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O UMBRAL & A CHAVE

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CINEMA DE VICENTE FRANZ CECIM

O brilho decresce no fundo da lente e


tudo torna-se mais sombrio.
Raymond Russel

E.M Cioran, numa carta endereçada a Fernando Savater, tece comentários sobre Jorge
Luiz Borges, em decorrência de um convite de Savater para Cioran colaborar em um
volume dedicado à obra de Borges. Entre várias observações, Cioran finaliza a carta com
as seguintes considerações: Mas, a final de contas, Borges poderia tornar-se o símbolo de
uma humanidade sem dogmas nem sistemas e, se existe uma utopia que subscreveria de
bom grado, seria aquela em que cada um tomasse como modelo, um dos espíritos menos
pesados que já existiram, “o último delicado”. O último delicado. Nada mais insuspeito em
se tratando de quem fala. Nada mais verossímil e mais pontual em se tratando de quem é.
Borges e Cioran, uma comunicação atada pelo afeto, pelo desejo de escritura. Mas onde
reside hoje a sombra do último delicado, a sombra que a lente de Cioran encontrou na pena
de Borges? Talvez recolhida no escuro de um secreto que tudo recobre e tudo apaga ou
talvez multiplicada pela força de uma máquina que cada vez mais se faz e refaz no diferente
e na produção de muitos devires, na renovação que só o fazer artístico faz revelar. Na sobra
que só um pensamento delicado é capaz de fazer aparecer. Como viu Cioran em Borges.
Isso. Essa esfera cintilante que atravessa os contornos da literatura e se espraia por vários
horizontes do fazer artístico: o teatro, o cinema, para falar do que persevera, do que fratura
a mera condição de entretenimento. Do que atravessa as bandas do brilhar. Como o teatro
de Sarah Kane ou música do Tinderstickes. Isso e bem mais. Como no cinema de Vicente
Franz Cecim. Um cinema recolhido do grande público, guardado na memória de uns
poucos antigos. Nada, em matéria de cinema, nos pareceu mais belo e enigmático. Nada
resistiu ao tempo com tanta força e leveza. Os filmes são datados da década de 70. E hoje,
para alegria dos entusiastas da arte em movimento, vemos uma iniciativa de restauração
desses filmes. Deles, em uma exibição para uns poucos, assistimos com entusiasmo:
Sombras, Rumores e Malditos Mendigos. Cinema de atravessamento entre documentário
e ficção, engendrados por intensa meditação e plasticidade. Como um cinema que deseja a
reflexão e o pensamento. Por uma estética que nos revela o phatos de um cinema delicado.
Nele o princípio de delicadeza beira uma espécie de errância social, assume a margem
excessiva, num percurso fora de foco em que a repetição, a verdade e o estabelecido
passam alhures. Segundo o modelo oriental, a delicadeza obriga a eliminação minuciosa de
toda e qualquer repetição, em um princípio de que não se deve repetir uma mesma
substância, mas, inversamente, que é preciso tentar sobre-imprimir traços de substâncias
diferentes. Como uma lente que se lança no desconhecido e vai a cada momento
mergulhando e mergulhando, entranhando-se cada vez mais, perdendo-se no exterior;
formando, imagem após imagem, uma infinita constelação. Assim são nos filmes de Franz
Cecim. Em Malditos Mendigos a sua lente viaja por uma Belém insólita e vaga pelas ruas
sem nenhum controle, como um vôo ao desconhecido. Passa pelos transeuntes e os observa.
Procura. Mas o que procura? Passa pelos habitantes das ruas (mendigos, loucos, pedintes)
e observa. Vai cada vez mais se enredando em um convívio, numa solidariedade outra. A
lente de Franz Cecim assume a retina dos que esmolam e observa o humano. Mas, não o
faz em tom panfletário ou ideológico. Observa com o objetivo de pensar a alteridade. O
observado assume, na tela, olhar de quem observa. O que se vê é aterrador. Em certo
momento em frente a uma antiga igreja (de Santana), meio recurvada e de mão estendida,
uma pedinte exerce seu suplício. Assim o faz por algumas horas. Nada acontece. Mas as
pessoas não deixam de passar. Um homem sai da igreja e passa rente a mão estendida. Não
acontece nada. O homem segue. Entra no carro e acende seu cachimbo. A câmera se revela.
O homem liga o carro. A lente foca na mendiga e logo em seguida no homem do carro. Vai
e volta em planos cada vez mais fechados. Alguma coisa acontece. Em um tom de
constrangimento a mendiga esconde o rosto e sai. O homem permanece imóvel. A mendiga
corre e escapa aos limites da lente. Tudo em volta se enternece. A lente observa e se perde
no vazio.

OS FILMES DE FRANZ CECIM ATRAVESSAM TRÊS GRANDES IMAGENS


ELEMENTARES DO CINEMA: DA AÇÃO, DA PERCEPÇÃO E DA AFECÇÃO
(SEGUNDO NOÇÕES DE GILLES DELEUZE).
IMAGEM EM MOVIMENTO: DA AÇÃO

O personagem pode limitar andando rápido, ao longo de uma parede. Com efeito, só um
lado é ameaçador. Fazer uma personagem caminhar ao longo de uma parede é o primeiro
ato cinematográfico. A ação é mais complexa quando se torna vertical e mesmo espiralada ,
como numa escada, visto que o lado vai mudando alternadamente em relação ao eixo. Em
algumas cenas de Rumores, vemos, entre os dois personagens do filme, uma intensa
perseguição escada acima em que, em lances de lusco-fusco, não se sabe quem é o
perseguidor e o perseguido.

O INTERIOR: A PERCEPÇÃO

Qualquer percepção torna-se dupla, o personagem vê a câmera como os objetos em sua


volta percebem o personagem. Ou seja, tanto a câmara percebe o personagem dentro do
quarto quanto o personagem percebe que é percebido pelo quarto. Nessa atmosfera tudo
fica bem mais intenso e perigoso. Em Rumores, nas entranhas do velho Palacete Pinho, a
câmera vaga percebendo vida em tudo. Tudo percebe e é percebido: a mesa, os quadros, as
escadas, as janelas, a jarra de leite, a xícara, a personagem. Tudo é um pouco sombrio e
humano.

RUMORES: A INÉRCIA, A AFECÇÃO.

O personagem se aproxima da mesa, senta na cadeira e apaga. Suas percepções se apagam.


Mas a percepção permanece a espreita atrás da câmera. Ele permanece inerte. A câmera faz
uns círculos pela sala e tenta surpreendê-lo paralisado. O personagem se defende e se fecha
ainda mais. Num estranho súbito, em penosos movimentos de lentidão, ele pega uma jarra e
aos poucos vai enchendo uma xícara com um líquido branco que lentamente vai
transbordando o espaço vazio. A câmera-percepção aproveita, ultrapassa definitivamente o
ângulo, gira, chega diante do personagem e observa. Revela assim o que é: percepção de
afecção. Isto é, percepção de si por si, puro afeto. Ela é, na verdade, o duplo reflexivo que
acompanha o personagem inerte.

SOMBRAS: DURAÇÃO E ACONTECIMENTO.

Em 78, numa data qualquer, Franz Cecim e sua câmera se entranham em um asilo de velhos
da cidade afim de experimentar algo para um novo filme. Sombras resulta dessa
experiência. Sua delicada câmera passa e repassa em convívio com os habitantes do lugar.
Por ela vão se atravessando vários lances de imagens e duração. Tudo estabelecido por uma
lógica do acontecimento. Onde o fato só se faz cena quando esculpido pela força do acaso.
Em Sombras a duração deixa de ser apenas uma experiência psicológica, para tornar-se um
caso de duração ontológica, essência variável das coisas, condição de experiência. As
pessoas movimentam-se ao longo do filme fabricando sua própria duração. Em que pese ter
cenas em câmera lenta, nunca se sabe se o movimento dos passantes segue uma lógica
natural ou mecânica. Elas saem de qualquer lugar e cruzam a câmera em uma velocidade
imprecisa. Há cenas em que as imagens se descortinam revelando, entre as pessoas, várias
noções de duração: lento, acelerado, arrastado, moribundo. Tudo simultaneamente. O
impulso vital passa a designar o movimento pelo qual o ser se atualiza, não a partir do
estabelecido, que a realidade faz ressoar, mas sob o fundo de uma virtualidade a ser
desdobrada pela lógica de um possível, de um provável, de um indeterminado. Numa vida
outra concebida no coração da diferença.

Nilson Oliveira

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