprias dificuldades. Jesus mesmo está aten na imensa solidariedade de Jesus para com a
to a elas quando se manifesta e convoca Tomé humanidade, o texto chama a atenção para o
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a adotar nova postura a fim de ajudá-lo na fé. vínculo que a fé gera: os cristãos entre si, com
O Senhor permite que essas dificuldades en Cristo e com Deus. A leitura põe em relação
•
ano 59
contrem nele respostas, entre as quais estão importantes elementos da vida cristã: a fé e o
os sinais. A comunidade vive dos sinais da amor. O amor a Deus conduz aos outros e
vice-versa. A verdadeira fé faz circular o amor
•
isso que, como um mistagogo, a comunidade entre todos os que declaram amar a Deus.
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mento dos irmãos. O tempo da Páscoa nos
III. Dicas para reflexão faz superar nossas dúvidas, incompreensões
A vivência de comunhão com a ressurrei e temores.
ção de Jesus, testemunhada pelos apóstolos,
é propulsora de partilha e de atenção às ne II. Comentário dos textos
cessidades dos outros. Quem vive a Páscoa bíblicos
promove a vida dos irmãos.
Neste ano eleitoral, a partilha de bens 1. I leitura: At 3,13-15.17-19 – Deus
pode assumir feições bastante interessantes. fez maravilhas por seu servo
Movidos pela ressurreição de Jesus e unidos Depois de ter curado um aleijado, Pe
por uma fé operante e concreta, somos convi dro pronuncia mais uma pregação querig
dados a escolher projetos políticos e candida mática, com todos os elementos que esse
tos que tenham muito presente o bem comum, anúncio comporta (retomar a explicação
para que as necessidades dos pobres, como a da primeira leitura do domingo da Páscoa).
saúde, a educação, a segurança pública, o tra Nele, o apóstolo introduz alguns elementos
balho e a moradia, sejam distribuídos igual novos: Jesus está em continuidade com a
mente entre todos. Vamos partilhar o voto? história da salvação, e o agir dos judeus
O evangelho chama a atenção para a im que condenaram Jesus foi por ignorância.
portância da comunidade na sua capacidade Além disso, Pedro aprofunda o significado
comunicadora da fé. Tomé é cada discípulo da rejeição de Jesus por parte dos judeus e
que faz o seu caminho de volta, o caminho ao retoma um tema importante para a teologia
seio da comunidade, que, como corpo do Se do evangelista Lucas: era necessário que o
nhor, sempre estará disposta a promover o Messias sofresse.
encontro com Jesus ressuscitado. Começando pela rejeição, Pedro deixa
A fé cristã supõe o amor. Ambos se reali claro o que aconteceu a Jesus: ele era santo e
zam na circularidade das relações que têm justo, mas foi condenado pelos judeus. Jesus
em Cristo o modelo central de solidariedade é chamado por Pedro de “o autor da vida” a
ao ser humano. quem impuseram a morte, mas Deus o res
suscitou. Note-se: a ação dos judeus incide
3º Domingo da Páscoa sobre a vida de Jesus, condenando-o a mor
15 de abril rer. Os judeus preferem um malfeitor, pois
O tempo pascal é tempo favorável para sus. Embora houvesse uma “cultura bíblica”
aprofundar a experiência da ressurreição do entre os judeus, esta não foi suficiente para
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ano 59
Senhor. As Escrituras dão-nos a conhecer Je uma real transformação do povo. A ignorân
sus quando buscamos superar nosso distan cia deles estava, pois, no não cumprimento
ciamento de Deus, cumprindo sua Palavra, e da lei de Deus (cf. a segunda leitura), que di
•
Vida Pastoral
quando buscamos superar nosso distancia ziam conhecer. O tempo da Quaresma deste
57
Roteiros homiléticos
ano retomou com frequência esse tema da gesto da partilha do pão, além de ser, desde
infidelidade à aliança... Os judeus insistiram então, um sinal de máxima importância para
nas más ações, ignorando o seu saber bíblico. as comunidades dos seguidores de Jesus, deu
A ignorância permaneceu, a ponto de não nome à celebração mais importante da Igreja,
distinguirem Jesus de Barrabás, por quem como memorial da morte e ressurreição do Se
optaram... Não sabem que Jesus foi glorifica nhor. De fato, a missa foi primeiro designada
do pelo mesmo Deus de Abraão, Isaac, Jacó e como “fração do pão”, pois este gesto remetia
dos antepassados. Isto é, a glorificação dele à memória perigosa de Jesus, que, dando a
realiza as expectativas dos antigos e as pro vida, desmontou os esquemas de uma religio
messas que lhes foram feitas. Os três patriar sidade infiel à vontade de Deus.
cas são aqui citados por sua fidelidade à O relato prossegue com uma nova mani
aliança. Jesus continuou fiel a ela, como os festação de Jesus no meio deles, em um mo
antigos, mas os judeus não. mento de muita intimidade com seus ami
Por fim, por que Jesus, o Cristo (Messias), gos. Ele lhes deseja a paz, insiste em ser re
haveria de sofrer? Deus quis o sofrimento de conhecido pelos seus e até pede para comer
seu Filho e, por meio desse sofrimento, apla com eles, buscando sanar toda confusão e
cou a sua ira? Essa forma de entender a morte incerteza. Comer junto com os discípulos
de Jesus não aprofunda o nosso conhecimento após a ressurreição será forte argumento
da salvação; ao contrário, induz a ideia de um usado por eles na pregação (cf. At 10,41).
Deus sanguinário, cruel e muito distante do Isso significa que Jesus, que andou pelo
Abbá de Jesus. A necessidade do sofrimento se mundo anunciando o reino de Deus e to
entende à luz da lógica da aliança, da fidelida mando refeição com os pecadores, se mani
de e da filiação divina. O Messias devia sofrer festou aos seus, depois da ressurreição, na
por causa da sua fidelidade, que revela e expli intimidade da comunidade, tomando ali
cita o agir fiel do Servo Jesus, como Filho obe mento com eles, demonstrando estar vivo
diente. Em termos humanos, é exatamente para que neles se fortalecesse a fé na ressur
nos tempos do sofrimento e das dificuldades reição e o anúncio da nova Páscoa não fosse
que tendemos a relaxar em nossas opções, nunca interrompido.
buscando a autopreservação e desculpas para Segue, após a refeição, nova catequese.
abandonar a missão e a fé. Jesus se mantém Jesus relaciona os acontecimentos da sua
fiel na hora do sofrimento e na humanidade paixão com a totalidade das Escrituras: lei
que assumiu; em meio aos sofrimentos, per de Moisés, salmos e profetas, as três gran
maneceu fiel, reafirmando sua filiação divina e des unidades da Bíblia dos hebreus. Essa
a aliança. forma de leitura bíblica, relacionando textos
dessas três grandes unidades, diz respeito ao
2. Evangelho: Lc 24,35-48 – Nós modo rabínico de leitura, chamado harizá.
comemos e bebemos com ele Fazer harizá significa, literalmente, “enfilei
O evangelho narra a continuidade do rela rar contas”, como quem tece um colar.
to dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). Criam os judeus que, quando os textos da
nº- 320
O ponto de partida é o relato dos dois peregri Bíblia eram harmonizados assim como as
nos, Cléofas e, provavelmente, Maria, sua mu contas de um colar, a experiência da aliança
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ano 59
lher, que estava com as outras Marias junto à estabelecida no monte fumegante se reedi
cruz de Jesus (cf. Jo 19,25). Eles narram aos tava. Por isso, no relato anterior, os discípu
discípulos o que tinha acontecido no caminho los de Emaús sentiram o coração arder!
•
Vida Pastoral
e como reconheceram Jesus ao partir o pão. O Com a ressurreição de Jesus, a aliança foi
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restaurada e as Escrituras encontram nele a tado à direita do Pai sem, contudo, deixar os
fidelidade, a unidade e o seu sentido último irmãos, seus discípulos.
(cf. aclamação). Fazer a memória perigosa de Jesus, cele
brando o dia do Senhor na partilha do pão, re
3. II leitura: 1Jo 2,1-5a – Temos mete-nos à existência, onde somos chamados a
junto do Pai um defensor partilhar o pão da nossa vida com os outros.
A primeira carta de João é uma exortação
carinhosa aos discípulos para que não desa 4º Domingo da Páscoa
nimem diante dos pecados, pois podem con 22 de abril
tar com Jesus, o nosso mediador e defensor,
que deu a vida para libertar toda a humani O Bom Pastor
dade do pecado e do mal. Mas essa confiança
nos reenvia ao compromisso de viver na fide dá a vida pelas
lidade, a exemplo de Jesus, guardando os seus
mandamentos. Para isto o apóstolo escreve
sua carta: para que os discípulos não pequem,
suas ovelhas
mas, vivendo os mandamentos, conheçam a I. Introdução geral – O
Deus e façam brilhar o seu amor pelo mundo. Bom Pastor, imagem da
Viver os mandamentos não é apenas pronun ressurreição
ciá-los da boca para fora ou decorá-los. Isso O quarto domingo da Páscoa é tradicio
seria mentira e fingimento. Outrossim, é deci nalmente dedicado à figura do Bom Pastor.
sivo que os vivamos de maneira cada vez mais Essa imagem é bastante fecunda, pois o pas
alicerçada na palavra dos apóstolos (v. 1), bus tor conduz as suas ovelhas para as verdes
cando manifestar o amor de Deus pelo mundo pastagens, para que sejam nutridas e se
(v. 5). Mas qual é o amor de Deus pelo mun mantenham vivas. Ele as conduz, protege e
do? É Jesus, aquele que deu a vida como víti nutre para que atinjam a estatura do Pastor,
ma de expiação pelos pecados, aquele que, apesar de serem fracas (cf. oração do dia). A
vivendo a aliança na perfeita obediência e fide imagem do Bom Pastor é profundamente
lidade, realizou um sacrifício agradável a pascal, pois Jesus ressuscitado, doando sua
Deus, coerente e eficaz. Por isso, temos em vida, conduz a humanidade para a vitória
Jesus o inteiro perdão dos pecados. sobre a morte.
O conhecimento bíblico deve nos condu também testemunha e distribui o amor que re
zir à fidelidade e ao amor a Deus e aos ir cebe (primeira leitura). Marcados pelo conhe
•
ano 59
mãos. O verdadeiro conhecimento de Deus cimento do Pastor que revela o grande amor de
realizado por meio das Escrituras aproxima Deus, somos movidos a exercitar nosso conhe
-nos dos irmãos. Jesus verdadeiramente co cimento de Cristo e do Pai por meio da obe
•
Vida Pastoral
nheceu a Deus e, com a ressurreição, foi exal diência e da fidelidade ao seu mandamento.
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Roteiros homiléticos
décimo capítulo do Evangelho de João. Trata com um esforço mental, de tipo racional. É
-se de discurso realizado junto ao pórtico de algo bem superior a isso. Trata-se de conheci
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Salomão (cf. Jo 10,23), por onde adentravam mento pessoal, íntimo, que supõe a relação
Vida Pastoral
os peregrinos que subiam ao Templo de Jeru de escuta da Palavra (cf. Jo 10,3-5). É conhe
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cimento calcado no amor e na relação que o guições e questionamentos. Contudo, con
próprio Jesus tem com o Pai (v. 15). Esse co tam com a assistência do Espírito Santo.
nhecimento está fundado na fidelidade: Jesus O Bom Pastor, Jesus, ao contrário de ou
obedece ao Pai porque está atento à ordem tros, não se autopreserva, mas doa a vida li
que dele recebeu: dar a vida por suas ovelhas vremente. Ele conhece as suas ovelhas ao
(v. 18). É esta a conclusão da alegoria apre modo do seu conhecimento de Deus, funda
sentada por Jesus: o Bom Pastor tem autono mentado na obediência e na fidelidade. A co
mia para fazer a vontade do Pai, dando a vida munidade que vive não para si mesma, mas
voluntariamente (na sua morte) para poder para os que necessitam, se assemelha a Jesus,
retomá-la (ressurreição). E essa conclusão o Bom Pastor, que dá a vida pelas ovelhas.
elucida o vínculo entre a figura do Bom Pas O conhecimento de Deus tem que ver
tor e o tempo pascal. com a obediência à Palavra e com a sua escu
ta. Só isso poderá nos inserir naquilo que é
3. II leitura: 1Jo 3,1-2 – Conhecer a próprio da relação filial de Jesus. Mas não se
Deus em Jesus, o Filho trata de mérito ou conquista pessoal. Antes, é
A primeira carta de João tem como pano uma experiência do amor de Deus que se re
de fundo a negativa influência gnóstica que velou em Jesus.
valoriza em demasia o esforço pessoal e o O amor do Bom Pastor experimentado
mérito, solapando a experiência de ser co pelos discípulos se comprova quando expan
munidade. O primeiro fundamento da vida dimos esse mesmo amor. Amar como Jesus
cristã está na própria relação filial de Jesus – isto é, superar as situações de morte, injus
com o Pai. Em Jesus, o discípulo experi tiça e exclusão – equivale a agir em seu nome
menta essa mesma relação com Deus, pois a e testemunhar que ele se tornou fundamento
ele se assemelha (v. 2). Por isso, o apóstolo de nossa vida.
fala de “um grande presente de amor” (v. 1).
Trata-se do mesmo amor que o Pai dedica a 5º Domingo da Páscoa
seu Filho, Jesus. 29 de abril
No evangelho, o conhecimento de Deus
tem que ver com a escuta da Palavra de Jesus, Sem mim, vocês
o Bom Pastor. Aparentados de Jesus, os discí
pulos são diferentes daqueles que não conhe não podem fazer
cem o Pai, isto é, daqueles que se colocam de
fora da relação filial que é própria de Jesus.
Preferem a autonomia em relação a Deus e,
nada
nessa postura arrogante, não chegam ao ver I. Introdução geral
dadeiro conhecimento que é dado aos cris O tempo da Páscoa aprofunda o sentido
tãos por Jesus. da ressurreição para a nossa vida. Os sacra
mentos da iniciação cristã – batismo, confir
III. Dicas para reflexão mação e eucaristia – estão radicados no mis
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salvação a todos aqueles que encontram em riência de coparticipação. Estar unido a Cris
Jesus fundamento para a vida. Prolongar a to supõe estar unido a outros irmãos e irmãs
atividade de Jesus comporta riscos. Assim que compartilham do mesmo chamado, da
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Vida Pastoral
como ele, os discípulos poderão sofrer perse mesma experiência, da mesma destinação. A
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Roteiros homiléticos
crescendo no temor do Senhor com a ajuda bretudo os de origem helênica, muito afei
do Espírito Santo. A vocação do apóstolo, in tos ao sincretismo.
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ano 59
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O Pai, agricultor da sua videira, cuida dos
ramos para que produzam mais frutos e cor O diálogo das religiões
ta aqueles que não produzem fruto. Existe,
portanto, uma proximidade entre os verbos Andrés Torres Queiruga
permanecer e frutificar (produzir fruto).
Permanecem e frutificam aqueles que obser
vam a palavra de Jesus (v. 7) e se purificam
por essa Palavra (v. 3). Este é o vínculo de
permanência dos ramos na videira. Já os
frutos têm duplo direcionamento: o amor
aos irmãos (mandamento de Cristo) e a glo
rificação do Pai pela obediência a Cristo no
discipulado (v. 8).
O texto mostra uma reciprocidade: per
manecer em Cristo significa que ele perma
nece nos discípulos (v. 4). O vínculo com ele,
pela Palavra e pelo amor, revela uma depen
dência dos discípulos para com Cristo, sem o
qual nada realizam (v. 5) e não produzem
fruto (v. 4). Neste sentido, o texto aprofunda
88 págs.
liza não só de boca e com palavras, mas com Vendas: (11) 3789-4000
a verdade das ações (v. 18). O amor fraterno 0800-164011
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240 páginas
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