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ARQUEOARTE
Estudos de Arqueologia Moderna
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Velhos e Novos Mundos
TÍTULO / TITLE
Velhos e Novos Mundos. Estudos de Arqueologia Moderna
Old and New Worlds. Studies on Early Modern Archaeology
Volume 1
COORDENADORES / COORDINATORS
André Teixeira, José António Bettencourt
ORGANIZADORES / ORGANIZERS
André Teixeira, Élvio Sousa, Inês Pinto Coelho, Isabel Cristina Fernandes,
José António Bettencourt, Patrícia Carvalho, Paulo Dórdio Gomes, Severino Rodrigues
EDIÇÃO / EDITION
Centro de História de Além-Mar
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa
Universidade dos Açores
Av. de Berna, 26C, 1069 - 061 Lisboa
www.cham.fcsh.unl.pt / cham@fcsh.unl.pt
TIRAGEM / COPIES
500
COLECÇÃO / COLLECTION
ArqueoArte, n.º 1
DEPÓSITO LEGAL
353251/12
ISBN
978-989-8492-18-0
IMPRESSÃO / PRINT
Europress
ORGANIZAÇÃO
APOIOS
© CHAM e Autores
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Estudos de Arqueologia Moderna
71 Largo do Chafariz de Dentro: Alfama em época moderna 219 Crise e identidade urbana: o Jardim Arcádico
Rodrigo Banha da Silva, Pedro Miranda, Vasco de Braga de 1625
Noronha Vieira, António Moreira Vicente, Gonçalo C. Gustavo Portocarrero
Lopes e Cristina Nozes
223 Ao som da bigorna: os ferreiros no quotidiano
85 Os novos espaços da cidade moderna: uma urbano de Arrifana/Penafiel no século XVIII
aproximação à Ribeira de Lisboa através de Teresa Soeiro
uma intervenção no Largo do Terreiro do Trigo
Cristina Gonzalez 233 A paisagem de Arrifana de Sousa descrita pelo
Arruamento de 1762
95 O mobiliário do Palácio Marialva (Lisboa): discursos Maria Helena Parrão Bernardo
socioeconómicos
Andreia Torres 245 Uma taça de porcelana branca e uma asa de grés na
“Arca de Mijavellas”: História e estórias reveladas pela
111 Um celeiro da Mitra no Teatro Romano de Lisboa: construção da Estação do Campo 24 de Agosto do
inércias e mutações de um espaço do século XVI à Metro do Porto
actualidade Iva Teles Botelho
Lídia Fernandes e Rita Fragoso de Almeida
255 O aqueduto da Mãe d’Água: Vila Franca do Campo
123 Rua do Benformoso 168/186 (Lisboa – Mouraria / N’zinga Oliveira e Joana Rodrigues
Intendente): entre a nova e a velha cidade, aspectos
da sua evolução urbanística 261 La ocupación moderna del Teatro Romano de
António Marques, Eva Leitão e Paulo Botelho Cádiz (España): nuevos datos a luz de las recientes
intervenciones arqueológicas
135 Espólio vítreo de um poço do Hospital Real de J. M. Gutiérrez, M. Bustamante, V. Sánchez, D. Bernal e
Todos-os-Santos (Lisboa, Portugal) A. Arévalo
Carlos Boavida
273 El acueducto de la Matriz de Gijón: investigación
141 Quarteirão dos Lagares: contributo para a história documental y arqueológica
económica da Mouraria Cristina Heredia Alonso
Tiago Nunes e Iola Filipe
277 Processo de contato e primórdios da colonização na
151 Vestígios modernos de uma intervenção de baixa bacia do Amazonas: séculos XVI-XVIII
emergência na Rua Rafael Andrade (Lisboa) Rui Gomes Coelho e Fernando Marques
Sara Brito e Regis Barbosa
285 Crise e rebelião colonial: uma perspectiva urbana
157 Alterações urbanísticas na Santarém pós-medieval: a (Minas Gerais / Brasil – século XVIII)
diacronia do abandono de uma rua no planalto de Marvila Carlos Magno Guimarães, Mariana Gonçalves Moreira,
Helena Santos, Marco Liberato e Ricardo Próspero Gabriela Pereira Veloso, Anna Luiza Ladeia e Thaís
Monteiro de Castro Costa
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Velhos e Novos Mundos
293 Arqueologia e arquitecturas daqui e d’além-mar 431 Do papel da Arqueologia para o conhecimento da
Maria de Magalhães Ramalho expansão portuguesa: notas a partir de algumas
estruturas fortificadas no Oriente
João Lizardo
303 ESPAÇO RURAL: PAISAGENS E MEIOS DE
PRODUÇÃO 445 O papel do Forte do Guincho na estratégia de defesa
da costa de Cascais
305 A paisagem como fonte histórica Soraya Rocha e Guilherme Sarmento
David Ferreira, Paulo Dordio e Alexandra Cerveira Lima
315 Cabeço do Outeiro (Lousada, Portugal): um núcleo 449 EDIFÍCIOS RELIGIOSOS E PRÁTICAS FUNERÁRIAS
rural da Idade Moderna
Manuel Nunes, Joana Leite e Paulo Lemos 451 Sé da Cidade Velha, República de Cabo Verde:
resultados da 1.ª fase de campanhas arqueológicas
323 O ciclo do linho no concelho de Penafiel Clementino Amaro
Ana Dolores Leal Anileiro
465 Divindade, governante ou guerreiro? O personagem
333 As pontes de Pretarouca (Lamego): registo Kukulcán nas crônicas do século XVI e o registro
arqueográfico no âmbito de processos de avaliação arqueológico de Chichén Itzá, México
de impactes ambientais Alexandre Guida Navarro
Carla Alves Fernandes e Cristóvão Pimentel Fonseca
469 Andrés de Madariaga’s mausoleum-church: former
339 Engenho de açúcar da alcaidaria de Silves Jesuit College in Bergara (Gipuzkoa, Basque Country,
Rosa Varela Gomes Spain)
Jesús-Manuel Pérez Centeno e Xabier Alberdi Lonbide
351 Imagens, memórias, ruínas nos tempos do lugar: a
biografia de uma paisagem urbana 475 Os Passos da Paixão de Cristo (Setúbal)
Silvio Luiz Cordeiro João Ferreira Santos, Daniela dos Santos Silva e José
Luís Neto
357 Da aldeia guarani à cidade colonial: o processo de
urbanização e as missões jesuíticas platinas nas 483 O lugar da Torre dos Sinos (Convento Velho de
frentes de colonização ibérica S. Domingos), Coimbra: notas para o estudo da
Arno Alvarez Kern formação dos terrenos de aluvião, em época moderna
Sara Almeida, Ricardo Costeira da Silva, Vítor Dias e João
365 O café, a escravidão e a degradação ambiental: Minas Perpétuo
Gerais /Rio de Janeiro – Brasil – século XIX e XX
Carlos Magno Guimarães, Mariana Gonçalves Moreira, 489 Cerca de Santo Agostinho, Coimbra: estudo preliminar
Gabriela Pereira Veloso, Elisângela de Morais Silva e das fases evolutivas e linhas para a sua recuperação
Camila Fernandes Morais Sara Almeida, Susana Temudo, Joana Mendes, Sofia
Ramos e António Cunha
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Estudos de Arqueologia Moderna
561 Para as mulheres pobres, mas honradas: os 683 Projecto de carta arqueológica subaquática do
recolhimentos em Setúbal concelho de Lagos
José Luís Neto e Nathalie Antunes Ferreira Tiago Miguel Fraga
569 Contributo para o conhecimento da população 689 Conservação das estruturas em madeira de um navio
na época moderna na Madeira: abordagem do século XV escavado na Ria de Aveiro: resultados
antropológica aos casos de Santa Cruz preliminares
Rafael Fabricio Nunes João Coelho, Pedro Gonçalves e Francisco Alves
627 Ribeira das Naus hoje: a perene relação de Lisboa 771 A cerâmica do açúcar de Aveiro: recentes achados na
com o Tejo. Dos estaleiros navais do Renascimento ao área do antigo bairro das olarias
antigo Arsenal da Marinha. Subsídios da arqueologia Paulo Jorge Morgado, Ricardo Costeira da Silva e
Rui Nascimento Sónia Jesus Filipe
633 Angra, uma cidade portuária no Atlântico do século 783 Portugal and Terra Nova: ceramic perspectives on the
XVII: uma abordagem geomorfológica early-modern Atlantic
Ana Catarina Garcia Peter E. Pope
645 Caractérisations et typologie du Cimetière des 789 Considerações acerca da cerâmica pedrada e
Ancres: vers une interprétation des conditions de respetivo comércio
mouillage et de la fréquentation de la Baie d’Angra do Olinda Sardinha
Heroísmo, du XVI au XIX siècle. Île de Terceira, Açores
Christelle Chouzenoux 797 A importação de cerâmica europeia para os
arquipélagos da Madeira e dos Açores no século XVI
655 La Rucha: deconstruyendo el origen de la piratería de Élvio Sousa
costa en el Cabo Peñas (Gozón-Asturias-España)
Nicolás Alonso Rodríguez, Valentín Álvarez Martínez e 813 Pottery in Cidade Velha (Cabo Verde)
José Antonio Longo Marina Marie Loiuse Sorensen, Chris Evens e Tânia Casimiro
665 Santo António de Tanná: uma fragata do período 821 A cerâmica no quotidiano colonial português: o caso
moderno de Salvador da Bahia
Tiago Miguel Fraga Carlos Etchevarne e João Pedro Gomes
671 Cada botão sua casaca: indumentária recuperada nas 829 Modern Age Portuguese pottery find in the Bay
escavações arqueológicas da fragata Santo António of Cadiz, Spain
de Taná, naufragada em Mombaça em 1697 José-Antonio Ruiz Gil
André Teixeira e Luís Serrão Gil
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Velhos e Novos Mundos
837 La mayólica del convento de Santo Domingo (siglos 951 Vestígios de um centro produtor de faiança dos
XVI-XVII), Lima (Perú): la evidencia arqueométrica séculos XVII e XVIII: dados de uma intervenção
Javier G. Iñañez, Juan Guillermo Martín, Antonio Coello arqueológica na Rua de Buenos Aires, n.º 10, Lisboa
Luísa Batalha, Andreia Campôa, Guilherme Cardoso,
847 Majólicas italianas do Terreiro do Trigo (Lisboa) Nuno Neto, Paulo Rebelo e Raquel Santos
Cristina Gonzalez
963 Elementos para a caracterização da faiança
855 Produções sevilhanas – azul sobre branco e azul sobre portuguesa do século XVII: a tipologia de Pendery
azul: no contexto das relações económicas e comerciais aplicada à realidade da Casa do Infante (Porto)
entre o litoral algarvio e a Andaluzia (século XVI-XVII) Anabela P. de Sá
Paulo Botelho
975 As produções de louça preta em Trás-os-Montes:
865 As cerâmicas da Idade Moderna da Fortaleza caracterização etnográfica e química, seu interesse
de Nossa Senhora da Luz, Cascais para o estudo das cerâmicas arqueológicas
J. A. Severino Rodrigues, Catarina Bolila, Vanessa Isabel Maria Fernandes e Fernando Castro
Filipe, José Pedro Henriques, Inês Alves Ribeiro e Sara
Teixeira Simões 983 Fábrica de Cerâmica de Santo António de Vale da
Piedade (Vila Nova de Gaia): estruturas construídas e
877 Primeira abordagem a um depósito moderno no espaços de laboração no século XVIII
antigo Paço Episcopal de Coimbra (Museu Nacional Laura Cristina Peixoto de Sousa
de Machado de Castro): a cerâmica desde meados do
século XV à consolidação da Renascença
Ricardo Costeira da Silva 995 GESTÃO E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO
891 Aldeia da Torre dos Frades (Torre de Almofala) 997 Mosteiro de Santa Clara-a-Velha: da luz dos
através da cerâmica em época moderna archotes aos momentos da contemporaneidade.
Elisa Albuquerque Projeto e fruição
Artur Côrte-Real
897 Um gosto decorativo: louça preta e vermelha
polvilhada de branco (mica) 1005 Preservação arqueológica nas missões jesuítico-
Isabel Maria Fernandes -guaranis
Tobias Vilhena de Moraes
909 Os potes “martabã”: um conceito em discussão
Sara Teixeira Simões 1011 Monumentos restaurados e historias em ruínas:
o programa Monumenta e a problemática
919 Do Oriente para Ocidente: contributo para o da intervenção arqueológica na restauração
conhecimento da porcelana chinesa nos quotidianos arquitetônica no Brasil
de época moderna. Estudo de três contextos Ton Ferreira
arqueológicos de Lisboa
José Pedro Vintém Henriques 1019 Património cultural subaquático:
uma questão de visibilidade
933 Porcelana chinesa em Salvador da Bahia Margarida Génio
(séculos XVI a XVIII)
Carlos Etchevarne e João Pedro Gomes 1023 ABSTRACTS
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ESPAÇO RURAL:
PAISAGENS
E MEIOS DE
PRODUÇÃO
Estudos de Arqueologia Moderna
A PAISAGEM COMO
FONTE HISTÓRICA
DAVID FERREIRA Doutorando em História da Arte, técnico superior da Direção Regional de Cultura do
Norte. dferreira33@gmail.com
PAULO DORDIO Coordenador geral do Plano de Salvaguarda do Património (PSP) da empreitada
geral de construção do aproveitamento hidroelétrico do Baixo Sabor (EDP, Eletricidade de Por-
tugal/Consórcio Construtor ODEBRECHT/Bento Pedroso Construções, S.A. e LENA Construções),
investigador do CITCEM, doutorando na Universidade de Coimbra, Departamento de Arquitetura.
pdordio@gmail.com
ALEXANDRA CERVEIRA LIMA Mestre em Arqueologia, exerce funções no ICNF/ Parque Natural do
Douro Internacional. acerveiraplima@sapo.pt
RESUMO A necessidade de ter em consideração a envolvente dos monumentos para a sua correta salvaguarda e o enten-
dimento do território enquanto realidade cultural está presente nos discursos científicos e nos textos doutrinários há muito
tempo. Apesar disso, no planeamento e gestão do território, e particularmente nos processos de avaliação de impacte am-
biental (AIA), esta perspetiva encontra resistências e dificuldades de concretização. Importa pois discutir a constatação de uma
discrepância entre a teoria do património e a prática concreta de gestão e salvaguarda no âmbito de AIA.
Esta discussão abraça necessariamente o debate sobre o conceito de paisagem, bem como a reflexão sobre o valor patrimonial
da paisagem, ao mesmo tempo que obriga à consideração não só dos elementos patrimoniais na paisagem mas das conexões
entre estes elementos patrimoniais conducentes à configuração de um objeto de estudo totalizante e integrador.
A atenção dirige-se, na maioria das situações, para a paisagem rural dita tradicional, que se estende entre o século XI e as déca-
das de 1950-1960. No decurso desse longo período de tempo, o último milénio, são inúmeras as transformações ocorridas, mas
identifica-se uma coerência cujo processo de afirmação, amadurecimento e desestruturação é possível seguir.
O interesse desta discussão é acentuadamente prático: importa acercarmo-nos do valor patrimonial da paisagem, das afeta-
ções e concomitantes e adequadas medidas de minimização. Importa identificar parâmetros úteis para os estudos de impacto
ambiental e patrimonial e construir eficazes instrumentos de ordenamento e gestão do território. Precisamos de saber como
atuar hoje sobre a paisagem e repensar o papel da Arqueologia e do descritor património nesta abordagem.
I. A PAISAGEM COMO PATRIMÓNIO: CONCEITO, batalha, sítios arqueológicos cada vez mais extensos,
TEORIA E PRÁTICA paisagens culturais1.
Em 1995 o Conselho da Europa produz a «Recomenda-
1. A EXPANSÃO DO PATRIMÓNIO — ATÉ À ção Relativa à Conservação das Paisagens Culturais In-
PAISAGEM CULTURAL tegrada nas Políticas de Paisagem», prelúdio da «Con-
venção Europeia da Paisagem» de 2000, que passará
Ao longo do século XX assistimos a um fenómeno de a constituir o documento de referência: Cada parte
«expansão do património», caracterizado por um alar- se compromete a reconhecer juridicamente a paisa-
gamento das tipologias e escala dos objetos passíveis gem como componente essencial do quadro de vida das
de inserção no conceito património cultural. Trata-se
de uma tendência fácil de seguir a partir da análise da
produção doutrinária internacional, convenções, car- 1. Recomendação para a Salvaguarda dos Conjuntos Históricos
tas e recomendações. Assim, durante as últimas déca- (UNESCO, 1976); Carta de Florença para a Salvaguarda dos Jardins
Históricos (ICOMOS, 1981); Resolução 813 Relativa à Arquitetura
das, aos monumentos históricos clássicos foram-se so- Contemporânea (Conselho da Europa, 1983); Recomendação
Relativa à Proteção e Valorização do Património Arquitetónico Rural
mando a arquitetura industrial e moderna, os jardins, a (Conselho da Europa, 1989); Recomendação Relativa à Proteção
arquitetura vernacular, as obras de engenharia, cercas e Conservação do Património Técnico, Industrial e das Obras de
Arte na Europa (Conselho da Europa, 1990); Carta do Património
e coutos monásticos, centros históricos, campos de Construído Vernáculo (ICOMOS, 1999).
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Velhos e Novos Mundos
populações, expressão da diversidade do seu património dades modernas industriais, durante o século XIX e
comum cultural e natural e fundamento da sua identi- com forte sustentação nos avanços científicos, que o
dade. Este avanço do conhecimento vai no sentido de ambientalismo e a conservação da Natureza ganham
reconhecer o território – todo o território – como um protagonismo social, influência política e concretiza-
documento histórico e, neste sentido, como um objeto ção jurídica, tal como o património cultural.
passível de patrimonialização. Por isso, este enten-
dimento do território-património reforça a ideia que 1.2 Proteção institucional — da envolvente à paisa-
a salvaguarda e gestão do património se joga hoje gem cultural
muito particularmente no âmbito das políticas de or-
denamento. Do ponto de vista institucional e legal, a valorização da en-
volvente dos monumentos é tão antiga como os próprios
1.1 Enquadramento instrumentos de proteção do património, porque o
caráter espacial da arquitetura torna incontornável a sua
Esta tendência encontra raízes no sentimento de perda relação com o contexto e, portanto, a necessidade de o
e no avanço do conhecimento, as duas forças motri- ter em consideração no exercício de salvaguarda.
zes dos fenómenos de patrimonialização. O primeiro No ponto III da «Carta de Atenas» (1931), um dos pri-
agudizou-se na Época Moderna, ao mesmo tempo que meiros documentos internacionais a tratar da valoriza-
aumentaram a intensidade e rapidez das intervenções ção dos monumentos, pode-se ler: A Conferência reco-
no território. A vontade de proteger o património acom- menda o respeito, na construção de edifícios, do caráter
panhou este ritmo num efeito de ação – reação, que e da fisionomia das cidades, sobretudo na vizinhança
contrapõe o paradigma da conservação ao paradigma dos monumentos antigos cuja envolvente deve ser ob-
da mudança como um valor em si, entendida como jeto de cuidados particulares. Mesmo certos conjuntos,
evolução. certas perspetivas particularmente pitorescas, devem
Paralelamente, os avanços no conhecimento científico ser respeitadas. (...) a supressão de toda a publicidade,
mostraram-nos a realidade como um sistema complexo, de toda a presença abusiva de postes ou fios telegráficos,
regido por numerosas interdependências e relações. de toda a indústria ruidosa, mesmo de altas chaminés na
Pelo lado da História, o espaço, o território, foi sendo en- vizinhança de monumentos artísticos ou históricos.
tendido não só como um objeto de estudo importante, Os textos doutrinários e a legislação nacional têm con-
mas de forma tendencialmente holística. A importância sagrado nas últimas décadas este entendimento, que
crescente de uma visão global e diacrónica do território, é hoje consensual, e se materializa nas zonas de pro-
enquanto espaço cultural, alicerça e legitima cientifica- teção e zonas especiais de proteção dos monumentos.
mente a definição de escalas patrimoniais mais amplas. Estas zonas de proteção são naturalmente parcelas do
O alargamento da escala do património constituiu território que assumem aqui «apenas» a forma de en-
uma tendência global, mas para termos uma visão quadramento, uma entidade cénica, subordinada ao
clara deste fenómeno importa ter presente que exis- monumento principal, ao objeto com valor patrimo-
tem diferentes abordagens, surgidas a partir dos con- nial que se pretende proteger.
tributos das várias disciplinas envolvidas que impul- A segunda etapa é aquela que nos remete para um ter-
sionaram, por sua vez, diferentes formalizações e me- ritório com valor patrimonial intrínseco. Esta etapa en-
canismos de proteção. contra uma das primeiras expressões institucionais em
A visão cruzada da experiência dos Annales e da Nova 1962 com a «Recomendação Relativa à Proteção da
História, da metodologia iconológica na História da Beleza e do Caráter da Paisagem e Sítios», produzida
Arte, dos intercâmbios da Arqueologia com a Geo- na Conferência Geral da ONU para a Educação, Ciência
grafia, a Geologia e a Paleontologia, mas também da e Cultura: A proteção não se há de limitar aos lugares
Arquitetura Paisagista, que sintetiza lições da Agrono- e paisagens naturais, mas também aos lugares e paisa-
mia, da Biologia e sobretudo da Ecologia, oferece-nos gens cuja formação se deve total ou parcialmente à mão
este quadro abrangente, que terá reflexo nos proces- do homem. Assim, convém criar disposições especiais
sos de construção do património. para a proteção de certos lugares e paisagens, tais como
Interessa notar que este fenómeno de expansão patri- lugares ou paisagens urbanos, que são em geral os mais
monial encontra um paralelo no campo do ambiente. ameaçados, sobretudo por obras de construção e espe-
O sentimento de perda e o avanço do conhecimento es- culação de terrenos. Convém estabelecer uma proteção
tão também na base dos movimentos ambientalistas. especial na proximidade dos monumentos.
Não vamos aqui traçar o seu percurso, mas com mais O ano de 1972 constitui uma referência importante
ou menos variantes, é igualmente no seio das socie- pela adoção da «Convenção do Património Mundial
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Estudos de Arqueologia Moderna
Cultural e Natural» que no artigo 1.º introduz, ao lado . Paisagens organicamente evolutivas, subdivididas
dos «monumentos» e «conjuntos», a categoria «locais em paisagens fósseis e paisagens vivas;
de interesse»: Para fins da presente Convenção serão . Paisagens culturais associativas.
considerados como património cultural: Os locais de Em 1995 são inscritas na Lista do Património Mundial as
interesse – Obras do homem, ou obras conjugadas do duas primeiras paisagens culturais: os Terraços de Arroz
homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de das Cordilleras Filipinas e a Paisagem Cultural de Sintra.
interesse arqueológico, com um valor universal excecio- Confrontada com as novas zonas de fronteira e com a
nal do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou evolução dos conceitos, a UNESCO continuou a siste-
antropológico. matizar categorias específicas para áreas alargadas e
Em 1985 a «Convenção Para a Salvaguarda do Patri- prevê agora o «Património Misto Cultural e Natural»,
mónio Arquitetónico Europeu» (Convenção de Grana- que coexiste com as «Paisagens Culturais», «Cidades e
da), que influenciou muita da legislação nacional euro- Centros Históricos», «Canais do Património» e «Rotas
peia, adota as categorias de «conjunto» e «sítio», estas do Património» (UNESCO, 2008), numa profusão de
entendidas como obras combinadas do homem e da na- nomenclaturas e subdivisões que ilustra bem o fenó-
tureza, parcialmente construídas e constituindo espa- meno de expansão patrimonial e a crescente comple-
ços suficientemente característicos e homogéneos para xidade do tema.
permitirem uma delimitação topográfica, notáveis pelo Ao mesmo tempo – mas com mútuas influências – ob-
seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, servamos um outro movimento, já não específico da
social ou técnico. área do património, mais comprometido com o ambien-
Paralelamente, no início dos anos 80, o Comité do Pa- te e o ordenamento do território e muito impulsionado
trimónio Mundial começa a discutir especificamente pela Arquitetura Paisagista, que assume a paisagem de
as paisagens culturais no âmbito dos critérios de maneira holística (na linha da paisagem global de Ribei-
identificação e gestão das paisagens rurais e dos sí- ro Telles) e reconhece a sua componente cultural.
tios (Fowler, 2003, p. 66). Esta discussão culmina em Em 1995 o Conselho da Europa produz a «Recomenda-
1992 com a adoção de novos critérios de identificação ção Relativa à Conservação das Paisagens Culturais In-
e avaliação para a integração de bens na Lista do Pa- tegrada nas Políticas de Paisagem», prelúdio da «Con-
trimónio Mundial, que passam a contemplar esta nova venção Europeia da Paisagem» de 2000, que passará
tipologia de bem cultural, dividida em três categorias: a constituir o documento de referência: Cada parte
. Paisagens desenhadas e criadas intencionalmente se compromete a reconhecer juridicamente a paisagem
pelo homem; como componente essencial do quadro de vida das popu-
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Velhos e Novos Mundos
lações, expressão da diversidade do seu património co- valor cultural, através da constituição de servidões ad-
mum cultural e natural e fundamento da sua identidade 2. ministrativas. Ela é, no entanto, complementada por
A paisagem que é considerada na recente Convenção outras figuras – instrumentos de gestão do território
Europeia é, no essencial, uma paisagem cultural, absolu- – que também permitem delimitar áreas territoriais
tamente dominante no espaço europeu, expressão dos com valor patrimonial e fazer incidir sobre elas regras
diversos fatores naturais existentes, mas, também, de de planeamento e ordenamento. Estas figuras podem
uma muito antiga ação humana sobre esses fatores. A ou não estar associadas a uma classificação do pa-
paisagem natural seria aquela em que a articulação dos trimónio cultural.
diversos fatores naturais ao longo do tempo não fosse
(ou o fosse apenas ligeiramente) afetada pelas comu- As mais importantes são:
nidades humanas, o que só acontece pontualmente na . «Parques arqueológicos», regulamentados pelo De-
Europa. Em geral de forma direta, mas também indireta, creto-Lei n.º 131/2002.
praticamente todas as paisagens de hoje registam, em Entende-se por «parque arqueológico» qualquer monu-
maior ou menor grau, a intervenção humana (DGOTDU, mento, sítio ou conjunto de sítios arqueológicos de inte-
2004, p. 29). resse nacional, integrado num território envolvente mar-
cado de forma significativa pela intervenção humana
1.2.1 Proteção institucional – as formas legais em passada, território esse que integra e dá significado ao
Portugal monumento, sítio ou conjunto de sítios, cujo ordenamen-
Ao nível do ordenamento jurídico português o reconhe- to e gestão devam ser determinados pela necessidade de
cimento de áreas alargadas com valor patrimonial garantir a preservação dos testemunhos arqueológicos
traduz-se na classificação das categorias «conjunto» e aí existentes.3
«sítio», nos termos do artigo 15.º da Lei 107/2001, que . «Paisagens protegidas», regulamentadas pelo De-
continua a adotar, como já tinha feito a Lei 13/85, as creto-Lei n.º 19/93.
categorias da Convenção de Granada. Entende-se por paisagem protegida uma área com pai-
A classificação é o instrumento por excelência de re- sagens naturais, seminaturais e humanizadas, de inte-
conhecimento formal de património com elevado resse regional ou local, resultantes da interação harmo-
O despovoado medieval de Alva, sobre o Douro, e a crista quartzítica do Penedo Durão, Freixo de Espada à Cinta.
308
Estudos de Arqueologia Moderna
niosa do homem e da Natureza, que evidencia grande John Bradford, E. Fowler, Jonh Ward-Perkins, Claudio
valor estético ou natural 4. Vita-Finzi e J. M. Wagstaff.
. Classes, categorias e zonamentos, previstos nos pla- This is the foundation of landscape archaeology, a study
nos diretores municipais, que identificam valores patri- technique whose foundations are found in field archaeo-
moniais. Podem assumir muitas nomenclaturas dife- logy (Crawford, 1953; Bradford, 1957; Phillips et al.,
rentes: áreas históricas, zonas arqueológicas, áreas 1963; E. Fowler, 1972), but which as been developed and
culturais, espaços culturais, áreas de proteção a va- expanded by historians (notably W.G. Hoskins and M. W.
lores do património cultural, áreas de proteção paisa- Beresford), and geographers (Harry Thorpe, C.C. Taylor,
gística, zonas urbanas a preservar, etc. M. Aston, C.J. Bond and T. Rowler) (…) While the ulti-
Embora não estejam obrigatoriamente associadas mate roots of all this work undoubtedly lie in Meitzen’s
a uma classificação e tenham um caráter eminente- geat study of 1895, there is no doubt that in Britain W.G.
mente operativo, estas figuras partem do reconheci- Hoskins and Maurice Beresford (the latter working in
mento de um valor patrimonial presente no território close collaboration with J.K. St Joseph and John Hurst),
e traduzem, também, um fenómeno de alargamento. have had the most profound impact upon the pratical
study of landscape evolution. Thus Hoskin’s «Making
1.3 O avanço do conhecimento e a expansão do of the English Landscape» (1955) and Beresford and St
património Joseph’s «Medieval England: An Aerial Survey» (1979)
can now be seen as seminal, stimulating work by many
Como já referimos, a expansão do património muito scholars (Roberts, 1987, p. 78-79).
deve aos avanços no conhecimento. No caso das Em França encontramos o outro pólo de desenvolvi-
áreas urbanas, o alargamento do património – tradu- mento desta historiografia. Aqui é fundamental o con-
zido no reconhecimento da «cidade antiga» enquanto tributo dos Annales com uma abertura pluridisciplinar
monumento – é suportado pelo desenvolvimento da inovadora e sobretudo com uma perspetiva abran-
História da Arquitetura e do Urbanismo e, mais tarde, gente do campo de ação de uma Nova História5, que
da Arqueologia urbana. Os protagonistas mais impor- vai lançar as sementes para a grande explosão da ar-
tantes da primeira fase são arquitetos, com destaque queologia da paisagem nos anos 70.
para Camilo Sitte (que cria a morfologia urbana) e Gus- Assim, quando na companhia de March Bloch ou de Ro-
tavo Giovannoni, que faz a síntese entre o conceito de ger Dion, estudávamos a história da estrutura agrária da
«cidade museu» e o valor de utilização. (...) Giovan- França (open field, afolheamento trienal...), uma paisa-
noni está consciente do facto de que para conservar a gem contemplada de avião ou analisada com mapa de
sua identidade, continuando a evoluir de acordo com o grande escala é um documento histórico, na medida em
progresso técnico, as culturas e as sociedades da Europa que sabemos ver nela uma coisa diferente dos simples
Ocidental deverão manter vivo o lugar que as prende efeitos das leis naturais (geologia, pedologia, climatolo-
aos seus passados respetivos. Este é o papel que atribui gia, botânica...) e reconhecer a intervenção do homem.
à cidade antiga. Ela deixa de ser concebida como uma Foi o que permitiu a L. Febvre escrever. «A história faz-
soma de monumentos, considerada na sua globalidade, -se com documentos escritos, sem dúvida. Quando os
ou seja, na relação semântica irredutível dos seus edifí- há. Mas pode fazer-se, deve fazer-se com tudo o que o
cios «maiores» e do tecido dos seus edifícios «menores», engenho do historiador lhe pode permitir utilizar... Por-
que se dão sentido reciprocamente, ela ganha valor de tanto com palavras. Com sinais. Com paisagens e com
monumento memorial (Choay, 2011, p. 194). telhas. Formas de campos e ervas daninhas. Eclipses da
No caso das áreas não urbanas, onde sobretudo se Lua e cabrestos de tiro. Exames de pedras por geólogos e
movimenta o conceito de «paisagem cultural», o es- análises de espadas de metal pelos químicos.
tudo do território conheceu avanços particularmente Numa palavra, tudo o que, na herança subsistente do
profícuos pela interação cada vez mais profunda da passado pode ser interpretado como um indício revelan-
História com outras áreas do conhecimento, com des- do qualquer coisa da presença, da atividade, dos senti-
taque para a Geografia. Assim, a partir do contributo mentos, da mentalidade do homem de outrora, entrará
pioneiro do geógrafo prussiano August Meitzen (Mei- na nossa definição» (Marrou, 1975, p. 61 e 62).
tzen, 1895), desenvolve-se toda uma historiografia É o mesmo espírito que encontramos nos trabalhos de
centrada na relação do homem com o território. No Orlando Ribeiro, Carlos Alberto Ferreira de Almeida ou
mundo anglo-saxónico, podemos citar os trabalhos de Ilídio Araújo.
Osbert Crawford, William Hoskins, Maurice Beresford,
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Velhos e Novos Mundos
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Estudos de Arqueologia Moderna
Mário Reis
Quinta da Granja —topónimo que decorre da granja medieval do mosteiro cisterciense de Santa Maria de Aguiar — e o monte Calábria em
fundo.
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Velhos e Novos Mundos
de forma diversa noutras intervenções, designado no ficados e construídos de caráter etnográfico no Vale do
PSP «estudo sobre os elementos edificados e construí- Sabor: os levantamentos patrimoniais realizados no vale
dos de caráter arquitetónico e etnográfico no Vale do do Sabor durante o EIA e o RECAPE do empreendimen-
Sabor». to identificaram um número elevado de estruturas que
Foi entendimento da coordenação da equipa em cam- se relacionam com a ocupação do território durante a
po, em articulação com a tutela, que o objeto de estu- Época Moderna e Contemporânea (...). Estes elementos
do proposto em PSP se centra sobre o que designare- patrimoniais contemplam habitações, estruturas da ar-
mos paisagem tradicional entendida como o momento quitetura de produção, caminhos, muros de propriedade,
de organização da paisagem imediatamente anterior obras de contenção de terras e modelação do solo, obras
às profundas ruturas que no prazo de apenas meio de aproveitamento do rio e manifestações de religiosi-
século, entre 1950 e 2000, fariam reduzir o peso da dade popular. Ainda que alguns destes elementos apre-
população rural portuguesa de valores superiores a sentem um valor próprio pela sua tipologia, expressão
50% para valores inferiores a 5%. Perspetivada na lon- arquitetónica ou artística, singularidade ou caráter sim-
ga duração, a paisagem tradicional preenche o período bólico e social, a maioria deles só ganha expressão quan-
que se estende entre a Idade Média Plena (século XI) e do integrada no conjunto de testemunhos dos processos
o auge da ocupação demográfica do espaço rural que de assentamento, das técnicas construtivas, da vivência
acontece entre as décadas de 1940 e e 1960. social, da prática económica ou da expressão simbólica
das comunidades que ocuparam o vale do Sabor.
2.2 A dimensão integrada de conjunto Neste sentido entende-se que é essa dimensão integra-
da de conjunto, no que diz respeito à integração históri-
É central a importância que assume neste processo a ca strito senso e formal (formas que tal património as-
perspetiva que o PSP designa «dimensão integrada sumiu na dinâmica da ocupação histórica) que deve ser
de conjunto», bem como a necessidade de integração objeto deste estudo. De modo simplificado, diremos que
dos elementos patrimoniais individualizados (EP) em o registo das manifestações da arquitetura tradicional e
«processos», «técnicas», «vivências», «práticas» ou de todas as atividades desenvolvidas no vale do Sabor
«expressões» de nível superior. Verifique-se a especifi- em época que cremos ser moderna e contemporânea,
cação extraída do PSP, 4.7. Estudo sobre elementos edi- tem como principal objetivo um estudo que personificará
João Romba
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Estudos de Arqueologia Moderna
a sua salvaguarda na memória futura. As visões de con- caminhos ou as pontes e vaus), obrigando-se a prosse-
junto caminham a par com este registo”. guir a perspectiva integradora com a consideração
Para a execução dos objetivos propostos em PSP subsequente do Termo ou território da Comunidade
entendeu-se que a operacionalização no registo e no (os espaços mais amplos polarizados nos Lugares, as
estudo da dimensão integrada de conjunto deveria as- Aldeias e as Freguesias).
sentar na consideração do cadastro como enformador
das unidades funcionais (os prédios agrícolas) através III. CONCLUSÃO
das quais é possível integrar diversos elementos patri-
moniais individuais (EP) que passam deste modo a O caso dos trabalhos em curso no Baixo Sabor, na es-
relacionar-se no interior de uma unidade de paisagem. teira do Plano de Salvaguarda do Património que foi
A integração é assim operacionalizada não apenas na elaborado, constituem um exemplo da adequação, até
extensão ou espaço, como igualmente no tempo e na agora rara, entre a teoria do património e a prática de
História. Na verdade, cada uma daquelas unidades de gestão e salvaguarda.
paisagem: A abordagem patrimonial, atenta à longa duração —
. é uma propriedade, quer dizer uma extensão sobre da Pré-História Antiga ao último milénio (1001 d.C. –
a qual se exercem direitos associados a determinados 2000 d.C.) —, integra a análise da globalidade da ocu-
indivíduos ou famílias; os quais foram, ao longo do pação humana no território afetado, atenta à paisa-
tempo e das sucessivas gerações, objeto de herança gem enquanto fonte histórica e arqueológica.
ou alienação; Importa sublinhar que esta procura de integração pas-
. é uma unidade de exploração agrícola, quer dizer um sa por considerar, ao longo das várias fases de estudo,
conjunto de recursos organizados de acordo com as tec- cada elemento, cada unidade, no seu contexto. Quan-
nologias disponíveis de forma a garantir subsistência e do encaramos a paisagem nesta perspetiva, tal como
rendimento que sofreram ao longo do tempo processos ocorre numa escavação arqueológica, o objeto em si, o
de maior ou menor intensificação ou de abandono; negativo de um gesto, um mero indício, pode não ter
. é uma memória, quer dizer um lugar identificável leitura, muito menos significado patrimonial. É na sua
pela comunidade por nome próprio (micro-topónimo) relação com o contexto que o significado, e até o valor
no qual se acumulam e ao qual se associam vivências e patrimonial, emergem. Daqui decorre que é necessário
expressões que fazem parte da memória e da História encarar a vereda, o portão, a levada, o pequeno tanque,
da mesma comunidade. o murete de suporte, com o cuidado e a meticulosidade
O passo seguinte neste processo de estudo da paisa- com que o investigador encara o registo arqueológico.
gem que visa uma compreensão global da ocupa- Deles, face às perguntas colocadas, à metodologia usa-
ção deste território pelas gentes da época moderna e da e às interpretações avançadas, resultará o campo,
contemporânea, é o de uma integração de nível suces- o caminho, a aldeia e o modo de vida que compõem a
sivamente superior das unidades de paisagem de forma paisagem e restituem a História do último milénio das
a dar conta do tecido contínuo e dinâmico que a paisa- comunidades. Esta paisagem que integra, sob a forma
gem do Vale do Sabor constitui. de registo fóssil ou vivo e reinterpretado, o registo que
A metodologia de descrição e interpretação integra- ficou dos milénios anteriores.
dora considera assim, sucessivamente, o Elemento Esta análise da paisagem contemporânea, trazida
Patrimonial Edificado (a casa, a eira, o tanque, um con- para a luz da abordagem arqueológica e patrimonial,
junto de muros e de socalcos, ...), o Cadastro como en- permite também que não continuemos a deixar, por
formador das unidades funcionais (os prédios agrícolas desadequação conceptual ou metodológica, o filme a
mas também os espaços públicos ou comuns como os meio, abandonando a sala antes do epílogo.
313
Velhos e Novos Mundos
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ção, Lisboa: Editorial Aster. geographie.org/index.php?rub=bibli/ouvrages>.
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O presente volume reúne os textos redigidos pela grande maioria dos participantes no “Velhos e
Novos Mundos. Congresso Internacional de Arqueologia Moderna”, que decorreu de 6 a 9 de Abril de
2011 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
O evento pretendeu reunir arqueólogos consagrados e jovens, com trabalhos provenientes de con-
textos académicos ou de salvamento, pertinentes para a discussão em torno de diversas temáticas
balizadas nos séculos XV a XVIII, tanto em contexto europeu, como em espaços colonizados.
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cações e a guerra, a vida religiosa e as práticas funerárias, as paisagens marítimas, os navios e a vida
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valorização do património arqueológico.