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Introdução
Trazer Bachelard ao presente é para quem investiga nas áreas artísticas um desafio e
também um acto estético, esta afirmação pode parecer estranha aos ouvidos dos
cientistas e filósofos das ciências, mas é perfeitamente legítima quando o território é o
da arte e se convive diariamente com a produção plástica.
e contingentes. Mas esta experiência somada aos outros aspectos anteriores que
vimos anotando e na oportunidade deste encontro, leva-nos a reflectir acerca dos
pontos de encontro entre Bachelard e o universo da pintura. O que continua a
interessar os mais jovens? Não raro, ouvimos dizer… “Ah! O texto de Bachelard,
interessou-me tanto para o meu projecto em pintura…vai mesmo ao encontro do que
sinto…”. E todos sabemos como são importantes estes encontros.
A imaginação e a poesia
No decurso dos anos quarenta, durante a Guerra, mais precisamente em 1941 e 1942,
Bachelard ensinava na Sorbonne, um curso dividido em duas partes dedicado à
filosofia das ciências e ainda as questões gerias da filosofia. Esta disciplina permitia
“uma esfera de liberdade” onde são pensadas as ideias principais de alguns livros entre
os quais, “L’Air et les songes” e “L’Eau et les rêves” publicados por essa altura,
sobretudo no que diz respeito à articulação das questões da imaginação com a poesia.
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A investigação que Bachelard desenvolve vem pôr em evidência que o papel da razão
consiste em organizar, em analisar, em repensar-se a i mesma, em problematizar,
enquanto aos conceitos caberá a reorganização do saber. De outro modo, a função da
imaginação acolhe um universo específico onde a imagem é a rainha, e a arte o lugar
onde tão à vontade se expressa. Esta imaginação actua pelo mote da integração, ou
seja pela diluição da distância entre o sujeito e o objecto. No texto “O Ar e os Sonhos”
Bachelard afirma o seguinte: “Acreditamos que a imaginação é a faculdade de formar
imagens. E é ainda a faculdade de deformar as imagens captadas pela percepção, e
sobretudo é a faculdade que nos permite libertar das primeiras, de mudar as imagens.
Se não há mudança de imagens, união inesperada de imagens, não há imaginação, não
há acção imaginante. Se uma imagem presente não faz pensar numa imagem ausente,
se uma imagem ocasional não determina uma provisão de imagens estranhas, uma
explosão de imagens, não há imaginação… Perceber e imaginar são tão antitéticos
como a presença e a ausência. Imaginar é ausentar, é a projecção para uma vida
nova.” (O Ar e os Sonhos/ 1943).Inclusivamente nas últimas obras, Bachelard não
pensa a imaginação como algo que restringe a ciência, mas algo que se autonomiza e
se liberta dos seus fundamentos obscuros.
A par da imaginação material, existe ainda a formal, aquela que tem vindo a ser
assinalada num pensamento tradicional filosófico como sendo da ordem do ocular, do
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É assim que vamos encontrar a imaginação para Bachelard como força da “unidade da
alma humana”, entendendo-se a palavra enquanto um “um material de criação”. As
palavras não servem apenas para edificar o pensamento, mas para compreender o
mundo à nossa maneira, com as nossas expressões, criando o mundo que habitamos e
construindo-o directamente. Contudo perceber a génese da imagem é para o filósofo
um objectivo fundamental. No livro “Poética do Espaço” (1957) é apontado na
introdução esse desígnio: trata-se do “Estudo do fenómeno da imagem poética
quando a imagem emerge da consciência como um produto directo do coração, da
alma, do ser do homem preso na sua actualidade.”(pág.2, Poétique de l’espace). O que
significa que a imagem é encarada no seu aparecer individual, sendo que o poeta ao
fazer surgir uma nova imagem origina ao mesmo tempo o nascer da linguagem nova.
Assim o poeta é “um fenomenólogo nato” e a poesia é a “fenomenologia do espírito”.
E o que acontece com os pintores?
A imaginação e a pintura
Encontramos uma passagem muito enriquecedora sobre este tema, onde Bachelard
afirma: “No domínio da pintura em si mesma, onde a realização parece implicar
decisões que dependem do espírito, o qual reencontra as obrigações do mundo da
percepção, a fenomenologia da alma pode revelar o primeiro compromisso de uma
obra.” (Poétique de l’espace) Em seguida Bachelard refere-se a um texto de
apresentação de uma exposição de Rouault por René - Huighe onde este salienta a
pintura como um fenómeno interior, para concluir com J.H.Van Den Berg que os
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pintores tal como os poetas são fenomenólogos, acrescento nosso, não por exercício
decidido ou imposto, mas porque já nasceram assim. Esta circunstância acusa uma
característica comum em alguns criadores: a da impossibilidade de distinguir entre a
arte e a própria vida, e de o eternizar projectos que ficam inacabados e em que
consomem a própria vida, ou a desdobram, como serão os casos da “Porta do Inferno”
de Rodin ou a Catedral da Sagrada Família de Gaudí em Barcelona. Estes exemplos vão
ao encontro da frase de Lapicque que Bachelard escolheu para referir que “O artista
não cria como vive, mas vive como cria” e avançam na direcção de que a imagem
instaura a própria realidade, é a realidade, que o mesmo equivale a dizer ( e estou a
citar Bachelard) que o “pintor contemporâneo não considera a imagem como um
simples substituto de uma realidade sensível” (Poétique de l’espace, pág. 16),
acrescento nosso, como um “analogon”.
Bachelard e o surrealismo
Há algum ponto nesta afirmação nos conduz à definição do surrealismo que de acordo
com o Primeiro Manifesto escrito por Breton em 1924, indica que este “é uma
realidade superior onde todas as contradições que atormentam o homem são
resolvidas “como num sonho”, ou na Declaração de 27 de Janeiro de 1925 onde se
pode ler que o surrealismo “é um meio de libertação total do espírito e de tudo o que
se assemelha”. (Sara Alexandrian, O surrealismo, Ed. Verbo, 1972.)
Assim a imagem surge como um encontro, uma aparição que surpreende o artista.
Trata-se daquilo a que Breton caracterizou no 1º Manifesto do Surrealismo de “luz da
imagem”. Aliás Bachelard faz referência na “Psicanálise do Fogo” (1937) e passo a citar
que ,: “Muitas vezes imagens verdadeiramente diferentes, que se tomavam como
hostis, heteróclitas, dissolventes, vêm fundir-se numa imagem adorável. As
combinações mais estranhas do surrealismo têm de imediato, gestos contínuos: uma
tornassol revela uma luz profunda; um olhar que brilha ironicamente tem
repentinamente um relance de ternura; a água da lágrima sobre o fogo de uma
confissão. Nisto consiste a acção decisiva da imaginação: de um monstro faz um
recém-nascido. (Psicanálise do Fogo, pag. 1982)
A imagem que os surrealistas perseguem não tem nada a ver com imagem como duplo
do real (aspecto referido igualmente por Bachelard), mas antes com a imagem que no
cruzamento das expressões várias, nos surpreende.
Os poetas Cesariny (embora Cesariny não se considerasse nem poeta nem pintor) e
Alexandre O’ Neill utilizaram na produção de imagens, várias técnicas como por
exemplo recurso à técnica do sopro. Consistia em derramar um pouco de tinta sobre
uma superfície e soprar, espalhando-se a tinta ao acaso em ramificações e manchas.
A capa com o título e o nome são escritas com a técnica da tinta soprada.
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Fernando de Azevedo utilizava uma imagem a preto e branco de uma revista e cobria
com tinta-da-china ou guache partes dessa imagem, escondendo-as de modo a
obliterar e transformar o sentido anterior. Apareciam então novas formas distintas da
primeira imagem, sem o seu referente inicial, constituindo-se numa nova imagem.
Para além de inúmeros poemas-colagem Cesariny (como aconteceu com Cruzeiro
Seixas e Mário Henrique Leiria) com a sua alma de experimentador realizou de 1947
em diante as “figuras de sopro”. Estando em Paris nessa altura Cesariny pôde visitar a
exposição surrealista na galeria Maeght e contactar outras vanguardas onde o
expressionismo e a arte bruta se insinuavam, e as suas experiências plásticas são
incentivadas por este facto.
Bibliografia: