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Bachelard entre a pintura e os pintores portugueses, uma reflexão apenas

Introdução

Trazer Bachelard ao presente é para quem investiga nas áreas artísticas um desafio e
também um acto estético, esta afirmação pode parecer estranha aos ouvidos dos
cientistas e filósofos das ciências, mas é perfeitamente legítima quando o território é o
da arte e se convive diariamente com a produção plástica.

O importante contributo que Bachelard forneceu para as questões da epistemologia


científica e que merecem toda a nossa atenção pela sua pertinência e actualidade,
encontram nos seus textos dedicados á fenomenologia da criação poética uma fluidez
que os aproximam, em si mesmos á própria criação poética. A imaginação entendida
como potência, força activa, como a própria vida, pela sua capacidade de fundar “o
novo” ou de ”reabitar” o antigo, é um tema a que Bachelard se dedica não só na
“Poética do Espaço”, mas também em outros textos, pois na verdade a concepção do
ser humano que não tem em conta o poder da imaginação não expressa a sua
condição plena de racionalidade. Nesta perspectiva é de mencionar o estudo, aliás
dissertação de mestrado em Filosofia da saudosa Cristiana Veiga Simão, publicado pela
Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, em 2010, e que se intitula “ As metamorfoses na
Filosofia de Gaston Bachelard: Da razão, da imaginação, da realidade, do sujeito, da
filosofia”, texto científico realizado sob a orientação da Prof. Adriana Veríssimo
Serrão, e que traz à luz questões que se prendem com o universo da estética.

O sentido da nossa leitura de Bachelard é conduzido através da convocação do


universo artístico. Bachelard foi um pensador que teve uma ligação forte com o
surrealismo, e com alguns pintores em particular, havendo inclusivé alguns pontos
comuns, e não são assim tão poucos como isso, entre a filosofia da criação em
Bachelard e os textos fundamentais do surrealismo de André Breton, com referência
específica aos dois Manifestos do Surrealismo e ao texto “ O Surrealismo e a Pintura”.
Quanto a esta aproximação é sem dúvida um contributo precioso o livro de Ann Mary
Caws, “Surrealism and literary imagination; study of Breton and Bachelard”, mas tendo
em atenção, as extrapolações possíveis, uma vez que a autora, e muito bem, se dedica
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sobretudo às questões de aproximação entre Breton e Bachelard no que diz respeito


criação poética.

Aliás , dificilmente se poderia fazer de outro modo já que na realidade as reflexões de


Bachelard incidem sobremaneira acerca do modo de funcionamento da imaginação na
criação poética, uma vez que as palavras servem de canal à imaginação, e por isso as
chamadas aos textos poéticos evocando Proust, Rimbaud, Baudelaire, Rilke, Paul
Valérie, Breton, Victor Hugo, Edgar Allan Poe, entre muitos outros, são inúmeras. Há
de vez em quando uma referência aos pintores, de um modo geral pouco conhecidos
entre nós. Excepções para Leonardo Da Vinci, Van Gogh e Monet: os primeiros
mencionados na “Poética do Espaço” (1957), o último, num livro “ anterior, “A Água e
os Sonhos” (1942). Neste livro Bachelard faz uma referência breve ao escultor e à sua
ligação à matéria, mas também “ao poeta da mão”, o gravador e à imaginação
material. Contudo outra obra “La poétique de la rêverie” (1960) Bachelard reflecte
uma vez mais acerca da pintura de Monet, em particular os “Nenúfares”, incindindo
também sobre a obra de Marc Chagall em particular as ilustrações para a Biblia, a
escultura de Waroquier e de Chilida e a gravura de Flocon. Tece ainda considerações
acerca dos desenhos de Marcoussis, e as pinturas de Jean Corti e a pintura de Simon
Segal.
Se por um lado, estas aproximações ao universo plástico, onde também cabe a arte da
gravura ligada ao tema da imaginação material - aliás o texto de Bachelard é muito
acutilante no que diz respeito ao trabalho da mão do artista, do gravador sobre a
matriz – são escassas, mas assertivas, umas das vezes para ilustrar o interesse por um
tema como por exemplo o ninho, na ligação com a intimidade e a casa, não é menos
verdade, que o modo como Bachelard descreve a o acto criativo, e os temas
fundadores que vai buscar cruzando-os com a teoria psicanalítica de Carl Jung, são
particularmente sugestivos para quem opera com o universo imagético da pintura.

Estranharão, certamente os que me ouvem, se lhes disser, que a “Poética do Espaço” é


um livro de cabeceira, para uma pintora que conheço há muito tempo, e estranharão
também o facto de que entre vários autores possíveis para ler e investigar, nas minhas
aulas de Estética, no último ano da licenciatura em Pintura (4º ano) Bachelard é o
autor sempre mais concorrido. Claro que estes argumentos são meramente empíricos
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e contingentes. Mas esta experiência somada aos outros aspectos anteriores que
vimos anotando e na oportunidade deste encontro, leva-nos a reflectir acerca dos
pontos de encontro entre Bachelard e o universo da pintura. O que continua a
interessar os mais jovens? Não raro, ouvimos dizer… “Ah! O texto de Bachelard,
interessou-me tanto para o meu projecto em pintura…vai mesmo ao encontro do que
sinto…”. E todos sabemos como são importantes estes encontros.

Gostaríamos ainda de trazer a esta reflexão um outro aspecto: trata-se da palavra


versatilidade, metamorfose, como diria a Cristiana Veiga Simão, para caracterizar a
metodologia que Bachelard nos deixa como legado da sua obra, e neste caso numa
área, um pouco marginal, a da crítica de arte, na qual também operamos. Pois bem,
Bachelard fazia também crítica literária e de artes plásticas, e no caso da primeira, que
nos diz particularmente respeito, assinalava a indução como a melhor abordagem que
aliás transportava da crítica literária, praticada desde sempre. Torna-se óbvio que as
suas contribuições para uma tipologia da imagem são duma clarividência essencial,
para quem tem de olhar as obras, especificamente as mais recentes, e escrever sobre
elas, tomando o objecto como um absoluto para aquele universo específico.

Bom, abandonemos agora estas considerações, para nos centrarmos no essencial, a


saber, em que medida e de que modo a filosofia da imaginação de Bachelard constitui,
ou pode vir a constituir um acto fundador para a produção plástica. Ou de outro modo,
se preferirmos, onde coincide o universo da pintura com o universo da fenomenologia
de Bachelard? E uma vez que este se dedica à análise da produção de imagens na
poesia, como se faz a extrapolação para uma linguagem sem palavras?

A imaginação e a poesia

No decurso dos anos quarenta, durante a Guerra, mais precisamente em 1941 e 1942,
Bachelard ensinava na Sorbonne, um curso dividido em duas partes dedicado à
filosofia das ciências e ainda as questões gerias da filosofia. Esta disciplina permitia
“uma esfera de liberdade” onde são pensadas as ideias principais de alguns livros entre
os quais, “L’Air et les songes” e “L’Eau et les rêves” publicados por essa altura,
sobretudo no que diz respeito à articulação das questões da imaginação com a poesia.
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A investigação que Bachelard desenvolve vem pôr em evidência que o papel da razão
consiste em organizar, em analisar, em repensar-se a i mesma, em problematizar,
enquanto aos conceitos caberá a reorganização do saber. De outro modo, a função da
imaginação acolhe um universo específico onde a imagem é a rainha, e a arte o lugar
onde tão à vontade se expressa. Esta imaginação actua pelo mote da integração, ou
seja pela diluição da distância entre o sujeito e o objecto. No texto “O Ar e os Sonhos”
Bachelard afirma o seguinte: “Acreditamos que a imaginação é a faculdade de formar
imagens. E é ainda a faculdade de deformar as imagens captadas pela percepção, e
sobretudo é a faculdade que nos permite libertar das primeiras, de mudar as imagens.
Se não há mudança de imagens, união inesperada de imagens, não há imaginação, não
há acção imaginante. Se uma imagem presente não faz pensar numa imagem ausente,
se uma imagem ocasional não determina uma provisão de imagens estranhas, uma
explosão de imagens, não há imaginação… Perceber e imaginar são tão antitéticos
como a presença e a ausência. Imaginar é ausentar, é a projecção para uma vida
nova.” (O Ar e os Sonhos/ 1943).Inclusivamente nas últimas obras, Bachelard não
pensa a imaginação como algo que restringe a ciência, mas algo que se autonomiza e
se liberta dos seus fundamentos obscuros.

Na verdade trata-se pois de caracterizar o papel da “ imaginação primeira”: a


imaginação material – outrora responsável pelos erros da ciência, mas que é agora
entendida enquanto criadora, vital, pois as imagens geradas através dos devaneios,
conferem à imaginação tem um poder transformador. A imaginação é por isso “apetite
de matéria” facilitando o acolhimento à “ imagem criadora” que recorre aos quatro
elementos de Empédocles: fogo, terra, ar e água, e assim para cada um dos quatro
elementos existe um tipo diferente de imaginação poética diferenciada, enquanto
outros se perfilarão mais tarde como a infância e a casa. Neste sentido perfilam-se
alguns textos como “La terre et les revêries du repos”, texto publicado no mesmo ano
de “La terre et les revêries de la volonté” em 1948, onde ao estudar um tipo de
imaginação mais passiva Bachelard, introduz o já citado elemento da casa, além de
outros como a gruta, o labirinto, a raiz e a videira.

A par da imaginação material, existe ainda a formal, aquela que tem vindo a ser
assinalada num pensamento tradicional filosófico como sendo da ordem do ocular, do
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intelectual e que em Bachelard vai ao encontro das cores e da variedade, divergindo


da imaginação material, sensível, a qual se dirige às massas dos volumes penetrando
na “raiz da substância” e que é simultaneamente uma imaginação profunda.
Entretanto este plano de actuação da imaginação acaba por ser ultrapassado pela
imaginação dinâmica que rege toda a vida espiritual. Ao considerar o papel da
imaginação fora do contexto tradicional da filosofia, nomeadamente a relação da
imaginação enquanto faculdade numa perspectiva gnosiológica, Bachelard parte dos
materiais criados pelo homem como a poesia e também outras artes, como a pintura,
a escultura, a gravura e o desenho, para desconstruir o papel criador da imaginação.

É assim que vamos encontrar a imaginação para Bachelard como força da “unidade da
alma humana”, entendendo-se a palavra enquanto um “um material de criação”. As
palavras não servem apenas para edificar o pensamento, mas para compreender o
mundo à nossa maneira, com as nossas expressões, criando o mundo que habitamos e
construindo-o directamente. Contudo perceber a génese da imagem é para o filósofo
um objectivo fundamental. No livro “Poética do Espaço” (1957) é apontado na
introdução esse desígnio: trata-se do “Estudo do fenómeno da imagem poética
quando a imagem emerge da consciência como um produto directo do coração, da
alma, do ser do homem preso na sua actualidade.”(pág.2, Poétique de l’espace). O que
significa que a imagem é encarada no seu aparecer individual, sendo que o poeta ao
fazer surgir uma nova imagem origina ao mesmo tempo o nascer da linguagem nova.
Assim o poeta é “um fenomenólogo nato” e a poesia é a “fenomenologia do espírito”.
E o que acontece com os pintores?

A imaginação e a pintura

Encontramos uma passagem muito enriquecedora sobre este tema, onde Bachelard
afirma: “No domínio da pintura em si mesma, onde a realização parece implicar
decisões que dependem do espírito, o qual reencontra as obrigações do mundo da
percepção, a fenomenologia da alma pode revelar o primeiro compromisso de uma
obra.” (Poétique de l’espace) Em seguida Bachelard refere-se a um texto de
apresentação de uma exposição de Rouault por René - Huighe onde este salienta a
pintura como um fenómeno interior, para concluir com J.H.Van Den Berg que os
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pintores tal como os poetas são fenomenólogos, acrescento nosso, não por exercício
decidido ou imposto, mas porque já nasceram assim. Esta circunstância acusa uma
característica comum em alguns criadores: a da impossibilidade de distinguir entre a
arte e a própria vida, e de o eternizar projectos que ficam inacabados e em que
consomem a própria vida, ou a desdobram, como serão os casos da “Porta do Inferno”
de Rodin ou a Catedral da Sagrada Família de Gaudí em Barcelona. Estes exemplos vão
ao encontro da frase de Lapicque que Bachelard escolheu para referir que “O artista
não cria como vive, mas vive como cria” e avançam na direcção de que a imagem
instaura a própria realidade, é a realidade, que o mesmo equivale a dizer ( e estou a
citar Bachelard) que o “pintor contemporâneo não considera a imagem como um
simples substituto de uma realidade sensível” (Poétique de l’espace, pág. 16),
acrescento nosso, como um “analogon”.

A produção poética onde a imaginação tem um papel predominante não funciona no


modo igual da racionalidade. De facto, Bachelard no livro “La terre et les rêveries du
repos” , pag. 82, edição francesa?) indica qual é “a causa real do fluxo de imagens”
que” é na verdade a causa imaginada” (…) já que “a função do irreal é que
verdadeiramente dinamiza o psiquismo, enquanto a função do real é uma função (…)
de inibição que reduz as imagens até lhe atribuir um valor de signo.

A imaginação “transforma a experiência e une-a”, pois trabalha a experiência com vista


a uma dimensão estética , criando “padrões” em que o sentir é valorizado.”All the
senses awaken and fall into harmony in poetic reverie.Poetic reverie listens to this
polyphony of the senses,and the poetic consciousness must record it. (Bachelard,1960, p.
6). Bachelard refere-se a esta forma de conhecimento como “valorização”,

distinguindo-a face à racionalidade. Trata-se de uma forma que atravessa os sentidos


e transforma o objecto , unindo o sujeito e o objecto no próprio seio da imagem.
Sendo que o sentir se torna a chave da imaginação dinâmica.

Naturalmente que toda esta reflexão relativa à caracterização da imaginação,


recolhendo da lição Kantiana a concepção do “livre-agir” da imaginação, se sedimenta
na perspectiva da fenomenologia, e se articula com a psicanálise, sobretudo na
aproximação a Jung, quer no que diz respeito à teoria dos arquétipos, quer à
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caracterização do inconsciente, sendo que em ambas se encontram afastamentos de


posicionamento relativamente a Freud.

Bachelard e o surrealismo

Segundo Bachelard “nenhuma arte é tão directamente criadora, tão manifestamente


criadora quanto a pintura” (Direito de Sonhar, S. Paulo, 1991, pág.26). Partindo dos
quatro elementos da natureza, arquétipos materiais que residem nas profundezas da
consciência e que são a origem da criação artística o pintor tem a possibilidade de
renovar os sonhos cósmicos através da sua obra. Para além desta compreensão do
fenómeno da criação, Bachelard indica que “a imaginação não é a faculdade de formar
imagens da realidade; é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade. É
uma faculdade acima da humanidade”.( “El agua y los suenos. Ensayo sobre la
imaginación de la materia”, México, Fondo de Cultura Económica, 1978)

Há algum ponto nesta afirmação nos conduz à definição do surrealismo que de acordo
com o Primeiro Manifesto escrito por Breton em 1924, indica que este “é uma
realidade superior onde todas as contradições que atormentam o homem são
resolvidas “como num sonho”, ou na Declaração de 27 de Janeiro de 1925 onde se
pode ler que o surrealismo “é um meio de libertação total do espírito e de tudo o que
se assemelha”. (Sara Alexandrian, O surrealismo, Ed. Verbo, 1972.)

A preocupação com o surgimento da imagem, ou melhor a compreensão do


momento onde o novo tem lugar na produção das imagens foi um dos temas
fundamentais do surrealismo, não só do ponto de vista teórico, mas no próprio
terreno da criação artística, procurando os surrealistas meios e instrumentos para
fazer surgir essa imagem, única, espontânea e pura, fugindo às garras dos atributos do
consciente e da racionalidade, e forjando uma realidade pura, outra.

A exploração automática da escrita, por exemplo, que nos primórdios da actividade


surrealista era herdeira das experiências Dada, a que se chamou também o “período
do sono”, e que os “Campos Magnéticos” de Soulpaut e os textos de Robert Desnos
reflectiram, derivava da sequência de estudos a propósito de estados médiunicos que
interessavam Breton, assim como a exploração sob hipnose ou na margem de estados
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alucinatórios, provocando a irrupção da palavra, cujo nonsense se evidenciava pelo


afrouxamento da razão.

Assim a imagem surge como um encontro, uma aparição que surpreende o artista.
Trata-se daquilo a que Breton caracterizou no 1º Manifesto do Surrealismo de “luz da
imagem”. Aliás Bachelard faz referência na “Psicanálise do Fogo” (1937) e passo a citar
que ,: “Muitas vezes imagens verdadeiramente diferentes, que se tomavam como
hostis, heteróclitas, dissolventes, vêm fundir-se numa imagem adorável. As
combinações mais estranhas do surrealismo têm de imediato, gestos contínuos: uma
tornassol revela uma luz profunda; um olhar que brilha ironicamente tem
repentinamente um relance de ternura; a água da lágrima sobre o fogo de uma
confissão. Nisto consiste a acção decisiva da imaginação: de um monstro faz um
recém-nascido. (Psicanálise do Fogo, pag. 1982)
A imagem que os surrealistas perseguem não tem nada a ver com imagem como duplo
do real (aspecto referido igualmente por Bachelard), mas antes com a imagem que no
cruzamento das expressões várias, nos surpreende.

Assim passemos em revista alguns dos procedimentos do automatismo para o


surgimento espontâneo das imagens, mas tendo em atenção o que mais tarde Breton
estabeleceu de diferente entre o funcionamento do automatismo rítmico e o
automatismo simbólico:

Os poetas Cesariny (embora Cesariny não se considerasse nem poeta nem pintor) e
Alexandre O’ Neill utilizaram na produção de imagens, várias técnicas como por
exemplo recurso à técnica do sopro. Consistia em derramar um pouco de tinta sobre
uma superfície e soprar, espalhando-se a tinta ao acaso em ramificações e manchas.

O’Neill tem comparativamente a Cesariny uma produção diminuta. Realizou desenhos


automáticos e utilizou também a colagem como aconteceu na obra “Linguagem”/ slide
da ocultação. O conjunto de imagens que produziu para o primeiro caderno surrealista
“Ampola miraculosa” de 1948, publicado na 1ª exposição surrealista em Janeiro de
1949, inspiram-se nalguns romances colagem de Marx Ernst, ao recorrer à imagem/
fotografia, retirada dum albúm ou livro, para ganhar um contexto diverso./ slide

A capa com o título e o nome são escritas com a técnica da tinta soprada.
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Na “Ampola miraculosa” existe uma diferença relativamente aos romances de Ernest,


já que Alexandre O’Neill em nada modifica a imagem, apenas lhe cola uma legenda
que naturalmente altera a sua leitura inicial. O romance começa quando o autor e
simultaneamente narrador começa a adormecer por causa de uma ampola miraculosa
que desce do tecto, e termina quando este penetra no sono profundo. As imagens que
0’Neill utiliza a preto e branco têm origem diversa, mas são na maioria provenientes
de livros e enciclopédias científicas ou técnicas.

O romance a “Ampola Miraculosa” surge como a descrição de um sonho naturalmente


insólito, bizarro, bem à maneira do “período des sommeils” das narrativas de sonhos,e
na proximidade de estados alucinatórios, aproximando uma vez mais a produção
artística ao sonho, como a realização de um desejo de evasão e amoroso também.

Alexandre O’Neill também inventou a ocultação, mencionada no Segundo Manifesto


do Surrealismo, que depois Fernando de Azevedo desenvolveu de modo próprio entre
os finais de 40 e os começos de 50, marcando profundamente o seu percurso, em
obras chamadas precisamente “ocultações”./ ocultação

Fernando de Azevedo utilizava uma imagem a preto e branco de uma revista e cobria
com tinta-da-china ou guache partes dessa imagem, escondendo-as de modo a
obliterar e transformar o sentido anterior. Apareciam então novas formas distintas da
primeira imagem, sem o seu referente inicial, constituindo-se numa nova imagem.
Para além de inúmeros poemas-colagem Cesariny (como aconteceu com Cruzeiro
Seixas e Mário Henrique Leiria) com a sua alma de experimentador realizou de 1947
em diante as “figuras de sopro”. Estando em Paris nessa altura Cesariny pôde visitar a
exposição surrealista na galeria Maeght e contactar outras vanguardas onde o
expressionismo e a arte bruta se insinuavam, e as suas experiências plásticas são
incentivadas por este facto.

As “figuras de sopro” como “ O operário” / operário radicam no automatismo e


trabalhavam a emergência do acaso como acontece também com as “sismografias”,
1948. Nas primeiras Cesariny utiliza os procedimentos provenientes duma prática
expressionista, e preenche o interior das formas com cores e outras tintas, criando
contrastes fortes entre figura fundo. sismografia Nas segundas utiliza a vibração do
carro eléctrico, da camioneta ou do comboio, para que a mão seja levada por
caminhos diferentes, absorvendo o traço que invade o papel nos percalços da viagem.
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Estes são apenas alguns dos procedimentos que os surrealistas portugueses


particaram, incluindo-se ainda neste conjunto os cadavres-exquis e as decalcomanias e
que tinham sobretudo a ver com a possibilidade de explorar as potencialidades da
imaginação, para a realização da imagem surreal.

É no entanto necessário mencionar a existência de vários aspectos que aproximam as


ideias de Bachelard às ideias de André Breton, o que não faz dele um surrealista,
embora alguns comentadores argumentem que nas suas últimas obras Bachelard se
converte ao surrealismo. Não nos parece que seja muito relevante este tipo de
comentário, a não ser para dar o devido realce ao encontro entre as reflexões de
Gaston Bachelard e de André Breton. De facto há vários pontos em comum que
passam por temas como: a importância da imagem; o surgimento da imagem nova; o
sonho ao qual se assemelha a obra de arte, mais especificamente uma pintura, uma
imagem portanto; o papel do devaneio; as aproximações à alquimia, nomeadamente
no entendimento do poeta e do pintor como magos, assinalando Bachelard que os
poetas têm o mesmo papel que os alquimistas; a função da imaginação no jogo
surrealista que se aproxima também da alquimia; a caracterização do maravilhoso que
se associa ao sonho e ao devaneio, e ao mesmo tempo ao mundo da infância, não
esqueçamos a afirmação de Breton no 1º Manifesto do Surrealismo (1924), segundo o
qual “O espírito que mergulha no surrealismo revive com exaltação a melhor parte da
sua infância”, provindo daí em parte o interesse tão nítido de Bachelard por Marc
Chagall/ bíblia
Chirico / o sonho do poeta vai igualmente ao encontro de Bachelard e Breton quando
nos diz que: “Para que uma obra de arte seja realmente imortal é preciso que saia
totalmente dos limites do humano; o bom senso e a lógica tornar-se-ão obstáculos.
Deste modo, ela aproximar-se-á do sonho e da mentalidade infantil “. (Sarane
Alexandrian, O Surrealismo) O seu entendimento não poderia ser mais conforme às ideias

de ambos, e o seu contributo foi notável para o arranque do movimento surrealista,


embora depois ocorresse a separação.
Mas por fim, e talvez o mais significativo ponto de contacto entre Bachelard e Breton,
e certamente para os vindouros, é a convicção de que a imagem poética é um poder
transformador do universo, porque instaura a dimensão do real.
Conclusão
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Em jeito de conclusão, há que referir que a partir do desenvolvimento da filosofia da


imaginação para Bachelard, se torna evidente, e recorrendo às suas próprias palavras
que “ (…) a imaginação é a força própria da produção psíquica”. (Psicanálise do Fogo,
pág.183) Tal significa que a faculdade essencial com que os artistas plásticos e os
poetas operam é basicamente a imaginação dinâmica. Esta imaginação possui uma
função transformadora e activa, e portanto opera com materiais que são
simultaneamente arquétipos e fundadores da cultura humana. Explorando-os através
dos devaneios e dos sonhos, é possível encontrar uma continuidade na história criação
humana, ao mesmo tempo que a sua própria renovação. É possível que estes aspectos
se constituam como determinantes para o interesse e actualidade que a obra de
Bachelard provoca na plateia não apenas dos filósofos das ciências, mas dos poetas e
pintores. A leitura das suas obras que do ponto vista literário, está próxima do discurso
poético, é uma espécie do levantar do véu acerca dos segredos e mistérios da criação
artística .Estabelecendo a ponte já que a pintora Maria Helena Vieira da Silva coabita
precisamente alguns dos temas assinalados por Bachelard: a cidade, a casa, o labirinto
(cidade/biblioteca), as prateleiras, fogo/luz. / slides olhemos algumas das imagens das
suas obras sem esquecer o texto profundo que Agustina Bessa-Luís escreveu sobre ela
intitulado “Longos Dias têm cem anos”, o acerto pleno entre a poetisa da palavra e a
pintora.

Bibliografia:

Pouliq, Jean-Luc, "Gaston Bachelard ou Le droit de rêver: un hymne à l'imagination,"Thélème,


no. 19 (2004), 117-125.

André Mantas / dissertação

José Pierre Breton e la peinture

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