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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO — VOLUME 61 — N.

° 3/4

Neurologia
Básica
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Publicação do Departamento Científico do Centro Acadêmico
"Oswaldo Cruz" da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
DIREÇÃO

Diretor da Revista:
Edson Aguilar Perez
Diretor de Cursos:
Olavo Henrique Munhoz Leite
Diretor do Prêmio "Oswaldo Cruz":
Oscar Yoshinori Ikari
Secretário da Revista:
Lúcio Tadeu Figueiredo
Secretário de Cursos:
Walter Kazuo Nakano
Tesoureiro:
Hirotaka Nakamatu
Redatores da Revista:
Jesus E. de Paula Assis
José Pinhata Otoch
Nana Miura
Oswaldo T. Toma
Capa Arte Final:
Eduardo Monteiro
Composição:
Linotipadora Ipiranga Ltda.
Fotolito:
Procimar Arte Produções Ltda.
Impressão:
Pap. Tipografia Andreotti S/A.
Produção Gráfica:
E M Comunicação e Publicidade
Rua Galvão Bueno, 858 — 6.° andar
Tels.: 279-4165 — 270-4525

CONSELHO CONSULTIVO:
Carlos da Silva Lacaz, Charles E. Corbett, Dario Birolini, Fábio Schmidt
Goffi, Guilherme Rodrigues da Silva, Joel C. Cunha, Luis Venere Décourt,
Marcelo Marcondes, Oswaldo Lange, Ricardo Brentani.
Redação:
Casa de Arnaldo — Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Av. Dr. Arnaldo, 455 — Tel.: 853-6011 R 110 — CEP 01246 — São Paulo SP

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EDITORIAL

Casa de Arnaldo, outubro de 1977.

N u m campo tão vasto e desconhecido como é o da Neurologia, pre-


tendemos com este número da Revista de Medicina trazer alguns conhe-
cimentos de Neurologia Básica, material de grande valia para aqueles que
desejam se aprofundar no assunto ou ter u m conhecimento geral dos di-
versos setores da Medicina.
Esta Revista contou com a preciosa colaboração do Prof. Dr. Antônio
Spina-França e dos membros do CIN — Centro de Investigações e m Neu-
rologia, ficando pois aqui patente nossos sinceros agradecimentos.
Diretoria da

ADENDO:
Por motivos alheios à nossa vontade, no último número da Revista
de Medicina (assunto Urologia) não se citou o nome dos autores dos arti-
gos: Traumatismos Uretrais — escrito por Nelson Rodrigues Neto Jr
(livre docente da F M U S P ) e João Carlos dos Santos (residente do Depto.
de Cirurgia do Hospital das Clínicas da F M U S P ) e Origem da hipercoles-
terolemia na Síndrome Nefrótica Experimental — escrito por Freddy Elias-
chewitz, ganhador do Prêmio Oswaldo Cruz — ano de 1976.

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Conteúdo

NEUROLOGIA BÁSICA

Introdução à Neurologia Básica — A. Spina França Pág. 7


Líquido Cefalorraqueano — J. A. Livramento Pág. 9
Electrencefalografia — Rosi M . Grossmann Pág. 12
Electoneuromiografia — E. S. Lusvarghi Pág. 14
Neurorradiologia — J. Zaclis Pág. 17
Meningites — J. P. S. Nóbrega Pág. 20
Epilepsias — L. A. Bacheschi Pág. 23
Hipertensão intracraniana — J. P, P Plese Pág. 26
Sinalização de processos infecciosos do sistema nervoso — A.
Spina França Pág. 32
Neuropatia Periféricas — J. A. Levy Pág. 36
Acidentes Vasculares Cerebrais — L. R. Machado Pág. 38

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INTRODUÇÃO À NEUROLOGIA BÁSICA
A. Spina-França *

Verifica-se na atualidade verdadeira explosão no desenvolvimento daô


Neurociências. O impacto resultante dos novos e múltiplos conhecimentos
sobre neurofisiologia, neuroquímica e neuro-imunologia — como exemplos
— sobressai dentre as causas dos constantes progressos ultimamente
registrados nos diversos ramos e m que se distribui a Neurologia Clínica.
Elo entre neurociências puras e aquelas aplicadas, mas que constituem
o verdadeiro objeto das suas diversas modalidades clínicas, a Neurologia
Básica v e m ganhando expressão cada vez maior. Resulta essa expressão
do seu papel precípuo, qual seja integrar, discriminar e coordenar a apli-
cabilidade dos novos informes à prática clínica. C o m o o sistema nervoso
e m si m e s m o , tem ela papel nodal, portanto. Esse papel é desempenhado
por ela através da contínua reverificação e renovação dos conceitos que
substribam a Fisiopatologia e a Propedêutica do Sistema Nervoso, es-
tando abrangidas nesta última as Grandes Síndromes Neurológicas.
Ao mesmo tempo, os problemas de Neurologia Clínica, através da
Neurologia Básica, realimentam os sistemas de indução e desencadeamen-
to de pesquisas nas diversas áreas de Neurociências puras. É neste último
sentido que atuam, e m nosso meio, as demandas oriundas da Neurologia
Tropical.
Dentro desses conceitos deflagram-se periodicamente revisões como
esta. Dos temas principais e próprios à Neurologia Básica, são apresen-
tados alguns daqueles e m relação aos quais o impacto dos progressos
recentes mais se fez sentir Revendo os respectivos aspectos fundamen-
tais, m a s obedecendo caráter didático, são integrados neles os resultados
dos novos conhecimentos, e m níveis de graduação.

Professor Assistente Docente e Coordenador do Centro de Investigações e m Neurolo-


gia, da Disciplina de Neurologia da F M U S P (Prof. Dr. H. M . Caneilas).

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LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO
J. A. Livramento *

Desde que Quincke, e m 1891, introduziu LCR no adulto é de 90 a 150 ml, sua reno-
o emprego da punção lombar, o estudo da vação é feita permitindo reposição diária de
Neurologia galgou u m grande avanço. Esse 40 a 50 ml. Essa reposição pode aumentar
avanço decorreu da introdução do estudo do e m condições especiais, como após a co-
líquido cefalorraqueano (LCR) como meio dia- lheita do LCR.
gnóstico e m problemas que afetam o sistema A colheita do LCR pode ser feita: no
nervoso. O exame do LCR mostra, mediante fundo do saco lombar (punção lombar); na
variações que ocorrem e m sua composição, cisterna magna (punção sub-occipital); e m
correlação com os quadros patológicos das u m dos ventrículos laterais (punção ventri-
doenças que afetam o sistema nervoso cen- cular). Esta última pode ser feita na criança
tral (SNC) e meninges que o envolvem. durante o primeiro ano de vida através da
O LCR está contido nas cavidades ven- fontanela bregmática; após o fechamento da
triculares do encéfalo e no espaço subarac- fontanela ela só poderá ser feita mediante
nóideo. O sistema ventricular é composto trepanação prévia. Para os três tipos de co-
pelos ventrículos laterais ou telencefálicos, lheita são usadas agulhas longas e de pe-
pelo terceiro ventrículo ou diencefálico, e queno calibre (80 x 0,8 m m ) , flexíveis com
pelo quarto ventrículo ou rombencefálico. A bisel curto e providas de mandril. A punção
parte inferior do quarto ventrículo continua-se lombar é a mais difundida e está indicada
com o canal central da medula. Todos os nas afecções da raque ou do sistema nervoso
ventrículos são revestidos pelo epêndima. O s periférico. A punção sub-occipital deve" ser
plexos coróides estão situados no interior dos feita com extremo cuidado, por especialista,
ventrículos encefálicos e também são reves- e está indicada nos processos que afetam o
tidos por epêndima. O espaço subaracnóideo encéfalo. Nos casos de hipertensão intracra-
está situado externamente ao encéfalo e à niana ambas as punções são contraindicadas
medula. Ele é delimitado externamente pela como rotina.
aracnóide que se acha acoplada à dura mater O LCR é límpido e incolor, oligocelular,
e, internamente, pela aracnóide e pela pia anemático, de baixo teor proteico, baixa den-
máter que constituem dois folhetos super- sidade (1.006 a 1.009) e levemente alcalino
postos. O LCR não entra e m contacto direto (pH 7.31). O exame do LCR compreende o
com o S N C , pois o epêndima separa o LCR estudo da: 1) pressão; 2) aspecto e cor;
ventricular do parênquima nervoso e a pia 3) citologia; 4) bioquímica; 5) imunologia;
máter separa o LCR subaracnóideo do parên- 6) outras investigações.
quima. A formação e a reabsorção do LCR O estudo da pressão é o primeiro a ser
foi bastante estudada por Weed, inicialmente. feito no exame do LCR, empregando-se manô-
Segundo os conceitos atuais, plexos coróides metros geralmente graduados e m centímetros
são responsáveis pela formação do principal de água e que são conectadas à agulha de
contingente de LCR; as vilosidades aracnói- punção. Mede-se a pressão inicial (Pi), a
deas são o principal local de sua reabsorção. pressão final (Pf) e, quando necessário, rea-
Sofre então o LCR u m deslocamento no sen- lizam-se as provas manométricas. Normalmen-
tido dos ventrículos para o espaço subarac- te a pressão final, na punção sub-occipital é
nóideo e, neste, tanto no sentido cranial como medida após a retirada do volume (v) de
no caudal. 10 ml de LCR e, na punção lombar, após a
A s funções do LCR são basicamente retirada de 7 ml. As relações entre pressão
três: 1) proteção mecânica para o S N C ; 2) inicial e final são importantes para diferen-
metabolismo do S N C — atuando como veí- ciar tipos de hipertensão intracraniana. Estas
culo para que certas substâncias atinjam o relações são expressas através de índices.
S N C ; 3) defesa do S N C — possibilita a rá- São os mais conhecidos o Qr (quociente ra-
pida mobilização
Médico Assistentededoelementos
Centro de que combatem
Investigações queano
e m Neurologia da de Ayala)dee Neurologia
Disciplina o Qrd (quociente
da F M U S Praquea-
(Prof. Dr. eH. seus
infecções M . Canelas).
envoltórios. O volume do no diferencial) cujas fórmulas são:

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Pf x v Pi - Pf O exame citológico é de grande impor-
Qr .= Ord = tância para o neurologista clínico. É feita
Pi v contagem global do número de elementos
figurados e contagem específica desses mes-
Estando o paciente em decúbito lateral m o s elementos. E m condições normais o LCR
e calmo, a pressão normal do LCR varia de contém de 0 — 4 leucócitos por m m 3 e
6 a 20 cm de água e o quociente raqueano nenhuma hemácia. Esses leucócitos são re-
de 0,3 — 0,7, tanto para a punção sub-occipi- presentados por linfócitos e reticulomonóci-
tal como para a punção lombar. Na punção tos. Quando há aumento do número de células
ventricular, com o paciente e m decúbito dor- no LCR diz-se ocorrer pleocitose; esta é li-
sal, os valores encontrados são de 0 — 5 cm geira quando o número de células é inferior
de água. Acima de 20 cm de água conside- a 10 por m m 3 ; discreta, quando entre 10
ra-se haver hipertensão intracraniana; abaixo e 50 por m m 3 ; moderada, quando entre 50 e
de 5 cm de água, hipotensão. 200 por m m 3 ; nítida, de 200 a 1.000 por
, As provas manométricas servem para es- m m 3 ; intensa, acima de 1.000. Outras células
tudar a permeabilidade do canal raqueano e aparecem nesses vários graus de pleocitose,
da drenagem jugular. Dentre elas, a de uso além dos linfócitos e reticulomonócitos. As-
rotineiro é a prova de Queckenstedt-Stookey. sim, de acordo com o processo que esteja
Mede-se a pressão inicial e, e m seguida, é acometendo o S N C podem aparecer polinu-
feita compressão manual de ambas as veias cleares neutrófilos, plasmócitos, eosinófilos,
jugulares internas, por 10 segundos. Resulta macrófagos. Células atípicas ao LCR — como
estase venosa intracraniana devido à qual a células tumorais dependentes de tumores
pressão do LCR se eleva a cerca do dobro primitivos ou metastáticos do S N C e as cé-
da pressão inicial. Cessada a compressão lulas blásticas das neuroleucemias podem ser
jugular, após os 10 segundos, a pressão deve observadas eventualmente.
voltar ao nível inicial nos 10 segundos subse- O estudo da bioquímica do LCR com-
qüentes. Nos diversos tipos de bloqueios que preende o estudo das proteínas, glicose, clo-
afetam o canal raqueano estas provas podem retos, uréia, enzimas, reações para globulinas,
estar alteradas mostrando: bloqueio parcial, reações coloidais e eletroforese.
que é expresso por uma subida pequena, O estudo proteico é dentre as reações
queda lenta da pressão; bloqueio completo bioquímicas, o principal. O LCR é u m humor
quando não ocorre subida da pressão após de baixa concentração proteica e esta difere
a compressão das jugulares. muito da encontrada no sangue. O s valores
O segundo item do exame do LCR é o normais no LCR não são superiores a 40
do aspecto e cor, avaliado na ocasião da mg/100 ml.
colheita. Em condições normais o LCR é lím- A concentração proteica varia de acordo
pido e incolor. Em diversas afecções este com o local da colheita da amostra. Assim,
aspecto pode variar, tornando-se turvo, he- no LCR sub-occipital, ela não ultrapassa 30
morrágico ou xantocrômico. O LCR turvo é mg/100 ml; no LCR ventricular 25 mg/100 ml
característico dos processos inflamatórios e no LCR lombar 40 mg/100 ml. O aumento
agudos e sub-agudos das meninges, isto é, da concentração proteica é mencionado como
das meningites. O LCR hemorrágico é encon- hiperproteinorraquia. Esta é: discreta quando
trado em processos hemorrágicos que acome- não superior a 50 mg/100 ml; moderada,
tem o espaço subaracnóideo e o SNC, ou quando entre 50 e 200 mg/100 ml; nítida,
por hemorragias acidentais de punção. Nos quando acima de 200 mg/100 ml. O estudo
verdadeiros processos hemorrágicos o aspec- das proteínas é complementado pelo estudo
to do LCR permanece o m e s m o durante toda das frações proteicas mediante eletroforese.
a colheita e, após centrifugação, o sobrena- Este exame é importante pois e m várias
dante apresenta xantocromia. Nos acidentes afecções do sistema nervoso a concentração
de punção, durante a colheita, ao se deixar proteica total pode estar normal, mas o perfil
gotejar o LCR, a hemorragia vai diminuindo eletroforético pode ser anormal. Os valores
de intensidade (prova dos 3 tubos); após a normais para a eletroforese são: pré-albu-
centrifugação, o sobrenadante é límpido e mina: até 8 % ; albumina: 45 — 6 4 % ; globu-
incolor ou ligeiramente xantocrômico. A xan- linas alfa-1: 3 — 7 % ; blogulinas alfa-2: 5 —
tocromia — que é a alteração de cor mais 1 1 % ; globulinas beta ( + tau): 13 — 2 5 % ;
comumente observada — pode ser devida aos globulinas gama: 7 — 1 4 % . Pode-se também
processos hemorrágicos mencionados e po- fazer o estudo das imunoglobulinas, realizado
de, ainda, acompanhar: grandes turvações, através de "imunoplates" por exemplo, para
como ocorre em meningites bacterianas; gran- verificação dos seus tipos principais, ou seja,
des aumentos proteicos; hiperbilirrubinemias IGG, IGA, IGM.
acentuadas. Os pigmentos estudados na xan- O estudo das reações para globulinas e
tocromia são a bilirrubina e a hemoglobina das reações coloidais, embora dê idéia de
cujas concentrações são expressas micro- como estejam as relações entre albumina e
mcl/l. globulinas é substituído hoje e m dia pela

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eletroforese. No entanto, ainda são feitos ramente são feitas reações imunológicas pa-
quando não se pode realizar a eletroforese. ra sífilis e para cisticercose. As primeiras
A concentração de glicose no LCR cor- compreendem: a) V.D.R.L.; b) Wassermann;
responde normalmente a cerca de 2/3 da c) FTA-Abs. Das reações imunológicas para
encontrada no sangue, assim, os valores nor- cisticercose, afecção bastante c o m u m no
mais se encontram distribuídos entre 50 e nosso meio, é utilizada mais amplamente a
80 mg/100 ml. A concentração de cloro é de fixação do complemento. De acordo com
expressa e m cloreto de sódio e, e m condi- o tipo de afecção suspeitada, várias outras
ções normais varia entre 680 e 750 mg/100 reações podem ser feitas como as reações
ml. A concentração de uréia do LCR é se- imunológicas para toxoplasmose, para tuber-
melhante à encontrada no sangue, não cos- culose e para diversas micoses. Não é ne-
tumando ultrapassar e m condições normais, cessário dizer que, e m condições normaiSj
30 mg/100 ml. todas essas reações são negativas.
Destacam-se no estudo enzimológico no Caso necessário, como e m meningites,
LCR a determinação das atividades de tran- o exame bacteriológico é de capital impor-
saminase glutâmico-oxalacética (TGO) e de tância. É feito exame bacteriológico direto
deidrogenase lática (DHL). O s valores nor- e m preparados corados pelo método de Gram
mais para o T G O vão até 20 unidades Sigma- e pelo de Ziehl. É feita ainda semeadura do
Frankel e de D H L até 55 unidades King/ml. sedimento e m vários tipos de meios de cul-
Nos casos de tumores do S N C e m estado tura, procurando abranger diversos tipos de
inicial de evolução, por exemplo, o estudo bactérias. O exame micológico também se
dessas enzimas é muito importante pois, às impõe: o direto, por métodos como o de
vezes, é encontrado como única alteração e m Moore e de Weidman e Freeman; culturas e m
um exame de LCR. As alterações do D H L são meio especiais, como e de Sabouraud.
mais rápidas e mais evidentes das encon- O importante do exame do LCR é a sua
tradas para o T G O nesses casos. avaliação global, levando e m conta todos os
No exame imunológico do LCR têm ocor- aspectos mencionados e interpretando-os
rido grandes progressos. Ele é feito através sempre frente aos dados clínicos, neuroló-
de estudos de anticorpos que podem ocorrer gicos, do paciente. Só assim ele se impõe
no LCR e m determinadas afecções. Rotinei- e assume grande valia e m clínica neuroló-
gica.

Centro de investigações e m Neurologia, F M U S P — Caixa Postal, 5199 — São Paulo, 01000, SP — Brasil.

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ELECTRENCEFALOGRAFIA
Rosi M. Grossmann *

As células cerebrais exteriorizam seu as principais formas de epilepsia podem ser


funcionamento por uma atividade elétrica rít- esquematicamente classificadas, de acordo
mica, que corresponde à despolarização pe- com a origem da descarga irritativa, em:
riódica das suas membranas. Os bilhões de parciais ou focais e centrencefálicas; estas
neurônios cerebrais desenvolvem atividade se subdividem e m pequeno mal, com seus
elétrica da ordem de apenas microvolts; esse três tipos descritos classicamente (ausência,
potencial é assim diminuto porque corres- mioclônico e atônico) e em grande mal.
ponde a pequeníssimos potenciais de cada As epilepsias parciais são decorrentes
unidade celular e, principalmente, porque os de descargas irritativas focais, iniciadas em
neurônios descarregam de maneira assíncro- qualquer ponto do córtex cerebral ou região
na, de modo que seus potenciais não che- subcortical, com excessão da região centren-
gam a se somar e se dispersam no tempo. cefálica. A sintomatologia clínica varia de
Portanto, uma das características do funcio- acordo com a localização da descarga inicial
namento normal do cérebro é a assincronia determinando o aparecimento de crises par-
das descargas de suas células; a outra carac- ciais de sintomatologia diversa, dependendo
terística é a ritmicidade. da região afetada, e de crises parciais secun-
A atividade elétrica cerebral originada dariamente generalizadas (convulsões tônico-
nos neurônios corticais é regulada pela su- clônicas generalizadas precedidas por aura).
bstância reticular do tálamo e tronco cere- Nessas epilepsias a descarga irritativa se
bral, a qual, mantendo conexões com todas expressa electrencefalograficamente através
as regiões corticais e com os sistemas gan- das espículas e das ondas agudas.
glionares subcorticais, os submetem a uma Espículas são ondas com morfologia
cadência central, que torna o funcionamento pontiaguda, rápidas, durando até 1/12 do se-
cerebral uma unidade definida. Assim, a ati- gundo, geralmente de voltagem elevada, que
vidade elétrica cerebral normal se apresenta traduzem foco superficial, situado na conve-
ao registro gráfico, o electrencefalograma xidade cortical.
(EEG), com características de organização, Ondas agudas são semelhantes às espí-
ritmicidade, regularidade e simetria. culas, porém mais lentas, com duração de
Das diversas alterações passíveis, de 1/12 a 1/5 do segundo e traduzem foco cor-
ocorrer no EEG, constituem objeto deste es- tical de situação mais profunda.
tudo aquelas mais comumente encontradas Tanto as espículas como as ondas agudas
nas epilepsias. podem ficar restritas a uma região ou atingir
A manifestação fisiopatológica funda- várias regiões ou, até mesmo, todo um he-
mental da descarga epiléptica é representada misfério cerebral.
por um potencial maior e de rápida duração, As epilepsias centrencefálicas têm sua
produzido por um grupo de neurônios que descarga inicial se originando no centrencé-
descarregam sincronicamente de maneira falo, dando como sintomatologia primária a
anormal e excessiva. A sincronização dessas perda da consciência, seguida ou não de
descargas determina alteração do ritmo ce- convulsão generalizada.
rebral normal, dando aparecimento no EEG C o m o já foi exposto, as epilepsias cen-
às anormalidades de tipo epiléptico ou seja trencefálicas são subdivididas em: pequeno
as anormalidades irritativas. mal e grande mal (representada clinicamente
No EEG essas descargas se traduzem por crises convulsivas generalizadas sem
por alterações paroxísticas, isto é, temporá- aura).
rias e não contínuas, abruptas, destacando-se Ouando a anormalidade irritativa ocorre
do ritmo de fundo quer pela sua morfologia na reqião centrencefálica (de situação me-
quer pela sua voltagem elevada. Os grafo- diana e profunda sendo amplamente conec-
elementos irritativos que aparecem no EEG tada com toda a corticalidade) dá origem,
são: espículas, ondas agudas, complexos de no EEG. a descargas especiais: os complexos
espícula-onda e complexos de polispícula- de espícula-onda e os de polispículas ou
onda. polispícula-onda. Essas anormalidades apare-
Admitindo o conceito de sistema centren- cem no EEG com características singulares,
cefálico, desenvolvido por Penfield e Jasper, sendo bilaterais e síncronas, isto porque a
* Médica Assistente da Disciplina de Neurologia da F (Prof. Dr. H. M. Canelas).

Página 12
descarga originada na região centrencefálica ondas lentas (delta) de pequena amplitude,
se difunde para todo o córtex cerebral ao correspondendo à fase comatosa. A seguir
m e s m o tempo e com a m e s m a intensidade as ondas delta vão sendo progressivamente
para regiões homólogas, com as m e s m a s substituídas por ondas mais rápidas, até à
características de forma, freqüência e am- normalização do traçado.
plitude, aparecendo e desaparecendo de ma- Durante as crises parciais a descarga
neira abrupta. inicial de espículas ou de ondas agudas, lo-
O s complexos de espícula-onda são cons- calizadas e m u m a região, determina o re-
tituídos por u m a espícula seguida por u m a crutamento progressivo de maior número de
onda lenta, que geralmente se repetem al- neurônios dando ondas espiculares mais ou
gumas vezes, de maneira bilateral e síncrona. menos ritmadas a 10/s, que após alguns
Tais complexos, quando se repetem de ma- segundos são substituídas paulatinamente
neira ritmada com a freqüência de 3 por por ondas mais lentas, sendo que no final
segundo, constituem a anormalidade eiectren- da crise, após u m breve período de acha-
cefalográfica tipicamente encontrada no pe- tamento do traçado, podem aparecer ondas
queno mal ausência; quando são mais rápidos delta indicativas de sofrimento cerebral pós-
podem ser encontrados no grande mal e, crise, localizadas na região do foco. Quando
quando mais lentos, no pequeno mal atônico. a descarga focai se torna suficientemente
O s complexos de polispículas são cons- intensa para atingir a região centrencefálica,
tituídos por várias espículas agrupadas, tam- ocorre perda da consciência, seguida de con-
bém com aspecto bilateral e síncrono, geral- vulsão tônico-clônica generalizada (é a crise
mente difusos, que quando se seguem de tônico-clônica generalizada secundária ou con-
uma ou algumas ondas lentas constituem os vulsão tônico-clônica generalizada precedida
complexos de polispícula-onda. São encon- por aura).
trados no pequeno mal mioclônico, e m qual- EEG no Período Intercrítico
quer mioclonia epiléptica e também no gran- Muito raramente o EEG é obtido durante
de mal. as crises epilépticas, pois elas geralmente
EEG Durante as Crises Epilépticas são raras, ou m e s m o quando freqüentes, difi-
Durante as crises de pequeno mal au- cilmente ocorrem durante os 30 a 40 minutos
sência ocorrem surtos prolongados, com 15 e m que o paciente está sendo submetido ao
a 20 segundos de duração, de complexos de EEG, então, o que é estudado na rotina elec-
espícula-onda com a freqüência de 3/s de trencefalográfica é o período intercrítico.
projeção difusa, bilateral e síncrona, geral- Nesse período o traçado de base se apresen-
mente mais evidentes nas regiões anteriores. ta normal, sendo interrompido por descargas
Durante as crises de pequeno mal mio- ou surtos de espículas ou de ondas agudas
clônico ocorrem surtos, durante 1 a 2 se- localizadas, nas epilepsias focais, e surtos
gundos, de complexos de polispículas ou de de breve duração de complexos de espícula-
polispícula-onda, também de projeção difusa, onda, polispículas ou polispícula-onda, nas
bilateral e síncrona. Tais complexos não são epilepsias centrencefálicas.
patognomônicos de pequeno mal mioclônico, A porcentagem de anormalidades irrita-
podendo ocorrer e m outros tipos de mioclo- tivas que ocorrem nos traçados de repouso
nias epilépticas. de pacientes epilépticos é de mais ou menos
O pequeno mal atônico é u m a entidade 60 a 7 0 % . Quando são empregados os mé-
discutível como forma independente de epi- todos de ativação (hiperpnéia, fotostimulação
lepsia, sendo agrupado por alguns autores intermitente, sono, etc.) essa porcentagem
como variante do pequeno mal ausência e, aumenta para 90 a 9 5 % . A hiperpnéia é pra-
por outros, como variante do pequeno mal ticada de rotina, sendo particularmente útil
mioclônico. nos casos de pequeno mal ausência; a fo-
Durante a crise de grande mal a anor- tostimulação intermitente tem sua indicação
malidade é bilateral e síncrona, difusa. O principal nos casos de mioclonias e o sono
início da crise se acompanha de ondas rá- é especialmente indicado nos pacientes com
pidas de voltagem inicialmente pequena, que epilepsia psicomotora ou e m outros tipos de
rapidamente se eleva transformando-se e m crise do lobo temporal.
espículas, correspondendo à fase tônica da A valorização do EEG no diagnóstico e
crise; na fase clônica aparecem ondas lentas no tratamento das epilepsias deve ser corre-
se interpondo aos grupos de espículas, que lacionada e interpretada à luz dos dados e
coincidem com as contrações clônicas; os da evolução clínica de cada caso individual-
grupos de espículas vão se tornando cada mente, constituindo-se assim o EEG, num
vez mais espaçados até que, após a última
Centro de Investigações e m Neurologia, F M U S P — Caixa método semiológico de extrema valia à clí-
contração clônica, são evidenciadas apenas nica, mas a ela subordinado.
Postal, 5199 — São Paulo, 01000, SP — Brasil.
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ELECTRONEUROMIOGRAFIA
E. S. Lusvarghi *

Nos dois últimos decênios tem adquirido mação espacial). Quando num músculo o
especial interesse entre as diferentes técni- número de unidades motoras, susceptíveis
cas de exploração neuromuscular, as diferen- de serem ativadas durante a contração, se
tes modalidades de electroneuromiografia, encontra reduzido por dado processo pato-
mediante as quais são estudadas as proprie- lógico, basicamente ocorrerá somação tem-
dades elétricas intrínsecas dos músculos es- poral. Esquematicamente, esta é a somação
queléticos. que ocorre nas atrofias neurogênicas. Quando
Destaca-se em especial a electromiogra- o valor funcional da fibra estiver diminuído,
fia (EMG), que pode ser feita empregando-se sem alterações significativas das unidades
electrodos de placa ou electrodos de agulha. motoras, observa-se somação espacial, basi-
No primeiro caso obtém-se o chamado elec- camente observada e m afecções musculares
tromiograma global, através do qual são ana- primárias.
lisadas a presença ou ausência de atividade Além disso, a E M G pode visar o estudo
de um músculo. Quando são utilizados elec- de movimentos anormais ou a análise de mo-
trodos de agulha, obtém-se o electromiogra- vimentos passivos, entre outras aplicações.
m a elementar, através do qual são analisados N u m músculo denervado, livre de influxos
mais detalhadamente os potenciais de ação de inibição central, podem ser encontrados
de dadas unidades motoras. Os electrodos potenciais de ação de amplitude e duração
tipo agulha podem ser, entre outros, mono- muito pequenas, quer na atividade de inserção
polares, bipolares ou coaxiais, e multipolares. quer no repouso. Esses potenciais são cha-
mados de fibrilações. Outros potenciais po-
A indicação da E M G global ou elementar
dem, nesses casos, ser observados. São as
e dos locais a estudar, dependem não só do
chamadas ondas positivas ou ondas agudas
objetivo do estudo, como do critério do exa-
positivas ou ondas "V". Habitualmente sur-
minador. Entende-se pois, que este deva saber
gem 2 a 3 semanas depois de ocorrer a
previamente quais as hipóteses clínicas do
denervação. Deve-se salientar que esses si-
caso, para que possa orientar o exame ade-
nais de denervação não são observados em
quadamente.
paralisias histéricas ou na atrofia de desuso,
Numa E M G devem ser analisadas: 1) por exemplo.
Atividade durante a inserção e no repouso — É importante a diferenciação entre fi-
C o m a introdução do electrodo tipo agulha brilações e fasciculações. As fasciculações
no músculo, observa-se no osciloscópio uma nada mais são do que a contração de uma
descarga de potenciais e esta deve ser ana- unidade motora e elas têm como caracterís-
lisada cuidadosamente, visto poder fornecer tica importante a arritimicidade. Com fre-
dados importantes; em repouso, num mús- qüência, as fasciculações aparecem em afec-
culo normal, observa-se um silêncio elétrico. ções crônicas de motoneurônios da ponta
2) Atividade durante a contração — Quando anterior. Nesse caso as fasciculações podem
de uma contração muscular, normalmente ou não ser acompanhadas de outros sinais
surgem potenciais de ação com certas carac- de denervação. E m casos de compressão ra-
terísticas de amplitude, duração e freqüên- dicular, podem surgir as fasciculações mas,
cia, além de uma forma e som próprios. habitualmente, elas ficam limitadas ao terri-
Vários fatores influem nas característi- tório da raiz ou raízes comprometidas. Além
cas de um potencial de ação. À medida e m desses potenciais, durante a contração volun-
que se aumenta a contração, ou seja, com tária, observam-se potenciais de unidades mo-
o decorrer da gradação da contração, ocorre toras normais, bem como potenciais polifá-
recrutamento de unidades motoras. Este pode sicos, numa certa percentagem de casos
decorrer de duplo mecanismo: aumento da (1 — 15%). Os potenciais polifásicos apre-
freqüência da pulsação das unidades motoras sentam-se com características específicas
(somação temporal) ou aumento do número que devem ser avaliadas, pois poderão au-
de unidades motoras postas em jogo (so- xiliar na interpretação da E M G .

* Médico Assistente do Centro de Investigações e m Neurologia da Disciplina de Neurologia da F M U S P


(Prof. Dr. H. M . Canelas).

Página 14
M
Nervos motores e nervos sensitivos po- vada somente atividades espontânea de de-
dem ser estudados quanto à condução ner- nervação (como fibrilações e ondas positivas).
vosa mediante estimulagão de dois pontos Há casos e m que u m músculo clinicamente
de u m dado nervo. Ocorre produção de u m é considerado paralisado. Nele pode ser ve-
potencial provocado pela estimulação, isto é, rificada pela E M G a ocorrência de uma ati-
o potencial evocado. Este pode ser captado vidade simples de unidades motoras, permi-
por electrodos tipo placa ou tipo agulha. O tindo avaliar o maior ou menor comprome-
tempo decorrido desde a estimulação até o timento. Pode-se também seguir a evolução
início da resposta é denominado tempo de e, e m particular, surpreender os primeiros
latencia. O cálculo da velocidade de condução sinais de reinervação. Esses sinais de reiner-
é feito dividindo-se a distância entre os pon- vação constam do aparecimento de pequenos
tos pela diferença dos tempos de latencia, potenciais polifásicos, de curta duração, de-
ou seja: nominados "potenciais nascentes" Por exem-
plo, após uma sutura nervosa o aparecimento
Velocidade de Condução = de potenciais "nascentes" sugere boa evo-
lução. Nesses casos, exames sucessivos que
distância entre os pontos mostrem aumento progressivo de unidades
motoras é elemento que leva a u m bom prog-
diferença dos tempos de latencia nóstico. C o m freqüência, nos casos favorá-
veis, há reinervação e são encontradas uni-
Utilizando-se essa técnica, pode ser cal- dades hipertróficas (potenciais gigantes). A
culada a velocidade de condução, quer de amplitude dessas unidades hipertróficas é
um nervo motor quer de u m nervo sensitivo. maior nas atrofias neurogênicas do que e m
Esquematicamente pode-se dizer que a velo- polineuropatias crônicas.
cidade de condução motora é normal e m le- 2) Quando ocorre denervação periférica
sões de ponta anterior da medula, lesões de localização imprecisa quanto à topografia
radiculares, afecções musculares primárias e das lesões ou quanto à localização do pro-
paralisias de origem central. Nas neuropatias cesso patológico.
periféricas, com freqüência, as velocidades Sinais de denervação e m determinado
apresentam-se baixas. As diminuições das músculo, ou grupo muscular, por si só não
velocidades são evidentes na polirradiculo- fornecem a localização do processo. Recorre-
neurite e na neuropatia de Charcot-Marie- se então ao estudo da condução nervosa,
Tooth. Por vezes a velocidade de condução bem como da musculatura paravertebral. O
motora está normal ou discretamente dimi- encontro de sinais de denervação e m mús-
nuída, porém há um nítido retardo na porção culos da goteria vertebral, ao nível do seg-
distai. Este se traduz por aumento do tempo mento correspondente, reforça a localização
da latencia distai. É, por exemplo, o que da patologia em nível medular ou radicular,
ocorre na síndrome do túnel do carpo. Além pois estaria comprometendo o ramo anterior
disso, a estimulação nervosa pode ser utili- e posterior do nervo raqueano.
zada no estudo da transmissão neuromuscu- Potencial de ação de amplitude elevada
lar, da resposta de u m nervo misto a estí- (vários milivolts), sugere u m comprometimen-
mulos de intensidade crescente (estudo do to crônico e lentamente evolutivo. A forma
reflexo de Hoffmann), de potenciais cerebrais dos potenciais polifásicos, bem como a res-
evocados, entre outros. pectiva percentagem, também é dado útil.
Outro dado importante é a constatação de
Electroneuromiografia na Prática fasciculações: falam a favor de afecções crô-
Neurológica nicas da ponta anterior e de certos tipos de
compressão radicular.
Diversas situações devem ser analisadas, Não deve ser esquecido associar o es-
especialmente quando a prática neurológica tudo da condução nervosa (velocidade de
é considerada e 4 delas merecem destaque: condução motora e sensitiva), visto ser ele-
1) Quando há uma síndrome de dener- mento habitualmente importante. C o m o foi
vação periférica com diagnóstico clinicamente referido, no comprometimento da ponta an-
evidente. terior as velocidades de condução motoras
Em grande número de casos, o exame são normais ou estão discretamente diminuí-
clínico é suficiente para o diagnóstico de das, habitualmente. Outro fato a ser lembrado
denervação. Destacam-se entre elas, a polio- é o estudo do nervo e m seus vários seg-
mielite anterior aguda, os traumatismos ple- mentos. Assim, por exemplo, numa compres-
xuais e a paralisia facial periférica. Nesses são do nervo ulnar ao nível da goteira epitró-
casos a E M G não só confirma o diagnóstico, cleo-olecraniana, a velocidade de condução
mas permite avaliar o grau de comprometi- motora está nitidamente diminuída. Deve-se
mento com mais precisão que o exame clí- salientar que as medidas comparativas das
nico e o exame elétrico clássico. Dessa for- velocidades de condução em intervalos re-
ma, se a denervação for completa, é obser- gulares permitem apreciar a evolução. Por

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exemplo, na polirradiculoneurite, uma diminui- nessas últimas, os potenciais espontâneos
ção progressiva da velocidade indica que a são mais freqüentemente observados.
afecção ainda está em evolução, pois sua Na distrofia miotônica (moléstia de Stei-
remissão é marcada por u m aumento da nert), associados aos sinais de atrofia mus-
velocidade de condução motora. cular, ocorrem "pancadas" de potenciais de
3) Diante de uma atrofia muscular. alta freqüência com u m som característico
Nesses casos a E M G é muito valiosa (semelhante a picada de avião" os "dive-
para o diagnóstico entre atrofia muscular pri- bomber") denominados descargas miotônicas.
mária ou secundária. Observa-se habitual- Nas atrofias neurogênicas progressivas,
mente em miopatias, durante o repouso, si- o empobrecimento do traçado em exames
lêncio elétrico; potenciais espontâneos são sucessivos permite avaliar a evolução. Em
mais freqüentemente encontrados nas poli- casos de atrofias musculares progressivas de
miosites. Durante a contração é c o m u m a localização distai, não deve ser esquecido o
ocorrência de potenciais de ação de ampli- estudo de condução nervosa. Assim, na amio-
tude e duração diminuídas; potenciais poli- trofia tipo Charcot-Marie-Tooth verifica-se di-
fásicos em número anormal e de curta dura- minuição da velocidade de condução motora.
ção podem ser encontrados. C o m freqüência, 4) Quando ocorre fatigabilidade anormal.
durante contração leve ou moderada, surge Classicamente considera-se que, com o
"padrão de interferência total". Pode ser ob- decorrer de uma contração voluntária máxi-
servado um padrão de interferência total, ma, há uma diminuição progressiva na ampli-
não com uma contração máxima mas com tude do traçado na miastenia gravis. Já no
uma contração leve ou moderada, esse padrão músculo normal e m fadiga há um empobre-
é considerado "paradoxal". cimento do traçado porém sem diminuição
Nas atrofias neurogênicas é freqüente, da amplitude.
no repouso, o encontro de fibrilações, ondas Habitualmente quando se observa essa
positivas ou fasciculações. Em casos de afec- diminuição progressiva na amplitude do tra-
ções crônicas do neurônio motor podem ser çado se faz o "teste do Tensilon" (cloreto
encontrados potenciais de ação hipertrofia- de edrofônio), podendo-se observar uma rá-
dos. É freqüente observar-se durante um es- pida recuperação na amplitude dos potenciais
forço máximo um padrão interferencial de de ação, nos pacientes com miastemia gravis.
unidades isoladas, o "single unit interference Além disso, é freqüente realizar-se em
pattern" casos de fatigabilidade anormal com suspeita
Por vezes é difícil o diagnóstico dife- de miastenia gravis, a estimulação repetitiva
rencial entre uma atrofia neurogênica e uma (estímulos supramáximos). Deve-se lembrar
miopatia de longa evolução. que a freqüência utilizada é importante de
Alguns fatos auxiliam no diagnóstico di- ser considerada, visto ser um dos elementos
ferencial entre miopatias e polimiosite ou que se utiliza para o diagnóstico diferencial
dermatomiosite. Entre eles pode-se citar que, da síndrome de Eaton-Lambert.

Centro de Investigações e m Neurologia, F M U S P — Caixa Postal, 5199 — São Paulo, 01000, SP — Brasil.

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NEURORRADIOLOGIA
J. Zaclis *

Neurorradiologia significa raios X aplica- tem despistar posição anormal dessa glân-
dos à Neurologia. dula.
Além de radiografias simples do crânio Em 1918 Dandy, inspirado num caso de
e da coluna vertebral, a neurorradiologia uti- pneumencéfalo traumático observado 6 anos
liza métodos e técnicas especiais, cujo con- antes, descobriu e sistematizou a técnica da
junto justifica ser Neurorradiologia uma es- pneumoventriculografia, método que se reve-
pecialidade dentro da Neurologia. lou recurso de grande valia no diagnóstico,
C o m a descoberta dos raios X, capazes principalmente de tumores intracranianos. No
de atravessar o corpo humano, veio a espe- m e s m o ano, o próprio Dandy descreveu a
rança de se poder ver as diferentes vísceras, pneumencefalografia, exame este de maior
o que seria um grande recurso para o diag- alcance do que o primeiro, posto que, além
nóstico de suas afecções. Logo porém, essa das cavidades ventriculares, permite a visi-
esperança se desvaneceu porque foi obser- bilização radiográfica também dos espaços
vado que era necessária uma grande dife- subaracnóideos da base e da superfície do
rença de absorção desses raios entre os encéfalo, e ainda por prescindir de trepana-
tecidos adjacentes para que u m pudesse ser ção craniana.
distinguido do outro. Assim, ao se radiografar As pneumografias, pelo seu interesse,
a cabeça de uma pessoa, o que aparece na foram sofrendo progressivos aperfeiçoamen-
radiografia é só o crânio. Algumas vezes tos técnicos, sendo descritas muitas varian-
pode também ser vista numa radiografia da tes, tais como cisternografia, pneumencefa-
cabeça, esta ou aquela estrutura intracrania- lografia fracionada, ventriculografia central e
na que, por esta ou aquela razão, se torna outras. A essas técnicas foram sendo jun-
radiopaca em virtude de deposição de sais de tados os recursos da estereografia, tomogra-
cálcio. Também são claramente visíveis le- fia e subtração de imagens, com o que a
sões osteolíticas que acometem a calota ou pneumografia se tornou método por vezes
os ossos da base do crânio. muito trabalhoso e altamente sofisticado,
Doenças dos ossos e certas doenças sis- sempre com vistas e m resultados cada vez
têmicas produzem alterações nos ossos que mais precisos. Paralelamente novos aparelhos
podem ser detectadas e m radiografias. U m de raios X foram sendo produzidos tendo
tumor intracraniano, crescendo e m contato sempre por objetivo cada vez maior precisão
com o tecido ósseo do crânio, pode também no diagnóstico. Ao m e s m o tempo desenvol-
determinar alterações ósseas mais ou menos veram-se as técnicas de perimielografia, uti-
características. Além diso, tumores e outros lizando contrastes radiopacos e mediante
fatores determinantes de aumento da pressão estudos de diversos autores, notadamente de
intracraniana produzem alterações cranianas Sicard e Forestier (1922) e Dandy (1919).
gerais ou localizadas que podem denunciar Em 1927, a neurologia deu um significa-
essa hipertensão. tivo passo com o lançamento, por Egas Mo-
Em virtude do que acabo de expressar, niz, de novo método de diagnóstico — a
os radiologistas antigos dedicaram grande angiografia cerebral. Este novo método teve
atenção no sentido de descobrir e descrever pronta aceitação na Suécia e na Alemanha,
os mínimos elementos capazes de constituir onde ele sofreu rápido desenvolvimento e
sinais válidos no diagnóstico das afecções aperfeiçoamento técnico. Lá foram desenvol-
intracranianas, concentrando seus estudos na vidos e aperfeiçoados os primeiros seriógra-
sela túrcica. fos. Os meios de contrastes hidrossolúveis
A glândula pineal é uma das estruturas constituíram também importante aperfeiçoa-
intracranianas freqüentemente visíveis e m ra- mento. Nas suas primeiras tentativas para
diografias do crânio, podendo ser deslocada opacificar os vasos cerebrais, Moniz empre-
nesta ou naquela direção e m caso de proces- gou o brometo de estrôncio, passando logo
so expansivo intracraniano. Por isso foram a seguir para o iodeto de sódio. Depois veio
desenvolvidos diversos métodos que permi- o Thorotrast e, depois, os meios de contraste

• Professor Assistente Docente da Disciplina de Neurologia da F M U S P (Prof. Dr. H. M . Canelas).

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hidrossolúveis que, por sua vez, vêm sendo sibilização também, os espaços normalmente
aperfeiçoados dia a dia. Do ponto de vista preenchidos por líquido cefalorraqueano. As-
da técnica de realização, há também no to- sim, u m tumor que não acarreta qualquer
cante à angiografia grande número de va- alteração óssea no crânio pode ser diagnos-
riantes. É interessante assinalar que Moniz ticado, e perfeitamente localizado, mediante
começou por punção percutânea, optando uma pneumografia que revela deformação e
depois pela punção arterial a céu aberto. desvio do sistema ventricular neste ou na-
Foram principalmente os escandinavos que quele sentido.
sistematizaram a punção percutânea dando Mas a pneumencefalografia assim como
maior divulgação ao método. Seguiu-se o a pneumoventriculografia comportam algumas
cateterismo arterial, como aperfeiçoamento restrições, sendo contraindicadas em certas
técnico precioso, principalmente quando se circunstâncias. Quando se está frente a um
trata de angiografia do sistema vértebro-ba- caso de hipertensão intracraniana e principal-
silar e medular. O cateterismo ultra-seletivo mente quando esta é devida a um processo
que permite, em mãos excepcionalmente há- expansivo da fossa craniana posterior, a pun-
beis, a introdução de finos catéteres e m arté- ção raqueana e conseqüente saída de líquido
rias cerebrais, desenvolveu-se posterior- cefalorraqueano, favorece a herniação do ce-
mente. rebelo através do forame magno com as
Não sendo levadas em conta uma ou conseqüências que são bem conhecidas. Tam-
outra tentativa anterior, pode-se dizer que o bém a ventriculografia sofre restrições se-
método começou a entrar na rotina dos maio- melhantes. Havendo u m tumor em um dos
res centros brasileiros por volta de 1950. hemisférios cerebrais, a supressão de líquido
O avanço mais notável em matéria de cefalorraqueano através da cânula introduzida
Neurodiagnóstico ocorreu em 1971, na Ingla- e m uma cavidade ventricular, favorecerá o
terra, quando foi lançado o protótipo do deslocamento desse hemisfério tumefeito em
aparelho que recebeu o nome de EMI-Scan- direção do hemicrânio oposto, acarretando
ner. Este aparelho, uma combinação de raios uma hérnia por baixo da foice do cérebro.
X com computador eletrônico, "corta" o seg- Em caso de tumor na fossa craniana poste-
mento cefálico em fatias horizontais, ou seja, rior, a punção ventricular e retirada de líquido
perpendiculares ao eixo longitudinal e daí cefalorraqueano favoreceria a hérnia trans-
a designação genérica de tomografia axial tentorial do cerebelo. Para obviar esses in-
computadorizada (CAT), que esta forma de convenientes, a regra é só realizar esta ou
investigação tem hoje. aquela pneumografia imediatamente antes do
ato cirúrgico. A angiografia cerebral, não
Devido à capacidade que tem o com-
interferindo na dinâmica do líquido cefalorra-
putador de "perceber" pequenas diferenças
queano, dificilmente poderá agravar a sinto-
de absorção de raios X, depois de u m feixe
matologia do paciente. O diagnóstico de pro-
desses raios atravessar um objeto constituí-
cesso expansivo intracraniano se baseia nas
do de tecidos diversos, a tomografia com-
modificações do trajeto dos vasos em con-
putadorizada mostra o crânio e seu conteúdo,
seqüência do deslocamento do cérebro. Além
bem como as órbitas e seu conteúdo como
disso, poderá ser vista também a circulação
se fossem cortados e m fatias, podendo-se
nos vasos de neoformação que permite, não
distinguir em cada uma delas todas as par-
raro, uma boa aproximação quanto ao tipo
ticularidades estruturais como substância
de tumor. Além disso a angiografia mostra,"
cinzenta, substância branca e cavidades ven-
e nesse terreno é insubstituível, as afecções
triculares, sem que para isso seja necessário
o uso de qualquer elemento de contraste. vasculares intrínsecas como oclusões de di-
versas naturezas, aneurismas, malformações
Todos os métodos até aqui mencionados angiamatosas, etc. Graças à angiografia, teve
integram a moderna neurorradiologia. Cada grande desenvolvimento a cirurgia vascular
um deles ainda encontra suas indicações pre- com a qual muitas vidas são salvas.
ferenciais segundo o caso a ser resolvido,
mas cada processo novo que surge restringe Quando se deseja estudar as partes me-
um pouco os processos precedentes. Assim, dianas do sistema ventricular terceiro ventrí-
a objetivação radiológica de um diagnóstico culo, aqueduto e quarto ventrículo — o mé-
neurológico até 1918 repousava e m sinais todo mais eficiente e prático é, a nosso ver,
indiretos resultantes de pressão sobre os a iodoventriculografia. Este método permite
ossos da base ou da calota craniana ou e m ver pormenores dificilmente visíveis por ou-
eventual calcificação de um tumor intracra- tros métodos. Seu emprego limitado na maior
niano. Em neurotraumatologia somente eram parte dos serviços americanos e europeus,
passíveis de visibilização as fraturas e per- é devido, ao que parece, a u m lançamento
furações cranianas e espinhais, mas nada inadequado.
quanto a lesão dos órgãos contidos no crânio Todos os métodos de que tratamos até
ou canal espinhal. C o m o advento das pneu- aqui comportam algum risco, maior ou menor
mografias, passaram a ser passíveis de vi- ou, pelo menos, maior ou menor grau de

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desconforto para o paciente e daí a sua cação é mais ampla, sendo o meio ideal para
indicação apenas quando absolutamente ne- a descoberta de tumores cerebrais ainda
cessários. assintomáticos.
A tomografia computadorizada nao tem A tomografia computadorizada, que já
contraindicações, não traz qualquer desconfor- v e m sendo aplicada para o corpo todo e c o m
to para o paciente, é altamente fiel quanto grande êxito, ainda não é suficientemente
às informações que presta e pode revelar fiel para o diagnóstico das afecções intrarra-
afecções que os outros métodos não revelam. queanas. Acredito que as dificuldades técni-
Isto não quer dizer que a tomografia com- cas ora existentes serão logo superadas e,
putadorizada é melhor do que os outros mé- assim, o desconforto da mielografia também
todos, mas quer dizer, sim, que a sua apli- ficará apenas para casos excepcionais.

Centro de Investigações e m Neurologia, F M U S P — Caixa Postal, 5199 — São Paulo, 01000, SP — Brasil.

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MENINGITES
J. P. S. Nóbrega

O termo meningite é utilizado para de- QUADRO CLÍNICO


signar processo inflamatório das leptome-
ninges. É de maior importância que em menin-
O sistema nervoso central é revestido gites o diagnóstico seja feito o mais preco-
por três membranas: duramáter, aracnóide e cemente possível, tendo e m vista sua gravi-
piamáter. A aracnóide e a piamáter, deno- dade e a necessidade de início imediato da
minadas e m conjunto leptomeninges ou me- terapêutica, para que o tratamento tenha
ninges moles, delimitam o espaço subarac- êxito e sejam evitadas seqüelas.
nóideo, no interior do qual está contido o O diagnóstico clínico é complementado
líquido cefalorraqueano (LCR). pelo exame de LCR. Este informará basica-
Assim, as meningites correspondem a mente sobre qual o tipo de meningite como
u m processo inflamatório das leptomeninges, por exemplo: bacteriana, a vírus, tuberculosa,
caracterizando-se pela presença de exsudato por leveduras. O conhecimento do agente
inflamatório no espaço subaracnóideo. Sua etiológico, orientará obviamente a escolha do
etiologia é diversa e a cada u m a corres- antibiótico específico.
ponde quadro de alterações do LCR carac- E m adultos e crianças c o m mais de 1
terístico, de importância para o diagnóstico, ano de idade, o diagnóstico clínico de me-
controle da evolução e resultado do trata- ningite é relativamente fácil e se baseia na
mento das meningites. verificação de sintomas e sinais decorrentes
O comprometimento das leptomeninges de três síndromes básicas: infecciosa, de
pode processar-se através de três vias: por hipertensão intracraniana e radicular.
propagação direta, por via hematogênica e A síndrome infecciosa é aquela comum
através das bainhas dos nervos craneanos. a todos os processos infecciosos: febre, mal
A propagação direta se faz: por conti- estar geral, prostração, dores musculares, en-
nuidade de processos inflamatórios de ossos, tre outros.
vasos sangüíneos, sistema nervoso, ou pela A síndrome de hipertensão intracraniana,
penetração de germes após traumas cranio- decorrente do edema cerebral e do aumento
encefálicos ou raquimedulares; por contigüi- do volume do LCR devidos ao processo in-
dade, podem desencadear meningites proces- flamatório, manifesta-se basicamente por ce-
sos como: osteomielite, otite média, mastoi- faléia, vômitos e fotofobia. A cefaléia é o
dite, sinusite, paquimeningites, abscessos sintoma mais constante, geralmente de gran-
peridurais ou intradurais, tromboflebites de de intensidade, generalizada, piorando com
seios venosos intracranianos e abscessos ce- esforços e movimentos; os vômitos são ca-
rebrais, entre outros. racterísticos, e m jato, e não precedidos de
O comprometimento por via hematogêni- náuseas.
ca pode ocorrer como conseqüência de bac- A síndrome radicular resulta da irritação
teremia primária ou secundária à infecção das raízes nervosas provocada pela leptome-
e m outro local. Infecção através das bainhas ningite e corresponde clinicamente a posi-
de nervos cranianos ocorre principalmente ções de defesa, antálgicas, assumidas pelo
através do nervo olfatório. paciente e visando evitar o estiramento do-
Raramente a contaminação pode ocorrer loroso radicular, b e m c o m o a determinadas
pela via transplacentária. Durante o trabalho manobras cujo objetivo é o de demonstrar
de parto o recém-nascido pode contaminar-se o sofrimento radicular. Exterioriza-se basica-
por aspiração, as meninges sendo atingidas mente pela rigidez de nuca e pelos sinais de
por via sangüínea. É por esse motivo que os Kernig e Brudzinski.
germes usuais do canal de parto e estruturas O diagnóstico clínico é mais difícil de
subjacentes são os principais agentes das ser feito e m recém-nascidos e crianças até
meningites e m recém-nascidos. cerca de 1 ano, devido a que os sinais e
Médico Assistente da Disciplina de Neurologia da F M U S P (Prof. Dr. H. M . Canelas).
sintomas descritos raramente estão presen-
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tes, o que provavelmente é devido à maior etiológicos freqüentes são estreptococos e
adaptação do crânio infantil à hipertensão, estafilococos. Posteriormente, e até cerca de
mascarando o quadro. No diagnóstico são le- 2 anos de idade, o agente etiológico mais
vados em consideração os sintomas de qua- freqüente de meningites é o Hemophilus
dro infeccioso e mudanças no comportamento influenzae e, acima de dois anos, o menin-
da criança; assim, entre outros dados, são gococo e o pneumococo.
valorizados: febre, recusa de alimento, tor-
Segue-se faixa etária e m que predominam
por alternando com irritabilidade, agitação,
as meningites a vírus e, posteriormente, já
rigidez ou hipotonia de nuca, abaulamento
na idade adulta, voltam a predominar as
de fontanela bregmática e m criança não de-
meningites bacterianas, destacando-se me-
sidratada, convulsões, paralisia de músculos
ningites por pneumococos e por estafilo-
extrínsecos oculares.
cocos.
CLASSIFICAÇÃO Deve-se ressaltar o fato de que o re-
cente surto de meningite meningocócica
As meningites podem ser classificadas ocorrido no Brasil, alterou a incidência acima
genericamente em: assépticas e sépticas, e relatada. Estudos estatísticos recentes mos-
estas em agudas, subagudas e crônicas. traram que, e m São Paulo, cerca de 9 2 %
As meningites assépticas são secundá- das meningites bacterianas são causadas por
rias a injeções intra-raqueanas de contrastes três agentes: Neisseria meningitidis (32%),
radiológicos ou de medicamentos, ou são Hemophilus influenzae (35%), Diplococcus
conseqüência de reação meníngea por con- pneumoniae (25%); apenas 8 % são causadas
tigüidade a focos infecciosos, tais como os- por outros agentes bacterianos, entre eles
teomielite, abscessos e mastoidite. Streptococcus, Staphylococcus e enterococos.
As meningites agudas costumam ser cau- Basicamente, porém, a prevalência dos
sadas por agentes bacterianos ou por vírus. agentes bacterianos por grupos etários con-
Entre as meningites subagudas destacam- tinua a mesma, fato este de grande impor-
se a meningoencefalite tuberculosa e as me- tância para o tratamento das meningites bac-
ningites por fungos, ressaltando-se entre terianas agudas.
estas a criptococose, a blastomicose e a
histoplasmose. DIAGNÓSTICO
Meningites crônicas podem ser encon-
tradas em várias condições infecciosas e Considerando-se as peculiaridades apon-
seu estudo, e o das meningites subagudas, tadas quanto ao quadro clínico, está indicada
escapam ao propósito deste texto. a feitura de punção (lombar ou sub-occipital)
para coleta de amostra LCR.
INCIDÊNCIA O LCR costuma apresentar-se hipertenso,
e turvo. A turvação assume intensidade va-
O estudo da incidência dos processos riável, e m decorrência do número de células
meningíticos deve ser feito levando e m con- presentes na amostra. E m geral, a pleocitose
sideração a faixa etária da população, pois e m meningites bacterianas agudas é intensa
variando esta, varia o agente etiológico pre- ou nítida. O exame citomorfológico revela
valente. predominante ou exclusivamente polinuclea-
Na infância é nítido do predomínio de res neutrófilos, às vezes já com evidentes
meningites na faixa de recém-nascido a 1 figuras de degeneração (piócitos). Há hiper-
ano de idade, ressaltando-se a grande inci- proteinorraquia, geralmente nítida ou intensa.
dência no primeiro mês de vida, o que é Hipocloretorraquia e hipoglicorraquia são
devido a uma série de peculiaridades do também patentes. O exame bacterioscópico
recém-nascido. Assim, como já foi salientado, pode revelar o agente etiológico. Culturas
durante o trabalho de parto a criança pode estão sempre indicadas, e, quando nelas se
contaminar-se por aspiração e, posteriormen- desenvolvem bactérias, importa identificá-las
te, através da pele, bastante sensível, ou e proceder a antibiograma. Baseada neste, a
no decurso de processos infecciosos entéri- conduta terapêutica poderá vir a ser modifi-
cos. As meninges são atingidas por via san- cada eventualmente.
güínea, dado haver maior permeabilidade da O tratamento satisfatório leva a redução
mucosa do aparelho digestivo e da barreira rápida de pleocitose e do predomínio de po-
hêmato-LCR, aliadas ao fato de não receber a linucleares neutrófilos, linfócitos, reticulomo-
criança imunidade materna contra os germes nócitos e macrófagos, e m seu conjunto, pas-
intestinais. Desta maneira, predominam me- sam a predominar no perfil citomorfológico.
ningites causadas pelos germes usuais do Ao m e s m o tempo, há progressiva tendência
Canal de parto e estruturas contíguas, ou a normalização das concentrações de proteí-
seja, meningites causadas por bacilos Gram- nas totais, cloretos e glicose. O agente etio-
negativos do grupo entérico. Sobressaindo lógico não é mais detectado, nem m e s m o
entre eles a Escherichia coli; outros agentes mediante culturas.

Página 21
O uso indiscriminado de antibióticos é o 6 meses devam ser tratados inicialmente com
principal fator responsável pelo insucesso ampicilina por via intravenosa; pacientes com
quanto a detecção do agente etiológico. E m até 6 meses de idade devem ser tratados
nosso meio, em cerca de 5 0 % das menin- com associação de antibióticos: ampicilina
gites e m que ocorrem as alterações do LCR por via intravenosa e gentamicina por via
próprias à síndrome da meningite aguda bac- intramuscular.
teriana, o diagnóstico etiológico é prejudicado U m a vez iniciado determinado esquema
dessa forma. de tratamento, ele deve ser mantido a não
É obvio que outros exames visando a ser que surjam evidências clínicas e labora-
isolar o agente etiológico estão indicados, toriais (através do LCR) de que não esteja
destacando-se entre efes a hemocultura. sendo eficiente, decorridas 48-72 horas de
Igualmente estão indicadas pesquisas orien- seu início. Nesta situação, e tendo ocorrido
tativas quanto às condições metabólicas ge- identificação do agente etiológico, deve ser
rais, cujos desvios importa corrigir precoce- utilizado o antibiótico que lhe seja especí-
mente também. fico e tal escolha deve ser baseada de pre-
ferência e m antibiograma. Na m e s m a situa-
TRATAMENTO ção e, não tendo sido identificado o agente
etiológico, deve-se substituir a ampicilina por
O tratamento das meningites bacterianas cloranfenicol, por via intravenosa e a genta-
agudas deve ser iniciado o mais precoce- micina por kanamicina, por via instramus-
mente possível, tendo em vista: 1) a gravi- cular.
dade destas afecções; 2) a possibilidade de Os antibióticos devem ser utilizados na
complicações ou seqüelas em casos nos mesma dosagem que a inicial por u m pe-
quais a terapêutica foi indevidamente orien- ríodo nunca inferior a 7 dias, ocasião em
tada; 3) a freqüente dificuldade na identifi- que tanto a dose pode ser reduzida, quanto
cação imediata do agente etiológico. a via de administração alterada. Meningites
Na eventualidade de o agente etiológico por enterobactérias exigem manutenção do
ser identificado antes do início do tratamento, esquema inicial por mais tempo.
deve-se utilizar o antibiótico mais atuante em C o m o critérios mais comuns para sus-
relação à bactéria identificada. Assim, menin- pensão da administração dos antibióticos,
gites causadas por meningococos e por pneu- utilizam-se a normalização do LCR ou sua
mococos devem ser tratadas, como primeira evidente tendência à normalização e/ou 7
opção, com penicilina G cristalina e, como dias sucessivos e m que o paciente se man-
segunda opção, com ampicilina; meningites tenha afebril e em boas condições físicas.
por Haemophilus influenzae devem ser trata- Administração de antibióticos por via
das com ampicilina. C o m o antibiótico de se- intratecal só deve ser feito quando o anti-
gunda escolha para estas três bactérias uti- biótico indicado não atravessa a barreira
liza-se o cloranfenicol. Por outro lado, na hêmato-LCR, bem como e m casos muito gra-
eventualidade de decurso insatisfatório e ves e com m á evolução, o que ocorre com
tendo sido identificado o agente etiológico, maior freqüência em meningites por ente-
modificações do tratamento devem ser orien- robactérias e, particularmente, e m meningi-
tadas segundo o resultado do antibiograma. tes por Pseudomonas aeruginosa. Nos casos
U m a vez feito o diagnóstico de menin- considerados mais graves e nos quais o
gite bacteriana aguda e não sendo conhecido edema cerebral esteja desempenhando com-
seu agente etiológico, seja por demora em plicação importante recomenda-se a utiliza-
sua identificação ou seja por esta ser im- ção de corticosteróides, em especial a dexa-
possível, a antibioticoterapia deve ser ini- metasona.
ciada levando-se em consideração o grupo Finalmente, deve ser lembrado que é
etário a que o paciente pertence e os res- fundamental para o bom êxito do tratamento
pectivos germes nele prevalentes. Na escolha das meningites bacterianas agudas a manu-
do antibiótico deve ser levada e m conta sua tenção do paciente e m boas condições ge-
capacidade para ultrapassar a barreira hê- rais, procur.ando-se evitar intercorrências que
mato-encefálica e a barreira hêmato-LCR e, possam vir a complicar a moléstia de base.
portanto, sua capacidade em atingir níveis
Tratamento precoce e bem orientado le-
considerados satisfatórios para a terapêutica
va a uma remissão completa do quadro me-
no sistema nervoso central e leptomeninges
ningítico, tornando mínimas as probabilida-
e, consequentemente, no LCR.
des de seqüelas, tão freqüentes antigamente,
Levando-se e m consideração os germes e entre as quais podem ser citadas as cole-
prevalentes nas diversas faixas etárias, reco- ções subdurais, os abscessos cerebrais e
menda-se que pacientes com idade acima de as hidrocefalias.

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EPILEPSIAS
L. A. Bacheschi

A importância do estudo da epilepsia las nervosas desenvolve u m a atividade elé-


para o neurologista depende, basicamente, de trica da ordem de apenas milionésimos por-
sua elevada incidência dentro da especiali- volt. Esse potencial é assim diminuto por-
dade, tanto e m seu consultório c o m o e m que são infinitesimais os potenciais de cada
ambulatórios de instituição de assistência unidade celular e porque os neurônios des-
médica. É expressivo assinalar que no am- carregam de maneira assíncrona: seus po-
bulatório da Clínica Neurológica da F M U S P , tenciais não chegam somar-se e se disper-
3 0 % dos pacientes que o procuram apresen- sam no tempo. U m a das características do
tam manifestações epilépticas. funcionamento do cérebro normal é, portanto,
Para o médico e m geral, entretanto, sua a assincronia da descarga de suas células;
importância deriva de aspectos outros tão a outra característica é a ritmicidade. "A
importantes como a incidência. Assim o dra- manifestação fisiopatológica fundamental da
mático início súbito e o quadro chocante descarga epiléptica é representada por u m
das manifestações epilépticas conferem his- potencial maior e de rápida duração, produ-
toricamente, desde os tempos bíblicos, a zido por u m grupo de neurônios que descar-
identificação da epilepsia c o m muitos estig- rega assincronicamente de u m a forma anor-
mas e m e s m o maldição. Essa lamentável mal e excessiva"
herança histórica é responsável pelo absurdo Pode-se observar que essa descarga
de se observar, ainda nos tempos de hoje, anormal e excessiva caracteriza-se pela ra-
parcela razoável da população (não somente pidez de sua duração e, dependendo de sua
aquela de menor nível sócio-cultural) que intensidade, pode propagar-se numa exten-
considera a epilepsia c o m o u m a doença in- são variável a partir do grupo neuronal que
curável, incapacitante e vergonhosa, identi- a desencadeou. Teoricamente, tal descarga
ficando-a muitas vezes c o m o sinônimo de pode originar-se e m qualquer agrupamento
retardo mental, idiotia ou insanidade. neuronal do S N C , embora o cortex cerebral
Nesses aspectos apresentados, talvez re- seja u m a área de maior predileção. A alte-
sida a importância do médico e m geral. ração no ritmo cerebral normal provocada
Apoiado no conhecimento da doença, deve por essa descarga, a sua rápida duração e
procurar esclarecer seus clientes ou todos sua eventual recorrência justificam a deno-
aqueles que o cercam, destruindo esses ta- minação de Lennox de "disritmia paroxís-
bus e incompreensões. tica".
FISIOPATOLOGIA Nesse ponto, já é possível compreender
As manifestações epilépticas decorrem que u m a descarga neuronal excessiva n u m
de uma descarga ou sucessão de descargas determinado ponto e sua propagação para
neuronais excessivas, que podem ocorrer e m áreas vizinhas do córtex cerebral pode pro-
múltiplas estruturas encefálicas e obedecer vocar manifestações clínicas relacionadas à
a situações condicionantes e causais as mais estimulação dessas áreas. Isto seria similar,
diversas (Barraquer-Bordas). c o m o é de conhecimento notório, ao fato
Para melhor compreensão será adotada experimental de serem provocados atos mo-
a interpretação, simplificada e facilmente tores ou sensações das mais diversas ao
compreensível de Marques-Assis: "As célu- serem estimuladas áreas específicas do cór-
las cerebrais exteriorizam sua funcionalidade tex cerebral. Assim, se essa descarga anor-
por atividade elétrica rítmica, que correspon- mal ocorrer na área motora, provocará u m
de à despolarização periódica de suas m e m - fenômeno motor no segmento orgânico a
branas. Essa atividade se exprime por va- ela relacionado. Ele terá início e fim súbito,
riações do potencial elétrico, que podem totalmente independente do controle voluntá-
ser registradas pelo médico electroenfalográ- rio. A m e s m a descarga e m área visual pro-
fico. O funcionamento dos milhões de célu- vocará, súbita e rapidamente, u m a percepção
• Professor Assistente Doutor da Disciplina de Neurologia davisual
F M U S P anormal,
(Prof. H. M .também
Canelas). independente da
vontade do indivíduo; este m e s m o fenômeno,
Página 23
que é paroxístico e eventualmente recor- portante assinalar que os mecanismos fisio-
rente, poderá ocorrer e m qualquer outra patológicos íntimos da produção da descarga
área sensitiva, sensorial ou m e s m o visceral. anormal pelos neurônios ainda não são to-
É importante assinalar que tais fenôme- talmente conhecidos. Pode-se afirmar que
nos dependentes de descargas localizadas a descarga de u m neurônio é controlada por
(ou focais) não acontecem com plena cons- mecanismos inibidores e facilitadores de ou-
ciência do indivíduo e, portanto, não são tros neurônios que a ele se relacionam si-
passíveis de controle voluntário. Entretanto, napticamente. Assim qualquer condição que
talvez a manifestação clínica mais c o m u m comprometa esses sistemas inibidores po-
nas epilepsias seja a perda temporária da derá ocasionar o comportamento epiléptico
consciência. Outro fenômeno freqüente é o desse neurônico. Esta situação pode ser
acontecimento bilateral e síncrono que ocorre causada por uma extensa relação de pro-
nas crises convulsivas generalizadas e que cessos lesionais e distúrbios metabólicos
pode se seguir a uma manifestação focai que ocorram e m qualquer período da' vida.
ou independer da presença desta. Na fase intrauterina e perinatal, inúmeros
Apenas sob ponto de vista teórico, de- processos patológicos podem causar danos
veria existir uma estrutura ou conjunto de cerebrais responsáveis por epilepsia mani-
estruturas, de localização mediana, onde uma festa já ao nascimento, na infância, e mes-
descarga anormal aí provocada pudesse se m o na idade adulta. A anóxia por trauma
propagar simétrica e sincronicamente para de parto constitui o exemplo mais repre-
ambos os hemisférios cerebrais, provocando sentativo dessa fase. Nos diversos períodos
a crise convulsiva generalizada. Da m e s m a da vida, infecções, traumas, tumores, distúr-
forma tal estrutura ou estruturas deveriam, bios vasculares, intoxicações, distúrbios me-
de alguma forma, estar relacionadas aos me- tabólicos, entre outros, alinham-se entre cau-
canismos de manutenção da consciência pa- sas potenciais.
ra justificar o seu comprometimento. A ne- Estas considerações permitem compre-
cessidade de explicação desses fenômenos ender porque a epilepsia pode representar,
originou o conceito de sistema centrencefá- fundamentalmente, manifestação dos mais
lico. Este sistema, quando estimulado, pro- variados processos etiológicos. Tradicional-
vocaria perda de consciência e propagação mente classificavam-se as epilepsias e m sin-
difusa e síncrona das descargas anormais tomática (lesional ou orgânica) e e m idiopá-
para ambos os hemisférios. tica (essencial, criptogenética). O conceito
Embora de conceituação teórica, o sis- desta última, é claro, representando o des-
tema centrencefálico deve incluir a formação conhecimento da causa desencadeante. O
reticular mesencefalodiencefálica, fundamen- aprimoramento dos métodos diagnósticos
tal na manutenção da consciência vigil, e o tende a reduzir cada vez mais a participação
sistema inespecífico talâmico, que, intima- percentual deste segundo tipo.
mente relacionado à formação reticular, pro- Em relação à hereditariedade, pode-se
jeta-se difusamente e m quase todo o córtex afirmar que é inegável a existência de pres-
cerebral de ambos os hemisférios. diposição hereditária em algumas famílias,
É possível compreender então, adotando- principalmente nas formas essenciais; entre-
se o conceito de sistema centrencefálico, os tanto, em termos absolutos, a hereditarie-
seguintes fenômenos: dade apresenta pouca importância no con-
a) quando ocorre descarga anormal nesse junto global das epilepsias. O próprio
sistema, existe perda súbita de consciên- aprimoramento dos métodos de investigação,
cia; cada vez mais demonstra processos lesio-
b) se a intensidade da descarga for suficien- nais, passíveis de explicar a doença sem
te, ela se propagará para ambos os he- necessidade de se recorrer a predisposição
misférios provocando uma crise convulsi- genética.
va generalizada;
c) se e m qualquer ponto do córtex cerebral QUADRO CLÍNICO
ocorrer uma descarga anormal de inten-
sidade suficiente, ela poderá atingir o sis- O aspecto fundamental na análise das
tema centrencefálico e provocar, secunda- manifestações clínicas da epilepsia são seus
riamente, uma crise convulsiva generali- aspectos quanto à início súbito, caráter tran-
zada. sitório e eventual recorrência.
Todas estas possibilidades podem ser A descrição pormenorizada das manifes-
observadas no electrencefalograma, e serão tações clínicas e das formas clínicas parti-
ilustradas no capítulo correspondente. culares de epilepsia necessitaria de u m es-
paço muito maior. Ela pode ser encontrada
ETIOPATOGENIA e m qualquer livro de texto e foge do plano
deste trabalho. O m e s m o pode-se dizer das
Uma vez apresentadas noções muito ge- classificações, sobretudo a atualmente ado-
rais da fisiopatologia das epilepsias, é im- tada pela Liga Internacional Contra a Epilep-

Página 24
sia, extensa e muito particularizada, que temente introduzida e m nosso meio, que,
eventualmente poderá ser consultada a cri- pela sua inocuidade e fidelidade de resulta-
tério do leitor. dos, seguramente criará novas perspectivas
no conhecimento da etiopatogenia da epi-
DIAGNÓSTICO lepsia.
É fundamental no diagnóstico da epilep- TRATAMENTO
sia a história clínica; ela deve ser precisa
na descrição das manifestações clínicas, na Escapam a este estudo as considerações
sua periodicidade e nas condições de apare- sobre o tratamento medicamentoso e sobre
cimento. O interrogatório deve ser preciso o eventual tratamento cirúrgico. Todavia
no sentido de serem encontrados processos alquns aspectos gerais devem ser mencio-
etiológicos pregressos ou concomitantes. O nados.
exame clínico e o exame neurológico se Seguramente, u m dos aspectos mais im-
revestem da m e s m a importância, embora portantes do tratamento é a orientação ade-
freqüentemente sejam normais. quada do paciente e da família. O médico
Em relação aos exames complementares, deve, inicialmente: procurar desmistificar as
o electrencefalograma é seguramente o mais conotações preconceituais da palavra Epilep-
importante. sia; demonstrar que o distúrbio depende de
O exame radiológico simples do crânio, fenômenos orgânicos b e m definidos; insistir
pela facilidade de realização, é também exa- quanto à possibilidade de u m a vida normal
me habitual. Freqüentemente recorre-se ao c o m raras e pequenas restrições que devem
exame do líquido cefalorraqueano, na depen- ser minimizadas. Nunca se deve restringir
dência de dados da história e dos exames a atividade intelectual; os exercícios físicos
complementares anteriores. devem ser recomendados, desde que não
Obviamente, dependendo de suspeitas haja excessos, b e m c o m o atividades espor-
etiológicas derivadas da história e exames tivas, com raras exceções.
já citados, uma gama enorme de outros pro- É óbvio que pacientes com crises muito
cedimentos pode ser solicitada sempre freqüentes e de difícil controle sofrerão na-
com a preocupação fundamental de se ini- turalmente maiores restrições, m a s tais pa-
ciar com os mais inócuos. Merece menção cientes representam minoria pouco expres-
especial a tomografia computorizada, recen- siva.

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HIPERTENSÃO I
J. P P, *

A hipertensão intracraniana é a via final Sua freqüência é bastante alta (cerca


c o m u m de inúmeras agressões ao sistema de 8 5 % dos casos). Geralmente é do tipo
nervoso central (SNC). latejante e sua sede não tem valor localiza-
Sua evolução abrupta, rápida e fulmi- tório. É mais c o m u m ser referida como
nante demanda diagnóstico e conduta preci- frontal, occipital ou difusa. Ela costuma
sos, já que ela é importante causa de óbito surgir pela manhã e melhorar após o vômito.
e m Neurologia e Neurocirurgia. Por outro Sua intensidade varia de caso para caso,
lado, deve-se sempre ressaltar que na gran- num crescente vagaroso. É de grande in-
de maioria das vezes à hipertensão intra- tensidade e explosiva nos casos de HIC
craniana (HIC) associa-se edema cerebral, e, aguda.
consequentemente, essas duas entidades são Na criança a cefaléia é um dado muito
problemas inseparáveis. importante, pois sua presença acompanhada
As causas mais freqüentes desta síndro- de vômitos que persistam por mais de uma
m e variam de grupo etário para grupo etá- semana, até prova e m contrário e é conse-
rio, destacando-se de uma maneira geral: os qüência de HIC.
tumores, os traumatismos craniencefálicos, Vômito — vômito e m jato, particular-
as hemorragias intracranianas, os abscessos mente quando o estômago está vazio, pela
cerebrais, as meningites e/ou meningoence- manhã, é a descrição clássica mas nem
falites agudas e crônicas, a esclerose em sempre vista. Embora acompanhe principal-
placas e a vasculomielinopatia aguda dis- mente os processos que acometem a fossa
seminada. Em nosso meio assume parti- craniana posterior, são mais freqüentes em
cular importância a neurocisticercose. criança. Na maior parte das vezes são pre-
As lesões intracranianas que causam cedidos por desconforto abdominal e são
HIC se manifestam geralmente de duas ma- deflagrados pela mudança de posição da
neiras: por aumento crônico da pressão in- cabeça.
tracraniana (PIC), que tem por sinais cardi- Edema de Papila — é o principal sinal
nais — cefaléia, vômito, edema de papila e desta síndrome. A elevação do disco com
paresia e/ou paralisia do VI nervo craniano edema é evidência de u m aumento da PIC
uni ou bilateral; por sinais localizatórios e de que ela já existe há certo tempo. A
dependentes da sede, extensão e tipo da relação temporal exata entre PIC e grau e
lesão, que são as paralisias ou paresias fo- tempo de aparecimento do edema de papila
cais, crises tipo Bravais-Jackson, crises psi- ainda é questão de discussão. Admite-se
comotoras, crises uncinadas, acometimentos como sendo necessário dois a três dias para
de nervos cranianos, disfunções cerebelares. que haja aparecimento do edema de papila
Ocorrem ainda sintomas que são determina- após a instalação do HIC. Quanto a níveis
dos por disfunção cerebral difusa, como al- de HIC e edema é outra questão de discus-
terações das funções nervosas superiores, são, pois não há regras. O edema de papila
transtornos psíquicos e convulsões de iní- evolui para atrofia óptica se não tratado, e
cio tardio. esta evolução também não tem u m tempo
ou regra temporal, pois não há relação ní-
SINAIS E SINTOMAS DEPENDENTES tida entre atrofia e grau de edema ou tem-
HIC CRÔNICA po de doença. Sabe-se que os hidrocéfalos
obstrutivos causam atrofias muito precoce-
Cefaléia — sua instalação é acarretada mente e amaurose concomitante.
pela tração exercida pela PIC sobre estru- A relação anatômica entre a bainha do
turas intracranianas inervadas. Essas estru- nervo óptico e a veia central, faz com que
turas são: as meninges, os grandes vasos a pressão intracraniana comprima essa veia
da base e seus principais ramos, os seios contra estruturas ósseas, havendo inicial-
venosos e as veias em ponte que se dirigem mente desaparecimento do pulso venoso
para os seios. Destas, as veias e m ponte, central da refina e borramento do disco.
são as mais sensíveis à tração. Após isto, há engurgitamento venoso das

* Médico Instrutor de Ensino da Disciplina de Neurologia da FMUSP (Prof. Dr. H. M. Canelas).

Página 26
veias da região, e a seguir, borramento to- nico e dinâmico no interior desse estojo
tal do disco e aparecimento de hiperemia. rígido. O fato de ser o conteúdo constituído
Esta evolui para hemorragias e exsudatos. por elementos líquidos e moles, flexíveis,
As hemorragias são do tipo sub-hialóideo e tem como resultante uma transmissão de
os exsudatos são do tipo floconoso. Seu pressão de maneira praticamente integral.
aparecimento se dá nas fases tardias de Por essa razão a pressão medida como sen-
evolução mas, nos vasos onde há hidrocé- do a do LR reflete a pressão intracraniana
falo agudo seu aparecimento é rápido. A de maneira fiel e é a somatória da pressão
associação de hemorragias precoces de reti- o próprio LCR, parênquima nervoso, pressão
na e um edema de papila intenso de evolu- nos capilares parenquimatosos e grandes
ção rápida convencionou-se chamar de disco seios venosos intracranianos.
de choque. As hemorragias sub-hialóideos A PIC sofre variações fisiológicas com
podem aparecer em outras afecções, como a posição assumida pelo corpo, com a pres-
nas hemorragias intracranianas, sem que são arterial e com a respiração. A pressão
haja HIC. arterial dos grandes vasos da base do crâ-
nio é muito maior que a PIC, mas não é
PARESIA OU PARALISIA DE transmitida a este de maneira integral, pois
VI NERVO C R A N I A N O está presa dentro de vasos de paredes mais
ou menos rígidas, embora acarretem valores
Cushing descreveu, por volta de 1910, de 2 — 5 m m de água. A respiração origina
que a paralisia ou paresia uni e/ou bilateral pulsos de onda que são transmitidos para
do nervo abducente poderia ocorrer só com a cavidade craniana e que acarretam alte-
o aumento da PIC, não tendo valor localiza- rações de 4 — 10 m m de água.
tório. O mecanismo desta paresia é a com- O volume desta cavidade é constante e
pressão do nervo contra estruturas ósseas, individual, variando de 1.040 — 1.080 ml. As
ou contra ramos da artéria basilar, e m seu variações possíveis deste volume, cerca de
longo trajeto do tronco cerebral e m direção 1 % do volume global, são feitas a custa
à fenda do esfenóide na fossa craniana mé- da mobilidade e flexibilidade dos tecidos
dia. Este déficit pode ser o primeiro sinal moles ao nível dos forames da base do crâ-
de uma HIC e é mais freqüente nos proces- nio e, e m maior amplitude, no canal espinal
sos de fossa craniana posterior e e m crian- às custas do espaço epidural. Levando e m
ças. conta todos esses fatores consideram-se
como valores normais de pressão aqueles
PRESSÃO INTRACRANIANA entre 6 e 19 cm de água.

Weed era de opinião que a pressão in- FISIOPATOLOGIA DA


tracraniana nada mais era que a pressão HIPERTENSÃO INTRACRANIANA
de líquido cefalorraqueano (LCR). Esta pres-
são poderia ser medida e m nível de ventrí- Sendo o volume do conteúdo intracra-
culo, cisternas e fundo de saco lombar e niano e intra-espinal constante e sendo a
era resultante de u m equilíbrio entre a pro- PIC uma resultante dinâmica das pressões
dução e absorção de LCR. Observações do LCR, tecido nervoso, sangüínea ao nível
mais acuradas desta pressão, mostraram que dos capilares intraparenquimatoso e sistema
há uma variação constante e fisiológica, va- venoso, o aumento de u m destes constituin-
riação esta, que reflete a ação de vários tes e feito às custas da diminuição dos
fatores sobre esta pressão, não sendo por- demais, para que haja manutenção da PIC.
tanto só resultante do equilíbrio do LCR. Isto foi postulado por Monro e Kellie no sé-
Estes fatores fisiológicos que atuam na PIC culo passado e confirmado por Burrow e m
são os elementos que ocupam a caixa cra- 1896, sendo introduzido na prática Neuroló-
niana e espinal, a respiração, a pressão ar- aica e Neurocirúrgica por Cushing, e m 1910.
terial sistêmica e fatores metabólicos. Os mecanismos propostos para que haja
A cavidade craniana e espinal, revesti- essa compensação são: diminuição do volu-
das por dura máter, constituem comparti- m e de LCR; diminuição do volume sangüíneo
mento de volume praticamente fixo, sub encefálico venoso; elasticidade e distensibi-
dividido pela foice inter-hemisférica e tenda lidade da duramáter, plasticidade do encéfalo
do cerebelo, que se comunicam amplamente e redução da substância branca encefálica.
pelo espaço supra caloso, forame de Pachio- Enquanto esses mecanismos funcionarem não
ni e forame magno. Esses compartimentos haverá aumento dos níveis pressórios, ape-
são ocupados por três elementos: parênqui- sar de haver u m aumento de u m dos con-
ma nervoso, LCR e sangue. A ampla inter- teúdos. Aceita-se que esse mecanismo
comunicação do LCR do sistema ventricular compensatório como atuante até que 8 —
e espaço subaracnóideo, a integridade do 1 0 % do volume total intracraniano. Nesta
neuroeixo e a ampla comunicação do siste- fase, que convencionou-se chamar de Fase 1,
ma venoso permitem u m equilíbrio harmô- não há aparecimento de sinais ou síndromes

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clínicos que denotem uma HIC. Quando Embora herniações possam ocorrer em
esgotam-se os mecanismos compensatórios, todas as cisternas intracranianas, as que
surgem os primeiros sintomas e sinais da causam importantes sinais clínicos são as
HIC; esta é a Fase 2. Neste período pe- transtentoriais, nos dois sentidos, e de es-
quenos aumentos de volume causam gran- truturas cerebelares através do forame
des aumentos da PIC. Ainda há uma inte- magno.
gridade do neuroeixo e uma integridade das O mecanismo da formação e o grau de
vias do LCR e, por esse fato, a pressão sofrimento do parênquima nervoso está na
aumentada é transmitida igualmente por to- dependência ainda da velocidade de cresci-
dos os compartimentos da caixa intracrania- mento e localização topográfica do processo
na e intraespinal. Aqui também observa-se expansivo. Quando a formação da hérnia é
o aparecimento das ondas e m "plateau" des- aguda as lesões secundárias são de maior
critas por Lundberg, ondas estas que evi- gravidade e com menor chance de recupe-
denciam u m pico de HIC muito próximo da ração total.
pressão arterial sistêmica (PAS), que deno- Lesões expansivas supratentoriais — As
tam u m grau praticamente crítico da PIC e lesões expansivas hemisféricas acarretam
que neste período podem ser desencadeado uma saída de LCR do espaço subaracnóideo,
por anoxia e hiperpnéia. O aparecimento u m achatamento dos girus e alargamento
destas ondas já denota uma passagem deste de sulcos, o ventrículo lateral do mesmo
estágio para o próximo. A esta segue a lado e o III ventrículo ficam menores pela
Fase 3, onde há impacto do tecido nervoso, saída de LCR. Pode-se observar um desvio
caracterizando a formação de hérnias intra- do septo interventricular e do terceiro ven-
cranianas. Estas promovem uma quebra da trículo para o lado oposto. A seguir, há
integridade de transmissão de pressão pela uma passagem do girus cíngulo para o lado
cavidade e fenômenos de compressão im- oposto por baixo da foice. Essa lesão não
portantes. Os sinais e sintomas tornam-se é responsável por sinais e sintomas clínicos,
exuberantes, observam-se alterações impor- mas como esse desvio pode produzir um
tantes do nível de consciência e sinais lo- acotovelamento da artéria pericalosa, pode
calizatórios dependentes das herniações. A ocorrer infarto insquêmico no território nu-
pressão ventricular está alta, a pressão na trido por ela. Esse fato acarreta piora da
fossa posterior e fundo de saco lombar HIC. Os processos frontais e parietais
estão próximas ao normal e pequenas alte- causam esse desvio com maior intensidade.
rações do volume de LCR nestes níveis po- A seguir há uma herniação do uncus e
dem acarretar um impacto maior do tecido da parte mediai do girus.hipocampal através
nervoso e levar a instalação de mecanismo do forame de Pachioni e, esta herniação,
irreversível; daí a contraindicação das pun- traduz uma sintomatologia clínica rica. Sua
ções para coleta de LCR. As ondas em pla- detecção precoce é fundamental já que po-
teau ficam bastante freqüentes e a PIC as- de acarretar fenômenos irreversíveis. O
sume níveis próximos da PAS. As alterações aqueduto cerebral é desviado da linha me-
do pC02 já não produzem alterações da PIC diana, o pedúnculo cerebral é comprimido
e esta só responde a alterações da PAS. contra a borda livre do tentório. Há com-
Esta é a fase de vasoparalisia descrita por pressão do III nervo craniano ipsilateral
Langfitt e é reversível. Segue-se a Fase 4 contra o ligamento petroclinóideo ou contra
que só é caracterizada quando as alterações ramos da artéria basilar. A lesão deste
forem irreversíveis e nela se observam ní- nervo causa midríase da pupila deste lado,
veis de PIC iguais aos da PAS e as altera- sendo este importante sinal localizatório. O
ções pressóricas sistêmicas, alterações res- giro hipocampal encontra o hemisfério cere-
piratórias e alterações de freqüência cardíaca belar e, como não pode progredir, produz
são exuberantes. compressão do mesencefálo, com importan-
A evolução temporal de uma hiperten- tes alterações dos sinais vitais e da cons-
são intracraniana depende da rapidez com ciência. A compressão do cerebelo leva a
que se instala o processo básico. Ela é uma descida dos corpos mamilares e do III
flórida e rápida nos traumatizados cranience- ventrículo para baixo. A hipófise apresenta
fálicos e, lenta nos processos expansivos de uma torção de sua ^haste e, consequente-
crescimento lento. mente, necrose isquêmica de seu lobo an-
terior Há bloqueio do eixo hipotálamo-
HÉRNIAS INTRACRANIANAS hipofisário e lesão da substância cinzenta
periaquedutal, com paralisia do olhar para
São migrações e torções do neuroeixo cima. A herniação leva a formação de um
que ocorrem na evolução de uma HIC e res- "looping" no trajeto da artéria cerebral pos-
ponsáveis pelo bloqueio da transmissão das terior e no trajeto da artéria corióidea ante-
pressões na cavidade craniana e responsá- rior. Essa curvatura pode causar infarto
veis por compressões vasculares e do tecido anêmico e m lobo occipital, giro hipocampal,
nervoso na terceira e quarta fases evolutivas. giro fusiforme e parte posterior do tálamo.

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Esses eventos agravam e m muito a evolução e células endoteliais estão comprometidos.
da HIC. Havendo continuidade do processo, As células ficam turgidas e há uma dimi-
há descida do cerebelo com a invaginação nuição do espaço extracelular. Ocorrem e m
das amídalas cerebelares no forame magno, conseqüência a estados hipóxicos graves e
provocando compressão da junção bulbocer- na intoxicação aquosa. Sua fisiopatologia
vical. Após isto há descida do tronco ence- está baseada e m lesões dos lisossomos e
fálico, como que empurrado para baixo. sempre se encontram áreas focais deste
Sendo a artéria basilar fixa, há u m acotove- edema e m áreas de necrose isquêmica.
lamento dos ramos que nutrem o tronco e
ocorrem infartos insquêmicos e m níveis im- Intersticial — é o que ocorre nos hidro-
portantes de suas estruturas, tornando-se céfalos tipo obstrutivo e no "pseudotumor
irreversível o quadro. cerebri" Caracteriza-se por u m a lavagem
Nos acometimentos globais dos hemis- da substância branca periventricular promo-
féricos pode haver formação bilateral de vendo um aumento da água nessa região e
hérnias supratentoriais, embora isso seja uma remoção de substâncias, como a mieli-
um fato raro. na. Estas alterações ocorrem rapidamente
Lesões expansivas infratentoriais — A e podem ser reversíveis.
hidrocefalia obstrutiva é o achado mais fre-
qüente. Quando o processo é de linha me- TRATAMENTO
diana não há distorções do tronco cerebral,
a h.érnia de amídala cerebelar é achado O princípio básico do tratamento do pa-
freqüente. A herniação do mesencéfalo e ciente portador de HIC é a redução da PIC,
hemisférios cerebelares de baixo para cima a melhoria do estado neurológico do pacien-
é observada particularmente quando há des- te e a retirada da causa que levou a u m
compressão brusca do sistema ventricular. aumento da pressão intracraniana.
Há compressão do mesencéfalo contra a Cirurgias descompressivas — A remoção
borda livre da tenda. Nessas herniações de parte da calota craniana foi u m dos pri-
pode ocorrer uma compressão da artéria meiros tratamentos instituídos para diminuir
cerebelosa superior, resultando áreas de a PIC elevada e m conseqüência de tumor
necrose isquêmica do hemisfério cerebelar encefálico. Este procedimento hoje em dia
que levam a piora da hipertensão intracra- está totalmente fora de propósito a não ser
niana. e m casos de traumatismos craniencefálicos,
por exemplo.
EDEMA CEREBRAL As cirurgias descompressivas internas,
como amputações dos lobos frontais, tem-
Praticamente presente em todos os ca- porais ou occipitais só devem ser instituí-
sos de HIC, o edema cerebral é considerado das após a ressecção do tumor infiltrativo.
pela grande maioria dos autores, como o Observa-se uma melhora dramática com a
principal fator de piora da HIC. Costuma aspiração de pús, sangue ou do conteúdo de
estar sempre presente nos traumatismos u m cisto, como medida de se aliviar tem-
craniencefálicos, tumores do S N C , infecções porariamente uma HIC, até que se tenham
do SNC, estados tóxicos e estados onde há condições de estabelecer o tratamento defi-
alterações metabólicas importantes. Há au- nitivo.
mento do volume encefálico graças a acúmu-
lo de água, que pode ser intra ou extra- Estas cirurgias visam prevenir a forma-
celular. Klatzo classificou os edemas cere- ção das hérnias internas e distorções do
brais em três tipos, baseado e m seus me- neuroeixo.
canismos fisiopatológicos: vasogênico, cito- Redução do volume do LCR — U m a re-
tóxico e interstical. dução temporária da pressão intracraniana
Vasogênico — é a forma c o m u m de pode ser obtida com a retirada de LCR.
edema cerebral, sendo caracterizada por u m Isto só pode ser feito e m casos onde há
aumento de permeabilidade capilar. Há aber- comunicação do espaço subaracnóideo su-
tura das junções das células endoteliais e pra e infratentorial, como nos casos de he-
extravazamento de filtrado plasmático para o morragias subaracnóideas, alguns casos de
espaço intersticial. Ocorre na substância traumatismos craniencefálicos e meningites.
branca onde, embora o número de capilares Quando se tem acesso aos ventrículos po-
seja menor quando comparado ao da subs- de-se retirar LCR por essa via. Isto só é
tância cinzenta, há u m alto fluxo sangüíneo. possível quando os ventrículos são suficien-
Está associado a tumores intracranianos, temente grandes para que possam ser pun-
hemorragias intracranianas, abscessos cere- cionados e retirar-se volumes de LCR razoá-
brais, contusões encefálicas e infecções do veis. Se um dos ventrículos laterais está
SNC. bloqueando este procedimento pode ser pe-
Citotóxico — neste caso todos os ele- rigoso se feito unilateralmente. Este proce-
mentos celulares: neurônios, células gliais dimento é muito bom se feito durante a

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craniotomia pois facilita as vias de acesso Alguns modelos experimentais de edema cí-
ao processo expansivo. totóxico sugerem uma eficácia parcial, daí
Outra técnica empregada é a derivação a sua indicação.
externa que pode ser feita conectando-se No tratamento dos edemas intersticiais
um catéter ventricular a u m sistema de dre- causados pelo "pseudotumor cerebri", os
nagem fechado. Embora seja u m procedi- corticóides parecem ter valia embora sua
mento bom, pode acarretar, e com grande avaliação seja problemática pois na maioria
freqüência, infecções do S N C e, portanto, dos casos há uma remissão espontânea.
só pode ser usado por tempo limitado. Nos Nos processos inflamatórios crônicos es-
processos obstrutivos ventriculares o me- te agente só é benéfico no tratamento da
lhor a se instituir são as derivações internas cisticercose encefálica, mas nestes casos
com interposição de válvulas ou não. Em geralmente ocorre corticóidoterapia depen-
adultos com processos expansivos de fossa dência de difícil controle.
posterior que não sejam de linha mediana Alguns autores são de opinião que es-
este procedimento é perigoso pois pode pro- tes corticóides possuem ação anti-inflama-
duzir herniações de baixo para cima e agra- tória agindo nos vilos aracnóideos e facili-
varem o estado do paciente. tando a absorção de LCR nos processos in-
flamatórios crônicos que causam bloqueio
REDUÇÃO DO VOLUME DE ÁGUA do espaço subaracnóideo.
ENCEFÁLICO: ATUAÇÃO SOBRE O Soluções Osmoticamente ativas — Muito
EDEMA CEREBRAL se tem escrito nas últimas décadas sobre a
ação de drogas osmoticamente ativas na
Glicocorticoides — A introdução de altas remoção de água encefálica como a da gli-
doses de dexametazona para reduzir o ede- cose, e da sacarose, a da uréia, a do manítol
m a vasogênico associado a tumores cere- e, mais recentemente, a do glicerol. Os da-
brais e a abcessos deve ser olhado com dos a respeito deste problema ainda são
crítica, já que as complicações do uso desta obscuros e de difícil manuseio, já que as
droga não são desprezíveis. E do conheci- dosagens, o intervalo de tempo das infu-
mento da maioria dos neurologistas e neuro- sões, a concentração plasmática e o pro-
cirurgiões que a dexametasona reduz dra- cesso patológico de base são muito dife-
maticamente o edema peritumoral, que é rentes.
o principal responsável pelos sinais neuro- Sabe-se que o encéfalo é um osmôme-
lógicos, não agindo praticamente na massa tro modificado, e que há u m gradiente os-
tumoral. As respostas mais brilhantes são mótico entre o tecido nervoso e o sangue.
vistas nos processos metastáticos intracra- Esta barreira é a responsável pela saída
nianos já que quando o tumor é primário do de água do parênquima se houver um desi-
tecido nervoso a resposta é pobre, só agindo quilíbrio osmótico. Sabe-se também que
inicialmente. Infortunadamente a resposta gradientes osmóticos obtidos com fluídos pa-
é breve embora haja relatos na literatura renterais de curta duração rapidamente atin-
de alguns pacientes que obtiveram excelen- gem u m equilíbrio no tecido cerebral. Sabe-
tes resultados com uma terapia com alta se também que áreas normais do encéfalo
dosagem durante meses. podem contrair-se: áreas com leito capilar
Usa-se habitualmente doses de 10 m g normal e áreas com leito capilar anormal.
de ataque e 4 m g cada 6 ou 4 horas. O uso como aquelas apresentando edema. Sabe-se
de doses mais altas tem sido relatados com também que pode haver u m fenômeno de
sucesso na literatura. A dose acima citada rebote já que o tecido edematoso pode
é equivalente a 400 m g de cortisol diários. ficar encharcado com essa solução hiperos-
Das complicações, as hemorragias gástricas molar. Sabe-se finalmente que o uso crô-
são as mais importantes. A psicose por nico destas substâncias leva a um acomo-
corticóides é raramente observada, princi- damento intracelular das células nervosas
palmente quando se compara com a incidên- no acúmulo de sódio, potássio e amino-
cia nos pacientes que fazem uso de predni- ácidos livres, não havendo mais resposta a
solona. Provavelmente a diferente fórmula esses gradientes osmóticos. É nada mais
química é a responsável pela baixa incidên- que uma adaptação encefálica à hiperosmo-
cia da psicose. laridade.
Embora seja bem comprovado o valor O cérebro pode sacrificar volume ou a
dessa substância no tratamento do edema osmolaridade intracelular e m resposta a uma
vasogênico que acompanha tumores e ab- hiperosmolaridade do plasma: o volume é
cessos cerebrais, sua eficácia nos infartos preservado e a osmolaridade intracelular au-
anêmicos ainda não está bem estabelecida. menta, restabelecendo o equilíbrio com o
A literatura ainda apresenta dados contradi- plasma. Por este motivo as soluções hipe-
tórios. Não se tem uma comprovação pa- rosmolares têm u m lugar bastante limitado
tente da sua eficácia nos edemas citotóxicos. no tratamento desta afecção. Usualmente

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não mais que uma ou duas doses devem Após os estudos de Hoff sobre a pres-
ser administradas até que o procedimento são oncótica plasmática, sabe-se que o mais
cirúrgico definitivo seja instituído. Ainda importante não é o tamanho da molécula e,
não se estabeleceu quanto é necessário sim, sua concentração. Passou-se então a
aumentar a osmolaridade plasmática do ho- usar volumes menores dessas soluções nu-
m e m para se obter u m a diminuição do volu- m a velocidade de infusão bastante rápida,
me cerebral e u m a diminuição da pressão c o m o se fosse u m embolo, e e m espaços
intracraniana. Sabe-se que é necessário u m de tempo menores. Outro fato importante
aumento de 30 m O s m para que haja u m a a ser ressaltado é que quanto mais rápida
efetividade no tratamento e, por este fato, a droga for metabolizada, menor é o seu
que o uso crônico de glicerol por via oral efeito antiedematoso e esse é a grande
não se mostra efetivo, pois as alterações desvantagem do glicerol que é metabolizado
que ele provoca na osmolaridade plasmática e m maior quantidade quando comparado com
são mínimas. o manitol e a uréia.

Centro de Investigações e m Neurologia, F M U S P - Caixa Postal, 5199 - São Paulo, 01000, SP - Brasil.

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SINALIZAÇÃO DE PROCESSOS INFECCIOSOS DO SISTEMA NERVOSO
A. Spina-França *

Desempenha o líquido cefalorraqueano nar quadro inespecífico de hipertensão in-


(LCR) papel de sistema de sinalização do tracraniana e, portanto, acompanhar-se de
sistema nervoso central (SNC) e das lepto- hipertensão do LCR; quando no canal ra-
meninges. Normalmente, o LCR é u m sis- queano, podem determinar o respectivo blo-
tema oligocelular, anemático e oligoproteico queio e, consequentemente, alterações das
mas que é hábil para sinalização de pro- provas manométricas, por serem baseadas
cessos imunobiológicos deflagrados por di- na transmissão de variações provocadas na
versos tipos de patologia que acometam as pressão do LCR através do canal raqueano.
estruturas e m contacto com ele: parênquima
nervoso, leptomeninges e estruturas que por SINALIZAÇÃO INFLAMATÓRIA AGUDA
estas trafegam.
Determinados processos patológicos acar- A presença do LCR de elementos estra-
nhos à sua composição pode desencadear
retam alterações de componentes do LCR
não mencionados no respectivo exame clás- alterações secundárias dessa mesma com-
posição. Assim, a presença de hemácias —
sico, disso resultando ser ele considerado
normal na maioria de tais condições mórbi- oriundas de processos hemorrágicos intra-
das. É o caso, por exemplo, de grande cranianos, como nos acidentes vasculares
número das afecções degenerativas do S N C hemorrágicos — é facilmente verificada pe-
e de muitas formas de epilepsia, notadamen- la simples presença das próprias hemácias,
te das criptogenéticas. já que o LCR é u m sistema anemático. Xan-
tocromia secundária e hiperproteinorraquia
Obviamente que em neuropatias perifé- proporcional ao número de hemácias são
ricas distais o LCR pode apresentar-se nor- conseqüências imediatas. É fenômeno se-
mal; já quando do quadro destas participa melhante, u m aumento de número de leucó-
componente radicular, podem evidenciar-se citos também proporcional ao de hemácias,
alterações do LCR, como ocorre na polir- tendendo o perfil citológico ao perfil encon-
radiculoneurite e na neuropatia diabética. trado no hemograma do paciente. Todavia,
Em ambas, o LCR lombar costuma apresen- decorre uma sinalização da ocorrência pela
tar dissociação proteinocitológica, isto é, au- ativação de sistemas imunobiológicos do
mento da concentração proteica e número LCR. As hemácias podem vir a deflagar
de células normal. uma resposta inflamatória. Esta tem caráter
Este m e s m o tipo de dissociação pode agudo, sendo marcada por intensificação do
ser encontrado e m tumores. Nos tumores aumento do número de leucócitos. A pleo-
situados no canal raqueano e que venham citose torna-se mais intensa, desproporcio-
a interferir na dinâmica local do LCR, a nal ao número de hemácias. Ela é devida
dissociação mencionada pode chegar a ser a polinuclueares neutrófilos, predominante.
intensa, isto é, determinada por aumento Macrófagos são evidenciados precocemente
intenso da concentração proteica. Já nos e, posteriormente, podem surgir células
tumores intracranianos, essa dissociação imunocompetentes. Cessada a destruição
costuma ser determinada por aumentos dis- das hemácias, igualmente tende a desapa-
cretos da concentração proteica. E m ambos recer a resposta inflamatória. Trata-se de
os casos a expressão "tumor" é empregada u m processo de sinalização aguda e mono-
e m seu sentido duplo, abrangendo todo e fásica, portanto.
qualquer processo cuja massa se desenvolve Exemplo semelhante pode ser verificado
ocupando espaço dentro do estojo craniano quando da introdução no espaço do LCR de
ou do canal raqueano: neoplasias, granulo- contrastes oleosos iodados com finalidades
mas, abscessos, parasitas, entre outros me- neurorradiológicas, como para a feitura de
recem ser citados nesse sentido. Quando perimielografia ou de iodoventriculografia.
situadas no estojo craniano, podem determi- O contraste pode deflagrar sinalização agu-

Professor Assistente Docente e Coordenador adjunto do Centro de Investigações e m Neurologia da


Disciplina de Neurologia da F M U S P (Prof. Dr. H. M . Canelas).

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da e monofásica, como aquele descrito para moderada; ela é determinada por linfócitos,
hemácias. Em ambos os casos, aumento de predominantemente. Reticulomonócitos, ma-
imunoproteínas pode ser encontrado no LCR. crófagos e plasmócitos concorrem em me-
Este costuma ter caráter transitório, em fun- nor proporção. Polinucleares neutrófilos po-
ção de ser desativado o sistema de células dem estar presentes em proporção variável,
imunocompetentes, a partir de quando célu- geralmente inferior ao conjunto das demais
las, como os macrófagos, entrem em quies- células; eles são reconhecidos particular-
cência e deixam de alimentar os sistemas mente nos estágios iniciais da doença e,
de informação às células hábeis para imu- sobretudo, quando tratar-se de meningite
nocompetência. por enterovírus. A concentração proteica to-
Macrófagos podem resultar da ativação tal pode estar discretamente aumentada e
dos reticulomonócitos normalmente encon- a glicorraquia, normal. O perfil proteico ge-
trados no LCR. Os linfócitos reconhecidos ralmente é normal; aumento discreto e fugaz
nesta mesma condição representam o liame de globulinas gama pode ocorrer nas fases
com o sistema de células imunocompeten- finais do decurso do processo. Mielites e
tes e aos plasmócitos, portanto. Sendo o encefalites por vírus, quando não acompanha-
LCR um sistema oligocelular, ele é dual das de leptomeningite podem não ser sina-
nesse aspecto, embora fenômenos de imu- lizadas pelo LCR. Este permanece normal,
nidade celular predominem quando o siste- ou apresenta pleocitose ligeira a linfócitos
ma não se encontra ativado. Uma ativação e reticulomonócitos.
excessiva e aguda pode criar situação de Nas leptomeningites agudas, cessada a
emergência, que exige reforço. Este refor- atividade do processo, tendem a desaparecer
ço, ao que tudo indica, decorre da passagem as modificações imunobiológicas. São tam-
para o LCR de células do sangue. É o caso bém processos de sinalização aguda e mo-
dos polinucleares neutrófilos nas meningites nofásica.
bacterianas agudas. SINALIZAÇÃO INFLAMATÓRIA
A invasão das leptomeninges por bacté- SUBAGUDA
rias costuma ser acompanhada de pleocitose
intensa do LCR, a polinucleares neutrófilos. Diversas leveduas e também o Myco-
Geralmente milhares destas células são bacterium tuberculosis podem determinar
encontradas por milímetro cúbico, do que meningoencefalites subagudas. Tomando
resulta turvação da amostra de LCR, de in- como tipo dos eventos, o que ocorre na
tensidade proporcional a esse número, geral- meningoencefalite tuberculosa, verifica-se
mente. O franqueamento do sistema LCR é que, desde o início do processo, as altera-
de tal ordem a acompanhar-se de hiperpro- ções do LCR caracterizam-se por: pleocitose
teinorraquia intensa, tendendo o perfil pro- geralmente moderada, predominantemente a
teico a apresentar as características daquele linfócitos e reticulomonócitos, mas que se
do soro do paciente. Há consumo loca! de acompanha de polinucleares neutrófilos.
glicose e, ao mesmo tempo, impacto às vias Como nas leptomeningites agudas a vírus,
habituais do consumo de glicose pelo SNC. a proporção desse tipo de células costuma
Resulta hipoglicorraquia intensa. Antibiotico- ser menor que o conjunto dos anteriores,
terapia adequadamente conduzida leva a todavia, polinucleares neutrófilos não são
cessar a reação inflamatória, com desapa- encontradas apenas nos estágios iniciais:
recimento das alterações mencionadas. As- eles são reconhecidos persistentemente du-
sim, ao mesmo tempo, reduz-se a intensi- rante os primeiros meses de evolução, só
dade da pleocitose e da hiperproteinorraquia, desaparecendo quando esta é satisfatória.
bem como eleva-se a glicorraquia. Durante Há hiperproteinorraquia, geralmente modera-
a remissão do processo reconhece-se o sis- da e há hipoglicorraquia. Esta é nítida, em-
tema de sinalização LCR que fora sobrepu- bora menos intensa que nas leptomeningites
jado pelo reforço, hematogênico. Linfócitos bacterianas agudas. O perfil proteico é de
e reticulomonócitos passam a predominar, início tipo albumínico, apresentando aumen-
acompanhados de macrófagos e plasmócitos. to de globulinas alfa e, especialmente, in-
Da mesma forma, o perfil proteico sofre versão alfa-1 /alfa-2: a participação das glo-
modificações sucessivas e rápidas. Aquele bulinas alfa-1 tende a ser maior que aquelas
tipo-serico dá lugar ao tipc-místo (como se do grupo alfa-2. Desde o início da doença
LCR e soro fossem misturados) e este ao pode ocorrer aumento de globulinas gama
tipo-LCR, com eventual e fugaz aumento de no perfil proteico mas, este costuma ser
albumina ou de globulinas gama. Este últi- evidente e persistente quando a evolução do
mo costuma ser discreto. processo é satisfatória, tendendo para a
Leptomeningites agudas determinadas cura.Ele só vai desaparecer tardiamente,
por vírus determinam alterações do LCR muito depois de cessadas as demais al-
terações. Página 33
menos intensas. Há pleocitose, geralmente
SINALIZAÇÃO INFLAMATÓRIA gênico secundário passam a atuar sobre o
CRÔNICA parênquima nervoso acelerando o respectivo
comprometimento sifilítico.
A neurossífilis e a neurocisticercose Evidência do comprometimento paren-
constituem e m nosso meio as principais quimatoso é o aumento do conjunto beta do
doenças que acometem o S N C e leptome- perfil proteico, possível de ser reconhecido
ninges acarretando no LCR desde o início, mediante diversas modalidades de técnica.
sinalização inflamatória de tipo crônico, na Esse aumento decorre de peculiaridades des-
maioria das ocasiões. Na neurossífilis elas critas para várias estruturas do organismo:
têm caráter progressivo, tendendo a cessar esse conjunto é o principal contingente glo-
com a terapêutica adequada. Na neurocisti- bulínico tissular e, na destruição deste, ten-
cercose elas têm caráter repetitivo. Essas de a aumentar independentemente da etio-
diferenças são profundas, quando conside- logia por ele responsável.
radas do ponto de vista imunobiológico.
U m tratamento adequado da neurossífi-
Tomando como exemplo o que ocorre na
lis é reconhecido inicialmente, portanto,
paralisia geral progressiva e na tabes dor-
pelo decréscimo do conjunto beta, pelo
salis — quadros clínicos padrões de neuros-
decréscimo dos anticorpos de complexo
sífilis parenquimatosa ou neurossífilis pro-
mencionado e por cessar o progressivo au-
priamente dita — verifica-se haver: pleoci-
tose discreta, ou moderada eventualmente, mento das globulinas grupo — gama. Isto
bem como hiperproteinorraquia discreta e tudo, quando se consideram os aspectos
também moderada eventualmente. Alterações imunobiológicos e m si. É obvio que de algu-
da glicorraquia costumam não ocorrer; quan- m a forma reduz-se a atividade das células
do presentes, são irrelevantes. Mantém-se imunocompetentes. O sucesso terapêutico é
o perfil proteico tipo — LCR; isto é: todas reconhecido pelo progressivo desaparecimen-
as frações estão presentes, inclusive aque- to das alterações mencionadas. Mesmo
las consideradas próprias ao LCR (pré-albu- quando, após longos períodos de tempo
mina e agrupamento táu das globulinas beta) (geralmente medidos e m anos) nem mesmo
mas, desde as fases iniciais há aumento qualquer tipo de anticorpos são mais reco-
nítido das globulinas gama, IGG sendo as nhecidos, persistem aumentos discretos de
principais imunoglobulinas reconhecidas. As globulinas gama. Estes aumentos indicam a
globulinas gama tendem a aumentar pro- persistência de sinalização dos sistemas
gressivamente sua participação no perfil imunocompetentes. IGG são as principais
proteico, a não ser que o tratamento insti- imunoglobulinas deles dependentes.
tuído venha a atuar adequadamente. No Na neurocisticercose a sinalização é
sistema citológico, como era de esperar, repetitiva, pois não se reconhece ainda te-
têm realce aquelas células imunocompeten- rapêutica que induza a destruição das ve-
temente hábeis. Ao que tudo indica, elas sículas parasitárias. Só quando elas entram
se diferenciam ao nível do espaço — LCR. e m degeneração é que a liberação das res-
É obvio que assim sendo, plasmócitos são pectivas proteínas induz a atividade dos sis-
encontrados desde o início da evolução qua- temas imunocompetentes, geralmente. To-
se como uma constante. Em proporções va- madas isoladamente, cada um deles lembra
riáveis eles participam da citomorfologia. o que foi descrito na neurossífilis para as
Este é representada predominantemente por alterações do LCR consideradas. Como a
linfócitos e aqueles ativados são bastante sobrevida das vesículas difere de uma para
comuns. Reticulomonócitos e, por vezes, ma- outra, compreende-se porque — ao longo
crófagos são encontrados. É eventual a pre- dos anos durante os quais uma após outras
sença de polinucleares neutrófilos: são eles, entra e m degeneração — se repetem os fe-
então, encontrados nos estágios pré-trata- nômenos de indução imunitária. Focos mais
mento. antigos de reação antígeno anticorpo exer-
Ocorre, portanto, uma sinalização em cem influência sobre os mais recentes. Os
que desde o início predominam aspectos de eventos grupo beta são menos intensos, mas
imunidade humoral, precipuamente. Assim aqueles tipo degradação são repetidamente
sendo, é precoce a presença de anticorpos reconhecidos. Episódios de intensificação da
específicos. Estes decorrem de pelo menos participação gama no perfil proteico se re-
dos tipos básicos de antígenos: do Trepo- petem. U m elemento adequado no reconhe-
nema pallidum e do conjunto T. pallidum e cimento dessa sinalização é a ocorrência de
estruturas do parênquima do S N C por ele eosinofilorraquia. Episódica ou persistente, a
acometidas. Rompida, por este último grupo presença de células eosinófilas realça a de-
especialmente, a homeostase dos sistemas flagração da repetitividade da sinalização:
de histocompatibilidade, evidentes quando ela é tanto mais intensa quanto mais nítido
as diversas estruturas que compõem o S N C o episódio. É só após cessarem os fenô-
são consideradas, tanto o antígeno básico menos de degradação de todas as vesículas
— o treponerr.a — como o complexo anti- parasitárias que esses episódios cessam e

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a sinalização tende a desaparecer. O au- rinfluência dos focos de sinalização intra-
mento de globulinas gama reduz-se progres- parenquimatosa no S N C já foi descrita; as
sivamente então e os anticorpos específicos observações relativas à instalação das me-
também tornam-se mais dificilmente reco- ningomielorradiculopatia por Schistosoma
nhecíveis. C o m o na neurossífilis, IGG são mansoni, na qual a sinalização do sistema
as principais imunoglobulinas encontradas. — LCR é semelhante à observada na neuro-
Diversos fatos substribam esses conceitos: cisticercose, embora os anticorpos sejam
um deles é o resultado da rotura acidental diversos e também específicos.
de cisticercos durante ato neurocirúrgico, O s aspectos mencionados sobre a neu-
pois segue-se episódios de agudização da rossífilis e a neurocisticercose permitem in-
sinalização. Outro, é que o cisto hidático não terpretar achados pertinentes a outras in-
chega a sinalizar o sistema LCR por ter fecções. Assim, se passa quanto aos da
sobrevida muito maior; já quando e m ato panencefalite esclerosante subaguda, deter-
cirúrgico rompe-se a hidátide, a sinalização minada por vírus-lento, m a s não passível de
provocada chega a ser tão intensa que pode tratamento específico. C o m o na neurossífi-
comprometer até a vida do paciente. Se- lis, ela obedece a modelo de sinalização
guem-se as observações quanto a: processos crônica progressiva. Da m e s m a forma, os
parasitários agudos monofásicos, c o m o os dados quanto à neurocisticercose permitem
referentes a amebas de vida livre, tipo Nae- encaminhar as observações quanto à sinali-
gleria, por exemplo; dados experimentais zação — LCR encontrada e m afecções c o m o
referentes a outro parasita, o Angiostrongy- a esclerose múltipla de caráter essencial-
lus cantonensis e m relação ao qual a inte- mente episódico e repetitivo.

Centro de Investigações e m Neurologia, F M U S P — Caixa Postal, 5199 — São Paulo, 01000, SP — Brasil.

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NEUROPATIAS PERIFÉRICAS
J. A. Levy *

O estudo das neuropatias periféricas relatados os tipos básicos, embora nem sem-
compreende patologias do neurônio motor pre relacionados às causas mais comuns de
periférico e das vias periféricas de condução neuropatias periféricas atualmente: lepra,
sensitiva. Elas podem ser devidas a duas diabetes e idade avançada, ficando em 4.°
causas segundo Barraquer (1976): lugar as não diagnosticadas (Bradley, 1974).
A — Comprometimento primitivo do neu- plásticas e heredodegenerativas. Serão aqui
rônio: Neuropatias traumáticas podem resultar
1 — Por degeneração Walleriana do do acometimento de raiz (como na hérnia de
segmento da fibra que ficou iso- disco), plexo (como na distensão do plexo
lado do corpo celular comportan- braquial durante o parto), tronco nervoso
do degeneração do axônio e (como na lesão do nervo radial por com-
disdiferenciação da bainha de pressão na goteira do úmero) ou ramo (como
Schwann, com fragmentação da na compressão do ciáticopoplíteo externo ao
mielina. nível da cabeça do peroneo). A sintomato-
2 — Por degeneração distai retrógra- logia vai depender do local e da intensidade
da provocada por afecções diver- da lesão.
sas (tóxicas, metabólicas, gené- No grupo das neuropatias carenciais en-
ticas) que comprometem a vita- quadram-se numerosas variedades de neuro-
lidade do neurônio e fazem patias periféricas associadas a deficiências
sentir seus efeitos inicialmente nutricionais decorrentes de regimes alimen-
sobre as partes mais distais da tares inadequados, perturbações da absorção
fibra neuronal. e da utilização. Destacam-se as deficiências
B — Comprometimento primitivo das célu- vitamínicas do complexo B, relacionadas com
las de Schwann (neuropatias desmie- as neuropatias do beriberi, pelagra, gravidez
linizantes), por desaparecimento seg- e anemia do tipo Addison-Biermer. São im-
mentar da mielina, mantendo-se pre- portantes pela sua freqüência a polineuro-
servada a continuidade do axônio, patia alcoólica e aquela devida a falta de
embora este possa sofrer modifica- absorção de vitamina B12, ambas caracte-
ções morfológicas. rizadas por dores, parestesias, hiporreflexia,
Deve-se notar que, embora esta dife- hipotonia e, as vezes, atrofias musculares.
renciação entre os tipos neuronal e desmie- Esses sintomas costumam ser simétricos e
linizante seja correta, ela é também relativa: predominar nas partes distais dos membros,
o axônio e bainha de Schwann estão inti- especialmente dos inferiores.
mamente unidos, de modo que o comprome- Dentre as neuropatias tóxicas são de
timento de um elemento repercute sobre o especial importância: a arsenical, caracteri-
outro. zada por quadro simétrico sensitivo-motor
No estudo das neuropatias periféricas no qual são especialmente freqüentes as
devem ser consideradas as mononeuropa- dores, parestesias e caimbras; a saturníni-
tias, as neuropatias múltiplas e as polineu- ca, resultante da intoxicação crônica pelo
ripatias. As primeiras implicam no compro- chumbo e na qual costuma ser predominante
metimento de só u m nervo periférico e as e paralisia dos nervos radiais; a tálica, mui-
últimas, e m comprometimento simétrico e to parecida com a arsenical, porém acom-
geralmente distai. As neuropatias múltiplas panhada de queda dos cabelos, sobrancelhas,
correspondem àquelas afecções de vários pelos axilares e pubianos. Deve ser citada
nervos periféricos de modo assimétrico e ainda a polineuropatia acarretada pela ca-
sucessivo. rência de vitamina B6, a qual é geralmente
Do ponto de vista etiológico classificam- secundária ao uso do ácido-isonicotínico.
se as neuropatias em traumáticas, carenciais, E m relação as neuropatias inflamatórias
tóxicas, inflamatórias, metabólicas, paraneo- sobressai por sua importância, a polirradi-

Professor Assistente Docente e Coordenador do Centro de Investigações e m Neurologia da Disciplina


de Neurologia da F M U S P (Prof. Dr. H. M . Canelas).

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culoneurite. Trata-se de afecção desmielini- Essa afecção, que se manifesta geral-
zante e m que a síndrome simétrica, do pre- mente entre os 20 e os 40 anos de idade
domínio motor, acometendo geralmente os tem início insidioso e evolução progressiva
4 membros e a face, associa-se dissociação determinando a morte geralmente ao fim de
proteino-citológica no líquido cefalorraquea- 7 a 11 anos.
no em punção lombar (aumento da concen- A neuropatia porfirínica, que aparece na
tração proteica não acompanhada de pleo- porfiria aguda intermitente apresenta-se
citose). c o m o u m a polineuropatia de predomínio
Ainda entre as neuropatias periféricas motor, acompanhada de dores abdominais
inflamatórias devem ser consideradas as intensas, simulando freqüentemente u m qua-
neurites leprosas (neurites isoladas, neuro- dro de abdome agudo. O diagnóstico pode
patias múltiplas e sucessivas e mais rara- ser seguido pela presença de urina de cor
mente polineurites), a neuropatia diftérica vermelho-vinhosa (principalmente após ex-
que na verdade decorre da ação da toxina posição à luz) e comprovada pela presença
do bacilo (geralmente c o m paralisias velo- de porfobilinogênio na urina de 24 horas.
palatinas), e as neuropatias secundárias às A neuropatia paraneoplásica, de etiolo-
colagenoses, especialmente a da periarterite gia obscura, constitui afecção bastante fre-
nodosa. qüente nas doenças malignas, podendo apa-
Das neuropatias metabólicas, as mais recer muito antes da neoplasia. Existe u m a
importantes são a diabética, as relacionadas forma leve, u m a sub-aguda ou aguda, severa
ao metabolismo proteico, a amiloidótica e a e u m a que evolue por surtos. O s sintomas
porfirínica. U m a das mais comuns é aquela são os clássicos de u m a polineuropatia c o m
devida ao diabetes mellitus. Ela pode assu- déficit motor de predomínio distai, amiotro-
mir o aspecto de neuropatia isolada, de fias, hiporreflexia, parestesias e hipoestesia
neuropatia múltipla ou de polineuropatia. geralmente c o m disposição e m bota e e m
Instalando-se e m qualquer fase da evolução luva.
da moléstia e independentemente da idade As neuropatias heredodegenerativas
do paciente, sua sintomatologia é polimorfa, constituem grupo no qual defeitos metabóli-
abrangendo manifestações sensitivas (sub- cos ainda obscuros traçam-se no caracter
jetivas e/ou objetivas"), motoras, neurovege- genético. A moléstia de Charcot Marie Tooth
tativas e tróficas. A s formas sensitivas são ou atrofia muscular peroneal caracteriza-se
as mais comuns, c o m sensações paresté- por déficit motor e amiotrofias c o m início
sicas e dores, principalmente noturnas, do- na infância ou adolescência e atingindo par-
minando o quadro. O exame da sensibilidade ticularmente o terço distai das coxas, as
revela comprometimento precoce da pales- pernas e os pés, conferindo-lhes o aspecto
tesia nos pés. A s formas neurovegetativas de "pernas de galinha" A afecção evolui
caracterizam-se por lesões cutâneas nos de m o d o lento e somente após muitos anos
membros inferiores (atrofia, pele seca e as m ã o s e antebraços costumam ser com-
brilhante, hipo-hidrose, vesículas, desordens prometidos.
vasomotoras), às quais podem se associar Na neurite intersticial hipertrófica de
osteoartropatias de tipo neurogênico e mal Dejerine Sottas existe espessamento dos
perfurante plantar, além de impotência se- nervos periféricos e hipertrofia da bainha
xual e distúrbios esfinctéricos. de Schwann, formando-se u m a estrutura la-
Dentre as neuropatias por desordem do minada concêntrica semelhante a u m bulbo
metabolismo proteico salientam-se aquelas de cebola. A afecção se inicia geralmente
devidas a alterações quantitativas de com- na segunda ou terceira década da vida, ma-
ponentes normais do soro (disproteinemias) nifestando-se c o m o polineuropatia de evo-
e as devidas ao aumento exagerado de cer- lução lenta e distribuição distai, a qual se
tas globulinas séricas (paraproteinemias). mantém por muito tempo circunscrita aos
Estas incluem as manifestações neurológicas m e m b r o s inferiores. Podem estar presentes
do mieloma múltiplo, das macroglobuline- sinais cerebelares ou cordonais posteriores.
mias e das crioglobulinemias. A moléstia de Refsum ou heredopatia
A amiloidose primária ou paramiloidose, atática polineuritifome manifesta-se por re-
pode apresentar localização predominante no tinite pigmentar, sinais cerebelares e poli-
sistema nervoso periférico, ocasionando po- neuropatia acompanhada de dissociação pro-
lineuropatia familiar sensitivo-motora grave, teino-citológica no líquido cefalorraqueano.
de predomínio nos m e m b r o s inferiores, O s primeiros sintomas podem surgir na
acompanhada de distúrbios gastro-intestinais, infância e, m e s m o , na segunda e terceira
impotência sexual e desordens esfinctéricas. décadas, sendo a evolução lenta.
Centro de Investigações e m Neurologia, F M U S P — Cai Postal, 5199 — São Paulo, 01000, SP — Brasil.

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ACIDENTES VASCULARES CEREBRAIS
L. R. Machado *

O Sistema Nervoso Central é u m com- b. ramos circunferenciais curtos, seme-


plexo de estruturas particularmente críticas lhantes aos primeiros, m a s com percurso
no que diz respeito ao suprimento de oxi- menor.
gênio e nutrientes transportados pela cir- c. ramos paramedianos, perfurantes,
culação sangüínea. Isso se deve ao grande centrais, que se aprofundam no parênquima
desenvolvimento e diferenciação 'de estrutu- nervoso de ambos os lados da linha média,
ras neurais, b e m c o m o ao alto metabolismo logo depois da sua emergência.
conseqüente a esse desenvolvimento. A s artérias carótidas são as principais
Entre a bomba cardíaca e a célula ner- responsáveis pelo fluxo sangüíneo cerebral.
vosa existe u m a trama de vasos organizada Na região cervical, dão origem à carótida
de tal m o d o que há u m a tendência a manter interna e à carótida externa, responsável
u m fluxo global constante, diferencialmente pela irrigação da face, couro cabeludo e
distribuído conforme as áreas mais solici- parte das membranas meníngeas.
tadas no momento. A carótida interna dá origem a diversos
Por outro lado, tais vasos têm u m plano ramos, devendo destacar-se a artéria oftál-
de construção, caracterizado pelo paralelis- mica, que é o primeiro ramo intracraniano
m o entre as redes arteriais e anastomoses, e que tem importância por ser visível ao
patentes ou não, entre os vários sistemas. exame de fundo de olho; a artéria comuni-
U m acidente vascular cerebral (AVC) é cante posterior, pela sua participação no
caracterizado por u m déficit de fluxo* san- polígono de Willis; e os dois ramos termi-
güíneo a u m a determinada área cerebral, de nais, a artéria cerebral anterior e a artéria
natureza crítica, acometendo os vasos como cerebral média responsáveis pela irrigação
conseqüência de diversas patologias. da maior parte do córtex cerebral, nomea-
C o m o causa de morte e incapacidade, damente a porção anteromedial e lateral.
nos E.U.A., as doenças cerebrovasculares O sistema vértebro-basilar, através dos
ocupam o terceiro lugar, logo depois das seus ramos, irriga a medula espinal, o ce-
coronariopatias e das neoplasias. O s A V C rebelo e o tronco cerebral, no qual se con-
são responsáveis por cerca de 1 1 % dos centram as vias ascendentes e descenden-
óbitos, e sua prevalência aproximada está tes, a maior parte dos núcleos dos nervos
estimada e m 20 por 1000 entre os 45 e os cranianos, e os centros que regulam o tono,
54 anos; 60 por 1000 entre as idades de 65 a vigília e os mecanismos homeostáticos
e 74 anos; e de 95 por 1000 entre 75 e basais.
84 anos. A irrigação cerebral tem alguns disposi-
ASPECTOS ANATÔMICOS tivos de segurança constituídos pelas redes
Existem dois sistemas arteriais que su- anastomóticas, de tal m o d o que o supri-
prem a circulação cerebral possuindo, am- mento sangüíneo seja mantido no caso de
bos, características e padrões de distribui- haver obstrução de u m sistema ou parte
ção semelhantes: o sistema carotídeo e o dele.
sistema vértebro-basilar. Entre as anastomoses extracranianas são
A s ramificações de ambos podem ser importantes as comunicações entre carótida
estudadas e m três grupos principais: interna e externa (região orbitária) e entre
a. ramos circunsferenciais longos que carótida externa e vertebral (região cervical).
envolvem as estruturas cerebrais a partir Das anastomoses intracranianas a mais
da porção ventral, irrigando as paredes la- importante é o polígono de Willis que faz
terais e anastomosando-se c o m os ramos a comunicação entre o sistema carotídeo e
contralaterais na superfície dorsal. vértebro-basilar. É constituído pelas artérias
carótida interna, comunicante posterior (a
Médico Preceptor do Centro de Investigações em causa
Neurologia da mais importante
Disciplina de Clínicae Neurolóqica
freqüente dade ano-
F M U S P (Prof. Dr. H. M. Canelas).

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malias do polígono), a cerebral posterior, a ANATOMOPATOLOGIA,
cerebral anterior e a comunicante anterior. FISIOPATOLOGIA E CLÍNICA
Além disso as artérias cerebrais anterior,
média e posterior comunicam-se amplamen- Alterações definidas das paredes arte-
te na superfície d© córtex cerebral, nos riais, da corrente sangüínea ou de ambas
limites do seu campo de irrigação. acabam desembocando num quadro clínico
cuja expressão depende do grau de gravi-
ASPECTOS FISIOLÓGICOS dade (episódios isquêmicos transitórios ou
definitivos), de haver ou não solução de
O fluxo sangüíneo para o cérebro é
continuidade da parede vascular (isquêmicos
mantido relativamente constante a despeito
ou hemorrágicos) e da topografia da lesão
de eventuais aumentos de débito cardíaco
(áreas "silenciosas" ou não, áreas de maior
e de pressão arterial que ocorrem durante
ou menor densidade de estruturas "vitais"
o esforço físico ou outras condições de so-
e vias aferentes e eferentes). Tais altera-
licitação circulatória, dentro de determinada
ções podem ser consideradas e m alguns
faixa de variação.
grandes grupos:
O cérebro humano adulto gasta cerca
a. Arteriosclerose
de 500-600 ml de oxigênio e 75-100 m g de
glicose por minuto, e m condições de fun- A grande maioria dos AVC é provocada
cionamento normal. Para atender a esta de- por lesões arterioscleróticas nos sistemas
manda, cerca de 1000 ml de sangue oxige- arteriais cerebrais. Não são bem conhecidos
nado e carregado de nutrientes chega até os seus mecanismos de formação e os pas-
ao cérebro; isto corresponde aproximada- sos de sua evolução. No entanto, alguns
mente a 2 0 % do débito cardíaco. dados devem ser considerados.
Existe um mecanismo bastante perfeito À microscopia eletrônica, após qualquer
responsável pela manutenção do fluxo cons- lesão arterial isquêmica ou traumática, apa-
tante: é o mecanismo de auto-regulação. rece como primeiro substrato uma vacuoli-
Quando o fluxo sangüíneo cerebral aumenta, zação das células endoteliais. Esse aspecto
há um aumento da resistência cerebrovas- pode ser melhor analisado pela microscopia
cular; quando o fluxo cai, essa resistência eletrônica de varredura que permite reco-
também cai no sentido de manter u m fluxo nhecer essa alteração estrutural como uma
constante. balonização da parede da célula endotelial.
Há várias hipóteses para explicar tal A partir desta fase inicial, algumas células
mecanismo, sendo difícil a opção por qual- podem sofrer lesão definitiva; nesse pon-
quer delas isoladamente; talvez o mais cor- to, há deposição de quilomicrons de alta
reto seja admitir uma ação combinada de densidade e lipoproteínas, dando início à pla-
diversos fatores: ca ateromatosa.
a. mecanismo vasogênico: a camada C o m a evolução, as artérias tornam-se
muscular da parede arterial seria distendida rígidas e espessas, suas fibras elásticas de-
pelo maior volume sangüíneo por ocasião generam e elas aumentam levemente seu
do aumento de fluxo; isso provocaria, passi- comprimento, tornando-se mais tortuosas e
vamente, uma tendência à retomada do ca- acentuando suas angulações. Nos pontos
libre primitivo. mais fracos desenvolvem-se aneurismas, e m
b. mecanismo nervoso: a inervação geral de tipo fusiforme.
autonômica seria responsável pela variação b. Hipertensão arterial
de calibre dos vasos cerebrais, regulando-o Quando a P.A. é mantida acima dos seus
conforme suas próprias necessidades. níveis habituais, ainda que moderadamente,
c. mecanismo metabólico: é o mais ocorre hialinização da camada muscular e
importante. U m a diminuição de fluxo cere- o calibre arterial se torna fixo. Eventualmen-
bral ocasiona aumento de C 0 9 que age no te, formam-se microaneurismas devido ao
sentido de provocar vasodilatação, compen- enfraquecimento e perda progressiva da
sando a queda de fluxo. U m aumento de elasticidade arteriais e ao regime de hiper-
fluxo provoca queda de CO* com conse- tensão associado.
qüente vasoconstrição e tendência à norma- Admite-se que os efeitos cerebrais na
lização do fluxo sangüíneo cerebral. Além encefalopatia hipertensiva sejam devidos a
do C 0 9 desempenham papel importante o u m espasmo arterial e arteriolar que ocorre
pH e a p0 9 . como resposta tardia mas exagerada do me-
Além do macenismo de auto-regulação, canismo de auto-regulação. O vasoespasmo
alguns outros fatores agem na manutenção difuso leva a redução de fluxo no leito
do fluxo constante: a P.A. média (o meca- capilar, isquemia, passagem de líquido para
nismo de auto-regulação funciona apenas o espaço extra-vascular, rotura de capilares
entre 70 e 160 m m H g ) , o débito cardíaco, e micro-infartos cerebrais. Página 39
mecanismos pulmonares e viscosidade san-
güínea.
c. Aneurismas intracranianos lação com as manifestações clínicas do
AVC.
Podem-se considerar quatro tipos bási- As alterações neuronais e das células
cos de aneurismas: os congênitos (geral- da glia ocorrem paralelamente. Nos neurô-
mente saculares), que compreendem cerca nios, há u m entumescimento mitocondrial,
de 9 0 % dos aneurismas arteriais; os arte- logo seguido de alterações nucleares carac-
rioscleróticos (fusiformes), cerca de 7 % ; os terizadas por fragmentação do nucléolo e
aneurismas sépticos (micóticos), por volta aumento da densidade nuclear; os corpos de
de 0,5%; e os aneurismas dissecantes, tam- Nissl aparecem reduzidos; o complexo de
bém com aproximadamente 0,5%. Golgi e as cisternas do refículo endo-plasmá-
Os aneurismas saculares são devidos a tico aparecem tumefeitos. Os lisossomas,
hipoplasia congênita da parede muscular ao contrário do que se acreditava, são bas-
arterial de tal modo que, com o crescimento tante resistentes na fase inicial; assim, a
e a solicitação contínua, há tendência à di- liberação de suas enzimas proteolíticas nu-
latação da parede nos pontos críticos. m a fase mais tardia poderia determinar o
agravamento das lesões ou a sua transfor-
d. Mal-formações vasculares mação e m caráter definitivo. As células da
glia sofrem uma evolução semelhante.
Estas alterações, bem como angiopatias Parece bem definido atualmente que o
inflamatórias, doenças auto-imunes e neopla- edema inicial no infarto cerebral, particular-
sias desempenham papel importante na gê- mente o que envolve a substância cinzenta,
nese dos A V C , mas revestem-se de inte- é devido primariamente a u m edema astro-
resse restrito em Neurologia Básica. cítico. A quebra da barreira hêmato-encefá-
O estudo da fisiopatologia dos acidentes lica parece ocorrer numa fase bastante
vasculares cerebrais encontra grandes difi- tardia.
culdades ao se considerar de um modo glo- Clinicamente, podem ser reconhecidos
bal. As duas possibilidades a serem enca- dois grandes grupos de acidentes vasculares
radas numa visão geral são: alterações de cerebrais caracterizados sindrômicamente:
parede arterial desempenhando o papel os devidos a uma síndrome oclusiva e os
principal; as alterações do tecido sangüíneo, devidos a uma síndrome hemorrágica.
representando o fator mais importante. Em A oclusão de u m vaso cerebral pode
ambos os casos os dois elementos intera- produzir efeitos que variam desde uma sin-
gem profundamente. tomatologia pobre ou nula até o coma ou
Ou com resposta à agressão endotelial a morte em pouco tempo. Isso depende da
ou como conseqüência da lesão da parede existência e disponibilidade de fluxo cola-
vascular, as plaquetas e os fatores de coa- teral, do tamanho e da posição da árvore
gulação entram e m contacto com estruturas arterial acometida, da duração da oclusão,
subendoteliais; as plaquetas aderem a essas e da natureza do agente oclusor. Os efeitos
estruturas e liberam seu conteúdo, induzindo clínicos refletem o local e a extensão do
a agregação interplaquetária. O fator mais tecido lesado; fica, por vezes, difícil esta-
importante na agregação plaquetária é o belecer o vaso exato e a natureza da oclu-
ADP são. C o m freqüência é impossível, a não
A formação de agregados plaquetários ser por outros dados clínicos associados,
pode ser temporária: nesse caso, são bas- estabelecer a natureza trombótica ou embó-
tante instáveis podendo fragmentar-se e dar lica do A V C . Para o neurologista clínico, re-
origem a êmbolos plaquetários. Se os agre- vestem-se de especial importância as carac-
gados plaquetários persistirem podem ser terísticas semiológicas que permitem indi-
estabilizados por fibrina que se forma pela vidualizar as síndromes das grandes artérias.
ativação simultânea do sistema de coagu- Isso é possível graças a detalhes e grada-
lação. ções semiológicas, levando e m conta o tipo,
O fator XII, e m contacto com o colágeno, grau e coerência das alterações motoras, a
as microfibilas e a elastina do subendotélio, presença ou não de alterações de sensibi-
iniciam a via de ativação intrínseca; a trom- lidade, o comprometimento ou não dos me-
boplastina tecidual, liberada pelas células canismos de sono e vigília e as alterações
lesadas, ativa a via extrínseca. O resultado das chamadas funções nervosas superiores
final é a produção de trombina que converte que, e m seu conjunto, caracterizam o con-
o fibrinogênio solúvel e m fibrina insolúvel. teúdo de consciência e incluem, com muita
A trombina é um estímulo poderoso na freqüência, os fenômenos afásicos.
liberação de fator plaquetário, levando a uma De u m modo geral, as síndromes he-
extensão do fenômeno de agregação. morrágicas tendem a ser mais graves que
Estas alterações nas vias de suprimen- as oclusivas, mais súbitas e de evolução
to sangüíneo ao cérebro traduzem-se, e m mais rápida no sentido de estabelecimento
última análise, numa hipóxia tecidual cuja de lesões definitivas. Suas causas já foram
intensidade e extensão guardam estreita re- consideradas ao tratar-se da patologia das

Página 40
artérias cerebrais. A maior parte das he- tabelecimento de diagnósticos diferenciais
morragias inicia-se e m regiões profundas. O importantes com processos tumorais, sensu
sangue forma u m hematoma líquido que dis- latu, processos infecciosos e, eventualmente
seca o tecido cerebral ao longo das fibras, até com processos desmielinizantes.
comprimindo vasos e outras estruturas ad- É necessário ressaltar também a utili-
jacentes. O cérebro fica edemaciado, o te- dade dos exames neurorradiológicos, de in-
cido normal é comprimido e, eventualmente, dicação precisa e m cada u m dos tipos de
ocorrem fenômenos de herniação que podem A V C , levando-se e m conta os dados clínicos,
levar o paciente à morte. A maior parte das a evolução e, sobretudo a programação te-
grandes hemorragias são fatais, sendo a rapêutica cirúrgica ou não.
morte causada, além das herniações, pela Além disso, deve ser procurada a etio-
dilatação do sistema ventricular ou pelo ede- logia do acidente vascular, sobretudo e m
ma generalizado. jovens, e m especial mulheres e m idade fér-
EXAMES COMPLEMENTARES til que tomam contraceptivos.
E CONDUTAS E m termos de conduta, por ser e m geral
u m quadro grave, revestem-se da maior im-
Os dados de exames complementares portância as medidas gerais de suporte, e m
devem, talvez mais do que e m qualquer ou- especial os cuidados respiratórios na fase
tra patologia vascular, ser encarados e in- mais crítica e os programas de recuperação
terpretados e m conjunto com a história e funcional física, psicológica e social na fase
o exame neurológico. de reabilitação.
Entre os exames disponíveis no nosso É grande a controvérsia e m torno de
meio, deve ser destacado o exame do lí- temas de terapêutica, como o uso de anti-
quido cefalorraqueano; seus dados de pres- coagulantes e de corticosteróides. Existem
são, o aspecto, a cor, a análise citomorfo- indicações para seu uso e m alguns casos,
lógica e bioquímica, e m especial a determi- m a s a sua administração indiscriminada po-
nação do proteinograma têm grande valor de trazer altos riscos ao paciente; por isso
não só na determinação da natureza e do tais recursos devem ser manipulados apenas
grau de acometimento, m a s também no es- por especialistas.

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