Caso Clínico BBO

Tratamento conservador de má oclusão de

Classe III de Angle com mordida cruzada anterior
João Hélder Ferreira de Aguiar1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2176-9451.20.4.091-098.bbo

A má oclusão de Classe III de Angle é caracterizada por uma discrepância dentária anteroposterior, que pode ou não
estar acompanhada por alterações esqueléticas. Observa-se uma relação molar de Classe III, associada ao posicionamento
vertical ou retroinclinado dos incisivos inferiores e, geralmente, perfil facial côncavo. Esse aspecto gera grande compro-
metimento estético na face, sendo justamente esse o fator que, na maioria das vezes, motiva o paciente a procurar pelo
tratamento ortodôntico. O presente caso clínico foi apresentado à Diretoria do Board Brasileiro de Ortodontia e Orto-
pedia Facial (BBO) como parte dos requisitos para a obtenção do título de Diplomado pelo BBO.

Palavras-chave: Má oclusão Classe III de Angle. Mordida cruzada. Ortodontia corretiva.

INTRODUÇÃO mordida normal e, em função do cruzamento anterior,

O paciente, do sexo masculino, leucoderma, com
quinze anos e sete meses de idade, apresentou-se para o
exame inicial com a queixa principal de que, após quatro
anos de tratamento ortodôntico com aparelhos removí-
veis, não estava satisfeito com o resultado final e “se sen-
tia queixudo”. Sua história médica e odontológica não
possuía registros significativos2. Não era, nem relatou ter
sido, portador de qualquer hábito anormal de pressão.
DIAGNÓSTICO
Ao exame clínico extrabucal, observou-se padrão
facial simétrico e competência labial, com lábio infe-
rior protruído em relação ao superior. Em vista late-
ral, apresentava perfil ligeiramente côncavo (Fig. 1).
Na  avaliação dentária, foi observado cruzamento da
mordida na região anterior, o que comprometia sua es-
tética facial. Era portador de uma má oclusão de Clas-
se  III de Angle, com curva de Spee nivelada, sobre-
sobressaliência negativa (Fig. 1, 2).
A radiografia panorâmica inicial demonstrou a pre-
sença de todos os dentes permanentes, incluindo os ter-
ceiros molares, e revelando aspecto de normalidade nos
contornos radiculares e no osso alveolar (Fig. 3). Cefa-
lometricamente (Fig. 4 e Tab. 1), apresentava padrão es-
quelético de Classe III (ANB = -2o), com maxila ligeira-
mente retruída em relação à base do crânio e a mandíbula
protruída em relação a ambos (SNA = 84o e SNB = 86o).
Possuía um padrão de crescimento equilibrado, com
leve tendência de predominância do componente ver-
tical (SN-GoGn = 34o, FMA = 29o e Eixo  Y  =  63o).
Além disso, apresentava bom posicionamento dos incisi-
vos superiores (1-NA = 23o e 5mm) e retroinclinação dos
incisivos inferiores (1-NB = 16o e 4mm).
Do ponto de vista funcional, o paciente não apresentava
qualquer alteração no posicionamento da língua durante os
movimentos de mastigação, deglutição ou fonação.

» O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou Como citar este artigo: Aguiar JHF. Conservative treatment of Angle
financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias Class III malocclusion with anterior crossbite. Dental Press J Orthod. 2015 July-
descritos nesse artigo. -Aug;20(4):91-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2176-9451.20.4.091-098.bbo

» O paciente que aparece no presente artigo autorizou previamente a publicação de Enviado em: 20 de maio de 2015 - Revisado e aceito: 16 de junho de 2015
suas fotografias faciais e intrabucais, radiografias ou outros exames imaginológicos
e informações diagnósticas. Endereço para correspondência: João Hélder Ferreira de Aguiar
Doutor Rocha, 837, sala 14, Centro - CEP: 33.600-000 – Pedro Leopoldo/MG
Especialista em Ortodontia pela ABO/EAP Alfenas-MG. Diplomado pelo Board
1
E-mail: joao-helder@uol.com.br
Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO).

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Figura 1 - Fotografias faciais e intrabucais iniciais.

Figura 2 - Modelos iniciais.

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Aguiar JHF caso clínico BBO

Figura 3 - Radiografia panorâmica inicial.

A B

Figura 4 - Radiografia cefalométrica de perfil (A) e traçado cefalométrico (B) iniciais.

PLANO DE TRATAMENTO Com essa proposta, decidiu-se criar mecanismos

Embora o aspecto oclusal indicasse a necessidade de um
tratamento mais invasivo, em função do trespasse horizontal
negativo na região anterior, a idade do paciente e sua estética
facial apontavam na direção de um tratamento conservador.
Assim, decidiu-se elaborar um planejamento de tratamen-
to que contemplasse a correção do padrão esquelético de
Classe III por meio do aproveitamento do remanescente de
crescimento que o paciente apresentava, e movimentação
dentária com projeção dos incisivos superiores3.
que facilitassem, durante a fase de alinhamento e
nivelamento, a obtenção da chave de oclusão entre
molares e entre caninos, a adequação das guias de
lateralidade e protrusiva, e a projeção dos incisivos
superiores, obtendo maior projeção do lábio supe-
rior e mantendo o selamento labial passivo. Para
isso, foi definido o uso de aparelhagem ortodôntica
fixa nas arcadas superior e inferior. Para a fase de
contenção, que se iniciaria após o término do trata-

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mento ativo, planejou-se, para uso na arcada supe-
rior, o aparelho removível tipo Hawley modificado,
com indicação de utilização durante 14 a 18 horas
por dia, pelo período de um ano, seguido de uso no-
turno nos dois anos seguintes. Para a arcada inferior,
confeccionou-se uma barra intercaninos fixa, com
fio de aço inoxidável 0,016” destemperado. Tam-
bém nessa fase, seria dada atenção especial ao pro-
cesso de desenvolvimento dos terceiros molares.
PROGRESSO DO TRATAMENTO
O tratamento ortodôntico foi realizado utilizando-
-se aparatologia fixa sistema Edgewise (Ricketts slot
0,018” x 0,030”), nas arcadas superior e inferior4. Ini-
cialmente, procedeu-se à instalação de anéis com tu-
bos duplos nos dentes 16 e 26, seguida da inclusão dos
dentes 17 e 27, e colagem dos acessórios nos demais
dentes da arcada superior. O alinhamento e o nive-
lamento foram realizados com arco base superior de
avanço multialças, confeccionado com fio Blue Elgiloy
0,016” x 0,016”, alinhamento dos segmentos laterais
com arcos segmentados multialças e overlay com arcos
confeccionados com fios de níquel-titânio (0,012”,
0,014” e 0,016”). Para a finalização, foi utilizado
arco confeccionado com fio retangular Blue Elgiloy
0,016” x 0,022”, com forma e torques ideais. Durante
toda a fase ativa, foram utilizados elásticos intermaxi-
lares com direção de classe III.
Na arcada inferior, a instalação da aparatologia fixa
também foi iniciada nos dentes posteriores, com a adap-
tação de anéis com tubo duplo nos dentes 36 e 46, se-
guida da inclusão dos dentes 37 e 47, para depois pro-
ceder-se à colagem nos demais dentes. O alinhamento
e o nivelamento foram realizados com arco base inferior
multialças, confeccionado com fio 0,016” x 0,016”, ali-
nhamento dos segmentos laterais com arcos segmenta-
dos multialças 0,016” x 0,016” e finalização com arco
confeccionado com fio 0,016” x 0,022”, com forma e
torques ideais, e coordenado com o arco superior.
Na fase intermediária, completou-se o nivelamento
com arcos contínuos com alças em forma de L, posicio-
nadas entre os incisivos laterais e caninos, de ambos os
lados, nas arcadas superior e inferior. Nessa fase, o uso
dos elásticos intermaxilares com direção de classe III foi
feito, primeiramente, com apoio em ligaduras Kobaya-
shi amarradas nos dentes 33 e 43 e, posteriormente, nas
alças em L confeccionadas nos arcos inferiores.
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Tratamento conservador de má oclusão de Classe III de Angle com mordida cruzada anterior
Como planejado, após a obtenção dos resultados al-
mejados, utilizou-se, como contenção, aparelho removí-
vel tipo Hawley modificado na arcada superior, durante
um ano, com recomendação de uso por 14 a 18 horas
ao dia, seguido de uso noturno nos dois anos seguintes.
Após esse período, optou-se pelo uso em noites alterna-
das, durante quatro meses, seguido do uso semanal por
mais quatro meses, quando foi, então, suspenso. Na ar-
cada inferior, utilizou-se barra intercaninos fixa confec-
cionada com fio de aço inoxidável 0,016” destemperado,
que foi instalada após a realização dos exames finais.
RESULTADOS OBTIDOS
Após um ano e sete meses de tratamento, todos os ob-
jetivos propostos, reavaliados nos exames finais (Fig. 5 a 9),
foram alcançados. Devido ao padrão harmonioso do cres-
cimento facial, para frente e para baixo, tanto no terço mé-
dio quanto inferior da face, obteve-se um aspecto estético
facial bastante agradável. Além disso, modificação bastante
expressiva pôde ser observada na quantidade de exposição
dos incisivos superiores ao sorrir, bem como na própria es-
tética do sorriso na composição da beleza facial.
Do ponto de vista dentário, o relacionamento de
chave de oclusão entre molares e entre caninos foi alcan-
çado, além de adequadas guias de lateralidade e protru-
siva. Como houve manutenção da relação entre maxila
e mandíbula no sentido anteroposterior (ANB se man-
teve em -2o), a correção da mordida cruzada anterior e
a obtenção de sobressaliência adequada ocorreram con-
forme planejado, e às custas da projeção dos incisivos su-
periores (1-NA passou de 23o e 5mm para 46o e 10mm).
Esses valores podem ser observados na Tabela 1.
Radiograficamente, observou-se leve reabsorção ra-
dicular no terço apical dos dentes 12 e 22, em pequena
magnitude e compatível com o tratamento ortodônti-
co — provavelmente em função do movimento de ves-
tibularização sofrido por eles. Avaliando a sobreposição
dos traçados cefalométricos inicial e final, verifica-se o
expressivo crescimento da maxila e da mandíbula para a
frente e para baixo, associado ao deslocamento dos ter-
ços médio e inferior da face nessa mesma direção. Ob-
servando a sobreposição parcial da maxila, verificou-se a
modificação na inclinação axial dos incisivos superiores,
bem como no seu grau de protrusão. Na sobreposição
parcial de mandíbula, observou-se crescimento alveolar
compensatório tanto nos incisivos quanto nos molares,
aspecto que também é observado nos molares superiores.
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Figura 5 - Fotografias faciais e intrabucais finais.

Figura 6 - Modelos finais.

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Figura 7 - Radiografias panorâmica e periapicais

dos incisivos superiores e inferiores finais.

A B

Figura 8 - Radiografia cefalométrica de perfil (A) e traçado cefalométrico (B) finais.

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A B

Figura 9 - Sobreposições total (A) e parciais (B) dos traçados cefalométricos inicial (preto) e final (vermelho).

Tabela 1 - Valores cefalométricos iniciais (A) e finais (B).

Medidas Normal A B Dif. A/B

SNA (Steiner) 82° 84 o
86 o
2
SNB (Steiner) 80° 86o 88o 2
ANB (Steiner) 2° -2o -2o 0

Padrão Ângulo de convexidade (Downs) 0° -8o -3o 5

esquelético Eixo Y (Downs) 59° 63 o
61o 2
Ângulo facial (Downs) 87° 88o 89o 1
SN-GoGn (Steiner) 32° 34o 33o 1
FMA (Tweed) 25° 29 o
24 o
5
IMPA (Tweed) 90° 77o 81o 4
1.NA (graus) (Steiner) 22° 23o 46o 23
1-NA (mm) (Steiner) 4mm 5mm 10mm 5
1.NB (graus) (Steiner) 25° 16o 21o 5
Padrão dentário
1-NB (mm) (Steiner) 4mm 4mm 5mm 1
1 - Ângulo interincisal
1 (Downs) 130° 142o 123o 19

1-APo (Ricketts) 1mm 4mm 5mm 1

Lábio superior – Linha S (Steiner) 0mm -2mm -1mm 1
Perfil
Lábio inferior – Linha S (Steiner) 0mm 0mm 1mm 1

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caso clínico BBO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A má oclusão de Classe III de Angle pode se apre-
sentar com inúmeras variações dentoesqueléticas.
Após reconhecer e analisar sua gravidade, o ortodon-
tista deve realizar o planejamento adequado, analisan-
do as vantagens e desvantagens de cada uma das opções
terapêuticas, e iniciar o tratamento visando à correção
de seus aspectos anormais, tudo isso tendo como base
os dados colhidos na anamnese, na avaliação facial e na
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análise cefalométrica segura e completa. No presente
caso, a projeção dos incisivos superiores foi de grande
importância para a obtenção da sobressaliência ade-
quada. O momento do início do tratamento foi bas-
tante decisivo para o seu sucesso, já que verificamos
um expressivo crescimento facial. Pode-se afirmar,
portanto, que os objetivos foram totalmente alcan-
çados, pois o caso se apresenta com função, saúde e
estética bastante adequadas.
REFERÊNCIAS
1. Angle EH. Classification of malloclusion. Dent Cosmos 1899;41(3):248-64.
2. Langlade M. Diagnóstico ortodôntico. 1ª ed. São Paulo: Ed. Santos; 1993.
3. Langlade M. Otimização das escolhas ortodônticas. 1ª ed. São Paulo:
Ed. Santos; 1995.
4. Ricketts RM. Orthodontic diagnosis and planning: their roles in preventive
and rehabilitative dentistry. Michigan: Rocky Mountain Orthodontics; 1982.
98 Dental Press J Orthod. 2015 July-Aug;20(4):91-8
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