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LEITURA E

PRODUÇÃO DE TEXTOS
José Genésio Fernandes
Maria Emília Borges Daniel

ead
LICENCIATURA Universidade Federal Coordenadoria de Educação
de Mato Grosso do Sul Aberta e a Distância
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Carlos Eduardo Bielschowsky

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL


REITOR
Manoel Catarino Paes - Peró
VICE-REITOR
Amaury de Souza

COORDENADOR DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA - UFMS


COORDENADOR DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS
Antonio Lino Rodrigues de Sá

COORDENADOR ADJUNTO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS


Cristiano Costa Argemon Vieira

COORDENADORA DO CURSO DE LETRAS - PORTUGUÊS E ESPANHOL (MODALIDADE A DISTÂNCIA)


Damaris Pereira Santana Lima

CÂMARA EDITORIAL
SÉRIE

Antonio Lino Rodrigues de Sá


Dario de Oliveira Lima
Damaris Pereira Santana Lima
Jacira Helena do Vale Pereira
Magda Cristina Junqueira Godinho Mongelli
APRESENTAÇÃO

Prezados aprendentes:

Bem vindos ao Curso de Graduação da Coordenadoria de Educação a


Distância/UFMS! Vocês estão participando de um curso de graduação “a
distância”, mas não estão sozinhos, por vários motivos.
Primeiro, porque não são alunos confinados em espaço e tempo de sala
de aula presencial, onde o professor tem posição privilegiada no espaço e
comando absoluto do tempo. A sala agora é bem mais ampla e sem bordas:
São Gabriel do Oeste, Água Clara, Rio Brilhante; Siqueira Campos, Nova
Londrina, Paranavaí, Cruzeiro do Oeste, Cidade Gaúcha; Apiaí e Igarapava.
Segundo, porque estão juntos, fazendo parte de um grande grupo de
pessoas no qual só existem mesmo aprendentes. São aprendentes todos
os envolvidos nas atividades desta disciplina, Leitura e Produção de Textos:
aqueles que optaram por outros cursos como os de Letras Português-
Espanhol, Matemática, Pedagogia e Pedagogia-Educação Especial; os
coordenadores, os professores, os tutores à distância, os tutores presenciais
e os bibliotecários. Todos desejosos da moeda mais cobiçada e nunca
plenamente conquistada: o conhecimento imprescindível para viver e
operar no mundo de hoje.
Assim, no horizonte de expectativas dos aprendentes, não há lugar para
aquela pedagogia da vigilância de gente sem aspiração – mas somente
para atitudes de autodisciplina, de responsabilidade e de empenho para
aprender sempre MAIS e COM os outros. Pois, como diz o poema de
Antonio Machado: “Caminhante, são teus rastos o caminho, e nada mais./
caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar. / Ao andar faz-se o
caminho, / E, ao olhar-se para trás, vê-se a senda que jamais se há de voltar
a pisar. / Caminhante, não há caminho. Somente sulcos no mar”.
Boa sorte.
Professores:
José Genésio Fernandes
Maria Emília Borges Daniel
Sobre os autores

JOSÉ GENÉSIO FERNANDES


é Professor de Semiótica e de Leitura e Produção de Textos no Departamento de Letras –
Centro de Ciências Humanas e Sociais – da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Atua também no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da mesma
universidade. É Mestre em Teoria da Literatura, pela Universidade Federal de Pernambuco,
e Doutor em Semiótica e Lingüística Geral pela Universidade de São Paulo.
É artista plástico e coordenador da revista Rabiscos de Primeira:
caderno de publicação dos alunos de graduação em Letras da UFMS.
E-mail: jfernand@nin.ufms.br

MARIA EMÍLIA BORGES DANIEL


é Professora de Língua Portuguesa e Lingüística no Departamento de Letras –
Centro de Ciências Humanas e Sociais – da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Atua também nos programas de pós-graduação em Estudos de Linguagem e em Educação
da mesma universidade. É Mestre em Lingüística Aplicada - Ensino e Aprendizagem
de Língua Materna –, pela Universidade Estadual de Campinas, e Doutora
em Semiótica e Lingüística Geral pela Universidade de São Paulo.
Atualmente desenvolve pesquisa na área de Lingüística Textual.
E-mail: mariaemi@nin.ufms.br

Imagem de capa:
Árvore de letras - óleo sobre cartão
Genésio Fernandes
SUMÁRIO

tância
Para começo de conversa 7

UNIDADE 1

Fundamentos e pressupostos conceituais sobre o texto 15


1 Considerações sobre algumas noções básicas 17
1.1 Considerações sobre a noção de linguagem,
língua, texto e gênero 18
1.2 Considerações sobre a noção de leitura,
de produção de sentidos e de práticas de leitura 26

UNIDADE 2

O texto e suas condições de produção e interpretação 33


2 Conhecimentos de que dependem a leitura e a escrita de textos 35
2.1 A produção de textos escritos: conhecimentos a serem considerados 37
2.2 O contexto nos processos de construção de sentidos na leitura e na escrita 43
2.3 Texto e intertextualidade 47
2.4 Texto e gêneros textuais 49

UNIDADE 3

O texto e suas estratégias de construção e interpretação 59


3 Referenciação e progressão referencial 61
3.1 Estratégias de referenciação 64
3.2 Formas de introdução de referentes no modelo textual 65
3.3 Retomada ou manutenção no modelo textual 65

Coerência textual: um princípio de interpretabilidade 71


6 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

EM BRANCO

VERSO DE PÁGINA
Leitura e Produção de Textos 7

1 PARA COMEÇO DE CONVERSA

Vamos lá! Esta é a disciplina intitulada “Leitura e produção de


textos!”.
Em nosso curso, vamos falar muito da atividade que os ho-
mens realizam com a linguagem. É. Os homens agem uns sobre os
outros, com e por meio da linguagem. Já reparou? Dia e noite, eles
estão produzindo e lendo textos, com algum objetivo. Dessa imen-
sa produção linguageira resultam as imagens desses homens, de
suas comunidades, de seus países. Se um povo morre e deixa tex-
tos, podemos saber dele por meio da leitura dos textos que deixou.
Se não deixa textos, desaparece para sempre.
Esta disciplina tem três unidades. Cada unidade está dividida
em tópicos ou subunidades. A disciplina tem como objetivo apre-
sentar e discutir pressupostos conceituais sobre o texto e compre-
ender as estratégias exigidas para sua construção e interpretação.
Primeiro, jogamos a peteca para você:

• O que é linguagem?

• O que é língua?

• O que é texto?

• O que é gênero?

• O que é leitura?

• Que tipos de conhecimento a leitura e a escrita mobilizam?

Está vendo? Com essas perguntas, surgem


respostas e outras perguntas na sua cabeça. Todo
mundo sabe um pouco. Ajuntando esse pouco
com o pouco que os outros sabem dá uma bolada
grande... de sabedoria. Tente responder a essas
questões e anote suas reflexões. Assim, no final da
disciplina, você poderá verificar se o que já sabe
cresceu com a contribuição das aulas,
das leituras e dos colegas.
8 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Perguntando e respondendo, você vai fazer o seu caminho de


“aprendente”. Seus colegas e nós, também. Aprendemos a vida
inteira e aprendemos mais quando ninguém nos obriga a isso. É
ou não é? Como diz o poema de Antonio Machado, o caminho se
faz caminhando:

Caminhante, são teus rastos o caminho, e nada mais.


Caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
E, ao olhar-se para trás, vê-se a senda que jamais se há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho. Somente sulcos no mar

1.1 Introduzindo a Disciplina


A disciplina LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO é obrigatória
para os alunos dos diferentes Cursos de Graduação. O objetivo dela
é contribuir para que o aluno tenha bom desempenho em duas
atividades de linguagem, indispensáveis em qualquer área do co-
nhecimento.

Quais são essas atividades que tanto o aluno de


matemática quanto o aluno de psicologia é obrigado a
realizar no Curso de Graduação?

São essas mesmas em que você está pensando: atividades de


leitura e de produção de textos.
Como um aluno de matemática, de pedagogia ou de letras pode
cumprir as atividades do curso sem aptidão para ler e escrever tex-
tos? Como poderá interagir com o conhecimento produzido e ar-
mazenado nos livros e nos sites da Internet? Como poderá interagir
com os colegas do curso, lendo e redigindo textos para construir e
expor suas idéias, para concordar ou discordar dos outros? Tudo
passa pela linguagem.
A questão da linguagem é, pois, uma questão central para to-
dos os domínios do conhecimento, para todos os cursos, para to-
das as disciplinas. Esta disciplina tem como objetivo oferecer opor-
tunidade de você se tornar um bom leitor e produtor de textos.
Entretanto, esse não é objetivo só desta disciplina, mas de todas as
outras, durante todo o tempo que durar seu Curso de Gradua-
ção. Trata-se de um aprendizado constante e da responsabilidade
de todos os professores – não somente do professor de Língua
Portuguesa. Saber ler e produzir textos com proficiência é o mais
significativo sinal de bom desempenho lingüístico, como bem
observa Fiorin (2003, p. 3).
Leitura e Produção de Textos 9

Mas o que é saber ler?

Podemos afirmar que um aluno é bom leitor quando demons-


tra ser capaz de interagir com o autor, por meio do texto, e de
construir os significados inscritos no interior de um texto, rela-
cionando tais significados com o conhecimento de mundo do
seu tempo. Ler é, portanto, uma atividade complexa de cons-
trução de um sentido para o texto, utilizando o conhecimento
lingüístico, o conhecimento de mundo e o conhecimento ad-
quirido nos livros.
E o que é ser bom produtor de texto?

É ser capaz de realizar a ação que se tem em mente, por meio


do texto. Um exemplo ajuda a entender isso. Se minha loja de
eletrodoméstico está com o estoque baixo, preciso fazer o meu for-
necedor saber disso, das minhas necessidades, do meu interesse
de compra, da quantidade e das especificidades dos produtos de-
sejados. Uma ação como essa se faz por meio da redação de um
gênero específico de texto: o pedido de compra. Você pode me
dizer que isso até o carregador da loja sabe fazer, sem muito estu-
do. Ele pode dispor de informações sobre tudo o que a loja precisa
e até mais do que o dono. Sabe, sim. O que ele não sabe é identifi-
car o gênero de texto apropriado para fazer isso, hierarquizar as
informações e estabelecer relações apropriadas entre elas, para ar-
gumentar e defender pontos de vistas. Essa capacidade de realizar
tais articulações no interior de um texto não é muito comum hoje
em dia.
Muita gente pensa que essa capacidade é resultado de bons co-
nhecimentos gramaticais e de rigoroso treinamento em redação e
análise de frases isoladas. Grande engano! É preciso muito mais do
que isso, pois a construção de um determinado gênero de texto
envolve atividades mais complexas do que a justaposição de uma
frase ao lado de outra. Envolve conhecimento dos mecanismos de
construção textual e capacidade de operar com eles para produzir
os efeitos de sentido pretendidos.
Esperamos que você vá fazendo o seu caminho de aprendente
nessa teia de interações com os colegas, os professores e os tutores
e que esta disciplina contribua para que tenha sucesso no curso
escolhido. Esperamos que possamos nos tornar uma comunidade
aprendente, isto é, todos nós nos colocando em atitude de ensinar
e de aprender, abertos para o novo e capazes de socializar experi-
ências e conhecimentos.
Que a sua caminhada nesta disciplina seja prazerosamente
enriquecedora!
10 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

1.2 Plano da Disciplina:


Leitura e Produção de Texto

Carga horária: 60 horas


Professores: José Genésio Fernandes e
Maria Emília Borges Daniel

OBJETIVOS
Geral:
Possibilitar o desenvolvimento de competências, habilidades e es-
tratégias essenciais para a leitura e a produção de textos, com vistas
à conscientização sobre a natureza sociointerativa da linguagem
no processo de formação integral do educador.
Específicos:
– dar condições para o aluno compreender o texto como um todo
de sentido, um tecido cujo fim é a produção de efeitos de sentido;
– possibilitar a compreensão do gênero de texto como forma de
ação social e historicamente situada;
– possibilitar a compreensão da leitura como um processo com-
plexo de construção de sentido;
– oferecer conhecimentos e exercícios para o aprimoramento da
capacidade de leitura e de produção de diferentes gêneros de tex-
tos, de maneira crítica.

TEMAS

Unidade I Unidade III


Fundamentos e pressupostos O texto e suas estratégias de
conceituais sobre o texto construção e interpretação

Unidade II
O texto e suas condições de
produção e interpretação

EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM
Ao longo de cada unidade serão propostas leituras e atividades a
serem desenvolvidas individualmente, discutidas com o Tutor e
socializadas, isto é, colocadas no FÓRUM para leitura e apreciação
de todos os participantes de todas as cidades.
Leituras: em cada unidade será apresentado um tema (Texto-base),
a ser estudado e debatido e a indicação de Leituras Complementa-
res (Saber mais). Para aprofundamento de subtemas, serão
indicadas obras ou páginas na Internet (Referências).
Interação: para discussão dos textos e das atividades, o aprendente
contará com o apoio do tutor, recorrendo a diferentes ferramentas
Leitura e Produção de Textos 11

e meios de comunicação (tira-dúvidas, bate-papo, telefone, fax), e


poderá trocar idéias com colegas de curso (Fórum, Webmail).

Processo avaliativo
As atividades de aprendizagem encontradas nas unidades ser-
vem de auto-avaliação e são discutidas nos momentos do Fórum e
do Bate-Papo.
Ao final da disciplina, apoiado nas reflexões construídas ao lon-
go das leituras, o aprendente produzirá texto sobre bases teórico-
metodológicas do projeto pedagógico do curso a distância em que
vai atuar.

AMPLIANDO HORIZONTES
Como você pode observar no Plano do curso, o objetivo central
desta disciplina é colocar você em contato com um saber e um saber-
fazer específicos: leitura e produção de diferentes gêneros de texto, ou
seja, possibilitar-lhe o desenvolvimento de competências, habili-
dades e estratégias essenciais para a leitura e a produção de textos
de circulação geral e acadêmica, com vistas à conscientização so-
bre a natureza sociointerativa da linguagem no processo de sua
formação profissional integral.
Por isso, organizamos o seu percurso em 3 unidades temáticas:
Na unidade I – Fundamentos e pressupostos conceituais so-
bre o texto: faremos estudos do texto em suas dimensões teórica e
prática, enfocando seus aspectos constitutivos mais fundamentais,
desde as condições externas de produção e interpretação até os
elementos internos de configuração textual e enunciativa, demons-
trando que a leitura e a produção de textos são atividades de cons-
trução de sentido que pressupõem a interação autor-texto-leitor
Na unidade II – O texto e suas condições de produção e in-
terpretação: discutiremos que, além das pistas e sinalizações que o
texto oferece, entram em jogo, na construção do sentido, os co-
nhecimentos do leitor e do produtor. É desses conhecimentos que
trataremos nessa unidade.
Na unidade III – O texto e suas estratégias de construção e
interpretação: enfatizaremos que a referenciação é uma atividade
discursiva e que o processamento textual se dá numa oscilação entre
vários movimentos: um para a frente
(projetivo) e outro para trás (retrospec- Conforme Koch & Elias (2006, p. 135), “As-
tivo), representáveis parcialmente pela sim sendo, longe de se constituir como a soma
catáfora e pela anáfora, respectivamen- de elementos novos com outros já postos em
te, além dos movimentos abruptos, fu- etapas posteriores, o texto é um universo de
sões, alusões, etc. relações seqüenciadas, mas não lineares”.
12 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

PONTO DE ENCONTRO
Esperamos que, ao final das leituras e discussões feitas ao longo
da Disciplina, você possa:

• conhecer e discutir os fundamentos e pressupostos conceituais


sobre texto e leitura, compreendendo a produção e a leitura de
textos como atividades interativas de construção de sentido;
• analisar o texto, considerando-o dentro de suas condições de
produção e interpretação;
• avaliar o texto, levando em consideração suas estratégias de
construção e interpretação.

Nos encontros a distância, a intenção é provocar sua reflexão


sobre essa coisa que é como a água para o peixe: a linguagem, esse
líquido, esse ar dentro do qual e a partir do qual os homens criam
um mundo de significados. No bojo dessa questão, a compreensão
do processo de produção de texto e de leitura é fundamental para
o sucesso do aprendente em qualquer disciplina, de qualquer curso.
Nos momentos de “encontro”, suas reflexões serão socializadas
nos espaços que a plataforma disponibilizar e/ou presencialmente.

Desejamos a você boas leituras e ótimas reflexões.


E que o caminhante, aqui e ali, tenha companhias
na viagem de eterno aprendente.

GLOSSÁRIO
A ser construído por todos ao longo das atividades do módulo.
– Linguagem: é uma faculdade, uma capacidade humana. É essa
capacidade que distingue os homens dos animais.
– Língua: é um conjunto de convenções, para permitir o exercício
da faculdade de linguagem – faculdade essa que, como vimos,
preexiste como entidade abstrata a todo e qualquer ato de
comunicação. Com a palavra língua, devemos entender o material,
léxico, gramatical, estocado em competência. A Língua, o conjunto
de convenções, é o que permite ao homem o exercício da linguagem
como uma capacidade humana. A língua é um produto social da
faculdade de linguagem.
– Texto: é um todo organizado de sentido. Dizer que ele é um todo
organizado de sentido implica afirmar que o texto é um conjunto
formado de partes solidárias, ou seja, que o sentido de uma
depende das outras.
Leitura e Produção de Textos 13

– Gênero: é uma forma de ação sócio-histórica.


– Leitura: é um processo complexo de construção ou de atribuição
de sentido, por meio da interação do leitor com o autor, mediada
pelo texto. Ler não é pegar um sentido pronto, já presente no texto,
diante dos nossos olhos. A atividade de ler é uma construção de
sentido. Construção solitária? Não. Uma construção solidária em
que eu construo o sentido numa relação que envolve o leitor com
sua história de vida e de leitura; o texto como uma construção; o
autor que o elaborou num tempo e num espaço determinados e
com algum propósito.
– Práticas de leitura; o que é isso? Melhor definir isso,
primeiramente, por meio de exemplo: a prática do comer dos
ribeirinhos do rio Acre não é a mesma de uma cidade do sul do
Brasil. Uma moça do Acre foi um dia para um encontro em um
hotel do sul. Depois de 4 dias, disse: não vejo a hora de voltar para
casa para poder almoçar gostoso. Assustado, um dos participantes
exclamou: nossa, mas você não almoçou nesses quatro dias que
está aqui!? Sim, disse ela, mas isso aqui não é almoçar gostoso como
na minha casa. Aqui tem muito talher, muita etiqueta do que pode
e não pode fazer à mesa. Na minha casa temos outras maneiras de
comer: sentamos juntos à mesa ou no chão para comer, pegamos
os alimentos com as mãos para colocar na boca. Almoçar gostoso é
isso, à maneira lá de casa. Se eu fizer isso aqui, vão estranhar e até
ter nojo de mim. Assim, também existem PRÁTICAS DE LEITURA,
maneiras diferentes de usar o livro. A leitura é uma prática
encarnada em gestos, espaços e hábitos. Na leitura religiosa,
recomenda-se beijar a bíblia etc. Você já leu aquele livro intitulado
“livros que se lêem com uma mão só”? Existem lugares mais ou Saiba mais
menos apropriados para a leitura de certas obras. Cada comunidade Se um dia tiver
de leitores tem seus hábitos. Existe a prática da leitura do romance interesse em saber
mais, leia a
sentimental; a prática da leitura do romance policial; a prática da A ordem dos livros,
leitura acadêmica e tantas outras. Cada uma com seus gestos, seus de: Roger Chartier
(Brasília: Editora
espaços, suas competências, sua temática e seus objetivos
UnB,1994).
específicos.
– Etnocentrismo espontâneo da leitura: essa expressão denomina
aquela atitude espontânea de pensar que a única prática de leitura
existente na sociedade é aquela praticada pelos letrados, pelos
chamados de gente culta. A expressão é do autor brasileiro João
Hansen e mencionada por Roger Chartier em sua obra “Au bord
de la falaise”.
– Produção de texto: é o processo complexo de construção de
sentidos por meio da interação do autor com o leitor mediado pelo
texto. Ou seja, é um projeto de dizer, constituído em uma dada
situação comunicativa, para alguém, com certa finalidade e de um
determinado modo, dentre tantos outros possíveis.
14 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

REFERÊNCIAS:
OBRAS A SEREM UTILIZADAS PELOS ALUNOS
1. KOCH, Ingedore G. Villaça. e ELIAS, Vanda Maria. Ler e
compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.
2. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e
funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela P., MACHADO, Anna R.
e BEZERRA, Maria A. (Orgs.) Gêneros textuais & ensino.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 18 a 36.
3. ______ Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e
circulação. In; KARVNOSKI, Acir Mário & GRYDECZKA (Orgs).
Gêneros textuais: reflexões e ensino. Paraná: Haygangue, 2005.
4. SAVIOLI, Francisco Platão e FIORIN, José Luiz. Lições de
texto: leitura e redação. 4. ed., São Paulo: Ática, 2003.

REFERÊNCIAS:
OBRAS CONSULTADAS
ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo:
Parábola Editorial, 2005.
CARNEIRO, Agostinho Dias. Redação em construção: a escritura do texto. 2.
ed., São Paulo: Moderna, 2001.
CULIOLI, A. Pour une linguistique de l’énonciation. 3 vol. Paris: Opherys,
1990-1999.
DELL’ISOLA, Regina Lúcia P. Retextualização de gêneros escritos. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2007.
DRUMMOND, Carlos Drummond de. O poder ultrajovem. São Paulo: Record,
1992, p. 49.
ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica: brincando com a gramática. 2. ed.,
São Paulo: Contexto, 2001.
————. Introdução ao léxico: brincando com as palavras. São Paulo:
Contexto, 2002.
KOCH, Ingedore V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto,
2006.
_______ Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
LAKOFF, G. & JOHNSON, M. Metaphores we live by. Chicago: The Chicago
University Press, 1980.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de
retextualização. 6. ed., São Paulo: Cortez, 2005
NEVES, Maria Helena Moura. Gramática de usos do português. São Paulo:
Editora da Unesp, 2000.
Leitura e Produção de Textos 15

UNIDADE 1

Fundamentos e
pressupostos conceituais
sobre o texto
16 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Esta é a primeira unidade do módulo. Mãos à obra.


O objetivo central é que você possa conhecer e discutir alguns
fundamentos e pressupostos conceituais sobre o texto e a leitura
como atividades de produção de sentido na interação humana.
Para tornar a leitura mais suave e as discussões focadas
em aspectos específicos, dividimos esta primeira
unidade em três subunidades.
Pode começar a leitura. Mas, lembre-se: você não está em
uma aula daquelas entre quatro paredes.
Você é o caminhante, o aprendente.
Você é que faz o seu mapa de viagem.
Pode iniciar a leitura pelo
tópico que mais lhe interessar.

1.1 Considerações sobre a noção de linguagem,


língua, texto e gênero.
1.2 Considerações sobre a noção de leitura,
de produção de sentidos e de práticas de leitura.
Leitura e Produção de Textos 17

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE ALGUMAS NOÇÕES BÁSICAS

O que é linguagem? O que é língua? O que é um texto? Como


é produzido o sentido no texto? Uma carta íntima é um texto? O
outdoor da sua rua é um texto? E uma foto do álbum de família,
uma escultura, uma partitura musical: são todos textos? O que é
leitura? É pegar um sentido pronto no texto? É construir um sen-
tido para o texto? Ler é uma atividade solitária ou não? O que se
entende por prática de leitura? É correto discriminar tipos de leito-
res e de leituras?
Produção de texto e de leitura são atividades que realizamos
com e por meio da linguagem, para produzir sentido, e dependem
de muitos conhecimentos. Quais, por exemplo?

Não. Não precisa responder agora. Nem espere que a


gente lhe dê a resposta. As perguntas são para
começar a pensar no assunto. A gente sempre sabe
alguma coisa. Vamos retomar essas questões ao final
da leitura dessa unidade e conversar sobre isso.
Certo?

Convite... Você já sabe que, aqui, ninguém dá mapa do


caminho para o caminhante. Assim, se o desejar,
antes de ler o TEXTO-BASE deste tópico, leia o
primeiro capítulo do livro-texto, intitulado Ler e
compreender os sentidos do texto, de Ingedore V.
Koch e Vanda Maria Elias. São Paulo: Contexto,
2006, p. 9-37. Leia, também, a lição número 1,
intitulada Considerações sobre a noção de texto,
no livro Lições de texto: leitura e redação, de José
Luiz Fiorin e Francisco Platão. São Paulo: Con-
texto, 2003, p. 11-24.
18 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

1.1 Considerações sobre a noção de linguagem,


língua, texto e gênero
O homem está no mundo, na vida. Os animais também. Ho-
mens e animais estão sempre agindo de alguma forma para atingir
seus objetivos. A diferença é que os animais agem por instinto. Por
instinto, o cão bravio ataca, mata e pronto. Nunca vimos um cão
sofrendo de remorso. Os animais não lidam com um mundo de
significação, produzido na e por meio da linguagem. Eles não sen-
tem a necessidade de atribuir significação às coisas para realizar
suas ações. O homem, sim. Ele pode até matar, como o cão bravio,
mas sofrerá, depois, para harmonizar o significado de sua ação com
o mundo de significação, de valores, no qual ele vive e se move
como o peixe na água.
O mundo dele é um mundo humano, significativo para ele.
Para agir, o homem depende de dar uma significação às suas ações.

Um exemplo!

Quando os espanhóis colonizaram o México, dominando os ín-


dios, surgiram perguntas muito sérias para eles: o que é um índio,
é bicho ou gente? Ele tem alma? Para facilitar a conquista, matan-
do-os, era preciso responder a essas questões. Assim, houve longos
debates sobre se os silvícolas eram animais ou homens, se tinham
alma ou não. E os colonizadores mais ferozes bem que desejaram
que os debates concluíssem pela definição dos índios como bichos,
pois, assim, a empreitada colonizadora viraria uma alegre caçada,
sem nenhum problema. Isso quer dizer que eles tiveram de lidar
com algumas noções, afirmar um ponto de vista. Os homens agem
sempre de um ponto de vista que faz sentido para eles.
Na universidade, os acadêmicos realizam ações para conhecer o
mundo da linguagem. Para isso, partem sempre do esclarecimen-
to de algumas noções, definindo o ponto de vista mais adequado
para a ação de conhecer. Há muitos pontos de vista teóricos: é pre-
ciso escolher o mais adequado. Assim, vamos ter de começar nos-
so estudo pelo esclarecimento de algumas noções importantes para
quem se dedica ao estudo da linguagem no que diz respeito à leitu-
ra e à produção de texto. Se vamos nos ocupar de linguagem, de
língua, de sentido, de texto, de leitura e produção de textos, é pre-
ciso, primeiramente, fazer algumas perguntas.

O que é linguagem? o que é língua? O que é texto?


O que é leitura e produção de texto e de sentido?

É preciso um esforço para dar respostas mais apropriadas a es-


sas questões. Podemos começar por pensar no assunto, por nós
mesmos. Todo mundo sabe um pouco sobre o que seja a lingua-
Leitura e Produção de Textos 19

gem. Sabe, sim, pois todos nós nos movemos nela e por meio dela,
como o peixe na água.
A linguagem é uma faculdade humana, uma capacidade que o
homem tem de se comunicar com seus semelhantes, é uma abs-
tração.
Há grandes estudiosos da linguagem. Um deles é Hjelmslev.
Vejamos o que ele diz na obra, intitulada Prolegômenos a uma teo-
ria da linguagem, Editora Perspectiva, pp. 1-5. É um dos mais be-
los textos sobre o estudo da linguagem:

A linguagem – a fala humana – é uma inesgotável riqueza de


múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e se-
gue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento gra-
ças ao qual o homem modela o seu pensamento, seus senti-
mentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o
instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a
base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é tam-
bém o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio
nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, e
quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na medi-
tação do pensador. Antes mesmo do primeiro despertar de nossa
consciência, as palavras já ressoavam à nossa volta, prontas para
envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento e a
nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as
mais humildes ocupações da vida quotidiana aos momentos
mais sublimes e mais íntimos dos quais a vida de todos os dias
retira, graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e
calor. A linguagem não é um simples acompanhante, mas sim
um fio profundamente tecido na trama do pensamento; para o
indivíduo, é o tesouro da memória e a consciência vigilante
transmitida de pais para filho. Para o bem e para o mal, a fala é
a marca da personalidade, da terra natal e da nação, o título de
nobreza da humanidade. O desenvolvimento da linguagem está
tão inextricavelmente ligado ao da personalidade de cada indi-
víduo, da terra natal, da nação, da humanidade, da própria vida,
que é possível indagar-se se ela não passa de um simples refle-
xo ou se ela não é tudo isso: a própria fonte do desenvolvimen-
to dessas coisas.

Não é bonito?

A linguagem é, pois, uma faculdade, uma capacidade humana.


Uma capacidade que os animais não possuem. Por isso o texto diz
que ela é o título de nobreza do homem. É essa capacidade que
distingue o homem dos outros animais.
20 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Língua. O que devemos entender com esse conceito?

A língua é um conjunto de convenções, para permitir o exer-


cício da faculdade de linguagem – faculdade essa que, como vi-
mos, preexiste como entidade abstrata a todo e qualquer ato de
comunicação. Com a palavra língua, devemos entender o materi-
al léxico e gramatical, estocado em competência.

Está entendendo?

A Língua, o conjunto de convenções, é o que permite ao homem o


exercício da linguagem como uma capacidade humana.
Saiba mais
Acrescentemos mais uma coisa: a língua é um produto social
Se você quiser ver a
lista de palavras que da faculdade de linguagem. O que isso quer dizer? Quer dizer que
o médico Antonio de ninguém, sozinho, pode criar a língua ou modificá-la. Você deve
Castro Lopes queria
ter visto aquela discussão na TV, no rádio ou em revistas e jornais,
criar sozinho para a
língua portuguesa, sobre uma antiga proposta de troca da palavra futebol pela palavra
acesse o nome dele ludopédio. Viu? Pois é, de vez em quando aparece uma pessoa, como
no Google.
um tal de Antônio de Castro Lopes, querendo criar a língua sozi-
nho. As pessoas acham graça e só. Por quê? Porque uma palavra
entra no dicionário, somente quando a sociedade toda entra em
acordo sobre sua adoção na forma e no conteúdo, quando passa a
usá-la. A língua só existe em virtude de um contrato estabelecido
entre os membros da comunidade. Por isso se diz que ela é supra-
individual, na medida em que é um objeto convencional, fruto de
um pacto social.
O indivíduo tem de aprender a língua, para poder exercer bem
a capacidade de linguagem que possui. Conforme afirma Culioli
(1990, p.14), a “[...] atividade da linguagem remete a uma ativida-
de de reprodução e de reconhecimento das formas, ora, essas for-
mas não podem ser estudadas independentemente dos textos, e os
textos não podem ser independentes das línguas”.

Linguagem Língua
Não é demais repetir:
veja o quadro: uma capacidade humana conjunto de convenções e
regras, para permitir o
exercício da faculdade de
linguagem

Muito bem. Tendo essa capacidade da linguagem e possuindo


uma língua, a portuguesa, por exemplo, o homem produz textos
na vida social. O que é texto? Uma carta íntima é um texto? Um
romance é um texto? E um bilhetinho? Um convite de casamento,
Leitura e Produção de Textos 21

uma conta de luz são textos? Se você pensou em afirmar que sim,
acertou. São textos verbais.
Mas e uma fotografia? É um texto? Uma escultura, um dese-
nho, uma partitura musical? Certamente você pensou que sim.
Pode até ter tido uma pequena dúvida, mas pensou que sim. São
textos, sem dúvida alguma! Não são textos verbais, mas são textos
visuais ou audiovisuais. E o outdoor, os programas de TV, as tirinhas
de jornal, as propagandas? São também textos? Sem dúvida. São
os chamados textos sincréticos, isto é, aqueles que utilizam várias
formas de expressão: o verbal e o audiovisual.

Observe os textos 1, 2 e 3, a seguir:


Texto 1

Texto 2

Genésio Fernandes
Desenho para a série
Figuras da folia
Nanquim sobre papel, 2007
12cm X 10cm

Texto 3
22 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Veja bem. Os homens, possuindo a capacidade da linguagem,


não param de produzir textos, utilizando as mais variadas formas
de expressão. No bilhete, utilizam a expressão verbal, as palavras
da língua e todos os recursos que ela possui. Na música, utilizam
os sons e, na escultura, o volume. No desenho, usam a linha e, na
pintura, as cores. Na propaganda, nos programas de TV e nos fil-
mes, utilizam todos esses meios de expressão juntos, combinados.
Na vida moderna, a cada batida do nosso coração, surgem bilhões
de textos. Podemos dizer que nossa vida está envolvida numa
textosfera.

Quer um exemplo?

No dia 21/11/2007, a Folha de S. Paulo deu a notícia de que


pesquisadores europeus encontraram a garra fossilizada de um
escorpião do mar, de 2,5 metros de comprimento, em uma pedrei-
ra, na Alemanha. A matéria apresentava um desenho do escorpião
ao lado de um homem, para melhor indicar seu tamanho. Três
dias depois, aparecia na Folha esta tirinha:

Texto 4

Folha de S. Paulo, 24 nov. 2007

Veja: o leitor que não acompanhou o noticiário da Folha nos dias


anteriores terá mais dificuldade para compreender a tirinha. Hoje é
assim: aparece um texto na imprensa e, poucos dias depois, apare-
cem outros textos cuja leitura depende do conhecimento do primei-
ro. É como se estivéssemos condenados a ler tudo para poder ler.
Estamos rodeados de textos. E não tem querer ou não querer. Eles
não pedem licença: simplesmente invadem nossa vida, por meio
dos nossos cinco sentidos. Mas é preciso insistir: o que é mesmo
um texto? Veja os textos 5 e 6, abaixo:

Texto 5
Leitura e Produção de Textos 23

Texto 6

A escritura ele ficou brabo carro e mulher nada disso terra e


enchente, pois a reza nem acabou e era chofer do ônibus quan-
do a bíblia entra. Cachorro cachorro e o pneu nada vai dar cer-
to na bíblia. Vendido foi debandou o boi tem carro novo é as-
sim mesmo. Quando e o céu com o padre, chove as peças che-
gam e tem enxada, nada de mais. Não vale. Macarrão nem deus
ouve a oração peca. Falaram na dona e roça assombração o mato
virou

Texto vem do verbo tecer. Se digo que minha avó teceu uma
toalha de mesa, o que está implícito no que digo? Que ela amon-
toou um punhado de fios, de qualquer jeito? Não! Certamente,
não. Se você está pensando que o certo é dizer que ela organizou os
fios para formar a toalha, então acertou.
Leia novamente os dois textos acima: qual deles parece mais
um amontoado de palavras do que uma organização, com algum
propósito determinado? O Texto 5 ou o Texto 6? Certamente o
Texto 6. O Texto 6 é um amontoado de palavras, sem nexo. As
partes não formam um todo de sentido. Esse amontoado de pala-
vras é tão doido que não dá para perceber quem fala, o que fala,
para quem e com que objetivo. Se você acha que isso é coisa de
louco, acertou.
Quem vai a uma roça chamada Barra, em um dos grotões de
Minas, encontra um louco. Ele vai à janela do carro e fala assim. Os
visitantes do lugar, por educação, fingem que entendem e dizem:
sim, é... sim..., sim senhor!. Não deixa de ser uma cena de tentativa
de comunicação, mas quem participa dela não consegue construir
um sentido para o palavreado que ele vai amontoando na sua fala.
Um texto é, portanto, um todo organizado de sentido. É um todo
que faz sentido como um todo. Veja bem: não é uma soma de suas
partes. Não se trata de soma de partes.

Releia o Texto 5. Se alguém recortar a tira em


quatro partes, embaralhá-las e for dando uma de cada vez
para ler, você vai ver que cada uma delas tem um sentido
particular e não o sentido do todo.

Se lhe derem a ler somente o quadrinho da terceira parte do


Texto 5, o máximo que você poderia ler é que se trata de uma briga
de dois personagens que discordam da posição da frente de algu-
ma coisa. Não saberíamos bem quem é a terceira personagem da
24 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

cena e nem por que a imagem dela está diluída, pois não disporía-
mos das figuras que ela tem nos outros quadrinhos (primeiro e
segundo). Além disso, a primeira coisa que o texto perde, se for
recortado, é o contexto de produção. Nem mesmo saberíamos a
que gênero de texto pertenceria. Ou seja, ninguém saberia mais se
o terceiro quadrinho é uma tirinha de jornal ou uma ilustração
isolada de um livro. Não saberia também da relação do texto com
outro texto, o das histórias em quadrinhos da crítica Mafalda, cri-
ada pelo argentino Quino.
Lendo a parte, o leitor percebe um sentido que não é o mesmo
do todo. No seu todo, lemos que Mafalda lança a pergunta aos
colegas: “Para onde vocês acham que a humanidade está indo?”
Para dar a resposta, os dois meninos entram numa disputa verbal.
Eles discordam do sentido da palavra “frente”. Nenhum deles cede
à possibilidade de a “frente” significar o que o outro quer. O que o
todo do texto permite ler é que o entendimento entre as pessoas é
sempre difícil, mesmo quando as posições parecem convergir. Todo
mundo concorda que a humanidade tem de evoluir, de ir para a
frente, mas não consegue fechar acordo sobre o sentido/direção da
expressão “para frente”.
Portanto, o sentido do texto não é a soma do sentido de cada
parte isolada. O sentido do texto é o que resulta da construção do
todo do texto, pela relação entre as partes que o compõem. Não dá
para compreender o todo do texto, lendo somente partes isoladas.
Guarde esta palavra: relação. Tudo no texto significa por meio de
relações. Relação de muitas coisas. Você compreenderá isso cada
Saiba mais vez mais à medida que for estudando.
Acesse o site do cantor Odair José, no Google,
se quiser ouvir a música. É considerada brega,
mas não deixa de ser um documento do que Falta ainda dizer que um texto é sempre
aconteceu no Brasil, na época.
Se tiver interesse por estudos da cultura e da uma resposta a um discurso anterior sobre
história, por meio de letras como essa, veja o qualquer coisa. Quer um exemplo disso? Por
livro “Eu Não Sou Cachorro, Não” de Paulo
César de Araújo, que é referência obrigatória volta de 1970/1980, as rádios não paravam
no estudo da música popular brasileira. Veja: de tocar a música de um cantor popular
www.brasilcultura.com.br/
conteudo.php?id=480&menu=92&sub=518 – 29k. chamado Odair José, considerado brega.
Essa letra, Texto 7, convoca o povo a parar
de tomar a pílula. Esse discurso não surgiu do nada e por nada. Ele
surgiu em resposta a um outro discurso já existente na época.

Primeiro, leia o texto da letra e depois responda:


qual era esse outro discurso, o que ele
recomendava ao povo?
Leitura e Produção de Textos 25

Texto 7:
PARE DE TOMAR A PÍLULA

Já nem sei há quanto tempo


nossa vida é uma vida só
e nada mais
(REFRÃO)
Nossos dias vão passando Pare de tomar a pílula
e você sempre deixando Pare de tomar a pílula
tudo pra depois Pare de tomar a pílula
Porque ela não deixa o nosso
Todo dia a gente ama filho nascer (3x)
mas você não quer deixar nascer
o fruto desse amor Você diz que me adora
Que tudo nessa vida sou eu
Não entende que é preciso Entao eu quero ver você
ter alguém em nossa vida Esperando um filho meu
seja como for Entao eu quero ver você
Esperando um filho meu
Você diz que me adora
que tudo nessa vida sou eu Pare de tomar a pílula
então eu quero ver você Pare de tomar a pílula
esperando um filho meu Pare de tomar a pílula
entao eu quero ver você Porque ela não deixa o nosso
esperando um filho meu filho nascer (3x)

Veja você que o texto repete sem cessar um refrão: “pare de


tomar a pílula!”. O texto dessa música era uma resposta a um outro
discurso cuja prática já estava em andamento: o discurso do Governo
da ditadura militar, que pedia para a população tomar a pílula
anticoncepcional. Os Estados Unidos exigiram do Brasil um
programa de controle da natalidade como condição para liberar
empréstimos. O Governo não teve saída: mesmo a contragosto da
Igreja católica, adotou o programa. Odair José foi, então, a voz que
repetia para os ouvidos da população o discurso da Igreja católica,
contra o programa de controle da natalidade. Resumindo:

• a linguagem é uma faculdade humana;


• a língua é o conjunto de convenções e regras, para permitir o exercício da
faculdade de linguagem;
• tendo essa capacidade e sabendo a língua, o homem produz textos para se
comunicar;
• o texto é um todo organizado de sentido e não um aglomerado de partes;
• os textos podem ser verbais e não-verbais;
• o texto é produzido sempre como uma resposta a um discurso anterior;
• atribuir sentido a um texto depende, portanto, de uma interação entre quem o
produz e quem o recebe e da ativação de uma série de conhecimentos e habilidades
por parte de ambos. Por essa razão é que falamos de UM sentido para o texto e não
de O sentido.
26 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

1.2 Considerações sobre a noção de leitura,


de produção de sentidos e de práticas de leitura
Muito bem. Coloque a mão no lado esquerdo do peito: imagine
que a cada batida do coração, os homens produzem milhares de
textos. Mas os homens não produzem textos indiferenciadamente,
assim como Deus não criou os animais todos iguais. Nos estudos
de Biologia, vemos que os animais são distribuídos em gêneros e
espécies.
No mundo da linguagem, os textos compreendem gêneros di-
ferentes. Cada gênero de texto serve para os homens realizarem
ações diferentes. Os gêneros são, portanto, formas de ação. Quem
vai escrever um texto sabe que vai fazer uma ação específica, com
um fim específico e sabe que gênero de texto deve escolher para
realizar bem a ação pretendida.
Por exemplo, para realizar a ação de fazer alguém querido saber
de seus sentimentos íntimos, você sabe que tem de escolher o gê-
nero certo para fazer isso: a carta íntima. A carta é um gênero de
texto, a ferramenta certa para comunicar assuntos pessoais e ínti-
mos entre amigos ou pessoas que se amam. Escolher um gênero
de texto para realizar uma ação, como a de fazer um pedido de
emprego, é como escolher a roupa certa para ir a uma festa de
casamento, à noite, em uma igreja. Ninguém vai com a roupa que
bem quer. Escolhe uma roupa considerada apropriada para aquela
situação social.
Que quer dizer apropriada?
Quer dizer socialmente aceita,
historicamente aceita. Ninguém vai a uma festa dessas usando
biquini e nem uma roupa do século 17. A não ser que queira reali-
zar outra ação: a de chocar.
Quem não sabe escolher e produzir o gênero de texto apropria-
do para fazer a ação de pedir um emprego, por exemplo, tem me-
nor chance de exercer a cidadania.
Por quê?
Porque na luta para conseguir o emprego,
ele já sai perdedor.
Lembremos ainda que, para atribuir sentido a um texto, preci-
samos saber a que gênero ele pertence. Sabemos disso por meio
do conhecimento cultural ou por meio do estudo. Na página 20,
você viu o Texto 5, a tirinha da Mafalda. Vimos que a leitura de um
só quadrinho não permitia construir o sentido do texto 5 como
um todo. Agora, com essas considerações, você sabe por quê. Por-
que, olhando um só quadrinho da tirinha, não é possível saber a
ação que o texto pretende realizar. Não é possível saber a que gêne-
ro pertence. Somente o conhecimento da tirinha como um gênero
humorístico permite ao leitor construir o sentido global do texto,
considerando essa instrução genérica. Ou seja, o leitor é instruído a
produzir sentido de humor e não de tragédia, por exemplo.
Leitura e Produção de Textos 27

Então fiquemos, por ora, sabendo do seguinte:

• o gênero é uma forma de ação sócio-histórica, uma ferra-


menta;
• saber escolher o gênero de texto apropriado para realizar uma
ação e saber escrevê-lo bem são habilidades importantes para o
exercício da cidadania;
• conhecer o gênero de um texto é condição necessária para
uma adequada atribuição de sentido a esse texto, pois o gênero
dá instrução a respeito da ação que se pratica por meio dele.

Resumindo...

O estudante brasileiro tem a capacidade da linguagem, ele co-


nhece a língua portuguesa, ele sabe o que é um texto, ele sabe que
o gênero é uma forma de ação, ele escolhe um gênero apropriado
para realizar uma ação determinada. Assim, pode produzir milhões
de textos. Como dissemos, estamos hoje envolvidos numa textosfera.
Então falta falar de uma outra coisa: da leitura. O que é leitura? O
que é ler?
Aqui, é preciso um esclarecimento. A concepção de leitura varia
conforme a concepção de língua adotada. Lembre-se do que fala-
mos no início: para os colonizadores espanhóis, matar um índio
poderia significar coisas bastante diferentes, conforme a concep-
ção que se desse ao termo “índio”. Se “índio” fosse definido como
o ser dotado de alma, matá-lo seria pecado mortal e crime; caso
contrário, seria apenas uma cena de caçada como a de qualquer
animal.
Conforme Koch (2006, pp. 9 a 13), na concepção mais antiga, a
língua é definida como representação ou espelho de pensamento.
Dessa concepção vão derivar as concepções: de sujeito como um
sujeito psicológico, individual, senhor de sua vontade e de suas
ações; de leitura como uma atividade de captação das intenções e
idéias do autor, sem considerar que, no ato de leitura, contam muito,
para a produção de sentido, as experiências e os conhecimentos do
leitor, bem como a interação que ele estabelece com o autor por
meio do texto.
Veja bem que o foco da preocupação é o autor e suas intenções,
pois se considera que o sentido estaria centrado nele. Se assim fos-
se, bastaria ao leitor, para dizer que lê bem, captar as intenções do
autor. Isso é um problema. Por quê? Simplesmente porque, na
leitura de um texto de Machado de Assis, por exemplo, não temos
mais o autor, para perguntar-lhe se as intenções que vemos no seu
texto correspondem, de fato, àquelas que ele teria tido ao escrever
28 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

o romance Dom Casmurro. Neste curso de EaD, você vai se relaci-


onar com seus colegas, no Fórum, por meio de textos. Não é? Ora,
não dá para seu colega que está longe, em outra cidade, ficar de-
pendendo de saber das intenções que você teria tido ao escrever,
para poder entender o seu texto ou mensagem. Certo?

É muito comum, também, uma outra concepção de língua. Tra-


ta-se de entendê-la como código, portanto, como mero instrumen-
to de comunicação. Na vida, os homens criam metáforas para falar
das coisas. Isso vai passando de boca em boca e vai ficando como
verdade. Nem sempre são. Os homens vão vivendo conforme o
esquema dessas metáforas, mas nem sempre elas correspondem à
verdade. A metáfora da língua como instrumento ou código de
comunicação é uma delas. Lakoff e Johnson (1980) criticam a con-
cepção de língua como código de comunicação. Eles afirmam que,
se concebemos assim a língua, fica pressuposto o seguinte:
a) as idéias (ou significações) são objetos;
b) as expressões lingüísticas são os continentes desse objetos;
c) comunicar é passar qualquer objeto ou coisa.
Se a atividade de comunicação fosse isso, um trabalho de colo-
car idéias-coisas no código da língua, a leitura seria uma atividade
de retirada das idéias-coisas desse código, utilizado nos textos/men-
sagens. Você percebe que, conforme essa maneira de pensar, o foco
é o texto. A leitura seria concebida como decodificação ou
descodificação. Como você vê, aqui, ler seria retirar um sentido do
código. Por isso, muita gente, inclusive professores, utiliza dois
verbos para referir-se ao ato de comunicação e de leitura: eles fa-
lam sempre em “passar” e em “retirar”. Por exemplo: “o texto pas-
sa uma mensagem clara, mas os alunos não sabem retirar nada do
que lêem”.
Acontece que essa concepção de língua e de leitura não
corresponde aos fatos. A metáfora da língua como código, entendi-
do como canal de passagem de conteúdos, faz a gente viver pen-
sando coisas erradas. Quem namora, por exemplo, sabe que isso
não é verdade. Se fosse verdade, não haveria nunca mal entendi-
dos entre as pessoas que se amam. Por isso devemos saber que:
a) a língua NÃO é um canal, um veículo isento por onde transi-
tam idéias;
b) a leitura NÃO é apenas decodificação, ou seja, NÃO é ativida-
de de retirar um sentido já pronto, posto no texto.
Em resumo, até aqui, falamos de duas concepções de língua
que não são mais aceitas, porque não permitem compreender o
fenômeno da linguagem nas atividades de leitura e produção de
texto.
Leitura e Produção de Textos 29

Depois dessas reflexões, procure lembrar como foram as suas


aulas de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental e Médio.
Tente lembrar-se do discurso dos professores, para ver que
concepção de língua e de leitura eles adotavam no ensino da
disciplina. Se adotavam a primeira concepção, certamente
perguntavam, em algum momento de suas instruções de aula:
o que o autor quis dizer? Qual foi intenção dele? Se adotavam
a segunda concepção, perguntavam: o que o texto quer passar?

Então, como resolver essa questão?


Que concepção de língua, de sujeito, de texto e de
leitura é mais adequada para compreender a
atividade linguageira do homem em sociedade?

Na concepção interacional (dialógica), tudo é compreendido


numa rede de relações. É na interação que tomam forma a língua,
os sujeitos, a atividade de produção de sentidos nos textos escritos
e na leitura.
Portanto, desse ponto de vista, o sentido a ser lido não se en-
contra somente no texto para o leitor retirá-lo ou pegá-lo pronto. A
leitura é, pois, uma atividade de produção ou de construção do
sentido na interação do leitor com o autor mediada pelo texto.
Veja você que a leitura não é, aqui, mera atividade de decodificação.
Veja também que o sentido que o leitor lê no texto não é uma coisa
que já estaria lá, à espera dele. O sentido é construído na relação e
depende de muitos conhecimentos por parte do leitor. Vamos fa-
lar desses conhecimentos mais à frente. Por ora, fiquemos com
isso: a leitura é uma atividade interativa complexa de produção ou
de construção de sentidos.
Isso quer dizer que, na atividade de leitura, “a compreensão
não requer que os conhecimentos do texto e os do leitor coinci-
dam, mas que possam interagir dinamicamente” (ALLIENDE &
CONDEMARÍN, citados por KOCH, 2006, p. 37).
Você deve estar desconfiado do que estamos falando, não? Cor-
rija-nos, se estivermos enganados, mas achamos que está pensan-
do o seguinte: se o autor produziu um texto para alguém, deve ter
construído nele algum sentido. É verdade. Ninguém escreve um
texto sem algum propósito. Todo texto tem um objetivo. Tendo
em mente esse objetivo, a imagem e os valores do leitor para quem
se destina o texto, e de posse de diferentes tipos de conhecimento
30 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

(lingüísticos, enciclopédicos ou de mundo e interacionais), o autor


constrói um espaço de significação e espera que o leitor ocupe esse
espaço com sua capacidade de construir sentidos, ativando conhe-
cimentos de diferentes tipos, inclusive aque-
les da sua história de vida e de leituras. Ou
seja, o autor pressupõe a participação do lei-
tor na construção do sentido, considerando
a (re)orientação que lhe é dada. Por isso, há
sempre múltiplas leituras possíveis para um
mesmo texto. Um exemplo ajuda sempre,
para compreender que o autor constrói o tex-
to numa relação contratual implícita com o
leitor.
Em toda banca de revista, existem os fa-
mosos romances sentimentais de massa. No
Brasil, são aqueles das séries Sabrina, Bianca
e Júlia. São os romances que seguem a tradi-
ção do chamado romance cor-de-rosa ou ro-
mances do coração, cujas representações che-
garam até nós por meio de imagens, dese-
nhos e pinturas. Veja, à esquerda: uma mu-
lher toda sentimento, lendo extasiada, com
a mão no coração.

Na produção desses romances, os autores precisam saber: que


os leitores desse tipo de literatura são mulheres; que a maioria
delas não possui um vocabulário muito sofisticado; que não tem
habilidade de leitura de períodos muito extensos; que, nesse tipo
de leitura, procura os valores do amor eterno e das paixões mais
diversas; que utiliza esses textos para uma atividade de leitura
lúdica.
Portanto, como você observa, tanto a escrita como a leitura são
processos complexos de construção de sentido, regidos por con-
tratos: contrato de escrita e de leitura. No caso da produção de
romances sentimentais, o autor e as leitoras seguem um contrato
implícito. Tanto é verdade que, quando a editora publica algum
romance que não tem os valores desejados pelas leitoras (amor
eterno, paixões; personagens gentis, lugares românticos e final
feliz), ou que apresenta vocabulário difícil ou enredo de romance
policial, por exemplo, recebe delas cartas de protesto e até amea-
ças de processo. Veja uma dessas cartas, tal como foi escrita pela
leitora:
Leitura e Produção de Textos 31

São Pedro, 25 de dezembro de 1985

Janice Florido
Editora

Janice num dos livros que comprei nestas férias, li a sua mensagem
para que nós disséssemos nossa opinião sobre as revistas, então ái vai
a minha.
Leio os romances de Júlia, Sabrina, Bianca e outra a muitos anos, qdo
posso, compro, qdo não troco as minhas revistas em bancas de troca.
E em todos esses anos, as únicas de quem eu não gostei, para ser
sincera detestei, odiei, foram aquelas escritas, que se passam na grécia,
onde o personagem é grego e arrogante, machista.
Para você ter uma idéia melhor eu ganhei de uma amiga, uma revista
com o título “As flechas de Cupido” número 176, Julia, novinha em
folha, e eu não consegui ler, por favor não coloque muitos romances de
grego nas bancas, a paisagem podem ser maravilhosa, o entardecer
divino, as ruínas dos templos maravilhosas, mas os romances destes
gregos são cansativos.
Espero não tê-la deixado chateada, pois sei que você e toda sua equipe
trabalha com afinco e carinho para que nós leitoras, possamos desfrutar
de momentos maravilhosos e mágicos.
É uma pena que eu não tenha condições de ir toda a semana na banca
para comprar os livros, pois infelizmente, estão caros. Mas se eu tivesse
condição financeira, também não iria comprar de romances de gregos.
Talvez eu não goste desses romances, pois já vivo há 20 anos com um
machão.
Adoro finais felizes, principalmente daqueles em que no final eles
acabam com bebezinhos. Mas fora isso, você está de parabéns pelos
romances publicados, pois sei o quanto é difícil contentar a todos.
Parabéns, felicidades de uma fã de romance:
Marisa Plim de Jesus.

Diante disso, você pode, ainda, estar perguntando: mas essas


leitoras, ao ler esses romances, constroem leituras repetidas, iguais?
Claro que não. Já dissemos acima e repetimos: “a compreensão
não requer que os conhecimentos do texto e os do leitor coinci-
dam, mas que possam interagir dinamicamente”. Isso quer dizer
que cada leitora interage com o autor por meio do texto de manei-
ra diferente, pois cada uma delas possui conhecimentos mais ou
menos amplos e histórias de vida e de leitura também muito dife-
rentes. Diferentes leitores fazem usos diferentes de um mesmo
texto.
Falta dizer-lhe o que você já sabe, por experiência própria: não
existe no mundo somente uma prática de leitura, mas várias: a
prática de leitura dos romances sentimentais, da bíblia, do jornal,
32 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

das revistas femininas, das leis, das obras acadêmicas, dos quadri-
nhos – tanto impressos quanto na tela do computador. Essas práti-
cas gozam de maior ou menor prestígio na vida social, mas todas
elas possuem seus direitos e representam os seres humanos com
seus gestos e maneiras de apropriação e de uso particular e cada
vez único do que lhes cai na mão. Cada prática de leitura tem ob-
jetivos diferentes e exige habilidades diferentes.

Portanto, depois dessas considerações, não vá cair na mania de


discriminação, no que chamam de etnocentrismo letrado. O que sig-
nifica isso? É considerar que só existe uma boa prática de leitura:
aquela das obras consagradas pela elite cultural e que as outras não
contam ou merecem apenas a denominação de “porcaria” ou de
“perda de tempo”.

Para saber mais


Para terminar esta parte, leia o artigo Como ensinar a ler a quem já sabe
ler, de Marlene Carvalho e Maurício Silva, na revista Ciência Hoje,
volume 21, número 21, de junho de 1996, e depois discuta dois pon-
tos que considerar importantes com os cursistas no Fórum. O texto
está disponível no site www.ead.ufms.br , no banco de textos da sua
disciplina.
Leitura e Produção de Textos 33

UNIDADE 2

O texto e
suas condições de
produção e interpretação
34 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Ler e escrever textos na perspectiva da interação


Esta é a segunda unidade do módulo. Mãos à obra.
O objetivo central é que você possa conhecer e discutir
alguns fundamentos e pressupostos conceituais sobre
o texto e a leitura como atividades de produção
de sentido na interação humana.
Para tornar a leitura mais suave e as discussões focadas
em aspectos específicos, dividimos esta segunda unidade
em quatro subunidades.
2.1 A produção de textos escritos: conhecimentos
a serem considerados.
2.2 O contexto nos processos de construção
de sentidos na leitura e na escrita.
2.3 O texto e suas relações intertextuais.
2.4 Texto e gênero textual.
Pode começar a leitura! Mas, lembre-se: você não está em
uma aula daquelas entre quatro paredes. Você é o caminhante,
o aprendente. Você é que faz o seu mapa de viagem.
Pode iniciar a leitura pela subunidade que mais lhe interessar.
Leitura e Produção de Textos 35

2 CONHECIMENTOS DE QUE DEPENDEM A LEITURA


E A ESCRITA DE TEXTOS

TEXTO-BASE
O texto como elemento de mediação entre os sujeitos envol-
vidos na produção de sentidos.
Ao iniciarmos esta seção, é necessário que comecemos a refletir
sobre o papel dos textos, orais e/ou escritos, verbais e não verbais,
sobre temas pertinentes às áreas de conhecimento a serem traba-
lhadas no desenvolvimento do curso, na modalidade EaD, no qual
você ingressou.
Acompanhe nossa reflexão a respeito.

São os textos que possibilitam a configuração do material didá-


tico, impresso, audiovisual e multimídia, no qual são feitos os re-
cortes das áreas de conhecimento trabalhadas no curso.
Por meio dos textos, é possível garantir que sejam realmente
trabalhados, no curso, os principais conceitos, definidos em cada
área de conhecimento, ou disciplina, ou módulo, ou unidade.
É também mediante os textos que, nas relações entre os sujeitos
da prática educativa, são construídos conceitos, idéias e reflexões
essenciais para a construção de sentidos que se pretende produzir
no desenvolvimento das matérias constantes no currículo do curso.
Evidencia-se, assim, no âmbito da universidade, a indiscutível
utilidade dos textos, tanto por seu caráter interdisciplinar, configu-
rado nas atividades de fala/escuta, escrita/leitura, quanto por ser Saiba mais
um lugar no qual se pode refletir melhor sobre o funcionamento
Ver Glossário
da linguagem e da língua na construção do(s) sentido(s)
pretendido(s).
Fora da universidade, a proficiência na leitura e na escrita “...tor-
na o indivíduo capaz de compreender o significado das vozes que
se manifestam no debate social e de pronunciar-se com sua pró-
pria voz” (PLATÃO & FIORIN, 2003, p. 3) , o que torna tal aptidão
essencial para o exercício da cidadania. No texto, a seguir, você
poderá compreender melhor essa questão:
36 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Foi o texto escrito, mais que o desenho, a oralidade ou o gesto,


que o mundo ocidental elegeu como linguagem que cimenta a
cidadania, a sensibilidade, o imaginário. É ao texto escrito que
se confiam as produções de ponta da ciência e da filosofia; é ele
que regula os direitos de um cidadão para com os outros, de
todos para com o Estado e vice-versa. Pois a cidadania plena,
em sociedades como a nossa, só é possível — se e quando ela é
possível — para leitores. Por isso, a escola é direito de todos e
dever do Estado: uma escola competente, como precisam ser
os leitores que ela precisa formar.
(LAJOLO, Marisa. Folha de S. Paulo, 19/9/1993 (com adaptações).

Entretanto, no nosso cotidiano, observamos que jornais fala-


dos, mensagens gravadas em fita, telefonemas substituem tradici-
onais meios de comunicação que se utilizavam da língua escrita. A
língua falada parece ocupar um espaço de maior prestígio.
Diante das circunstâncias atuais e considerando as modernas
tecnologias de comunicação e informação, como é possível expli-
car a manutenção do prestígio da escrita?

Você já havia pensado nisso antes?

Compare a sua resposta com a apresentada no texto que segue,

A manutenção do prestígio da escrita se deve fundamentalmente


à sua função de produção de conhecimento e, ainda que im-
perfeita, é a ferramenta disponível para essa tarefa. De fato, ao
escrevermos, não estamos expressando um pensamento já for-
mado, mas o estamos formando à medida que escrevemos e,
por isso mesmo, a língua escrita não deve mais ser vista como
‘espelho do pensamento´, mas como a responsável por sua
estruturação. Os conhecimentos se vão formando simultanea-
mente à sua expressão lingüística. Nesse terreno, é visível a su-
perioridade da escrita sobre a fala: esta última, pela ausência de
registro, possibilita desvios de raciocínio, incompletude, con-
tradições etc — problemas mais facilmente controlados pela
primeira.
CARNEIRO, Agostinho Dias. Para que aprender a escrever?
In:— Redação em construção: a escritura do texto. 2. ed. rev. e
ampl., São Paulo: Moderna, 2001. p. 9.
Leitura e Produção de Textos 37

2.1 A produção de textos escritos:


conhecimentos a serem considerados
Nas considerações anteriores, explicitamos uma concepção de
texto correspondente à de Koch e Elias (2006, p. 214), ou seja, tex- Glossário
to como “... um projeto de dizer constituído em uma dada situa-
ção comunicativa, para alguém, com certa finalidade e de determi-
nado modo, dentre tantos outros possíveis”.
Como você já deve estar imaginando, esse projeto de dizer, a par-
tir do qual o produtor/locutor constitui os sentidos do texto,
interagindo dinamicamente com o interlocutor/leitor pressupos-
to, envolve uma série de estratégias sociocognitivas. Nesse caso,
estratégia significa “....uma instrução global para cada escolha a ser
feita no curso da ação” (KOCH, 2002, p. 50).
Quando produzimos textos, utilizamos essas estratégias para
mobilizar vários tipos de conhecimentos armazenados na nossa
memória.
Você saberia dizer como isso ocorre
e que conhecimentos são esses?

Acompanhe nossa reflexão a respeito.


Dizer que utilizamos estratégias, no processamento textual, sig-
nifica que realizamos, ao mesmo tempo, vários procedimentos
interpretativos orientados para os objetivos que pretendemos atin-
gir num determinado texto. Tais procedimentos implicam três sis-
temas de conhecimento (KOCH, 2002, p. 48):

conhecimento lingüístico
conhecimento enciclopédico
conhecimento interacional

Conhecimento lingüístico
Você saberia dizer o que significa um
conhecimento propriamente lingüístico?

Se você respondeu que diz respeito ao conhecimento gramati-


cal e ao lexical, necessário para a adequada articulação som-senti-
do, acertou. É esse conhecimento que acionamos, por exemplo,
para organizar o material lingüístico na superfície textual, utilizan-
do os recursos coesivos que a língua nos proporciona, selecionan-
do as palavras adequadas ao tema e/ou aos modelos cognitivos
ativados. Como exemplo, vejamos a relevância do conhecimento
lingüístico para a compreensão do Texto 1, a seguir.
38 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Texto 1:
As cobras. Luís Fernando Veríssimo.

Disponível em: http://www.portalliteral.terra.com.br . Acesso em: 27/8/07.

A compreensão dessa tirinha implica observar a relação entre a


idéia 1 É o lucro que estimula o empreendimento [quadrinho 1], e
a idéia 2 — o lucro deve sempre ser honesto [quadrinho 2],
estabelecida pelo elemento coesivo – mas -, conjunção que expres-
sa oposição relativamente ao esperado. No caso, como as Cobras
Saiba mais tinham respondido Certo, Certo à afirmação de Queromeu, o
dogmatismo corrupião corrupto, sobre o lucro, o esperado seria que elas concor-
[4] [...] qualquer
pensamento ou atitude que dassem com ele.
se norteia por uma adesão
irrestrita a princípios tidos Entretanto, o uso do mas expressa justamente a oposição à res-
como incontestáveis.
Dicionário Eletrônico posta esperada. No terceiro quadrinho, que completa o sentido
Houaiss.
global do texto, é preciso saber o que significa dogmatismo para
entender a reação irônica de Queromeu, personagem que represen-
ta “... um assumido criminoso do colarinho branco.
Ele até se orgulha disso, defen-
dendo os direitos de seus pares: Saiba mais
“Se todo mundo rouba no Bra- Acesse o site http://
www.portalliteral.terra.com.br, para saber
sil, por que corrupto não pode mais sobre as personagens de
Luís Fernando Veríssimo.
roubar?”.
KOCH, Ingedore G. V. &
ELIAS, Vanda M. Ler e
compreender: os sentidos
do texto. São Paulo:
Contexto, 2006 .p. 40-42.

Para ver outros textos exemplificativos, consulte um dos nossos


livros-texto, nas Referências indicadas para o Módulo I: Leitura e
Produção de Textos.

Conhecimento enciclopédico
ou conhecimento de mundo

Se a sua resposta levou em conta a palavra


E, agora, você saberia dizer “mundo”, você está na pista certa. Trata-se de
que conhecimento é esse? conhecimentos gerais sobre o mundo, assim
como de conhecimentos relativos a experiências
pessoais, a eventos situados no tempo e no
espaço. São esses conhecimentos que possibilitam ao produtor/
autor inscrever sentidos no texto. Observe o Texto 2:
Leitura e Produção de Textos 39

Texto 2:
Níquel Náusea – Fernando Gonsales

Disponível em: http://www2.uol.com.br/niquel/benedito.shtml. Acesso em: 28/8/07.

Agora, REFLITA: o que precisamos saber para entender esse


texto? O que devemos levar em conta na leitura dos enunciados
mas por que diabos eles querem saber quantas patas tem uma
aranha? Vendidos! [quadrinhos 2 e 3]?
Para isso, devemos considerar as seguintes informações:
• as personagens são criações do autor de tirinhas;
• as tirinhas são, em geral, publicadas em jornais e Saiba mais
revistas, ou disponibilizadas na internet; Para saber mais sobre
Benedito Cujo e outros personagens de
• criada pelo cartunista brasileiro Fernando Gonsales, Fernando Gonsales, acesse o site:
http://www2.uol.com.br/niquel/benedito.shtml
a personagem da tirinha acima é Benedito Cujo, um
vestibulando profissional; o sonho dele é passar no vestibular.
Passar longe.
Ao ativar essas informações, interagindo com o autor, por meio
do texto, o leitor atribui um sentido aos enunciados em questão e
a compreensão ocorre de modo satisfatório.

Você se lembra do termo interação que já


usamos na primeira parte deste texto?
Tente conceituar esse termo em seu caderno de anotações,
antes de acompanhar a nossa reflexão a respeito do
conhecimento interacional.
Consulte o Glossário

Conhecimento interacional
O conhecimento interacional diz respeito à dimensão
interpessoal da linguagem, ou seja, às formas de interação por meio
da linguagem, e envolve os conhecimentos: ilocucional,
comunicacional, metacognitivo e superestrutural.
Conhecimento ilocucional: possibilita, de modo direto ou indi-
reto, o reconhecimento dos objetivos pretendidos pelo produtor
do texto em uma determinada situação interacional. Veja o exem-
plo, Texto 3.
40 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Texto 3:
Níquel Náusea – Fernando Gonsales

Saiba mais
Disponível em: http://www2.uol.com.br/niquel/benedito.shtml. Acesso em: 28/8/07.
frase feita ou
expressão idiomática:
locução ou frase
cristalizada numa
determinada língua, cujo Desta vez, é preciso que observemos o que o autor da tirinha
significado não é deduzível
dos significados das
propõe que consideremos na produção de sentido do texto. Você
palavras que a compõem e sabe por quê? Vejamos:
que geralmente não pode
ser entendida ao pé da
letra. [Dicionário Eletrônico • no primeiro quadrinho, a personagem Níquel Náusea dispõe-
Antônio Houaiss].
se a dizer uma “frase feita” para Gatinha, a rata que vive tendo
filhotinhos, e que ele acha uma “gata”;
• no segundo quadrinho, ele diz: “o importante é conservar a
criança que existe dentro de você”, em sentido figurado (“frase
feita”);
• no terceiro quadrinho, Gatinha, demonstra “falta” de conhe-
cimento ilocucional, ao responder: Eu tento, mas elas acabam
nascendo, em sentido literal, o que produz um efeito de sentido
humorístico.

Conhecimento comunicacional

Você observa algum tipo de relação


entre esse conhecimento e o anterior?

Se a sua resposta foi positiva, acertou, porque o conhecimento


comunicacional também está relacionado aos objetivos desejados
na produção de sentido do texto por meio de recursos adequados
para atingir tais objetivos, como, por exemplo:
• apresentar, numa situação concreta de comunicação, a quan-
tidade de informação necessária para que o interlocutor seja ca-
paz de reconstruir o objetivo da produção do texto;
• selecionar a variante lingüística compatível com a situação de
interação;
• observar a adequação do gênero textual à situação de comuni-
cação.
Leitura e Produção de Textos 41

Para exemplificar esse tipo de conhecimento, vamos imaginar


que você escreva um bilhete assim:

Estou aqui, agora.


Pode vir.

Que informações estão faltando? Falta identificar: o remetente,


o destinatário, o local e a data. Sem esses dados será impossível
determinar o fato referido no bilhete.

Conhecimento metacognitivo.
Qual a função desse conhecimento? Registre
a sua resposta no caderno de anotações, antes de
acompanhar a nossa reflexão a esse respeito.

O conhecimento metacognitivo possibilita ao produtor garantir


a compreensão do texto e conseguir a adesão do interlocutor a res-
peito dos objetivos pretendidos com esse texto, evitando distúrbi-
os na comunicação. Utiliza, para isso, vários tipos de ações lingüís-
ticas, configurando-as no texto por meio de sinais de articulação
ou apoio textuais, como, por exemplo, recursos gráficos, repeti-
ções, paráfrases, parênteses de esclarecimento. Observe, na tirinha
apresentada a seguir (Texto 4), os recursos lingüísticos e gráficos
utilizados para marcar as falas das personagens de Laerte: Gato
(branco) e Gata (preta).

Texto 4:
Piratas do Tietê – Laerte

Disponível em: www.laerte.com.br . Acesso em 30/8/07.

Eis os recursos utilizados pelo autor e fundamentados no


conhecimento metacognitivo:
• nas falas do Gato: a palavra LUTA sublinhada, retomada três
vezes, e relacionada a três deferentes temas: “...luta contra a
miséria?”; “... luta contra a opressão?”; “...luta por
liberdade?”;
• na fala da Gata: a palavra “ECOLOGIA”, negritada e entre
aspas.
42 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Conhecimento superestrutural ou
Conhecimento sobre gêneros textuais.

Esse tipo de conhecimento refere-se a quê?


Você saberia citar, como exemplos,
os nomes de alguns gêneros textuais?

Vejamos.
O conhecimento superestrutural refere-se às superestruturas ou
modelos textuais globais, ou seja, os gêneros textuais. É esse co-
nhecimento que possibilita identificar textos como exemplares
adequados aos diversos eventos da vida social, assim como a orde-
nação ou seqüenciação textual de acordo com os objetivos preten-
didos. Exemplos de gêneros textuais: bilhete, carta, resumo, rela-
tório, horóscopo, fábula.
Esperamos ter evidenciado que a construção de sentidos na
leitura e na produção de textos, atividades altamente comple-
xas, depende de vários tipos de conhecimentos
socioculturalmente determinados e vivencialmente adquiridos
e que constituem o contexto, conceito que estudaremos na pró-
xima subnidade.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
O que você pode dizer para atender o que é pedido nas três
questões abaixo? Coloque seus comentários no FORUM.
1) Ao ingressar num curso superior, na modalidade Educação a
Distância – EaD -, qual é a sua opinião sobre o papel dos textos,
falados e escritos, verbais e não verbais, considerando os temas
pertinentes às áreas de conhecimento a serem trabalhadas durante
esse curso e depois dele?
2) Depois dessas reflexões, recorde como foram as suas aulas de
Língua Portuguesa no Ensino Fundamental e Médio. Tente lem-
brar-se do discurso dos professores, para ver que concepção de
língua e de leitura (rever unidade I) eles adotavam no ensino da
disciplina. Se adotavam a primeira concepção, certamente pergun-
tavam, em algum momento de suas instruções de aula: o que o
autor quis dizer no texto? Se adotavam a segunda concepção, per-
guntavam: o que o texto quer dizer? Ou adotavam as duas concep-
ções, fazendo uma salada?
3) Suponhamos que você seja convidado a escrever um peque-
no artigo sobre o que é e de que depende a leitura, para publicar
Leitura e Produção de Textos 43

no jornalzinho criado por uma turma do primeiro ano do seu cur-


so. Para isso, consulte o texto-base e faça as leituras indicadas no
“saber mais”

Para saber mais


Ler o poema, intitulado “Todo ponto de vista
é a vista de um ponto”, de Leonardo Boff.

TODO PONTO DE VISTA É A VISTA DE UM PONTO


Ler significa reler e compreender, interpretar.
Cada um lê com os olhos que tem.
E interpreta a partir de onde os pés pisam.

Todo ponto de vista é a vista de um ponto.


Para entender como alguém lê, é necessário saber como são
seus
Olhos e qual a sua visão de mundo.
Isso faz da leitura sempre uma releitura.

A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam.


Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de
quem olha.
Vale dizer, como alguém vive; com quem convive, que
experiências
tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os
BOFF, Leonardo.
dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. A águia e a galinha:
uma metáfora da
Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. condição humana, 4. ed.
São Paulo: Vozes, 1977.

2.2 O contexto nos processos de construção


de sentidos na leitura e na escrita

Nos processos de leitura e escrita, o texto corresponde a um


projeto de dizer construído em uma dado con-
texto, ou seja, em cada situação comunicativa. Entendeu?

O que é isso: projeto de dizer? A gente faz projeto para dizer algu-
ma coisa? Parece estranho, mas não é. Nós projetamos, sim, o que
e como dizer as coisas, em cada contexto, considerando: quem fala,
com quem, quando, onde, em que condições, com que propósito
etc. E não é só na modalidade escrita, na falada também.
44 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Exemplo. Você é uma mulher. No ponto de ônibus, você preci-


sa pedir uma informação para um homem. Você não o conhece.
Num segundo, você planeja como se dirigir a ele para obter a in-
formação que deseja. Desde o vocativo com que vai se dirigir a ele,
até a entonação da voz, tudo é projetado. Você tem a possibilidade
de dirigir-se a ele com as expressões vocativas: cara; homem, se-
nhor; dito cujo, gostosão, lindo, moço etc. As possibilidades que a
língua lhe oferece são inúmeras. Você escolhe o vocativo mais apro-
priado, mais conveniente para a situação. E tem de fazer isso, pois
se agir de qualquer jeito, pode não obter a informação desejada e
até causar má impressão ou arrumar encrenca. Todo dizer é um
projeto de dizer. Mais um exemplo? Lá vai um na modalidade es-
crita: Texto 5.

Texto 5:

Menino cheio de coisa


Vejam só: aos nove anos e três meses de idade, Serginho está deitado em baixo das
cobertas com uma calça de veludo de duzentos e vinte reais, camiseta de quarenta e
cinco, tênis que pisca quando encosta no solo, óculos de sol com lentes amarelas, taco
de beisebol, jaqueta de náilon lilás, boné da Nike, bola de futebol de campo tamanho
oficial, dois times de futebol e botão, CD dos Tribalistas, joystick, Gameboy, uma caixa
de bombom de cereja ao licor, dois sacos de jujuba, um quebra-cabeça de mil e qui-
nhentas peças, um modelo em escala do “F” cento e dezessete (desmontado), chocolate
pra uma semana, três pacotes de batatinha frita (novidade, com orégano), dois litros de
refrigerante com copo de canudinho combinando, quatro segmentos retos e quatro
curvos de pista de autorama, dois trenzinhos (um de pilha e um de corda), controle
remoto, duas raquetes de pingue-pongue, duas canecas do Mickey e nem adianta seu
pai, do outro lado da porta trancada pelo menino emburrado, dizer que sua mãe já
volta.
Fonte: BONASSI, Fernando. Folha de S. Paulo, 12 mar. 2005. Folhinha.

Na leitura e produção de sentido desse texto, você deve consi-


derar:
a) o contexto lingüístico, ou seja, o co-texto, que já orienta o
nosso olhar na construção da imagem do menino, sugerida no
próprio título: Menino cheio de coisa;
b) o gênero textual miniconto e sua funcionalidade. Como vi-
mos na Unidade I, cada gênero serve para realizar uma forma
de ação. Que ação se faz por meio do miniconto? Certamente
uma ação breve de comunicação de um conteúdo narrativo
ficcional, com fins literários;
c) a tematização proposta no título Menino cheio de coisa, que
situa o protagonista da história nos tempos atuais, mais especifi-
Leitura e Produção de Textos 45

camente no contexto das relações familiares, exigindo do leitor


uma compreensão não ingênua da situação. Isso porque não se
trata de relato de uma cena familiar inocente, mas de uma críti-
ca bem humorada à educação das crianças, sustentada nos valo-
res do consumismo;
d) a data da publicação, que situa o relato no tempo: a atual
sociedade de consumo;
e) o meio de veiculação: o jornal Folha de S. Paulo, mais precisa-
mente o Caderno Folhinha, dirigido a crianças e a seus pais. Por
isso, o conto é míni, para uma leitura rápida. O jornal não admi-
te textos muito longos.

Os exemplos acima nos ensinam que, tanto na fala como na


escrita, os autores e os leitores fazem uso de uma multiplicidade de
recursos para produzir sentidos. Portanto, consideram recursos que
vão muito além das palavras que compõem o texto. Em outros
termos, para ler e escrever, é preciso levantar os olhos do texto
para o seu contexto.

Desconfiamos que já entendeu tudo sobre


o contexto, não é? Então confira:

O que você entendeu, até aqui, constitui os diferentes tipos de


contextos englobados por um contexto mais abrangente: o con-
texto sociocognitivo, do qual trataremos mais adiante.

Continuemos!

É preciso entender que há uma diferença entre o contexto de pro-


dução e o contexto de uso de um texto.
No caso da interação face a face, o contexto de produção e o
contexto de uso coincidem. Na interação por meio da escrita, não.
No miniconto, Texto 5, o mais importante para a interpretação é o
contexto de uso.
Quando o leitor não considera ou ignora o contexto de produ-
ção, no ato de leitura de um texto, pode produzir sentidos absur-
dos e até cômicos. No romance A Rainha dos Cárceres da Grécia, de
Osman Lins, há uma cena em que, por volta de 1970, personagens
da periferia de Recife lêem a notícia da morte de Getúlio Vargas
num pedaço de jornal antigo, tocado até eles pelo vento. Por falta
do contexto de produção (nome e data da edição do jornal), bem
como de conhecimento atualizado do cenário político nacional etc,
46 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

concluem: Getúlio suicidou-se hoje! Você pode rir, pois, como sabe,
o suicídio ocorreu em 1954.
Podemos concluir que os sentidos de um texto não dependem
só da estrutura textual em si mesma, ou seja, do co-texto. Um lei-
tor que considerasse apenas a estrutura, não faria um boa leitura.
Por quê? Pelo fato de que os objetos-de-discurso a que o texto faz
referência são apresentados de forma incompleta. Muita coisa fica
implícita. Por isso, é comum, nos estudos de lingüística textual, a
comparação do texto com um iceberg. O que é um iceberg?
É um imenso pedaço de gelo que fica boiando no mar: uma
pequena parte aparente à flor da água e a maior parte submersa.
Assim também ocorre no texto: para entender o que está aparente,
na superfície dele (o explícito), precisamos do conhecimento do
que não está aparente (o implícito). A construção de um sentido
para o texto depende da consideração do todo, da mesma forma
que um comandante de navio só pode ter idéia precisa da dimen-
são de um iceberg, se considerar tanto o que aparece quanto o que
não aparece dessa montanha de gelo. Enfim, o contexto, como o
iceberg, é tudo aquilo que, de alguma forma, contribui para ou
determina a construção do sentido do texto.
Falta dizer o seguinte: depois que o texto sai das mãos do seu
autor, passa a ter uma existência independente. Como você viu
acima, o personagem do romance de Osman Lins lia, nos anos
1970, uma notícia escrita em 1954, sobre um acontecimento tam-
bém ocorrido nesse ano. Por falta de conhecimento e de traquejo
na prática de leitura em geral e de jornal em particular, trocou o
contexto de produção pelo de uso. Isso resultou num erro de leitu-
ra com efeito de sentido cômico ou absurdo: um fato ocorrido muito
antes foi compreendido como tendo acabado de ocorrer.

Não precisa dizer mais.


Mas você, certamente, está pensando na fofoca, não é? Como
surgem os efeitos de sentido desastrosos ou maldosos do gênero de
texto chamado fofoca? Surgem justamente porque o fofoqueiro omi-
te, falseia, altera, para mais ou para menos, o contexto do que diz.

ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM
Agora, convidamos você a ampliar os seus conhecimentos so-
bre o contexto, indispensável para a compreensão e para a cons-
Texto 6 trução dos sentidos do texto. Leia as páginas 66 a 71, do livro Ler e
compreender os sentidos do texto
(KOCH & ELIAS, 2006). Em se-
guida, escreva um pequeno tex-
to, dizendo o que é preciso saber
do contexto, para fazer uma lei-
tura da tirinha, texto 6.
Leitura e Produção de Textos 47

2.3 Texto e intertextualidade


Desde o começo, insistimos no fato de que a leitura depende de
muitos conhecimentos relacionados ao texto e ao contexto. Vamos
tratar agora de mais um desses conhecimentos: a intertextualidade.

Para começar,
o que é intertextualidade?

Parece coisa desconhecida, mas não é bem assim. Quantas ve-


zes você mesmo já não recorreu a um outro texto para escrever o
seu? Quantas vezes você não empacou na leitura de um texto por
desconhecer a referência a um outro texto nele mencionado? Eu já
tive esse problema. Muitas vezes! De duas eu não esqueço: uma
quando vi, pela primeira vez, o círculo no sol lá na roça; a outra
quando topei com um tal de Iago na leitura. Conto o caso do Iago;
o do círculo no sol você pode ler. Saiba mais
Estava lendo Dom Casmurro, de Machado de Assis. Lá pelo O caso do círculo no sol
está publicado na revista
meio da leitura, encontrei a seguinte frase: “Escobar foi minha ponta Rabiscos de Primeira:
caderno dos alunos do
de Iago”. Confesso que fiquei boiando. Não conseguia entender Curso de Letras da
nada. Iago? Ponta de Iago? O que seria isso? O jeito foi ir desconfi- UFMS, ano I, número I,
outubro de 2001, páginas
ando e procurando estabelecer relação dessa passagem com o resto 80-87, sob o título
“Da Taipa do fogão”.
do texto, mas não tinha nada disso no resto do romance. Ver o fragmento VII desse
texto: O círculo no sol ou
Então passei a procurar, fora do texto, um sentido para a passa- o leitor de um livro só.
Você encontra esse
gem: no dicionário, na conversa com amigos e, por fim em outras fragmento no site da EaD,
obras literárias. Aí então encontrei a palavra Iago. Um nome pró- também. Meu nome é
José Genésio Fernandes.
prio. Estava em um outro texto, na peça teatral, intitulada Otelo,
de Shakespeare. Iago é o nome do personagem que destila o vene-
no do ciúme em Otelo. Por isso, Otelo termina por matar a sua
amada Desdêmona. Então entendi a passagem, ralacionando o tex-
to de Machado de Assis ao de Shakespeare. Entendeu? Conhecer o
texto-fonte é condição necessária para a construção do sentido na
leitura. Conforme Koch & Elias (2006, pp. 85-6):

“Vale reiterar que, para o processo de compreensão, além do co-


nhecimento do texto-fonte, necessário se faz também considerar
que a retomada de texto(s) em outro(s) texto(s) propicia a constru-
ção de novos sentidos, uma vez que são inseridos em outra situa-
ção de comunicação, com outras configurações e objetivos.
Do que dissemos até o momento, podemos depreender que, stricto
sensu, a intertextualidade ocorre quando, em um texto, está inseri-
do outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte
da memória social de uma coletividade.
Como vemos, a intertextualidade é elemento constituinte e
constitutivo do processo de escrita/leitura e compreende as diver-
sas maneiras pelas quais a produção/recepção de um dado texto
depende de conhecimentos de outros textos por parte dos
interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto
mantém com outros textos.”
48 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM
Nesta atividade, você vai ler o que está em “A” e em “B”, abaixo,
e depois fazer o que se pede em “C”:

A) Primeiro, leia o seguinte conto, de Carlos Drummond de Andrade,


publicado em O poder ultrajovem:

O PODER ULTRAJOVEM
– Que é que tem trazer uma flor para casa?
– Veio do oculista e trouxe uma rosa. Acha direito?
– Por que não?
– Eu esperei, ela me disse que foi o oculista que deu a ela. Esta-
va num vaso, ela achou bonita, ele deu.
– E daí?
– Então uma senhora casada vai ao oculista e o oculista lhe dá
uma rosa? Que lhe parece?
– Que ele é gentil, apenas.
– Pois eu não vou nessa de gentileza de oculista. Não há rosas
nos consultórios de oftalmologia. E que houvesse. Tem pro-
pósito uma coisa dessas? Ela acabou chorando, dizendo que
eu sou um bruto, um rinoceronte. Engraçado. Minha mulher
vem com uma rosa para casa, uma rosa dada por um ho-
mem, e eu não devo achar ruim, eu tenho que achar muito
natural.
– Desde quando é proibido uma senhora ganhar flor de uma
pessoa atenciosa? Que sentido erótico tem isso?
– Tem muito. Principalmente se é rosa. Ora, não tente negar o
significado das ofertas florais entre dois sexos. O oculista não
podia dar essa flor, nem ela podia aceitar. O pior que não deve
ter sido o oculista.
– Quem foi, então?
– Sei lá. Numa cidade do tamanho do Rio, posso saber quem
deu uma rosa a minha mulher?
– Vai ver que ela comprou na loja de flores da esquina, e disse
aquilo só para fazer charminho.
– Ela nunca fez isso. Se fez agora, foi para preparar terreno,
quando chegar aqui uma corbelha de antúrios e hibiscos.
– Não diga uma coisa dessas.
– Digo o que penso. Estou inteiramente lúcido, só me conduzo
pelo raciocínio. Repare no encadeamento: os vestidos moder-
nos; os modos (só vendo a maneira dela sentar no sofá); a
rosa, que ela foi correndo levar para a mesinha de cabeceira
do quarto. Cada uma dessas coisas é um indício; reunidas,
são a evidência.
– Permita que eu discorde.
– Discorda sem argumentos. A Elsa não é mais a Elsa. Demora
mais tempo no espelho. Fica olhando um ponto no espaço,
abstrata. Depois, sorri. Estou decidido
Leitura e Produção de Textos 49

– A quê?
– Vou segui-la daqui por diante. Contrato um detetive. E logo
que tenha a prova, me desquito.
– Não vai ter prova nenhuma, juro. Ponho a mão no fogo por
Dona Elsa.
– Pensei que você fosse meu amigo. Fiz mal em me abrir. Va-
mos mudar de assunto, que ela vem chegando. Mas repare
só que olhos de Capitu que ela tem, eu nunca havia reparado
nisso!
Esquecia-me de dizer que meu amigo tem 82 anos, e Dona Elsa,
79.
Carlos Drummond de Andrade

B) Em segundo lugar, leia as páginas 75 a 96, do livro Ler e compre-


ender os sentidos do texto (KOCH & ELIAS, 2006).

C) Agora, depois dessas duas leituras, imagine uma jovem do inte-


rior que lhe manda um e-mail, dizendo que não entendeu a parte
sublinhada do conto acima. Com os conhecimentos que tem do
que foi exposto aqui e do capítulo lido, o que lhe diria, por e-mail,
para judá-la. Coloque sua resposta no FÓRUM.

2.4 Texto e gêneros textuais

Gênero: você já conhece essa palavra. Já definimos gênero como


formas de ação social das quais lançamos mão nas mais diferentes
situações comunicativas. Vamos alargar esses conhecimentos. Veja
o seguinte diálogo de duas colegas de escola no ponto de ônibus:

– Minha amiga, acho que vou perder a prova hoje. Tô atrasada.


O ônibus já passou?
– Ainda não. Tá com a passagem aí ou esqueceu também? Isso
que você tem na mão é conta de luz, não?
– Nossa! Tô confusa hoje! Mas tá aqui a passagem. O que eu
esqueci mesmo foi a carta para o meu namorado e o pedido
de trancamento de uma disciplina na escola. Acordei um pou-
co tarde e ainda tive de escrever um bilhete para meu pai que
vai chegar do trabalho.
– Você certamente não leu seus e-mails ontem, nem papeou no
chat e muito menos leu a notícia do jornal?
– Não, por quê? Aconteceu alguma coisa?
– O professor já era: entregou pedido de demissão... nem sei se
vai haver prova hoje. Sossegue.
50 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Prova, passagem, conta de luz, carta, pedido de trancamento de


disciplina, bilhete, e-mails, notícias, chat, e pedido de demissão são
gêneros de textos, formas por meio das quais realizamos ações so-
cialmente reconhecidas. Veja que as duas amigas só mencionam o
nome do gênero e nada mais precisam explicar, pois os gêneros
apresentam alto poder preditivo e interpretativo das ações realiza-
das. Como afirma Ingedore, (2006, p. 106), os gêneros “são consti-
tuídos de um determinado modo, com uma certa função, em da-
das esferas de atuação humana, o que nos possibilita (re)conhecê-
los e produzi-los, sempre que necessário”. Note bem: o gênero é
construído socialmente; não é uma construção individual. Se cada
um, por si, fosse criar um gênero para se comunicar, o processo de
leitura e compreensão seria muito complicado. Bakhtin (1992: 301-
302) afirma:

“Na conversa mais desenvolta, moldamos nossa fala às formas


precisas de gênero, às vezes padronizados e estereotipados, às
vezes mais maleáveis, mais plásticos e mais criativos. [...] Apren-
demos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a
fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras pala-
vras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a exten-
são aproximada do todo discursivo), a dada estrutura
composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos
sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da
fala, evidenciará suas diferenciações. Se não existissem os gêne-
ros do discurso e não os dominássemos, se tivéssemos de criá-
los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de cons-
truir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal se-
ria quase impossível”

O gênero não é criado por um só pessoa. É fruto do trabalho


coletivo e surge para estabilizar as atividades comunicativas do
dia-a-dia. Conforme Marcuschi (2002),
“caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis,
dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e
atividades socioculturais, bem como na relação com inovações
tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a
quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a so-
ciedades anteriores à comunicação escrita”.
Os meios tecnológicos modernos possibilitam o surgimento
de uma enormidade de novos gêneros, os chamados gêneros emer-
gentes. Já dissemos antes: estamos numa textosfera.
Vamos percebendo, portanto, um pressuposto básico: é impos-
sível se comunicar verbalmente sem o uso do gênero como uma
Leitura e Produção de Textos 51

ferramenta, assim como é impossível se comunicar verbalmente


sem um texto. Essa visão segue a noção de língua como atividade
social, histórica e cognitiva. Falamos disso.
Você se lembra?

Assim, em um dado meio sociocultural e em um tempo históri-


co determinado, as pessoas, pelo uso constante que fazem da lin-
guagem, para realizar ações socialmente concebidas, criam os gê-
neros, operam com eles e vão, assim, desenvolvendo uma compe-
tência metagenérica. O que é isso?
É a competência que possibilita ao leitor e produtor de texto
interagir de forma conveniente nas mais diversas práticas sociais.

Um exemplo!
Pois não.

O pai que faz três pedidos respeitosos para que o filho pare de
jogar bola na sala, se quer, mesmo, realizar a ação de interromper a
atividade imprópria do filho, não pode usar o gênero pedido respeito-
so pela quarta vez, mas dar uma ordem. Insistir no pedido é adotar o
gênero de texto impróprio para a situação. A mulher que já pediu
para o marido não a agredir não pode utilizar o pedido, de novo, se ele
insiste na agressão; a forma de ação adequada a ser realizada é a de-
núncia com o lavramento de um BO na delegacia. Não proceder da
maneira conveniente indica incompetência para agir socialmente por
meio da linguagem – e isso, muitas vezes, tem conseqüências lamen-
táveis e até trágicas. Observe, ainda, os textos “A”e “B”:

Texto A:

Texto B:

Folha de S. Paulo,
24 de setembro de 2005
52 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Veja bem. É a competência metagenérica que orienta a produ-


ção de nossas práticas comunicativas e que orienta nossa compre-
ensão sobre os gêneros textuais. Ela é muito importante para a atri-
buição de sentido ao texto, na hora da leitura. É essa competência
metagenérica que permite afirmar que o texto “A” é um recado e
que o texto “B” é uma tirinha, jogando com um outro gênero.
É graças a essa competência, observando a composição, o con-
teúdo, o estilo, o propósito composicional e o modo de veiculação
desses dois textos, que sabemos reconhecer o gênero a que perten-
cem. Segundo Fiorin: (2006), isso comprova que os enunciados

[...] são determinados pelas condições específicas e pelas finali-


dades de cada esfera. Essas esferas de ação ocasionam o apare-
cimento de certos tipos de enunciados, que se estabilizam preca-
riamente e que mudam em função de alterações nessas esferas
de atividades. Só se age na interação, só se diz no agir e o agir
motiva certos tipos de enunciados, o que quer dizer que cada
esfera de utilização da língua elabora tipos relativamente está-
veis de enunciados. [...] Conteúdo temático, estilo e organiza-
ção composicional constroem o todo que constitui o enuncia-
do, que é marcado pela especificidade de uma esfera de ação
(p. 61-62; ênfase acrescentada).

Portanto, todo gênero tem uma forma, um conteúdo temático e


um estilo; elementos indissociáveis na constituição do gênero.
Estamos afirmando que produzimos o gênero de determinada for-
ma, mas, note bem: como isso, não queremos dizer que os gêne-
ros não variam (o e-mail é uma variação, um descendente da carta
íntima) e nem que a forma seja o elemento definidor do gênero
em detrimento da função.
Voltemos ao texto “A” e “B” acima, para observá-los do ponto
de vista da forma da composição, do conteúdo temático e do es-
tilo?
Observamos que o texto “A” pertence ao gênero recado. Trata-
se de um texto cuja forma de expressão é bastante livre, pois pode
conter elementos verbais e não verbais. Há a utilização de palavras,
de desenhos e de cores e é escrito à mão. O suporte desse gênero
de texto pode ser o bloco de recados ou qualquer papel disponível
no momento em que surge a necessidade da comunicação. Trata-
se de um espaço limitado, muito menor do que o da carta, por
exemplo. Do ponto de vista do conteúdo temático, os recados tra-
tam sempre da comunicação ligeira de assuntos da vida cotidiana
entre parceiros geralmente conhecidos nas situações familiares ou
de trabalho. É essa a função do recado. É essa a ação que realiza-
Leitura e Produção de Textos 53

mos por meio dele. Do ponto de vista do estilo, o autor do recado


pode fazer muitas escolhas: pode ser mais ou menos subjetivo, mais
ou menos formal na escolha do nível de linguagem adotado. No
texto “A”, a relação entre os parceiros da comunicação é íntima, a
linguagem é informal e existe até um tom poético com o desejo do
raminho.
Afirmamos que o autor de recados é bastante livre para compô-
lo, mas quem é totalmente livre neste mundo? Ninguém. Na escri-
ta de qualquer gênero de texto, oral ou escrito, há uma margem de
liberdade para inovações, mas existem as prescrições sociais. Você
sabe muito bem que o grau de intimidade ou o nível de linguagem
adotados em um simples recado pode dar muito problema e até
morte... Dizer que uma pessoa sabe de tudo isso é dizer que ela
tem competência metagenérica, que ela tem capacidades para ler e
escrever adequadamente um gênero de texto. Saiba mais
No filme O amor no tempo
O texto “B” pertence ao gênero tirinha. Do ponto de vista da do cólera, há uma cena em
forma de expressão, a tirinha é um texto verbal e não verbal. Inclui que o chefe da empresa
critica seu secretário
elementos da língua escrita e falada distribuídos em balões e do porque ele escreve cartas
formais como se estivesse
desenho (o traço e as cores característicos de cada autor na caracte- escrevendo cartas íntimas,
de amor. No filme Nenhum
rização do espaço e dos personagens). Do ponto de vista do con- a menos, há uma cena em
teúdo temático, as tirinhas apresentam sempre uma crítica bem- que um personagem critica
o cartaz elaborado pela
humorada de comportamentos, valores e sentimentos. Essa é sua professora e diz o que
um cartaz deve ter para
função. Ninguém lê tirinha para chorar, mas para rir, para se cumprir sua função.
Veja esses filmes.
descontrair. Por isso o jornal, que é seu suporte, as coloca lá na Comente as cenas
indicadas e coloque seu
frente, depois das notícias sérias, gerenciando assim sua relação comentário no Fórum.
com o público leitor.
Resta ainda dizer que, para ler bem a tirinha em questão, o lei-
tor precisa saber que, muitas vezes, os gêneros são produzidos por
meio de relações com outros gêneros. É o que se chama de
hibridização ou de intertextualidade intergêneros. O texto “B” não
é um recado, como o texto “A”, embora utilize esse gênero de texto
como elemento de sua composição. Isso quer dizer que, como for-
ma de ação, ele não faz uma comunicação ligeira. O texto “A” é
uma tirinha: seu objetivo é fazer rir do menino que escreveu um
recado para o pai em suporte impróprio. E, provavelmente, não
faz todo mundo rir. Os habitantes da floresta amazônica, que não
possuem casa com esse tipo de parede, nem sofá e nem telefone,
provavelmente fariam outra leitura.
Um texto pode ser reconhecido por nós como uma tirinha e
pelos esquimós como um relato de uma cena comum do seu dia a
dia.
Um exemplo!
Pois não!

Veja o Texto C na página seguinte:


54 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Texto C

Folha de S. Paulo.

Wood e Stock são personagens dos anos 1960, tempo de apolo-


gia à liberdade sexual. Na tira, já velhos, os dois recordam os bons
tempos em que faziam sexo livremente, sem problemas, até com a
noiva dos amigos. Deixando de lado outros aspectos do texto, per-
guntamos: por quê você ri da tirinha? Certamente porque neste
momento histórico, os valores de sua cultura não admitem essas
liberdades. Mas se você assistir ao filme Nanuc, verá uma cena em
que o esquimó oferece sua esposa a um hóspede como sinal de
cordialidade. O vistante não aceita, é claro, e, por isso, o esquimó
fica enfurecido com a desfeita do hóspede. Os valores da cultura
esquimó são outros. Assim, eles certamente leriam a tirinha acima,
sem rir, mas apenas como um relato de um dos acontecimentos
comuns da vida familiar.
Está vendo?
Um gênero aqui
é outro ali.
Por isso dissemos: os gêneros textuais são fenômenos histó-
ricos, profundamente vinculados à vida cultural e social.
Mais um passo: vamos agora diferenciar tipo de texto de gêne-
ro de texto. Você já sabe definir gênero, mas, pela sua experiência
nos bancos da escola, deve estar se perguntando: descrição, narra-
ção, dissertação são gêneros de texto? Seriam formas de ação soci-
almente reconhecidas no mundo do trabalho, por exemplo? Al-
gum empregador já lhe perguntou: o senhor sabe fazer uma des-
crição, uma redação? Eu garanto que nunca. No mundo do traba-
lho, perguntam, por exemplo, se você sabe redigir um relatório
sobre o estado de uma repartição ou do depósito de compras da
loja; um pedido de compra; uma carta formal etc. Esses, sim são
gêneros de texto. E então? Se narração, descrição, dissertação não
são gêneros de texto, o que são? Segundo Marcuschi (2005, 22):
“a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie
de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua com-
posição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógi-
cas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de
categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção.
Leitura e Produção de Textos 55

b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propo-


sitalmente vaga para referir os textos materializados que encontra-
mos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-
comunicativas definidas por conteúdos, propriamente funcionais,
estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas
meia dúzia, os gêneros são inúmeros.”
Com o objetivo de esclarecer as diferenças entre tipos e gêneros,
Marcuschi (2005) compara as características de ambas as categori-
as, resumindo-as conforme o seguinte quadro:

TIPOS TEXTUAIS GÊNEROS TEXTUAIS

1. constructos teóricos definidos 1. realizações lingüísticas concretas


por propriedades lingüísticas definidas por propriedades
intrínsecas; sóciodiscursivas;

2. constituem seqüências 2. constituem textos empiricamente


lingüísticas ou seqüências de realizados cumprindo funções em
enunciados no interior dos gêneros situações comunicativas;
e não são textos empíricos;

3. sua nomeação abrange um 3. sua nomeação abrange um


conjunto limitado de categorias conjunto aberto e praticamente
teóricas determinadas por ilimitado de designações concretas
aspectos lexicais, sintáticos, determinadas pelo canal, estilo,
relações lógicas, tempo verbal; conteúdo, composição e função;

Você deve estar se lembrando do tempo de escola. Alguns profes-


sores pediam para você escrever descrição, narração como se fos-
sem gêneros de texto, com alguma função nas relações comunicati-
vas, mas não são gêneros. São tipos de texto que se combinam no
interior do gênero. Veja agora, abaixo, à esquerda, as designações
teóricas dos tipos de texto e, à direita, exemplos de gêneros de texto:

DESIGNAÇÕES TEÓRICAS DOS


TIPOS (WERLICH, 1973): EXEMPLOS DE GÊNEROS:

• descritivo (enunciado de estrutura Carta íntima, carta formal, relatório,


simples, verbo estático no conta de luz, conta de água,
presente), partitura,ata, resenha, propaganda,
piada,cardápio, noticiário de TV,
• narrativo (enunciado de ação,
edital de concurso, romance,
verbo de mudança no passado,
soneto, horóscopo, encíclica, nota
referência temporal e espacial),
fiscal, cordel, crônica, lista de
• expositivo (exposição sintética compras, conto, chat, cupom de
pelo processo de composição; pedágio, instruções de uso,
exposição analítica pelo processo editorial, folder, boleto bancário,
de recomposição, relação parte- receita médica, receita de cosinha,
todo), e-mail, monografia, outdoor etc.
• argumentativo (enunciado de
atribuição de qualidade, juízo de
valor, verbo ser no presente), e
• injuntivo (enunciado incitador de
ação, verbo no imperativo, uso do
modalizador deve, vocativo).
56 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Observando a definição de tipo de texto proposta por ele,


percebe-se que ela está relacionada à constituição lingüística que
ocorre no interior dos gêneros. O tipo seria delimitado por suas
características lingüísticas constitutivas, ou seja, os tipos são defi-
nidos por seus traços lingüísticos predominantes, por isso, nas
palavras do autor, “um tipo textual é dado por um conjunto de
traços que formam uma seqüência e não um texto”. Um texto é
em geral tipologicamente variado ou, dito de outra forma, hetero-
gêneo, portanto, “quando se nomeia um certo texto como ‘narra-
tivo’, ‘descritivo’ ou ‘argumentativo’, não se está nomeando o gê-
nero e sim o predomínio de um tipo de seqüência de base”
(MARCUSCHI, 2005, p. 27). O tipo é uma categoria lingüística
paradigmática, logo, todos os gêneros podem começar a ser anali-
sados pela heterogeneidade tipológica que os constitui.

Um exemplo!
Isso sempre ajuda.
No final do ano, o coordenador do pólo de EaD de
Chapadão do Sul queria fazer a direção central da UFMS saber da
situação do pólo. Para realizar essa ação (fazer saber sobre a situa-
ção do pólo), ele escolheu o gênero mais adequado: o relatório.
Veja-o no quadro abaixo, com seis partes enumeradas, correspon-
dentes a seis tipos de texto que nele se combinam:

1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL


EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – PÓLO DE CHAPADÃO DO SUL
Relatório
O pólo da EaD de Chapadão do Sul está situado na Rua Bom Futuro, 225, na área central
2
da cidade. A sede é composta de sete salas: uma da coordenação, uma da secretária
acadêmica, duas salas para tutoria presencial, uma sala de atividades presenciais, uma
sala de biblioteca e uma sala de pedagogia. Todas as salas estão em bom estado de
conservação e satisfazem as necessidades do módulo. Falta apenas uma sala para o
laboratório de computação. Entretanto, o mesmo não ocorre com alguns equipamentos.
Alguns computadores estão estragados.
Um bando de formigas pretas entrou nos aparelhos e fez casa lá dentro. O técnico abriu
3
os computadores, matou as formigas e limpou-os. Elas roeram os fios e danificaram o
disco rígido e, depois disso, cinco aparelhos não funcionaram mais.
Dizem que isso acontece aqui nesta região e que é preciso fazer dedetização do ambiente
4
para evitar isso.
Considerando esse problema, não poderemos funcionar normalmente, por falta de
computador para os alunos. O argumento de que dois aparelhos são suficientes para
5
atender parte dos alunos não procede, pois trata-se de dois aparelhos antigos e muito
lentos.
Pedimos encarecidamente as providências necessárias, para que possamos atender os
6
alunos normalmente a partir do mês de fevereiro de 2008.
Chapadão do Sul, 15 de dezembro de 2007

7 ________________________________
A coordenação
Leitura e Produção de Textos 57

Veja que o gênero relatório é composto pela ordenação de dife-


rentes tipos de texto. Você certamente já deve estar perguntando:
essas sete partes do relatório correspondem a que tipos de texto?
Nós poderíamos responder-lhe, mas você é o aprendente e pode
dar essa resposta, relendo o que foi dito atrás e fazendo o que é
pedido no SABER MAIS abaixo.

Para saber mais


Você vai fazer as três tarefas abaixo e colocá-las no FÓRUM:
1) Dizer quais os tipos de texto (descritivo, narrativo, argumentativo, injuntivo,
expositivo) correspondem às seis partes do relatório acima. Para isso, precisa ler o arti-
go intitulado Gêneros textuais: definição e funcionalidade, de Luiz Antônio Marcuschi,
no livro Gêneros textuais e ensino (DIONISIO, MACHADO & BEZERRA (Orgs), 2002,
pp. 19 a 36). Nesse artigo, ele dá um exemplo de como fazer isso. Relendo o que disse-
mos até aqui e lendo esse artigo, você consegue cumprir essa tarefa.
2) Faça um resumo das principais idéias contidas no capítulo intitulado Gêneros
textuais no livro Ler e compreender os sentidos do texto (KOCH & ELIAS, 2006, pp.
101 a 122).
3) Faça uma relação de todos os gêneros de texto existentes dentro de sua casa e na sua
rua.

Ao final desta Unidade II, você está percebendo que a língua é


usada por meio de textos e que os textos se realizam por meio de
tipos e de gêneros. Mais do que isso, já percebeu que aprimorar a
capacidade de expressão na língua portuguesa, por exemplo, é sa-
ber manusear cada vez melhor as habilidades de ler, escrever, ou-
vir e falar, utilizando a linguagem falada ou escrita para produzir
novos textos. Se quiser, e somente se quiser aprender mais, leia a
seguinte obra: Dell’Isola, Regina Lúcia Péret. Retextualização de
gêneros escritos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. Repetimos: essa lei-
tura não é obrigatória.
58 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

EM BRANCO

VERSO DE PÁGINA
Leitura e Produção de Textos 59

UNIDADE 3

O texto e
suas estratégias de
construção e interpretação
60 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Nesta Unidade, pretendemos evidenciar por que é


necessário substituir a noção de referente pela noção
de objeto-de-discurso, bem como a noção de referência
pela noção de referenciação.
Nessa perspectiva, enfatizaremos que a referenciação é uma
atividade discursiva e que a construção textual se dá num jogo
entre vários movimentos: um para frente (projetivo) e outro para
trás (retrospectivo), representáveis em parte pela catáfora e pela
anáfora, respectivamente, entre outros movimentos.
Assim, o texto não se constitui como a soma de elementos
novos com outros já postos em etapas posteriores, mas como
um universo de relações seqüenciadas, mas não lineares.
Há nele uma parte visível, ou seja, a sua materialidade
lingüística (o explícito), e outra parte invisível (o implícito).
Diante do exposto, podemos inferir que o sentido não é
preestabelecido no texto, mas construído na interação autor-texto-
leitor. Portanto, cabe ao autor e ao leitor considerar os implícitos
e preencher as lacunas do texto de acordo com as sinalizações
nele propostas e com base nos conhecimentos que possuem.
A Unidade III está dividida em duas subunidades:
3.1. Referenciação e progressão referencial;
3.2. Coerência textual: um princípio de interpretabilidade.
Leitura e Produção de Textos 61

3 REFERENCIAÇÃO E PROGRESSÃO REFERENCIAL

Vamos iniciar a Unidade III, com o estudo da referenciação e da


progressão textual.
Por que estamos propondo o estudo conjunto desses dois con-
ceitos? Observe a apresentação de cada um deles:

Denomina-se referenciação o processo de introduzir, no texto,


“novas entidades ou referentes. Quando tais referentes são re-
tomados mais adiante ou servem de base para a introdução de
novos referentes, tem-se o que se denomina progressão
referencial” (KOCH & ELIAS, 2006, p. 121).

Então, agora deu para entender por que os conceitos de


referenciação e de progressão referencial são inter-relacionados?

Sim ou não?

Um exemplo pode ajudá-lo. Veja esta notícia (Texto 1).

Texto 1

Maria Lima de Jesus, 35, foi estuprada na Rua Catumbi, on-


tem, às 22 horas, quando voltava do trabalho. A vítima sofreu
todo tipo de violência e foi socorrida por um morador e fez um
boletim de ocorrência na delegacia do bairro da Prata.
A mulher trajava minissaia e blusa bastante decotada, o que
chamou a atenção do pessoal de plantão. O delegado prometeu
investigação, mas ponderou que a “dita cuja não trajava roupa
adequada para quem vinha do trabalho”. Segundo ele, têm sido
freqüentes ataques como esse a mulheres facilitadas.
Adaptação: José Genésio Fernandes.

Essa notícia é de um jornaleco machista, da pior espécie, e foi


modificada para atender o nosso propósito aqui. Veja que o jorna-
lista vai construindo um referente no seu texto. Como? Primeira-
62 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

mente, ele introduz um referente, Maria Lima de Jesus e, em se-


guida, vai retomando esse referente, por meio de outras expres-
sões: “a vítima”, “a mulher”, “a dita cuja” e, por fim, “mulheres
facilitadas”. Assim, o autor introduz um referente no texto e o vai
fazendo progredir, por meio da reconstrução dele com outras ex-
pressões lexicais, segundo sua visão machista de mundo. O texto
ficaria monótono se ele repetisse o nome da mulher no lugar de
cada expressão pela qual ele a retoma.
Se você concluiu que a referenciação consiste na construção de
referentes e a progressão referencial na reconstrução desses refe-
rentes, compreendeu que, na construção e na interpretação do tex-
to, esses dois processos são inter-relacionados.
Cabe, agora, esclarecer que, atualmente, os referentes são deno-
minados objetos-de-discurso. Ou seja, os referentes de que fala-
mos, nos textos, não correspondem diretamente aos objetos do
mundo natural, não são meros rótulos para designar as coisas do
mundo. Por isso, os referentes são os objetos que construímos e
reconstruímos no interior do próprio discurso, de acordo com nos-
sas crenças, atitudes e objetivos comunicativos. Daí a razão de subs-
tituir a noção de referente pela noção de objeto-de-discurso, bem
como a noção de referência pela noção de referenciação.

Nós apostamos que, pela leitura da notícia


sobre a mulher, Texto 1, você já entendeu isso!
Nele, como viu, não está em
questão uma mulher real, mas uma mulher significada ou
construída no texto, a partir do ponto de vista machista do autor.
Primeiro passo: ele introduz a mulher no texto/discurso pelo seu
nome próprio completo e respeitoso: Maria Lima de Jesus.
Segundo passo: ele reconstrói esse referente pela expressão “a
vítima” e, com isso, não se trata mais de apenas um nome, mas de
uma pessoa em estado de sofrimento causado pela ação ilícita de
outra pessoa. Terceiro passo: com a expressão “a mulher”, ele reto-
ma o referente “a vítima”, de maneira definida, focando sua femi-
nilidade, e ainda sem desmerecê-la. Quarto passo: pela expressão
“dita cuja” e “mulheres facilitadas”, ele reconstrói os referentes
anteriores de maneira depreciativa e de tal forma que Maria Lima
de Jesus não é mais a vítima, mas a culpada.
Veja que a reconstrução dos referentes vai sendo feita por graus:
“dita cuja” a desmerece pelo nível de linguagem. Segundo o Dici-
onário Eletrônico Houaiss, a expressão designa o “ser de que já se
falou, quando não se deseja nomeá-lo”. E, “Mulher facilitada” a
desmerece mais ainda, pois a transforma no pior, em mulher fácil
sexualmente. A vítima virou culpada no discurso.
Portanto, a referenciação e a progressão referencial consistem
na construção e na reconstrução de objetos-de-discurso. Verifique
como isso ocorre também no Texto 2.
Leitura e Produção de Textos 63

Texto 2

Descoberta nova espécie de coruja em Pernambuco


Pesquisadores brasileiros descobriram uma nova espécie de
coruja, exclusiva de Pernambuco. A ave, que habita a Mata
Atlântica, pesa cerca de 50 gramas e mede 14 centímetros, da
ponta do bico à da cauda. O animal apenas é encontrado em
dois fragmentos de floresta, ambos ao sul do Estado, e está
ameaçado de extinção.
A coruja, chamada de caburé-de-pernambuco, foi vista pela
primeira vez em 1980. Rara, voltou a ser encontrada em no-
vembro de 2001. Comparando com outras espécies de corujas,
três cientistas chegaram à conclusão de que se tratava de uma
ave desconhecida.
Com a descoberta, sobe para 20 o número de corujas conheci-
das no Brasil. A descrição da nova espécie foi publicada no últi-
mo número da Revista Ararajuba, da Sociedade Brasileira de
Ornitologia. Além de Cardoso, são autores do artigo, Arthur
Galileu de Miranda Coelho, professor aposentado da Universi-
dade Federal de Pernambuco (UFPE), e Luiz Pedreira Gonzaga,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Fonte: Verônica Falcão. Jornal do Commercio - Recife, PE. Junho 2003.

O referente principal — uma nova espécie de coruja — após ser


introduzido, é retomado por meio de novos referentes: a ave, o
animal, a coruja, caburé-de-pernambuco, rara, uma ave desconhe-
cida. Esses movimentos caracterizam, portanto, as atividades
discursivas de referenciação e de progressão referencial.
Na atividade discursiva de referenciação, o produtor do texto,
em interação com outros sujeitos, opera sobre o material lingüístico
que tem à sua disposição e escolhe as formas de referenciação de
acordo com um querer-dizer, para representar determinados esta-
dos de coisas. “Os objetos-de-discurso não se confundem com a
realidade extralingüística, eles a (re)constroem no próprio proces-
so de interação” (KOCH & ELIAS, 2006, p. 124).
Analise um exemplo do que acabamos de afirmar, lendo o Tex-
to 3.
Texto 3

O dia começa às cinco para a turma que serve o café da manhã


— carregam os pães e grandes vasilhames com café em carri-
nhos de ferro. Pelos guichês das celas trancadas surgem cane-
cas e bules amassados, à medida que o grupo passa. Os inimi-
gos da aurora deixam a vasilha de café no guichê da porta e
penduram um saco plástico para receber o pãozinho com man-
teiga e evitar o suplício de sair da cama.
Fonte: Koch & Elias. Ler e compreender: os sentidos do texto. (2006, pp. 124-125).
64 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Você saberia dizer a que se refere a expressão os inimigos da au-


rora? Acertou, se entendeu que tal expressão faz sentido apenas no
interior desse texto, no qual ela se refere aos detentos que não gos-
tam de acordar cedo. Fora desse contexto, seria muito difícil “desco-
brir” o referente da expressão: ele é construído textualmente.
Você deve ter observado que, para chegar a reconhecer esse re-
Ou seja: conclusões,
deduções, conseqüências ferente, foi necessário utilizar o saber construído lingüisticamente
lógicas.
pelo próprio texto e as inferências que podem ser calculadas por
meio dos elementos nele presentes. E isso só foi possível porque
você mobilizou conhecimentos lexicais, enciclopédicos e culturais
e lugares-comuns de uma determinada sociedade, além de sabe-
res, opiniões e juízos ativados no momento da interação autor –
texto – leitor.

3.1 Estratégias de referenciação


As estratégias de referenciação, utilizadas na construção dos re-
ferentes textuais, são:
• Introdução (construção): é o caso de: (a) Maria Lima de Jesus,
no Texto 1; (b) uma nova espécie de coruja, no Texto 2: um objeto
até então não citado no texto foi introduzido no texto, de modo
que a expressão lingüística que o representa foi posta em foco, res-
saltando esse “objeto” no modelo textual.
• Retomada (manutenção): é o caso das expressões: (a) a vítima,
a mulher, a dita cuja, mulheres facilitadas; no Texto 1; (b) a ave, o
animal, a coruja, caburé-de-pernambuco, rara, uma ave desconhe-
cida, a nova espécie, no Texto 2, formas referenciais que reativam
um “objeto” já presente no texto, de modo que tal objeto-de-dis-
curso se mantém em foco.
• Desfocalização: quando acontece a introdução de um novo
objeto-de-discurso que passa a ser o foco, mas o objeto retirado de
foco mantém-se em estado de ativação parcial, para utilização ime-
diata sempre que necessário. No Texto 2, no qual o foco é uma
nova espécie de coruja, ocorre uma desfocalização, no trecho: Além
de Cardoso, são autores do artigo, Arthur Galileu de Miranda Co-
elho, professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), e Luiz Pedreira Gonzaga, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).

Assim, podemos concluir que “referentes já existentes podem


ser, a qualquer momento, modificados ou expandidos, de modo
que, durante o processo de compreensão, vai-se criando na
memória do leitor ou do ouvinte uma representação extrema-
mente complexa, pelo acréscimo sucessivo de novas
categorizações e/ou avaliações acerca do referente”.
(KOCH & ELIAS, 2006, p. 126).
Leitura e Produção de Textos 65

3.2 Formas de introdução de referentes no modelo textual


No Texto 1, vimos uma forma de introduzir um objeto-de-dis-
curso novo no texto representado pela expressão uma nova espé-
cie de coruja. Esse processo de introdução de referentes textuais é
denominado ativação não-ancorada.
Outra forma de introduzir um novo objeto-de-discurso no tex-
to é a ativação ancorada. Ela ocorre quando o novo objeto-de-dis-
curso “ancora-se”, ou seja, fundamenta-se em algum tipo de asso-
ciação com elementos já presentes no co-texto ou no contexto
sociocognitivo.
Você quer ver um exemplo
de ativação ancorada?

Você pode encontrá-lo no Texto 3, no qual a expressão os inimi-


gos da aurora refere-se aos detentos que não gostam de levantar
cedo, o que só nos foi possível reconhecer, porque associamos tal
expressão a enunciados presentes no co-texto, como “Pelos gui-
chês das celas trancadas surgem canecas e bules amassados [...] Os
inimigos da aurora deixam a vasilha de café no guichê da porta e
penduram um saco plástico para receber o pãozinho com mantei-
ga e evitar o suplício de sair da cama”. A partir desses enunciados,
e ativando nossos conhecimentos sociocognitivos, reconhecemos
na cena narrada, a rotina de indivíduos privados da liberdade.
Entender o que vai ser explicado no próximo item, implica que
antes você entenda os conceitos de anáfora e catáfora, apresenta-
dos a seguir.

Anáfora é o mecanismo por meio do qual se aponta ou remete


para elementos presentes no texto ou que são inferíveis a partir
deste. Comumente, reserva-se a denominação de anáfora à re-
missão para trás (por ex., Paulo saiu; ele foi ao cinema) e de
catáfora, à remissão para frente (por ex.: Só quero isto: que vocês
me entendam). (KOCH & ELIAS, 2006, 127).

3.3 Retomada ou manutenção no modelo textual


O uso de pronomes ou outras formas de valor pronominal cons-
titui a principal estratégia de referenciação textual, utilizada para
retomar ou manter em foco objetos previamente introduzidos, for-
mando as cadeias referenciais ou coesivas, que promovem a pro-
gressão referencial do texto. Saiba mais
Consulte:
Tendo em vista o objeto já ativado no texto, a progressão KOCH, Ingedore V.
O texto e a construção
referencial pode realizar-se por meio de recursos de natureza gra- de sentidos. São Paulo:
Contexto, 1997.
matical, como pronomes, elipses, numerais, advérbios de lugar,
ou de natureza lexical, como sinônimos, hiperônimos, expressões
nominais entre outros.
66 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Inicialmente, vamos tratar dos recursos de natureza gramatical


para retomar ou manter em foco os objetos-de-discurso.
Veja, no Texto 4, como as substituições pronominais foram ocor-
rendo e promovendo a seqüência requisitada pela coerência:

Texto 4

1 - O Imperador D. Pedro II sempre se empenhou em mudar a


imagem externa do Brasil e em
2 - transmitir seu “verdadeiro” aspecto civilizado. Ele visitou
pessoalmente a Exposição
3 - Universal da Filadélfia (1876). Lá teria conhecido Alexander
Graham Bell, que lhe
4 - apresentou sua mais nova invenção, o telefone. Ao testá-lo, o
imperador teria dito ao inventor
5 - americano que, estando disponível no mercado, o Brasil se-
ria o seu primeiro comprador.
Fonte: Folha de S. Paulo, 19/11/2000. Trecho citado por: ANTUNES, Irandé.
Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005 p. 90-91.

Quadro 1
Os nexos coesivos do Texto 4.

Termo(s) referente(s) Termo(s) substituto(s) Linha(s)


O Imperador D. Pedro II ...se, Ele, lhe. 1, 2, 3.
Brasil ...seu 1, 2.
Exposição Universal da Filadélfia ...Lá 2, 3.
Alexander Graham Bell ...que, sua 3, 4.
o telefone ...-lo, seu 4, 5.

O Quadro 1 possibilita a você observar, de modo objetivo, os


oito pronomes (se, Ele, lhe, seu, que, sua, -lo, seu) e o advérbio
(Lá), todos substituindo um determinado termo antecedente, ao
longo do Texto 4.
Observe também que, para não se confundir na identificação
do referente do pronome seu (linha 5) é o telefone (linha 4) você
precisa fazer uma leitura cuidadosa do texto.
Ao ler o Texto 4, você notou que a ligação entre o termo antece-
dente e seu termo substituto forma um nexo —um nexo coesivo
— e que a ocorrência de vários nexos forma uma cadeia — uma
(ANTUNES, 2005, 91)
cadeia coesiva —, por exemplo:
O Imperador D. Pedro II se Ele lhe
Leitura e Produção de Textos 67

Sobre essa cadeia, observe que ela é a maior de todas e perpassa


o texto todo. Isso indica que a expressão O Imperador D. Pedro II
representa o elemento nuclear em torno do qual se desenvolve a
notícia.
Após a análise das substituições pronominais que foram consti-
tuindo as cadeias coesivas no Texto 4, você notou que todos os
pronomes, além do advérbio, configuram casos de anáforas, pois
retomam termos situados antes deles na seqüência textual?
Veja agora um exemplo de catáfora, ou seja: o pronome vem
antes do nome que ele, antecipadamente, substitui:

Sob um sol escaldante, ele chega impecável (...) ao acampamento


dos guerrilheiros (...) no Camboja, território minado e onde
nenhum diplomata havia pisado antes. Como prova de confi-
ança, os guerrilheiros pedem que ele nade num rio. Sem titu-
bear, ele entra na água. Era o ano de 1992. Negociava-se diplo-
maticamente a intrincada e difícil tarefa de repatriar 370
cambojanos, muitos vivendo na vizinha Tailândia. A repatria-
ção aconteceu sem uma única vítima. Esse é apenas um dos
muitos méritos de Sérgio Vieira de Mello, Comissário de Direi-
tos Humanos da ONU, que morreu em 19 de agosto de 2003.
Fonte: IstoÉ, 23/9/03. Trecho citado por: ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras:
coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005 p. 88.

Vamos passar agora a tratar dos recursos de natureza lexical usa-


dos para retomar ou manter em foco objetos-de-discurso já ativados
no texto.
Retomar ou manter uma unidade lexical (substantivos, adjeti-
vos, verbos e alguns advérbios), substituindo-a por outra, é, tam-
bém, um recurso coesivo pelo qual ocorre a inter-relação de dois
ou mais segmentos textuais. Tal mecanismo de substituição impli-
ca, pois, o uso de uma palavra no lugar de uma outra que lhe seja
textualmente equivalente.
Isso pressupõe um ato de análise e interpretação para avaliar a
adequação do termo substituidor quanto ao que se pretende con-
seguir com a retomada ou a manutenção do foco de determinados
objetos-de-discurso.
Você percebeu essa ocorrência nos textos
(Textos 1 a 4) já apresentados nesta Unidade?

Justifique sua resposta.


Eis um exemplo que pode auxiliar você a verificar se a sua res-
posta à pergunta acima foi adequada, quanto a reconhecer os re-
cursos de natureza lexical usados para retomar ou manter em foco
objetos-de-discurso já ativados no texto 5:
68 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Texto 5

Saia de bolinhas, colete preto e cabelos presos, Madonna estava


mais para a santa Evita que para a demoníaca material girl quan-
do desembarcou em Buenos Aires, no sábado 20. A tática usada
pela pop star era para aplacar um pouco os ânimos argentinos,
mas não deu muito certo: escalada pelo diretor Alan Parker para
viver no cinema o papel de Eva Perón (1919-1952), a estrela
americana vem enfrentando a ira dos peronistas. Foi recebida
com pichações e bombardeada pela imprensa. Tentando con-
tornar a situação, Madonna foi logo dizendo que estava em mis-
são de paz.
Fonte: ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência.
São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 97.

Esperamos que você tenha observado que a substituição, ao


longo do texto, do referente Madonna pela cadeia coesiva ou
referencial — a demoníaca material girl, a pop star, a estrela
americana, Madonna — possibilita acrescentar informações ou
dados novos a respeito desse objeto-de-discurso. Por isso, o texto
se torna mais informativo.
Finalizando esta subunidade 3.1, esperamos que você tenha
compreendido:
1) por que é necessário substituir a noção de referente pela no-
ção de objeto-de-discurso, bem como a noção de referência pela
noção de referenciação;
2) que a referenciação é uma atividade discursiva e que a cons-
trução e a interpretação de um texto implicam um jogo entre
vários movimentos: um para frente (projetivo) e outro para trás
(retrospectivo), representáveis em parte pela catáfora e pela
anáfora, respectivamente, entre outros movimentos;
3) que um texto não se constitui como a soma de elementos
novos com outros já postos em etapas posteriores, mas como
um universo de relações seqüenciadas, mas não lineares. Há
nele uma parte visível, ou seja, a sua materialidade lingüística
(o explícito), e outra parte invisível (o implícito);
4) que o sentido não é algo preestabelecido no texto, mas
construído na interação autor-texto-leitor, o que implica con-
siderar os implícitos e preencher as lacunas do texto de acor-
do com as sinalizações nele propostas e com base em conhe-
cimentos lingüísticos, enciclopédicos e interacionais, entre
outros.
Leitura e Produção de Textos 69

Para saber mais

Para completar o estudo feito na subunidade 3.1, faça um


relatório de leitura dos capítulos 7 e 8 do livro Ler e compreen-
der: os sentidos do texto (KOCH & ELIAS, 2006), especificados a
seguir:
Capítulo 7: Funções das expressões nominais referenciais (pp.
137-149).
Capítulo 8: Seqüenciação textual (pp. 152-181).
A seguir, encaminhe seu relatório ao FÓRUM e leia três rela-
tórios dos colegas para compará-los com o seu. Se desejar, faça
comentários sobre os relatórios lidos para discutir idéias ou su-
gerir algo que julgar interessante.
Observe que você não deve fazer um resumo dos capítulos
lidos, mas um relatório desses dois capítulos que você irá ler
para aprender mais sobre a construção e a interpretação de um
texto, para confrontar idéias, para tirar conclusões. Ou seja, a
leitura deve ser reflexiva e crítica. Para isso, você deve utilizar
os conhecimentos adquiridos ao longo do Módulo Leitura e
Produção de Textos, bem como outros adquiridos por meio de
outras leituras ou de suas atividades sociocomunicativas.

Com o objetivo de orientá-lo, sugerimos


algumas perguntas-chave sobre o conteúdo e
o modo de ler cada um dos dois capítulos
que lhe indicamos:

O que as autoras do texto (KOCH & ELIAS) dizem a você?


O que você diz às autoras do texto? O texto tem alguma relação
com alguma coisa que você já leu, ou conheceu de outra for-
ma? Você formulou perguntas para as autoras antes de iniciar a
leitura? Quais? Obteve respostas? Que dúvidas persistiram?
Achou a tarefa fácil ou trabalhosa? Como resolveu as dificulda-
des que surgiram? Outras perguntas devem surgir no decorrer
da leitura e da elaboração do relatório.
Consulte também a subunidade 2.4, na qual foi discutida a
elaboração de um relatório (p. 54). Recorra ao seu TUTOR quan-
do precisar.
70 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

EM BRANCO

VERSO DE PÁGINA
Leitura e Produção de Textos 71

COERÊNCIA TEXTUAL:
UM PRINCÍPIO DE INTERPRETABILIDADE

Vamos introduzir o estudo desta última parte com uma histó-


ria. Não vamos dizer que é verdadeiríssima, porque você sabe, muito
bem, que quem conta um conto aumenta um ponto. Mas que acon-
teceu lá pelo interior de Mato Grosso do Sul, isso aconteceu. É
vero!!!
Uma professora levou para a sala um gênero de texto bem co-
nhecido, a fábula da Raposa e as uvas. Leu-a com os alunos e
pediu uma tarefa: na aula seguinte todos deveriam trazer-lhe um
texto próprio, um reconto da fábula. No outro dia, cada um entre-
gou-lhe a tarefa. Na hora dos comentários dos textos, ela notou
que um dos meninos falava de um lobo. Ela estranhou: lobo? Não
tem lobo na fábula lida, disse ela. Tem, sim, disse o menino, com
toda a certeza do mundo. Está bem aqui, disse-lhe, apontando com
o dedo a expressão “o matreiro animal”.
O menino não sabia o significado de “matreiro” e trocou-o por
“mateiro”, ajeitando as coisas lá na sua cabeça, comendo um erre
da palavra, criando um outro referente para o texto lido. Você cer-
tamente está perguntando: mas de onde ele tirou isso? E a resposta
é: ele retirou isso do seu conhecimento de mundo, de sua história
de vida. No seu mundo, lá nessa região, existe um tipo de lobo
chamado lobo mateiro. Sua história de vida tem histórias de lobo,
desse tipo de lobo.
Não estamos dizendo que o menino foi um bom leitor da fábu-
la, pois faltou a ele conhecimento suficiente para diferenciar o sen-
tido de “matreiro” e “mateiro”. O que queremos demonstrar com
esse caso é que cada um de nós faz das tripas coração para cons-
truir a coerência do que ouve e do que lê. A construção mais apro-
priada da coerência é aquela que resulta do processamento do
maior número de conhecimentos: lingüísticos, enciclopédicos, tex-
tuais e interacionais, conforme vimos atrás.
Esse caso da raposa da fábula que virou lobo mateiro no reconto
do menino é um bom exemplo para afirmar que a coerência do
texto é sempre uma construção. Todos nós estamos no mundo e
esse mundo só tem sentido para nós, quando produzimos um sen-
72 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

tido para ele. Estamos sempre produzindo sentidos para aquilo


que lemos ou ouvimos. Como? A resposta é: com nossos conheci-
mentos sociocognitivos construídos na interação com os outros e
guardados em nossa memória. Veja o texto 1, abaixo:

Texto 1

Folha de S. Paulo, 30 de agosto de 2007.

Observe o texto 1. Você pode afirmar que a coerência está no


texto? Pode mostrá-la para nós? Certamente que não. A coerência
não é uma coisa material e visível à espera de nós no texto. Repeti-
mos: ela é uma construção nossa. Uma construção que fazemos,
interagindo com o autor e o texto, seguindo as pistas dadas e pro-
cessando-as com a ajuda dos conhecimentos que possuímos.
O leitor que ri ao ler o texto 1 comprova que construiu um
sentido de humor para ele, a não ser que esteja fingindo, para evi-
tar ser taxado de lento ou de leso. Se ri sinceramente, é porque
soube acionar os conhecimentos que possui, para construir esse
sentido. Quais conhecimentos?
Conhecimento: a) do gênero de texto (a tirinha é um gênero
cuja ação é a crítica de comportamentos, costumes, valores); b)
conhecimento de mundo (sex-shop, padaria); c) conhecimento prag-
mático (é absurdo confundir sex-shop com padaria). Assim com-
preendemos o jogo que provoca o riso, nessa situação comu-
nicativa. O filho, surpreendido pelo pai no sex-shop, finge ter co-
metido um erro pragmático, dirigindo-se ao sex-shop pensando ser
uma padaria. O pai, sacando a esperteza do filho, também finge
não ter conhecimento de mundo suficiente para distinguir uma
baguete de um pênis vibrador. Veja quantos conhecimentos o lei-
tor precisa acionar para construir a coerência do texto, para poder
rir.
Dizem os manuais de ensino que um texto deve ter coerência e
coesão. A coesão, como o próprio nome diz (coeso significa ligado),
é a propriedade que determinados elementos textuais têm de esta-
belecer relação entre si e com outros fatores do texto. Veja os textos
2 e 3:
Leitura e Produção de Textos 73

Texto 2

Amigão! Só, só, só. A mina lá. Este verão. Ricardão e mais
ricardão... Noite de cão. Você nos braços de Morfeu. Fui ma-
drugada alta. Adeus toda república! Betão.

Texto 3

Amigão, me senti muito só essa noite, enquanto minha namo-


rada está lá longe, neste verão cheio de ricardão. Por isso, passei
uma noite de cão enquanto você dormia profundamente e re-
solvi partir bem de madrugada. Dê um adeus para todos da
república. Até logo: Betão.

Veja que o texto 2 não é um texto coeso. Não possui elementos


formais que servem para fazer a ligação, a relação, a conexão entre
as palavras do texto, como o texto 3. Entretanto, o texto 2 é coeren-
te, pois permite ao estudante, o “amigão”, construir o sentido do
bilhete do Betão. Por outras palavras, permite ao amigão fazer o
cálculo do seu sentido, considerando os elementos contextuais. A
coesão facilita estabelecer a coerência, mas conforme Koch (2006,
p. 186),

“a coesão não é condição necessária nem suficiente da coerên-


cia: as marcas de coesão encontram-se no texto (“tecem o teci-
do do texto”), enquanto a coerência não se encontra no texto,
mas constrói-se a partir dele, em dada situação comunicativa,
com base em uma série da fatores de ordem semântica,
cognitiva, pragmática e interacional”

Estamos certos de que compreendeu bem o que foi exposto,


mas é preciso saber que isso não é tudo. Você verá, com mais
estudo, que conceituar coerência não é simples como parece.
Por isso, é preciso estudar mais e sempre, recorrendo às obras
mais atualizadas, pois muitas obras apresentam conceitos ultra-
passados. Além disso, é preciso saber que existem vários tipos
de coerência: sintática, semântica, temática, pragmática e
estilística. Não vamos explicar e nem dar exemplo desses tipos
de coerência: você é que vai fazer isso, com a ajuda do que apren-
deu nas outras unidades e com a leitura do capítulo 9 da obra
Ler e compreender os sentidos do texto. Veja o que é para fazer, no
“saber mais”.
74 LETRAS (Português e Espanhol) – Licenciatura

Para saber mais

Para fazer as duas tarefas, você precisa de três textos: primeiro, o capítulo 9 da obra Ler
e compreender os sentidos do texto (KOCH, 2006, pp. 183 a 211); segundo, a Lição 24 da
obra Lição de texto: leitura e redação (FIORIN (2003, pp. 367 a 392); e em terceiro lugar,
a Lição 25 da mesma obra (FIORIN (2003, pp. 393 a 411).

Tarefa 1:
Depois de ler o capitulo 9 da obra Ler e compreender os sentidos
do texto, escreva uma carta para um dos colegas de EaD, conten-
do: a) os objetivos do capítulo; b) uma definição de coerência e
de coesão; c) uma explicação do que seja coerência sintática, se-
mântica, temática, pragmática e estilística, apresentando exem-
plos de cada tipo. Escreva de forma que ele compreenda sua ex-
plicação. Coloque a carta no FÓRUM.

Tarefa 2:
A lição 25 da obra Lição de texto: leitura e redação apresenta o
poema Infância na página 395 e o poema Paviloviana, na pági-
na 409 e 410. Faça um comentário sobre os dois textos, do ponto
de vista da coerência e coesão, e coloque no FÓRUM. O que se
quer aqui é que leia a lição, pois o autor já faz isso.
Este é o Guia Didático da disciplina Leitura e Produção
de Textos, obrigatória para os alunos dos diferentes
Cursos de Graduação, na modalidade EaD, da UFMS.
O objetivo dele é contribuir para que o aluno tenha bom
desempenho em duas atividades de linguagem,
indispensáveis em qualquer área do conhecimento:
leitura e produção de textos.

Em nosso curso, vamos falar muito da atividade que os


homens realizam com a linguagem. É. Os homens agem
uns sobre os outros, com e por meio da linguagem.
Já reparou? Dia e noite, eles estão produzindo e lendo
textos, com algum objetivo. Dessa imensa produção
linguageira resultam as imagens desses homens, de
suas comunidades, de seus países. Se um povo morre e
deixa textos, podemos saber dele por meio da leitura dos
textos que deixou. Se não deixa textos, desaparece para
sempre. Você verá que a questão da linguagem é uma
questão central para todos os domínios do
conhecimento, para todos os cursos, para
todas as disciplinas.

(PORTUGUÊS e ESPANHOL) LETRAS (PORTUGUÊS e ESPANHOL) LETRAS (PORTUGUÊS e ESPANHOL)


LETRAS (PORTUGUÊS e ESPANHOL) LETRAS (PORTUGUÊS e ESPANHOL) LETRAS (PORTUGUÊS e ESPANHOL)
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