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março-abril de 2018 – ano 59 – número 320

Viver e anunciar o evangelho


em tempo de crise
3 A ética de Jesus
Darci Luiz Marin 29 O Messias inaudito e a esperança messiânica
do Filho de Davi no Evangelho
de Marcos
9 Pastoral em tempo de crise
Paulo Sérgio Bezerra
Rita Maria Gomes

21 na Amazônia
Desafios evangelizadores 37 Roteiros homiléticos
Danilo César dos Santos Lima

Cláudio Hummes
Um clássico do
pensamento ocidental.
Leitura indispensável!

Confissões
Santo Agostinho

As Confissões constituem um livro ainda


hoje surpreendente, redigido com rara
densidade poética, filosófica e teológica por
um dos maiores nomes do pensamento
ocidental. Com ele, Santo Agostinho não
somente inaugura a autobiografia como
gênero literário, mas compõe uma obra há
séculos aclamada por seu brilhantismo.
Confissão da própria miséria, hino de louvor
a Deus e clássico da filosofia, é leitura
indispensável para todos os que se
interessam por filosofia, história e religião.
456 páginas

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A segunda parte de um estudo primoroso
sobre a mística cristã, agora publicado
em português pela PAULUS.

A presença de Deus: uma história


da mística
Tomo II – O desenvolvimento da mística:
de Gregório Magno até 1200
Bernard McGinn

Neste segundo volume do trabalho de


Bernard McGinn, percorremos uma história
que vai de 590 d.C até 1200 d.C. Após
explorar as forças culturais que permitiram
o crescimento da mística no início da Idade
Média, McGinn examina as contribuições
do papa Gregório Magno, de João Escoto
Erígena e de contemplativos como Bernardo de
Claraval, demonstrando como a tradição mística
cristã medieval pôde alcançar todo o seu
potencial em uma variedade de expressões.
664 páginas

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“Que grande e bela profissão:
acendedor de esperança!”
(Dom Helder Camara)

Ética e participação popular na


política a serviço do bem comum
31º Curso de Verão
Pe. José Oscar Beozzo e Cecília Bernadete
Franco (orgs.)

Nos últimos anos, a vida política do Brasil


parece ter tentado escapar à apatia habitual,
com a erupção de manifestações de rua
e organizações populares. No entanto, a
crise econômica e social que atravessamos
também tem ampliado o abismo entre a
política e a população, decepcionada com seus
representantes. Este livro vem para acender
na sociedade a esperança no futuro do país,
chamando todos os cidadãos a participar da
busca e da construção do bem comum.
344 páginas

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Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!


O que a vida nos pede a todo momento é que não era um otimista, disse certa vez: “A
coragem. E coragem tem que ver com o cora­ França nunca esteve tão livre como durante a
ção, que tem que ver com o sentido. Uma invasão alemã”. É nos momentos difíceis que
vida verdadeiramente plena de sentido é uma nossa criatividade desbrava horizontes no­
vida que pensa com o corpo todo e não so­ vos. Melhor mesmo é evitar os preconceitos,
mente com a cabeça. Isso quer dizer que, as rixas, as discriminações, os pequenos e
para além de todas as crises, a saída exige grandes ódios. Deixando tudo isso de lado,
muito mais do que calculismo. Exige que es­ podemos nos unir contra o inimigo comum.
tejamos integrados, unidos, dispostos a ler a Jesus também viveu numa realidade de
história e os acontecimentos na perspectiva crise e opressão. Pairava sobre o povo o bra­
da complexidade. Às vezes, é mais fácil enca­ ço pesado da política opressora do império
rar a vida e os fatos de forma simplista, ba­ romano, bem como uma religião oficial fe­
seada simplesmente em dualismo: o bem e o chada, que se autorreferenciava e, ao invés de
mal, a esquerda e a direita, a elite e a ralé, o motivar os fiéis, impunha fardos pesados so­
branco e o preto e assim por diante. bre eles. A obsessão pela Lei era tamanha que
Ocorre que a realidade é complexa. Exige havia 613 mandamentos para serem decora­
esforço para compreendê-la. dos e seguidos à risca. Algo impossível de vi­
Em tempos de crise se ouve tudo que é ver. O que deveria ajudar, ao contrário, atra­
previsão. Geralmente as mais catastróficas. O palhava. Jesus foi direto ao ponto: “Este é o
economês, por exemplo, é o que mais sobres­ meu mandamento: amem-se uns aos outros,
sai. Porque o tal do mercado, esta entidade assim como eu amei a vocês” (Jo 15,12).
que ora fica nervosa, ora se acalma, ora faz Jesus observava tudo, meditava, fez suas
alarde, ora se cala parece interferir na vida de as dores dos sofredores; e aos seus discípulos
todo mundo. Sem falar que há sempre quem, e discípulas conclamava: “Vocês são o sal da
mesmo não tendo lido ou conversado nada terra [...]. Vocês são a luz do mundo” (Mt
sobre determinados temas, tem sempre uma 5,13-14). A comunidade cristã é chamada a
opinião formada sobre tudo e sobre todos. E testemunhar a alegria do evangelho.
geralmente só percebe o negativo. O pior é se Esta edição de Vida Pastoral é um convite
deixar cair no jogo de que nada mais tem jeito a renovarmos a esperança. Apesar de todas as
e o melhor mesmo seria entregar os pontos. crises, principalmente da crise humanitária
Nada disso. É hora de avançar, de seguir pela qual o mundo passa, vivemos um mo­
em frente. Os discursos pessimistas têm inte­ mento de primavera na Igreja. O renovado
resses escusos. Geralmente querem nos en­ ardor eclesial do papa Francisco é um grande
cher de tristeza ou raiva. Isto é, fazem o jogo sinal do Espírito. Todas as nossas iniciativas e
do opressor: pretendem nos tornar iguais ao projetos, tendo o evangelho como funda­
inimigo. Se nos deixamos envolver, corremos mento e guia, nos darão luzes para nossa fi­
o risco da derrota, dando a vitória a eles. delidade pastoral. O Espírito Santo, que tudo
Agora é que é necessário fortalecer as festas renova, nos ilumine na caminhada.
de bairro, as reuniões de pessoas, as ações co­ Boa leitura e feliz missão!
letivas e criativas. Vejam que as festas não es­ Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
tão diminuindo; estão aumentando. Sartre, Editor
Revista bimestral para
sacerdotes e agentes de pastoral
Ano 59 — número 320
MARÇO-ABRIL de 2018

Editora PIA SOCIEDADE DE SÃO PAULO


Jornalista Assinaturas assinaturas@paulus.com.br
Responsável Valdir José de Castro, ssp (11) 3789-4000 • FAX: 3789-4011
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Conselho editorial Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp Depto. Financeiro • CEP 04117-091 • São Paulo/SP
Claudiano Avelino dos Santos, ssp Redação © PAULUS – São Paulo (Brasil) • ISSN 0507-7184
Darci Luiz Marin, ssp vidapastoral@paulus.com.br
Paulo Sérgio Bazaglia, ssp paulus.com.br / paulinos.org.br
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Ilustrações Elinaldo Meira

Editoração Fernando Tangi Periódico de divulgação científica. Área: Humanidades e artes.


Revisão Alexandre Soares Santana e Caio Pereira Curso: Teologia.

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A ética
de Jesus

Darci Luiz Marin*

Toda pessoa e toda sociedade, para terem vida digna, necessitam adotar
princípios consistentes que pautem a própria conduta. Jesus Cristo ofereceu
e continua oferecendo uma proposta ética original. Ao longo dos últimos
dois milênios, tal proposta foi levada a sério por muitas pessoas. Em tempos
em que se cultuam modismos líquidos e leves, a quantas anda a ética?
É o que procuraremos focalizar nas linhas que se seguem. Trataremos de
algumas coisas básicas, se não até elementares no modo de apresentar, mas
essenciais no modo de ser.

*Pe. Darci Luiz Marin é presbítero da Introdução

P
Congregação dos Paulinos. Mestre em
Teologia Moral (pela Academia ara que uma ética seja cristã, necessita ir
Alfonsiana de Roma) e coordenador de à fonte, que é Jesus. Pelos relatos neotes­
conteúdos dos periódicos da Paulus
tamentários e pelo testemunho da Igreja,
nº- 320

Editora.
constata-se que a ética de Jesus se pautava na
defesa da vida digna e da liberdade de todos

ano 59

os seres humanos. Jesus dedicava especial


atenção e tempo aos pequeninos, aos caídos

à beira do caminho, aos que não tinham voz


Vida Pastoral

nem vez na sociedade do seu tempo.

3
Jesus sempre surpreendia: “Quando che­ bres, os que agora têm fome; os que agora
gou o sábado, começou a ensinar na sinagoga. choram; os que são odiados, insultados e
Muitos que o escutavam ficavam admirados e amaldiçoados por causa do Filho do ho­
diziam: ‘De onde vem tudo isso? Onde foi que mem... (Lc 6,21s).
arranjou tanta sabedoria? E esses milagres que O apóstolo Paulo expressou em profun­
são realizados pelas mãos dele? Esse homem didade esse sinal de contradição ao bendi­
não é o carpinteiro, o filho de Maria?’ [...] E zer a Deus, afirmando: “Bendito seja Deus e
ficaram escandalizados por causa de Jesus” Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das
(Mt 13,53-57). misericórdias e Deus de toda
Jesus fez ver que a religião, a “Nosso tempo consolação! Ele nos consola em
política e a economia do seu é fortemente todas as nossas tribulações,
tempo não eram capazes de sus­ marcado pelo para que possamos consolar os
citar dignidade para todos. Seu que estão em qualquer tribulação,
narcisismo
olhar e sua atenção privilegiada através da consolação que nós
voltavam-se para os preteridos autorreferencial, mesmos recebemos de Deus”
pelas instituições oficiais. oposto à (2Cor 1,3ss).
Ser cristão implica praticar alteridade” São João Crisóstomo é, igual­
a ética ensinada e testemunha­ mente, incisivo na defesa da coe­
da por Jesus. É isso que vem ocorrendo hoje? rência entre a vida prática e as celebrações dos
Ainda que não nos seja possível resolver cristãos: “Não era de prata aquela mesa, nem
todos os problemas do mundo, a (não)vida do de ouro o cálice com o qual Cristo deu seu
outro deveria tocar a nossa vida. Sempre há sangue aos discípulos. […] Queres honrar o
condição de ser presença para o outro. Quem corpo de Cristo? Não permitas que ele esteja
age assim faz que o mundo seja melhor. O nu: e não o honres aqui, na igreja, com tecidos
compromisso com o próximo necessitado é ra­ de seda, para depois tolerar, fora daqui, que ele
zão de ser de quem defende a ética cristã. morra de frio e nudez. Aquele que disse: ‘Isto é
Enquanto estivermos voltados para nós o meu corpo’, disse também: ‘Tive fome e não
mesmos, seremos sacerdotes e levitas, no má­ me destes de comer’; e: ‘O que deixastes de fa­
ximo pessoas cumpridoras do dever que, po­ zer a um destes pequeninos, o deixastes de fa­
rém, passam longe do outro necessitado – zer a mim’. Aprendamos, portanto, a ser sábios
identificado com Cristo (Lc 10,29-37). Quem e a honrar o Cristo como ele quer, gastando as
abraça a ética de Jesus se volta necessariamen­ riquezas pelos pobres. Deus não precisa de ca­
te para fora: “quando foi que te vimos com bedais de ouro, mas de almas de ouro. Que
fome e sede?” (Mt 25,38s). “Todas as vezes que vantagem há em que sua mesa esteja cheia de
fizestes isso a um de meus irmãos mais peque­ cálices de ouro, quando ele mesmo morre de
ninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). fome? Primeiro ele mesmo, o faminto, se sacia,
Nosso tempo é fortemente marcado pelo e então, com o supérfluo, ornarás sua mesa!”1
narcisismo autorreferencial, oposto à alteri­ Os apóstolos e os Padres da Igreja são ex­
dade. Propagar o valor do dom e do serviço, celentes mestres em interpretar e ensinar a
nº- 320

eis o desafio de quem crê na ética de Jesus! ética de Jesus. Beber desse poço é saudável
para a vida cristã.

ano 59

1. Pontos de destaque
da ética de Jesus
1 Disponível em: <https://tarcisiosilva680.wordpress.

Jesus causava inquietação por onde pas­


Vida Pastoral

com/2013/05/29/ensinamentos-de-joao-crisostomo-
sava. Era sinal de contradição: felizes os po­ -%E2%80%A0-407/>. Acesso em: 14 nov. 2017.

4
A ética de Jesus propõe a generosidade
como pauta de vida: “ninguém tem maior Espiritualidade para
amor do que quem dá a vida” (Jo 15,13). A
insatisfeitos
essência da proposta de Jesus é o amor! As pri­
meiras comunidades cristãs compreenderam José M. Castillo
perfeitamente isso até mesmo na vida do dia a
dia: “A multidão dos fiéis era um só coração e
uma só alma. Ninguém considerava proprie­
dade particular as coisas que possuía, mas
tudo era posto em comum entre eles” (At 4,3).

2. Insistências éticas do papa


Francisco à luz da ética de Jesus
Em 2013 a Igreja foi surpreendida pelo so­
pro vivificador – não sempre e por todos logo
reconhecido – do Espírito Santo com a chegada
de um papa “vindo de longe”: Francisco. A ética
de Jesus vem sendo insistentemente lembrada
em palavras e ações por este papa.
“Jesus, o evangelizador por excelência e o
264 págs.

Evangelho em pessoa, identificou-se especial­


mente com os mais pequeninos (Mt 25,40). Nos dias atuais, quando as
Isso recorda-nos, a todos os cristãos, que so­ religiões se veem questionadas
mos chamados a cuidar dos mais frágeis da por sérios motivos e sob diversos
terra. Mas, no modelo ‘do êxito’ e ‘individualis­ pontos de vista, a espiritualidade
ta’ em vigor, parece que não faz sentido investir ganha força. Um dos problemas
para que os lentos, fracos ou menos dotados apontados neste livro é que,
possam também singrar na vida” (EG 209). em muitos ambientes, a
espiritualidade é relacionada
À nossa volta não têm faltado iniciativas
àquilo que nos afasta da vida
nos campos social, político e econômico para e do mundo. A obra apresenta
aprofundar o quadro de marginalização. Em o significado e a forma de viver
nome da “ética”, subterfúgios têm sido prati­ uma espiritualidade correta, que
cados para fazer valer ações marginalizadoras não renuncie à nossa condição
de contingentes enormes da população. O de cidadãos do mundo nem à
alerta do papa Francisco chega em muito boa necessidade de sermos felizes.
Imagens meramente ilustrativas.

hora, também ao propor um dia do ano a to­


das as pessoas de boa vontade para refletirem
sobre a ética do evangelho na defesa efetiva
dos pobres. Em sua mensagem (n. 5) para o
nº- 320

Primeiro Dia Mundial dos Pobres, celebrado Vendas: (11) 3789-4000


em 19/11/2017, lê-se: 0800-164011

ano 59

SAC: (11) 5087-3625


Sabemos a grande dificuldade que há, V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
no mundo contemporâneo, para se poder

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Vida Pastoral

identificar claramente a pobreza. E todavia

5
esta interpela-nos todos os dias com os 3. O essencial e o porquê de ser tão
seus inúmeros rostos vincados pelo sofri­ difícil praticar a ética de Jesus
mento, a marginalização, a opressão, a vio­ Jesus causava inquietação por onde passa­
lência, as torturas e a prisão, pela guerra, a va. A tendência do ser humano é lutar para
privação da liberdade e da dignidade, pela conquistar posições para si, pouco lhe impor­
ignorância e o analfabetismo, pela emer­ tando o que se passa com os outros. Nesse tra­
gência sanitária e a falta de trabalho, pelo jeto, os mais capazes, os mais competentes, os
tráfico de pessoas e a escravi­ mais espertos reservam seu lugar
dão, pelo exílio e a miséria, “Em tempos ao sol. Quanto aos demais, cons­
pela migração forçada. A po­ mais recentes, troem-se muros, para deixá-los
breza tem o rosto de mulhe­ do outro lado, ou fica-se na indi­
res, homens e crianças explo­
à falta de ética
ferença. Na época de Jesus, o im­
rados para vis interesses, es­ de uns soma-se pério romano havia estendido
pezinhados pelas lógicas per­ o fingimento tentáculos mundo afora; enquan­
versas do poder e do dinhei­ oportunista to alguns viviam muito bem, a
ro. Como é impiedoso e grande maioria passava necessi­
de outros,
nunca completo o elenco dades. Jesus, anunciando o reino
que se é constrangido a ela­ reverberado pelos de Deus, traz inquietação aos que
borar à vista da pobreza, fru­ grandes meios de usufruem desse tipo de situação.
to da injustiça social, da mi­ comunicação” No reino de Deus, anuncia­
séria moral, da avidez de do por Jesus, há lugar para todos
poucos e da indiferença generalizada! – a começar pelos mais fragilizados. A condi­
ção para fazer parte desse reino é estar dis­
Infelizmente, nos nossos dias, en­ posto a ser dom para os outros.
quanto sobressai cada vez mais a rique­ Jesus é e ensina a ser sinal de contradi­
za descarada que se acumula nas mãos ção. A ética por ele defendida – que ajuda a
de poucos privilegiados, frequentemen­ iniciar a concretização, já agora, do reino de
te acompanhada pela ilegalidade e a ex­ Deus – sustenta princípios de justiça que
ploração ofensiva da dignidade humana, atendam às necessidades concretas das pes­
causa escândalo a extensão da pobreza a soas. Não é uma moral que defende a justiça
grandes setores da sociedade no mundo retributiva, mas a justiça equitativa. Não a
inteiro. Perante este cenário, não se cada um segundo o tempo de seu trabalho,
pode permanecer inerte e, menos ainda, mas a cada um segundo o atendimento de
resignado. À pobreza que inibe o espíri­ suas necessidades. Mateus 20,1-16 é lapidar:
to de iniciativa de tantos jovens, impe­ os trabalhadores recebem (todos) o mesmo
dindo-os de encontrar um trabalho, à salário, suficiente para atender às necessida­
pobreza que anestesia o sentido de res­ des de cada um.
ponsabilidade, induzindo a preferir a Outra viga mestra que sustenta a ética de
abdicação e a busca de favoritismos, à Jesus é a compaixão. Na parábola do Pai amo­
nº- 320

pobreza que envenena os poços da par­ roso, vê-se com nitidez isso: “O pai disse (ao
ticipação e restringe os espaços do pro­ filho mais velho): ‘Filho, você está sempre

ano 59

fissionalismo, humilhando assim o mé­ comigo, e tudo o que é meu é seu. Mas era
rito de quem trabalha e produz: a tudo preciso festejar e nos alegrar, porque esse seu
isso é preciso responder com uma nova

irmão estava morto, e tornou a viver; estava


Vida Pastoral

visão da vida e da sociedade. perdido, e foi encontrado’” (Lc 15,31s).

6
Para Jesus é a misericórdia que conta. A
parábola do bom samaritano traduz com per­ Novos desafios para
feição essa proposta. Os personagens que vão
se sucedendo ao longo da narrativa de Lc
o cristianismo
A contribuição de José Comblin
10,30-37 têm estas atitudes éticas: assaltan­
tes – o que é teu é meu; sacerdote e levita – o Eduardo Hoornaert (org.)
que é meu é meu; samaritano (estrangeiro) –
o que é meu é teu também. O ensinamento
que emana dessa parábola ressalta que o
amor é prática concreta.
Nosso tempo é marcado por uma socie­
dade líquida e defensora de comportamen­
tos leves e superficiais, na qual o pensa­
mento é débil. Somos continuamente bom­
bardeados por um modo de ser hedonista.
Necessitamos de permanentes novidades,
alimentadas pela publicidade. O modo de
vida pautado em fundamentos que exigem
fidelidade ao longo do tempo é questiona­
do pela velocidade da contínua mudança
176 págs.

de (des)valores.
Prega-se a ética para fora, enquanto na
vida privada há hedonismo a comandar as Esta coletânea comporta oito
ações. As belas teorias não correspondem às trabalhos de teólogos e biblistas,
práticas de quem as enuncia. Exige-se com em sua maioria da nova geração,
que iluminam diversos aspectos
facilidade o bom comportamento alheio, sem
da teologia e da ação de José
a preocupação de vivenciar antes, pessoal­ Comblin, tendo sempre em vista os
mente, o que se requer dos outros. novos desafios para o cristianismo.
Em tempos mais recentes, à falta de éti­ Leitura para conhecer melhor a
ca de uns soma-se o fingimento oportunista contribuição do grande teólogo
de outros, reverberado pelos grandes meios que foi Comblin, falecido no final
de março de 2011.
de comunicação, o que leva ao agravamento
da situação de grandes contingentes da po­
pulação. Propaga-se destemidamente a im­
portância de ser gestor eficiente em vez da
Imagens meramente ilustrativas.

defesa do exercício do serviço generoso, no


atendimento às necessidades básicas das
pessoas, por parte de quem governa.
A lei que prega o “levar vantagem em
nº- 320

tudo” tem feito largo caminho, passando a Vendas: (11) 3789-4000


integrar o dia a dia da maior parte das pesso­ 0800-164011

ano 59

as. No dizer do papa Francisco: “Quando as SAC: (11) 5087-3625


pessoas se tornam autorreferenciais e se iso­
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
lam na própria consciência, aumentam a sua

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Vida Pastoral

voracidade” (LS 204).

7
A história da humanidade registra esse –, o que se tem como ético facilmente trans­
tipo de comportamento já em tempos bem forma-se em bolha de sabão. Decisões dura­
distantes do nosso. Veja-se, por exemplo, a douras e exigentes são logo preteridas.
passagem da vinha de Nabot (1Rs 21,1-16), Hoje há a tendência de valorizar compor­
traduzindo a ganância que produz injustiça. tamentos mercantilizadores da vida. A con­
A tão propalada meritocracia legitima a versa regeneradora em casa acaba sendo
moral da desigualdade. A lógica do evange­ substituída pela ida ao psicólogo, a caminha­
lho é a da vida para todos – e não apenas para da diária para a manutenção da saúde é, não
os que acham ter mais méritos. A ótica do fi­ raro, trocada pela academia – ao menos para
lho mais velho, da parábola há pouco lem­ os que têm condições financeiras. Da gratui­
brada, é a do mérito: “Eu trabalho para ti há dade passou-se ao que é pago! Nesse cami­
tantos anos, jamais desobedeci a qualquer nho, a ética do evangelho acaba tendo gran­
ordem tua; e nunca me destes um cabrito des obstáculos diante de si.
para eu festejar com meus amigos” (Lc Alguém poderia pensar: mas, então,
15,29). Ele despreza o irmão mais novo por quem consegue viver esse tipo de ética pro­
considerá-lo fracassado e por ter merecido o posta por Jesus?
que lhe aconteceu. O pai apresentado nessa Felizmente há os que creem ser possível
parábola, ao contrário, defende que nenhum e, malgrado as dificuldades, dedicam-se a
de seus filhos é passível de desconsideração, cultivar valores que ajudam a construir esse
seja qual for seu passado. A ética de Jesus caminho. Afinal, Jesus deu o exemplo e con­
desperta a alegria em todos os que estavam vida os que desejam segui-lo a fazer o mes­
perdidos e foram reencontrados. mo, prometendo-lhes assistência: “Ide e ensi­
Em tempos de valorização do vazio, do nai a observar tudo o que vos ordenei. Eis
efêmero e da leveza superficial – temas tão que eu estarei convosco todos os dias, até o
bem estudados na obra de Gilles Lipovetsky fim dos tempos” (Mt 28,20).

Fé e viagens no mundo globalizado


Joerg Rieger
Neste estudo atraente e acessível, o autor analisa a viagem como um
conceito central para a fé cristã, baseando-se numa rica variedade de
narrativas. Suas reflexões históricas e teológicas oferecem caminhos
pelos quais as viagens podem gerar novos encontros com o sentido e,
finalmente, com o divino.
Imagens meramente ilustrativas.
nº- 320

142 páginas

ano 59

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Vida Pastoral

8
Pastoral em tempo de crise

Paulo Sérgio Bezerra*

“Às vezes interrogo-me sobre Introdução


quais são as pessoas que, no
mundo atual, se preocupam
“L imite” talvez seja o conceito trágico a
expressar a atual realidade global da
família humana, uma vez que:
realmente mais com gerar – sistemas econômicos e políticos não re­
solvem as demandas básicas de trabalho, saú­
processos que construam um de, educação, habitação e alimentação. No
povo do que com obter resultados Brasil, o “banditismo oficial e o das quadri­
lhas do tráfico armado” (CHICO ALENCAR,
imediatos que produzam ganhos
2017) impõem limites à democracia e geram
políticos fáceis, rápidos e o sentimento antipolítico nas grandes mas­
efêmeros, mas que não constroem sas. “A (falta de) ‘autoridade moral’ dos la­
drões de gravata e capital (alguns, enfim, se
a plenitude humana” (papa dando mal!) e dos chefões do varejo das dro­
Francisco, 2013, EG 224). gas ilícitas se equivale” (CHICO ALENCAR,
2017). O papa Francisco denuncia que “a
ambição do poder e do ter não conhece limi­
tes” e corajosamente brada: “esta economia
nº- 320

mata” (EG 53; 56). Chegamos ao limite da


democracia representativa no Brasil;

* Pe. Paulo Sérgio Bezerra, presbítero da Diocese de


ano 59

São Miguel Paulista e pároco da Igreja de Nossa – o “Grito da Mãe Terra”, ferida de morte
Senhora do Carmo em Itaquera, São Paulo (SP), é pela avidez destruidora de todos os recursos
membro da equipe de articulação e coordenação do

naturais, não é suficientemente levado a sé­


Vida Pastoral

Coletivo IPDM (Igreja – Povo de Deus – em Movimento).


E-mail: pe.paulob@terra.com.br rio, em que pesem as advertências das inú­

9
meras conferências mundiais do clima. No deve estar para ser uma Igreja de todos”
Brasil foram realizadas sete Campanhas da (2006, p. 10). A Pastoral em tempo de crise
Fraternidade sobre a “crise ecológica” e suas reconhece o tempo da crise como um kairós,
interpelações socioambientais. Chegamos ao isto é, como um “tempo favorável” de salva­
limite das capacidades de regeneração globa­ ção. Abraça a crise como desafio e, a partir
lizada do meio ambiente; dela, tece sua ação evangelizadora.
– a crise migratória planetária sem pre­ “Vivemos uma mudança de época” (CE­
cedentes desafia os assombros xenófobos de LAM, 2007, n. 44), prenhe de temores e
países abastados, cuja ação co­ possibilidades. Na Igreja, com a
lonizadora ainda se impõe de “A Pastoral eleição do cardeal argentino
forma violenta e depredadora. Mario Jorge Bergoglio, o papa
é a ação
Chegamos ao limite da geopo­ Francisco, vivemos um kairós.
lítica como alternativa para a evangelizadora Francisco introduz a Igreja, ra­
paz mundial; organizada e a dicalmente, na “mudança de
– fundamentalismos reli­ expressão do época” pelo seu testemunho
giosos impõem o pensamento ser e do agir da pessoal de cristão-bispo e por
único da salvação dos bons e meio de uma linguagem e de
da condenação dos maus. De­
Igreja como povo gestos que provocam simpatia/
terminam o agir moral nas so­ de Deus nascido adesão e temor/reação.
ciedades. Caminhamos para o das águas Ousadamente se poderia di­
limite da liberdade de cons­ batismais” zer: as palavras e gestos do papa
ciência sob a estratégica mani­ Francisco são verdadeiras encí­
pulação religiosa mantenedora dos interes­ clicas, elaboradas no encontro com as pes­
ses de poderosos grupos econômicos. soas, sob a permanente assistência do Espíri­
Quando a Pastoral, em tempo de crise, to Santo:
sucumbe à imposição dos limites, torna-se,
ela mesma, o limite estéril de toda possível Penso, aliás, que não se deve esperar
ação evangelizadora. do magistério papal uma palavra definiti­
va ou completa sobre todas as questões
1. A crise desperta a profecia que dizem respeito à Igreja e ao mundo.
A Pastoral é a ação evangelizadora orga­ Não convém que o papa substitua os
nizada e a expressão do ser e do agir da Igre­ episcopados locais no discernimento de
ja como povo de Deus nascido das águas ba­ todas as problemáticas que sobressaem
tismais para ser “sal da terra e luz do mundo” nos seus territórios. Neste sentido, sinto
(Mt 5,13-14). O Espírito Santo é a sua fonte a necessidade de proceder a uma salutar
regeneradora porque ele é o protagonista da “descentralização” (EG 16).
evangelização. A Pastoral se destina a fazer
emergir o reino de Deus das entranhas da Em 2007, o Documento de Aparecida rei­
história. A Pastoral, portanto, tem de “situar­ vindicava, de toda a Igreja na América Latina
nº- 320

-se dentro do mundo”. O teólogo Agenor e no Caribe, “uma valente ação renovadora
Brighenti faz a provocação: “Não basta à Igre­ das Paróquias” (CELAM, 2007, n. 170). Se

ano 59

ja situar-se ‘dentro do mundo’. Dadas as con­ há dez anos este chamado permanecera em
tradições e disparidades que ferem a dignida­ stand by, na Igreja de Francisco, também por

de da pessoa humana e seu povo, é preciso exigências limítrofes do contexto da conjun­


Vida Pastoral

perguntar-se ‘dentro de que mundo’ a Igreja tura nacional e internacional, tal apelo se tor­

10
na ultimato. Talvez o limite da possibilidade
de relevância da Igreja para o mundo ociden­ Diário da alma
tal e oriental esteja na atitude de adesão ou
rejeição diante das ousadas propostas pasto­ João XXIII
rais do papa Francisco. Ele próprio diz:

Não ignoro que hoje os documentos


não suscitam o mesmo interesse que
noutras épocas, acabando rapidamente
esquecidos. Apesar disso sublinho que
aquilo que pretendo deixar expresso aqui
possui um significado programático e
tem consequências importantes. Espero
que todas as comunidades se esforcem
por atuar com os meios necessários para
avançar no caminho de uma conversão
pastoral e missionária, que não pode dei­
xar as coisas como estão (EG 25).

Os cristãos católicos, leigos e hierarquia,


136 págs.

estão à altura dos desafios propostos pelo


papa? O Diário da alma, escrito por
As duas exortações apostólicas pós-si­ Angelo Roncalli, que em 1958
nodais do papa Francisco foram intituladas se tornou papa João XXIII, e
com o mesmo substantivo: A ALEGRIA do publicado após a sua morte, é
um diário espiritual íntimo que
Evangelho (2013) e A ALEGRIA do Amor
está nas origens das meditações
(2016). Nelas, o bispo de Roma trata, com feitas em seus retiros. De extrema
ousadia e liberdade, de duas realidades em simplicidade, é o itinerário de uma
crise: a eclesiologia e a família. Em sentido vida cristã serenamente radicada
mais amplo: a realidade da Igreja situada na Bíblia e numa espiritualidade
no mundo contemporâneo e a realidade do sacerdotal em que a preocupação
principal é o Evangelho vivido.
amor humano nesta “mudança de época”.
Duas belas roseiras cheias de espinhos, de
onde o papa é capaz de colher, tocado pela
alegria da Páscoa, as perfumadas rosas de
Imagens meramente ilustrativas.

uma primavera anunciada. O papa é explí­


cito: “a alegria do Evangelho é tal que nada
nem ninguém poderá tirá-la de nós (cf. Jo
16,22). Os males do nosso mundo – e os
nº- 320

da Igreja – não deveriam servir como des­ Vendas: (11) 3789-4000


culpa para reduzir a nossa entrega e o nos­ 0800-164011

ano 59

so ardor. Vejamo-los como desafios para SAC: (11) 5087-3625


crescer” (EG 84). V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
Assim como o papa são João XXIII, há

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Vida Pastoral

50 anos, no discurso de abertura do Concí­

11
lio Ecumênico Vaticano II, constatava a exis­ serção nas lutas populares de transformação
tência e discordava “dos profetas das des­ da realidade. O povo católico, num doloroso e
graças, que só anunciam infortúnios, como promissor parto, era formado para ser agente
se estivesse iminente o fim do mundo” da evangelização.
(JOÃO XXIII, 1962), assim também o papa As duas Conferências do Episcopado La­
Francisco convoca a Igreja a não se deixar tino-Americano e Caribenho que se seguiram
abater pela crise enquanto limitação da mis­ à de Medellín – Puebla (México), em 1969, e
são eclesial. Santo Domingo (República Do­
A crise pode se tornar profe­ “Os males do minicana), em 1992 – acontece­
cia. E a profecia, vencer a crise! nosso mundo ram sob descomunal vigilância
não deveriam da Cúria romana, durante o
2. Variações do tempo servir como pontificado do papa são João
na caminhada da Igreja Paulo II. Tentou-se dar alguma
O Concílio Ecumênico Vati­
desculpa para
continuidade à caminhada da
cano II (1962-1965), convoca­ reduzir a nossa Igreja conciliar e de Medellín por
do pelo papa são João XXIII, foi entrega e o meio das propostas pastorais de
chamado de “primavera da nosso ardor” “comunhão e participação” (Pue­
Igreja”. No discurso inaugural, bla); “protagonismo dos leigos” e
a 11 de outubro de 1962, afirmando que o “inculturação da fé” (Santo Domingo).
principal objetivo do “trabalho conciliar não A CNBB dinamizava as Igrejas particula­
é o de discutir princípios doutrinais”, João res. Viveu-se, de forma orgânica, a experiên­
XXIII usava a expressão “razões pastorais” cia de uma Igreja “comunhão e participa­
como motivação da sua convocação. ção”, que se punha inteiramente ao lado e a
Em 1968, realizou-se a II Conferência Ge­ serviço dos empobrecidos. Em meio às per­
ral do Episcopado Latino-Americano na cida­ seguições eclesiásticas, promovidas sobretu­
de de Medellín, Colômbia. Na introdução os do pela ditadura civil-militar, emergia uma
bispos afirmavam: “A Igreja latino-americana, Igreja martirial, sustentada pelo testemunho
reunida na II Conferência Geral de seu Episco­ das testemunhas. A Pastoral, em chave
pado, situou no centro de sua atenção o ho­ transformadora na articulação entre “fé e
mem deste continente, que vive um momento política”, punha seus recursos humanos e
decisivo de seu processo histórico” (CELAM, financeiros a serviço dos sem voz e sem vez.
1968). O Concílio Vaticano II ganha rosto e A crise não era da Pastoral, mas dos poderes
expressão latino-americanos. Desencadeou-se opressores, eclesiásticos e civis. A Pastoral
um processo radicalmente novo de participa­ inaugurava um “novo jeito de ser Igreja” e,
ção do povo de Deus na ação evangelizadora pretensiosamente, apontava para “um novo
por meio da elaboração de planos pastorais jeito de a Igreja ser”. Mas o inverno rigoroso
nacionais, diocesanos e paroquiais. Consu­ chegou.
mou-se a descentralização da igreja-matriz em O pontificado de são João Paulo II (de 16
pequenas comunidades, denominadas CEBs de outubro de 1978 a 8 de abril de 2005) “até
nº- 320

– comunidades eclesiais de base. Bispos, pa­ hoje é entendido pela opinião pública como
dres e religiosas se empenharam em estar jun­ o governo de um homem que levou ao extre­

ano 59

to com o povo, convencidos da opção prefe­ mo a sua missão de conduzir a Igreja de Cris­
rencial pelos pobres. O anúncio do reino de to” (LOPES, 2017). Sua última aparição pú­
Deus ganhou centralidade, sendo assumido

blica é a de um mártir em agonia. Santo subito


Vida Pastoral

por meio da leitura popular da Bíblia e da in­ – “santo já” –, bradava a multidão de 4 mi­

12
lhões de pessoas presentes em seu funeral, das”; centralizam todos os serviços na matriz;
em Roma. Não se negam suas virtudes. Po­ as comunidades (quando existem) voltam ao
rém “há um lado que ficou escondido, dis­ estado pré-conciliar de “capelas” para deso­
tante dos olhos da imensa maioria das pes­ briga de serviços sacramentais. O passado
soas: foram anos de punições, medo e até não importa, pois agora tem início a constru­
terror no interior da Igreja; contra bispos, ção da verdadeira identidade da Igreja Cató­
padres, freiras e leigos ligados à Teologia de lica. Dom Angélico Sândalo Bernardino, bis­
Libertação ou simplesmente adeptos do Con­ po emérito de Blumenau (SC), quando auxi­
cílio Vaticano II” (LOPES, 2017). liar da Arquidiocese de São Paulo (1975-
O gelo eclesiástico fez-se sentir por toda 2000) e vigário-geral da então Região Episco­
parte. Desde o estabelecimento da política de pal São Miguel, ao dar posse a novos párocos,
nomeações de bispos conservadores ao des­ dizia: “Meu irmão, lembre-se que Anchieta
monte da colegialidade das conferências epis­ passou por aqui antes de você...” A Igreja da
copais. Imposição de um modelo de formação “noite escura” abomina a memória histórica!
presbiteral cultual e jurídico. Interferências da
Cúria romana nas conferências episcopais em Os trinta e cinco anos de Wojtyla/
questões teológicas, litúrgicas, morais, exegé­ Ratzinger deixaram a Igreja em franga­
ticas e pastorais. Fortalecimento da pessoa do lhos, a ponto de um colégio de cardeais
papa como o bispo que fala ao mundo, em nomeado integralmente por ambos, de
detrimento da colegialidade episcopal no go­ perfil conservador, ter se dado conta de
verno das Igrejas. Desvalorização dos planos que a crise chegara ao limite, ameaçando
de pastoral pela preferência e anúncio de te­ a própria existência da instituição, e deci­
máticas anuais. Censura a teólogos e teólogas dido eleger em 2013 o argentino Jorge
sob rigorosa vigilância da Congregação da Mario Bergoglio como novo papa: Fran­
Doutrina da Fé. Romanização da liturgia, sub­ cisco. Depois de vinte e seis anos de João
metida ao julgamento da Congregação para o Paulo II e mais nove de Bento XVI, a mui­
Culto Divino, e desconfiança de qualquer ten­ tos a primavera parecia impossível. Mas
tativa de inculturação litúrgica. O evangelho aconteceu (LOPES, 2017).
das bem-aventuranças foi substituído pelo Di­
reito Canônico – então “lei magna da Igreja”.
A Igreja do retorno à “grande disciplina”, 3. Um estudo de caso: Igreja – Povo
num conservadorismo teológico obstinado e de Deus – em Movimento (IPDM)
dogmático, desconfiado e agressivo com Em 2010, depois de 20 anos da elevação
qualquer pensamento e prática progressista, da antiga Região Episcopal São Miguel Pau­
reencontrou, na trincheira do clericalismo e lista, na zona leste de São Paulo, ao estatuto
do carreirismo, seu lugar de defesa e ataque. de Diocese de São Miguel Paulista (15 de
Nesse sentido, os seminários tornaram-se o março de 1989), quatro párocos, uma reli­
“cavalo de Troia” de onde saíam (saem) os giosa e uns 15 leigos desta diocese, no intuito
exércitos ordenados para restauração da or­ de “revisitar” o Vaticano II e “resgatar” suas
nº- 320

dem eclesiástica: uma Igreja de clérigos e lei­ propostas pastorais e eclesiais diante dos de­
gos... Significativo número de presbíteros safios da atual mudança de época, articula­

ano 59

ordenados na era Wojtyla/Ratzinger, quando ram-se no que denominaram de IPDM:


nomeados párocos, destituem conselhos, “Igreja – Povo de Deus – em Movimento”, a
equipes pastorais e ministros; perseguem lei­ tentativa de uma pastoral de conjunto em su­

Vida Pastoral

gos engajados, apelidados de “cobras cria­ plência ao desaparecimento efetivo de orga­

13
nismos diocesanos deixados à míngua pela reino de Deus “não só descentra a Igreja de si
opção de uma eclesiologia clerical. Já não era mesma, como a situa de modo diferente no
possível continuar assistindo à destruição mundo e reivindica uma nova teologia da ação
das conquistas do Concílio Vaticano II e ficar evangelizadora, diante da concepção tradicio­
resmungando por sua perda. nal de missão” (BRIGHENTI, 2006, p. 11).
IPDM é uma “inspiração”, em face da es­ A cada quatro anos, a CNBB publica as Di­
tagnação eclesial do final dos anos 80 até, retrizes Gerais da Ação Evangelizadora da
pelo menos, a eleição do papa Francisco. É Igreja no Brasil, para que as dioceses elaborem
uma “aspiração” de reconquista dos avanços seus planos de pastoral. O documento 54, Di-
pastorais conciliares. É uma “provocação” à retrizes Gerais para o Quadriênio 1995-1998,
inércia e encolhimento dos cristãos diante apresenta as quatro exigências intrínsecas da
dos desafios expostos em san­ evangelização: o serviço, o diálo­
gria pela sociedade da exclusão “O diálogo go, o anúncio e o testemunho de
e da desigualdade social. É uma é exigência comunhão. O assumir dessas exi­
“espiritualidade” que questiona evangélica gências possibilita o emergir de
a fé dissociada do compromisso
que, na cultura uma “Igreja em saída”.
social e desfocada da encarna­ O serviço é exigência samari­
ção do Verbo. pluralista tana. O papa Francisco denuncia a
IPDM, depois de sete anos, contemporânea, “cultura da indiferença” e procla­
foi reconhecido como um “cole­ se torna ma a “cultura do encontro”. Servi­
tivo”, à semelhança de inúmeros imprescindível” ço tanto como assistência emer­
outros comprometidos na luta gencial de prestação de socorro ao
contra o “golpe parlamentar” de 2016, que indivíduo machucado quanto, e sobretudo,
derrubou a presidente Dilma e empurra o Bra­ presença ativa nos movimentos de transforma­
sil a um atoleiro sem precedentes em sua his­ ção social. Em tempos idos, era comum encon­
tória. IPDM é um “pouco de fermento” do trar agentes pastorais – bispos, padres, religio­
evangelho; tende a perder-se na massa toda sos e leigos engajados – nas manifestações de
levedada. IPDM é uma proposta de rearticula­ rua, nas ocupações de terra e nas ações reivin­
ção da pastoral de conjunto à luz do Documen- dicatórias. Hoje, na maior cidade do país, onde
to de Aparecida, cuja convocação se traduz na dia após dia acontecem manifestações e ocupa­
necessidade de uma “Igreja em permanente ções dos sem-teto, raramente se vê algum agen­
estado de missão”. IPDM busca reinventar “es­ te pastoral. Se há um movimento popular e
tratégias” para “articular” renovada, fecundan­ organizado, de expressiva atuação urbana no
te, transformadora, profética e comprometida Brasil, é o MTST. Na prática das ocupações, nas
ação pastoral no serviço ao reino de Deus, assembleias dos acampamentos e nas reuniões
com base na realidade de cada paróquia que de formação das lideranças, o povo toma cons­
compõe esse coletivo. ciência de sua dignidade aviltada e encontra as
razões das suas lutas. Atabalhoadas com suas
4. As exigências da ação rotineiras preocupações, as paróquias, em ge­
nº- 320

evangelizadora ral, resistem a ouvir o “grito dos excluídos” e,


O horizonte da ação pastoral é o reino de desconfiadas da “legitimidade” das suas ações,

ano 59

Deus. O apelo do papa Francisco para que a mantêm-se presencialmente a distância, quan­
Igreja deixe de ser “autorreferenciada” e se tor­ do não as condenam.
ne uma “Igreja em saída” é insistência constan­ O diálogo é exigência evangélica que, na

Vida Pastoral

te. O apelo existe porque a realidade insiste. O cultura pluralista contemporânea, se torna im­

14
prescindível. O pluralismo é o novo paradig­
ma do encontro cultural-antropológico e so­ A sabedoria no Antigo
ciorreligioso. Onde qualquer tentativa de he­
Testamento
gemonia se impõe, o encontro está fadado ao Espiritualidade libertadora
fracasso. Constata-se um preconceituoso e
defensivo fechamento eclesial às novas pautas Anthony R. Ceresko, O.S.F.S.
do mundo contemporâneo: questões de gêne­
ro e sexualidade, fundamentalismo religioso,
laicidade do Estado, diálogo ecumênico, fé e
política, teologia feminista, fé e razão etc.
O anúncio se origina do núcleo funda­
mental do evangelho: “a beleza do amor salví­
fico de Deus manifestado em Jesus Cristo
morto e ressuscitado”. O papa Francisco reto­
ma o objetivo da convocação do Concílio Vati­
cano II: “a Igreja, no passado, sempre se opôs
aos erros e os condenou com grande severida­
de. [...] Em face das necessidades atuais, julga
mais conveniente elucidar melhor sua doutri­
na do que condenar os que dela se afastam”
216 págs.

(JOÃO XXIII, 1962). Entre tantos pronuncia­


mentos e entrevistas do atual bispo de Roma,
o mundo jamais se esquecerá de sua resposta Este é um livro que ajuda a
a um jornalista, quando indagado sobre lobby entender melhor a literatura
sapiencial do Antigo Testamento.
gay no Vaticano, durante o voo de volta do Rio
Para tanto, o autor apresenta o
de Janeiro a Roma, em 29 de julho de 2013: livro dos Provérbios, Jó, Eclesiastes,
“Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem Eclesiástico e o livro da Sabedoria.
boa vontade, quem sou eu, por caridade, para A obra oferece uma visão geral
julgá-la?” Francisco leva à prática pastoral as dos temas, da estrutura e do
decisões conciliares: contexto histórico dessa literatura,
bem como um estudo minucioso de
passagens significativas de cada
Cada verdade entende-se melhor se a livro sapiencial.
colocarmos em relação com a totalidade
harmoniosa da mensagem cristã. [...]
Quando a pregação é fiel ao Evangelho,
Imagens meramente ilustrativas.

manifesta-se com clareza a centralidade


de algumas verdades e fica claro que a
pregação moral cristã não é uma ética es­
toica, é mais do que uma ascese, não é
nº- 320

uma mera filosofia prática e nem um ca­ Vendas: (11) 3789-4000


tálogo de pecados e erros. O Evangelho 0800-164011

ano 59

convida, antes de tudo, a responder a SAC: (11) 5087-3625


Deus que nos ama, reconhecendo-O nos V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
outros e saindo de nós mesmos para pro­

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Vida Pastoral

curar o bem de todos (EG 39).

15
O testemunho de comunhão inexiste se a mente “disputar o pensamento” das massas.
Pastoral não for uma “pastoral de conjunto” – Antes, visa formar um povo consciente das
ação de todo o corpo eclesial. Uma Igreja tes­ opções de Jesus em vista da construção do
temunha comunhão quando cerca de cuida­ reino de Deus.
dos e valoriza as seguintes realidades: os con­ A Pastoral em tempo de crise prioriza seu
selhos pastorais (diocesanos, temário e seus assessores. Assim
paroquiais e comunitários); a “A opção pastoral procedeu o coletivo IPDM desde
coordenação paroquial de pasto­ de uma Igreja o início de sua caminhada em
ral; as assembleias pastorais; as 2010 até hoje, em encontros ge­
escolhas de prioridades pasto­
comprometida rais de formação, no intuito de
rais; as análises de conjuntura com os pobres revisitar o Vaticano II e resgatar
política e eclesial; os serviços, os não tergiversa suas propostas pastorais e ecle­
carismas e os diversos ministé­ no anúncio e siais diante dos desafios da atual
rios; as equipes pastorais e suas
no testemunho “mudança de época”.
coordenações; a formação de IPDM – encontros gerais: temá-
agentes pastorais leigos; a litur­ do Nazareno rio e assessores
gia participativa e inculturada; a crucificado e – Novembro/2010: “O Docu­
evangélica partilha dos recursos ressuscitado” mento de Aparecida na ótica de
econômicos; a efetiva opção pre­ dom Angélico Sândalo Bernardi­
ferencial pelos pobres, expressa na participa­ no”. Assessor: dom Angélico Sândalo Bernar­
ção de suas lutas e organizações. dino, bispo emérito de Blumenau. Participan­
tes: cerca de 600 pessoas.
5. Opção pastoral – Maio/2011: Tema: “A Igreja nas grandes
Um grupo religioso (ou outro qualquer) cidades: desafios, impasses, perspectivas”.
inserido na realidade humana nunca é neutro Assessor: Frei Betto, op. Participantes: cerca
nas opções que faz na “disputa do pensamen­ de 800 pessoas.
to” em relação ao seu projeto de evangeliza­ – Julho/2011: Celebração de são Tomás
ção. “Disputa do pensamento” tornou-se ex­ Morus – Mesa redonda: “A reforma políti­
pressão de atualíssima relevância numa so­ ca”. Assessores: dom Angélico Sândalo Ber­
ciedade como a brasileira, polarizada entre os nardino; Luiza Erundina, deputada federal
que vestem a camisa “verde-amarela” e os (PSOL); Dra. Maristela Bernardo, jornalista
que vestem a camisa “vermelha”. Reduzidas à e socióloga; Paulo Teixeira, deputado fede­
bipolaridade raivosa, as massas se definem ral (PT); Eduardo Jorge, secretário munici­
antipolíticas. Os poderosos grupos econômi­ pal do Verde (São Paulo) e Plínio de Arruda
cos, que sempre dominaram a política (mal­ Sampaio, deputado federal (PSOL). Partici­
grado as irrupções da corrupção), empu­ pantes: cerca de 350 pessoas.
nham as bandeiras da pseudoneutralidade – Novembro/2011: “Conjuntura eclesial”.
ideológica de uma “Escola sem Partido”, da Assessor: Pe. Dr. Antônio Manzatto, teólogo.
moral guardiã da família e da criminalização Participantes: cerca de 350 pessoas.
nº- 320

dos movimentos populares, numa estratégica – Março/2012: “Evangelização da juventu­


forma de manter a dominação. de: desafios e perspectivas pastorais”. Asses­

ano 59

A opção pastoral de uma Igreja compro­ sor: Dr. Fernando Altemeyer Júnior, teólogo
metida com os pobres não tergiversa no (PUC-SP). Participantes: cerca de 300 pessoas.

anúncio e no testemunho do Nazareno cruci­ – Maio/2012: “O Jesus da História: seu se­


Vida Pastoral

ficado e ressuscitado. Não busca simples­ guimento e o Reino”. Assessor: Pe. Dr. Bene­

16
dito Ferraro, teólogo. Participantes: cerca de
360 pessoas. De Babel a Pentecostes
– Novembro/2012: “Vaticano II – 50 anos: Ensaios de teologia inter-religiosa
da Igreja que temos para a Igreja que quere­
mos”. Assessor: Pe. Dr. João Batista Libânio, Claude Geffré
sj, teólogo (PUC Minas). Participantes: cerca
de 530 pessoas.
– Março/2013: “Construir as forças vivas
de uma nova sociedade – o mundo da política
e da economia: justiça, solidariedade e ecolo­
gia”. Assessor: Dr. Leonardo Boff, filósofo e
teólogo. Participantes: cerca de 1.300 pessoas.
– Abril/2013: “Igreja colegiada: grupos
de rua e ministérios”. Lançamento do livro:
Dom Angélico Sândalo Bernardino – bispo pro-
feta dos pobres e da justiça. Assessor: Pe. Ma­
noel José de Godoy, teólogo. Participação de
dom Angélico Sândalo Bernardino e de dom
Antônio Celso de Queiroz. Participantes:
408 págs.

cerca de 350 pessoas.


– Novembro/2013: “Pentecostalismo evan­
Como indica no título, esta
gélico e católico: desafios para a prática pas­ obra tenta esboçar o projeto de
toral”. Assessora: Dra. Brenda Carranza, teó­ uma teologia inter-religiosa que
loga, socióloga e psicóloga (Unicamp). Parti­ reinterprete a singularidade cristã,
cipantes: cerca de 350 pessoas. levando em conta as sementes de
– Maio/2014: “IPDM – aprofundamento verdade de que outras tradições
religiosas podem dar testemunho.
dos princípios da identidade”. Assessor: Frei
Carlos Josaphat, op, teólogo. Participantes:
cerca de 270 pessoas.
– Dezembro/2014: Encontro de articula­
ção entre Igreja e movimentos populares.
Assessores: dom Angélico Sândalo Bernardi­
no e Guilherme Boulos, coordenador nacio­
nal do MTST. Participantes: cerca de 80 pes­
soas de pastorais sociais e coletivos de várias
Imagens meramente ilustrativas.

cidades do Brasil.
– Fevereiro/2015: Seminário sobre a CF-
2015 – “Fraternidade: Igreja e sociedade”. As­
sessores: dom Angélico Sândalo Bernardino;
nº- 320

Romi Bencke, secretária do Conic e pastora da Vendas: (11) 3789-4000


Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Bra­ 0800-164011

ano 59

sil; Daniel Souza, teólogo da Igreja Anglicana SAC: (11) 5087-3625


no Brasil. Participação: cerca de 300 pessoas. V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
– Maio/2015: “Igreja e sexualidades: um

paulus.com.br
Vida Pastoral

diálogo necessário”. Assessor: Pe. Roberto

17
Francisco Daniel – Pe. Beto, Diocese de Bau­ – As expressões da religiosidade popu­
ru, excomungado. Participantes: cerca de lar, como romarias, peregrinações, promes­
270 pessoas. sas, novenas de padroeiros, culto aos santos,
– Novembro/2015: “Igreja e movimentos encontram espaços de aprofundamento,
sociais”. Assessor: Pe. João Bak­ avaliação e incentivo na agenda
ker, svd. Participantes: cerca de “A Pastoral pastoral?
150 pessoas. em tempo de – A diocese/paróquia terceiri­
– Março/2016: Encontro crise espera por zou a Pastoral, entregando-a aos
Ecumênico sobre a CF-2016: cuidados dos movimentos reli­
“Casa comum, nossa responsa­
agentes mais giosos (ECC, EJC, Caminho Neo­
bilidade”. Assessora: Dra. Moe­ dispostos a gerar catecumenal, RCC, Mãe Peregri­
ma Miranda, diretora do Ibase/ processos na na, Arautos do Evangelho, Foco­
RJ. Participantes: cerca de 300 gestação de um lares e outros) em detrimento de
pessoas.
tempo novo do uma pastoral orgânica de maior
– Novembro/2016: “Eclesio­ amplitude?
logia em propulsão – papa Fran­ que desejosos de – A diocese/paróquia deixou
cisco, semeador da esperança” – ocupar espaços de investir na convocação e for­
seminário. Assessores: Pe. Ma­ de poder” mação de pessoas para as equipes
noel José de Godoy, teólogo; pastorais e já não destina recursos
dom Manuel Parrado Carral, bispo diocesano econômicos para a sustentação destas equipes?
de São Miguel Paulista; dom Antônio Celso – As resoluções do Concílio Vaticano II,
Queiroz, bispo emérito de Catanduva/SP; os avanços pastorais das Conferências Gerais
dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo do Episcopado Latino-Americano e do Cari­
emérito de Blumenau/SC. Participantes: cerca be e as diretrizes gerais da ação evangelizado­
de 300 pessoas. ra da Igreja no Brasil propostas pela CNBB
encontram efetiva acolhida nas paróquias e
6. A ambivalência da crise comunidades?
O tempo de crise é ambivalente: impõe a – Os “sinais dos tempos” – em suas de­
crise como limite à ação pastoral (já não há mandas por justiça, solidariedade, promoção
nada que fazer) ou propulsiona a ação pasto­ e defesa da dignidade humana, construção
ral na direção profética: para além da imposi­ da paz mundial, biossociodiversidade, diálo­
ção de todo limite, há um horizonte de novas go ecumênico, participação e democracia, li­
possibilidades. berdade de consciência – tiram-nos o sono e
Alguns questionamentos se impõem à aguçam o compromisso eclesial com o “cui­
Pastoral em tempo de crise: dado da casa comum”?
– Tem-se feito bem o “tradicional” da – O pontificado do papa Francisco – que,
vida eclesial – celebrações litúrgicas, cateque­ ao entregar a exortação apostólica A Alegria
se, dízimo, cursinhos de preparação para os do Evangelho, assim se expressou: “Quero,
sacramentos do batismo, crisma e matrimô­ com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cris­
nº- 320

nio, visitas e unção dos doentes, celebração tãos a fim de convidá-los para uma nova eta­
de exéquias e missas de sétimo dia? pa evangelizadora marcada por esta alegria e

ano 59

– Tem-se reduzido a Pastoral ao “tradi­ indicar caminhos para o percurso da Igreja


cional”, sem maior empenho para inovar, nos próximo anos” (EG 1) – encontrou efeti­
criar e atualizar o que há séculos se faz da va adesão das Igrejas particulares, a ponto de

Vida Pastoral

mesma forma? “transformar tudo, para que os costumes, os

18
estilos, os horários, a linguagem e toda a es­ dos simples, a militância dos inconformados,
trutura eclesial se tornem um canal propor­ a persistência dos sonhadores, a lucidez dos
cionado mais à evangelização do mundo sábios e a esperança dos santos.
atual que à autopreservação” (EG 27)? Ecoem, pois, os sete apelos do papa Fran­
cisco para uma mística pastoral sustentada
Conclusão: os sete apelos do papa pela espiritualidade em tempos de crise:
Francisco – tentados por uma vida espiritual reco­
A exortação apostólica A Alegria do Evan- lhida em “momentos religiosos que propor­
gelho contém o que o papa Francisco espera e cionam algum alívio, mas não alimentam o
quer da Igreja, ela mesma imersa, tanto quan­ encontro com os outros”, afirmemos: “não
to a humanidade, num tempo de crise. nos deixemos roubar o entusiasmo missionário!”
A exortação é um compêndio atualiza­ (EG 78.80);
do do Concílio Vaticano II. Busca raízes – tentados a “fugir de qualquer compro­
num dos mais importantes documentos de­ misso que nos possa roubar o tempo livre”,
pois do concílio, a exortação apostólica de afirmemos: “não deixemos que nos roubem a
Paulo VI sobre o anúncio do evangelho no alegria da evangelização!” (EG 81.83);
mundo contemporâneo Evangelii Nuntiandi – quando tomados pelo abatimento do pes­
(1975), fruto do Sínodo dos Bispos de simismo estéril, afirmemos: “não deixemos que
1974. Apresenta à Igreja universal as con­ nos roubem a esperança!” (EG 86);
tribuições do Documento de Aparecida – tex- – se atitudes defensivas se tornarem ar­
to conclusivo da V Conferência Geral do Epis- gumento para “escaparmos dos outros na
copado Latino-Americano e do Caribe. Com privacidade confortável ou no círculo redu­
esses instrumentos, o novo papa tece seu zido dos mais íntimos, numa renúncia ao
primeiro documento com o coração de um realismo da dimensão social do evangelho”,
bispo-pastor, que leva nas roupas e no cor­ afirmemos: “não deixemos que nos roubem a
po o “cheiro das ovelhas”. comunidade!” (EG 88.92);
– quando dominados pela hipocrisia reli­
O fato de ser um latino-americano giosa do “deveriaqueísmo”, como mestres espi­
significou, por sua vez, um salto enorme rituais e peritos de pastoral que dão instruções
para a Igreja, pois assim abria-se cami­ ficando de fora” afirmemos: “não deixemos que
nho para superar a demasiada europei­ nos roubem o evangelho!” (EG 96.97);
zação da Igreja. Abria-se potencialmente – quando o “espírito de contenda” provo­
a Igreja para grandes novidades e para car divisões na comunidade por causa da “bus­
enormes desafios de inculturação. A ca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança
partir de então, tornava-se mais fácil fe­ econômica”, afirmemos: “não deixemos que nos
char velhas portas, histórica e cultural­ roubem o ideal do amor fraterno!” (EG 98.101);
mente ultrapassadas, e tornava-se possí­ – quando não levarmos em consideração
vel abrir novas portas, mais condizentes o protagonismo dos leigos na evangelização;
com o mundo atual e o futuro (HUM­ a contribuição da mulher na sociedade e na
nº- 320

MES, 2017, p. 9). Igreja; as reivindicações dos jovens e sua lin­


guagem, que questionam as estruturas ordi­

ano 59

Assume-se e elabora-se uma Pastoral em nárias da Pastoral; a criteriosa seleção de can­


tempo de crise com o bom humor dos que didatos ao ministério presbiteral e à vida con­
não se desesperam diante das catástrofes. Es­ sagrada, afirmemos: “não deixemos que nos

Vida Pastoral

sas pessoas oferecem ao mundo em crise a fé roubem a força missionária!” (EG 109);

19
A Pastoral em tempo de crise espera por conjuntura, associada à crescente violência
agentes mais dispostos a gerar processos na (homicídios, assaltos, drogas), a nação reage
gestação de um tempo novo do que desejo­ com indignação (em conversas e redes digi­
sos de ocupar espaços de poder. tais) e apatia (nas ruas e movimentos so­
A Pastoral em tempo de crise é dialética: ciais). A indignação se manifesta em expres­
supõe a paciência histórica do semeador, sões de ódio e desprezo; a apatia, na sensa­
que espera os frutos da semente (cf. Mc ção de que é inútil protestar nas ruas, já que
4,26-29), e, ao mesmo tempo, impacienta­ se tirou um governo ruim pra dar lugar a
-se, tendo em si o ímpeto dos profetas pron­ outro pior...” (2017).
tos a lançar fogo sobre a terra no desejo de É tempo de semear, sem a expectativa
que já estivesse aceso (cf. Lc 12,49). de, um dia, poder sentar-se à sombra da ár­
Frei Betto, no artigo Espiritualidade em vore. Pastoral em tempo de crise: limite ou
tempos de crise, afirma: “frente a tão nefasta profecia?

Bibliografia

ALENCAR, Chico. Mansões e mucambos. O Globo, Rio de Janeiro, 26 set. 2017.


BETTO, Frei. Espiritualidade em tempos de crise. Disponível em <http://www.gentedeopiniao.com.br/
noticia/espiritualidade-em-tempos-de-crise-por-frei-betto/171960>. Acesso em: 11 out. 2017.
BRIGHENTI, Agenor. A pastoral dá o que pensar: a inteligência da prática transformadora da fé. São
Paulo: Siquem/Paulinas, 2006 (Teologia Pastoral, 15).
CELAM. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano e do Caribe. Brasília, DF: Ed. CNBB; São Paulo: Paulus/Paulinas, 2007.
______. Documento de Medellín: presença da Igreja na atual transformação da América Latina. Con­
clusões da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Medellín, 1968.
FRANCISCO, Papa. Exortação apostólica Evangelii Gaudium. São Paulo: Paulus/Loyola, 2013.
HUMMES, dom Cláudio. Grandes metas do papa Francisco: homenagem aos seus 80 anos de idade. São
Paulo: Paulus, 2017.
JOÃO XXIII, Papa. Gaudete Mater Ecclesia: discurso na abertura solene do Concílio. In: VATICANO II:
mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulus, 1998.
LOPES, Mauro. João Paulo II: os anos de terror na Igreja (artigo 1 de 3). Disponível em: <http://out­
raspalavras.net/maurolopes/2017/06/22/joao-paulo-ii-os-anos-terror-na-igreja-artigo-1-de-3/>.
Acesso em: 2 jun. 2017.

Narrativas místicas
448 págs.

Antologia de textos místicos da história do cristianismo


Maria Clara Bingemer e Marcus Reis Pinheiro (orgs.)
nº- 320

Parte da coleção Amantes do Mistério, este é um volume fundamental para os estudos


da mística no Brasil. Ele coloca ao alcance do leitor brasileiro textos essenciais de místicos
Imagens meramente ilustrativas.

cristãos, desde os primórdios do cristianismo até os dias de hoje. A obra preenche uma
ano 59

lacuna nas pesquisas sobre o contato com o Mistério Divino, familiarizando o leitor com
a biografia e com os escritos originais dos místicos mais importantes da história cristã.

paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 vendas@paulus.com.br


Vida Pastoral

20
Desafios evangelizadores
na Amazônia
Cláudio Hummes*

*Cardeal dom Cláudio Hummes, ofm, nasceu em Montenegro


(RS). Foi bispo da Diocese de Santo André (SP) de 1975 a 1996,
ano em que foi nomeado arcebispo de Fortaleza (CE). Em 1998
foi nomeado arcebispo de São Paulo. Foi criado cardeal, em
U m novo tempo foi inaugurado na Igreja
católica pelo papa Francisco. Muitos o
consideram um verdadeiro kairós. Na exorta­
2001, pelo papa são João Paulo II. Em 2006, foi nomeado ção apostólica Evangelii Gaudium (2013), um
prefeito da Congregação para o Clero. Em 2010, o papa Bento
XVI aceitou seu pedido de renúncia por limite de idade. Desde
documento programático, e em vários outros
2011 exerce a função de vigário-geral da Arquidiocese de São documentos e pronunciamentos seus, o papa
Paulo e acompanha as coordenações pastorais do mundo do
Francisco convida a Igreja para uma verda­
trabalho, dos movimentos sociais e das novas comunidades no
âmbito diocesano. deira reforma. A reforma, ele a pensa no sen­
tido de uma Igreja totalmente missionária,
misericordiosa, pobre e para os pobres, uma
nº- 320

Igreja mais aberta, dialogante, acolhedora e


empenhada no cuidado da nossa casa co­

ano 59

mum, o planeta Terra.


Sobre uma Igreja totalmente missionária,

ele diz na Evangelii Gaudium que “a atividade


Vida Pastoral

missionária representa ainda hoje o máximo

21
desafio para a Igreja [...] a primeira de todas as mante mudança climática. Estamos nos apro­
causas [...], sendo necessário passar de uma ximando de uma degradação irreversível da
pastoral de mera conservação para uma pasto­ Mãe Terra. O papa Francisco afirma ser neces­
ral decididamente missionária” (n. 15). Mais sário e urgente sair da indiferença ou das hesi­
adiante, ao falar da necessária transformação tações para tomar as decisões exigidas pela
missionária de toda a Igreja, ele diz: “Espero crise. Não se pode esperar mais tempo. Adiar
que todas as comunidades se esforcem por as mudanças para mais tarde seria demasiado
atuar os meios necessários para avançar no ca­ tarde. Isso o disse também, na COP21, em Pa­
minho duma conversão pastoral e missioná­ ris, o então ministro das Relações Exteriores
ria, que não pode deixar as coisas como estão. da França, Laurent Fabius: “Plus tard, trop
Neste momento, não nos serve uma simples tard!” (mais tarde, tarde demais!).
administração. Constituamo-nos em estado Contudo, o papa Francisco sublinha que
permanente de missão, em todas as regiões da a questão ambiental não apresenta somente
terra” (n. 25). E ainda: “Sonho uma dimensão econômica e so­
com uma opção missionária ca­ “O papa ciopolítica, mas também uma
paz de transformar tudo, para Francisco afirma dimensão ética e religiosa, de tal
que os costumes, os estilos, os ser necessário e forma que a Igreja tem o dever
horários, a linguagem e toda a urgente sair da de nela se empenhar. A dimen­
estrutura eclesial se tornem um são ética consiste na nossa res­
canal proporcionado mais à
indiferença ou ponsabilidade pelos pobres, os
evangelização do mundo atual das hesitações mais afetados. O papa diz que o
do que à autopreservação. A re­ para tomar as grito da natureza e o grito dos
forma das estruturas, que a con­ decisões exigidas pobres são o mesmo grito, em
versão pastoral exige, só se pode razão do abandono a que são re­
pela crise”
entender neste sentido: fazer legados tanto a natureza como os
com que todas elas se tornem mais missioná­ pobres – o abandono, a exploração, o descar­
rias, que a pastoral ordinária em todas as suas te, o uso e abuso indevidos, o lixo, a sujeira,
instâncias seja mais comunicativa e aberta, e assim por diante.
que coloque os agentes pastorais em atitude Outro aspecto ético é nossa responsabi­
constante de ‘saída’” (n. 27). lidade para com as gerações futuras. Que
O empenho da Igreja no cuidado de “nos­ tipo de mundo queremos deixar aos nossos
sa casa comum”, o papa Francisco o propôs filhos? Eles têm o direito de que lhes legue­
em várias ocasiões, mas principalmente na sua mos um planeta viável, saudável, sustentá­
encíclica Laudato Si’, de maio de 2015. Essa vel e bonito.
encíclica é um documento histórico. Trata da A dimensão religiosa da questão se baseia
grave e urgente crise socioambiental e climáti­ na nossa fé num Deus criador. Deus criou o
ca que em nossos dias desafia globalmente a universo e nos entregou, como dom especial,
sociedade humana. A nossa irmã, a Mãe Terra, a Mãe Terra, para dela tirarmos nosso susten­
começa a demonstrar que já não aguentará to e para dela cuidarmos. A Igreja precisa
nº- 320

por muito tempo a desvairada e gananciosa hoje sublinhar esta nossa fé e nosso conse­
intervenção humana de que é vítima, princi­ quente louvar a Deus por todas as suas cria­

ano 59

palmente nos últimos dois séculos. Trata-se de turas, nosso cuidado para com todas elas,
grave crise ecológica mundial. Ela se torna evi­ nosso apreço por todas elas. Outro aspecto

dente no drástico crescimento da temperatura fundamental da dimensão religiosa da ques­


Vida Pastoral

global nas últimas décadas, causando alar­ tão é o fato de que o Filho de Deus se encar­

22
nou e assim tomou um corpo formado pelos
elementos da Mãe Terra, um corpo que de­ Conversão pastoral
pois ressuscitou e assim já está plenamente Reflexões sobre o Documento
glorificado, também como profecia da nossa 100 da CNBB em vista da
renovação paroquial
ressurreição e da promessa de novos céus e
nova terra. O sacramento da eucaristia torna José Carlos Pereira
sempre presente esta misteriosa realidade da
fé na vida cotidiana da Igreja. No universo
criado, tudo está ligado. Há uma comunhão
universal, uma espécie de família universal.
Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado,
morto e ressuscitado, é o centro de unidade e
o ápice desta comunhão.
É neste contexto que devemos identificar
os desafios evangelizadores na Amazônia. Ela,
com sua realidade formada de imensas águas,
florestas e biodiversidade, tendo como guardi­
ães milenares deste sistema os indígenas, é ci­
tada pelo papa Francisco na Laudato Si’, que a
chama de um dos dois pulmões do planeta. O
outro é a bacia do Congo, na África. Diz o
72 págs.

papa: “Não se ignora a importância destes lu­


gares para a totalidade do planeta e para o fu­ Nesta obra, o autor analisa
turo da humanidade. Os ecossistemas das flo­ detalhadamente o Documento 100
restas tropicais tem uma biodiversidade de da CNBB, sobre a renovação
enorme complexidade, quase impossível de paroquial, ou a conversão, iniciativa
que pretende alterar a maneira
conhecer completamente, mas, quando estas pela qual se formam as paróquias
florestas são queimadas ou derrubadas para e dioceses, com foco maior na
desenvolver cultivos, em poucos anos per­ comunidade em torno delas. As
dem-se inúmeras espécies, ou essas áreas paróquias devem ser principais
elementos da equação, retomando
transformam-se em áridos desertos” (n. 38). valores que foram se perdendo.
A Amazônia ocupa não somente grande
parte do Brasil (a metade do território brasi­
leiro), mas também uma parte menor em
outros oito países contíguos (Bolívia, Peru,
Imagens meramente ilustrativas.

Equador, Colômbia, Venezuela e as antigas


três Guianas). É o que se chama de Pan­
-amazônia. É verdade que o Brasil tem 67%
dessa Pan-amazônia. Ela compreende 7,8
nº- 320

milhões de km², 34 milhões de habitantes, Vendas: (11) 3789-4000


cerca de 3 milhões de indígenas de 390 po­ 0800-164011

ano 59

vos indígenas diversos, muitos dos quais SAC: (11) 5087-3625


(cerca de cem) ainda isolados ou não conta­ V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
tados, 240 línguas faladas pertencentes a 49

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Vida Pastoral

famílias linguísticas.

23
Essa Amazônia, o papa Francisco a confia para a Amazônia. E há dois anos, depois de
de maneira especial à Igreja. Quando esteve diversos encontros anteriores que reuniram,
no Brasil para a Jornada Mundial da Juventu­ de uma ou outra forma, representantes de
de, em 2013, ele falou aos bispos brasileiros e dioceses, prelazias, vicariatos apostólicos da
lhes disse que “a Amazônia é um teste decisivo Pan-amazônia, fundou-se em Brasília, em
e um banco de prova para a Igreja e para a 2014, a Repam (Rede Eclesial Pan-amazôni­
sociedade”. E ainda: “A Igreja está na Amazô­ ca). Os fundadores da Repam são nossa Co­
nia não como aqueles que têm as malas na missão Episcopal para a Amazônia (da
mão para partir depois de terem CNBB), o Departamento de Jus­
explorado tudo o que puderam. “A Igreja precisa tiça e Solidariedade (do Celam),
Desde o início, a Igreja está pre­ hoje sublinhar a Clar (Confederação Latino­
sente na Amazônia com missio­ nossa fé e nosso -Americana e Caribenha de Reli­
nários, congregações religiosas, giosos e Religiosas) e o Selacc
consequente
sacerdotes, leigos e bispos e lá (Secretariado Latino-Americano
continua presente e determinan­ louvar a Deus e Caribenho da Cáritas).
te no futuro daquela área”. Para por todas as suas Os principais objetivos da
a Amazônia, Francisco fala de criaturas, nosso Repam são, entre outros:
uma Igreja “com rosto amazôni­ cuidado para com – articular todas as forças vi­
co” e da necessidade de um “cle­ vas, eclesiais e sociais que com­
ro autóctone”. Igreja de rosto
todas elas, nosso põem a Repam, no sentido de um
amazônico significa uma Igreja apreço por serviço eclesial ao povo da região,
inculturada, encarnada, que as­ todas elas” especialmente aos mais pobres e
sume a história, a identidade, os vulneráveis, tendo como grande
problemas, os desafios, as aspirações e os so­ referência a Laudato Si’;
nhos da gente da Amazônia, de modo especial – promover uma pastoral de conjunto –
dos povos originários, os indígenas. Uma Igre­ como propôs a Conferência de Aparecida –,
ja profética, missionária, defensora da vida, uma colaboração territorial e a dinamização
dos direitos humanos, da preservação da na­ de ações articuladas, à luz de uma visão co­
tureza. Um clero autóctone significa também mum pan-amazônica;
um clero indígena, diáconos, sacerdotes e bis­ – promover na Pan-amazônia a incultura­
pos indígenas. ção do evangelho, uma Igreja de “rosto amazô­
Para realizar melhor este trabalho missio­ nico” e a formação de um clero autóctone;
nário, de evangelização e de preservação da – colaborar na promoção integral das po­
Amazônia, já a Conferência de Aparecida pulações amazônicas, para que sejam sujeitos
(2007) afirmava ser necessário “estabelecer de transformação na Igreja e na sociedade;
entre as Igrejas locais de diversos países sul­ – fazer tudo para que os povos indígenas
-americanos, que estão na bacia amazônica, voltem a ser sujeitos de sua história, também
uma pastoral de conjunto com prioridades de sua história religiosa;
diferenciadas para criar um modelo de de­ – promover e assumir o respeito às cultu­
nº- 320

senvolvimento que privilegie os pobres e sir­ ras, tradições, costumes, crenças, organiza­
va ao bem comum. Apoiar, com recursos hu­ ções e ritmos da gente da Amazônia;

ano 59

manos e financeiros necessários, a Igreja que – assumir a opção preferencial pelos mais
vive na Amazônia” (n. 475). pobres e excluídos desses territórios;

De fato, já antes de Aparecida, a CNBB – defender os direitos humanos e parti­


Vida Pastoral

havia criado em 1997 a Comissão Episcopal cularmente os direitos dos povos indígenas,

24
ribeirinhos, afrodescendentes e periferias
urbanas; Nunca pare de sonhar
– trabalhar no sentido do respeito e cui­ O presbítero que ama Jesus
dado pelo meio ambiente, pela ecologia, na e sua Igreja
Amazônia;
– procurar ter incidência nas políticas Jésus Benedito dos Santos
públicas de caráter local, nacional e interna­
cional em favor da Pan-amazônia e dos diver­
sos territórios amazônicos;
– caminhar junto com as populações lo­
cais, com os povos indígenas e outros grupos
vulneráveis para apoiar, articular, formar
agentes locais e capacitar lideranças.
Esta é a Repam, que vai se desenvolvendo
cada vez mais. Contudo, o caminho a percorrer
é longo. Por seu lado, a Comissão Episcopal
para a Amazônia, além de ser também integran­
te da Repam, realiza um programa próprio na
Amazônia Legal do Brasil. Um dos mais recen­
tes eventos foi o II Encontro da Igreja Católica
na Amazônia Legal, realizado em Belém (PA),
256 págs.

de 14 a 16 de novembro passado. Ali foram


apresentados os maiores desafios evangelizado­
res atuais da região. Eis alguns, a seguir. Este livro é um convite a todo cristão
católico a continuar sonhando o
Poucos operários na vinha sonho do Concílio Vaticano II – um
trabalho para colocar o mundo
do Senhor moderno diante do Evangelho de
Faltam missionários/as. Sobretudo, minis­ Cristo. No espírito do Concílio
tros ordenados, de modo particular sacerdotes. Vaticano II, o presbítero deve ser no
Todos nós, bispos, sabemos o que significa não meio da humanidade uma centelha
ter padres ou ter poucos padres. Isso faz uma de luz a direcionar o caminho para
diferença substancial. Sabemos que não só os Deus. Para isso, não basta gostar
de ser presbítero; é preciso amar
padres podem e devem ser missionários, mas e viver como presbítero, amando
também consagrados/as não ordenados e lei­ Jesus e sua Igreja.
gos/as. Mas a falta de padres torna tudo extre­
Imagens meramente ilustrativas.

mamente mais precário e difícil. Basta lembrar


que um rebanho sem pastor corre grandes e
constantes riscos de se perder. Só um padre
(ou bispo) é pastor por completo. Os sacra­
nº- 320

mentos do cotidiano dos cristãos – eucaristia,


Vendas: (11) 3789-4000
confissão e unção dos enfermos –, só o padre 0800-164011

ano 59

(e o bispo) pode administrar. Como os cristãos SAC: (11) 5087-3625


podem desenvolver uma vida cristã plena e co­
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
munitária sem esses sacramentos? Repito, são

paulus.com.br
Vida Pastoral

sacramentos da vida cotidiana dos nossos cris­

25
tãos. Se é “a eucaristia que faz a Igreja”, se ela é Todos estes missionários/as precisam de
“o banquete da vida”, forma a comunidade e a formação adequada para as circunstâncias
alimenta, então entendemos quanto se torna culturais, sociais e históricas daqueles povos.
precária a vida de quem só a recebe uma ou Faltam recursos financeiros, instituições e
outra vez na vida. A confissão dos pecados é formadores.
igualmente um sacramento essencial para os
cristãos. Nossos católicos querem se confessar, A evangelização dos povos
pois a confissão lhes dá a certeza do perdão de indígenas
Deus e da paz com Deus. Jesus morreu para o Este é outro grande desafio para a Igreja
perdão dos pecados, dizem as Escrituras. Se­ na Amazônia. Primeiro, porque é preciso en­
gundo o Evangelho de João, Jesus ressuscita­ frentar com seriedade e sabedoria a incultura­
do, ao aparecer aos apóstolos, ção do evangelho na história e
soprou sobre eles e disse: “Rece­ “Parece cada cultura, na religião, costumes e
bei o Espírito Santo. Aqueles a vez mais difícil vida cotidiana dos diversos povos
quem perdoardes os pecados, encontrar indígenas. Muito pouco se conse­
ser-lhes-ão perdoados; aqueles
missionários que guiu fazer até hoje. A fé cristã foi
aos quais os retiverdes, ser-lhes­ inculturada, nos primeiros sécu­
-ão retidos” (Jo 20,22-24). No aceitem morar los, na cultura europeia, origi­
Evangelho de Lucas, Jesus res­ com os indígenas. nando assim um cristianismo eu­
suscitado diz aos seus apóstolos: Antigamente, isto ropeu. Foi uma inculturação
“Assim está escrito que o Cristo era normal” bem-sucedida. Porém, os missio­
devia sofrer e ressuscitar dos nários, que da Europa se espalha­
mortos ao terceiro dia, e que, em seu nome, ram pelo mundo e finalmente também no
fosse proclamado o arrependimento para a re­ Novo Mundo (as Américas), implantaram esse
missão dos pecados” (Lc 24,46-47). Também o cristianismo europeu por toda parte. As cultu­
sacramento da unção dos enfermos, instituído ras originárias desses povos foram quase total­
por Jesus, quando manda seus discípulos un­ mente ignoradas, quando não destruídas pe­
gir os doentes e rezar sobre eles, é profunda­ los colonizadores. A Igreja sempre esteve
mente desejado pelo católico às portas da mor­ consciente da necessidade da inculturação da
te. Aliás, estes três sacramentos – eucaristia, fé em todas as culturas, mas por diversas cir­
confissão e unção dos enfermos –, a Igreja os cunstâncias, entre as quais o temor do surgi­
oferece a quem está para morrer. É o momento mento de Igrejas nacionais separadas, muito
decisivo da vida desta pessoa. Às vezes, tanto pouco conseguiu realizar neste campo nas cul­
fazemos para converter as pessoas e as chama­ turas não europeias.
mos para participar da vida comunitária, mas O papa Francisco, na Evangelii Gaudium,
na hora de sua morte estamos ausentes! Falta­ levanta de novo e decididamente a questão
mos no momento decisivo. Ora, quando nem da inculturação e diz:
há sacerdotes, como em tantas situações da
Amazônia, tudo é ainda mais precário e difícil “O cristianismo não dispõe de um
nº- 320

para os cristãos. único modelo cultural, mas permanecen­


Contudo, não faltam somente sacerdotes, do o que é, na fidelidade total ao anúncio

ano 59

mas também missionários leigos e consagra­ evangélico e à tradição da Igreja, o cristia­


dos não ordenados, que exerçam o ministério nismo assumirá também o rosto das diver­
da Palavra e tantos outros ministérios que sas culturas e dos vários povos onde for

Vida Pastoral

podem ser confiados a leigos/as. acolhido e se radicar. [...] Pela incultura­

26
ção, a Igreja introduz os povos com as a comunidade passa a ser evangélica – agora,
suas culturas na sua própria comunidade, sim, com um pastor residente com eles! Até os
porque cada cultura oferece formas e valo­ sociólogos alertam a Igreja Católica, dizendo
res positivos que podem enriquecer o que grandes contingentes de católicos das pe­
modo como o Evangelho é pregado, com­ riferias continuarão passando para os pente­
preendido e vivido” (n. 116). costais porque há poucos padres católicos re­
sidentes com os pobres das periferias da cida­
E mais adiante diz: “Não podemos pre­ de e do campo ou com os indígenas. Assim,
tender que todos os povos dos vários conti­ vamos perdendo muitos frutos do enorme es­
nentes, ao exprimir a fé cristã, imitem as mo­ forço e sacrifício de vidas inteiras dos antigos
dalidades adotadas pelos povos europeus missionários na Amazônia.
num determinado momento da história, por­
que a fé não se pode confinar dentro dos li­ A urbanização crescente e
mites de compreensão e expressão duma cul­ desordenada (o índio urbano)
tura. É indiscutível que uma única cultura A Amazônia, mesmo no meio da imensa
não esgota o mistério de Cristo” (n. 118). floresta, registra hoje um processo crescente
Sobre o temor de quebra de unidade da de urbanização. Já não são apenas rios e ma­
Igreja, Francisco diz: tas, com as populações indígenas e ribeiri­
nhas, os seringueiros e outros grupos da flo­
Se for bem entendida, a diversidade resta que compõem a realidade amazônica do
cultural não ameaça a unidade da Igreja. Brasil. Há uma onda de migração do interior
É o Espírito Santo, enviado pelo Pai e o para a cidade. Também de índios, o que cria
Filho, que transforma os nossos corações um novo grupo urbano: o índio urbano, total­
e nos torna capazes de entrar na comu­ mente desenraizado e despreparado para
nhão perfeita da Santíssima Trindade, competir na vida da cidade. A migração se dá
onde tudo encontra sua unidade [...]. É o principalmente em razão do abandono do in­
Espírito Santo que suscita uma abundan­ terior e das comunidades indígenas pelo po­
te e diversificada riqueza de dons e, ao der público. Todos tentam buscar soluções na
mesmo tempo, constrói uma unidade vida urbana. De fato, porém, a grande maioria
que nunca é uniformidade, mas multifor­ terá na cidade condições igualmente péssimas,
me harmonia que atrai (n. 117). quando não piores e irreversíveis. A Igreja tem
suas estruturas e sua presença maior nas cida­
O segundo grande desafio para a evangeli­ des, grandes ou pequenas. Sente-se envolvida
zação dos indígenas é a falta de sacerdotes que e exigida fortemente pelas necessidades do
convivam com eles. Parece cada vez mais difí­ povo urbano, e assim sua presença no interior
cil encontrar missionários que aceitem morar e junto aos índios se fragiliza. E como a Igreja
com os indígenas. Antigamente, isto era nor­ consegue lidar com o fenômeno do índio ur­
mal. Hoje, os índios se sentem cada vez mais bano? Eis aí grandes desafios!
distantes e carentes de uma convivência com
nº- 320

os missionários. Isso os faz sentirem-se esque­ Os megaprojetos de desenvolvimento


cidos, abandonados e fragilizados. É o que fa­ (hidrelétricas, mineração,

ano 59

cilita a entrada dos evangélicos pentecostais, desmatamento, soja e gado), a crise


que ali vão, fazem uma semana missionária ecológico-climática e a profecia.
sem que o padre saiba (porque não vive ali) e, Outro grande desafio evangelizador é a

Vida Pastoral

no fim, fazem um dos indígenas pastor e toda postura profética da Igreja na Amazônia diante

27
dos megaprojetos de desenvolvimento (hidre­ discriminação dos povos indígenas e das
létricas, mineração, desmatamento, agronegó­ comunidades tradicionais, ao inchaço das
cio: soja, gado, milho etc.), provenientes do go­ periferias pobres de nossas cidades. Uni­
verno e da iniciativa particular. Há décadas a mos a nossa voz a tantos que denunciam
Igreja na Amazônia decidiu posicionar-se criti­ que “este sistema exclui, destrói e mata”. Es­
camente diante desses projetos. Sofreu persegui­ tamos conscientes da nossa responsabili­
ções e mortes. Hoje, os megaprojetos se multi­ dade de denunciar os males e de anunciar
plicaram e seguem aceleradamente. A questão se a esperança do reino de Deus.
agrava, pois buscam lucros a qualquer preço,
seja social, seja ecológico: desmatam, contami­ Conclusão
nam solo, rios, atmosfera, destroem e degradam Termino com a palavra do papa Francis­
a natureza. E isso quando sabemos hoje, mais co, no encontro que teve com os bispos bra­
do que antes, seja pela Laudato Si’, seja pela sileiros por ocasião da Jornada Mundial da
COP21, que a crise ambiental é real, grave e ur­ Juventude, em 2013:
gente. No recente II Encontro da Igreja Católica
na Amazônia Legal, já citado, os participantes A Amazônia é como um teste decisi­
(bispos, sacerdotes, religiosos/as, leigos/as) di­ vo, um banco de prova para a Igreja e a
zem na Carta Compromisso: sociedade brasileira. [...] Desde o início a
Igreja está presente na Amazônia com
Os projetos predatórios que aqui se missionários, congregações religiosas, sa­
alastram, pelos rios e pelas matas, não le­ cerdotes, leigos e bispos, e lá continua
vam em conta os direitos da natureza, dos presente e determinante no futuro da­
povos indígenas e das comunidades tradi­ quela área. [...] Faz falta consolidar os
cionais, que, desde sempre, convivem em resultados alcançados no campo de for­
harmonia e respeito com o ambiente, na mação de um clero autóctone, inclusive
casa comum, dádiva milenar. O mito do para se ter sacerdotes adaptados às con­
progresso sem limites e do lucro a qual­ dições locais e consolidar, por assim di­
quer custo continua prometendo o sonho zer, “o rosto amazônico” da Igreja. Sobre
do paraíso aqui na terra, ao alcance de to­ isto peço, por favor, para serem corajo­
dos. Na realidade, assistimos à exclusão, à sos, para terem ousadia.

Deus e sua criação


Doutrina de Deus, doutrina da criação
Renold Blank
Esta obra apresenta uma doutrina que documenta, em estreita relação com a
Bíblia e, principalmente, com Jesus de Nazaré, o interesse de Deus pelos seres
humanos. Ao mesmo tempo, revela-se aqui um Deus criador, cuja atuação
dinâmica pode ser percebida também contra o pano de fundo de intelecções
Imagens meramente ilustrativas.

científico-naturais da cosmologia, física quântica e teoria do caos. Dessa


nº- 320

maneira, o autor aponta uma saída sólida do estreitamento no pensamento


judaico-cristão sobre a criação, um estreitamento novamente atual.
348 páginas

ano 59

paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 vendas@paulus.com.br


Vida Pastoral

28
O Messias inaudito e a
esperança messiânica do Filho
de Davi no Evangelho
de Marcos
Rita Maria Gomes*

Neste artigo refletiremos sobre o lugar e a função de alguns atributos,


conhecidos como “títulos cristológicos”, na apresentação de Jesus. Nosso
objetivo é, basicamente, mostrar que o evangelista Marcos usa esses
atributos de modo a revelar a pessoa de Jesus e sua missão, e ao mesmo
tempo, formar os seus discípulos de todos os tempos.

*Ir. Rita Maria Gomes, nj, é natural do Ceará, onde fez seus
estudos em filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará Introdução
(Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui gradua-
ção, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuí-
ta de Filosofia e Teologia (Faje), onde leciona Sagrada Escritu-
ra. É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem
O Evangelho segundo Marcos começa
com uma afirmação sobre o texto e so-
bre Jesus. Ali se diz “evangelho de Jesus, cris-
como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura. E-
to, filho de Deus” (Mc 1,1).1 Aquele texto é
nº- 320

-mail: ritamarianj@gmail.com
um evangelho, uma boa notícia, e esta diz
respeito a Jesus, que é chamado “cristo” e “fi-

ano 59

1 Manteremos o termo “cristo” em minúsculo por com-


preendê-lo em seu sentido primário de “messias”, e não

Vida Pastoral

como um segundo nome de Jesus, visto que o termo se


refere à sua missão.

29
lho de Deus”. Mas no evangelho se atribuem níveis internos, os eventos são narrados em
outras designações a Jesus, como “santo”, “fi­ âmbitos: transcendente e terreno.2
lho de Davi” e “filho do homem”. Assim as ocorrências do atributo em
Aqui refletiremos um pouco sobre o lu­ 1,11, 3,11, 5,7 e 9,7 correspondem ao nível
gar e a função de alguns desses atributos, co­ transcendente. A primeira e a última dessas
nhecidos como “títulos cristológicos”, na ocorrências encontram-se nos textos do ba­
apresentação de Jesus. Nosso objetivo é, basi­ tismo e da transfiguração, que são claramente
camente, mostrar que o evangelista usa esses teofanias, e as outras duas ocorrências do ter­
atributos a fim de revelar a pessoa de Jesus e mo estão em trechos classificados como exor­
sua missão e, ao mesmo tempo, formar os cismos. Nestes últimos o atributo “filho de
seus discípulos de todos os tempos. Deus” aparece na boca dos “espíritos impu­
A reflexão sobre os títulos ros”, o que de algum modo faz
nos ajudará, assim esperamos, a “Marcos é que todas essas ocorrências se
compreender a dinâmica da uma narrativa situem no âmbito transcenden­
narrativa de Marcos, a qual nem multinível que te. Nesses textos o “filho de
sempre é bem compreendida Deus” tem sentido distinto, por­
comporta ao
por aqueles que o leem. O certo que os personagens transcen­
é que um livro só se conhece menos três níveis, dentes já têm o conhecimento
lendo, por isso nossa aborda­ dois dos quais pleno da pessoa de Jesus.
gem propõe oferecer uma chave internos ao relato Já as ocorrências de Mc 1,1 e
de leitura desse texto. e um externo” 15,39 situam-se no âmbito do
terreno e não têm exatamente o
1. Os usos marcanos do atributo mesmo significado que nos textos anteriores.
“filho de Deus” É o sentido próprio dessas narrativas que
O atributo “filho de Deus”, que aparece buscamos ressaltar e delinear ao considerar o
logo no início, na abertura (1,1), reaparece uso do atributo “filho de Deus” dentro do
em Mc 3,11, 5,7 e 15,39. Encontramos ainda todo da trama narrativa de Marcos por meio
uma variação sua, na qual consta apenas o da relação estabelecida entre esses usos de
termo “filho”, em Mc 1,11 e Mc 9,7, nos epi­ “filho de Deus” e os outros atributos aplica­
sódios do batismo e da transfiguração, quan­ dos a Jesus na abertura e em suas retomadas.
do a voz vinda do céu, dirigindo-se a Jesus, o Assim, os usos na abertura (1,1) e na sua
chama “filho meu”. Consideramos ambas as retomada (15,39) se distinguem dos outros
formas como o único atributo “filho de Deus” usos ao longo do evangelho. Esses dois atri­
porque no fundo é essa a afirmação presente butos, “cristo” e “filho de Deus”, em Mc 1,1
nos textos. são uma apresentação inicial do narrador ao
No entanto, há uma distinção entre os leitor do evangelho, com quem estabelece
usos marcanos de “filho de Deus”, só percep­ uma relação especial (nível externo).
tível após análise acurada da dinâmica mes­ Ora, se, nos usos do âmbito transcenden­
ma da narrativa. Marcos é uma narrativa te, os personagens sabem exatamente quem é
nº- 320

multinível que comporta ao menos três ní­


veis, dois dos quais internos ao relato e um 2 A partir da distinção de três níveis de conflitos identifica-

dos por Elizabeth Struthers Malbon, chegamos à percep-


ano 59

externo. Os níveis internos correspondem ção dos três níveis narrativos em Marcos. Para maior apro-
aos eventos que se passam entre as persona­ fundamento sobre esses níveis, ver GOMES, Rita Maria.
Profeta taumaturgo e messias inaudito: o processo marca-

gens da narrativa, e o externo diz respeito à no de apresentação de Jesus messias. Faje, Belo Horizonte,
Vida Pastoral

relação entre o autor/narrador e o leitor. Nos 2017, p. 36 e 91.

30
Jesus por sua condição transcendente, como
vimos acima, o mesmo não ocorre com os Dicionário da Evangelii gaudium
personagens no âmbito terreno. Portanto, o 50 palavras-chave para uma
centurião romano não tinha maior consciên­ leitura pastoral
cia de quem era Jesus do que Pedro, ao con­
Paulo Suess
fessá-lo, ou do que o leitor, ao receber a in­
formação inicial na abertura.

2. Os atributos “cristo/messias”
e “filho de Davi”
Na abertura, Marcos diz “início do evan­
gelho de Jesus cristo”. O atributo de cristo ou
messias é primeiramente uma abreviação da
expressão “o ungido de Yhwh” (MOWIN­
CKEL, 1975, p. 8), e o significado desse títu­
lo vem, originalmente, da expectativa ou es­
perança de restauração de Israel que surge no
profetismo pós-exílico e tem sua expressão
na descendência de Davi (p. 21). Portanto,
tanto o atributo “cristo” quanto o “filho de
Davi” correspondem à expectativa messiâni­
192 págs.

ca real ou monárquica.
Em Israel, a figura do rei se molda com
Nem todos os envolvidos nos
base em um amálgama da realeza cananeia e processos pastorais de hoje têm
da organização tribal da qual Israel nasce tempo suficiente para ler as quase
como povo. Em Israel, o rei chama a si mesmo 50 mil palavras da Exortação
de “filho de Yhwh” (MOWINCKEL, 1975, p. apostólica Evangelii gaudium. A
70), ou seja, filho de Deus. No entanto, ele se partir de 50 palavras-chave, este
sabe “lugar-tenente” de Deus em sua função dicionário procura facilitar a
compreensão desse documento
real, consciente de que, antes de tudo, deve com propostas surpreendentes,
ser responsável por exercer a justiça. Daí po­ audazes e inovadoras, explícitas e
demos inferir que Marcos compreende “filho nas entrelinhas, que Papa Francisco
de Deus” na mesma linha de “filho de Davi”. enviou ao centro da Igreja.
Assim, os atributos de cristo, filho de Deus e
filho de Davi pertencem ao mesmo ambiente
Imagens meramente ilustrativas.

vital que é a realeza. O messias é “o que há de


vir”,3 é o esperado, e o esperado é um “filho de
Davi”, “filho de Deus”.
Ora, a perspectiva messiânica marcada
nº- 320

pelo “filho de Davi” aparece em três momentos Vendas: (11) 3789-4000


distintos em Marcos, nos quais o atributo 0800-164011

ano 59

consta três vezes em dois recortes diferentes. SAC: (11) 5087-3625

V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

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Vida Pastoral

3 Essa expressão é o título mesmo da obra de Sigmund


Mowinckel sobre o messias e o messianismo citado acima.

31
Analisaremos essas ocorrências porque são a C’37a o próprio Davi chama-o senhor,
base de sustentação de nossa intuição a respei­ B’ 37b e como dele é filho?
to da compreensão marcana dos dois atributos A’ 37c E a grande multidão o OUVIA com
messiânicos apresentados na abertura. Exami­ prazer.
naremos mais detalhadamente ainda Mc Observemos que o verbo “falava”
12,35-37, pois esse recorte traz claramente (éleguen) no início (A) se relaciona com o
uma reflexão do autor sobre o “filho de Davi” e verbo ouvia (ēkouen) do final (A’); Jesus “fa­
os ensinamentos dos escribas re­ lava ensinando” e a multidão
ferentes a ele. “O messias é o “ouvia-o com prazer”, ou seja,
Em Mc 10,46-52 temos que há de vir, é estão no mesmo campo semân­
duas ocorrências do título, no o esperado, e o tico da comunicação. O termo
vocativo. O cego Bartimeu diri­ “filho” (hyiós) e o verbo “é” (es-
ge-se a Jesus nestes termos: “Je­
esperado é um tín) formam um claro paralelo
sus, filho de Davi, tem compai­ filho de em B e B’, além do nome Davi,
xão de mim!” No capítulo se­ Davi, filho que se relaciona com o pronome
guinte, na entrada triunfante em de Deus” pessoal genitivo “dele” (autou). E
Jerusalém, o título não aparece, essa relação é marcada princi­
mas Jesus é aclamado como o rei esperado palmente pela questão da possibilidade da
(cf. Mc 11,1-10[11?]): “Bendito o que vem filiação davídica do messias e indicada pelo
em nome do Senhor, bendito o reino que advérbio interrogativo “como”. Os inícios
vem, o de nosso pai Davi”. E isso o relaciona dos versículos 36 e 37, respectivamente C e
manifestamente com a espera messiânica do C’, são praticamente idênticos: autòs Dauid
filho de Davi. eipen e autòs Dauid léguei. A diferença encon­
Até esse momento, não aparece nenhuma tra-se no verbo “dizer” (légo), que ocorre de
avaliação, nem positiva nem negativa, desse modo diferente no v. 36 e no v. 37. Em nossas
atributo por parte do evangelista, nem como traduções, esse paralelismo desaparece, por­
comentário do narrador nem na boca de Jesus. que não é possível traduzir com o mesmo
A avaliação vem apenas em Mc 12,35-37, no verbo. Eles começam exatamente da mesma
contexto das discussões com os diferentes forma, “o próprio Davi”, e depois se distin­
grupos judaicos no templo. É sobre esse texto guem ao destacar o “Espírito Santo” pelo qual
que nos debruçaremos com maior atenção. Davi fala e o nome “senhor”, pelo qual Davi
Mc 12,35-37, uma controvérsia entre se dirige ao messias. No centro (D) fica a cita­
tantas de uma unidade de controvérsias situ­ ção do Sl 110,1. Em 36b temos a resposta
ada no templo, está organizado de modo a dada pela Escritura para a questão da filiação
ressaltar o que está no centro, como se vê davídica do Messias.
abaixo: Portanto, o eixo central desse texto é a
A 35a E tendo tomado a palavra Jesus FA- relação do Messias com a figura de Davi. Afi­
LAVA ensinando no templo nal, o messias é “filho de Davi” ou “senhor de
B 35b como dizem os escribas que o Cris­ Davi”? A apresentação desta relação aproxi­
nº- 320

to é filho de Davi ma-se muito de uma das regras que os anti­


C 36a o próprio Davi disse no espírito gos usavam para a interpretação de textos das

ano 59

santo Escrituras, segundo a qual se chega a um co­


D 36b disse o senhor ao meu senhor: nhecimento maior de determinado evento ou
senta-te à minha direita até que eu ponha os

personagem pela comparação, para assim ve­


Vida Pastoral

inimigos teus debaixo de teus pés. rificar quem é maior (pesado) e quem é me­

32
nor (leve).4 Ainda que não se possa provar
que essa regra tenha sido usada aqui, o que se Sujeitos no mundo e
deduz do texto concorda com o esquema de
na Igreja
interpretação dos antigos, pois mostra que
aquele que é chamado Senhor é maior (mais João Décio Passos (org.)
pesado) que aquele que chama ou se refere a
outro como “seu senhor”.
A forma do texto, como dissemos acima, é
uma controvérsia que, em Marcos, é apresen­
tada secundariamente num monólogo de Je­
sus. Mateus faz tal controvérsia aparecer em
sua pureza, uma vez que insere a questão con­
trovertida num diálogo entre Jesus e os fari­
seus. Se assim é, podemos intuir que o am­
biente vital que dá origem a esse texto é a ca­
tequese, pois a preocupação é esclarecer um
dado importante da identidade do messias.
Se a forma do texto é uma espécie de
controvérsia e seu ambiente vital é a cateque­
se, então sua intencionalidade se revela como
344 págs.

uma correção da ideia, certamente corrente,


da filiação davídica do messias. Isso significa
que o autor marcano pretendia acentuar a su­ A Nova Evangelização passa pela
perioridade do messias Jesus em relação à ação missionária, que prepara
expectativa do messias real cristalizado na fi­ verdadeiros discípulos de Jesus
Cristo no mundo e para o mundo.
gura de Davi. O messias não descenderia ne­
Nesse sentido, cresce na Igreja do
cessariamente de Davi. Brasil o interesse das dioceses pela
O texto por trás da citação marcana do Sl criação dos Conselhos Diocesanos
110,1 é a versão da LXX, e a principal altera­ de Leigos, visando aprofundar sua
ção de Marcos em relação à sua fonte vetero­ identidade e atuação. É preciso
testamentária é a mudança do substantivo “es­ juntar forças, unir-se na mesma
ação evangelizadora, partilhando
cabelo” (hypopódion) pela preposição “debai­
sonhos e desejos, convocando
xo” (hypokátō). Essa alteração se justifica pela todos os batizados para uma
intenção teológica do evangelista de relativizar reflexão sobre a missão da Igreja
o messianismo de tipo real, no qual a imagem não apenas para os leigos, mas
Imagens meramente ilustrativas.

do “escabelo para os pés” era clara demonstra­ com os leigos.


ção da submissão dos reinos inimigos ao rei
mais poderoso. Em Marcos, a submissão dos
inimigos ao messias não se expressa primeira­
nº- 320

mente no quadro de uma monarquia, mas é Vendas: (11) 3789-4000


muito mais ampla, uma vez que o inimigo é 0800-164011

ano 59

SAC: (11) 5087-3625


4 Para maior aprofundamento sobre as regras do midrash,
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
cf. ARANDA PÉREZ, Gonzalo et al (Org.). Literatura judía

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intertestamentaria. Estella (Navarra): Verbo Divino, 1996,


p. 527.

33
satã e seu reino, em antítese com o Senhor e lho de Jesus cristo, filho de Deus”. Os dois
seu reino (MALBON, 2009, p. 43-46). atributos aplicados a Jesus são retomados
Os textos veterotestamentários que fun­ posteriormente: o de cristo/messias é reto­
damentam a expressão “filho de Davi”, ou mado em Mc 8,27 e o de filho de Deus em
melhor, a expectativa messiânica de um “fi­ Mc 15,39.6 Olhando assim, esse grande arco
lho de Davi”, são basicamente 2Sm 7,1-17 e não só parece evidente, mas também in­
1Rs 11,36, nos quais encontramos a promes­ questionável. A questão que levantamos é:
sa de uma linhagem davídica. com essa organização se resolve
Em 2Sm 7,1-17 temos a “A primeira coisa tudo? Ela deixa clara, sem som­
promessa de que Deus mesmo que Jesus faz, em bra de dúvida, a afirmação por
vai construir uma casa para Marcos, é chamar excelência de Marcos a respeito
Davi. A casa é claramente a des­ de Jesus? Afinal, as confissões
os primeiros
cendência. Já em 1Rs 11,36, de Pedro e do centurião roma­
essa promessa é novamente afir­ discípulos, e estes no são o objetivo da obra ou os
mada por meio da imagem da o acompanham primeiros passos no reconheci­
lâmpada, também falando da todo o tempo” mento da messianidade de Je­
descendência de Davi sobre o sus e de adesão ao seu messia­
trono. Nesses dois textos se enraíza a pro­ nismo? Como Marcos compreende esses
messa messiânica real de um “filho de Davi”. atributos cristológicos?
Essa promessa é igualmente retomada nos Consideramos que tal divisão não ajuda
Salmos 89,30-38 e 132,11-12, reafirmando a muito a perceber a grande afirmação marca­
perenidade da descendência davídica no tro­ na da messianidade inaudita de Jesus. Para
no. Assim se consolida a esperança messiâni­ Marcos, Jesus é messias, filho do homem­
ca davídica. -servo padecente. Com o clássico arco divisó­
É essa esperança messiânica que o texto rio baseado nos atributos “cristo” e “filho de
marcano relativiza ao retomar o Sl 110,1, no Deus”, a revelação messiânica de Jesus se
qual Davi, falando no Espírito Santo, chama obscurece. No entanto, se partimos de seus
o messias de Senhor. A visão cristológica deslocamentos e ensinamentos, por palavras
mostra claramente a superioridade do mes­ e ações, aos discípulos e às multidões, o mes­
5
sias inaudito ao questionar sua filiação daví­ sias inaudito surge com toda sua força.
dica. O título κύριος o coloca numa superio­ Assim, defendemos uma organização do
ridade indiscutível em relação a Davi. evangelho fundamentada nas indicações geo­
gráfico-teológicas do “mar da Galileia” (1,16–
3. O processo de revelação de Jesus 8,21), do caminho (8,22–10,52) e de Jerusa­
messias inaudito e a ressignificação lém (11,1–15,21). Essa organização permite
dos atributos messiânicos que a mensagem vivaz de Marcos venha à ple­
É conhecida a organização ou divisão do na luz, pois o Evangelho segundo Marcos não
Evangelho segundo Marcos com base nos tem uma narrativa linear, mas em forma de
chamados “títulos cristológicos” dados a Je­ espiral, e é nessa dinâmica narrativa que a per­
nº- 320

sus. A já clássica divisão de Marcos tem seu gunta “quem é este?” recebe respostas. Entre­
fundamento em Mc 1,1: “Início do evange­ tanto, estas respostas não são dadas pela via

ano 59

direta, e sim indireta, ou seja: é dizendo quem


5 Em nossa dissertação de mestrado, abordamos essas
questões e explicitamos essa nomeação de Jesus messias.

Vida Pastoral

Cf. GOMES, Rita. Jesus, o messias inaudito: hermenêutica 6 Essa organização encontra-se na introdução ao Evange-
do messianismo. Faje: Belo Horizonte, 2011. lho segundo Marcos na edição da CNBB.

34
não é o messias que ele revela o messias inau­ O inaudito da messianidade de Jesus é a
dito. Marcos mostra-se como caminho de cruz, e o sentido da cruz só se dá na ressur­
aprendizado de quem é o messias e de como reição. Por isso, aos três anúncios da paixão
ser discípulo desse messias inaudito. estão inseparavelmente unidos os anúncios
A primeira coisa que Jesus faz, em Marcos, da ressurreição.
é chamar os primeiros discípulos, e estes o Assim, a confissão do centurião romano
acompanham todo o tempo. É no convívio di­ deve ser compreendida na mesma dinâmica
ário com o mestre que o seguidor se faz discí­ da confissão de Pedro, ou seja, como um pri­
pulo, mas isso se dá ao longo de uma cami­ meiro passo no reconhecimento de Jesus
nhada, tanto que é na seção do “caminho” que messias, filho do homem-servo padecente, e
se dá a crise do discipulado. No primeiro não “filho de Deus”, conforme a visão terrena
grande momento, na seção do “mar da Gali­ do monarca descendente de Davi.
leia”, os discípulos escutam Jesus e se maravi­ Se Jesus, no primeiro momento do evan­
lham com sua autoridade ao ensinar, expulsar gelho, se dirige primeiramente aos judeus e
demônios e curar muitos e também por seu aos poucos vai alargando sua atuação junto
poder e autoridade ante as forças da natureza. aos gentios, a mesma dinâmica se verifica na
Eles são enviados em missão com a mesma au­ atuação dos discípulos. Os primeiros discí­
toridade do mestre, tudo parece correr bem. pulos de Jesus são judeus e têm na confissão
No entanto, na seção central (caminho), de Pedro sua representação; os discípulos
após a confissão de Pedro (“tu és o cristo/ gentios que virão são representados antecipa­
messias”), a harmonia entre os discípulos e o damente na confissão do centurião romano.
mestre parece desandar, pois a confissão de Portanto, a confissão do centurião não é o
Pedro desencadeia o primeiro de três anún­ termo da afirmação marcana de quem é Je­
cios da paixão. A partir daí, os discípulos não sus, mas o passo necessário do discípulo que
compreendem mais nada. Ora, confessar Je­ entra no caminho do mestre Jesus. Como a
sus “cristo” era pensá-lo como o enviado mo­ confissão de Pedro é abertura para o que vem
nárquico que traria a vitória sobre os inimi­ depois, assim a confissão do centurião abre
gos políticos de Israel – como ele poderia caminho para os discípulos que se seguirão.
morrer? É essa a reação imediata de Pedro, e
também de seus companheiros. A compreen­ Conclusão
são dos discípulos até aquele momento era a Marcos compreende a confissão de fé do
esperança messiânica real, monárquica. centurião romano na mesma linha da confis­
Por isso, em Mc 9,9-10, ao descerem da são de Pedro, como um primeiro passo na
montanha após a teofania da transfiguração, percepção de quem é o messias, cuja conti­
quando Jesus lhes ordena não contar nada a nuidade, consequentemente, é a desconstru­
ninguém até que o filho do homem tenha ção da ideia de vitória e de restauração, pas­
ressuscitado dos mortos, eles ficam pensan­ sando não só pela experiência da cruz, mas
do e discutindo entre si o que significaria também pela experiência da ressurreição.
esse “ressuscitar do mortos”. O evangelista O leitor, a quem é dada a informação de
nº- 320

insere aqui a chave de compreensão do mes­ que Jesus é cristo e filho de Deus logo no
sianismo inaudito de Jesus e da condição de início, pode pensar que é privilegiado em re­

ano 59

verdadeiro discípulo desse messias. É neces­ lação aos personagens internos à narrativa,
sário viver a experiência da morte e da res­ mas, ao final das contas, não está numa situ­
surreição para terminar o processo de apren­ ação tão melhor que os outros. Ele ignora a

Vida Pastoral

dizado, para ser definitivamente discípulo. intenção do evangelista de ressignificar mes­

35
mo os atributos que apresenta inicialmente. todas as suas nuances e com isso descons­
Em Marcos praticamente tudo ganha novo trua nossas falsas ideias e expectativas. Todos
sentido diante da pessoa de Jesus, e o evan­ os que quiserem saber “quem é este?” de­
gelista não pretende dizer que alguém está vem, necessariamente, acompanhar Jesus
errado ou equivocado, mas prefere demons­ para saber quem ele é de verdade, sem con­
trá-lo pela visão e audição do mestre Jesus. fusões ou distorções. Caminhemos, portan­
Ele deixa que o próprio Jesus se revele em to, com o cristo Jesus.

Bibliografia

ARANDA PÉREZ, Gonzalo et al (Org.). Literatura judía intertestamentaria. Estella (Navarra): Verbo
Divino, 1996.
BULTMANN, Rudolph. Historia da la tradición sinoptica. Salamanca: Sígueme, 2000.
GOMES, Rita. Jesus, o messias inaudito: hermenêutica do messianismo. 2011. Dissertação (Mestrado em
Teologia – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Belo Horizonte, 2011.
MALBON, Elizabeth Struthers. Mark’s Jesus: characterization as narrative Christology. Waco, Baylor
University Press, 2009.
MOWINCKEL, Sigmund. El que ha de venir: mesianismo y Mesías. Madrid: Fax, 1975.
NESTLE-ALAND. Novum Testamentum Graece. 27. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelegesellschaft, 1995.
RAHLFS, Alfred. Septuaginta, id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesesllschaft, 2006.
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal; São
Paulo: Paulus, 1998.

O Vaticano II e a política
Carlos Signorelli
A partir do Concílio Vaticano II, a Igreja passa a olhar o mundo,
a sociedade contemporânea e a modernidade de maneira mais
positiva. Vários documentos desse evento, principalmente a
Gaudium et Spes, vão oferecer uma palavra de incentivo àqueles
que se internam no mundo da política: “ir para a política” não é
mais um desejo de alguns; ao contrário, passa a ser um chamado
do Espírito.
Imagens meramente ilustrativas.
nº- 320

120 páginas

ano 59

paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 vendas@paulus.com.br


Vida Pastoral

36
homiléticos
Roteiros

Pe. Danilo César dos Santos Lima*

Também na internet:
vidapastoral.com.br

*Presbítero da Arquidiocese de 3º Domingo da Quaresma


Belo Horizonte e pároco da 4 de março
Paróquia de Santana. Mestre em
Sagrada Liturgia pelo Pontifício
Instituto Litúrgico Santo Anselmo, “Não façais da casa de
meu Pai uma casa de
em Roma, e doutorando em
Liturgia pela Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia (Faje), em Belo

comércio”
Horizonte. Membro da Celebra
– Rede Nacional de Animação
Litúrgica. Leciona nos cursos de
Teologia da PUC Minas e do
Instituto Santo Tomás de Aquino
(Ista), em Belo Horizonte, como
I. Introdução geral
professor de liturgia fundamental, A Quaresma é um tempo oportuno para revisitarmos a
homilética, sacramentos da nossa condição batismal, o que implica guardar o precioso
nº- 320

iniciação cristã e sacramentos do


tesouro da fé, que brota da obediência à Palavra de Deus. Sem
nº- •320

serviço. Leciona também nos


cursos de pós-graduação em verdadeira escuta das Escrituras, não é possível a fé. Mas o
59 •59

Liturgia da Unisal (SP). “Pastoral


Deus que nos fala na Bíblia fala igualmente na criação, na his­
• ano

numa Igreja em saída” e “Liturgia


cristã”, na Faje, BH. tória do povo, nos acontecimentos da vida e, de modo espe­
• ano

cial, nas celebrações. Na liturgia, a Igreja comunica a Palavra


Pastoral

do Senhor pela proclamação das Escrituras e pelos sinais e ri­


Pastoral

tos que dela extraem o seu significado (cf. SC 24). Contudo,


VidaVida

37
Roteiros homiléticos

quando os ritos e símbolos perdem seu vín­ trata de um deus estranho, mas daquele que
culo com a Palavra, e assim também a vida já é conhecido, na sua potência do seu ato
cristã, a liturgia e demais expressões religio­ criador e na força de seu braço libertador. Os
sas podem se degenerar em idolatria. mandamentos são frutos da salvação do povo
e da sua fé no Deus que o criou. Não são exi­
II. Comentário dos textos gências preceituais sem história e sem uma
bíblicos relação que as preceda e sustente. Estão fun­
Na sequência do itinerário quaresmal, a damentados numa experiência e num credo e
comunidade que adentrou com Jesus o de­ podem, por isso, ser observados como res­
serto para vencer o adversário (domingo das posta àquele que é o proponente da aliança.
tentações) subiu ao monte para reconhecer Em relação ao evangelho, a primeira lei­
sua identidade filial e o apreço amoroso que tura tem uma função didática de nos apre­
o Pai lhe devota (domingo da transfiguração). sentar o horizonte do agir de Cristo e do
Seguindo os passos do Filho de Deus rumo à povo. A recordação da libertação e do sentido
Páscoa, somos convidados a aprofundar a re­ do sábado, como advertências para que não
lação com o Deus da aliança, buscando puri­ se reeditem os males sofridos, servirá para
ficar nossa experiência religiosa, que encon­ entender o acontecimento da purificação do
tra no evangelho deste domingo um parâme­ Templo. Além disso, alguns elementos po­
tro: Jesus é a expressão maior de obediência e dem ser tomados em paralelo para apontar
de fidelidade a Deus, maior mesmo que o também um sentido tipológico dos textos. O
próprio Templo. Deus que libertou o povo da escravidão do
Egito manifesta-se na pessoa de seu Filho, li­
1. I leitura: Ex 20,1-17 – bertando-o de suas ações idolátricas. Na pri­
As dez Palavras meira leitura, evoca-se a Páscoa dos judeus;
Os dez mandamentos são chamados de no evangelho, a nova Páscoa da ressurreição,
“dez palavras” (decálogo), isto é, as palavras por meio da imagem do novo Templo que se
que, de modo proeminente, Deus entrega ao erguerá em três dias. Antes, a obra da criação
povo para que sejam observadas. Na versão é concluída com o repouso depois do sexto
do Êxodo (primeira leitura), o decálogo é dia. Depois, ao terceiro dia, após o repouso
introduzido por duas oportunas recorda­ de sua morte, sucede a recriação da humani­
ções: quem fala ao seu povo é o Deus liber­ dade na ressurreição de Jesus.
tador que o tirou da escravidão do Egito e
não tolera a idolatria, mas recompensa e 2. Evangelho: Jo 2,13-25 – Um ato
protege os que guardam a sua lei; ele é o de violência ou de solidariedade?
Deus que, depois de ter criado tudo o que Uma moldura abre e apresenta o evange­
existe, santificou o sábado como dia memo­ lho: a festa da Páscoa dos judeus comparece
rável do seu repouso. Mas é também o dia no início e quase ao final do relato (v. 13.23).
do repouso, da dignidade e da liberdade hu­ Entre esses dois versículos estão os elemen­
manas. Dessa forma, a lei de Deus, enquan­ tos característicos e decisivos do evangelho: a
nº- 320

to instituição anterior a qualquer outra, expulsão dos cambistas com o chicote em


existe para plenificar a vida do povo e para punho, o diálogo com os judeus e a glosa ex­

ano 59

que já não se reproduzam os esquemas de plicativa do evangelista a respeito da resposta


opressão do Egito. de Jesus aos judeus. Na área externa do Tem­
A enumeração dos dez mandamentos de­ plo existia um grande átrio que circundava o

Vida Pastoral

corre dessas afirmativas importantes. Não se santuário, chamado de soreg. Ali podiam en­

38
trar os pagãos e também ali se estabelecera o
comércio de animais para o sacrifício e os A loucura de Deus
cambistas. Na Páscoa, essa atividade era mui­ O Cristo de João
to intensificada. Esse mercado tinha a função
de impedir que o dinheiro pagão entrasse no Alberto Maggi
Templo, mas provavelmente não sem ágio...
Era também um esquema que impunha aos
peregrinos comprar ali animais que servi­
riam de oferenda para os sacrifícios. Longe
de ser um serviço aos romeiros do Templo,
a prática convertera-se em um sistema de
exploração, beneficiando não somente os
cambistas e vendedores, mas também a cas­
ta sacerdotal. Ou seja, a estrutura religiosa
do Templo estava de tal modo contaminada
pela ganância e pelo pecado que compro­
metia a sua real função de culto a Deus.
Diante dessa situação, Jesus reage vigorosa­
mente, à semelhança dos profetas que sem­
pre denunciaram os desvios das funções do
192 págs.

Templo como lugar de oração e de fidelida­


de. Já segundo um pensamento rabínico, o
Rejeitado pela família, de modo
Messias viria com um flagelo na mão para
que “nem mesmo os seus irmãos
instaurar um novo tempo. acreditavam nele” (Jo 7,5), e
Na fala de Jesus observa-se um sentido abandonado por grande parte
autoritativo: a expressão “casa de meu Pai” dos seus seguidores, para as
evoca sua relação singular com Deus. Mais autoridades judaicas Jesus é
que um ato violento, a expulsão dos vendi­ apenas um louco, um obcecado.
Somente um louco, um samaritano
lhões do Templo é gesto autorrevelador,
endemoninhado poderia, com
pois reuniu muitos elementos constitutivos efeito, denunciar os chefes
da identidade de Jesus: profeta, Messias e religiosos como filhos do diabo e
Filho de Deus. Convém lembrar que Jesus assassinos (Jo 8,48) e desejar o
reage à violência anteriormente praticada fim da instituição religiosa, que se
contra os pobres e humildes por meio da ex­ acreditava que fosse desejada pelo
próprio Deus.
ploração religiosa.
Imagens meramente ilustrativas.

Já a objeção dos judeus tem por trás uma


atitude de rejeição que denota falta de fé e
contrasta com a dos discípulos. Os judeus
lhe exigem uma comprovação, por meio de
nº- 320

um sinal, que justifique sua atitude. Já os dis­ Vendas: (11) 3789-4000


cípulos recordam as Escrituras, recorrendo 0800-164011

ano 59

ao Salmo 69, muito conhecido e apreciado SAC: (11) 5087-3625


na Antiguidade cristã como um salmo mes­ V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
siânico. A objeção, contudo, viabiliza a res­

paulus.com.br
Vida Pastoral

posta de Jesus, que não responde à questão

39
Roteiros homiléticos

apresentada. Falando do seu corpo, como


elucida a glosa do evangelista (v. 21), Jesus III. Dicas para reflexão
utiliza uma palavra em grego que se diferen­ O evangelho deste domingo termina afir­
cia do edifício Templo, naós, isto é, santuário, mando que Jesus conhecia o ser humano por
o lugar onde o Santo habita. O verbo destruir dentro. A Quaresma, como tempo de revisi­
(o Templo) aludiu à sua morte, e o verbo er­ tar nossa adesão a Jesus, dada por meio do
guer à sua ressurreição. Este é o único sinal batismo, supõe deixar de lado qualquer sinal
que Jesus lhes apresenta, em perspectiva fu­ de religiosidade que nos distancie daquele
tura: seu corpo ressuscitado, erguido ao ter­ que purificou o Templo de Jerusalém. A cruz
ceiro dia, é a morada de Deus, pois em Jesus e ressurreição de Jesus são ápice e expressão
se realiza a fidelidade que já não se encontra­ de sua fidelidade a Deus. Auxiliados por esse
va no Santuário de Jerusalém. Deus que perscruta os corações, somos cha­
mados a rever nossas infidelidades e nossa
3. II leitura: 1Cor 1,22-25 real adesão à vontade do Pai.
– Os judeus pedem sinais O Templo, como santuário onde Deus
Entre os cristãos de Corinto, reinava ou­ habita, é o corpo morto e ressuscitado de Je­
tro tipo de violência e de idolatria: uma sus. O batismo nos insere nesse mesmo cor­
grande divisão entre pobres e ricos e, ainda, po de Cristo, fazendo-nos passar continua­
entre os partidos que lá se formaram – os de mente da morte para a ressurreição. Isto é,
Paulo, os de Pedro e os de Apolo, bem como em Cristo somos também santuário onde
entre os de origem judaica e os de origem habita Deus. A destruição do Templo implica
grega. Paulo era considerado pelos coríntios também fazer morrer em nós um tipo de re­
como um pregador de menor capacidade ligiosidade idolátrica para fazer surgir nova
em relação a Apolo e a Pedro. Contudo, em edificação em Cristo, na qual se dá uma ado­
sua pregação, o apóstolo muda o foco. Sem ração verdadeira.
defender-se mediante a sabedoria e a elo­ A Campanha da Fraternidade aborda
quência, afirma a cruz de Cristo, único sinal neste ano o tema da violência. A superação
apresentado como cerne da pregação da da violência pela via da fraternidade é re­
Igreja. A cruz responde, sim, à demanda quisito indispensável da vivência da fé cris­
dos que foram chamados, dos que guarda­ tã. O ato de Jesus no Templo deve ser consi­
ram a fé, isto é, dos que acolhem a Palavra derado como indignação contra outro tipo
de Deus, sendo considerada pelos judeus de violência que se pratica ao destituir e
como escândalo e como insensatez pelos explorar os pobres com argumentos religio­
gregos. Loucura e fraqueza para os seres hu­ sos, mas distantes de Deus. O novo cami­
manos, ela é expressão da sabedoria e da nho instaurado por Jesus supõe o enfrenta­
força divina. Esse é o cerne da Palavra que mento da violência com a Palavra da cruz,
gera a fé cristã e requer a adesão dos chama­ que vence com base naquilo que é aparente­
dos, contrariando a lógica dos que exigem mente loucura e fraqueza.
sinais e explicações, tal como a dos judeus Neste domingo convém recordar que o
nº- 320

escandalizados com Jesus no evangelho. A compromisso batismal comporta sensibilida­


cruz de Cristo é sinal que se afirma como de para com os irmãos e irmãs mais pobres.

ano 59

maior do que as nossas recusas e infidelida­ Nossas liturgias e demais instituições religio­
des, pois nela está presente o amor fiel de sas devem se pôr a serviço do soerguimento
Deus, que chegou a ponto de nos dar o seu

de tantos que têm a dignidade violentada pe­


Vida Pastoral

Filho único para que tenhamos a vida. los sistemas econômico, social e religioso. A

40
defesa e a solidariedade com os pobres e a
preocupação com a vida podem até ser lidas Bioética, saúde e
como atos de violência, mas são justa indig­
nação em favor dos que são sistematicamente
vulnerabilidade
Em defesa da dignidade dos
violentados pela exclusão. vulneráveis

4º Domingo da Quaresma Alexandre Andrade Martins


11 de março

“Tanto Deus amou


o mundo” – Um
amor que alegra e
revigora as forças
I. Introdução geral
Neste tempo da Quaresma, a caminho da
Páscoa, temos os ouvidos e o coração direcio­
nados para a experiência fundamental da fé
168 págs.

cristã: o amor de Deus que nos deu o seu Filho


único. Esse amor sem medidas é causa de júbi­
Em 2012, o tema da Campanha
lo para aqueles que buscam a libertação, o âni­ da Fraternidade abordava a
mo que nos estimula no caminhar rumo à vida questão da saúde pública.
plena. Deus move os acontecimentos e as pes­ Neste contexto, foi elaborado
soas, para que corram na direção da salvação um interessante subsídio para
que se aproxima, e faz que tudo concorra para pensar, a partir dos vulneráveis da
a reconciliação da humanidade. Neste Domingo América Latina e do Brasil, uma
bioética e uma teologia como
Laetare, experimentamos como a liturgia ante­ chaves de libertação, exatamente
cipa a plenitude que encontraremos na Páscoa como propõe o autor. O livro é
definitiva, por isso já nos alegramos com a sal­ um convite para “fazer bioética”
vação que se aproxima. de forma diferente, que permita a
todos ter mais qualidade de vida.
II. Comentário dos textos
Imagens meramente ilustrativas.

bíblicos
No domingo que passou, Jesus declarou
que o templo do seu corpo, destruído pela
morte, seria erguido em três dias na ressur­
nº- 320

reição. Neste domingo, o seu erguimento se


Vendas: (11) 3789-4000
dá na cruz e será causa de vida e salvação 0800-164011

ano 59

para todos os que acolhem, pela fé, o imenso SAC: (11) 5087-3625
amor de Deus. A morte e a ressurreição de
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
Jesus superam o pecado, são anteriores a

paulus.com.br
Vida Pastoral

qualquer boa obra que venhamos a praticar e

41
Roteiros homiléticos

demonstram o imenso amor de Deus pela e ordena que o povo se ponha em marcha.
humanidade. Na ressurreição de Jesus, so­ O texto ressalta o cumprimento da palavra
mos erguidos por Deus aos céus, repatriados de Deus comunicada pelo profeta Jeremias:
com ele para junto do Pai. a terra desfrutará do repouso por 70 anos
após a desolação da invasão, causada pela
1. I leitura: 2Cr 36,14-16.19-23 – idolatria e pela infidelidade. Depois desse
Que se ponha a caminho! “tempo pedagógico”, Ciro é movido por
A primeira leitura faz um resumo da his­ Deus para que repatrie o povo cativo. O de­
tória da destruição de Jerusalém e do Tem­ creto do rei é emblemático: “que o Senhor,
plo, do sequestro do povo de Deus como ca­ seu Deus esteja com ele, e que se ponha a
tivo do rei Nabucodonosor, rei da Babilônia, caminho”, pois recorda o caminho que o
e seu posterior retorno para a terra de ori­ povo fizera do Egito para a terra prometida,
gem, sob Ciro, o rei da Pérsia. Esse relato su­ guiado por Deus no deserto. A oração do dia
mário de uma longa trajetória faz importante ressoa essa convocação de fazer caminho
releitura da história do povo à luz de duas para a Páscoa de Jesus, que supera a Páscoa
importantes chaves que, como polos, mar­ dos judeus e a volta do exílio.
cam o compasso da história da salvação. Os
pecados da idolatria e da infidelidade que­ 2. Evangelho: Jo 3,14-21
bram a aliança, apartam o povo da sua terra, – Um amor que cura
das suas raízes, e violentamente destroem a O evangelho deste domingo é um trecho
vida. Na outra extremidade, a fidelidade de do colóquio entre Jesus e Nicodemos (cf. Jo
Deus, de modo insistente e paciente, inter­ 3,1-21). Trata-se de catequese batismal joani­
vém para que esse povo volte à relação de na que retoma nesta passagem, de modo figu­
aliança. A princípio, o texto dá a entender rativo, o relato da serpente de bronze. Con­
que a teimosia do povo venceu, pois este vém recordar esse episódio (cf. Nm 21,8-9),
chega a zombar dos enviados de Deus e a para compreender o sentido profundo de sua
desprezar sua mensagem, despertando o fu­ menção por Jesus. No deserto, o povo que
ror do Senhor. A invasão dos inimigos é lida murmurava injustamente contra Deus fora pi­
e compreendida como resultado da infideli­ cado por serpentes e muitos chegaram a mor­
dade, fruto de uma situação irremediável. rer. O incidente, interpretado como resposta
Em consequência disso, os inimigos des­ divina às injustas murmurações do povo, fez
troem tudo, o Templo e os muros da cidade, que Moisés intercedesse em seu favor. Seguin­
e levam o povo como prisioneiro para o exí­ do as determinações de Deus, Moisés ergueu
lio na Babilônia. Esse exílio é mais que uma uma serpente de bronze sobre uma haste para
punição ou vingança de Deus. Ele é símbolo que ficassem curados aqueles que, picados,
de um distanciamento que o povo anterior­ olhassem para ela. Ao contrário do que se
mente tinha tomado, distanciamento de pensa, Deus não envenena o seu povo com
Deus e da aliança. vingança e punição. O povo mesmo é que se
Contudo, invencível mesmo é o amor intoxica com o seu pecado e sua injustiça. As
nº- 320

de Deus pelo seu povo e a sua fidelidade. É ações de Deus são de uma compaixão que su­
isso que determina e rege a história da sal­ pera o veneno do pecado e da morte, estabele­

ano 59

vação. Já sob o reinado dos persas e sob o cendo-se como referencial e marco – serpente
novo modo de governar de seu rei, Ciro, o erguida – de cura e de perdão.
povo é reconduzido à sua terra. O rei decre­ No evangelho, a serpente é figura daqui­

Vida Pastoral

ta a reconstrução do Templo, em Jerusalém, lo que vai se realizar em Jesus. Ele é que será

42
erguido, levantado na cruz, para que a hu­
manidade seja salva de suas infidelidades e Uma nova evangelização
de seus pecados. A morte de Jesus na cruz Pastoral de conjunto e pastorais
realiza e supera aquilo que, em figura, fora orgânicas
anunciado no Primeiro Testamento. Jesus é
o novo sinal não apenas de cura, mas de sal­ João Bosco Oliveira e Aparecida de
Fátima Fonseca Oliveira
vação para todos os que creem. Mais ainda
do que Moisés, ele, na cruz, também inter­
cede pelo povo para que seja salvo por Deus.
Disso decorre o discurso sobre o julgamen­
to: a sentença já foi dada. Deus fez sua ofer­
ta máxima para a salvação: a vida do seu
Filho unigênito, que comprova o seu imen­
so amor pelo mundo. Não há contrapartida
diante de tamanha oferta, pois o imenso
amor de Deus foi já manifestado.
O julgamento, contudo, aguarda a acolhi­
da dessa sentença de amor e salvação. Ao pre­
ferir as ações maldosas, simbolizadas pelas
trevas, isto é, o pecado, o ser humano recusa a
oferta amorosa de Deus e afasta-se da luz. Ao
agir conforme a verdade, isto é, ao distanciar­
296 págs.

-se do pecado, o ser humano se aproxima da


luz e acolhe o amor e a salvação ofertados em O escopo desta obra contempla
Jesus Cristo. Embora o ser humano peque e um grande desafio: alcançar
reedite o pecado que envenena e mata, Deus a unidade e a integração das
reconta e aprofunda, na morte e ressurreição pastorais, movimentos, associações
de seu Filho, a invencível história de seu amor e serviços eclesiais em um trabalho
articulado com a diocese ou a
pelo mundo que se manifesta desde a primeira
paróquia. Nesta dinâmica de
aliança. Na cruz, lugar do erguimento do Fi­ profícua evangelização, os autores
lho, Deus revela a imensidão de seu amor. colocam, além de um embasamento
No deserto, aqueles que foram picados teórico, atividades e iniciativas
por cobra olhavam para a serpente e eram para ajudar na compenetração
curados. Metaforicamente, esse olhar pode­ das ações evangelizadoras, com
base nas Sagradas Escrituras e
ria remeter ao reconhecimento do pecado e
Imagens meramente ilustrativas.

no Magistério da Igreja. Notável


de seus malefícios. Esse reconhecimento te­ e sólida contribuição para o
ria sido a causa da cura do povo que mur­ desenvolvimento de uma ação
murava. Hoje, olhar para Cristo gera outro pastoral realmente atual.
tipo de reconhecimento: algo maior que o
nº- 320

pecado e maior que suas consequências – o Vendas: (11) 3789-4000


amor de Deus pelo mundo. O reconheci­ 0800-164011

ano 59

mento dos pecados vem em decorrência do SAC: (11) 5087-3625


que lhe é anterior: o amor de Deus que in­ V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
veste tudo para curar e salvar a humanida­

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Vida Pastoral

de, dando-nos o seu Filho.

43
Roteiros homiléticos

3. II leitura: Ef 2,4-10 – Deus nos vamos mortos por causa das nossas faltas. A
ressuscitou com Cristo união com Cristo faz do cristão um cidadão
Esse trecho da carta de Paulo aos Efésios do céu, e suas boas obras são fruto dessa
está fortemente marcado por uma constata­ união e manifestam já aqui essa participação
ção que reforça o raciocínio dos textos ante­ na ressurreição.
riores: é pela graça de Deus que somos sal­
vos, não pelas obras. Estas são também fruto III. Dicas para reflexão
do desígnio divino que nos arranca da morte A liturgia deste domingo recupera o amor
para vivermos a união com Cristo. Assim, a de Deus manifestado na cruz e na ressurrei­
alegria deste domingo quaresmal configura­ ção de seu Filho como o eixo da conversão,
-se como verdadeira bem-aventurança, pois é da salvação e da alegria. Somos salvos por
resultado do agir de Deus que nos faz partici­ um amor invencível. Nem nosso pecado nem
pantes da vida do seu Filho pela fé. A fé pode nossa teimosia fazem Deus desistir de nos
ser entendida aqui como resposta ao agir de pôr a caminho das realidades que celebrare­
Deus que nos salva, como adesão a Jesus mos na Páscoa.
Cristo, ao qual estamos unidos pelo batismo. O pecado arruína a vida estabelecida e
Essa leitura nos alerta fortemente contra uma desterra os fiéis de sua condição batismal de
compreensão meritória da fé cristã. Onde va­ filhos de Deus. É o pecado que nos exila de
lem os méritos, não pode haver salvação e o nossa condição de salvos pelo amor de Deus
agir de Deus é substituído pelo agir humano. e envenena o ser humano, produzindo vio­
Se valem os méritos, valem também a dispu­ lência, sofrimento, morte.
ta, a competência e a concorrência, que ge­ A alegria deste domingo nasce da graça
ram mais violência, pecado e morte. de Deus, não dos esforços humanos. A salva­
A arrogância gera o afastamento de Deus ção só encontra espaço na vida quando se
e dos irmãos, outro tipo de desterro que o reconhece que Deus age em favor do seu
pecado fabrica. Conviver com o arrogante povo, reconduzindo-o às fontes da salvação.
não só é desagradável, como também inútil. Seria muito conveniente refletir sobre o
Em seu fechamento e presunção, a arrogân­ tema da Campanha da Fraternidade, a vio­
cia cria obstáculos para a graça e para o agir lência, a partir do seu nascedouro: a intole­
divinos. O alerta de Paulo aos cristãos de rância, a arrogância. Não há espiritualidade
Éfeso diz respeito a um espírito que pode es­ genuinamente cristã sem humildade, sem es­
tar também entre os cristãos de hoje. A arro­ cuta e sem diálogo.
gância aparece em muitos comportamentos
que circulam por meio da internet e das re­ 5º Domingo da Quaresma
des sociais: intolerância religiosa, política, de 18 de março
gênero e raça... É preciso voltar à graça, pois
só ela nos concede a alegria da fé. Jesus, o grão
Outra é a compreensão da revelação cris­
tã: Deus nos premiou não porque nos com­ de trigo que
nº- 320

portamos bem, perfazendo um esforço ascé­


tico que nos leva ao orgulho de nós mesmos frutificou!

ano 59

e à arrogância que gera pecado. Deus nos


salvou por causa do seu imenso amor, por I. Introdução geral
A Quaresma, como tempo de conversão,

causa da abundância da sua misericórdia,


Vida Pastoral

que operou a salvação mesmo quando está­ supõe a transformação de quem se põe a ca­

44
minho da Páscoa (cf. domingo passado). Tal
transformação comporta genuína assimilação Por uma Igreja do Reino
da Palavra de Deus, na obediência, como es­ Novas práticas para reconduzir
cuta profunda – desde as entranhas! – onde o cristianismo ao essencial
essa Palavra deixa as suas marcas. Sem trans­
formação não é possível a aliança. Jesus é o Adriano Sella
modelo de aprendizagem da obediência pelo
sofrimento, pois, mesmo sendo Filho, se dei­
xou guiar pela vontade do Pai.

II. Comentário dos textos


bíblicos
Deus é glorificado quando a aliança se
concretiza na obediência de seu Filho, Jesus.
Os batizados, que revisitam sua vocação cris­
tã neste tempo da Quaresma, são chamados a
glorificar a Deus em sua vida, após o Cristo e
com ele. Exercendo a caridade, sinônimo de
amor concreto e solidariedade, os cristãos
prolongam o mistério de Cristo em sua vida
de discípulos e servos.
240 págs.

1. I leitura: Jr 31,31-34 – A aliança:


conhecimento verdadeiro de Deus “Menos mestres, mais
Em tempos de destruição, provocada pelo testemunhas; menos livros
religiosos, mais Bíblia.” Eis
exílio, o povo de Deus é convocado pela pro­
algumas pistas que o autor deste
fecia de Jeremias àquilo que pode verdadeira­ livro sugere, com a preocupação
mente propiciar uma reconstrução: a aliança. de promover no interior da Igreja
No pacto entre Deus e o seu povo, a recorda­ a renovação que muitos invocam.
ção do êxodo, feita por Jeremias, tem uma fi­ Das reflexões aqui presentes
nalidade importante: lembrar que Deus vai nasceu um percurso em que o
leitor, passo a passo, é colocado
fazer algo maior que fizera outrora. Se no Egi­
diante da realidade eclesial
to ele usara de força para retomar a casa de de hoje, sentindo-se estimulado
Israel, sua propriedade, agora, nestes dias, a dar sua contribuição para a
Deus usará de outra estratégia: imprimir sua renovação da mensagem.
Imagens meramente ilustrativas.

lei no coração e nas entranhas de seu povo.


Quando tinha sido tomado pela sua mão forte,
o povo violou a aliança com Deus. Na volta do
exílio, esse povo que experimentara a destrui­
nº- 320

ção do reino do Norte já não conhece a Deus, Vendas: (11) 3789-4000


pois busca os desconhecidos deuses pagãos 0800-164011

ano 59

(cf. Dt 11,28). Trazia a lei impressa exterior­ SAC: (11) 5087-3625


mente, mas não interiormente, nos corações. V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
Deus então promoverá um conhecimento

paulus.com.br
Vida Pastoral

tão verdadeiro, que o povo não precisará dos

45
Roteiros homiléticos

“mestres” que guardavam a lei. Noutra parte, o rendo, transforma-se em outros tantos frutos.
profeta denuncia que também eles não a co­ Mas o discurso inclui também um paralelismo
nhecem (cf. Jr 2,8), deixando brechas para o surpreendente: ao grão que cai na terra (v. 24)
povo buscar o culto aos falsos deuses. O co­ corresponde a sua elevação (v. 32); ao discípu­
nhecimento de Deus, anuncia Jeremias, será lo que odeia sua vida neste mundo (v. 25) cor­
tão disseminado, que todos, do menor ao responde o julgamento deste mundo (v. 31);
maior, buscarão a Deus. Já não será como ou­ ao Pai que honra o discípulo que odeia o mun­
trora, quando, por falta desse conhecimento, o do (v. 26) corresponde o Pai que glorifica o
povo vivia se aperfeiçoando na maldade e no seu nome (v. 28). O paralelismo nos oferece
crime (cf. Jr 4,22; 9,2). Nesse futuro descrito uma estrutura de compreensão do evangelho:
pelo profeta, Deus, tendo assim retomado o a disposição para a morte; a rejeição ao mun­
seu povo para si, perdoará a maldade e esque­ do e o seu julgamento; a honra recebida e a
cerá o pecado, que violaram a aliança. O texto glorificação do nome de Deus.
proclama uma verdadeira purificação espiri­ A disposição para a morte no discurso do
tual, que parte do interior, das entranhas e do grão de trigo e na elevação da terra nada tem
coração, na liberdade e no conhecimento. Não que ver com vitimismo ou masoquismo. É,
mais pela força, nem mesmo de Deus... na verdade, expressão maior do serviço e do
amor, capazes de gerar situações novas e fe­
2. Evangelho: Jo 12,20-33 – cundas: produzir muito fruto / atrair a todos.
Queremos ver Jesus A atitude contrária ao apego a si próprio é
A profecia de Jeremias, tratando do conhe­ que é proposta como caminho do seguimen­
cimento de Deus, prepara os ouvidos da co­ to e do serviço a Cristo. Serve o mestre quem
munidade para o evangelho, no qual se narra o segue, realizando aquilo que ele mesmo
que os gregos, em romaria para as festas, bus­ realizou. Nisto se dá a glorificação de Deus,
cavam conhecer Jesus por meio dos discípulos: de seu Filho (“o glorificarei”), e dos discípu­
“Senhor, gostaríamos de ver Jesus”. O verbo los (“o glorificarei de novo”).
ver, aqui empregado, pode isoladamente signi­ O julgamento do mundo é a cruz, que
ficar tão só “fazer contato” com Jesus. Mas o põe às claras a lógica de Jesus e do seu evan­
contexto sugere uma disposição de crer nele. gelho e a lógica deste mundo. O julgamento
O episódio parece desconectado da sequência, separa e distingue os que são de Cristo, por­
contudo aos gregos será dado conhecer o Filho que perfazem o seu caminho, dos que são do
do homem somente a partir da sua Páscoa. mundo, porque andam em sentido diame­
Eles pertencerão ao grupo dos que creram sem tralmente oposto. Jesus se dará a conhecer a
ter visto. Por isso, Jesus não responde, mas in­ toda a humanidade – simbolizada pelos gre­
troduz o discurso do grão de trigo, como me­ gos, que procuram vê-lo – por meio da cruz,
táfora da sua morte e ressurreição que haverão na qual se realiza o julgamento da humanida­
de produzir muito fruto – neste caso, os discí­ de e a glorificação de Deus.
pulos gregos que ali se apresentam como sinal
futuro desse frutificar. 3. II leitura: Hb 5,7-9 – Ele
nº- 320

A metáfora tem enorme força evocativa: o aprendeu a obedecer pelo


grão que não morre permanece somente um sofrimento

ano 59

grão. Dito de outra maneira e acrescentando A carta aos Hebreus é um grande tratado
um significado a mais: o grão que não morre sobre o fim do sacerdócio veterotestamentá­
como grão permanece somente um. A morte, rio, que se organizava por dinastia e tinha

Vida Pastoral

contudo, propicia nova situação: o grão, mor­ contornos e fundamentos exteriores e ritua­

46
listas. O autor proclama que, pela morte e
ressurreição de Jesus, se estabeleceu novo Jesus de Nazaré
sacerdócio, superior ao dos anjos que ser­
vem a Deus no céu, eterno como Melquise­ José Comblin
dec, do qual não se sabia a origem e o fim, e
contrário ao sacerdócio aarônico, porque
existencial. O pequeno trecho (vv. 7-9) per­
tence a uma unidade maior (vv. 1-10) em que
o autor, Barnabé ou Apolo, discorre sobre o
sacerdócio de Cristo, que era leigo e não per­
tencia a nenhuma casta sacerdotal. Por isso a
ênfase em seu caráter espiritual: é pela solida­
riedade com a humanidade, pelo sofrimento
e obediência, que Cristo é estabelecido como
sacerdote. Ele pode compadecer-se e interce­
der porque provou o sofrimento, a escola
onde aprendeu a confiar e obedecer. Sua ora­
ção (forte clamor e lágrimas) exprime sua en­
trega a Deus e dependência dele, não dos ri­
120 págs.

tuais praticados no templo. Sua obediência é


o culto verdadeiro e espiritual que agradou a
Deus e fez dele, Cristo, causa de salvação Pretendemos meditar sobre a
para os que lhe obedecem. vida humana, simplesmente
Causa espanto a afirmação: “Mesmo sen­ humana, de Jesus Cristo.
Queremos abordar Jesus de
do Filho, aprendeu o que significa a obediên­ Nazaré tal como os discípulos o
cia a Deus por aquilo que ele sofreu”. De ime­ conheceram e o compreenderam
diato poderiam surgir objeções: como o Filho quando caminhavam com ele
de Deus precisava aprender a obedecer? Deus pelas estradas da Galileia.
impôs o sofrimento ao seu Filho? Embora le­ Desejamos ver Jesus tal como
gítimas, as questões não levam em conta o ele aparecia quando ainda não
manifestava sua relação pessoal
alcance da encarnação e da solidariedade de com Deus; quando, aos olhos dos
Jesus para com a humanidade, que a partir discípulos, ainda era um homem,
dela é gerada. Segundo F. X. Durwell, ao as­ simplesmente homem.
sumir nossa humanidade, o Verbo assume
também o ser em construção. Ser humano é
Imagens meramente ilustrativas.

ser contingente, é estar em processo perma­


nente de acabamento. Como Verbo, Jesus é o
Filho gerado desde toda a eternidade; mas,
como homem, a sua humanidade precisa
nº- 320

crescer, ser constituída, construída. O sofri­ Vendas: (11) 3789-4000


mento, a cruz, a morte elevam a humanidade 0800-164011

ano 59

de Jesus, fazendo-a coincidir, na obediência SAC: (11) 5087-3625


filial, com a sua divindade. Por isso, Jesus V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
pode ser nosso eterno sacerdote, porque leva

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Vida Pastoral

à perfeição a nossa humanidade.

47
Roteiros homiléticos

mãos, como os judeus que, no tempo de Je­


III. Dicas para reflexão sus, o receberam em Jerusalém, aclamando:
A aliança com Deus se realiza quando “Hosana! Bendito o que vem em nome do Se­
acolhemos a sua lei no coração e nas entra­ nhor! Bendito seja o reino que vem, o reino
nhas, isto é, profundamente, não apenas de nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos
exteriormente. A religiosidade deve cola­ céus!” No Ocidente, a tradição romana fazia a
borar para que o cristão esteja disposto a recordação da Paixão, um domingo antes da
assumir livremente esta transformação in­ Páscoa, lembrando os momentos decisivos
terior e verdadeira. O profetismo bíblico da vida do Senhor. A convergência das duas
indica-nos o caminho de conhecimento de tradições na liturgia do rito romano ressalta o
Deus, decretando o vazio de uma religiosi­ messianismo de Jesus e a revelação de sua
dade imposta, meramente exterior ou mes­ identidade filial.
mo de fachada.
O mistério da cruz, simbolizado pelo II. Comentário dos textos
grão de trigo e anunciado pela elevação do bíblicos
Filho do homem, é um evento fecundo que A missa do domingo de Ramos é um rito
gera frutos de vida nova e de novos cristãos. estacional, isto é: a celebração, em uma de
A cruz é também o julgamento do mundo: suas modalidades – a mais solene –, é inicia­
ser de Cristo é servir a ele, servindo com ele. da em local remoto (estação inicial), fora da
Ser discípulo de Jesus implica comparti­ Igreja, e concluída no recinto sagrado (esta­
lhar com ele a imensa liberdade de si mesmo, ção final). A procissão é principiada pela pro­
estando disponível para o serviço como ex­ clamação do evangelho da entrada de Jesus
pressão da autodoação que gera frutos de em Jerusalém. O evangelho recorda três sim­
vida. bolismos: o cortejo, os ramos de oliveira e de
O sacerdócio de Cristo e dos cristãos se palmeira e o jumento. O cortejo festivo re­
realiza de modo existencial: na obediência a corda o caminhar dos discípulos que seguem
Deus que se fortalece e se comprova na soli­ as pegadas do Mestre e a acolhida de Jesus
dariedade. como rei, sinalizada pelo gesto de estender os
mantos para que ele passasse. Os ramos,
Domingo de Ramos e da Paixão do donde se extraía o azeite, eram uma forma de
Senhor aclamar Jesus como o Ungido, o Messias es­
25 de março perado. Já o jumento é simbolismo forte de

O Messias Jesus oposição: Jesus adentra a cidade pelo lado


leste, como Messias portador de paz e salva­

e o seu reinado ção, mas de forma humilde, e não imposta.


Esse simbolismo faz contraponto com a en­

de justiça e de paz trada de Pilatos e dos romanos, com as tropas


do império romano, pelo lado oeste. O gesto
tem, indubitavelmente, conotações políticas:
nº- 320

I. Introdução geral de um lado, a pax romana, que se firmava


A celebração do domingo de Ramos e da pela violência e pela intimidação; de outro, a

ano 59

Paixão do Senhor abre a Semana Santa, reu­ paz do Messias, que confronta o império com
nindo duas importantes tradições. Nas Igre­ humildade e serviço. A oração da coleta, con­
jas do Oriente, era costume imitar a entrada cluindo a procissão, recorda o exemplo de

Vida Pastoral

de Jesus na Cidade Santa trazendo ramos nas humildade dado por Jesus.

48
1. I leitura: Is 50,4-7
– O Servo, firme e sereno Fé viva
A profecia de Isaías recorda a enigmática Como a fé inspira a justiça social
figura do Servo do Senhor. Essa imagem foi,
desde sempre, muito apreciada pela tradição Curtiss Paul DeYoung
cristã como profecia do Cristo. O Servo ali
descrito elucida e reforça a humildade, a con­
fiança e a liberdade de Jesus. Assim como na
profecia de Isaías, Jesus é aquele que veio
confortar as pessoas abatidas. É ele que tem
os ouvidos excitados para, como bom discí­
pulo, ouvir e cumprir a vontade de Deus. Ele
não foge do perigo, não se resguarda nem se
protege, pois confia imensamente em Deus, a
quem chama de “meu auxiliador”. Sua liber­
dade consiste em não estar preso a si mesmo,
não fazer a própria vontade nem reagir à vio­
lência sofrida. Na sua mansidão, ele confia
absolutamente em Deus. Por isso sabe que
não sairá humilhado.
288 págs.

A figura do Servo impressiona pela sua


firmeza e serenidade. Ele não se dobra à vio­ Fé viva: como a fé inspira a justiça
lência, mesmo sofrendo humilhações (bofe­ social é um mergulho que o autor
tões e cusparadas) e torturas (costas espan­ faz na vida e nas palavras dos
cadas e barba arrancada). Ao contrário, ele líderes e ativistas que, inspirados
se oferece, apresenta-se para isso. Não se pela fé, trabalharam por mudanças
sociais no século XX. O objetivo
trata de masoquismo, mas de vigorosa de­
deste livro é mostrar como os
núncia profética: o reinado da violência está ativistas se tornaram pessoas
solapado em suas bases, pois se sustenta que desafiaram a sociedade
pelo medo que se sente e que se tenta pro­ e efetuaram mudanças. Esse
duzir. O reinado do Servo (Jesus) contraria conhecimento é importante para a
a maldade do mundo com o bem, com a jus­ formação de líderes do século XXI.
tiça e a mansidão.

2. Evangelho: Mc 15,1-39 – Este


Imagens meramente ilustrativas.

homem é o Filho de Deus


Estamos no fim da trajetória de Jesus.
Seus passos de pregador galileu itinerante
findam seu trajeto na cidade de Jerusalém,
nº- 320

palco da rejeição e da Paixão do Filho de Vendas: (11) 3789-4000


Deus. Os evangelhos são, na verdade, um 0800-164011

ano 59

grande prólogo para as narrativas da Paixão, SAC: (11) 5087-3625


o “grande ato” de uma história de amor entre V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

Deus e a humanidade. Neste domingo, esse paulus.com.br


Vida Pastoral

núcleo da fé poderia ser compreendido à luz

49
Roteiros homiléticos

de três grandes unidades ou blocos: o julga­ do pedagógico: ensinam aos seus seguidores
mento injusto diante de Pilatos, os açoites e que a trilha da glória humana situa a pessoa
escárnios de seus algozes, a crucifixão e mor­ ao lado de Pilatos e dos algozes de Jesus.
te de Jesus. Para nos colocarmos ao lado de Jesus, é ne­
No primeiro bloco (15,1-15), vemos a cessário sair da lógica deste mundo, não re­
motivação política da condenação de Jesus. A produzindo a maldade e a violência nem
pergunta que Pilatos lhe dirige revela o teor do respondendo com rancor e vingança.
julgamento: “Tu és o rei dos judeus?” A respos­ No terceiro bloco (15,20b-39), Jesus é
ta evasiva de Jesus não é fuga, mas postura crucificado e morto como malfeitor, fora da
isenta e crítica diante de um processo injusto. cidade (15,29). Ele continua sendo escarneci­
Não importaria o que respondesse Jesus, a do pelos judeus e rejeitado pelos passantes e
sentença estava dada. Pilatos é juiz sem auto­ pelas autoridades religiosas do Templo. Ele
nomia nem autoridade: pergunta à multidão e não toma a bebida anestésica que lhe dão, suas
ao próprio Jesus o que fazer. A condenação de vestes são repartidas, e acima de sua cabeça é
um homem justo é denunciada pela sua pró­ colocada uma inscrição com o motivo da sua
pria fala à multidão: “Mas qual mal ele fez?” condenação. Tudo compõe um quadro devi­
Entra em cena a figura de Barrabás, um bandi­ damente interpretado pela comunidade dos
do e assassino, apresentado pelo falso juiz seus seguidores: aquele que sofre na cruz sofre
como alternativa que satisfaria a multidão e injustamente, mas não perde a consciência
salvaria a sua própria pele. Jesus é julgado por nem a integridade. Sua morte tem caráter vo­
um poder corrompido, sem isenção e substi­ luntário e põe em contraste a maldade e a in­
tuído por um bandido cheio de culpa. Neste justiça. Tudo parece imerso em um turbilhão
contexto, vem à tona a identidade do Servo: histérico de maldade e de injustiça. Jesus pare­
mansamente ele não resiste nem reage, man­ ce ser o único que se mantém no eixo. Sua
tendo-se firme e sereno diante de tanta malda­ consciência aguda grita também o abandono
de. Entende-se que o nome de Pilatos tenha que sente da parte de Deus, com palavras do
figurado no símbolo da fé: “Padeceu sob Pôn­ Salmo 22: “Meu Deus, por que me abando­
cio Pilatos”. Isto é: Jesus, o inocente, foi con­ naste?” Mas sua morte desencadeia nova situa­
denado por um poder injusto e corrupto, in­ ção religiosa: o véu do Templo, que resguarda
capaz de julgar justamente. o Santo dos Santos, rasga-se de alto a baixo,
No segundo bloco (15,16-20a), Jesus é em duas partes. Não se trata de um tecido
açoitado e escarnecido pelos seus algozes. O qualquer, mas de uma indumentária de pro­
relato de Marcos é breve, mas suficiente porções monumentais e de grossa espessura.
para ressaltar a rejeição humana. Os tortura­ O culto a Deus se desloca do centro (Templo)
dores são soldados mercenários, que des­ para a periferia (Gólgota, fora dos muros), lá
prezam os judeus e aproveitam para de­ onde se realiza a vontade de Deus e onde bri­
monstrar isso. Mas o sofrimento, que em lha a glória do seu amor, da verdade e da ino­
muito recorda o Servo do Senhor da primei­ cência do seu Filho, a ponto de causar o reco­
ra leitura, não tem nada de masoquista. Os nhecimento de um pagão: “Verdadeiramente
nº- 320

cristãos recordam-se daquilo que é o cami­ esse é o Filho de Deus”.


nho verdadeiro para a glorificação na res­

ano 59

surreição. Não é certamente a violência nem 3. II leitura: Fl 2,6-11


a corrupção, mas o serviço, a humildade e a – O novo Adão
O hino cristológico da carta aos Filipen­

confiança em Deus é que conduzem à vitó­


Vida Pastoral

ria. Os sofrimentos de Cristo têm um senti­ ses retoma outro percurso, mais remoto e

50
subliminar: Cristo Jesus é aquele que, exis­
tindo em condição divina, não fez caso dis­ Diálogos noturnos
so, mas humilhou-se até a morte de cruz.
Recorda, em sentido oposto, o primeiro ca­
em Jerusalém
Sobre o risco da fé
sal, que não se conformou à sua condição
humana, mas arrogou a si o ser igual a Deus, Cardeal Carlo M. Martini e Georg Sporschill
comendo o fruto proibido. Enquanto Adão
e Eva foram desobedientes, não fazendo
caso do interdito divino, Jesus fez-se escra­
vo (servo) obediente até o extremo da mor­
te. Enquanto Adão e Eva foram rebaixados e
expulsos do paraíso, privados da glória ori­
ginal, Jesus, por humilhar-se na obediência
extrema, foi exaltado acima de tudo. Jesus
desfaz o percurso de Adão, esvaziando-se.
Na tentação, Adão ficou cheio de si ao igno­
rar a vontade de Deus. Jesus, ao contrário,
esvazia-se e por isso alcança para a humani­
dade aquilo que Adão fizera perder.
Mas esse hino é também uma lição para a
comunidade de Filipos, introduzida por um
precioso convite presente no v. 5, que não
160 págs.

consta na leitura proclamada nesta liturgia:


“Tende em vós o mesmo sentimento que ha­ Em Jerusalém falamos muito sobre
via em Jesus Cristo”, ao qual se segue o que os jovens de hoje, muitas vezes
ouvimos. O cristão é convidado a viver em noite adentro, embora eu tenha por
comunidade, fazendo dessa experiência uma hábito levantar cedo. Alimentamos
trajetória de esvaziamento de si mesmo a nossos sonhos. À noite as ideias
brotam mais facilmente que durante
exemplo de Jesus, seu modelo. Perfazendo a aridez do dia. O que espera a
esse caminho interior, tomando para si o sen­ juventude? E o que espera o mundo
timento de Cristo, cada um se une e vence da juventude? Um mundo difícil
com ele, que não fez caso do ser igual a Deus, exige seu engajamento.
mas preferiu a humildade. O esvaziamento e
a cruz são, pois, uma referência espiritual
para a comunidade.
Imagens meramente ilustrativas.

III. Dicas para reflexão


A morte de Jesus tem um sentido salvífi­
co: por seu caráter inocente e voluntário, ela
nº- 320

denuncia a maldade e implode um sistema Vendas: (11) 3789-4000


contaminado pela injustiça e pelo pecado. A 0800-164011

ano 59

morte de Jesus não foi em vão. Ela destruiu SAC: (11) 5087-3625
um sistema violento que gera morte e produ­
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

ziu um caminho aberto para a paz que é fruto paulus.com.br


Vida Pastoral

da justiça. É o antissacrifício que interrompe

51
Roteiros homiléticos

a máquina que produz sofrimentos injustos e sus uma vida nova, sem igual, pois só ele
desumanidades. O discípulo de Jesus con­ cumpriu a vontade do Pai.
templa sua morte e obtém luzes para perfazer
o seu caminho, seguindo o Mestre. Mas é II. Comentário dos textos
também aquele que luta contra as mortes in­ bíblicos
justas que ainda crucificam a tantos... Neste domingo da Páscoa, os cristãos são
A morte de Jesus é expressão maior de chamados a uma vida nova, que vence a
sua confiança no Pai e sua obediência a ele. A morte, as dúvidas, os medos e os vazios da
liberdade e a firmeza de Jesus não se dobram existência. A proclamação da fé cristã indica
ante a maldade. Ele mantém-se sereno em o resultado de viver como Jesus: alcançar a
seu lugar de Servo, de Filho, com extremada plenitude da vida e ser sinal de esperança
lucidez. Nosso desafio cristão consiste em para o mundo.
permanecer, nos momentos de crise e dificul­
dade, serenos e firmes contra a injustiça e a 1. I leitura: At 10,34a.37-43 –
violência, como Jesus. Passou pelo mundo fazendo o
A morte de Jesus desfaz o caminho de bem...
Adão. Seu despojamento da condição divi­ O querigma não é só um anúncio primei­
na, para obedecer ao Pai, restaura o que o ro que principia outros. É anúncio primor­
pecado das origens fizera perder. Jesus é o dial e estruturante, contido em toda a prega­
Novo Adão. ção da Igreja, dos primórdios até os dias de
hoje. O anúncio querigmático de Pedro con­
Os roteiros homiléticos do Tríduo Pascal tém todos os elementos da pregação primor­
(Ceia do Senhor, Paixão do Senhor e Vi­ dial da Igreja: conforme as Escrituras (v. 43a),
gília Pascal) podem ser acessados no site Jesus é o ungido de Deus para a missão (v.
da revista: <vidapastoral.com.br>. 38). Mas ele sofre a rejeição e a morte (v. 39).
Deus, contudo, concede-lhe a ressurreição
Domingo da Páscoa dos mortos, tornando-o Senhor e Juiz (v. 40-
1º de abril 42). Diante desse acontecimento, os discípu­

Buscai as coisas los fazem o convite à conversão (v. 43b). Es­


ses mesmos elementos estão presentes nou­

do alto, se de fato tras formulações querigmáticas e até mesmo


na liturgia da Igreja, que sempre proclama:

ressuscitastes “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e pro­


clamamos a vossa ressurreição. Vinde, Se­

com Cristo nhor Jesus!”


Embora o conteúdo pascal da pregação
querigmática seja o seu eixo fundamental, a
I. Introdução geral afirmação contida no versículo 38 é bastante
A morte de Jesus foi marcada pela fideli­ comovente: Jesus passou pelo mundo fazen­
nº- 320

dade, pela justiça e pelo amor. O Inocente foi do o bem e curando a todos os que estavam
condenado por um tribunal injusto... Contu­ com o demônio, porque Deus estava com ele.

ano 59

do, a sua ressurreição contém importante in­ Essa afirmação demonstra o jeito de viver da­
versão: a justiça de Deus, que é maior, reco­ quele que venceu a morte, isto é, o tipo de
nhece a inocência do Filho. O tribunal divi­

vida que o qualificou para a ressurreição. É


Vida Pastoral

no pronuncia sua sentença, conferindo a Je­ por isso que Jesus se torna modelo para os

52
discípulos, pois sua morte e ressurreição di­ assimilou o seu sentido último, o amor. Por
zem respeito ao modo como ele viveu neste isso, compreende os sinais no sepulcro vazio.
mundo: não para si, mas para os outros; não Ele tem, portanto, uma função propedêutica
autocentrado, mas deixando-se guiar por para os discípulos, sobretudo para Pedro, a
Deus. Aqueles que seguem Jesus poderão quem abre caminho para o Ressuscitado.
desfrutar vida nova se, imitando o seu modo Também por isso espera que o outro adentre
de vida neste mundo, se deixarem guiar por primeiro o túmulo; ainda assim, de fora, vê
Deus. Assim, o querigma continuará a ser os panos mortuários jogados ao chão e crê
anunciado existencialmente pelas obras de antes de Pedro...
seus discípulos. De Pedro diz-se que entra e vê também as
faixas de linho no chão, mas o pano que fora
2. Evangelho: Jo 20,1-9 – O amor posto sobre a cabeça de Jesus colocado num
que sinaliza a vida lugar à parte. Ele ainda está migrando do es­
O relato da ressurreição comporta ele­ cândalo da cruz para a convicção da ressur­
mentos oriundos de fontes diversificadas. reição. Continuará precisando do amigo que
Também o recorte operado pela liturgia in­ lhe conduza à fé no Ressuscitado. Só atingirá
terrompe a narrativa que tem no encontro a sua estatura no amor ao Mestre e na com­
de Madalena com Jesus ressuscitado o seu preensão das Escrituras.
ápice. Seja como for, a liturgia, nas suas op­ Os panos dobrados e as faixas ao chão,
ções, impõe-se e será necessário tirar o devi­ como símbolos, permitem inúmeras hipóte­
do proveito disso. ses. Entre as mais aceitas está aquela que
O relato começa com a menção do pri­ compara os panos mortuários de Lázaro
meiro dia da semana. Esta é uma marca co­ com os de Jesus. O primeiro sai atado do
mum aos textos da ressurreição e encontra túmulo, pois sua “ressurreição” é um sinal
ressonância e concretude no domingo, como provisório. Lázaro morreria novamente e
dia memorial por excelência do aconteci­ precisaria de suas mortalhas. Jesus ressusci­
mento fundador da fé. Maria Madalena foi ao tou uma vez por todas e já não precisará dos
túmulo quando ainda estava escuro e perce­ panos. Mas não faz mal associar as teorias:
beu a pedra do sepulcro removida. Sem en­ os panos no sepulcro contrariam a possibili­
trar no túmulo, ela recorre aos discípulos, dade de roubo do corpo de Jesus, pois la­
Pedro e o discípulo amado, que acorrem ao drão algum se daria ao trabalho de retirar os
local. Pedro, todos sabemos, é aquele que panos e transportar o corpo nu.
confirma a fé dos demais, por isso entra pri­ O relato da ressurreição, ao focalizar Pe­
meiro no recinto. O discípulo amado é um dro e o discípulo amado, dá-nos importantes
personagem impreciso, equivocadamente pistas para balizar nossa experiência de Pás­
identificado com o evangelista João. Entre as coa: não se chega à fé na ressurreição sem três
hipóteses possíveis, ele seria o protótipo do ingredientes básicos. Estes ingredientes estão
discípulo, construção que exprime um ideal, relacionados à pessoa do discípulo amado e a
uma meta de seguimento. O fato de um cor­ Maria Madalena. O amor é o primeiro ingre­
nº- 320

rer atrás do outro poderia ser esclarecido diente: tanto o discípulo amado quanto Maria
com base nessa ideia de meta, pois, no Evan­ Madalena fazem a experiência do amor ao

ano 59

gelho de João, Pedro está referenciado ao dis­ Mestre, a qual, para Pedro, será mais tardia. O
cípulo amado ao menos cinco vezes. Este segundo ingrediente é a comunidade: Pedro
corre à frente também porque experimenta o

precisa do anúncio de Madalena e da guia do


Vida Pastoral

amor e, tendo sido fiel no momento da cruz, seu companheiro de corrida, que o introduz

53
Roteiros homiléticos

no sepulcro e no contato com os sinais. Por do-se guiar por Deus. Fazer a experiência da
fim, a compreensão das Escrituras será sempre ressurreição tem que ver com o modo de vida
a chave última para acessar a ressurreição! que a comunidade assume: a vida de Jesus.
A ressurreição, como experiência, supõe
3. II leitura: Cl 3,1-4 – Ressurreição o amor, a comunidade e o conhecimento das
para já! Escrituras. Estamos todos como o discípulo
A ressurreição de Cristo desencadeia um Pedro: em processo de busca e encontro do
modo de vida que começa desde já. Paulo Ressuscitado. Somos todos como Madalena e
está se dirigindo a uma comunidade que o discípulo amado: cremos à medida que
ainda vive no seu tempo, historicamente. amamos e conduzimos outros a essa mesma
No entanto, afirma que eles já são ressusci­ experiência.
tados com Cristo. Como pode, se ainda não A morte e a ressurreição são mistérios vi­
morreram? A ressurreição não é aconteci­ vidos hoje, neste mundo. Não são realidades
mento para depois da morte? O discurso só para depois... Os batizados morrem com
pode ser entendido à luz do batismo, que, Cristo e ressuscitam com ele. Por isso devem
segundo o apóstolo, pela fé, reproduziu na orientar sua vida para o alto e continuamente
vida do cristão a experiência de morte e res­ morrer para as coisas terrenas, isto é, para o
surreição (cf. Cl 2,12). Assim, o cristão, que modo de vida que não é o de Jesus.
está inserido em Cristo pelo batismo (v. 3),
tendo morrido com ele, já desfruta dessa 2º Domingo da Páscoa
vida nova que é própria dele. A ressurreição 8 de abril
de Jesus contagia já os que ainda estão a ca­
minho e se dispuseram a morrer para as coi­ O testemunho
sas terrestres (v. 2).
Mas é possível viver como mortos e ressus­ comunitário da
citados em Cristo? O discurso do apóstolo faz
supor que sim. Em primeiro lugar, pela ligação ressurreição
dos discípulos e batizados com Jesus. Eles têm
a sua vida escondida com Cristo, em Deus (v. I. Introdução geral
3). Então, na vida de cada discípulo e da comu­ O tempo pascal amplia a experiência da
nidade, opera a vida e a morte de Jesus ressus­ ressurreição celebrada no Tríduo. A cada
citado. Mas a ressurreição não é um prêmio que domingo, a comunidade depara com o mes­
se adiciona à existência. É um modo de vida mo mistério da ressurreição de Jesus narra­
que começa já e continua de modo cada vez da de maneira diferenciada e fecunda. Por
mais intenso e progressivo: “esforçai-vos por tratar de um acontecimento muito significa­
alcançar... aspirai...”. Aquilo que foi dito no co­ tivo, cada narrativa permite a entrada nesse
mentário da primeira leitura a respeito de Jesus mistério por meio de determinada porta.
vale para o cristão a ele unido: Cristo morreu e Neste domingo, a porta para a entrada no
ressuscitou como viveu, também o cristão deve mistério é a própria comunidade de fé: seus
nº- 320

morrer e ressuscitar como vive; isto é, segundo gestos, seu testemunho, seu serviço ao mun­
a sua união com Cristo. do... Tudo afirma aquilo que os evangelhos

transformaram em texto: Cristo ressuscitou!


ano 59

III. Dicas para reflexão A manifestação do Ressuscitado aos irmãos


Jesus morreu e ressuscitou como viveu: e a Tomé se reproduz em cada um de nós e

Vida Pastoral

passou pelo mundo fazendo o bem, deixan­ na nossa vida eclesial.

54
Deus e nos irmãos, desapegando-se de suas
II. Comentário dos textos posses em favor do bem comum. Que grande
bíblicos sinal de poder estava sendo realizado: gerando
mais vida por terem feito a experiência da vida
1. I leitura: At 4,32-35 – Um só de Jesus ressuscitado! Se o quadro nos causa
coração e uma só alma na fé admiração, que dirá àqueles conterrâneos e
No segundo retrato da comunidade, o es­ contemporâneos da comunidade. Assim, po­
critor dos Atos dos Apóstolos, provavelmente demos também ver que esse mesmo apelo en­
Lucas, compõe precioso retrato da comuni­ controu eco na distante comunidade de Co­
dade das origens. Esse é um olhar muito sim­ rinto, que se envolveu na partilha. Lucas faz
pático sobre a comunidade. Na verdade, a questão de demonstrar o efeito dessa vida co­
afirmação “entre eles ninguém passava neces­ munitária: “E os fiéis eram estimados por to­
sidade” parece ser contestada pelos próprios dos”. Assim, a comunidade fundada na Páscoa
escritos paulinos, que mencionam, por de Jesus agia por atração, e não por proselitis­
exemplo, a coleta promovida pelo apóstolo mo. O seu viver internamente irradiava a força
em favor dos irmãos em Jerusalém (cf. 1Cor da ressurreição para os outros.
16,1-3). As necessidades vieram, talvez, por
causa das perseguições sofridas. Contudo, 2. Evangelho: Jo 20,19-31
sobressaem ao texto os valores alicerçados na – O testemunho dos irmãos
comunhão (koinonia) existente entre eles, si­ A narrativa do evangelho do segundo do­
nalizada por ricas expressões como: “um só mingo do tempo pascal, também chamado
coração e uma só alma”, “tudo entre eles era pela antiga tradição de “domingo de são
posto em comum”. Esse era o clima estabele­ Tomé”, põe-nos diante de três temas funda­
cido entre os componentes da comunidade mentais: a fé e a dúvida em relação à ressur­
primitiva de Jerusalém, retratada por Lucas. reição, o valor da comunidade no testemu­
Nesse terreno, a fé pascal na ressurreição fin­ nho da fé pascal e a experiência de Jesus res­
cou raízes profundas e era testemunhada pe­ suscitado hoje. No centro desses três temas, o
los apóstolos com grandes sinais de poder apóstolo Tomé, símbolo de todos os cristãos
(cf. v. 33). Esses grandes sinais de poder não que procuram sinceramente crer em Jesus
são descritos aqui, neste trecho, como coisas ressuscitado. O texto é dividido em duas par­
extraordinárias ou mirabolantes, mas como tes fundamentais: na primeira, Jesus se mani­
evidências de uma importante transforma­ festa à comunidade sem a presença de Tomé;
ção: “ninguém considerava como próprias as na segunda, manifesta-se com Tomé presen­
coisas que possuía”; “tudo entre eles era pos­ te. O texto principia com a afirmação do do­
to em comum”; os que eram proprietários mingo, o primeiro dia da semana. No v. 26,
vendiam os seus bens e colocavam o dinheiro volta a mesma referência por meio de outra
aos pés dos apóstolos para a distribuição expressão: oito dias depois. O primeiro e o
conforme as necessidades. oitavo dia são expressões que a tradição en­
Essa transformação pascal era promovida tendeu como referências ao “dia do Senhor”,
nº- 320

pelo testemunho apostólico do Senhor Jesus. o dia privilegiado da ressurreição. Outro ele­
Esse testemunho gerava em todos, comunita­ mento importante: nos dois momentos, a co­

ano 59

riamente, a experiência coletiva da partilha de munidade dos discípulos está reunida (vv.
bens em favor das necessidades. Assim, os 19.26), mas, na primeira parte, o narrador
menciona o detalhe de que eles estão reuni­

cristãos daquele tempo realizavam a sua fé por


Vida Pastoral

meio de gestos concretos de confiança em dos a portas fechadas, com medo dos judeus.

55
Roteiros homiléticos

Jesus se põe no meio deles como aquele que pode conduzir à experiência da ressurreição.
supera os fechamentos e limites. Em meio ao É também na comunidade que se dá o teste­
medo que fecha e paralisa, Jesus deseja a paz, munho querigmático do anúncio (primeiro
sopra sobre eles – como Deus, na criação, fi­ domingo da Páscoa). O rito da comunhão re­
zera com o boneco de Adão (cf. Gn 2,7) – e toma, pela antífona a ser cantada como re­
os envia, como ele mesmo fora enviado. Livre frão, a experiência de Tomé. Assim como ele
da sua inércia, a comunidade recupera sua foi chamado por Cristo a estender as mãos
capacidade de anunciar. Tomé será o primei­ para tocar-lhe as chagas, o fiel, na eucaristia,
ro destinatário do anúncio eclesial... estende as mãos para (receber) tocar os sinais
Tomé recebe o testemunho da comunida­ da paixão e ressurreição do Senhor.
de: “Vimos o Senhor”. Mas ele apresenta suas Na segunda parte do texto, Tomé está pre­
dificuldades de acolher o testemunho. Quer sente na comunidade quando Jesus novamen­
ver, tocar os sinais da paixão... Nega-se a crer te se manifesta, fazendo igual saudação de
sem ter suas exigências atendidas. Note-se que paz. Dirigindo-se a ele, Jesus o convida a reali­
Tomé não demonstra ter um comportamento zar suas demandas e lhe censura a falta de fé,
anômalo ao da comunidade. Ela também teve declarando a bem-aventurança dos que cre­
dificuldades (portas fechadas, medo). A ela ram sem ter visto. Junto da comunidade, o
também Jesus mostra as mãos e o lado. Mas, apóstolo pode fazer a experiência da ressurrei­
na primeira parte do relato, Tomé estava dis­ ção que, no seu isolamento, lhe estava fora do
tanciado da comunidade. Não poderia experi­ alcance. Experimentar significa também sair
mentar o que os outros vivenciaram. Seu dis­ de si, entrar em relação, deixar-se guiar pelo
tanciamento, ou melhor, seu isolamento en­ outro e para o novo que surpreende e convo­
fraqueceu a sua fé na ressurreição... Tomé ca, mas também alegra, fortalece e transforma.
também tem fechadas as portas dos ouvidos e
do coração. O escândalo da cruz, que nos ou­ 3. II leitura: 1Jo 5,1-6 – O amor a
tros produziu medo, nele produz desconfian­ Deus supõe o amor aos irmãos
ça. Assim, não ouviu o testemunho dos irmãos A primeira carta de João é um precioso
e, sem ouvir, não pôde chegar à fé. escrito, marcado pelos primeiros embates da
A fé e a dúvida em relação à ressurreição Igreja com o gnosticismo, corrente filosófica
acontecem com todos: com Tomé, mas tam­ muito influente na região da Ásia Menor. Em
bém com a comunidade. É necessário per­ suma, essa corrente de pensamento diminuía
correr o itinerário de uma para a outra. O a força da comunidade e a ameaçava no seu
evangelho nos oferece as pistas: primeiro for­ cerne ao inserir elementos doutrinários estra­
talecer os vínculos, sobretudo os de fé, com a nhos à fé, como um modo de conhecimento
comunidade; acolher a revelação do evange­ de Deus que prescindia dos irmãos. Argu­
lho (boa notícia) que a comunidade cristã mentando com base na fé nascida do batismo
custodia, mas também ser sincero sobre as de Cristo – alusão à água e ao sangue (v. 6) e
próprias dificuldades. Jesus mesmo está aten­ na imensa solidariedade de Jesus para com a
to a elas quando se manifesta e convoca Tomé humanidade, o texto chama a atenção para o
nº- 320

a adotar nova postura a fim de ajudá-lo na fé. vínculo que a fé gera: os cristãos entre si, com
O Senhor permite que essas dificuldades en­ Cristo e com Deus. A leitura põe em relação

ano 59

contrem nele respostas, entre as quais estão importantes elementos da vida cristã: a fé e o
os sinais. A comunidade vive dos sinais da amor. O amor a Deus conduz aos outros e
vice-versa. A verdadeira fé faz circular o amor

presença de Jesus (primeira leitura). É por


Vida Pastoral

isso que, como um mistagogo, a comunidade entre todos os que declaram amar a Deus.

56
mento dos irmãos. O tempo da Páscoa nos
III. Dicas para reflexão faz superar nossas dúvidas, incompreensões
A vivência de comunhão com a ressurrei­ e temores.
ção de Jesus, testemunhada pelos apóstolos,
é propulsora de partilha e de atenção às ne­ II. Comentário dos textos
cessidades dos outros. Quem vive a Páscoa bíblicos
promove a vida dos irmãos.
Neste ano eleitoral, a partilha de bens 1. I leitura: At 3,13-15.17-19 – Deus
pode assumir feições bastante interessantes. fez maravilhas por seu servo
Movidos pela ressurreição de Jesus e unidos Depois de ter curado um aleijado, Pe­
por uma fé operante e concreta, somos convi­ dro pronuncia mais uma pregação querig­
dados a escolher projetos políticos e candida­ mática, com todos os elementos que esse
tos que tenham muito presente o bem comum, anúncio comporta (retomar a explicação
para que as necessidades dos pobres, como a da primeira leitura do domingo da Páscoa).
saúde, a educação, a segurança pública, o tra­ Nele, o apóstolo introduz alguns elementos
balho e a moradia, sejam distribuídos igual­ novos: Jesus está em continuidade com a
mente entre todos. Vamos partilhar o voto? história da salvação, e o agir dos judeus
O evangelho chama a atenção para a im­ que condenaram Jesus foi por ignorância.
portância da comunidade na sua capacidade Além disso, Pedro aprofunda o significado
comunicadora da fé. Tomé é cada discípulo da rejeição de Jesus por parte dos judeus e
que faz o seu caminho de volta, o caminho ao retoma um tema importante para a teologia
seio da comunidade, que, como corpo do Se­ do evangelista Lucas: era necessário que o
nhor, sempre estará disposta a promover o Messias sofresse.
encontro com Jesus ressuscitado. Começando pela rejeição, Pedro deixa
A fé cristã supõe o amor. Ambos se reali­ claro o que aconteceu a Jesus: ele era santo e
zam na circularidade das relações que têm justo, mas foi condenado pelos judeus. Jesus
em Cristo o modelo central de solidariedade é chamado por Pedro de “o autor da vida” a
ao ser humano. quem impuseram a morte, mas Deus o res­
suscitou. Note-se: a ação dos judeus incide
3º Domingo da Páscoa sobre a vida de Jesus, condenando-o a mor­
15 de abril rer. Os judeus preferem um malfeitor, pois

Vós sereis não conseguem, por ignorância, reconhecer


que Jesus é o autor da vida. Mas Jesus não

testemunhas de está somente sujeito ao poder dos judeus;


está, sobretudo, sujeito ao poder de Deus,

tudo isso que “faz maravilhas por seu servo” (salmo


responsorial), ressuscitando-o.
Os judeus ignoraram, isto é, desconhece­
I. Introdução geral ram o significado da salvação operada em Je­
nº- 320

O tempo pascal é tempo favorável para sus. Embora houvesse uma “cultura bíblica”
aprofundar a experiência da ressurreição do entre os judeus, esta não foi suficiente para

ano 59

Senhor. As Escrituras dão-nos a conhecer Je­ uma real transformação do povo. A ignorân­
sus quando buscamos superar nosso distan­ cia deles estava, pois, no não cumprimento
ciamento de Deus, cumprindo sua Palavra, e da lei de Deus (cf. a segunda leitura), que di­

Vida Pastoral

quando buscamos superar nosso distancia­ ziam conhecer. O tempo da Quaresma deste

57
Roteiros homiléticos

ano retomou com frequência esse tema da gesto da partilha do pão, além de ser, desde
infidelidade à aliança... Os judeus insistiram então, um sinal de máxima importância para
nas más ações, ignorando o seu saber bíblico. as comunidades dos seguidores de Jesus, deu
A ignorância permaneceu, a ponto de não nome à celebração mais importante da Igreja,
distinguirem Jesus de Barrabás, por quem como memorial da morte e ressurreição do Se­
optaram... Não sabem que Jesus foi glorifica­ nhor. De fato, a missa foi primeiro designada
do pelo mesmo Deus de Abraão, Isaac, Jacó e como “fração do pão”, pois este gesto remetia
dos antepassados. Isto é, a glorificação dele à memória perigosa de Jesus, que, dando a
realiza as expectativas dos antigos e as pro­ vida, desmontou os esquemas de uma religio­
messas que lhes foram feitas. Os três patriar­ sidade infiel à vontade de Deus.
cas são aqui citados por sua fidelidade à O relato prossegue com uma nova mani­
aliança. Jesus continuou fiel a ela, como os festação de Jesus no meio deles, em um mo­
antigos, mas os judeus não. mento de muita intimidade com seus ami­
Por fim, por que Jesus, o Cristo (Messias), gos. Ele lhes deseja a paz, insiste em ser re­
haveria de sofrer? Deus quis o sofrimento de conhecido pelos seus e até pede para comer
seu Filho e, por meio desse sofrimento, apla­ com eles, buscando sanar toda confusão e
cou a sua ira? Essa forma de entender a morte incerteza. Comer junto com os discípulos
de Jesus não aprofunda o nosso conhecimento após a ressurreição será forte argumento
da salvação; ao contrário, induz a ideia de um usado por eles na pregação (cf. At 10,41).
Deus sanguinário, cruel e muito distante do Isso significa que Jesus, que andou pelo
Abbá de Jesus. A necessidade do sofrimento se mundo anunciando o reino de Deus e to­
entende à luz da lógica da aliança, da fidelida­ mando refeição com os pecadores, se mani­
de e da filiação divina. O Messias devia sofrer festou aos seus, depois da ressurreição, na
por causa da sua fidelidade, que revela e expli­ intimidade da comunidade, tomando ali­
cita o agir fiel do Servo Jesus, como Filho obe­ mento com eles, demonstrando estar vivo
diente. Em termos humanos, é exatamente para que neles se fortalecesse a fé na ressur­
nos tempos do sofrimento e das dificuldades reição e o anúncio da nova Páscoa não fosse
que tendemos a relaxar em nossas opções, nunca interrompido.
buscando a autopreservação e desculpas para Segue, após a refeição, nova catequese.
abandonar a missão e a fé. Jesus se mantém Jesus relaciona os acontecimentos da sua
fiel na hora do sofrimento e na humanidade paixão com a totalidade das Escrituras: lei
que assumiu; em meio aos sofrimentos, per­ de Moisés, salmos e profetas, as três gran­
maneceu fiel, reafirmando sua filiação divina e des unidades da Bíblia dos hebreus. Essa
a aliança. forma de leitura bíblica, relacionando textos
dessas três grandes unidades, diz respeito ao
2. Evangelho: Lc 24,35-48 – Nós modo rabínico de leitura, chamado harizá.
comemos e bebemos com ele Fazer harizá significa, literalmente, “enfilei­
O evangelho narra a continuidade do rela­ rar contas”, como quem tece um colar.
to dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). Criam os judeus que, quando os textos da
nº- 320

O ponto de partida é o relato dos dois peregri­ Bíblia eram harmonizados assim como as
nos, Cléofas e, provavelmente, Maria, sua mu­ contas de um colar, a experiência da aliança

ano 59

lher, que estava com as outras Marias junto à estabelecida no monte fumegante se reedi­
cruz de Jesus (cf. Jo 19,25). Eles narram aos tava. Por isso, no relato anterior, os discípu­
discípulos o que tinha acontecido no caminho los de Emaús sentiram o coração arder!

Vida Pastoral

e como reconheceram Jesus ao partir o pão. O Com a ressurreição de Jesus, a aliança foi

58
restaurada e as Escrituras encontram nele a tado à direita do Pai sem, contudo, deixar os
fidelidade, a unidade e o seu sentido último irmãos, seus discípulos.
(cf. aclamação). Fazer a memória perigosa de Jesus, cele­
brando o dia do Senhor na partilha do pão, re­
3. II leitura: 1Jo 2,1-5a – Temos mete-nos à existência, onde somos chamados a
junto do Pai um defensor partilhar o pão da nossa vida com os outros.
A primeira carta de João é uma exortação
carinhosa aos discípulos para que não desa­ 4º Domingo da Páscoa
nimem diante dos pecados, pois podem con­ 22 de abril
tar com Jesus, o nosso mediador e defensor,
que deu a vida para libertar toda a humani­ O Bom Pastor
dade do pecado e do mal. Mas essa confiança
nos reenvia ao compromisso de viver na fide­ dá a vida pelas
lidade, a exemplo de Jesus, guardando os seus
mandamentos. Para isto o apóstolo escreve
sua carta: para que os discípulos não pequem,
suas ovelhas
mas, vivendo os mandamentos, conheçam a I. Introdução geral – O
Deus e façam brilhar o seu amor pelo mundo. Bom Pastor, imagem da
Viver os mandamentos não é apenas pronun­ ressurreição
ciá-los da boca para fora ou decorá-los. Isso O quarto domingo da Páscoa é tradicio­
seria mentira e fingimento. Outrossim, é deci­ nalmente dedicado à figura do Bom Pastor.
sivo que os vivamos de maneira cada vez mais Essa imagem é bastante fecunda, pois o pas­
alicerçada na palavra dos apóstolos (v. 1), bus­ tor conduz as suas ovelhas para as verdes
cando manifestar o amor de Deus pelo mundo pastagens, para que sejam nutridas e se
(v. 5). Mas qual é o amor de Deus pelo mun­ mantenham vivas. Ele as conduz, protege e
do? É Jesus, aquele que deu a vida como víti­ nutre para que atinjam a estatura do Pastor,
ma de expiação pelos pecados, aquele que, apesar de serem fracas (cf. oração do dia). A
vivendo a aliança na perfeita obediência e fide­ imagem do Bom Pastor é profundamente
lidade, realizou um sacrifício agradável a pascal, pois Jesus ressuscitado, doando sua
Deus, coerente e eficaz. Por isso, temos em vida, conduz a humanidade para a vitória
Jesus o inteiro perdão dos pecados. sobre a morte.

III. Dicas para reflexão II. Comentário dos textos


Conhecer a Deus é guardar os seus man­ bíblicos – De Pai para Filho,
damentos, ser fiel à aliança. Esse é o índice do Filho para os irmãos
que dá comprovação à nossa fé. Assim como O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas,
Jesus, o cristão deve buscar viver a aliança realiza a vontade do Pai. Essa dádiva de amor
com Deus, contando sempre com a sua pre­ se prolonga na vida da Igreja, que experimenta
sença na hora das dúvidas e provações. e vive do mesmo amor (segunda leitura), mas
nº- 320

O conhecimento bíblico deve nos condu­ também testemunha e distribui o amor que re­
zir à fidelidade e ao amor a Deus e aos ir­ cebe (primeira leitura). Marcados pelo conhe­

ano 59

mãos. O verdadeiro conhecimento de Deus cimento do Pastor que revela o grande amor de
realizado por meio das Escrituras aproxima­ Deus, somos movidos a exercitar nosso conhe­
-nos dos irmãos. Jesus verdadeiramente co­ cimento de Cristo e do Pai por meio da obe­

Vida Pastoral

nheceu a Deus e, com a ressurreição, foi exal­ diência e da fidelidade ao seu mandamento.

59
Roteiros homiléticos

1. I leitura: At 4,8-12 – A pedra salém. O pórtico, como porta de entrada do


rejeitada que se tornou angular Templo, dava acesso aos lugares sagrados. O
Pedro responde às acusações de ter curado referido discurso, assim situado, permite per­
um enfermo em nome de Jesus. A acusação re­ ceber a alusão aos líderes religiosos daquele
vela a frivolidade dos acusadores, pois não lhes tempo. Eles são os mercenários, os que aban­
importa a cura ou o bem-estar do enfermo, mas donam as ovelhas sob a ameaça de seus pre­
o fato de ter-se usado o nome de Jesus, que eles dadores. Jesus, ao contrário, apresenta-se
crucificaram. Isto equivale a dizer que Jesus como o Bom Pastor. O adjetivo “bom” é tra­
está vivo, pois em nome de um morto não se­ dução possível para o grego kálos. Contudo,
riam realizados esses sinais pelas mãos dos a palavra traz conotações morais. Alguns es­
apóstolos. A cura denuncia a inoperância da tudiosos argumentam ser preferível aludir a
maldade humana: não adiantou matar Jesus, outra possibilidade de tradução da mesma
pois os seus discípulos carregam o seu nome e, palavra, que resultaria em “belo”. Contudo, o
tal como o Mestre, realizam curas. Neste senti­ conceito de belo em português pode ainda
do, a cura representa algo mais ameaçador para resultar em alguma confusão de gosto estéti­
os chefes do povo e anciãos. Jesus, que eles ma­ co. Não se trata disso. O belo aqui está asso­
taram, continua agindo por meio de seus discí­ ciado a verdadeiro, autêntico, no sentido da­
pulos. Sua morte e ressurreição disseminaram a quilo que se opõe aos falsos pastores e merce­
sua atividade entre os seus seguidores, que pas­ nários que Jesus menciona.
sam a agir como ele e em seu nome. E por que Jesus é o verdadeiro Pastor?
Pedro não recua diante de seus acusado­ As afirmações que levam a entender a auten­
res, pois está investido da força do Espírito ticidade desse Pastor que ele é são muitas:
Santo. Ele diz com clareza em nome de quem ele dá a vida pelas suas ovelhas (v. 11.15b);
o enfermo foi curado: daquele que os judeus ele conhece as suas ovelhas e elas lhe per­
crucificaram, mas foi ressuscitado por Deus, tencem e o conhecem (v. 14); seu rebanho
Jesus Cristo. Essa coragem traz ainda outra ultrapassa as ovelhas do redil (v. 16a) e ele
mensagem subliminar: Deus não compactuou reunirá todas as ovelhas, dispersadas pelas
com a maldade dos judeus que mataram Je­ ações dos lobos e pela omissão dos merce­
sus, pedra rejeitada pelos construtores; ou­ nários (v. 16b.12). À diferença dos mercená­
trossim, fez de Jesus a pedra angular. É uma rios, que se preocupam só consigo e não
referência explícita ao Salmo 117(118),22, protegem as ovelhas, pois não são seus do­
cantado neste domingo (salmo responsorial). nos, o Bom Pastor se preocupa com as ove­
Isto é, Jesus passa a ser, no plano salvífico, o lhas e dedica a elas sua vida. O contraste é
fundamento estabelecido por Deus ao qual to­ grande e vincula o discurso de Jesus à sua
dos vão se integrando para nele encontrar sal­ morte e ressurreição, quando realmente ele,
vação. Baseado nessa referência, Pedro declara como Bom Pastor, entra em conflito com os
a primazia de Jesus como salvador (v. 12). mercenários e os lobos.
No evangelho, o verbo conhecer aparece
2. Evangelho: Jo 10,11-18 – Um quatro vezes, sem contar a aclamação ao
nº- 320

verdadeiro Pastor evangelho, na qual ocorre duas vezes. O co­


O discurso do Bom Pastor pertence ao nhecimento de que fala João não tem que ver

ano 59

décimo capítulo do Evangelho de João. Trata­ com um esforço mental, de tipo racional. É
-se de discurso realizado junto ao pórtico de algo bem superior a isso. Trata-se de conheci­

Salomão (cf. Jo 10,23), por onde adentravam mento pessoal, íntimo, que supõe a relação
Vida Pastoral

os peregrinos que subiam ao Templo de Jeru­ de escuta da Palavra (cf. Jo 10,3-5). É conhe­

60
cimento calcado no amor e na relação que o guições e questionamentos. Contudo, con­
próprio Jesus tem com o Pai (v. 15). Esse co­ tam com a assistência do Espírito Santo.
nhecimento está fundado na fidelidade: Jesus O Bom Pastor, Jesus, ao contrário de ou­
obedece ao Pai porque está atento à ordem tros, não se autopreserva, mas doa a vida li­
que dele recebeu: dar a vida por suas ovelhas vremente. Ele conhece as suas ovelhas ao
(v. 18). É esta a conclusão da alegoria apre­ modo do seu conhecimento de Deus, funda­
sentada por Jesus: o Bom Pastor tem autono­ mentado na obediência e na fidelidade. A co­
mia para fazer a vontade do Pai, dando a vida munidade que vive não para si mesma, mas
voluntariamente (na sua morte) para poder para os que necessitam, se assemelha a Jesus,
retomá-la (ressurreição). E essa conclusão o Bom Pastor, que dá a vida pelas ovelhas.
elucida o vínculo entre a figura do Bom Pas­ O conhecimento de Deus tem que ver
tor e o tempo pascal. com a obediência à Palavra e com a sua escu­
ta. Só isso poderá nos inserir naquilo que é
3. II leitura: 1Jo 3,1-2 – Conhecer a próprio da relação filial de Jesus. Mas não se
Deus em Jesus, o Filho trata de mérito ou conquista pessoal. Antes, é
A primeira carta de João tem como pano uma experiência do amor de Deus que se re­
de fundo a negativa influência gnóstica que velou em Jesus.
valoriza em demasia o esforço pessoal e o O amor do Bom Pastor experimentado
mérito, solapando a experiência de ser co­ pelos discípulos se comprova quando expan­
munidade. O primeiro fundamento da vida dimos esse mesmo amor. Amar como Jesus
cristã está na própria relação filial de Jesus – isto é, superar as situações de morte, injus­
com o Pai. Em Jesus, o discípulo experi­ tiça e exclusão – equivale a agir em seu nome
menta essa mesma relação com Deus, pois a e testemunhar que ele se tornou fundamento
ele se assemelha (v. 2). Por isso, o apóstolo de nossa vida.
fala de “um grande presente de amor” (v. 1).
Trata-se do mesmo amor que o Pai dedica a 5º Domingo da Páscoa
seu Filho, Jesus. 29 de abril
No evangelho, o conhecimento de Deus
tem que ver com a escuta da Palavra de Jesus, Sem mim, vocês
o Bom Pastor. Aparentados de Jesus, os discí­
pulos são diferentes daqueles que não conhe­ não podem fazer
cem o Pai, isto é, daqueles que se colocam de
fora da relação filial que é própria de Jesus.
Preferem a autonomia em relação a Deus e,
nada
nessa postura arrogante, não chegam ao ver­ I. Introdução geral
dadeiro conhecimento que é dado aos cris­ O tempo da Páscoa aprofunda o sentido
tãos por Jesus. da ressurreição para a nossa vida. Os sacra­
mentos da iniciação cristã – batismo, confir­
III. Dicas para reflexão mação e eucaristia – estão radicados no mis­
nº- 320

A comunidade de fé prolonga as ações de tério pascal, que nos concedeu participar da


Jesus. Agindo em nome de Cristo, ela leva a vida nova em Cristo. Mas essa é uma expe­

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salvação a todos aqueles que encontram em riência de coparticipação. Estar unido a Cris­
Jesus fundamento para a vida. Prolongar a to supõe estar unido a outros irmãos e irmãs
atividade de Jesus comporta riscos. Assim que compartilham do mesmo chamado, da

Vida Pastoral

como ele, os discípulos poderão sofrer perse­ mesma experiência, da mesma destinação. A

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Roteiros homiléticos

morte e a ressurreição de Jesus nos inserem, 2. Evangelho: Jo 15,1-8 – Ser parte


necessariamente, na comunhão de vida com do todo
o corpo do Senhor, a Igreja. O evangelho deste domingo retoma im­
portante imagem para a Sagrada Escritura, a
II. Comentário dos textos imagem da videira, muito aparentada com a
bíblicos imagem da vinha (plantação de videiras).
A Palavra do Senhor é critério de perma­ No Primeiro Testamento, a videira/vinha,
nência em Cristo e em Deus. Ela indica o ca­ em termos gerais, simboliza o povo de Israel
minho do amor, como esteio da comunidade (cf. Is 5,1-7). Este simbolismo é uma forma
que é capaz de reconhecer e integrar os que de narrar as vicissitudes desse povo na sua
produzem frutos de conversão. Movida pelo relação com Deus. Deus, o agricultor, é
Espírito – a seiva da videira que é Cristo –, a aquele que cobre a sua videira/vinha de cui­
Igreja é chamada a viver confiantemente no dados especiais, dando-lhe todas as condi­
amor que nos liga a Deus e aos irmãos. ções para que seja fecunda e produza frutos
saborosos, condizentes com os cuidados
1. I leitura: At 9,26-31 – Um que recebe. Contudo, não é isso que aconte­
estranho no ninho ce. Ao contrário, a videira decepciona sem­
O apóstolo Paulo, ainda designado pre o seu dono/agricultor, produzindo fru­
como Saulo, recém-convertido ao caminho tos amargos. As imagens refletem a relação
do evangelho, encontra dificuldades em de aliança: enquanto Deus dedica o seu
ser aceito pela comunidade dos discípulos, amor ao seu povo, este lhe devolve rejeição
pois outrora fora ardoroso perseguidor da e distanciamento de sua vontade.
Igreja. Mas, com o testemunho de Barna­ No Evangelho de João, a alegoria da vi­
bé, ele acaba sendo acolhido e permanece deira está inserida num discurso de despe­
com eles, participando de sua missão, de­ dida de Jesus dirigido aos seus discípulos.
safios e até da perseguição (v. 29). Recebe Esse discurso recupera o anterior simbolis­
dos discípulos também proteção e cuida­ mo da tradição de Israel, mas o remodela
dos. Quando ameaçado de morte, Saulo é em Cristo, pois agora ele é a videira. Ou
levado pelos discípulos para Cesareia e, seja, aquela situação de infidelidade, na qual
depois, para Tarso. o povo não produz frutos de justiça, tem seu
Essa leitura prepara os ouvidos para o termo em Jesus. Ele põe fim à longa história
evangelho, pois a comunidade é o corpo de de desobediência e pecado de Israel. Por
Cristo, a forma concreta de permanecer com isso cabe aqui assinalar o qualificativo: vi­
Jesus. Unido à Igreja, não mais a perseguin­ deira verdadeira. Evidentemente, trata-se de
do, Saulo, como um ramo que produz frutos uma oposição às falsas videiras. Em termos
de conversão (cf. Lc 3,8), tornar-se-á o “após­ joaninos, isso pode ser entendido não ape­
tolo dos gentios”. Neste ponto cabe bem a nas em relação a Israel, que, sem dúvida al­
conclusão da leitura: a Igreja vivia em paz em guma, é eixo da metáfora, mas também em
toda a Palestina (Judeia, Galileia e Samaria), relação aos pagãos recém-convertidos, so­
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crescendo no temor do Senhor com a ajuda bretudo os de origem helênica, muito afei­
do Espírito Santo. A vocação do apóstolo, in­ tos ao sincretismo.

ano 59

tegrada na comunidade e explicitada pelo re­ Jesus, a nova videira, é a imagem do


lato lucano nos Atos dos Apóstolos, é peque­ novo povo de Deus. Contudo, como o pró­
no retrato da fecunda união com Cristo que a

prio texto sugere, é necessário que seus dis­


Vida Pastoral

comunidade viabiliza. cípulos permaneçam nele, como os ramos.

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O Pai, agricultor da sua videira, cuida dos
ramos para que produzam mais frutos e cor­ O diálogo das religiões
ta aqueles que não produzem fruto. Existe,
portanto, uma proximidade entre os verbos Andrés Torres Queiruga
permanecer e frutificar (produzir fruto).
Permanecem e frutificam aqueles que obser­
vam a palavra de Jesus (v. 7) e se purificam
por essa Palavra (v. 3). Este é o vínculo de
permanência dos ramos na videira. Já os
frutos têm duplo direcionamento: o amor
aos irmãos (mandamento de Cristo) e a glo­
rificação do Pai pela obediência a Cristo no
discipulado (v. 8).
O texto mostra uma reciprocidade: per­
manecer em Cristo significa que ele perma­
nece nos discípulos (v. 4). O vínculo com ele,
pela Palavra e pelo amor, revela uma depen­
dência dos discípulos para com Cristo, sem o
qual nada realizam (v. 5) e não produzem
fruto (v. 4). Neste sentido, o texto aprofunda
88 págs.

o que foi afirmado no domingo anterior. Lá,


Pedro declara curar em nome de Jesus, que A presença dos fundamentalismos,
foi feito por Deus, pela sua morte e ressurrei­ a instrumentalização dos credos
ção, a pedra fundamental. Aqui, Jesus é no­ religiosos para fins terrivelmente
bélicos e a inquietude espiritual
vamente posto no centro, como videira ver­
compõem um problema diante do
dadeira, porque, por sua morte e ressurrei­ qual não é possível fechar os olhos.
ção, realizou a relação de aliança que o povo É urgente pensá-lo de verdade.
de Israel já não observava. Fora de Jesus, isto O autor o trata com clareza e
é, sem permanecer nele, os discípulos serão honestidade, procurando prestar um
como ramos estéreis, infrutíferos. auxílio na promoção do diálogo,
do debate e do ânimo para uma
práxis renovada.
3. II leitura: 1Jo 3,18-24 – Sob o
crivo do amor
A segunda leitura explicita e reforça ain­
Imagens meramente ilustrativas.

da mais o modo de permanência em Cristo: o


amor concreto aos irmãos. Esta é uma carac­
terística marcante da comunidade cristã, que
a distingue de qualquer outra proposta reli­
giosa ou filosófica (gnose): o amor que se rea­
nº- 320

liza não só de boca e com palavras, mas com Vendas: (11) 3789-4000
a verdade das ações (v. 18). O amor fraterno 0800-164011

ano 59

é índice, o “termômetro” da permanência em SAC: (11) 5087-3625


Cristo, pois é o cumprimento do mandamen­ V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

to dele (v. 23). Vivendo assim, a comunidade paulus.com.br


Vida Pastoral

não tem por que se inquietar, pois permane­

63
Roteiros homiléticos

ce em Deus e Deus permanece nela. Onde III. Dicas para reflexão


houver dúvida, esse critério (v. 19) ratifica a Permanecer em Cristo tem que ver com a
verdade do caminho do evangelho. comunidade de fé, onde o exercício do amor
Mas o alicerce dessa experiência não está no que acolhe e dispõe para a missão, mas tam­
esforço pessoal ou comunitário. Está sobretudo bém apoia e protege, é fruto do Espírito que
na compreensão de um Deus favorável, maior gera paz e a faz crescer.
do que o coração humano, quando este nos No seu discurso de despedida, Cristo mos­
acusa (v. 20). Para os antigos, o coração não é o tra que não haverá separação de si se houver
lugar dos sentimentos, mas o lugar das grandes amor e fidelidade à sua Palavra. O cristão, uni­
decisões e das opções. O lugar onde Deus habi­ do a Cristo, frutifica pelos cuidados do agricul­
ta com a sua Palavra, que ilumina o caminho e tor (Pai), que poda os ramos para que produ­
permite prosseguir junto a Ele. Seria grosso modo zam mais frutos e estabelece seu Filho como a
o que nós, ocidentais, chamamos de consciên­ videira verdadeira.
cia. A consciência é um saber do coração em No coração dos fiéis e da comunidade
conexão com Deus. Quando o coração não se mora o mandamento de Cristo, o amor. O
sente acusado, porque ama e porque segue a Pa­ amor verdadeiro, que se traduz em gestos, rea­
lavra de Cristo, a confiança flui naturalmente liza a permanência e gera a confiança num
diante de Deus, a liberdade e a herança de filhos Deus que é generosamente maior do que qual­
são alcançadas (cf. oração do dia). quer coração que se sinta acusado.

Paulo de Tarso na filosofia


política atual e outros ensaios
Enrique Dussel

Este conjunto de trabalhos recentes mostra alguns


aspectos dos temas que estão sendo tratados na
filosofia atual. Certos tabus na tradição secularista
do Iluminismo vêm perdendo sua essência, e se inicia
uma nova maneira de encarar a realidade cultural,
com novo olhar. Essa temática, unida a uma busca
da origem da cultura ocidental, que não pode se
referir nem única nem principalmente à filosofia
helênica ou romana, apresenta a possibilidade de
abordar novos problemas.
Imagens meramente ilustrativas.
nº- 320

240 páginas

ano 59

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