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As características apontadas por Maingueneau são propriedades das noções de ethos apontadas
por autores que abordam esse conceito desde Aristóteles. Dessa maneira, o autor coloca que,
para as perspectivas dos “cultural studies”, “o ethos é associado a questões de diferenças sexuais
e étnicas” (p. 13). Já para Aristóteles, o ethos está ligado à própria enunciação, sendo que para
dar uma imagem positiva de si mesmo, o orador pode se valer de três qualidades fundamentais:
a prudência, a virtude e a benevolência. Ducrot, por outro lado, conceituou o ethos retórico por
meio da “distinção entre ‘locutor-L’ [= o locutor apreendido como enunciador] e ‘locutor-
lambda’ [= o locutor apreendido como ser do mundo], que atravessa a distinção dos
pragmaticistas entre mostrar e dizer: o ethos se mostra no ato de enunciação, ele não é dito no
enunciado” (p. 13). Assim, “o ethos não age no primeiro plano, mas de maneira lateral; ele
implica uma experiência sensível do discurso, mobiliza a afetividade do destinatário” (p. 14).
Cícero “insiste no fato de ser necessário que o ethos não seja um fingimento e, sim, uma
construção simultânea do enunciador e da pessoa fora do discurso” (p. 14). “O ethos é objeto
de diferentes tratamentos na Política e da Retórica. Na Ética a Nicômano ou na Política, trata-
se efetivamente do ethos característico de um grupo, de seus traços de caráter, suas disposições
estáveis. Já na Retórica, o ethos não tem um sentido estável, ele não se reduz ao ethos
discursivo; serve também para designar disposições estáveis que são apresentadas de dois
pontos de vista complementares”: o da política e o da idade e da fortuna (p. 15).
De acordo com Maingueneau, uma das maiores dificuldades de se trabalhar a noção de ethos é
o fato de ela ser muito intuitiva. Como o público pode construir representações do ethos do
enunciador antes mesmo que ele fale, o autor sugere estabelecer a distinção entre ethos
discursivo e ethos pré-discursivo. Outro problema constatado por Mangueneau é que na
elaboração do ethos integram fenômenos de ordem muito diversa, de modo que o ethos se
elabora por meio de uma percepção complexa que mobiliza a afetividade do intérprete e tira
suas informações do material linguístico e do ambiente. Na medida em que o ethos se forma
por um efeito discursivo, supostamente seria possível delimitar o que decorre no discurso,
entretanto isso é mais evidente num texto escrito do que numa situação de interação oral, o que
constitui outro problema, já que há sempre muitos elementos incertos que influenciam a
construção ethos pelo destinatário, mas causam dúvidas quanto à sua condição de pertencer ou
não ao discurso. A noção de ethos remete a coisas muito diferentes, “o ethos visado não é
necessariamente o ethos produzido” (p. 16). “A própria concepção de ethos está suscetível a
amplas zonas de variação” – um ethos mais ou menos carnal; concreto/abstrato; mais ou menos
saliente, manifesto, singular/coletivo, implícito/visível etc. (p. 16).
Mangueneau opta por uma concepção “encarnada” do ethos; um ethos que recobre tanto a
dimensão verbal quanto o conjunto de determinações físicas e psíquicas ligado ao “fiador” pelas
representações coletivas estereotípicas, o que confere a ele um “caráter” e uma “corporalidade”
variáveis de acordo com os textos. “O ethos implica uma maneira de se mover no espaço social,
uma disciplina tácita do corpo apreendida através de um comportamento. O destinatário a
identifica apoiando-se num conjunto difuso de representações sociais avaliadas positiva ou
negativamente, em estereótipos que a enunciação contribui para confrontar ou transformar [...]”
(p. 18). Sendo assim, o intérprete ou destinatário se apropria desse ethos através de três
registros: a enunciação confere corporalidade ao ethos; o destinatário incorpora e assimila um
conjunto de esquemas que correspondem a uma maneira específica de se remeter ao mundo;
essas duas incorporações permitem a constituição de um corpo da comunidade imaginária dos
que aderem ao mesmo discurso. “O ethos de um discurso resulta da interação de diversos
fatores: ethos pré-discursivo, ethos discursivo (ethos mostrado), mas também os fragmentos do
texto nos quais o enunciador evoca sua própria enunciação (ethos dito) – diretamente (‘é um
amigo que lhes fala’) ou indiretamente, por meio de metáforas ou de alusões a outras cenas de
fala, por exemplo”(p. 18). O ethos efetivo é resultado da interação de diversas instâncias: ethos
pré-discursivo, ethos discursivo, ethos dito, ethos mostrado e estereótipos ligados aos mundos
éticos.