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RIO DE JANEIRO
2018
RESENHA DE: BENCHIMOL, Larry Jamie. Pereira Passos: um Haussann
tropical – A renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX.
Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes,
Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de
Editoração, 1992, p. 204-305.
CAPÍTULOS: 12 – A Transfor vmação da Cidade do Rio de Janeiro no início do
Século XX / 13 – O Bota-abaixo: A municipalidade na remodelação urbana / 14 –
Os deserdados da urbe renovada.
O processo de remodelação urbana ocorrida no Rio de Janeiro do início do
século XX provocou impactos econômicos, sociais e culturais, caracterizado pela
afirmação do capital. Larry Benchimol, graduado em história pela Universidade Federal
Fluminense, onde fez também seu doutorado, mestrado em Planejamento urbano e
regional pela COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, sendo ainda pesquisador
e professor na Casa de Oswaldo Cruz, realizou nessa obra um dos primeiros estudos
históricos sobre o tema, dando ênfase na história urbana e social considerando esse
momento um marco e divisão de águas na intervenção no espaço da cidade. O autor
relata ser esse contexto marcado pelo combate de duas grandes ideias: a da implantação
de um modelo de cidade baseada no padrão das grandes metrópoles europeias, que
inspirasse civilidade, progresso, renovação estética e sanitária; contra o antigo molde
colonial, atrasado, anti-higiênico e doente. O Estado intervinha no espaço público
servindo aos interesses da classe dominante e do poder privado. As figuras de Oswaldo
Cruz e Pereira Passos passavam a imagem de agentes do progresso, buscando
desvincular o projeto de obras do grande lucro que representaria aos particulares. Como
justificativa afirmavam que, ao invés do crescimento que se movimentava no sentido de
cobrir áreas desabitadas de forma desordenada e aleatória, se investiria na melhoria do
espaço já ocupado de forma racional e organizada. O grande problema apontado pelo
autor era que esse plano implicava a destruição de um passado, de paredes que
abrigavam pessoas que ali viviam configurando uma dinâmica social própria, e junto a
outras modificações implantadas, traria grandes repercussões.
Em 1902 foi eleito o paulista Rodrigues Alves para a sucessão de Campos Sales,
período no qual vigorava a política do café com leite, tendo um mineiro como vice-
presidente. Benchimol aponta que o plano de reestruturação foi o grande destaque de
seu governo. Foram autorizadas emissão de títulos de dívida interna para concessões
vinculadas ao aperfeiçoamento do porto. A Empresa Melhoramentos do Brasil em 1890,
no auge do encilhamento, atuou na revitalização portuária, na criação de cais, se
envolvendo também com projetos rodoviários, ferroviários e empreendimentos
agrícolas. Porém, devido a depressão econômica do final do mandato de Campos Sales,
a concessão para atuar no porto foi transferida para uma empresa britânica. Em 1903
Paulo Frontin é nomeado por Rodrigues Alves chefe da Comissão Construtora da
Avenida Central. A firma inglesa C. H. Walker & Cia já tinha ligação com a empresa
que recebeu a concessão da Empresa Melhoramentos, e foi contratada para as reformas
no cais.
A estrutura portuária antes da modernização já não correspondia as exigências
do mercado, da grande circulação de produtos e pessoas. Segundo o livro, citado por
Larry Jamie, de F. A. Georgelette, Le Port de Rio de Janeiro, as primeiras vistas davam
para Botafogo e Flamengo, que trazia a aparência luxuosa e moderna; ao ultrapassar
certo ponto, o espectador já se deparava com a imagem desagradável da velha cidade
colonial. O porto que ia perdendo seu papel de agroexportador de café e se afirmando
como distribuidor de importados e de um mercado externo de gêneros de diversas
regiões, tinha necessidade de ampliar sua capacidade para atender a um fluxo cada vez
mais intenso. O porto se conectava com uma rede tributária que se ampliava com a
ferroviária. A mais importante era a estrada de ferro Central do Brasil que se interligava
com diferentes regiões do país. A remodelação empreendida contou com a eliminação
dos Morros do Senado e Castelo. Em 1907 foi necessário o prolongamento do porto que
foi inaugurado em 1910 no governo de Afonso Pena, mas só foi concluído em 1911. Já a
da segunda seção do Cais, entre Canal do mangue e ponta do caju só foi definida em
1924. Além dessa revitalização portuária, o governo federal empreendeu este
prolongamento do Canal do Mangue e três importantes avenidas, a Francisco Bicalho,
Rodrigues Alves e Avenida Central, esta última passou a se chamar Rio Branco em
1912. A Avenida Rodrigues Alves se articulou com a área industrial de São Cristóvão e
bairros próximos. A Avenida Central representou um grande símbolo de modernização
da época, mas era onde estalagens, cortiços e casas de cômodos abrigavam maior parte
dos trabalhadores que tiveram que migrar para as áreas periféricas. A população que foi
expulsa do centro pagou o preço dessa reforma que atendia as novas exigências do
processo de acumulação do capital, em benefício das camadas mais privilegiadas, dos
especuladores, e do projeto que o Estado tinha para a capital. No plano espacial
intensificou o problema habitacional dos setores mais pobres, resultando no aumento do
valor dos imóveis, superlotação nas moradias, e degradação das condições sanitárias.
Mas ainda permitiu uma certa vantagem pelo aumento da atividade comercial nas áreas
deterioradas e arredores no qual maior parte da população pobre se estabeleceu. Já a
pequena burguesia que atuava no centro das obras tivera que se transferir para os
subúrbios.
As Avenidas eram os pontos-chave da reforma municipal. Em 1903 Pereira
Passos, prefeito do Distrito Federal desde 1902, deu início a obra de prolongamento da
Rua Sacramento, que passou a se chamar Avenida Passos. A Avenida Beira-Mar foi
iniciada em 1904; houve também a abertura da Avenida Central, que contou com o
desmonte do Moro do Castelo e São Bento, e da Avenida Mem de Sá. Ainda fazia parte
dos planos municipais ajardinar ruas e praças, a construção de mercados, e do Teatro
Municipal e Paço Municipal. Porém, mesmo Pereira Passos tendo sido nomeado pelo
presidente haviam dissidências e problemas de renda insuficiente. O município sofria
com o excesso de atribuições locais e poucos recursos enquanto o governo federal se
ausentava, cuidando apenas do fornecimento de água e fazendo concessões a empresas
estrangeiras para os outros serviços. Passos, aproveitando-se de um período de
centralização do poder nas mãos do prefeito, solicitou prazo para a Diretoria do
Patrimônio fixar limites da área foreira à municipalidade e isso trouxe benefícios fiscais
e poder de negociação de terrenos. E principalmente devido ao aumento do imposto
predial, o município conseguiu expandir sua receita para realizar os empreendimentos
urbanísticos.
Segundo Benchimol, Pereira Passos utilizou de seu poder para aprovar diversos
decretos que visavam modificar antigos costumes não compatíveis com o ambiente
modernizado que buscava construir. Suas medidas atingiram não só os moradores do
centro e arredores, mas também aqueles que viviam nas regiões mais marginais, e
visavam fazer os setores mais baixos pagarem por essas intervenções no espaço da
cidade. Primeiro foi proibida, e depois restringida a venda de miúdos de reses em
tabuleiros pela rua. Depois ordena lei que proíbe retirar leite das vacas em via pública.
Em 1903 foi decretada a captura dos cães de rua, também se torna ilícito praticar a
mendicidade. Os inábeis para o trabalho, depois de serem avaliados por médicos, eram
levados para asilos. Passos não conseguiu proibir o trabalho ambulante devido as
extremas condições de desemprego que o país se encontrava. Porém passou a cobrar
licenças e multas que levaram muitos à falência. Os estábulos foram enquadrados em
normas higiênicas. Houve também uma guerra contra os quiosques. Foi proibido o
plantio de capinzais, tanto de uso particular como para comércio, e o das hortas de
venda em extensas áreas. A criação de suínos, também foi banida. E ainda houve a
proibição de circulação de cargueiros, que faziam transporte de alimentos com o auxílio
de animais para abastecer as regiões. Havia uma intenção muito forte de transformar
aquele contingente de pessoas em cidadãos disciplinados e convictos dos valores
burgueses responsáveis por sua própria subjugação.