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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA
Avenida Presidente Antonio Carlos, 6627 - CEP: 31270-901 – Belo Horizonte - MG

DISCIPLINA: DCP082 - TOPICOS EM SOCIOLOGIA


PROFESSOR: JUAREZ ROCHA GUIMARÃES

1º SEMESTRE DE 2014

Trabalho Final

ALUNOS: ARDUINO FRATEZZI, DIEGO AUGUSTO, PAULO SÉRGIO


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FICHAMENTO DO LIVRO:

INTRODUÇÃO AO BRASIL: UM BANQUETE BO TRÓPICO

MOTA, Lourenço Dantas. Introdução ao Brasil: um banquete no trópico, Livro 2. São Paulo: SENAC, 2001

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SOBRE O AUTOR

Nasceu no interior de Minas Gerais, na cidade de Aiuruoca, a 27 de julho de 1944. Concluiu humanidades no
estado natal e o curso de mestrado em Ciências da Informação na Universidade Paris II. Radicou-se ainda
muito jovem em São Paulo, em 1965, aos 21 anos de idade, onde seguiu a carreira jornalística, integrando-se
desde então ao grupo do jornal O Estado de S. Paulo. Nos anos oitenta obteve e publicou conjunto de
depoimentos de personalidades da vida política e cultural brasileira, obra que se tornaria importante ponto
de referência. Fruto desse interesse pela história pátria é a bem sucedida coleção que organizou na Editora
SENAC, nos anos noventa, destinada a difundir interpretações do Brasil.

Disponívelem:<http://www.cdpb.org.br/dic_bio_bibliografico_motalourencodantas.html.>Acesso em: 14abr14

Bibliografia:

A história vivida ; entrevistas. São Paulo: O Estado de S. Paulo 1981. 3 v. (Documentos abertos).

André Malraux no caminho das tentações. São Paulo : Brasiliense, 1982.

Tristão de Athayde. São Paulo : Brasiliense, 1983. 90 p. (Coleção Diálogo).

A nova República ; o nome e a coisa. São Paulo : Brasiliense, 1985.

Introdução ao Brasil : um banquete no trópico. São Paulo : SENAC, 1999. 419 p. (Organizador)

Introdução ao Brasil : um banquete no trópico, 2. São Paulo : SENAC, 2001. 429 p. (Organizador).

Personae : grandes personagens da literatura brasileira. São Paulo : SENAC, 2001. 324 p. (Organizador em
colaboração com Benjamin Abdala Júnior).

Estudos sobre o autor:

LOURENÇO Dantas Mota passa o Brasil em revista. Jornal da Tarde, São Paulo, 28 nov. 1999.

SALIBA, Elias Thomé. Uma memorável reelaboração da memória e da história do Brasil. Jornal da Tarde, São
Paulo, 4 dez. 1999. Caderno de Sábado.

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INTRODUÇÃO A OBRA

Nesta segunda edição do “banquete”, o organizador Lourenço Dantas Mota, concatena dezessete resenhas
que guiam a trajetória do Brasil durante estes cinco Séculos com abordagem de temas indispensáveis a
compreensão da sociedade, da economia, das instituições políticas e da cultura brasileira, imerso na ação dos
europeus: portugueses e espanhóis, na busca do paraíso perdido nas novas terras da América até o balanço
da integração de negro e índios na sociedade já madura do século XX, como aponta Mota.

A saber, perfazem a obra estas dezessete resenhas:

1 - Visão do paraíso de Sergio Buarque de Holanda, resenha de Ronaldo Vainfas;


2 – História da Companhia de Jesus no Brasil de Serafim Leite, resenha de João Adolfo Hansen;
3 – História geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen, resenha de Lúcia M.P. Guimarães;
4 – Historia geral das bandeiras paulistas de Afonso D’Escragnolle Taunay, resenha de Wilma P.Costa;
5 – Vida e morte do bandeirante de Alcântara Machado, resenha de Laura de Mello e Souza;
6 – D. João VI no Brasil de Oliveira Viana, resenha de Guilherme Pereira das Neves;
7 – O abolicionismo de Joaquim Nabuco, resenha de Marco Aurélio Nogueira;
8 – História de literatura brasileira de Sílvio Romero, resenha de Benjamin Abdala Junior;
9 – Minha formação de Joaquim Nabuco, resenha de Maria Alice Rezende de Carvalho;
10 – A América Latina: males de origem de Manuel Bonfim, resenha de Roberto Ventura;
11 – A organização nacional de Alberto Torres, resenha de Rolf Kuntz;
12 – História da literatura brasileira de José Veríssimo, resenha de João Alexandre Barbosa;
13 – Populações meridionais do Brasil de Oliveira Viana, resenha de Gildo Marçal Brandão;
14 – Sobrados e mucambos de Gilberto Freire, resenha de Brasilio Sallum Jr.;
15 – Ordem e progresso de Gilberto Freire, resenha de Elide Rugai Bastos;
16 – A integração do negro na sociedade de classes de Florestan Fernandes, resenha de Gabriel Cohn;
17 – Os índios e civilização de Darci Ribeiro, resenha de João Pacheco de Oliveira;

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Índice
FICHAMENTO DO LIVRO:................................................................................................................................. 2
INTRODUÇÃO AO BRASIL: UM BANQUETE BO TRÓPICO ................................................................................ 2
1 - VISÃO DO PARAÍSO .................................................................................................................................... 9
RESUMO: VISÃO DO PARAISO: BIOGRAFIA DE UMA IDEIA ......................................................................... 9
PARAÍSO TERREAL VERSUS REALISMO PEDESTRE................................................................................... 9
MARAVILHAS DO NOVO MUNDO, LOCUS NO ÉDEN............................................................................. 10
SUMÉ: CONTRIBUIÇÃO LUSO-BRASILEIRA ............................................................................................ 10
SALVAÇÃO ESPIRITUAL E RIQUEZA MATERIAL ...................................................................................... 10
PARAÍSO AUSENTE ................................................................................................................................ 11
2 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL ..................................................................................... 11
RESUMO: HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL ..................................................................... 12
I.............................................................................................................................................................. 12
II............................................................................................................................................................. 12
III............................................................................................................................................................ 13
IV ........................................................................................................................................................... 14
V ............................................................................................................................................................ 14
VI ........................................................................................................................................................... 14
VII .......................................................................................................................................................... 14
VIII ......................................................................................................................................................... 15
IX ........................................................................................................................................................... 15
X ............................................................................................................................................................ 16
XI ........................................................................................................................................................... 16
3 - HISTÓRIA GERAL DO BRASIL..................................................................................................................... 17
RESUMO: HISTÓRIA GERAL DO BRASIL ..................................................................................................... 17
TRAÇOS BIOGRÁFICOS .......................................................................................................................... 17
A OBRA .................................................................................................................................................. 18
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................... 19

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4 - HISTÓRIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS ......................................................................................... 20


RESUMO: HISTÓRIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS.......................................................................... 21
UMA OBRA MONUMENTAL .................................................................................................................. 21
UM INTELECTUAL E SUA EFÍGIE ............................................................................................................ 21
CONTEÚDO E PRINCIPAIS TEMÁTICAS ................................................................................................. 22
5 - VIDA E MORTE DO BANDEIRANTE ........................................................................................................... 25
RESUMO: VIDA E MORTE DO BANDEIRANTE ............................................................................................ 26
OS INVENTÁRIOS ................................................................................................................................... 26
A VIDA MATERIAL.................................................................................................................................. 27
INSTITUIÇÕES E PRÁTICAS SOCIOECNÔMICAS...................................................................................... 27
O HOMEM E O MEIO ............................................................................................................................. 27
VIDA E MORTE DO BANDEIRANTE ........................................................................................................ 28
6 - D. JOÃO VI NO BRASIL .............................................................................................................................. 29
RESUMO: D. JOÃO VI NO BRASIL .............................................................................................................. 30
7 - O ABOLICIONISMO ................................................................................................................................... 32
RESUMO: O ABOLICIONISMO ................................................................................................................... 33
8 - HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA .................................................................................................... 35
RESUMO: HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA..................................................................................... 36
9 - MINHA FORMAÇÃO ................................................................................................................................. 38
RESUMO: MINHA FORMAÇÃO .................................................................................................................. 38
10 - A AMÉRICA LATINA: MALES DE ORIGEM ............................................................................................... 40
RESUMO: A AMÉRICA LATINA: MALES DE ORIGEM .................................................................................. 41
11 – A ORGANIZAÇÃO NACIONAL ................................................................................................................. 42
RESUMO: A ORGANIZAÇÃO SOCIAL .......................................................................................................... 43
12 – HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA ................................................................................................. 45
RESUMO: HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA..................................................................................... 45
13 - POPULAÇÕES MERIDIONAIS DO BRASIL ................................................................................................ 47
RESUMO: POPULAÇÕES MERIDIONASI DO BRASIL ................................................................................... 47
O LIVRO, SEUS OBJETIVOS..................................................................................................................... 48
DIFICULDADES DE LEITURA ................................................................................................................... 49

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A ORGANIZAÇÃO DOS DOIS VOLUMES E RELATIVAMENTES EQUIVALENTE: ....................................... 49


O OBJETO: POPULAÇÕES, NO PLURAL .................................................................................................. 50
A "METODOLOGIA SOCIOLÓGICA"........................................................................................................ 51
A RURALIZAÇÃO. A DERROTA DO URBANO .......................................................................................... 52
CLÃS RURAIS: A SOLIDARIEDADE POSSÍVEL .......................................................................................... 54
AS FUNÇÕES SOCIAIS DA ARISTOCRACIA RURAL .................................................................................. 55
O IMPÉRIO CONTRA O ESPÍRITO DE ALDEIA ......................................................................................... 56
AUTORIDADE E LIBERDADE. A CONSTRUÇÃO DA ORDEM .................................................................... 57
14 - SOBRADOS E MUCAMBOS ..................................................................................................................... 58
RESUMO: SOBRADOS E MUCAMBOS ........................................................................................................ 58
FORMA E CONTEÚDOS DOPATRIARCALISMO BRASILEIRO ................................................................... 59
A CIDADE CONTRA O ENGENHO. SOBRADO E MUCAMBO. O ESTADO CONTRA A FAMILIA ................ 59
O PAI EO FILHO. O HOMEM E A MULHR ............................................................................................... 60
ORIENTE E OCIDENTE. A MAQUINA E O ESCRAVO ............................................................................... 60
A ASCENÇÃO DO BACHAREL E DO MULATO ......................................................................................... 61
15 - ORDEM E PROGRESSO ........................................................................................................................... 62
RESUMO: ORDEM E PROGRESSO .............................................................................................................. 62
REAÇÃO DO PASSADO AO DESAFIO DOPRESENTE................................................................................ 63
SOCIALIZAÇÃO PARA OS NOVOS TEMPOS ............................................................................................ 63
CONCILIAÇÃO DO PROGRESSO CULURAL E DA ORDEM SOCIAL ........................................................... 64
NOVA ORDEM ÉTNICA .......................................................................................................................... 64
ESTABILIDADE SOCIAL EM CRISE ........................................................................................................... 64
DISSOLUÇÃO DO FUTURO EM PASSADO .............................................................................................. 65
TENATIVA DE SÍNTESE ........................................................................................................................... 65
16 - A INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSES ....................................................................... 66
RESUMO: A INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSES ......................................................... 66
O PROBLEMA......................................................................................................................................... 66
O NEGRO E O POVO .............................................................................................................................. 67
A ESTRUTURA DA OBRA ........................................................................................................................ 67
O EXAME DO LEGADO ........................................................................................................................... 67

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NO LIMIAR DE UMA NOVA ERA?........................................................................................................... 68


CONCLUSÃO .......................................................................................................................................... 68
17 - OS INDIOS E A CIVILIZAÇÃO ................................................................................................................... 69
RESUMO: OS INDIOS E A CIVILIZAÇÃO ...................................................................................................... 69

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1 - VISÃO DO PARAÍSO

AUTOR: Ronaldo Vainfas


Licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense (1978), mestre pela mesma Universidade
em História do Brasil (1983), Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (1988). Professor
da UFF desde 1978, sendo, desde 1994, Professor Titular de História Moderna. Pesquisador do CNPq
desde 1990, sendo atualmente I-A. Membro da Companhia das Índias - Núcleo de História Ibérica e
Colonial na Época Moderna, com projetos aprovados no PRONEX (2003, 2006 e 2009). Cientista do Nosso
Estado da FAPERJ em 2004, 2006 e 2009. Pesquisador de história ibero-americana e luso-brasileira entre
os séculos XVI e XVIII, principalmente nos seguintes temas: inquisição, jesuítas, religiosidades,
sexualidades, escravidão, colonização. (Texto informado pelo autor)

RESUMO: VISÃO DO PARAISO: BIOGRAFIA DE UMA IDEIA

PARAÍSO TERREAL VERSUS REALISMO PEDESTRE

O livro se estrutura, portanto, a partir de uma sistemática comparação entre as idéias e as imagens que
portugueses e espanhóis construíram sobre os espaços americanos. E o problema central se explicita logo
no primeiro capítulo “Experiência e Fantasia”, na qual Sérgio Buarque expõe o essencial do contraste: do
lado espanhol, predomínio de visões edenizadoras, recuperação e recriação das imagens paradisíacas
produzidas no Ocidente havia séculos; do lado português, predomínio de visões pragmáticas, poucas
afetas ao ideário edenizador e, de resto, aos elementos maravilhosos que caracterizavam o imaginário
ocidental na época das descobertas. È os portugueses que corresponde à experiência anunciada no título
do capítulo, ao passo que a fantasia é sobretudo hispânica.

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MARAVILHAS DO NOVO MUNDO, LOCUS NO ÉDEN

A visão do paraíso prosperou de fato nas crônicas do descobrimento e conquistas castelhanas, a começar
pelo genovês Cristóvão Colombo, descobridor da América em 1492. Mostra-nos Sérgio Buarque a
verdadeira obsessão de Colombo com o que julgava ser a proximidade do paraíso terreal, escrevendo das
Antilhas ao reis católicos, Fernando e Isabel. Numa dessas cartas, refere-se às terras descobertas como o
“outro mundo” e como o “sítio abençoado de onde viveram nossos primeiros pais”.

A partir de Colombo, inúmeros cronistas espanhóis, laicos ou religiosos, se referiram à localização do


paraíso terreal na América e, Sérgio Buarque os examina um a um, cotejando narrativas, rastreando as
matrizes de tal ou qual visão americana do Éden. Em vários capítulos do livro, a questão reaparece,
narrada com máxima erudição, a exemplo dos capítulos “Terras incógnitas”, “Paraíso perdido” ou “ Visão
do paraíso”, capítulo que dá título à obra.

Sérgio Buarque defende, com máximo brilho e erudição, que “a conversação literária dos mitos edênicos,
onde a narrativa bíblica se deixara contaminar de reminiscências clássicas [...] e também da geografia
fantástica de todas as épocas, veio a afetar decisivamente” as descrições coloniais do paraíso terrestre.
Nisso reside o miolo do livro, tarefa verdadeiramente demiúrgica a que se propôs o maior historiador
brasileiro: cotejar narrativas da Antiguidade Clássica, incluindo o lendário helenístico ou mesmo oriental
sobre o cosmos fantástico, com as interpretações da narrativa bíblica, sobretudo no tempo da escolástica
(séculos XIII-XIV), e daí com as narrativas de aventureiros, conquistadores e missionários que aturaram no
Novo Mundo. Homens que viram, aqui e ali, mulheres guerreiras, rotas do Eldorado, terras da
imortalidade, seres monstruosos, humanos, animais ou híbridos.

SUMÉ: CONTRIBUIÇÃO LUSO-BRASILEIRA

O mito mais genuinamente luso-brasileiro seria a famosa lenda de Sumé, ou seja, a crença de que a
América fora objeto do apostolado de Tomé nos primórdios do cristianismo. Lenda que, na verdade,
mantém pouca relação com a idéia do paraíso terrestre, ou com os mitos que entorno dele gravitavam,
exceto pelos ligames entre a ação desse apóstolo e a existência do lendário reino do Preste João, crença
gestada na Baixa Idade Média. De todo modo, a “lenda de Sumé” integra o imaginário maravilhoso dos
descobrimentos americanos e, segundo Sérgio Buarque, foi capaz de expandir-se, sob outras roupagens,
pela vizinha América espanhola, notadamente no Paraguai, Peru e região Platina.

SALVAÇÃO ESPIRITUAL E RIQUEZA MATERIAL

Percorrendo mitos e lendas de diversas tradições culturais e variada procedência, Sérgio Buarque abre um
amplo leque de possibilidades para se compreender a riqueza do imaginário presente nos
descobrimentos e conquistas da América pelos ibéricos.

No “Prefácio à segunda edição” da obra, que só veio à público em 1969, Sérgio Buarque fez questão de
advertir o leitor de que, embora não se tratasse de uma “historia total”, pois acentuava os mitos e ideias,
Visão do paraíso não excluía considerações, ao menos implícitas, aos complementos ou suportes
materiais daquilo que, “ em suma, na linguagem marxista, se poderia chamar de infra- estrutura”.

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Seja como for, Sérgio Buarque se mostra muito atento às possíveis conexões entre o tempo dos mitos e
tempo da colonização, o ânimo das visões edênicas e as motivações concretas da expansão e da ação
colonizadora dos povos ibéricos.

PARAÍSO AUSENTE

Assim seria, quando muito, o paraíso luso-brasileiro. Na verdade, Sérgio Buarque o considerou como
ausente, tragado pelos interesses imediatos de uma colonização predatória e pouco ligada a motivações
propriamente civilizacionais. E é por metáfora de uma colonização genuinamente predatória que o autor
conclui o livro dizendo que , sim, “teremos nosso eldorados. Os das minas, certamente, mas ainda o do
açúcar, o do tabaco, e de tantos outros gêneros agrícolas que se tiram da terra fértil, enquanto fértil,
como o ouro se extrai, ate esgotar-se do cascalho, sem retribuição de benefícios”.

2 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL

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AUTOR: João Adolfo Hansen

João Adolfo Hansen concluiu o doutorado em literatura brasileira pela universidade de São Paulo em 1988. Atualmente e professor titular ms6 da
universidade de são Paulo, membro da fundação de amparo a pesquisa do estado de são Paulo, membro do conselho nacional de
desenvolvimento cientifico e tecnológico e membro da coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior. Publicou 68 artigos em
periódicos especializados e 3 trabalhos em anais de eventos. Possui 65 capítulos de livros e 9 livros publicados. Participou do desenvolvimento de
112 produtos tecnológicos. Participou de 44 eventos no exterior e 157 no brasil. orientou 24 dissertações de mestrado e co-orientou 1, orientou
15 teses de doutorado, alem de ter orientado 15 trabalhos de iniciação cientifica e 7 monografias de pós-graduação lato sensu nas áreas de
letras, historia e arquitetura e urbanismo e ter supervisionado 9 pesquisas de pós-doutorado. Recebeu 1 premio (jabuti-1990-categoria ensaio).
Atua na área de letras, com ênfase em estudos comparados de literaturas de língua portuguesa. Em suas atividades profissionais interagiu com 15
colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. (texto informado pelo autor)

RESUMO: HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL


I

A matéria principal da obra é atuação missionária, catequética e educacional, da Companhia de Jesus no


Estado do Brasil. A linha temporal de atuação missionária foi de 210 anos, o autor distribui a extensa e
variada matéria da obra, compondo quadros geográficos onde situa as práticas catequéticas e educativas
da Companhia de Jesus, bem como tensões e conflitos que envolveram jesuítas, indígenas, colonos, a
Coroa, padres seculares e membros de outras ordens religiosas, governadores-gerais e funcionários da
administração portuguesa, nos séculos XVI, XVII e XVIII.

Serafim Leite dá conta do governo interno da Província do Brasil, fazendo um elenco de todos os
provinciais, entre 1553 e 1579, além de acompanhar o desenvolvimento do ensino público do século XVI
ate o XVIII.

II

O autor sendo jesuíta teve livre acesso a manuscritos da Companhia de Jesus depositados em reservas de
arquivos de Portugal, Espanha, Itália, Franca, Bélgica e Holanda, além de instituições culturais do Brasil,
que refere minuciosamente no tomo X da obra.

A documentação da obra é fundamentalmente jesuítica, ou seja, documentação jesuítica de uma historia


jesuítica da Companhia, podendo-se supor, por isso, que os próprios documentos usados predeterminam
o crivo imperativo de Serafim Leite, pois ele os utiliza para dar a palavra a seus agentes dos séculos XVI,
XVII e XVIII.

O autor não expõe nem constitui suficientemente as razões ou interesse das partes inimigas dos jesuítas
defensores dos índios, de modo que o leitor corre o risco de generalizar como “verdadeira” a
particularidade dos interesses da Companhia, entendendo as razões dos seus oponentes de maneira
quase só moral, como se fossem indivíduos e grupos apenas interessados em matar e escravizar índios,
expulsar padres e obter lucros a qualquer custo.

Sendo padre, Serafim Leite interpreta catolicamente as matérias selecionadas e organizadas segundo o
esquema narrativo de uma crônica apologética da ação da Companhia de Jesus do Brasil. Principalmente

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porque a universalidade do Deus de Roma é posta por ele como evidência positiva da verdade absoluta
que fundamente a ação missionária no passado reconstruído dos séculos XVI, XVII e XVIII. Quando escreve
sobre as culturas indígenas e as africanas, sua conceituação da diferença cultural dos índios catequizados
ou dos negros escravizados não é antropológica, mas religiosa. No caso da catequese dos grupos
indígenas, a cultura dos grupos aldeados pelos jesuítas sempre é dada como evidentemente humana, em
posição as teses colonialistas que muitas vezes afirmavam a animalidade dos índios como validação do
seu extermínio ou escravidão, mas de uma humanidade caracterizada como semelhança negativa,
distante e deformada da verdade cristã. Por ser inferior, dever ser convertida à civilização superior dos
agentes portugueses.

Quando postula e defende a suposta brandura da colonização portuguesa, em geral, da missão jesuítica
portuguesa, em particular, falando do “[...] genuíno espírito colonizador da Portugal, esclarecido, humano
e cristão”, Serafim Leite realça os feitos dos padres portugueses para retratar positivamente o caráter e a
ação de grandes vultos da Companhia e defendê-los. Pode-se dizer que a interpretação feita por Serafim
Leite dos eventos que reconstitui tende alinhar-se objetivamente com setores conservadores,
nacionalistas e colonialistas, de Portugal e do Brasil, nos anos de 1938-1950.

III

No século XVI, os assim chamados “anos heróicos” (1549-1570) correspondem à fase da instalação da
missão litoral brasileiro e aos primeiros contatos com as populações indígenas das capitanias do
Nordeste, como a Bahia e Pernambuco, e do Sudeste, como o Espírito Santo e São Vicente. Nesses anos, a
figura fundamental para o projeto jesuítico do século XVI e dos seguintes é o padre Manuel da Nóbrega.
Segundo Serafim Leite, Nóbrega manifesta um conceito básico de unidade na organização política da
terra, pois lhe parece que todo Brasil deve estar sob a imediata jurisdição real.

As Constituições da Companhia de Jesus chegaram ao Brasil em 1556. Nesse mesmo ano, voltando à
Bahia, Nóbrega começou a fundar aldeias no rio Vermelho e proibir a confissão dos colonos que viviam
em concubinato público ou tinham escravos índicos comprados sem justiça. Visando a autonomia da
Província do Brasil, Nóbrega delineou as bases econômicas para os colégios, determinando que os
produtos da pecuária, além de uso da dotação régia fundada nos dízimos do gado, seriam o fundamento
econômico da Companhia.

O colégio recém-estabelecido era destinado ao ensino das crianças índias, com fins apostólicos. A partir
de 1551, o subsídio foi ampliado para os usos dos novos padres que iam chegando ao Brasil. Visando a
manutenção dos alunos, criaram-se as confrarias do Menino Jesus, que sustentavam os órfãos vindos de
Lisboa, alem de meninos do Brasil. No caso, a noção de ”colégio” não tem sentido apenas material, mas
regional, referindo-se a região da sua instalação, às aldeias e às fazendas. Em 1600, os jesuítas no Brasil
eram 172; em 1760, quando foram expulsos, 317.

Em março de 1565, Nóbrega participou da fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro,
tornando-se reitor do colégio dessa cidade em 1567. Nesse ano emitiu parecer, Caso de consciência de
1566-1567, sobre a escravidão dos índios que se vendiam a si mesmos e aos filhos durante peste e a fome
de 1562-1563. Estabelecendo os “títulos justos” da escravidão, defendeu a liberdade dos índios aldeados.

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IV

Conforme o Regimento dado por D. João III a Tomé de Sousa, em 1548, a fórmula inicial de organização
civil dos índios seriam os aldeamentos ou as chamadas aldeias de el-rei, distintas de outros agrupamentos
de índios chamados de “administração particular”. As aldeias de el-rei dependiam diretamente dos
governadores, que nomeavam para elas os institutos religiosos que tinham as missões como vocação.

No final do século XVI, a Província do Brasil estava plenamente organizada e já se expandia para os limites
do território, chegando, ao norte, ate a Amazônia e ao Amapá; ao sul, até a Colônia do Sacramento, no rio
da Prata; e a oeste, ate o rio Guaporé. Os primeiros jesuítas do século XVI chamaram de “sertão” a esses
lugares desconhecidos e distantes do litoral, que ainda não tinham sido povoados por europeus.

O resultado prático das entradas dos jesuíticos do século XVI foi o descimento de índios que foram
catequizados e aldeados no litoral; já no século XVII, os padres começaram a fazer entradas não mais para
descê-los, mas para cristianizá-los e apupá-los em missões no interior do território.

VI

Serafim Leite chama de “serviços públicos” os que foram prestados pela Companhia à cultura das letras,
artes e ciências, como a constituição de bibliotecas nos vários colégios. O Missal, o Breviário e as Regras
do Colégio de Coimbra, feitos pelo padre Simão Rodrigues, companheiro de Inácio de Loyola e de
Francisco Xavier, alem dos Exercícios espirituais, de Loyola, do Manual de Aspicuelta Navarro, de alguns
exemplar da Imitação de Cristo e métodos para alfabetizar meninos foram provavelmente os primeiros
livro que os padres tiveram no Brasil.

Os fundamentos teológicos-políticos da catequese dos índios sistematizada por Nóbrega, no século XVI,
foram retomados em todas as missões às varias conjunturas coloniais e algumas discordâncias internas,
conforme Serafim Leite, no caso dos padres “estrangeiros”, como Andreoni e Rolland, no final do século
XVII, favoráveis aos paulistas escravagistas. São fundamentos ortodoxos, que reafirmam os dogmas
católicos estabelecidos em bulas papais e no Concílio de Trento.

Nóbrega e os jesuítas, em geral, afirmam que as leis positivas das sociedades indígenas são legais e que
não se pode dizer que os índios são “escravos por natureza” por não terem leis cristãs ou não
conhecerem a Revelação cristã. No entanto, como católicos, Nóbrega e os padres fazem valer o
universalismo do Deus de Roma, porque entendem que as sociedades indígenas estão corrompidas por
“abominações” que devem ser extirpadas para que o selvagem tenha sua alma salva.

VII

Segundo Serafim Leite, a conversão do gentio foi à intenção principal de D. João III quando enviou a
Companhia de Jesus para o Brasil. Desde o inicio, dentro dela e em outros setores da Igreja, apareceram

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posições diferentes acerca da natureza da devoção dos índios. Segundo Nóbrega, é preciso criar duas
condições que favoreçam a conversão: uma delas depende dos missionários, que devem dar exemplo de
boas obras de uma vida virtuosa; a outra, os índios, dos quais se espera a disposição para uma sujeição
moderada aos padres e para a aceitação a catequese, que levariam à exclusão dos maus hábitos dos
adultos e à educação das crianças – processo que também concorrem os órfãos portugueses, no século
XVI, e, ainda nesse século e nos dois seguintes, a cultura difundida nos seminários e colégios.

VIII

A administração dos índios do Maranhão e Grão-Pará pela Companhia de Jesus foi confirmada pelo alvará
25-7-1638. Desde o início a relação dos missionários com os colonos desse estado foi tensa e conflitava.
Os jesuítas retomam a diretiva do século XVI de “pregar a toda criatura”, defendendo a liberdade dos
índios aldeados. Segundo o jesuíta, o principal motivo da presença da Companhia no Maranhão era
converter e integrar os índios ao corpo místico do Império.

Os colonos ficaram inconformados; um motim contra os jesuítas (o de Garupa) foi reprimido com energia
pelo governador André Vidal de Negreiros, amigo de Vieira; em 1661, eclodiram novos motins não
controlados pelo governador, logo os padres foram expulsos pelos colonos.

IX

Os colégios brasileiros fundados a partir de 1549 realizavam a segunda parte do programa “catequese e
escola”, proposto inicialmente por Nóbrega para o Colégio da Bahia. Neles, havia cursos de ler e escrever,
ensinando-se latim. O estudo colegial dessa língua fazia parte da formação básica de qualquer letrado e
habitava os alunos dos seminários a serem futuros padres.

O Real Colégio das Artes de Coimbra foi o padrão para as colônias de Portugal. Como escreve Serafim
Leite, o subsídio real dado aos mestres de Coimbra era a titulo de ensino; o subsidio dos mestres
ultramarinos era a titulo de missões. Segundo o autor, o ensino era público, em ambos os casos.

Nos Colégios, alem de pública, a instrução era gratuita, diferentemente dos seminários, onde continuava
a ser gratuita, mas eram particulares, destinados apenas aqueles que se dedicavam à carreira eclesiástica.
Freqüentavam os colégios os filhos de funcionários da administração portuguesa, de senhores de
engenho, de criadores de gado, de oficiais mecânicos e, no século XVIII, de mineiros. Conforme Serafim
Leite, os três estados tradicionais do Antigo Regime na Europa – clero, nobreza e povo – sofreram no
Brasil uma transformação em que eram representados apenas por um critério racial, brancos e filhos de
brancos, que mantinham o predomínio da política e da cultura, ao passo que índios e negros, mesclando-
se com os brancos, tinham a aspiração de ascender na hierarquia nos brancos com nomes de mamelucos
e moços pardos. O autor acredita no que chama “tendência portuguesa e católica para a atenuação dos
preconceitos de raça”, por isso afirma que “conviviam lado a lado todos os homens livres, quer fossem
brancos quer mestiços, e abaixo deles, os homens escravos”.

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Depois de 1559, todos os colégios brasileiros passaram a serem organizados pelo Ratio studiorum atque
Institutio Societatis Jesu. O Ratio é um conjunto de normas que definem saberes a serem ensinados e
conduta a serem inculcadas, e um conjunto de práticas, que permite a transmissão desses saberes e a
incorporação de comportamentos, normas e práticas. A Companhia de Jesus é uma ordem
eminentemente não contemplativa e o Ratio studiorium de 1559 orienta o ensino de letras, artes e
teologia para o desenvolvimento das capacidades de assimilar, transferir e aplicar conhecimentos em
questões imediatas do presente.

Todos os preceitos de ensino do Ratio studiorium subordinam-se à finalidade contra-reformista de


combater as heresias e converter os gentios. Assim, as normas didáticas do ensino subordinavam-se às
normas disciplinares, que pressupunham e implicava a virtude típica da Companhia de Jesus, a obediência
irrestrita a autoridade, que havia sido redimensionada a partir do Concilio de Trento.

XI

Segundo Serafim Leite, as causas da expulsão da Companhia de Jesus dos domínios portugueses devem
ser buscadas na Europa, fora do Brasil e de Portugal. Entre vários inimigos da ordem do século XVIII,
propõe, os jansenistas foram os mais pertinazes, pois teriam conseguido instalar-se em Roma, obtendo o
apoio de membros do alto clero, como o Cardeal Passionei. No momento da perseguição movida por
Pombal contra a Companhia, triunfavam o regalismo e o cesaropapismo. Logo, segundo o autor, quando
ocorreu a perseguição à Companhia, já se havia produzido na Europa a ruptura entre liberdade e
autoridade: “Sucumbindo à liberdade, a autoridade régia chamava-se Absolutismo, que em breve chegou
ao seu auge e foi o Despotismo”.

Outra razão seria a execução do Tratado de Limites de 1750 entre Portugal e Espanha. Com a troca da
Colônia do Sacramento (Portugal) com sete povos das Missões (Espanha) foi imposta a transferência dos
índios, que provocou o levantamento deles, atribuído à incitação dos jesuítas.

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3 - HISTÓRIA GERAL DO BRASIL

AUTOR: Lucia Maria Paschoal Guimarães

Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1970), mestrado em História Social pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990), doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1994).
Realizou estágios de pós-douramento na Cátedra Jaime Cortesão da FFLCH/USP (2005-6) e de pesquisa sabática na
Universidade Nova de Lisboa (2008-9). Professora Titular de Teoria da História e Historiografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, atua no curso de graduação e no Programa de Pós-Graduação de História Política.
Coordena o Grupo de Pesquisa Idéias, cultura e política na formação da nacionalidade brasileira , bem como o
Laboratório Redes de Poder e Relações Culturais, junto com a Dra. Lucia Maria Bastos Pereira das Neves. Participa
como pesquisadora principal do Pronex/CNPq/Faperj "O Estado brasileiro no século XIX: interseções e margens
dirigido por Lucia Maria Bastos Pereira das Neves. Publicou livros e trabalhos no Brasil e no exterior, decorrentes de
pesquisas que contemplam, sobretudo, os temas: cultura histórica, historia e memória, cultura política, intelectuais e
poder, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e relações culturais luso-brasileiras. (Texto informado pelo autor)

RESUMO: HISTÓRIA GERAL DO BRASIL


TRAÇOS BIOGRÁFICOS

Francisco Adolfo de Varnhagem nasceu em 17 de fevereiro de 1816, na cidade de Sorocaba, então


província de São Paulo, filho do Coronel Luis Guilherme de Vanrhagem e de Dona Maria Flávia de Sá
Magalhães. Deixou uma extensa e variada obra, composta por dezenas de títulos, entre livros, opúsculos,
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artigos e memórias. No campo dos estudos históricos, sua obra máxima foi a História geral do Brasil antes
de sua separação e independência de Portugal. Trata-se de uma contribuição rara, que contrastava com a
escassa historiografia nacional da época, período em que poucos autores conseguiam ultrapassar os
limites da crônica.

A OBRA

O livro compõe de 54 seções ou capítulos, cujos conteúdos se sucedem de acordo com a ordem
cronológica dos acontecimentos. Do ponto de vista interpretativo, a História geral do Brasil apresenta-se
como uma continuação da história da metrópole.

A História geral do Brasil se inicia, pois, por uma breve explicação sobre as origens da denominação por
que ficou conhecida a América portuguesa, em decorrência do primeiro recurso natural aqui explorado –
o pau-brasil. Segue-se uma síntese das características do território, principais acidentes geográficos, zonas
climáticas e paisagem natural, com ênfase especial na descrição da flora nativa, plena de espécies
exóticas, matas virgens e florestas exuberantes, o que certamente teriam intimidado os colonizadores.
Explorado o meio ambiente, o autor introduz os habitantes daquelas paragens. Apresenta um estudo
aprofundado sobre as culturas indígenas que habitavam o litoral brasileiro à época da chegada dos
portugueses. Em que pesem os julgamentos pouco lisonjeiros acerca do caráter, da religiosidade e do
“estado de selvageria”, daquelas populações, a exposição circunstanciada sobre o grupo de língua tupi
constitui um trabalho etnográfico cuidadoso risco de informações.

Varnhagem parte da premissa de que: “Os interesses do comércio, mais que a curiosidade natural do
homem e que a sede das conquistas, tem sido em geral a causa da facilidade no trato e comunicação com
os indivíduos”. Assim, identifica o comércio das especiarias do Oriente como o grande motor que
impulsionou o movimento das navegações do início da era moderna e que culminou com o
descobrimento do Novo Continente. Pesquisador minucioso, observa, no entanto, que a costa
setentrional do continente americano já fora visitada por navegantes nórdicos, quatro séculos antes da
viagem de Cristovão Colombo.

Do relato das primeiras expedições exploradoras, empreendimentos que são relacionados com as
infrutíferas tentativas de demarcação dos domínios de Portugal e Castela na América, depreende-se que o
Brasil permaneceu num patamar secundário, no âmbito do projeto mercantil na dinastia de Avis. A
metrópole, na expressão de Varnhagem, “[...] limitou-se a abandonar a mesma terra à mercê dos
especuladores particulares, os quais à porfia começaram a vir esses portos principalmente a buscar cargas
do tal novo pau-brasil”.

O foco se desloca dos fatos institucionais para o exame da vida cotidiana dos primeiros colonos, suas
relações com os indígenas, bem como os primeiros investimentos aqui realizados. Apesar de tendenciosa
e condescendente, a narrativa revela de que modo a cultura autóctone influenciou o cotidiano daqueles
recém-chegados, tão desamparados que para sobreviver acabaram incorporando os costumes dos
bárbaros gentios.

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Malgrado forte a influência da cultura indígena na rotina diária dos colonos, sobreviveram certos padrões
de comportamento europeu. Varnhagem revela, com uma ponta de surpresa que as festas do calendário
romano continuaram a serem celebradas, consoante as tradições do hemisfério Norte, apesar das
diferenças climáticas.

O quadro dos primeiros tempos da sociedade colonial prossegue no capítulo XIV, com a entrada em cena
dos negros. O autor salienta que tráfico negreiro não se constitui numa novidade para os portugueses,
que já se utilizavam desse bárbaro expediente de suprir a deficiência de braços nas colônias das ilha da
Madeira e dos Açores. O estudo sobre a formação da sociedade colonial tem um desfecho inesperado.
Varnhagem abandona a sua proverbial condescendência com os brancos e carrega nas tintas, ao
comentar aspectos morais da vida os primeiros povoadores. À primeira vista, sugere que a Colônia se
constituía no paraíso dos contrabandistas, degredados, viciados e criminosos. Nem mesmo os religiosos
escapam do dessa pecha, já que muitos “[...] deixavam de cumprir os preceitos da Igreja como às
escâncaras, faltavam à sociedade vivendo escandalosamente em poligamia”.

O livro avança com o exame da administração colonial: a criação dos governos-gerais, as iniciativas em
prol da conquista do território e sua expansão para alem do limite de Tordesilhas. Outro ponto a destacar
é o cuidado e a minúcia com que são tratadas as investidas estrangeiras à Colônia. O autor chega mesmo
a afirmar que “[...] por todas as capitanias, os receios de alguma invasão estrangeira era como um
sentimento público. Temiam-se franceses, temiam-se ingleses, temiam-se holandeses [...] até mesmo
mouros e turcos”.

A História geral do Brasil perde fôlego quando aborda o período subseqüente à expulsão dos holandeses.
Dessa parte em diante, o título e a periodização dos capítulos passam a se orientar pelos diversos
tratados celebrados pela metrópole, para dirimir questões relativas aos seus domínios no Novo Mundo.

O livro se encerra com a regência do príncipe D. João e a vinda da Corte portuguesa para o Brasil. A
narrativa segue os fatos institucionais, como já era de esperar. Porém, destaca dois personagens: o
príncipe do D. João, descrito como homem de “[...] bondoso caráter, pio, dotado de felicíssima memória,
e sem maiores ambições políticas”. E o ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, apresentado como um
grande patriota, descendente de família brasileira pelo lado materno, que congregava ao seu redor um
grupo de intelectuais brasileiros. Considera que ao longo da permanência da Corte portuguesa no Rio de
Janeiro, organizara-se o sistema de administração de modo que Portugal e Brasil se tornassem dois
Estados diversos, ainda que sujeitos ao mesmo rei.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A História geral do Brasil antes da sua separação e independência de Portugal, mais conhecida como
História geral do Brasil, foi dedicada a D. Pedro II. Como o seu próprio título indica, a contribuição
pretendia se constituir numa grande síntese do passado de “[...] novo Império a figurar no Orbe entre as
nações civilizadas, regido por uma das primeiras dinastias do nosso tempo”.

Lançado em Madri, de dois volumes (1854-1857), o portentoso livro não foi bem recebido no Brasil, em
que pesem os calorosos elogios que arrancou na Europa dos maiores brasilianistas da época, o naturalista
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alemão Martius e o bibliotecário Frances Ferdinand Denis. A obra suscitou intensos protestos no Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, sobretudo por causa do tratamento dispensado aos indígenas.

A História geral do Brasil, com suas páginas cheias de referências luso-brasileiras, retrata também a
atmosfera de uma época. Escrito na década de 1850, o livro reflete a problemática do processo de
consolidação do Estado Nacional.

4 - HISTÓRIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS

AUTOR: Wilma Peres Costa

Historiadora, com Livre Docência na Área de História Econômica, onde também realizou o concurso de Titular
(Universidade Estadual de Campinas). Realizou estudos pos graduados no University College London e na École des
Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS, Paris). Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (1973), mestrado em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (1976) e
doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1990). Atualmente, ensina e pesquisa na Universidade
Federal de São Paulo, na área de Brasil Império. Áreas de experiência e interesse: fiscalidade, escravidão,
construção e consolidação do Estado, forças armadas, guerras platinas,Guerra do Paraguai, literatura de viagens,
narrativas de guerra, escrita da história e historiografia. (Texto informado pelo autor)

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RESUMO: HISTÓRIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS

UMA OBRA MONUMENTAL

A História geral das bandeiras paulistas, de Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), foi, como o próprio
autor nos indica no seu subtítulo “escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos
brasileiros, português e espanhóis”. A obra é, sobre todos os aspectos, fruto de um trabalho monumental
e consolida, de forma não superada ate hoje, o estado dos conhecimentos factuais sobre o tema do
bandeirismo entre os séculos XVI e XVIII. Em seus onze extensos volumes, publicados ao longo de 27 anos
(1924 a 1950), estão incorporadas as contribuições dos cronistas coloniais bem como dos estudiosos
contemporâneos a Taunay – Alfredo Ellis Jr., Washington Luís, Capistrano de Abreu, Oliveira Viana, Orville
Derby, Teodoro Sampaio. Além disso, Taunay sumariza na História geral seus próprios trabalhos
anteriores sobre o assunto. O estudo fundamenta-se sobre uma impressionante quantidade de
documentos: os arquivos relativos à vida da comunidade paulista durante o período colonial, a coleção de
inventários e testamentos dos sertanistas, os testemunhos jesuíticos sobre o assédio dos paulistas as
reduções. A esse acervo, que também tinha sido visitado pelos estudiosos que o precederam, Taunay
acrescentou uma documentação nova e inexplorada até então: os arquivos ultramarinos, em particular
espanhóis.

A história de São Paulo, capitania, província, estado, foi, entretanto, o tema mais persistente de Afonso
Taunay, tanto por relações familiares, como por ligações políticas profissionais, ele identificou-se com a
trajetória de constituição e consolidação da hegemonia paulista no interior da federação republicana e fez
dela uma verdadeira causa para sua militância intelectual.

A temática das bandeiras foi abordada por Taunay sob múltiplos ângulos – biografia, cartografia e
publicação de documentos. Particularmente importante para o estudo da vida e das mentalidades da
capitania de São Paulo, no período colonial, e para a histórias das bandeiras foram suas reedições
comentadas dos velhos cronistas paulistas Pedro Tasques de Almeida Leme e frei Gaspar da Madre de
Deus, matrizes da construção da figura e do mito do bandeirante em múltiplas dimensões, que seriam
criticadas umas, incorporadas outras, na História geral das bandeiras.

UM INTELECTUAL E SUA EFÍGIE

Afonso d’Escragnolle Taunay nasceu em Santa Catarina em 1876, quando seu pai, o grande intelectual e
político do Império, Alfredo d’Escragnolle Taunay (o visconde de Taunay) presidia aquela província.
Embora portador de um nome ilustre, oriundo de uma família que se notabilizara no serviço ao Império,
Afonso Taunay não foi herdeiro de fortuna pessoal. Sua família assim como de Joaquim Nabuco, arruinou-
se durante a crise financeira que atingiu tanto a Argentina (crise da Casa Bancária Baring Brothers) como
o Brasil (encilhamento), entre 1890-1891. A crise e o desastre financeiro serviram para aprofundar o ódio
à República e a lealdade monárquica tanto de Joaquim Nabuco como do visconde de Taunay, que
escreveu sobre essa quadra em romance histórico entre o amargo e divertido, muito ao seu estilo (O
encilhamento, 1894).

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Foi a partir da República, entretanto, e pelas mãos dos estudiosos que se reuniam no Instituto Histórico
Geográfico de São Paulo, que a temática da conquista e ocupação do sertão sofreria uma viragem
decisiva. Nesse, que foi o primeiro nicho institucional da História geral das bandeiras, iria se desenvolver
uma historiografia de forte acento regional, envolvendo as elites intelectuais do Estado em um intenso
movimento de busca de origens e construção de identidade.

O ano de 1911 pode ser considerado o da opção vocacional de Taunay pelos estudos históricos e assinala
sua entrada simultânea no Instituto Histórico Geográfico brasileiro e no Instituto Histórico Geográfico de
São Paulo. Entretanto, foi a partir de 1917, quando passou a dirigir o Museu Paulista, a convite do
presidente do Estado, Altino Arantes, que Taunay tornou-se definitivamente historiador. Esse foi, por
assim dizer, o segundo nicho institucional da História geral das bandeiras, onde o projeto atingiu sua
plena maturidade.

CONTEÚDO E PRINCIPAIS TEMÁTICAS

A História geral das bandeiras expressa de forma contundente esses esforço de forjar uma identidade
capaz de operar em um universo de contrastes paradoxos. A tônica principal da obra é o papel primordial
atribuído aos sertanistas da capitania de São Paulo, na incansável exploração que resultou na ampliação
do território da América portuguesa para as dimensões continentais que foram legadas à nação
brasileira.

Assim, a ênfase que melhor caracteriza a contribuição de Afonso Taunay, entre os estudiosos do
bandeirismo, é a geopolítica – para o autor, as bandeiras foram importantes, sobretudo por ter expandido
o território da América portuguesa à custa do território pertencente à Espanha pelo Tratado de
Tordesilhas, dessa maneira legando à nação brasileira parcela significativa de sua dimensão continental.

Para Afonso Taunay, os fautores do território foram os colonos, isto é, os sertanistas paulistas e, muitas
vezes, fizeram-no em franca desobediência aos ditames da metrópole. Segundo ele, o principal feito do
bandeirismo para a formação territorial do Brasil foi que, embora não tenha tido um caráter povoador, ao
enfrentar e destruir as reduções jesuíticas sob jurisdição espanhola, a saga bandeirante empurrou a
fronteira política em busca de uma suposta “fronteira natural”. A valorização do papel de São Paulo na
expansão territorial do Brasil vinculava-se também a uma questão contemporânea de Taunay e de seus
companheiros na construção do “ciclo das bandeiras”.

Subordinada ao tema da expansão territorial e inseparável dela, como sua motivação principal, encontra-
se a caça ao elemento indígena e sua escravização. Assim, embora a expansão territorial seja, para
Taunay, a mais importante resultante da saga dos sertanistas vicentinos, em nenhum momento ele
procura elidir o fato de que sua motivação principal foi à escravização do índio. Pode se dizer que os sete
primeiros volumes da Historia Geral das bandeiras tratam principalmente do “ciclo da caça ao índio”,
enquanto os quatro últimos tratam da busca do ouro e dos conflitos em torno da mineração.

A aguerrida população do planalto paulista engajava-se na sua incessante busca da mão-de-obra escrava
do índio, para uso em suas lavoura ou para comercialização naquelas regiões que não podiam dispor de
recursos para a mão-de-obra africana, muito mais cara.

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A visão que o autor nos apresenta sobre o século XVII, fortemente inspirada em Capistrano de Abreu,
sublinha a pobreza e dificuldade da metrópole portuguesa, cujo império desmoronava. Aponta também
para os novos problemas trazidos para a Colônia pelo domínio Espanhol. A administração passava a estar
a cargo de um rei mais distante, ao mesmo tempo em que adquiria os inimigos da Espanha, sendo vitima
da invasão holandesa. Nesse panorama de dificuldade a saga bandeirante ganha o sentido de um “destino
manifesto”. A dilatação além Tordesilhas do território da Colônia, o rechaço espanhol, a permanência da
lealdade a Portugal durante o período hispânico, ganham, para Taunay, um significado transcendente: a
origem de um sentido difuso de brasilidade, apesar da pobreza da capitania, ponto em que concorda com
Alcântara Machado.

Ao longo de 27 anos de sua publicação, a História geral das bandeiras transitou entre os dois pólos e
procurou uma forma de composição entre eles- a epopéia paulista não perde seu brilho por ter
desenvolvido em um meio inóspito, pobre e austero. Antes, ganha significado ainda mais valioso.

Os três primeiros volumes, publicados na década de 1920, são os que mais fortemente impregnados da
temática racial. Sua preocupação é a de encontrar a especificidade étnica da população paulista, tanto no
que se refere ao tipo de reinóis que nela vieram habitar, como os grupos indígenas que, mesclados aos
primeiros, propiciaram um caldeamento original. Esse caldeamento seria responsável pela virilidade, pelo
caráter prolífico, pelo espírito de iniciativa e aventura dos habitantes do planalto.

Nos volumes publicados depois da década de 1930, a idéia da virtude da miscigenação ganha mais força.
O tipo paulista, segundo Taunay, é o mameluco, misto de branco e índio. Essa mescla nem sempre era
obtida pela violência. Usando fundamentalmente as fontes jesuíticas nesse particular, Taunay enfatiza o
afogueamento erótico dos portugueses pelas índias, mas também franca correspondência destas, porque,
diz ele, elas queriam ter filhos de “raça superior”.

A despeito das conotações racistas, vale notar que, ao colocar a escravidão no centro de sua analise,
Taunay teve o mérito de apontar a relação profunda entre colonização e trabalho compulsório,
mostrando as várias formas de escravidão indígena na América espanhola e portuguesa, tem que vem
sendo redescoberto pela historiografia brasileira.

Também é seu mérito estabelecer a relação entre escravidão e formação territorial, em dimensão ate
então não tratada entre nós, mesmo quando afirma que a escravidão foi “o preço a pagar pelo Brasil”.

Embora a expansão territorial fosse, no entender de Taunay, a contribuição mais relevante feita pelos
bandeirantes paulistas à nação brasileira, ele encontra os vicentinos em praticamente todos os momentos
fundamentais da formação da nacionalidade: na expulsão dos franceses, no auxílio aos pernambucanos
contra os holandeses, na derrota do Quilombo de Palmares, no aniquilamento das revoltas indígenas, da
mesma maneira que sublinha o papel de São Paulo no processo de independência, nas guerras platinas e
na Guerra do Paraguai.

Em suas variadas dimensões, a temática bandeirante adequava-se de maneira privilegiada à busca de


forjar um “destino manifesto” para o estado de São Paulo que, com algumas mutações, ainda permanece
vivo em nossos dias. O bandeirante, fruto da miscigenação entre o europeu e o ameríndio, produzia uma
espécie de passado “eugênico”, que, interrompido pela afluência de sangue africano na segunda metade

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do século XIX, vinha agora recuperar a sua pureza pela progressiva arianização trazida pela imigração
européia.

Hoje parece consensual na historiografia que, ocupadas primordialmente com a caça ao índio, as
bandeiras não ocuparam, não povoaram e, sobretudo, não poderiam orientar-se pelo território de uma
nação inexistente. É evidente, entretanto, que sua ação, sua presença, suas razões nas reduções jesuíticas
sob a coroa espanhola foram fundamentais no jogo diplomático português quando em 1750 o Tratado de
Madri negociava as fronteiras da América portuguesa utilizando pela primeira vez o recurso ao principio
diplomático do uit possidetis.

Em Taunay, essas múltiplas dimensões estão superpostas a serviço de uma militância intelectual e política
especifica: a busca de um destino manifesto para São Paulo. Olhada como testemunho de uma época, sua
obra é a expresse desse processo de formação de uma identidade pela elite paulista, para com ela
convencer o conjunto da nação.

A História geral das bandeiras é referência obrigatória para a pesquisa sobre a questão da escravidão
indígena. Em busca exaustiva de documentação e em extensas transcrições a obra permite uma visão
bastante acurada do processo de apresamento e trafico dos índios, das diferenças da legislação sobre a
escravidão na América portuguesa e espanhola, nas nuances de posições entre as distintas ordens
religiosas, na especificidade do “projeto” jesuíta de catequese. A obra é muito importante também para
estudiosos das dimensões políticas no período colonial – relações Igreja/metrópole/colonização; relações
centro administrativo/autonomia das câmaras municipais. Assim, sua contribuição mais relevante,
embora isso signifique freqüentemente ler essa obra em sinal contrário, é a de estabelecer o nexo
perverso entre colonização e escravidão e entre escravidão e construção do território em nossa história.

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5 - VIDA E MORTE DO BANDEIRANTE

AUTOR: Laura de Mello e Souza

Nasceu e estudou em São Paulo, onde é docente do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo desde 1983. Possui graduação em História pela Universidade de
São Paulo (1975), mestrado em História Social pela Universidade de São Paulo (1980), doutorado em História Social
pela Universidade de São Paulo (1986) e Livre-Docência em História Moderna pela Universidade de São Paulo
(1993). É professora titular de História Moderna desde 1999. Foi Chefe do Departamento de História entre 1999 e
2001. Foi Vice-Coordenadora do Programa de História Social entre 2002 e 2004. Foi Tinker Visiting Professor na
Universidade do Texas (Austin, 1998) e professora visitante por curtos períodos nas Universidades Nova de Lisboa,
ICS/Universidade de Lisboa, Universidade de Minnesota, Universidade de Southampton, Universidade de Toronto,
École des Hautes Études en Sciences Sociales, Universidade de Sevilha, Universidade Nacional do México. Foi
membro do Comitê de Ciências Humanas da FAPESP (1994-2001); do Comitê de História da CAPES (1999-2001). É
membro do Comitê de História do CNPq desde 2011. Foi bolsista da FAPESP. É Pesquisadora do CNPq desde 1991,
atualmente 1A. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Realizou pesquisas sobre a história de Minas Gerais
no século XVIII; sobre cultura, sociedade e política no império português nos séculos XVI-XVIII; sobre as relações
entre a Europa e o Novo Mundo nos séculos XVI-XIX; sobre a historiografia brasileira do século XX. Integrou e
integra projetos coletivos de pesquisa sediados na UFF e coordenou o projeto temático "Dimensões do Império
português - séculos XVI-XIX", sediado na Cátedra Jaime Cortesão - FFLCH - USP, financiado pela FAPESP (2005-
2010). Atualmente redige pesquisa sobre as migrações de três cortes européias durante o período de expansão
napoleônica. Orienta trabalhos em nível de Mestrado e Doutorado junto ao Programa de História Social de seu
Departamento, e tem supervisionado estágios de pós-doutorado. (Texto informado pelo autor)

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RESUMO: VIDA E MORTE DO BANDEIRANTE

José de Alcântara Machado e Oliveira nasceu em Piracicaba em 19 de outubro de 1875, pertencendo a


uma família antiga, rica e muito intelectualizada da província de São Paulo – à elite, na plena acepção do
termo.

Alcântara Machado, o historiador, era, de fato, jurista, advogado e político. Formou-se na escola do Largo
de São Francisco, da qual foi professor e diretor; elegeu-se vereador, deputado estadual e por fim
deputado federal. Escreveu muitos livros de direito, e era conhecido, em seu tempo, como homem
público e profissional das leis.

OS INVENTÁRIOS

Vida e morte do bandeirante, não tratam das entradas paulistas e não tem o tom grandiloqüente de
outros estudos voltados para a “epopéia bandeirante”. E, no entanto, o assunto é a São Paulo dos
historiadores - Alfredo Ellis, Taunay, até Jaime Cortesão – e, antes deles, linhagistas – frei Gaspar da
Madre de Deus, Pedro Taques, Manuel Eufrásio de Azevedo Marques – haviam qualificado de heróico.

A extraordinária aventura paulista está presente em Vida e morte do bandeirante. E se ainda não há no
livro uma posição abertamente crítica ante ela, há flashes e pequenos episódios da vida quotidiana dos
piratininganos que permitem apreender sua crueldade e sua tragédia. Sem atacar de frente a mitologia
heróica do bandeirismo, Alcântara Machado nos fala de indivíduos talhados numa dimensão
demasiadamente humana, capazes de mesquinharias, de fraquezas, de atitudes medíocres e triviais.

Já no título encontra-se expresso o intuito do historiador, a preocupação com os ritos que marcaram a
existência humana. No primeiro capitulo a explicação acerca do principal tipo documental sobre o que
repousa a obra: os inventários paulistas, cerca de quatrocentos, cobrindo um período que vai de 1578 a
1700, publicamos por iniciativa de Washington Luís quando governador da província, documentação que
“encerra subsídios inestimáveis para a determinação da época, do roteiro e da composição de muitas”
entradas”, “generoso manancial de notícias relativas à organização da família, vida íntima, economia e
cultura dos povoadores e seus descendentes imediatos”.

O livro começa justamente pela discrição e valorização da fome – “laudas amarelecidas pelos anos e
rendadas pelas traças”-, revelando que o historiador tinha consciência do quanto era pioneiro no seu uso.
Depois os capítulos se sucedem numa ordem lógica, que parte dos aspectos mais propriamente
econômicos e materiais – fortunas, hábitat, mobílias, baixelas, roupas – para atingir os costumes, as
crenças e as instituições. O fecho é o antológico capítulo sobre “ O sertão”, tributário de Capistrano na
obra já citada e antecipado do Sérgio Buarque de Holanda de Monções (1945) de Caminhos e fronteiras
(1957).

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A VIDA MATERIAL

O exame dos inventários revela que a vida dos paulistas foi, no inicio, marcada pela pobreza. Mesmo
quando as marcas de riqueza começaram a aparecer, já por volta do meado do século XVII, nada se
encontra que justifique o exagero da linhagistas ou de autores como Oliveira Viana, que viram em São
Paulo ambientes de luxo europeu.

Ao analisar as “parcelas que compõem o acervo” dos paulistas e a relação que guardam entre si”, o autor
chega a dados surpreendentes, revelando fina sensibilidade histórica. As roupas valem mais que as casas
de morada até 1650, quando os imóveis passam a representar “ a parcela mais alta da riqueza privada”.

Muitas jóias completam a indumentária das grandes ocasiões: para as mulheres, anéis, gargantilhas,
cadeias, afogadores e rosários de ouro, de pedra, de esmalte; para os homens, fivelas de prata nos cintos
e nos sapatos, botões nas vestias.

INSTITUIÇÕES E PRÁTICAS SOCIOECNÔMICAS

Numa sociedade de fronteira, onde tudo está por construir e onde a vida cotidiana é dura e incerta, as
práticas do dia-a-dia deixam em segundo plano as instituições mais duradouras. Não escolas, não há
mestres, não há médicos, escasseiam os magistrados. Uns poucos inventários acusam a presença
minguada de um punhado de livros, revelando ainda que, se boa parte dos homens sabia ler, escrever e
contar, a maioria das mulheres mal sabia escrever o nome.

À Justiça, o autor advogado e jurista se adianta e dedica um dos maiores capítulos do livro. Na falta
absoluta de magistrados, os leigos desempenham funções jurídicas e, por exemplo, fazem os inventários.
A máquina judiciária é morosa, as formulas são retorcidas, a prática jurídica é muito distinta da nossa e
ainda se reveste de simbologias, como o uso de ramos verdes nas transações de imóveis.

As custas processuais eram, então, menores, e os salários judiciais nem sempre se pagavam com moeda,
valendo usar, nas transações, estanho velho, botas e chinelas novas, galinhas e frangões.

Em meio à ausência das instituições, a família surgia como o único elemento de coesão, assumindo os
traços de uma organização defensiva. Alcântara Machado endossa, nesse tocante, as interpretações
vigentes em seu tempo sobre o papel ordenador do pater familias: era ele quem regia o destino da prole,
escolhendo-se os cônjuges e as ocupações, submetendo e enclausurando as consortes, zelando pela
limpeza do sangue em sua descendência.

O HOMEM E O MEIO

Nas lonjuras da capitania de São Paulo, as leis que defendem os índios vão deixando de ter valor.
Aproveitando de sua freqüente ambigüidade, os paulistas acabaram criando “Um Estado intermediário
entre a liberdade e a escravidão, que tivesse desta a substância e daquela as aparências”. Assim, ao lado
dos “negros gentios” da terra começaram pouco a pouco a aparecer os “serviços forros”, as diferenças

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ente um e outro se esgarçando ao longo do século XVII, e ambos acabando por ser escravizados, ao
arrepio das determinações de El-rei. Trazido a força pelas expedições, muitos índios se amotinavam. Os
mais robustos eram enviados como “negros de ganho” ao litoral, transportando cargas serra a cima. Os
mais hábeis tornavam-se chapeleiros e artesãos. Pela sua capacidade incomparável de andar dentro do
mato, havia os que iam buscar outros índios para os paulistas. E era para o mato que fugiam quando não
mais toleram os maus-tratos. Muitos mais raros eram os escravos negros, chamados “negros de Guiné”
para se distinguirem dos “da terra”, ou ainda, no vocábulo indígena, “tapanhunos”. A primeira menção a
eles aparecem em 1607, e cem anos depois, segundo os inventários, não soma mais quem um cento.
Apesar da escravização de africanos ser então legal, os negros contavam menos, portanto, do que os
índios como escravos.

A morte estava sempre presente. Cada entrada para o sertão podia ser a derradeira, e no afã de pôr a
alma no caminho da salvação. Em casa ou no sertão, ao testarem os sertanistas regulavam as mínimas
coisas: onde deveriam ficar seus ossos, quais os santos intercessores, quais as pompas fúnebres.

Tudo, na vida paulista, convergia enfim o sertão, “estribilho obsidente” que “aparece e reaparece nos
inventários”, “ a denunciar que para o sertão esta voltada constantemente a alma coletiva, como agulha
imantada para o pólo magnético”. È com o sertão que o autor fecha Vida e morte do bandeirante.

O afã de enriquecimento rápido ajuda a entender o fascínio pelo sertão. Contentado-se com a robustez e
a audácia dos adventícios, e sem se importar com a sua origem social ou econômica, o sertão “acena-lhes
com a miragem da riqueza fácil e imediata, ao alcance das mãos ávidas, nas florestas de índios
predestinados ao cativeiro, nas minas resplandecentes de gemas e metais de prol, no viso luminoso das
serranias que as fábulas sobre douram”.

O sertão é o espaço onde se exerce o espírito aventureiro e a imaginação; onde a força humana se põe à
prova para domar uma natureza desconhecida e misteriosa; onde os marinheiros da véspera voltam a
enfrentar situações de perigo e de imprevisto.

Finda a era heróica das grandes navegações, o colonizador português voltou-se para essa expansão
interna que caracterizou a atividade dos homens de São Paulo por séculos, e que em tantos pontos se
assemelhou à lide marítima.

Não há como fugir ao sertão, escola que “prepara os moços para o exercício das duas únicas profissões
tentadoras que o meio comporta: o tráfico vermelho e a mineração. Uma entrada equivale a um
diploma”. Na segunda metade do século XVII, não haverá em São Paulo mais do que dos moradores que
não se entreguem ao tráfico de índios, que atrai até ordens religiosas, como a dos carmelitas. Muito
menino saiu da infância já na lide sertaneja, acompanhando o pai ou algum parente, aprendendo roteiros
que, anos mais tarde, voltaram a praticar.

VIDA E MORTE DO BANDEIRANTE

Para driblar o meio acanhado e periférico, os habitantes de são Paulo tiveram que talhar um destino
específico, fazendo-o como homens comuns e não como “gigantes” ou “heróis”. Antes da voga da

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interdisciplinaridade, que em tantos pontos esfumaçou os limites entre a história e a antropologia, José
de Alcântara Machado e Oliveira, rebento de velhos troncos paulistas, cioso dos seus quatrocentos anos
de habitante do Planalto de Piratininga, soube, melhor do que ninguém no seu tempo, mostrar que a
compreensão histórica repousa também nos atos do dia-a-dia, monótonos, repetitivos, banais e até
mesmo mesquinhos. Sem julgar o passado – pois não compete ao historiador fazê-lo, alertou que a
pobreza da capitania poderia se transformar em categoria explicativa da sua historia, e abriu caminho
para os estudos dos mecanismos culturais e econômicos da expansão paulista.

A alardeada ausência de alternativas econômicas justificava, por um lado, o apresamento de índios; por
outro, fundamentava o não-pagamento de impostos e de dívidas. Por fim, o significado que o historiador
– no caso, Alcântara Machado – atribui à pobreza não é obrigatoriamente o mesmo atribuído pelos
contemporâneos. O destes, aliás, pode ser mais de um, e talvez uma compreensão mais acurada da
pobreza só possa surgir quando levar em conta sua provável polissemia – mascara sob a qual se
ocultaram variadas visões historiográficas.

6 - D. JOÃO VI NO BRASIL

Autor: Guilherme Pereira das Neves

Concluiu o Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo em 1994. Atualmente, é Professor
Associado III da Universidade Federal Fluminense, para a qual ingressou em 1977. Publicou artigos em periódicos
especializados, trabalhos em anais de eventos, capítulos de livros (muitos verbetes) e 5 livros (dois deles como co-
organizador). Participou de eventos no Brasil e no exterior. Orientou e orienta dissertações de mestrado e teses de
doutorado, como também trabalhos de iniciação científica e de conclusão de curso. Recebeu o 1º Prêmio de
Monografias do Arquivo Nacional (RJ) em 1995 e integra o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) como
sócio honorário. Atualmente, participa como pesquisador do projeto PRONEX / CNPq / FAPERJ intitulado (em sua
atual renovação) Linguagens da Intolerância, desenvolvido no âmbito da Cia das Índias - Núcleo de História Ibérica e
Colonial na Época Moderna. Trabalha sobretudo com o período de fins do século XVIII e inícios do XIX em sua
dimensão política, o que significa pensar o lugar da religião, da cultura escrita e, cada vez mais, da história no

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mundo luso-brasileiro. Tem interesse igualmente em Teoria e Metodologia da História, assim como em História da
Música. Em seu Currículo LATTES, palavras-chave freqüentes são: Antigo Regime, Ilustração / Luzes, Religiosidade /
Religião / Igreja, Historiografia, Reformismo, Império luso-brasileiro, Instituições, Educação, Nação e Linguagens
políticas. (Texto informado pelo autor)

RESUMO: D. JOÃO VI NO BRASIL

Ao abrir quase oitocentas páginas do Dom João VI no Brasil, de Oliveira Lima, em sua terceira edição de
1966, um distraído poderia supor que está diante de uma obra tradicional de história política e
diplomática. Poderá ser levado a pensar que se trata de uma obra de época, característica do período em
que foi escrita e da intenção que a moveu e acabar concluindo pela sua irrelevância para a realidade e os
problemas do Brasil de hoje.

Não poderia cometer maior engano, Wilson Martins caracteriza Dom João VI como um clássico da
historiografia brasileira entre outros autores e historiadores.

Manuel de Oliveira Lima nasceu no Recife, em dezembro de 1867. Seu pai era natural do Porto e a mãe,
de Pernambuco, onde aquele se estabelecera primeiro como caixeiro e depois como patrão, com negócio
de fazendas e consignação de açúcar. Com a prosperidade dos negócios, a família decidiu-se voltar para
Lisboa. Educado no colégio dos Lazaristas e na Escola Acadêmica, manifestando-se muito cedo suas
predileções literárias e históricas e sua “incompatibilidade congênita com a óptica”. Inscreveu-se na
faculdade de Letras. Formou-se em 1888 e depois no serviço diplomático brasileiro, nomeado adido de
primeira classe à legação de Lisboa pelo novo governo que derrubara a monarquia em 1889, faleceu em
1928 nos Estados Unidos, e foi enterrado com instrução de jamais ser removido.

Com suas opiniões francas, sua independência, suas invectivas contra os poderosos, e, sobretudo suas
convicções monárquicas criaram-lhe mais embaraços do que vantagens em meio aos grupos de interesses
que caracterizam o início do regime republicano, levando-o a considerar que ter caráter “é sempre um
atraso na vida”.

Cosmopolita por formação e experiência, Oliveira Lima reputava “absurda e insuportável a fórmula
inglesa – right or wrong my country, de um patriotismo estreito e inexorável”.

Oliveira Lima estruturou o livro Dom João VI no Brasil a partir de uma narrativa cronológica dos
acontecimentos, ainda que maleável, desde a decisão de transferir a corte de Portugal para o Brasil,
concretizada em 1808, até o seu regresso, em 1821.

Em Portugal, após a restauração de 1640, ocupou sempre um lugar marginal nesse intricado tabuleiro,
mas se ouro do Brasil e as medidas violentas do marquês de Pombal, como ministro todo-poderoso de D.
José I, deram-lhe um certo papel na Europa, tumultuado último quartel do século XVIII deixou-o numa
posição delicada, segundo Oliveira Lima, o “imenso império colonial”, tão vasto quanto vulnerável, estava
no mais completo desacordo com os meios de ação de que a metrópole dispunha para o defender e
manter. Compreendem-se assim as hesitações e os impasses da diplomacia portuguesa, a partir de 1790,

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dividido o Reino entre o temor às novas idéias, de que a frança se tornava o principal foco, e a
necessidade de utilizá-las, a fim de aprimorar o funcionamento do Império; entre o velho fantasma da
anexação pela Espanha, movendo-se na órbita francesa, e o receio de que a fragilidade do ultramar
atraísse a cobiça da Inglaterra, a despeito da longa aliança entre os dois países.

A decisão de partir para o Brasil revelou-se muito mais “como uma inteligente e feliz manobra política do
que como uma deserção covarde”.

Oliveira Lima, à percepção quanto a uma tradição estabelecida pelo Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro de desprezar as tradições portuguesas, a fim de erigir uma tradição nacional, fundada na
imagem do indígena e da natureza tropical idealizada, acrescenta uma outra; trata-se da idéia de que o
estabelecimento da Corte na América traria condições para fundar um novo império, mas desenvolvido a
partir da concepção de um império luso-brasileiro, como forma de manter a integridade do conjunto
ameaçado. Essa intenção, reagindo com os acontecimentos na Europa, com as condições do Brasil e
Portugal e com as limitações políticas e sociais das tradições luso-brasileiras, daria origem a uma série de
antinomias, responsáveis pelo rompimento de 1822.

Estabelecida a corte no Rio de Janeiro e tomadas as providencias indispensáveis, a imposição dos tratados
de 1810 (pela Inglaterra0 revelou a continuada e inevitável dependência em relação ao tradicional aliado;
porém as “intrigas platinas” mostrariam o surgimento de interesses propriamente americanos, motivados
pela antiga pretensão de estender as fronteiras do Brasil ao Prata, que renasciam em função da
inquietação das populações do vice-reinado, diante da acefalia do Trono espanhol na Europa, e das
atitudes de Carlota Joaquina, que se sentia “em si sobeja virilidade para ser ela o Rei”;

Semelhantes colocam-se em relação à Espanha, cujo rei legítimo renunciara por imposição de Bonaparte,
sendo substituído no trono por um irmão do general, levando à formação da Junta de Cádiz. Apesar dos
esforços de Pedro de Sousa e Holstein, futuro conde de Palmela, como representante português nessa
última cidade, as tentativas de colocar D.Carlota como regente dos domínios de sua família acabaram
igualmente bloqueadas pela Inglaterra, à qual não interessava a eventual união das duas monarquias
ibéricas.

Ao ocupar Caiena (Guiana Francesa) ainda em 1808 o que a corte visava era ter o que restituir na paz
geral que fatalmente devia rematar o período das guerras napoleônicas a fim de assegurar os tradicionais
limites americanos setentrionais.

Oliveira Lima, analisa a posição da monarquia sediada no Rio de Janeiro em relação ao cenário
internacional, após a paz na Europa e de verificar os interesses, que a transmigração de 1808 produziria
interior do império luso-brasileiro.

A derrota de Napoleão colocara novamente em questão a natureza da estadia da Corte na América e o


projeto de um novo império a que ela dera origem. Nada mais impedia o regresso de D.João a Lisboa.
Para o jogo político das potências reunidas no Congresso de Viena não se concebia que o Brasil assumisse
o papel que todos julgavam pertencer à Portugal; por outro lado as possibilidades oferecidas pela
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experiência direta do Novo Mundo tinham crescentemente interiorizado a metrópole dos trópicos,
redespertando os sonhos expansionistas da corte.

Os representantes portugueses no congresso de Viena procuravam resolves três questões: 1- a devolução


do território de Olivença, perdido para a Espanha na guerra de 1801; 2- a fixação da fronteira norte com a
Guiana Francesa de acordo com o estabelecido em Utrecht, e 3- a defesa do tráfico de escravos.
Misturavam-se interesses americanos e europeus. Embora elevado o Brasil a Reino Unido de Portugal e
Algarves, a antiga metrópole permanecia aos olhos europeus um país insignificante. Diante dos meios
fracassos observados quanto à solução das questões acima, à corte no Rio de Janeiro teve caminho livre
para seus intuitos expansionistas. Portugal deixara de alcançar em Viena a justiça que lhe cabia.

Em 1820, Dom João VI continuava a dar todos os indícios de que permaneceria fiel ao sonho do novo
império que viera buscar na América.

O desembarque da família real no Rio de Janeiro foi mais do que uma cerimônia oficial: foi uma festa
popular. Os habitantes da capital brasileira corresponderam bizarramente às ordens do vice-rei conde dos
Arcos e saudaram o príncipe regente, não simplesmente como o estipulavam os editais, respeitosa e
carinhosamente, mas com a mais tocante efusão.

7 - O ABOLICIONISMO

Autor: Marco Aurélio Nogueira

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em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1972) e Doutor em Ciência Política
pela Universidade de São Paulo (1983). Pós-doutorado na Universidade de Roma, Itália (1984-1985). Livre-docente
e Professor Titular pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. É professor colaborador do Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos-Ufscar e colunista do jornal O Estado de S
Paulo. Tem experiência na área de Ciência Política e de Gestão Pública, trabalhando principalmente com os temas:
teoria política, reforma do Estado, democracia, sociedade civil, globalização, modernidade e integração latino-
americana.Atualmente é Professor Titular da Universidade Estadual Paulista-UNESP, professor do Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp Pucsp Unicamp) e Diretor do Instituto de Políticas
Públicas e Relações Internacionais-IPPRI da UNESP. (Texto informado pelo autor)

RESUMO: O ABOLICIONISMO

Em meados de 1882, época em que Joaquim Nabuco começou a escrever “O Abolicionismo”, o


movimento pelo fim da escravidão ainda estava em crise.

O liberalismo estava tímido e a sombra do conservadorismo não se dissipava, então, uma mudança radical
sempre era contida pelo jogo político prevalecente.

Todavia, a conjuntura internacional não favorecia o sistema escravocrata, vez que era um dos últimos
países com esse regime de trabalho primitivo, retrógrado e desumano.

Então, em face do contraste gritante entre as castas privilegiadas e a miséria, ou se resolvia a questão do
trabalho ou o progresso estaria comprometido.

Contudo, embora a questão fosse óbvia, o imperador dividia-se entre querer ser moderno e não perder o
apoio dos escravocratas. Assim, como diz Nabuco no livro a abolição só conseguia se impor: “perante
jurisdições virtuais, abstrações políticas, forças que ainda estão no seio do possível, simpatias generosas e
impotentes, não perante o tribunal que pode executar a sentença da liberdade da raça negra”.

Nabuco perde a cadeira de deputado em 1881, o que provava as forças escravocratas e a irregularidade
do movimento abolicionista. Assim, Nabuco foi para Londres escrever sobre um tratado da escravidão e
das razões da abolição.

A obra: O abolicionismo é destinada a impulsionar um movimento que claudicava. Também deu ao


movimento um maior embasamento teórico, fazendo uma defesa da emancipação criticando as
estruturas e instituições imperiais, propondo uma reforma social.

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O livro supramencionado dará a Nabuco um instrumento para voltar à vida política e uma teoria para
explicar o país, explorando ao máximo a tese de que a escravidão ocupava o centro do organismo social.
Logo, pensar a escravidão seria pensar o país como um todo.

Nabuco expõe não apenas que a escravidão é ilegítima e ilegal, mas as razões com que ela acabará com o
progresso. O regime escravocrata acirrava os conflitos e impedia a convivência entre os brasileiros;
esmagava os operários e embrutecia os escravos.

O regime escravo proibia qualquer avanço na democracia e cidadania, promovendo uma concentração no
poder estatal, fazendo crescer artificialmente a classe dos empregados públicos, que eram “servos da
gleba do governo”, fechando as portas da indústria, do comércio, das letras e da ciência.

Joaquim Nabuco insiste na tese de que não se poderia exigir protagonismo dos escravos, pois estes não
teriam meios de reivindicar seus direitos, nem a consciência deles.

O governo imperial era incapaz de evitar o tema da abolição, mas não tinha bases firmes que o
forçasse à ação. Então tinha um plano gradualista destinado a proteger a monarquia, postergando a
abolição e desarticulando os abolicionistas. A título de exemplo, tem-se a Lei do Ventre Livre e a extinção
do tráfico em 1850.

Entretanto, os filhos de escravos nascidos cresceriam nas senzalas, sendo patente de que deveria se
reformar e alargar a lei. Essa lei, portanto, não passava de uma manobra a fim de desarticular os
abolicionistas. Era preciso o sucesso da causa, e para isso, não se podia recusar a contribuição de nenhum
partido.

Por essa razão, Nabuco, portanto, jamais deixou de ser realista e pragmático. Era uma luta de toda nação
e se completaria ao longo do tempo. O abolicionismo não era somente libertar os escravos, mas apagar
todos os efeitos de um regime que perdurou três séculos.

Então, seria imprescindível um programa feito a longo prazo, a fim de alterar estruturas das sociedades,
instituições e valores. Todavia, o programa reformador de Nabuco não empolgará a Coroa nem
sensibilizará as elites. Apenas em 1988, em decorrência da crise política e agitação popular a emancipação
ganhou força, sendo, então abolida a escravidão.

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Contudo a abolição não evitará a República, o que faz Nabuco romper com a política e refugiar-se na vida
privada. O apaixonado reformador cederá lugar a um monarquista ortodoxo, dedicado a embelezar
passado. Porém, não deixou de ser pragmático e em 1899 aceita o encargo de defender o interesse
brasileiro na Guiana Francesa. Mais tarde, em 1905 representa diplomaticamente o Brasil nos EUA. Morre
em Washington, em 17 de janeiro de 1910.

8 - HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA

Autor: Benjamim Abdala Júnior

É professor titular da FFLCH da Universidade de São Paulo. Pesquisador 1 A do CNPq, foi adjunto de representante e
coordenador da área de Letras e Lingüística da CAPES; ex-representante das áreas de Humanas no Conselho
Técnico-Científico dessa agência do MEC. Ex-presidente da Associação Brasileira de Literatura Comparada, foi por
duas gestões representante dessa área do conhecimento no CNPq. Membro do Conselho Editorial de várias revistas
científicas, foi diretor ou coordenador de séries ou coleções editoriais, entre elas, a Princípios e Fundamentos
(Editora Ática), Literatura Comentada (Editora Abril), Ponto Futuro e Livre Pensar (Editora SENAC-SP). Suas
pesquisas, desde o Mestrado, na Universidade de São Paulo, situam-se no campo da Literatura Comparada, atuando
no âmbito das literaturas de língua portuguesa. Foi um dos introdutores dos estudos das Literaturas Africanas no
país. Publicou cerca de quarenta títulos de livros (livros de autoria individual, organização de coletâneas críticas e
antologias), entre eles A escrita neo-realista (1981); História social da literatura portuguesa (1984); Tempos da
Literatura Brasileira (1985); Literatura, história e política (1989); Fronteiras múltiplas, identidades plurais: um
ensaio sobre mestiçagem e hibridismo cultural (2002); De vôos e ilhas: literatura e comunitarismos (2003);

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Literaturas de língua portuguesa: marcos e marcas - Portugal (2007); Literatura comparada e relações comunitárias,
hoje (2012). Entre as coletâneas que organizou ou co-organizou, podem ser mencionadas Ecos do Brasil: Eça de
Queirós, leituras brasileiras e portuguesas (2000); Personae: grandes personagens da literatura brasileira (2001);
Incertas relações: Brasil e Portugal no século XX (2003); Margens da cultura: mestiçagem, hibridismo & outras
misturas (2004); Portos flutuantes: trânsitos ibero-afro-americanos (2004) e Moderno de nascença: figurações
críticas do Brasil (2006). Estão no prelo os seguintes títulos: Literatura e memória política e Estudos Comparados -
teoria, crítica e metodologia. (Texto informado pelo autor)

RESUMO: HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA

A História da literatura brasileira deixa evidentes as contradições do pensamento crítico de seu autor, um
intelectual que dá origem a reflexões que contribuirão de forma decisiva para a discussão da cultura
brasileira em todas suas vertentes.

Era essa a maneira como se pensava cientificamente a literatura e a cultura, com esquemas importados
da Europa. Além disso, deve ser destacado o fato de que a História de Sílvio Romero significou um avanço
para o pensamento crítico, pela preocupação metodológica do autor, que veio a constituir um marco
inicial, no Brasil, de toda uma linha de abordagem dos fatos literários e culturais.

Sílvio Romero tem em seu texto um sentimento de missão, de dever. Segundo ele, a abolição veio da
pressão do conjunto, que já ia libertando os escravos nas fazendas e nos Estados, e se os políticos não o
fizessem logo, não encontrariam mais a quem libertar. Ele considerava-se um naturalista idealista,
procurando afastar-se da visão dicotômica do materialismo e do espiritualismo.

O primeiro período da “História da literatura Brasileira” foi designado pelo autor como primeira época ou
período de formação (1500-1750). Nesse período já aparece um exemplo de parcialidade e crítica de seu
autor. Sílvio Romero dedica apenas um parágrafo de sua obra a Antônio Vieira, homem representativo do
período.

O autor continua seu discurso histórico na segunda época ou período de desenvolvimento autonômico
(1750-1830). Para ele, destacam-se nessa época os poetas da Escola Mineira.

As produções da terceira época oi período de transformação romântica – poesia (1830-1870) já se


desenvolveram em um período mais acelerado, exigindo-se uma divisão em fases, com escritores
representativos.

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Sílvio Romero tem na mestiçagem o ideal da identidade nacional brasileira. Procurava aliar determinantes
raciais com de outras esferas, e vê no modelo antropológico a razão para a defesa do unitarismo do país.
Todavia, indica que com a extinção do tráfico e o gradual desaparecimento dos índios, poder-se-ia no
futuro predominar a feição branca.

O autor fica contraditório na questão da mestiçagem e aceita a idéia de superioridade racial sem verificar
sua pertinência. Quando discorre sobre mestiçagem, tem concepções racistas que falam de uma raça
branca superior, embora diga que o mestiço tem muita importância em aspectos culturais.

Sílvio Romero pesquisou a cultura popular brasileira. Ele repete que o Brasil não é o Rio de Janeiro e
aponta a diversidade existente no Brasil, procurando destacar as produções culturais nordestinas.

A obra do autor vale como síntese da literatura e da cultura do país, publicada no inicio da República Era
um momento de sonhos libertários e de defesa de uma metodologia cientifica para as ciências humanas.

Além disso, o texto permite uma profunda discussão da cultura brasileira, que são questões, inclusive,
matéria de discussões contemporâneas. Sílvio destacou as potencialidades das formas literárias
produzidas no país.

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9 - MINHA FORMAÇÃO

Autora: Maria Alice Rezende de Carvalho

Licenciada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1975), Mestre pela Universidade
Estadual de Campinas (1983) e Doutora em Sociologia pelo IUPERJ - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (1997), onde trabalhou entre os anos de 1987 e 2007, tornando-se Professora Titular (Sociologia), em 1993.
Participou do colegiado de diretores do IUPERJ por três vezes e presidiu a ANPOCS - Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, principal associação científica da área, no biênio 2009-2010. Atualmente
é Professora Associada II do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio) e Pesquisadora do CNPq (desde 2005). Coordenou o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
PUC-Rio nos anos de 2011 e 2012 e coordena o CENTRAL - Núcleo de Estudos e Projetos da Cidade, do Centro de
Ciências Sociais daquela universidade. Suas linhas de pesquisa são, principalmente, história e sociologia da cultura e
dos intelectuais, sociologia da cidade e sociologia política. É autora (ou co-autora) de nove livros, dois deles
premiados, além de integrar cerca de trinta coletâneas de nacionais e internacionais. Orientou mais de vinte teses de
doutorado, seis delas premiadas por diferentes instituições, no Brasil e Uruguai, e 25 dissertações de mestrado.
Participa do Conselho de Editores Científicos da Revista Ciência Hoje e integra, desde 2009, o Conselho de
Informações Estratégicas do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos - IPP. (Texto informado pelo autor)

RESUMO: MINHA FORMAÇÃO

No final do século XIX, o Brasil era uma república com extrema instabilidade política decorrente da
ruptura do antigo regime. O livro de Nabuco: Minha Formação é resultado da avaliação do Autor de sua
trajetória associada ao Segundo Reinado.

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O autor estava bastante apreensivo com a radicalização política que assolava o país e estava
voluntariamente afastado da política por não acreditar uma liderança capaz de reconciliar a nação com
seu passado.

O livro supracitado tem o relato do sentimento de crise que acometeu as elites imperiais no contexto da
República e a defesa de um futuro pautado pela tradição brasileira. Nele, o autor defende suas convicções
monárquicas mais explicitamente nos dois primeiros capítulos.

Nabuco dedica parte do livro para falar sobre os efeitos do legado civilizacional do Ocidente, destacando
as personalidades com quem travou contato na Europa.

Para ele, o traço do brasileiro culto é a dualidade, pela incapacidade de satisfazer somente com a Europa
ou o Brasil. Isso porque o Velho Mundo, em oposição ao Novo Mundo, tinha reminiscências da trajetória
humana.

Nabuco afirma que seus anos de formação literária foram também de formação política, então, em cada
cidade que visitou, além de um julgamento estético, há um teor político. Em sua vivência em Paris,
Londres e Nova York que o autor teria consolidado sua opção pela monarquia.

O autor faz uma clara comparação entre Paris e Londres, vendo em Paris a magnitude da natureza
humana e em Londres a naturalidade dos fatos. Para ele, nessas cidades, há dois padrões estéticos
distintos, e por isso, critérios distintos de validação de sistemas políticos. Nabuco não esconde sua paixão
por Londres, em que enxerga a honra a altivez moral e a individualidade.

Lado outro, o autor não vê em Paris um espírito de liberdade arraigado. Para ele, Na França havia uma
predisposição igualitária, o que levava à demagogia.

Em “Minha formação”, Nabuco justifica os motivos que o levaram a viajar ao norte do continente
americano. Ele pretendia combater o republicanismo, e, para isso, precisaria compreender sentir o
aspecto político de Nova Iorque.

Ele constata que na América há um excesso de finalidade material e ausência de um ideal. Nabuco
enxergava um predomínio da igualdade em relação à liberdade, assemelhando-se à república preconizada
pelos jacobinos, em que se tinha abertura para a demagogia. O autor retorna para o Brasil convencido de
que apenas a Inglaterra é um país livre.

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Na última parte do livro, Nabuco dedica-se a apresentar sua formação humana, levando em conta os
critérios que se referem ao abolicionismo e às reminiscências de sua infância.

O autor mostra repúdio às instituições escravistas, que chama de “indigna marca nacional do Brasil”. No
livro, o abolicionismo não aparece como uma questão social ou nacional, mas como uma dívida moral,
com caráter humanitário.

Para Nabuco, a monarquia estabelecia as hierarquias sociais, em que a honra é um atributo do lugar que
se pertence, o que confere dignidade a cada cidadão. Então, quando caiu a monarquia, caiu o edifício
hierárquico.

10 - A AMÉRICA LATINA: MALES DE ORIGEM

Autor: Roberto Ventura

Possui graduação em Geologia pela Universidade de Brasília (1984), mestrado em Geologia Econômica e Prospecção
Mineral pela Universidade de Brasília (1988) e doutorado em Geophysical Sciences pela University of Chicago (1993).
Atualmente é professor adjunto iv da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase
em estratigrafia isotópica e estudos ambientais, atuando principalmente nos seguintes temas: isótopos de oxigênio e
carbono, estratigrafia química e isotópica e geologia ambiental. (Texto informado pelo autor)

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RESUMO: A AMÉRICA LATINA: MALES DE ORIGEM

A América Latina: Males de origem, de Manuel Bonfim, reflete sobre os males de origem dos países do
continente. Bonfim, ao revés dos intelectuais da época, não culpava as populações mestiças e o clima
tropical pelo atraso dos países, mas a exploração das colônias e dos escravos e trabalhadores. Acreditava
que com a difusão do ensino primário se resolveria o problema da democracia no Brasil, já que na
Primeira República se excluía o voto dos analfabetos.

O livro revela a consciência continental do autor, que não fala apenas como brasileiro, mas como latino
americano, ao tentar exprimir a posição de uma região atrasada. A América Latina: Males de origem
critica a república, que afastou seus ideais ao manter as instituições presentes na monarquia.

Bonfim escreveu A América Latina: Males de origem em 1903, em Paris, reagindo à negativa visão que os
europeus tinham da América do Sul, tida como atrasada por ter raças “inferiores” ou “misturadas”. Ele
atribui os males dos países aos colonizadores, que eram verdadeiros parasitas, na medida em que
exploravam o trabalho escravo.

A partir dessa noção de parasitismo, o autor criou uma teoria biológica da mais-valia, nas quais as elites
locais seriam parasitas das classes trabalhadoras, tomando a riqueza que estas produzem. Isso resultaria
em uma exploração predatória e o gosto pela vida sedentária, que levaria ao esgotamento de recursos e à
decadência da sociedade. A luta entre os parasitas e os parasitados, então, que levaria às transformações
históricas.

Para Bonfim, após a proclamação do regime republicano, o Estado permaneceu como era, continuando
sua atuação como parasita, com gastos excessivos de órgãos estatais e forças armadas. Então, para ele, a
solução seria uma reeducação política, em que o estado deveria proteger os indivíduos contra a miséria,
ignorância e preconceito ao invés de ter uma função “guerreiro- policial”.

A República, proclamada em 1889, não fora capaz de implementar uma democracia política, na medida
em que transformou o sufrágio universal em uma mentira e representou o interesse de uma minoria
insignificante.

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Na parte final de A América Latina: Males de origem, Bonfim critica o racismo o evolucionismo e o
positivismo, como modelos que justificam o domínio dos fracos pelos fortes. Ataca, assim, a crença na
superioridade de raças “puras”. Resume, assim, a relação entre essas teorias e os interesses imperialistas.

Bonfim afirma que o parasitismo na história da América Latina, ao contrário do biológico, não era
irreversível e poderia ser extirpado por meio da educação popular e da rebelião contra as diversas formas
existentes de espoliação. O autor rompeu com o pessimismo e determinismo das teorias do meio, da raça
e do caráter nacional. Concebidos como imutáveis.

Todavia, o autor não se livrou completamente da idéia de transmissão hereditária de traços psicológicos,
que entrava em contradição com a idéia de que poder-se ia modificar o “caráter” do povo brasileiro.

11 – A ORGANIZAÇÃO NACIONAL

Autor: ROLF NELSON KUNTZ

Possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1966), mestrado em Filosofia pela Universidade de
São Paulo (1970) e doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1982). Atualmente é porfessor doutor da
Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Teoria das Ciências Humanas e

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Ética e Filosofia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: política, economia, David Hume, democracia,
Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Adm Smith. (Texto informado pelo autor)

RESUMO: A ORGANIZAÇÃO SOCIAL

No livro: A organização nacional, de Alberto Torres, defende-se a ideia de que soluções políticas só podem
ser produzidas observando-se a terra e a gente, para identificar os interesses gerais e permanentes do
país; soluções copiadas são fadadas ao fracasso.

Alberto Torres tem em sua obra algumas características pessoais, como, o antirracismo, mas também
reflete nela idéias de escritores e políticos de seu tempo: soluções brasileiras para problemas brasileiros
foi um mantra de sua geração.

A obra: A organização nacional, de Alberto Torres, enfatiza na soberania da união e critica o federalismo
adotado no Brasil. Reforça também a ideia da liberdade individual.

Para o autor o fracasso nas duas primeiras décadas da república são fruto do desencontro do homem com
a natureza e a desorganização, que vai além das noções de administração, incluindo-se uma concepção
política, uma definição de interesse nacional e conformação de um povo.

A constituição de 1981, para Alberto Torres, é parte dessa desorganização denunciada.. A reforma
constitucional envolve a definição de um interesse nacional e um projeto para o Brasil. A decepção do
autor com a constituição surgiu quando ele era presidente do estado do Rio de Janeiro, e se completou
quando foi ministro do STF.

A organização nacional apresenta em seu prefácio algumas noções centrais, como a de que a Constituição
de 1891 é uma cópia. A primeira seção do livro: “A terra e a gente do Brasil” reflete sobre o desajuste
histórico brasileiro: o homem não se amoldou à terra e a política não fora capaz de estabelecer padrões
de solidariedade suficiente para formar uma nação.

A política não é apenas emanação de uma base social e econômica. Há uma função criadora da política,
que é tema da segunda seção do livro A organização nacional, de Alberto Torres. É necessário renunciar
às noções abstratas de formas de governo. Para Torres, há de se ter um novo estilo de ocupação
territorial, que seja menos destruidor.

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Alberto Torres descreve que o governo deveria das menor ênfase ao comércio e às estradas de ferro, que
segundo ele são:

“como causas de ruina, facilitando o êxodo das populações para os grandes centros, o
esgoto da terra, o consumo de produtos voluptuários e frívolos, a criação de hábitos,
costumes, ambições e estímulos, contrários á estabilidade, ao trabalho, á vida serena e
sóbria no pequeno torrão cultivado.“ (A organização nacional, Alberto Torres, pág.
179)

Para Alberto Torres, o comércio internacional está dominado pelos interesses das grandes potências. O
Brasil deveria abandonar o consumo imitativo e tornar-se, assim, menos dependente da informação. O
pais, “fraquíssimo pela singularidade de sua natureza”, só poderia resistir aà dominação por obstáculos
políticos e legislativos.

A terceira seção do livro: ”Da revisão Constitucional” expõe as bases políticas e legais da organização. O
autor trata dos poderes e responsabilidades da União e das províncias. Estas últimas terão poderes
meramente residuais

Alberto Torres dedica o capítulo segundo para falar dos órgãos da soberania nacional, os poderes
Legislativo, Executivo, Judiciário e Coordenador. Esse último seria o centro organizador, concatenando os
aparelhos do sistema político.

Alberto Torres, no livro, tem a preocupação com praticas democráticas, com liberdades individuais e com
sua prática jurídica. Valoriza também os direitos de segunda geração e preocupa-se também com o meio
ambiente. Esses valores, para o autor, só seriam possíveis com a atuação de um governo muito forte,
capaz de intervir em todas as questões de interesse público.

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12 – HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA

Autor: JOÃO ALEXANDRE BARBOSA

RESUMO: HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA

A História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo, é uma síntese bem-sucedida da história da literatura
brasileira em nossa historiografia literária. A forte herança romântica, a crise dos positivismos e
evolucionismos e as novas tendências impressionistas da crítica eram elementos fundamentais do novo
paradigma crítico que se anunciava no contexto mais amplo da elaboração da História.

A obra é de extrema importância para o estudo da historiografia literária, percebendo, por exemplo,
como a influência contumaz do determinismo de Taine é abrandada pela leitura de Gustavo Lenson ou
mesmo pela lembrança de Sainte Beuve.

A “introdução” revê pressupostos fundamentais da historiografia literária brasileira, defendidos pelos


precursores românticos ou por Sílvio Romero. Já no primeiro parágrafo, José Veríssimo retoma o tema da
tensão entre dependência e autonomia da literatura brasileira em relação à portuguesa, afirmando,
assim, a relação entre desenvolvimento literário e político.

José Veríssimo, ao mesmo tempo em que buscava se adequar aos novos paradigmas críticos e
historiográficos, num esforço de superação das amassas representadas pela sua formação modernista,

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terminava por ser um homem de sua geração ao estabelecer bases de uma evolução literária cuja
destinação e plenitude se daria com a obra de Machado de Assis,

Ao dedicar o último capítulo do livro a Machado de Assis, deixa claro o sentido axiológico que movia a
composição da obra – a obra machadiana era singular pelos princípios de nacionalização da literatura que
ele fixara a partir do romantismo e, por outra parte, ratificava o esquema evolucionista que dominava sua
formação de crítico.

Lendo-se A História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo, depois de ter lido o seu último capítulo é
possível compreender a leitura apequenada e moralista que faz de Gregório de Matos e da ausência de
poetas simbolistas.

Em História da Literatura Brasileira, José Veríssimo, faz prevalecer os valores de representação


sobre os de construção, colocando a inteligibilidade como sinônimo de clareza, assumindo posições
conservadoras e reacionárias.

No livro, o autor por um lado encerrava toda aquela seqüência de esforços oitocentistas em pró de uma
história literária brasileira , dos românticos até Sílvio Romero, e, de outro lado, iniciava a abertura de uma
nova historiografia , que somente quase meio século depois encontraria continuidade.

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13 - POPULAÇÕES MERIDIONAIS DO BRASIL

Autor: Gildo Marçal Brandão

Nascido em Alagoas, formou-se em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e, depois de mudar-se para
São Paulo, concluiu seu doutorado em Ciência Política na Universidade de São Paulo. Sua tese foi publicada pela
Editora Hucitec em 1997 sob o título A Esquerda Positiva: As Duas Almas do Partido Comunista, 1920-1964.
Caio Prado Júnior e a Nacionalização do Marxismo no Brasil (Editora 34, 2000)
Também publicou os livros
e Linhagens do Pensamento Político Brasileiro (Oscite, 2007), importantes contribuições para Ciências Sociais
brasileiras. Foi Professor do Departamento de Ciência Política e coordenador científico do NAPDD - Núcleo de Apoio à
Pesquisa sobre Democratização e Desenvolvimento Político da Universidade de São Paulo.

RESUMO: POPULAÇÕES MERIDIONASI DO BRASIL

Os liberais brasileiros, diz Oliveira Vianna em Populações Meridionais do Brasil, jamais entenderam que é
impossível e contraproducente reproduzir aqui o parlamentarismo inglês, o liberalismo democrático à
francesa, ou o federalismo e a descentralização republicana ao estilo americano. Jamais perceberam que
as instituições políticas engendradas por essa história de quatro séculos nos fazem distintos dos europeus
e anglo-saxãos. E que, por mais bem intencionadas e idealistas que sejam todas as tentativas de
transplantar aquelas instituições para um meio que lhes é decididamente hostil, apenas reforçaram
nossas características mais negativas - a anarquia branca, o predomínio das oligarquias, o risco da
fragmentação do país. Se quisermos construir uma nação soberana, capaz de preservar sua identidade em
confronto com os povos práticos e objetivos que estão se assenhoreando do globo, é preciso mudar
radicalmente de métodos. É preciso começar conhecendo-nos a nós mesmos, o povo como realmente é -

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sua formação histórica e social, suas instituições políticas, sua atitude perante o Estado. É preciso lutar
para dar consistência, unidade e uma consciência comum a esta vasta massa social informe e ganglionar
que ele é hoje. E é preciso fazê-lo da única maneira possível nas condições brasileiras: tendo a "coragem
infinita" de "contravir ostensivamente às idéias de liberdade" e de construir um poderoso Estado
centralizado, "capaz de impor-se a todo o país pelo prestígio fascinante de uma grande missão nacional".

É para fundamentar este projeto político que Oliveira Vianna se lança a um vasto programa de pesquisa
cujo primeiro fruto foi justamente Populações Meridionais do Brasil. Escrito entre 1916 e 1918 e
publicado em 1920.

O seu pé-de-chumbo seria, como se sabe, o extenso uso que fazia de teorias e argumentos racistas para
avaliar o papel da mestiçagem e explicar a desigualdade social e política brasileira. Aspecto que lhe atraiu
a artilharia de Sérgio Buarque de Holanda, Nelson Werneck Sodré, Dante Moreira Leite, José Honório
Rodrigues, Vanilda Paiva e muitos outros. Autores estes que debatiam sobre a cultura brasileira esposada
pelo autor, desqualificando os conhecimentos geográficos e historiográficos sobre os quais se assentava
seu edifício teórico, horrorizando-se com sua "apologia" do que então se chamava de "latifúndio feudal" e
protestando contra a crítica da democracia política que precedia sua defesa de um estado forte e
autoritário.

O LIVRO, SEUS OBJETIVOS

Populações Meridionais do Brasil é um livro composto por dois volumes, um dedicado às "populações
rurais do centro-sul (paulistas - fluminenses - mineiros)" e outro ao "campeador riograndense". O
primeiro é seguramente o texto mais conhecido de Oliveira Vianna, mais até do que o tardio e mais bem
realizado Instituições Políticas Brasileiras (1949), que hoje deve ser mais lido nos meios acadêmicos.
Publicado originariamente por Monteiro Lobato, com quem havia colaborado na Revista do Brasil e que
ficara impressionado com a audácia e o vigor do ensaio, e reeditado em 1922, 1933, 1938, 1952, 1987 e
2000, era parte de um estudo maior e inacabado, voltado para elucidar as instituições e a psicologia
política das populações rurais do norte, do centro-sul e do extremo-sul do país.

O segundo volume só veio à luz em 1952, depois da morte do autor (1951) e num contexto ideológico e
cultural bastante distinto. Enquanto aquele foi escrito numa época em que as ciências sociais brasileiras
engatinhavam e a crítica política renovadora executava, pela direita e pela esquerda, um balanço
implacável das instituições liberais da República Velha, o ensaio dedicado aos gaúchos apareceu num
momento em que o comprometimento das teorias racistas com as experiências nazistas, a decadência e
queda do Estado Novo, a naturalização do modernismo e a existência de construções teóricas
historiograficamente mais sólidas, como as de Caio Prado Júnior e Gilberto Freyre, lançavam sombra
sobre o conjunto do pensamento de Oliveira Vianna.

Trata-se, como se vê, de um projeto ambicioso, esse de estudar "essas obscuras gentes do nosso interior",
que teriam feito o Brasil e sido, não obstante, desprezadas pelo que chamava de "daltonismo" dos
intelectuais, políticos e jornalistas, cuja "fascinação magnética" pelo artificialismo da vida urbana e pelos
modelos políticos estrangeiros levara-os a dar as costas para o país real. Ao contrário disso, Oliveira
Vianna assumia como principal objetivo deslindar nossa singularidade, isto é, estabelecer a caracterização
social do nosso povo, tão aproximada da realidade quanto possível, de modo a ressaltar quanto somos

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distintos dos outros povos, principalmente dos grandes povos europeus, pela história, pela estrutura, pela
formação particular e original.

Oliveira Vianna cedo percebeu que nada disso poderia ser realizado sem que jogasse fora o método com
o qual as instituições políticas eram habitualmente tratadas em seu tempo - aquele que chamou mais
tarde de "clássico" ou "dialético", praticado pelos intelectuais juridicistas, especialmente pelo maior
deles, Rui Barbosa. E sem que inventasse um novo, pelo qual os problemas do Estado fossem tratados e
resolvidos levando em conta as condições culturais do povo, especialmente a experiência pouco
agregadora vivida nessa história de quatro séculos. O resultado perseguido por essa ciência social não é a
formulação de uma nova teoria do Estado, nem mesmo de um novo conceito de Estado - que a rigor não
existem na obra de Oliveira Vianna -, mas uma particular "concepção do Estado brasileiro, enquadrado
dentro do Brasil”.

DIFICULDADES DE LEITURA

A complicação cresce quando se toma os dois volumes conjuntamente, tanto porque são desiguais os
graus de acabamento formal e expositivo de cada um, como também porque algumas das suas avaliações
históricas sobre os efeitos políticos da psicologia dos gaúchos e dos matutos não são muito compatíveis
entre si.

A própria construção de Populações Meridionais, mais histórica e menos sistemática do que, por
exemplo, Instituições Políticas Brasileiras, dificulta a síntese e obriga o leitor a acompanhar parte por
parte, capítulo por capítulo, para poder apanhar as suas teses e as passagens principais entre elas, nem
sempre bem amarradas. Sua concepção da história, além disso, supõe grandes continuidades e grande
estabilidade nos tipos sociais nascidos da interação com o mundo rural, autorizando-lhe, aparentemente,
anacronismos. Talvez por isso mesmo seu estilo de argumentação seja reiterativo, seus temas por vezes
se atropelam e a articulação interna do texto admite altos e baixos, idas e vindas que uma arquitetura
mais rigorosa recusaria.

Apesar disso, ele é literariamente muito superior à escrita pré-modernista e conserva intacto, o frescor da
juventude. Sua beleza, a "novidade" da "metodologia sociológica" que apresenta e a clareza com que
defende suas teses seguram a exposição e asseguraram o êxito do livro.

A ORGANIZAÇÃO DOS DOIS VOLUMES E RELATIVAMENTES EQUIVALENTE:

O primeiro contém um prefácio onde Oliveira Vianna faz uma declaração metodológica da qual jamais se
afastará. E uma introdução, que retraça a gênese, a preponderância e o significado do grupo social que
considerava o principal sujeito dessa história anti-urbana de quatro séculos - a aristocracia rural. Ao fazê-
lo, enuncia as principais teses que serão desenvolvidas nas quatro partes (e dezenove capítulos)
dedicadas sucessivamente à "Formação Histórica", à "Formação Social", e à "Formação Política" da
nobreza territorial (e da plebe rural), culminando com o estudo da "culturologia" ou da "Psicologia
Política" - da gênese da idéia de Estado e do sentimento de autoridade e liberdades públicas nas
populações rurais brasileiras - que essa experiência gerou.

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O segundo volume, por sua vez, contém uma "Advertência" sobre o caráter inacabado do ensaio e se
divide em dezoito capítulos mal organizados em quatro partes intituladas "Proto-história Riograndense",
"Formação da Sociedade Gaúcha", "História Militar do Rio Grande" e "Culturologia Política da População
Rio-Grandense".

O OBJETO: POPULAÇÕES, NO PLURAL

Levando em conta tais condicionantes, talvez a maneira mais simples de abordar Populações Meridionais
seja começando pelo título. Por que "populações" e não simplesmente "população"? Por que "rurais" e
não "urbanas"? Por que "populações" e não apenas "elites", dado que segundo Oliveira Vianna o
verdadeiro sujeito de nossa história, até o momento que ele a estuda, foi a nobreza territorial? O mero
enunciar dessas diferenças delimita o objeto, indica o modo pelo qual ele vai ser estudado e sugere as
principais hipóteses a serem investigadas.

É que para Oliveira Vianna, situado numa longa linhagem que vem desde Montesquieu, o espaço
geográfico é uma dimensão essencial da forma pela qual as sociedades se organizam. No caso dele, há
mesmo uma determinação recíproca entre o meio ambiente, o substrato étnico e a psicologia moral e
política que daí resulta. A conseqüência é que, de qualquer lado que se olhe, não passa de ficção a idéia
da substancial unidade do povo brasileiro - e essa precariedade material e subjetiva, essa artificialidade
do sentimento da nacionalidade comum, terão duradouros efeitos políticos

Ora, isto é um redondíssimo erro (...). Culturologicamente considerado, o Brasil não me parece ainda uma
unidade constituída - e, sim, uma unidade a constituir-se. Esta unidade é um ideal - um alvo para onde
estamos caminhando. É um objetivo a atingir - e não um fato, um dado da nossa realidade.

O povo não só não é uma "massa homogênea", como sua propalada "unidade da raça, da civilização e da
língua, e não sei o que mais", é superficial e insuficiente para explicá-lo e ao país.

Ao contrário disso, será necessário levar em conta "a diversidade dos habitats e sua ação durante três ou
quatro séculos, as variações regionais no caldeamento dos elementos étnicos e, principalmente, a
inegável diferença das pressões históricas e sociais sobre a massa nacional, quando exercidas ao norte, ao
centro e ao sul". Atentando, sobretudo para fatores geográficos, históricos e sociais, será possível
perceber que a sociedade brasileira é, na verdade, uma estrutura descontínua e ganglionar, um quebra-
cabeças incompleto, com partes contrastantes e desconexas entre si. Na verdade, em vez de um país,
estamos diante de três regiões (a do norte, a do centro-sul e a do extremo-sul) cuja colonização gerou
três sociedades (a dos sertões, a das matas e a dos pampas) e três tipos sociais distintos (o sertanejo, o
matuto e o gaúcho). Todos esses tipos são rurais, porquanto os urbanos não passam segundo Vianna, de
"reflexos ou variantes do meio rural a que pertencem". Não se trata, portanto, de estudar o homem
brasileiro em geral, mas este ou aquele grupo regional.

Oliveira Vianna tem o cuidado de sugerir que ao decompor seu objeto e especializar a sua análise não
está convertendo a geografia numa rua de mão única. Há, diz ele, ambientes sociais fixos, mas não tipos
sociais fixos.

Dos três grupos sociais básicos que compõem a sociedade brasileira, o matuto é, sob vários aspectos, o
principal. Primeiro, porque a ocupação do território e a formação das populações foram, em grande
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parte, produtos da dispersão do mais dinâmico dos seus subgrupos, os paulistas. Segundo, porque ele é o
mais numeroso. Terceiro, porque foi em sua área geográfica que, desde a Independência, o centro da
política nacional se instaurou. Quarto, porque essa "contigüidade geográfica do principal habitat agrícola
com o centro do governo nacional" fez do matuto o fornecedor do principal contingente da elite dirigente
e deu a ele "incontestável preponderância" sobre os outros dois tipos. E quinto, porque estes, sempre
foram excessivamente regionais: originários de sociedades de tipo pastoril, ficaram adstritos a zonas de
ação limitadas.

De qualquer maneira, geografia, demografia, economia, política e psicologia se interpenetram para fazer
das populações meridionais do centro-sul e da elite política que delas se sobressaiu o pólo construtor do
Estado nacional.

A "METODOLOGIA SOCIOLÓGICA"

Delimitado o objeto, o Método, o modo pelo qual o cientista social se posiciona diante da realidade.
Método é também a maneira de usar o conhecimento adquirido para mudar essa realidade, a brasileira.

Oliveira Vianna pretende distinguir-se nitidamente daquele juridicista ou "dialético", que parte das
normas abstratas para a realidade da vida social, toma as leis escritas como se fossem a realidade ou
considera que a boa lei produz, por si só, a boa sociedade - modo de pensar e de fazer política que ele
identifica nos liberais do Império e da República. "Uma cousa, diz ele, é estudar as instituições políticas
como elas existem na sociedade, no viver prático e habitual dos homens. Outra cousa é estudar as
instituições políticas como elas aparecem abstratamente nos sistemas das leis e das Constituições”.

Vianna propõe um giro de 180 graus. Diz ele, em vez de estudar leis e Constituições, fomos diretamente
às matrizes da nossa própria formação social e histórica, às fontes primárias, aos olhos d'água, aos
mananciais da serra. Fizemos um estudo concreto, objetivo, realístico - direi melhor, naturalístico - das
instituições políticas, isto é, consideramos estas instituições ao vivo, tais como o povo as praticava
realmente em sua vida quotidiana, tais como elas surgiram ou brotaram do seio da sociedade matuta - de
dentro do povo, - como de dentro de uma árvore, da intimidade do seu seio, surge, pela transfiguração de
sua seiva, a inflorescência colorida, que a recobre. Trata-se, portanto, de contrapor sistematicamente o
país real ao país legal, privilegiar a constituição real e não a escrita, medir o direito tal como elaborado
pelas elites cultas preocupadas com a coerência dos modelos pelo direito usualmente praticado e
deformado pelo povo. Essa "metodologia sociológica", como mais tarde irá designá-la, busca detectar as
grandes linhas evolutivas do povo brasileiro.

A rigor, a trajetória iniciada no século 16 (no I século, na linguagem um tanto pomposa do autor) com a
ruralização (internalização) da requintada nobreza urbana de origem peninsular conheceu apenas duas
rupturas. Uma a da Independência, quando uma elite idealista e inevitavelmente polarizada pelos
exemplos europeu e norte-americano, nega a experiência histórica acumulada e adere ou opta
certeiramente pela criação de um Estado com estrutura política centralizada, cujos precedentes podem
ser rastreados tão-somente até o período das reformas pombalinas. Essa ruptura, no entanto, é bastante
minimizada pelos elogios à sabedoria do estadista colonial, que soube transigir com os poderes dos
potentados locais e se adaptar à dispersão dos núcleos coloniais como forma de manter o controle
territorial. E guarda muitos elementos de continuidade com esse passado, não só porque seu substrato
social permanecerá o mesmo, como também porque se fortalecerá com o acabamento do processo de
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ruralização - este, no IV século, produziu uma classe dirigente e não apenas dominante de extração,
temperamento, mentalidade e vocação eminentemente rurais.

A segunda ruptura - cujos efeitos perversos são apenas referidos no primeiro volume e um pouco mais
explícitos no segundo, mas que de fato fornece o eixo político da investigação de Populações Meridionais,
o fim do trabalho servil, que Oliveira Vianna considera fruto da alienação das elites "marginalistas", abala
as fundações sobre as quais se ergue a sociedade que aqui se firmou. Ele desarticula a única elite
dirigente que nossa sociedade produziu e leva de roldão tudo que de melhor a experiência dos quatro
séculos filtrou: uma base produtiva, o Estado unitário e, sobretudo, os mecanismos de seleção do que em
Instituições Políticas Brasileiras ele chamará de os "homens de 1.000". A República, sugere Oliveira
Vianna, embaralha todas as linhas, permite a ascensão de indivíduos e agrupamentos políticos destituídos
de espírito público e amantes de "generalidades sonoras", abrindo uma nova e perigosa etapa na vida
brasileira - é contra ela, seus métodos e seus ideólogos, que o livro foi escrito.

Populações Meridionais concentra-se, pois, na "evolução e estrutura das instituições políticas do grupo
centro-meridional e, por extensão (dado o papel histórico desse grupo), do povo brasileiro em geral"; e
pretende deixar de fora tudo o que, a juízo do autor, não tenha contribuído para a formação dessa
mentalidade política.

É importante notar que a preocupação de Oliveira Vianna não é fazer um "estudo integral da sociedade
do centro-sul, no plano do tempo e no plano do espaço". Nem sequer uma reconstituição histórica strictu
sensu da trajetória daquelas populações. Numa palavra, o que interessa é a sociologia política, é a teoria
do Brasil que daí emerge.

Outra dimensão de sua "metodologia sociológica" é que ela não pode deixar de ser comparativa. Na
introdução do livro e nas duas primeiras partes, a trajetória da aristocracia rural brasileira - o seu
movimento de ocupação e expansão do território, a montagem de uma economia latifundiária e
escravocrata disseminada como um arquipélago sobre o imenso vazio territorial, a consolidação dos clãs
feudais como a única forma de solidariedade social possível nessas condições, os papéis desempenhados
pelos preconceitos raciais, pela guerra e pela grande propriedade na formação da plebe e na seleção da
elite, os mecanismos pelos quais esta teria preservado sua pureza étnica, as atitudes adotadas perante o
Estado, etc. - é confrontada principalmente com as suas origens e instituições peninsulares. Oliveira
Vianna trata de estabelecer as principais características da ruralização, isto é, do processo de
internalização, adaptação, seleção e criação de novos comportamentos, hábitos e normas a que a
conquista do trópico a obrigou.

À medida que o texto vai chegando às características culturais especificamente políticas, a análise tende a
ser mais explicitamente comparativa com a experiência histórica dos outros povos europeus,
especialmente os anglo-saxãos. Esse enquadramento é um tanto esmaecido no segundo volume, em que
se tematiza um grupo basicamente regional, a gente da fronteira, para a qual a guerra e a disciplina
militar foram decisivas.

A RURALIZAÇÃO. A DERROTA DO URBANO

Trata-se então de saber como o passado pesa, o modo pelo qual cada um dos fatores geográficos, raciais
e políticos atuou na formação, expansão e sedentarização dessas populações, na cristalização de sua
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peculiar psicologia política. Sua lógica investigativa considera que as instituições trazidas pelos
portugueses, tão logo entraram em contato com o novo mundo, sofreram uma alteração de conteúdo,
assumindo novas funções e sendo transformadas em novas instituições, desta vez autóctones, próprias
do novo meio, que tomarão o seu lugar.

Uma das passagens mais criticadas de Oliveira Vianna é o modo como ele descreve a nobreza territorial
nos primórdios da colonização. Oliveira Vianna considera que as gentes que aqui aportaram nos primeiros
séculos eram constituídas não de criminosos e degradados, mas pelo que havia de melhor na nobreza
lusitana. Daí esse conflito interessantíssimo, que assistimos, durante todo o período colonial, entre o
espírito peninsular e o novo meio, isto é, entre a velha tendência européia, de caráter visivelmente
centrípeto, e a nova tendência americana, de caráter visivelmente centrífugo: a primeira, atraindo as
classes superiores da colônia para as cidades e os seus encantos; a segunda, impelindo essas mesmas
classes para o campo e o seu rude isolamento.

A incompatibilidade entre o europeu e o americano, entre o urbano e o rural, é também, um conflito


entre duas classes, ou melhor, entre dois setores de uma mesma classe. É que a nobreza territorial da
época se compõe de uma camada de latifundiários de origem fidalga e outra de origem plebéia, esta
formada por rudes e probos camponeses portugueses que se vão estabelecendo e enriquecendo. Ao
longo dos três séculos ocorre um "rápido e vigoroso processo de seleção exercido num sentido
democrático". Os núcleos fidalgos vão desaparecendo, as "grandes casas paulistas vão perdendo
progressivamente seus altivos costados aristocráticos" e "figuras mais ou menos obscuras, sem nobreza
de sangue, sem tradição aristocrática, às vezes, sem mesmo o cursus honorum das magistraturas locais”,
vão se impondo e criando uma nova nobreza, que absorve o que resta da primeira e é inteiramente rural.
O processo de ruralização resulta, assim, do cruzamento desses dois movimentos.

A tendência é tão inelutável que os próprios núcleos urbanos criados atabalhoadamente pela mineração
são transitórios e fugazes. Aos poucos, a vida rural vai deixando de ser "uma sorte de provação da classe
alta" e passa a ser um sinal de distinção. A diferença principal, não obstante, é que o nosso é um
ruralismo de grande propriedade enquanto o deles é de pequenos proprietários.

Outra das teses mais controvertidas do intelectual fluminense é aquela segundo a qual a aristocracia rural
é "o centro de polarização dos elementos arianos da nacionalidade”. Ao tempo em que se modifica sob
influência do meio, a aristocracia que aqui se estabelece daria continuidade a algumas das melhores
qualidades da velha nobreza lusitana. O mesmo não ocorreria com as camadas plebéias, nas quais "a
profusa mistura de sangue bárbaro" e a miscigenação facilitada pelo viver em latifúndios operaria uma
"desorganização sensível na moralidade de seus componentes". Nesse sentido, o determinismo
geográfico age de maneira sensivelmente diferente, sobre determinada, por assim dizer, pelo
caldeamento étnico e pelo regime de propriedade. O meio rural, diz Oliveira Vianna, é um "admirável
conformador de almas".

Em alguns de seus textos posteriores, Oliveira Vianna iria atenuar, sem nunca eliminar, o peso desses
argumentos raciais na explicação da sociedade e da política brasileira. Em Populações Meridionais,
entretanto, é preciso excessiva boa vontade para separar o suposto joio do suposto trigo. Isso porque
aqui a questão racial não é apenas um condicionante antropológico, mas uma determinação essencial ao
argumento, afetando todos os aspectos da estrutura social e da cultura política: raça e classe, eugenia e
propriedade são faces da mesma moeda. Mas o argumento de Oliveira Vianna não é puramente empírico
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nem apenas valorativo, é conceitual: classe e raça designam praticamente o mesmo fenômeno social.
Além disso, pode-se dizer que os "salutares preconceitos" de sangue agem como verdadeiras instituições,
cumprindo, na Colônia, papel análogo ao desempenhado pelo sistema político do Império: são filtros,
mecanismos de seleção da elite dirigente. Como diz Oliveira Vianna,

Os preconceitos de cor e sangue, que reinam tão soberanamente na sociedade do I, II e III séculos, têm,
destarte, uma função verdadeiramente providencial. São admiráveis aparelhos seletivos, que impedem a
ascensão até as classes dirigentes desses mestiços inferiores, que formigam nas subcamadas da
população dos latifúndios e formam a base numérica das bandeiras colonizadoras. À ação negativa da
miscigenação, Populações Meridionais soma o papel da grande propriedade no fortalecimento do núcleo
familiar fazendeiro e o da pequena propriedade na dissolução do plebeu. De tal maneira que a descrição
da "função simplificadora do grande domínio rural" é, na verdade, a descrição da derrota da pequena
propriedade e das tendências urbanas na sociedade brasileira.

Em qualquer das três regiões, o tipo de produção - a cultura da cana de açúcar, o pastoreio, a cultura do
café - torna imperativa a grande propriedade e faz com que o homem livre não proprietário ou decaia
socialmente ou se torne, ele próprio, grande proprietário. Pois o problema não é apenas obter grandes
extensões de terra, é sobretudo ter à disposição muitos braços, circunstância que impõe o recurso à
escravidão e condena os brancos pobres ao caldeirão da mestiçagem.

A tendência do grande domínio à autarquia e o raquitismo dos núcleos urbanos são outras características
que decorrem da ocupação do território, da dispersão da população e do regime de propriedade pastoril
ou agrícola. É nesse ponto, aliás, que depois de páginas e páginas de elogio à nobreza territorial aparece
uma generalização que é a primeira observação crítica de nossa formação social em Populações
Meridionais:

A diferença é nítida em relação ao latifúndio europeu. Neste, a combinação entre pouca terra
agriculturável disponível, excesso de população e escassez de recursos, teria levado à solidariedade, à
formação de classes politicamente organizadas e ao conflito entre elas. Entre nós, ao contrário, o excesso
de terras a serem apropriadas facilitou a dispersão, a exuberância do clima criou condições de
sobrevivência da plebe rural fora dos domínios, a escravidão e a independência do latifúndio em relação
ao seu entorno tornaram desnecessários os liames entre os poucos trabalhadores livres e os
proprietários, a precária divisão social do trabalho liquidou a possibilidade de desenvolvimento de centros
urbanos, as exigências das culturas extensivas sufocaram irremediavelmente a pequena propriedade.

CLÃS RURAIS: A SOLIDARIEDADE POSSÍVEL

Na segunda parte de Populações Meridionais, numa análise admirável, mas que descamba
irremediavelmente para a apologética, Oliveira Vianna mostra como foram escassas as pressões que
poderiam levar as populações a se auto-organizarem, como o tipo de luta de classes que o Brasil
conheceu - segundo ele, efêmero, limitado e circunstancial - foi insuficiente para vertebrar politicamente
o país.

A colônia teria evoluído sem ser assolada seriamente por inimigos externos e internos. Apenas no litoral o
perigo permanente tornou imperativa a colaboração entre os potentados rurais e o poder público e é essa
necessidade que estaria na origem da consciência política dos gaúchos. No plano interno, os índios, por
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mais terríveis que fossem, e os quilombolas, jamais ofereceram desafios notáveis, pelo menos nada que o
grande domínio não pudesse, sozinho, resolver. E se não enfrentou nenhuma ameaça das classes
subalternas, a nobreza territorial também não foi constrangida a lidar com a "pressão tirânica" da Coroa
ou de alguma dinastia poderosa.

Exaltada por Oliveira Vianna em outras partes do texto, essa história "pacífica e benigna" é aqui mostrada
pelo seu lado negativo. Nessas condições, o clã rural brasileiro - patriarcal e não guerreiro, organização
defensiva e não ofensiva, bem menos estruturado do que o seu congênere europeu - acabou sendo a
única forma de organização da população rural brasileira nos três séculos de colonização.

Mas o que teria levado a plebe a aceitar esse tipo de associação que consagra a sua subordinação? A
resposta de Oliveira Vianna é: a questão da ausência dos direitos civis da população pobre rural. É a falta
de justiça, a arbitrariedade dos magistrados e a impunidade dos poderosos que impelem a plebe rural a
se colocar sob o domínio do senhor. Não havia, assegura Oliveira Vianna, outra alternativa para o homem
simples.

Todos esses riscos aumentam com o estado de anarquia e turbulência em que a colônia mergulhou entre
o fim do ciclo das bandeiras e a sedentarização a que o esgotamento do ouro a obrigou.

AS FUNÇÕES SOCIAIS DA ARISTOCRACIA RURAL

Se nas primeiras e segundas partes dos dois livros, Oliveira Vianna constrói o argumento da gestação de
uma sociedade e de uma classe dominante eminentemente rurais, as terceiras e quartas partes vão ser
dedicadas ao momento em que essa classe impõe sua hegemonia não apenas social como política sobre o
país. Não o faz, entretanto, sozinha, isoladamente. Quando começa o século XIX, a aristocracia rural
tornou-se sedentária, está pacificada e domina o poder local, mas está praticamente excluída das
instituições que administram a colônia, cujos postos são reservados pela Coroa aos portugueses do reino.
A vinda da família real é o inusitado. É ela que tira os fazendeiros de suas "solidões rurais", atraindo-os
para a Corte, onde defrontam duas classes adversárias: uma burguesia comercial que teria nascido da
Abertura dos Portos e a chusma de fidalgos e burocratas lusitanos que desembarcaram com a família real.

De acordo com Oliveira Vianna, por volta de 1818 a nobreza territorial já conseguiu subtrair privilégios
dos lusos emigrados e controla boa parte das prebendas e favores distribuídos pelo Rei. No momento da
Independência, ela domina e os fidalgos portugueses escasseiam. Os que restam, asfixiados pelo clima
nacionalista que toma conta da Corte, voltam para Portugal acompanhando D. João VI. Daí por diante, a
luta será entre a nobreza da terra e a burguesia comercial.

Para Populações Meridionais, o grande acontecimento do IV século é essa vinda da nobreza territorial
para a cidade e a sua vitória sobre aqueles adversários. Impor o seu domínio e construir politicamente a
nação teria sido a última função social desempenhada pela aristocracia rural. Dela, de acordo com o
autor, teria partido o movimento pastoril e agrícola do século XVI, o movimento sertanista do século XVII,
o movimento minerador do século XVIII e, agora, no XIX, a organização política da nação. Destruído seu
domínio pela Abolição, ficava em aberto a questão de sua sucessão.

O argumento escapa à tautologia - venceu porque tinha que vencer - por um recurso teórico e político
estratégico que, num certo sentido, inverte o argumento até aqui desenvolvido em Populações
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Meridionais. Não é a aristocracia que se torna, por suas próprias forças, uma classe politicamente
articulada, isto é, capaz de construir um Estado e unificar uma nação. É a Coroa, são as instituições
imperiais que filtram os melhores elementos dessa classe e os tornam agentes da unificação nacional.
Como ele diz em Instituições Políticas Brasileiras, a estrutura política e administrativa do Império exigia
três tipos de elite: a municipal, a provincial e a nacional. No momento de sua fundação, os homens da
elite política do Brasil ainda não existiam como "classe constituída". Homens públicos e partidos políticos
traziam todo uma mentalidade localista ou provincialista. Os "'homens de 1.000' só surgiram depois - com
a ação centrípeta do poder real. Eram eles que possuíam, durante o Império, o 'espírito nacional' e se
comportavam, na vida pública, como cidadãos do Brasil". Essa seleção, cabe lembrar, não se deu na
República, na qual a democracia, que tudo ganhara e tudo comprometera, bloqueava a possibilidade de
construir uma autoridade acima dos clãs e das parcialidades de aldeia.

O IMPÉRIO CONTRA O ESPÍRITO DE ALDEIA

O "acidente da presença da família real" muda, pois, inteiramente o jogo. O Rei não é apenas a instituição
política que evita o desmembramento do país à época da ruptura com a Metrópole, é também aquele
que viabiliza a hegemonia do Rio de Janeiro sobre os poderes locais e regionais. Além de ser o árbitro do
sistema partidário e garantir a alternância de poder entre os caudilhos liberais e os caudilhos
conservadores, o Imperador é o grande "repressor da caudilhagem nacional", consolidando a reação
contra os clãs rurais que a Coroa portuguesa havia começado apenas no III século da colonização.

Na evolução dos poderes públicos entre nós, a função desse personagem (o Rei) é colossalíssima. Ele é,
no IV século, o agente mais prestigioso, mais enérgico, mais eficaz do sincretismo nacional. O poder
central deve a ele, com a sua unidade e a sua ascendência, a sua consolidação e estabilidade.

Do ponto de vista da economia interna do texto, um dos acertos mais significativos de Populações
Meridionais é o fato de analisar as instituições municipais depois de discutir o papel do Império na
consolidação do Estado, com o que toda a construção teórica voltada para justificar a necessidade da
centralização retorna ao ponto de partida e o eleva a um novo patamar. O movimento formal é também
de conteúdo, pois ao descrever a debilidade do sentimento de liberdades públicas e o artificialismo da
idéia de Estado na mentalidade da população, sugere que a destruição do Império eliminou o único
agente que poderia enraizá-los.

No plano municipal, o característico é a ausência das instituições que, em outros países, produziram
democracia: a solidariedade comunal, a autonomia local, o senso de independência e a capacidade de
associação das populações urbanas, a organicidade das cidades. Baseando-se em vários autores franceses
menores, Oliveira Vianna mostra que para existir entre nós poder local democrático seria preciso haver,
como nos Estados Unidos, pequena propriedade e pequenos proprietários autônomos. A marca da nossa
realidade é, ao contrário, a ausência da township. Em vez de ser a manifestação da população auto-
organizada, o poder local é efetivo apenas enquanto expressão do domínio fazendeiro. A única região
onde o sentimento de Estado teria de fato nascido é o Rio Grande do Sul, onde a necessidade de
autodefesa contra o inimigo externo permitiu transformar a capacidade de organização militar em
capacidade de organização política.

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AUTORIDADE E LIBERDADE. A CONSTRUÇÃO DA ORDEM

A imagem do Brasil que emerge de Populações Meridionais é, assim, a de um país fragmentado,


atomizado, amorfo e inorgânico, uma sociedade desprovida de laços de solidariedade internos e que
dependia umbilicalmente do Estado para manter-se unida. Nessa terra de barões onde manda quem pode
e obedece quem tem juízo, o homem comum só costumava encontrar alguma garantia de vida, liberdade
e relativa dignidade se estivesse a serviço de algum senhor.

Criticando os liberais por sua cegueira diante da realidade e pela tentação de transplantar as instituições
de outros países, Oliveira Vianna sugere que nessa sociedade de oligarquias "broncas" - um termo que só
usaria mais tarde - a democracia política constituía a grande ilusão.

Seria necessário, portanto, retomar a obra centralizadora do Império. Tratava-se de dar prioridade à
construção da ordem sobre a liberdade, dar autonomia à Justiça, organizar o povo e educá-lo, construir
uma sociedade civil (civilizada) por meio da ação racional de um novo Estado centralizado.
Paradoxalmente, valia aqui, contra os liberais e contra a liberdade política, a boa ordem européia: só
depois de conquistada a liberdade civil é que deveríamos nos lançar à construção da política. Nos seus
próprios termos:

Segundo Vianna, a predominância da autoridade sobre a liberdade resultava, portanto, da inorganicidade


da sociedade civil. Nação e liberdade não sobreviveriam sem um Estado forte, qualificado, imune aos
particularismos, capaz de subordinar o interesse privado ao social e controlar os efeitos destrutivos
desencadeados com a Abolição.

Segundo Vianna “será preciso esperar os anos 1930 para que ela se converta em políticas, em
instrumentos estatais de intervenção social.”

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14 - SOBRADOS E MUCAMBOS

Autor: Brasílio Sallum Jr.

Professor Titular de Sociologia da Universidade de São Paulo e Pesquisador I-A do CNPq.. Graduado em Ciências
Sociais (1970) , doutor em Sociologia (1979) e Livre-Docente (1995) pela Universidade de São Paulo. Representa os
professores titulares junto à Congregação da FFLCH; Ocupou vários cargos de direção e assessoria na Universidade
de São Paulo. Participa dos conselhos editoriais de Lua Nova - Revista de Cultura e Política, Tempo Social - Revista
de Sociologia da USP, Sociologia & Política e Sociologia & Antropologia. É assessor do CNPq, da CAPES e da FAPESP.
Coordena o Consórcio de Informações Sociais (CIS), projeto da USP/Anpocs, e desenvolve a pesquisa "Crise Política
e Impeachment". Seus trabalhos se concentram nas áreas de Teoria Sociológica, Estratificação Social e Sociologia
Política.

RESUMO: SOBRADOS E MUCAMBOS

Sobrados e mucambos veio a público em 1936. Trata-se do segundo livro da série "Introdução à história
da sociedade patriarcal no Brasil", iniciada em 1933 com a publicação de Casa-grande & senzala.

O Grande sucesso de Casa-grande & senzala se deu, segundo o autor, a questão dos andaimes para a
construção do estudo “os argumentos sistematicamente lá desenvolvidos contra as crenças – derivadas
do universo intelectual europeu e predominantes na sociedade brasileira de então – que atribuíram as
“deficiências” do país ás suas características de clima (tropical e não temperado), de raça (mestiça e não
pura e branca) ou à incivilidade dos europeus que nos colonizaram (portugueses poucos progressistas e
não ingleses).

Freyre analisa a ambigüidade cultural brasileira a partir do embate entre a tradição patriarcal, fundada na
pesquisa científica, na tarefa de destruir naquelas crenças e de substituí-las por uma nova concepção de
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Brasil. Nessa nova concepção, o elemento central é a visão positiva, ao invés de envergonhada, da
miscigenação.

Em Casa-grande ele mostra que o colonizador português – ele próprio fruto de hibridação racial e cultural
– fundem-se, por meio de processos de miscigenação racial e de assimilação cultural, com índios
arrancados à vida tribal e negros vindos da África, convertendo-se aos poucos numa população mestiça
portadora de uma cultura ainda mais plástica que a trazida da Europa. Na visão de Freire, foi essa
mestiçagem, a cultural e racial que deu aos colonizadores melhor condição de adaptar-se ao trópico,
permitindo-lhes produzir uma civilização original. A brasileira.

Em Sobrados e mucambos o foco passa a ser a própria organização patriarcal da sociedade, o livro trata
da “decadência do patriarcado rural e do desenvolvimento urbano”. Nos doze capítulos de Sobrados e
mucambos Freire reconstrói esse processo de transformação do patriarcalismo com uma minúcia,
ancorado sempre em enorme riqueza de documentos.

FORMA E CONTEÚDOS DOPATRIARCALISMO BRASILEIRO

Patriarcalismo para Gilberto Freire não era apenas uma família - constituída de um patriarca, pela mulher,
pelos filhos, pelos descendentes, pelos parentes pobres, pelos agregados e escravos, especialmente os da
casa – mas também um complexo de elementos econômicos, sociais e políticos em que ressalta, mais que
todos, o escravismo.

Para Freire, por quatro séculos a sociedade manteve sua forma patriarcal familiar, na economia e na
cultura, com classes dominadoras – os senhores – de um lado e classes dominadas – os escravos – de
outro. Embora tenha se mantido relativamente fixa a forma inerente ao patriarcalismo, flutuaram os seus
conteúdos econômicos e geográficos, raciais e culturais. A questão do processo de escravidão, conversão
de africanos e nativos em escravos, juntamente com a polarização entre classes (Senhores e escravos) e o
intenso processo de amalgamento de raças e culturas – a miscigenação, foram características centrais da
formação patriarcal brasileira.

Segundo Freire, a interpenetração entre forma e conteúdos, regra em nossa sociedade patriarcal,
produziu, ao longo dos seus primeiros três séculos de existência, valores, hábitos e estilos de vida
propriamente brasileiros.

Ao longo do século XIX, a sociedade patriarcal formada e amadurecida no seu epicentro rural sofre
profundas transformações, impulsionadas pela urbanização e pela europeização.

A CIDADE CONTRA O ENGENHO. SOBRADO E MUCAMBO. O ESTADO CONTRA A FAMILIA

Gilberto Freyre afirma que foi a partir da chegada de D. João VI ao Rio de Janeiro, o patriarcado rural
começou a perder a majestade dos tempos coloniais.

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A estrutura da colônia, homogênea em diversos sentidos começava a se transformar. A vida urbana


começa a transformar as formas sociais, formas sociais “totalmente distintas das patriarcais- negros e
mulatos livres – os mucambos.

Segundo Freire as polarizações sociais se acentuam, criando zonas de exclusão fruto de uma estratificação
social, zonas estas só minimizadas com o processo de urbanização, urbanização esta que produziu a
inversão do domínio econômico ao longo do século XIX.

Sublinhe-se que, em Sobrados e mucambo, esse processo de redução do poder particular do patriarca
rural e também do senhor do sobrado urbano não resulta de processo harmonioso de diferenciação social
e institucional. Aqueles processos sociais e as instituições que deles resultaram restringiram por dentro o
absolutismo do poder patriarcal. Os patriarcas deixaram de ser os donos quase absolutos da sociedade
brasileira. Esta nova fase reflete um governo mais forte, uma Justiça mais livre de indivíduos poderosos e
de uma Igreja mais independente das oligarquias regionais.

O PAI EO FILHO. O HOMEM E A MULHR

A decadência do patriarcalismo não ocorre somente no plano global, ocorre também dentro da família
patriarcal. A estrutura de perpetuação do sistema entra em cheque. Ocorre um período de transição onde
as novas gerações não mais buscam a similaridade com a anterior. À medida que avançam o século XIX
aumentam as divergências tanto no âmbito doméstico como extra-doméstico.

Já no tocante a relação Homem x Mulher, Freire sumariza, “a extrema diferenciação do sexo feminino em
“belo sexo” e “sexo frágil” fez da mulher do engenho e da fazenda e mesmo da Iaiá de sobrado, no Brasil,
um ser artificial, mórbido. Uma doente, deformada no corpo para ser a serva do homem e a boneca de
carne do marido”. O patriarcalismo produziu uma extrema diferenciação e subordinação entre homens e
mulheres.

Este padrão de subordinação se alterou muito com o desenvolvimento das cidades, apesar de, para a
maioria, ainda serem insignificantes as oportunidades de interferência nas atividades extra domesticas.

O autor ressalta que apesar de Freire não faça menção a superioridade do homem sobre a mulher ele
afirma que foi muito mais uma dominação psíquica e uma configuração sociológica que uma
superioridade natural e biológica.

ORIENTE E OCIDENTE. A MAQUINA E O ESCRAVO

Uma tese principal de Freire é que a urbanização do século XIX, a vinda da família real, a abertura dos
portos às nações amigas foi muito mais que a própria urbanização foi uma europeização da sociedade
brasileira, a transformação de uma sociedade patriarcal rural.

Freire destaca que três séculos de colonização produziram não uma sociedade ao moldes da européia,
mas sim uma sociedade com características próprias, a brasileira. Apesar da orientação colonizadora, esta

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orientalização não transforma o Brasil em Oriente como Portugal, o Brasil colônia foi uma sociedade de
transição entre o Oriente o Ocidente.

As condições da colônia eram tão exóticas do ponto de vista da civilização européia no século XIX, que
com a vinda da família real, as transformações tiveram mais um caráter de reeuropeização, de
reconquista para o Ocidente de reestruturação, de aburguesamento e industrialização. Um processo de
ocidentalização da sociedade patriarcal.

Esta mudanças, no princípio mais “equilibradas”, conciliando arcaísmos e modernidade, exotismos


ocidentais e valores da terra encerraram-se pela pressão britânica com o fim do tráfico negreiro. Fator
este que afetava não só o sistema patriarcal vigente mas também as próprias relações de produção e
transporte, o sistema econômico e social. O capital disponível se volta para investimentos em
industrialização e a inclusão do trabalhador livre e assalariado acarretando assim uma despercionalização
das relações dos senhores com os escravos, quebrando o “equilíbrio dos contrários”, abrindo a
possibilidade para o inconformismo do escravo.

A ASCENÇÃO DO BACHAREL E DO MULATO

Gilberto Freire retoma no final do livro o tema do desenvolvimento e constituição da nova aristocracia,
urbana, de sobrado. Composta também de senhores de escravos só que mais diversificada, sem a rigidez
da aristocracia rural das casas-grandes. Esta nova aristocracia ainda não era composta pelos novos
segmentos econômicos, negociantes ou industriais, a aristocracia urbana era mais fruto de uma
assimilação das mudanças ocorridas.

A nova classe em ascensão, os burgueses representado pelos bacharéis, filhos legítimos ou ilegítimos,
filhos da burguesia e de “mascates” vem acumulando prestigio principalmente após o Império. A
ascensão dos bacharéis principalmente os “brancos se fez notar na segunda metade do século XIX.

No reinado de D.Pedro II a mística do “capitão-mor” rui frente ao “bacharel moço”. A influência dos ideais
franceses e a ascensão política do bacharelismo se vinculava aos laços com a família patriarcal, os
casamentos e relações com famílias senhoriais também eram formas de ascensão tanto social quanto
política.

Sobrado e mucambos não conclui. Encerra-se com o capitulo em que o autor discute o caráter e a
dinâmica da miscigenação da cultura e da sociedade brasileiras e sua vinculação com as raças formadoras.
O capitulo discorre sobre a dinâmica dos conteúdos que conduzem á acomodação entre os contrários
sobre a miscigenação e sobre a mobilidade social. Um exemplo é a influência e a importância da cultura
trazida pelos negros da África para a formação da cultura brasileira. O autor ressalta a característica
brasileira de mobilidade social tanto vertical quanto horizontal. Segundo Freire a disparidade entre
subgrupos, numa sociedade como a brasileira, decorre muito mais do distanciamento entre as classes
promovido pelo desenvolvimento industrial, onde minorias são beneficiadas pelo poder econômico que a
determinação biológica, para Freire esta predispõe mas não determina.

Esta característica da sociedade brasileira de mestiçagem contribui para a intercomunicação entre


extremos, possibilitando assim uma melhor comunicação no plano social e cultural, tornando possível

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uma diversificação étnica e cultural aliada ao mesmo tempo a uma predominância individualista na
organização familiar.

15 - ORDEM E PROGRESSO

AUTORA: ELIDE RUGAI BASTOS


Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1960), mestrado em Ciência
Política pela Universidade de São Paulo (1980) e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (1985). Livre-docente em Pensamento Social pela Unicamp. Atualmente é professor titular da
Universidade Estadual de Campinas. Foi editora da Revista Brasileira de Ciências Sociais (ANPOCS) de 2001 a 2005,
é atualmente editora da revista Lua Nova (CEDEC). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em
Pensamento Social no Brasil, atuando principalmente nos seguintes temas: pensamento social brasileiro, sociologia
brasileira, Gilberto Freyre, história das idéias e intelectuais.

RESUMO: ORDEM E PROGRESSO

Segundo o autor Ordem e Progresso “ enfoca a ultima década do século XIX e as três primeiras do século
XX, analisando a desintegração da sociedade patriarcal no quadro da transição do trabalho escravo para o
trabalho livre”.

A motivação principal do trabalho encontra-se na resposta à pergunta como na mudança de regime se


mantém a organicidade da sociedade e a unidade nacional?

No trabalho, Gilberto procura dar conta das alterações que ocorrem desde o final do reinado de Dom
Pedro II até as primeiras décadas da República, considerando nessa definição o fato de as diferentes
regiões do país conhecerem formas diversas de acomodação aos tempos políticos.

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Nesse sentido o que se propõe é estudar não as transformações das instituições políticas focadas
cronologicamente mas o processo de mudança.levando em conta a simbiose dos elementos culturais,
sociais, econômicos e políticos.

REAÇÃO DO PASSADO AO DESAFIO DOPRESENTE

Gilberto organiza o livro não em capítulos, mas em ensaios a partir de temas, temas como o da transição
e das mudanças resultantes da alteração do regime monárquico para o republicano.

Através da narrativa de um “certo inglês chamado Knight” o autor apresenta varias interpretações sobre
as transformações operadas na sociedade brasileira.

Gilberto Freire traça os contornos gerais da sociedade da época que assinala como fundamental o da
conciliação de interesses, procedimentos acionado pelo apego à ordem criada no Império e aspirada
como objetivo na republica. Assim povo e governo acordavam na permanência de um “autoritarismo
protetor”, já exercido por D. Pedro II que era “liberal” mais para efeito externo que interno, no qual
protegia os costumes e as tradições luso-católicas da maioria da população. Segundo o autor “O
repentino triunfo republicano pôs alguns Brasileiros em face do problema do seu futuro nacional, ao
mesmo tempo em que os obrigou a considerar no seu passado, singularidades que vinham sendo mal
estudadas”, a revalorização do passado monárquico e do passado colonial ocorre no contraponto ao
novo. A tradição Lusa volta a ordem do dia, assim a Republica de 1989 passa a se constituir uma
continuação sociológica do império. Busca-se com a “volta” o apoio da população e dos “antigos
patriarcas” que se sentiram traídos pela abolição. É assim que reatam-se as “tradições de ordem e
unidade nacional vindas do império” conjugadas com os anseios, “os arrojos da Republica no sentido de
progresso material”.

SOCIALIZAÇÃO PARA OS NOVOS TEMPOS

Através da narrativa o autor enfoca o traço fundamental da origem da formação nacional: o amalgama
das culturas africanas e portuguesas, operadas no período pré-colonial e colonial sob a ação do
patriarcado. Este processo de assimilação social confere singularidade a nossa formação social.

Nesse aspecto desenvolve-se um dos temas centrais do livro: a acomodação política característica do
processo brasileiro, a articulação entre o velho-novo, o tradicional-moderno, o urbano-rural,
característica fundamental nos momentos de transição para a manutenção da ordem.

O autor através dos relatos constrói um percepção das relações e dos papeis sociais numa época de
transição e modernização.

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Embora ocorram alterações profundas no seio da sociedade e das próprias estruturas da sociedade a
assimilação e a manutenção da “ordem social” são marcas e até certo ponto fruto de sua própria
constituição.

A modernização, a urbanização foi assimilada de forma a erradicar “um arcadismo vergonhoso” um


passado negro a ser superado e ao mesmo tempo com um modelo Europeu a ser seguido.

A europeização dos costumes, a preocupação do a “educação informal ”voltada para os moldes do


”urbanismo moderno” se opõem á ordem social agrária.

Gilberto Freire assinala no últimos ano do Império e no primeiros da Republica a “convivência”, a


combinação de formas sociais novas e velhas, arcaicas e modernas, “o velho e o novo convivendo”.

CONCILIAÇÃO DO PROGRESSO CULURAL E DA ORDEM SOCIAL

Marca do encontro dos antagonismos em equilíbrio, o autor propõe que o mesmo que acontece no
campo cultural e político, ocorre no espaço econômico, onde se articulam, combinam e coexistem
tradições agrárias e as industriais.

Gilberto Freire utiliza o conceito sociológico para discorrer sobre o comportamento da população
brasileira frente às transformações e ao desenvolvimento industrial presente nos primórdios da republica.

O autor ressalta que o “progresso cultural” ocorre sem que este desenvolvimento afetasse
profundamente a ordem social, esta se adapta, se molda, convive.

Até a mudança de modelo, do europeu para o Americano aconteceu de forma “discreta”, a evolução
cultural ocorrida apesar de atingir prioritariamente as elites e alguns centros regionais eram indicativos
de mudanças culturais em curso no pais, mais uma vez graduais.

NOVA ORDEM ÉTNICA

Para o autor a Republica não foi mais que um mero marionete no “processo” de mudanças que ocorre no
final do século XIX e inicio do XX no Brasil. O processo de mudanças e evoluções não sofreu traumas ou
rupturas e foi muito mais uma “evolução” que uma ruptura pela proclamação da Republica. O autor
destaca a tradição sociológica brasileira e a formação da identidade da etnia brasileira fruto do amalgama
que compõem a sociedade brasileira.

ESTABILIDADE SOCIAL EM CRISE

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Gilberto Freire reflete sobre a questão do progresso ”talvez contraditório” pelo ângulo que tanto o
império como a republica pecaram em tentar transplantar modelos para o Brasil não adaptados ao nosso
“tropicalismo”. O progresso industrial, a modernização foi mais uma “ficção” que realidade tendo em
vista a conjuntura do Brasil. Este desenvolvimento “desordenado” em conjunto com as ”mudanças”
teológicas advindas da evolução cientifica, segundos Freire, minaram até o sempre sólido alicerce da
sociedade - a Religião. Esta própria religião auxilia, ao se adaptar aos novos tempos, a entender a crise de
estabilidade da sociedade brasileira na terceira década do século XX.

DISSOLUÇÃO DO FUTURO EM PASSADO

Nos idos de 1920, o quadro de crise coloca em xeque a Republica, conservadores e republicanos
expressam seus pontos de vista antagônicos mas conciliatórios no ponto de visita de um Brasil unido. A
valorização das coisas brasileiras e a nova etnia advinda das imigrações expressa uma nova democracia
étnica.

A crise da Republica segundo o autor pode ser explicada pela não adaptação do governo à sociedade, pela
forma artificial através da qual se processou a modernização. Realizou-se uma modernização de cima pra
baixo que não levou em consideração as diferenças dos tempos sociais as divergências regionais e o
conjunto de interesses que preside a nação.

TENATIVA DE SÍNTESE

O livro trata de uma análise sociológica assentada na idéia de que as mudanças ocorreram ao longo de
um fluxo de tempo levando em consideração as diferenças regionais espaciais que moldam a sociedade.

O autor busca forjar o conceito de “processo social” para analisar o processo, não por datas, mas por
fluxos, onde assimilação, acomodação, adaptação e socialização são os instrumentos que explicam as
modificações que ocorreram na sociedade brasileira no período estudado. O autor sugere que a crise foi
fruto mais de uma crise de articulação do que uma crise de regime, uma crise entre a modernização,
interesses nacionais, os interesses regionais e a sociedade.

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16 - A INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSES

AUTOR: GABRIEL COHN

Graduado em Ciências Sociais pela FFLCH/Universidade de São Paulo (1964), Mestre em Ciências Sociais
(Sociologia), FFLCH/USP (1967) e doutor em Sociologia, FFLCH/USP (1971); LIvre-docente em Sociologia FFLCH/USP
(1977); Professor Adjunto pela FFLCH/USP (1982); Professor Titular FFLCH/USP (1985). Professor emérito
FFLCH/USP (2011). Foi presidente da Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo (1983-85); presidente da
Sociedade Brasileira de Sociologia (1985-87), e presidente da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais (2005-2006). Foi diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/USP (2006-2008).
Foi editor da revista Lua Nova do CEDEC (1991-2003). Aposentou-se em 2008. É atualmente Professor Visitante na
UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo, na Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Campus de
Guarulhos, pelo Programa Professor Visitante Nacional Sênior da CAPES. Trajetória intelectual: sociologia do
desenvolvimento; sociologia da comunicação e cultura; teoria social com ênfase em teoria da ação (Max Weber) e
em Teoria Crítica da Sociedade (em especial Adorno).

RESUMO: A INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSES


O PROBLEMA

Problemática é integração do negro; problemático é o legado que se examina que não é o do negro. Mas
da “raça branca”; problemática é a constituição da sociedade de classes.

O livro trata mais dos anseios do que de sua realização, mais de promessas do que seu cumprimento,
mais de obstáculos do que de trajetos bem sucedidos.

Mostra o caminho e a sugestão para a integração do negro que é enquanto classe social, e sua capacidade
de se afirmar como raça, no sentido de identidade social.

Durante a obra se exibe as dimensões ao longo de como se desenha na história da sociedade brasileira
este dilema, que perturba o presente e compromete o futuro.

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A questão é: dadas as condições históricas de desenvolvimento da sociedade brasileira a partir da


abolição da escravatura e da instauração da republica, como pode a população negra tornar-se membro
ativo de uma classe.

O NEGRO E O POVO

Num sentido muito forte do termo o negro é a expressão típica de uma parcela fundamental da sociedade
brasileira no período estudado. Em suma, o negro apresenta-se como a expressão mais extrema e por isso
mesmo nítida do personagem histórico do qual se fala explicitamente, mas atravessa a analise de ponta a
ponta: o povo, na sua forma especifica da sociedade brasileira.

“Em sentido literal a analise desenvolvida é um estudo de como o Povo emerge na historia’. O objeto real
do estudo é a complexa e tensa dinâmica em que se entrelaçam o presente, o legado do passado e as
possibilidades futuras na sociedade brasileira.

A ESTRUTURA DA OBRA

O avanço atribuído a Florestan e que ele extrapola a questão racial e formula uma analise mais ampla, a
figura histórica do povo. Nesta questão a idéia de democracia racial é exposta em suas dinâmicas e seus
obstáculos estruturais com relação a autocracia política e ao autoritarismo social. O livro é composto em
dois volumes, sendo que o segundo basicamente esboça a pesquisa que corrobora a obra.

O EXAME DO LEGADO

O Texto tem inicio com o exame das condições em que a população negra, após uma abolição pela qual
senhores viram-se livres dos seus escravos mais do que estes ganharam a liberdade, busca novas
condições de sobrevivência numa sociedade de classes em formação. O foco e modelo da análise é São
Paulo, como centro urbano sobre a perspectiva do negro.

A análise mostra que a desvantagem da população negra diante dos contingentes europeus advinha mais
do modo como seus membros eram levados a reagir às exigências do novo ambiente do que da apatia, á
fuga ou a simples incapacidade.

Durante toda a obra o autor aborda a questão do domínio das “técnicas sociais e culturais do ambiente”
como entrave à verdadeira integração do negro à nossa estrutura social.

A mescla de análise sociológica e demográfica do autor tenta demonstrar a circunstancias de que “os
negros e mulatos faziam parte dos grupos populacionais mais desprotegidos e menos aptos em face dos
riscos e das exigências da expansão urbana.”

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“o modo pelo qual o “meio negro” se incluía na ordem social estabelecida impedia a livre
manifestação, o desenvolvimento normal e a satisfação construtiva de tais impulsões psicossociais
que orientavam o comportamento, dando lugar a decepções e frustrações incontroláveis.”

Nessas condições o negro “se viu impotente diante de formas sociais que não sabia reconhecer, explicar e
submeter a algum tipo de controle social”, no meio de uma dicotomia entre aprender a agir como branco
e aprender que não é branco.

O autor declara que a vida urbana, o sistema de compensações individuais e coletivas, não propicio
alterações substanciais para o negro frente ao sistema de relações econômicas e sociais

NO LIMIAR DE UMA NOVA ERA?

Na segunda parte o livro autor levanta as condições para a construção de uma “perspectiva social do
homem negro” que lhe dava condições para perceber o seu modo na sociedade. Um construção
intelectual que propiciou a promoção de idéias como “discriminação” e “preconceito” que evoluíram para
“desigualdade racial”, “preconceito de cor”, o “dilema do negro” e o ”dilema da democracia no Brasil”
com relação a estas idéias

FLorestam afirma que a hegemonia branca não chegou a ser ameaçada com o surgimento dessas idéias e
nem com avanço do capitalismo industrial, mas salienta “as novas perspectivas” abertas.

CONCLUSÃO

As conseqüências desse estado de coisas são muito profundas. Na consciência social do “branco” o
“preconceito de cor” aparece “como se constituísse uma necessidade maldita”. E, na mais pungente frase
do livro; “O negro prolonga, assim, o destino do escravo”.

Seres humanos pela metade. Necessidade maldita. prolongamento do destino do escravo.

Conclusão: é tempo de se promover a Segunda Abolição.

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17 - OS INDIOS E A CIVILIZAÇÃO

AUTOR: JOÃO PACHECO DE OLIVEIRA

É antropólogo e Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ. Fez pesquisa de campo prolongada
com os índios Tikuna, do Alto Solimões (Amazônia), da qual resultou sua dissertação de mestrado (UNB, 1977) e sua
tese de doutoramento (PPGAS, 1986), publicada em 1988. Realizou também pesquisas sobre políticas públicas,
coordenando um amplo projeto de monitoramento das terras indígenas no Brasil (1986-1994), com apoio da
Fundação Ford, projeto que resultou em muitos trabalhos analíticos, coletâneas e atlas. Orientou mais de 60 teses e
dissertações no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), voltadas sobretudo para povos
indígenas da Amazônia e do Nordeste, em programa comparativo de pesquisas em etnicidade e território apoiado
pelo CNPq e FINEP. Atuou como professor-visitante em alguns centros de pós-graduação e pesquisa no Brasil
(UNICAMP, UFPE, UFBA e Fundação Joaquim Nabuco e UFAM) e no exterior (Universidad Nacional de La
Plata/Argentina, Università di Roma La Sapienza , École des Hautes Études en Sciences Sociales/Paris, Universidad
Nacional de San Martin/UNSAM/Buenos Aires e Institute des Hautes Études de l`Amérique Latine/;IHEAL/Sorbonne
Nouvelle/Paris 3). É pesquisador 1A do Conselho Nacional de Pesquisas/CNPq e bolsista FAPERJ do Programa
Cientista do Nosso Estado. Foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia/ABA (1994/1996) e por diversas
vezes coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas.

RESUMO: OS INDIOS E A CIVILIZAÇÃO

Darci Ribeiro tem no centro de suas preocupações o dialogo e a critica das representações sobre as
protocelulas da formação de nossa nacionalidade, em que o índio – tal como o negro e o imigrante –
possui papel decisivo.

Escrito em linguagem simples e direta, despreocupado em exibir tecnicalidades ou uma erudição


sufocante, tornando explicito o comprometimento com as populações que estuda. Os Índios e a
civilização constitui uma leitura útil e fascinante mesmo leitor comum.

O autor critica a idéia subjacente de um ciclo evolutivo em que os índios, primeiro moradores das
Américas, seriam absorvidos pela expansão da etnia nacional, associadas aos contingentes negros

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escravizados e imigrantes e tenderiam a desaparecer dentro da população crescentemente


homogeneizada da nova nação.

Segundo o autor, o “núcleo tribal” de etnias indígenas estaria fadado a duas alternativas, a extinção ou a
adaptação. E que mesmo neste processo “adaptativo eles continuam “indígenas”, ou seja, um povo
distinto da sociedade brasileira pela qual abdicaram de usos e costumes para se “integrar”.

O objetivo geral do livro é definido pelo autor como “alcançar uma compreensão acurada das situações
de interação ente índios e frentes de expansão, a fim de chegar a generalizações significativas sobre o
processo de mudança cultural”.

A obra é divida em três partes, na primeira o autor forma uma visão do contato entre s sociedade
indígenas e os segmentos da sociedade, na segunda trata da interação entre brancos e índios promovidas
por organizações governamentais e religiosos. A terceira é dedica às analises do autor sobre o caso da
transfiguração étnica, da assimilação, da acomodação, dos graus de integração, dos tipos de fronteiras,
dos níveis de integração dentre outros aspectos.

O livro analisa a "integração das populações indígenas no Brasil moderno" desde os finais do século XIX
aos anos 60 deste século. Valendo-se do conceito de transfiguração étnica, Darcy recusa as explicações
correntes baseadas nas noções de assimilação ou aculturação. Verifica, historicamente, os vários estágios
da passagem do índio tribal ao índio genérico, este marginal nas fronteiras de expansão extrativista,
pastoril ou agrícola, a um só tempo discriminado e auto-identificado com seu passado étnico, incorporado
como força de trabalho despossuída e rejeitado simplesmente por "ser índio".

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