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ISBN 8 5 8 8 27830- 8
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LUIZ ALBERTO WARAT
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IPRETAÇÃO DA LEI. TEMAS PARA UMA REFORMULAÇÃO
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f INTRODUÇÃO GERAL
AO DIREITO
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INTRODUÇÃO GERAL
AO DIREITO
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SUMARIO
Prefácio.......................................................................................................9
1. Senso Comum Teórico: As vozes incógnitas das ver
dades jurídicas......................................................................................... 13
2. Utopias, Conceitos e Cumplicidades na Interpretação da L ei.......19
3. A Redefinição das Palavras da L ei....................................................31
4. Formalismo, Realismo e Interpretação da L e i................................ 51
5. Os Métodos de Interpretação da Lei como Recurso Ideológico
e Político.................................................................................................. 65
6. Argumentação Jurídica e suas Críticas............................................. 93
7. Mito, Ideologia e Convencimento...................................................103
8. A Condição Retórica do Sentido.....................................................115
Apêndice I - As Falácias do Direito (Texto em Instrução Progra
mada) ..........v..........................................................................................123
Apêndice II - Teoria Geral do Delito (Texto em Instrução Progra
mada) ............... 169
Bibliografia............................................................................................ 231
PREFÁCIO
14
Também, poderia sustentar-se que o “senso comum teórico dos juristas”
é uma para-linguagem, alguma coisa que está além dos significados para
estabelecer em forma velada a realidade jurídica dominante.
As significações não deixam de ser um instrumento de poder.
Aceitando-se que o Direito é uma técnica de controle social não podemos
deixar de reconhecer que seu poder só pode se manter estabelecendo-se
certos hábitos de significação. Existe portanto um saber acumulado -
difusamente presente nas redes dos sistemas institucionais - que é
condição necessária para o exercício do controle jurídico da sociedade.
Com isto, estamos ressaltando as dimensões políticas dos sistemas de
enunciação. Quando esse sistema é autoritário precisa solidificar
artificialmente as relações sociais, modelando e centralizando a produção
de sentido, deixando inelutáveis a marca do Estado, fabrica então um
sistema de sublimações semiológicas que servem para criar versões do
mundo que nos abstraem da história.
Enfim podemos dizer que de um modo geral os juristas contam com
um arsenal de pequenas condenações de saber: fragmentos de teorias
vagamente identificáveis, coágulos de sentido surgidos do discurso dos
outros, elos rápidos que formam uma minoria do direito a serviço do
poder. Produz-se uma linguagem eletrificada e invisível - o “senso comum
teórico dos juristas” - no interior da linguagem do direito positivo, que
vaga indefinidamente servindo ao poder.
Resumindo: os juristas contam com um emaranhado de costumes
intelectuais que são aceitos como verdades de princípios para ocultar o
componente político da investigação de verdades. Por conseguinte se
canonizam c'értas imagens e crenças para preservar o segredo que
escondem as verdades. O senso comum teórico dos juristas é o lugar do
secreto. As representações que o integram pulverizam nossa compreensão
do fato de que a história das verdades jurídicas é inseparável (até o
momento) da história do poder.
Em sentido mais restrito podemos falar também de senso comum
teórico dos juristas para pôr em relevo o fato de que no Direito não se
contam os limites precisos entre o saber comum e a ciência. Apesar dos
esforços dos últimos anos para aproximar o conhecimento do Direito a
15
uma lógica formal das ciências, a epistemología jurídica é inexistente
fora de círculos reduzidos e de escassa penetração dentro dos círculos
profissionais clássicos. Assim resulta muito difícil aceitar para as práticas
científicas do Direito a tradicional diferença entre “doxa” e “episteme”.
A epistemología do Direito não passa de uma “doxa” politicamente
privilegiada. Dito de outra forma, detrás das regras do mótodo, dos
instrumentos lógicos, existe uma mentalidade difusa (onde se mesclam
representações ideológicas, sociais e funcionais) que constitui a vigilância
epistemológica pela Servidão do Estado. A ordem epistemológica de
razões é substituída por uma ordem ideológica de crenças que preservam
a imagem política do Direito e do Estado. O senso comum teórico dos
juristas seria, conforme esta definição mais específica, o conjunto de
opiniões comuns dos juristas manifestados como ilusão epistêmica.
Observando o comportamento dos professores de Direito, dos
juizes, promotores e de todo os tratadistas, pode-se notar a presença
soberana do sentido comum. Quando os juristas falam da epistemología
não conseguem expressar mais de que um sentido comum científico.
Poderiamos dizer que isto se deve ao fato de que é difícil separar,
nas funções sociais da ciência jurídica, razões teóricas de justificação. A
este nível a verdade se relaciona sempre com os processos persuasivos.
De fato a argumentação não pode prescindir das opiniões do sentido
comum. São estas as que tomam confiáveis as conclusões.
A formação da expressão “senso comum teórico dos juristas” se
encontra, além do anteriormente explicidado, direcionada a questionar a
literatura epistemológica consagrada no âmbito das ciências jurídicas e
sociais. Na atualidade, por detrás das questões de mótodos, existe uma
série de pressupostos sobre a própria concepção de ciência e seu valor
social que se aceitam como opiniões imaculadas. A positividade da ciência
é hoje um pressuposto implícito, como o é a sua concepção do mundo e
do objeto.
16
Durkheim já alertava sobre a presença de pré-noções, representações
esquemáticas e sumárias que se formam pela prática e para ela. Recebem
sua legitimação e autoridade pelas funções sociais que cumprem. Em "As
Regras do Método Sociológico” Durkheim trata de evitar que a análise
sociológica ceda à tentação da sociologia espontânea.
Bachelard por sua vez toma como objeto de reflexão as impurezas
metafísicas da atividade científica e denuncia por intermédio da idéia de
obstáculo epistemológico as figuras do sentido comum que é necessário
vigiar para romper com as falsas transparências que impedem a
fecundidade do conhecimento. A taxionomia de obstáculos bachelardinos
expressa o mesmo campo problemático indicado pela expressão “senso
comum teórico dos juristas”.
Althüsser se mostra também preocupado pelas experiências ingênuas
do mundo social que expressam os filósofos por meio de sua filosofia
espontânea.
Devemos também mencionar a Wittgenstein e Nietzsche. O primeiro
denunciando a linguagem comum que encerra em seu vocabulário toda
uma filosofia espontânea do social, exorcizada verbalmente, em muitos
casos, pela aparência de uma elaboração teórica precisa. As pré-noções
podem contagiar os conceitos teóricos.
O segundo expõe à crítica a própria noção de verdade, mostrando a
existência de uma dimensão ética que fundamenta uma vontade de
verdade fora de todo controle epistemológico.
Verão de 1983
CAPÍTULO II
19
Mais do que ambíguo ou impreciso, o discurso da lei é enigmático,
ele joga, estrategicamente, com os ocultamentos para justificar decisões,
disfarçar a partilha do poder social e propagar, dissimuladamente,
padrões culpabilizantes. Conceitos ideologicamente condicionados
encobrem práticas de terror racionalmente banalizadas. Utopias perfeitas
explicam, com razões, a produção institucional de um sujeito de direitos
sem direito à transformação autônoma da sociedade. Enfim, uma enorme
carga ideológica que atravessa todo o processo de interpretação da lei.
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lei, em suas diversas manifestações desenvolve significações posteriores
a sua primeira enunciação. O escalonamento dos efeitos do champagne
conduz da excitação ao entorpecimento; e, este mesmo princípio
devastadoré o que regula o contraponto de sentidos, os encavalgamentos,
as ficções e os patamares implícitos do jogo discursivo do judiciário, que
conhece destinos e destinatários sucessivos.
Nos campos sancionados pela produção institucional dos sentidos
normativos surge inscrito o poder como emblema, como disciplina dos
corpos e como palavra culpabilizante. Farei notar que os sentidos
normativos estão inscritos num horizonte discursivo que envolve, como
um manto protetor, as opacidades estabelecidas, as relações entre a
sociedade, o Estado e o Direito, determinando, ao mesmo tempo, um
“dado” que constitui institucionalmente os sujeitos do ofício jurídico e o
indivíduo como presumido “sujeito de direito”.
As práticas interpretativas da lei constituem e dependem de vários
saberes comuns, que operam socialmente para reforçar a opacidade da
dominação político-jurídica e travar qualquer gesto de deciframento do
mistério da lei e sua obediência.
Os sujeitos do ofício jurídico vivem imersos numa temperatura
interpretativa que sublima, numa discursividade teológica, variadas
práticas de exclusão social. Os ecos solenes da palavra legal sempre
falam de uma falta, falam de que o Direito não pode dar segredos que se
enunciam numa aparente transparência: no fundo enfeita pretensões
conservadoras. Uma galante discursividade que se aproveita dos efeitos
performativos das palavras para dissimular as perversões de uma forma
social opressiva.
A aplicação da lei fica garantida por um “clima” de sentidos que
afirmam, no discurso, as práticas do Direito que muitas vezes negam à
sociedade. Como no discurso amoroso, os juristas falam do que não têm,
para sustentar muitos “desejos” (reinvindicações de novos direitos) em
sua perda: trata-se de uma representação implementada para dissolver,
numa miragem simbólica, carência insustentáveis, faltas que precisam
ser faladas para que se possa imaginá-las preenchidas.
E conhecido o modo de operar da concepção jurisdicista, das crenças
que sustentam a ideologia do “Estado de Direito”, dissolvendo todas as
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dimensões do poder do Estado na lei, mostrando as práticas do Direito
como um dique de contenção do arbítrio, proclamando a lei como um
instrumento da razão que preserva tanto a liberdade como a igualdade.
Constroem-se assim, saberes externos à sociedade, negando todas as
suas insuficiências e perdas, mostrando-as realizadas pelas palavras.
O discurso jurídico inverte os despojos e as exclusões sociais
apresentando-os como direitos do homem.
Fala-se do Estado de Direito como garantia para o homem, de modo
a permitir que uma sociedade possa sonhar com o que não tem e possa
falar da democracia, vivendo numa forma social cada vez mais totalitária.
E sabido que a lei pretende justificar-se por sua função de garantia
contra as violências ilegítimas ressaltando a imagem de um reinado
abstrato, neutro e universal. Desta maneira os saberes comuns do Direito,
o “senso comum teórico dos juristas”, deslocam para o território das
abstrações perfeitas as necessidades negadas pelas relações dedominação.
Do meu ponto de vista, as crenças sobre o “Estado de Direito” podem
configurar uma utopia perfeita que tem para o povo e, principalmente,
para os juristas do ofício jurídico, uma alta carga de magnetismo.
Contudo, trata-se de um sonho frustrante que destrói, em muitas situações
conflitivas, os espaços de instauração de uma forma social autônoma
“democrática”.
E pouco plausível o uso do Direito como formador do sentido
democrático de uma sociedade, se o mesmo não admite o valor positivo
do conflito, se escamoteia, em nome de uma igualdade formal e perfeita,
as desigualdades econômicas e culturais, se esquece que a lei é sempre
expressão de interesses e de práticas de poder.
O sistema de representações expressado pela idéia do Estado de
Direito, visto como uma utopia perfeita, torna-se inificiente na medida
em que fecha as práticas feitas em seu nome a todo desenvolvimento
produtivo dos antagonismo sociais. Assim, fracassa como expressão
jurídica da democracia negando-se a reconhecer, que os sentidos da lei
não existem como formas perfeitas de uma escrita e nem como momento
dialético de múltiplos campos de luta.
Por outro lado, o sentido democrático de uma forma social pode se
perder se as dimensões simbólicas organizadas por sua lei têm aversão a
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tudo quanto é novo, rejeitam o devir, sempre incerto e conflitivo, das
práticas-sociais.
Uma forma social que aspire à autonomia precisa de utopias eficientes,
que não se frustram nas esperanças que simulam realizar. Utopias
eficientes, na medida em que, convocam esperanças, esforços de
transformação na medida em que; estimulam os que foram socialmente
excluídos da vida para reivindicar, por eles mesmos, os caminhos da
autonomia. Eficientes porque podem servir, paraos que foram socialmente
excluídos, a descobrir oque neles foi silenciado pelas repressões máximas
da cultura. Uma utopia eficaz permite que os homens adquiram uma
consciência de si mesmos e das condições da exploração social que
operaria como medida do possível sem ser ainda medida do real. Sua
eficácia política repousaria na possibilidade de acelerar os espaços de
crises e de conflitos por conter a medida do possível.
Acho que os homens têm que tentar construir sonhos sobre o mundo
suficientemente férteis para permitir que os espaços políticos em que
vivem se apoiem em suas crenças e transformem a história.
Desta maneira, os saberes e as instituições da cultura seriam
despojadas de suas significações como produtores de uma subjetividade
alienada, para adquirir o valor político de um instrumento de
transformação.
Então, as crenças utópicas poderão perder a embalagem de suas
repressão e provocar-nos para assumir a natureza conflitiva da história.
O que permitirá, a seu tempo, medir a coragem de uma utopia. Ela será
medrosa, impotente, frustrante se enclausurada numa compulsão de
perfectibilidáde.
Por isso, é importante infiltrar em toda utopia um princípio de
eficiência que as preserve à margem dos seus próprios “delírios”
tranqüilizadores. Uma utopia perde toda eficiência se funciona como
“calmante” para os desenganos e as frustrações que impõe a vida. Desta
forma, as utopias unicamente provocam efeitos como particulares técnicas
para escamotear (fugir) da realidade num processo de transformação
“delirante”, um delírio de massas provocado por um sentimento, diria
Freud, “oceânico”.
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O sentido “oceânico” é a presunção de atingir uma relação com o
mundo, sentido como um vínculo com a totalidade, experimentada como
algo já dado e não como algo a conquistar. Assim, a significação do
mundo exterior se encontraría presente na subjetividade. O externo se
revela no interno, de forma que ficaria imobilizada, solidificada a ordem
do mundo e, também, cristalizado o sujeito. Uma interiorização alienante
impede qualquer forma de questionamento à conflituosidade da história.
O “eu” fica então, prisioneiro do mundo circundante por um jogo de
crenças que modelam a maneira como o homem se pensa, a si mesmo e
a sociedade.
As utopias perdidas em um sentimento oceânico cumprem o papel
de um “objeto evocativo” que fascina e impede a reflexão.
Sempre achei que as crenças e os pontos de vista que conformam a
discursividade do “Estado de Direito” encontram no “sentimento
oceânico” seu fundamento ideológico e a sua base de sustentação
retórica. Com isso não quero subtrair nenhum valor da lei e de suas
dimensões simbólicas como elemento constitutivo do sentido democrático
de uma sociedade. Tampouco estou negando o valor da lei como
expressão autônoma do poder e do saber instituído.
Acompanhando as reflexões de Leonel Severo Rocha, diría que o
importante é perceber o valor da lei como instância simbólica do político,
isto é, de um real que encontra seu sentido nas incertezas e nos conflitos
e não nas instâncias de um saber tido como abstrato e objetivo, enquanto
universal e absoluto. Não se trata de negar o valor do Direito como
instância simbólica e espaço de interpretações políticas. O problema
passa por não aceitar o “senso comum” legalista-positivista dos juristas
que articulam o seu saber com os poderes da dominação instituída,
abrindo-se, assim, para um sentido totalitário do social.
A democracia precisa da redefinição dos espaços simbólicos do
Direito e não da sua supressão. Esta última possibilidade toma-se muito
mais totalitária com relação às expectativas de uma forma social. Nesta
direção vão minhas prevenções contra os efeitos simbólicos que
predominam a partir da idéia de um “Estado de Direito”. Isto porque, a
questão do jurídico não passa pela necessidade de simular um Estado
absolutamente controlado pela lei, graças à previsão da existência de uma
24
razão com suficiente força para garantir o caráter ético do Estado, e sim
pela compreensão de que o homem tem direito a ter direitos como
resultado de suas lutas e antagonismos.
25
pelo temor das sanções legais. Ou seja, estamos diante do Direito
cumprindo as funções do “superego”.
Nessa direção o discurso jurídico simula uma certa inamovibilidade
e perfeição significativa para garantir o sentimento de culpabilidade e
preservar o controle antecipado do tempo e do espaço social. Para isto,
o novo aparece sempre como ameaça ao “superego jurídico” e às relações
instituídas do poder.
No discurso jurídico o novo aparece como redefinição das palavras
da lei nos sucessivos e diferentes atos de sua interpretação. Precisa-se
notar que nos atos de interpretação da lei redefinem-se os conteúdos,
nunca estruturas do “superego”. Podem-se alterar os sentidos de lei,
tomar decisões, controlar as aplicações da lei, sem que as funções da
repressão simbólica e os sentimentos culpabilizadores sejam alterados.
As alterações dos conteúdos significativos da lei são sempre produzidos
dentro de um determinado sistema instituído de relações sociais e de
relações de produção. Isto nos leva a afirmar que o novo no Direito
aparece sempre dentro e submetido ao mesmo poder de controle. Uma
metamorfose de textos legais feitos dentro de uma mesma estrutura de
poder.
26
da transformação social. Pelo contrário, o Direito e suas crenças
secularmente consagradas estão hoje favorecendo a desintegração do
tecido social e as identidades fragmentadas.
Estou falando de crenças que se sustentam numa reivindicação de
objetivismo como possibilidade de compreensão do social e de sua lei.
Vale dizer, numa perspectiva que parte do suposto de Direito pode ser
entendido como conjunto objetivo e coerente apreendido conceitualmente.
Uma racionalidade sem exterior deixa de lado o fato do Direito e a ordem
social (que regula e condiciona) não consegue nunca se constituir
inteiramente como uma ordem objetiva. Sempre existe como assinala
Emest Laclau uma negatividade constitutiva, isto é, um antagonismo, o
qual mostra a impossibilidade, em última instância, da objetividade do
jurídico e das relações sociais. Razão, pela qual resulta ideológica a
constituição de um saber fundado na reivindicação excludente de uma
racionalizadade objetiva do real. Concordo com Laclau quando afirma,
que a noção de antagonismo não tem cabimento numa história vista
como, processo objetivo e que, por outro lado, sem antagonismos, sem
impulsos de negatividade não existe teoria (eu diria discurssividade) sem
ação revolucionária.
Tomando como referência o que termino de afirmar, penso que a
discursividade e as práticas jurídicas, assim como os atos interpretativos
da lei servirão aos processos de transformação da sociedade se conseguirem
afastar do objetivismo que as domina. Fundamentalmente se conseguirem
trabalhar o caráter primário e constitutivo da articulação dos antagonismos.
A vida prática do Direito, 0 conflito de interpretações introduz
espaços de dúvida e ambigüidade que tornam impossível a caracterização
do jurídico como urna ordem objetiva. Trata-se de interpretações que
resultam de um conjunto de forças díspares que não respondem a
nenhuma lógica unificadora. Elas surgem como resultado de uma luta
que não se encontra garantida por nenhuma determinação “a priori”.
Quando se fala de objetividade, se está exaltando as possibilidades
de um “a priori” do Direito e da sociedade que negam o valor articulatorio
da história, na medida que toda objetividade pressupõe um componente
reiterativo que anula o sentido do novo e de suas articulações. Assim, a
27
objetividade nega o caráter histórico, político e conflitívo do novo.
Ao se falar de objetividade, a partir do paradigma dominante nas
ciências sociais, não se leva em consideração que a noção de objetividade
é simbólica, efeito de uma dicursividade onde contém sempre uma
articulação de antagonismos que determinam um estágio de contingências
(de imprevisibilidades), que a relativizam radicalmente. A realidade do
social e do jurídico é precisamente esta articulação de incertezas
contingentes e não a objetividade produzida contingentemente pelo
saber. O saber instituído escamoteia os processos de compreensão, os
antagonismos do real despertam sempre. Uma ilusão de clausura perfeita.
Uma segurança simulada, uma segurança que se fecha para as contigências
do novo na miragem das suas predeterminações.
Desta forma, o saber instituído do Direito serve para a formação de
um imaginário posto a serviço da produção das subjetividades alienadas.
Estas observações dizem respeito a um forte laço que se foi tecendo
entre o juridicismo que sustenta as crenças sobre o Estado de Direito e as
formas de um saber, que em nome da Ciência, postula a objetividade para
impedir a formação de novas identidades coletivas. Um jogo de conexões
ambíguas vai gerando um certo “clima”, um horizonte que faz possível
o conjunto das interpretações da lei: disfarçando o caráter político das
mesmas estratégias míticas, dissimulam o fato de que todo processo
interpretativo é sempre a manifestação de um poder. O exercício do poder
de produzir os sentidos de lei. No caso, um poder que, por outro lado, não
consegue, na perspectivajuridicista, transgredir a estrutura de dominação
que lhe outorgou tal faculdade.
Parece, todavia, que a finalidade da articulação do juridicismo como
o conhecimento pretende ser objetivo, e também, favorecer uma
despolitização crescente da sociedade.
O político precisa de espaço indefinido aberto ao devir dos sentidos.
O político, a democracia, como dimensão simbólica tem a ver com
produção dos sentidos de uma forma social, sentidos que são sempre uma
resultante dos antagonismos, nunca de uma determinação neutra e
distante, como pretendem as versões cientificistas do mundo funcionando
como dominantes no “senso comum teórico dos juristas’1?
O Direito é uma instância simbólica do político. Isto nunca pode ser
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negado se nossos desejos se encaminham para a produção de uma forma
social democrática. Não se podem materializaros sentidos de urna forma
social democrática sem uma referência forçosa do Direito. Negando o
papel simbólico do Direito produz-se um estado de despolitização
generalizada. Uma situação de máxima anarquia do social que poderá
levar ao totalitarismo (Tocqueville).
Primavera de 1987.
CAPÍTULO III
31
3.2 O que é definir
32
definição e, no entanto, o apresentam em diferentes graus com relação a
certos casos que a comunidade aceita como paradigmáticos. Então, surge
a dúvida, se o rótulo se aplica ao caso ou não.
Isto sucede, por exemplo, nos casos de aplicação dos termos: “gordo,
calvo e rico”. Quantos fios de cabelo deve ter um indivíduo para ser
considerado calvo? Quantos quilos deve pesar um homem para ser
considerado gordo? Quanto dinheiro deve ter um homem para ser
considerado rico?
Outras vezes, observa-se também, os casos nos quais se pretende
aplicar a palavra, não apresentam todas as características consideradas
como relevantes nos casos paradigmáticos; ou então, as apresenta todas,
mas com uma nova característica, ao ser levada em consideração, faz
com que nos sintamos inclinados a não usar o termo em vez de usá-los:
palhaço, seria um bom exemplo deste segundo tipo de problemas.
Por último, podería mencionar também certas palavras, onde não
sabemos quais características considerar relevantes para sua
caracterização, a propósito da valorização de quem as utiliza: mulher
bonita, bom pai de família, seriam exemplos desta problemática.
Os dois primeiros exemplos são tipicamente de vagueza da linguagem.
O terceiro podería ser considerado também como caso de vagueza,
embora (esta é minha opinião), possa ser pensado também como um caso
de ambigüidade por polissemia. Voltaremos a tratar o tema.
Em todos estes pressupostos, a única maneira de eliminar as dúvidas
é estabelecendo definições: explicativas para os dois primeiros casos, e
persuasivas para o terceiro.
33
d
34
pretende referir-se. Quando um indivíduo fornece os critérios de
relevância, no fundo ele está tentando conseguir que o receptor da
mensagem compartilhe a avaliação que o caso significa para o emissor.
Dizer que uma sentença é arbitrária, é a mesma coisa que dizer que ela
é ruim, que não compartilhamos de suas linhas de solução.
Os critérios de relevância destes termos bem como suas definições
se dão sempre em contextos de comunicação, quando é necessário
persuadir, ou quando se apresentam disputas verbais. São expressões de
significado anêmico ou nebuloso no uso corrente. As pessoas os utilizam
por serem de grande força de persuasão.
Assim, diz-se que “João da Silva é anarquista”. Desta forma ele é
desqualificado frente a uma audiência que não conhece muito bem o
significado “anarquista”, mas que, não obstante, intui que ser anarquista
não é coisa boa. Nos contextos polêmicos, persuasivos ou nos quais os
diferentes interlocutores entraram em disputa verbal, muitas vezes eles
utilizam estes termos com o propósito de adjudicar-lhes ad hoc um
significado descritivo, que permita dirigir o comportamento dos outros
de acordo com os seus interesses. Quando definimos um termo
apresentando como relevantes as características que nos permitem manter
intacto seu valor emotivo e, ao mesmo tempo, por seu intermédio, poder
orientar os valores favoráveis ou desfavoráveis que o uso do termo
implica, em relação às situações ou coisas às quais o termo pretende
referir-se, estamos proporcionando uma definição persuasiva.
Assim, as definições persuasivas têm a finalidade de cobrir com um
manto descritivo um desacordo valorativo, que fica encoberto pela
utilização de "uma definição com pretensões persuasivas. A definição
persuasiva, diz Carrió, é uma armadilha verbal dirigida ao receptor da
mensagem.
Formular uma definição persuasiva é, portanto, recomendar uma
idéia para mudar o significado descritivo de uma palavra sem mudar seu
significado emotivo. Se eu estiver interessado em destacar como
democrático um comportamento, vou redefinir “democracia” em função
de algumas características desse comportamento, para aproveitar o tom
laudatorio da palavra e fazer com que o receptor tenha a sensação de que
é um dos melhores comportamentos.
35
As expressões que proporcionam melhores definições persuasivas
são os termos que os lingüistas chamam de esteriótipos. No fundo, são
expressões de pura carga emotiva como: Ai ou Urra, que têm efeitos
operativos pela invocação de rótulo. Essas expressões podem ser
facilmente redefinidas em função de interesses.
Outras vezes, tenta-se com o esterjótipo destacar a importância de
certos aspectos, ou circunstâncias, que se consideram injustamente
desatendidos, e são colocados como significativamente relevante no
processo de definição persuasiva. Stevenson também as denomina de re-
enfáticas. Elas são equivalentes às definições explicativas antes
mencionadas. Inclusive, por isso, não haveria inconveniente em considerar
alguns tipos de definições explicativas como persuasivas. Isto ocorrería,
principalmente, na ação de interpretação da lei. Supondo que isto seja
verdadeiro, poder-se-ia afirmar que todas as definições judiciais são
definições persuasivas.
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Esta atividade judicial pode ser considerada como um que fazer que
tende a eliminar a vagueza dos termos. Mas, é urna vagueza produzida,
não por falta de uma descrição conotativa adequada, senão por ter-se
avaliado essa explicitação conotativa como injusta.
A vagueza dos termos jurídicos é, mais que urna incerteza denotativa,
urna incerteza valorativa.
Muitas vezes, operar com os termos-chaves das normas, não é, aos
olhos do juiz, uma técnica de argumentação adequada. Deixa, então, de
lado as definições explicativas, e introduz termos de pura carga emotiva.
Variáveis axiológicas, como se denominam em outros trabalhos. Essas
variáveis axiológicas (estado de necessidade, comportamento equilibrado,
abuso do direito, lacunas da lei etc.) permitem que o juiz junte à sua carga
emotiva as propriedades que considera importante destacar como
relevantes para o caso, e mudar assim a linha de soluções; produz uma
definição persuasiva desses termos, podendo dirimir convincentemente
neste caso, o conflito de interesses que tinha em mãos.
Quais são as diferenças para o julgador entre produzir uma definição
explicativa e uma definição persuasiva?
No caso das definições persuasivas logra-se uma solução de eqiiidade
sem que a norma receba uma carga de sentido que possa transferir-se às
outras aplicações jurídicas cotidianas dessas expressões. Geralmente os
códigos não definem a determinação das características relevantes, que
podem ser consideradas como paradigmáticas: as “centrais de inclusão”
são sempre fruto do trabalho dos doutrinários, dos professores e dos
juizes.
Quando um juiz proporciona uma definição explicativa, pelo peso
do precedente a característica de relevância introduzida fica cristalizada
e surge uma nova aplicação mais ou menos aceita.
37
#
38
sempre é manifesto. Muitas vezes seus destinatários não percebem as
mudanças de sentido propostas pelo emissor. Deste modo, os defeitos
endêmicos das palavras da lei cumprem importante função retórica em
relação às práticas tribunalícias. Constituem algumas das linhas
argumentativas utilizadas pelos juizes para alteraros critérios decisorios
predominantes, sob a aparência de estarem aplicando conteúdos fixados
pelo legislador. Determinar, por exemplo, que manter relações sexuais
ininterruptas com uma mulher diferente da esposa é uma propriedade
definitória da expressão mancebía, prevista no Direito Argentino, possui
conseqüência jurídicas específicas para a caracterização do adultério
naquele país. Diversas serão as conseqüências quando se exige a
concomitante manutenção econômica para o reconhecimento do delito.
Em outras palavras, aqui, a segunda propriedade poderá alterar a definição
do adultério.
Generalizando, é possível afirmar que ao se estabelecer que A, e não
B, é característica definitória de um termo contido na norma, está-se
alterando as conseqüências jurídicas da mesma. Noutra perspectiva
constata-se que nas definições jurídicas toda característica definitória é
também uma característica decisoria, isto é, forma parte da decisão.
Para compreender, entretanto, o funcionamento das estratégias
redefinitórias aprofundemos o exame das imprecisões da linguagem
normativa que caracterizamos sob os títulos de vagueza e ambigtiidade.
3.6 Vagueza
39
momento esmolar passa a ser uma atividade habitual? Como se vê todos
estes predicados descritos são de referência imprecisa.
Outras vezes se observa que situações ou objetos a que se pretende
aplicar uma palavra, não apresentam todas as notas consideradas relevantes
nos casos paradigmáticos, ou, ainda, que apresentando todas, uma nota
existe, que ao ser considerada nos sugere, ou não, usar o termo. Assim,
a simples emissão de um cheque com o conhecimento de que não existe
suficiente provisão de fundos é satisfatória para caracterizar o delito do
art. 171 § 2o, Inciso VI, do Código Penal Brasileiro? Ou é necessário que
o cheque seja apresentado ao Banco, constatando-se, então, que não
existe fundos, ou afinal, que não tenha sido pago até o oferecimento da
denúncia?
Noutra direção, percebemos a existência de palavras em relação às
quais não se sabe que notas considerar relevantes para sua caracterização
à margem das valorações de quem as utiliza. Exemplificam a referência
de expressões, mulher honesta (art. 215, 216, 219, do CPB), justificável
confiança (art. 217 do CPB), motivo fútil (art. 121 do CPB etc.)
Ora, os dois primeiros tipos de problemas examinados são tipicamente
casos de vagueza da linguagem. O último pode também ser considerado
uma situação de ambigüidade. Em todos eles, a única fórmula para
eliminar-se, transitoriamente, as dúvidas ou impressões, consiste em
estabelecer definições esclarecedoras. A definição esclarecedora ou
aclaratoria elude a vagueza realizando um processo através do qual se
explica o grau em que as notas devem existir nos objetos para serem
incluídos na classe. Quando se define, por exemplo, a reincidência
através de notas como a condenação por crime doloso, mais sentença
transitada em julgado e a prática de novo crime doloso sem que tenham
decorridos cinco anos entre este último crime e a extinção de punibilidade
decorrente da primeira condenação, está se eliminando a vagueza da
expressão recorrendo a uma definição aclaratoria. Identicamente quando
decido que a propriedade usualmente explicitada como definitória é
inadequada ou está ausente, incluindo ou excluindo desde então o caso
de uma classe, estou utilizando uma definição esclarecedora para
solucionar um problema de vagueza. A propósito, lembramos o que
ocorria antes da lei, quando se considerava a possibilidade de reincidência
40
específica entre furto, roubo, em que ora se afirmava que os crimes só
i tinham em comum o fato de “apropriar-se” nota insuficiente para
i caracterizar dois delitos da mesma espécie, ora se afirmava que tinham
i em comum, também, o atentar contra igual bem jurídico. Sendo, pois,
¡ comum o elemento intencional, era possível considerá-lo crimes da
i mesma natureza, e, logo, susceptível de reincidência específica. Vê-se,
i assim, que quando se decide mudar os critérios de relevância para os
componentes de uma classe, a definição aclaratoria produz em realidade,
! um verdadeiro processo de redefinição dos termos,
i Afinal, note-se que na produção de definições dentro do discurso
; judicial, a mudança dos critérios de relevância, ou a determinação do
¡ quantum em que devem estar presentes algumas propriedades, encontram-
se fundamentalmente predeterminadas por um juízo de valor, ou seja,
: aparecem ideologicamente condicionados.
í Veja-se, ainda que, definições aclaratorias, juridicamente produzidas,
1 não têm por finalidade superior dificuldades lingüísticas mas se aproveitam
¡ destas deficiências para fixar critérios definitórios e impor um sentido às
i palavras da lei que respeite decisões previamente estabelecidas. A
!' vagueza dos termos facilita, assim, a introdução de definições aclaratorias
i que possibilitam soluções retóricas para resolver divergencias, e, ainda,
permitem alterar os ámbitos de validez pessoal das normas, quer dizer,
o rol de sujeitos aos quais as mesmas se aplicam. A alteração do referido
r ámbito de validez pessoal realiza-se mediante a mudança das propriedades
que definem o conjunto de ações a que se referem as normas, isto é, sem
ámbito material de validez. E, tudo isto, como resulta claro, implica em
[ um processo de redefinição.
i
[■
3.6.1 Ambigüidade
41
$
42
3.7 Os modos indiretos de redefinir
43
consideradas ordinariamente constitutivas do delito, impondo outras que
tomam a ação justificada.
Vê-se, pois, que as variáveis axiológicas não apresentam uma clara
significação descritiva. Seu âmbito descritivo, na maior parte das vezes,
é semánticamente vazio ou anêmico. Elas proporcionam um esquema
formal, sem necessária constância significativa, que depende de processos
contextuáis de redefinição. Elas operam como desqualificadoras de
sentidos normalmente emprestados às expressões que se relacionam com
o caso, socorrendo-se de seu próprio significado emotivo. Ilustremos a
referência anterior com um exemplo onde instituição da lacuna aparece
como variável axiológica: antiga lei argentina dispõe ser proibida a
adoção quando o adotante possui filhos legítimos ou naturais: ora,
entendeu a jurisprudência local que havia falta de previsão legislativa
para resolver a situação de um casal com filhos legítimos ou naturais
maiores de idade, quando estes dessem consentimento para a adoção.
Nesta hipótese, a maioridade e o consentimento tomaram-se notas de um
peso tal que orientaram a exclusão do caso do âmbito das situações
proibidas pela norma. Nota-se, entretanto, que em nosso exemplo não se
poderia dizer que a lei não contempla uma solução para o problema.
Claramente proíbe a adoção nos casos de adotantes com filhos. Critérios
valorativos, porém determinaram que a nota proibitiva convencionada
devia tomar-se irrelevante para o caso. Aqui, a lacuna passou a significar
a ausência na lei de notas que deviam ter relevância para a solução do
caso. Dito de outro modo não se tratava na hipótese de ausência de
solução legal mas de uma solução norm ativa valorativam ente
insatisfatória. A expressão lacuna foi, então, retoricamente utilizada
como uma variável axiológica.
Para obter efeito idêntico, e em vez de utilizar a variável da lacuna,
os juizes poderíam estabelecer o sentido do termo adoção afirmando que
a expressão legal não se refere à inclusão no grupo familiar de um
membro não consangüíneo, dado o consentimento dos consanguíneos
maiores. Deste modo estariam provocando um processo direto de
redefinição.
Ora, a escolha de uma ou outra técnica sempre *se baseia em
conveniências de índole argumentativa, na eficiência retórica da escolha.
44
No caso a variável lacuna pareceu aos juizes argentinos mais persuasiva.
O processo redefinitório direto violentaria flagrantemente o uso
convencional da expressão dificultando a produção do efeito de segurança
que as decisões judiciais necessitam apresentar.
Afinal, recorde-se que através do emprego das variáveis axiológicas
o processo definitório é simultaneamente indireto e manifesto. Apesar de
notória a utilização da variável, ela própria obscurece a circunstância de
instaurar uma nova linha decisoria para o caso.
45
3.7.3 A a d je tiv a ç ã o d e s q u a lific a d o r a
46
os juízos de valor apresentam-se como afirmações sobre fatos.
Consequentemente, os desacordos sobre os juízos de valor relativos aos
fatos apresentam-se como um mero desacordo sobre os mesmos. Quando
um juiz entende que um conjunto de fatos configura uma situação
normativa típica, alega sua comprovação empírica valorando os mesmos
e argumentando sobre a possibilidade de valorá-los de outra forma.
Retoricamente, pois, para solucionar um problema ideológico, apelando
à coisificação de seu juízo de valor, apresenta o juiz sua valorações corno
dados susceptíveis de uma apreciação empírica. Neste jogo, os fatos
adquirem as propriedades descritivas convencionadas para os termos
técnicos a que se recorre para interpretá-los, configurando-se um velado
processo redefinitório.
Lembre-se, enfim, que nas práticas judiciais, muitas vezes não existe
qualquer desacordo sobre os fatos. Situações ocorrem onde todos os
protagonistas do conflito social aceitam a existência dos mesmos fatos.
Mas tal circunstância, por si só, não determina a superação do conflito.
E que pode subsistir um desacordo relativamente ao modo pelo qual esses
fatos são valorados. Ocorreria, assim, um desacordo sobre as
conseqüências que se depreende destes fatos.
Charles Stevenson chama aos aludidos desacordos valorativos
“desacordo sobre atitudes” e reserva a expressão “desacordo sobre as
crenças” para referir os desacordos relativos aos fatos. Seguindo sua
terminologia, podemos dizer que na apreciação da prova, existe muitas
vezes, um mero desacordo sobre atitudes.
47
Ora, a decisão normativa desta ambigüidade não é de ordem
gramatical. Quem argumenta nas práticas judiciais, aproveitar-se-á desta
situação equívoca para construir o âmbito pessoal de validez da norma
segundo preferência valorativas.
Outras vezes a redefinição ocorre alterando-se a relação da norma
com o restante do sistema de direito positivo. Vinculando a norma a um
conjunto parcial “A” de normas, ou a outro conjunto parcial “B”, o
sentido da norma de transmuda. Este é o caso da alteração na ordem dos
artigos de um Código com os efeitos jurídicos que ele gera.
No direito penal, por exemplo, onde os bens jurídicos mantém com
as normas do Título uma certa relação significativa, é sabido que a
própria dogmática autoriza a mudança do bem jurídico. Assim quando
vinculo a norma do estupro ao bem jurídico “liberdade sexual” constato
certos efeitos jurídicos. Se diversamente a vinculo ao bem “integridade
física” outros serão os efeitos. As relações sintáticas que elejo realizar
determinam, pois, o sentido de uma norma e suas alterações operam
como formas de redefinição indireta.
3.8 Conclusões
48
decide a inclusão de um caso a uma classe, incontestavelmente está sendo
feita uma operação analógica. Definir é sempre fazer analogia, claro que
de urna forma bastante encoberta. E isto é tão encoberto, que a proibição
da interpretação analógica é um dos pilares do principio da reserva legal,
esquema axiológico, eixo do processo penal democrático, apesar de que
os juizes penais, quando interpretam, definem.
Inverno de 1977.
49
CAPÍTULO IV
51
do modelo racionalista. Por isso mesmo a concepção formalista do
direito, pelo menos no sistema jurídico continental, segue sendo mais
importante que a realista.
Também, os juristas práticos em seu trabalho e argumentação
cotidiana utilizam a retórica formalista. Algumas vezes, entretanto,
recorrem a uma linha argumentativa diferente que lhes exige formas
muito complexas de raciocínio. Nesta última hipótese são obrigados a
realizar um forte apelo à emotividade de seus receptores, simulando
algum tipo de coincidência valorativa.
52
Adjudicam os formalistas à linguagem do direito positivo as propriedades
de uma linguagem formalizada e ideologizada, e com base nestas
caracterizações concebem a racionalidade plena e absoluta do
ordenamento legal. Fantasiam para à linguagem normativa atributos -
que o positivismo lógico adjudica à linguagem científica - impossíveis.
Criam, pois, uma ilusão, ou uma aparência de realidade, em relação a
duas afirmações fictícias: a de que a ordem jurídica oferece segurança e,
depois, que o legislador é sempre racional em suas determinações e
prescrições. A interpretação como uma utopia semiológica já realizada
desde sempre. “O sonho americano” do direito.
Veja-se, ainda, que para o formalismo a idéia de justiça aparece,
estreitamente vinculada à preservação do valor segurança, o qual se
materializano conceito de legalidade. Uma decisão será justa se for legal,
vale dizer, se puder ser logicamente derivada das normas gerais. Em
conseqüência, são desqualificadas, de plano, as possibilidades de
introduzir-se soluções fundadas em critérios extralegais, baseados na
realidade social, o que, evidentemente, não deixa de ser uma visão
idealizada da atividade judicial e científica do direito.
55
condutas proibidas e permitidas. O homem comum não pode ter
dúvidas nem temores em relação a ser sancionados por uma conduta
permitida pelo ordenamento jurídico *.
56
4.5 As tendencias Realistas
57
Não interessaria, portanto, saber o que as normas dizem, senão o que
os juizes dizem que as normas afirmam.
As teorias jurídicas não devem ocupar-se de construir um mundo
fantasmagórico de entidades jurídicas supralegais (segundo expressão
de Cohén), senão de realizar profecias sobre a atividade judicial. Os
conceitos jurídicos devem ser redefinidos com base nas decisões judiciais.
E estas serão vistas como explicitação de pautas de conduta judicial.
Desse modo se pode sati sfazer as pretensões epistemológicas do empirismo
lógico obtendo-se uma base empírica para a ciência jurídica.
O movimento realista desenvolve-se atendendo a alguns objtivos
epistemológicos; quer desterrar a metafísica das teorias jurídicas.
Manifesta para tanto uma incondicional adesão às bandeiras do
neopositivismo. Busca assim estabelecer uma ciência jurídica com base
empírica. Todo enunciado, conceito ou princípio terá estatuto científico
para o direito na medida em que tenha correspondência com os fatos ou
dê uma informação sobre o mundo.
A atividade científica do jurista será, portanto, uma atividade
exclusivamente lingüística. Fazer ciência nesta área é estabelecer as
condições lógicas para o funcionamento da linguagem jurídica.
Baseando-se nos ensinamentos do positivismo lógico crêem os
realistas que as únicas expressões que podem ser cientificamente teorizadas
são as que aparecem referendadas por uma condição semântica de
sentido. As normas jurídicas e os conceitos dogmáticos não satisfazem
tal condição devendo portanto ser excluídos de um tratamento científico.
Uma ciência baseada em fatos deve apenas ocupar-se das
conseqüências sociais das relações jurídicas e das decisões dos órgãos a
seu respeito. Afirmar que existe uma relação jurídica entre A e B, pois,
efetuar uma predição sobre o que a sociedade, atuando através de seus
tribunais, ou de seus órgãos executivos, fará ou não em favor de um e
contra o outro.
Certo é que a posição epistemológica do realismo brevemente
exposta (talvez de algum modo distorcida por minha interpretação
valorativa da mesma) serviu para desnudar a mensagem ideológica do
formalismo, destruir o mito da segurança jurídica e alertar-nos sobre as
propriedades da linguagem em que as normas são formuladas, revelando
58
a função prescritiva não manifesta das correntes doutrinárias e dos
tribunais. Serviu, também, para mostrar-nos, ao sublinhar e flexibilidade
significativa da linguagem jurídica, a necessidade de contrapor à segurança
do valor eqüidade. Tal valor, muitas vezes, não pode ser satisfeito quando
se acredita que a ordem positiva proporciona uma segurança absoluta, e
aqui já enunciamos uma conclusão que pode ser extraída mediante uma
leitura conotativa das premissas do realismo.
O ceticismo desta corrente frente às normas não deve ser entendido
negativamente pois se pode ver que por tal caminho o julgador rompe
com o culto da legalidade formal em benéfico da eqüidade. Destruído o
fetiche da segurança deixar-se-ia de identificar o justo com o legal.
Desaparecendo essa identificação, haverá menos inconveniente em
colocar o direito a serviço dos processos de transformação social.
Daí porque, se insiste no caráter relativamente progressista que pode
ser atribuido ao realismo. Exaltando o valor segurança o racionalismo
pagaria como preço o debilitamento das possibilidades de eqüidade. Para
o realismo este seria um preço desnecessário porque a segurança, jurídica
é inalcansável em sua concreçâo mítica. Sua ilusão, todavia, nos engana
de forma tal em muitas circunstâncias a plena realização da eqüidade.
Ora, esta parcial lucidez do realismo não nos deve fazer esquecer o
conjunto de conseqüências imaginárias produzidas por suas posturas:
junto a excessiva ênfase colocada sobre os componentes irracionais das
decisões judiciais, seu ceticismo sobre o papel das normas e as distorções
efetuadas sobre as teses empiristas.
Em relação a este último ponto adverti em alguns trabalhos anteriores
a incongruência em que se põem alguns realistas quando afirmam que a
linguagem em que as normas jurídicas são produzidas é a linguagem
ordinária e negam significação a seus enunciados recorrendo à condição
semântica de sentido.
Ocorre que o positivismo lógico não utiliza a condição semântica
para a análise da linguagem ordinária. A aplicação da condição semântica
efetuada pelo realismo tem portanto só um valor retórico. Serve para pôr
em xeque os significados das normas gerais e erigir o culto do julgador.
Como já se disse, entretanto, a tensão entre as duas correntes
permitiu:
59
a) destruir em parte a visão ideológica que os juizes têm de sua
própria atividade;
b) facilidades no surgimento de interessantes teses intermediárias.
Em conseqüência toma-se possível que a partir de uma visão mais
realista de suas funções sociais os órgãos judiciais adotem comportamentos
menos preconceituosos.
Muitas vezes, em razão da visão imaginária de sua própria atividade
o juiz violenta seus juízos de valor relativamente às decisões que adota,
pensando que está impossibilitado de concretizá-los por existir um
consenso valorativo contrário, erigido retoricamente cpmo fiel intérprete
da legalidade formal.
60
4.7 Finalmente, e antes de analisar as posturas intermediárias,
façamos um quadro comparativo das duas
Linguagem do direito po Afirma ser uma linguagem Afirma estar formulada em
sitivo lógico-fformal, portanto, linguagem natural, portan
unívoco e precisa to, vaga e ambigua.
Aos valores que devem pre Exaltam o valor seguran Exaltam o valor eqüidade.
valecer ça. que poderá ser satisfeito se
nos apegamos excessiva
mente ao fetiche da segu
rança.
61
4.8 Teses Intemediárias
62
Quando o juiz aprecia os fatos submetidos à sua consideração, ou
define as-palavras das normas gerais, toma em conta para efetivar tais
processos argumentos extranormativos que não explicita, mas que operam
como condições necessárias para a apreciação dos fatos ou para seleção
da propriedades definitórias destas palavras. Outras vezes tais
condicionamentos ideológicos, extranormativos, são acolhidos mediante
o emprego de expressões valorativas, termos sem significação definida
que podem, graças a essas indefinição, canalizar tais significações
ideológicas. O próprio ordenamento positivo proporciona ao julgador
um repertório destas expressões: abuso de direito, ordem pública, lacunas
da lei, bons costumes, etc. Assim a admissão de variáveis axiológicas
pela legislação pode ser interpretada como um diretriz ao órgão aplicador
no sentido de que se encontra autorizado a apartar-se dos conteúdos
predeterminados no ordenamento.
A tensão valorativa entre a segurança e a eqüidade dilui-se
argumentativamente na medida em que se preserva uma aparente
segurança, na medida em que se mostra retoricamente que as soluções de
eqüidade, as divergências decisorias, são produtos derivados e controlados
pelo próprio sistema. Os componentes irracionais das decisões não criam
insegurança enquanto podem ser ideologicamente sentidos como
racionais.
O pensamento judicial estaria, portanto, determinado tanto por
fundamentos racionais, como por fatores extranormativos, às vezes
irracionais (intuição, juízos de valor latentes etc.). O formalismo invocando
exclusivamente as fontes formais das decisões, e apresentando o direito
positivo como o oniprevalente, exaltaria demasiadamente fatores
racionais. O realismo, em oposição, em seu afã de exaltar os fatores
extranormativos subtrai todo o valor às referidas fontes formais. Provoca,
desta forma, uma visão irracionalista do direito positivo.
Lingüisticamente, através das categorias de língua e fala, dos
conceitos de significação de base e significação contextual, chega-se
também a uma explicação que harmoniza este processo. Nem as normas
gerais determinam toda a significação, nem contrariamente são vazias de
sentido. Elas reassumem sua significação plena no ato de sentenciar. Isto
ocorre porque todo processo comunicacional é integrado por duas
63
instâncias: a abstrata e a contextual. A abstrata é a significação
comunitariamente elaborada para servir como código à produção
específica de mensagem, e a contextual, de comunicação efetiva, é
aquela onde esse sentido de base completa-se com os propósitos dos
emissores e receptores, assim como de seu condicionamentos sociais.
Realistas e formalistas não levaram em conta esta correlação forçosa.
Viram a linguagem jurídica como uma pura significação de base (as
normas) ou uma pura significação contextual (as sentenças). Ambas são
teses lingüísticas falsas.
Inverno de 1973.
64
CAPÍTULO V
5.1 Introdução
* Este texto foi escrito em colaboração com meu pa¡ Simón Warat, 1984.
65
dogmática, caracterizada principalmente pelo culto ao texto legislativo
e a identificação do direito com o ordenamento jurídico estabelecido. Tal
concepção, ideológica e poli ticamente determinada, preside praticamente
a todos os métodos que vamos analisar, aceitando, desde logo, distintas
diferenciações teóricas e técnicas, aparentemente dirigidas contra a
dogmática, mas que, na realidade, somente tratam de revitalizá-la, sem
possibilidade de sua transformação e sem afetar seus dogmas
fundamentais.
66
Modernamente, se entende que o uso do método gramatical supõe a
remissão, a usos acadêmicos da linguagem, contidos em repertorios
oficiais da língua, o que caracteriza o recurso a certos padrões culturais.
67
sentido literal de um termo jurídico à lógica e à razão é conseqüência da
idéia que os juristas tinham sobre o caráter perfeito e acabado do Código
de Napoleão.
O método gramatical é empregado implicitamente em toda
interpretação da lei, constituindo o mito de sua suficiencia. O método
literal oculta o vies ideológico, por isso, resulta manifesta a sua ineficácia
e sua impotência para a resolução dos problemas jurídicos, que não se
apresentam unicamente no plano abstrato e conceituai.
68
do legislador proclama-se a racionalidade e onipotência do poder
legislativo. O espirito do legislador nos sugere uma hiperealidade
normativa e por conseguinte, perfeito e infalível. A vontade do legislador
é o efeito de consistencia que o método exegético propõe como critério
de organização de alguns discursos institucionais do direito. E a formula
mágica, que a escola da exegese propõe para reproduzir o mito da perfeita
racionalidade legislativa, para oferecer na instância da interpretação
fascínio por uma vontade unívocamente simulada.
69
0
70
romano. Somente a historia une o povo alemão, e a esta recorre Saviagny
para fundar seu método de interpretação da lei. Psicanalicamente falando:
o contrato narcísico como fonte do direito: o conjunto de vozes que
permitem ao sujeito o acesso a uma historicidade compartilhada.
O método histórico não se cinge a um direito codificado, mas admite
o concurso de costumes como fonte originária do direito, ao qual deve
necessariamente remeter-se o interprete no processo decisorio.
Os costumes, a tradição comum, a historia, o espirito, é o que une o
povo alemão, e não um código comum, um texto legal, ao qual há que
render um culto reverencial, quase sagrado, como ocorreu na França com
o Código de Napoleão. O direito não está na lei escrita, mas se origina no
povo, em sua historia, em seus costumes, e é a projeção e encarnação de
seu espirito, segundo Puchta, discípulo de Savigny.
Levanta-se um novo fetiche que substancializa as ansias ideológicas
e políticas e as especulações jurídicas de um povo, aparenta buscar sua
unificação no plano ideal. Por isso, põe em relevo o aspecto histórico
como o fundamental para a interpretação da lei, que não deriva da razão,
nem pode plasmar-se de urna vez por todas em um texto legal, em um
código lógico e racionalmente concebido e elaborado, com urna
racionalidade abstrata e desvinculada da historia, da tradição, do costume
e do passado, da “consciência jurídica popular”, do “espírito geral que
anima a todos os homens de um povo”, segundo certas expressões
retóricas evidenciadas pela escola histórica do direito. A fantasia coletiva
da unidade empregada como fonte de direito é a ilusão de um direito a
margem da exploração.
71
Para o método exegético o Direito Positivo é produto da razão, obra
perfeita do legislador, imutável e unívoco, enquanto que para a escola
histórica, o Direito Positivo é produto da historia e sofre as mudanças e
as transformações que lhe impõe o tempo.
Se o método exegético recorre à vontade do legislador para estabelecer
a significação unívoca de urna norma legal, o método histórico apela para
a “consciência jurídica social”, que origina o direito e o sustenta. O
Direito é anterior ao Estado, que já pressupõe a existencia jurídica. Mas
tal concepção segundo a escola histórica não se aplica ao Estado
moderno, no qual o Direito Positivo se exterioriza na lei escrita, que
requer um tratamento científico e lógico para eliminar as incertezas e
legitimar a significação no processo decisorio. Desse modo, resulta
evidente como o método histórico se aproxima do exegético, quase para
confundir-se com ele. Ainda mais, o método histórico, rapidamente,
começa a valorar os aspectos lógicos, dogmático e o sistemático na
aplicação e interpretação da lei escrita.
Para o método hi stórico, a interpretação da lei consiste na reconstrução
do pensamento contido na lei, e a tal efeito deve recorrer-se à análise
gramatical, lógica, histórica e sistemática. Para Savigny a historia e a
sistematização são as bases sobre as quais baseia-se a ciencia do direito,
e desde logo, a interpretação da lei.
O método histórico mantém a neutralidade do juiz, que fica submetido
à lei, sustentando-se, portanto, a significação unívoca da norma legal.
Nisso também coincide com o método exegético.
72
direito faz desnecessária a busca de qualquer outro fundamento para o
mesmo. As normas contrárias ao “espírito do povo” devem ser
consideradas injustas.
Desde logo se percebe que a base histórica da escola é ideológica. Os
fenômenos jurídicos são produtos de um determinismo causai, pensado
ilusoriamente como o melhor caminho para a compreensão do presente
e do passado. Por outra parte, os aspectos sociais não são explicados por
seus determinantes, mas relacionados metafisicamente com o espírito do
povo. A grande preocupação da escola não é a de compreender os
conflitos sociais em um determ inado momento mas ligá-los
repressivamente com o passado. Assim, o Direito é algo natural que deve
ser captado por atos de intuição (ideológica). Daí porque os partidários
do método histórico consideram que a lei não é jurisprudencialmente
construída, mas compreendida pelo juiz a partir do método histórico,
único adequado para tal finalidade.
O método histórico, contrariamente ao exegético, não põe em
primeiro plano a lei escrita. Interessa-se mais pelos costumes, visto como
a fonte determinante da organização jurídica da sociedade. Aprofundando
nossa reflexão, diríamos que o costume é visto pela escola histórica como
uma entidade metafísica, uma estrutura eterna e presente em nosso
espírito, eticamente incorruptível. Um já-dito-desde-sempre que impede
aceitar o devir transformador de uma sociedade que se pensa a si mesma
como instituinte.
Logo, se compreende que o senso comum teórico da escola histórica
funciona como um conjunto de ideologias práticas, normas que disciplinam
ideologicamente o trabalho interpretativo. Então, o método histórico
difundido pela escola que examinamos não permitiu a compreensão do
sentido histórico dos dados, porque sob o impulso de certas idéias
substancializadas (povo, nação etc.) fomentou uma compreensão
ideológica dos mesmos. A história imobilizada como lugar ilusório da
certeza. Sintetizando, esteve a escola histórica mais preocupada por um
conhecimento ilusório da história, que por sua explicação.
Curiosamente podemos constatar que as concepções da escola,
nascida como reação ao racionalismo de sua época, se converteram em
ponta de lança do conceitualismo jurídico, que culminam com
73
sistematizaçao de Windscheid, artífice da jurisprudência de conceitos,
que deixa marcas indeléveis no Código Civil alemão.
74
O método comparado somente amplia o âmbito conceituai da
significação jurídica no processo interpretativo da lei escrita, estendendo
seus limites por todo o universo do direito comparado, mas não atende os
fluxos de sentido que atravesem a lei desde os diversos lugares do poder
social.
75
procedimento racional não é suficiente para penetrar e descobrir as
relações contingentes da vida, a intuição (ideologia), também é convidada
para desempenhar um papel importante.
Para Geny o direito está metodológicamente condenado a uma
irremediável inferioridade frente às ciências formais e fácticas, motivo
pelo qual é necessário reunir todos os meios de reflexão e investigação,
capazes de contribuir para superar tais deficiências e preencher as
invevitáveis lacunas entre a ordem legal e as novas e espontâneas
maneiras que vão produzindo os homens em suas formas de convivências.
Ademais, para o autor, a lei não é a única fonte do direito, apesar de
reconhecê-la como a mais importante, acrescentando que somente se
deve recorrer à outras fontes, quando ela, a lei, não soluciona expressamente
o caso. As outras fontes, às quais se deve recorrer para preencher as
lacunas da lei, estariam divididas em dois grupos: a) formais (costumes,
jurisprudência, doutrina e tradição); b) não formais (provenientes de
dados racionais e idéias ditadas pelo direito natural: as regras da razão
que derivam da natureza humana assim como o conjunto de aspirações
humana desejadas para a organização social).
Frente às fontes não formais Geny confere ao juiz uma faculdade
constitutivas de sentidos, sobre a base de uma investigação livre, que
descubra os dados racionais e ideais. A escola histórica não levanta
bandeiras de ceticismo frente à lei, mas procura sua adaptabilidade social
em tudo aquilo que possa ter de insuficiente.
76
De certo modo, Geny postula frente ao caráter dogmático do método
exegético, urna postura de investigação baseada nos aportes da ciência de
sua época. Propõe que sem freios nem ataduras das velhas concepções
jurídicas, possa desdogmatizar a dogmática para revitalizá-la, colocando-
a à altura de seu tempo.
Geny não percebe que as lacunas que ele detecta no direito positivo,
não se devem, na realidade, à ausência de uma norma legal aplicável, mas
pelo contrário à resistência em recorrer a uma disposição normativa que
se desaprova axiológica, ideológica ou politicamente, e que a alterabilidade
das significações jurídicas permite substituir por uma decisão judicial
que simule ser alternativa.
O método científico é mais importante pelos efeitos que produziu,
do que por seu contéudo. Não abandona o culto à lei escrita, ataca o mito
da perfeita racionalidade da lei e de sua univocidade significativa.
Somente percebe a insuficiência do ordenamento jurídico estabelecido
pelas lacunas que nele se encontra, e que permite preencher no processo
decisorio mediante a livre investigação científica por parte do intérprete,
mas sem renunciar tampouco ao mito da neutralidade do juiz.
No método científico há urna grande apelação ao social e à moral,
mas somente para completar o direito positivo, para preencher suas
lacunas, para remediar suas discrepâncias, mas não para transformá-lo.
O método científico revitaliza a dogmática mas não a abandona. Constitui
um marco na historia da metodologia interpretativa. Assinala o caminho
para a leitura ideológica do discurso jurídico mas não o realiza. Privilegia
o âmbito conceituai da significação jurídica, o que abscurece o fluxo
ideológico do sentido.
77
m
78
Destaca a importancia das instituições sociais, que originam as regras de
direito. Contrariamente à posição de Duguit, rechaçava as concepções
metafísicas e a validez de categorias absolutas, Hauriou se inclina para
a necessidade da existência de urna disciplina de controle sobre o
jurídico, trate de inquirir os princípios de justiça, a investigação
sociológica é incapaz de proporcionar. Desse modo, o método sociológico,
tem privilegiado grandemente o âmbito referencial da significação
jurídica, abre suas portas, ainda que timidamente, à valoração axiológica
e ideológica.
O surgimento da sociologia como atividade científica exerceu
forçosamente grande influência sobre a metodologia do direito. Spencer,
Comte, Oppenheimer, Max Weber, direta ou indiretamente influiram no
estudo do direito. E o produto destas idéias é o sociologismo jurídico.
Representa o método desta escola a assimilação por parte dos
juristas de diversos tipos de métodos utilizados pela sociologia e,
portanto, a reprodução de tipos de investigação sociológica baseados na
observação, experimentação, comparação dos fatos, etc. No campo do
direito tal método substitui o positivismo normad vista por um positivismo
sociológico, privilegiando os fatos em relação com as normas legais.
Diferentemente da escola científica francesa que procura transcender as
normas positivas com respostas metafísicas e que invoca principios
superiores e inquestionáveis da razão, o positivismo sociológico se
esforça por penetrar mais o plano da realidade, afastando-se das normas
jurídicas positivas. Seu método se baseia em Durkheim e na tipologia
jurídica de Weber, afirmando a necessidade de valorizar o conteúdo
sociológico das normas. Contudo aqui a compreensão dos elementos
sociais e ideológicos da norma cede á discussão de seus determinantes
ou, ainda, o fato social é escolhido e interpretado como unidade completa
(fato-coisa) em vez de ser analisado em seu contexto. Assim, o método
do positivismo sociológico ao apelar à uma teoria sociológica baseada no
sentido comum não deixa de ser um discurso ideológico e empirista sobre
a interpretação da lei.
79
5.8 Escola do direito livre
80
órgão carismático, um intermediador de uma pretensa e perdurável
sacralídade, porquanto se afirma realmente a necessidade de interpretar
a vontade psicológica do juiz. Seria mais admissível, se essa vontade
metafísica e substancializadora via magistratura fosse uma referência
simbólica ao fato de que o juiz no processo representa e personifica com
seu comportamento as vozes ideológicas da sociedade. Mas não se vê ao
juiz como um mero suporte das representações ideológicas da comunidade
mas como um sujeito autônomo de decisão, somente condicionado por
seus anseios de justiça. Dessa maneira a ideologia é aludida (na vontade
judicial) mas evitada ao não mostrar o juiz como membro de setores
sociais e de grupos de interesses. A apresentação neutra da magistratura
permite precisamente assegurar o exercício do poder por quem o detenha.
Por outra parte, a escola do direito livre admite implicitamente a
relatividade da significação jurídica da lei. Esta já não se cristaliza no
texto legal, que pode permanecer inalterável no tempo. Sua significação
refencial e valorativa já não é fixada pelo emissor do discurso jurídico,
mas estabelecida por seu receptor e mais precisamente pelo órgão
judicial no ato da interpretação da lei. Como se pode observar do
anteriormente relatado os atuais partidários do uso alternativo do direito
não inventaram nada simplesmente oferecem no fim do século XX ,a
volta à Escola do Direito Livre.
82
Tauto em Pound como em Heck, a determinação ou o reconhecimento
dos interesses sociais deve ser medido conforme critérios de urna
sociologia empírica. Pound expressamente coloca como centro de sua
reflexão a noção de interesse social, que para ele implica a necessidade
de que o direito, por meio de atos de decisão, consiga a máxima satisfação
das necessidades ou expectativas humanas. Considera que é preciso
estabelecer que a tarefa do controle social e também da lei, é conciliar e
ajustar, tanto quanto seja possível, desejos, necessidades, expectativas,
interesses e esforços realizativos. Para Pound, é possível prover-se para
fins práticos de ajustes sistemáticos e regulações razoáveis de
conformidade com certas técnicas de autoridade, configurando-se assim
o processo de ingerência social.
A jurisprudência de interesse (Heck) e a teoria do interesse social
(Pound) se levantam contra a jurisprudência de conceitos, que sustenta
a idéia de que toda interpretação da lei se reduz a urna operação lógica e
autônoma, desvinculada do legislador histórico. A jurisprudência de
conceitos é uma das formas mais acabadas do racionalismo; seu modelo
é o matemático (Windscheid). Seu objetivo é o desenvolvimento do
direito positivo até conseguir um sistema lógico fechado de conceitos,
nos quais um conceito geral supremo permite, a partir dele desenvolver
os demais conceitos particulares.
Tanto para Heck como para Pound os problemas do direito devem
ser orientados, em primeiro lugar, para a vida, sendo necessário subtraí-
lo ao primado da lógica. A jurisprudência de interesses não descarta a
conceitualização, que é necessária para o conhecimento do direito, mas
a subordina à reálidade concreta, aos interesses vitais, aos fatos sociais,
que constituem as fontes da produção jurídica.
Desde o ponto de vista argumentativo, a noção do interesse social
pode ser considerada como estereótipo ou variável axiológica, uma
desculpa para, mediante a invocação do interesse social, obter uma
alteração significativa dos termos legais, desqualificar como contrária a
dito interesse, uma solução - até agora - aceita ou predominante em
relação ao texto legal.
A dificuldade repousa em encontrar um padrão ou critério
qualificador, que determine o interesse social que merece ser protegido
83
ou privilegiado. Em geral, cada setor social identifica seu interesse com
o interesse social. O problema se resolve, na prática, pela imposição do
poder político com que conta cada setor, que o permite erigir em interesse
social seu próprio e particular interesse, muitas vezes disputado com
aquele.
84
O realismo norte-americano revela assim, em relação com o
normativismo dogmático, um exagero de signo contrário. As normas
para esta escola já não dizem tudo, não possuem juridicamente valor
algum. Sua crítica ao positivismo normativo se baseia, principalmente,
em uma análise linguística. Cometem, entretanto, um sério erro
semiológico ao reinvindicar a correspondência com os fatos como
critérios de sentido, sem contar para isso com uma linguagem previamente
elucidada, que transcenda a textura da linguagem natural. Admite que o
direito se move dentro da estrutura da linguagem natural, não podendo,
portanto, aplicar aquela correspondência, como o ensina Tarsky. Mas os
realistas não entenderam bem a seu mestre e incorrem em uma dessas
antinomias que tanto criticaram nas escolas tradicionais.
De qualquer modo, constitui uma contribuição interessante da
escola sublinhar em sua análise interpretativa os fatores econômicos,
ideológicos e psicológicos, que intervém na formulação significativa das
normas. Desse modo, se descarta a idéia da inalterabilidade da significação
dos textos legais, se reafirma sua dependência ao receptor da mensagem
jurídica. Daí também deriva a excessiva preponderância que se atribui às
decisões judiciais na interpretação das normas legais.
Ross, por sua parte, situa como principal problema do direito o
dualismo entre realidade e validez, que procura superar. Diferentemente
do realismo norte-americano, não nega o aspecto normativo do direito
em termos de validez, mas o correlaciona com a eficácia. Validez e
eficácia seriam, pois, termos em correlação forçada, devendo sempre
colocar-se o acento sobre a eficácia, que não somente é condição de
validez, mas também a única via capaz de tornar significativa esta última
expressão. Desse modo, a alterabilidade significativa da lei não depende
tanto da decisão judicial, senão pelo contrário do consenso geral, que
modela sua eficácia.
85
fenômeno jurídico por excelência. O objeto do direito, não são as normas,
mas a conduta em interferência intersubjetiva. O método que se deve
utilizar para a tarefa interpretativa é o empírico-dialético, que oferece a
possibilidade de obter não somente a compreensão da conduta, mas
também sua valoração. Os juristas não interpretam, portanto, a lei mas a
conduta através da lei. O interprete não deve preocupar-se somente pelo
sentido genérico das normas, mas também pelos atos de conduta aos
quais concretamente apontam as normas. Para Cossio, o ato de
interpretação seria, pois, um ato de sentido axiologicamente condicionado.
A escola egológica encontra nos fenômenos jurídicos, três
ingredientes clássicos: os fatos, a norma e o valor, que analisam a partir
da sentença judicial, realidade jurídica concreta e positiva, que nutre o
método egológico.
A escola egológica responde a um enfoque fenomenal com o qual
empreende a análise das decisões judiciais, que recaem não somente
sobre a situação fática mas também sobre a significação da disposições
legais vigentes e sobre sua valoração axiológica, que o órgão jurisdicíonal
determina em cada caso.
Para a escola egológica o objeto do direito não se limita às normas,
mas que abarca a conduta intersubjetiva, com o qual se aproxima a escola
do positivismo fáctico e cria a necessidade de uma análise interdisciplinária
do direito. Desse modo, a escola egológica se opõe à teoria kelseniana e
à jurisprudência dos conceitos, e se inclina, pelo contrário, para o método
científico e ao sociológico positivista na interpretação e aplicação da lei.
Desta forma a análise axiológica, que a escola egológica aplica ao direito,
não faz mais que acentuar seu positivismo, já que sua valoração jurídica
é intrasistemática e não transcende para valores meta-jurídicos.
86
pensamento opinável ou problemático. Este recorre a uma técnica de
pensamentos por problemas nascidos no campo da retórica e distinta da
aplicada ao pensamento dedutivo sistemático vigente em outras ciências.
Para a tópica, a realidade jurídica é problemática por estar ligada ao
agir humano, que não responde ao esquema causa-efeito, nem ao outro:
estímulo-resposta, que não é automático, nem necessário, mas
simplesmente possível, provável e imprevisível. A imprevisibilidade da
conduta humana é causa da problemática jurídica. Através da tópica se
desenvolve uma teoria sobre a problemática jurídica e a atividade
judicial. A tópica é a metodologia preparada para resolver problemas,
situações duvidosas e incertas, questões opináveis, não inteiramente
certas, prováveis ou possíveis.
A tópica é a retórica moderna, levada ao campo jurídico, seguindo
o caminho já traçado em tal sentido por Cicerón, quem a vinculou com
a oratória. Por isso, os tópicos aos quais recorre são diretrizes retóricas
e não princípios lógicos, lugares comuns revelados pela experiência,
aptos para resolver problemas conjunturais. Na terminologia mais
tradicional, estes tópicos seriam os princípios gerais do direito. Logo, em
volta de tais princípios se ordenam todas as regras normativas e surgem
os institutos (conjuntos de normas orientadas por princípios que regulam
as relações jurídicas). E raciocinar no campo do direito, interpretar as
normas, para esta escola, não é mais que operar com as diretrizes
retóricas. Segundo Viehweg a interpretação do direito positivo somente
é possível recorrendo a métodos que flexibilizem as normas que integram
o ordenamento jurídico. Nesta perspectiva as operações tópicas
permitiríam unia aproximação prudente dos fatos ao direito e do direito
aos fatos.
Registre-se, além disso, que a tópica pertence ao campo da lógica
dialética. E que o raciocínio tópico produz uma conclusão que tem como
premissa opiniões acreditadas ou verossímeis. Na conclusão, portanto,
não se demonstra a verdade da afirmação, porém se cria um efeito de
verdade, algo que se pode aceitar como verdadeiro.
Afinal, veja-se que através da tópica aflora o inequívoco caráter
político-ideológico da atividade decisoria. Tem uma visão ingenua com
respeito ao tipo de justiça que as decisões procuram. E supõe a existência
87
de uma justiça igualitária e homogênea para todos os grupos sociais,
considerada como a questão apodictica do direito.
A tópica não é demonstrativa mas persuasiva. Não resolve os
problemas, porém fornece os recursos e argumentos para sua elucidação
e solução. Não assegura soluções certas e incontrovertíveis, mas dá
soluções aceitáveis dentro do marco da ideologia que adota. Admite a
alterabilidade significativa da lei, que origina sua problemática
interpretativa e decisoria. Opõe-se à axiomática e à dogmática, que não
admitem os problemas jurídicos, atendo-se à univocidade “das palavras
da lei”, à claridade e inalterabilidade da significação jurídica dos textos
legais.
Ao lado das clássicas teorias produzidas sobre o objeto do direito, os
métodos de interpretação da lei constituem um conjunto de princípios e
conceitos que funcionam como diretrizes retóricas para o raciocínio do
jurista. Mais que isso, juntamente com a produção dogmática, os métodos
de interpretação significam prescrições para os órgãos: devem ser vistos
como normas de direito positivo dirigida àqueles.
Entretando, o tratamento doutrinário emprestado a ambos (métodos
interpretativos e teorias dogmáticas) sempre ocultou seu compromisso
ideológico com as soluções reclamadas pela prática judicial. Sempre
ocultou seu funcionamento retórico em face as normas gerais, os fatos e
as decisões, jamais os apresentou como um repertório de argumentos que
condiciona as diversas atividades comprometidas com o ato de sentenciar.
Os métodos de interpretação podem ser consideradas o álibi teórico
para emergência das crenças que orientam a aplicação do direito. Assim,
sob a aparência de uma reflexão científica criam-se fórmulas
interpretativas que permitem: 1) veicular uma representação imaginária
sobre o papel do direito na sociedade; 2) ocultar as relações entre as
decisões jurisprudenciais e a problemática dominante; 3) apresentar
como verdades derivadas dos fatos, ou das normas, as diretrizes éticas
que condicionam o pensamento jurídico; 4) legitimar a neutralidade dos
juristas e conferir-lhes um estatuto de cientistas.
Pode-se, pois, caracterizar os métodos interpretativos como um
repertório de pontos de vista e comportamentos idealizados, que através
88
de fórmulas sacramentadas justificam as representações que estão na
base do senso comum teórico dos juristas.
Além disso, os métodos podem ser analisados retoricamente como
lugares ideológicos. Os lugares ideológicos são formulas para reconhecer
nos diferentes discursos uma mesma voz ética. O efeito de reconhecimento
ideológico que a fórmula desencadeia permite, por sua vez, a atualização
delas como um código gerador de mensagens. O ponto crítico deste
processo significativo está dado pelo fato de que o sentido produzido
supera o marco legitimado da competência lingüística dos textos legais.
Precisamente a função da fórmula é a de ocultar essa defasagem lingüística.
De urna perspectiva psicanalítica diría que os lugares ideológicos
constituem práticas do exercício de um poder de recalque de representação
política do direito.
As principais fórmulas de significação elaboradas pelos distintos
métodos interpretativos seriam:
a) remissão aos usos acadêmicos da linguagem (método gramatical);
b) apelo ao espirito do legislador (método exegético);
c) apelo ao espírito dopovo; apelo à necessidade (método histórico);
d) explicitação dos componentes sistemáticos e lógicos do direito
positivo (método dogmático);
e) análise de outros sistemas jurídicos (método comparativo);
f) idealização sistêmica do real em busca da adaptabilidade social
(método da escola científica francesa);
g) análise sistêmica dos fatos (método do positivismo sociológico);
h) interpretação a partir da busca da certeza decisoria (método da
escola de direito livre);
i) interpretação a partir dos fins (método teleológico);
j) análise lingüística a partir dos contextos de uso (método do
positivismo fático);
l) compreensão valorativa da conduta através da análise empírico-
dialética (egologia);
m) produção de conclusões dialéticas a partir de lugares (método
tópico-retórico).
Com relação à função mítica da reflexão sobre o método, pode-se,
pois, afirmar que os métodos de interpretação não cumprem as funções
89
sistemáticas, hermenêuticas e de garantía que lhes são assinaladas pelo
pensamento jus-filosófico clássico. Em contrapartida cumprem outras
funções tais como:
90
o dado de sua historia real como única garantia para a sua compreensão
objetivar Assim, o empirismo transforma a historia em natureza (que é
um modo de transformar a historia em ideologia) e o racionalismo
complementa tal idealização apelando a categoria metafísica que têm a
pretensão de proporcionar uma explicação essencialista (fora do tempo)
dos dados do mundo.
As observações anteriores realçam o caráter idealista do senso
comum teórico. A articulação do empirismo com o racionalismo
metafísico determina que as teorias idealistas não negam os fatos sociais,
mas os subordinam a seu sistema de pensamento. Em conseqüéncia, as
idéias se constituem no fundamento de uma realidade afastada de seus
determinantes.
Ora, esta linha de análise põe em evidência o caráter idealista das
teorias sobre os métodos de interpretação da lei. É por esta razão,que
muitas vezes, podem superpor-se fórmulas interpretativas de cunho
empirista com outras derivadas do pensamento racional metafísico.
Parece-nos evidente que a despeito de uma fundamentação divergente o
efeito ideológico em relação ao tipo de convencimento que a implicação
combinada dos métodos determina é convergente. Em síntese, a referida
linha de análise tenta mostrar a necessidade de uma convergência
empírico-racional, como condição do efeito do reconhecimento. E através
da complementação do empirismo com o racionalismo que se logra
reconhecer nas decisões judiciais a ideologia fundante. O idealismo,
através de sua fases (empírica e racional) cumpre, assim, uma função
mítica dentrq do discurso jurídico; mostra os fatos sociais e ao mesmo
tempo oculta os seus determinantes.
Pode-se, afinal, examinar a questão das funções dos métodos
interpretativos de um outro ângulo, isto é, através de um conjunto de
crenças configuradoras de uma ideologia específica para o direito. E
mediante as grandes correntes do pensamento jurídico e dos métodos
interpretativos que se consegue a articulação de todas estas crenças. Por
exemplo, no caso das fórmulas interpretativas a exegese reafirma a idéia
da legislação racional, o método dogmático gera a suposição de um
ordenamento coerente e auto-suficiente; o método teleológico reitera a
crença numa ordem protetora e não discriminatória em relação aos
91
súditos, o positivismo sociológico consolida o dogma de que o julgador
busca a verdade dos fatos provados e assim por diante. Todos em seu
conjunto consolidam a crença de que o julgador, graças aos métodos
interpretativos, é neutro e imparcial. Chegamos, aqui, ao ponto chave
onde se vê que a função dominante dos métodos interpretativos é a de
fornecer garantia absoluta contra a arbitrariedade. Uma ilusão que
perpetue um poder de dominação.
92
CAPÍTULO VI
93
9
94
e da própria teoria da argumentação. Ele corresponde a uma forma de
desmitificação dos processos argumentativos. Tal desmitificação não
deve ser entendido como um caminho de superação ou neutralização dos
argumentos, e sim como um instrumento interpretativo, que situa o
sentido dos argumentos num plano onde o ideológico se insere numa
trama muito mais rica não, apenas, epistemológicamente mas também
operativamente.
Certamente, não subestimamos o valor de uma explicitação cuidadosa
dos pressupostos e pontos de referência desta sem iologia das
argumentações, contudo, renunciamos neste contexto a essa tarefa.
Que significa a argumentação e os argumentos ?
Tentando tornar suficientemente claro nosso ponto de partida
definiremos o argumento vinculando persuasão a ideologia. Isto porque
situados nos marcos da neo-retórica contemporânea, nossa primeira
noção de argumento inscreve-se na linha teórica de Roland Barthes.
Ora, para o autor os argumentos seriam formas públicas de raciocínio,
impuras, facilmente dramatizáveis, que participam ao mesmo tempo do
intelectual e do científico, do lógico e do narrativo. Seriam uma reflexão
processada no espírito, uma opinião obtida a partir de uma prévia
identificação emocional, valorativa e ideológica.
Logo se vê que a compreensão da estrutura da argumentação
utilizada por Barthes impõe recorrer à região da ideologia. Neste sentido
eutilizandcuma simplificação maniqueístapodemos dizer que o raciocínio
argumentativo é uma reflexão processada a partir da ideologia. E que o
sistema de conexões entre diversas proposições argumentativas
desenvolve-se iriicialmente ao nível da mentalidade do público, partindo
do provável, mas tendo como ponto inicial básico o pensamento
ideologizado. A função do argumento seria assim uma função
mascaradora. Sem dúvida, este esboço tem um valor provisório porque
o argumento cumpre uma função sócio-lingüística muito mais complexa.
Desde logo, o efeito de realidade que ele pro voca é antes de tudo um efeito
de reconhecimento que representa a solução imaginária do receptor. Daí
podemos dizer que mediante os argumentos apontados como ideologia,
se tem a ilusão de estar demonstrando aquilo que não se está em
condições de demonstrar.
95
O conteúdo ideológico do argumento provoca uma inversão do real
suficientemente intensa para obter a adesão dos receptores era relação ao
argumentado. A partir de um estudo dos modos de realização desta
inversão do real é que podemos construir urna tópica oposta à de
Aristóteles: a tópica dos lugares ideológicos, ou seja, a análise das
técnicas de inversão do real ou de homogeinização dos valores. Na base
de toda argumentação estariam tais lugares, compreendendo-se por tudo
isso que para nós o processo persuasivo adquire seu melhor verbo no
limiar da ideologização. Na argumentação, a dimensão ideológica
permanece vinculda à dimensão persuasiva, que por sua vez adquire
valor político.
Convém agora fazer um breve parêntese para indagar sobre a
argumentação no pensamento aristotélico. É sabido que dentro do
“corpus aristotélicum” os argumentos seriam raciocínios construídos a
partir de opiniões geralmente aceitas, isto é, afirmações produtoras de um
efeito de adequação em relação a referidas opiniões. Mediante os
argumentos buscar-se á obter a adesão do receptor ao ponto de vista
adotado sobre um determinado assunto ou questão.
Para os aristotélicos, o raciocínio argumentativo contrapõe-se ao
lógico-formal ou demonstrativo. Constitui, como afirma Barthes, um
silogismo retórico. A lógica deste raciocínio é dialética, é uma lógica do
pensamento não formalizável.
No raciocínio não demonstrativo - afirmou Aristóteles - as premissas
das quais se parte são aceitas como verdadeiras ou primeiras. São
verdadeiras ou primeiras as coisas nas quais acreditamos em virtude de
nenhuma outra coisa que não elas mesmas. Partindo destes princípios
postulados axiomáticamente a inferência produz-se através de regras
lógicas claramente explicitadas. A conclusão que se dirá demonstrada
será vinculada ao predicado verdadeiro.
Sintetizando, o raciocínio demonstrativo, no pensamento aristotélico,
ocorrerá naqueles contextos em que se explicitam os pontos de partida e
as regras lógicas de derivação. De outra parte, na base do silogismo
retórico encontra-se o conhecimento vulgar, as crenças do homem
comum, o pensamento popular. Ele é uma dedução valorativa, uma
espécie de ascenção cerimoniosa, na qual a conclusão é aceita porque se
96
produz um efeito de adequação entre ela e o pensamento popular de base.
Em conseqiiência, o raciocínio argumentativo produz a persuasão de
receptor e não a demonstração da conclusão. Defrontamos, assim, um
raciocínio desconectado da verdade e vinculado à verossimilhança. Por
sua vez, esta pode ser caracterizada, um tanto circularmente, como
expressão de uma correspondencia entre um enunciado e um corpo de
opiniões geralmente aceitas. A verossimilhança é predicada sempre de
enunciados cuja verdade se desconhece ou não se obteve legitimamente,
mas que, de qualquer modo, aceita-se em função de certas crenças
generalizadas ao nível popular e não científico pois, desta forma estaríamos
em pleno dilema da verdade. O verossímel seria um tipo de afirmação que
admitiría o contrário; sua verdade não submeteu-se à prova, mas postula
o caráter de ser provavelmente verdadeira. Trata-se de um raciocínio, que
provoca um efeito de verdade ou realidade, ou seja, algo é verossímil
quando consegue provocar a representação de sua veracidade ou real idade.
Segundo Aristóteles, o silogismo retórico, ou argumento, é
perfeitamente caracterizado pela verossimilhança. Em nossa perspectiva,
preferimos aludir a um efeito de realidade, lembrando que este efeito
somente se obtém quando o ideológico entra em cena. No caso,
substituimos a inferência lógica por uma inferência ideológica, que
provoca o efeito de realidade. Tal efeito é que tradicionalmente se
denomina verossimilhança.
Sem nos deixarmos iludir por concepções espontaneístas e
reducionistas sobre a produção do conhecimento, devemos admitir que
existem sérias distorções na adoção da maniqueísta di visão dos raciocínios
em demonstrativos e persuasivos; o mesmo se passa com a dicotomía
verdade verossimilhança. Recorrendo a Perelman, parecería que todas as
formas de raciocínio - exceção feita aos formais - são processos
argumentativos. Não apenas em suas conclusões mas já nas próprias
premissas e nos pressupostos epistemológicos que fundamentam os
raciocínios aplicáveis ao real existem mistificações evidentes. A verdade
que se vincula ao raciocínio demonstrativo é também uma forma de
verossimilhança. E resultado de um certo jogo ilusionista com o real. O
esqueleto lógico retoricamente acentuado pela epistemología idealista e
positivista distancia e oculta as inferências ideológicas que são veiculadas
mediante as formalizações. A ciencia persuade quando afirma operar
com a verdade. Muitas formas de produção do conhecimento etiquetadas
como científicas e apresentadas através de um complexo conjunto de
raciocínios demonstrativos, nada mais são que efeitos de realidade
produzidos através do uso da verdade como lugar argumentativo.
Mas poderiamos ensaiar uma explicação para tal convergencia de
ilusões ?
Talvez pudéssemos recordar que quando se elabora o problema da
verdade como mera questão teórica ou lingüistica, buscando-se seu
controle em termos exclusivamente discursivos, com regras sobre a
formação de bons raciocinios, o resultado a que chegamos é sempre um
efeito de realidade, um efeito que nos servirá para reconhecer nossas
representações sobre o real. No estudo do real-social, a verdade somente
deixa de ser verossimilhança quando a vinculamos ao processo prático
de desenvolvimento social dos homens. A verdade, como dado social e
histórico transforma-se com a própria historia.
O primeiro obstáculo que surge quando articulamos persuasão e
ideologia é a deteminação dos critérios de distinção entre verdade e
verossimilhança, raciocínio demonstrativo e argumento. A lógica forma]
poderia aparecer aqui como solitária exceção, como o lugar onde esses
critérios de distinção poderíam ser obtidos.
Examinando este obstáculo inicial e concentrando-nos no exame da
ideologia proporemos uma reformulação dos critérios explicativos para
os processo argumentativos. Existe, pelo menos, a necessidade de
redefinir persuasão. Ela não pode mais ser vista como o processo que
busca a produção da relação de verossimilhança. Antes se deve pensá-la
como o processo que gera um efeito de realidade crível. Habitualmente
se costuma afirmar que essa relação de verossimilhança é obtida desde
pontos de vista intuitivamente aceitos que por esta via tomam-se
psicologicamente persuasivos. Mas isto só pode acontecer porque as
relações sociais produzem as idéias, ilusões e representações que regulam
os critérios da intuição. A receptividade da intuição encontra-se
socialmente determinada. Nenhum argumento torna-se psicologicamente
persuasivo enquanto não se mostra adequado à intuição dominante.
98
A teoria da argumentação é em si mesma ideológica na medida em
que se vale da noção de “opinião geralmente aceita”. Nesta noção toma
se de empréstimo a forma de universidade que é ideológica. E que parece
muito mais explicativo dizer que no processo argumentativo alcança-se
a aceitação de uma conclusão a partir das opiniões dominantes. Desta
forma, seriam eliminados os elementos míticos da teoria da argumentação.
Apresentar as idéias dominantes como intencionais é no fundo urna
maneira de encontrar umaexplicaçãonaturalistaesubjetivistado processo
persuasivo. O extremo a que leva esta forma de misticismo é a falta de
tratamento da argumentação como forma de alienação. Mediante a
argumentação socializa-se, massifica-se ese obtém a reiteração periférica
de um modelo ideológico geral. Cada vez que aceita um argumento, o
receptor adere às opiniões dominantes que estão na base do processo
argumentativo. Aceitando o argumento, solidariza-se também à ideologia
latente. Não se parece advertir que ao transmitir um argumento, consegue-
se não só a inferência ideológica da conclusão, senão também das
representações do mundo que estão na raiz desta inferência. O argumento
desenvolve, simultaneamente, um raciocínio que nos permite chegar a
uma conclusão aceitável e reforçar a ilusão que o originou.
Finalmente, nota-se que a nova retórica somente dirá algo
qualitativamente distinto do “corpus” aristotélico, quando se der conta
do argumento como produto social.
Ordenando as últimas idéias diríamos que as convicções profundas
que norteiam os discursos argumentativos determinam e são resultado
dos processos de socialização. Desta forma, por meio da argumentação,
realizam-se formas específicas de controle social. As afirmações que se
pretende consolidar através de um argumento, não só respondem, como
também são textualmente determinadas. Elas cumprem, também, uma
função socializadora latente, portam uma mensagem ideológica, são
formas de reprodução dos valores estabelecidos prevalentemente.
Parecería, então, que toda a argumentação para ser persuasiva deve
buscar não só a produção de um efeito de verossimilhança, de adequação
a uma crença ou opinião generalizada, senão que deve produzir, ainda
que só de modo indireto, um efeito de adequação axiológica em relação
ao valor resguardado pela crença que habilitou o raciocínio. A
99
determinação ideológica das crenças é que, em última análise, legitima
as formas retóricas de derivação das mesmas. As crenças são só formas
estandardizadas de manifestação das ideologias.
Os pontos de vista finalmente explicitados são muito importantes
em relação às formas jurídicas de argumentação. Os juristas quando
argumentam, não só devem levar em consideração a produção de efeitos
de adequação em relação às crenças sociais e jurídicas dos destinatários
de suas mensagens, senão que devem cuidar para que os mesmos
provoquem também um efeito de adequação valorad va. Nenhum discurso
jurídico será considerado significativamente legítimo se contradizer as
formas axiológicas predominantes. Os argumentos são persuasivos no
direito, quando não contradizem à ideologia de seus destinatários. Em
última instância, a ideologia é o tribunal através do qual se mede a
eficácia ou ineficácia de um argumento jurídico. Um juiz para produzir
uma decisão seleciona seus argumentos não só tratando de persuadir
sobre o tecnicismo de sua decisão, mas também atendendo à função
socializadora que a sua sentença passará a cumprir. A argumentação
judicial é sempre uma instância reprodutora dos valores predominantes.
Todo argumento judicial atende sempre a dois níveis retóricos: por
seu intermédio justifica-se uma decisão e um sistema. Nunca uma
decisão ficará claramente justificada se não provoca simultaneamente a
reiteração periférica do sistema.
Vemos, pois, que os juristas contam com um mundo específico de
crenças no qual se apoiam para raciocinar. E precisamente a partir deste
mundo que se pode construir um conhecimento como o da dogmática
jurídica. Ele, tal mundo, não só cumpre o papel de regras de derivação
senão que serve de suporte para a legitimação dentro das práticas
jurídicas do poder socialmente domínate. Trata-se de critérios retóricos
que justificam as decisões dos juizes, ou seus atos de confirmação de
valores.
Quando um argumento jurídico produz um efeito de adequação em
tomo à crença de que o mundo do direito é o mundo de segurança (porque
é também o mundo da legalidade e da neutralidade) está indiretamente
socializando, provocando simultaneamente um efeito de homogeneização
100
valorativa, apresentando os valores setoriais como se fossem valores
universais.
Certas teses da dogmática jurídica surgem assim, apoiadas em
crenças, estão sustentadas por razões que mostram uma clara insuficiência
teórica. Crenças que se apresentam com uma aparência de enunciados
teóricos e são enunciados retóricos que adquirem sua força persuasiva
através desta aparência. Esses pseudo-enunciados são sintomas de tima
função socializadora latente. Para dar conta da presença dos mesmos no
discurso dogmático, o nível metalingüístico e o nível retórico são
insuficientes. Necessita-se da produção de uma leitura conotativa ou
ideológica.
A moderna teoria da argumentação deve, portanto, fundar-se sobre
a tentativa de leitura dos argumentos e dos discursos teóricos como
ideologia.
Primavera de 1977.
101
CAPÍTULO VII
103
Contudo, pode-se também pensar o mito como a esteriotipação
semiológica da ideologia. Tal caracterização situa o mito como uma parte
do senso comum. Daí poder-se compreendê-lo como a condição necessária
e suficiente do efeito de convencimento (ele estaria na base do raciocínio
persuasivo).
A elucidação da estrutura especulativa que o conceito de mito nos
revela, permite formular os princípios que governam a produção social
do convencimento. Adverte-se que esses princípios por sua vez, operam
como condição de significação. Esqumaticamente, se poderia dizer que
a teoria sobre o convencimento determina também o que pode ser
retoricamente legitimável. Esses critérios de significação retórica são
explicados pela categoria de “condição retórica do sentido”. E a partir
da noção de mito que se fa z possível compreender afunção çategorial da
condição retórica de significação.
No presente ensaio não nos preocuparemos ainda, em estabelecer o
conceito de mito em sua formulação teórica adequada; limitar-nos-emos
a sugerir um caminho para a reformulação das caracterizações tradicionais
do mito.
O mito em sua significação mais arcaica, pode ser visto como um
processo de compreensão do mundo. Tal processo consiste na substituição
do tempo histórico por uma sucessão de fábulas que apresentam as ações
e acontecimentos como a concreção de protótipos eternos ritualmente
alcançados. Baseando-se na apresentação da História como manifestação
fatal da natureza, ou seja, a História como produto apriorístico de uma
pretensa razão universal, o poder do mito, ou sua funcionalidade efetiva
descansa no estar fora e acima do tempo ou, em sua historicidade.
Contemporáneamente, o mito vai se identificando com a ideologia
política: é que o processo mitológico sempre coloca suas crenças a
serviço de uma ideologia. Barthes, coincidindo com este entendimento
afirma que através do mito consegue-se transformar a história em
ideologia. Por conseguinte, a significação mítica seria vista como reiterada
afirmação periférica de um modelo axiológico geral.
Já agora podemos redefinir o mito como produto significativamente
congelado de valores com função socializadora. Em oujfas palavras,
seria o mito um discurso cuja função é esvaziar o real e pacificar as
104
consciências, fazendo com que os homens se conformem com a situação
que lhes foi imposta socialmente, e que não só aceitem como veneram as
formas de poder que engendraram essa situação. Reduzidos à sua
caracterização política, pode afirmar-se que a função básica dos mitos é
a de criar a sensação coletiva de despolarização e neutralidade, a qual
permite a apresentação da força social em termos de legalidade supra-
racional e apriorística. Desta forma, o processo mítico assegura a
simbolização de um conjunto de apreciações valorativas e finalidades
nem sempre racionalizáveis como projeção de tendências e conflitos não
solucionados. Está última afirmação, no entanto, não disvirtua o fato de
se poder reconhecer no mito o fundamento da racionalidade moderna;
uma racionalidade impessoal e anônima que opera como lei universal e
que nega ou abstrai a presença de emissores de mensagens que pretenceiu
forçosamente a grupos ou setores sociais. Por traz da miragem de um
emissor universal, levanta-se disfarçadamente a significação contextúa!
inerente a todo processo de constituição de signi ficados, já que conforme
nos ensina a lingüística, não há significados plenos e isentos de uma
influência dos processos reais de comunicação.
No direito, a idéia do emissor universal pode ser identificada com o
culto ao “espírito do legislador”. E através do mito logra-se politicamente
a conciliação das contradições sociais na medida em que estas são
projetadas em uma dimensão harmoniosa de essências puras, relações
necessárias e esquemas ideiais, aos quais devemos forçosamente aderir.
Esta função de harmonização, esse ritual simbólico aparece no direito
mediante a constituição de conceitos fetichistas tais como “direito
natural”, “dever jurídico”, “ato antijurídico” etc ou como “natureza
jurídica”, “Estado”, “soberania”, “legalidade”, sendo que as últimas três
citações são noções ontológicas reificantes se sustentam sobre a invocação
dos pressupostos da noção da “mala in se”, ou do “dever in se”, ou do
direito subjetivo inerente (visto como atributo do homem).
A tendência de lograr a universidade valorativa como modo de
assegurar o poder político é orientada por um sistema de signos míticos
que concorrem paralelamente em todas as formas produtoras de
informações do grupo, as quais denominaremos simplesmente cultura.
Tal processo não difere muito daquele pelo qual os povos primitivos
105
faziam a concreção, também, da unidade entre imagem e aspirações. O
conhecimento mítico é um processo construtor de imagens, cujo
fundamento reside menos na percepção da realidade do que em um
modelo de discurso idealmente construído.
Assim, o mito existe somente nos objetos imaginários ou na imagem
simplificada da realidade e, portanto, também deformada em relação a
esta realidade.
Toda cristalização de uma imagem pura e transcendente que não
permita resolver o existente a partir de um projeto autônomo de crítica às
estruturas do comportamento individual ou social, é um mito. E neste
sentido que o processo de ensino, principalmente o jurídico, pode ser
visto como uma produção mitológica de conhecimento. Daí, porque
pensamos que uma nova dimensão pedagógica pode ser alcançada a
partir de uma atitude desmitificadora que busque captar o real, de forma
autônoma. Pode-se construí ruma no va jusdidática a partir da consideração
do mito como significante de um novo sistema metalingüístico crítico.
Estamos, portanto, pensando em mito, neste trabalho, como processo
simbólico pelo qual se pretende fixar critérios de conformismo social.
Critérios baseados, fundamentalmente, em uma estrutura simplista e
maniqueísta, a qual sempre se resolve pela manutenção do “status quo”
sob uma capa de neutralidade.
O mito configura um sistema metacomunicacional que recoloca
uma rede sígnica em função do poder. Em seu discurso deve-se perceber
uma totalidade de signos, uma cadeia semiológica onde todas as matérias
primas, com sua heterogeneidade alcançariam o limiar do mito dotados
de uma mesma função significativa. Sua análise exige constituir uma
linguagem objeto (formada por uma série heterogênea de elementos
comunicacionaisje determinar uma unidade de mensagem. Tal significado
global esvazia a história significativa dos componentes sígnicos originais.
Ele põe entre parênteses os sentidos linguísticos, tomando-os disponíveis
para perceber a significação mítica. Daí o signo transformar-se em mero
significante. Mas o ponto principal é que a forma não suprime o sentido,
antes o empobrece para conservá-lo dentro de uma pura disposição
ideológica. O sentido lingüístico passa a ser uma reserva submissa que
pode, mediante o ritual aderido ao mito, aproximar e afastar a significação,
106
em uma alternância quase simultânea. O rito é que toma disponível o
sentido para a significação mítica.
Ora, neste sentido, o ritual pode ser visto como a sintaxe do mito,
de tal sorte que, sem ele não se possa pensar na produção de uma
significação mítica. O mito é um sistema de comunicação que se constitui
num produto significativamente esquematizado e que por isso mesmo
pode ser pensado como objeto de intercâmbio e uso. Caracteriza-o,
principalmente, a forma em que se manifesta, já que qualquer objeto
introduzido em um processo comunicacional pode ser mitificado. Assim,
qualquer elemento pode constituir um mito desde que seja suscetível de
ser assumido como mensagem ideológica, na medida que possa ser visto
como um lugar onde se articulem os efeitos de um certo tipo de poder; ou,
ainda como engrenagem pelo qual às relações do poder dão lugar a um
saber que reconduz e reforça os efeitos do poder.
O mito não pode, então, ser definido pelo seu objeto e nem pela sua
matéria; deve ser definido pela sua função, que é dupla; faz compreender
e impõe.
A mensagem mítica pode também ser comunicada mediante distintos
sistemas sígnicos: lingüísticos, visuais, gestálticos, etc., ou pela própria
conduta humana. Como sistema de significações o mito supõe geralmente
uma estrutura discriti va que se compõe de mais de uma frase. Via de regra
é um sistema semiótico secundário onde o signo do sistema primário
toma-se significante do subseqüente. E portanto, sempre, uma significação
metalingüística que opera por meio do rito inscrito neste segundo nível
significativo que, por sua vez, funciona como sobrecarga significativa ao
ser dialetizada através do ritual com o discurso primário. É neste sentido
que o ensino do direito produz uma segunda dimensão mítica que se
articula com o saber dogmático por meio de uma docência sacralizada.
Tal significação mítica obscurece a função prescritiva do saber jurídico
tanto no discurso dogmático como no educacional.
Para o receptor das mensagens míticas, o mito não e percebido como
um sistema ideológico, já que sua função socializadora não está oculta
mas disfarçada como fato natural em uma equivalência silogística que
não passa de uma falácia não formal. Através das falácias não formais o
107
discurso mítico permite que o significante e o significado adquiram uma
relação natural.
Enfim, a força do mito reside em que, remetendo-se à Historia,
consegue-se negá-la ao apresentar um sistema ideológico um sistema de
valores como dados da natureza, fatos de uma realidade empírica. Por
esse meio, põe-se à sombra o fato de se estar frente a um mero sistema
de valores.
Muitas vezes o mito constrói-se por justaposição de discursos
diferentes identificáveis pelo fato de pertencerem a um único sistema de
valores ou, a uma mesma forma ideológica de representação do mundo.
Isto ocorre com os diferentes discursos do saber jurídico: judiciário,
dogmático e educacionais. Todos eles podem ser assumidos como um
mito de consolidação dos valores normativos e sociais predominates. Daí
também a possibilidade de pensar-se o mito como uma técnica de
controle social.
O discurso mítico incrustado em uma forma de poder permite a
fixação de um modelo de vida para o educando médio. É, portanto, um
dos mais eficazes instrumentos para a obstrução da dinâmica social. Um
processo educacional que pretende agilizar essa dinâmica, não dispõe de
outro caminho senão o de efetuar a reconstituição epistemológica do
processo mítico com vista a sua desmitificação. Para tanto, deve-se
começar por transformar as aulas numa atividade de aprendizagem não
mitificadora, nem ingenuizante, que permita aos estudantes assumirem
de forma autônoma as significações ideológicas das mensagens de seus
educadores. A tarefa didática deve constituir-se em uma análise das
mensagens que possibilite aos estudantes recuperarem o padrões
ideológicos de sua cultura.
Pensemos, por exemplo, no valor didático de uma análise que
buscasse formular teoricamente a comparação dos discursos míticos do
Direito com outras formas de produção mítico-massificadoras, mormente
as derivadas dos meios de comuinicação de massa. Não há dúvida de que
ambos os sistemas de produção significativa respondem a uma mesma
pretensão socializadora e podem ser criticamente processada em uma
metalinguagem que produza certas categorias que permitam uma síntese
108
analítica global que enseje identificar os padrões ideológicos de nossa
cultura.
Tal é possível na medida em que pensemos também que toda análise
comunicacional pressupõe um estudo do processo de massificação e que
este é um componente cuja presença se denuncia na maior parte das
análises comunicacionais. A comunicação de massas entendida como
um tipo específico de comunicação, diverso da comunicação interpessoal,
e merecedora de uma teoria geral da comunicação massificadora. Teoría
que ainda não foi construída, razão pela qual as análises seguintes são
meras tentativas de sistematização ou simples abordagem introdutórias
a esta teoria.
Tentaremos, agora, fazer uma análise comparativa entre os mitos
normativos e os super-heróis. A razão da escolha é meramente utilitária,
já que no campo da teoria comunicacional o mais rico material que se
pode encontrar reside nesses personagens fabulosos. Esta riqueza deriva
do fato de que os super-heróis são também um símbolo mítico de todas
as nossas fugas da realidqde. São eles o melhor exemplo de um modelo
geral de sociedade.
Ora, tal ratificação produz-se pela defesa do esquema iterativo que
nos convence a ter a mesma configuração das estruturas que o representam.
Os valores propostos confundem-se com a estrutura iterativa e deixam a
sensação de serem o fiel reflexo de uma realidade inquestionável.
Uma estrutura reflete sempre um mundo que, se for reiterativo, não
deixa lugar para que se pense que outras estruturas possam mostrá-lo de
forma diferente. Por outro lado, a reiteração contribui para definir a
estrutura e as mensagens que ela encerra. A reiteração também é
produzida pela multiplicidade de super-heróis que, em seu conjunto,
apresentam somente variáveis anedotárias e circunstanciais, mas que no
fundo servem para definir a metaestrutura de todas as historietas que a
eles se referem e os valores que com ele se pretende inculcar. Quando se
observam os super-heróis sob esse prisma, constata-se que o valor básico
que todos eles defendem é a suposição do homem à segurança de suas
relações.
Da mesma forma, pode-se pensar que todos os estereótipos
normativos em que pese suas pequenas variações, têm a função de exaltar
109
miticamente a aspiração do homem frente ao compromisso de segurança
da revolução francesa e a paralela necessidade de uma justiça equitativa
que não inspire insegurança. Se estudarmos todas as figuras estereotipadas
do Direito, veremos que todas transmitem uma mensagem pedagógica
unitária: a ordem jurídica da segurança. Assim, tanto os estereótipos
jurídicos como os super-heróis de estórias em quadrinhos são uma
garantia de segurança e eqüidade.
Os super-heróis são apresentados como paladinos da paz social em
fantasias e perigosas aventuras no decorrer das quais se chama
subliminarmente a atenção do leitor para os riscos que os homens correm
no seu labor cotidiano. O super-herói salva e resgata o homem de suas
vicissitudes naturais. O mesmo se dá no Direito: o Estado através dos
estereótipos normativos sublinha as situações de insegurança em que
vi ve o cidadão singularizando cada uma com uma denominação específica
(estado de necessidade, legítima defesa etc.). Na medida que cresce o
grau de civilização de um Estado, seu Direito torna-se mais requintado
e multiplicam-se os estereótipos. Os sistemas jurídicos então afirmam-
se como realizadores de uma eficiente justiça material, guardiã do
compromisso de segurança.
Outro aspecto muito importante tanto dos super-heróis como dos
produtos míticos do Direito é o fato de que as mensagens por eles
emitidas são, na maioria dos casos, poli valentes, ambíguas eanfibiológicas
semânticas e sintaticamente. Daí decorre uma decodificação analítica
também ambivalente e ideologicamente condicionada. Mas não se pode
esquecer que a análise desta crítica é também relativa. Isto é o que deve
ter sempre presente o coordenador de um processo de aprendizagem que
pretenda usar tal análise em permitir que o crescimento da autonomia
interpretativa se deturpe insconcientemente numa pontificação que
invalide tal tipo de análise, determinando uma estandardização da
metacrítica.
A massificação a nível de consumo caracteriza-se menos pela
univocidade do significado e pela padronização do consumidor do que
por seu intento de persuasão de que é bom consumir ou, no plano da
massificação jurídica, de que o direito positivo é o único fator de
segurança.
110
Muitas vezes, as ambigüidades significativas permitem que os
sentidos possíveis se anulem mutuamente, culminando com a ausência
de sentido. No plano normativo, isto se torna muito importante porque o
cancelamento temporário do sentido da norma geral permite a produção
de um significado contextual na sentença que reassegura e garante a
eficácia da própria norma.
Logo, da recorrência aos super-heróis, examinaremos o conteúdo
naturalístico e histórico que o mito comporta.
Retira o mito das coisas sua dimensão real e humana; emprestando-
lhe a dimensão de eternidade. E uma prestidigitação que inverte o real,
esvazia-o de história e o preenche de natureza. Passando da história à
natureza, o mito dissolve a complexidade dos atos humanos. Confere-lhe
a simplicidade das essências. Organiza um mundo sem contradições
aparentando uma clareza onde translúcidamente se podem constatar ou
reconhecer os valores. Por isso o mito é um discurso de reconhecimento
e não de explicação. Por seu intermédio pretende-se que o receptor
visualize sempre uma situação de normalidade decorrente da natureza
das coisas. Assim, ele pode ser caracterizado como um discurso de
neutralização, cheio de significações despolarizadas. E neste sentido que
basta falar naturalmente de alguma coisa para que ela se tome mítica.
Politiza-se, roubando o caráter político de toda fala sobre o mundo.
Conforme o raciocínio desenvolvido, resulta fácil caracterizar o
processo argumentativo do direito como discurso mítico. No raciocínio
do jurista, como no discurso mítico, o ponto chave é sua dupla função de
aludiré eludir. Para tanto, o mito simplifica as complexidades, universaliza
o contingente, neutraliza as valorações e idealiza a história. No discurso
mítico como no raciocínio dos juristas, produz-se um entendimento que
não exige explicações. Em ambos produz-se uma clareza de constatação,
não de explicação. Organiza-se um mundo sem contradição porque o
dado novo aceita-se na medida em que se reconhece o universo das
crenças já aceitas.
Esta é a razão pela qual o direito organiza um conjunto de explicações
afastadas do tempo. Elas permitem o reconhecimento retórico da
problemática contingente.
111
O jurista sempre utiliza e se refere aos dados do mundo de urna forma
que os alude, que os separa de seus determinantes, que os ordena em urna
outra estrutura. Sabe-se que uma mudança de estrutura provoca sempre
uma redefinição do dado, no sentido de informação transmudada de
instância analítica.
Tércio Sampaio concorda com esta afirmação, quando diz que as
mitificações na hermenêutica, via dogmática, produzem-se não por que
se ocultam os conflitos, mas porque os disfarça, trazendo-os para o plano
das conceitualizações. Isto se entende porque o mito não tem por função
deformar a realidade, mas sim fomecer dados da dinâmica social num
plano de abstração conceituai cristalizada. Neste plano, sob pretexto de
racionalização sobre os dados, confirmam-se os valores.
No raciocínio argumentativo do direito mostra-se o conflito,
proporciona-se informação que se diz provada, mas se disfarça sempre
os seus vínculos com os sistemas de valores aceitos. Através de uma dada
argum entação apresenta-se um problem a mas se oculta suas
determinações, ficando estas como uma reserva submissa, disponível
para veicular um processo de reafirmação de valores. O jogo das
premissas ideologicamente amalgamadas permite que a informação e o
conflito transformem em meros significantes os pontos de vista e as
possíveis soluções predeterminadas. Ao vincular o problema ao conjunto
de figuras fixas regulamentadas iterativas, obtém-se para ele só uma
solução alienada.
No processo de significação mítica, a significação literária, o relato
são julgados álibis para um segundo nível de sentido. O sentido literário
passa a constituir-se em significante do segundo sentido. Mas um
significante com um sentido solidário e distorcido; trata-se de um
discurso ambíguo onde o relato e o sentido mítico distanciam-se
mutuamente.
Aplicando o afirmado anteriormente para entender a argumentação
como mito, observamos um raciocínio presente como relato e um nível
valorativo ausente do discurso, e no entanto pleno. A significação
persuasiva é o resultado dessa ambigüidade constitutiva. Se nos
detivéssemos apenas no relato, observaríamos o conjunto de falácias nele
112
presente, mas a instância valorativa as esvazia deixando um saldo
imperativo. O discurso retórico impõe, assim, a sua força intencional.
O discurso argum entativo surge, pois, como um jogo de
ambigüidades, onde a ideologia toma ausente a referência informativa e
o conflito real, e estes, por sua vez, com sua presença, distanciam a
mensagem ideológica. A função de uma teoria da argumentação há de ser
vista, portanto, como urna tentativa de desmitificação, isto é, como urna
leitura ideológica que dê conta dos modos concretos em que essa
ambigüidade se manifesta. Decifra o mito, fazer sua leitura ideológica,
é compreender a deformação de sentido que ele produz.
O mesmo tipo de considerações pode-se fazer em relação à dogmática
jurídica. Ela também realiza o jogo de ambigüidades alusivo-elusivo. Por
exemplo, quando trata a capacidade de delinquir como imputação.
113
Esta ambigüidade constitutiva do raciocinio retórico, vai ter duas
conseqüéncias para a significação: apresentá-la simultaneamente como
uma notificação (da decisão) e como uma constatação (do poder) no
âmbito da ideologia.
Primavera de 1977.
CAPÍTULO VIII
115
Assim, refletir sobre os raciocínios retóricos é justamente pensar
num tipo de discurso, onde um jogo sutil de simultaneidades permite
propor uma mensagem em que a informação é escondida e recebida. É
pensar, portanto, no discurso mítico.
Em direção distinta, existem autores que acolhem determinada
definição de ideologia onde o uso da noção verossimilitude não importa
nenhum inconveniente. Isto ocorre quando os conhecimentos não
suscetíveis de verificação objetiva e, sem embargo, postulados como
verdadeiros, são denominados ideologia. Neste discurso o enunciado
verossímil seria então ideológico.
Parece, contudo, mais interessante utilizar outras concepções de
ideologia. E aqui a noção de ideologia não está vinculada à de
verossimilitude, impondo que, a condição retórica que pretende explicar
a base ideológica dos raciocínios não demonstrativos apele a outras
fontes explicativas.
Por ideologia costuma-se entender o conjunto mais ou menos
coerente de crenças que o grupo social invoca para justificar seus atos e
respaldar suas opiniões, isto é, as crenças que funcionam como moti vadoras
ou racionalizadoras de determinados comportamentos sociais. Por tal
razão a ideologia constitui-se de representações estritamente vinculadas
ao exercício do poder social. Advirta-se que essa relação entre crenças e
poder é que comanda a produção das significações legitimáveis. A
reinscrição de um sistema de signos lingüísticos no sistema de poder
transforma-os em um sistema simbólico. Esquemáticamente se poderia
dizer que a condição retórica de significação revela-nos a razão de base
para que um raciocínio possa ascender ao limiar da persuasão. Ela se
engedra no ponto inefável em que o raciocínio textual transforma-se em
sistema simbólico.
Para persuadir devemos dispor de um elemento duplicador das
significações, criar um efeito de homogeneização da mensagem. E tal
efeito surge como conseqüência de uma representação ideológica
esteriotipada. Atrás de um argurmento que justifica uma decisão nova,
ou, da redefinição que altera as decisões socialmente aceitas, existe
sempre um conjunto de padrões ideológicos que tomam, legitimável a
decisão. O raciocínio retórico não faz outra coisa senão acercar a decisão
116
à ideologia de base. O argumento condiciona nossa disposição de aceitar
o poder decisorio.
Já agora estamos em condições de caracterizar mais precisamente a
condição retórica de significação: neste sentido ela indicará que um
argumento toma-se persuasivo quando produz um efeito de adequação
ideológica.
A persuasão realiza-se sempre a partir de uma operação de
reconhecimento ideológico. Ora, esse efeito de reconhecimento produz-
se no interi or de um raciocínio que justifica uma determinada interpretação
do sentido da norma, da prova dos fatos ou da aplicação das noções
técnico-jurídicas elaboradas pela dogmática do direito. Na realidade
todos estes elementos heterogênios podem ser calibrados num processo
de significação que os unifique quando se consegue vinculá-los à base
ideológica. Sem essa vinculação o raciocínio apresentar-se-á como um
recurso pleno de boa vontade, uma anedota que não convence. A trama
sutil, que nos força a aceitar certas convergências não costuradas por um
cálculo lógico, deixam de sertão sutis quando advertimos que o raciocínio
nos ajuda a reconhecermo-nos ideologicamente.
Tudo isto nos obriga também a assumir a distância que nos separa do
modelo tópico retórico de Víehweg. Afirmar que o pensamento jurídico
é prudencial, porque é um pensamento problemático, é uma força
semelhante à do modelo de verossimilitude de explicar a persuasão. “O
problema” por si só não legitima o argumento como signicativo porque
se revela impossível resolver um problema sem recorrer a fortes hábitos
mentais. No comportamento decisorio e na compreensão do problema os
esquemas de pensamento socialmente legitimados são os principais que
regulam o funcionamento de ambas as práticas. Os problemas resolvem-
se a partir de estereótipos culturais e neles se encontra o elemento que
estabelece o reconhecimento ideológico, claro que aludindo e iludindo.
Um exemplo disso é o princípio de irrelevância do erro de direito. Aliás,
como assinala Rosa Cardoso da Cunha, o princípio da irrelevância do
erro de direito é o clichê técnico-jurídico que efetiva os efeitos do
reconhecimento ideológico.
Desde já é possível perceber que o clichê aludido é apenas um dos
mais sintomáticos; as teorias sobre a interpretação da lei estão cheias de
117
9
118
da dogmática jurídica onde encontraremos o arsenal quase completo
destes esquemas dominantes. Sua análise inclusive poderia levar-nos a
assumir a totalidade da dogmática jurídica como uma condição retórica
de sentido. Sem embargo tal caracterização não teria muita força
explicativa, seria uma mera generalização que obstaculizaría a
compreensão.
Restringindo o conceito podemos definir como condições retóricas
positivadas aqueles princípios, noções e teorías da dogmática jurídica
que operam como padrões e estereotipos das crenças jurídicas dominates,
como por exemplo, o princípio da legalidade ou a teoria do bem jurídico
protegido. Tais noções, princípios é um instrumental analítico que
comunica as representações simbólicas da cultura dos juristas.
No discurso retórico do direito a adequação às crenças jurídicas
realiza-se através de um conjunto de efeitos. Entre os mesmos releva o
da verdade provada, da legalidade, segurança, racionalidade, etc. (ver
capítulo anterior). Para nos referirmos a estes efeitos podemos apelar
também à condição retórica de sentido. Assim, mediante esta última
caracterização funcional advertimos que a condição retórica pode mostrar-
se operad va para vários momentos do raciocínio persuasivo. Ora indicando
a relação com a ideologia, ora mostrando o caráter ideológico da
premissa maior, ora expondo os efeitos que devem produzir-se para que
sejam aceitas as conclusões do raciocínio retórico.
Na prática, os efeitos realizam-se mediante um ritual que se efetiva
a partir do reconhecimento da crença no ritual. O ritual tem a função de
legitimar a premissa maior, a crença esteriotipada. Através do mesmo o
discurso retórico converte-se em discurso mítico. Isto porque o ritual não
permite perceber nem reconhecer a crença esteriotipada, mas a faz
presente ao determinar uma única cadeia conotativa possível para o
raciocínio. O rito fixa um único campo associativo, excluindo todas as
outras associações. E por isso estamos entendendo aqui o conjunto de
técnicas argumentais já comprovadas e assimiladas pela comunidade
jurídica, o repertório das soluções codificadas. Neste sentido o
identificaríamos com a dogmática jurídica.
Ora, habitualmente a codificação da informação criteriosa chama-se
teoria da argumentação. A dogmática jurídica é, no fundo, um tipo de
119
codificação criteriosa, prudencial, por isso, é uma teoria da argumentação
judicial. Em cada argumentação concreta o que se consegue é uma
confirmação do código prudencial mediante uma redundância final.
Neste sentido Perelman sugere que nos abstenhamos de distinguir as
crenças da premissa maior das premissas que a ritualizam (não é
conveniente que a condição retórica se ocupe destas distinções internas).
Importa que se distinga o corpo retórico de certas determinates da
redundância final. Para essa distinção devemos apelar aos efeitos retóricos.
A conclusão de um raciocínio retórico é eficaz quando consegue
dialetizar informação e redundância. Isto é, quando consegue que a
informação nova não ponha em crise o que já se sabe senão o reassegure,
incorporado o novo como redundante, travestido da crença generalizada.
A conclusão parece então sabida e querida. A regulação do inesperado
não é livre, esta também codificada pelos efeitos retóricos.
Convém, agora, destacar que estamos manejando vários níveis de
codificação. Por um lado o rito é um tipo de codificação e os efeitos
retóricos, outro. Os segundos seriam a condição de efetividade dos
primeiros e ambos insinuam que para que o rito seja eficiente tem que
satisfazer o elenco de efeitos. Em terminologia aristotélica, os efeitos
seriam os lugares. Claro que a questão não é tão simples quanto parece
pois no momento da redundância final deve satisfazer-se os dois tipos de
expectativas retóricas.
Já então, é preciso voltar a ressaltar o valor da dogmática em relação
aos discursos retóricos. Alegóricamente, ela pode ser vista como a
“gramática” deste tipo de raciocínio persuasivo. E para cumprir esta
tarefa, assinala Tércio Sampaio Ferraz, a dogmática deverevelar-sc antes
de tudo uma tecnologia que tem para aqueles que a conhcccm, aspectos
de um rito cerimonial os quais a respeitam como uma busca constante dos
princípios da coerência jurídica.
Chega, agora, ao final nosso esforço para caracterizar a condição
retórica de sentido. Selecionando os aspectos fundamentais do exposto
ela pode ser apresentada como um conj unto de códigos de reconhecimento.
Com os mesmos não podemos reconhecer as formas concretas em que os
processos persuasivos que apresentam senão que codificamos as relações
gerais que permitem aplicar os repertórios argumentativos. Deste modo
120
a condição retórica estabelece as regras que permitem gerar argumentações
persuasivas para a área do direito.
Contudo é claro que a condição retórica cumprirá distintos papéis
segundo o tipo de semiología a partir da qual a interpretemos. Vejo a
condição retórica de sentido como uma teoria da praxis argumentativa.
Como tal, ela me oferece as condições para transformar a própria noção
de retórica ou da teoria da argumentação. Ela inaugura para a retórica o
limiar da epistemologia. A teoria da argumentação como repositorio de
técnicas argumentais toma-se uma teoria do método argumentativo que
exige um controle epistemológico. Ora, enquanto, parece que a teoria da
argumentação não pode submeter-se apenas a um controle discursivo,
sua função não deve ser tão só a de aclarar a linguagem persuasiva. Urna
outra idéia é que ela nos sirva para urna constante definição semiológica
das ideologias. Não apenas nos indicando a existência de cadeias
conotativas ou ideológicas mas também submetendo a exame os códigos
axiológicos, objetivando eventuais mudanças na ideologia fundante da
cadeia conotativa.
Como teoria da praxis a condição retórica estabelece as condições de
seu próprio sentido, isto é, serve como teoria de reconhecimento da
práxis teórica que a teoria da argumentação, como reserva taxonómica,
implica. Assim ela é algo mais que um conjunto de regras e códigos
argumentativos. Não é o lugar de análise da produção de urna combinatoria,
mas antes o estudo das determinantes dessas combinatorias. Os argumentos
são fenômenos transitorios, sem maior interesse para a análise. Importante
para nosso estudo teórico é o resíduo estrutural, que para o caso manifesta
se através das determinações do argumento.
Lembre-se, ainda, que nenhuma teoria se constrói senão a partir de
um marco teórico de referência que permita dar conta das transformações
do próprio saber. Sem tal dialética interna, superadora de seus próprios
limites, não teremos conhecimento senão reconhecimento.
Não se pode esquecer pois que a compreensão do real (ou de uma
prática teórica) não se faz mediante simplificações senão por uma teoria
que complica a razão para simplificar o real, mostrando o simples dentro
do complexo. A razão complica se produzindo abstrações sobre os modos
em que as determinações sociais mostram e ocultam o real.
Curioso é notar que as teorias complexas por sua vez demandam
conceitos simples, que em sua simplicidade possibilitem dar conta das
complexidades do real e das práticas teóricas. A condição retórica de
significação como norma fundamental gnoseológica deve indicar-nos o
principio básico da simplificação que dê conta da complexidade do
processo argumentativo do direito. So desta maneira podemos trazer ao
plano da reflexão teórica o que os argumentos e seus códigos ocultam
mostrando. Incorporar novas problemáticas é precisamente refletir sobre
o alienado.
Não sei se consegui proporcionar satisfatoriamente um diagrama do
sentido da expressão “Condição Retórica de Sentido”. As propostas de
uso na maioria das vezes são pobres. Enriquecem-se na medida em que
são discutidas. Entretanto, creío que a noção poderá servir como critério
desmitificador das funções ilusorias da dogmática jurídica. Suponho que
a condição retórica servirá para recolocar o discurso como discurso
técnico e não científico e também para alertar-nos sobre a função que
devemos reclamar da teoria da argumentação: o controle racional dos
efeitos irracionais do raciocínio dos juristas. Espero haver atingido este
objetivo.
Primavera de 1977.
Apêndice I
AS FALÁCIAS DO DIREITO
INTRODUÇÃO
123
Caracterizando-as ligeiramente (como veremos com mais detalhes
em outros quadros), a significação contextual é o sentido originado a
partir dos processos efetivos da comunicação social.
A significação de base é aquela que, no plano teórico, podemos
reconhecer abstraindo a significação de uso e considerando um sentido
padronizado a parir dos elementos de significação comuns nos diferentes
usos.
II
“CAVALO”
124
Em todos os atos comunicacionais existe uma dimenção implícita
das mensagens. Toda expressão, pormais elaborada que seja, carrega um
número considerável de implicações não manifestas.
Diremos pois, que para interpretar o sentido de uma mensagem é
necessário um processo de articulação entre o sentido manifesto
(padronizado) e os sentidos latentes (do contexto).
Para que uma mensagem se transmita sem inconvenientes o receptor
tem que compreender e aceitar uma série de indicadores não verbais,
captando de alguma maneira os pressupostos significativos da situação
comunicacional, um uso funcional da linguagem pode ser visto com um
nível de análise que nos mostre as relações entre as dimensões explícitas
e não explícitas de uma mensagem. A análise funcional é um processo
diferenciado dos pressupostos latentes das mensagens, feita a partir dos
sentidos padronizados. Dito de outro modo a análise funcional permite-
nos estabelecer inferências de um texto ou mensagem tomando também
como interpretativos elementos do contexto, os acontecimentos não
lingüísticos onde ele se entrosa.
Aos fins de um melhor entendimento, examinemos algumas frases
que se nos apresentam sempre com um sentido padronizado anêmico:
“Escória imunda’’, “monopolistas gananciosos” são expressões
que só tem sentido vinculadas a certos e determinados contextos de uso.
Estamos frente a expressões de um puro significado funcional.
Em suma, o sentido de uma mensagem gira frequentemente em
torno do que decidimos e do que não decidimos. Podemos, assim, afirmar
que uma comunicação exitosa depende de que o receptor pode ter por
detrás do escrito logrando a correta compreenção da situação em que as
palavras são dadas. O dito não se esgota nunca na expressão das palavras
empregadas.
III
125
sintáticos, léxicos ou gramaticais permitem a obtenção de certos efeitos
funcionais. Para isto o significado padronizado permite veicular um
sentido funcional latente. Porque isto?
Acontece que o processo de significação das palavras depende não
só das relações internas dos signos de uma língua, mas de uma série de
relações evocativas provenientes dos contextos de uso. Essas conexões
evocativas são determinadas pelos objetivos do emissor, pela materialidade
ideológica e pelos dados da situação comunicacional.
As vezes, entretanto, os filósofos da linguagem natural, reservam o
termo uso a função para referir-se só aos propósitos significativos do
emissor. Claro que, para compreender o tipo de função que pode
predicar-se de uma expressão, é necessário recorrer principalmente a
uma análise de todos os dados da situação comunicacional. Os propósitos
do emissor são só indicativos.
Atendendo ao complexo de elementos integrantes da situação
comunicacional, podemos considerar que em toda mensagem ou discurso
existem três instâncias funcionais básicas:
a) uma instância informativa'. A mensagem sempre nos veniculiza
um sentido impersonal, socialmente aceito, e vinculado aos objetos do
mundo. Todo discurso e mensagem formulados nos dizem sempre algo
sobre o mundo, e provoca algum tipo de evocação significativa com
relação ao mundo.
b) uma instância emotiva'. Toda palavra ou mensagem constituem-
se em veículo para expressar emoções, serve para provocar associações
que permitem a manifestação de sentimentos pessoais, por exemplo,
cobra, animal rasteiro, perigoso, e assim por diante.
Em muitos discursos a instância emotiva é tão forte que sempre
emprega-se o termo sem prestar atenção ao sentido informativo. Quando
carinhosamente chamamos a nossa enamorada “gata”, “passarinho”
longe estamos de querer evocar algum exemplo da fauna animal.
c) uma instância diretiva: Todas as palavaras cumprem uma função
diretiva ou provoca evocações que permitem a programação dos atos
futuros do homem na sociedade, determinando comportamento futuro.
Ora, numa mensagem efetivamente comunicada, as três instâncias
funcionais participam com pesos diferentes para a constituição do
126
sentido contextual: em alguns casos constituem só um mero álibi
lingüístico -que garante a eficácia comunicacional de alguma delas.
Assim, por exemplo, num discurso publicitário, a instância funcional e
emotiva geram uma cadeia de evocações que se encontram subordinadas,
servem de apoio, às evocações de instância diretiva.
IV
127
V
VI
128
1.1 C O N C E I T O A N A L Í T I C O D O S I G N O
12 9
fe
4-'
ffW'
R. Um sintagma.
130
1.3 S I G N I F I C A D O D E B A S E
R. Sím.
131
1.4.1 Examinando-se os discursos encontrar-se-á o fator auxiliar
para atingir a compreensão das diversas funções comunicativas dos
signos. Também se encontrará o sentido derivado das relações associativas
dos signos.
Lato sensu chama-se significado contextual de um signo ou palavra,
ao sentido que está presente no discurso.
Ora, para compreender o sentido contextual de um signo é necessário
recorrer a uma dupla análise: - De um lado o intérprete deve estabelecer
a intenção do emissor -, de outro lado devem ser identificadas as relações
estruturais (de contigüidade e de evocação) que o signo tem com os
outros signos do discurso.
132
formam campos significativos determinados para as finalidade mais
diversas, numa proporção correspondente às relações que a mente pode
captar.
Uma palavra qualquer, afirma Saussure, pode evocar sempre tudo o
que seja susceptível de estar associado, de um modo ou de outro (vide
Curso de Lingüística Geral, op. cit., p. 22).
A formação dos campos associativos pode basear-se em analogias
de significados, em comunidades de imagens acústicas ou referências
ideológicas.
Ou, dito de outra forma, o significado associado depende de múltiplos
fatores: emocionais, ideológicos, valorativos, históricos etc.
Parece, pois, evidente que na prática os sentidos associativos nos são
revelados a nível da significação contextual, isto é. nos processos
efetivos da comunicação social.
Por outro lado, a formação dos sintagmas se efetua através de
combinações apoiadas em elementos alinhados no plano do discurso
(comunicação efetiva).
1.5.3 Advertência
134
1.6 NOÇÃO AMPLA DO SIGNIFICADO DE BASE
1.6.1 Código
13 5
1.7 RECAPITULAÇAO CONCLUSIVA
136
Os componentes circunstanciais podem ser constituídos por
elementos do meio ambiente (do qual a mensagem possui referencia)
bem como dos propósitos do emissor.
Assim, toda a mensagem, texto, discurso, ou manifestação deve ser
vista como um processo social complexo onde se articula um sentido
padronizado e certos conhecimentos contextuáis que o complementam.
137
pode acompanhar o significado descritivo, refletindo a apreciação do
emissor frente aos objetos ou descrições.
138
descrição, agregando só significado de referência um critério valorativo
(ético).
1.11 RECORDANDO:
139
1.12 Vários termos que integram o arsenal lingüístico da ciência do
direito, mostram esta carga significativo-axiológica. Palavras como
liberdade, direito subjetivo, democracia, propriedade, justiça, ordem
pública, boa-fé, são exemplos de expressões com significação
predominantemente ética.
Em geral podemos dizer que a significação ética constitui o nível de
transmissão de conteúdo ideológico. São termos que se usam para obter
a consolidação e a aceitação dos valores predominantes da comunidade.
Quando se diz que alguém tem um direito subjetivo, se está reconhecendo
nesta pessoa um privilégio social valorizado positivamente.
Desta forma, mediante a utilização de uma linguagem impregnada
de significações éticas, se consegue introduzir, sob uma suposta aparência
de uma descrição objetiva, uma dimensão ideológica nãoformulada na
linguagem jurídica.
140
De acordo com essas teses, existem palavras que não expressam
qualidade essenciais das coisas. Apoiando-se nesta crença, surgiu uma
série de evocações conotativas para certos signos apoiados em elementos
de referência ou elementos contextuáis, apresentando-as, contudo, como
elementos essenciais dos termos. São palavras éticas.
R. Todos.
1.14 OS ESTEREÓTIPOS
141
d
142
do mundo, que operam como formas significativas independentes das
situações reais. São esquemas feitos a partir de urna anemia referencial
que permite a cristalização da ideologia.
É importante notar que os usos persuasivos da linguagem geralmente
apela aos estereotipos como meio para a produção cio efeito ele
convencimento esperado.
Uma mensagem consegue persuadir quando as afirmações de sua
concluscão conseguem preencher a significação fática ausente no sentido
de base de expressão estereotipada.
14 3
partir de propriedades caricaturizadas, apresentadas fora de suas
proporções reais.
144
roupagem de uma função descritiva, manter em reserva um intenção
valorativa.
Os desacordos valorativos têm a ver com a forma em que as coisas
são preferíveis ou aceitáveis, com o modo pelo qual a realidade é descrita.
Este segundo caso está vinculado ao processo de verificação ou
demonstração. No desacordo valorativo o processo de mudança de
preferência está relacionado ao processo de persuasão. Uma boa estratégia
persuasiva consiste precisamente na mudança de nível, trazendo para o
campo da verificação a disputa sobre os valores e os atos de preferência.
146
Dito em palavras mais simples, a ideologia como sistema de crenças
é interiorizada nos indivíduos através de discursos genéricos como os da
religião, o direito ou os dos meios de comunicação. Esses discursos vão
mudando o inconsciente ideológico dos homens e influem como seletores
das informações ou opiniões que receberão em futuros atos de
comunicação. Se neles não se reconhece, a voz ideológica previamente
interiorizada não os aceitará.
Ou seja, nenhuma associação sígnica poderá ser induzida se ela
violentar o inconsciente ideológico dos receptores.
147
linguagem como um tipo de raciocínio que, inclusive, violentando os
critérios lógicos, resulta psicologicamente persuasivo.
Habitualmente costumam dizer que um raciocínio é psicologicamente
persuasivo quando as afirmações que se pretendem transmitir podem ser
vinculadas a pontos de vista intuitivamente aceitos. Mas isto só pode
acontecer porque existem fatores ideológicos que regulam os critérios de
intuições.
Para explicar de urna forma mais eficiente o modo de produção do
convencimento, diremos que o significado de uma mensagem persuasiva
se obtém mediante um delicado processo de subordinação dos campos
fáticos e conotativos aos condicionantes ideológicos do sistema global
das significações sociais, isto é, do plano simbólico.
148
Dissemos que as relações de significação produzem dois tipos de
efeitos que denominamos “plano fático” e “conotativo das mensagens”.
O plano fático articularia as relações associativas produtoras do
efeito lingüístico de realidade; o plano conotativo estabelecería relações
associativas indicadoras dos juízos de valor sobre o plano denotativo.
Ora, depois da análise sobre a ideologia, poderemos falar de um terceiro
plano.
E o plano simbólico, isto é, de um tipo de relações evocativas que,
operando como sistema de representações, permitem a legitimação da
ordem vigente.
149
1.23 A PERSUASÃO E OS USOS BÁSICOS DA LINGUAGEM
1.24 EXERCÍCIO
Procure caracterizar, com base nos estudos já feitos até aqui, os usos
persuasivos da linguagem.
150
O convencimento é eficaz quando se baseia num raciocínio
ideologicamente condicionado.
151
lotações, às seis horas da tarde, estão sempre repletos, é concluir, dessa
afirmação, que não podemos viajar.
Parecería uma afirmação demonstrada, mas evidentemente não
pode ser provada através de um cálculo lógico estrito. Para nós, as
generalizações intuitivas, baseadas em experiências anteriores, são
também ideológicas, pois toda intuição se baseia em uma determinada
cosmovisão do mundo.
152
verossimilhança de certas conclusões, tudo a partir de opiniões
ideologicamente aceitas.
1.27 ARGUMENTOS
R. Argumento.
1.28 CONCLUSÕES
154
PARTE II
1 INTRODUÇÃO
155
ou não considerando devidamente as regras de derivação de um recurso
lógico estrito.
De nossa parte, empregaremos a expressão “falácia não-formais” de
forma mais restringida para nos referirmos ao conjunto de slogans
operacionais que permitem o reconhecimento teórico de algumas formas
tradicionais do raciocínio persuasivo.
Trata-se, porém, de um conjunto estereotipado de formas
metodológicas que funcionam como princípios de inteligibilidade dos
raciocínios persuasivos.
Na teoria da argumentação é comum estabelecer-se uma classificação
das estruturas argumentativas mais usadas para persuadir. Ditas estruturas
argumentativas nós as chamaremos de “falácias não formais”.
Assim, seriam “falácias não formais”, um repertório de lugares
persuasivos com os quais se pretende indicar as maneira em que se
trabalham as opiniões generalizadas ou crenças para conseguir que
cheguem a ser aceitos alguns pontos de vista não demonstrados.
E eficácia persuasiva dos raciocínios falaciosos se obtém porque,
apelado-se às formas ideológicas de nosso senso comum, logramos
apresentá-las como logicamente demonstradas.
156
introduzir afirmações não demonstrada pela aparência de pertencer ao
universo das opiniões aceitas ou, a um domínio conotativo
comunitariamente aceito.
1.3 Então pode-se dizer que as falácias não formais seriam recursos
que explicariam os mecanismos que permitem criar esse efeito de
inferência lógica.
2 AMBIGÜIDADE
2.2 Anfibología
158
combinadas, ou seja, quando as relações sintagmáticas geram sentidos
ambígüos. Rode-se também falar em anfibología para fazer referência a
expressões significativamente anêmicas (cujo sentido só pode ser
preenchido contextualmente).
Usa-se persuasivamente a anfibologia quando se induz a aceitar a
conclusão através de um jogo sintagmático que, para essa conclusão,
sugere um outro sentido que, por sua vez, é geralmente aceito. Também
pode isso ocorrer a partir de um uso presumivelmente padronizado ao se
sugerir a aceitação de uma situação que provavelmente não poderá ser
aceita sem explicitar a significação de base.
A falácia de anfibologia sintática é muito comum nas práticas
judiciárias. Exemplificando, observamos que os juizes, alterando a
relação estrutural entre um delito e o bem jurídico protegido, provocam
uma mudança no tipo de conduta incriminadas.
Como exemplo de anfibologia semântica, podemos falar de emprego
persuasivo de termos como “democracia”. Nós estamos propensos a
aceitar como correta uma situação fática catalogada como democrática.
Se o emissor, no entanto, explicitasse devidamente o que entende por
democracia, não iria ele obter a nossa concordância, provavelmente.
Os estereótipos podem ser vistos como um caso de anfibologia
semântica.
15 9
2.4 Processo produtivo
160
grande safra que se verifica. Com urna grande oferta do produto, o preço
cai.
No exemplo, se produz com ênfase uma expressão que provocou
uma alteração inadvertida do sentido da mensagem. E evidente que
alguns enunciados adquirem significações muito diferentes segundo as
palavras que se sublinham (ou são produzidas com destaque por meio de
qualquer expediente).
3 ACIDENTE
3.2 EXERCÍCIO
162
4 APELAÇÃO À AUTORIDADE
163
transvestida de cunho científico seja recebida sem suspeita e sem
reservas, a invocação de autoridade no interior de um discurso
argumentativo cria um efeito dé cientificidade ao racicínio que toma
altamente persuasivo.
Vale lembrar o clássico exemplo de falácia de autoridade imposto
pelos teólogos de Florençaquando se negaram a olhar pelo telescópio de
Galileu. Preremptoriamente se recusaram a aceitar as teses do grande
sábio sobre a rotação dos planetas, alegando serem contrárias às afirmações
do intocável Aristóteles. Com essa falácia, consideraram justificada a sua
negativa em observar, pelo telescópio, os fenômenos descobertos por
Galileu e que, uma vez confirmados, poderíam (por em riscos suas
próprias convicções filosóficas e religiosas.
164
EXERCÍCIOS
Respostas:
EXERCÍCIO
166
6. C O N T R A R I O S E N S U
167
Apêndice II
Teoria Geral do Delito
PRIMEIRA PARTE
O DELITO
169
a) Como se caracterizaria uma sanção jurídica?
b) Como u distinguiría das outras técnicas de controle social?
c) Quando uní pai castiga fisicamente ura filho está lhe aplicando
uma sanção jurídica?
R. a) A ameaça de um castigo é que motiva a obediência ao direito
positivo.
b) É uma reprovação institucionalizada.
c) Não, está lhe impondo urna forma de repudio espontáneo.
171
A norma, sob o ponto de vista lógico, é considerada como um
enunciado condicional: Se "p" então "q"; "p" simboliza o enunciado que
descreve uma conduta e "q" o enunciado que descreve o ato coativo
caracterizado como sanção. Exemplo: Se alguém envenena águas (então)
será reprimido como prisão de seis meses a dois anos.
172
4.1 Relações entre Moral e Direito
4.2
173
5. ATOS COATIVOS DEVIDOS QUE NÃO SÃO SANÇÕES
174
como vimos, independentemente do fato de que muitas vezes existe uma
coincidencia entre as valorações morais e as valorações jurídicas.
Desta maneira a teoria geral do direito de caráter kelseniano preten
de impor um conceito normativo de delito baseado exclusivamente em
sua função na norma, e não levando em conta elementos axiológicos,
sociológicos ou antropológicos.
7. CONCEITO JUSNATURAL1STA DO
DELITO NA CIÊNCIA PENAL
175
7 .1
176
P. Qual a diferença que a dogmática penal estabelece entre o ilícito
penal e o ilícito civil?
9. PAINEL CRITICO
177
■■'t. ;■>
10. NOTA
178
11.1
R. Ao de "mala prohibita
179
12.1
R. Material
180
13.1
13.2
181
14. TEMAS PARA REFLEXÃO
183
desvalor da vida social, isto é, um desvalor da vida comunitária pensada
homogéneamente, supõe-se que o legislador é o intérprete mecánico de
valorações sociais que preexistem è subsistem sem ele.
Nesse sentido oculta-se sua atividade criadora, constituinte e
normativa. A normatividade de uma conduta erigida como antijurídica
seria claramente imposta por toda a coletividade ao legislador, seria um
desvalor sentido socialmente e prescritivo da tarefa legislativa, enfim, a
conduta antijurídica neste tratamento que lhe dá a dogmática, não mais
corresponde ao conceito normativo do crime.
18. RECAPITULAÇAO
184
"O direito penal é visto pela dogmática contemporánea como um
sistema de garantias dos valores sociais cuja incolumidade é de
fundamental importância para a convivência social".
185
Bem no sentido em que a dogmática o concebe, é tudo aquilo que
satisfaz uma necessidade do homem, seja esta de natureza material ou
¡material.
O bem ou interesse jurídico constitue o objeto da proteção outorgada
pela norma penal.
Os diferentes bens jurídicos apresentam uma grande heterogeneidade.
O bem pode ser não apenas um estado (como a integridade corporal),
mas também, entre outras possibilidades, um sentimento como a honra,
uma condição como a honestidade, um predicado da propriedade, o
exercício de um direito corno a liberdade, etc...
O rol dos bens jurídicos que o direito diz proteger é amplo e bastante
complexo. Talvez só se possa formular a respeito dos mesmos um
catálogo exemplificativo; um catálogo que reproduza os principais bens
jurídicos legislados nos diferentes ordenamentos jurídicos e teorizados
pela dogmática.
Tomando-se por base o direito e a doutrina dos códigos que seguem
a filosofia jurídica da Revolução Francesa, podemos mencionar como
exemplo de bens jurídicos: a vida, a honra, a liberdade sexual, o estado
civil, a liberdade, a propriedade, a segurança pública, a fé pública, etc...
R. A propriedade.
186
Não é possível afirmar que exista um interesse sem um juízo sobre
a possibilidade que tem um bem de satisfazer uma necessidade material
ou ¡material do homem.
O interesse é, então, um juízo de valor do bem, enquanto tal.
187
24. DISCUTA GRUPALMENTE A QUESTÃO
24.1
188
isto é, a validade dos mesmos não se pode estabelecer por meio de
verificação ou experimentação, eis que não fazem referência a dados do
mundo.
Os termos teóricos só teriam valor, enquanto revelam uma certa
capacidade explicativa, neste caso, o conceito de bem jurídico serviría
como definição operativa que informa o caráter antijurídico de certas
condutas e o desvalor que o legislador pretende sancionar.
189
Nas teorias jurídicas os termos teóricos aparecem sob a forma de
conceitos normativos, como sanção, ato antijurídico, dever jurídico e
âmbitos de validade.
Deste modo, relacionando um termo teórico como bem jurídico,
com outros conceitos normativos, o enunciado "alguém lesionou um bem
jurídico" seria equivalente à afirmação "a conduta x é antijurídica por ser
o antecedente da menção de uma sanção".
E claro que os termos teóricos em direção estão longe de ser usados
exclusivamente no sentido anteriormente referido. Na maioria dos casos
a expressão bem jurídico é usada aproveitando a forte carga emotiva que
contém. Eclipsada qualquer referência significativa, os termos teóricos
são empregados para provocar adesões, pretendendo-se que o receptor da
mensagem compartilhe o mesmo juízo de valor que seu emissor, em
relação à conduta valorada, ou a alguma pretendida mudança de critério
na solução jurisprudencial de um caso.
Os termos teóricos cumprem assim a função de um estereotipo.
190
Um exemplo de seqüência argumentativa para a estereotipação de
um conceito-seria a vinculação da expressão "segurança" com "trabalho",
em frases como, "a segurança é garantida do trabalho".
Com o passar do tempo o sentido das expressões segurança e
trabalho dilui-se e, em algumas circunstâncias em que se quer desmere
cer comportamentos afirma-se que os mesmos são atentatórios à segu
rança. O receptor dessas mensagens, as recebe, e inconscientemente,
qualifica tais comportamentos como negativos, por pensar que atentam
contra interesses que lhe são fundamentais, como o trabalho, embora não
entenda bem quais seriam os valores atingidos por tais condutas.
A vinculação inicial foi esquecida e ele sente que tudo é atentatório
à segurança, é mau.
R. Teóricos.
R. a) Teoria b) Empíricos.
191
4. Os termos teóricos e empíricos não são redutíveis a.
R. Fatos e dados.
R. Emotivo.
193
Quando se controla criticamente a produção teórica dos juristas é
conveniente ter em coma as duas fontes de produção do conhecimento.
Não para invalidar uma delas, mas para evitar que se confundam. O
discurso racional deve superar as ficções porque estas só tem valor
argumentativo.
194
P. Que função sistemática cumpre o conceito de bem jurídico?
R. a) Administração pública.
b) Segurança nacional.
NOTAS:
195
31. CARÁTER NÃO OBRIGATÓRIO DA
CLASSIFICAÇÃO DOS CÓDIGOS
196
32. PAINEL CRÍTICO
197
e 'MT
198
34. MULTIPLICIDADE DE BENS JURÍDICOS PROTEGIDOS
199
A moderna dogmática move-se portanto no sentido de considerar
delituosa tanto as condutas enlaçadas a um resultado, mas em si mesmas
desvaliosas.
200
explica-se pelo fato de que, em última instância, toda a dogmática penal
é, consciente ou inconscientemente, caudatária e reprodutora do pensa
mento jusnaturalista.
201
d
202
só estabelece capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações.
Ocultam o fat© de que também outorgam capacidade para delinquir, já
que só a partir do direito positivo é possível saber quais os indivíduos que
podem ser incluídos no âmbito pessoal de validez de um delito.
Através da análise dogmática dos elementos do delito mediante o
estabelecimento teórico das leis que determinam suas recíprocas rela
ções, define-se, caso por caso, quando um indivíduo entra ou não no
âmbito pessoal de uma figura penal.
Esta decisão é sempre jurisprudencial e o conceito analítico do delito
permite apresentar o ato de vontade judicial como um processo mera
mente dedutivo e neutro.
203
PARA DISCUSSÃO EM GRUPO
204
41. TIPO E TIPICIDADE
P. Que é tipo?
205
42.1
R. Aberto.
206
social servida ao exemplo para desqualificar como antijurídico um
comportamento típico.
207
certas características deste ámbitomaterial de validez, que o diferencia de
outras espécies de normas positivas.
Basicamente o tipo seria um ámbito de validez significativamente
unívoco e através de sua precisão definitória cumpriría a função de
garantia, impedindo que certas ações resultem delituosas por decisão
arbitrária dos juizes. %
P. Como seria o âmbito material de validez da norma penal?
20B
a) a irretroatividade da lei penal que prejudica o acusado;
b) a afirmação de um delito baseado em norma que não seja a lei
escrita;
c) o uso da analogia em relação às normas penais;
d) a existência na legislação penal de incriminações vagas e
indeterminadas.
Ocorre que todas estas deduções do princípio da legalidade são
linguisticamente insustentáveis.
Distintamente do que acontece na lógica simbólica, ou ñas matemá
ticas, que trabalham com uma linguagem formalizada, todas as normas
jurídicas, inclusive as penais, estão expressas em um tipo de linguagem
que se chama natural. Essa linguagem possue como características
inafastáveis a vagueza, a ambigüidade, a anemia de seus termos, etc.
Com mais rigor poderiamos dizer que na linguagem natural todas as
expressões são atual ou potencialmente vagas, e algumas além de vagas,
são ambígüas.
Também no direito penal positivo todas as expressões são atual ou
potencialmente vagas. Não falemos já de termos como mulher honesta,
ultraje ao pudor, ânimo de lucro, etc... Mas, mesmo expressões que
parecem caracterizar-se por uma inquestionável univocidade significa
tiva, como matar ou furtar, padecem de vagueza. Não se discute aqui a
multiplicidade de casos em que é clara a aplicação do termo, mas aqueles
em que o significado matar deixa de ser transparente, como, por exem
plo, o caso de um médico que extrai o coração do paciente, para
transplante, enquanto estão vivas as células de seu sistema nervoso. O
caso adecua-se ao sentido ordinário de matar?
Com relação ao furto é importante lembrar os primeiros casos de
furto de uso, ou do furto de uma "entidade" frente a qual se duvida aplicar
o conceito de coisa.
Nesses casos fica patente a vagueza do termo furtar, aparentemente
tão univoco.
Mas também a ambigüidade assalta a linguagem em que estão
escritas as normas penais gerando incertezas significativas - expressões
como ordem pública, segurança nacional, etc..., caracterizam-se por uma
209
anemia concitativa (espécie de ambigüidade) que nenhuma estratégia da
dogmática pode obscurecer.
Ora, em função de tais características as palavras da lei penal são
necessariamente vagas, ambigüas e suscetíveis de uma redefinição
significativa no ato de sua interpretação.
O juiz pode, então redefinindo o sentido dos termos da legislação,
punir um individuo por fato não previsto com anterioridade; pode
também basear sua decisão em uma fonte material, distinta da lei escrita,
utilizando este mesmo processo de redefinição.
Com relação à analogia explica a lógica contemporânea que todo ato
de intervenção judicial implica em urna atividade analógica, onde a
adequação ao tipo, e do tipo a um comportamento, opera-se mediante um
processo de seleção de semelhanças e diferenças.
Sobre a proibição de incriminações vagas e indeterminadas nem há
que falar, frente às características da linguagem natural, inapelavelmente
vaga ou ambigüa.
Afinal, deve-se ressaltar que é a própria análise do direito positivo
que contradiz esses princípios. A despeito da longa elaboração doutriná
ria para desfazer determinadas evidências, casos como o da interpretação
autêntica, da norma penal em branco, do recurso à analogia indicado pela
própria lei, dos elementos normativos do tipo, estão a demonstrar o
caráter retórico e fictício do princípio da legalidade.
Deve-se lembrar, também, construções como "adequação social" e
"tipos abertos", aludidos pela teoria finalista, desqualificando a função
de garantia do tipo e admitindo implicitamente a tipicidade como um
argumento destinado a tranquilizar os cidadãos, mediante uma persuasi
va promessa de segurança.
49. ANTIJURIDICIDADE
211
comportamento encontraria correspondência tipica no art. 129, I, do
C.P.B. Mas, se o agente for um policial que no ato de prender um cidadão
entendeu necessitar recorrer a esta pratica, o comportamento converte-
se em conduta lícita: sua ação será típica mas não antijurídica.
Dê outro exemplo de um comportamento típico amparado por uma
causa de justificação.
50.1
50.2
212
Isto significa que a conduta antijurídica é a conduta típica que não
aparece justificada. Se José mata Pedro realiza ação típica; mas se o taz
em legítima defesa sua ação não será antijurídica.
Também uma parte da dogmática, como já referimos no Título da
Tipicidade, refere-se a outra situação onde a conduta típica não reveste
caráter criminoso, isto é, antijurídica. Afirma esta corrente que determi
nados comportamentos típicos possuem adequação social, vaie dizer,
formalmente se adecuam a um tipo, mas não contrariam a "ordem social".
Nestes casos a punição do comportamento amparado pela "adequação
social" aparece como inconveniente. Exemplo: certas expressões injuri
osas dependendo do lugar, oportunidade ou ânimo do autor, não devem
ser consideradas criminosas, ainda eu formalmente se ajustem à figura da
injúria.
213
A antijuridicidade formal representaria a ação "mala prohibita" e a
material a ação "mala in se".
a) Quando umaconduLa não está amparada por causas de justificação
dizemos que é....................................... antijurídica.
b) Quando uma conduta se adequa a uma figura típica dizemos que
é .................................................................... antijurídica.
R. a) Materialmente;
b) formalmente.
R. b.
214
53. PAINEL CRÍTICO
54. CULPABILIDADE
R. a) a imputabilidade do agente;
b) prática de uma conduta dolosas ou culposas;
c) exigibilidade de um comportamento adequado ao dever.
215
55. TEORIA PSICOLÓGICA E FINALISTA
56. IMPUTABILIDADE
216
lidade, e, a exigibilidade de um comportamento adequado ao dever,
pressuposto fundamental a uma definição normativa da culpabilidade.
Este último requisito significa que uma conduta não pode ser considerada
reprovável (culpável) quando foi praticada em circunstâncias em que não
se podia exigir um comportamento adequado às exigências do direito.
Exatamente nesta contradição entre o comportamento de um sujeito e as
exigências da norma jurídica, quando o agente tinha consciência da
ilicitude de seu comportamento e tinha a possibilidade de adequá-lo à
norma, reside o aspecto normativo da culpabilidade.
R. Culpa.
217
58. QUANTIFICAÇAO DA CULPABILIDADE
218
portanto apenas nos sistemas jurídicos onde se avalia a culpabilidade em
função de-um fato determinado.
219
61. PAINEL CRÍTICO
220
SEGUNDA PARTE
DA AÇÃO
221
"modificação no mundo exterior físico, perceptível do ponto de vista
material, isto é sensorialmente".
Nos delitos em que se violasse uma proibição contida na norma a
ação realizar-se-ia através de uma tensão muscular; nos delitos em que
não se atendesse a um mandato normativo a ação seria causada pelo
descanso físico. Desta forma concebia-se a ação como a causação de um
resultado relacionado com o uso da força física, trabalhando-se no
âmbito da dogmática com o método positivo no sentido comteano.
222
P. Com base em que critério reformula von Liszt a concepção
naturalista?-
R. Resultado típico.
223
67. CONCEITO FINALISTA DA AÇÃO
224
A ação em sentido estrito, relevante para o direito penal, é a
transgressão de uma proibição contida na norma é um "facere quo non
debetur".
A omissão é a abstenção da atividade devida, isto é, de uma atividade
que o agente devia e podia evitar. Esta é a omissão relevante para o direito
penal.
A ação punível em sentido estrito conforma a prática do crime
comissivo.
A omissão punível dá lugar a duas espécies criminosas: os crimes
comissivos puros e os comissivos por omissão.
TAREFA:
R. C.
225
70. DEFINIÇÃO DE CRIMES OMISSIVOS PUROS
TAREFA:
R. a.
226
72. EXERCÍCIO COMPLEMENTAR
227
P. No caso de um agente subjugar a outrem segurando sua mão e lhe
fazendo assinar um documento, a conduta do subjugado correspondería
a que hipótese?
a) coação física irresistível
b) estado de inconsciencia
c) ato reflexo
R. a.
228
Convém salientar que essa dúvida epistemológica não está necessa
riamente atrelada às duas concepções que hoje se enfrentam na ciência
penal: de um lado a posição da teoria tradicional, também chamada de
causalista, e de outro, a concepção finalista encabeçada por Welzel e
amplamente recepcionada pelas elites dogmáticas da América Latina.
Em outras palavras: não é necessário acreditar que os conceitos jurídicos
referem-se a valores - e não à realidade fenoménica - e são por conseqü-
ência criações arbitrariamente moduladas pelo jurista, ou, diversamente,
que o cientista do direito necessita submeter-se em suas definições às
estruturas ontológicas ou lógico-objetivas do objeto investigado. A partir
de concepções mais contemporâneas, promovidas no domínio da
linguística, tem-se identicamente discutido sobre o caráter essencialista
ou convencional da linguagem, isto é, se as palavras devem guardar (e
efetivamente guardam) fidelidade ao objeto do mundo que primitiva
mente designavam. Ainda, de outro ponto de vista, quando se afirma a
necessidade de os conceitos jurídicos serem submetidos a uma crítica
formulada desde uma ótica inter-disciplinária, insinua-se que o cientista
do direito não pode ser o ditador inquestionado dos conteúdos que
empresta aos conceitos que elabora.
A epistemologia contemporânea, de índole não metafísica, tem
insistido no caráter convencional da linguagem, no desprestígio de teses
essencialistas que adjudicam uma natureza secreta e metafísica aos
objetos (natureza essa que a linguagem deveria refletir) e na presença de
ingredientes ideológicos que emolduram e povoam o conhecimento
científico; mas também tem insistido na necessidade de formular um
discurso científico rigoroso, com enunciados coerentes e precisos, em
processo contínuo de controle. Isto significa a requisição de um uso
adequado e sistemático dos conceitos meta-analisados permanentemen
te, e confrontados com os últimos aportes da ciência. Nesse sentido é
prudente que os juristas, explicitando campos temáticos rigorosamente
investigados por outras disciplinas, não produzam uma coleção de
definições caprichosas, sem nenhuma transcendencias e operatividade
fora dos feudos que dominam.
A definição de ação dada pela teoria finalista, enquanto postula um
conceito meta-jurídico da conduta humana, pode ser compartilhado por
229
aqueles que consideram que dentro e fora do universo jurídico a ação está
vinculada a urna mesma forma energética. Ocorre que, distintamente do
que promociona Welzel, inspirado em uma "psicologia do pensamento"
da década de 20, o comportamento humano é hoje explicitado em termos
de "feed back" e não mais como voluntarismo finalista. Através de um
mecanismo de retro-informação, a ação informa-se de sua eficiência na
consecução de um objetivo, auto regula-se e se exercita.
230
BIBLIOGRAFIA
I
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