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COLECÇÃO VEGA UNIVERSIDADE

.. '~--~ ·-.··

ERIC VOEGELIN
Secçãci:.Direito e Ciência Jurídica
i \

DIREITO PROCESSUAL CIVIL II (3.3 ed.)


(Acção Executiva) ·
José Lebre de Freitas
O ERRO NO CÓDIGO PENAL
José Albino Caetano Duarte
PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DE DIREITO PENAL
Claus Roxili
TEMAS LABORAIS
António Garcia Pereira
ESTADO DE SÍTIO E DE EMERGÊNCIA EM DEMOCRACIA
António Damascen'o Correia
CÓDIGO DO PROCESSO DE TRABALHO
Legislação Complementar
António Garcia Pereira
O DIREITO À OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA
António Damasceno Correia ___ )

CÓDIGO PEJ:.;'f,L
Nova Legislação
Prefácio de António Damasceno Con-eia
CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO
Carlos Alegre
A PUBLICIDADE E A LEI
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1 1

que a'e·/eriÍ encontrar nes1.a


edição ou solicite ainda,
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informações periódicas para:

VEGA
A NATUREZA DO DIREITO.
Gabinete de Edições E OUTROS TEXTOS JURÍDICOS
Apartado 41034
1526 Lisboa Codex
· ERIC. VOEGELIN
A NATUREZA DO DIREITO
E OUTROS TEXTOS JURÍDICOS
Autor: Eric Voegelin
ColecÇãõ: Véga!Universidade
Secção: Direito e Ciência Jmídica
© Vega (1998)

Direitos reservados cm língua portuguesa


A NATUREZA
por Vega, Limitada
DO DIREITO
E OUTROS TEXTOS JURÍDICOS
Sem autorização expressa do editor não é permitida a reprodução
parcial ou total desta obra desde que tal reprodução não decorra Prefácio de
das finalidades úpecíficas da divulgação e da crítica. José Adelino Maltez

Tradução de
tf
~·· Fernando Virgílio Ferreira
~---­
~-

· , Sacebr
Capa: Luís C.l-.\E
Re\·isão: Alice Araújo
Fotocomposição, Fotolitos e Montagem:
Corsino & Neto - Gabinete de Fotocomposição, Lda.
!SR.\': 972-699-579-5
Depósito Legal: 120811/98
Impressão e Acabamento: Gráfica Trevo
\; -.

- ..,:

PREFÁCIO
DA EDIÇÃO PORTUGUESA

VOEGELIN E A PROCURA
.--· DO l)IREITO NATURAL.
1

por José·Adelino Maltez (1)

.:
Foi enrl991, seis anos depois da morte de Eric Voegelin
(1901-1985), que a equipa coordenadora da edição das respec-.
\
. 1
l
. tivas obras completas, no vigésimo sétimo volume da colecção \
editada pela Louisiana State University, compilou os principais
escritos sobre teoria e filosofia do direito daquele que, sendo
licenciado em direito, também começou a sua vida docente
como colaborador de um dos maiores juristas do século XX,
Hans Kelsen. Cerca de sete anos depois, surge agora a edição

(1) Licenciado on Din.:ito peir, Univers:d:iJe ,:e c·-:r,b:~~ '.'.IJ7:t),


Doutor em Ciência Política pela Universidade Tecnica de Li:;boa - ISCSP,
Professor Associado com Agregação do grupo de Ciência Política do ISCSP
e Professor Convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
onde é regente das disciplinas de Filosofia do Direito e de História do
Pensamento Jurídico. ·
7
l
por.fuguesa de tal obra. Continua-se, assim,· o! recente ciclo de ;~fz~;:âções que sempre visaram regressar para seguir em
recepção no universo cµltural português dos mais significa- . iif~_ (2). .· .
tivos fragmentos desse pensador germano-americano ._que, <Fâlarrios evidentemente daquelas corr~ntes contrárias à
entre. nós, começou a ser__ conhecido como politólogo, no_s___ gdérnidade do cientismo, iluminista O}.! positivista, que alguns
anos oitenta, através da circulação da versão brasileira de·· kü:ni~âm de conservadoras, -e que o não deixam de ser, se as
The New Science of Politics, publicada em 1952, para éht~rtdennos como conservadoras do que deve, ser, isto é, dos
depois, já nos an.ós noventa, ser recebido como filósofo e ""R.ij}í·ê_ípios, :riis que, contudo, se manifestam como ii:eve~en:e­
historiador das ideias, principalmente com os trabalhos do rtltnte inconformistas, quando não insolentes, face ao s1tuac10ms-
voegeliniano português Professor . Doutor Mendo Castro: '.~''i~~Õ 'mental da modernidade, que apenas pretende conservar o
Henriques. . . · ' ~f_~ que está. Aliás, a comunid~de instalada nas terras norte-ame-
0

Cabe-me agora a honra de prefaciar os principais textos. ~-~Jj ricanas, fiel ao acto fundacional da respectiva res publica,
jusfilosófico~ de Voegelin, com destaque para º' ensaio The , :;:;,:~:>sempre constituiu uma espécie de refúgio para todos os que,
Nature of the Law, elaborado em 1957, que constituiu a base 'f,~/:~ . peregrinando pelas origens, conservam a fidelidade ao princípio
da Ieccionação de mn curso.de introdução ao direito que regeu ~-'· . . da continuidade histórica das instituições políticas, tendo até
na Faculdade de Direito da Luisiana, de 1954 a 1957,"
considerado pelo próprio como edição temporária, destinada
!' ~-- transfonnado a independência norte-americana naquela revolu-
í$ : ção evitada que pem1itiu o transporte do consensualismo anti-
exclusivamente aos alunos inscritos. Um texto, aliás, bastan-
te marca.do pelos modelos de Order and Hist01y, de 1956-
l----' absolutista, tardo-medie_val e renascentista, para os nossos dias.
:1 ~ ·· As teses de Voegelin sobre o direito inserem-se, sem dúvida,
;1. :L -1957. ~. naquele grandioso movimento de regresso ao direito natural e
Sem poder assumir a dimensão de voegeliniano e sem até .;.- à teoria da natwí.-cz:i d2.s coi'~·" que, depois do holocausto nazi
circular pelos grupos de pensamento especializado na íia e do terrorismo estalinista, nos obrigou à reperegrinação em
hennenêutica de tal mestre, julgo que ele constitui, sem dúvida, t tomo da dignidade da pessoa humana.
uma das referências fundamentais do universo contemporâneo
das ideias. Principalmente por ser um insigne representante da
I~
Voeaelin
ü '
natural de Colónia, foi estudante de direito em
Viena e, candidatando-se a docente na Faculdade de Direita que
íntima ligação entre o pensamento europeu e o pensamento o fonnara, elaborou, em 1922, uma dissertação em que teve
norte-americano do pós-guerra, à semelhança de outros gigan- como um dos orientadores o referido Hans Kelsen. tfas, cinco
tes, como Leo Strauss, Carl Friedrich e Hannah Arendt, que a anos depois, quando contava vinte e seis anos de idade, já
euforia genocida ·das perseguições hitlerianas obrigou a uma esboçava uma crítica de fundo ao seu mestre, repudiando o
travessia do Atlântico. Uma geração que manteve, nesse Novo
Mundo, a arca dos segredos teóricos da liberdade europeia
e ,,c:'.>n:.,:, .;_;;_: 10 ;:p_:e:: :-n.·:-sn~0 \',.,e?elin considerou corria
(2) Voegelin saiu de Viena para os Estados Unidos da América em
a ciência classica e crista do hom:cni, o;~,lc ;) ~'..::-,_; ~' ,,_~c:1ie11se, ~ '1 e i. _11s ·'· s ·,-:·,,";~ .~:: '.~r ;--'.!blicado Der Autoritiire Staat, com que

platónico e aristotélico, reanimado pelo estoicismo romano e f1Z:: ./ia a!canç . ~:-..:0 ..i ·~·~:c;c.::-iz:. e~: I:rGl~~sscr ~1..-~'._::0:::}2cc. Er... ~~~.! ·. ~n-r.cu-::i.;
pelo vigor espiritual judaico-cristão, produziu aquele cidadão norte-americano, estacionando pfincipalmente na U11i';;:rsidade
Estadual da Luisiana, a partir de 1942, depois de experiências em Harvard
humanismo activ:ista que ousou sempre nascer de novo,
e no Alabama. Em 1958 voltou à Alemanha, para assumir a direcção do
refazendo as sucessivas renascenças e promovendo _aquelas Instituto de Çiência Política da Universidade de Munique.

8
9

-------------
.. , ;-"'--: _.:,_.·.::'

usurparam a_p_erspectiva da razão, recobrin~o, com os


ftp1,
exce.s~ivo logicismo- das bases metodológicas da teoria pura do ,·riomes de racionalismo e de cientismo, uma ideologia que nunca
,.~J ~oincidiu coin os autênticos conceitos de razão e de ciência. Isto
~~fé
direito, marcada pela Normlogik da Escola de Mal-burgo; segundo
as qu~~~ _uma ciência do direito que não obedecesse às. categorias· inverteram a natureza das coisas, esquecendo-se dos fins pela
formais do a priori da razão pura kantiana não poderia atingir_ ,,.Jfi1}:~bsolutização dos meios e não lembrando que a ·verdadeira
a dimensão ?.11te.2ticamente científica (3). Contudo, não seguia .,__ º~~~W:'·; ~iência semore fui entendida como o consenso daqueles que

1~,1.~.1.; ~~~'.i~:~:~ ~~::~~sae~:i:~~;;,(~ó,!;:~~:~~v~~-~;~s~i~~;:;,


as sendas também neo-kantianas, mas afinadas pela razão 1~_-_,:.·;.-~'.pensam de forma radonal e justa no sentido Ga sc··naçã<) da
prática, da Escola de Baden, marcada pela filosofia dos valores, :~?,f'· opinião pelo conhecimento.
;:•
.
. . Y? · ·· . Acontece que, segundo Voegelin, a verdadeira teona, como
t. i ~

'
modelo que vai inspirar alguns dos principais pensadores do :- ~
direito do mundo lusíada, como Luís Cabral de Mancada e
Miguel Reale. Se se distanciava do c~nceito de valores assu-
mido por Heinrich Rickert, não deixava contudo de conciliar- ---=-::: · conseguem reproduzir imagmativamente as expenenc1as que a
. ' '
-se com a perspectiva do institucionalismo do francês Maurice ... - ·-~ .~. teoria procura apreender, isto é: para aqueles em que se ~es­ :· \

: '.(-
Hauriou; aceitando deste, principalmente, ·a ideia de repre- ~:~ . pertem experiências paralelas como base empírica que sirva ·.·.
' :.}f
sentação, tópico a partir dei qual vivenciava a sua fé demo- ~,-._•.. • p~ra testar a base. da teoria .. Porque a razão, e~quanto .logo;, ;i

· nao se reduz ao mtelectuahsmo e ao voluntansmo, ex.1g111ao


crática.
Ao contrário de alguns mitos de certa concepção cientificista .. ~:_; também imaginação. Porque o. vcr~adeiro homem de razão,
da modernidade, Voegelin propõe, tanto para o direito como li . aquele que procura a. recta ratw, nao pode excluir__ o am.mal
~· simbólico essa zona fundacioLcal do homem oni:k tem de nar-
~-~ a~ ~
para a polit;::;lcgic:, um medeio" nccclássico de ciência de prin-
cípios, isto é, e, regresso à autêntica reflexão teórica que nu.nca monizar-;e todas potências da alma, da ia.à·::. ele. vontade
significou uma separação da praxis. · ~-
~.- a' propna
' . . -
. · 1magmaçao. . .
Primeiro, porque não é possível que se atinja o nível da f A modernidade transformou a teona numa escrava do
teoria sem que se parta de uma base empírica. Segundo, porque ~ método, levàndo a que os meios p_assasse'.11.' ser superiores. aos
ê fins e gerando aquelas rupturas ep1stemolog1cas que cond~ziram .
não há teoria sem experiência.
~ aos extremos do materialismo e do idealismo, perspectivados
~- -
Acontece apenas que tanto a base empírica como o modelo
de experiência nada têm a ver com os postulados das rearas do como contrários. Como se a natureza das coisas em sentido
método da chamada modernidade, pós-cartesiana e positivista, ll clássico não exigisse uma espécie de transcendente sit;iado,
~· - dado que no ímanente está o transcendente, porque so por
~-
correntes que, transformando aquilo que sempre deveria ser
dentro das coisas é que as coisas realmente são. Esse deses-
~
entendido como caminho (a noção etimológica de métodn) num
pero gnoseológico, que transformou a dialéctica numa luta de

p;.iSS~\·~~ 1
, ::ce'~
:-.:"'' :,r> ', . .: a nossibi1idade de uma dialéctica de1 dis-
(3) Em 1927, Voegclin razia uma recensão à Aílg.::;ne.;:c: Si1;:tsi~.':1; tintos, '.-.~'-~c~'C''.
de ci:culati:.;:,.Cc:: ·2c: > :-:. ~ ,.~~~:.vr •·'r1n
de Kelsen, publicada em 1925, em que se lançavam as bases de uma teoria absolutism"o provocou o dualismo do bem e do lL•..:.l, :~,:i.~; ·<··
pura do direito, considerando-a como herdeira do movimento da teoria situado em lugares conflituantes, como se as coisas mas nao
geral do_Estado,_ onde se destacou Georg Jellinek, que, entusiasmado pela tivessem muitos pedaços de bem e as coisas boas, fragmentos
construçao prussiana, por esse espectáculo de um novo corpo de direito
a ser criado, considerava os aderentes ao direito natural como desoraça
0
de mal.
social. 11

10
'~~-~y; à a·rdem aparece como um microcosmos, enquan-
,.: ~rviliZaÇôesantropológicas nos surge como um homem
; \ M_arcado por outra postura, Voegelin-1 considera que as , '[~f~~µ~e," um macromit~U'opós. A ruptura deu-se quan-
iôeias não têm história, .quàse coincidindo com a perspectiva de ' ·aciedade ocidental, deixou de existir um equilíbrio entre
. _Affiold Toynbee, para quem existiria uma contemporm;1eidadtf': ~~fl'~ revelação, c~mo fontes autorizàdas de ordem,
:
. filosófica de todas as civilizações. Neste sentidÓ, a sua ·aposta' lfprovocada pelo ~mbiente cultural anti-religioso e anti-
num regresso às origens platónicas, aristotéliCas e tomistàs fito~-:tJma ruptura que atingiu o seu clímax_ nos tota1ita-
do pensamento ocidental, nada tem de retroacção reaccioná- - . ~,.~7;~te~porâneos, por causa da ascensão de movimentos
ria contra a modernidade, significando, pelo· contrário, um' rÍi{ais gnósticos que tentaram a ordenação da sociedade
seguir em frente, de acordo com o sentido regenerador daquilo. }fi~-ão - da. autoridade iiormativa com a autoridade do
que Fernando Pessoa metaforizou como o ter saudades do
~E nesta
:)-.--"'ê· .. ·· ·-·

fafum, • . zona que Voegelin faz entrar o problema do direito,


~r._o..~

Neni sequer pode confundir-se com a recente moda da pós- _q(i;,;;to ordem normativa, do direito entendido como aquela
-modernidade em que alguns adeptos: tardios do mesmo - -p'iesentação da realidade que faz exigências à própria reali-
dogmatismo cientificista se mostram a;-rependidos sem, no -·de·. Essa ordem normativa, irmã das ordens normativas dJ.
entanto, recusarem o essencial da metodologia anterior," dado
temerem a força profunda do antimoderno de matriz clássica
el~gíãÓ,da política e da moral, e até da própria economia,
quando esta procura a espontaneidade do kosmos, como notou
ou tomista. frledrich August von Hayek, Essa ordem normativa que expres-
Assim, Voegelin deferi.de que a racionalidade plena dos
meios depende da racionalidade do fim, exigindo que a ciência
-,~C.3[ià a rensão entre a ordem empírica, isto é, a ordem social
e ""'.:-f"=>'ái_?tente, e uma outra ordem s'Jperior, a ordem substantiva, a
do direito se imeg1e numa ciência dn hem maior, isto é, da· q}dem do ser ou a ordem verdadeira, para utilizJ.ni1~co: a
felicidade. E que a modernidade, tal como explodiu nos contem-
~-.'!érrninologia voegeliniana.
porâneos séculos XIX e XX, mais não foi do que um secularismo,
"X~;~: . _
E aqui, a· nosso autor, retomando algo da Idade de Ouro
que ousou fechar a alma ao transcendente e desintecrrar a
própria filosofia, gerando-se o mito desenvolvimentista de pro·
-~]\jfde Platão, apela à ideia regulativa de uma espécie de ordem
:lf;;;iJ;tprimordial, marcada pela harmonia entre o homem, o Mundo
gresso, filho das ideias de processo histórico, que negou a
possibilidade de crescern1os para cima e para dentro, como
'~~;;~'e Deus, um alfa que sempre continuaria a ser um ómega, esse
propunha Tei1hard de Chardin. Uma ruptura que terià sido
t'!;!jftàl. mais além, de onde se vem, para onde se vai, e que nunca
!{!@:'?Correspondeu a um facto histórico, a algo que se tivesse veri·
; ;:
: 1:
produzida quando o homem, ao decepar-se do Mundo e, con-
sequentemente, de Deus, encheu de sombras e de vazio a sua
lt ·.)'-ficado no tempo e no espaço, como o defenderam certas teonas
· ~ ,- :;,-,, do contrato social.
interioridade, impedindo que ele acedesse à teoria . de acordo
com aquele ensimesmamento de que fa1ava Ortega y Gasset,_ e
ti· '::e Nessa ordem verdadeira, do antes e do depois, residiriam
qc:.; ;;;;,) '-. "~-: ~ --.,~::1 1 ·Jl,:'l ,0'ag;;;~'ivamente, esse camoniano
r; · .. • :· C\S "v:· hdcfro', :·, s:·: ', o obj ecto perfeito, a 1ex anima ta, o direi\ o
vale mais experimentá-lo que julgá-lo, mas situado nun13 Ilha
l ::<.vivo, insusrepüvd do ser criado ex ncvei, 0,1 · -.'!r'lc, inos
1! ,_·:apenas passível de descoberta. Essa orde1n verdadeira, equirn·
dos Amores, onde também se admite o julgue-o quem não puder
i ·. .· lente à physis dos gregos, antes da ruptura dos sofistas, esse
experimentá.:.lo.
De qualquer maneira, o direito e a sociedade reflectem as ~-··
;,;_ . : _estado regul~tivÓ
de um nomos basileus, próximo daqueles
concepções do mundo e da vida dominantes. Em civilizações 13
~-:~---~:2i.:~.

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12 :~/~H~~l-~-~:-
1i~L:;tf·;~~~ --
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,· -.

mores maiorlún dos romanos,-a que só os prudentes podiam i;-pai-tir-do-se.r empíri~o, procurando detectá-lo na perspectiva do
aceder, tirando o véu, desvelando ou interpretando. }homem comum e da linguagem quotidiana, e não deixando de
__ V,oegelin retoma assim algumas das principais teses do ç·penetrar no próprio horizonte dos valores estabelecido.s.
jusnaturalismo clássico, defendendo o carácter autoconstituinte '- Assim, considera que as regras válidas com_eçam por ser
da sociedade, isto é, considerando que a mesma traz dentro de ~(éncaradas como as regras devidamente decretadas de acordo
si a semente da ordem e que esta tanto pode desabrochar em :;:cmn o formalisrno processual da constituição estadualmente
regras como até em símbolos normativos. Neste sentido, se \vigente e consensualmente recebida pela comunidade. Neste
rejeita a ideia hobbesiana, continuada por John Austin, segundo ~:t~r ·sentido, se considera que as regras emitidas desta forma são
a qual o direito é um comando directo do soberano, isto é, que
a obediência faz o imperante e que Ópoder e a força.- e não
-~Tftfff..~/ todas válidas, não deixa de salientar que a validade não pode
~t,~.;L esgotar-se no momentâneo do que está vigente. Aceita, deste
1
a verdade, ou a justiça - fazem o direito, não deixa de ~i?.~~: modo, que, no fluxo constante da emissão de regras, marcadas
denunciar o\.itras consequências desta mentalidade voluntarista ·
:~?i: pelo procedimento constitucional, não deixa de existir uma
e absolutista, desde as ideias do pacto socíal às da vontade da :_:;~-f~: continuidade, um procedimento constante que assegura a iden-
maioria, com que tentou adocicar-se o chicote de um soberanismo . ,.·.~> -- tidade da ordem jurídica, a qual não deixa de ser a mesma só
-~-. ..- ~
_...._

absolutista que não deixou de ser absolutista quando o mo1iarca " porque mudam algumas regras particulares, com a entrada ou
soberano foi substituído pelo povo soberano. Ou quando e~t·e saída no agregado desta ou daquela regra válida.
povo soberano passou a ser medido pela -.. ontade da maioria,
1 Contudo, considera que, a partir dessa perspectiva, não
expressa pelo sufrágio universal. Porque uma ditadura da maioria,. pode chegar~se à definiçãc das regras essenciais, porque todas
não é pelo fcicto de ter a maioria que deixa de ser uma ditadura. as regras validamente e1:1ií.;das têm de ser consideradas es-
Porque a opinião dominante, nem por dominar deiX:a de. ser senciais. Não deixa, no entanto, de salientar que esse pro-
conjuntural. E a ordem verdadeira não pode estar dependente cedimento constitui um elo ·mediador entre a ordem empírica
da flutuação em tomo do ideal conjuntural da sociedade. Porque que ele, legislador, decreta, e uma ordem superior, aquilo que
tem de haver um padrão superior à opinião dominante, mesmo o mesmo Voegelin qualifica como a ordem substantiva da
que esta seja uma justificável aliança dos mais débeis contra a sociedade. .
injusta dominação dos mais fortes. De outra maneira, o direito Porque se há regras que foram e já não são válidas, há
pode reduzir-se àquele utilitarismo ou àquele finalismo que o tambérri. regras que ainda o não são, mas que, provavelmente,
identificou com aquilo que é útil ao povo, como dizia Frank; o serão; há uma legeferenda ou direito constituendo, um direito

l
o ministro da Justiça de Hitler, ou com aquela fornia de revolta a fazer-se e fazendo-se, por cima do direito feito e do direito
da ditadura do proletariado contra a vor1:ade da anterior classe passado.
.-:s tes,;s _!udc11 .:3s r!o 1eninismo e do
1 Logo, o mero critério da vigência talvez não sirva para se
estalinismo. ?:.r/r · : :e~':.:::'.. do direito É momentâneo e -passageiro
. ~ '
Voegelin, fiel ao realismo clássico, pretende partir da ex- <lernais, co111~üi'll1:.:. a ünage111 ci0 ;..:~r::. 1 " : • ~-:'"' ·~·:·~~,:·~ :~e

periência e, contra os postulados do form~lismo jusracionalista, pretérito,.· depois de passar pelo estreito do presente, voita a
para quem seria possível aceder ao direito pelo reconhecimento alargar-se pelas campinas do futuro. Aliás, nesse fluxo, o
formal dos axiomas, dos primeiros princípios ou dos conceitos critério da vigência, perspectivado através da emissão da lei,
supremos, ensaiou descobrir o direito de baixo para cima, a também não seria suficiente, porque a ordem efectiva só pode

14 15
do dir~"ito ~isa garantir a substância da ordem na
ser determinada nas decisões dos casos concretos, na determt-·
p~ção j{i~icial do direito, ·dado que há m"Uitas leis vigentes· qué
não têm eficácia, que não são efectivamente aplicadas. .
-- --· Outro critério repudiado por Voegelin, para a.e procura da ·· é quase o mesmo _que a politeia de Platao, a polzs me_lh~r ou
essencialidade, ou da natureza do direito, é o do'comparativismo,- t · a ordem perfeita, pouco diferindo da boa sociedade de Anstote~es
o q.ual confundiria !l·essêncía com aquilo que é comum à vário·s . ~- · ou do· bem comum de São Tomás de Aquino ..A verdadeira
ordenamentos; _numa visão sincrónica. Critério considerado l '"·-~rdem
é melhor regime da polis, a ordem perfeita, a ord~m
equivalente às classificações bôtànicas e às aoordagens enciclo- l- 0
juSta, estando tão próxima da gmnde sociedade de Adam Smith
pédicas. Segundo esse método, seria possívei extrair das várias quanto dàS regras de conduta_ 1~sta, de Hayek.
i
ordens jurídicas, das várias sociedades concretas, os elementos ~· . Voegelin assinala que o direito e parcela de um t~do, ~em
normativos comuns, partindo-se destes elementos ge.rais para as ·mais complexo e insiste na hierarquia: or~ena~ento JUndico,_
t-· .
operaçÔes classificatórias. Assim, o direito apareceri'a como um ~
ordem da sociedade, ordem verdadeira. Nao deixa m~smo de
género -com várias espécies individualiza.das d~ ·direitos, corres-_ ~ estabelecer hierarquias de cada uma dessas ordens, sahent~ndo
pondentes às várias sociedades. Em contraposição, Voegelin que a ordem empírica do direito ten: como, nível s~penor a
argumenta que tal método, típico daqueles que recolhem cons- ordem substantiva da sociedade. Assmala ate que existe u:11a
tituições, às vezes para a elaboração de constituições Úpo tensão entre a ordem substantiva da sociedade, tal como ex1:te
pudim, não serve para a. determinação da natureza do· di~eito, empiricamente; ou simples ordem empírica, e a verdadeira
dado que "Jma regra singular, que só exista numa· determinada
ordem substantiva. . . · . .
ordem jurídica, continua válida no interior dessa ozdem jurídica, Neste sentido, entende as r10rmas como projectos de reah-
sendo, pon:anto, dotada de essencialidade, isto é, particip::mtc d3. zaçã9 da ordem, embora distinga entre os pr?jectos que preten-
natureza do direito. Porque todas as regras de todas as ordens dem ser realizados empiricamente numa soc1_edade em concreto
jurídicas, incluindo as regras singulares, fazem parte da natu- daqueles outros que apenas visam estabelecer pa~rõe_s de ordem
~ reza do direito. Aliás, sempre houve quem defendesse, na verdadeira, sem expectativas quanto à sua realiza?ªº em ~o~­
creto. Os primeiros, ligados aos chamados reformista~ s~c1ais,
l
cultura ocidental, que seria possível chegar ao universal através
l traduzem-se normalmente no processo de criação do direito em
! da diferença.
A proposta de Voegelin para a detem1inação da natureza sentido técnico. Os segundos pertencem a outro nível e têm a
ver com a procura da ordem levada a cabo pelos fil?~so~os: ~~sa
\
:1 1
do direito, fiel à tomista possibilidade do conhecimento modesto
acerca de coisas supremas, engrena num raciocínio que parece realidade viva na alma do filósofo, tornada co11scze11cia mtzda
:\ primar pela clareza. Primeiro, considera que o direito é mera pela rewsa do filósofo em sucumbir à desordem do seu-
consequência da sociedade, isto é, que a ordem jurídica deriva
,'. fü~" \Tceo:f'lin assinala que esta procura nada tem a ver
ambiente.
\ da ordem da sociedade. Segundo, que a ordem da sociedade
'-'~· . .;.( - r ...... ~,::o .- ,. . . -r:;1/, .. (.,_f,...,~ :",crir.--:;1
prn»'0in de uu :O·.·J ,,;aior e anterior 2. '''-~,:.:«1a, :~ ;_.C.:•n: ~~ : . ' . .
com a éonstruçao Jz.s t1Lüp1a2, :;w:, fhL'-1 "- ._._, '"" '~·'·''· ~
mundo (kosmos), que se identifica com a própria ordem do ser, ser bem mais realistas que os próprios governantes. Acresce que
a tal ordem _verdadeira e primordial, aquele antes que é um a ordem estabelecida pelo aparelho de poder até pode ser uma
superior e que, como padrão e ideia regulativa, não pode deixar
efectiva desordem.
de ser o fim para que se tende. Logo, conclui que o processo
.J 7

16
- - --..,- --- ------- -~--- -:-· ~-
1

;, fundamentais. Asleis ~ditadas por tal soberano são superiores 1


: Neste sentido,· Voegeliil considera que .. o direito, como
ao costu~e e às decisões dos magistrados. 11
resuitado do processo autoconstituinte de uma Q.etemünada Só a partir de Thomas ·Hobbes e do absolutismo surge a i
so~i~_da?e, é parte do processo pelo qual a sociedade déz a si soberania interna, uma verdadeira soberani~ absoluta ~ue se
mesma existência e se preserva a si mesma en,1 existêiicia · aplica a nível interno,_ unidimensionalizando _as comunidades
\.
pelo rolo compressor da obediência. Surge ass1r:i um so~erano:
1
ordenada. Porque tem de ligâr o homem à sociedade, ao Mun.do i
e a Deus, exige que se entenda o respectivo proces:::a de criação em que tudo aquilo que ele diz tem valor de le~ e ~ue ~ao esta
como uma recolha. e uma descoberta da ordem verdadeira. submetido a nenhuma ordem superior, nem mesmo a lei que ele
Porque o homem experimenta uma obrigação de sintonizar-se próprio edita. E tudo se concebe em nome da _segurança ~nt~r~a,
com a ordem da sua existência, com a ordem do ser. Uma ordem
que também pode ser descoberta com 1rnaginação e expyrimen-
a sah~s-populi que ultrapassa o próprio desvano da maqmavehca
razão de Estado e passa a conceber que a paz, num mun~o. de
1
tação, em que há tentativas e podem acontecer erros. Que-requer homens lobos dos homens, não passa de uma mecamc1sta
aperfeiçoamerito e tem de ser adaptada às circunstâncias mutantes. ausência de guerra, gerada pela força das potências e dos
Diga-se, de passagem, que, da realidade 'social; fazem parte Estados em movimento na balance of power. _
nãci só os símbolqs que a iluminam mas também as ideias que Finalmente, com o chamado secularismo e a desinteg1:açao
traduzem uma consciência dessa mesma realidade social. Não. da filosofia, nos séculos XIX e XX, principalmente a part~ dos
reconhecer que estes elementos intangíveis são parcelas da positivismos, é que se afasta da teoria jurídica a questa_o_ ~a
realidade pode levar a que os chamados realistas se tomem até ordem substantiva. Surgiria então uma distinção entre_ a ?uns-
menos realistas que os alcun..1-iados idç;aiistas. prudência normativa, defensora das reg_r~s válidas, e a JUn~pr~­
É nesta. phcura de adequação, da.realiciade com um pro-. dência sociológica, que põe o acento tornco no acto de cnaça_o
jecto, que surge o dever, a tal tensão experimentada entre a de regras válidas. Se no primeiro campo se enquadra a t~o:ia
pura de Stammler e Kelsen, com a identificação entr~ o dire1_to
ordem do ser e a conduta do homem, uma tensão paralela à-que
se estabelece entre a o~dem verdadeira e a conduta empírica da e Estado," para afastar o direito da sociologia e ~a ideologia, \
já no. segundo campo se inserem as várias tentativ~s de _uma
sociedade. Assim, com base nestes princípios, Voegelin analisa 0

o estabelecimento das linhas jurídicas dominantes na modernidade. sociologia do direito e das subsequentes escolas soc10log1sta~.
\
Na Renascença, com a emergência do conceito bodiniano E, como observa Voegelin, em nenhum destes processos mentais
de soberania, ainda entendida como mera soberania externa, há preocupação com a procura da ordem verdadeira, pelo que
surge um príncipe que se assume como representante da comu- a natureza do direito como a ordem substantiva da sociedade
nidade política, em luta contra o papado e o império. Co:-ltudo,
não se tornará objecto de análise. . . ,
esta soberania ainda não é absolutis~a, nomeadamente no plano Voe!:Yelin insere-se assim naquele movimento que, no pos-
-·•uerr,o,, ·;L;l:.::·., a ·it.:,;zc.r :; .::;uC''··-' l'<. l 1 .l · ' - L ~. ,. .
interno, dado que O :1ü0'~í0fl0, fê.fa efei~OS int'.":rE'S!~duais, tem .· · ·· · · · · ·' · · ·· ' 1~2 l ''Oí'.l'"' nrncecso de
~·-, .
um campo de actuação delimitauo: os sobera;;os tsm de g-_:_ran- c~mbate contra todas as formas de positivismo e ae ~'.!se_,· :ur~~c
tir uma substância de ordem que não é obra deles. Com efeito, social construtivista. Aliás, foi o direito natural que mspirou ~s
a soberania ainda não é a competência da sua competência, Revoluções Atlânticas, desde a revoluçã~ ~n~lesa à revol~ç_ao
ainda não necessita de autolimitação e as leis do príncipe estão norte-americana, marcando também a~ v1c1ss1tudes das vanas
num plano hierarquicamente inferior aos estratos cimeiros do moderaç~es dentro da revolução francesa. Foi ele que esteve na
direito divino e do direito natural, bem como das próprias leis
19

18
~ _- _" ~-·~< :~-~~/--.>~-~ ~.-::·:-~_--:: ~.~-:- '(i~i{~'
!
! ,A{;:· ~dvoga o regresso à hermenêutica, em que a phronesis aparece
;:-_:::·como a virtude principal, esse_ apelo à autonomia da consciên-
ba_:;e do ideal de Estado de direito e que marcou a Carta do
Atlântico de 1941, bem,como a Declarai;ão Universal dos
"f'.• eia, a razão que se interroga sobre o bem e o mal, o tal elemento
pj1;e~tos do Homem de 1948, servindo como programa para o· ·:-. de ligação entre o logos e o ethos; entre a razã? e a experiência
t
_moral, entre a subjectivid_ade da consciêúcia e a substancialidade
corpbate antitotalitário do nosso tempo. .. .
É elemento fundamental na teoria neoclássica da .filos~fia ! .
t.· ~ .. do ser. Também Theodor Viehweg considera qué. os problemas
política, com Leo $trâuss, e no neo-romantismo de Hannah
Arendt. Explica o conservadorismo liberal de Hayek, a recupe~ · r
> práticos, isto é, da praxis humam, pertencem à prudentia, à
j · ·. pÜnderação razoável sobre o agir, devendo os mesmos resolver-
rar Adam Smith, bem como o. neo-hegelianismo de Eric. Weil, .
\ -se pof Juízos de argumentãção dialéctica (pró e contra), que
a retomar Rousseau. Emerge no republicanismo de Blandirie
! invocam os topai, os fundamentos consensuais, comumtana-
Barret-Kriegel, Simone Goyard-Fabi:e e Luc Ferry. ,É pujante
em Ottfried Hõffe e não deixa mesmo de atravessar- a escola
l
i:.__ ·
mente consensualizados pelo contexto social.
Já para Michel Villey, o direito não teria como missão
primordial a enunciação de um corpo de regras de conduta, ~as
crítica de Jürgen Habermas, para não falarmos· nas tentativas
[:
de restauração de Kant, contra a dominante utilitarista, por John
antes a procura da natureza das coisas através da· justiça. E a
Rawls. procura do justo no sentido aristotélico do termo, do suum
Vários nomes para a mesma coisa, chame-se justiça polí-
cuique tribuere, a procura das relações entre as coisas, em lugar
tica, direito das gentes, teoria da justiça. Todos esses movi-
· das artificiais relações ·de poder. Assim, considera que todas as
mentos que procuram reconciliar a filosofia com o direito e a
política, tendo em vista os progra~as de moralizaçã.o da" polí-
regras trazem a marca da impe1feição humana; são necessa-
riamente falíveis e, pelo facto de serem humanas, é impossível
·tica, de juridifícação do poder. Aliás, para Luc Ferry e Alain
conservar-lhes a qualificação de naturais. Recusa-se, portanto,
Renaut, o i'egresso à concepção. antiga do direito natural
a aceitar o dualismo iluminista, não admitindo a existência de
apresenta a dupla vantagem, contra o historicismo, de restau-
um direito natural fixo. Existiria tão-só um direito que, por
rar uma transcendência do justo (uma distinção do ideal e do
real) e, contra o positivismo, de enraizar a v~lidade dos
definição, se encontra adaptado a cada, situaçã~ ~oncreta
e ·
devendo ele próprio variar de objecto. E o tal direito natural
valores jurídicos na própria objectividade - conferindo, as-
relativo um sistema aberto ao casuísmo, um direito natural que
sim, às normas uma consistência que ameaça, em vez de lhe
retirar, nos Modernos, o enraizamento dos valores na sub- tem ne~essariamente de exprimir-se na existência.
Já para Jean Lacroix, numa aproximação ao personalismo,
jectividade. o direito natural é o reco11hecime11to de uma espécie de direito
Posição prox1ma à de Hannah Arendt, em que o
geral de ter direitos,' é a racio11alidade própria da ordem jurÍdica,
existencialismo é entusiasmado por um vitalismo roP1ântico, ou
à de Hans-Georg Gadamer, err.. que, nu.na linha de inspiração constituindo simultaneamente a sua norma imanente e o seu
\. ~·- :·,cr :·::·,· nlogista, s ~ defende ?- fil•;sofia prática, a qual, por - Drincfoio de :·u!<:"r:mrnto . .A..ssim, dele não podemos extrair ne-
L
nhum direito posili''O
J" , J 0
p'inic.iiL,;- n:;:s, :a .:· ·Un!u, ob;-iga-n0s
tratar de acÇões e questões humanas, é talúbérn uII1<-- ciL ;;;,i, .
a admitir uma lei positiva e a corrigi-ia consta11temente.
uma filosofia que entende a praxis como co-natural à teoria, e
Utilizado por uns como conservado1; por outros como revolu-
não corno algó que lhe está subordinado, contrariamente aos que
cionário, o dú:eito natural é, como toda a ideia reguladora,
a transformaram em simples técnica, em mera resultante de uma
dedução do saber teórico. Assim, Gadamer, na linha de Hei_degger, . 21

20
=- --.-. - ----~------ _. •• -
:"L:i~{t~:"~{t/Y::'-~'\{(;n::;cls~-~;,<>!:0,':-;:::t'';~/''·.- ~-~,.-o.- ·.·;,:.:~.:-·_- ::· ..s:.-<. __ . ·-..: ...
_ _. .. .., -\----.-,_.·:_ __ ,·~~-;.~-~-::.:-.---~~-7:~------ ----

uma e outra coisa: Em Làcroix há, assim,· um regresso ao evohitivó--(Hãfüiou). Porque a razão que actua é a razão que
justi~ialismo jurídico, retomando-se um direito natural .que não actua através do homem que actua. É a razão no tempo da
se confunde com o direito divino ou a razão iluminista, procu- história. . ·
rando-se, pelo contrário, uma justiça existencial: o dir~ito . ,_ O direito natural não é, assim, a utopia (o sem lugar) nem
natural age através da crença e admitir o direito natural é a ucronia (o sem tempo), como o visionavà o jusracionalismo,
admitir a pessoa, ou antes, reconhecê-la; negá-! J é negá-la. quando o considerava eterno e imutável, mas uma moral viva.
Existem também alguns autores do direito natural mais É o natural num dado momento da história .. É a procura do
religiosistas. O movimento remonta ao neotomismo do século melhor direito possível, de um direito que, por ser melhor,
XIX, em que as teses de São Tomás procuraram conciliar-se prQcura um valor fimdamentante e que, por ter de ser possível,
com as próprias perspectivas da modernidade wolffiana.,Neste é uni.facto condicionante; como salienta, entre nós, o Professor
labor, destacou-se Luigi Taparelli d' Azeglio (1793-1862) e Castanheira Neves.
Antonio Rosmini-Serbati (1797-1855), bem como o suíço Viktor É que, como escrevia Radbruch num artigo de 194 7, a
Cathrein (1845-1931), e, depois da II Guerra Mundial, as- ciência do Direito tem de meditar, de novo, sobre a milenar
sinale-se a chamada Escola· de Friburgo que, longe de prn- verdade de haver um Direito superior à lei, um Direito natural,
curar uma conciliação entre o tomismo e o jusracionalismo um Direito divino, um Direito racional, medido pelo qual a
wolffiano, na procura de um direito natural válido para todos. injustiça continua a ser injustiça, ainda que revista a forma
os lugares e para todos os ternpos, preferiu o casuísmo moral ---· de lei, e diante do qual a sentença pronunciada, de acordo com
da escolástica peninsular, principalmente na senda de Francisco esta lei injusta, não ·é Direito, mas o contrário do Direito.
Suárez. parnesma fom1a, Voegclin c.::;1~s!d;;rn o direito natural como
Já entre a geração emigrante no Novo Mundo, destacou- · todas as tentativas de transformação de uma reacção à injus-
-se Leo Strauss, que fala no direito natural como um padrão tiça eiperimentada no caso concreto num corpo de regras
do justo e do injusto que é independente do direito positivo fimdamentais substantivas que reivindicam autoridade enquan-
e que lhe é superior. Um padrão que é mais elevado e menos to expressao da verdadeira natureza do homem e da sociedade,
mutável que o próprio ideal de sociedade: há no homem um direito natural que só pode desenvolver-se onde um con-
q11alqr1er coisa que não está totalmente sujeita à sua sociedade - ceita de natureza humana se forme em oposição à ordem
e, por conseguinte, que somos capazes e, portanto, obrigados socialmente existente, distinguindo-se esse modelo daquela pers-
a procurar um padrão que nos permita julgar o ideal da nossa pectiva contratualista gerada em períodos de crise espiritual e
sociedade ou de qualquer outra. moral numa sociedade quando se tenta construir a ordem de
Poderemos, aliás, concluir, como Eric Weil, referindo que uma sociedade a partir de relações contratuais estabelecidas
o direi w natural sigrrific~-, àuas cois~,s: ur:T:i i dei,1, ;,o ::-cnticb entre os seus membros.
kantiano, que é eterna desde que aparece na história, mas que,.
no plano político, é um critério moral negativo do injusto; um
conceito histórico do que é evidente pela moral positiva de
uma época e de uma comunidade. O direito natural entendido,
pois, como um direito natural progressivo, como um direito
natural de conteúdo variável (Stammler) ou um direito natural

22 23
___ ,_•: ..

: \

INTRODUÇÃO DA EDIÇÃO
NORTE-ArvlERlCANA

A natureza. do direito foi escrita enquanto Voegelin leccio-


nava introdução ao diréÚo na Faculdade de Direito da Univer-
" sidade Estadual da Luisiami e ap·areceu em 1957 sob a forma
~ policopiada, numa "edição temporária exclusivamente para o 1
! uso dos alunos inscritos" nesse curso. Voegelin nunca reviu a
monografia, ainda que uma vez tenha informado um dos edi·
a
à_. . .

tores do actual volume que pensava fazê-lo e, -em 1976, se tenha


\
1 ·li.· . correspondido com a Editora da Universidade de Notre Dame
F
i ·,..[_
~ .· - com a finalidade da sua publicação. Nem parece que a monografia
i. tenha alguma vez sido distribuída aos alunos de introdução ao
r
·;
.;:l..; -·

·\i" ,· · direito. Voegelin leccionou o curso durante os semestres lectivos


·.\: ~-. da Primavera de 1954 a 1957 e, provavelmente, completara a
'1
1: ;; última contribuição antes de a monografia ter sido policopiada (1).
i'
1 ·

\
r-i.
·ij; · ' Então, em Janeiro de 1958, ele deixou a Universidade Estadual

. ~L
da Luisiana para aceitar as cátedras de ciência política e de
. '1i~.~ori:i :; :1 tfü<:'cç.20 do Inst:tuto de Ciência Política na Univer-

,~~L sidade de Munique.

1~~ ~,)00~:,a'.i~';':;,~~~º~,:ê~I ,;;;1~;::0;ortMm<ricanos 'º m'"uwi~o

\'
.1.
'11
:1
7 5
. ._::.-:···-·

fontes dos critfrios verdadeiros da ordem huinana pelos quais


A· natureza do direito é ·o único texto abra,ngente e siste- os fenómenos da sociedade e do direito pudessem ser julgados.
mático de Voegelin sobre o direito. Ele é um produto do Os estudos de VoeaeÜn levaram-no
o . . a descobrir que a
Voegelin·maduro. Ele escreveu-o numa época em que se deCidira filosofia propriaménte dita é a articul~ção siµlbólica e diferen-
pela necessidade de abandonar o seu plano originário de escre- . '·. ciação no homem das suas experiências noéticas (racionais) do
ver uma história das ideias políticas, publicara A nova ciência ser, cujos discernimentos da realidade e suas implicações se
da política e os primeiros três volumes de Orden: e história, tomam possíveis pela sua participação no "Entre-meio" da
e leccionara o curso· de introdução ao direito durante quatro . matéria e do espírito, e não, como acontecia desde os dias do
anos (2). Ele compreendera que as ideias não têm uma história, ili.iminismo urna tentativa de moldar a realidade a um esquema
que apenas as pessoas a têm, e que a sua história consiste nos consistente' com uma ideia· postulada ou presumida (ideologia);
seus êxitos e fracassos na diferenciação das suas experiências e eles levaram-no a concluir que a revelação é a diferenciação
noéticas e pneumáticas de vida sob Deus. Pela mesma razão, e simbolização no homem das experiências pneumáticas, ou
ele compreendera que o direito não pode ter ul_11a história à parte espirituais, que lhe são oferecidas pela graça divina. Voegelin
da história da sociedade, cuja ordem ele articula, e que a sua compreendeu também que, embora os homens pudessem aceitar
essência, ou natureza, é precisamente a estrutura da sociedade por meio da fé a representação simbólica das experiências
cujo direito ela é. noéticas e pneumáticas daqueles que as tiveram, o conhecimento
Voegelin chegara a estes entendimentos através das suas· destas experiências ap_enas poderia ser atingido pela reconstru-
próprias reflexões, induzidas, como ele diria, pela oposição da 1 cão das e::..r;criências· que levanm às simbolizações (4).
sua alma às suas experiências dos fenómenos no mundo exterior 'í·
' Foi com este espírito .. que Voegelin realizou as Prelecções
indicadoras de desordem. Assim, aos vinte e trê~ anos, ele. Walgreen na Universidade de Chicago em 1951-(pu~licadas
exprimiu o seu descontentamento com a limitação de Hans como A. nova ciência da política em 1952) e, posteriormente,
Kelsen do conceito de "Estado" ao de "direito puro'', isto é, do redigiu os três primeiros volumes de Ordem e história (1956-
direito divorciado de critérios ontológicos de ordem e reduzido -1957); e foi também com o mesmo espírito que ele escreveu
a um esquema de respostas governamentais a condições e acções
A natureza do direito.
existenciais, internamente consistentes com uma norma básica N' A natureza do direito, Voegelin obriga o leitor a analisar
pressuposta. Outro e mais sério caso, para simplificar um os fenómenos quotidianos do direito para descobrir a sua
conjunto complexo de experiências, foi a sua reacção ao nacio- natureza, ou essência, -e os seus atributos, começando com as
nal-socialismo alemão, ao fascismo e ao comunismo marxista- palavras usadas no discurso vulgar sobre o direito, rejeit~ndo
-leninista (3). Estas experiências levaram-no a pesquisa as discernimentos e presunções putativas que provam ser falac10sas
-:-J';· :;cre:n inconmatíveis com està ou aquela experiência do
cliJ ..::it-::i, e conse1var::::;::: ;-:.; qu: o:cr1 e\?.:' :~;::_:;e, >~-, --"~ ;:::
-- . • - J.. .... •

(') Eri·~ Voegehn, Aiuu:.:·u::;'":é,,,·c·.! Rejlectians \Baio1i :C:1c:fé '~;;i,


pgs. 62 a 64; Voegelin, The Neiv Science of Politics: An lntmdueti01Z e que. aprofundam a nossa compreensão, até que, por ,1~:'-1, J
(Chicago, 1952); os três primeiros volumes de Order alld Hist01y, por
direito é entendido como tendo por sua natureza ontolog1~a a
Voegelin, intitulam-se: Israel and Revelation, Vol. I, The World of tlze
Polis, VoL II, e P!ato and Aristotle, Vol. III (Baton Rouge, 1956 e 1957).
(3) Eric Voegelin, "Reine Rechtslehre und Staatslehre", Zeitschrift fiir e)
Para uma explicação plena do percurso intelectual de Voegelin,
Ôffentliches Recht, IV (1924), pgs. 80 a 131; Voegelin, Autobiographical ver Ellis S.andoz, The Voegelinian Revolution (Baton Rouge, 1981).
Rejlections, pgs. 24, 25, e 45 a 53.
27

26
t :;.:....- -

' p;~atural, só com o direito natural, oU simplesmente de acordo


1·êom o seu arbitrio. Com o secularisino e a desintegração da
: , estrutura da sociedade cujo direito ela é;- .e como tendo por seu
_: 'critério a relação do homem com o s~r tàl como nó~ po~emos
i -~;filosofia, a questão da substânda da ordem verdadeira é igno-
__ sa.bê-lo através da filosofia e da revelação. Assim, 4 natureza
i ·
rada e é colocada todá a ênfase no processo positivo de criação
dp direito é um exempl.9 moderno de filosofar· ao estilo clássico.
l
do direito. Finalmente, na jurisprudência socioÍógica, o único
Do princípio ao fim, Voegelin é implacável na análi~'eem \· . esforço consiste em descrever os fenómenos jurídicos sem avan-
busca da essência. :Ele começa com a observação de 'qu~-.
·
[ -·car para u•na natureza do direito. Torna-se claro;não obstante,
1 '~U".. é na urdem_ Ja. sodeàade que a naM~7-ª do direito d_eve ;,e~
embora nós falemos do "direito" como se fosse único, ele existe
actualmente numa pluralidade de ordens cujos conteúdos não ; - procurada, e Voegehn continua no Capitulo llI a analisar U
são idênticos. O "direito" não pode~ todavia, ser uma espécie l.
t-.
complexo._ da ordem" na sociedade.
Ao começar a análise do complexo da ordem,V boege:m
.
individualizada em muitas ordens, porque todas as regras Juri-.
• regista as tensões, por um lado, entre a ordem su stantiva .
dicas ·são "essenciais" nas suas respectivas ordehs jurídicas.
Nem o "direito" pode ser um exemplo s~mples de uma "espéçie",

verdadeira e o processo de criação do direito e, por outro lado,
• entre a ordem substantiva verdadeira e a ordem social tal como
incluindo todas as regras de todas as ordens jurídicas, porque
então a essência seria reduzida a urn catálogo de todas 'as regras \ existe. Relativamente à primeira tensão, Voegelin regista que o
"peso" da relação é em direcção ao lado social do complexo,
jurídicas em todas as ordens, e isso seria absurdo. Provando a
e ele ilustra este facto com a observação de que a validade de
essência de o direito ser, de momento, ilusória, Voegelin dirige
mudanças na estrutura _écinstitucional não se pode explicar em
d~
a sua atenção para a "validade" do direito. As leis observa ele
termos de um processo procedimental, mas apenas em tennos
tornam-se válidas e deixam de o ser, levantando 'a questão
de uma sociedade contínua cujô ordem é conformada por
saber se o "direito" é uma série de agregados momentaneani.ente
referência a fontes extrajurídicas. Estas fontes extrajurídicas,
válidos de regras, ou uma entidade mutável a que um processo
i \; '. observa ele incluem a autoridade da estrutura de poder na
dá unidade. Estas construções também prováram ser
'
sociedade articulando uma ordem que se pretende confom1e com
\::
:..·j ',.
\ insatisfatórias e, assim, guiado por estes resultados prelimina-
'
res, Voegelin desviou a análise do direito como um fenómeno _os- critérios ontologicamente verdadeiros parà a ordem humana
j''

' \:'. i substantiva sob as condições existenciais. O "direito" implica


\ : ~. isolado em direcção ao direito no seu contexto social.
Neste contexto, observa Voegelin, o "direito", no seu sio-- assim mais do que regras jurídicas; ele abrange todos os
orde~1
:.·\ ,'';
nificado descritivo mais fundamental, é a substância da esforços dos seres humanos para estabelecer ordem numa so-
em qual~~er domínio do s:r - a lei da gravidade, por exemplo, ciedade concreta.
\ 1
1'
1
:
'
no dom1mo do ser matenal. O processo de criação do direito
é, então, visto ·como o meio de garantir a substância da ordem
Voegelin examina então o segundo tipo de tensões entre as
ordens sociais existentes e a ordem substantiva verdadeira. A
ordem social, observa ele, possui a qualidade da durabilidade,
, ·. . , ':·:, -~+~ ~0 ~onto em que é obedecida, pode-se
e_ntre os seres humanos em sociedade-. A partir desta perspec-
\ _-.:gt.L;~ r:-::,::::t:: ~s ::::::'c:p0;~ · con"trnções teóricas da
' 1 dizer
•1 · _i
.. · - · · · -- · - •'.'- · - :'e''~;- r c ce'."tC
relação dos processos ele criaçá.c. cL~ dir.:>.. _.~ e da. subsr:1:1> :::. / ~ -'si. - '{'--''-'a 0i·...i.Cl11J!.l~JQ!CJ. QC3G'~'-'(; ;JJ;c"
ordem. Para Platão e Aristóteles, os filósofos indagam o con-
-~
- modo quase como as "leis da natureza" dê.screvem determinado,;-,
teúdo ~da ordem verdadeira, e l fenómenos existenciais. A função das regras jurídicas não é,
o direito é formulado para a
garantir. Com o advento do Estado nacional, o príncipe articula i ': ,
todavia, descrever a ordem da sociedade, porque a ordem da
o direito positivo em confonnidade com os direitos divino e 29
>~Ltx~--
28
'~"v,p.·,.,··

'~::~~~~~~~~J:~'.3~\:?it~i:f:,f:T:.t 5~1::N~:z1>1>:~~~f,:~~·:~;1>·.,,~:"'L:c_:-:~. ~..?:


----':":-··-·.. --~·--··:.- -- ·--.. --·-: - ..,_._·'·- ·.:~-;;__~=·.-- ..~~~:--,
'.
'

sociedade, ao contrário da de determinados fenómenos existen- pormenor com a noção de ordem boa do cidadão, ela deve ser
ciaid, não lhe é inerente. Antes, deve ser preenchida pela acção obedecida por todos enquanto cidadãos, se o bem geral social
humana.-sob a forma de regras jurídicas e, assim, as regras tiver de ser realizado. É inevitável haver algum erro ao traduzir ''
acabam por ser vistas como p.onnativas. No entanto, as regras. a ordem ontologicamente verdadeira para a ordem existente,
são para serem descobertas :::rn vez de criadas, e há sempre ·-. pois a verdade ~tn assuntos de ordem, -especfalmente no porme-
· tensão entre a ordem verdadeira e a ordem existencial reaiizada. nor, raramente pode sêr determinada certamente. O juízo dos
Esta tensão existe porque o homem tem a experiência de representantes àa sociedade deve, por consegui:ite, prevalecer e
participar numa ordem do ser que inclui não só o homem, mas a força é necessária para garantir a concordância da parte do
· também Deus, o mundo e a sociedade; porque ele experiencia ··recalei trante.
a necessidade de estar em sintonia com a ordem do ser; e porque Na conclusão, Voegelin sumaria os componentes da valida-
ele também' experiencia que a sua sintonia com a ordem"do ser de das regras jurídicas: primeiro, as regras jurídicas têm exis-
está dependeu'te da sua acção. Esta tensão é a fonte ontológica tência ontológica, não por elas mesmas, mas apenas no seu
do dever, ou normatividade, das regras jurídicas. · contexto social; segundo, como as regras jurídicas são propo-
Porque a regra é normativa, deve ser comunicada ao povo, sições acerca do comportamento humano, a suà normatividade
e esta comunicação, enfim, faz-se através dos serviços ·da .· deve ser determinada em termos da sua aptidão para fornecer
profissão jurídica. Aqui, Voegelin elabora a fim de diferenciar uma ordem em. que possa ser realizado o potencial de cada
as regras jurídicas em vigor dos projectos de lei. Entre os pessoa; e, terceiro, a aptidão das regras jurídicas para fornecer
últimos encontram-se os projcct)s propostos para adopção ou esta ordem ·deve ser' averiguada através. da filosofia e da
.. !
decretação, os projectos que. pretendem. seryir como modelos revelação. Além disso, o conteúdo de uma ordem jurídica não
para imitação sob ·circunstâncias existenciais, e os projectos. de . · se pode ·derivar da riatúte:z:a-do homem, pois o direito ex is;~
filósofos que pretendem· articular a ordem verdadeira, quer sempre ·num contexto social, e a organização da sociedade,
possam ou não ser decretados no presente ou no futuro. Neste sempre concreta, deve ser tal que leve a cabo o fim da sociedade
último exemplo, a ordem verda~eira é experienciada como tal tanto quanfo possível sob as condições existenciais. Finalmente,
na alma do filósofo, como ordem orientada para a revelação porque o direito é apenas parte do cóntexto social, não há
plena da sua natureza. No processo empírico de criação do ··.. história. do direito, mas apenas história das sociedades; e, nesta
direito, a fonte da normatividade consiste no esforço de parti- história; os eventos mais importantes foram a diferencía_ção da
cipar na ordem verdadeira assim descoberta. razão e da revelação a partir do mito cosmológico.
l'Jo contexto das tensões entre o processo de criação do A natureza do direito pode ser caracterizada corno um
direito e a ordem social; por um laco, e a ordem verdadeira, convite pensado para restaurar a santidade da ordem jurídica.
por ouuo iaC:o, Y Como a natureza do direito emerge com claridade crescente a
sociedade e o carácter impGssoai do.s 1cgras juridic:i2;, ::-·::rti- <l1 -:n,>Jise de Voegelin, nenhuma das concepções do
que tomam inadequadas as teorias jurídicas assentes na coac- dir•.::ito hisI0ci:~: l: . : . , :: <cs e do::nin2nt;:;:; 1,:-~Y\'lI11 ser adequa-
ção. Esta auto-organização da sociedade é efectuada inevitavel- das. O "direito" não é simplesmente ·üm ·'cor:.lé1 nc!o" ,:,;
mente através dos seus representantes, por qualquer meio que Léviatã para pessoas que, por medo de uma situação pior, -
eles possam usar para chégar ao poder. Embora a ordem renunciaram a todo o direito de objectar. Ele não é simplesmente
proclamada pelos representantes possa não se conformar em o resultado de um pacto social entre indivíduos autónomos, pelo .

30 ' 31
. ~- - .-
ii

tt"',;g~~;.z~;~;c;,,~'*'1:g*~'l'r:C'%1~c:;~ ''•e ,, '·e·.·.· ·.• ..•


. ,-
I;

q~aleles renunciaram reciprocamente a aspeçtos de .uma licençá p,à~i)d~tiva d~s ~


crifetjos para ordem so~iaÍ.
tal. como foram
0
. !Iünitadà no esforço• de evitar reciprocamente o Ínal. _Ele não é_ historicamente desenvolvidos. Assim; p "Plano geral" reflecte
_SQ_ª,vontade expressa de uma maioria garantindo o sel,y)rÓpri~ .d~~~-nvolvinÍ.ento jâ_ dado emJ.952_n'A 1iov_a ciênciq da política
. '
'; _in~eresse autodefinido, imediatamente mundano, ·ou o .de uma -::ft'mais- tàrde, mais elaboradamente em_- Ordem e história .
classe dominante buscando a consecução eventu'al de um.milé-~ - destes tem~· são- também levantados n?A_ na,t~reza do
;-Íguns
li
1:.; li
11
. ij / nio mur -i 1no falsamente concebido. A análise mostra, antes, o-. frefto, mas· apenas :o.a medida em que são necessanos para
. : ; i'
'. j: ' direito como parte da ordem que uma sociecade geri· para si d~sc~b~ir, atni.vés da análise, a natureza, ou essência, do direito.
:: !i / mesma, através dos seus representantes, no esforço de conseguir -x~--prelecções do curso de introdução ao direito, da~ quais ~ão.
'; { o bem comum. Consequentemente,_ uma ordem jurídica especí- ,.,-=p~ec~m existir versões escritas, eram mais comple~as soore
'.'?-êss.e t~ma. O curso de introdução ao direito, todavia, como
li
lf fica pode ser julgada pelo grau em· que ela garante a todas as
. li pessoas; s~res espirituais bem como materiais, agor~ vivos ou ~-"7/'atesta 0 "Plano ·geral", não era apresentado numa feição hist~-
-~~...,ric~inente linear. Encarando estudantes que, muitas vezes, ti-
/~
li por nascer, a possibilidade de desenvolver ao rrí;iximo a capa-
li
cidade de cada um para participar na vida que,· por criaçã'o, _ ~~?(C~ham poucos ou nenhuns conhecimentos para as suas prelec- ·
cada um partilha com Deus e outras pessoas. O direito e as suas__ ---·· · K<~; ções, ele primeiro "delimitava o campo" ao fornecer uma
instituições especificam os modos de cooperação julgados pró- J'S.?f. estrutura de compreensão. Então, ele prosseguia discutindo.ª
prios e vantajosos sob as circunstâncias presentes para alcançar -1- -~-~- -.~-~-·- :.·.} ?e~n_ição
_· _ legisl.ativamente definidà por Justiniano de _ciência
esse bem comum. A medida do direito é em última análise a :__ ~'~>. JUndica e dos seus elementos componentes. Em segmda, ele
ordem social consi~tente com a plenitud~ da realidad.e. '. ~-:,f:I apresentava _as ·experiências primordiais de ordem social - ª
O ''Plano geral do curso de intródução ao direito" (1954-" ~·.:::~- ordem cósmica na China, na Babilónia e no Egipto; a vontade
-1957) _escá mais int~ressado nos critérios para ordem jurídica
a ~f:~}-: revelada de Deus: em .Israel; a participação da psyche no logos
descobertos através da filosofia e da revelação do que com a :;~~f' divino na Grécia helénica; e a participação no espírito de
essência ou natureza do direito, o qual era o tema principal d'A Y}/ Cristo na Cristandade. Estas considerações levavam.a discus-
natureza do direito. Os dois são, por conseguinte, complemen- :~;r._:-sões das culturas jurídicas no Próximo Oriente e no Ocidente,
tares. Embora A natureza do direito não tenha aparecido em e;
Jj{ então, à maneira em que, através da história, as crises
forma policopiada até que Voegelin tenha dado o curso pela ·~[sociais instigaram reflexões sobre o significado do direito, do
i~caso de Israel e dos profetas àquele da Alta Idade Média e
1
i última vez, Voegelin leccionou sobre este tema, bem como sobre
j
l os critérios para o direito, no curso de introdução ao direito. ~-~e São Tomás de Aquino. Em seguida, Voegelin analisava a
1 De facto, pode-se arriscar que se Voegelin tivesse ensinado 0 ;~eterioração gradual das concepções adequadas do direito,
curso outra vez, d~pÓis de preparar A natureza do direito em _:·éomeçando com 0 enfraquecimento efim da Cristandade e ª
forma policopiada, ele teria tomado a monografia a base da fáscensão simultânea dos Estados naçionais, a emersão even-
.l V ·.-,-:eir'.". _:;m-t<'~ d::, CL'!ºO e ,revi,s~o .. COf\sequentemente, o plano . :Ju~l do direito positivo quando a revelação e a filosofia.
'. 1

geral. · · · · -· :: _ ~"'_:.-;:::.:{foram 8mbas consideradas irrelevantes para a ordem, ª


Consistente com a conclusão de Voegelin n'A natureza do _j' ·; - . -:.'eme.1"'ênc13. ·~1a história e do uensa:c:entn imanentista como
direito - que o direito não pode ter uma existência ontológica
1
~:-~ãses_, para o direito, e as_ t~ndênc::ias ;::or:tcff1por::1us •.ii
separada da da sociedade cuja estrutura de ordem ele é - 0 _filosofia jurídica. A última parte do curso era, finalmente,
"Plano geral" considera os critérios para o direito a partir 'da l1_:_na avaliação do regresso às experiências primordiais de
;
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33
! 32
1.
.;~'-?!t~:~Eic;i,(f{~~~õ~f~~~,:~~:~tr~t:0~~fy??[:~~I~:":!·fô~~~:~·:::'~'i.;~~'.:~~·:7':~1~~:::~~-:~~:_\'.~~~~tEti.·~~. ~~2~~~ _:.:.~: :.:_ ·~ ._ ~ --~~ - ~ ~:·:. -
_.,-- -·-:--",_"'-" .., . . . -...
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-
1
!

ordemJ:?.O século actual, uma empresa em que o próprio Voegelin 9) o progresso da compreensão da ordem justa através da
foi um 'participante principal. . reacção da alma à injustiça concreta.
Os__"A.pontamentos suplementares" para estudantes do cur- O segmento final dos "Apontamentos suplementares'', em
so de introdução ao direito _são em si mesmos um curso certo sentido um -apêndice, é sobre o "d~reito natural", os
compacto sobre o tema. Voegelin considera, embora não nesta. diversos usos do termo e suas avaliaÇões.
· ordem, a necessidade da verdade na comunicação; a impossi- Voeaelin distribui~ também aos seus alunos de introdução
bilidade de uma ciência da acção inteiramente racional (incluin- ao direit; um manuscrito policopiado intitulado "A simbolização
do o direito), a não ser que haja um bem maior ao qual toda_s , . da ordem'', registado em 1954, para suplementar as suas liçõ~s.
as acções humanas possam ser ordenadas_; a hierarquia dos bens O manuscrito era idêntico à introdução ao volume I de Ordem
segundo Aristóteles; as experiências de transcendência (pa,rtici- e história, publicado em 1956, e não é aqui reproduzido.
pação no ser transcendente, revelação, graça, e uma "humani- As ideias jurídicas do Voegelin maduro, reflectidas n'A
dade" de todos os que viveram, vivem e viverão). Tendo as?ente natureza do direito e no "Plano geral" e "Apontamentos suple-
esta fundação, Voegelin prossegue com o arrofamento dos nove mentares" do curso de introdução ao direito, desenvolveram-se
"princípios de ciência jurídica", pelos quais as culturas jurídicas apenas gradualmente, diz-nos ele, durante os anos entre 1943
dos três tipos principais de civilização - o cosmológico, o e 1950. As suas primeiras publicações de carácter distintamente
antropológico e o soteriológico - podem ser avaliados: 1) .ª jurídico eram de alcance bastante mais limitado. Assim, o artigo
constância· da natureza humana; 2) o progresso da autocom- .:.:...:·
de 1927, "A teoria pura do direito de Kelsen":. e o capítulo
preensão (com respeito à posição do homem no mundo e à sua "Jurisprudência analíti"ca angl0-americana'i, em Uber die Form
)
. relação com a reali,~ade transcepdente) ..d3: ço:qipac;tu~e. à.dife_-_ des Amerikanischen Geistes, de 1928, evidenciavam um inte-
renciação; 3) o crescimento do conhecimento através da dife- re~s~ na ju~isprudência analítiêa que· parece tê-lo fascinado
renciação de experiências e a sua simbolização, e os graus de durante· a·s seus anos de estudo sob Kelsen e mesmo mais. tarde,
racionalidade nas diversas simbolizações; 4) a observação que quando, após o seu regresso de estudos nos Estados Unidos e
todas as civilizações experienciam a ordem localizada na rea- em França; ele procurou colocação como Privat Dozent em
lidade transcendente, embora com diferentes graus de diferen- direito na Universidade de Viena (5).
ciação; 5) a afinidade (consubstancialidade) da alma experiente
com a realidade transcendente; 6) a natureza da cognição na.
experiência de transcendência (participação) como uma resposta (5) Voegelin, Autobiographical Rejlections, pgs. 62 a 64; Eric Voegelin,
à realidade transcendente (por exemplo, a fé cristã como a prova Anamnesis, traduzido por Gerhart Niemeyer (1978; reimpressão, Springfield,
das coisas invisíveis); 7) a· impossibilidade de <iefinir a ordem Missouri, 1990), pgs. 9 a 13; Eric Voegelin, "Kelsen's Pure Theory of
Law'', Política! Science Quarterly, XLII (1927), pgs. 268 a 276. A
justa por causa da. ~·ia orisi,u 1 .''l realidade :ranscendente, e a
Allgemeine Staatslehre de Kelsen, sumariàndo e aumentando as suas obras
impossibilidade de deduzir um sistema <le regras J. r;:'lrfa· de ê.í!:.criüns :0 2sc~c~'s :1a su:t :eoria pura do direito, foi publicada ~'.111925
axiomas mais elevados; 8) a raridade dos graus mais elevados enqu~12io-·/0c::r:ciiii ~-st-:c.<.··. n-:is F::tsJ')S •J.'.iÜ'.l:.; Eric V:cegf'lin, Uher die
de resposta sensível à realidade transcendente (como com Form dés :·Ãmeri<ka11ischen Geistes (Tübingen, 1922'.); \/qq:ct ··:i,
Aristóteles, os profetas israelitas, ou São Paulo), e a necessi- Autobiographical Rejlections, pg. 38. Com a publicação de Der Autor:·türe
Staat (Viena, 1936) ele foi promovido à categoria de professor associado,
dade de estudar as fontes clá$sicas a fim de compreender estas Jeccionando dÚeito administrativo (Sandoz, The Voegelinian Revo!ution,
experiências e, por esse meio, sintonizar a alma à reálidade;. e pg. 48).

- 34 35
.~ - .·~.

, \ · No. entanto, não se deve presumi; ·Ci_ue·:yoegéliri foi alguma ; _ ~fs~b6Íação-·t~ria-s~isfeit~\Toegelin: muito bem,:<lada a direcção
... vez uni positivista lógico. Ele parecé ter.sempre in.sistido. que ~:Jtt\10 .seu pensamento em desenvolvim.ento; mas esta possível
:.. as ciências" da ordem huinana tomassem·plenarriente' e11J. consi- ,i~/illcerteza pode.·explicàr·porque publicou ele, em 1941 e 1942,
- _d_eração a posição do homem na ·realidade~ A ·sua· dissertação ~~:~If eríticas de quatro livros sàbre ciência-jurídica e filosofia jurí-
de Yiena em 1922, por exemplo (diz-nos Voegelin; porquanto. - \c:.j',: dica.· · - ·
../ · aparentemente não á{ste um exemplar), era sobr~ "o [proble- ··. Cada uma das · críÚcas · tem os seus desígnios. Na d' O
mal ontológico ·de· construir a realidade · :,ociaí a partir das. ~;_J_ff-{Hreito,. o Estado,~ e a comunidade internacion_al (1939), de
relações entre indivíduos autónomos ou de presumir um elo i;'l~~<James Brówn Scott, Voegelin admoesta o renomado autor por
espiritual pré~existente entre seres humanos". Então, em 1944, :~-:'{~?·defender' a tese <leque o direito tem vindo a evoluir em direcção
. ele criticou Kelsen por distorcer a realidade ao limitar o co'.n- _ f'.G;·. , à exp~essão da ordem jurídica boa, tentando sustentá-la apenas
ceito de .Estado ao "direito puro" desprovido de'- conteúdo ~){~"pela autoridade .de pensadores afins", e ignorando muito ~a
cultural e filosófico. Por 1928 ou 1929, d~z Voegelin, ele acabou :,~(·:·história do direito que não sustenta as suas pretensões. Voegehn
~-·

-
por compreender que u~a teoria política (e, por conseguinte, · critica também o autor por, aparentemente, não reconhecer _que
podemos concluir, também uma teo.ria jurídica) "tinha,' de se" !t uma estrutura de poder na sociedade é tão necessária para a
basear na filosofia clássica e cristã". Entre 1929 e 1942;.· as· introdução e manutenção da ordem boa, como é capaz de
,~ · produzir urna ordem má.

f
suas experiências com o nacional-socialismo alemão servi-
ram; naturalment~, para intensificar as suas pesquisas sobre - As críticas restantes são de livros sobre ciência jurídica ou
as fw1dações da ordem humana, e estas confirinaram o seu --~_-.•~~- _ • teoria jurídic~. Voegelin acha-as todas deficientes por não con-
juízo de que a teoria política (e jurídica) se deve basear ·na e: g1:egarem todos os facto:i:-es relevantes para uma teoria comple_ta
realidade _toda, e nãp em parte dela ou em critérios pressupostos do direito: Os seus pensamentos mais siI1112áticos vão para a
ou falsos ( ). 6 · Introdução ao direito (1940), di Edgar Bodenheimer~ por o
Os anos de 193 8 a 1942, que poderemos chamar os seus autor procurar ao menos apresentar o seu assunto em tennos
anos de transição, foram também os seus primeiros nos Estados da maneira na qual os homens, em diversas épocas da história,
Unidos como residente permanente, os anos em que ele tentava experienciaram o fenómeno do direito e procuraram simbolizar-
garantir a sua posição no mundo académico americano (7). as suas experiências. Embora Voegelin não acredite que
Possivelmente, ele não estava certo se se fixaria numa fac'uldade Bodenheimer tenha ido suficientemente longe nas suas análises
de ciência política ou numa faculdade de direito. Qualquer ou discussões para produzir uma obra crucial de teoria jurídica,
ele declara que a obra fornece uma história excelente da teoria
do direito e é apropriada para o seu uso como um texto sobre
6
( ) Voegelin, Autobiographical Rejlections, pg. 26; Voegelin, "Reine
·-·-····- o assunto. A Sociologia do direito (1939), de N. S. Timasheff,
R.ecf.tslehre .und Staats!ehre". Ver também Autobiographical Rejlections
;-,:ss. 21 ~ 'U.; , :u'toiJiographic2! R.:f:e~::·c:~s q<;s. 38, 24, ?5, e 45 a 53'. ~{~~{::·é, por outro lado, considerada por Voegelin como inadequada
(7) Voegelin chegou aos Estados L1,;Jos C:>l 19~;~, Jc-ccicn:1u GTt ·: :i:~t:~t_: porque o :n·~t0do da sociologia positivista não pode alcançar
semestre na Universidade de Harvard, depois no Colégio Benninoton e na ~~±~~!toda a reaiid::-:de que se refere ao 3.SS•.1Pto co direito. Ele não
Universidade do Alabama. Em 1942, ele ingressou na F~culdade
departamental de Ciência de Governo da Universidade Estadual da Luisiana
.· ~~~:e nega o saber imenso do autor 0u o valor da sua· obra dentro
e aí permaneceu até 1958 (Voegelin, Autobiographical Rejlections pos. 57
''·~~:{i do seu alcance limitado, mas insiste que as abs_tracções a partir
a 59). ' "' -·-:de fenómenos observáveis de carácter jurídico não podem
; !

... 36
37
'.'."·. .
·'\ -.
Os breves comentários de Caims sobre a crítica de Voegelin
foram impressos no fim do artigo('). Poderia ser tentador
sustentar uma teoria adequada do que o direito~essencialmente concluir que Caims não compreendera a obserVação essencial
é e deve ser. . . de Voegelin, que uma ciência do direito não se poderia basear
É-na,. crítica d'A teoria da ciência jurídica (1941), de só em fenómenos empíricos, porquanto ele ·insistiu na possibi-
Huntington Caims, que Voegelin declara mais enfatitament~
a lidade de uma ciênciá jurídica assente num modelo de ciência
sua insistência que uma teoria do direito não se Dode basear natural e declarou que o seu livro "não era histórico". Caims
num modelo de ciência natural, e prossegue ao por~nerririzar
o declarou, todavia, também que não analisariá a "ontologia de
que uma teoria da ciência jurídica deve tomar em consideração. · Voegelin". Assim, pode-se dizer conectamente que Cairns com-
· Medido pelos padrões de Voegelin, o livro de Caims foi um p rCendeu o comentário de Voegelin, mas que, rejeitando a
falhanço. Caims declarou que uma ciência social do direito - espirimalidade do h ornem e a possibilidade de ·conhecimento
querendo dizer uma ciência modelada sobre as ciências naturais através da filosofia e da religião, como o livro amplamente
atesta, ele não poderia esperar por outra ciênciajuridica que não
durant~
- não existia, mas que uma tal ciência devia ser construída
embora isso exigisse os esforços de muitos sábios uma modelada nas ciências naturais.
muitos anos. O método para esta construção, segundo Caims, ~ ....
·-·
O leitor que tenha lido o livro de Caims pode ficar desa-
seria, primeiro, coligir dados sobre a conduta jurídica humana, pontado com a critica de Voegelin num aspecto. Voegelin re-
observar os seus padrões, e extrair deles princípios gerais preendeu Caims pormenorizada e repetidamente por alegar que
descritivos e proféticos - mais ou menos o processo defendido uma ciência jurídica não existia, embora pareça que Cain1s te-
por Timasheff. O segundo esforço seria criar, através da análise; n.ha dito apenas que uma ciência social do' direito, significando só
das soluções alcançadas em muitos problemas p;::1~c:·::ilares ao uma modelada nas ciências naturais, não existia. Qs reparos de
longo dos aneis, urií. .corpo de princípios éticos . baseados Voege!in, baseados nessa possível incompreensão de Caüfü, não
empiricamente. Estes princípios éticos poderiam, fin~lmente,
ser
depreciam, todavia, o mérito substantivo da sua critica básica.
As quatro críticas acima mencionadas podem ser vistas em
empregues, com o conhecimento ganho acerca da conduta
j~rídica humana, para desenvolver princípios gerais de uma _;~_... .
retrospecti va como preparação para a organização do curso de
·. · introdução ao direito e a redacção d'A natureza do direito,
ciência jurídica dirigida para a eliminação da desordem e a ainda· que mais de uma década os separe. Provavelmente,
criação da ordem. Voegelin teria prosseguido mais depressa com a última se se
~~is ~ma v.ez, a crítica de Voegelin era essencialmente que tivesse tornado membro de uma faculdade de direito em vez de
uma c1encia social não se pode validamente fundar na presunção
d~ qu~ o homem é apenas matéria, ignorando a ·experiência uma de ciência política. Robert Anthony Pascal (9)
h1stonca que o homem tem da sua espiritualidade e tudo o que James Lee Babi11 (1°)
ele cprenden acerca de si mesmo. Por igno"ar ttido da história
e pres\.lmir que a humanicl2.cic pode ser , r2.t'.'Ji'.', si~~1dce::m2n'. ~
como uma tabula rasa, ou como barro a. ser moldado, Cairns
~) Prnfr"or Jubilado de direito na llnivmidade Estadual da Uüsiona.
( ) Ver Louisiana Law Review, IV (1942), pgs. 571 a 572.
8

~iência
estava a ser apenas pseudocientífico. A crítica de Voecrelin a Cºl Professor Assooiado de inglês na llnive<sidade Estadual da Luisiona
Caims é, naturalmente, uma crítica de toda a pretensa
0 e editor associado da Henry James Review.
social que ignore a espiritualidade do homem; e nisto reside 39
seu principal mérito.

38
'i

. ,,.

A NATUREZA
\
DO DIREITO
por

ERIC HERMANN \VILHELM VOEGELIN


Doutoi- em Ciência Política
Professor de Ciência de Governo
Universidade Estadual da Luisiana

Edição temporária exclusivamente para o uso dos alunos


inscritos no curso de Introdução ao Direito (Direito 112)
da Fuculdade de Direito da Universidade Estadual da Luisiana

!
...' -.

PRÓLOGO

Uma indagação acerca da natureza do direito está repleta


de dúvidas sobre a sua exequibilidade, pois os filósofos clás-
sicos, Platão e Arisloteles, não tinham uma filosofia do direito.
asproblemas ~- na nossa m2cie.m..a~iaJ1irídica, são tra--
tados sob esta· epígrafe apareceram en1 l'~ ~~1aj_?_
sob
como ""usti a" ou "ordem verdadeira da o/is" e ern Aristó.tclei-
como pa0~~isteme politike, com as suas sub~es em
ética e política. Por isso, quem tenha alguma confiança na
perspicácia e na competência dos dois pensadores ficará préo-
. cupado, no princípio de uma tal indagação, com o pensamento
de que .9 )T~ito talvez não tenha uma'natui~z,,, Uma vez que
a única razão para uma coisa não ter uma natureza é a sua falta
de estatuto ontológico - o facto de não ser uma coisa concreta,
reservada, num qualquer domínio do ser - , surge o problema
desagradável de saber se o direito existe.
Se Phitão P, Aristóteles estiverem certos - se o direito não
~realmente ~.l;··::l e.tu:·~::>
urna. cc1i::z; :.:.o!'' ---, ~-c.~ir3.o
proble-
mas enormes quanto às circunstâncias histéricas s~_:J ?.3 qt~ ··•::;
a ilusão do direito como uma coisa com estatuto ontológico _se
pôde formar. Mas eu não quero antecipar-me. Os problemas de
uma ind~gação filosófica devem emergir da própria análise; eles
43
-------

não .devem ser .introduzidos a partir do exterior, através· de


alukÕes a uma autoridade, por muito ilustre que séja. Não se
pretende mais do que fazer um àviso ao dizer que a análise pode
não correr suavemente e qqe os resultados podem ser inespe.::
- . '~.

raâos.
A própria indagação: co:;J.c:çará, sem olhadelas impróprias,
pelos fenómenos jurídicos ta1 como se apresenta:·,1 no horizonte
/ contemporâneo do nosso conhecimento quotidiano, pela língua- .
gem quotidiana na qual os juristas falam acerca do direito, e :
pelos problemas que surgem à superfície dos fenómenos jurí- '
dices atravé~ da linguagem quotidianamente em uso.

A ORDEM VÁLIDA

Uma vez que toqá ·a gente fala acerca do "direito" como


se ele fosse um oojecto de conhecimento comum, será apropria- ·
ª
do concordar com presunçãc• e começar a análise com uma
·observação que levará ao problema da natureza ou essência.

·. §1 - Essência

O direito, embora nós falemos dele no singular como se


- houvesse apenas um dir~:êarece numa pluraiT<lãdecteordens
'· · jurídicas aceites como válidas, numa plurlllidade corresp.ood.ente
-- · de sociedades. Um conhecimento do direito americano será de
reduzida utilidade num julgamento perante um juiz francês; e
mesmo um conhecimento completo do direito de propriedade
· vi,~<': 11fr~ 2,rnm. dos '1llarent2. e oito estados da América, ainda que
certamente seja poveiL ~0, será po.r si ;;ó ic·'""~::~c 1/'. ;.•ara
.decidir uma causa em qualquer um dos outros estados.
: Antes de entrar na análise da observação, devemos estabe-
":~ lecer a sua legitimidade analítica como distinta da sua verdade.

44 45
1

,~-"""·- .-,H: :•~ ·····-.' "'" ,-: ··-,·- ,.-.' -:··•,.e- : '•' '-:' .,,,~~--__:;,·.-:,~C::'"·"'"'""ó"''.~::~~--.:.·:. ";o•ê.';':~,'-=ê·'.'-:••': · _,,•;·'?õ-·°"f·:·••.:• •
~ l

. _:~--=:

Considerando· que a legit_imidade da· observação inicial


apenas pode ser demonstr<tda através do seu papel no desdobra-
A observação é verdadeira ·no seu todo e nas suas partes, mas
ela não. é uma observação feita ~o acaso; ela foi c~idadosamente
mento da análise, ela foí por agora garantida suficientemente
contra os argumentos de nível fenomen.al. Para regressar à
interpretada no intliito de tomar a linguagem quotidiana trans- análise, recor.demos _a primeira frase da observação inicial: o
parente paràjo problema d4 essência. Um critico bem pode;ia direito, embora nós falemos dele no singular como se houvesse
afirmar que um
jurista, quando fala do "direito", terá habitual- apenas urh direito, aparece numa pluralidade de ordens jurídicas
mente em mente a ordein "jurídica concreta na qual ele está aceites como válidas, numa pluralidade correspondente de so-
envolvido profissionaimente, e não "o direito" que se manifesta . c!e_dades. Esta ~rªse sugere que "o direito" é algo corno um
numa pluralidade de ordens jurídicas concretas; e o argumento agregado essencial de regras, uma espécie ou forma,
do crítico seria bem recebido. Não obstante, elé não seria um individualizáycl.nurna..plmalidade de ordens jurídicas, da mesma
argumento na análise, mas apenas uma observação adicional ~p__gue uma espec1e biológica· é individualizável numa
dos fenóme~os
ao nível do conhecimento quotidiano. À este ~lidade de espé.cimes S~ fQs..s_e este o caso, a~_?-~­
nível, de facto, "o direito" tanto se pode referir à ordem jurídica naturez.a_díl...dir..eito__p.Q..d.ei:ia_s_cr__c.on.duzida..pOLCOU1P3Ul_Ç-ª.º--.ª9.
singular como ao "direito" no sentido a que, neste mesmo nível, l]}9i~QLll.ÚID.e.tSLpD.SSÍYcl_ds; ordens jurídicas, com a finalidade de
o crítico chamaria, com aversão, "metafísico". g_ç_s.ç_Qbrir as regras_qlly têm em comum. Se fosse descoberto um
Este uso equívoco, correctamente observado, do "direito", agregado d_e regras comuns a todas as ordens jurídicas, ele seria
fornecerá o ponto de partida para outra linha de análise acerca · considerado a ess_êrícia do direito, e as regras de conteúdos
do problema de que o direito positivo contém nuances de variáveis poderiarn ser consideradas pro~íiedades não-essenciais
aspiração, senão de realização, de um "direito superior" Esta - dos indivíduos da <~;;pécie '.'ordem jurídica". Classificações deste
questão de um '\,irei to superior" não pode, todavia, ser kvan- tipo "b_otânico" podem, todavia, desenc~minhar
qualque; um, e
tada no início da indagação, porque o desdobramento das suas ·'12';_, uma pesquisa da essência não está completa até que -a análise
implicações requer alguma clareza quanto à questão de saber s-Jf- tenha "dissolvido" os fenómenos em conceitos.
se o direito tem urna essência. A legitimidade analítica da 'ff"·
t~~~.
Neste momento, todavia, não precisamos de entrar nas
observação inicial, como distinta ·da sua verdade, está depen- ·®'"'i ., . minúcias da análise completa ou incompleta, perfeita ou impcr,
~.
:~:~~-.

dente da ordem em que os problemas surgem da análise; ela não feita, por o ,resto da observação inicial [que os conteúdos das
é afectada por urna observação alternativa igualmente verdadei-
ra acerca de fenómenos que, em parte, se sobrepõem aos da ·~. ;!~:;:~s d~r~:;U:~~~;~vi~!~ç;!ºn~~ê::i:~:lc::~e~:s;u;e :
fiii~ ordem jurídica ser compreendida como um agregado de regras

. ~ _.f .~-_~ '- ~- ,~-


primeira observação.
A distinção entre a verdade e a legitimidade analítira da válidas. Em contraste com a maneira pela qual as variações
observação, além de ter a sua relevância para a teoria da de tamanho entre indivíduos da mesma espécie animal se
ciência, tem a s'..:n impor~C.n: : • y-{nicJ. p:-.ra a compreensão da

ll
':::,._ j·Oé>.;:n ;'1s'lin2,a:r cur•í•J l_"Jr0pr'.er12df'.S individuais que nada

~:~t;d~e~;~::~:~:~ j~~~::~~~~~:=t~,_~'_'c;:~ d~~:i;~,: ~~ ,~:~


5 0
teoria jurídica contemporânea. Muita ela confusão esse íe:.:p2:- a
.\,~. perrnit~
to é causada pela oposição antagónica entre observações feno-
menais alternativas. O penoso resultado é que, sob o nome de um jurista está profissionalmente envolvido -não uma
"teoria", as generalizações feitas a partir de observações pré- . \1\..;;i; ,· distiúção entre regras essenciais e regras negligenciáveis como
-analíticas parciais tomam ú lugar da análise. · - .47
·1~~~-­
_··f~~~
- ~".-:-_;.!
46
;;·:? ·.. -,:.;.- -

:~ditad~s do piincípio até ao fün; tomar-se-ão o estímulo para


~~-:·~---;~

N~º"-"'~=::=.:.-=-.J-"==~=-==="==~=~::-!..::.J::t!.:::.. .o~seu aprofundamento. .· _ · · _


:2)-,t:Dois coroÍários ajud~o, éffi collc!Usão, a ·abrir o caminho
nãq-essenciais.
é,"essencial" se ti er U §9 efiminar fonniilmente as duas corisiruÇões erradas que se
a l_egra em particular, não ~geriram por si mesmas nesta primeira fase· da análise:
jun ica con ecitla. _ .
O.obstácu!O a uma distinção entre regrM
,,
es~enciais
e _não- ·.hi~:- l :-.- O problema da essência do direito torna-se
-essenciais _consiste naquela qualidade da regra jurídica a que .~esconcef\áilte quando somos confrontados com a validade que
nós nos referimos como a sua "validade". Num éstudo coinpà- ,P,ermeia tão completamente a ordem jurídica que nenhuns ele-
rativo das ordens jutldicas compreendidas corno agregados de . menta~ i;ão-essenciais são ~eixados de fora. Se a análise parasse
regras jurídicas (se alguém êropreendesse um ial estudo Com o µes_te ponto, poder-se-ia encontrar uma construção teórica que
propósito de descobrir a natureza, ou essência, do direito), urni ,.Jatrsfana a situação. Nós poderíamos presumir que "o direito"
regra em p_articUlar poderia ser classificada como uWa srngu::- *nã~ é um género individualizado em espécies pelas ordens
lan a e não-essenciªl, ocorrendo a:genas n"Q_'fJJ-~~o..1&Utário. JUnd1cas das sociedades concretas, mas que todas as regras de
~nt~~ecia5'.álida" no ~ stia ordem, e. · todas as ordens são igualmente da essência do "direito" e
su~\idaduela formam o único espécime de- -..imá extensa espécie. A análise
sin~~!}.®!l.e....da..sna-"co<tência..
nenhum jurista considerària diminuída a ·
A superficie dos fenóinenos · !'filosófica do "direito" seria, então, reduzida a um catálogo das
que entraram na obserVação, a validade parece ser, por conSe- e~
'· ordens regras que _compõem esta extensa espécie. Uma tal
guinte, melhor do que a essência, a categoria sob a qual "o construçao não é, todavia, recomendável.

j.
direito" deve ser abo~dadd. . ··
Terá a anáhse, então, Partido de Um Começo eirado, se ela
~ós _sabemos da experiência quotidiana que um número
considerav~l de ordens jurídicas têm certos traços típicos em
procurou pela essênci~ onde devia ter procurádo pela validade1
. l"'
. j comum: tais como o direito civil, o direito penai, o direito
'J
- [ ;\ Certamente que não, pois a análise é a pesquisa da essência, comercial-, o direito administrativo, os direitos processuais cor-
~ 11_·1
'1 e ela conseguirá o seu intento apenas quando a experiência pré- . respondente_s, e etc.. Como veremos, a construção, se for adop,
~- '· ~
';
·•.. ·.
:·:
-analítica dos fenómenos se dissolver em conceitos que se
refiram a uma essência. Se, por ocasião deste primeiro passo,
' ta.da, evitara a exploração de estruturas típicas na ordem jurí-
pica que não aparecem enquanto o direito for concebido apenas
: \1
a análise tropeçar no problema da validade, é a observação como um agregado de regras válidas. A obserVação inicial é
l\' inicial que é defeituosa, não a análise. Talvez, tal como nós já assrm , fJragmentana• • porque
· a enas revela u e uerio seamento
'-"'
suspeitávamos, o direito como um agregado de regras válidas .dos fenómenos do direito; e uma construção que apenas é
não seja uma coisa com uma natureza. Mas nós não podemos adequada a um pequeno segmento da nossa experiência do
deixar ficar as coisas -com esta suspeita. Seria contra o senso ~lfe1to, mas que pretende ser uffia descrjção exaustiva da
comum partir do princípio d~_gue a nQ§.~_gperiêQcia_pré- . , natureza do direito", deve ser rejeitada como errada.
e"_
_3-ecit; do_,) j;;:ilº~"' :1~
e !! il" 'ª~rn~.2...9!!e -
~
.\_ caute1J- b i0.dic2dJ, n3o obstante porque a observação
~~~ o;itoi~.'l.Ll},;::_rQJs.' J
a presunção de1
un11u;9isa com '"'" ô'1tuto -> e lnbom
/:·;_,.d· • fraºmen
a t,.ana,
. . verda.L..•::lfa,
e1a • - _: . e' .a su<i consut:ç,a0
. ., 01;
•'
_uma ilusão semelha~ O direito é certamente alguma cois;, "C o uma extensa espec1e, mesmo que seja errada, ainda
mesmo que se demonstre ser apenas um fragmento de uma ~.pode conter algum grão dessa, verdade.
·•·· ireito com ·
Toda a regra jurídica é
entidade mais abrangente. As dificuldades do momento não c,
'realmente .va'lºd
l a no rntenor da sua própna ordem; algo há na
· · .
significam o fracasso da análise, mas, se forem devidamente 49

48
::5~~·;,~~~;.~i'.f~;z~~~~~~~~~~~i-~i~"~~±;~··!:;:~:~~-:_~~~."_"'.-.~~~1~_'~~~-;_~!_:r_·;_f::-_·_.~- -.~ :~ ~:_~ ~-.,. .·.~:.- ·-~ · .'-_; ~ :=-. i:. .~: . :c~- =:. ~"-~'.,-=·~,....--
""--:·-;•:;-- -:;"'::.:~:-õ:_~ ... ,~~_;. -- ~ - - - - - ~. -
.•
. ,

concepção do direito como uma extensa espêCi~ càmpõsta por Além disso, se .nós também devemos rejeÚar a distinção entre
um único espécime, embora neste momento nós não estejamos regras essenciais e não-essenciais dentro do "direito" compre-
preparados para explorar· o que esse algo seja.· · · _ endido como um agregado de regras válidas, então a indagação
2 ·_ Se a construção precedente, embora tenha de ser ..,_ acerca da natur~za do direito atingiµ um impasse. Nós devemos
eliminada pelas razões apontada:, :.. "Jisfaz, ao menos nesta fase, ~....ei:ru:..o ímpeto da análise através çl..Q..J_egresso..à.exp.erifu}cia
o problema das regras válidas, então a construção anterior do . pré-analítica do direito.
problema da essêncià está certamente errada. A tentativa de Uma vez que a validade do direito parece ser a fonte do
encontrar a natureza do direito· através da comparação de transtorno sérá aconselhável meditar em tomo do nosso conhe..:
diferentes ordens jurídicas, na esperança de encontrar a essência -· · cilllento '
quotidiano acerca da validade de uma ordem jurídica
como um agregado recorrente de regras juríqicas, de'.'e ser e das suas regras componentes. Nós. não procuraremos uma
abandonada 'como absurda. Mesmo que um tal agregado recor- ,.,_.2ciefinição porque, sem dúvida, as definições surgem no fim de
.4
.,~...
~pJJrless.e..ser.....~n.contrado~ (embora ningu~m o tenlia amdã · ~lima análise, e não no seu princípio. O que agora nos interessa
encontrado), ele não teria n~nhum valor cognitivo:i__pois nós é precisamente a linguagem quotidiana que ainda não sofreu de
~I1lQ.S atravé.s...da...:tiossa...exp.e.ri~ncia_quotidiana do direito queº requintes analíticos, a linguagem na qual as coisas ainda fazem
a validade de toda Jl..~w..Jndividual na ordem concreta é, de_ sentido. Apenas a partir da linguagem quotidiana dos juristas,
alg_g~~' "da essência do direi.to" - o que quer que essa· a partir da superfície fenomenal do seu uso, podemos esperar
frase possa querer dizer quando submetida a análise ulte:rior orientação para a solução dos nossos problemas .
. Este elemento, à primeira vista, da essência, não deve ser Neste nível ~uotidianc'; nós falarpos de regras jurídicas
sacrificado a uma co.ostrução que tran~fira _o -~odeio· das ciên- ;.:.:::....-. devidamente decretadas na forma estatuída por lei, como, por
. cias biológicas para o caso do direito, o qual tem obviamente exemplo, nuh1a lei do Congresso, como regras válidas de direito .
urna estrutura ontológica completamente diferente. Antes· de serem decretadas elas não eram válidas; se elas estão
A abordagem enciclopédica a uma filosofia do direito, isto ' .
em conflito com leis anteriores, as regras decretadas em momen-
é, a tentativa para determinar a essência do direito por compa- to anterior no tempo serão inválidas; se uma lei posterior entrar
ração de uma pluralidade de ordens jurídicas, não é nova. Ela em. conflito com a lei actual, as regras que se tomaram válidas
fez a sua primeira aparição no período sofistico, no século V através da lei· actuaL serão inválidas, Lex posterior derogat
a.C .. No seu diálogo 'Protágoras', Platão apresenta o sofista p1iorí - a lei ·posterior invalida a lei anterior. E etc ..
Hípias, empenhado nesta tentativa. A partir deste complexo de conhecimento quotidiano, aceite
geralmente como verdadeiro entre juristas, pode começar mais
do que uma linha de análise, mas nós não podemos segui-las
todas ao mesmo tempo. Há, por exemplo, a linguagem da
·., ·.
" 1-~c;::.r·:L"~:':s", ~~ "leis do Congresso", sobre a qual parece
O ataque analítico ao problema da essência foi vencido por '~: depende~~ 8. \'dÜL~(iJ.~ _:J ;.·t"·.s;_a. :J prcb1en~.r. -'.1n~:~_d.'J '!J(~r esta

l
agora. Se nós devemos rejeitar a construção de uma extensa linguagem será adiado para tratamenb posterior. .r'oc· c:g·_.1·:'., ,:(~·s
espécie única de todas as regras válidas de todas as ordens concentrar-nos-emos na validade que vai e vem, que se pode fa-
jurídicas como indicando a essência do direito, então revertemos zer. aparecer e desaparecer no tempo. A ordem jurídica, consis-
~,·
às ordens jurídicas concretas enquanto unidades da observação. .tindo em tais regras válidas, parece ter uma dimensão temporal;

50 51
; - -~· .· . -

[c{J~;ios~- distirig1~1Ír ~nfré


~ófio distirguimos entre m~dançaS essenciais e não-essenciais;
regras· essenciais ·é não-essenciais

ela iir\:C~ser, afinal, uma entidade rie existe WTalvez· n~m podemos encobrir o ganho e a perda de regras válidas por
·somparação com as mUdfillças em coisas noutros domínios do
o elemento da validade que provou ser um. obstaeul . para a . ·•
clarificação da essência do direito ajude a determinai mane:ira . a ~ser. ,o caso do_.direito deve ser tratado pOlos seus próprios
de existir do direito. Qualquer que seja o resultado· do ataque <
~.talvez
méntos. se. nós presumiinos que uma ordem jurídicá é um
ao prot'e'ma ele tome ·mais tratável o ' ~:~~regado_ de ·regr.~ válidas, devemos fazer a págunta de novo:
·;o·~que sucede à orde111 jurídica se alguma das suas regras
·probíema da essência.
· Nós co,;;çaremoS a partir da presunção quot;,•jana
. ..
que 'd~
.
;,C~JI!Pºnentes for invalidada por uma lei posterior? Será a ordem
,.· as ordens jurídicas existem realmente. Enquanto algumas regras . jurídica, após a invalidação de uma das suas partes componen·
de uma ordem jurídica perdem a sua validade, outras regras tes, amda a mesma entidade como dantes, apenas ligeiramente
tomam-se válidas. Há um ganho e uma perda de regras válidas. . '._mudad~; ou será que cada eliminação ou adição de regras ao
A ordem ·urfdica muda mas não muda em todas as suas partes agregado cria uma ordem jurídica nova? A resposta é inevitáveÍ:
ao mesmo tein o; ennanece de uma mudanÇa ara outra, um s~ a orde!!' jurídica se identifica com!!-)!!!)~do_de.reÍ;r;t.J;
corpo imutável de regr~temente ampl~ra r~"f : .'i!!!J.~.S.ªd;i.JgregadO que difira_quanto .às suas partes com-
.E.~E!'.!!tes
i9~_r:i.tig_aç!~_da ordem_,}\. ordem jurídica do momento não dá lugar de gualgucr outro agregado deve ser conSiderado ;;m
a uma ordem nova, mas "muda". O problema de uma coisa ., i.u.diY.íd11Q_,.djfei;ente da espécie "ordem jurídica" (suspendendo
preservar a sua identidade enquanto sofre mudanças ao longo - ~or agoin todas as qféStões acerea de esp~e individuação).
do t~mpo ·não parece ser diferente, no caso da ordem jurídica, . Lada vez que o.Congresso decreta uma lei, o resultado será--:tJ,ma
· dc-s casos de coisas noutros domínios do ser. Uma. rocha pode ordem jurídica nova; e se o Concrresso estiver atarefado
• . ' . . b '
as~i-s-
ser etodida pelo vento e pela chuva, mas nós reconbecêmo-la tJiemos ao espectáculo de várias ordens juddicas sucedendo-se
como a mesma rocha desde que as mudanças sejam· suficien- :_ umas às outras no decurso de um só dia.
temente lentas; se, todavia, sob algum impacto, a rocha se Nenhum jurista aceitará este veredicto como- definitivo. Ele
~ fragmentar em diversas partes, nós somos levados a falar das • insistirá na sua linguagem quotidiana, na qual o direito muda
'~·.neste ou naquele ponto de vista através de uma lei nova,
.

partes como rochas distintas, mesmo que saibamos da sua

'
\
\
'.
conexão com a rocha maior anterior. Quando as plantas ou os
animais crescem e desaparecem e, durante um período de tempo,
através do metabolismo, mudam completamente a composição
material do seu organismo, nós falamos de mudanças na mesma
enquanto a identidade da ordem jurídica não é prejudicada pela
_en_trada ou saída de um certo número de regras válidas. Em face
desta insistência, todav.ia, também o filósofo terá de ser insis-
. tente. O veredicto· é, na verdade, definitivo porque é analítica-
\ planta ou animal enquanto a fonna orgânica for conservada; ·- _mente necessário. Não_ é possível nenhum compromisso. Nós
mas, se a fonna orgânica se decompuser através da m ')rte, nós apenas podemos encontrar a saída para este conflito recõiílle=
_i:e-:.d;Jll~a.nDSfill....Y~P~_rj.~ncia quotidiana, nós sabemos acerca
.~ ~·· :~
;:; -;.;r., +<ihmos dos processos resultantes como de mudanças no
\ i~:0Ívi"-"c:':... O c:-c.~': •2'' :-r 1:é:~n js1 Uiu ·~ ·;irril~:r ~cuf es há pouco
1

<k.tâis ~!J;gaú•:;.. ~
·;e CLáJlillcra..im'·.'···. '"·" · .. ' ." .-,,··JC'o rlc
descritos - ou, pelo menos, assiin parc..ce. . · :,,1urídioas, mas llma sequência .. ...
Contra esta presunção quotidiana, todavia, nós devemos . ; . . A fim de levar mais longe a análise, nós devemos introdu-
opor os resultados que foram garantidos pelo primeiro passo da ~::~1r um outro fenómeno pré-analítico do direito. Nós devemos
análise. A ordem jurídica parece ser completamente válida, e a 53
validade, como dissemos, é "da essência do direito". Nós não

52
·: presente nos agregados de regras por si produzidas, fornecerá,
estudar. agora as circunstâncias fenomenais que, ao nível da não obstante, o elo entre elas.
A resposta parece convincente à primeira vista, mas logo
linguagem quotidiana, induzem a linguagem do direito [ordem
que se considere a noção da validade 'em relação à ordem
jurídi_c~] que muda.
· Um destes fenómenos é, _p.aturalmente, a já mencionada jurídica considerada_ como uma série d~ agregados, haverá
dúvidas quanto a ter sido encontrada a solução para o problema.
entrada e saída de regras num corpo de direito que permanece.
constante' no seu cerne, a qual sugeriu a analogia com as. coisa-~ Sem dúvida, em qualquer dada altura existe um
agregado de
em mudança noutros domínios do ser. A analogia, todavia, ao regras válidas mesmo sob o conceito novo de ordem jurídica;
menos neste nível superficial, provou ser impraticável. Poder- ·mas_ o que acontecerá às regras que já não são válidas ou estão
-se-ia, então, tentar penetrar mais profundamente nos exemplos "em vigor"' como nós dizemos, mas ainda assim pertencem à
análogos a fim de descobrir com maior precisão o que, nestes ordem jurídica no sentido novo de uma sucessão de agregados
exemplos, induz a rioção que uma coisa pode permane~er a mantidos juntos pelo processo? Em que limbo de não-validade
elas desapareceram? E, se nós devemos colocar esta questão
mesma, embora 'sofra mudanças ao longo do tempo. O exemplo
da rocha não será de grande utilidade para es'te propósito. As relativamente às regras que em dada altura foram válidas, não
rochas são notoriamente duras;· e nada é tão difícil de compre- devemos colocar também a questão de saber de que paraíso do
ender como a natureza de uma rocha muda - como sabe. futuro vêm as regras válidas actuais? Esta última questão deve
qualquer filósofo que o tenha tentado. Os organismos são muito ser colocada porque, ~specialmente na expressão de lege Jerenda
mais acessíveis. Há habitualmente constantes morfológicas que [direito constituendo], a prática jurídiq. possui um termo para
permitirão uma primeira percepção acerca da natme:rn do in- a discussão de regras que nâo são partes válidas da ordem
divíduo; e, com e progresso da genética, toma-se possí~el um jurídica actúal, mas que estão a ser tomadas ern consideração
alto g~au de compreensão etiológica das constantes fenotípicas:- para a recepção como tais.
A ideia· de encontrar na ordem jurídica al o como uma forma Assim a ordem jurídica no segundo sentido é com osta de
or ânica é ao menos, suuestiva mas as robabi · des não regras válidas e não-válidas; ela tem uma estrutura tempor:al
y~pois tanto a distinção entre as características nítida de um presente de valid9'.Q~_QQIU...Uma ~ passada
essenciais e não-essenciais como a rela ão entre forma constante de regras gue foram válidas e uma dimensã~.JJ~gras
e substância mutável · á esbarraram no obstáculo da validade.' ~possivelmente se tomarão válida~ Além disso, como parece
A ordem. jurídica que consiste numa sucessão de aureuados
o o de a partir desta linguagem, as regras passadas e futuras da ordem
regras válidas terá de conter um factor que nós ainda não jurídica não são regras inválidas sem uma qualificação ulterior.
descobrimos. · ~las não incluem as regras passadas ou futuras de outras ordens
O jurista do nível pré~analítico estará mnito .ansioso por iurídicas, ou regras que não são presentemente válidas na ordem
fornecer o fa(.tor em falta, e talvez se admi,:e porque é que ele 'Jarió. <:l:Cc:i Cl2'. si'o pre;sentcrne;.tl": válidas noutras ordens
não foi introduzido antes na ana~ise. ,\ :resoo:;~a. <::1~1bcra a su0 ~ -~:~ coexistentes, ou regras que nascc·:11 d2 iru1g~naçã0 fér:; L r' -·
simplicidade se revele enganadora, é óbvia'. um~ Série de agre- alguém mas não são regras válidas em nenhuma ordem jurídica

\1
gados considera-se uma ordem jurídica se os elem.en.tos da série em tempo algum. As regras não-válidas de uma dada ordem
~rem criados sucessivamel}_!_~or um :grocesso constante - no . jurídica têm um estatuto definido como regras anteriorm~nte
noss~aso america.n.52.-P-e.Jn_proce.s._SQ._previsto na Constituição.
O processo constante, embota não seja uma forma· orgânica 55

1
.

..
-;· •_:--
·:,
- -
-. ,

54 :- ~::._: -/--- -
.
·-~~.~-:·
~·-;~1;~:~;·;;.~::;~~~m~''Fi~"·"~····:~··· ........ .Yálida, atravessando o presente da validade éomo se fosse um
.
~sireito. e~bora
., . .
:.~. :

~álidas ou como regras .de lege [~renda e.m r~~aç~?


às regra.s .
Todavi.a, rriesmo estas metáforas,
ôi direito num fluX.o .. de regras Ú~elt1cialmente ·não-válidas e
transformem ·

pres~ritemente válidas eia própria. ordem. . . . ' ·.· ·.. · .. f~duzam a validade a uma qualidade ·passageira, não são ainda
•Obviamente, a presunsão_ inicial do dir~1~0 como um. agre- .':suficientemente radicais para diminuir a eiistênciâ do direito
oadÕ 'de ·;egras válidas é demasiado estreita à luz d<0stas refle- _:<::~mo uma ordém ju"rídica válida. Porque a ordem jurídica não ·
~ões. úma filosofia do direito se uiser tornar k"t . ·-. ~éonsiste apenas nas regras gerais decretadas pelas leis, as quais
. significãdos contidos no conhecimento pré-~nalítico_do dj'.~ti )stã6 habitualme~te. "em vigor" dura:nte um p~ríodo de tempo
não se deve re t · · uma teoria do direito_ :q_guvo, i::.lv ..,,.
presenl~
:..ªP!eciável e emprestam a sua aparência de uma duração ainda
do direito yálido mim , alquer dado
~ conhec\mento pré-analít'.co e a linguagem dos i_uns- por· analisar à "validade" na linguagem comum; ela consiste
.~também, e tão eminentemente, de de.cisões judiciais.
tas acerca do seu direito vao para alem do cruzamento do ~1reito - · Se agora nós nos lembrarmos de que a decisão "udicial é
positivo com áreas de que podemos falar provisoriamen!.~, s_em ·~ o onto no qual "o direito" se torna válido para o caso concreto,
uma clafificação -~n~lític~0~t~rJ6?Jifº mo~en~p,
com,o_ a h1stona ·~ s_ se nós nos lembrarmos da aura d~@1ªª @~ rod~
do direito e o direito constituendo. Nos podemos relembrar
'~ ..9.ualQ_uer litígio sério, nós devemos. admitir_Ql!~Wlca S.?.1L~m<2.$._
gual é realme~ o agregado de .regmu_álida..L.~JJq}l$.n1.<l....9-
agora a construção prévia do direito como a ext.ensa espécie
composta por todas as regras válidas de todas_ as orde~s tribunal não pronunciar ª-~~~fuQ..-11-Q caso concreto..:. Uma
jurídicas. Ainda que nós rejeitássemos a construçao, acautela-
vez que o tribunal pronuncie a sua decisão, o agregado espe-
mos facto de poder haver ."algo" nela, e uma parte desse
0
cífico cuja validade se tornou completa com a decisão, e com·
"algo" torna-se agora visíveL isso incorpore a decisão em si mesmo, já pertence ao passado.
. . - ·- --· - .:
:: Se or conseguinte r é "da essência do direito", e se
'.· ~uer agregado de regras na série chamada ordem jurídica
§3 - O problema zenónico · :i~ce ou- a um passado no g,ual ]á rião é válido ou a um
;: futuro no qual ainda não é válido no caso concreto decisivo,~
Os problemas há pouco esboçados possuem um alto g:au
--~~ f - - Â
cr "to " par..Çl...C.--l.CJ..-.Uesaparec·1
de complexidade. Antes de nós os abordarmos, devemo~ anahs~r :.-e·-t--
.· n ao " olfeJ "doJ.riID.r.amente
. ' . do d01m-
'

diversas questões mais próximas. Embora estas questoes preli- ;_ niQ dos eú~tentes.
- · ·· O resultado é paradoxal no sentido técnico dos paradoxa
minares sejam estruturalmente mais simples, a sua análise
:, zenónicos. E será bom recordar a estrutura do paradoxo a fim
revelará que o recurso ao processo constante estabelecido pela
Constituição, como o elo entre agregados de normas, não re-
~ de encontrar a saída deste impasse novo. O paradoxo mais
,_simples é o do corredor: é impossívell para o corredor alcançar
solve a questão da ordem jurídica como uma entidade identificável·
{a meta porque ele tem de passar através de uma infinidade de
existente no tempo. Como os agregadGs de regras· se sucedem
~:.11_,c.-,
2.. \·alidade "Dare•:e tcm8r-se algo como um holofote,
} poatos.U111 exemulo famoso do paradoxo é o de Aquiles e da
Aquik:::. , eTi r~c,·-~·:rnil'·n
C'-~~..:. l-:;1::T.~·.::..
,·;u .•
;::,tartaruaa. -"'~º~ ,. ...... .:.'. .... ...h'-:.·.'' nunr·a
·- ,_ .,. pode
movendo-se ao longo da sfrie ck o.greg.<:'•dos. l e> '"··· b i j
,-Y'•"f'!

:apanhá-la. Ele tem de alcançar primeirn o ponto a partir do qual


'-'

série é tocado por essa luz por um momento, apenas para tornar
-. a tartaruga começou; quando ele alcaiílça esse ponto, tem então
a submergir nas trevas da invalidade, enquanto a luz se move
em direcção aos agregados futuros ainda não válidos. O direito
;é~e alcançar o ponto no qual a tartaruga está agora; e assim por
torna-se um fluxo de. regras, nenhuma delas inerentemente 57

56
··w

·'1

diante; ad in.finitum. E vós recordareis outros exemplos do .ou que a linguagem de "regras" e "validade"- contém significa-
parado~o, tal como o da flecha voadora que perrrianece imóvel. .dós que nos escaparam, ou que a natureza do direito não pode
Todos estes paradoxos têm a sua origem na tentativa de des- ser determinada, a não ser-que os agregados de regras válidas
crev~r-o ·~ovimento de uma coisa, movendo-se continuam~ri:te sejam colocados em contextos da experiência quotidiana que até
em te!llpo contínuo, por meio -da infinidade de põntos estáticos aqui não estivq·am sujeitos à observação. ·
.· · sobre uma linha representando o tempo, em cada um dos quais A escolha -entre estas conclusões variadas será restringida,
pontos a coisa é concebida em repouso. A tentativa não terá ao menos até certo ponto, se nós fonnularmos o importante
êxito, todavia, porque a sucessão de pontos estáticos, por mais res~ltado intermédio desta segunda fase da anábe: nenhuma
próximos que nós os deixemos sucede~em-se uns aos outros, · · teoria do direito pode ser construída. sem incorrer no paradoxo
nunca se pode tomar o continuum de uma coisa em movimento. zenónico, se a teoria se ba.sear na presunção de que uma ordem
1

Nós podemos compreender o impasse actual da análise em Jurídica é um agregado de regras válidas, ou normas, e nada
termos de problemas zenónicos. Nós compre~ndemos a ordem mais do que um tal agregado. A dificuldade surge do facto de
jurídica, primeiro, como um agregado de regras válidas e, que um domínio de significados, tais como os significados das
depois, como uma série de tais agregados ligados pelo processo normas jurídicas, não tem dimensão temporal. Os significado~
constitucional. A ordem jurídica no primeiro sentido é o ponto podem-se referir a objectos, eventos .e acções no te1?po, mas eles
estático numa dimensão temporal criada pelo processo consti- mesmos não são temporalmente existentes. A vahdade de um~
tucional; e a ordem jurídica no segundo sentido é o contimtu1n regra, o seu carácter normativo, faz parte do seu significado,
concebido como uma série de pontos estáticos sobre a linha. A mas não lhe confer.e~um estatuto ontológico. Uma construção
- .' ~ n ,

sucessão dos p01llüs estáticos nunca correrá simultaneamente teórica que se baseia no carácter nom1ativo das regras esta
com o continuum autêntico de uma coisa que existe realmente amarrada ao carácter "estático" do s...G.J.L..Si::'.niü.c.a<ku~__nã9__poci~
no tempo. romper caminho em direcção ao contil~Úum da existência 110
Esse é· um resultado desolador, porque a análise filosófica tempo.
tem o propósito de tomar explícito o sentido contido no conhe- Este resultado intermédio é, certamente, negativo .. Conside-
cimento quotidiano; ela não tem o propósito de o tomar absur- rando não obstante o estado de confusão intelectual na teoria
jurídica ' contemporânea; ' o resultado em si mesmo, bem como
.QQ,_n.~-~.!1LQ1esmo se o absurdo tiver a elegância intelectual de um
paradoxon zenónicQ.,. Mais uma vez, nós devemos voltar à o método pelo qual ele foi alcançado, não deve ser subestimado.
experiência pré-analítica para orientação, porque l:J. experiência A plétora de teorias jurídicas, a variedade desconcertante de
quotidiana não provou ser uma ilusão mesmo se, no decurso da posições existentes no nosso tempo, é causada pela má vontade
sua an.álise, o objecto desaparece da existêni::ia. O resultado em submeter a análise -as verdades parciais que podem ser
propon:io:ia, ant,:s, :-s.:::õe3 _;;2.ra >:1s;::icit2r qtic as suas premissas extraídas em grande número da experiência pré-analítica do
. eram defeituosas. Nós presumimos ser a ordem j mídica um "'lireite". Elas são deixadas no estádio de presunções iniciais
o
agregado de regras válidas e, então, expandimos· significado p:::•r analtsa;-. Si:;r·pr;; cp;r, pi:- cr:1·~c;~1.iinte, a nossa análise
para o de uma série de tais agregados ligados pelo processo revela o 'carácter parcial de uma prt.:sv1,r;::.'),. ,~:1:; ri::>.:-:,(~ fiz:;~110s
constitucional. Uma vez que estas presunções conduziram ao progredir a pesquisa acerca da natureza do direito atra\:~s__ ~a
resultado paradoxal, a conclusão deve ser ou que a. ordem descoberta da necessidade de presunções ulteriores, mas, ao
jurídica não é de modo nenhum um agre_gado de regrâs válidas, mes~o tempo, desembaraçámo-nos_de um corpo considerável: de

58 59
• , ; ~-.. . .• ,. • -·º •--~ •

am~a.nos
'}e obtém nenhuma dimensão tem • •. . . . •· .
;·Jlum _domínio de significado e poral. Nos movemos
espCcUliição e controvérsia que cresceu em redor de Uma "teo-·
•; adqmndo a estroturà de ·~ru'a ~b ora.este domm'º tenha a gora
na': ·parcial por
~ -À ,luz destas reflexões, finalmente, nós devemos eljininar
analisar.. . .i . .•
,~_expansão
.. te~ria.
de unia· - 'dº ierarqurn de nonnas. Nenhuma
·
regras ·ligadas
.
-pelo · JUfl. 1ca que abarque uma luerarquia
· de
uma !iJilia de construção teórica que pÜde parecer teníadora ·
;,_. p. ro. blema ze-no' mco.
- processo e pela delegação pode evitar
. o
neste .segundo estádio· da -análise. Nós estudámÜs a ordeni,
jurídica como o agregadó de regras vi\lidas e como a série' de
tais agregados. Mas o que é que aconteceu ao processo cóns-
titucional que fornecia o elo entr.e os dois fenómenos? Não será
possível ue a existência da ordem juridica ii.o ·tem o a qual
não pôde ser encontrada nem nos agregados nem nas suas:
séries, se encontre no rocessO co ional? A suges- ideia'.~
tiva, mas a tentativa de iro elir a a · esta direcçao term1-
gl!!i' fambém f.ffi desa!lºntamento"porgue O proées;;gs.onstanÍe ·
fQ!!ll'ci<lQ..J.lhlUºnstill!i~ s<;r ele_mesmo descrito em
\9'11os <le regras váli<la;;.,. Uma constituição em sentido material
é o agregado de regras acerca da organização, jurisdição é
processo dos órgãos supreinos de governo numa sociedade.
. \ . .
Mais uma vez, nós estamos diante de um agregado. de regras.
E, no que respeita à existência da o-rdei:ri jurídicá, nada foi ·
obtido p.Ja adição dq agregado de nonnas constit"-cionais a tais
agregados como o direito civi\ou criminal. O facto de que um .
domínio de significados não tem uma dimensão temporal não é
abolido pelo conteúdo específico de um conjunto de regras. A
validade eterna da regra não adqliire existência no te;;;Q'
sim lesmente or ue o conteúdo da re ra diga res eito a um
J"ocesso no tempo. As formulações restritivas do parágrafo
precedente devem, pOr conseguinte, ser agora completadas pela
compreensão de que a dimensão temporal de uma ordem jurídica
não pode ser estabelecida subindo ou descendo numa hierarquia
de subagregados ligados por regras de processo. A constituição
pede dele23f podeccs k3islativos a órgãos de governo; os órgãos
rc~r:.c.
'. c..:kgar ;;ovos poderes
administrativ~s;
legislativos por'.om cri:.c : ..
regulamentares a tribunais e a organismos e estos ·
linhas de delegação podem, além disso, ser articuladas por uma
plétora de organismos legislativos intermédios. Mas, com todas
estas complicações da ordem jurídica num Estado moderno, não
61

60
\1

II

A ORDEM VÁLIDA
E O CONTEXTO SOCIAL

A análise cxµ1orou o agregado de regras válidas sob as


categorias de essência, substância e existência. O resultado é
negativo. Não se pôde encontrar nenhuma coisa com um esta-
tuto ontológico. Os fenómenos que provaram ser insuficientes
· como uma base para a construção teórica devem ser agor~
completados com fenómenos contextuais que apareceram mais
de uma vez na margem da análise, mas que foram então
desatendidos =no inter~sse da sua condução metódica.

§1- A hierarquia de regras válidas. O processo de criação


do direito. A ordem da sociedade em geral

jurista, quando ele fala do "direito", ri~o quer sigl"ciÚ'-'"c -,.;:.:ces-


sariamente o direito (como uma espécie] que é individualizado ·
numª- pluralidade d~ ordens jurídicas, mas antes o direito
concreto no qual ele está envolvido profissionalmente. Esse
63

,A
direito é, para cada jurista, o direito do seu _país em todÓ-s os
::iS~~ fim-'de particulariz~r "o direito" para relações concretas entre
;(~~res humanos.
·níveis de. centralização e descentralização, tal coino o direito
federal, o direito estadual e os estatutos locais. ·Neste s~ntido,
~'.~,':-;:; ·, A linguagem do ~'fim:'-~eve, todav~a, ser us~da com cautela.
·nós. falamos do direito americano, inglês ou fráncês càmo.. a
C' Seria fácil descarrilar neste mómetito nos "fins do direito" no 1

ordem jurídica de certos países. O país espe~ífic~ surge co~ri ~~ : sentido de "id~;i.is" v~riegados, não muito bem definidos, pro-
~:· postos nesta ou naquela variedade de jurisprudência teleológica .
o caso de uma sociedade. que "tem" uma ordem jurídica, e o
· · ·direito s_urge como algo inerente a uma soe; ;dade. Então, por ..:~·No momento, nós estamos preocupados, não· com os fins espe-
J~:-__,cíficos de uma medida legislativa, mas coní a ~~_gelª-.._quaf
ocasião da segunda observação, nós usámos linguagem que
indicou a existência de uma organização com o propósito dy 'r\'·:~ ~ jurídiÇ.?-s se ajustam fenomenalmeute ao contexto
;,~ .. sociãl, com a maneira pela qu~;-x;~rtTcipâm '~ ex1stencia1
1
"criar" as regras que, depois de terem sido criadas, são partes
do agregado de regras jurídicas. Nós falámos de regras-jurídicas _mesmo que não tenham existência autónoma. Klem disso, esTa
criadas por ieis do Congresso, dé decisões t.omadas por tribunaiE; maneira de participação é muito mais intrincada do que suge-
e órgãos administrativos, e etc.. · · .· · . . . riria a linguagem das relações meios-fins. Não obstante, o termo
f_arece ·que nós podemos fazer progredir· a anális~. por . fim é indispensável, como nós veremos, a fim de salientai a
conseguinte. ao desviarn10-nos das regras como um domínio afinidade peculiarmente relevante entre o "direito" e a sociedade
autocontido de significado, para a sociedade na qual os seres que o tem.
humanos, sob a denominação de órgãos de governo, criam o O padrão intrincado, no qual as regras jurídicas se entre-
direito, presumivelmente coin um propósito. Iss() nãó quer dizer laçam com a realid,ade social, tornar-se-á evidente através de
-··-
que as r~gras, os agregados de regras e o problema da sua uma breve consideração da hierarquia das regras e dos agrega··
'
·Í
1 validade tenham de !ser abandonados como irrelevantes. Pelo dos de regras. Pode-se, sem dúvida, considerar a ordemjurídica
·~
contrário, nós veremos ·o problema da validade repetir-se com com a sua estrutura hierárquica como um domínio de signifi~ 1
1
'I
"'
1
novas complicações neste estado ulterior da análise. O sentido o
cados. co:nteúdo de uma lei pode receber o estatuto de regras
-- :j válidas numa ordem jurídica se a lei for decretada pelo órgão
1
que fazem os fenómenos enumerados na nossa e;q?enência
quotidiana está, não obstante, estreitamente ligado com o con- legislativo competente de acordo com as regras processuais dá 1
1
_kxto social nn qnal des....s.e_apr__~rú.a~cisão judiçja). constituição, e se, além do mais, o seu conteúdo não estiver em
1

1 não é meramente uma regra válid<!.,. mas de.dru:.a, com conflito com regras substantivas, tais como as que uma cons-
! consequências sociais, o que o direito é uo_c.aso cQQÇ.r.et.Q...SQb. tituição escrita pode fornecer. O conteúdo de um acto adminis-
1
julgamento. As regras gerais do nível legislativo fornecem os trativo pode-se considerar válido se o acto assentar numa
!1
il tipos aos quais os juízes e os funcionários administrativos têm ~utorização indicada por uma lei que não seja ela mesma
l-_,
de :1..iustar as suas decisões indivic1uais nos casos concretos. As mconstítucional -·- e etc., através da hien~rquia jurídica até às
i' regras cons<itucicnai:: for::t-cem, ;;0: o~tti:1) lado, os nroces~ns P, decisões individuais derradeiras. O resultado do exame pode ser
j
o âmbito dos poderes para os órgãos de governo que forrnu1<'.rZ:0 • -- - · · e~'.):. ~b :7oh a forma de um tratado, por exemplo, sobre o direito
cr-:i~i .... ..;11· .,... ct"'
i'\ os tipos gerais, os quais se aplicarão, por seu turno, a casos t 1.t .,. ~.:. uu
1
-
e u:L-ll , . ~ ; .,..... ,? ~
p8.i:;, exrra1nc'1 ~>; s 1Js · , cri tcs . ~e regras
1

-j
concretos ao nível de decisões individuais. A hierarquia elabo- constitucionais, regras legais, decisões judiciais, et ccetera.
j
1 rada de subagregados na ordem jurídica (dos quais nós não Num tal tratamento "dogmático" [doutrinário] do direito,
'
i
indicámos mais do que exemplos representativos) está imbuída todavia, o entrelaçamento actual das regras jurídicas com o

l 64
C:<_~-~;;_.~:?~,~~;~-~~~y\~l:~\:~'f~<J;:~-~.;:*;~~'~''·f~:~~\l{,~'~'.;;,~J'0S~~~~;,~~~~;~:E"?':Ar":~~~-;:".-o.·. ~ -..
""-~·-----~· i,,-;-._,.~.-:~,,,,.~~-~-::-~:..._·:.._""_:·.· :-- '"

processo social da sua criação não se tornará explícito; porque -'do processo de criação do direito em sentido técnico tem,
a acção 'legislativa requerida para produzir as regi-as válidas da tod_avia, um modo de participar do direito. Embora nós não
lei não_é,_em si mesma, nem JJma regra constjtucional nem uma falemos de homens de nêgócios como legisladores, os seus
;~gra legal, mas uma série de acções de seres hi:mai:-os parÜ- contratos terão força de lei entre eles se reqigidos de tal forma

---
culares. O mesmo é verdadeiro ao nível das decisões individuais ..
. As deliberações de um júri e a pronúncia de um veredicto, por
exemplo, não são o veredicto em si mesmo, e o processo de
que os tribunais reconheçam a sua força obrigatória e atribuam
certas consequências ao seu não-cumprimento. As regras do
direito contratual fornecem tipos de acordos; não só para o juiz
· raciocínio do juiz e a sua pronúncia da sentença não são a . que tem de decidir um caso quando ocorra perante ele, mas
sentença como uma regra válida. Os nívejs de regras válidas na · também para as pessoas que querem entrar num acordo
hierarquia de uma ordem jurídica, por conseguinte, não sq são contràtual. As partes confraentes fazem de facto regras válidas,
distmguíveís como tais pela lógica da delegação processual,"mas obrigatórias por si mesmas no sentido de que as ~uas próprias
também estão separados entre si na realidade S?cia~vés do2_, acções futuras podem ser entendidas como cumprimento ou não-
actos disseminados da suq_ criação..;.. · - - -cumprimento do acordo. Estas acções criadoras de direito dos
~Est~s actos· de criação do' direito aos vários níveis, além membros da sociedade que vivem sob o direito são tão frequen-
disso, não são meramente actos numa esfera social de carácter tes e tão importantes que a assistência profissional em tais
não-jurídico, mas participam da "natureza do direito" porquanto - -3:."':::- acções fonna o segmento maior do negócio dos advogados. As
cl~s ~esmos devem ......ter caráêfer}undrco a fim de produzir regras- .. ~:;ç
~ .. - - ___ ···~"';-"-'-----_...._..~----_.,,.._~-~-~-
valldas. A declaraçao de regras gera1s por qua1quer um nao
,.,..,_.;-"" ----- relações entre seres humanos numa sociedade têm, assim, n~
larga medida, estrufu-ra jurídica. ,
constitui uma lei com um conteúdo juridicamente válido. Uma O carácter jurídico~- da realidade soci~l é, todavia, ainda
lei resultará apenas quando homens específicos mim padrão mais penetrante do que parece ser se nós não considerarmos .
específico de acção, isto é, quando membros de uma legislatura nada mais do que as regras específicas criqdas pelos membros
constituídos e agindo na forma prevista pela constituição acor- da sociedade para si mesmos. O direito, por exemplo~ nã~
dam em certas regras. O mesmo argumento aplica-se às decisões fornece apenas tipos para actos que, por se confom1arem com
individuais de tribunais e de organismos administrativos. Urna u:ri ?ªdrão prescr_ito, adquiren:- o carácter de actos criadores de
realidade social de acções válidas imbrica-se com o direito como <lrre1to;_ ele tambem fornece tipos para actos que, por se con
um agregado de regras válidas. Certos actos de seres humanos formarem ainda com outros padrões, adquirem o carácter ou d
produzem r~gJ:a.s válidas se eles forem r.ecoubecíyeis como actos actos lícitos ou de "violações" do direito. No último caso, a
criadores de direito à luz de outras regras. e estas. por sua vezz.. conduta humana toma-se juridicamente relevante precisamente
são regras válidas à medida que ~las forem forrn1:ladas através
,,._____ ---
de actos reconhed vci ~ C·l'"i-i!l:i• .t.:_s._: ;·i;1dQ;:ç;:..'l_r:l_e_3ire..ito ainda sob
quando ela é "ilegal" no sentido de um delito de direito civil
ou criminal. O homem que nadà faz de todo para atrair a
outras regras, e etC .. 2tncão do "direito", favorável ou desfavoravelmente, é o ho-
A noção de uma hierarquia de regras válidas deve, assim, ·1-=~:1,:-c-::~;;-;,-~:::-.:l1'11··~
1.1..C 11
i..
· 'l,.,;L.;"'., "'o":, --0mr>l-'tan1ente da natureza dÓ
IU- \...r<J ... ; _.:::.:.,5.:_2_:._~!_:_-,"_;_:;_._..~-~.::....!=_~L~~----~--·-
ser expandida num processo de criação do direito no qual regras direÍtO. Por implicação, entào, o l-.:.omem que Ji:.Í'.) -'~:ls." ;iircüc1
e actos criadores de regras alternam. Este processo desagua, é ·a homem que o observa. Esta implicação torna-se explícita _ ·
finalmente, na vasta realidade da sociedade que "tem" o direito na nossa eX:periência quotidiana do direito e da sociedade,
que é feito no processo. Mesmo esta vasta realidade para além quand~ ao transgressor-nós contrapomos "o cidàdão cumpridor".

66 67
.T

:·,-:- A este
respeito, a linguagem quotidiana é especialmente - :~çgípcio, o "tao. chi_nês, o nmnos_ gÍego e a lex [ius?] latina. o
ilustrativa, porque ela tem um rico vo~abuiário para os· tipos ")naat egípcio, por.exemplo; significa a ordem dos d~use:s que,
· _1nterrµédios de
conduta entre a obediência e a transgres~ão. Nós .. :.-em virtude-do seu 1naat, cr!a a ordem.do cósmos. Dentro desta.
falamós de homens que observam a letra da lei enquanto violam ~::~·-:. ordem cósmica, - o t~~o ·?plica-se então_ especificaménte à
- - õ 'seu espírito; que usam -ãtalhos; que são espertos o basta;te .f~~: . ordem do rein_o do Egipto, cuja ordêm é criada por virtude do .
para não serem apanhados; que sabem como manter'."se longe de 0:c%~ maat divino que vive no Faraó. Esse maat flui do Faraó através .
sarilhos e não se. envolver com ·os tribunai$; que déscobrnm . :s<do corpo social, mediado pela administração' real e pela hierar- .:( .
btiracos no direito; que têm advogados espertqs com o fim de A; quia dós funcionários, até ao juiz que decide o caso concreto. ·
usar, ou antes de abusar, do direito _probatório para obter uma ~'.;,:-;~~ ~~-Uma vez que. a mediação do maat requer a sua compreensão
absolvição, embora obviamente o crime tenha sido co,metido; e -~ - . -
~~;~ .. e a sua articulação inteligente, o termo adquire o significado de
etc .. Todas estas categorias quotidianas reyelam uma• compre- - ~~~;~ _"verdade" acerca da ordem; e uma vez que o conhecimento
ensão completa de uma relação tão íntima entre o direito e a ''>- dessa verdade não é um monopólio da administração, o cdireito ·
sociedade que toda a existência do homem em sociedade está. -&~::: tal como é administrado pode ser medido pelo conhecimento
impregnada com "direito",' mesmo se uma relax_ão específica de · -~ vulgar acerca da verdade da ordem, e os súbditos podem
relevância jurídica entre unl. tipo de acção e um tipo fornecido · ·'(~- protestar veementemente contra os desvios do maat e criticar a
pela ordem jurídica não existir. ~-.~A-Ó conduta dos funcionários~
:-_:::.-.
. -· <..-..'"'::, . O uso egípcio ilustrará este problema, pois o simbolismo
compacto do maat rúóstra que, por trás dos equívocos da nossa
§2 - O direito ~omo ã suhst"iincia da Órdem. O processo de íinguagem quotidiána, se situa a experiência de uma substância
cri.c.1ção do qireito como o instrumento para garantir que permeiá a ordem do seI~ de que a ordem da sociedade é uma
a substância' parte. No que respeita à ordem da socieJadc, s. subst3ricia
permeia o seu todo, incluindo aquela parte que nós hoje distin-
Os fenómenos há pouco apresentados não levantam mera- guimos como o processo. de criação do direito. o direito é algo
mente uma ou duas questões ulteriores, mas tornam acessível que é essencialmente inerente à sociedáde, embora a forma desta
todo u:ncampo de pesquisa. Apenas...um;problemaJserá, todavia, inerência seja complicada pelo facto de que deve ser garantida,
~scolh1do para o exame presente: o uso equívoco do "dü:.e..i!.U:. como nós diremos cautelosamente, pela acção humana organi-
no sentido de reITT"as vilida.s_flliª-S...P.OLÓ.rgãas do gove~.....Q.... zada, o tipo de acção de que nós falamos como o processo de
"direito" gue, de algum modo, permeia a existência do homem criação do direito.
em- sociedade. 9 que é preservado neste pálido equívoco d-a- Uma tal presunção satisfará consideravelmente melhor a
nossa linguagem quotidiana é o disce:11imento profundo, rara- linguagem quotidiana do "transgressor" e do "cidadão cumpridor" ·
.... '_te :KJi~~:lQ_fl.?:__;~Q.c]?_j,llJÍdi_ca _(~<2D-1C:ITIPºrânea, de que o do que as construções alternativas baseadas no fenómeno iso- .
("direito" é a substâucia da ordem em todos os ~E1rJ:11õS-:J.~, 1
?.ic. do. ;_:>rocesso de criação do direito. Se, por exemplo, o
Realmente, ~s civilizações antigas têm habitualmente nas suú/ .p. enal C0111 OS <:·'li·~ i.;,. " r·.~· ·r·1 -,.- f1.'-"· ,- ,, ...,,n,. '''íl<il elo
0

dir•'l°'O
..... t u\..---~)
li.._,.:>....,..·_,..,,_, .... e -
~ .!..!.'-J .:... -
1
-\.·~J't"'"--·'-'""
·

línguas um termo que s1gmí1ca a substância ordenadora q;; isoladamente, e especialmente se o direito penal for expresso na
permeia a hierarquia do ser, de Deus, através do mundo e d~ forma de determinações condicionais, pode ser, e de facto foi,
_sociedade, até cada homem singular. Tais tennos são o maat interpretado como um corpo de regras que obrigam os tribunais

68 69
--_.·-.-
•:?~~~~~~~~i~I~~~fA~~irl:~it~~;~3~~~:;'?:f''.~J~~~~~~~1"~120§''.':~~:J~t~?-'·:~.,
-~-·-.;_-~--~-,.--

relações sociais, embora a, assim chamada, intenção do legis-


a respoµder com certas acções -· chamadas julgamento,. sen-' lador possa ser declarada explicitamente em "preâmbulos" da
tença e ·execução - a acções que se ajustam à 'determinação lei. Nas principais codificações modernas, todavia, a intenção
é pressuposta, e a técnica jurídica do codifi_cador concentra-se
condici9n:;il da lei. A ordem jurídica, sob esta interpretação, não
._iitribui~i·a na tarefa de construir _tipos que realizarão a intenção com um

l-1-16v··1~"
proibiria o homicídio, o roubg, e etc., mas ape'.·ias
rlP nrohab1ºl1"dade A linauaaem comummente usada de
certas consequências a, estes tipos de acção, deixando à discri-. UlV u....., l:"'" ~ - -
1,..4Jl. • ::;, <:::>
regras ou normas jurídicas deve, por conseguinte, ser sempre
· ção do cidadão o escape ou a sujeição às sanções. O cqrácter
normativo, o "Não farás", teria sido removido das regras compreendida como o texto da lei lido à luz da sua intenção 1 1

riorn;iativa. É possível, em princípio, construir uma ordem ju-


substantivas do direito penal, e não faria sentido falar de um 1
crime como uma acção ilegal, ou do hom~m que o comete como rídica-inteira através de definições e de proposições sem nunca
\
um transgressor. Na nossa experiência quotidiana do dir:eito, usar vocabulário normativo.
Em resumo destas reflexões pode-se dizer: 9 processo de
então, a razão porque certas consequências, entendidas cbmo
cria ão do direito participa da natureza do direito porquanto ele
"punições", devem ser atribuídas a certos tipüs de acção,
entendidos como "crimes", não seria uma ques'tão a ser exami-
nada por uma filosofia do direito. Problemas deste tipo perten~
se_EYe o prqpósito de garantir a substância da orde:U na socie-
~-~~ew na soç~dade é a área s:m.J:U.l~JlOS temos de \
ceriam a um domínio de fins "morais" para.além do direito. O -:~qillsa.:c...pe)a miliJreza do direito.
significado de "cidadão cumpridor" também se dissiparia, pois . \
nada que nrn tal cidadão faça poderia ser classificado como J §3 -- As construções teóricas Ja relação
!1 1
1
juridicamente relevante em temi.os de acções enquadraqas em
As r~lações agora indicadas motivaran\ uma série çle cons-
tipos fornecidos pei,> agregado· de regras válidas.
. Contra. esta construção situa"".se o argumento idêntico ao
usado contra o impasse do paradoxo zenónico: o propósito da
truções n~ filosofia do direito. Os tipos principais são os \
análise não é tomar absurdo o nosso conhecimento pré-analítico seguintes:
acerca do direito, mas antes tomar o seu sentido explícito. Por
1 -.- Em Platão e eín · Aristóteles a ênfase encontra-se na
isso, nós devemos preferir a presunção de que o processo de
criaçãq_do direito faz sentido como um instrumento ara aran-
substânCÍa da ordem na sociedade, especificamente na ordem da
i~daua ~o
\
te à sociedade~
polis helénica. A tarefa rinci ai do fí ' ofo é a
tir a substância da ordem ue inere esse
acerca da ordem verdadeira da polis. As regras especificas sao
A presunção, além disso, recomenda-se por si mesma especial-
mente pmque a ordem jurídica, no sentido de agregado de regras
formuladas sob a perspediva de que elas articulam ª. ~rdem 1
verdadeira na sociedade e, se decretadas, a garantuao._Q
;:ii\)\:ec_:~,, ~:: ç;~·'csJ.,) r1i:~ito es~º
válidas, raramente se ajusta· à linguagem normat:va do "Fàrás" \
O'.'. ''?Ho farás". () direito e~:.'.r]t0 0z~;c:-eve 1:12 t.:•itua1mente tipos
c1,J {>, sob a perspectiva de
de factos, eventos e condutas que se tcrnarn juridi.cam'.:'.r;t'.:;
-'S;'licr:-s;·~-~;-ª-~-;:-g~·1;i-._;_-~çi;-;.;~~ 1~.~,:u0_ 0!-~;~-:,c:::.:: =~~-"~- ':/"-~0fo-.3~~
relevantes através de outros tipos de factos, eventos e condutas a ordem verdadeira. ..:------- -
2 - O processo de criação do direito move-se para o centro
de órgãos de governo que se sucedem em caso de conformidade
de interesse cóm a génese do Estado nacional moderno. Na luta
ou desconformidade com a primeira classe de tipos. Não se
com as autoridades da Jareja e do Império, do direito romano
toma necessariamente explícito no texto de uma lei que a cadeia . . . .. o
de tipos é construída com o propósito de garantir a ordem nas 71

. 70
e pos estamentos, os governos dos Estados· nacionais nascentes d&ico/exibem urna te~dência para dividir:·º próprio processo
r'
afifmam a supremacia do· Estado na criaçao cfo -direito. O .·
.grínC.ipe, como representante do Estado~ h?ma-se no leg~lador
-<le:criação do. direito em dois comp~~entes, as regras válidas e
,Ó~·actos da súa criação, é para fazer independéntemente de cada
1 _soberano. Todo o direito válido emana dele, ou ditectameilte ou 'um doscomponentes a base de construção. teórica. O ~l
;• ~de igentes a ·quem ele delegou autoridade legifeia!lte. ~,:. :~u?1 ~es~nv~lvim~nt? ~aralelo dà jurisprudência nonnativa e dJ
l Não obstante, enauanto as ênfases se alterarani, oprocesso, JUnsprudencia soc10log1ca. . . . · ·
1 de ~ri ação do direito .ainda não é autocontid() .. Pennanece· a · · 4 -- O. caso representativo da jurisprudência normativa é
l
~
/:~..:.:';teoriá pura do direito" de Kelscn. N~sta teoria, o proceSSõ
1

i · consciência de que os legisladores soberanos têm de garantir


1;

'
uma substância de ordem que não é obra deles. Este é o tip~ ·ct~_criação do direito adquire o monopólio do título de "direito'',
li 1
de construção representado por Bodin no século XVI. 10 direito "- _ or üe Kelsen combina num único domínio normativo normas
l1.i 6 reconhecido sob os seus dois aspectos de uma hierarquia de "···é actos juridicamente relevantes. A hierarquia de Kelsen cu mi-
- t.f regras válidas ~de uma hierarquia de autqridades, legiferantes:
; !I na numa norma básica hipotética que ordena aos membros da
" 1!
A hierarquia de regras válidas tem como seu estr'afo cimeiro o ~ociedade que se comportem em conformidade com as normas
direito divino e natural; sob este estrato movem-se as leis do ~-. derivadas enfim da constituição. A estrnrnra de poder artk.nla.@_
ili
,"li'I
príncipe; segue-se, então, o. direito consuetudinário, na medida.. ~a constituição é a origem da. ordem jurídica, encimada pela
.' :f- em que não esteja em conflito com as leis reais; a seguir vêm norma básica hipotética apenas para tomar inteligíveis os act2ii_--
~ n
as decisões dos magistrados, movendo-se dentro do direito tal ordenadores superiores enquanto actos em conformidade com
H•:
;
1:
. '!
,1
como foi fixado pelds estratos superiores; e na base' vêm às·
transacções jurídicas do.S súbditos·- as suas compras e vendas,
uma norma, fechaI)dO por esse meio o sistema normativo.
'· Então, o. direito.:.._e_o fatado são, segnndo Kelsen_,_do.is..
~
.,.l os seus comratos de tpbalho, casamentos, testamento::;, e etc .. .: 'i!.aspectos da mesma realidade: normativa. Uma vez que a norma
H
'~- básica hipotética substitui o di,reito divino e natural bodiniano
t.
~ ;; A hierarquia de autoridades legiferantes,. em ordem inversa,
começa com os súbditos, sobe através dos magistrados e do rei, corno estrato cimeiro da hierarquia, os problemas da ordem
e culmina em Deus. _ ., "'--- . . substantivà são eliminados. Qualquer poder que se institua a si
No século XVII, todavia, ó_ elo do pr~o soberano de mesmo eficazmente numa sociedade é o poder criador do direito
criação do direitól.corn uma sub;tâdia autónoma de ordem é e, sob a sua norma hipotética, quaisquer regras que ele faça são
notavelmente enfraquecido na· construção de Hobbes. Hobbes o direito. As questões clássicas da ordem verdadeira e falsa,
reduz a substância da ordem ao postulado da paz no interior justa e injusta, não pertencem à ciência do direito ou, no que
da comunidade. Quer a ordem resultante manifeste ou não a -diz respeito ao assunto, a ciência absolutamente nenhuma.
substância judaico-cristã, encarada ainda por Bodin, ·tal fica à Porque a única ciência da sociedade que Kelsen admite ao lado
discrição do soberano. Se a Comunidade de Inglaterra será ou . da jurisprudência normativa é uma "sociologia" definida como
r.:'..') crisL'í ·.:em a ::;er um assunto, não de ordem substantiva, mas uma ciência que diz respeito às acções humanas e às suas
de acidente histórico. tt, relações r,;:iusais. Toda a área da episteme politike aristotélica
3 - Com o progresso do secularismo e a desintegraçáo da. ~f.: não é ciênci& e, per ccrt.~eguü:~::;, n3.c ::1er~ce a ~) t~r:.ç~ 1 J de urn
j}losofia nos séculos XIX e XX, o processo de criação do direi.!_o .,~. teórico. .
_fil.cança autonomia completa, isto é, os seus teóricos afastam da ·~ 5 - No caso de tentativas para usar actos criadores de
teoria jurídica a questão da ordem substantiva. Além disso, os '\direito co.mo a base de construção teórica, é difícil escolher um
\
sistema -representativo. Aqui, nós confrontamo-nos antes com
uma 'grande variedade de tentativas de uma "sociologia" do
direito. Segundo os seus interesses, os autores concentram-se ou
1
nos processos constitucionaL e legislativo, ou naS decisÕes
judiciais aos vários níveis, ou na conduta do público em geral \
e dos seus subgrupos. Um rico vocabulário de fins legis!a~ivos
e de funções jurídicas ·expressa as múltiplas relações eiitre seres
humanos e a ordem da sociedade em que eles vivem"- um
vocabulário de paz doméstica, bem-estar e segurança social; de
liberdade é propriedade; de interesses de classe e de grupo; de III
protecção dos :fracos; de adaptação, dissuasão, prevenÇão e
reabilitação; de conduta legitima e ilegítima, s~cial e anti-social; O -COlVlPLEXO DA ORDEM
e etcO.. que os_ tem1os desta classe e as teorias sociológicas _em
que eles ocorrem têm em comum é o seu carácter pré-analítico. O direito no sentido de um aore 0 ado de regras válida~ 1
A indagação não avançou até ao ponto em que surgem os - ·-'
<leve ser colocado contexto_sucialill_Eroc~''L.fil!Lquc ~­
no·
t

critérios da ordem verdadeira· no sentido filosófico. No seu C_sD;;<Í<b."-"--pro cesso de cri aç~_j\itrfüt.d§_V e, _po_Dua vez,__
agregado, eles reflectem o inesmo estad0 de desintcgr-1ç?ío ""-'-G_Q]Q!dido no contexto~~_g~arfilll!'.ê. sy a ordcIJ!_
filosófica que é ·.rnnifesto na jurisprudência normativa. A na- su~stantivá pm rn~ste processo. O complexo todo_ é uma
tureza do direito como a ordem substantiva da sodedade não umdade de s1gmficado, uma entidade. O tem10 dzrezto, por
se tomará o obº ecto da análise se a indaaa ão arar na obser- conseguinté, mudará o seu significado confonne ele for usado
v~n6uienns, tais como a conduta dos juízes, as exigên- para significar ou o todo ou apenas uma parte do complexo'
cias dos__gIJJ.P..O_s_de_pressão, as ideologias dos movimentos ós equ\vocos causados -por esta situação apenas podem ser
~~nfomü.dad~_Qll da d~lingµéncia,_~ evitados através de uma terrninologia artificial ern desacordo
~ade da reforma__Legislativa e judicial, e etc .. considerável "corno uso quotidiano - urn processo que não é
recomendável. Por conseguinte, eu introduzirei distinções
conceptuais à medida que elas se tomem necessárias, com
cautelas apropriadas quando se usar vocabulário convencional.

-_1:';:, l':>---~·
1
§1 - Estrutura, continuidade e identidade ;lu

No_...momento presepte uma tal cautela é necessária, porque


nós devef!-1os distinguir entre: 1) o "direito" no sentido de regras
75

74
_: i

jurídicas .e do prõcesso de criação do direito; e 2) o "direito" "'"f Se-a ordem jurídica for compreéndida êomo o aiegacio de
no sentido da ordem substantiva da sociedkde. Nós falaremos egras válidas ou como uma série de agregados, todas as partes . 1
·· das duas áreas d~ complexo total como as suas áreas _o)l Iàdos ifünponentes da ordem dê'rival.)1 a· ~ma valjdade, através dos elos 1

-j~fidico e social, com a ~ompreensão de que tOdo o complexo Di~êiiadores das regras processuais, :da constituição em sentido
1

- é ·a entidade éuja natureza nós esta_mos -a explorar quando lnaterial. A ordem Jurídica constifui:-se como uma unidade
1

estamos em busca· da "natureza do direito". A limitaç_ão id~ri.tificável de significado pelas regras quê? respeitam ao pro-·
terminólógica do· "jurídico" não impiica uma limitação essen- ~~sso' da sua criaÇãci. A clareza aparente ·da: construção é,
cial, porque nós· consideramos assente que a ordem jurídi~a .. ~d~certo» pertlirbada pela questão levantada previamente que
como um agregado de regras não. tem estatuto ontológico ;e, {t_espeita ao estatuto de _regras que foram válidas segundo ·"a
consequentemente, nem essê~cia nem existência. ,. ' ~~construção e agora não o são, e aquelas que agora não são
Na estrutura desta entidade como .um todo, nóS- podemos -~>válidas mas que o serão no futuro - mas nós devemos deixar
discernir duas tensões essenciais: .1) há uma ,tensão entre, a :t ainda suspensa esta questão.- Nós reflectiremos antes sobre o
ordem substantiva da sociedade e o pro<;esso 'de criação do - fenómeno das denominadas "mudanças" na própria constituição,
direito, na medida em que o processo organizado de cria,ção do bem como sobr~ as disposições que ela possa conter para a sua
direito é, aparentemente, o meio inevitável para manter a ordem revisão.
substantiva na existência; e 2) há uma tensão entre a ordem Em princípio, sem dúvida, o mesmo argumento aplica-se ao
substantiva da sociedade tal como existe empiricament.e e uma e agregado de regras <?Onstitucionais tal como se aplica a todos
ordenÍ substantiva verdadeira, perante a qual a ord_em· empírica os outros subagregados de regras válidas: o agregado não
é i::suficiente. . .· . "muda" através dá entrada ou saída dê regras, mas é transfor-
Por e ·a, nós trataremos apenas da primeira destas tensões, ;, mado num agregado diferente. Com os processos constitucio~
a orientação da orddm jurídica como um meio para alcançar - nais, todavia, nÓs alcançámos o cume da hierarquia de regras.
ordem substantiva na sociedade. Desta afinidade algo complexa, Não há cqnstituição acima da constituição que ligue uma série
além disso, nós escolheremos primeiro a inclinação da relação de agregados constitucionais numa ordem jurídica da mesn:ia
em direcção ao lado social do complexo. A questão da ordem . maneira que os subagregados legais estão ligados pela consti-
jurídica válida deve ser agora re-examinada. Tendo encontrado :~ tuição. Nós chegámos à fronteira em que o problema da
na sociedade o 'algo que atribui a importância da existência no validade já não pode ser resolvido intra-sistematicamente atra-
tempo à ordem jurídica, nós devemos perguntar de novo: o que .. vés do retorno a µm agregado de regras processualmente
é que nós queremos dizer com "o direito" quando falamos do ~- mais elevado. Nós confrontamo-nos com o fenómeno de que
direito americano ou italiano, ou da história do direito civil ou a validade do direito tem a sua origem em fontes extra-
administrativo francês? Obviamente, nós não queremos mera- jurídicas. -
,:1 ::r:e diz-er o 3?-:regado de regras .'álidas ou a série de agre- · .. ~te momento, destaca-se mais de uma linha de análise. Em
gados, mas deix1nios fluir Dm·;; ~! J~_1.illgL.:i'.;c1'L •'::.• _,;;r >Jcl:)O_- · • nó::,::i:-.:::; 1,,~'.'.,... '.l --~"'01:-l::m? vode
.
ser eliminado através de uma
· ~te de_2ignificado que brota do 1lado social. 7 .
;~ ~ '--"' -

'.~.~-'.const~çb~o do jr-"l.J tlUt_, í(~cls~.~ ten:ou c·~'nl a :::t~[i .'.\C:~1 1 ~~ l1f..~:~::~


- O efeito peculiar de inclinação para o lac:Io social tomar-
-se-á aparente e inteligível se nós reflectirmos sobre certas
< hipotética. O propósito da construção é encimar com uma norma
_os processos nos quais a constituição teve origem. A nonna
questões de fronteira do direito constitucional. _hipotéticc;t confere validade jurídica à própria constituição e
0•0

76 77
. ~-=..

·e-:
fecha. o "sistema" jurídico. Esta construção d~ye ser rejeita_da 1 .·Estes fenómenos de adaptação dão agora origem a questões
por sà analiticamente sem sentido. Ela não analisa nada mas .ff respeitantes à identidade de uma ordem jurídica. Se nm país
mutila a indagação à natureza do. direito. Em ciência,_ nós *: emerge de_uma....rev.oluçã0-có.riLuma...constituição..J10:<.rn,_cria.9a
estamos interessados no estudo da realidade, nãC? na ·construÇão . !t por processos nãQpie:cistos..na..co.nstitu.ição_àn~erior, uma ordem
de um "sistema" que preclude o seu estüdo. · 1, jurídica chegou_?_º seu fim e_em.ergi.u_:_un:H.LllQya. Se, em face
a
Uma segunda linha abre com diferenciação de 13odin da j deste fenómeno, nós adaptarmos a construção do direito como
hierarquia das normas para o processo de criação do direito em i=_:-_. .,· -~· .· .·
um agregado de regras válidas derivadasdda c?n~dti~uição, crfie~
.
1

direito divino e natural. Aqui, nós atingimos de. facto novas ~ · · garemos à conclusão de que com uma or em JUn ica nova 01
áre~s da realidade, isto é, as fontes de autoridade de que o ~i! - c·riado um "estado" novo nada idêntico aõ "estado" velho ·
direito deriva a sua validade. Nós não seguiremos agora este t.~.,_· [ vige~te] sob a constituiçã~· anterior. Tais construções foram de
caminho, todavia, mas adiá-lo-emos para posterior Fxplotação; facto tentadas e levadas à sua conclusão lógica: que a validade
para al§m das autoridades a que os símbolqs "direito natural de uma lei embora ela tenha sobrevivido inalterada à revolução,
'
e divino" se referem, há uma fonte ulterior. de autoridade, a ~* não deriva da velha mas da nova constituição. Independente-
autoridade do poder social organizado. Bodin leva esta autori- ·~ mente da permanência do corpo principal de regras jnrídic.as,
~;
1
dade em conta na sua filosofia do direito quando ele permite uma ordem jurídica nova será criada quando a continuidade.
\

ao príncipe derivar o seu poder soberano de criação do direito. ·:~t,º constitucional sofre a interrupção revolucio~ária. Disposições
da sua espada, bem como de Deus. Os "poderes fácticos" :~: jurí~icas especiais terão de ser criadas para ligar o estado novo
conferem validade ao direito quawlo o decretam, e eles têm o l_ { com o seu predecessor, -se tal provar ser ddejável. Os governos
primeiro direito à nossa atenção porqúe a estrutura qé poder de ~; 1 revolucionários demonstram frequentemente simpatia por esta
uma sociedade é a realidade que se toma juridican~ente articu-
lada nas regras da constituição em sentido material. .
As regras de urna constituição tentam criar uma ordem
estável para uma sociedade ao , colocar o poder ordenador
i ~~:
construção, porque lhes parece dar o direito de repudiai itS

~:;~~a~ee:l ;:;ú~~~;:~o ~º~~;';~~~ ::~~~=~:::~~~:2~~s~:ir~~


ern que as s~bstituições revolucionárias da ordem jurídica não
supremo em órgãos de governo que representam a articulação ~: abolem tais obrigações; que a sociedade que sofreu a mudança·
actual de poder da sociedade. Se os autores da constituição ~- -.. _n~ sua· estrutura de poder é ainda a mesma sociedade; e que há
( diagnosticaram correctamente a articulação actual de poder da ~: uma continnidade entre os governos pré e pós-revolucionáilõS

j sociedade; se, além disso, eles forem bons peritos· e souberem


como. dar articulação juddica à realidade de poder da sua
, sriciedade; e se. finalmente, a estrutura de poder que se inscre-
_• \- proporcionada pela continuidade da so~i~e.
;~-
LVE>~ na constituição ~()[ ·.::st;'.·;::l, .:;nt'.fo a re,.nstituic3n perc11::-2r2. §2 - A luta de Aristóteles com o problema da identidàde
Pondo de lado as questões do diagnóstico correcto e daperícia,
a constituição não perdurará se a estrutura de poder for instável. Aristóteles foi grandemente ür+ __Ti11112~io p0r csté1 c1a:;~~ 0e
Nesse caso ocorrerão eventos mais ou menos violentos, e as problemas. Ele aplicou à polis as categorias de forma e cic
regras constitucionais terão de se adaptar à estrutura de poder substância, presumindo que a constituição, a polit!!!_a, fosse a
variável através de costume, interpretação, revisão formal ou forma. Ele desenvolveu estas categorias quando examinava as
substituição completa. · . naturezas d.os artefactos, dos organismos e da acção intencional.

78 .79
..
~:~-·e·~-.~· ,,..-·~'"··-~---~~

'.

Embora adequadas a estes modelos, esta? categorias criavam )irgúmênto apàrerítement~


muito ~o favor dos chefes das facções
:dific~ldades quando aplicadas à polis. o ~ue era· a: substância ~4emo~ráticas? Para Aristótéles~· as respostas· a questões .desta· , ...
· da ?Ociedade, · se a constituição era a sua forma?. S~iam os ,;;;~~atUréza dependem. da ~esposja ·à questão iJ.ltima: queremos nós .
- cidádãos? Nesse caso, quem seria ddadão?--.Séria -cada um 2Jalar de uma. polis comó a mesma. polis, contanto que Q_Q,QYQ.. .
-·contàdo como um cidadão de~de que fosse u~·residente pei'ma- - :/·~e o seu domicílio permariéçam os mesmos, apesar do facto de

nente no território da polis? Mas então os escravos e os metecos ·· .:(gue os mem15í:os da-pofü são um fluxo de g~rações, um fluxo
seriam· ddadãos, e. esse costume P.Staria ~m conflito· com à· ;;'~de seres humanos nascendo e morrendo, e assim nun_ca_s_ão os

linguagem pré-analítica quotidiana. Deveria.· um homem ser "I níesmos de ·dia nar.a.._1:lia?
contado como um cidadão apenas se ele pud.esse partiCipar .no ., '' _ · Aristótel~s ~~nduz este argumento, a partir do lado social
processo governamental; senão núm cargo elevado, então 'ao ·'.·.: .. 'da qrdem, em direcção ao mesmo impasse zenónico em direcção
· menos votando em assembleia? Essa definição, toda~ia, incorre ·· · · ao qual, no princípio desta indagação, nós o conduzimos a partir
na dificuldaªe de que nem todas as pole__is têm ,a forma de uma . . do lado da ordem jurídica válida.· A sociedade é uma entidade
democracia. Numa tirania ou oligarquia:· nem. todos os homens composta por seres humanos. Se nós tentamos identificar a
livres .terão o direito de· voto em assembleia, embora ,eles não~-. sociedade com a sua qualidade de membro, então, por causa dos
percam, como consequência, o seu estatuto de cidadãos e seus diários acréscimo e decréscimo por nascimentos e mortes,
desçam à categoria de metecos ou escravos. Não obstante nós não encontraremos uma sociedade com existência contínua
. ' no tempo, mas uma sociedade nova todos os dias . .A p;lis deve
embor:a admitindo que a definição do cidadão como um homem
que participa no processo governamental se adequa· melhor a ser, por conseguinte, definida em termos, não de seres humanos,
· uma democracia _do que a outras formas de govenio, Aristótel~s mas antes de cidadãos como a substância da sua fonna; e a fonna
não pros.:. .:gue mais, além na análise, porque ele quer reter a -~erá a constituiç~O. Se a co12sti~ão_ é ª..J~2'2;EQ!fs é a~~~~
forma governamentâl, a constituição, como a forma da pot~s. mdependentemente do acréscimo e do decréscimo da sua substfu1cia
Fazendo-o, todavia, ele tem de definir os cidadãos , a substância ~fo cidadãos. Aristóteles termina a análise com a segurança de que ·
.

que preenche as formas, como pessoas que têm um lugar e uma nada disto afecta a questão de saber se uma polis deverá ou não
função dentro da forma. pagar as suas dívidas quando a constituição, a politeia, muda_ Ele
A construção conduz, então, à dificuldade ulterior de iden- deixa esta questão pendente, quando deixa pendente a questão
tificar uma polis. Se a constituição é a forma da polis, e se uma .do estatuto dos cidadãos sob uma constituição oligárquica ou
coisa é ontologicamente constituída pela sua forma, o que tirânica em que eles não participam no processo governamental
acontece a uma polis nas frequentes revoluções nas cidades- · e, também, a questão da existência contínua de Atenas através
-estados gregas da época ge Aristóteles? Há uma polis nova ·das suas numerosas mudanças. de constituição.
sempre que os oligarcas derrubam os democratas, ou vice- Os argumentos aristotélicos .são de interesse considerável
-vers<,? C;i sr:-:cá A terias, apesar da~ rupturas na continuidade da para a nossa análise, porque neles nós encontramos de novo o
. sua forma consli<uciom.í, air;•ia ,\.tenas? De modo mais imnor-. paradoxo zenónico. A partir do impasse paradoxal da validade
~
~:cs ;.e:gxc.s
. . ·~·
jl~r:<..:.1c:1s, ~
..JOS seus agrega<los e da sucessão de
tante, é a polis que age quando um governo oligárquico co1;trai
uma dívida, ou podem tais dívidas ser repudiadas por um agregados, nós buscámos refugio na sociedade cowa o c:.'.;0 .;_u;;
govemô democrático sucessor porque as oligarquias represen- existe no tempo. Aristóteles descobre a sociedade como um
tam apenas interesses privados e não o bem comum - um fluxo de seres humanos no tempo, que nunca congelará na

80 81

t
-----

-_fenó~enos pré-analíticos a fim de evitar as interpretações erra-


ident_idade de uma sociedade de qualquer dun1ção no tempo,_ e
das. Nós podemos obter alguma aj:ida para c~mpreend.er
as

ele busca refúgio na constiruição como a f6rrna que dura


relações entre a ordem jurídica e a realidade social a partir das
-situações fenomenais em que ocorrem revoluções na estrutura
\
enquanto a sua substância, os cidadãos, muda no tempo. Isso
é multo 'desolador" A análise aristotélica parece cortar a riossa
de poder sem uma ruptura na continuidade jurídica. No_ s~culo 1
l
XIX e no coméço do Século :XX, por exemplo, a trans1çao de
saída para a sociedade, e a nossa análise jª-.ç_o__rto:u 'a saída da_
· uma monarquia absoluta para uma monarquia constitucional
sociedade para a duração da ordem jurídica g_11e culmina ria
representativa foi efectuada, mais de uma vez, tendo o monarca
- ~nstituição. Não obstante, nós não precisamos de ~:.;sesperar.
-absoluto de impor a constituição. No caso de uma tal constl-
Aristóteles era um mestre da análise. Se os seus resultados são
insatisfatórios, ao menos a sua análise revela, como qualquer
tuiÇão- 01:1torgada, pode-se- formular a questão de a sabe~ ~e~
ordem jurídica resultante deriva a sua validade da constitu1çao
- análise tecnicamente bem conduzida revelará, a causa da difi- nova ou do decreto de proclamação do monarca absoluto que
culdade. A causa da dificuldade é a transferência acrítfoa das impõe a constituição. Os chefés das forças políticas que extor·
categorias de_ forma e de substância ar_a don:ínios ?-º ser _para quiram a concessão do monarca derivariam a validad.e_ da
os quais elas não foram desenvolvidas. · constituição nova da autoridade dos novos poderes poht1cos
_,~
'
Esta transferência conduz a dificuldades, não só na política efectivos. O monarca -estaria inclinado a derivá-la da sua
de Aristóteles mas também na sua psicologia, quando ele tenta autoridade intocada e reivindicaria o direito a revogá-la, se
elaborar uma forma noética da alma. O que conduz, por sua necessário nà interesse do Estado, em virtude da sua autoridade
vez, a dificuldades infinitas na antropologia e na psicologia da_ continuada. Ainda que os dois lados pOssam discordar assim
escolástica medieval, em que 'a alma é usada na especulação sobre o probiema político, e.lcs concordariam guc_'1_validade Qa
como a "forma" rlo homem. No casó em apreço, a transferência ordem jurídica culminando -na constituição ·tinha al o-~ma co1s~
impede Aristóteles de conjugar adequadamente a sua teoria da a ver com a autoridade do oder clítico na sociedade. E
"forma" da polis (na Política III) com a sua teoria da natureza compreensivel, por conseguinte, que os chefes dos movimentos
da polis (Política I). Ele analisa insuficientemente o problema
constitucionalistas no século XIX tivessem pouca simpatia pelo
do processo de criação do direito culminando na constituição, .. método da .outorga, pois ele criou uma situação equívoca
e nunca clarifica de todo a conexão- deste problema com a ordem
Fenómenbs ilustrativos ulteriores são fornecidos pe~as par-
eh polis que existe continuamente no tempo e é para ser ---.relativamente à fonte da autoridade. _ -
garantida pelo processo de criação do direito, quer ele seja ticularidades que rodeiam as políticas de criação da constituição
democrático ou oligárquico no cume da hierarquia. Estas obser- na revolução nacional-socialista alemã. Uma vez que; -na psi-
vações devem servir como um aviso. Nós lidart1os com um cologia das multidões do século :XX, a "legalidade" exerce
problema que até confundiu um Aristóteles. Nós devemos tJmar :oitraccão sobre as massas, a chefia nacional-socialista teve o
o maior cuidado em vigiar cada passo da análise. ,,1- · ,:l">to _, -' ~·.,Jo,~.t::ir· 1 '; reEJ:."8S constitucionais à nova estrutura
... ~ ...! "-
r., _ ~
.._;V -~ 1..-J:' '--'" - '
t '
de1 poder' por meio dos p rocessc:· de re , ""º foc<"''"' ,;e.., pela
Constituição de Weimar. (O mesmo método foi u~ado ante;i~~­
§3 - As questões de fronteii-a do direito constitucional mente, ao menos por um tempo, pelo governo fascrsta_na Itaha.)
O résultado - foi Úma inundação de monografias pelos
A identidade [continuidade] da ordem jurídica está obvia-
83
mente eriçada de problemas. Nós devemos recuar para os

82
•, :-:- --

constitucionalistas alemães, alguns alegandp que a Constitllição·· ··J ~yq~~stões delegalidadé:e de c.onsÜtucion~lidadé estão s~bor- · ·
de· Weimar estava ain.da· em vigor, mitrcis· alégápqo que { ~ >~
: mudança revolucionária ria estrutura de poder criara: um,a cóns:. : -~ -~
. inadas·. às questões de c;riar ·e ordenar a nação não deixam
-tifüiÇão nova, apesar dos jogos da legalldade~ 't:Jeste êxemplo, . ~'-~ -ri.el}huma dúvida_ sobre d~ que lado se-sitUa o peso do fenómeno
·complexo do direito. .· .·. .· · .
-tomou-se um problema áinda mais candente saber se a identi- · ·- -~~
dade da ordem jurídica devia ser interpretada em termos da .~~
-~::· A variedad~ de exemplos terá, âo menos, clarificado uma
;qüestão acerca da natureza do direito. A ordem jurídica, no
i--- validade· processual intra-sistemática, ou ém termos da àutori- · }]
dade que emanava da estrutura de poder. da· sociedade. . . - séntido de um· agregado de regras válidas, não e de todo um
Um fenómeno importante é, finalmente, fornecido pela ·'.óbjecto indep_erui.ente_de indagação Ele é parte de um fenómeno
_'mais_ amplo que inclui, entre outras coisas, os esforços dos seres
..·- história.. da_nQSS.?-. pJ_(}pria ConstituiÇão. O processo pelo qual' a
<~~§~tituic;;.ão d~}foi criada não fora fornecido peios Artigos .. humanos para estabelecer a ordem numa sociedade concreta. O
-~ fenómeno mais -amplo, outrossim, não é um composto de partes
da Confe_deração. Em termos da vali_dade _proces9ual, a Conven-
ção de Filadélfia era uma assembleia revolucionária e a cont'i- ? nitidamente separadas, tais como as regras válidas e os proces-
nuidade da ordem jurídica fora quebra.da. Não obstante, enquan-·::.~- · ·... sos sociais. A estrutura actual de poder com a sua autoridade
to o termo revolução é usado ordinariamente em conexão com .entranha-se na validade das próprias regras. As controvérsias
os· eventos de 1776 e anos seguintes, ele é muito pouco usado podem, por conseguinte, surgir· se a validade de um dado
em co~exão com os eventos de 1787 - apesar do facto de ·que agregado de regras deve ser interpretad_a sob o aspecto ou de
a continuidade constitucional foi quebrada e que nem ·todos os legalidade ou de alftoridade política. ·
meios-para ·alcartçac a· ratificação dá Constituiçao nova nos _ /\. r_elação peéuliar entre os dois componentes torna-se
· diversos estados caqiam nas categorias da delicadeza e da . :~ especialmente clára em càso de conflito. - Sob circunstâncias
razão. A peculiaridade tornar-se-á inteligível se todo o período, :::; normais, podemos dizê-lo; os processos de revisão inscritos
a partir do começo do movimento pela independência até à ,. numa constituição serão suficientes para absorver as mudanças
elaboração da Constituição de 1787, for considerado um pr~~ ~, ~enores na estrutura actual de poder e para fornecer o continuum
c~ss<J social em que a nação em crescimento, serpenteando pelas
''.de validade que expressa, do lado da ordem jurídica, a existêI).-
dificuldades das relações intercoloniais e interestaduais e pelos .: eia continuada da sociedade que tem essa ordem. Quando as
esforços da guerra, ganhou a sua fisionomia de poder e, depois ·.·· mudanças na estrutura de poder alcançam, não obstante, pro-
das experiências insatisfatórias com o Congresso Continental e '. porções revolucionárias, uma ruptura no continuum da validade

r
os Artigos da Confederação, encontrou enfim a Constituição .. parece, às vezes, desejável como a expressão adequada para a
que era válida e, ao mesmo tempo, expressiva da estrutura de ·. rupn:ra no continuum da estrutura de poder. As rupturas no ~

. pode: autorizada da nova nação. A génese da . Constituição • contrnuum da estrutura de poder são, todavia, fenómenos no
a•-:c1enoma cios .twentos ocorridos entre 1776 e 1787 fornece :·interior do continuum da sociedade. Os goyernos revolucioná-
talvez a melhor lição parn o ,,:-~scimerito do poder autürizadc { rios podem frequentemente não reconhecer este continuum e, às
numa socieâ.ade nova, acompanhado como foi por uma habili- -é ''ezi:s, s'~~;'t necessária a oposiçfo no cam;_Jo da política externa
dade soberba no delinear de formas jurídicas parã a estrutura ~·para lembrar a um governo revobcicnário que um ::ontinuw;z ;

estável. O caso é de importância especial para. a nossa análise, _-~do d~reito,_ em paralelo com a sociedade contí~ua, existe de facto )
porque o protraimento do processo social e a maneira em que :. e nao foi quebrado pelos eventos emoc10nalmente supra./
· ·_?estrutivos e supracriadores da revolução.
84
85
N

JIBGRA E NORMA

Nós confrontamo-nos com a aporia seguinte:


Por um lado, o direito manifesta-se fenomenalmente numa
pluralidade de ordens jurídicas compreendidas como agregados
de· regras válidas. Estes agregados resistem à análise sob as
categorias de essência e individuação. O obstáculo prova ser a
validade que permeia a ordem ·uríd. a é cada reora singular.
-- Quan o a análise persegue a validade até às suas consequências,
todavia, a ordem jurídica desaparece totalmente da existência no
paradoxo zenónico. Jienhumas certezas sobre um domínio de~
nonnatividade podem conferir estatuto ontológico à ordem ju-
~ --
Por outro lado, o resultado está em desacordo com o~
.c~'.}(i~;_~D:'c; s;t_1:":_2-t_e.:;ta_mª-ªL~t_~ci_a.._ªo "direito
na linguagem

adm1mstrativas e judiciais formam mr. corpo literário, aumen-


tando prodigiosamente sob as necessidades legislativas e admi.:
nistrativas das sociedades industriais modernas, às quais nin-
guém negará existência. O "direito" existe tão maciçamente que

87

.-.-~----- -- -
..-.::.
~ip~essa pela regra.As regras,- podemos c~ncluir;yodem ter
nós temos escolas profissionais; as faculda~es de direito; orga- sé
Jh1a fun ão· na sociedade apenas· houver situa ões e eventos
• ni~adas com o propósit_o de familiarizar os futuros juristás tanto reconhecíveis típtcos, se as situaç.Q_es e os eventos se repetirem,
_·quanto possível com o fenómeno. gigantesco _no deémso de :e-·se eles se repetirem eDL.conexão com uma tal frequência que
pqucos anos. ···-. :~~própria conéxão ad9.uira o carácter de umJip.o_n:J:Qnh_~ível
A saída da aporia começa com o reconhecimento de que . ;e: possa ser expressa em "regras". , .
'.; ('rdem jurí ica, am a que não tenha estatuto ontológico fr:~- · Realmente, a ordem de uma sociedade tem uma estrutura
próprio, é \ífarle do prod;ssõl pelo gual uma _sociedad~ dá a si !~discernível de el~mentos típicos, de--Situacões e eventgs típicos,
mesma existência e se preserva a si mesma em existência -.:-e. de çonexõe0ípicas entre eles. Cada relance à ordem jurídica
ordenada. A entidade mais ampla é o objecto da indagação,'; e ',~ de qualquer sociedade revelará a estrutura típica que está
a ordem existe 9.e facto na medida em que é parte do·.complá.o _:::~_: submetida à regulamentação pelas regras. Há complexos amplos
mais amplo. Nós averiguámos, além disso, que 6· peso na :Jf:'!f.~. repetindo-se nas ordens jurídicas tais como os direitos civil e
~ntidade 92mpreensiva está no lado social. Presumindo estes l~J? criminal. No direito civil, por exemplo, nós encontramos
.
resultados da indagação ~natureza do direito como esta~eleci- ·-.. ~,~f subcomplexos típicos tais como o direito das pessoas, das
··
dos, questoes ulteriores surgirão agora acerca da maneira em -'.~J:t~~.:. coisas, das obrigações, do casamento e da família, e da suces-
que a ordem jurídica e as suas regras participam na existência -::_;';l. ~ são, cobrindo o estatuto dos seres humanos, as suas relações
da sociedade ordenada. A _primeira destas questões terá de· ser
uma radical: como é ontologicamente de todo possível que as J~t ~~~e 0:r~t":,;e~;:;,d~u:~t~:~~~;;s s~:~i~~!:~:e~ªe~~~~ª~ª~:
regras tenham uma função' na existência de uma sociedade e_da ~~<~~ morte. Se a s~ciedade fosse um fluxo ámorfo, sem uma estru-
seu processo ord;;;;dor? ~~~- tura de elementos constantes e repetições, as regras não teriam
: utilidade porque não tériam campo de aplicação. As reg~
· ~odem ser usadas no processo o~adoLp.orque_a_ordtlJl da
§1 - A regra e a durabilidade da ordem sociedade tem uma estrutura que dura no tempo.
Nós falaremos do carácter "durável" da ordem para que
Nós devemos recorrer de novo à compreensão pré-analítica não haja confusão entre este problema ontológico e a questão
das regras ou leis. Quando nós dizemos ue aluo acontece "em das normas aerais e individuais. Nós falamos de uma regra geral
b
regra", queremos dizer que frequentemente um evento E ocor- se os tipos criados pela regra se aplicam a um número inde-
rerá semp;e que haja a situação s. A s1tüação s tem o papel finido de pessoas, acções e situações; de uma regra individual
·ae uma condlçao para. a ocorrência, com uma alta probabilida- se ela respeita a pessoas específi~as e às suas acções. _Quer a
de, do evento E. A regra, declara"ndo a coneJ..~, regra seja geral ou individual, ela a enas ode funcionar ç_or~
; >'

expressa uma observação estritamente empírica. Nós não pre- a realidade a que ela se aplica é durável. Não faria sentido para

·-· '""'
· r. - .,,_,,,.~;~
1 ' ':" ·' ---"·-1 qu-~ S e, a "r.--su:,a
P - " d e E , que e' d eseJave
.' l 1\ ~- B. disputar ~- ~:·:<;r·:i2-~2d~ d-:: 1:r:1 l·wm se os bens disputados
que E se síga a· S, ou que E "deva" ou "não dev;:;_'' ccGrn:r tivessem o hábito de se eiapcr::.:en• '.';~ü 1ac~ (~ ~u1a 6cc:.isão
sempre que a situação S esteja presente. Tudo o que nos judicial. O mesmo é verdadeiro se a organização da vida das
interessa de momento são as implicações ontológicas da regra: pessoas A e B mudar tão rápida e radicalmente que a questão
que a situação S e o evento E são reconhecíveis, que eles se de quem tem o bem disputado não tenha interesse nem para A
repetem, e que se repetem com uma alta frequência na relação
89

88
-. ·_-- ...... :.
áistência-intelectual e espiritual na sociedade política. Aqui,
\:
nem: para B. A' d~~isã.o individualno caso c~néreto apenas faz
está também o domínio do ser - sociedade e ordem - , onde
o essencial se pode distinguir do não-essen.cial. Não obstante,
ainda que seja agradável ter alcançad9, por .fim, a~go que se
sentido sob as condições que as vidas de A e B tenham uma
certa-duração; que as vidas tenham uma organi.zação ·com
parece com chão firme, nós devemos lembrar a luta de Aristóteles
aspectos estáveis; ·que as condições materiais e às relações com o problema da forma e da substância na sociedade.
humanas nas vidas de A e B sejam assuntos de interesse
durável; e etc .. Este carácter durável toma-se especialrr1ente
Alg~mas reflexões clarificarão este ponto tanto quanto é pos-
claro quando uma p~ssoa A solicita uma providência ·cautelar sível.Na Política de Aristóteles o estudo da natureza da polis
a um tribunal, como no caso de uma injunção. É requerido ao
tribunal que mande outra pessoa B não se empenhar em tipos
l)
(Livro não está propria~ente
ligado com a análise da forma
da polis (Livro III). A natureza da comunidade humana desa-
de acção que possam perturbar a estrutura durável da vida de
A ou algu~a parte dela, como, por exemplo, uma acti~idade brocha plenamente na polis, porque a polis fornece o ambiente
social para o pleno desabrochar da natureza humana. Apenas
empresarial; - e a injunção é necessária a fim de' prevenir a uma comunidade de tamanho e riqueza suficientes permitirá
perturbação antecipada, porque a vida da pessoa B tem também uma divisão de funções a um tal grau que o bios theoretikos
uma organização durável que está carregada com a potencialidade
seja possível, ao menos para aqueles que desejem vivê-lo e que
continuada de acção perturbando a vida de A.;f . estejaÍn dispostos a _suportar as suas canseiras. A polis _é
A durabilidade da estrutura permeia a ordem da sociedade
definida corno a comunidade em que há espaço para a orgam-
na existência concreta de cada membro singular; e esta concreção
zação da "vida boa" (Livro I e Li.vro VII; 1 a 3). No uso comum
da ordem durável nas acções diárias de cada ser hurnan·J torna
dos seus termos por Aristóteles, esta "natureza" da polis tam-
. ·necessário que luja mais do que meras regras gerais para tipos _
compreensivos de situações e acções, omitindo os pormenores bém deveria ser a sua "forma".
A análise da forma no Livro 111 choca todavia com o uso
como "não-essenciais". As decisões individuais nos casos con- comum sinónimo dos termos - e este choque aponta para o
~~1~_ç_e_~s_áÜ-ª~-P-orgue a ordem durável da sociedade é P,oblema de que ~dem de uma polis não é inerente à .e~Us
essencialmente concreta como a ordem nas vidas dos membrÓ_s_
~ingulares. socied~nós -- da maneira que uma forma organísmica é inerente ao espec1me

podema~ dividi~
A partir do lado da estamos a che;,;f de uma espécie de planta ou animal; mas, antes, esta ord.em
de-novoão problema da validade. Nós não ã_ requer a acção humana para tomá-la inerente. Além disso, as
ordem jurídica, como vimos, em regras esse11ciais e não-esse11-'_
forças que fornecem esta acção numa sociedade podem mudar
ciais. A validade é da essência da ordem jurídica em cada regra a sua estrutura sem prejudicar a identidade da sociedade em que
singular; e este carácter e etrant a va · · mjmí- as mudanças ocorrem. A organizaçã.o do processo de criação do
~i~~~-se agora como exprimindo ~cncrecão P-enetrante .~c.ífic
·fü·:;'o, :1ÓS ~h~ rh2m~mos, e a configuração das forças
ordem -~·1::0vel da sociedadê"1 ;ro,~c:.,~ .\c.11~~
----------
l
Ha °'-- sociais que accion;im o .1 ' ) t:;i1 T() 113.0 s?.o
A estrutura durável da -~ · dem é a estrutura d" x_i..sú&Í.<L_
idênticas com a natureza da ordem na sociedade. inevitavelmen-
humana na sociedade. Esta estrutura é o assunto da episteme
te, a questão deve ser formulada: se a sociedade e a sua ordem
politi.ke no sentido aristotélico. Os componentes principais da não são idênticas com uma dada constelação de poder e o seu
estrutura durável são a organização que o homem faz da sua processo de criação do direito, que distância devemos nós
existência fisiológica em família e lar, da sua existência utili-
tária através da divisão do trabalho e comércio ' - e da sua 91

_,.··,'

90
-
dever em sentido ontológico

p~ercorrerna ordem da sociedade para encontrar -a unida~e ___ ... As regras podem ser usadas para a ordenação da sociedade
derradeira da qual as constelações de poder do momento sao ~;:~porque a ordem da existência humana· na sociedade tem o
-apenás subdivisões? · . . _ -. . .-/_'carácter de durabilidade. -Uma vez· estabelecido este primeiro
·Esta questão abre um campo vasto de. mdagaçao, CUJQS '!:;{ponto, a questão seguinte é: como são usadas as regras com o
pomi~nores estão para além do alcance d~ nossa análise. -_ propósito da o~dem social? Na secção prece~ente, nós tivemos
Apenas o ·esboço. do problema nos diz respeito. · · _(': de salientar a natureza de uma regra como a observação de
Aristóteles via naturalmente. que o hori:onte d0 _,,pa .regularidades empíricas nas relações entre sitúações, eventos e
soci~dade é mais am lo ue a constela ão de oder do momento. acções. Uma regra jurídica não pretende, todavia, ser obviamen-
As poleis helénicas tinham sequências típicas de conste_laçõ~s te uma proposição que possa ser verificada ou falsificada -
de pode~ e "fonnas de governo" correspondent~s, :~_gumd~ o · mesmo que a existência de u~a regra jurídica pennita frequen-
ciclo de realeza, aristocracia, revolta popular, tuamas do tipo -.•--- · temente a predição, com um alto grau de probabilidade, que as
da de Pisístrato, oligarquia e democracia de vanos graus de . g.~-- acções humanas se conformarão com ela. ,_As regras jurídicas
radicalismo. Não é a "forma de governo" singular, mas a ··- retendem ser "nom1as", e o seu propósito quanto à ordem
se uência .com leta de formas ue é a unidade mínima de social é "non11ativo". Tais fonnulações entram, agora, facilmen-
observação para ambos, Platão e Aristóteles. O ciclo das fom:as te no uso pré-analítico, mas elas estão carregadas de problemas
de governo na polis toma-se o objecto da indagação. As teoi-ias espinhosos·. Nós notámos previamente, por exemplo, que os
cíclicas modernas vão consideravelmente mais <!lém ao alargar códigos modernos raramente são concebidos em linguagem
o· horizonte da sociedade e da sua ordem. Numa teoria como nom1ativa, e que as definições e descrições actuais dos tipos
a de Toynbee, não é a polis helénica ~i~1gular, a cidade-estado devem ser iI).terpretadas como nom1as, usando índices contextuais.
mesopotâmica singular, ou o moderno Esta · · ílj A análise deve, por conseguinte, tentar isolar o componente
que -é a unidade da ordem, mas a sociedade civilizacional - normativo no significado das regras jurídicas.
abranaendo uma variedade de tais subunidades com o todo da As regras devem ser usadas na ordenação das sociedades
b
sua dimensão histórica. Para além da ordem das sociedades porque as sociedades não são indivíduos de uma espécie de
civilizacionais amplas, assomam os problemas de uma ordem de planta ou animal corri urna génese, florescimento e decadência
toda a humanidade - problemas que se tomam agudos em organísmicas. As sociedades dependem ara a sua génese a sua
vários tempos na história da humanidade quando as sociedades existência harmomosa continuada e a sobrev·vência das ac ões
civilizacionais chocam umas com as outras, se conquistam dos seres humanos componentes A natureza do homem e a
talvez umas às outras, de maneira que impérios multi- liberdade da sua acção para o bem ou para o mal são factores
civilizacionais como o romano se tomam, sem dúvid~.1, unidades essenciais na estrutura da sociedade. A ordem da sua existência
"8st2c: rle ordem social. Ainda que os ponnenores não nos digam 1:.fo é l1e.rn um mecanismo nem um organismo, mas depende da
_, J).110 disserú0S; O f;li:· :í:_;i,--i r\c::t.:~ l·,c:·i.'':J:";~~s. sl:w~<ir,.- vontade dv; ho,_nens p<Ha cr1f,-lz. c; E!~;- ,fr:;so, a o~dem
do-se enfim ao horizonte da humanidade, é Lk consiC:erá·;ci de uma sociedade não é um ro ·e.::.to ara ser traduzid~-com­
importância para os problemas da ciência do direito, como nós boa vontade, para a realidade. Ela deve ser descoberta - com
uma amplitude de imaginação e experimentação, de tentativa e
veremos:
93

92
~-~­
v··
f~{
erro; ela requÚ áperfeiçoamentos-e-deve ser adaptada a circuns- ~.. -ord_em social são mais do que observações empírjcas acerca das
tância·s _mutáveis. Há a te~são previamente meneio-nada na ~- regularidaaes--ae-acção. Uma vez que o problema da ordem é
ord_e~1_ _!.mcial entre padrão e realização, entre realização e l_]:_- precisamente a tensão entre a conduta empírica e a ordem
potencialidade de irrealização, entre um tactear pelo conh'eci- ~.·=_~.-. · verdadeira, as regras jurídicas, quer elas sejam regras gerais ou
mento da ordem e a cristalizaÇão desse conhecimentb ·em regras ~cv:-~ ~ regras individuais para as -partes num .caso concr.eto, têm o
articuladas, entre a ordem como foi projectada e a ordem como :?.• carácter de projecfos de ordem. Quer a regra empregue ou não
foi realizada, entre o que deve ser e o que é. " -~·- a fórmula "Farás" ou "Não Farás", ela tem esse significado
A fonte derradeira, irredutível, desta tensão é. um conjunto j.;. ·,_quando projecta os tipos a que a conduta dos seres humanos
de experiências que, numa análise da natureza do direito não s-!li
se· supõe conformar-se. A chamada "nornrntividade" da regra
podem ser mais do que esboçadas. . ' ~. derivâ, .. por_ conseguinte, da tensão ontologicamente real na
· O homefr!. tem a experiência de~ através da sua
1
?-
,:r_. __
· ordem da sociedade.
existência, numa ordem do ser que não só o abrange a si mesmo, t:..::. Nesta nom1atividade devem-se distinguir os três componen-
mas também Deus, o mundo e a sociedade. Esta é a experiência Í:: - tes seguintes:
~
que se pode tornar articulada na criação de símbolos da ordem :/.<
·~~-

penetrante do ser, tal como os previamente indicados maat ~~~. 1 - A regra, quando descreve um tipo de acção a que os
eg1pcio, ou tao chinês, ou nomos grego. O homem experiencia, ~· homens se "devem" conformar ou, no caso dos crimes, se "não
·1 outrossim, a ansiedade da queda possível desta ordem do ser, devem" confom1ar, tenciona exprimir uma verdade sobre a
com a consrquência .rl__..a_sil~Lf'.IÚ41Ülacão na parceria do ser; e, ordem concreta da sociedade respectiva. Ela tenciona dar uma
correspondenk:tlente, ~l~ experiencia uma obrigação de slntoni- resposta verdadeira à questão do que "deve" ser feito. Sob
zar a ordem da sua ex1stencia com a ordem do ser. Finalmente, este aspecto da normati'_lidade, a regra f.: pretendida como
ele experiencia a queda possível e a sintoniac-o;_ a ordem do uma proposição verdadeira acerca do dev<.:r cm sentido
ser como dependente da sua acção, isto é, ele experiencia a ontológicó.
ordem da sua própria existência como um problema para a sua 2 - A regra, no seu contexto da ordem jurídica, não é
liberdade e responsabilidade. No âmbito da sociedad•e, a reali- meramente um pedaço de informação sobre o dever da ordem.
zação da ordem do ser é experienciada como o fardo do homem. Ela foi decretada, no decm;so do processo de criação do direito,
Quando nos referimos à "tensão" na ordem social, nós encara- com a intenção de que seja atendida e obedecida pelos membros
(
mos esta classe de experiências. A fim de ligá-las mais estrei- da sociedade. A normatividade da regra contém, como um
tamente com o problema da "nonn~vidade" nas regiras jurídi- segundo componente, um apelo àqueles a quem é ~irigida para
cas, nós podemos falar delàs como oide~!D sentido-ºJ,1!?,,l~gi~o. intearar a verdade sobre o dever nas. suas vidas. E suposto os
_____ , ,. ------.._1i{\Vo(hr "-- - ,-· "'
membros da sociedade que são defi:i:üdos pela regra como os
J '~,:_'.fC{ Q..c ,.
'·'- J~~i~.to
1 1
&~i.:{:~ 7: ~? ·, ~-..:'>:,J_ >'..~,,_ ....-.':'- _ seus destinatários (por exemplo, receptores de rendimento
§3 -·-A-regra como norma ::;· :e'. vc:l, se;·11:o··ic;;, c:\y'icd~dF:s comerciais, companhias de

seguros, segurados, condutoiv; Gc .:'J'"'" ·~·', , ·,-.::s '.;S


O dever não é, assim, em si mesmo um "postulado" ou uma pessoas nas suas aptidões como ladrões ou assassir,o:; poteE-
"norma'', mas a tensão experienciada entre a ordem do ser e a ciais) realizarem concretamente na sua conduta a ordem da
conduta do homem. Na órbita desta tensão, as regras acerca da sociedade como encarada pela regra.

1 94 95
-::;:~.-,~.

~~~ :-~~· ~ .
~J-';;ocra~ia m;derna emanam dos representantes do povo em
3 - A infonnação sobre a verdade dagrdem e o apelo para·. '~~ àlsembleia legislativa e, enfim, ·do. próprio "povo". Ninguém,
a.·. realizar não esgotam ainda o fenómend da nonnatividade. -.~f,i i~lém disso, se entregará· à presunção· extravagante de que .ª
Uma verdade, a fim de apelar eficazmente . e para ganhar -~·~ -füa.Ssa dos destinatários "ouviu" realmente? direito em obe~t­
- adeptos, deve ser comunicada; e um apelo não será 'eficaz se · ·:~ '.ência ao qual eles sup9stamente ordenam a sua cond~ta. A_ustm,
ninàuém o escutar. Por inclui~
isso, a regra corno um terceiro - -·~ ~:'§ '\1a sua jurisprudência analítica, tentou afrontar a s1tuaçao fe-
~'ri.omenal
b · '

componente da sua nonnatividade, a pretensão de ser atendida. · .;,~


a •

com a interpretação de que o direito é a ordem do


A ignorância do direito, como todos nós sabemos, não é . i~ :~;~oberano. fr.~.:
Era dos fenómenos, todavia, a interpr~tação
desculpável; um segurado não vencerá uma acc.3.o judicial por )! .·-.dificilmente merece o nome de "teoria"; ela não é mais do que
uma pretensão injustificada com o argumento de que ele ·não leu .;~· ·.- uma ·metáfora conveniente para encobrir um problema que
. as letras pequeninas. Pondo de parte, de momento, as questões ·;~ _e· provou ser demasiado dificil para resolver. _ .
transacçõe~
T,
· das decisões judiciais individuais e das jurídicas ::j _ Ela é de facto uma situação fenomenal mmto singular. Nos
entre cidadãos privados, o "direito"pre~_ende s~r
conhecido. O ·1 ~- ·podemos duvidar de que a proposição da regra acerca do_ dever
seu apelo é "°público". . · seja particulannente verdadeira; podemos mesmo suspeitar de
que algum grupo de pressão usou a sua influência para ton:ar
a ordem proveitosa para si e prejudicial para nós, de maneira
§4 - O carácter público da norma jurídica que a regra é, com efeito, deliberadamente falsa; ~ós pode1~0-nos
perguntar, devido aos ·defeitos técnicos de uma lei, se alguem fez,
Os componentes da nonnatividade formam uma unidade de todo, algum esforço sério para formular uma verdade acerc~
inseparável; mas, especialmente através do terceiro dos compo- da ordem da sociedade; podemos descobrir que a r~gra poss~1
nentes, a pretensão de ser público, problemas diversos emergem · para nós pouca atracção e que não é cx2.:::tamente convmcente; nos
tanto na prática da ordem como na teoria jurídica. Uma pro- podemos ter apenas a noção mais nebulosa sobre quem realm,e~te
posição acerca de uma verdade sobre a ordem deve ser formu- fez essa reº1-a b
- e contudo nós consideramo-la uma regra •
valida
-
lada por alguém, e o seu apelo, para ser aceite, deve ser dirigido contànto que, em face dela, certos processos tenham sido segu:-
pelo proponente ao destinatário. O significado nonnativo de dos na sua elaboração. Além disso, consideramo-la a nos
uma regra envolve, pelo menos, duas pessoas face a face num .dirigida e obrigatória para nós, ainda que nunca a tenhamos
acto de comunicação, ainda que uma das pessoas possa ser o ouvido e sejamos grandemente surpreendidos, quan_do n_os e_:n-
eu pensador que formula uma regra para ser seguida pelo eu penhamos num tipo novo de actividade que tem impllcaçoes
jurídicas, pelas regras que governam uma área das relações
sociais de que nós não tivemos experiência prévia. T~do soa
agente.
Mas onde está o proponente pessoal da regra no caso do
direito? A regra jurídica, especialmente a regra da lei sob as . como um elaborado jogo de fingimento. De facto, existe um
condições da sociedade moderna, nã0.~ ob':'iamente um~ ad;~r­ : elemento de jogo na situação. Platão sabia-o quando, nas suas
_: Le,.~·
cencia ou orde:n ernn~o:t • c11 31;c:ao digno ::to dec:t~natano.
Ela é uma regra criada num pro'cesso complicado q11e·0bs.cureé·e
__ .-
1 t...:,
-~,u.1·JU.'-.l-•.J
- ,._., :-1~ :•:t)ªO s2...; -"· ,, uff f1ós0fo ~ historir"C.cr do nosso
. . 1-u,~~ 1~~·· ......
!~ próprio tempo, Johan Huizinga, salientou este factcr no seü Hc:no
J::;.

as contribuições pessoais para a sua elaboração. O processo, l~ Ludens. Mas a clarificação intelectual deste assunto deve ser
outrossim, está coberto por um simbolismo que oblitera com- {,;:_adiadaa~é qúe alguns outros preliminares sejam esclarecidos.
pletamente toda a autoridade pessoal, porquanto as leis de uma
97

96
t\ apesar de_ toM_ est~ _esforço, apenas os j uristis conhecem o
Há primeiro que tudo a questão-prática de o jogo, por mais ~ direito - e a sua observação pode aparentar saber a queixa
singuÚr que possa parecer, ser levado a sério em toda a } acerca de extorsão. Embora a queixa possa extrair o seu sabor
soci~Q_ady. É suposto as regras jurídicas serem realmente norqias f das suas experiências pessoais, a. objec_ção 6 _definitivamente
de ordem; e é suposto os mefI:!bros da sociedade, quaisquer que Í injustificada. Pois a função do jurista é precisamente preencher
sejam as suas opiniões, comportarem-se realmente eles mesmos ~- a lacuna entre o ·mecanismo de publicação, quer do governo
em conformidade com os tipos de acção projectados pelas , . quer das editoras privadas, e o conhecimento do membro leigo
regras. O processo ·de criação do direito é, na verdade, ·.
da sociedade.
ontologicamente parte da maneira em que uma sociedade tem " . Conhecer o direito requer uma dedicação profissional que
uma existência ordenada; e a presunção de que as regras são absorve Õ homem por inteiro. O cidadão cujo temp? ~ energ~a
normas, e que podem ser nom1as em relação aos destin~tários ;.
são absorvidos pelo trabalho em que ele se especializou nao
apenas se elas forerri comunicadas, é consideravelmente mais do •. <. .pode ser ao mesmo tempo um perito jurídico - dificilmente s~b
que uma ficção teórica. Essa presunção pertence à esfera pré- condições sociais e económicas primitivas, e certamente que nao
-analítica; e toda a sociedade tem disposições 'elaboradas na sua sob as condições da sociedade contemporânea. O leigo, quando \
esfera fenomenal com o prop·ósito de alcançar a comunicação urna questão jurídica complicada surge no decurso da ;~ª
actividade diária, deve suprir o seu conhecimento fragmentano 1
efettiva.
O fenómeno em que um jurista pensará imediatamente nesta . do direito com o conhecimento pericial de um jurista. O conhe-
conexão é a "decretação" da lei. Uma lei é válida apenas se se cimento do jurista é o ·.;eu conhecimento do direito. Por _isso,
tornar pública. Alguns países têm jornais oficiais para a publi- quando um homtm '.,;:; e.mpenha numa actividade complicada
cação de leis, e as suas constituições podem dispor que uma lei sem conselho jurídico e fracassa, nós não teremos .pen.a. dele
vigora apenas quando decorra um número específico de dias como vítima da presunção injustificada de que o destmatano do
após a publicação na edição respectiva do jornal oficial. A direito conhece o direito, mas, antes, repreendê-lo-emos pela sua
nossa Constituição não toma disposições específicas para a imprudência, senão mesmo estupidez. .
decretação, mas presume que um projecto de lei se torna uma A profissão jurídica como uma posição na sociedade te'.11,
lei quando é aprovado pelo presidente através da sua assinatura, assim, urna função pública na manutenção da ordem da ~0~1e­
ou quando decorreram dez dias após a transmissão do projecto dade na medida em que o conhecimento profissional do JUnsta
de lei ao presidente para a sua aprovação. Contudo, nós temos, é :nediador entre a ordem jurídica e o conhecimento qu~ o
0
como tem cada país, meios de publicação pelos quais os textos - cidadão tem do direito. Este estado de coisas é reconhecido
das leis se tomam rapidamente acessíveis ao público. Nós fenomenalmente através da provisão institucional para o treino
temos, além do mais, um Registo Federal para a publicaçào de dos juristas, para a manutenção dos padrõ~s, para ,ªs regras de
n::g111amentos, e uma profusão de outros meios para a publica- ~~":c c·~·52.-:ionaL para o patrocínio apropriado a reu: ei-:11~a:os
2
çào de decisões judiciais, d·:;::;c~-,. ,:i(". c;c~a~1:srnos adrnini:.•r<~~;­ criIGinc.;s, ;:;· a:rc.';is cicl .:' ' 3-: J~'J'O1-:.. nchco
vos, decisões e pareceres da Procuradoria-Geral da República., a pessoas que não possam pagar a adv'Jgados~ _
À luz destas observações sobre a decretaçao e as funçoes
dos juristas, a presunção de que o cidadão conhece o direito e~
e etc ..
Mesmo este enorme aparato, não obstante, não parecerá
muito convincente ao cidadão vulgar que nunca na sua vida em virtude do_ seu conhecimento, é obrigado por ele, parecera
olhará para qualquer destas publicações. Ele objectará que, 99

98
- "--~·--.· -· ..': .~

. ·-
; algo menós fantástica. Mas precisamente fsta elaborada insta-
'. lação social para comunicar o conhecimento do direito _toma
\
"i
·ainda mais evidente que a normatividade da regra ju:ridica não
é, meramente, a ordem. de uma pessoa a _outra pessoa. -.

A REGRA COMO PROJECTO

Nós tivemos de colocar as regras da ordem jurídica, com


a sua normatividade peculiar, no contexto do processo de
criação do . direito. Por sua vez, nós tivemos de colocar o
processo de criação do direito no contexto mais amplo de uma
sociedade a cujos membros as normas se dirigem. As nonnas
adquiriram, assim, o carácter de projectos para a ordem con-
creta da sociedade; e, no cerne desta ordem, nós encontrámos
o dever em sentido ontológico, a tensão na sociedade que requer
os esforços elaborados para criar e manter a orde.m e, com a
ordem, a própria existência. da sociedade.
.\ Se agora nós mesmos nos posicionarmos no centro ontológico
:: \ da tensão, vemos que o processo de criação do direito é apenas
; 1 ;. um entre diversos tipos de esforços para projectar e realizar a
ordem da sociedade. Isto não é surpreendente, pois a ordem
. social não é só a actividade do jurista, mas também a de todo
:_; :1F:ll''.b;:c, .J:i '~c:c:.,_ :.18dc. A orga;~iz&c'.10 ,fa vida nessoal de um
homem com respeito ao seu trahaiho, à sua su~;s~sL~i<_i;j, e d·3.
sua família, a calculabilidade do futuro para o qual ele deve
fazer planos, as perspectivas do seu sucesso nos negócios, a
101

JOO
... ;-;·
•t
~~'
~ conseauinte estabelecido num ambiente de esforços projectivos
--=----
nature;zi dos negoc_1os que ele pDde empreender em vista da
estabilidade ou instabilidade. da ordem, as possibilidades de
ascen~ã9_. social, as perspectivas para o futuro dos seus filhos,
' ;...

t:t
por pessoas
o que-têm interesse que se tome lei um projecto de
lei com esse conteúdo. Uma tal pessoa pode ser o representante
agindo por sua própria iniciativa· ou, mais fr~quentemente, a
e etc., estãoinextrincavelmen~~ entrelaçadas com a or.dem social pedido dos seus eleitore? ou de outros· indivíduos ou grupos,

como um todo.
A existência humana é :ovcial, e não há uma linha clara que
\
~
com a ajuda de juristas independentes ou do serviço de redacção
legislativa. Podem acontecer coisas estranhas a u_m projecto de \
separe a ordem pessoal da social. Toda a socieda1~e murmura lei ·após a sua apresentação, quando uma comissão consegue ·
~

com o debate acerca da justiça e da injustiça, a vantagem e a ~ influenciá-lo o emenda de várias maneiras, o combina com
desvantagem da ordem tal como ela existe, e este debate resulta
1,
~;:
' de lei acerca do mesmo assunto, e finalmente
outros- pi:ojectos
em reflexões acerca do direito: o que o direito deve ser ou não '~. relata à Câmara um projecto de lei que talvez ninguém jamais
d~ve ser, que .leis velhas já não são adequadas às condições ~..::.:..
· tenha apresentado.
Em todos os países, o ramo executivo do governo tem uma
actuais, que outras leis deveriam ser feitas, que abusos ocorrem
sob o direito actual, o que se deveria fazer àcerca disso, etc .. .. função especial na preparação de projectos de lei. Em países
A sociedade toda está animàda com projectos de ordem em com constituições parlamentaristas, os membros do governo
.-
podem apresentar projectos de lei, e estes projectos de lei são
embor~
vários graus de articulação e racionalidade, de boa-vontade re-
preparados pela burocracia. Sob a nossa Constitui7ão,
formista e ressentimento violento, de pressão efectiva e raiva.
impotente. Um relance breve a estes fenómenos auxiliará a dis-
tinguir mais claramente a normatividade específica dos projec-
::-
·o ramo executivo não tenha direito a apresentar proJectos de lei,
ele apresenta-os de facto at~avés de membros influentes do
\
Congresso. Em qualquer-caso, tais projectos de lei não são
tos chamados "o direito". preparados no vazio, mas articulam projectos legislativos que
reflectem os desejos de vários gnipos na comunidade, ou direc-
tamente ou à_moda indirecta de promessas da campanha na base
\
da qual foi eleito o governo no poder; e, inevitav~l~1ente, as
§1 - Os dois tipos de projectos
.políticas de burocratas influentes serão um factor ad1c1onal a ter
Duas classes de fenómenos interessam ao nosso propósito: \
1) os proj ectos que pretendem ser realizados empiricamente em conta na formulação do projecto.
Para além desta área de preparação imediata para o pro-
numa sociedade concreta; e 2) os projectos que pretendem
cesso de criação do direito, situa-se a área muito mais vasta do
estabelecer padrões de ordem verdadeira, mas com pouca ou
debate de lege Jerenda. Aqui, nós encontramos a discussão da
nenhuma expectativa de se realizarem concretamente.
À primeira classe pertence uma variedade de fen0menos legislação desejável por várias associações e instituições, com
~,s ::t~:lc: rarn1ficações na imprensa, nos periódicos, em memoran-
-,1,': ~. - ,i,~ -,-.p; •S ne10S ouais OS 9:fUD0S de
que podem ser 8.rrumados nor ordem da sua distância ao
processo de criação do dirc<o c::n se:1ü :1.o técr:i•~O. 1ifc.is p; 1)'\i-
,. ;,.1 •c·· rn•ll ·1C t····~-' 1

pressão levam os seus desejos perante o ~úbiico. Um s1.~u-.=:::L ;i:;,) :~


1
;o, j ' l l.J . v J ' • , ·.. ·- · ·· _':' - l .,. ·
do 1
mos desse processo, e misturando-se com ele, estão os prepa-
rativos para a decretação de uma lei. Sob a Constituição, o muito importante nesta classe, cobrindo uma área ,ª:Upla da
ordem social ' é a redacção de códigos-modelo por vanas asso- ' .
ciações pr~fissionais e instituições cria.das com esse proposito.
processo legislativo começa com a apresentação de um pro-
j ecto de lei por um membro do Congresso na sua respectiva
Câmara. O acto juridicamente relevante de apresentação é, por 103

102
E~ todos estes casos, nós podemos' fal~r de projectos de .~2"8nstituições-modelo tal como nós as encontramos nos filósofos
projectos, ou de projec_tos de segUndo grau. · -·'.cl_ássicos, Platão e Aristóteles. Sem dúvida, tais modelos tam-
- -- -Ainda mais afast!ldo dos projectos imediatos; e ain,da mais - .;; ; bém têm o carácter··de prÔjectos; e esse car:ácter é mesmo
vas~o em extensão~ está o debate polític9 geral acerca -~as .~ t~alientado, como, ·por exemplo,' nas Leis â~ Platão, quando o
reformas sociais à luz dos princípios que, se alguma vez '·se - } ;:modelo surge de um diálogo com o membro de uma comissão
aproximarem da realização, requererão implementação por um .... }·que está encarregada da redacção de um projecto constitucional
corpo enorme de Íegislação nova. Se, por exemplo, numa , ,h)ara uma colónia prestes a ser fundada. É um manifesto
sociedade que até agora não tinha nenhumas instituições desta J ~-absurdo, não obstante interpretar tais modelos, como fazem tão
espécie·, um partido político fizer seu o' programa de introduç~o :: e~· frequentemente os autores contemporâneos, como utopias, como
do serviço médico gratuito para todós, ou de nacionalização de , constituições ideais (o que· quer que isso signifique) que revelam
grandes' segmentos da indústria do país, como ocorreu não há -? mente impraticável ou irrealista do filósofo típico. Platão e
muito na Grã-Bretanha, são necessários esforços elaborad.os Aristóteles eram observadores sagazes da situação política
prolongados durante muitos anos, não' só para .converter ª---. -·- circundante, consideravelmente mais realistas que os políticos
opinião plíblica aos programas deste tipo, ";;;.ís também para governantes e o povo, que não viram os sinais do desastre
preparar no ponnenor concreto a redacção dos projectos de lei iminente e que não se decidiram quanto às medidas apropriadas,
a implementar. até que a conquista macedónia pôs um fim às suas disputas
Pelos fenómenos desta variedade, nós somos remetidos mais insignificantes. Os filósofos não só compreendiam a natureza da
além, de volta ao processo político, à formação de partidos ameaça macedónia à éxistência da polis, mas também estavam
políticos e aos seus prograrúas, à articulação e adaptação das completamente cientes --- e disseram-no expressamente mais de
políticas cot.i o propósito de obter votos, etc .. Para além desta uma vez - de que a polis estava podre sem remissão e pronta
área do processo pOlítico em geral, situa-se a franja da para a queda. Nessa situação, como eles compreendiam plena-
vocalização mais ou menos infrutífera de opiniões acerca das mente, os projectos para a reforma da ordem da polis teriam
refom1as desejáveis da ordem, desde as razoáveis, mas impo- ·sido piores que "irrealistas" - teriam sido estúpidos. Se Platão
pulares, até às irracionalmente utópicas e completamente pato- e Aústóteles empreenderam as tarefas de construir os seus
lógicas. modelos enquanto a polis se aproximava do desastre perante os
O carácter de projecto das regras desdobra-se, assirri, numa seus olhos -- e realmente ela foi dominada por ele dez anos
amplitude de fenómenos que inclui, num extremo, a sugestão depois da morte de Platão e durante a vida de Aristóteles - , o
simples e sóbria de emenda de uma lei que provou ser seu trabalho não era um projecto para a melhoria de uma ordem
insatisfatória na prática e, no outro extremo, os projectos obviamente morta. Em busca dos seus motivos não é preciso
utópicos para a federação mundial e 21. paz perpétua. entregar-se a especulações fantasistas, mas pode-se aceitar a sua
Os fe-·•.~·"· - ,._,,_ ,, .. , :--::-;P~to da p~ime.ira classe, por rriais palavra em que eles estavam empenhados numa indagação
distantes do próprio processo ele· e' i::~ao ~o túeitÓ e pu:· n:a~s - .a.ct·- -::::i ,fa \"·?-r<fade sohre a ordem na sociedade - uma indagação
distanciados de qualquer possibilidade de realização, são, ao motivada, seu~ dúvida, pe;a a1sência da ordcr:-~ '.'erô::tde.ixa na
menos pela· sua intenção, projectos a ser traduzidos para a · sociedade circundante, mas uma indagação que terá a sua validade
realidade da ordem social. Consideravelmente mais intricados como um trabalho de episteme politike, mesmo se a sociedade que
são os fenómenos da segunda classe, representados pelas - a inspirou. estãva moribunda e já não podia ser salva pelo remédio.

104 105
t
...,.;-.- --~;-'--·.-·-·.-.-
-- -
·. rt':
;\~ põe em evidência a tensão entre a sociedade empírica, com a
t-
A indagação sobre a ordem yerdadeira da sociedade, não
obstante a questão de saber se a sociedade circundante é um t~ sua ordemei:iipír1cã gerada pelo seu. processo empírico de
criação do direito, e a ordem verdadeira da sociedade que deriva
do dever em sentido ontológico tal como é experienciado pelo
camp_o _adequado para a sua realização, desenvolve-se,_ nos
i filósofo. O proble1)1a do direito não se esgota pela mera exis-
filósofos clássicos, numa ocupação autónoma da mel).te humàna_
- uma empresa que apenas pode ser bem sucedida porque. a
l tência de uma sociedade ·sob uma qualquer espécie de ordem
ordem verdadeira da sociedade é a ordem em que o homem pode
f . que, por acaso, é criada pelo processo de criação .do direito. O
::t: ·.direito empírico pode ser rr,edido pelos padrões do direito
desenvolver plenamente as potencialidades da sua natureza. A
natureza do homem, o seu logos, toma-se o tema central de uma ~ - v~i-dadeiro desenvolvido pelo filósofo.
:. Os· dois processos de criação do direito, o empmco e o
ciência da ordem social; a ciência qa natureza humana, a
antropologia filosófica, toma-se a peça central da ciênçia po-
:~ filosófico estão relacionados um com o outro. A análise filo-
·sófica penetra' até à essência do dever em sentido ontológico;
lítica; e a ·natureza do homem, tal como se desdobra na
e, na base dos discernimentos ganhos, o filósofo tenta esboçar
existência do filósofo, bem como na existência humana
os tipos de conduta que serão optimamente adequados para
desordenada da sociedade circundante, torna-seº a matéria empírica ,_.,
traduzir a verdade acerca da ordem, tal como ela vive na alma
para a indagação. A ordem verdadeira da sociedade é a reali-
do filósofo, para a prática da sociedade. O peso do trabalho
dade viva na alma bem ordenada do filósofo, tomada cons-
situa-se, por conseguinte, na indagação da natureza da ordem
ciência nítida pela recusa do filósofo em sucumbir à desordem
verdadeira. Os projectos·-modelo, embora sejam mais do que
do seu ambiente. dispositivos literários, têm o ..:;arácter de elaborações secundá-
rias e não devem ser tomados po1 regras com °'''11\dade autóno-
ma. Um relance às Leis de Platão mostra qu~ as "leis" desem-
§2 - Os proce~sos empírico e filosófico de criaçã~ do direito
penham quantitativamente um papel algo insignificante em
comparação com os preâmbulos, isto é, com a exposição
De momento, nós estamos preocupados, não com os resul-
extensa das razões para a sua formulação. Os intérpretes
tados do trabalho platónico-aristotélico, mas com a sua inten-
modernos queixaram-se frequentemente de que o projecto pla-
ção. Os filósofos desenvolvem projectos de ordem que eles não
tónico de -direito na República é fragmentário, omitindo a
esperam que sejam decretados como regras válidas através do
consideração de áreas inteiras do direito - uma queixa a que
processo de criação do direito da sua sociedade. O trabalho é
o próprio Platão deu a resposta que qualquer um pode elaborar
feito quando o diálogo ou o tratado é escrito; a projecção da
os projectos jurídicos se ele compreendeu a essência da ordem
ordem verdadeira está concluída. Se surgirem historicamente as
condições sob as quais uma tal ordem poss~ ser decret2da por
e realizou a ordem na sua própria vida. Aristóteles conduz a
sua análise da essência da ordem através de dez livros da0 Ética
: - 1'.'· ··· -..- ,,,, -;:--,;;,;_.,-, ,,~+e-~ fk ~1 01 pnlftica VII e na fra men-
uma sociedade empírica, tanto melhor, embora nem Platão nem
Aristóteles esperem ver cu1:11:r:d3.S estas :'.on.Jiçõc:-s. O fílósdo .::.

etária
Se 1 1
< dv.J ·•-•, • · ' · ,• e • , ..
-' V• '> ..•• .::;,

torna-se, assim, o legislador da ordem verdadeira por dircitc, VIII, se voltar para a elállo:-açC.o elo seu :no de '.co.
Contudo, embora os modelos sejam secundários para. a
próprio, rivalizando com o legislador da sociedade empírica com
análise da essência, eles não são supérfluos. A análise do
a sua ordem de verdade duvidosa. Esta criação do direito em
filósofo é motivada pela resistência em_ si mesmo da ordem
dois níveis, tal corno surge fenomenalmente na história da
humanidade, especificamente na Hélade do século quarto a.C., 107

106
-
~ó~fológico que é .o objecto da indagaçã"o filosófica. A
.substantiva à desordem na sociedade empírica. 1
O trabalho do ri.oiroatividade do direito é participação na ordem verdadeira.
filósofo é um acto de julgamento sobre a ordem empírica, ~Ela é uma normatividade substantiva, e não uma normatividade
_ ª-nhnado pela reivindicação de que a ordem empíric~- se deve ;·ronnal. Nem tudo ·o que. se torria conteúdo ~a ordem jurídica
conformar mais de perto aos tipos que expresse~ adequãdar:-ien- ~, !.6 direito fora de. questi9namento postêrior. Se a normatividade
te'. a verdade da ordem.--0 filósofo não está feira da esferâ'de - ;:, -~substantiva do processo de criação do direito declinar demasia- -
criação do direito, mesmo que ele saiba que a sociedade empírica· ' -do haverá descontentamento na sociedade que pode assumir
- não prestará atenção ao seu conselho. Pelo contrário, uma vez '
fproporções
-
revolucionárias - a não ser que a situação tenha
que o dever em sentido ontqlógico é a reardade da ordem, o : - degenerado a um ponto fora de controlo, e a dissolução subs-
processo empírico de criação do di~eito afastou-se demasiado da tantiva· da sociedade a tom.e presa de conquista. Isto tomou-se
realidade para ter o peso completo da normatividadei O filósofo, . um problema eminentemente prático no nosso tempo, quando a
- por conseguinte, ainda que não comece uma revolução no ~eu ~~:::ascensão de ditaduras ideológicas, com a sua supressão bn.ital
país (uma saída expressamente rejeitad3: por Platão), retirar-~e- · =~;.: da ordem verdadeira na vida do homem, levanta agudamenté: a
-á da participação no processo de criação do direito e recusará __ . ·i~?{> questão de saber como acabará o conflito entre a ordem ver-
os cargos públicos parà que não se tome um cúmplice das ki-±< <ladeira e o poder maciço de urna ordem empírica carente dG
acções injustas do governo. A responsabilidade de criação do
~~~~.substância normativa.
direito recai sobre ele quando os criadores do direito empírico -6~f.·-
se tomam desleixados nos seus deveres. Os modelos do ·filósofo
estão, assim, intimamente ligados à ordem empírica como os
- ~i~:
-':~--:".

padrões da sua nom1atividade.


O projecto do íilósofo e a ordem empírica, além disso, não
são absolutamente opostos, mas estão ligados por projectos
transitórios que se aproximam, mais ou menos de perto, da
realidade do dever. Por isso, Platão não só desenvolveu o
projecto de uma polis em que os filósofos são reis, mas encarou,
nas Leis, uma segunda melhor polis. Nesta polis, os governantes,
embora eles mesmos não sejam filósofos, são treinados nos
resultados da filosofia como um credo de maneira que, à luz
de um dogma filosófico mínimo, eles farão as leis o melhor que
puderem. Platão ponderou mesmo a possibilidade de haver um
terceiro e um quarto melhores projectos, se o segundo e o
terceiro melhores também provas~em ser demasiado dificeis de
suí:iorr:::c;· J':la frc-r~12::=-.C.0 l;-'m1eH1 sob as ciFUi1Stfi:KÍ3.S e1'.1piricas.
O nosso interesse aqui não é, todavia, o ponnenor do
trabalho muito extenso de Platão, mas o seu princípio: a ordem
empírica de uma sociedade é capaz de graus de realidade, na
medida em que ela aiiicula a tensão do dever -em sentido
109

108
-- .. ~·

VI

A VALIDADE IMPESSOAL
DAS REGRAS JURÍDICAS

A analise pode agóra v'Jitar à questão que motivou o exame


dos fenómenos projectados, is'.o é, à normatividade peculiar das
regras jurídicas. As regras, dissemo-lo, são dirigidas por umc..
pessoa a outra pessoa; elas pretendem expressar urna verdade
acerca da oniem; elas apelam ao destinatário para confom1ar
a sua conduta à verdade normativa da regra; e, a fim de
f'. produzirem o seu efeito, elas devem ser comunicadas. Sob todos
~.f :.·_'. _·.
_;~>
estes ,póntos de vista, as regras jurídicas provaram ser peculia-
~=-
__ · .

res. E difícil determinar a pessoa que as emite; a sua verdade


lf é frequentemente questionável; o seu apelo pode não ser muito
;;p· bem sucedido; e a comunicação deixa muito a· desejar. Os
~'._;_,_ fenómenos do direito exaIDinados agora mesmo podem ser
.; introduzidos na análise.
~':~

§1 - A sociedade como uma entidade autoconstituinte

As regras pretendem transmitir uma verdade acerca da


ordem. Elas .referem-se, enfim, ao dever em
.
sentido ontológico,

111
ist.o é, à tensão experienciada entre a ordem do ser e essa parte {quotidia~a, mais P.reocupada com as tensões no campo social
da' ordem que tem de ser estabelecida na sociedade através da :(do que com a unidade do campo que é cindido pela tensão. Nós
_aççii'.o humana. No núcleo ontológico da normatividade, nós -~-~ estamos habituados a falár nas dicotomias de governante e
encontramos duas pesso<!-_S que emitem regras para o hom,em ~~~:súbdito, governo e povo, pais e filhos, comandantes e soldados,
àgénte: 1) Deus; e 2) o homem pensante, usando a sua razão ·~:··:e etc., e estamos disp<?stos a esquecer a entidade envolvente da
e consciência. Para além deste núcleo ontológico, estende-se a ~>., sociedade dentro da qual ocorrem as relações respectivas de
existência do homem na sociedade; e, neste domínio da existên- > comando e obediência. A existência humana é. ontologicamente
cia social, outras pessoas podem dirigir-lhe n·.:rmas -. pais, ~ ~· social, não obstante todos os conflitos entre o homem e a força
amigos, professores, anciãos, sacerdotes, filósofos e funcioná- :· · impessoal do campo social, em que ele existe como uma parte.
rios do governo. Para todos estes casos de regras que emanam A existência na sociedade, por força de nascimento e educação
de outras pessoas na sociedade concreta, a análise deve pros- D:urna família, é ontologicamente, não por escolha, a maneira da
seguir com a maior cautela e disciplina, porque a mais pequeqa existência humana. A alternativa à existência numa sociedade
concessão às crenças convencionais conduzirá a construções concreta - além de não ter nascido de todo, ou de ter cometido
terrivelmente erradas. Nós devemos insistir, em aparente· con- suicídio - não é a existência solitária, mas a existência numa
flito com toda a linguagem pré-analítica, que, para além das outra sociedade concreta. A organização da vida pessoal do
duas pessoas do núcleo ontológico, não há ninguém que possa homem em sintonia com a verdade da ordem apenas é
emitir regras com autoridade nonnativa. Há um ius divinum et possível dentro da estrutura da ordem social. Uma sociedade
naturale, mas definitivamente não há um ius soeiale et historiale tem uma raison d.'êire, por conseguinte, apenas na medida
autónomo. Todas as regras dirigidas de pessoa a pessoa numa em que ela pennite aos seus membros ordenar as suas vidas
sociedade devem contar com o núcleo ontológico parn a sua na verdade.
autoridade normativa. · Os vários aspectos deste problema foram vistos nas cons-
Apenas quando este ponto estiver estabelecido e firmemente truções teóricas do significado do governo e da sociedade.
seguro poderá, de todo, aparecer o problema apresentado pelas Aristóteles- insistiu em que uma sociedade apenas era.verdadei-
regras que exigem obediência por virtude da sua autoridade ramente ordenada quando tomava possível o bios tlzeoretikos.
social. Nós já rejeitámos a interpretação de Austin do direito O noss9 credo oficial americano insiste em que o governo é uma
como o comando do soberano como uma metáfora superficial organização com o propósito de garantir a vida, a liberdade e
que nem sequer toca o problema; e nós podemos acrescentar a procura da felicidade para as pessoas que sob ele vivem -
que, pela mesma raz~o, nós devemos rejeitar as teorias de embora o nosso credo seja algo menos claro que Aristóteles
comando desenvolvidas mais tarde no século XIX, especialmen- sobre a natureza da felicidade. Rousseau insistiu fortemente na
te por académicos alemães. Este prnblema terá de ser desdobra- identidade do governante e do governado na feitura do direito,
do analiticamente a partir da observC1ção pré-analítica que a de maneira que as regras sociais são feitas por aqueles que lhes
1ei':;.::·c.. e emissão de ;cciais, como nós ·:i:c:-:11::.::rnc::: :::0 nbedecem. Nesta identificação de governante e governado, ele
género de que as regras jurídicas são uma e~pécie, é ura podià-se base:ar na ~o~Jst1-~ç2u s·.;:_.:;~-:or de 1-IoLbes, e1µ qt~~ 0
processo dentro da própria sociedade. homem, como membro da sociedade, abole a sua personalidadç
As implicações desta observação simples são muito difíceis e recebe de volta a ordem da sua vida através da ordem que
de prosseguir porque a análise é obstruída pela linguagem emana do soberano que ele criou.

112 113
§2 - A-representação da sociedade
Poder-se-iam alargar as obsePLações tanto ·aos fenómenos
comd às construções,· mas ·nenhum alargamento aumentará o
As regras jurídicas são impessoais na medida em que elas
resultado.analítico: a sociedade é uma entidade autoconstitui.r!~e;
não são emitidas por uma pessoa. Urp.a vez que apenas as
as suas regras não são emitidas nem por uma sociedade exterior pessoas podem emitir regras, parece concluir-se que as regras
aos seus membros para os seus membros, nem por uma pessoa jurídicas não podem, de todo, existir e que o que comummente
. a' soc1e d.
·- ... passa por este nome não tem o carácter de um~: regra, m:1s é
•1J ·,.:i,.:i.
extenor ade para a soc1eoaue; a soc1euaue existe por- ;i

quanto ela desenvolve.um processo auto-ordenador,~ o processo i:t: algo inteiramente diferente. Essa conclusão estaria, todavia, em
auto-ordenador é a maneira· da sua existência. A sociedade, ,.; desacord_o com a experiência e linguagem quotidianas acerca
poder-se-á dizer, emite as regras sociais, incluindo as regras '., das regras jurídicas. Uma vez que, por um lado, o resultado
jurídicas, para si mesma. Essa formulação é, sem dúvida, ~~ . _analítico terá de se manter, e uma vez que, por outro lado, a
absurda, porque uma regra é o que uma pessoa emite para 'outra ::.·--.
;· análise, como nós salientámos repetidamente, não deve tomar
pessoa. Mas; precisamente, esta fórmula absurda 'aguçará a -,. absurda a experiência pré-analítica, nós devemos voltar aos
consciência para a dificuldade,na análise da ordem jurídica, isto fenómenos para obter indicações suplementares da natureza do
é, para o carácter impessoal da regra jurídica. direito. O problema que se sugere rnais urgentemente a si mesmo
A regra jurídica não tem nem um remetente pessoal nem é criado pela questão: como pode uma sociedade, não sendo
um destinatário pessoal. Esta dificuldade não pode ser superada · r:-- uma pessoa, de todo emitir regras?
ao erigir a sociedade, o Estadq, ou o soberano num :remetente A resposta a esta ·questão é simples ao nível fenomenal:
pessoal fictício, e ao erigir. o hnmem vulgar, que apenas está uma vez que a sociedade, uma não-pessoa, não c;odc emitir
vagamente famüiarizado com o direito, num de~tinatário pessoal regras, elocuções na forma de regras que emanam de p::ssoas
fictício que ouve as regras que lhe são dirigidas. Por esta razão, reais são· consideradas, sob certas condições, serem regras
nós tivemos de rejeitar as teorias de comando que se entregam válidas para a conduta dos membros da sociedade. Obviamente,
a estas construções. Pela mesma razão, nós devemos rejeitar as nem a cada tal elocução, emanando de pessoas ao acaso, lhe
tentativas para chegar a uma "definição" da regra jurídica por · é conferido o carácter de validade. Quando uma pessoa com
formar primeiro um género "regra'', e então distinguir especi- convicçÕes mais fortes do que a sua inteligência se encarrega
a si mesma de nos ensinar o que nós devemos fazer, ignoramos
ficamente entre regras autónomas e heterónomas, ou por tomar
o seu conselho; é quando ela persiste, e as suas arengas ocupam
a sanção pela força governamentalmente organizada em diferen-
demasiado o nosso tempo, nós dizemos-lhe para se meter na
ça específica que distingue_as regras jurídicas das regras de usos
vida dela. O pretenso legislador é uma figura vulgar em cada
e costumes, impostas pela pressão social, e das regras morais,
sociedade, e riós podemos distingui-lo do legislador real, a quem
imrnstas pe1a consciênc:iR ou temor a Deu~- Tais distinções pela
'. Cií!Ú:.r·irr:J)S n '::Statuto •k ;i'pre::cnt~rntP. <la sociedade. Uma
lógica dos manuais movem-se no nível pd-anaEt1.::c'. ~\ class; - plétora de homens existe com.o rn:1a scc~~lla:l::, crL!e;<::•.l:; ...
ficação dos fenómenos não tem utilidade quando um problema medida em que ela está articulada em governantes e governados.
ontológico requer análise. Uma sociedade nasce através da articulação social que resulta
na criação e aceitação de um representante, e ela perdura
contanto que tenha aceite representantes. _A organização para a

115
114
. , homem em socieoad~, o seu propósito é a rea11zaçau UG. VL'-<~"">
· e a ordem não é O prazer de alguém, mas a organização
~cção, tanto intema como externa, através de)1m representânte, ~
- substantiva da vida humana- em sintonia com ordem do ser
\
e a maneira pela qual uma sociedade existe. O processo de ·tal como é experienciada no ·dever ·em ·sentido ontológico. '
criação do direíto, da feitúr> da constituição às decisões admi- Uma vez que o representante, quer seja mais elevado ou
mstrat1vas e judiciais individuais, é a auto-ofganização da e- mais humilde ná.hierafquia do processo de criação do direito,

sociedade para a sua ex~stênciaordenada através de represen~ '' : quer seja colectivo ou individual, é humano em todo o sentido

tantes.
'< da palavra: ele pode abusar da sua posição representativa e
A génese da sÓciedade através da criação e aceitàção de um "emitir regras que àivergem largamente da verdade da ordem.
representante, e as vicissi_tudes de representação nuc1a sociedade Estes fenónienos de abuso são ingredientes constantes na prática
após ela nascer; forma um campo vasto de estudo na ciência de toda a ordem social; eles atraíram a atenção do teórico desde
po;ítica. ~le si~a-se para além do alCance da análise -presente. oS próprios começos da episteme politike e motivaram tentativas
Nos estamos interessados na representação apenas cbmo um de construção teórica. Platão e -Aristóteles já distinguiam entre
~ac:o~ esse~cial. no processo de criação do dire_ito. As regras formas boas e más de governo conforme se o representante do
JUnd1~as sao feitas de fac~o por seres_ humariOs, não pela sua momento prossegue o bem comum ou algum bem privado. O
autondade como pessoas, mas pela autoridade do seu estatuto governo de um, de poucos, ou de muitos é bom se o represen-
como representantes da sociedade. Uma vez que o legislador age . tante prosseguir o bem comum; ele é mau se o representante
;oni_o um repre_sentante, não como uma pessoa, é possível criar prosseguir oS seus interesses privados. As três formas boas
org_aos. colectlvos de legiferação, tais como assembleias chamam-se respectiyamente monarquia, aristocracia e politeia;
1eg1s1ativ~s, cujos actos têm claramente carácter impessoal re- as três formás más. chamam-se tirania, oligarquia e democracia.
p1·::sentativo. A distinção entre pessoa e representante mantém- Mais uma vez, nós estamos interessados neste ponto, não com
-se verdadeira também nos casos de regras emanadas de um só o conteúdo que pode ser dado ao conceito do bem comum, mas
ser ~mmano, como, por exemplo, de um só juiz em tribunal. Nós com o fenómeno da sua fom1ação com o propósito de estabe-
aceitamos a decis~o d? ju~z em audiência: como válida,. não por lecer o elo entre o processo de criação do direito e a substância
causa da sabedona e 3ustiça da sua decisão, mas porque ele é ontológica da ordem.·
A tensão entre a substância da ordem e o abuso possível
por~ue
o representante da sociedade cuja posição deriva enfim da
constituição. Nós cumprimos a sua decisão, não co;cor- do processo de criação do direito não é, além disso, meramente
demo~ com a sua verdade - provavelmente manteremos uma um objecto de contemplação para o filósofo, mas o motivo para
0~1mao diferente acerca da verdade quando a decisão for contra experiências mais ou menos elaboradas com salvaguardas
n?s ~ mas porque nós desempenhamos, na nossa qualidade de institucionais contra o seu abuso potencial. A separação de
c1d~daos, os nossos papéis representativos como membros da poderes, a Carta dos Direitos fundamentais, a independência da
sociedade organizada que respeitam a sua ordem. judicatura,_ o sufrágio universal, e a eleição dos representantes
por mandatos rclativarrente rnrtos são, sob a nossa Constitui·
ção, os dispositivos para reduzi;: 3 p-.:'..:::,i~:,1-~i >de de 1b11so a um
" mínimo. Mas mesmo os melhores dispositivos não são a toda
§3 - O cálculo do erro
a prova e não funcionam em todas as circunstâncias, por os
, . Esta peça de representa~ão é realizada, não como l 'art pour 117
l a1 t, mas como uma necessidade para a existência ordenada do

116
f:
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f;,
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;i:':.
~'-
§4·- Ü--uso_..da_fo_rça
freios institucionais deverem· eles mesmos ser preenchidos por
sere~ J}_m~anos que não são superiores às fraquezas do homem. ~:
f Nós devemos considerar, finalmente, o elemento na validade
Em particular, os dispositivosªº sufrágio universal e c:i.s eleiÇões t:. -
~ da regra jurídica que muitos teóricos estãà _inclinados, sem
frequentes provaram ser desapontadores em muitos tasos, por-
que a presunção de que a massa de homens vulgares é o
l
~
análise ulterior, a tomar a sua característica especifica, isto é,
repositório misterioso da vontade de ordem subs:1~tiva está I- a sua s:mção atwvés da força.
errada. O homem vulgar é, sem dúvida, o principal sofredor f . O uso da força para a imposição da ordem jurídica é
quando o governo é mau, e a voz do povo está habitualmente ~ _ . necéssário por diversas razões. A primeira destas razões é o já
certa quando ela se levanta em protesto: Mas, de tais ob~erva­ ~ discútid~ cálculo do erro. Uma vez que há uma discrepância
ções verdadeir.as, não se segue que os governos eleitos e r entre a ordem verdadeira e a ordem empírica, a coacção é
~~
aprovados enhisiasticamente pela maioria do_, povo sejam par- f-=~- .
necessária a fim de eliminar a desobediência por parte dos
ticularmente bons - como mostraram exemplos recentes de :!- cidadãos que sustentam que o conteúdo da regra não está de
governos totalitários. acordo com o dever em sentido ontológico. Nós não temos de
A tensão entre a ordem verdadeira e a ordem empmca, aduzir casos extremos para ilustração. Nós apenas temos de
concluímos, nunca pode ser abolida, embora a discrepância . imaginar o que aconteceria se os contribuintes pudessem recusar
possa ser mantida, por vários dispositivos, num mínimo que não o pagamento até que as despesas do governo se sujeitassem a
moth·e o povo para a revolta'. I\1esmo um representante não. escrutínio racional à lu:;;: da ordem verdadeira. Só a Lei dos Rios
muito bDm pode ser preferível a uma sublevação violenta, dada e dos Portos forneceria razão suficiente para recusar o paga-
a desorganização inevitável e incalculável da vida q~e acompa- mento de impostos. O deb:itc acerca da justiça do direito deve
nha uma revolução e a probabilidade, nada certa,· de que o permanecer dentro das formas de criticismo político e acção
próximo representante será melhor que o seu predecessor. A política através de votação. Para que a existência da sociedade
ordem imperhirbada da sociedade entra, por seu direito próprio, possa ser preservada, o debate não se pode permitir degenerar
na nom1atividade das regras jurídicas. Em toda a sociedade, o em decisão e resistência individuais.
processo de criação do direito assenta, para a sua validade, A força é necessária, em segundo lugar, porque a questão
sobre a compreensão de que uma margem considerável de erro da verdade em assuntos ·de ordem raramente permite uma
deve ser pem1itida quanto à verdade da ordem em sentido resposta certa inequívoca. A estrutura de uma sociedade, espe-
ontológico. Embora haja limites para as proporções que o erro cialmente de uma sociedade industrial moderna, é infinitamente
pode assumir, a existência numa sociedade imperfeitaa1ente complexa; saber qual das várias políticas possíveis a respeito
ordenada, com injustiças numerosas e mesmo grosseiras em de um problema específico está de acordo com o bem comum
casos singulares, é prefon\' c1 à d·e:>cr ,~::;:· 1 ::': 3 v'.olên.c [;1 . O c-. :'r;· r:om~guinte, deveria ser implementada por lei, será um
cálculo do erro incluído no processo de criação do direito à~--su~·1.t~ J:: p!·é1~ G :.~.(.:I-~:.r<.·3 se1r; ·:..~r!1 .:>:sc1 cir;.io 1jc~rc:.. i..:n: e~~ 0ntro
através de representantes da sociedade é um componente ulterior lado. A decisão, quando for finalmerte tomada, cont,;ri ~11-.1
do carácter impessoal do direito positivo. A regra jurídica não elemento de arbitrariedade. Mais uma vez, para que a sociedade
é nem uma regra pessoal de razão e consciência nem uma reara possa sobreviver, o debate não pode prosseguir para sempre; e,
' b
de direito divino do Decálogo ou do Sermão da Montanha. uma vez a decisão tomada pelo representante, a desobediência

119
coJ)l o fundamento de que os méritos da medída estão ainda ~nfim, da ame;ça .da força para mantê-los no caminho recto.
aqertos à discussão não pode ser permitida. '· ·· Eles poderão ainda ser membros úteis da sociedade em virtude
·-~
_ · A ,.terceira e última razão porque a sanç~o pela (orça é .·:.i.
.. das suas aptidões especiais; mas eles não são os membros que
nec~ssária é a mesma a que Aristóteles concedtf a principal podem deixar a substância da ordem que vive no homem fluir
irrípoitância. Toda a organização social para-·elaborar e faz~r·· para a ordem qa sociedade, e com isso sustentá-la, pois muito
cumprir o direito seria supérflua, argumenta ele, se os homens pouco dessa substância vive neles. Os cientistas sociais contem-
agissem de acordo com a ordem verdadeira sem compulsão ou . porâneos observaram os mesmos .tipos humanos que Aristóteles
ameaça de compulsão. Se os horµens fossem sempre motivados ·e falam deles como as personalidades introvertidas e extrover-
pelo aidos, piedade ou vergonha, pa~a se absterem de fazer o . tidas
.
- lincruacrem
b o esta que se pode tornar ontologicamente
que é errado ou vergonhoso, o que profana a sua es\atura de' engarradora, uma vez que o ponto é precisamente que as
homens; ou ~e, nó caso de um possível lapso, as admoestações personalidades extrovertidas são assim norteadas porque elas
pelos seus sémelhantes fossem suficientes para tornar o poten- são deficientes em personalidade.
cial malfeitor consciente do que· está a fazer e envergonhá-lo Obviamente, nós podemos distinguir uma larga variedade
para a conduta recta; então· não haveria necessidade do direito de tipos humanos à escala da maturidade e imaturidade, indo
e do seu cumprimento como organização da sociedade para do santo e do filósofo ao criminoso habitual. Tais tipos toma-
manter a sua ordem. ram-se de facto objecto de estudos extensivas. O que é impor-
fyfas isso não é a natureza do homem. Sem dúvida, a tante para a análise presente não é, todavia, o estudo empírico
natureza do homem é ser uma pessoa, isto é, ordenar· a sua dos tipos, mas o facto de que esta amplitude de tipos tem as
conduta pela razão e pela consciência:. Mas a natureza do suas raízes na natureza do homem. Aquelas forças na alma que
homem é também não ser uma pessoa. Em primeiro lugar, o perturbam a· sintonia da pessoa com a ordem do ser são tão
homem não br0ta no mundo com.o uma pessoa crescida mas essencialmente humanas quanto a experiência de ordem e o
nasce como criança ..A sua personalidade é uma estrutura na desejo de sintonia. Todo o homem tem de carregar o fardo <las
alma que cresce lentamente e dificilmente alcança a maturidade suas paixões demasiado humanas - do seu orgulho e inércia,
antes da idade de trinta [anos]. Com alguns demora mais tempo. da sua agressividade e falta de coragem, da sua justa indignação
Uma proporção ampla de homens nunca atingem a plena esta- e falta de sabedoria, da sua frouxidão e falta de imaginação,
tura pessoal e, algumas vezes, o seu crescimento pára muito da sua ~omplacência e indiferença, da sua ignorância e loucura.
cedo. Para o homem crescido, Aristóteles usa o termo spoudaios, Em resumo: a natureza do homem não tem nada de pessoal. Pelo
o homem maduro - mas quando ele fala acerca da possibili- contrário, ela contém um sector poderoso de anseios, paixões,
dade de realizar uma ordem verdadeira na polis helénica, ele concupiscências que não só são impessoais mas obstroem mesmo
nota que provavelmente em nenhuma polis grega se prlderiam a fom13ção e a acção do centro pessoal na alma. Por isso, o
encontrar até cem homens maduras que .tJUdessem formar o uso da força na sociedade não é necessário para impor uma
núcleo de um grupo dirigente ::.~·lcquadc·. Além das crianças que ordem verdadeira à pessoa do homem - esse assunto resolver-
carecem do pleno desenvolvimento da persorial~dade, há e;m toda ·:>.>i.:i per si :nr:s1-:1(, se .J horne n fosse todo pessoa. Ele é
1

a sociedade "escravos por natureza", isto é, homens que, por necessário para impor uma oruem qae exfüa as marcas cí:t
uma razão ou por outra, nunca crescem até à maturid_ade, mas personalidade humana à natureza impessoal do homem. Em
que precisam de pressões sociais, de advertências enérgicas e, particular, o uso da força é necessário para quebrar a

120 121

-~---------:-.---~-·- - .
-~· . - .'
--- ·----------------·e _____, __ ----'------ ---------.--·-----'--·-·--•------ - ---

imp~ssoalidade do homem quando-ela tende a dilacerar a ordem \


da existência humana em sociedade.
_ Çol}l respeito a este último ponto sugere-se, todavia, algu-
ma cautela. A ordem da existência
- humana em sociedade ' bem
como o uso da força, deve ser compreendida ná plenitude do .
;

1
seu significado ontoiógico. Talvez o uso da força não seia l
\
principalmente um meio "para proteger a sociedad·.;" contraJ o i

infractor. Embora a punição, por exemplo, tenha certamente a i


função de proteger os membros de uma sociedade contr~ a
desorganização das suas vidas pelas acções perturbado{as dos \
VII l
seus semelhantes, tem também o propósito de restaurar a·-ordem
pessoal na al~1a do delinquente e, tanto quanto é possível, de ·r-··
~
CONCLUSÕES
1

reconstruí-lo como pessoa. Uma "filosofia" utilitarista do direito ~-

~~
criminal obscureceria o problema que, na ordem e desordem da
sociedade, o dever em sentido ontológico está em risco e que _
este dever tem o seu lugar na pessoa de todo e cada homem. Nós começámos a análise a partir da experiência quotidiana
O uso da força na imposição da ordem jurídica, podemos do direito e penetrámo_s a partir da sua superfície fenome'.lal até
sumariar, revela com uma clareza elernentar a natureza imoes- ao seu núcleo ontológico_ J:~ó~. podemos agora resumir os
soal da regra jurídica: a impessoalidade da ordem jurídica-tem resultados da análise.
a sua fonte ontológica na impessoalidade da natureza humana.

§1 - Os componentes da validade

A ordem jurídica não tem estatuto ontológico próprio.


Contanto que seja o objecto de estudo sem qualquer relação com
o seu contexto, a validade das suas regras nada mais é que o
significado atemporal das proposições. As construções aplica-
das a este corpo de significados conduzem ao impasse do
paradoxo zenónico. Com a introdução de fenómenos contextuais,
tcchvia. 3. validade das regras adquire um corpo de realidade .
. ~, ~l ~ ·-' -~---·-·'_·:·_·._.>_.'-. .r·~e..c,t_,".· ·,1:~_.'_:=_.~-1__0__,?~ :,,"_'(.' ~_,:0_.
1-,;cspou::1r:.c'.;;;.::;or:<.2_nols,·,.)> - , --- - - 'J,. ·
o primeiro resultado da análise:

1 - As regras jurídicas, para começar, são proposições


acerca da ordem da existência humana em sociedade. Nós
123

122
;j~da normatividad;·para o mais completo "É verdade que voce
ti'{emos de qualificar esta estrutura do seu significado, todavia, ::~deve fazer isto ou aquilo". A_verdade da proposição result~n:e
pela observação de que o conteúdo actual de uma lei frequen- ~(está sujeita a exame, tal comÓ est~ a verda~e _de uma propos1çao
temente não usa uma fórffiula normativa. O texto de 1:1.ma lei "" .,}·com intenção cognitiva acerca de even~os no µ1Undo das expe-
propÕ~, frequentemente, descrições e definições ªferca dê sit?-- _,;,-:;::. riências dos sentidos. .
ações de facto, eventos e acções humanas. Embora o significado O exame, que deve ser conduzido à luz. da razão e d.a
pretendido das. descrições e definições possa ser completado sem revelação, é, dada a natureza do caso, consideravelmente mais
dificuldade ao fornecer a fórmula normativa, é importante notar difícil qur. o exame de uma verdade acerca dos dad~,:> ~os
que o legislador conta com os. fenómenos contextuais, isto é, . _ s~ntidos. Ainda assim, o dever é uma realidade nas expenenc1as
com as interpretações feitas pelos m~mbros da sociedade, para j_; que ~Ós delineámos. Pode~se conduzir sempre o argumento
articular o significado pleno da sua obra. A própria ,estrutura ·s~\-'c-: _dentro da forma aeral: se esta é a natureza do homem, e se o
do significado aponta além da regra para o campo da realidade _?fj~::~·-
propósito da exi~tência humana é levar esta nature_za_ à ~ua
social em q~e a ordem jurídica ganha a sua validade peculiar. ~'.~#'. realização plena tanto quanto é possível dentro das lnmt~çoes
2 -Uma regra jurídica não é um signíficado no vazio. Elà ~~' dos poderes humanos, então este modo de acçã~ é prefenvel a
é parte de uma sociedade em existência ordenada. Ela· está );--;;;;:- outro modo. O carácter normativo de uma acçao cont~mp1ada
intearada na realidade da sociedade ao tomar a conduta dos :;]!{,; pela regra não se vincula à forma da regra, .como nós ª."semos,
<::>
membros da sociedade o seu conteúdo. Ela não se refere. à f;'!!~; mas à acção encarada; e, quer o akgado caracter_ d~
conduta humana, todavia, com a intenção de adiantar· uma ~~,,'f> ·· normatividade se vincule realmente ou nao ao tipo de acçao, e
proposição verdadeira, baseada na observação empírica,' acerca }Jfa~ uma questão sujeita a exame crítico. Qualquer o~tra const::Ução
do comportamento de seres humanos. Uma regra jurídica não abandonaria a tensão ontológica do dever e pana a questao da
é uma proposição de ciência. A sua intenção não é cognitiva. ordem à mercê da força. A validade qa regra jurídica contém,
Isto é assim amda que, numa sociedade devidamente funcional, assim, o corµponente da nonnatividade no sentido ont~ló~i:o.
admitindo uma margem. de erro, a conduta dos homens em 4 - Obviamente, todavia, a validade da regra JUnd1ca .
certas situações possa ser prevista se se conhecer o que é o contém mais do que a nonnatividade do dever ontológico. O ius
direito, pois a sua conduta é geralmente orientada para as regras positivum não é o ius divinum et naturale. ~a valid~d~ da_ re~ra
jurídicas. É esta previsibilidade que motiva construções erradas jurídica entra, como um componente ultenor, a ex1stenc~a im-
acerca da natureza do direito. pessoal do homem em sociedade. Por causa da funçao do
3 - Embora a intenção da regra não seja cognitiva, a regra representante, o cálculo do erro, e a sanção pela .fo~ça, este
quer dizer, não obstante, uma verdade. Esse é o ponto talvez factor impessoal penneia o processo de criação ~o direito_ desde
mais difícil de compreender no estado contemporâneo da· desin- o seu princípio na criação do representante a exeCL:çao das
tegração filosófica. A normatividade não é uma qualidade que decisões individuais nos casos concretos. Esta autondade do
se vincule à forma gramatical das fórnrnlas imperativas ou . poder. como nós podemos chamar-lhe, não é uma fonte a~icio­
ro~·m<iti.v::i.s "Far·is" ·0;1 "Nfo fa.rás". Nós :~ão son:os obrigados n-· ,1r>
't· ,.,,.,.-,~~,. :d1~
ª u . . . "l.'--.l..-'-~"· · . ' oi:; '1'.ío há existência do homem mde-
.-:.~
.. - - . _...__... J) . • • 1
a fazer algo só porque alguém nos diz ".Faz ísto'' oú "Faz pendente da ordem da sociedade. A ordem da existencrn. D_umz, u
aquilo", nem mesmo se se provar ser mais prudente obedecer é indivisivelmente a ordem da existência humana na sociedade.
porque nos apontam um revólver. A fim de exibir o seu E o dever, .tal como se descobre a si mesmo na experiência da
significado completo, nós devemos traduzir sempre a linguagem
125

124
·c,c; r·
~:_
f.·
·;-...~
-.i:··
ten~ão entre. a ordem ernpíí:-ica·e a ordem verdadeira, inclui a ~- não é meram_~pt~_}:lm espécime de uma espécie~ mas inclui na
disciplina da paixão, tanto individual como social. Deve ser, :r: sua natureza o dese;volvimento histórico da ordem verdadeira.
sendo ó que é a natureza humana, uma organizaÇão da socie- ! Esse problema foi visto pelos· filósofos clássicos. Tanto Platão
dade com o poder de fazer e impor o direito, pois.: a sociedade .
é inelutavelmente, na constituição do ser, o modo da existência
t como Aristóteles sabem que o lug~r e o tamànho do território,
[ o nÓmero de cidadãos, .o tipo de economia e o. estado da
humana. Embora o. poder do representante e a sua função de !!:: tecnologia, o estado civilizacional e educacional do povo são
criação do direito não seja uma fonte independente de ~, .. todos relevantes para a realização ele lirr:.::i. ordem verdadeira que
norn1atividade, ele é uma fonte separada de validade da regra i ·articule optimamente o dever em sentido ontológico. Numa
jurídica, pelo lado das duas fontes normativas da razão e da
revelação.
i- e:
comunidade muito pequena, sob condições económicas restritas,
com poucas relações com o mundo exterior, e sem meios
t.:. _apreciáveis para a educação e o desenvolvimento pessoais,
-:;::.... .....
1· · mesmo a melhor ordem possível sob tais condições dará poucas
§2 - A ordem jur°Ídica e a sociedade l1istoricamente .;:,
·.;
oportunidades para o desenvolvimento das potencialidades da
concreta .1 nahireza humana. Por isso, as questões da ordem jurídica estão
~
:f: · longe de se esgotarem pela garantia. de que os elementos
Ao arrolar os componei;ites da validade, nós tivemos de [: pessoais e impessoais da natureza humana são componentes da
tocar incidentalmente em diyersos pontos que devemos agora ~ sua validade. Há as ques.tões ulteriores da ordem óptima sob as
fommlar explicitamente como resultados ulteriores da análise: condições históricas dadas e na técnica jurídica para atingir os
~ melhores resultados possíveis. Do hido da concreção histórica
1 - Enquanto a ordem jurídica e a sua validade estão ~ da sôciedade surge outra vez o problema que nós enc·:);1trámos
enraizadas na natureza do homem e na sua existência em ~ a partir do lado da validade: a ordem da sociedade é concreta
sociedade, o conteúdo da ordem jurídica não pode ser deduzido por toda a parte e, correspondentemente, a ordem jurídica é
da natureza do homem. Entre a existência humana em sociedade ~~·. válida por toda a parte.
e o esforço do representante para ordená-la por meio do pro- r""' 2 - Há um resultado corolário que, neste contexto, nós
cesso de criação do direito, está interposta a existência da { apenas podemos indicar brevemente. Uma vez que o direito tem
.~:;
sociedade na concreção histórica. As sociedades não só não são x:: a sua função na ordenação concreta da sociedade, não há
mecanismos ou organismos no que respeita ao funcionamento ~: história do direito em sentido estrito. A história penetra o direito
da sua "fonna", elas nem mesmo são réplicas umas das outras Í do lado da sociedade. Uma vez que a ordem do homem em
quanto à sua "forma" organizada. Há sxiedades grandes e
pequ,:;rns; há sociccbdes nómadas, ::igr:.":olas, comerciais e in-
f. .
~"
~.· sociedade tem urna história, e uma vez que o direito está
interessado na regulação da conduta humana sob condições
dustriais; há comunidades tribais, cidades-estados, Estad·= :;- 1
~T concrefi)S. 2.s ;;istitn;r;ões do direito têm indirectamente uma
h~:~~:
-nações, e impérios. Há sociedades que vivem na forma de mito história atravé::; ciz< stn p: ; :~,~·i lj';ç.:'.o ;-,. :1:s: ~-ri ~1. :h C\i~/ência
cosmológico, e outras que diferenciaram as ordens da revelação
j.:_
humana em sociedade.
e da razão. f
A enumeração de tipos.fenomenais neste ponto não pretende f ;;;· mais
3 - Para uma indagação à natureza do direito, o evento
importante na história da ordem social é a diferenciação
.~~
mais do que sugerir o grande problema que a própria sociedade das fontes normativas da autoridade, da razão e da revelação,

126 127
a.partir das experiências e símholos compactos do. mito.- Sob
e5te aspecto, nós devemos distinguir entre os três tipos princi-
pai~ _de direito: a) o direi.to no contexto de uma sociedf~e que
é ordenada pelo mito cosip.ológico; b) o direito pos coritex!os
das- sociedades que experienciaram a revelàção· (Israel) ou·'·a
filosofia (Hélade tardià, Roma clássica); e c) o direito nos
contextos do ~mpé:-io romano e da civilização ocidental, em que
tanto a razão como a revelação estão present,;s como fontes
autorizadas de ordem. Hoje este pr~blema é muitíssimo negli-
genciado na ciência do direito - pode-se dizer meslI}O que efe
é completamente desprezado - porque o nosso ambiente cul- PLANO GERAL DO CURSO
tural se tomou tanto anti-religioso como .. antifilo~ófico. .
Não obstante, a relação das três autoridades do poder, d'a DE INTRODUÇÃO AO DIREITO
razão e da revelação é obviamente de primeira importância para
a realização da ordem verdadeira na sociedade, logo que· as . DIREITO 112,
autoridades normativas tenham sido diferenciadas do mito. FACULDADE DE DIREITO
Pode-se formular como tentativa que o equilíbrio das três DA
autoridades é a condição da ordem verdadeira na civilização UNIVERSIDADE ESTADUAL DA LVISIANA ·
ocidental. Essa .questão adquiriu urÍ1a nova pungê1~cia nos sé-~
culos XIX e XX, tanto prática como teórica, por causa da 1954-1957
ascensão de movimentos doutrinais gnóstiços que tentam a
ordenação da sociedade pela fusão da autoridade normativa com Ciência Jurídica:
a autoridade do poder, tal como foi feito, por exemplo, na
organização de um império comunista ou nacional-socialista. 1- Delimitação do campo:
Essa fusão das autoridádes teria de ser acrescentada como um
quarto tipo aos três já enumerados, pois a fusão deliberada de 1- O carácter histórico dos conceitos usados na delimi-
componentes diferenciados não é o mesmo que a compactude tação; .
primordial. A distinção dos grandes tipos históricos de ordem, 2- As três forças estabilizadoras das civilizações superio-
no contexto em que funcionam os processos de criação do res: Estado, Igreja, filosofia;
direito, deve-se considerar um resultado ulterior, e o final, desta 3 - A confonnação da ordem jurídica pela razão;
4 - A função da ciência nos diversos níveis da criação do
i:'r1"<;acão à natureza do direito.
d: p~ ~ ~~[~';
5 - A classificação das teorias juríciicas segundo a posi-
. ção dogmática adaptada pelo teórico no processo de
.criação do direito.
129

128

'-·-. ·.
l'.~·· _. . \

3 -A desintegração.d[a "polis" n]o s~culo quinto a.C. e

II - A'$ origens da ciência jurídica:


4-
a filosofia sofistica do direito;
A oposição filosófica empreendida por Sócrates-Platão; \
J =--: f.- decretação justinianeia da ciência jurídica co~o lei; 5 - Aristóteles; · · . . . ,.
2- As definições de jus!iça e de ciência jurídica; 6 _ Os impérios helení?ticos e romanü' e ~ ~làsofia est01ca
3- As definições de diréito natural, direito· civil e direito do direito (de Zenão a Marco Aureho); ..
das gentes [ius gentium]; 7 -A crise romana e a resposta imperial -. Justm1a-
4 - O jurista como legislador, estadista, filósofo e sacer- . no; .
dote; 8-·-. A crise romana e a resposta cristã - Santo Agosti-
5- Os elementos constituintes da ciência jurídica nho; · .
justinianeia.
9- A crise da Alta Idade Média e São Tomás de Aquino.
-.._ ___ _

III - As experiênc_ias primordiais de ordem social: VI - O Estado nacional secular: 1


1- A ordem social através da participação na ordem 1 - A concepção medieval da 'Monarquia' - Dan~e;
cósmica (China, Babilónia, Egipto); 2 _A soberania jurídica e política do Estado nacional
2 - A ordem social através da participação na vontade
fechado - Bodin; b
revelada d~ Deus (Israel); 3 -- A soberania espiritual dcc Estado nacional - Ho -
3 - A ordem social através da participação da "psyche"
bes; · . , F
no. "logos" divino (filósofos da Grécia); 4-Â soberania económica do Estado nacional -_- -1-
4 -·- A ordem social através da participação no espírito de
chte; . d. .t
Cristo (o "corpus mysticum"). 5- A nova filosofia do direito internacional e do. ,ir:1 o
naturàl nos séculos XVI e XVII d.C. (de Vitona a
IV - A sucessão de culturas jurídicas no Ocidente:
~ocke).
1- Na Antiguidade Oriental (códigos babilónio, hitita e
israelita); VII - A teoria do direito positivo:
2- Em Roma (República, Principado, Dominado,
1- A ciência jurídica de Austin e a· sua sucessão
Justiniano);
3 -Na Europa Ocidental (direito romano vulgar, direit'J doutrinária;
tribal germânico, direito canónico, renascimento do 2- A teoria pura do direito de Kelsen;
,~-·~ ., ·,-,,c,c':'"';;,-. ··lo ('.i:·::i~o pelo Estado; \
direito rnm2úo,
. o 1.kscivolvimento ü,gJês).
, ---·- j tl~-~\,,_i,_· \
... !. .J.....
4 -A hierarquia de órgãos e de norrna~ sob a Cff1s~:-
V - A crise social e a reflexão sobre o significado do direito: tuição;
v
5 - Centralização e descentralização;
6 - A lóoica de normas; . ..
7 - As ~iversas teorizações do direito· internacional.
1- A crise de Israel e os profetas;
2- A catástrofe micénica e os primeiros pensadores gre-
gos do direito (de Hesíodo a HerB;clito); ]31

130
VIII-.-A reunião imanentista da ordem espiritual e da ordem
• ~~~ • 1 •

' - Os primórdios do h.istoricismo no século·.XVIII d.C.;


2 - A gnose cristã de Hegel; ·
/ 3 -·A Escola histórica do direito;
4 - A gnose anticristã de Marx;
5 - O direito dos Estados-Igrejas imanenfo.~as (fascismo,
nacional-socialismo, comunismo russo).
. 1

IX - Algumas tendências contemporâneas na filosofia jurídica: APONTAl\1ENTOS SUPLEMENTARES


PARA OS ALUNOS DO CURSO
1 - O realismo norte-americano; DE INTRODUÇÃO AO DIREITO
2- O institucionalismo francês;
3- O neotomismo. FACULDADE DE DIREITO
X- O fim de uma época e ó regresso às experiências prin~or- DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA LUISIANA
diais de ordem. ·'
1954-1957

Acerca de uma ciência racional da acção:

1- Acção racional significa a coordenação correcta de meios


e fins;
2- Os meios são relativamente racionais quando servem ade-
quadamente o seu fim imediato;
3 - A racionalidade plena dos meios depende da racionalidade
do fim;
4 - A racionalidade do fim deve ser provada ao interpretá-la
corno -..1m meio pare. un.:'" fim m2.ior;
5 - Se a cadeia de prova da racicnalidc:.de, ao trai1~forrna;: ~íns
em meios para fins maiores, fosse prolongada indefinida-
me~te, a racionalidade não teria um critério último;
133

132
1

as virtudes dianoéticas. Pelas virtudes dianoéticas a natu-


6- Entãó: a racionalidade da acção-exige a exi~tência de um reza dei hÔmem atinge a sua realização plen~. O homem
que realizou completamente a sua natureza, através da vida
. bem maior a realizar; · ·
7 - A- proposição precedente não comprova que um tal bem contemplativa, é o homem maduro (o spoudaios);
· maior exista. Ela significa que a racionalidade\da acção 7 - Assim a decisão acerca da felicidade verdadeira baseia-se
\'
não pode ser objecto de ciência a não ser que exista um na ciê~cia da antropologia filosófica. Todavia, embora a
ciência forneça critérios objectivos acerca_ da felicidade
bem maior; ·verdadeira- (no sentido de uma realização plena da 11at1ucza.
/
8- Aplicação à ciência jurídica: nenhuma ciência do rfüeito é
possível a não ser que seja .possível desenvolver uma humana), tal discernimento não anula o facto de. que um
ciência do bem maior. Nenhuma tentativa que se intitule grande número de homens são subjectivamente muito fe-
''ciência jurídica" é ciência a não ser que contenha,uma lizes com algo menos do que uma realização plena, e que
teoria do ~em maior. \
se sentiriam muito infelizes se fossem obrigados a suportar
o esforço de realizar completamente as suas potencialidades.
Felicidade subjectiva e felicidade objectiva podem coinci-
Acerca de uma hierarquia de bens:
dir, mas não são idênticas. Por outro lado, a multiplicidade
de opiniões subjectivas acerca da felicidade não é argu-
1- Aristóteles distingue três tipos de bens:
mento contra a sua definição ?bjectiva.
A) bens externos - posses;
B) bens do corpo -- saúde, força e beleza; Acerca da comunicação~
C) bens da alma -~ virtudes.
1-. Paradigma: "Sócrates era um ateniense". Uma proposiçâo
2- As virtudes distinguem-se em virtudes éticas e virtudes . deste tipo, quando comunicada, tem três dimensões de

dianoéticas; significàdo:
3- O bem maior é a felicidade - eudaimonia;
4- Entre os homens as opiniões acerca da felicidade variam. A) 6 conteúdo é intencionado como verdadeiro;
Os três tipos principais de preferências, segundo Aristóteles, B) o emissor está convencido da sua verdade;
C) o emi~sor pretende que o receptor aceite a verdade no
são:
seio do seu próprio conhecimento.
A) a vida apoláustica;
2- A comunicação, quando bem sucedida, tem consequências
B) a vida política;
sociais na medida em que a sua aceitação pelo receptor o
bios theoretiÃ.os.
~;ti2Í
C) a vida contemplativa -
-.. '· ). :ja ·,rerdade t::i :·c··no P: entendida pelo
5- Aristóteles considera a felicidade verdadeira idêntica à vida emissor. A comunicação é um inst1 ,~:;1enlo p:.: "- ·
poder social através da transformação do receptor num_
contemplativa;
6- A decisão baseia-se na sua teoria da natureza do homem. seguidor da verdade proposta pelo emissor;
O homem distingue-se 4e outros seres pela sua aptidão 3 -. Por is?o, surgem dificuldades relatiyamente à liberdade de
para desenvolver as virtudes do espírito, e especificamente 135

134
A) a repressão da Idade Média teve ·\;'.,_omo resultado a
: , expressão. Se a liberdade de expressão- .é restringida por explosão da Reforma;
B) a liberdade ·moderna radical· teve como resultado a
' regulamentação governamental: ·.
difusão de convicções totalitárias ·que destroem a liber-
A) a comunicação da_verdade é mutilaqa; dade sob a qual se pudera11.1 expandir.
B) os homens ficam frustrados sob dois pontos de vista'.
8- Conclusão: a liberdade de expressão e de imprensa não é
l .º - na ri1edida em que a comunicação da verdade é uma um princípio de governo ou de ordem social, mas um
/ obrigação, a personalidade moral não s·.:; pode desen- . dispositivo prudencial para conservar e promover a ordem
social, contanto que produza o efeito pretendido. A repres-
volver adequadamente;
2.º - na medida em que a comunicação bem sucedida é são inquisitorial, ou controlo do pensamento, também não
urna expansão do indivíduo, a sua maneira d6 ser um é um princípio, mas, de novo, um dispositivo para conser-
poder na vida da comunidade, a sua esfera natural var a ordem social sob certas condições.
de poder, é restringida.
Acerca das experiências da transcendência:
4- Se a liberdade de expressão não é restringida de modo
nenhum, a comunicação do erro tem oportunidade igual de 1- Podemos disting~iir três tipos de civilizações:
competir com a comunicação da verdade. Se o erro quanto
aos elementos essenciais da ordem na alma e na sociedade A) cosmológico;
é comunicado com êxito, o result2do pode ser a destruição B) antropológico (ou clác;sico);
da orden1 social e a perversão dos indivíduos; C) soteriológico.
5 - O problema da liberdade de expressão não tem uma
solução racional que seja sempre válida. A questão de 2- Eles ~orrespondem aproximadamente às três gerações de
saber até que ponto a comunicação oral e escrita pode ser civilizações segundo Toynbee. As civilizações principaís
i livre, ou deve ser restringida sob certos pontos de vista, por gerações são:
terá de ser resolvida à luz das circunstâncias de cada caso;
\. 6 - Duas soluções principais foram ensaiadas no decurso da A) egípcia, babilónica;
história do Ocidente: B) sínica, índica, israelita, helénica;
C) oriental (com um ramo no Japão), hindu, bizantina
A) a censura radical, por meio do instrumento da Inquisição, (com um ramo na Rússia), islâmica e ocidental.
na Idade Média;
B) :i libcrc1ade rariic::ll (com exct pção das limitações à 3 --·O evePto decisivo nas civilizações antropológicas é a
obscenidade, ;;.~:~i:~ 1.ii3 :. et::..) i.'.a, 2.S~im cb::c1ccL·i, erê ciesc:o:=c::t'.t de. '\Jsychc" corno r:. :~~'·: ·;ó~:r) da t::::.:~~·:"r?.~;'6c;
4 - O evento está marcado tão suficientemente tm ~c1· '..1.; a·.
liberal moderna.
civilizações clássicas que se pode falar do período de 800
a.C, a 300 a.C. como o "tempo axial da humanidade"
7- Ambas as soluções falharam evidentemente:
J 37

J 36
.. ' ~: . . -_.-

1'
.·:
(Jaspers), ou como o período de transição da sociedade não é um grupo particular_ de seres humanos num qual-
' 1 .
quer momento dado; mas," na verdade, a "sociedade aber-
"fechada" para a sociedade "aberta" (Bergson); ·
5 -Todavia, apenas na civilização helénica a "abertura" .c:la ta" de todos os homens dilatando-se pelo fu!-Uro desconhe-
cido. A ideia de "humanidade" nada tem a ver com a ideia
sobr~
alma foi radical o bastante para resultar p.a criação de
uma forma específica de expressão que influenciou todo de um "governo mundial" estabelecido um grupo de
o curso ulterior da' civilização ocidental. Esta forma é seres humanos contemporaneamente vivos.
•.
aquilo a que chamamos "filosofia";
6 -Por "experiência da transcendência" quer-se significara -Ac~rca do~ pri"ncípios da ciência jurídica:
. t.
experiência de um tipo de ser para além dê qualquer ser
1- Aos três tipos principais de civilização correspondem
. supra-imanente;
7 - As exper_iências da transcendência são muito vari'adas. --~. aproximadamente três tipos principais de culturas jurídicas
Heraclito diagnosticou os três tipos de a,mor, esperança e - aproximadamente, por causa das numerosas formas
fé quanto a um ser espi~tual supratranscendente, o naus. intermédias:
Platão confia em Eras, Thanatos e Dike enquanto expe-
riências-chave da transcendência. A filosofia, no seu sig- A) as civilizações cosmológicas simbolizam a ordem por
analogia com a ordem cósmica. A comunidade política
nificado original, é o amor do sophon, isto é, do ser
é Uin microcoÚr;os. (Protótipo_ discµtido na aula: o
omnisciente supratransceri.dente;
8- As experiências da transcendência têm uma gra11de am- simbolismo chinês antigo);
plitude, das positivas às negativas. Exemplos: amor, espe- B) as civilizações antropológicas simbolizam a ordem por
rança, fé, confiança, dúvida, descrmça, ansiedad~, desampa-
analogia com a ordem da alma humana. E a ordem.da
alma humana é realizada através da sintonização com
ro, desespero, cepticisino, indiferença, ódio activo, escapes
a invi~ível medida transcendente. A sociedade é um
hedonistas, divertissements segundo Pascal, e etc.;
macroanthropos. (Protótipo discutido na aula: a con-
9 - O ser transcendente - na linguagem da religião, Deus -
cepção platónica de" sociedade como homem escrito
pode ser identificado na linguagem filosófica variavelmen-
te como naus (Heraclito, Aristótele~), agathon (Platão), com maiúsculas); .
C) as civilizações soteriológicas desenvolvem mais clara-
logos (Heraclito, estóicos, Cristandade), e etc.;
mente a experiência da revelação transcendente e da
1O- Logo que a alma se "abre", o ser transcendente toma-se
graça que se estende· a toda a humanidade. A ordem
a fonte da ordem ria comunidade (Platão: "Deus é a
Medida"). A ordem, na med~da em ::i_ue se constitui
espiritual é diferenciada da ordem temporal. (Protótipo
]isciltdo n,: :icila: as revelações israelita e cristã, a
divisão entr~ J i:-oc1.;:.: -,~piri~ 1.t<Ú s é) po•J':'.f t-::cr:r:J)fZ1)
através da orient:J.çii-:1, Oli da particip1çã0, no ser trans-
cendente, pode ser designada por um tç:;rmo .~i:.cnic:o comG
homonoia (Aristóteles, Alexandre Magno, Cristandade);
2- Ao avaliar o desenvolvimento, na história, de tais culturas
11 - Quanto à fonte transcendente da ordem na alma, todos os
homens são iguais. A descoberta da divindade transcen- jurídi-eas amplamente diferentes, o seu significado e as suas
dente como a fonte da 9rdem decorre em paralelo com a relações. entre si, devem-se aplicar certos princípios:
descoberta da humanidade. A "humanidade" neste sentido
139

138
gra\.i redúZido de ràcionaíidadé. (Tema discutidÓ na
aula: o ~onflito kan~iano ·entre ~s_ ideias_ cristã e pro-
: . A) Primeiro princípio: a natureza humaffª _é constante - ·'
' ' por definição. A· natureza, por definição, é o que não :.\ gressista de perfeiç.ão); : ·. _ . ___
- - .. , muda. A ''mudança da natureza- humana" impl_~êaria ~;:~
D) Quartó princípio: todas as cultiiras jurídicas experien-
que; ou ant~s ou depois da mudanç'!? os\ homens nã~_J
ciam a sua fonte primordial de ordeni como situada na
realidade transcendente, emborá as expressões da ex-
são homens. As _faculdades e experiências do homem· .
· estão sempre· presentes na sua totalidade, por·. inuitó · periência variem bastante segundo os graus respectivos
diferentes ·que pareçam historicamente rs·suas expres.:: de compaétude e diferenciação;
·' · · E) Quinto princípio: a_ experiência humana da realidade
--transcendente pressupõe uma afinidade entre a alma
B) sões;
Segundo princ1p10: embora. a natureza humana seja_
experiente e a realidade experienciada. Esta afinidade
constante, a autocompreensão do homem, tanto quanto
chama-se "consubstancialidade". (Discussão na aula
à' s:ua posição no mundo como quanto à realidade
reportada ao uso do termo com este sentido em
transcendente, progride da compaçtude ):'.ata a diferen-,
Ciação. O que, por vezes, se chama vagamente de ~ma
[Frankfort,1 The Introduction to The Intellectual
"mudança na natÚreza humana" é o avanço da auto- Adventure of Ancient Man, ·[Chicago, 19461);
compreensão da compactude para a diferenciação no F) Sexto princípio: o modo de cognição na experiência da
transcendência_ chama-se "participação". (Exemplos
decurso da história; discutidos na- ·aula: a methexis platónica no agathon;
a participa tio tomi~~a- na·;-a-tio eeiei:11-a)~ A participação
C) Terceiro princípio:-_ o progresso da autocompreensão
(envolvendo a posição do homem no mundo e quanto -
não é a cognição de um objecto ou evento supra-
-imanent~ e, por isso, não pode originar proposições
à realidade transcendente) através de experiências
diferenciadoras, e o desenvolvimento de símbolos para
a sua expressão adequada, é um aumento de conheci- positivas acerca da ordem verdadeira. A participação
mento. Ele é um progresso em direcção à racionalidade é um movimento na alma, uma resposta à realidade
transcendente em virtude da consubstancialidade. Ela
em sentido substancial, na medida em que uma com-
preensão mais diferenciada da realidade (incluindo a resulta numa sensibilidade da alma à injustiça na
posição do homem em relação à realidade transcenden- situação concreta. (Discussão na aula: a luta de Sólon
te) tomará possível uma coordenação mais adequada para traduzir a "medida invisível" em ordem positiva
dos meios aos fins, bem como uma focagem mais ateniense; a incapacidade de Platão para dar uma
adequada dos fins, conforme o bem maior a atingir. definição positiva de agathon; o erotismo da alma do
Existem, por conseguinte, critérios objectivos de filósofo em sentido platónico; a definição cristã de fé
racionalidade. Uma filosofia c:,istã do direito, como a em Hebreus 11, 1);
f1los0fia tomista, que possui uma compreensão diferen- G) Sétimo princípio: a ordem justa, uma vez que tem origem
ciada da realidade transceridt 11te C cofoca O Oéf.l fúà~Cr na realióaJ.e transcendente, n8o ;;occ <oer definida por
na visão beatífica através da graça na morte, possui regras substantivas. Nenhuma filosofia do direito se po-
um arau elevado de racionalidade. Uma filosofia do de desenvolver como um sistema de regras derivadas
:::;,
direito positivista ou progressista, que busca a perfei- de .axiomas substantivos mais elevados. Uma ciência
ção no curso supra-imanente da história, possui um 141

140
· ·~~c-~·~=-c:;:'i""':t;"":_-c·_5f;-:_"..Zi~i*;;;~~'J":0~1~-i'h.i~~ :.;~;:,?;~;:;·;:/~:,~·:. _-;'_,;:_; ,
'* ,,._!Ç~ -·-42. 3~401 MWP.HS.$.
, \ jurídica que faça estq tentativa deve;· por essa razão Acerca do direito natural: -
apenas, ser rejeitada como teoricamente inadequada;
- H) Oitavo princípio: a experiência histórica mostra qu~_ os 1- Serão entendidas como "direito natural" todas as tentativas
graus mais elevados-da resposta sensíyel à realidade de transformação--de uma reacçao à irijustiÇ<i: experienciada
transcendente, bem como a sua transformação em no caso concreto num corpo de regràs fundamentais subs-
reacção articulada contra a injustiça na situação con- tantivas que reivindicam autoridade enquanto expressão da
creta, são eventos raros. Estes eventos raros são os _ verdadeira natureza do homem e da sociedade;
grandes legisladores, profetas, filósofos e santos .. O 2--_ O direito natural, neste sentido, apenas se pode desenvoiver
desenvolvimento da ciência jurídica conio ciência deve ·onde um conceito da natureza humana se forme em opo-
prosseguir, então, através do estudo das fontes clássi- sição - à ordem socialmente aceite, isto é, apenas onde o
cas 'com o propósito de restabelecer as experiênciàs que homem, sob a pressão das experiências da transcendência,
nelas se condensaram. Esta necessidade não deve ser ~ ~-----:. se tenha diferenciado suficientemente da existência colec-
~

confundida com uma aceitação da autoridade ou com tiva da sociedade;


um mero interesse pelas opiniões dos filósofos "que 3 - Nas culturas jurídicas cosmológicas um tal conceito ainda
estão mortos há muito". Ela é o processo empírico no não se desenvolveu. Há habitualmente apenas uma catego-
qual a alma do estudioso se torna instruída nas expe- · ria de ordem que designa ao mesmo tempo a ordem divina,
riências diferenciadoras; ela é a construção gradual da ~---' cósmica, social e individual. (Exemplos discutidos na aula:
alma do estudioso num instrumento sensível, pelo qual a categoria chinesa ·de tao, a categoria e~ípcia de maat).
ele pod,, verificar a verdade ~antida nas fol}tés clássi- O governante de um impéric cosmológico (o Filho do Céu
cas sobre o problema da ordem. (Discussão nà. aula: - chinês, o Faraó egípcio) serve de transform(ldor da ordem
a concepção aristotélica da ética como a ciência da divina e cósmica em ordem social e individual. Só durante
ordem na alma do homem maduro, uma ciência que a crise de um império cosmológico (Tempo dos Tumultós,
apenas pode ser desenvolvida entre homens maduros, segundo Toynbee) surge o problema da transformação
e que apenas é totalmente inteligível para homens individual da ordem cósmica em ordem na alma do indi-
- maduros); -- víduo, _sem mediação peio representante público. Caso
I) Nono princípio: a compreensão da ordem justa progride típico: Confi;icio;
concretamente através da reacção de uma alma sensível 4 - Aristóteles distingue justiça natural e justiça legal. Uma
à fonte transcendente da ordem contra a injustiça no ordem é construída segundo a justiça natural se ela fornece
meio envolvente. Por isso, as form111ações da conduta o ambiente apropriado para a realização plena das
reeta são principalmente negativa::. (Discussão na aula: potencialidades humanas ao bios theoretikos do homem
o Império persa da Vérdade coü~ro. . ~1 J/ ~;::'.;'~; o maduro (Ética a Nicómaco V, e Política VII - VIII);
Decálogo de Êxodo 20 com as suas injunções negati- 5---S3!J ·ro1ná3 e!;;; ./:.~c1:linL· 1;,~.-c:x;(~e :~. :.~ll:~«:T.~ 1) :t2hJral como os
vas; o caso da ignorância socrática; a oposição grega discernimentos da ordem recta que são pc::;s:ve;::; ao humcrn
da verdade, aletheia, à falsidade, pseudos, de Hesíodo em virtude da sua participação na !ex ceterna. Estes,
a Platão - lembrar o longo catálogo das dicotomias disceIJlimentos são imperfeitos e devem ser auxiliados pela
platónicas). !ex diviJ?a revelada;

142 143
~iJJ;_·. -.
,-.
>...r.··
' .
·· que -referências ·sectárias ·sem um fundamento numa
teoria crítica da n3:tureza. do homem.
6 ''A oposição de uma ordem recta pof-iratureZa à ciii!eci

direi!~ tent~
· · ' concreta de uma sociedade é um acto revolucionário. Uma · ·9 - Em período·s de cnse espiritual e moral numa sociedade
'\ -·
1
; - ·-:Variedade de direito natural podó-se,-e;..tão, dietinguif:comÔ surge um.género específico dO natural que
\ .· construir a ordem de uma sociedade a partir de relações
.
.
i\ · direito natural rev<?luêionário; i ·
7 -- U:na oposição revolucionária a uma ordem existente, se contratuais estabelecidas entre os seus membros. A ori-
bem sucedida, p'ode pôi em perigo a exiStência dé. Uma gém deste tipo de teoria contratual foi analisada por
natun:.~
/
sociedade. Em reacção ao direito primário, então, Platão na República. Ela tem origem na concepçio do
encontramos frequentemente um direito natural secundário nomem corno um ser que só é motivado por paixões. A
que salienta como natural a ordem historicamente desen- ordem entre os seres humanos que existe em virtude da
volvida de uma sociedade. Este direito secundáriQ pode:se homonoia, isto é, em virtude da sua participação comum
na realidade transcendente, não é reconhecida como exis-
8-
chamar direito natural conservador; / ,. .'
Ao avaliar o valor dos sistemas de direito. natural, devem tente. O afastamento do h_omem da participação n~ naus
comum para dentro_. da ·concha das suas paixões foi
ser· usados os critérios seguintes'. caracterizado por Heraclito como a criação de um mundo
oniric() privado em oposição ao mundo público da par-
A) o direito natural justifica-se teoricamente na medida erri
ticipação no kóinon, o naus comum. Platão retorna a ideia
que traduz ps disce,rnimentos obtidos por uma teoria' da
natureza do homern n'ª' linguagem dos fins obrigatórios. heraclitiana-do!ffnundoçoníricos da paixão individual. A
partir de tais m.undos oníricos individuais, nenhuma or-
A tradução aristotélica pode servir como exemplo: pelo
dem comum pode ser construída 1.JOrque falta ao acordo
a fo~ça obrigatória que deriva da participação na reali-
discernimento teórico, o bios theoretikos é a realização
plena da potencialidade humana. Traduzido numa regra
dade transcendente comum. Os contratos seriam fónnulas
moral: o homem deve-se esforçar por encontrar esta
vazias. Esta análise é válida para todas as construçõés
realização na sua existência pessoal. Regra da justiça
natural: a sociedade deve estar organizada de tal maneira posteriores de um tipo semelhante;
10 - O tipo de teoria contratual analisado por Platão deve-se
que a realização do fim seja possível, ao menos para
distinguir das teorias que deixam a ordem social surgir de
aqueles que desejem alcançá-lo; um "instinto social". O "instinto social" é um símbolo
B) o direito natural toma-se incerto se erigir regras pa-
compacto,. de pouco valor teórico logo que tenha sido
radigmáticas de ordem, justificadas teoricamente, em
estabelecida"a análise diferenciada das origens da ordem.
postulados de reforma revolucionária. Aristóteles era
Mas ele não é culpado da falácia descrita no parágrafo
muito sincero a respeito da. sua criação de uma ordem
1. .
1~ l
r·~;}'.'_ ~ociedade,
r:'C}(lif)Tif<.tica da na Política VII - .. precedente.
VIII, não ser urna iecei~a para refc.rnz.r· :!.. ":~c;1is"
helénica. As suas receitas para a acção concreta, na
Política lV - VI, eram de urna natureza inteiramente
diferente, maquiavélica; ]45
C) o direito natural é inútil se não contiver nada mais do

144
\
w

... ,.,•.,- -..-..·.•' .. · .·, .· e.•_._·.. _:-.-;·e.-. , ,........ ~- ... -.-.•·

.. ~ -

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1

1
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11
DIREITO E PODERIO ( )

Os êfois volumes do Professor James Brown Scott consti-


tuem uma proeza notável.da literatura dogmática sobre os temas
do direito e da ordem i~temacional
2
(1 ). O Pfofessor Scott é o
representante dessa escola de pensamento que isola a ordem
jurídica do contexto da realidade social e políticl1, e: a trata corno
se fosse um domínio em si mesmo, a ser estabelecido mais cedo
ou mais tarde neste mundo, após' terem sido superados deter-
minados obstáculos no decurso da sua evolução. Urna vez aceite
esta premissa, indagar acerca da natureza e da estrutura da
·ordem incoativa e "codificá-la" sistematicamente, como faz o
Professor Scott no volume II da sua grande obra, toma-se uma
iniciativa sensata. Sob três títulos - ciência jurídica, o Estado,
- o direito internacional - , _ele fornece urna compilação bem-
-ordenada de citações das autoridades principais desde os gregos

(_1') Esta crítica foi originalmente publicada em The Review of Politics,


lli (1?41), pgs. 122 e 123. ?.~:;;;'.'res'-'.• C)':.1 ;crmis>ãn.
( ) James Brown Scott, Law, ;he St;iíi?, o•;é; !!><·-
12
Community (Nova Iorque, 1939). Vol. I: A Comr.1e11tary on the Devt:icpment
of L<gal, Palitfoal, aad Iat,matio>wl Jd'ª" Vai Il: Extcadx Jlluxtrntiag the ···
Growth oyTheories and Principies of Jurisprudence, Government, and thé

_Law of Natio11s.
147
.J~ç. que, pot cons;~inte, são. excluídas dascitações contidas no
__ .--;
";~:volume II. E após Hooker e Grócio,_ a evolução evol~i tão mal
. sob~e, os elementos da ordem desejada. Enq~ân~o que o volume ~::): que mais ninguém é citado·.·· Através deste género de omissão
II expõe uma codificação .sistemática dos princípios e das regras ::: criteriosa, forja-se· uma sóllda ·cadeia· de· evolução contínua,
desenvolvidas erri conformidade
. ...
com o acôrdo das .autorida'âes ' ,· estendendo-se d~. Platão e Aristóteles, além de Cícero, do Codex
o volume I é um "comentário'.' histórico sobre o_desenvolvimen- : _Justinianus, de Santo Ãgostinho, de São Tomás de Aquino, de
1
to do sistema conforme cJ.exposto no codex. E a introdução ao · Vitória e Suárez, até Hooker e Grócio.
Posso-imaginar que até um adepto convi~to das ideias do
.
volume I "chama a atenÇão do leitor para certas concepções do · · .
·pro~essor Scott poderá experienciar alguma inquietação quando
/
direito e da sociedade que ·são simultaneamente fundamentais e
quase universalmente aceites". acaba de Jer o honesto e letrado Comentário. Poderá ocorrer-
A obra tem o propósito declarado-de codificar um sistema -lhe que os grand_es contributos para uma ordem do direito têm
e de suportá-lo pela autoridade de pensadores afins. Tudo o que uma propensão infeliz para coincidir com períodos da histó,ria
posso fazer' é; por conseguinte, apresentar alguns dos axiomas que estão longe de representar o ideal de uma ordem pacífica
principais da sua concepção. O primeiro é a~tese qúe, de facto, e justa: que, por exemplo, o contributo estóico assinafa a
há uma evolução, através da história da humanidade das ideias decadência da Hélade e a conquista sanguinária da Ásia por
- . '
e das instituições rumo ao objectivo de uma ordern pacífica do Alexandre Magno; que o contributo ciceroniano assinala o
direito. Este primeiro axioma carece de diversos outros. Porque princípio da nada pacífica conquista romana; e que o princípio
a história da humanidade não é, como é óbvio, uma unidade de do direito internacional moderno no século XVI coincide com
evolução contínua, mflS apresenta o quadro de civilizações ·a conquista espanho.la da América. Parece ha~er uma ligação
coordenaôas tais como a do Extremo Oriente, a mesopotâmica, entre a ideia de ordem e a existência de um poder capaz de a
a ocidentêl e a árabe, o conceito de "era histórica" tem de ser manter. Embora o Professor Scott esteja certamente justificado
introduzido a fim de dbter uma base para o sistema. A "era ao afirmar frequentemente que a força não cria o direito,
histórica" começa no século quinto a.C. na Grécia e estende- infelizmente é igualmente verdade que ela cria uma ordem, e
-se deste início até ao presente, através da história ocidental, que, sem ela, uma ordem não pode ser criada nem mantida:
absorvendo pelo caminho os profetas hebreus e a Cristandade. Talvez resida aqui o ponto onde se toma óbvia a inconsistência
Coisas menores como a China, a Índia, o Egipto e o Império intrínseca de uma atitude que tende a separar a ideia de ordem
bizantino são aparentemente relegados, com os primitivos, para da realidade do poder. Porque a posse do poder não confere
o limbo da Pré-História. Mesmo [com] a restrição (da história equidade à ordem por ele mantida, o poder e a aplicação da
da humanidade] à "era histórica", todavia, a corrente da evo- força são, frequentemente, considerados imorais em si mesmos.
lução não flui de modo totalmente uniforme. Os hiatos entre os Parece_ ser uma das coisas mais difíceis, para um pensador
pontos altos ou são ignorados ou são explicados como desvios político, separar claramente o problema do conteúdo de uma
e retrocessos temporários. A literawra acerca da Grande Mi "'ara- or~_em do problema do seu cumprimento. A questão do direito
ç2o ( Võlkenvanderung] é inteiramentr. ignorada; há um deserto f:fr1-se n::;s prindpios sobre os quais urna ordem é construída;
de oito séculos de Santo AgostirJ10 a Jr;:·J de Sa1isbúr;a_
De<.,retún~
a manutenção de urna ordem, sendo 1. 1121ture;:-.a h·..;m;:m'.:!. o que
mitigado apenas por Santo Isidoro de Sevilha e o é, terá sempre de contar com o instrumento da força.
Gratianwn. Com a Renascença começam, então, a aparecer
personalidades duvidosas como Maquiavel e Bodin, que não
149
contribuem muito, se é que contribuem, para a ordem do direito

148
\

DOIS CONTRIBUTOS RECENTES 13


PARA A CIÊNCIA DO DIREITO ( )

Uma ciência ade·quada do direito não tem um objecto


simples. Ela.não s-e esgota numa histérria daS: instituições ou num
projecto de uma ordem justa, nem numa análise da estrutura
lógica das. regras jurídicas, nem numa classiücaçlio da conduta
social, nem numa indagação acerca das estruturas de poder, nem
numa análise do processo judicial. Fia estende-se das caracte-
rísticas biológicas do homem ao fundo ético e religioso de uma·
. s;ivi\ização, do sistema económico de uma comunidade à lógica
dos julgamentos _normativos, da expansividade do ser humano
(simbolizada pelo conceito de liberdade) e do seu retraimento
-na ansiedade (simbolizada pelo conceito de medo) às delicadas
discussões técnicas sobre a melhor maneira de alcançar um ' -

certo fim social por meio de regulação. Nenhum destes tópicos


é insignificante numa apresentação plena do objecto, nenhum
deles pode ser negligenciado como sendo apenas inddental; cada
um deles requer o domínio pleno dos assuntos, bem cuwu ck::,

( Esta crítica foi originalmente publicada em The Review of Politics,


)
13
llI (1941), p_gs. 399 a 404. Reimpressa com permissão.
151
métodos;. •
empr~gues. na sua i~te~retação. Esta-,1 ilustração
•.•
do O direito é definido pelo Professor Timasheff como urna
problema é, penso eu, o resultado de, grosso modo, um_ sécu~ "coordenação ético-imperativa da conduta", significando, por
e meio.de grandes contributos dados à ciência do direito atrayés isso, uma ordem que. "é constituída por padrões de ·conduta
das junsprudências analítica, histórica, filosófica e sà,ciológica. impüstos pelos agentes do poder centralizado (tribunais e Ad-
_, É sobre. ci fundo deste res~ltado que temos de .coiocar dois ministração) e Sl,lstentados simultaneamente por uma convicção
/ · importantes contributos r'ecentes para a ciênc:ia do direito: a grupal de que a conduta correspondente 'deve ser"' (página 17).
/
/ Sociologia do direito, -do Professor Timasheff, e P Introdução O direito, ~ntendido deste modo, "não é uma f 9rina necessária
ao direito, do Professor Bodenheimer (1 4). da existência humana, nem uma categoria do pensamento hu-
Parece ser significativo para a alta .qualidade da obra dos - ·inaD:_o," mas "um fenómeno histórico, um produto do desenvol-
dois :académicos que, embora discordem consideravelme11te no vimento cultural" (página 272). Estas definições determinam a
seu método de abord.agem, eles coincidam num alto grau nb seu organização do livro. A Parte I é uma introdução que explica
tratamento do assunto; O entendimento deve-se ao· facto de o- lugar genérico de uma sociologia do direito na ciência. As
ambos aceitarem essencialmente a situaçã~ acima descnta e de Partes II e III tratam dos dois elementos componentes do direito,
não tentarem limitar de novo 6 tópico a qualquer uma das suas respectivamente a ética e o poder, e a Parte IV trata dessa
partes componentes. Ambos se caracterizam pela catolicidade de secção sobreposta dos problemas éticos e de poder que o autor
perspectiva .que previne uma ênfase unilateral indevida em . definiu como o direito. Dentro das três partes principais (II a
qualquer um dos aspectos 1histó.rico, analítico, político ou ético. IV), a matéria está organizada sob os títulos principais de
Eles ~oncordam que o direito não é uma estrutura apriorística equilíbrio, mudança, diferenciação e integração, e desintegração
da mente hum:'1na nem, pqr conseguinte, um fenómeno que se da situação ético-social, da estrutura de podei." e das instituições
encontre invariavelmente ei:n todas as etapas de civilização, mas do direito. Praticamente todos os tópicos que estão acima
sim que tem um estatuto histórico. E eles estão de."acordo em catalogados encontraram um lugar scb um <lestes títulos. Sobre
que a via mais satisfatória ·para chegar a uma definição do este ponto, nós apenas temos a dizer que o Professor Tirnashe:ff
direito é, por conseguinte, formar um tipo ideal do estádio oferece uma 'perspectiva competente e eminentemente útil do cam-
plenamente desenvolvido e caracterizar outros tipos de ordem po, baseada num largo conhecimento da literatura sobre o assunto,· I
comunitária através das suas diferenças do tipo maduro de e que o livro é uma introdução excelente e legível ao problema.
direito. Esta coincidência de opinião sobre as premissas gerais Surgem, todavia, certas dificuldades que são devidas à
deixa, todavia, amplo espaço para a profunda divergência na posição metodológica adaptada pelo Professor Timasheff. Do
organização das matérias; .e os dois livros são representativ.os, catálogo de problemas acima mencionado, parece óbvio que o
não só através da sua concordância, mas também através das fenómeno complexo do direito não pode ser dominado
suas diferenças, das técnicas científicas que mostram claramente monisticamente apenas por um método seleccionado ao acaso,
3.3 dificuldades actuais na via de um desenvolvimento ulterior mas que os diferentes elementos envolvidos requerem os seus
da ciência do direito. métodos Viculiares e bastante diferentes a fim de serem tratados
adequadamente. Esta i:cc0ssid~,1 e é negligenciada pelo Professor
(1~) N. S. Timasheff, An lntroduction to the Sociology of Law, Harvard Timashe:ff, pois ele é um adepto da noção positivista d0 ciência
Sociological Studies, III (Cambridge, Massachusetts, 1940); Edgar e, em particular, supõe que "a sociologia é uma ciência
Bodenheimer, Jurisprudence (Nova Iorque, 1939)- nomográfica" (página 19). Esta declaração algo ditatorial, feita

152 153
· Enquanto que o processo apropriado seria apresentar pri-
meiro as matérias num niodo introdutório e discutir a questão
pelo Pr.ofessor Timasheff sem uma tentativa de justificação,
da relevância, nalguns casos talvez não importasse muito para
os resultados científicos se os tipo.s estão ou 'n~o cobertos por
embaraça a organização adequada do campo. Mesmo dentro do
camp.o _d?-,. própria sociologia em sentido estrito, a posição é
uma fachada de epistemologia nomográfica. No caso do tema
questionável porque ôs métoQOS correntes empregues pelos
c1,c:: "Professor Timashcff, todavia, a ficção do "direito natural"
'unifor~;;doéc.;
sociólogos e3':i:'..c lor1g0 de ::;er "nornográficos". Os "ti nos ideais"
·por exemplo, não são nem de,cdtivos de .,; .,_resulta numa rigidez d_e construçãc que é incompatível com a
sociedade sob a forma de leis naturais," nem são conceitos éomplexidade do objecto. O seu conceito-tipo de direito pode ser
um bom resumo dos elementos relevantes, e pode-se concordar
idiográfico=-históricos, mas pertencem a uma terceira classe
complicada de instrumentos conceptnais,.descrita em pormenor que osel~mentos de regulação - ordem, consentimento ético
por ~ax Weber. A dicotomia entre ciências nomográfi'as e _de grupo e imposição através das instâncias de governo -
1d1ograficas, tal çomo foi desenvolvida por Windelband e Rickert deveriam fazer parte do conceito, mas isso não quer dizer que
parece-me ser iúsustentável desde há trinta e cinco anos se el; o tipo se possa tomar a base suficiente para um tratamento
científico sistemático do direito. Além da convicção ética e da
pretender ser exaustiva. Naturalmente, o Professor Timasheff
não segue os seus próprios mandamentos metodológicos. A sua imposição da autoridade, fazem parte do assunto os temas
definição de direito acima referida não é nomográfica, mas sim acima mencionados, e diversos mais, em iguais condições.
um conceito-tipo mais ou menos bem construído, e este facto Subdividir o campo em. ética, poder e direito significa que se
não pode ser encoberto pelo sel1 tratamento do conceito como tem de encher os lugarés sistemáticos errados c,offi uma plétora
se ele fosse uma lei da gravitação, cuja validade tem de ser
f. i de problemas que não cabem em n~nhum dest~s títulos e que,
verificada por experiências. O Professor Timasheff incu~be-se consequentemente, se deformam consideravelmente as propor- -
a si mesmo da tarefa de "provar" que o direito é, nà verdade, . ções dos problemas. E, além disso, é antes um tour de force

confess~
uma coordenação ético-imperativa do comportamento social subsumir temas, que vão da ontologia do ser humano à
depois de ter afirmado abruptamente que é assim. Eu
que não vejo como é que um conceito-tipo pode ser "provado".
Ele desenvolve-se na base de matérias'que parecem ser relevan-
concretização das regras jurídicas através de decisões judiciais,
·sob titulo.s tais como equilíbrio, mudança, integração e difercn·
daÇão. Néste momento, a insistência do autor em tratar o
\
tes por uma razão ou por outra, e desenvolve-se a fim de se fenómeno do direito a todo o custo sob a ideia da "sociologia
lhes aju~tar. Seria uma grande surpresa se ele não se ajustasse nQmográfica" interfere seriamente com o sucesso de uma em-
às matérias q~e deram origem à sua formação. Naturalmente, presa brilhantemente iniciada doutra maneira. Valerá a pena
º. Profossor T1masheff, sendo um cientista competeníe e habi~ considerar de novo uma advertência casual feita por Max
hdoso, desenvolveu o seu conceito na base do seu conhecimento Weber, segundo a qual a .divisão departamental de uma univer-
das matérias, e não faz muito sentido fingir que o conceito caiu sidade não refleete a estmtura do universo; e ainda que haja
do céu e agora se ajusta milagrosamente ao fenómeno soe.'.:'.~. boas razões para ter departamentos de sociol_ogia, isto não quer
Seria, todavia, de importância primordial discutir ·as.matérías e dizer que o fenómeno do direito, sendo um fenómeno social,
explicar porque é que elas são consideradas relevantes, e porque . possa ser tratado adequadamente sob categori.as que, eí:n qual·
é que certas características essenciais deveriam fazer parte da quer altura, se charoaraffi sociológicas. A situação actual da
formação do conceito-tipo; mas esta questão da relevância é
155
inteiramente omitida pelo Professor Timasheff.

\
- ...

ciênçia do direito, como foi àcima descrita, e ..ç,omq foi impli-_


citamJnte aceite pelo Professor Timasheff, requer Úm estudioso ttatamento especial as teorias positivistas analíticas e socioló-
que_s~j_~ ,sociólogo, psic~logo, cientista político, jurista, e !aríi- . gicas do século -XIX em di~nte. O Pfof~ssor Bodenheimer não
bém bom metafísico. Se fosse mesmo necessário dar-_uma prova _dá quaisquer razões para esta organização da matéria, embora _
- ~ - ; ._ 1 •

do honesto labor de estudioso do Professor Timasheff, seria valha a pena dar-lhe alguma consideração. '
/ . suficient~ -sali_entar o fact~ de que a sua abordagem algo Como o diréito, na opinião de ambos os autores, não é uma
/ departamental do tema o não impediu de tratar ó-; _problemas · estrutura apriorística mas, ao menos parcialmente, um fenómeno

1
_/·
do campo em toda a súa amplitu_de. Não é a mep.or das suas ;_L sócio..:.histórico, suÍ-ge a questão, como anteriorinente se obser-
contribuições ter revelado com esta contradição, a qual permêia - vo.u, de saber qual o critério para uma selecção cientificamente
o seu livro, a verdadeira natureza do problema. "" - rel_~vante de matérias a ·partir de um campo difuso. A aborda-
-A Introdução ao direito do Professor Bodenheimer mostra _ ge~ positivista do.Professor Timasheff evade simplesmente esta
um contraste :interessante com a Sociologia do, direito do questão; o Professor Bodenheimer fornece uma selecção prática,
Professor Timasheff. Enquanto que o Professor Timasheff pos- mas não a justifica. A primeira delimitação de unidades relé-
sui uma mente abstracta e sistemática ao ponto de abrir o seu vantes, no caso do direito, é dada pela aÚto-interpretação da
livro com definições de éonceitos sem revelar como a eles realidade histórica através das pessoas que expressam as suas
chegou e porque é que os adiantou, depois continua e descobre,_ - preferências metafisicas, políticas e éticas numa dada situação;
para sua agradável surpresa, que eles se ajustam à realidade e ou seja, é relevante, na primeira abordagem, o que os membros
q;1e afinal n2:o foram adçiptados e!ll vão, deixando o seu leitor de comunidades juridkamente ordenadas pensam ser relevante.
a meditai- sol,re o milagre da harm011ia pré-estabefecida~ o· Se hós·queremos delimitar ·Jm fenómeno como o direito, temos
Professor Bodenheimer parte do assunto tal como ele ocorre na de começar per um::i investif::,ação acerca do pensamento das
história e tenta perceber, ·a partir da ocorrência óbvia, os pessoas empenhadas na conformação da ordem da sua comu-
elementos que podem ter entrado na composição do resultado ·nidade, quer como membros humildes, através da sua conduta
complexo. Os títulos que ele dá às quatro partes do seu livro e da sua opillião quotidianas, quer como políticos e pensadores
não deveriam, por conseguinte, ser entendidas como descritivas profissionais e sistemáticos. Tais matérias de pensamento ape- ·
I
de um sistema, mas antes como os nomes dos estímulos pro- nas podeµ1 ser um ponto de partida porque são pragmáticas, e
vocantes para uma ciência jurídica que se pode encontrar no tem de se prosseguir em direcção aos elementos que fazem parte
ambiente histórico. A Parte I trata do poder e do direito e inclui deste tipo de matérias, pois eles são, afinal, a nossa única via
um capítulo sobre a justiça, congregado, obviamente, não por para uma selecção relevante. É, por conseguinte, altamente
razões sistemáticas, mas ·pela sua conexão tópica no discurso recomendável cientificamente agrupar as matérias em redor dos
q~1otidiano sobre o assunto. A Parte II trata do direito natural,
tipos e tendências principais do pensamento pragmático, como
não como uma t:~liclJ.ce sisterqática elementar, mas, de novo,
faz o Professor Bodenheimer, embora este agrupamento das
como urna ocorrência histórica de estrutura complexa. A Parte
rna~_:rias seja n primeiro e não o último esforço de uma ciência
III, sobre as forças conformadoras do direito, aproxima-se de
do direito.
uma visão sistemática ao incluir factores políticos, psicológi-
Esta abordagem parece ser particularmente afim ao autor,
cos, económicos, nacionais, raciais e culturais. E a Parte IV,
porque ele mesmo tem um propósito próprio ao c-onfigurar o seu
ao tratar do positivismo na ciência do direito, escolhe para
sistema, o propósito de exibir a função limitadora do direito.
156
157
(páginas 195 a 261) são introduções particularmente competen-
tes a estes campos. O tratamento assurne a forma de um curto
\
Ele à.plica que "O direito na sua fom1a mais, pura e mais e, no seu conjunto, correcto relatório das teoria~, seguido por
perfeita será realizado numa ordem social em que a possibili-
observações críticas concisas e pertinentes que nos conduzem,
dade-de abuso do poder por indivíduos particulares b.em como
' ~ • ,-1 ' • " (p ' . . 19) o 'il~; para além das teorias em questão, até aos problemas sistema- '
\
pele' gr;Ve•:8 est0 reuuz1u.a a um mm1mo agma . ~"~· ticos --- ;.:;mbGra não rnuit0 longe. Este rnétodo tem a vantagem
.·direito, neste sentido, tem a função de Ernita.r 8S acções dos de.delinear a situação actual da ciência do dnei10, terminando
Índivíduos a padrões de compOrtamento que são mutuamente
compatíveis uns com os outros, e ele limita as acções dos
n_µnia _descrição semelhante àquela re~ratada nas minhas obser-
vações introdutórias, mas ele tem as desvantagens de embaraçar
governantes de modo a que os membros vulgares da comunidade
o desenvolvimento de ideias construtivas, porque o argumento
possam estar razoavelmente seguros contra a interferência go-
vernamental inesperada, arbitrária, nas suas esferas privc:-das.
~-~stá ligado muito de perto ao tratamento tradicional dos pro-
biemas. Sistematicamente, por conseguinte, essas secções são
Esta ênfase dada à função limitadora fixa fronteiras do cainpo
: mais frutíferas quando analisam aqueles pensadores que tiveram
do direito algo mais estreitas do que a definiÇão do'Professor
' uma educação filosófica abrangente - ou seja, até ao fim do
· Timasheff, e o Professor Bodenheimer tem por princípio que o
.século xvm -, enquanto que o resultado se toma algo estéril
cQnsentimentQ de grupo, tal como é apresentado pelo Professor
Timasheff, pode sustentar um mando ditatorial arbitrário ilimi- _.-quando a visão entra no período da divisão de trabalho incipiente
. nas ciências sociais e, particularmente, no relatório sobre a \
tado. Pode ser uma questão de saber se esta definição mais
estreita está em melhor concordância com a· auto-interpretação · volumosa literatura juridiéa acerca do d;~eito que se desenvol-
da realidade social ~- a qual é aúltima instância neste assunto
- , mas o Professor Bodenheimer pode, certamenté, adiantar
veu no século XlX.
Os juristas são uma raça ~obre
.
e arrogal{te. Cheiós de
boas razões para elaborar o seu tipo ideal a partir do modelo orgulho comPreensível pela importância prática da sua profis-
dos governos constitucionais do Ocidente. E, além disso, cien- são, eles acreditam demasiado frequentemente que, se domina-
tificamente não importa muito, contanto que as diferenças rem dogmaticamente o direito, estão suficientemente habilitados
existentes entre os tipos sejam cuidadosamente exibidas, embora
importe muito, na prática, para o Professor Bodenheimer, que
para lidar cientificamente com ele - o que não estão. Observar
~umas
al das ·arandes autoridades do século XIX em direito
o efas desenvolvem o conceito jurídico de res
\
quer monopolizar o termo direito para os governos constitucio- romano
b
quando
nais e negá-lo às ordens jurídicas das ditaduras.
Enquanto o autor aborda o problema da ciência jurídica
sobre o fundamento do significado de "coisa" na "ciência
natural" é uma experiência honipilante. E, mesmo quando eles \
através do pensamento pragmático sobre a matéria, a maior se dianam adquirir alaum conhecimento dos métodos empregues
o o
em ciência, este conhecimento e a sua aplicação permanecem

\
parte do livro é um relatório de doutrinas ;;obre os diversos
aspectos do direito. Mesmo que se devesse ter algumas dúvidas
quanto ao valor sistemático fundamental do livro, ele apresenta-
-se como uma história excelente, inteligentemente organizada,
r.

.,
frequentemente superficiais. O saü0r P"roquial deste período ·
entrou, até certo ponto, na avaliação que dele faz o Professor
Bodenheimer. Eu penso que, todavia, era importante clarificar
~
\
da teoria do direito e que pode ser, vantajosamente, usada como •: a situação; e, · quando o Professor Bodenheimer conclui
um texto sobre esta matéri~. A visão dos direitos estóico, ' programaticam,nte o seu livro ao apontar para a necessidade
cristão, clássico e natural moderno (páginas 103 a _192), e a
159 \ 1
visão da literatura sobre as forças conformadoras- do direito
~ 1

_____ ' 1
de combinar os métodos das diversas abordageps da ciência do
dir~ito, a fim de chegar a um tratamento completó e adequado
desta ~atéria muito complexa, ele ao men~s tomou sem d:4.yi,da
evidente onde nós estamos actualmente, e dem_~nstrou tambem_
q~e, -de futuro, a ciência do direito tem de ser construida sobre -
uma mestria completa dos seus diversos ramos.

~-.
A TEOR.IA DA CIÊNCIA JURÍDICA:,
5
UMA CR.ÍTICA (1 )

O número de contribuições para uma teoria da ciência


jurídica é tão reduzido que qualquer ensaio nesse campo pode
estar seguro de atenção ávida. A presente monografia do senhor
Caims pode estar duplamente segura disso por causa das
6
quali-dades do autor, bem como da sua obra (1 ). Dar conta
adequada do livro compacto não é, todavia, uma tarefa fácil.
Há diversas circunstâncias que confundem o leitor; eu relatá-
-las-ei primeiro sem comentários e, apenas a seguir, arriscarei
uma avaliação dos problemas apresentados pelo autor.
O senhor Caims pretende propor uma teoria da ciência
jurídica. Normalmente, um leitor que abra um livro com este
título espera encontrar expostas nele a epistemologia e a

- - - ·---··---
(1 5) Esta crítica foi originalmente pUb!;cada na Lo:dsi:Jmz Low -~eview,
IV (1942), pgs. 554 a 571. Reimpressa com permissão. .
( ) Huntington Caims, The Theo1y of Legal Science (Chapel Hill,
16

Carolina do_ Norte, 1941).


161

160
_-;;::c- -·,

nenhuma e que será necessário o trabalho paclente M gerações


de letrados para produzir a ciência. O leitor esta co;itmuarnente
metodologia de uma ciência que realmente existe; mesmo se até a tropeçar e a hesitar na sua compreensão porque e suposto ele
aqui os \eus fundamentos teóricos permaneceram insatisfatórios;
especar~~_e,-ia que o autor apontasse o corpo de conhecimento do não saber do que ·º autor está a falar. . ..
Isto, todavia, é. apenas o apuro do leitor leigo que esta
,
qual ele pretende esclarecer .os princípios teóricos. A este dis»oslc
r r. confiar . ~
; incondicionalmente ~ ':~~
no autor. O pento no
n c;enhor
c,ampo encontrara outra 1azao para estar c~nrunmuv. ~ --
resptito o leitor fic2rá desapontado. Porquanto o senhor Caims
é de opinião que a cíência jurídica não existe.: de todo, '-'t: nós . éaims dá, afinal, algumas indicações (multo escassamente) do
exceptuarmos uns poucos fragmentos honrados, e que a sua
criação é uma tarefa para o futuro. O livro contém, por
. -alcanée e. do propósito da ciência jurídica fut~ra: N_egatwa:nm~ 1 \
1
. te, ele tomà claro que ciência jurídica não e h1stofla 1und ca, \
conseguinte, em resumo, a teoria de uma ciência inexistente.
forrn~lar
.. . que ela não se esgota a si mesma na Illera acurnulaçao de factos 1
A ciência não existe mas, na opinião do autor, ela devia
-- (acabou-se o institucionalismo descrll1:'0), mas te;:n de
existir. A fim de ajudá-la a formar-se, ele empreende a·"obra regras gerais; que ela não é idênt1ca a 1unsprudenc1_a ana:1tlca 1
maiêutica de delinear os seus objectivos e os: seus problemas do tipo austiniano; que as escolas conentes de teona 1und ca,
teóricos básicos; e, então, ele convida-nos à atarefanno-nos
nela. Alguns leitores podem ficar irritados pelo modo como o
autor diz às pessoas o que fazer em vez de fazê-lo ele mesmo; .~
tais corno os juristas sociológicos, reahstas e expenrnentahstas,
cabem no titulo de "tecnologia jurídica"; e que os sem resul-
ta dos não podem s cr a ba~'!
de urna ciência, por multo ,mpor-
\
mas uma tal irritação não será inteiramente justificada. Há - 11
tante que possa ser o seU trábalhú noutros a;_redoS. Pos1twa- \ 1
certamente um tom de exortação perpassando o livro que, !
rnente ele define ciência jurídica como a ctencia da conduta
ocasionalmente, fa7 o leitor sentir que o autor possa legitimar
um tanto o seu empreendimento teórico ao levar a cabo algumas
huma~a que tem por sua função a e\irnin.ação d~- d:sord:m 1 e \
\
a criação de ordem na sociedade (página 2). Íf c1encia iund _ca,
das coisas que, aparentemente, ele sabe deverem ser feitas: Mas neste sentido, não trata apenas das instituições de direito clVll
há mais na obra do que só exortação. A discussão tem um valor e criminal, mas inclui pelo menos uma grande parle do tema
positivo porque, na crítica de abordagens passadas, revela da ciência política (página 3). Este campo um ;anto grande que,
falácias teóricas e erros factuais a serem evitados no fÚturo; potencialiÚente, poderia incluir todas as especies de conduta
além do mais, o autor sugere o que ele acredita ser o principal humana produtora de ordem, é estreitado em passagens p~ste-
problema de uma ciência jurídica - como nós veremos, o riores pela enumeração de seis elementos d~ estrutura 1und1ca
problemá sugerido é, de facto, o problema crucial de qualquer que constituem o campo principal da mdagaçao. Os selS elemen-
ciência da ordem social. A delimitação de um campo de ciência tos são as pessoas, as associações, a propriedade, os compro·
através. da formulação do seu problema central é, certamenl.e, . missas, a constituição da comunidade e o s1sterna·adm1mst;atwo
uma importante realização teórica; mas a 'nera formulação que a sustenta (página 93). por motivo de abreviaçao da
deixa-nos completamente às escuras acP,rca do conteúdo da
.c~nduta
classificação, o autor mostra. urna tendência para enquadraras
ciência futura. Esta situação toma o livro uma leitura difícil. seis elementos sob três títulos: a regulação da (mclu-
O seu estilo é claro (com a excepção de uma ou d~a~ passagens indo os primeiros quatro elementos), a conslllU!Çaü e o s1stern~
obscuras) e o desenvolvimento dos problemas é lúcido. Mas, do
ele~entos
administrativo (página 98). A delimitação do campo a se:s.(ou
princípio ao fim do livro, o leitor desveriturado é incapaz de três) é acresCentada, além disso, pela definwao do
remeter as ideias do autor a qualquer facto da ciência, especi- 163
almente' porque o autor lhe garante. a cada passo qu~ não há

.-:._.:.-·-:;·
·~~~?-iz?/:~~:::~·- :":x='?··"=·. --- ._.. - ---·-.----·-=·
- :;_ -·- - -
~

- - -- ; -

. direit?,. como o meio de . controlo social "quç; para_ o seu .. -póstumo Cfyagmentário) sobre Wirtschaft w;d Gesellschaft, parece .· .
cumprimento, incorpora em· si mesmo, ou tein atrás de si, uma _- sei inteiramente desconhecido do senhor C~irns. O tratado sobre
agência_ definida que exerce, ou através da qual pode ::Ser · Wrrtschaft und Geséllschaft é ~m. vol~me in-:quarto em letra
exercida, a pressão da sociedade política organizada" (pági~a pequena que, num livro de tamanho VÜlgar, se estenderia por ·
_. 22). O senhor Caims está _ciente de que esta definição está mais de duas !llil páginas, metade ·das quais são dedicadas
,.- orientada para o Estado illoàemo, e que a inclusão de outros precisamente à execução do projecto que agora é sugerido pelo
senhor Caims. Nós confrontamo-nos com a ci.1riosidade de um
sistemas jurídicos teria de tomar em devida ·cor;.~ideração os
1
/
../
"equivalentes" ao maquinismo de compulsão desenvolvido pelo ·... _tratado têntando desenvolver a partir do nada, com trabalho
Estado moderno (página 23). O objectivo 'derradeiro de uma con~iderável, urna posição teórica que foi desenvolvida com ·
ciência que explore este campo será a fo~ulação de um sistema grande-precisão há várias décadas em todos os seus pormenores,
de regras gerais; mas, antes que possam sei formuladas regras e_ acrescentada .eorn mais de mil páginas de rica aplicação
de elevada generalidade, nós temos de prepara,r o caminho pela material. Seria altamente injusto, todavia, presumir que o senh_or
construção provisória de tipos ideais. "As entidades ideais Caims não conhece nada acerca de Max Weber; pelo contr~rio,
incorporando as ordens de relações jurídicas conduzem-nos a.o ele cita uma das suas obras. Max Weber é, outrossim, conhecido
que é relevante nas variedades enormes de vidá social e permi- por todo o versado no campo .cÓmo um gigante altaneiro na
tem-nos fazer comparações que, possivelmente, podem levar à ciência social da última geração; a sua obra está disponível em
generalizaÇão e, enfim, ao conhecimento, à universalidade e ao toda a boa biblioteca; e os seus conceitos fundamentais foram
- sistema" (página 111 ). submetidos a uma . análise perspicaz pelo Professor Talcott
O programa é louvável e eu não tenho críticas a fazer nesta Parsdns na sua Estrutura da acção social. A atitude do senhor
fase; mas, como eu disse! o leitor perito ficará confundido com Caims é enigmática e não pode ser explicada, talvez, por
ele. O projecto de uma ciência jurídica como uma ciência social, ninguém a não ser ele mesmo. De qualquer maneira, o leitor que
tratando da conduta humana orientada para o problema da esteja interessado nas sugestões do senhor Caims é remetido
1 ordem em geral, bem como a classificação das três ordens
(regulação, administração, constituição), a definição do. direito
para a obrà de Max Weber como o tratado padrão sobre a
"ciência jurídica" que, segundo o senhor Cairns, não existe. - 1
1 por referência ao agente compulsar e, acima de tudo, o projecto Alguns leitores podem considerar o caso encerrado uma vez

l de prossecução através da construção de tipos ideais, são


características familiares para o leitor porque elas estão, indi-
vidualmente e em combinação, relacionadas de perto com os
que este ponto se tenha tomado claro. Mas, de novo, a conclu-
são seria precipitada. As presunções feitas pelo autor com
respeito ao estado da ciência jurídica são incorrectas. A ciência
princípios sociológicos de Max Wecer. O nome de Max \Veber jurídica, neste sentido do termo, existe convincentemente (e não
j
aparece apenas uma vez na monografia do senhor Caims numa só na obra de Max Weber, posso acrescentar) e os seus

l
!
referência à sua Érica protestante e o espírito do capitalismo
(que está traduzida em inglês). Que Max Weber seja o criador
de um sistema de sociologia baseado na construção de tipos
problemas teóricos estão elaborados muito para além de qual-
quer ponto atingido pelo autor. Nós temos de descontar estes
factos ao tratar do livro sob ·~rítica. Porquanto o senhor Cairns
ideais, que ele tenha exposto os princípios teóricos- da ciência é uma personalidade filosófica por direito próprio, e o li;.l.:, :ima
numa considerável extensão em ensaios que se tornaram clás- mente filosófica original da sua qualidade tem a dizer merece
sicos da metodologia, e que em 1922 foi publicado o seu tratado atenção sem consideração pela situação já descrita. A ~i~ncia

164
\. na fm:mulação de proposições acerca de relações te1ppo-espaço-
-massa porque nós podemos aplicá-los a relações neste domíni_o
social air:.da tem de operar sob ~imitações;· e. as diligências do do ser. Nós não aplicamos símbolos matemáticos à "anatomia
autor, nos seus sucessos e fracassos, oferecem discernimentos das revoluções" ou à "rotineirização do carisma" porque a
esclare_c~dores da situação teórica do nosso tempo. Se, na estrutura do assunto não permite a sua aplicação. A tentativa
seguinte avaliação crítica das posições do autor, as deficiências de wkar métodos· materrtáticos a fenómenos da classe já
parecem pesar rnai:; do queª" r•;Üizações, o leitor não deve ser men~ionnda não tornaria exactas as proposições, mas resultaria
, foduzido a menosprezar a contribuição do senhor Caim:,. Vef TI.um absurdo. Logo que nós compreendemos qoe a "inmrncti-
inteiramente os problemas e estar interessado neles é o passo dão" das ciências sociais quer dizer simplesmente que a estru-
mais importante no seu tratamento .. tura especifica do assunto requer outros métodos que não. os
· matemáticos, a ideia de imitar o vulgo perderá o seu atractivo;
<nós compreenderemos que a "ciência jurídica" tem os. seus
1 \

II próprios padrões de precisão, embora a sua complexidade


infinitamente mais elevada tome muito mais dificil mantê-los ou
A primeira questão que tem de ser esclarec1da diz respeito
ao modelo de ciência subjacente à análise teórica. A questão é
de particular importância no contexto do livro porque, supos-
chegar a uma opinião quanto a saber se, no caso individual, eles
foram ou não cumpridos. .
O seaundo ideal de ciência, a formulação de regras gerais,
\
tamente, a ciência jurídica não existe e a criação do seu modelo ---· é algo obscuro.
b O senhor Cairns e~pressa-o como se segue: o
é o prelúdio para?. sua elaboração, material futura. Com respeito objecto da ciência jurídica deve ser "determirtar se a realidade
a este problema, o seJlhor Caims 'parece submeter-se num grau complexa dos fenómelios a.os quais ela diz respeito exibe ele-
considerável à "superstição da ciência", isto é, à crença d.e que mentos de recorrência ordeira que possam ser formulados ern
as ciências naturais oferecem o modelo para as ciências sociais. termos de generalizações ou leis especificas" \página 13). Ele
As ciências nafürais são as ciências "mais bem sucedidas" e nós opõe este ideal ao estado ínsatisfatório de uma_ "rn~ra acumu-
devíamos fazer o nosso melhor para alcançar uma prosperidade lação de factos" (página \3). A luz do McclIO _ideal, _da ~
semelhante (página 11). Os ideais específicos erguidos na pro- previsibilidade das consequências das acções soc1a1s (pagina
cura d~ _s~~esso são: 1) a generalidade das leis (página 7); 2) 10), a passagem citada parece querer significar que as ;egras
a prev1s1b1hdade de eventos na base de leis gerais (página 1O); gerais são regras que declaram que sempre que o fenomeno
e 3) a exadidão (página 139). social A ocorra, será regularmente seguido no tempo pelo
Tomemos o último ponto em primeiro lugar. O autor não fenómeno social B. Mas as intenções do autor não são total-
define exactidão, mas, do contexto, parece que efo opõe a.> mente claras neste ponto. Noutras ocasiões, ele fala de leis
gera's "que unem um número determinado de factos particula-
e~tre_
ciências "mais exactas" aos estudos "menos rigorosos" (página

~emporal;
139). Este par de termos pode ser considerado de valor duvi- ;es" (J'ágina 7) ou de "relações invariáveis os factos"
doso. Se "exactidão" tem de todo .algum significado, se aplicada (página 10), Sem qualquer referência a urna sequencia
à física como a ciência modelo, .'ela apenas quer dizer que· as ·estas fórmulas podem-se aplicar também a configuraçoes estni-

pr~posiçõe;
leis da física são formuladas matematicamente. O uso todavia turais típicas. A obscuridade das fórmulas não pode ser m1tF
do aparato formal das matemáticas no exprimir de · gada por-teferêncía a exemplos específicos de lelS porque o .
e:n. ~ualquer ciê,n~ia é u:n assunto, não dê ·escolha, mas de pos- 167
s1b1hdade ontolog1ca. Nos operamos com símbolos matemáticos
. autor,!Ievarido rrniitó a:"sérié/a:'sua presunção de,.que ,a.ciência . . relaÜ~aminte à-estrutura:da.ciência social: Sobre a questão da ·
jurídid não existe, não dá nenhum .. Como o autor nos deixa .. relevância,· o livro, todavia, cala-se, yXcepto pela sua enumera-
andai' às ~palpadelas no· ·escuro,·. ele não objectará, espero~ oo, ção de tópicos que foi previamente noticiada; eele cala-se pela
se basearmos os nossós cotnentários numa mera impressão: rios boa razão de que o senhor Ca1rns não tem uma filosofia patente
temos a'. sensação que o seu m-odefo pred~minanfo d~ generali-:- · '· do homem e do seu lugar na sociedade, e no mundo em geral,
a
.· dade é recorrência de sequências temporais de fenómeno~. que lhe pudesse dizer ó que é relevante no mundo do homem
· sociais: ~- e da sociedade. Todo o ramo de conhécirnento' que seja conhe-
Este postulado de regras ge~ais, se nós o _entendemos ~- · ... , cido sob ·o nome de antropc]ogia filosófica é, para o autor;
correctamente, envolve Óbviamente questões sérias. Ele é forrou-· ' ~ :- · ·ine~istente. A não ser que nós tenhamos uma ideia de homem,
lado em imitação da estrutura das "ciê~cias naturais" (página 1
. J;: não 'temos um, quadro referencial para a designação dos
7 e seguinte); o problema surge, por conseguinte, se a matéria ~: fenómenos humanos como relevantes ou irrelevantes. O homem
da ordem soci~l .tem a mesma estrutura como a :rp.atéria da . ~-- es.tá comprometid~ fisicamente, biologicamente, psicologicarrient.e,
natureza inorgânica. O problema é desconsiderado pdó-senhor - ~- ·. intelec~almente e espiritualmente na criação da ordem social.
Caims através ·do seu emprego frequente do termo mundo -fi'. Alguns destes compromissos oferecerão a oportunidade para a
externo, tanto para a nature2:a como para a sociedade; mas este ::P"'"~ . formulação de regras razoavelm.ente gerais: por exemplo, uma
emprego envolve uma petitio principii: o ponto em questão é ~: ordem societal baseada em ideais monásticos e no postulado do
precisamente se há um mundo externo com uma estrutµra ift celibato extinguir-se-á dentro de uma geração, a não ser que ela
~nifonne de matéria. O próprib autor tem os. seus escrúpulos ~.: possa recrutar por si mesma a partir de uma sociedade
:;::..,""--
acerca da omnipresença de regras gerais, mas ele mitiga-os com circundante; ou; nenhuma sociedade é estável se a classe diri-
a frase: "O 11leal peima~ece justificado na ausência de urna gente não for aclasse mais rica, através da propriedade pessoal
demonstração - que está· aindà por apresentar - que a sua ou através da possibiiidaàe institucionalizada de disposição
realização é impossível" (página 8). Este é um truque hábil para sobre a riqueza do país; ou, um movimento sob chefia carismática
empurrar o ónus da prova para o oponente, mas ele não é tornar-se-á institucionalizado ou· desintegrar-se-á rapidamente.
convincente. O autor, que cita tão amplamente a literatura Outras proposições aplicar-se-ão apenas a celias áreas cultu- ·
metodológica, deveria saber que uma proposição negativa acer- rais, como, por exemplo, o Calvinismo é um factor contribuinte
ca de factos não pode ser provada segundo as leis da para a formação de hábitos racionais de trabalho. E algumas
verificabilidade que ele mesmo demonstra tão habilmente no seu proposições dificilmente podem, de todo, ser chamadas gerais
livro (página 70). Se ele está à espera de uma demonstração da porque há apenas um caso incluído, como, por exemplo, a ideia
imposs.ibilidade de regras ·gerais na ciência jurídica, terá de da igualdade dos homens no mundo ocidental é confonnada
esperar muito. tempo porque ela não pod~ ser feita. parcialmente pela Cristandade.
O 11ro1Jlema da estrutura da ciênci:... social situa-se alhures. Confrontados com o facto da ciência social tal como ele
O senhor Cairns declara correctamente que o idec.l de ciência ~.urge a partir destes exemplos escassos, parece algo fútil
"determina em grande medida a matéria a seleccionar para estipular a lei de q;:0 ~~ .::iêrrci"' j1ddica <lev~ ser um corpo de
investigação, os métodos a adaptar, mesmo os factos que serão regras de um certo tipo. A nossa i:;rimeira preocupação é com
escolhidos para estudo" (página 8). Em resumo, a questão da a relevância da matéria: se os fenómenos sociais nos pare-
relevância e do princípio de selecção é a questão crucial cem ser relevantes, eles tomar-se-ão o objecto de investigação

168 169
nem todos nós temos a mesma ideia de homem; e os nossos
princípios de selecção do assunto relevante podem diferir \ar·
\ \
i
científica, e nós tentaremos formar tipos ideais de estruturas, gamente. Os grandes sistemas de pensamento social têm regras
factores,\equências temporais, et ccetera, confom'ie a necessi- diferentes de relevân~ia porque eles têm antropologias diferen-
dade ~uija_,_sem que nos incomodemos muito com o seu grau tes. A antropologta de Aristóteles não é a· de Platão, a
de generalidade. A cidade, por _exemplo, como uma f?rma dê
vida social ordenada, pode-nos parecer relevante; e, então, nós
maquiavélica não é a tomÍsta, a de Bodin não é a de Hobbes,
e etc.; e os sistemas destes pensadores estão recipro_camente em
\
.· começaremos a construir os tipos das cidades helénicas, c:ien- ·desacordo menos por causa do desacordo acerca de factos do
tais, mesopotâmicas, medievais e ocidentais modernas, e não · qué.por causa do desacordo acerca de princípios antropológicos.
seremos dissuadidos de um tal empreendimento porque o "tipo Se é esta a·situação teórica, teremos nós de aci:itar a consequência
ideal" da cidade medieval não é uma "regra geral" e não tem de que nunca haverá uma ciência social em progresso firme para
possibilidade de nos conduzir a regras gerais ulteriores (página --. a perfeição sempre maior do sistema, semelhante às ciências
111). Naturalmente, o senhor Caims poderá objectar que ele.não naturais? Estará a ciência social à mercê de qualquer posição
está interessado em proposições científicas que.não conduzam, individua\ quanto às questões metafisicas acerca da natureza do
ao menos, a regras gerais.· Confrontados com este argumento,
homem? A resposta é um sim enfático.
. nós teríamos de desistir: ninguém é obrigado a interessar-se por Reduzamos um tanto o primeiro choque pela garantia de .
uma qualquer ciência particular ou, de todo, por ciência. Se o ./ que a situação não está em perigo de degenerar em subj ectivismo
autor não estiver interessado na ciência social tal como ela caótico· ·acima de tudo, o ·peso das instituições sociais que nos
existe, isso será o seu assunto privado; ele não terá certamente rodeia,;, é um conector de aberrações, na mediUa em que a ideia
autoridade para declarar os resultados um tanto impressionantes de homem ne\asincorporada influenciará ª·amplitude do desa·
da ciência social como inexistentes ou não-científicos, porque cardo sOcia\mente possível. Os erros de antiop,ologia filosófica
e na medida em que eles não correspondem à sua ·ideia de dentro deste quadro estabelecido estão, outross'im, permanente-
generalidade. Uma proposição pode ser ilegítinia num sistema mente sob diséussão conectora. Quem quer que hoje construa
de ciência social por uma de duas razões: 1) porque ela é uma Ciência da ordem social com a presunção de que a criação
inverificável; ou, 2) porque ela é irrelevante no sistema de e o conteúdo da ordem social não são influenciados pela
referência que é determinado pela antropologia filosófica; a cÔÍlsciência religiosa do homem e pelas suas ideias religiosas,
questão da generalidade não tem relação com a legitimidade do ou com a presunÇão de que os problemas económicos não são
um factor na ordem política, ou que certos elementos da
seu estatuto.
~atureza humana que são estudados pela psicologia de massas
·podem ser negligenciados, não encontrará muita admiração pela.
III sua realização subjectiva; dir-lhe-ão, delicada mas firmemente,
para se familiarizar com os factos da vida antes d~
começar a
As últimas frases parecem marcar um limite de discussão falar acerca dos problemas da ordem social. Atravcs de todo o
teórica -. mas o leitor terá notado o condicionál. Não há desacordo entre filósofos, há uma convergência em direcção a
desacordo entre o senhor Cairns e outros cientistas sociais sobre padrões que torna impossível reivindicar a construção beni·
o ponto que as proposições têm de ser verificâveis e que as sucedida dé um sistema, a não ser que a antropologia que lhe
construções-tipo têm de se ajustar aos ·factos. O ponto_ de 171
desacordo potencial surge na teoria da relevância. Obviamente,
subj~i dê a· importânda devida aos vários elementos df'I. natureza
humaAa. · . ;- · ·.:_::, · · .· :_ · . . 1
• _ - . - •• • •
Depois' desta digressão, nós pqdemos· agora regressar às
i
preferências do senhor Çaims: A. sua ideia de regras gerais não
. Embora exista uma certa reserva de conhecimentó. acetc~
é apenas uma fantasiá privada, e ·11 disc~ssã9 não está no fim.
do h_o~;m, que um letrado Il~ campo da ciência soc~al nã~- está'
livre para desa tender inteiramente sem se expor a si mesmo . à :'
Nós temos de lidar agora com as ideias _de homem e sociedade 1
subentendidas na monografia-do autor,'Nós teinos de caminhar
..>·' . censu~a de incompetência,· não há· esperança de melhoramento .
~L mudito cu~da?osamenteh nacsu_a aná~ised, porqu( ~ dis~~~::~:!~
/-' . . - firme por meio. de esforços éoncertados. Porqua:-:.'o a ideia de •-
homem não é um dado do mundo .externo, mas uma criação _do
;~,,
.
0
'. po e ser rranca. ~en. or airns nao esenvo ve exp ic1
-uma ideia de homem e nós ternos de inferir a sua ideia a partir
espírito humano sofrendo mudanças históricas, e tem de· ser das· implicações das suas declarações. O passo mais importante
recriada por cada geração e por cada péssoa singular. M;éncio- na sua compreensão é da,do através do próprio reconhecimento
nar a época'IY!-ais decisiva da ideia: o aparecimento de 'Cristo. . do_· facto de que ela apenas está subentendida. A natureza do
acrescentou -
à ideia de homem a dimensão· da singularidade
\ . - ·---- homem não se torna explicitamente problemática, porque o
espiritual de cada ser humano, de maneira que nós já f!.ão autor não se coloca no domínio de experiências que detem1inam
podemos erigir uma ciência dá ordem social, por exemplo, sobre a singularidade religiosa e histórica da pessoa. O senhor Caims
as antropologias de Platão ou Aristóteles. Do mesmo modo, no · .· sabe que há um problema de relevância, mas ele não vê que as
interior do mundo ocidental cristão, a ideia de homem não é· relevâncias mudam com a ideia de homem e que esta ideia tem
estática rnru. muda constanten1ente; ela adquiriu, por exemplo, as suas raízes na esfera da personalidade auto-reflexiva, na qual
-através e- desde a Renascençk, a dimensão da singularidad·e as atitud_es do homem· para com o mundo se constituem. Ele
histórica. As ~hterminantes principais das várias ideias encon- presume que l~á ápenas um sistema legítimo de relevâncias e que
'
tram-se na$ atitudes religiosas fundamentais dos pensadores que o problema~ por conseguinte, não necessita de ser discutido. E
as criaram e transformaram. As ciências físicas e sociais pode ter esta presunção porque o homem é, para ele, uma parte
diferem, por conseguinte, profundamente nas suas epistemologias. do mundo externo, juntamente com outros fenómenos naturais,
O domínio da matéria é, num sentido, estático, e o progresso visto do exterior. Secções inteiras da pessoa humana que têm
que nós podemos fazer nas suas explorações é o progresso na . funções decisivas na constituição da ordem social não entram,
dissecação de um cadáver que se mantém imóvel; o domínio do por conseguinte, no seu campo de observação. Neste ponto,
homem e da sociedade está relativamente muito mais vivo, e o torna-se difícil decidir se alguma das declarações surpreendentes
grau de compreensão será determinado pela amplitude da ideia do senhor Cairns deveria ser desculpada como sendo a expres-
de homem que está à disposição de um letrado, através da são da sua ideia peculiar de homem, ou se uma abordagem mais
tradição circundante e através da extensão da sua personalidade. crítica seria justificada. Eu selecciono uma passagem caracte-
,~.,.,nsequentemente, nós temos de ser extremamente cautelosos rística da sua atitude quanto aos fenómenos religiosos. Por
ao atribuir as deficiências d~ um csfJ,:ço :1as 6ênci::is sociais exemplo, nós encontramos a frase: "Na tradição da Cristandade,
à simples falta de conhecimento (que, naturalmente, também m11 coni1ec::1m:-,1to da verdade era 'Jm elemento necessário na
ocorre muito frequentemente); se há alguma dúvida, nós deve- salvação, mas o conhecimei:.ro ql.·-:; não fosse religioso em
mos antes atribuir as selecções e omissões à atitude fundamental herético" (página 131 ). A frase é sustentada, numa nota de
do letrado quanto à ideia de homem. rodapé, pela autoridade de Gibbon. Eu posso sugerir que o autor
leia o Procemium da Summa Contra Gentiles de São Tomás de
172
173
Aquin9 ·.sobre o problema da duplex veritas; ele· ficará surpre~ O senhor Caims não negligencia inteiramente o problema.
endido'. E eu posso observar, além disso, que a ideia de citar Ele está ciente de que as pessoas diferem nas suas opiniões
Gibbon-como uma autoridade neste problema é algo barroca. O acerca dos valores e que 'o sistema mais perfeito de regras gerais
leitor também fará bem em notar o pretérito em que o autor fala tecnologicamente utilizáveis não nos dirá o que fazer. A sua
. de Cristandade. O domínio da expeiiência cristã perdeu praticamen- atitude técnica fá-lo sugerir uma solução curiosa para o pro-
te a sua função de determinar a selecção relevante de makrias; e blema: se nós podemos postular uma ciência de regras gerais
nós veremos que ele nao é o único domínio que desapareceu. que não existe, porque mio postular uma ciência de regras éticas
-O homem é, assim, reduzido pelo autor ao nível de um . que não existe? De acordo com o autor, nós não temos conhe-
objecto no mundo externo; o homem pode ser inventivo, mas - cimento completo dos fenómenos jurídicos, a não ser que
ele não é o centro espiritualmente criativo da sociedade -e da possuamos regras de avaliaçao além das regras descritivas de
história; o homem perdeu a sua singularidade e tomou-se 'uma conduta. Uma tal ciência de valores "pertence totalmente ao
unidade fungível. A estrutura da sociedade é·~assimilada à da ---.. futuro" (página 144), mas o autor não duvida que nós a
matéria. A ciência de uma orde.m social constituída por pessoas realizaremos em devido tempo. Se nós apenas tomarmos pro-
apenas pode pro.duzir regras gerais relativamente a fenómenos blemas específicos um por um, as soluções específicas "encai-
que são determinados pela estrutura biológica fungível do ho- xar-se-ão por sua própria iniciativa num sistema" (página 145).
mem, ou por outros elementos estruturais na periferia dó núcleo O método antigo, o medieval, de ordenar os nossos problemas
espiritual da pessoa; o homem t~m·de ser reduzido às estruturas ao referi-los a urna atitude fundamental da pessoa para com a
fungíveis a fim de krnar possível uma ciência de regrasº gerais. vida e o mundo como ·um todo, é quebrado pela RenascenÇa
Um sistema de relevâncias deste tipo satisfará também os (página 145). Quaisquer dúvidas acerca d~ novo método de
desejos pragmáticos do autor. ·o senhor Caims dirige eríticas estudar problemas específicos não-relacionados "foram dissipa-
severas às teorias jurídicas ·contemporâneas, como nós vimos, das pela Revolução Industrial e pelos triunfos do princípio da
porque elas se ocupam com uma tecnologia do direito. Mas ele Divisão do Trabalho" (página 146). Embora este argumento
não condena a tecnologia como tal. Ele sente apenas que a pareça ter um efeito narcótico sobre o senhor Cairns e o faça
investigação desinteressada resultará num sistema de regras que _ver o futuro em tons cor-de-rosa, ele tem o efeito oposto sobre
pode ser aplicado, com mais êxito, à solução de problemas .!J leitor: Porquanto o leitor pode-se recordar de ter ouvido que
sociais,.do que as receitas insuficientes de letrados que restrin- um engenho automóvel é certamente um triunfo da Divisão do
gem demasiado estreitamente a sua atenção aos problemas Trabalho (escrita com maiúsculas como é próprio da divindade),
práticos imediatos. Urna ciência social "visa prevenir-nos anLe- mas que as partes específicas do engenho não se encaixam nos
cipadamente dos perigos que acompanham os nossos vários seus lugares por magia, mas porque elas foram feitas de acordo
programas; dizer-nos qual é o rumo racional e qual é o irra- com as especificações do inventor do prodúto final. E ele pode
cional" (página 1O). O interesse directivo ou técnico predomina ficar ligeiramente perturbado com o pensamento de que a
claramente, presumindo brandamente que todos nós sabemos o divisão do trabalho sem projecto resultou, às vezes, em dissa-
que queremos_, que todos nós queremos o mesmo, e que o bores. Se, por exemplo, nós deixarmos toda a gente usar as suas
problema da ordem social não está precisamente no facto de que capacidades até _ao seu máximo e confiarmos que, a partir da
as nossas ideias de ordem di~erem em correspondência com as divisão do trabalho, surgirá de algum modo uma ordem
nossas ideias de horríem. . satisfatória qa humanidade, nós podemos _descobrir, para nossa

175
consternação, qu~ as partes específicas não encai:>farri de modo· - através da' actividade do. éspírito. _inventivo do homem é de·
nenhúm 'nos seus lugares nun1a ordem n~gular ~orrente, m~ qu~ __ outros factores, foi mudada erµ ordem" (página 54). "A ordem
elas "chocam na horrível desordem de uma Guerra Mundí!'.l-1 na vida social é forjada: a partir da desordem" (página 53) por
(escrita éom maiúsculas para igualar a divindade ~a Divisão do ., meio da «imaginação criativa" (Página· 60).' .
,Trabalho). Eu espero não ter de elaborar majs o ponto a fim, Aqui, por fim, nós çaminhámos em terreno· clássico. Pela
/ . de tornar ~I~ro q~e o nihilismo espiritual do senhor Cairns está experiência da desordem social, a mente humana é provocada
.
/
/
prenhe de perigos . .. para ::.:iar ordem por um acto de imaginaÇão, 'de acordo com
Se o nihilismo do senhor Cairns fosse simplesmente um ., ·a sua ideia ordenadora de homem. A desordem da polis ateniense
caso de interpretação mecanicista do homem· à moda do século p~óvocou Sócrates para estimular a imaginação dos seus
XVIII, nós não necessitaríamos de nos incomodarmos com ç seu concidaàãos na direcção da ordem verdadeira. Ele morreu pela
livro. Mas ele'é um nihilismo espiritual distintamente modérno, Sl_!a tentativa, e Platão criou, sob a impressão desta tragédia,
reflectindo as e;periências de uma mente filospfica. ,o homem a grande ordem da República, esperando prender a imaginação
do senhor Caims é irreligioso, é an-histórico e, tenho a impres- ·< do povo ou, ao menos, de um governante que a imporia ao povo
são, pode mesrrio ser apolítico· no sentido de que ele não tem desordenado. A sua esperança de criar ordem na Hélade falhou,
vontade de estabelecer uma relação de autoridade entre ele mas a República ergue-se como o primeiro sistema teórico da
mesmo e o.utros homens. Mas ele tern uma consciência ética ordem social no mundo ocidental. Aqui, nós podemos testemu-
muito clara (embora o sehhor Cairns não divulgue o conteúdo ... --· nhar a origem da ciência social na imaginação criativa do
do seu código ético) e-revela um desejo_ optimista activo de · filósofo que deseja superar a desordem. A vontade de ?Uperar
melhorar e est~"Jilizar as condições
t
sociais pelo controlo social
. a desordem perinàneceu a força c011dutora dos grandes sistemas,
"racional". Ele é socialmente benevolente, mas não é um dés- do cristão de Santo Agostinho e São Tomás, e dos sistemas
pota benevolente; ele é um democrata benevolente que sonha posteriores originados na esfera do Estado nacional, até que,
com um admirável mundo novo huxleyano menos a diferencia- com Giamb3:ttista Vico, as forças imaginativas criadoras tor-
ção dos homens em alfas, betas e gamas.
A intensidade destes sentimentos pem1itiu ao senhor Caims
nam-se elas mesmas tópicas e são assim, até hoje, no grande
corpo de ciência interessado na teoria dos mitos sociais e ·
1
formular o tópico central de uma ciência da ordem social; e a políticos ..
sua fornmlação ergue-se como a de um importante princípio Onde se situa o senhor Cairns em relação aos seus prede-
teórico, apesar da contorsão curiosa que ela recebe no contexto cessores? Relativamente a esta questão o leitor conhecerá uma
técnico. Nós mencionámos anteriormente a definição de "ciência grande surpresa, pois na página 53 ele pode ler que "esta
1' jurídica" como a ciência da conduta humana que reage contra abordagem foi desenvolvida pela primeira vez" no ano de Nosso
a desordem. "A ordem que existe na sociedade humana em Senhor de 1932 rium artigo na revista Political Science
qualquer tempo dado é, predominantec:.rnte, uma ordem reali- Quarterly (11).
zada, uma invenção no centro da qual está o homem; ela não
é a ordem do universo físico, o qual, na teoria física, é o produto
da operação cega da natureza". O teórico social não pode tomar
como certa "uma ordem social derradeira, a qual é seu dever
(17) Ora, ora! Isto não deveria lançar, todavia, uma repreensão sobre
descobrir. Ele deve presumir uma desordem derradeira, a qual, - o artigo, o q_ual é bastante bom.

176 177

I
Esta, não é uma observação ocasional mas a opinião con- claras através da reflexão sobre uma frase de· um discurso de
. siderad~ 'do autor. Ele acredita que "na base do 'pensamento Mussolini aos seus Camisas Negras: "O passado está atrás de
social hodierno está a visão holbachiana de que o homem é uma nós, o futuro está à nossa frente, nós estamos no meio do
obra da natureza; ele existe na ll?tureza; ele submete-se às suas· presente". Alguns podem considerar esta frase um floreado
leis; ele rião se pode resgatar a si mesmo delas. Três séculos oratório, mas estariam enganados. De modo algum estão o
··de fracasso dever-nos-iam ensillar a olhar (Tú d!recções iwvas'' passado atrás de nós e -o futuro à nossa frente; isso acontece ·
(página 52). Na "direcção nova" nós reconhecemos o facto <le apenas q:.1andcJ nós vivemos as dores de partq de urna crise
que a ordem se forja a partir da desordem (página 53). A. violenta. Normalm.ente o passado e o futuro estão presentes; nós
Cristandade não é o único domínio da experiência que desapa- não estamos entre eles, mas movemo-nos no fluxo contínuo da
receu; a Hélade está de fora, também, e a teoria da origell). da história: O passado penetra o nosso presente como a herança
ordem no mito criativo é posta de lado desde Vico. Nenhum civilizacional que nos fom1ou e que nós temos de absorver nas
leitor pode ser acusado se ele se separar do autor e olhar "em -,.. nossas vidas como a pré-condição para a .formação do futuro,
direcções novas". Mas o fenómeno é demasiado esrriagàdor e não num tempo distante à nossa frente, mas no presente da
· demasiado fascinante para ser àfrontado por tal acção. Houve nossa vida e da nossa obra diárias. O senhor Cairns ergue-se
sempre homens cujas mente~ tinham a inclinação peculiar a que. numa colina, estendendo-se atrás e à frente dele um deserto de
nós podemos chamar, pelo seu exemplo mais famOSQ, cartesiana. não-existência; o passado e o futuro retrocederam do seu
O mundo tinha de ser liquidado, :e apena~ quando a tabula era __ _. presente para .b~ocos sólidos de "não-existência'', a categoria
rasa eles podiam efectuar um n'ovo começo de teorização. A que eÍe ·usa mais frequentemente. E restará algum presente, se
·. grandeza da Crítica da razão pura está na sua abertura como passado e futuro recuaram? Pois o que é; o presente humano
um monólogo fiando uma linha de pensamento, saída da mente senão a absorção criqÜ va do passado com o propósito de
do filósofo, sem consideração por nada que a tenha precedido. transformá-lo em futuro? ·
O estilo tem os seus méritos em filosofia, particularmente nos A qu.estão é pertinente para a teoria do1 senhor Caims. Pois
séculos XVII e XVIII, quando o ego pensante surgiu como o "na ordenação das relações humanas, como noutras esferas, a
resíduo do naufrágio da civilização medieval e a nova dimensão imaginação criativa é um factor necessário" (página 60). O·
da história ainda não tinha sido plenamente adquirida. Mas o princípio é válido, penso .eu, e a sua elaboração teria dado
senhor Çairns não é nem um Descartes nem um Kant, mas um _,ensejo para desenvolver, na forma de um sistema, uma profusão
teórico da "ciência jurídica" com vista a uma ordem social de matérias e ínterpretações que nós possuímos, desde a teoria
controlada, e nós já não viyemos no século XVIII: A atitude de Platão da origem da ordem nas forças míticas da alma à idée
de tabu la rasa está lá, mas ela não serve para abri:i.· um caminho directrice de Maurice Hauriou como o núcleo das instituições
para a acção especulativa da res cogitans; elà Jeixa-nos, antes, governamentais e à teoria de W. Y Elliot dos mitos pessoais
face a face com um futuro desconhecido pois, como nós vimos, e institucionais, et ccetera. Mas, de novo, todo este ramo de
o senhor Caims não substitui o passado pelo ·seu próprio conhecimento cai sob o machado; ele não existe. O tópico das
presente, mas projecta a sua ideia de ciência num futuro forças 'criativas é substituído porum. capítulo chamado "O
distante. . . processo inventivo". A escolha do vocabulário é caraéteríst~ca;
As implicações desta nova atitüde,'·a qual tem estado em o termo imaginação criativa,. o qual correntemente indica o .·
formação desde meados do século XIX, podem-se to:r:nar mais problema,_ é apenas usado ocasionalmente. e o argument.o.

77Q 179

1
I
~--·-··- ·-

princip?l trata da "inv~nção". "A ordem que ·nós. obse:ryamos .. : . .e--da reiaçãõ- entre-ordens ..EsÚJ.S secÇões estão; .todavia, subor- ·
na sociedade é uma invenção. do homem" (página 53). A termi- dinadas ao propósitoprimordial de' d~senvolver o "modelo'' da
nologià da _invenção desvia para longe o problema das forç_as..- · ciência futura. Nós esperamos ter exibid~ a tendência principal
criativ~d~ alma e dirige-o para a acção racional int~ncional: das ideias e atitudes e poderríos~agora-sumaríar o resultado:
Que "os produtos da vida sociá1, os quais podem-ser conveni- '· >- Nós começámos com· os aspectôs "desconcertantes" do
/·entemente'. so1naaos sob a etiqueta 'cultura', são ·invenções",_ livro, com o grit~ exortatório por uma ciência da ordem social ·
(página 53) não é te.oria nova. Crítias e Cálicles expuseram-na · que n_ão existe e com a rejeição, como inexist~~te, do corpo de
no auge da ilustração grega quando ~s forças míticas,de Atenas " . ciência que~· de facto, existe. Então, nós tentámos traçar estas
estavam moribundas e a cidade estava madura para o fim. O peculiaridades até às suas raízes na atitude metafisica du a:!:c::~ ·
mito perdera-se, os seus problemas dissolveram-se na psicol?gia Nós -tivemos o cuidado de ·não lidar com as suas selecções e
do processo inventivo e na psicologia dos motivos subjacentes omissões ao nível de uma discussão crítica, a qual obviamente
a invenções culhlrais específicas. A tentativa h~róica i;l~ Platão -----.:. teria sido impossí~el face à atri_buíção, pelo autor, do estatu~o
de criar um mito novo tinha de falhar neste a'mbiente. de inexistência ao mundo circundante da ciência social (do qual
O senhor Caims segue o mesmo caminho. Ele dedica, de · o presente escritor é uma parte humilíssima). As únicas ocasioes
facto, uma secção à psicologia da "ideia feliz" e cita Helrnholtz para observações críticas apresentaram-se, por conseguinte, nos
com a finalidade de dizer que as suas ideias surgem mais exemplos em que o autor foi para além dos seus veredictos de
prontamente ·"durante a lepta ascensão de colinas arborizadas __ _, inexistência e fez declarações factualmente incorrectas acerca
num dia de sol" (página 58). Algumas pessoas têm as suas - do assunto próximo, cofno no caso das suas observações acerca
melhores ideias quando estão bêbecf<ls, e outras atingem o seu da relação dafilosofi~ cristã com os problemas de conhecimento
ânimo mais procmtivo em êircunstâncias ainda menos conven- e verdade. Ademais, nós preforimos interpretar os julgamentos
cionais. É um campo fascinante - mas e.u pergunto-me se tais do autor à luz do seu sistema de relevâncias. A sua atitude
estórias nos ajudarão a compreender a Declaração de Indepen- metafísica ao determinar as relevâncias pode ser resumida como
dência como o mito básico da ordem da República americana. se segue:
O próprio senhor Cairns não acredita nela; e o capítulo sobre A.espiritualidade cristã, bem como a singularidade histórica·
invenção termina com o discernimento inevitável de que ela não da pessoa, é aniquilada. Como nenhum outro mito da ordem é
nos levou a lado algum (página 68). Uma grande oportunidade, dado como uma herança envolvente inquestionada, o homem
a oportunidade de delinear, ao menos, o problema da origem da ergue-se num deserto de não-existência sem um passado; e,
ordem social nos poderes cria_tivos da pessoa, é desperdiçada. como o centro criativo está perdido, ele não transporta nenhuma
ordem dentro de si mesmo, mas tem de tropeçar cegamente no
futuro. Na ansiedade da sua desordem, este homem projecta o
IV seu desejo de ordem no futuro,- esperando que, por algum
milagre, as peças desconexas do quebra-cabeças caiam no seu
O livro do senhor Caims está cheio de problemas em que lugar e: .::> brir.Gern com. a ordem ;ue de me3mo não pode criar.
nós não fomos capazes de tocar nesta recensão. O leitor é A necessidade de abrigo sob uma orcem e a ínap!id'.fo :;:::ir3 cri?..-
remetido particularmente para as análises de hipótese e verifi- -la encontram a sua expressão típica ao buscar refúgio na or-
cação, de mudança, activídade, relação, causalidade, equilíbrio, dem da ciência natural, a única ordem que sobrou na nossa

180
181

I
civilizaç?o, Uma vez destruídas as ordens espirituais. O método
. da ciênbia natural resgatará, por alguma magia negra, a ordem
.desapare_ciqa na foID1a de regras geràis que possam ser usadas
na administração de um progra_!11a ético que também, surgirá~­
por alguma magia, ::t partir de. uma ciência de valores montada
/ átravés da Divisão de Trabalho infalível não-planeada. E para
- que serve toda essa ordem, uma vez obtida por nós? Ninguém
sabe. Ela é uma ordem sem significado, uma ordem a qualqu~r
preço nascida a partir das ansiedades de _um homem perdido.
Esta imagem do homem e da sua ordem é assustadora, Se
os homens que, por carácter, intelecto e educação, devem "ser
os pilares da continuidade na nossa civilização,-que devem ser ÍNDICE SISTEMÁTICO
ns . ;odelos de lealdade ao nosso passado a fim de terem um
. controlo firme do futuro que deve ser modelado pelas suas mãos
-·-· se estes homens varrerem para lon.ge q passado e "marcha-
Prefácio da edição portuguesa ............................................. . 7
rem para o futuro", o que deveremos espbfar do povo c0mum?_ Introdução da eçiiçã9 norte-americana ................................. . 25
O livro do senh!ilr Cairns pode não ser o tratado científico ideal, "'!:...: ' " •

mas ele é certamente )lm documento pessoal comovente, e é um A. NATUREZA-


.
riü DiiíE1:f
'
b •'~'

sintoma espantoso da desordem em que nós vivemos .. ·


Capítulo I - A ORDEM VÁLIDA ......... :.......................... . 45

§1 Essência ..................................................................... . 45
§2 - Substância e existência ............................................... . 50
§3 - O problema zenónico ................................................. . 56

. _Capítulo II - A ORDEM VÁLIDA E O CONTEXTO


·SOCIAL ....................................................... 63

__ - §1 - A hierarquia de regras válidas. O processo de criação


do direito. A ordem da sociedade em geral ............... 63
§2 - O direito como a substância da ordem. O processo de
criação do direito como o instrumento para garantir a
substância .................................................................... 68
§3 - As co'nstruções teóricas da relação ·:····························· 71

Capítulo III - O COMPLEXO DA Ç)RDEM ..................... ·75--

e
§1 - Estrutufa, continuidade identidade do complexo ........... . 75.

1
m

-~--
-~-~

...
_ , ...
1
-· Z"· -_: -
1
79 1

§2 - A'. luta deAristóteles com o problema da idenfidade :. 82 ,...


· §3 - As' questões de fronteira do direito constituciollal .....
87·
- -- IV
Capítulo- . -
.... ~· REGRA E NORMA
- ·····································
·,
-..
88
/ §l - A regra e a durabilidade da ordern ............................ . e
§2 - O dever ero sentido ontológico ......................... .. .... . 94
§3 - A regra como norma ··················································· 96
§4 - O carácter público da nonna jurldica .................. :...... .
,101
Capítulo V - A REGRA COMO PROJECTO .................... . \
~-
102
§1 - Os dois tipos de projectos ........................................ ..
§2 - Os processos empirico e filosófico de Criação · do 106-
direito .................................................... :..................... .

Capitulo VI ~ AJURJDICAS
VALIDADÉ IMPESSOAL DAS REGRAS
..... ,, .. :....................................... 111

§1 - ·A sociedr.de como uma entidade autoconstituinte ll1


§2 - A representação da sbciedade ······································ !15
§3 - O. cálculo do erro ························································· !16
§4 - O uso da força ····························································· \19

Capítulo Vil - CONCLUSÕES ············································ 123

§ 1 - Os componentes da validade ... .... .... .. ...... ..... .. ... ...... .. ..... 123
§2 - A ordem juridica e a sociedade historicamente concreta 126
129
······················
.Plano geral do curso de introdução ao direito

Apontamrntos suplementares para os alunoc do curso de


introdução ao ,fücito ·························· ............................ 133

Direito c poderio ···································································· 14'

Dois contributos rocentes para a ciência do direito ............... 151

A tMia da ciência juridica' uma cdtica .............................. !61

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