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MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf.

Porto Alegre: Editora


Globo, 1972.

“Se — e neste caso até que ponto — este interesse pelo tempo é inerente à nossa
civilização, e se conduziu a recentes teorias revolucionárias na ciência ou a tendências
inovadoras no pensamento filosófico ou a novas concepções da natureza e funções da
arte, ou se dela resultou, estas são questões abertas à discussão. A filosofia, a ciência e a
arte, ao mesmo tempo que influenciaram a maneira do povo pensar e sentir, são, elas
próprias, influenciadas pelo modo por que este povo vive. Não parecia improvável,
pois, que aquilo que é amplamente referido como ‘a obsessão do século XX pelo tempo’
seja condicionado pelo crescente ritmo de vida, pelo sentido muito difundido da
transitoriedade de todas as formas da vida moderna, e talvez, mais particularmente, pela
rapidez das mudanças econômicas e sociais. Estes fatores retiraram do homem aquele
sentimento de estaticidade social, aquela certeza de permanência que parece ter marcado
períodos de transformação mais confiantes e mais vagarosos.” (MENDILOW, A. O
tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 6)

“A tônica da existência moderna é a velocidade, que é a relação da distância com o


tempo. É muito significativo que ‘velocidade’ tivesse originalmente o sentido de
‘sucesso’; a civilização ocidental mede, hoje, o sucesso pelo crescer da média de
movimento em direção a um determinado ponto espacial ou a um objetivo que
colocamos à nossa frente. Nossa realização é avaliada em termos do tempo utilizado
para conseguir nossas aspirações, porque tempo é dinheiro, e num universo em
mudança não há tempo para gastar ou perder. Enquanto as fábricas produzem milhares
de novos utensílios para poupar tempo, a indústria de diversões gasta milhões em
divertimentos para matar o tempo. A vida parece resolver-se num empurrar-se febril
para conseguir o último gole, antes que a inexorável garçonete pronuncie o fatal ‘é
tempo, senhores, é tempo’ e feche o seu bar para sempre.” (MENDILOW, A. O tempo e
o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 11)

“As razões são que, em primeiro lugar, a ficção, como uma arte temática ou de
representação, responde de modo muito sensível às pressões da época; o menor espelha,
o maior interpreta para o povo as suas maneiras de comportamento e de pensar. Em
segundo lugar, os grandes escritores são aqueles que recusam aceitar como um ato cego
de fé os padrões e crenças artísticas de seus predecessores; insistem em uma rigorosa
revisão de toda a base da arte, começam de baixo, ao invés de tentarem ganhar uma
estatura falsa firmando-se nos ombros de seus antecessores notáveis.” (MENDILOW,
A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 35)

“Como é, pois, que a ficção com os seus ‘atos dissimulados de lugar nenhum’ pode
produzir tais efeitos marcantes no leitor, já que seu progresso é impedido a cada passo
por dificuldades inerentes que fazem impossível qualquer aproximação à realidade?
Pode assim fazer somente com a ajuda de convenções estabelecidas de tempos em
tempos. Esses são os pressupostos tácitos esperados do leitor cooperante, e que, quando
aceitos como axiomáticos, têm o poder de remover os obstáculos que obstruem o
caminho para a evocação da realidade. Nós

Nunca fazemos com justiça o jogo da crítica com um autor, nunca nos
relacionamos de qualquer forma com ele, a não ser garantindo-lhe seus
postulados... Se nada há nele que efetivamente nos induza a fazer o postulado,
ele é, então, completamente vazio para nós. [JAMES, H., Ensaio sobre
D’Annunzio em Notes on Novelists, 1914, p. 205.]

Em virtude de convenções ficcionais o autor pode ser bem sucedido em criar


uma ilusão de vida naqueles que desejem e sejam capazes de fazer as suposições
básicas. O romance, como qualquer outra forma de arte, é o produto de uma cooperação
íntima entre escritor e leitor. A menos que o último esteja pre|parado para afastar todas
as objeções face à completa artificialidade da ficção, o romance cai por terra.”
(MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora
Globo, 1972, p. 39-40)

“Periodicamente, contudo, surgem romancistas que tentam novos ajustamentos das


convenções de forma, meio e tema. Estruturam, em lugar das antigas, novas convenções
tais que façam, no seu julgamento, menos exigências à credulidade de seus leitores. A
intenção deles é clara. É a intenção de todas as escolas de ficção — Naturalismo,
Realismo, Simbolismo, Impressionismo, e todos os outros ismos. Não é reproduzir a
realidade, pois isto é declaradamente impossível. Realidade, no sentido do artista, é
sempre algo criado; não existe. O que intencionam é achar novas convenções que
possam, de maneira mais satisfatória, criar a ilusão de vida real, fechando um pouco
mais a lacuna entre uma representação simbólica do mundo real e o mundo real em si.
Assim eles tentam não eliminar convenções, mas sim reduzir a arbitrariedade das
convenções, portanto, vindo a aproximar-se mais da verdade como a veem [...]”
(MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora
Globo, 1972, p. 40)

“A verdade do romancista não precisa ficar restrita àquele tipo limitado que o realismo
fático pode prover. Uma vez que o uso de símbolos linguísticos de representação
falsifica qualquer análise da vida — toda a arte é tradução, e a equação traditore-
traddutore é válida — a formalização significativa da vida pode ser mais verdadeira do
que a sua falsificação por convenções mais simples que afirmem ser verídicas. Aquilo
por que lutam os grandes romancistas de cada geração é a qualidade que faz uma grande
pintura mais verdadeira do que uma fotografia, a qualidade que dá base à profunda
observação de Touchstone para Audrey:

a mais verdadeira poesia é a que mais dissimula.

Esse mudar das convenções é influenciado, não pouco, pelas mudanças que a
civilização constantemente atravessa, e grande parte da confiança demasiada dos
escritores na superioridade de suas convenções sobre outras pode ser atribuída ao
fracasso de levar isso em conta. O que é ainda mais difícil de apreciar é que a própria
realidade a que aspiram através de suas convenções, novas ou adaptadas, não é em si
absoluta, mas sim relativa para eles e para seus tempos. Pois a verdade da vida que o
romancista tenta apreender não é algo fixo ou completo, mas é imposta sobre sua visão
pelo que podem ser chamadas as convenções sociais que selecionam o que é capaz de
ser visto. É função do intelecto consciente e racionalizante recordar o amorfo fluir da
vida e impressões unitárias e separá-las, de modo que possam fazer-se comunicáveis
para si mesmo ou para os outros. Da mesma forma, a comunicação literária necessita a
redução de um número infinito de personagens a um número limitado de tipos
reconhecíveis, a restrição das infinitas variedades e gradações da natureza humana a um
nú|mero limitado de normas e aberrações. A natureza humana, para ser inteligível, deve-
se fazer referível a categorias, tão numerosas e amplas quanto possível, mas ainda
limitadas. Bem à parte de seus padrões éticos, que são coloridos pelo panorama de sua
época, uma literatura é inconscientemente influenciada pelo seu tempo a selecionar um
número de bondades e maldades aos quais acredita que as pessoas se adaptem. A mente
do escritor é condicionada em sua capacidade de seleção pelos padrões de
comportamento positivos e negativos que procura. Estes e, em menor grau, a sua atitude
para com eles, são determinados menos por ele do que para ele. O bom e o mau, o
convencional e o inconvencional são igualmente simplificações que distorcem aquilo
que de fato existe ou acontece; e assim para o escritor — mesmo que um personagem
seja fora do comum, deve sê-lo mensuravelmente, e dentro de uma das maneiras
comuns.
Além disso, mesmo se o romancista realmente conhecesse o que visse, não
poderia formular sua visão de forma adequada. A linguagem é um medium limitado e
não pode isolar e reter o infinito. Jamais pode ser congruente com ele, pois não há
palavras suficientes para representar mais do que uma fração de minuto da experiência
ou mesmo do universo material. Estes fatores restritivos em interpretação e
comunicação são, em larga margem, inconscientes e variam de época para época. O
que, portanto, pode ter parecido natural e explicável uma vez e mesmo em grau muito
elevado, em termos de reações humanas ou sociais, pode, alguma outra vez, cessar de
sê-lo, e uma convenção literária pode ter estado tão perto ou mais perto da realidade,
como então concebida, do que se encontra a convenção que a suplanta.” (MENDILOW,
A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 41-
42)

“Dos quatro graus de relação entre verdade e vida em que obras de ficção podem ser
graduadas: o impossível, o impro|vável, o possível e o provável, o romance
propriamente dito sustentou desde o começo ter eliminado de seu campo os dois
primeiros, e, assim, ter-se separado claramente do romance. O terceiro, de início, era
tido por muitos como legítimo, mas os maiores romancistas sustentavam que escreviam
apenas entre os limites do quarto. (A frase ‘verdade em relação à vida’ é vaga e foi
compreendida de diferentes maneiras por escritores modernos, mas até boa parte do
século XIX ela possuía um sentido aceito por todos que era adequado para a divisão nos
quatro graus.)” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto
Alegre: Editora Globo, 1972, p. 44-45)

“Distinguindo-se as convenções sob os títulos de tema, forma e meio, nunca, em


nenhum momento, deve-se esquecer que a divisão é totalmente arbitrária e participa da
técnica não de dissecação, mas de vivissecação. Assunto, estrutura e expressão não
podem, em verdade, ser separados ou completamente distinguidos um do outro. A
forma não é um molde vazio no qual se pode derramar o conteúdo preparado para ali
ajeitar-se. A visão ou a interpretação de qualquer acontecimento são ambos, forma e
conteúdo; não se pode transpor uma estória para qualquer outra forma sem modificá-la
em seus elementos essenciais. Não se pode alternar ou mesmo transpor a linguagem na
qual é expressada sem mudar, em maior ou menor grau, o equilíbrio, a significância, a
ênfase ou a qualidade emocional da coisa expressa [‘Vejo que numa obra literária da
menor complexidade, a forma e a contextura mesmas são a própria substância e que a
carne é inseparável dos ossos’ The Henry James Correspondence, ed. E. F. Benson,
1930, p. 118]. É apenas, portanto, com base na operacionalidade e na maior facilidade
em analisar e discutir os elementos entrelaçados que se faz a divisão.” (MENDILOW,
A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 46)

“E porque é no máximo uma meia-verdade, e porque tenta dar a ilusão de uma ‘verdade
completa’, o romance depende inteiramente da manutenção de um pacto ‘faz-de-conta’
selado pelo escritor e pelo leitor. O Dr. Johnson escreveu, à propôs do Bard de Gray
que ‘Somos atingidos apenas enquanto acreditamos’. Poderia ser mais verdadeiro dizer
que nós acreditamos apenas enquanto somos atingidos, e para sermos atingidos o
suficiente para acreditar, ou melhor, para suspender nossa descrença, deve-se presumir,
no interesse da ficção, que experiências não verbais podem ser verbalizadas, que a
linguagem é uma forma fixa e exata de expressão que tem as mesmas denotações e
conotações tanto para o escritor como para o leitor, que um meio sequencial pode
expressar efeitos simultâneos, e que um meio descontínuo pode expressar o fluir.”
(MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora
Globo, 1972, p. 58)

“Conforme as convenções da ficção variam à luz das mudanças nas concepções da


natureza, das relações e problemas humanos, diferentes romancistas em períodos
diferentes adotaram artifícios e técnicas diferentes para expressar a sua nova visão.
Estes usualmente resolvem-se na análise da manipulação ulterior dos fatores temporais
e dos valores inerentes ao romance, e mostram, com frequência, uma marcada
similaridade com as artes temporais análogas da música e do cinema. Nem sempre é
fácil detectar quais as técnicas que foram deliberadamente tomadas dessas artes e quais
as que evoluíram dos princípios comuns que podem ser deduzidos de certas
semelhanças dos meios. Não há dúvida, contudo, que muitos romancistas aplicaram
com frequência as técnicas da música e do cinema de forma bastante consciente, do
mesmo modo que os escritores de romances medievais e dos primeiros romances
modernos tomaram muito da estética e das técnicas do épico e do drama. Talvez esse
romper das barreiras que separam as artes seja em si mesmo a indicação de um desejo
de conseguir uma expressão mais compreensiva de valores universais. Mas nem sempre
deve-se contar contra o romancista o fato de que ocasionalmente ele recorra a técnicas
extramediais pour épater | le bourgeois, para abalar o leitor menos sensível no sentido
de perceber mais conscientemente a ilusão e o convencional que se encontram sob todas
as formas de arte, para lançá-lo fora das reações-padrão e transformar um processo de
recreação passiva num de ativa re-criação.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance.
Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 59-60)

“Todo o bom romance tem os seus próprios padrões e valores temporais e adquire a sua
originalidade pela adequação com que são veiculados ou expressos. Na análise final,
virtualmente todas as técnicas e artifícios da ficção reduzem-se ao tratamento concedido
aos diferentes valores e séries temporais e ao modo com que uns são jogados contra os
outros. Estes valores são de importância artística variada, mas combinando-se,
condicionam toda a concepção desta arte, a mais Proteica [Referente a Proteu, deus
marinho que se caracterizava por mudar de forma para escapar aos que o perseguiam
com perguntas, devido ao seu dom de profecia.] de todas; respondem pela estrutura que
ela assume, o modo pelo qual trata seus temas, o seu uso da linguagem. |
O romance é um complexo de valores temporais.” (MENDILOW, A. O tempo e
o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 69-70)
“O leitor de um romance ocupa uma posição extensa no tempo, e dentro desta coloca-se
a data da sua leitura do romance. Essa data pode não corresponder de perto à data dos
eventos a respeito dos quais está lendo. Onde a diferença é considerável, como ao ler
um romance histórico, talvez seja exigido dele um forte esforço de imaginação se ele
mesmo deve projetar-se dentro do período tratado e penetrar intimamente no espírito
daqueles tempos distantes. Um esforço maior ainda é necessário quando se tratar de ler
um romance antigo cujo estilo e assunto foram já contemporâneos, mas que, agora, com
o passar do tempo, tornaram-se ‘datados’; em poucas palavras, quando o romance
tornou-se histórico em efeito, conquanto fosse contemporâneo em intenção.
No século XX, o leitor de um romance histórico tem certas dificuldades iniciais
a superar: a mudança de perspectiva e a estranheza de atmosfera. Mas mesmo naqueles
romances que penetram profundamente no espírito do tempo tratado, Brook Kerith de
George Moore, I Claudius de Robert Gravesou, José e Seus Irmãos de Thomas Mann,
ele é ajudado na | compreensão daqueles eventos distantes por ler uma interpretação
deles feita por um coevo; vê através dos olhos de alguém da sua própria época que, em
efeito, está interpretando o passado para ele.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance.
Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 96-97)

“Quanto mais ulterior à obra for aquele que a leia, maiores serão o conhecimento e o
esforço de imaginação exigidos para apreciar totalmente o romance e fazer justiça às
relações dos personagens e à significância do tema.” (MENDILOW, A. O tempo e o
romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 98)

“Se o escritor médio vê-se restringido pelas limitações de sua época e reflete as
perspectivas dela, o grande escritor permanece acima dela, e a vê sub specie
aeternitatis. Pois o grande escritor sempre escreve mais verdadeiramente do que sabe, e
sob a superfície de seus temas e através das restrições de seu meio e tratamento arde
uma humanidade universal à luz da qual as distorções de perspectiva contemporâneas
desaparecem ou perdem o significado. As modas diminuem em importância; fica o
elemento permanente. ‘A corrente do tempo, que está continuamente desgastando as
formações solúveis’ de escritores menores, ‘passa sem dano pelo adamas’ dos grandes
escritores. Ainda assim, o maior dos autores ainda está relacionado à sua época, e
mesmo ao tratar eventos históricos as suas perspectivas são modificadas pela visão dos
seus contemporâneos.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf.
Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 98)

“A obra de todo o romancista, quer trate da situação contemporânea ou conduza à fuga


de tal situação para uma torre de marfim, é explícita ou implicitamente um comentário
social a respeito do tempo no qual é escrita. Mesmo o romance Utópico é em essência
um negativo tomado da estampa da realidade e indica aquilo que o autor considera mau
no seu mundo presente. O escritor mais independente está aferrado à alma de seus
tempos com argolas de aço.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio
Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 99)

“Se a maioria dos escritores permanece no nível de seu tempo, às vezes acontece que se
cooca aiante dele, de modo que decorre um espaço de tempo antes que o público possa
alcançar suas ideias ou formas de expressão. Isso é um truísmo de Blake, Hopkins e
numerosos outros poetas, e a mesma reivindicação foi apresentada por Henry James,
James Joyce, D. H. Lawrence e muitos outros romancistas. Naturalmente é inegável que
Todo o autor, na medida em que seja grande e ao mesmo tempo original, tem a
tarefa de criar o gosto segundo o qual deverá ser desfrutado [WORDSWORTH,
William, Baladas Líricas. ‘Essay Supplementary to the Preface’, 1815-1845].

Neste sentido, ele escreve para a posteridade; mas os maiores | escritores dentre todos
não foram fastidiosos em demasia, de modo que interessaram também aos seus
contemporâneos. Embora seja um exagero sustentar com Trollope que

O romancista tende a se adaptar à sua época; e é quase forçado a ser efêmero.

Contudo, ele está colocado dentro de seu tempo mesmo quando o transcenda. A mente
mais original não trabalha no vácuo.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad.
Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 99-100)

“Em contraste com a peça atuada, o romance pode, na melhor das hipóteses, criar
apenas a ilusão de ser imediato e direto na mente do leitor. A ilusão, contudo, pode ser
extremamente vívida, veiculando a impressão de participação rel na ação. Enquanto a
atitude do espectador no teatro é a de um observador de uma ação que acontece ante
seus olhos na vida real, o leitor que se absorve em uma obra de ficção é um participante
naquilo que está acontecendo, e sente não meramente simpatia pelo herói, como na
peça, mas pode identificar-se com o herói, ser o herói em imaginação, e ele mesmo
sofrer e agir, até um ponto incomum numa peça. Isso é possível, apesar do leitor seguir
a ação não de modo direto, através dos sentidos da visão e do ouvido, mas de modo
indireto, através de um meio simbólico e até distorcivo; apesar de não estar fisicamente
presente; e, mais ainda, apesar do fato de que, excetuando as passagens em diálogo, ou
seja, as passagens apresentadas de forma dramática, a maioria dos romances é escrita no
pretérito e na terceira pessoa.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio
Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 108)

“Lamb objetou de forma bastante vigorosa à atitude de superioridade implícita na


intrusão desses comentários por parte do autor. Repreendendo a fraqueza em
Wordsworth, escreveu:

Um leitor inteligente toma como uma espécie de insulto o fato de ser-lhe dito: eu
vou ensiná-lo a pensar sobre este assunto. Se estou certo,, encontra-se essa falta
em um grau dez mil vezes pior em Sterne e muitos, muitos romancistas e poetas
modernos, que continuamente colocam uma sinalização para mostrar-lhe onde
você deve sentir. Principiam com a presunção de que seus leitores são idiotas...
Há, implícito, um pacto não escrito entre o autor e o leitor; eu vou contar-lhe
uma estória, e suponho que você vá entendê-la. [‘Carta a Wordsworth’, 30 de
janeiro de 1801]” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf.
Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 114)

“É verdade que a ficção não consegue, não pode, e não deveria se pudesse, reproduzir a
vida de modo fotográfico; deve comentá-la e interpretá-la. Mas o comentário deve estar
implícito no todo; deve florescer de dentro, e não ser inculcado de fora. Um remendo
púrpura não deixa de ser um remendo.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad.
Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 115)
“O método dramático e o uso extenso do diálogo são comumente — e a técnica da
corrente de consciência quase invariavelmente — associados com o terceiro método, o
ponto | de vista restrito. O autor apresenta tudo através da mente de um personagem, ou,
pelo menos, de um personagem de cada vez durante uma parte considerável do livro. Os
outros personagens são julgados a partir de sua exterioridade, de seu comportamento e
de sua maneira de agir como visualizados pelo personagem central. Esse método surge
por meio de um compromisso entre os métodos onisciente e autobiográfico; a
convenção artificial do autor onisciente é limitada a apenas uma pessoa no romance; por
outro lado, evitam-se a inflexibilidade e as várias desvantagens existentes no romance
em primeira pessoa.
O uso do ponto de vista restrito não apenas torna mais fácil a identificação
leitor-personagem; também veicula uma apresentação direta e imediata porque lembra a
maneira das pessoas reagirem na vida real. Nós não nos vemos como os outros nos
veem. Estamos cientes em nós mesmos de toda a pressão do passado sobre o nosso
presente, do abalo e do conflito de forças que podem ou não expressar-se em termos de
ação. Conhecemo-nos a partir de nossa interioridade; somos, em grau maior ou menor,
oniscientes a respeito de nós mesmos. Quanto aos outros, contudo, somos meros
espectadores; podemos apenas conjeturar sobre seus motivos a partir de suas ações e
comportamento; não podemos ter uma evidência direta do interior de suas mentes. Eis
aí por que as outras pessoas são mais simples para nós do que nós mesmos.
Conhecemos apenas a resultante das forças que atuam nelas enquanto se expressa em
um comportamento exterior; em nós mesmos, estamos cientes também do equilíbrio
complexo e sempre mutável das forças em conflito, antes que alcancem a sua expressão
na ação.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre:
Editora Globo, 1972, p. 129-130)

“Um dia possui um valor temporal diferente para uma criança e para um velho.
Olhando-se em prospectiva, o dia da criança é uma pequena fração de tempo, enquanto
constitui uma grande parte do tempo que resta para o velho. Olhando-se
retrospectivamente, é uma grande parte da vida da criança e uma parte muito pequena
da vida do velho. E enquanto vivido, é, para um, cheio de experiências encontradas pela
primeira vez e que provocam novas reações, e para o outro, cheio de repetições
familiares de eventos que encontram a sua resposta habitual. Assim, as proporções
inversas de um dia para a extensão do passado e para a extensão antecipada do futuro
espe|rado afetam de maneiras opostas o valor colocado nesta unidade de tempo
cronológico em períodos diferentes de nossas vidas. Dentro de cada período este valor
varia inversamente conforme visualizemos aquela unidade desde o ponto de vista do
passado ou do futuro.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf.
Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 132-133)

“A linguagem não reflete a realidade, mas a transmuta em algo muito diferente.

Nada deveria ser nomeado, para que, assim procedendo, não mudemos tudo. |

Exclama um personagem em The Waves, de Virginia Woolf. Mas não podemos viver
exceto através do fato de nomearmos. Somos apanhados no dilema inextrincável de que
a letra mata, mas o espírito da vida pode encontrar expressão apenas através da letra.”
(MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora
Globo, 1972, p. 165-166)
“O artista da palavra é particularmente sensível à natureza e às limitações dos símbolos
que usa para a comunicação. Muitas convenções evoluíram e provaram-se aceitáveis,
em épocas diferentes, apenas para serem rejeitadas por gerações posteriores. O escritor
não pode permitir-se ignorar o fato de que enquanto a intenção da ficção é comunicar
experiência, a experiência, ao contrário do pensamento, não acontece sob a forma de
linguagem. Mais ainda, a experiência é infinita em extensão e gradação, ao passo que os
símbolos de linguagem para os quais deve ser traduzida são altamente restritos.
Qualquer grau de equivalência ou congruência é eliminado de imediato. Mesmo se fosse
possível achar-se um escritor com um vocabulário fora do comum e poderes de
combinação verbal unidos a uma capacidade incomumente restrita de perceber a
experiência, de tal modo que pudesse tornar aquelas percepções equivalentes ao seu
meio, a dificuldade não se resolveria.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad.
Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 168)

“A comunicação, exceto na forma mais ampla e mais imperfeita, nunca pode ser
mantida. Isso é até mais verdadeiro para a emoção, a sensação e a experiência do que
para o pensamento conceitual. Eis aí por que toda a literatura e, de todas as formas de
literatura, a ficção em particular deve estar baseada em

Uma espécie de contrato de erro entre o remetente e o destinatário. [BACON, F.


Of the Advancement of Learning, Livro II, §XVII.]

Tais especulações e outras semelhantes sobre a natureza da linguagem, do


simbolismo, da metáfora e da comunicação em geral vão ter à raiz de cada ramo do
pensamento abstrato. São o próprio material da expressão e da crítica literárias. Nunca
será demasiado enfatizar a verdade da observação de Stevenson, não menos profunda
por óbvia que seja.

Tanto quanto (a literatura) imite de alguma forma, imita não a vida, mas a fala:
não os fatos do destino humano, mas as ênfases e supressões com que o ator
humano os conta. [A Humble Remonstrance.]

E assim mesmo o escritor, perante os seus leitores, vê-se na obrigação de manter


o máximo grau de comunicabilidade. Para o romancista, isso entrará em conflito com a
sua obrigação de revelar seus personagens de modo tão verdadeiro e significativo
quanto a linguagem possa permitir. Ele pode espaldar a sua primeira responsabilidade,
aquela com o seu leitor, da maneira mais fácil, reduzindo as experiências veiculadas às
mais simples; e trabalhando dentro das convenções verbais do seu tempo de tal modo
que as palavras e a sintaxe escolhidas são tidas por consenso comum como capazes de
representar um quadro verdadeiro da realidade. Mas essa saída chocar-se-á com a sua
segunda responsabilidade, aquela para com os seus personagens. O problema não é tão
agudo onde o diálogo é usado. A dificul|dade surge quando se trata de veicular as
experiências não verbais ou semiverbais dos personagens. Daí muitos dos experimentos
em linguagem que têm sido feitos com tanta frequência por romancistas modernos.”
(MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora
Globo, 1972, p. 169-170)

“a expressiva denominação de Dean Colet, é ‘lixeratura’;” (MENDILOW, A. O tempo e


o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 225)
“A maioria dos milhares de romances que pululam anualmente nas máquinas de
impressão pode ser dispensada como sendo coberta pela definição de um ponto
matemático: têm posição, mas nenhuma magnitude. São ersatz [equivalentes], imitações
baratas da coisa verdadeira, manufaturadas para preencher um mercado em expansão.
Mas dos que restam, quais manterão o seu interesse para as gerações futuras?”
(MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora
Globo, 1972, p. 225)

“A terrível verdade, fatal para o realismo em ficção, sugere que

A vida talvez não seja suscetível ao tratamento que lhe damos quando tentamos
contá-la. [WOOLF, V., The Waves, p. 292]

E assim o autor desiste de toda a pretensão de denotar essa atividade e, ao invés disso,
manipula o seu meio de modo a evocar o sentimento que temos dela.” (MENDILOW,
A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 251)

“Não se sustenta que se possa medir o valor de qualquer romance totalmente em termos
do sucesso com que nele seja tratado o element temporal. Há outros valores, talvez mais
importantes, que entram na criação de um grande romance.” (MENDILOW, A. O tempo
e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 263)

“o elemento temporal em ficção é da maior importância, e que em grande parte


determina a escolha e o tratamento do assunto por parte do autor, o modo pelo qual este
articula dispõe os elementos de sua narrativa e o modo como usa a linguagem para
expressar o seu senso do processo e do significado de viver.” (MENDILOW, A. O
tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 263)

“Já passou o tempo em que se podia entender que a técnica simplesmente signifique os
modos em que um dado conjunto de experiência pode ser organizado e manipulado para
obter-se o melhor proveito. É também o modo como a experiência não formulada se
separa e se realiza. O conteúdo de um romance poderia não se tornar ele mesmo sem a
técnica, e transforma-se no que é porque foi captado de um modo específico, o valor
artístico de um romance reside em grande parte em ser captado no único modo
inevitável. Uma outra técnica fá-lo-ia uma coisa diferente, outra, um conjunto de
experiências dife|rente. Todo o bom trabalho de ficção deve, como Coleridge diz do
bom poema, ‘conter em si a razão por que é assim, e não de outro modo’ [Biographia
Literaria, Cap. 14]. Esse princípio de unicidade implica que todo o trabalho de arte é
criado e deveria ser julgado segundo suas próprias regras: ele deve fazer crescer a sua
forma peculiar como o caracol faz com sua concha, e não como o caranguejo eremita
que se adapta à concha abandonada de uma outra criatura. Em efeito, esse princípio é
uma extensão de um outro dos ditos críticos de Coleridge, o de que

Quaisquer versos que possam ser traduzidos em outras palavras da mesma língua
sem diminuir seu significado, tanto em senso de associação como em qualquer
sentimento válido, são viciosos em sua expressão. [Ibid., Cap. I]

Neste sentido mais amplo, a técnica é tudo: envolve e classifica tudo aquilo que
entra na constituição de um romance. Há, pois, tantas técnicas quantos são os romances
vivos. Em verdade, não se deveria falar da técnica do romance, mas de técnicas de
romances. Um compromisso com a conveniência impõe-se, contudo, a cada crítico, e
este não pode evitar a necessidade de abstrair generalizações do material que critica.
Sejam quais forem as generalizações que aqui foram feitas, portanto, são dadas como
amplas aproximações e com uma sensação frustrante das suas limitações e
inadequações. Em particular, tratar um após o outro os vários aspectos da ficção, que
coexistem simultaneamente, é traçar linhas na água; quanto a isso, o crítico está sujeito
àquelas limitações da linguagem enquanto meio, que formam o principal problema do
romancista. De modo semelhante, são forçados a extrair de cada acorde um arpejo.”
(MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora
Globo, 1972, p. 263-264)

“Enquanto a pintura, a escultura ou a arquitetura são ares espaciais, a literatura, como a


música, é uma arte temporal, e como tal a sua forma e meio estão sujeitos aos três
grandes princípios do tempo: consecutividade, transitoriedade e irreversibilidade.
Romances, sinfonias ou dramas devem ter começos, meios e fins; as suas unidades,
sejam de que eventos ou palavras, melodias ou notas forem, devem ocorrer em alguma
sequência particular; não podem ser lidos ou tocados às avessas ou em qualquer outra
ordem que não seja a da progressão para a frente.
Contudo, a literatura difere da música, mesmo da música programática, por ser
uma arte temporal de representação; como tal, os seus temas são concernentes ao
processo de viver, a eventos que, sejam eles físicos ou mentais, procedem no tempo; a
personagens colocados no tempo e possuidores de um senso de tempo variável.
Todavia, a literatura difere em um aspecto importante das outras artes temporais de
representação tais como o ballet, o show de marionetes, o cinema mudo, mesmo em um
certo grau do cinema sonoro e da peça atuada. Estes outros podem apelar diretamente
aos sentidos sem qualquer mediação intermediária. A literatura, por outro lado, depende
inteiramente de um meio simbólico que permanece entre aquele que percebe e a coisa
percebida; depende da linguagem, e a linguagem é sujeita a convenções semânticas,
gramaticais e sintáticas, pois a expressão verbal é determinada por problemas temporais
como o da descontinuidade de palavras, a sequência única de palavras, as ordens e
relações de palavras aceitas por todos, etc.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance.
Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 265)

“Em toda a obra de arte há três fatores para se | levar em conta: o criador, a criação e o
recriador. Na ficção, o autor, o personagem e o leitor estão colocados, de modo
semelhante, cada um em sua própria série de tempo diferente, e dentro desta cada um
tem experiência de um senso particular de duração, que muda constantemente. A
relação entre essas séries pode estar implícita ou explícita, mas existe sempre, e
desempenha um certo papel em promover ou impedir a rapidez do leitor em identificar-
se com o personagem ou personagens dominantes. Esta identificação envolve uma
transferência imaginativa por parte do leitor, do passado ficcional em que o romance é
escrito, para um presente fictício. Conforme lê, tudo parece estar acontecendo, não
parece ter acontecido; tudo se dá na sua presença e em seu presente. O seu senso de ser
próprio Agora real é obliterado pelo Agora fictício do romance na proporção em que é
‘levado’ pela sua leitura. Para induzir tais efeitos, o romancista tem de desenvolver a
sensação de suspense através da variação de andamento e da seleção e organização dos
eventos que narra; tem de visar a produzir uma convincente ilusão da realidade, e isto,
por sua vez, depende da tensão entre os aspectos privados e os públicos da
comunicação. Para criar tal ilusão, pressupõe a aceitação anterior e tácita de numerosas
convenções, a maioria baseada em valores temporais; baseia-se em vários artifícios de
tempo — a troca-de-tempo, a técnica d corrente de consciência, o uso dramático da
ocasião discriminada — para superar as limitações de denotação e conotação de um
meio simbólico de representação, isto é, da linguagem.” (MENDILOW, A. O tempo e o
romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 265-266)

“A importância do elemento temporal na ficção cedo foi reconhecida pelos romancistas.


Exploraram as suas potencialidades para organizar padrões agradáveis, para construir
suspense e para suscitar a ilusão ficcional e a vraisemblance. Além disso, esclareceram
em observações críticas as teorias que embasavam ou se derivavam de sua prática.
O elemento temporal também impõe severas restrições à ficção e, avivando-se e
aprofundando-se o senso de tempo, che|gou-se a muitos experimentos com efeitos de
tempo extramediais; isto, por sua vez, encorajou a prática de novas teorias semânticas
que, muitos escritores sustentam, permitirão a expressão não mera ou mesmo
necessariamente de um realismo mais completo, mas de uma concepção de realidade
mais verdadeira.
É difícil dar uma definição aceitável por todos do romance propriamente dito.
Com muita facilidade as suas fronteiras se esfumam nas dos territórios adjacentes do
romance, da biografia, da autobiografia, da sátira, da alegoria e de outras formas de
literatura. Uma descrição completa, embora enfadonha, poderia ser:

O romance é uma narrativa fictícia em prosa que visa iluminar a experiência e o


comportamento humanos dentro das limitações impostas pelo meio da
linguagem e pelas necessidades de forma, através da maior aproximação
possível do que apreendemos como realidade. O teste do seu sucesso imediato é
o seu poder de evocar o sentimento do presente (em um duplo sentido) dentro
dessa realidade e sobre ela; isso presume que o leitor vá cooperar com o autor,
até o ponto de aceitar as convenções em que a realidade ilusória da ficção está
baseada, entregando-se à ‘suspensão voluntária da descrença’.
O seu valor mais permanente pode ser julgado primeiro pelo grau em que o
leitor discriminante sente a obra toda como símbolo de algo mais amplo e mais
profundo do que o tema real, algo que provoca nele as vibrações que investem o
problema humano particular tratado com uma significação universal; segundo,
se o leitor discriminante pode reconhecer, nas relações das partes umas com as
outras e no todo, algum princípio formal, subjacente, que corresponda de modo
tão íntimo à concepção do tema, que pareça inevitável. O tema, a forma e o meio
do romance deveriam ser somente três aspectos de algo que é uno e indivisível
— aquele intangível que nós podemos chamar de visão do autor.

Reivindica-se que o elemento temporal na ficção está relacionado intimamente a


essas três facetas, às convenções da ficção e à concepção de realidade. Compreender os
fatores de tempo | — as qualidades temporais inerentes à ficção — e os valores de
tempo — as qualidades temporais que o autor aplica à ficção — é um grande passo
adiante na direção de apreciar o sentido e a significância do romance. Em última
instância, ‘o tempo dirá’.” (MENDILOW, A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf.
Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 266-268)

Nota final (Dionísio de Oliveira Toledo)


“Afinal, a teoria da literatura não tem outro sentido senão o de desvelar o fenômeno
literário, que por sua vez traduz uma das tantas maneiras pelas quais o homem capta e
ordena o mundo. Por isso, as suas leis estão sujeitas, em múltiplos planos, ao estudo da
história, da sociologia, da psicologia, da linguística, etc. Vê-la, assim, é decifrar várias
dimensões da vida humana.” (TOLEDO apud MENDILOW, A. O tempo e o romance.
Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Editora Globo, 1972, p. 269)

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