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Guiné-Bissau, Macau e a China. Muita História, Pouco Desenvolvimento

Article · November 2013

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1 author:

Ivo Carneiro de Sousa


City University of Macau
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A história do país
independente que é
hoje a Guiné-Bissau
está largamente por
fazer. Muitos ma-
nuais e livros que se
querem de história
continuam a insis-
tir – mal e muito
fragmentariamente
– em sumariar com
excessiva brevidade
a história do país
como uma herança
ou legado coloniais
portugueses, vaza-
dos nessas listas de
nomes e datas em
que se confundem
navegadores com co-
merciantes, negrei-
ros com lançados,
portugueses com
outros europeus e
até africanos,
mais exploração mui-
ta para promessas
de civilização pou-
ca. Recorde-se que
a região litoral em
que hoje se encontra
a Guiné-Bissau foi
sendo identifica-
da e percorrida por
várias embarcações
portuguesas ainda na
década de 1440, vinte
anos antes da morte,
em 1460, do famoso e
muito mitificado in-
fante D. Henrique
que poderoso duque
de Viseu era, mas de
Sagres passou à
história que nos im-
punham sem reticên-
cias e quaisquer críti-
cas desde os bancos
das antigas escolas
primárias. Estas cos-
tas africanas have-
riam mesmo de rece-
ber a atenção de uma
crónica célebre, mas polémica, da autoria de
Gomes Eanes de Zurara que, intitulada Cró-
nica do Descobrimento e Conquista da Gui-
né (em versões mais recentes, Crónica dos
Feitos da Guiné), é arranjadamente res-
ponsável por vazar em exclusividade

lusofonias
nº 19 | 18 de Novembro de 2013

Este suplemento é parte integrante


do Jornal Tribuna de Macau e não
pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO:
Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS:

Guiné-Bissau:
• Crises recenetes
e uma longa história por contar
• Macau e Guiné-Bissau:
um longa história entres
escravos e arroz
• O Reconhecimento da
República Popular da China
e a transferência para Taiwan

Macau China
e
• As relações actuais entre a
China e a Guiné-Bissau: pouco

a
comércio, investimento limitado
e cooperação generosa
• i ka ten problema (não tem
problema)

Dia 25 de Novembro:
Aquilino Ribeiro:
no centenário de

história,
O Jardim das Tormentas

APOIO:
muita
pouco
desenvolvimento
Guiné-Bissau, Macau
que, em 1753, originou nova capitania, mas já
em período de progressiva presença francesa na
região. Meio século decorrido, também o Reino
Unido procurava instalar-se pela Guiné, reivin-
ea
China: muitas histórias, dicando a tutela sobre a ilha de Bolama, o arqui-
pélago dos Bijagós e o litoral de Buba. Apenas
tardiamente, em 1870, com a inetermediação
diplomática do Presidente dos Estados Unidos,

pouco desenvolvimento Ulysses Grant, os britânicos desistiram das suas


pretensões coloniais sobre Bolama, outras ilhas
e costas guineenses. O que obrigou à separa-
ção administrativa da Guiné de Cabo Verde, em
1879, pretensão colonial portuguesa consagrada
não sem oposição na famosa conferência de Ber-
lim (1884-85), prelúdio do acordo Luso-Francês
de 1886 em que foi trocada a anterior tutela
Ivo Carneiro de Sousa portuguesa na região de Casamansa pela ce-
dência francesa da região de Cacine, no sul da
Guiné-Bissau. Acordo considerado infamante em

A história do país independente que é hoje a todos os rios africanos eram afluentes do Nilo, Lisboa, criticado pelo republicanismo nascente,
Guiné-Bissau está largamente por fazer. Mui- cortando a África de Norte a Sul a partir das suas suscitando mesmo a única intervenção crítica
tos manuais e livros que se querem de história fontes nas chamadas montanhas da Lua. Apesar conhecida de Alexandre Herculano durante o
continuam a insistir – mal e muito fragmentaria- dos textos e mapas trazidos da Itália por D. Pe- curto período de tempo em que foi deputado às
mente – em sumariar com excessiva brevidade dro, testemunhando o influxo de saber oriental, Cortes da monarquia constitucional.
a história do país como uma herança ou legado colocarem muitas dúvidas à ciência ptolomaica, Estes acordos, conferências coloniais e afins
coloniais portugueses, vazados nessas listas de incluindo a sua crença de que o Índico era um tinham naturalmente muito pouco a ver com as
nomes e datas em que se confundem navegado- oceano fechado e as zonas equatoriais inabita- populações locais e o seu efectivo domínio que
res com comerciantes, negreiros com lançados, das, a ciência náutica reunida pelo infante D. a fragmentária presença portuguesa pela Gui-
portugueses com outros europeus e até africa- Henrique continuava tão agarrada ao que se co- né demorou décadas a consolidar política e ad-
nos, mais exploração muita para promessas de nhecia da geografia de Ptolomeu como a vários ministrativamente. As campanhas militares su-
civilização pouca. Recorde-se que a região li- mitos medievais. cederam-se tanto
toral em que hoje se encontra a Guiné-Bissau Em termos mais como os elogiados
foi sendo identificada e percorrida por várias precisos, felizmen- heróis coloniais da
embarcações portuguesas ainda na década de te, a crónica oficial (...) Escravos negros foram propagação da ci-
1440, vinte anos antes da morte, em 1460, do de Zurara esclarece
famoso e muito mitificado infante D. Henrique terem sido os rios
de imediato comprados a vilização ocidental
como João Teixeira
que poderoso duque de Viseu era, mas de Sa- da Guiné e as ilhas traficantes muçulmanos, Pinto e o seu nati-
gres passou à história que nos impunham sem de Cabo Verde os vo ajudante Abdul 
reticências e quaisquer críticas desde os ban- primeiros espaços enquanto intérpretes Indjai, seu auxi-
cos das antigas escolas primárias. Estas costas de frequência eco-
africanas haveriam mesmo de receber a atenção nómica portuguesa
e escribas locais foram liar e aliado, logo
a seguir revoltado
de uma crónica célebre, mas polémica, da au- em busca na costa forçados a trabalhar para as e preso, episódio
toria de Gomes Eanes de Zurara que, intitulada ocidental africana dessas estratégias
Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné de ouro, escravos e, aventuras dos tratos lusos. do dividir para rei-
(em versões mais recentes, Crónica dos Feitos mais importante ain-
da Guiné), é arranjadamente responsável por da, intérpretes al-
Alguns régulos locais foram nar com que o co-
lonialismo europeu
vazar em exclusividade os chamados primeiros fabetizados capazes convertidos ao cristianismo, por toda a África
descobrimentos portugueses na figura tutelar de se exprimirem em inventou, mani-
do infante D. Henrique, assim marginalizando árabe e nas línguas firmando alianças com os pulou e excitou
vários outros protagonistas grupais e individuais de comércio local
coevos, incluindo o seu malogrado irmão, esse designados na cróni-
portugueses com quem dramaticamente
divisões e afron-
infante D. Pedro derrotado na tristemente céle- ca de Zurara por tur- intermediavam o comércio tamentos étnicos.
bre batalha de Alfarrobeira, mas responsável por gimãos. Assim, por Tão tarde como em
trazer para Portugal conhecimentos, geografias 1446, Nuno Tristão, escravista(...) 1936, a revolta dos
e cartografias do Renascimento sem os quais pa- morto em rio gui- bijagós de Canha-
rece mais difícil organizar as viagens marítimas neense, Álvaro Fer- baque continuava a
que exigiam ciências e técnicas sérias. A crónica nandes, Diogo Gomes e Cadamosto exploraram ilustrar as dificuldades muitas da efectiva domi-
de Zurara, descontado o exagerado panegírico sistematicamente as regiões costeiras e fluviais nação colonial portuguesa por terras da Guiné.
encomendado do infante D. Henrique, descre- da Guiné. Escravos negros foram de imediato Tiveram de se fazer, como convinha, entre 1925
ve pormenorizadamente a chegada de explo- comprados a traficantes muçulmanos, enquan- e 1940, as primeiras obras de fomento primá-
radores e embarcações portugueses às regiões to intérpretes e escribas locais foram forçados rio com a abertura de algumas estradas, pontes
da Senegâmbia na década de 1440, incluindo a a trabalhar para as aventuras dos tratos lusos. e cais no que então se consagrava como Guiné
identificação do grande rio Senegal, longo de Alguns régulos locais foram convertidos ao cris- Portuguesa, ao mesmo tempo que se entregava
quase 1800km. Um achamento que parece ter tianismo, firmando alianças com os portugueses a maior parte do seu comércio interno e exter-
excitado o próprio infante que logo modificou com quem intermediavam o comércio escravis- no, largamente centrado no amendoim, à pode-
a iconografia da sua famosa divisa do “talant ta. Apesar destas aventuras ainda quatrocen- rosa CUF através da Casa Gouveia instalada em
de bien faire” com a inclusão de duas vistosas tistas, a instalação lusa em solo da Guiné faz- Bissau. O que obrigou, desde 1941, a sediar por
pirâmides. D. Henrique e os servidores da sua -se muito mais tarde em plena monarquia dual aqui a capital da colónia em detrimento de Bo-
opulenta casa ducal, detentora de ricos mono- filipina, no Cacheu, à roda de 1588, por aí se lama. Nove anos mais tarde, em 1950, organiza-
pólios nas pescas, no sal, no sabão e no comér- erguendo uma fortaleza para apoiar o trato de -se um muito precário censo de populações em
cio ultramarino, acreditavam que, alcançado o escravos, sendo preciso aguardar por 1630 para constante movimento e normalmente fugidias
rio Senegal, estavam abertas as portas para se se organizar uma primeira capitania largamen- de tentativas de controlo demográfico e fiscais.
chegar ao Nilo e às especiarias orientais distri- te responsável pela fixação comercial em Farim Apuraram-se então 512.255 residentes, mas
buídas a partir do Cairo para as grandes cidades e Ziguinchor, mais a circulação na foz do Casa- apenas 8320 conseguiram chegar à categoria de
italianas que, depois, as vendiam mais do que mansa, Geba e Buda. O comércio de escravos civilizados (2273 brancos, 4568 mestiços, 1478
lucrativamente nos vários mercados europeus. permanecia o motivo principal destes esforços, negros e 11 indianos), mas entre os quais 3824
O infante e os seus continuavam a acreditar apoiados a seguir com a edificação de uma for- eram analfabetos (541 brancos, 2311 mestiços e
na vetusta geografia ptolomaica ensinando que taleza em Bissau, pelos finais do século XVII 772 negros).

LUSOFONIAS - SUPLEMENTO DE CULTURA E REFLEXÃO


Propriedade Tribuna de Macau, Empresa Jor­na­lística e Editorial, S.A.R.L. | Administração e Director José Rocha Dinis | Director Executivo Editorial Sérgio Terra | Coordenação Ivo Carneiro de Sousa | Grafismo
Suzana Tôrres | Serviços Administrativos Joana Chói | Impressão Tipografia Welfare, Ltd | Administração, Direcção e Redacção Calçada do Tronco Velho, Edifício Dr. Caetano Soares, Nos4, 4A, 4B - Macau • Caixa
Postal (P.O. Box): 3003 • Telefone: (853) 28378057 • Fax: (853) 28337305 • Email: lusofoniasjtm@yahoo.com

II Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013 • LUSOFONIAS


lusofonias
recentes Crises
e uma longa história por contar

N estes horizontes cronológicos,


a história da Guiné-Bissau es-
tava próxima de se precipitar ra-
pendente. O preciso ano em que o
país recebeu a indesejável classifi-
cação de primeira nação africana
Guiné-Bissau de muito mais longa
duração quase completamente por
contar. Muito mais influente tam-
local, anterior à expansão mandin-
ga, reunindo Balantas, Manjacos,
Beafadas, Felupes e outros grupos
pidamente: provavelmente a 19 de de narco-tráfico pelos EUA que dei- bém nas línguas, culturas, etnici- menores, praticamente já sem ex-
Setembro (a data exacta ainda é xaram desde 1999 de ter qualquer dades persistentes e formas tra- pressão linguística presente. As es-
discutida...) de 1956, o engenheiro representação diplomática em Bis- dicionais de pensar e fazer que as tatísticas étnicas são difíceis hoje,
que tinha feito o levantamento agrí- sau. Quatro anos de instabilidade elites políticas tendem a esquecer facilmente manipuláveis e deixa-
cola da Guiné, Amílcar Cabral, pro- depois, em 2009, seguiram-se os na sua imbecil sede de poder, pri- ram de se fundar em estudos sérios
moveu a conhecida criação do Parti- assassinatos com algumas horas de vilégios, compadrios, rivalidades, que, em rigor, pouco se fizeram no
do Africano da Independência (PAI), intervalo do Chefe de Estado Maior protagonismos. Ao longo do século período colonial: os Balantas po-
prolegómeno do PAIGC. Goradas das Forças Armadas, Tagme na XIII, a região guineense recebe emi- dem representar 27% a 30% da po-
quaisquer negociações com o gover- Waie, e do Presidente da Repúbli- grantes naulu e landurna, oriundos pulação total da Guiné-Bissau; os
no colonial em Bissau e Lisboa, a 23 ca Nino Vieira. Por fim, regressado do decadente império Gana. No Fulas cerca de 20-23%; os Mandin-
de Janeiro de 1963 com o ataque à Presidência e ao governo do país século seguinte, estes territórios gas valem talvez 12-13%; os Man-
ao quartel de Tite, no Sul da Guiné, encontravam-se já na órbita de in- jacos 11-12%; os Papéis 7-10%; os
começava para ficar a luta armada. fluência do imperador Mandinga do Felupes não mais de 2%, a que se
Onze anos de luta de libertação de- Mali, o “mandimansa” de crónicas somam muitas outras comunida-
pois, a 24 de Setembro de 1973, em e documentos portugueses. Um im- des étnicas menos expressivas, dos
Madina do Boé, o PAIGC declarou pério cerzindo diversas etnicida- Macanhas aos vários agrupamentos
unilateralmente a independência des e variadas comunidades, mas de Bijagós, mesmo assim podendo
da Guiné-Bissau, depois reconheci- escorado em abundante comér- chegar a 15% da população. Escora-
da por Portugal após a revolução do cio. Assim o reconhecia, em 1594, das nestas etnicidades, as religiões
25 de Abril de 1974. esse importante Tratado dos Rios locais de forte matriz comunitária
A história política recente do da Guiné, da autoria de André de e folclórica permanecem maioritá-
novo país independente de língua Almada: “estes mercadores... vão rias, mobilizando mais de metade
oficial portuguesa é ainda menos por ordem de um imperador negro, da população, muitas vezes mistu-
recomendável. Desde o famoso a quem todos os negros deste Gui- rando-se com o islamismo que con-
movimento reajustador, em 1980, né de que tratamos dão obediên- voca mais de 41% dos guineenses,
depondo e prendendo o presiden- João Bernardo Nino Vieira cia, que se chama o Mandimança, enquanto os que se declaram ca-
te Luís Cabral, dando o poder a um não visto até hoje de nenhum dos tólicos ou cristãos de várias profis-
Conselho de Revolução liderado por em eleições democráticas, o PAIGC nossos. E tanto que nomeiam este sões se situam entre 5 a 10%, assim
João Bernardo Nino Vieira, a paz e volta a ser afastado de forma anti- nome logo se descobrem todos os embaraçando as teorias do legado
o desenvolvimernto não chegaram, -constitucional do poder por um negros que o ouvem nomear, tão colonial português. Que ainda mais
mas os golpes e contra-golpes suce- golpe militar a 12 de Abril de 2012, obedecido é.” Na verdade, nos es- se embaraça quando se chega à
deram-se a um ritmo impressionan- visando o primeiro-ministro e can- paços ao sul da Senegâmbia, a lín- língua. Apesar de língua oficial e
te. Em 1983, descobre-se a alegada didato presidencial Carlos Gomes gua e cultura mandingas foram-se de ensino, o português continua
tentativa de golpe do primeiro-mi- Júnior. Vive-se agora um período historicamente impondo através de a ser linguagem veicular de uma
nistro Victor Saúde Maria; segue-se, com um Presidente e Governo cha- migrações, comunicações comer- minoria administrativa e urbana,
em 1985, a de Paulo Correia, antigo mados de transição, mandatados ciais e difusão de práticas culturais cerca de 13% da população, en-
comandante das forças armadas e por um ano para organizarem elei- diversas. Um comércio intercam- quanto o crioulo (melhor, os vá-
ministro da Justiça de Nino Vieira; ções. Um ano já muito exorbitado biando sal, ouro, têxteis e grande rios crioulos...) se foi encostando
a ameaça de golpe de João da Costa como a acção destes poderes de quantidade de escravos, o que le- aos dialectos locais, sendo língua
ocorre em 1993; muitos prelúdios transição, nomeando embaixado- vou à instalação de comerciantes praticamente franca chegando a
da guerra civil que estala a 7 de Ju- res, cônsules, altos funcionários e mandingas ao longo do vale do rio quase todas as tabancas, nomea-
nho de 1998, levando o Presidente chefias militares ao arrepio de um Geba, a seguir nessas outras redes damente entre os jovens que o uti-
Nino a chamar tropas do Senegal e mínimo de consenso e constitucio- fluviais e ilhas costeiras em que, lizam como comunicação, canção,
da Guiné-Conacri que deixaram o nalidade. A acção da ONU, da União mais tarde, comerciantes portu- recreio, por vezes até rádio, mais
pior rasto de destruição pelo país. Africana, e da União Europeia, da gueses carregavam escravos e rap- recentemente instrumento de re-
Derrotado Nino Vieira e exilado em comunidade dos países da África tavam intérpretes islamizados que des sociais, blogs e afins.
Portugal, as eleições que se segui- Ocidental, a CEDEAO, mais a tímida se levariam longe até aos tráficos Para uma verdadeira história da
ram trouxeram originalmente ao CPLP não tem sido suficientemente das especiarias do Índico. Guiné-Bissau falta, assim, quase
poder o Partido da Renovação So- coordenada para resolver uma cri- Legado de um processo de longa tudo, incluindo investigações rigo-
cial (PRS), sendo o seu líder, Kumba se que agora parece beneficiar da duração, o mosaico étnico que ain- rosas sobre as suas funções nesse
Yala, eleito em para Presidente nas sabedoria do antigo Presidente de da é actualmente a Guiné-Bissau império marítimo português como
eleições gerais de 2000. Em 2003, Timor-Leste e Prémio Nobel da Paz, aguarda investigações rigorosas bem lhe chamava Charles Boxer. É
foi destituído por um novo golpe Dr. Ramos Horta, enquanto envia- cruzando antropologia e história que as relações das terras e gentes
de estado militar. Depois de um pe- do especial do secretário-geral das profissionais. A dispersão étnica da Guiné chegaram longe através da
ríodo complicado de transição, em Nações Unidas. A ver vamos se as desvenda influências sahelianas, carreira da Índia até Macau. Parado-
2004, o PAIGC regressa ao poder e prometidas eleições, recentemen- nomeadamente entre os Fulas, xalmente (ou talvez não...) é entre
as eleições que tiveram lugar em te adiadas, se poderão concretizar sahelo-sudanesas entre os Man- escravos, presídios, exilados e arroz
2005 trouxeram de volta o antigo nos inícios de 2014. dingas e Jalofos, mesmo culturas que se descobre documentamente
presidente Nino Vieira, vencedor Falta (certamente para me- sudanesas entre os Padjadingas e uma demorada relação histórica en-
do escrutínio como candidato inde- lhor...) convocar essa história da os Tandas, para além de um puzzle tre Macau e a Guiné-Bissau.

lusofonias LUSOFONIAS • Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013 III


Macau e Guiné-Bissau: O
uma longa história entre escravos e arroz

O s escravos negros das regiões da Gui-


né foram chegando aos vários en-
claves portugueses na Ásia, incluindo a
escravos da Guiné aparecem ainda docu-
mentados noutro acontecimento excep-
cional que abalou a harmonia do enclave D eve somar-se a estas ainda pouco
estudadas relações históricas entre
ção do 25 de Abr
português da inde
península de Macau por onde se foram português: em 1786, ocorre uma revolta Macau e a Guiné-Bissau, essas outras co- China passou, de
instalando lucrativamente muitos por- violenta de escravos que sacudiu a cida- municações solidárias que se foram esta- alguns programas
tugueses e euroasiáticos entre 1553 e de e ocupou uma das suas embarcações. belecendo cedo entre a República Popu- novo país soberan
1557. A testamentaria dos comerciantes Os escravos seriam atacados e presos já lar da China e o movimento de liberta- ção do Estádio Na
mais abastados de Macau, mas também en plena fuga marítima por navios mili- ção anti-colonial da Guiné e Cabo Verde. Bissau e da Estaç
portugueses menos enriquecidos cujos tares chineses, entregues às autoridades Assim, o PAIGC encontrou desde a sua nologia Cereal, pa
processos de heranças corriam pelo Juízo de Macau que os julgaram e condenaram fundação na República Popular da China algumas equipas d
dos Orfãos, vai descrevendo desde 1590 com severidade. A documentação oficial apoio importante antes ainda do início da créditos.
a generosa presença de muitos escravos disponível acusa escravos da Guiné e de luta armada de libertação, em 1963. Na Esta cooperaçã
designados por cafres, vindos da África Timor de terem incitado a rebelião. Es- verdade, em Agosto de 1960, Amílcar Ca- muito limitada,
Oriental e Ocidental. Gente sem direito, tes motins sobretudo de escravos africa- bral visitou oficialmente a RPC liderando uma viragem na p
comprada, trocada e herdada como mer- nos contra escravos de diferentes pro- uma delegação do PAIGC em que se iden- governo guineens
cadoria, esta escravatura africana em veniências, de escravos contra chineses tificavam também Luciano Ndao, Richard responsáveis chin
Macau é de difícil caracterização geográ- instalados ou em circulação por Macau Turpin e Dauda Bangurá. Reconhecido e 1990, a Guiné-Bis
fica e étnica. Existe, felizmente (ou in- eram frequentes, fonte de preocupação, apoiado pelo Partido Comunista chinês, lecimento de rela
felizmente...) um desses acontecimentos embaraços e insegurança. Em resultado, vários militantes do PAIGC receberam Taiwan (o cheque
magnos na história da presença portugue- os escravos africanos vindos da Guiné e treino militar em Pequim e Nanquim, in- Imediatamente, a
sa em Macau em que a informação do- de Moçambique eram os mais caros tanto cluindo o futuro Presidente Nino Vieira. cancelou as relaç
cumental sobre os escravos africanos se como temidos e procurados na protecção Por isso, a RPC estabeleceu relações di- a cooperação e aj
torna muita mais precisa: a tentativa de da cidade cristã de Macau e dos seus po- plomáticas com a Guiné-Bissau ainda a 15 sua Embaixada e r
invasão holandesa do enclave, em 1622. derosos senadores. de Março de 1974, antes ainda da revolu- A cooperação
Processo, porém, ainda difícil de escla- As relações históricas entre Macau e a
recer rigorosamente e a pedir investiga- Guiné-Bissau alimentam-se depois, desde
ção criteriosa capaz de cruzar as várias as primeiras décadas do século XIX, com
fontes e relatos divergentes do aconte- movimentos de pessoas de sentido contrá-
cimento. Com efeito, chegaram até nós, rio: chineses presos em Macau, condena-

As
pelo menos, quatro versões diferentes do dos ao exílio em presídios guineenses. Os
ataque holandês a Macau: os relatos pro-
pagados pelos jesuítas, a informação do
primeiros três chineses de Macau presos
por crimes de ofensas corporais enviados relações actuais
pouco comércio, inv
capitão-geral, as queixas dos grandes co- para a Guiné documentam-se em 1822,
merciantes que dominavam o Leal Sena- depois encontrando-se notícias mais re-
do e o muito detalhado relatório da Com- gulares. Algumas com impacto económi-
panhia Holandesa das Índias Orientais, co na Guiné. Assim, o Anuário da Guiné
a célebre VOC que financiou a frustrada Portuguesa, do ano de 1948, conta por-
investida contra o estabelecimento por-
tuguês no Delta do Rio das Pérolas. Fun-
dada em 1602, primeiro exemplo, segun-
menorizadamente a introdução do cultivo
e comercialização do arroz na Guiné por
dois chineses presos em Macau. Chamados
A pesar dos muitos riscos políticos, económicos e sociais que
infelizmente o presente da Guiné-Bissau, a China tem p
ampliar a sua relação comercial e, sobretudo, a expressão qua
do Marx, de uma grande empresa capita- Alassam e Catcham, chegaram ao porto de e qualitativa da sua cooperação num período em que, após
lista, a VOC era companhia com muitos Bolama vindos de Macau em 1902, presos anti-constitucional de 2012, depondo um governo democrati
accionistas e capitais privados, muitas e exilados, acusados de homicídio e (qua- eleito, o país africano de língua oficial portuguesa cavou ai
embarcações e abundantes mercenários se se adivinhava...) jogo clandestino. Os fundo o seu isolamento internacional e sentiu a pressão asfixi
dos vários cantos da Europa. Estava, por dois andaram depois pelos matos de Tom- bretudo dos EUA, na identificação e captura dos principais r
isso, obrigada a relatar com o máximo bali, fixaram-se em Catió, começaram a veis que, nas forças armadas e no estado, precipitaram o terr
detalhe investimentos, lucros, activida- cultivar arroz e rapidamente a vendê-lo plataforma giratória do narco-tráfico. A detenção pelos EUA d
des comerciais e, naturalmente, sem- nos mercados de Bolama e Bissau. chefe da Marinha da Guiné-Bissau, Bubo Na Tchuto, no início
pre que ocorriam, prejuízos. O malogra- O envio destes chineses indesejáveis deste ano em águas internacionais é mesmo mais do que u
do ataque a Macau deixou a companhia em Macau para as colónias portuguesas era Uma situação que, ao contrário do que muitas vezes se insinu
com perdas significativas, o que implicou processo recorrente e geral. Chegou mes- cupa também a China que experimentou problema semelha
relatório pormenorizado, identificando mo a suscitar reflexões mercantilistas so- atrás em Myanmar, logo colaborando no desenvolvimento da s
mesmo os responsáveis pela mal sucedida bre a utilidade do seu uso no fomento agrí- de narco-tráficos que ameaçavam as suas próprias fronteiras.
acção. Assim, cruzando as quatro versões cola e industrial colonial. Figura poderosa Seja como for, os volumes dos intercâmbios comerciais b
actualmente disponíveis, com a excepção e dominante das duas primeiras décadas do entre a China e a Guiné-Bissau são ainda, desde 2003, tão
do relato pouco verosímil dos jesuítas, século XIX macaense, o muito conservador como extremamente favoráveis às exportações da RPC. Assim,
todas as outras três referem com diferen- ouvidor Manuel de Arriaga chegou a escre- ano, o comércio bilateral chegava a inexpressivos 1,2 milhõe
tes acentos a participação aguerrida de ver sobre as vantagens de introduzir a plan- lares, descendo em 2004 para pouco mais de 600 mil, descen
escravos africanos nos combates que, em tação de ópio na Guiné e em São Tomé. O mais em 2005 para 579 mil e, em 2006, para 568 mil, subind
terra, desbarataram a invasão holandesa. seu dedicado amigo e apoiante, o coronel mente em 2007 para 745 mil, saltando significativamente em 2
A versão muito detalhada da VOC vai mais de artilharia José Aquino de Guimarães e muito escassos 2,4 milhes de dólares. Em 2010, as relações co
longe e atribui a derrota das suas orga- Freitas, antigo governador de Minas Gerais bilaterais continuavam ainda mais do que limitadas: as exp
nizadas hostes à ferocidade dos escravos e reformador militar das esparsas tropas da Guiné-Bissau para a China valeram 3.438.284 de dólares (
africanos que, embriagados e drogados macaenses, deixou-nos na sua Memória so- total), enquanto as importações representaram o triplo cheg
pelos portugueses, lutavam como ani- bre o território, impressa em Coimbra, em 9.415.767 de dólares. Em 2011, o comércio bilateral foi apr
mais selvagens, destacando-se na versão 1828, um conjunto de propostas para o de- mente de 17 milhões de dólares americanos, com exportações
holandesa os ferozes fulas da Guiné. Em senvolvimento comercial de todas as coló- no valor de 13 milhões de dólares americanos e as importaçõe
consequência, nos dois séculos seguin- nias portuguesas que, através de uma com- né a ficarem-se por 4 milhões. Tendência alargada no ano pas
tes, as várias milícias privadas da grande panhia sediada em Macau, incluía a Guiné, 2012, quando o comércio bilateral se situou em cerca de 22,5
burguesia mercantil de Macau passaram propondo-se a introdução e exploração do de dólares, mas com as exportações guineenses a ficarem-se
a preferir associar escravos guineenses algodão em terras guineenses para que pu- co mais de 1,5 milhões. Em termos gerais, a China exporta p
e macondes do Norte de Moçambique na desse vender-se nos mercados da Ásia e, mente cereais, manufacturas têxteis, motores, veículos de du
vigilância das suas casas, barcos, viagens com a intermediação de Macau, nos mer- e produtos mecánicos e eléctricos, importando quase exclusi
marítimas e negócios que se estendiam cados chineses. Um veradadeiro Fórum de castanha de caju, apesar de ter isentado 442 produtos agríc
do Sudeste Asiático ao Oceano Índico. Os Macau com quase dois séculos de avanço. neenses de taxas de exportação. Interesses e volumes comerci

IV Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013 • LUSOFONIAS


lusofo
O Reconhecimento da República Popular da China
e a transferência para Taiwan
ril e do reconhecimento pé encontram-se por estudar e desfibrar, Depois do corte do Senegal com Taipé, em acordos de cooperação, visitas mútuas de
ependência guineense. A tendo-se mesmo tornado tema ocultado 2005, actualmente apenas quatro países responsáveis estatais e o reconhecimento
imediato, a concretizar num país que hoje procura ampliar as africanos continuam a manter relações fundamental pela Guiné-Bissau, em Julho
s de cooperação com o relações económicas e comerciais com a diplomáticas com Taiwan, incluindo São de 2006, do princípio de uma só China, no
no, ajudando na edifica- China, parceiro mais do que indispensá- Tomé e Príncipe, assim impedindo a sua preciso ano em que o antigo Presidente
acional, do Hospital de vel do desenvolvimento africano. Sabe- integração no Fórum de Macau. Nino Vieira participava em Pequim no de-
ção de Extensão da Tec- -se que Taiwan enviou também equipas A partir da fundação deste nosso Fó- cisivo Fórum China-África (FOCAC).
ara além de ter enviado sanitárias e técnicos agrícolas para a rum para a Cooperação Económica e
de médicos e concedido Guiné-Bissau, libertando algumas verbas Comercial entre a China e os Países de
de que se desconhece o volume. Durou Língua oficial portuguesa, recentemente
ão solidária, mas ainda oito anos. A 23 de Abril de 1998, a Guiné- saído de Macau com sucesso e, espera-
seria interrompida por -Bissau resolveu restabelecer as relações -se, renovado vigor da sua IV Conferên-
política internacional do diplomáticas com a RPC, cortando defi- cia Ministerial, as relações comerciais
se que chocou fundo os nitivamente com Taiwan que, nesse pre- bilaterais entre a Guiné-Bissau têm vindo
neses: a 26 de Maio de ciso ano, perdeu o seu mais significativo timidamente a melhorar, acompanhadas
ssau anunciou o estabe- apoio no continente africano: o Presiden- de alguns investimentos, várias promes-
ações diplomáticas com te democraticamente eleito da África do sas de apoio ainda por concretizar e uma
e parecia compensar...). Sul, Nelson Mandela, decidiu inaugurar generosa cooperação concorrendo para a
a 31 de Maio, a China relações diplomáticas com a República edificação de alguns dos mais importan-
ções diplomáticas, toda Popular da China. Nos anos seguintes, a tes edifícios governamentais e públicos
juda ao país, fechando a maior parte dos países africanos que ain- do país. Um processo a procurar seguida-
retirando cooperantes. da apoiava Taiwan foi-se passando para o mente captar nas suas cifras e significados
e apoios vindos de Tai- mais abrigado e promissor lado da RPC. principais apoiado na assinatura de vários

s entre a China e a Guiné-Bissau:


vestimento limitado e cooperação generosa
e pautam cano; 15 técnicos
procurado agrícolas chineses
antitativa procuram desen-
s o golpe volver em Bafa-
icamente tá, Oio e Cabu o
inda mais cultivo de arroz
iante, so- híbrido, a que se
responsá- devem somar vá-
ritório em rias outras aju-
do antigo das na doação de
o de Abril medicamentos,
um aviso. equipamentos,
ua, preo- arroz no volume
ante anos de 2000 tonela-
supressão das ou mesmo,
. em 2005, 1,2 mi-
bilaterais lhões de dólares
limitados para ajudar o go-
, naquele verno de Bissau a
es de dó- receber a cimeira
ndo ainda da CPLP. No en-
do ligeira- tanto, como nou-
2009 para tros países africa-
omerciais nos, incluindo os
portações muito marginais, conquanto exista naturalmente interesse da RPC nas de oficial expressão portuguesa, a cooperação chinesa na Guiné-Bissau
(3.70% do anunciadas (na verdade, desde o período colonial) ricas reservas de sobressai pela construção de edificíos e estruturas mais do que neces-
gando aos petróleo na zona marítima exclusiva da Guiné-Bissau, longe de rigo- sárias. Assim, a RPC ergueu em Bissau o grande palácio da Assembleia
roximada- rosamente identificadas e, muito menos, materializadas. Muito mais Nacional Popular, o palácio governamental, reabilitou também o pa-
s chinesas concreta é a presença da frota pesqueira chinesa nas águas ricas da lácio presidencial muito destruído durante a guerra civil, recuperou e
es da Gui- Guiné-Bissau: em 2006, o governo guineense foi o primeiro a assinar ampliou o Hospital regional de Canchungo, construiu residências para
ssado, em com a RPC um acordo de pesca em águas profundas abrindo a porta da os ex-combatentes, ofereceu uma Escola de Amizade Sino-Guineense
5 milhões sua Zona Económica Exclusiva aos actuais 20 barcos chineses da pode- e voltou a reabilitar o Estádio Nacional de Bissau erguido ainda duran-
por pou- rosa China Fisheries Corporation. te os primeiros anos de independência. Em contraste, a presença de
principal- Com este modelo de comércio muito limitado e desigual, a coopera- firmas chinesas é limitada a umas cinco dezenas de lojas de retalho,
uas rodas ção chinesa na Guiné-Bissau não funciona exclusivamente como suporte muitas com ligações a Portugal. Mais expressivos têm sido os esforços
ivamente comercial, expressando sincera ajuda. Um pouco mais de 100 estudan- de investimento da GeoCapital, com sede em Macau, sobretudo com
colas gui- tes guineenses beneficiaram de bolsas para frequentarem universida- a aquisição do guineense Banco da África Ocidental. O que se espera
iais ainda des chinesas; 13 cooperantes médicos continuam activos no país afri- poder constituir exemplo para outros investimentos macaenses.

onias LUSOFONIAS • Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013 V


i ka ten problema
(não tem problema)

Q uando se percorre a Guiné-Bissau e se fala


com os cidadãos comuns, é frequente ouvir-
-se, apesar da muita pobreza, dos problemas gra-
que a maior parte afundou-se depressa. Alguns
investimentos industriais exagerados não as-
sentaram em mão-de-obra preparada e capitais
económico, pobreza muita e Estado de Direito
mais do que pouco: a taxa de mortalidade in-
fantil de 130 por mil é das piores do mundo, a
ves e de um desenvolvimento continuadamente suficientes para adquirir matérias-primas, pelo esperança de vida queda-se pelos 49 anos e o PIB
adiado, a expressão largamente partilhada: i ka que naufragaram também rápido. O desenvolvi- per capita situa-se em miseráveis 200 dólares
ten problema. Em alguns casos, sobretudo em mento agrícola foi esquecido, tornou-se menos anuais. Por isso, agora, desde 28 de Setembro
Bissau e noutras cidades, pode mesmo encon- diversificado, agora praticamente assentando na escola e aulas não há na Guiné-Bissau: os profes-
trar-se alguém capaz de se expressar razoavel- produção dominante da castanha de caju, uma sores continuam em greve à espera que alguém
mente em lusa linguagem para nos dizer “que espécie de monocultura sujeita a jogos comer- lhes pague os devidos ordenados.
no tempo dos portugueses estava-se melhor”. ciais monopolistas. O sistema fiscal não foi or- A situação política não ajuda com a sua adia-
No entanto, significativamente, nunca encon- ganizado, obrigando o país a viver nos primeiros da transição. O primeiro-ministro deposto no
trei rigorosamente um único destes guineenses anos de independência de constantes emissões golpe de 2012, Carlos Gomes Jr., anunciou a sua
que quisesse voltar a ser candidatura às elei-
português ou a ver o seu ções presidenciais,
país orgulhosamente in- sendo mais do que
dependente a regressar provável o regresso
ao domínio de Portugal. habitual do PAIGC
Têm razão, mais ain- ao poder presiden-
da quando insistem no cial e governamen-
“não tem problema”. Ao tal. Pedir-se-á (fica
contrário do que muitas mal a um estrangei-
vezes se diz e escreve, ro exigir, conquan-
a Guiné-Bissau não é to, como se sabe, os
nem um país pequeno, organismos interna-
nem muito menos pobre cionais o façam...),
(em rigor, a esmagado- então, juízo e con-
ra maioria das pessoas tenção, unidade e
é que são pobres...), inclusão, mobilizan-
apesar de se encontrar do competências
nas piores classificações mais do que as habi-
em todos os índices in- tuais clientelas par-
ternacionais de desen- tidárias. Mas pede-
volvimento: possui uma -se, principalmente,
generosa rede hidrográ- um novo modelo de
fica, extraordinária co- desenvolvimento
bertura vegetal, poten- assentando nas po-
ciais 90 milhões de hec- tencialidades locais,
tares aráveis, recursos agrícolas, agro-in-
pesqueiros importantes, dustriais e pesquei-
gente generosa e dis- ras, nas oportuni-
posta a trabalhar. Sendo dades abertas pela
ainda de recordar que aceleração do pro-
a Guiné-Bissau é maior cesso de globaliza-
em território do que a ção, decididamente
Bélgica, pelo que, em comprometido com
rigor, os países como as pessoas não se medem de moeda cada vez mais desvalorizada com que o bem-estar social. As eleições por si só não são
aos palmos se pagavam os funcionários públicos e se multi- condição de desenvolvimento, conquanto sejam
O legado económico colonial português foi plicava a inflação. exigência de direito e constitucionalidade. E é
dos piores: limitada rede viária, unindo três Muitos investigadores e observadores da his- precisamente aqui na preparação de um novo
ou quatro centros mais ou menos urbanos, mas tória recente da Guiné-Bissau encontraram na- modelo de desenvolvilmento sustentado que o
negligenciando o acesso ao interior, limitando quelas disfunções económicas com dramáticos Fórum de Macau parece poder ser especialmen-
muito o escoamento das produções agrícolas; efeitos sociais as causas para o golpe de estado te actuante, preparando técnicos, oferecendo
um sistema de monopólio comercial em que se de 1980, o famoso movimento de reajustamen- formação, ajudando a organizar projectos e con-
dizia ser a Guiné uma quinta da CUF, para a qual to dirigido por Nino Vieira. Contudo, o chamado tribuindo para uma mais qualificada cooperação
eram obrigados a vender os produtores locais; Programa de Ajustamento Estrutural que se lhe e investimentos da República Popular da China
industrialização e introdução de tecnologias não seguiu ao longo da década de 1980 piorou ainda na Guiné-Bissau. Macau tem condições de de-
houve, descontada essa única fábrica de cerveja mais a economia guineense ao cruzar desmedi- senvolver esta intermediação, sendo suficiente
que vendia para as tropas portuguesas; uma ad- damente abertura de mercados, austeridade, destacar o exemplo da Associação dos Guineen-
ministraçãoo assente maioritariamente em fun- liberalização num país praticamente sem mer- ses da RAEM reunindo gente preparada, quali-
cionários de Cabo Verde que saíram do país logo cado interno e uma mais do que limitada clas- ficada e para os quais não existem tensões po-
após a independência; uma taxa de analfabetis- se empresarial, capitalização escassa e volumes líticas, ambições desmedidas e marginalizações
mo acima dos 95%, mortalidade infantil enorme, gigantescos de economia informal. Incapaz de partidárias. Um exemplo em que se ilustra que
problemas sanitários recorrentes, mais do que continuar a suportar a situação económica- os guineenses podem administrar um aeroporto,
escassos falantes de português o que ampliava a -financeira de crise com sucessivas emissões de ser excelentes advogados, técnicos qualifica-
falta de quadros e técnicos. moeda, em 1997, a Guiné-Bissau aderiu à União dos, gente trabalhadora, realizadora, solidária
O Estado independente não melhorou a eco- Económica e Monetária da África Ocidental (UE- e feliz. Exemplo a imitar e fonte de inspiração
nomia e a qualidade de vida dos guineenses. A MOA), adoptando como moeda o franco CFA, as- para todos aqueles que ainda sonham com uma
nacionalização sistemática das empresas co- sim procurando maior integração regional que Guiné-Bisau livre e democrática, desenvolvida
merciais portuguesas não encontrou meios fi- frutos concretos ainda não rendeu nem poderia e, finalmente, apoiada por este mundo cada vez
nanceiros e gente preparada para as gerir, pelo render face à desorganização estatal, marasmo mais exigente e global.

VI Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013 • LUSOFONIAS


lusofonias
A poesia do pensamento
Publica textos de estudo e opinião
sobre a diversidade cultural
das Lusofonias

de
Agostinho Neto
na arquitectura da Nação Literária Angolana
Ideias
A s nações são entidades recentes, susceptíveis de
serem estudadas, estando distantes de ultimar
a sua evolução. Quando colocamos a questão da sua
cultural». Instalemo-nos então na implicação mais
visível deste gesto de leitura, que é reconhecer
que, na Sagrada Esperança, ocorre o gesto funda-
existência, seja ela literária ou não, emergem logo cional da literatura angolana: o da construção da
duas formulações: a que a encara na sua unicida- sua arqueologia, para a equipar de ferramentas ne-
de, e a que a encara na sua irrelevância, por força cessérias que a coloquem no terreno de lutas sim-
da globalização das trocas comerciais, globalização bólicas. Há, portanto, na poética de Sagrada Espe-
M. J. Aires essa que faz emergir no mundo configurações ino- rança o pensamento subjacente de que só o tempo
dos Reis* vadoras em termos políticos, económicos e cultu- outorga a uma nação a força e o poder necessários
rais. Quer dizer, quando falamos de nações, ou es- para que ela possa ser ela própria. Este pensamento
colhemos uma série de casos particulares – e neste estratégico resulta de uma equação simples: o capi-
caso somos forçados tal cultural de uma
a contemplá-las de nação engendra-se
forma justaposta, em sobretudo no tempo
“(...) A relação de unidades separadas e arquivado, transfor-
cerradas, sem relação mado em recursos.
forças é tambem entre elas, sem histó- Agostinho Neto terá
estrutural, devendo rias comuns, sobera- feito deste capital
nas e auto-suficientes temporal (concebi-
nós atentar no –, ou postulamos que a do a partir de pas-
nação é uma unidade sado preservado),
espaço formado pela de medida perimétri- transformado em
ca, uma espécie de riqueza específica,
totalidade dos universos antigualha conceptual uma das duas condi-
que não deve ser le- ções de legitimação
nacionais como um vada a sério. Se adop- de uma nação:
tarmos esta ultima Lá vai ele/o ho-
incomensurável acepção, estaríamos mem/com os olhos
universo de competição libertos de entraves no chão./Vê-se-lhe
antiquadas, que nos o dorso sob a ca-
generalizada. Qualquer confinam a fronteiras misa rota/e carre-
nacionais, aliás cada ga o pesado fardo/
escritor representativo vez mais obsoletas, da ignorância e do
sendo-nos reconheci- temor./Não grita
de um espaço nacional é dos verdadeira cida- seus anseios/no re-
dania global. ceio de perturbar
fortemente delimitado Existe, no entanto, um mundo/que o
uma terceira forma ofusca/com o falso
pelo lugar que ele de colocar a questão, brilho dos seus ou-
próprio ocupa na fintando as duas pers- ropéis./Contudo/já
pectivas que parecem foi senhor/foi sábio/
estrutura mundial, com simétricas: é possível antes das leis de Ke-
recusar a oposição pler/foi destemido/
a qual aliás se defronta, entre o nacional e o antes dos motores
internacional, como termos de uma escolha exclu- de explosão./É dos seus dias de glória/que tenho
enquanto estrutura siva. Mais do que decidir entre o quadro nacional saudade/Saudade de mim […]? (Neto, 1974: 63)
e o panorama global, proponho observar os fenó-
de poder, no momento menos literários (que é o que aqui nos interessa) O RITMO CONSTRUTIVO DO NOVO
à escala nacional, mas a partir do «promontorio» O facto de as nações serem engendradas na base
em que se dá a ler. mundial, se quiser fazer uso de uma metáfora cara da sua antiguidade é prova da luta que as contra-
No entanto, malgrado a Fernand Braudel (BRAUDEL, s/d.: 9). Estou em põem à antiguidade como facto ou como construção.
crer que, por esta via, se compreenderá melhor os É por isso, aliás, que elas se tornam imediatamen-
a proclamações e as fenómenos nacionalistas e literários, ainda que as te objectos de disputa, de rivalidades. A finalidade
produções possam ser inseparavelmente nacionais será só uma: o desígnio de delas fruir. A antiguida-
aparências que se lhes e internacionais. Além disso, mais do que definir a de (como a modernidade) é obviamente uma noção
nação e o nacionalismo como entidades concretas, relativa. Uma identidade não se pode proclamar ou
imprimem, os espaços tente-se, por hipótese – esta palavra é relevante mesmo reclamar “arcaica” a não ser em relação
–, caracterizá-los, antes de tudo, como formas de a outras entidades que se afirmam da mesma for-
nacionais, mesmo crença numa sociedade, esta mesma como forma ma. Em termos históricos Ocidentais, a antiguida-
suprema de identificação. Marcel Mauss mostra, de de um grupo aristocrático deduz-se a partir de
quando se digladiam, aliás, que tal crença nacional é simultaneamente uma estimação (fantasmática, mas fundada numa
não são iguais (...)” interna e externa à nação. Mauss designa-a «cré- crença partilhada) da sua filiação com os Gregos e
dit national», sublinhando que é um sistema circu- os Romanos, por conseguinte da pertença directa a
lar: «l’ ensemble des citoyens d’un Etat», escreve, uma genealogia antiga e nobre. De acordo com os
«forme une unité où l’on a la même croyance dans dados da história, Herder, inspirando-se em James
la mesure où ils ont confiance dans cette unité» Macpherson (1736-1796), terá promovido, a partir
(MAUSS, 1969: 590). do século XVIII, uma nova forma de medir o tempo
Entender a nação como crença colectiva parece na contenda internacional. No seu sistema de con-
estar na base do engendramento da poesia do pen- cepção inédito, será sempre a construção social do
samento de Agostinho Neto. A ser assim, leiamos
Sagrada Esperança como tese da criação de uma
nação, a partir da sua percepção como «artefacto CONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE >

lusofonias LUSOFONIAS • Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013 VII


< CONTINUADO DA PÁGINA ANTERIOR por isso que, desde o início, a obra de Agostinho assinatura de uma alegoria nacionalista. A for-
Neto aparece-nos marcada por uma clara de- mulação de Neto é de várias maneiras um passo
terminação de conceber território. Esta lucidez em direcção de uma declaração de combate, na
tempo a medida de todas as coisas. Esta cons- programática presentifica-se em cada verso de medida em que assume na sua escrita a ideia de
trução surge, aliás, sob forma de contestação Sagrada Esperanca, sendo exemplar no verso movimento colectivo; na medida em que a sua
do status quo, isto é, do carácter unívoco da li- com que termina o poema «À reconquista»: «Va- retórica acomoda a necessidade de reconheci-
nearidade histórica que conduziria a Antiguidade mos com toda a Humanidade/conquistar o nosso mento simultaneamente político e literário; e
grega e latina até nós. Através do pensamento mundo e a nossa Paz». ainda na medida em que reconhece um processo
herderiano, o paradigma passou a estar deposi- Mas, sabemo-lo, a concorrência entre nações descortinável na tese de que «Nunca houve des-
tado nos povos, que passaram a estar munidos não se resume a lutas entre vizinhos, entre ir- cobrimentos» e que «A África foi criada com o
de ferramentas para “provar” que podem con- mãos desavindos que se conhecem. A relação mundo» (Neto, op. cit.:61).
correr com os aristocratas na “produção” (vale de forças é tambem estrutural, devendo nós Podemos agora discutir várias formas de per-
dizer, na “construção”) tanto da sua Antiguidade atentar no espaço formado pela totalidade dos cepção do que Neto quererá dizer com a tese
como da sua epopeia, outra face de engendrar a universos nacionais como um incomensurável de que a África fora «criada com o mundo».
sua nobreza e a sua legitimidade. Agostinho Neto universo de competição generalizada. Qualquer Trata-se de uma formulação de filiação da li-
diria no poema «Saudação» que «[aquela era] a escritor representativo de um espaço nacional é teratura na política, e consequentemente uma
hora de juntos marcharmos/corajosamente/para fortemente delimitado pelo lugar que ele pró- declaração de “guerra”, em favor de um reco-
o mundo de todos/os homens». Esse mundo seria prio ocupa na estrutura mundial, com a qual nhecimento de existência. A nação torna-se,
o da tradição que a nação haveria de fazer ger- aliás se defronta, enquanto estrutura de poder, assim, central na sua poesia e nevrálgica no
minar. no momento em que se dá a ler. No entanto, seu pensamento. Kafka terá usado a distinção
Clama-se nestes versos por ferramentas malgrado a proclamações e as aparências que entre as grandes (tinha em mente a Alemanha)
iguais que arquitectem a existência de uma na- se lhes imprimem, os espaços nacionais, mes- e as pequenas literaturas; T.S. Eliot terá pre-
ção na sua diferença constitutiva. Quando Neto mo quando se digladiam, não são iguais. A ri- ferido a designação incisória entre literaturas
escreve, no poema «Um aniversário» que «No validade generalizada entre eles é produto evi- «amadurecidas» e «não-amadurecidas» (ELIOT,
mundo/a Coreia ensanguentada às mãos dos ho- dente de desigualdades reais existentes, entre 1945); Marcel Mauss oporá as «nações jovens»
mens», quando dá conta de «fuzilamentos na eles, porquanto «são desiguais em tamanho, em a «nações antigas» (MAUSS, op. cit.); Deleuze
Grécia e greves na Itália/o apartheid na África/e poder, na riqueza, na civilização e na idade», e Guattari proporão a distinção entre o que
a azáfama nas fábricas atómicas para matar/em insiste Marcel Mauss (ibidem). Ora, em nume- chamam literaturas «menores» e «maiores»
massa matar cada vez mais homens» encobre a rosos universos nacionais, a crença nacionalista (DELEUZE et al., 1975); Jameson, por sua vez,
asserção programática de que o que forja uma é, de facto, extremamente forte, reinando ne- avança com os termos de literaturas do Tercei-
nação não é uma essência, nem um traço pree- les a convicção colectiva de que a identidade ro mundo e as de Primeiro (JAMESON, 1986);
xistente que será a confirmação da entidade nacional é portadora de uma parte essencial da Franco Moretti, retomando uma tipologia cara
nacional. É a relação de forças entre territórios identidade colectiva e individual, sendo recep- a Immanuel Wallerstein, opta por operar a cli-
e espaços (“Coreia”, “Grécia”, “Itália” e “Áfri- táculo de uma forma de honradez colectiva, em vagem entre literaturas do centro, da periferia
ca”, por exemplo) que pelejam entre si e que, que cada protagonista se torna simultaneamen- e as da «semi-periferia», Casanova avança com
apostando em diferenciar-se, engendram as suas te responsável. Nesta perspectiva, a literatura a distinção entre literaturas combativas e lite-
existências. Dito de outro modo, «[…] no mun- “nacional” torna-se um dos terrenos centrais de raturas pacificadas do ponto de vista da revin-
do constrói-se/no mundo constrói-se/E o nosso uma revindicação de existência nacional, na sua dicação nacionalista (CASANOVA, 2011).
formado em Medicina/construirá também». Ou significação e na sua história. Terá sido exacta- É importante, a terminar este movimento em
seja a contenda para a “construção”, enquanto mente isso que Neto assume quando, num poe- redor de concepções de literatura, anotar a pro-
contenda para o reconhecimento da diferença ma de 1950, intitulado «Novo Rumo», escreve: ximidade possível entre as formulações de Ca-
produz identidade. «O destino/é a própria História/o Início/a Con- sanova com as de poética explícita de Agostinho
No paradigma nacionalista subjacente a esta cordância/Somos o ritmo construtivo/do Novo/ Neto. Com efeito, no seu discurso de 10 de De-
poética, nação não é entendida como essência, na alta noite/dos caminhos sem nome?» (Neto, zembro de 1975, sobre a cultura nacional, Neto
nem como uma singularidade inalienável, mas 1987: 42) Qualquer povo deseja ter os seus ho- terá declarado explicitamente que «a luta pela
como relação. Eis a razão da inexistência de ca- mens de negócios, os seus professores, os seus libertação nacional não pode desligar-se da luta
racterísticas estritamente nacionais nas litera- jornais e a sua arte. pela imposição, pelo reconhecimento de uma
turas nacionais. Não existe pois uma definição No que concerne a literatura, uma das formas cultura peculiar do nosso povo» (NETO, 1980:
per se de uma literatura nacional que depen- de restaurar uma certa forma de igualdade passa 17). Ou seja, de todos os envelopes ideológicos
da da sua essência autárcica. Estes argumentos por forjar instrumentos críticos distintos, o que onde se concretiza a nação, a mais corpórea é,
devem, no entanto, ser encarados no seu duplo Neto designa «ritmo construtivo/do Novo». Será para Neto, a cultura. Mas esta radicação na cul-
sentido, porquanto existe, nesse jogo de opo- com esses instrumentos que se torna possível tura não contradiz a tensão em direcção a um
sição e de concertação, uma relação de forças aceder à universalidade, pois a desigualdade en- funcionamento que dela se liberta: a ideia de es-
directa e uma indirecta. Por um lado, todo o tre literatura, longe de ser uma questão de va- pírito comum.
nacionalismo literário tira grande partido da lor, que se aclarará por si, é um facto estrutural. A apologia dos bens espirituais de Angola são,
sua autodefinição, perante o seu concorrente Pense-se em nomes como Kafka, Joyce, Beckett na poesia de Neto, um lugar onde uma estratégia
directo (no caso da literatura angolana, trata- para convalidar estes argumentos. Pense-se no joga a aplicação do seu projecto literário, pois
-se da equação Angola-Portugal). Terá sido neste próprio Agostinho Neto, quando declara que «a os fundamentos da nação que se quer engendrar
sentido que Hagen Schulze, pensando na Europa cultura [angolana] não [deverá ficar] encerrada radicam nesses bens suprapessoais, nessas ins-
do século XIX, releva que «l’affirmation de soi em Angola» (Neto, ibid.: 18). Aliás, Kafka terá tituições que deflectem da vontade comum e,
par réaction contre un ennemi abhorré» é um sido o primeiro teórico desta questão. Num tex- enfim, nessa tradição cultural comum.
dos grandes mecanismos de formação das iden- to datado de 25 de Dezembro de 1911, estabele- *Académico e ensaísta.
tidades nacionais (Schulze, 1996: 130). Aliás, ce uma distinção entre literaturas de «pequenas
Schulze vai mais longe, afirmando que «la guer- comunidades» e as de «grandes nações» (große BIBLIOGRAFIA
re n’est pas à l’origine de la nation mais bien Literaturen). Terá sido a partir do conhecimento BRAUDEL, Fernand. Le Temps du monde. Civilisation materielle
solvente son catalyseur». Com efeito, depois da que possuía sobre o carácter “minoritário” das et capitalisme. Paris: Armand Colin, t. 3, 1993.
sua concepção, acrescenta o estudioso, a pro- literaturas checas e yiddish que Kafka esboçará CASANOVA, Pascale. Des litteratures combatives. Paris: Ed. Rai-
vocação mútua entre os vizinhos e a hostilidade a sua teoria de desigualdade entre as literaturas sons D’Agir, 2011.
permanente foram, para as nações europeias, das nações. Para Kafka, o critério é claramente DELEUZE, Giles et alia., Kafka. Pour une literature mineur. Pa-
«uma forma de se encontrarem» (ibid., 133). um critério exterior à literatura: as literaturas ris: Minuit, 1975.
Por outro lado, a rivalidade, sendo estrutural, menores seriam espaços em que se pode estabe- ELIOT, T.S. What is a Classic? London: Faber & Faber, 1945.
depende de relações de forças objectivas entre lecer um nexo entre as lutas nacionalistas e lutas JAMESON, Fredric, Third-World Literature in the Era of Multina-
protagonistas. literárias, ou seja, são espaços em que a litera- tional Capitalism?, New Political Science, 15, 1986.
Para ilustrar o primeiro tipo de rivalidade, tura colide com a política. Na obra A Renúncia KAFKA, Franz, «Journaux», in Oeuvres completes, Claude David
tomemos como exemplo a literatura angolana, Impossível, já citada, a forma dominante assenta (ed.). Paris: Gallimard, t. III, 1984.
em geral. Parece impossível compreender a sua na ideia de uma enunciação que descobre a sua MAUSS, Marcel. «La Nation et l’Internationalisme», in Oeuvres.
periodologia fundacional sem ter em linha de consciência da clivagem entre o outro (europeu, Paris: Minuit, 1969, III.
conta a relação de rivalidade explícita dos seus arrogante) e o eu, que clama ironicamente por SCHULZE, Hagen. Etat et nation dans l’histoire de l’Europe. Pa-
escritores com os escritores portugueses, na sua reconhecimento: «nunca houve negros!/A África ris: Seuil, 1996.
vontade de revindicar uma independência (e, foi construída só por vós […]» (Neto, ibid.: 60). NETO, Agostinho. Sagrada Esperança. Lisboa: Sá da Costa, 1974.
logo, uma auto-suficiência) literária relativa- A meu ver, estes versos, profundamente iróni- NETO, Agostinho. Ainda o Meu Sonho. Lisboa: Ed. 70 para a
mente ao que era, para eles, o inatingível po- cos, configuram a assinatura de toda a retórica União dos Escritores Angolano, 1980.
derio literário português. Terá sido exactamente da poesia do pensamento de Agostinho Neto: a NETO, Agostinho. A Renúncia Impossível. Lisboa: IN-CM, 1987.

VIII Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013 • LUSOFONIAS


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