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t UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
l CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
e DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
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João Francisco Botelho
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p Florianópolis
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2007
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JOÃO FRANCISCO BOTELHO
EPIGÊNESE RADICAL:
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DESENVOLVIMENTAIS
EPIGÊNESE RADICAL:
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DESENVOLVIMENTAIS
_____________________________________
Prof. Dr. Marco Antonio Franciotti
Coordenador do Curso
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
Prof. Dr. Gustavo Andrés Caponi (Orientador)
Universidade Federal de Santa Catarina
___________________________________
Prof. Dr. Gonzalo Jaime Cofre Cofre
Universidade Federal de Santa Catarina
___________________________________
Prof. Dr. Maurício de Carvalho Ramos
Universidade de São Paulo
Para Janine
Agradecimentos:
T. H. Morgan
Conflito de tradições........................................................................................... 6
— 1 — Preformação e epigênese............................................................................. 19
— 2 — Determinação e regulação........................................................................... 37
2.1.1 Hereditariedade................................................................................... 39
— 3 — Genética e desenvolvimento........................................................................78
4.1.1 Origens..............................................................................................112
4.1.2 Pressupostos......................................................................................124
–1–
Introdução
É [...] quase universalmente aceito hoje pela doutrina genética que cada célula recebe todo o
complexo de genes. Pareceria, portanto, auto-contraditório tentar explicar a segregação [i.e.
diferenciação] embrionária pelo comportamento dos genes que são ex. hip. os mesmos em
todas as células. (Lillie, 1927, p.365)
proteína (Z) que, na ausência da molécula de lactose, se ligava ao DNA e reprimia a síntese de
!-galactosidase (e outras duas proteínas relacionadas).1
O modelo propunha, portanto, que havia no genoma genes para proteínas estruturais,
como a enzima !-galactosidase, e genes para proteínas reguladoras, como a proteína Z,
repressora da produção de !-galactosidase. As proteínas reguladoras inibiam a síntese de
proteínas estruturais ligando-se diretamente ao DNA e impedindo a transcrição de RNA
mensageiro. Eis a imagem da expressão gênica que emergiu do modelo do operon: genes
reguladores controlavam a expressão de genes estruturais no nível transcricional e as
proteínas sintetizadas a partir dos genes estruturais assumiam espontaneamente sua estrutura
funcional.
O modelo do operon foi seguido pela proposta quase simultânea de Jacob e Monod
(1961) e Ernst Mayr (1961) da metáfora do programa genético. “[A] descoberta de genes
reguladores e operadores […] revela que o genoma contém não apenas uma série de mapas,
mas um programa coordenado de síntese de proteínas e os meios de controlar sua
execução” (Jacob e Monod, 1961, p.354). A regulação gênica, perseguida pelos primeiros
geneticistas no citoplasma, agora também estava localizada nos próprios genes. Os genes
estruturais eram regulados por genes reguladores, que, de acordo com sinais celulares,
ligavam e desligavam os genes estruturais (Keller, 2002; Sarkar, 2006). Todo controle e
agência do desenvolvimento estavam concentrados nos genes.
Monod e Jacob enxergaram na extrapolação do modelo do operon e na metáfora do
programa genético a solução para o paradoxo de Lillie: “[a] diferenciação bioquímica
(reversível ou não) de células carregando um genoma idêntico não constitui um ‘paradoxo’
como pareceu representar por muitos anos para embriologistas e geneticistas (Monod e Jacob,
1961, p.397). O desenvolvimento era uma questão de regulação da expressão gênica pelos
próprios genes. A metáfora obteve enorme sucesso e representa uma das maiores conquistas
da história da biologia molecular. Embora a regulação genética tenha se mostrado muito mais
complexa em eucariontes, o conceito de genes reguladores e de regulação da expressão gênica
tornou-se um dos conceitos centrais da genética do desenvolvimento. O modelo do operon e o
programa genético, finalmente, haviam oferecido um mecanismo plausível para explicar
como ocorria a diferenciação celular que caracteriza o processo de desenvolvimento.
1Para uma descrição mais detalhada do modelo do operon e sua história, ver Gros (1991, cap. 4), Judson (1979, cap.
7), e Morange (1998).
–3–
Introdução
Esta análise [...] reduz a uma disputa verbal, destituída de todo o interesse, a antiga querela
entre preformacionistas e epigenesistas. A estrutura pronta, como tal, não está preformada em
lugar algum. Mas o plano para a estrutura está presente nos seus próprios constituintes. Ela
pode, então, se realizar de modo autônomo e espontâneo, sem intervenção exterior, sem
acréscimo de informação nova. A informação está presente, mas inexpressa, nos constituintes.
A construção epigenética de uma estrutura não é uma criação, é uma revelação. (Monod,
1970, p.117, itálicos no original)
–4–
Introdução
O objetivo deste trabalho é mostrar que este “consenso moderno” (Robert, 2004a) de que
houve uma conciliação do longo debate entre preformação e epigênese a partir das noções de
plano, informação e programa genético é, historicamente e conceitualmente, falacioso.
Defenderei que a genética, como tradição de pesquisa, está ligada à idéia de preformação e
que a imagem moderna do desenvolvimento por ela proporcionada continua sendo
preformacionista.
O argumento, em parte, se apoiará em um conjunto de discussões que adquiriram
destaque nos últimos anos. A genética e a biologia do desenvolvimento entraram na pauta da
filosofia da biologia a partir da década de 80, impulsionadas pelos grandes e rápidos avanços
empíricos nestas áreas (Griffiths, 2002a). Desde então, diversos autores vem discutindo temas
como o determinismo genético, o conceito de gene, informação e programa genético. A
maioria tem assumido uma postura crítica em relação ao gene-centrismo implicado por estas
idéias (e.g. Nijhout, 1990; Sarkar, 1996; Keller, 2002; Lewontin, 2002; Morange, 2002; Moss,
2003; Burian, 2005b). Uma das mais importantes (e também mais radicais) críticas levantadas
contra o gene-centrismo é a Perspectiva dos Sistemas de Desenvolvimento (PSD) (Oyama,
1985; Griffiths e Gray, 1994; Griffiths e Knight, 1998; Oyama, 2000a; Oyama, Griffiths et al.,
2001a). Não pretendo apresentar uma discussão completa da PSD. O objetivo é explorar um
ponto que consideramos ser o ponto central da sua proposta: a defesa de uma abordagem
radicalmente epigenética do desenvolvimento. Aceitarei a sugestão de Godfrey-Smith (2001)
de que é “útil ver a PSD, entre outras coisas, como uma forma muito forte de anti-
preformacionismo” (p.290) ou como uma espécie de “nova epigênese” (Weber e Depew,
2001).
O argumento possui duas partes. Nos dois primeiros capítulos, serão investigados os
meandros históricos e epistemológicos que levaram até a conciliação genética. A intenção
com isso não é simplesmente fornecer bases históricas para o debate. O objetivo é mostrar que
a conciliação genética apóia-se em uma historiografia que busca afastar a genética, ou, mais
especificamente, a teoria morganiana do gene, da tradição preformacionista. Nos capítulos
terceiro e quarto, serão explorados os desdobramentos da genética e da biologia molecular
pós-conciliação. Argumentarei porque a biologia contemporânea desautoriza o
preformacionismo genético e apresentarei a PSD como uma estrutura teórica alternativa para
lidar com as causas do desenvolvimento.
Esquematicamente, o meu objetivo é mostrar que:
–5–
Introdução
(i) a conciliação genética se apóia em uma leitura histórica enviesada da disputa entre
preformação e epigênese e que é mais apropriado associar a genética à tradição
preformacionista;
(ii) o conhecimento atual da genética e da biologia do desenvolvimento permite uma
interpretação exclusivamente epigenética do desenvolvimento, como defendido pela
Perspectiva dos Sistemas de Desenvolvimento.
Conflito de tradições
Antes de iniciar a busca por estes dois objetivos, é necessário esclarecer o que entendo
por preformação e epigênese. Da maneira como foram expostas acima nas citações de Monod
e Gould, preformação e epigênese são consideradas, implicitamente, teorias científicas. Elas
são apresentadas como hipóteses ou modelos para explicar como os seres vivos são gerados.
A teoria da preformação propunha que os seres vivos preexistiam completamente delineados
no ovo e apenas cresciam mecanicamente durante o desenvolvimento. A teoria da epigênese,
por outro lado, propunha que os seres vivos eram recriados a cada geração, em geral,
orientados por forças vitais. Esta versão mais conhecida do debate — a caricatura homúnculo
vs vitalismo — coloca em conflito duas teorias. Proponho uma abordagem diferente. A
preformação e a epigênese não serão consideras como teorias propostas nos séculos XVII e
XVIII para explicar a geração orgânica. Elas serão interpretadas como duas tradições de
pesquisas dentro das quais são elaboradas diferentes teorias para explicar como os seres vivos
são gerados. Preformação e epigênese serão consideradas duas perspectivas gerais que
fornecem diferentes ontologias, metodologias e princípios para a investigação de como ocorre
o processo de desenvolvimento.
Para esclarecer esta interpretação, farei algumas considerações sobre o status das
estruturas teóricas em ciência. Nas primeiras décadas do século XX, a filosofia se
caracterizou, sobretudo, por uma abordagem lógica à ciência. O positivismo lógico, o
empirismo lógico e os modelos nomológicos-dedutivos das explicações científicas, a despeito
das suas diferenças, compartilhavam o entendimento de que o papel da filosofia da ciência era
analisar a justificação lógica das teorias científicas. Não havia necessidade de incorporar a
história da ciência à análise filosófica. O objetivo da filosofia da ciência era analisar o
contexto de justificação das teorias. A investigação do contexto de descoberta cabia à história
–6–
Introdução
e à sociologia da ciência (Giere, 1988; Cupani, 2000). Dentro deste contexto, as teorias
científicas foram compreendidas como conjuntos de proposições logicamente relacionadas
entre si e entre as evidências observacionais.
Na década de 1960, ocorreu o que ficou conhecido como a virada historicista da
filosofia da ciência. A nova filosofia da ciência que surgiu neste período rompeu com o ideal
de reconstrução lógica da ciência e forneceu uma alternativa ao já combalido projeto
empirista. A obra mais conhecida deste período é o livro de Thomas Kuhn, A estrutura das
revoluções científicas, publicado em 1962. Em consonância com as idéias de autores como
Hanson, Toulmin e Feyerabend, Kuhn propôs uma teoria da ciência estreitamente ligada à
análise da história da ciência.
Um dos aspectos que se tornou consenso na nova filosofia da ciência é que o
desenvolvimento da ciência não possuiu um caráter cumulativo. A empreitada científica não é
um processo de acréscimo constante de conhecimento. Este é provavelmente o ponto mais
conhecido da tese de Kuhn. Contrariando os preceitos empiristas, Kuhn propôs que o curso da
ciência é marcado por longos períodos de ciência normal intercalados por curtos períodos de
ciência extraordinária. Os períodos de ciência normal caracterizam a maior parte da
investigação científica e se desenrolam de maneira semelhante à visão cumulativa defendida
pela abordagem tradicional. Durante os períodos de ciência normal, os cientistas trabalham
orientados por um mesmo paradigma. No entanto, o acúmulo de questões não resolvidas (ou
anomalias, para usar o vocabulário kuhniano) leva a ciência à períodos de crise e a
subseqüente substituição do paradigma vigente. Esta mudança de paradigma é o que Kuhn
chama de uma revolução científica — a ruptura e a substituição da maneira de compreender e
questionar o mundo. Por exemplo, em um dos casos preferidos de Kuhn, o paradigma
ptolemaico que via a Terra como o centro do universo foi substituído pelo paradigma
heliocêntrico de Copérnico, alterando não apenas os modelos propostos por Ptolomeu, mas os
princípios, métodos, metáforas e conceitos que estruturavam estes modelos.
No posfácio da segunda edição de A estrutura das revoluções científicas, Kuhn
(1997), explicitou dois significados do termo paradigma: (i) o paradigma como exemplar, isto
é, como modelo de investigação, e (ii) o paradigma como matriz disciplinar, isto é, como
“toda a constelação de crenças, valores, técnicas, etc... partilhados pelos membros de uma
determinada comunidade” (ibid, p.218). O conceito de paradigma (sensu matriz disciplinar)
representa o ponto da proposta de Kuhn que gostaria de destacar para discussão: a
–7–
Introdução
2 Além dos paradigmas de Kuhn (1962), foram propostas outras conceitualizações macro-teóricas, como, por
exemplo, os programas de pesquisa de Lakatos, as tradições de pesquisa de Laudan, os ideais de ordem natural de Toulmin
(1963), as teorias globais de Feyerabend (1989) e as redes de crenças de Quine (1978).
–8–
Introdução
auxiliar, que se transformará orientada pelo núcleo duro de modo a fornecer explicações cada
vez mais corroboradas.
A consequência mais importante da proposta de Lakatos para esta discussão é que um
programa de pesquisa é uma entidade histórica que se transforma ao longo do tempo
(Godfrey-Smith, 2003). Ao contrário dos paradigmas kuhnianos que são estáticos (em parte
porque não são criticados, pois nunca são explícitos), os programas de pesquisa possuem uma
linhagem de teorias auxiliares que mudam para se adequarem aos dados empíricos. As
transformações das teorias auxiliares podem ser progressivas ou degenerescentes. Elas serão
progressivas se elas expandirem sua aplicação e aumentarem sua precisão em relação aos
casos já abordados. Por outro lado, o programa será degenerescente se suas transformações
não expandirem sua abrangência para novos casos.
Outro exemplo de abordagem macro-teórica à ciência são as tradições de pesquisa
propostas por Larry Laudan (1977; 1984). Uma tradição de pesquisa é definida como “um
conjunto de pressupostos gerais sobre entidades e processos em um domínio de estudo e sobre
os métodos apropriados a serem usados para investigar os problemas e construir as teorias
naquele domínio” (1977, p. 81). Para identificar uma tradição de pesquisa, Laudan enumera
características comuns a todas elas:
(1) Cada tradição de pesquisa possui um número específico de teorias que as exemplifica e
parcialmente as constitui; algumas destas teoria serão contemporâneas e outras se sucederão
no tempo.
(2) Cada tradição de pesquisa exibe certos compromissos metafísicos e metodológicos que, em
conjunto, individualizam a tradição de pesquisa e a distingue de outras;
(3) Cada tradição de pesquisa (ao contrário de teorias específicas) atravessa diversas
formulações diferentes (por vezes mutuamente contraditórias) e geralmente possui uma longa
história que se estende por longos períodos de tempo (em contraste com teorias que têm
frequentemente curta duração) (Laudan, 1977 , p.78-79)
–9–
Introdução
3 Repare que esta noção de anomalia é distinta da noção de Kuhn, para quem as anomalias não são definidas em
referência a paradigmas rivais.
– 10 –
Introdução
ela contém permite que as primeiras persistam por longos períodos, mesmo que suas teorias
tenham se transformado profundamente. A identidade de uma tradição de pesquisa é mantida
ao longo da sua evolução pela preservação de certos compromissos centrais. Outro ponto
importante enfatizado por Laudan é a possibilidade de retomada de uma tradição de pesquisa
abandonada. “Quando rejeitamos uma tradição de pesquisa estamos meramente decidindo não
utilizá-la naquele momento, pois há uma alternativa que provou ser uma melhor
solucionadora de problemas” (Laudan, 1977, p. 83). Nada impede que uma tradição de
pesquisa seja retomada, seus pressupostos orientem novas teorias e novos pressupostos sejam
incorporados à sua estrutura.
A tese de Laudan, assim como as teses de Kuhn e Lakatos, se apoiaram, sobretudo, na
história da física. No contexto da biologia, o darwinismo tem sido o principal exemplo de
macro-teoria discutido em filosofia da ciência. Além de teorias específicas, o darwinismo
forneceu uma nova visão dos fenômenos biológicos, rompendo, em muitos aspectos, com a
biologia pré-darwiniana (Ruse, 1999; Bowler, 2005). Mesmo Popper reconheceu a
necessidade de ir além de conjecturas e refutações para compreender o progresso da biologia
evolucionária, afirmando “que o darwinismo não é um programa de pesquisa testável, mas um
programa metafísico de pesquisa — uma estrutura possível para teorias testáveis” (Popper,
1974, p. 134).
No campo da teoria da ciência propriamente dita, as propostas de Griesemer (2000b;
2002), Wimsatt (1972), Kaufmann (1998) e Winther (2006) fazem uma importante
contribuição. A partir da análise da história e da estrutura das ciências biológicas, eles
defenderam que as explicações em biologia são guiadas por perspectivas teóricas. A definição
de perspectiva teórica, em geral, se assemelha à definição de tradição de pesquisa. Griesemer,
por exemplo, diz que “perspectivas teóricas coordenam modelos e fenômeno através de
compromissos que os pesquisadores assumem ao construir modelos em termos de categorias
particulares [...] e ao julgar a adequação entre fenômeno e modelo [...]” (2000, p. 97).4 No
entanto, um ponto fundamental para o contexto da biologia é acrescentado pela noção de
perspectiva teórica. Em biologia, é necessário dividir os sistemas vivos em partes, destrinchar
ontologicamente o organismo para poder investigá-lo. No entanto, os sistemas biológicos,
5 A antiguidade desta decomposição ontológica dos seres vivos revela-se na obra de Aristóteles. Em A reprodução dos
animais, Aristóteles assume uma perspectiva embriológica, enquanto que em As partes dos animais ele assume uma
perspectiva anatômica.
6 É conveniente salientar que a abordagem será internalista, isto é, estarei preocupado com a racionalidade interna
das tradições de pesquisas. Uma abordagem externalista, interessada no contexto social em que as tradições de
pesquisas se desenrolaram, também seria relevante. De fato, valores externos aos valores cognitivos da ciência,
provavelmente, nunca foram tão fortes quanto nas ciências biológicas contemporâneas. Contudo, limitarei-me a
discutir fatores internos. Para uma abordagem de ambos os aspectos ver Leite (2007).
– 12 –
Introdução
– 14 –
Introdução
– 15 –
Introdução
Engloba a ampla variedade de recursos que são passados de uma geração para outra, estando
assim disponíveis para a reconstrução do ciclo de vida do organismo. Um recurso pode ser,
por exemplo, uma seqüência de DNA, uma membrana, um gradiente citoplasmático, um
organismo simbionte ou um ninho; e (iv) ciclos de contingências: todos os recursos
desenvolvimentais que contribuem para a reconstrução de um novo ciclo de vida se repetem
de forma contingente, não-programada.
Figura 1. Conflito de tradições de pesquisa: Preformação e epigênese são entendidas como duas tradições de
pesquisa que se transformam e se alternam historicamente. Cada período pode ser nomeado de acordo com
perspectiva teórica hegemônica que o caracterizou. Note que períodos de crise, sem hegemonia, precedem a
troca de tradição de pesquisa.
– 18 –
—1—
Preformação e epigênese
8 Originalmente: Zeit- und Streitfragen der Biologie. Vol 1. Präformation oder Epigenese? Grundzüge einer
Entwicklungstheorie der Organismen, Jena: Gustav Fisher, 1894.
– 19 –
§1
– 20 –
§1
Ou todas as partes, como o coração, o pulmão, o fígado, o olho e todo o resto, se formam
juntas, ou se formam em sucessão, como é dito no verso atribuído a Orfeu, que um animal se
origina do mesmo modo que o tecer de uma rede. Que o primeiro não é o caso é claro aos
próprios sentidos, pois a existência de algumas das partes é nitidamente visível no embrião,
enquanto outras não o são (Aristóteles, 1994, p.131-132).
determinam as características próprias do ser; e (ii) pangênese, a idéia de que as partículas (ou
fluidos, no caso de Hipócrates) que geram os seres vivos provêm de todas as partes do corpo
dos pais e as características de cada partícula são determinadas de acordo com a parte da qual
ela é proveniente. Não serão abordados os detalhes das teorias citadas em A reprodução dos
animais, nem os argumentos de Aristóteles contra elas. Interessa apenas identificar os
elementos preformacionistas nelas contidas. O principal alvo aristotélico são as teorias
pangenéticas de inspiração hipocráticas defendidas por atomistas como Demócrito e
Empédocles (Smith, 2006). Hipócrates dizia que “a semente vem de todas as partes do corpo
do homem e da mulher para a formação de um ser humano e, caindo no útero da mulher, se
coagula” (Hipócrates, apud Castañeda, 1992, p.8). No caso de Anaxágoras, Aristóteles opôs-
se ao preformacionismo implicado pela idéia panspermática das homeomerias — a idéia de
que a matéria (ouro, osso, carne, etc.) se constitui de pequenas partes iguais a si mesmas. O
ouro é formado por pequenas partes de ouro e os ossos por pequeno ossos, etc. (Hegel, 1983).
Há, portanto, dois elementos preformacionistas na pangênese e na panspermia: (i) a
semente é heterogênea, havendo uma correspondência entre sua estrutura e as partes do
organismo.9 Como escreve Ramos (2004, p.107), “[a semente] é claramente heterogênea, ou
seja, composta por partes que apresentam diferentes atributos. Assim, há uma diferenciação
prévia ou uma preformação da semente anterior à concepção ou mistura dos líquidos”; (ii) a
geração ocorre de maneira imediata, como uma metamorfose. Não há a origem gradual e
sucessiva da forma.
O pensamento aristotélico exerceu grande influência durante a Idade Média e, nos dois
milênios posteriores à sua obra, a perspectiva epigenética do desenvolvimento prevaleceu.
Autores como Galeno, ainda na antiguidade, e Vesalius, já no século XVI, continuaram
tratando o problema da geração animal a partir das idéias aristotélicas de forma, matéria e
potencial e, mesmo após a Revolução Científica, o aristotelismo continuou a influenciar o
estudo da geração dos seres vivos.
William Harvey (1578–1657), por exemplo, o último grande embriologista
macroscopista, construiu sua obra dentro da tradição epigenética aristotélica. Harvey, mais
conhecido pela descrição do papel do coração na circulação sangüínea, cuja interpretação de
9 “É disputado, no entanto, se o embrião é macho ou fêmea mesmo antes da distinção ser clara para os nossos
sentidos, havendo adquirido esta diferença dentro da mãe ou antes. É dito por alguns, como por Anaxágoras e outros
filósofos, que esta antítese existe desde o início no germe ou na semente” (Aristóteles, 1994, p.235).
– 22 –
§1
A geração da galinha a partir do ovo é o resultado da epigênese [...] e todas as suas partes não
são criadas simultaneamente, mas emergem em sua devida sucessão e ordem; é evidente,
também, que sua forma é produzida simultaneamente ao seu crescimento e seu crescimento à
sua forma; também que a geração de algumas partes sucede outras previamente existentes, das
quais elas se tornam distintas (Harvey, 1952, [1651], p.412-413).
A geração dos seres vivos, último refúgio do aristotelismo, não demorou a sucumbir
frente à imagem moderna do mundo que emergiu da ciência e da filosofia de Kepler, Galileu,
[A semente] sendo muito fluida e produzida originalmente pela conjunção dos dois sexos,
parece ser apenas uma mistura confusa de dois líquidos, que, servindo de fermento um para o
outro, se aquecem de maneira que algumas de suas partículas, adquirindo a mesma agitação
que tem o fogo, se dilatam e empurram as outras, e, dessa maneira, as colocam pouco a pouco
do modo que se exige para formar os membros (Descartes apud Castañeda, 1992, p.99).
– 24 –
§1
Podemos dizer que todas as plantas estão em suas sementes, numa forma menor. Examinando
uma semente de tulipa11 com uma simples lupa, ou mesmo a olho nu, descobrimos muito
facilmente as diferentes partes de uma tulipa. Não parece absurdo dizermos que há árvores
infinitas dentro de uma única semente, pois a semente contém não apenas a árvore, mas
também sua semente, ou seja, outra semente, e a natureza apenas faz estas pequenas árvores se
desenvolverem 12. Também podemos pensar desta maneira sobre os animais. Podemos ver na
gema de um ovo fresco, ainda não incubado, um pequeno pinto talvez inteiramente formado.
Podemos ver sapos dentro dos ovos de sapos. E ainda outros animais serão vistos em seu
sêmen, quando tivermos suficiente habilidade e experiência para descobri-los [...] Talvez todos
os corpos dos homens e animais nascidos até o final dos tempos foram criados na criação do
mundo, ou seja, as fêmeas dos primeiros animais talvez foram criadas contendo todos os
animais da mesma espécie, que procriaram e procriarão no futuro. (Malebranche apud Pyle,
2006, p.205-206)
– 26 –
§1
Os animais e as plantas que podem se multiplicar por todas as suas partes são corpos
organizados compostos por outros corpos orgânicos semelhantes, cujas partes primitivas e
constituintes são também orgânicas e semelhantes [...] Existe na Natureza uma infinidade de
pequenos seres organizados, em tudo similares aos grandes seres organizados que compõe o
mundo. Este pequenos seres organizados são compostos de partes orgânicas vivas comuns aos
animais e aos vegetais. Estas partes orgânicas são as partes primitivas e incorruptíveis e a
união delas formam, aos nossos olhos, os seres organizados. Por conseqüência, a reprodução
ou a geração não é mais do que uma mudança de forma que se faz e se opera apenas pela
adição destas partes similares, como a destruição do ser organizado se faz pela divisão destas
mesmas partes. (Buffon, 1984, p.174–175)
14A metáfora do artista, em especial a do escultor, é recorrente nas teorias sobre a geração dos seres vivos, sendo
encontrada também em Aristóteles, Descartes e Harvey.
15Buffon aceitava um transformismo restrito, causado pela degeneração do molde-corpo por influências do
ambiente.
– 28 –
§1
para os materialistas franceses. Por outro lado, as teorias de Buffon e Maupertuis não
representavam uma posição verdadeiramente epigenética, como alegada pelos próprios
autores e também pelos seus críticos. Combater as teorias da preexistência não fazia das
teorias de Buffon e Maupertuis teorias epigenéticas. Por exemplo, a idéia básica da epigênese
de que a forma é gerada por uma sucessão de transformações é contradita por Buffon: “Eu
abri uma grande quantidade de ovos antes e depois da incubação, e estou convencido pelos
meus olhos que a galinha existe inteira no meio da cicatrícula no momento que sai do corpo
da galinha”. A teoria de Buffon, na verdade, reúne elementos de pangênese e metamorfose,
além da preexistência dos moldes, que parece representar o que Kant depois chamaria de
preformacionismo genérico, ou seja, uma preexistência no nível específico, mas não
individual. Em Maupertuis, também encontramos elementos preformacionistas pangenéticos
na forma de predeterminação das partes que formarão o corpo: “Que haja em cada uma das
sementes partes destinadas a formar o coração, a cabeça, as entranhas, os braços, as pernas e
que estas partes tenham, cada uma, maior afinidade de união com aquela que, para formação
animal, deve ser sua vizinha do que com qualquer outra” (Maupertuis, 2005 [1744], p.135).
Tampouco, apesar do entusiasmo e da importância destes autores para introdução do
newtonismo na Europa continental, é possivel considerar os moldes ou a memória coerentes
com a metafísica mecanicista, mesmo na versão dinamista newtoniana. O conceito de
memória proposto por Maupertuis, por exemplo, parece representar a transição da imagem de
natureza-máquina para a imagem de natureza-organismo do fim do século XVIII, quando
metáforas e princípios explicativos como sensibilidade, irritabilidade e memória foram
retirados do domínio dos seres vivos e atribuídos à matéria (Abrantes, 1996).
A postura crítica que adotei em relação ao mecanicismo epigenético de Buffon e
Maupertuis é coerente com a interpretação de que o debate entre preformação e epigênese é,
na verdade, um conflito entre tradições de pesquisa. A conclusão que sou inclinado a aceitar é
que as críticas e alternativas propostas por Buffon e Maupertuis às teorias da preexistência
ocorreram internamente à tradição preformacionista. Elas não romperam com os principais
pressupostos ontológicos do preformacionismo. Como será discutido mais adiante, a
alternativa de Maupertuis e Buffon possui semelhanças e, possivelmente, influências sobre o
preformacionismo dos séculos XIX e XX.
Como uma resposta às críticas dos materialistas franceses, as teorias da preexistência
alcançaram sua maior elaboração nas décadas seguintes com os suíços Albercht von Haller
– 29 –
§1
16 O termo evolução foi primeiramente utilizado por Haller em 1744 para se referir à preformação (Gould, 1977). Por
volta de 1820, iniciou-se a confusão em torno do significado da palavra em biologia. O termo aparece com
freqüência nas obras de “evolucionistas” do início do século XIX, como Geoffroy Saint-Hilaire e Charles Lyell, mas
sempre no sentido literal – uma série de eventos conectados – ou no sentido preformacionista. O primeiro a utilizá-
lo com o significado de transformismo foi Herbert Spencer, em seu ensaio de 1952, The Developmental Hypothesis
(1852). A palavra evolução não consta na primeira edição do Origem das espécies (1859) Seu uso no sentido
preformacionista só foi abandonado no início do século XX (Burian, 2003).
– 30 –
§1
parecia surgir do ovo homogêneo. No entanto, eles alegavam que esta aparente epigênese era
ilusória e construíram seus argumentos em cima de suas observações, discutindo e rebatendo
as observações de seus oponentes. Respondiam afirmando que alguns órgãos eram
translúcidos, que órgãos distintos cresciam em taxas diferentes e não estavam
necessariamente no mesmo local no ovo, no embrião e no recém-nascido. De fato, a
sofisticação das teorias preexistencialistas da segunda metade do século XVIII torna tênue a
distinção entre elas e teorias como as de Maupertuis e Buffon (Huxley, 1879). A preexistência
dos germes era uma pré-delineação dos primórdios do indivíduo e não sua pré-delineação
completa. Um germe de galinha ampliado não seria reconhecido como uma galinha adulta
(Pinto-Correia, 1999). Ainda, Bonnet não aceitava um encaixotamento ad infinitum, aceitando
que, a partir de certo limite, os germes estariam livres na natureza. O debate, novamente,
mostra-se orientado por preceitos filosóficos. Em geral, as teorias da preexistência de Bonnet
e Haller estavam fortemente motivadas em preservar a idéia de harmonia da Criação dos
ataques iluministas, que atribuíam à matéria poderes formativos (Muller-Sieves, 1997). De
qualquer maneira, as semelhanças entre estas teorias e as teorias de Buffon e Maupertuis
reforçam a interpretação de que todas podem ser incorporadas à mesma tradição
preformacionista.
A preexistência dos germes enfrentou ainda uma última oposição antes do seu
abandono definitivo no século XIX — a reformulação das idéias de Harvey pelo alemão
Caspar Friedrich Wolff (1733–1794). Wolff propôs em sua Theoria generationis, de 1759, um
modelo para o desenvolvimento em plantas e animais que resgatava a ontologia da tradição
epigenética. Ao contrário das teorias de Buffon e Maupertuis, na teoria de Wolff não havia
relação alguma entre as partes do germe e o futuro ser vivo e a geração era um processo
gradual onde a formação de cada parte dependia causalmente da estrutura formada
anteriormente. A teoria se baseava em dois fatores: a capacidade de solidificação dos fluidos
orgânicos e a existência de uma força essencial — a vis essentialis. Wolff discordou da
interpretação de Haller (com quem manteve um longo debate) de que havia continuidade
entre a membrana que envolvia a gema dos ovos de galinha e o futuro intestino. Para Wolff, o
intestino se formava a partir de dobras de um tecido inteiramente novo, assim como o coração
e as veias que irrigavam a gema. As estruturas eram formadas de novo a cada geração pela
solidificação dos fluidos secretados pelos ovos e sementes. O processo ocorria como uma
– 31 –
§1
seqüência ordenada, cada parte secretando a seguinte após a sua formação. O fluxo do fluido
produzia vasos, seu acúmulo produzia vesículas e assim por diante.
Todo este processo era guiado pela agência de uma força essencial. Inicialmente,
Wolff não explicou a natureza da vis essentialis. Ele simplesmente a propôs com bases no que
havia observado em plantas e animais e se esquivou em discutir sua natureza. Em
conseqüência, Haller o acusou de vitalista por invocar uma força oculta e misteriosa como a
causa da geração dos seres vivos. Apenas nos seus escritos posteriores, como discute Roe
(1979), Wolff tratou do problema. Após a publicação das idéias de Blumenbach, Wolff tratou
de desvincular sua Theoria generationis do vitalismo. Ao lidar com o problema da fonte de
organização e da natureza da força essencial, antes implicitamente resolvidos pela sua
natureza formativa e vitalista, Wolff não conferiu à vis essentialis o poder de formação dos
seres vivos. Ele a definiu simplesmente como uma força atrativa, semelhante à força da
gravidade, não como uma força vital. Ela era simplesmente uma força que movia fluidos e
nada mais (Roe, 1979).
O problema da fonte de organização recebeu outra solução. Wolff atribui a
organização específica dos seres vivos à qualidade da matéria que compunha a substância na
qual a força essencial atuava. A solidificação de diferentes substâncias gerava espécies
distintas. “Ao invés de extensão passiva, a matéria era vista por Wolff como algo que possuía
forma, qualidades, modos e atributos” (Roe, 1979, p.39). Assim, a forma da espécie passou a
depender da substância do germe. Embora o processo de desenvolvimento fosse efetuado pela
força essencial, a organização dependia da qualidade da matéria. “[T]rata-se de uma força
característica da natureza orgânica, mas que depende da estrutura orgânica
preexistente” (Duchesneau, 1999, p.67). Portanto, a obra de Wolff, embora verdadeiramente
epigenética, não pode ser considerada genuinamente mecanicista. Ao dotar a matéria com
qualidades alheias a ontologia mecanicista, ela não difere, essencialmente, das obras de
autores como Buffon e Maupertuis quanto à fonte de organização. A geração da organização
em Wolff dependia das propriedades específicas da matéria orgânica tanto quanto as teorias
anteriores dependiam da memória orgânica ou do molde interior (Bowler, 1989).
A obra de Wolff foi resgatada e valorizada pela embriologia descritiva no século
seguinte e muitos livros de história geral da biologia insistem em considerar Wolff o precursor
da embriologia moderna. No entanto, a valorização da obra de Wolff ocorreu, principalmente,
devido às descrições epigenéticas de suas observações — que em grande parte adequavam-se
– 32 –
§1
à nova tradição de pesquisa hegemônica — e não devido à sua teoria da geração. A nova
tradição não se apoiou na substância do germe, mas na sua organização.
17Sobre o problema da geração em Blumenbach e Kant ver Lenoir (1980; 1989); Richards (2000); Look (2006) e
Zammito (2003; 2006)
– 33 –
§1
gerado por uma intervenção dividida representava renunciar a toda razão mecanicista. A
segunda posição — o pré-estabelecimento das causas — foi divida em outras duas: (i) a
preformação individual, ou teoria da evolução, afirmava que o embrião era um eduto,19 isto é,
ele apenas se desenovelava; (ii) a preformação genérica, ou epigênese, afirmava que o
embrião era um produto, isto é, era re-produzido (Kant, , 1781 [1952]).
Kant preferiu a segundo opção. Negou que a geração dos seres vivos era apenas o
desenovelar de uma estrutura latente e defendeu que a geração era a produção real de um
novo ser vivo. Ao defender a epigênese, Kant afirmou que ninguém fez mais para estabelecer
sua realidade do que Blumenbach. Kant se apropriou do conceito de Bildungstrieb e o
reformulou como um princípio regulador. Os organismos, enquanto uma totalidade auto-
constituinte “em que tudo é fim e, reciprocamente, meio” (Kant, 1952), deviam ser tratados
como se eles fossem teleologicamente constituídos, como se o todo funcionasse para as partes,
como se houvesse uma finalidade guiando a geração da organização. A ciência estava livre de
responder como, por causas mecânicas, os organismos eram gerados. Por exemplo, era
possível, como um princípio regulador, presumir que o coração era gerado para realizar sua
função no todo — bombear o sangue para o corpo — e, então, investigar como este fim era
realizado. O fisiologista podia descobrir que a contração do coração expulsava o sangue de
seu interior para as artérias, que fluíam para o pulmão ou para o resto do corpo, etc., mas
jamais poderia vir a explicar como este coração era gerado em harmonia recíproca com o
todo.
A embriologia do início do século XIX se desenvolveu orientada pelo entendimento
teleológico e epigenético do processo embrionário. A nova embriologia aceitou que uma
explicação mecânica para o desenvolvimento não era possível (e neste aspecto concordavam
com as teorias preformacionistas). Nunca teríamos um Newton capaz de explicar
mecanicamente a geração de um talo de capim. A organização exigia uma explicação
teleológica. A geração devia ser entendida como um processo direcionado para um fim e
genericamente predeterminado pela organização. O organismo se desenvolvia guiado pela
adequação ao tipo. Como disse von Baer: “é auto-evidente que, embora cada passo do
desenvolvimento seja possibilitado pelo estado precedente, o curso total do desenvolvimento
é todavia regido e guiado pela natureza essencial do futuro organismo” (apud Russell, 1930).
19 Edukt, em alemão. A mesma palavra utilizada por Harvey (educt) para se referir à mesma idéia de preformação.
– 35 –
§1
Mas, uma vez aceito que o desenvolvimento era um fenômeno teleológico, era possível
descrevê-lo, investigar seu funcionamento e a variabilidade individual do tipo. Com o
teleomecanismo de Blumenbach e Kant, a despeito de qualquer mal-entendido recíproco20 , o
problema da fonte de organização deixou de ser questionado (Roe, 1981).
A epigênese teleológica tomou uma dimensão ainda maior quando, influenciada pela
Naturphilosophen, surgiram teorias do desenvolvimento que passaram a explorar a
transformação da organização e a busca de simetrias e padrões entre tipos distintos (Guillo,
2003). O desenvolvimento individual passou a ser visto como parte do desenvolvimento de
todos os seres vivos. A mudança e o progresso se tornaram características inerentes aos seres
vivos. “Não apenas o desenvolvimento individual era visto como resultado de um poder
teleológico imanente, mas também a história da vida na Terra” (Roe, 1981, p.153).
Aceitar o desenvolvimento como um processo teleologicamente guiado a partir de
uma organização primordial teve grande valor estratégico. Liberada da necessidade de
resolver o problema da fonte de organização, a nova embriologia alemã descreveu de maneira
revolucionária a estrutura do embrião. A imagem do desenvolvimento que emergiu poucas
décadas mais tarde representava o embrião como um conjunto de células que se organizavam
em camadas germinativas, que se diferenciavam em tecidos, que migravam e se moviam
formando gradualmente cada órgão e cada parte do novo organismo. Um processo epigenético
como talvez nem Aristóteles, Harvey ou Wolff tivessem sonhado. Tudo indicava que o termo
preformação estava destinado à história da biologia. Mas, em 1894, Oskar Hertwig ainda
considerava o debate entre preformação e epigênese a grande questão da biologia
contemporânea.
20A Buildungstrieb, para Kant, tinha um papel meramente heurístico, regulativo, enquanto que para Blumenbach, tinha
papel um constitutivo, era um princípio causal não-mecânico. Segundo Richards (2000), Kant e Blumenbach jamais
perceberam estas diferenças.
– 36 –
—2—
Determinação e regulação
21 Haeckel foi um grande criador de termos, muitos esquecidos e alguns poucos célebres. Ontogenia e filogenia são
termos criados por Haeckel para se referir ao que entende-se atualmente como os processos de desenvolvimento e
evolução, respectivamente.
– 38 –
§2
2.1.1 Hereditariedade
– 39 –
§2
Diversos autores têm se esforçado em mostrar que a história da teoria celular é mais
complexa do que costumam apresentar os compêndios de história da biologia (e.g. Coleman,
1965; Maienschein, 1990; Sapp, 2003a). A simples atribuição da paternidade da teoria a
Schleiden e Schwann é uma versão simplificada da história. Embora seja possível apontar
nestes dois autores o início da moderna teoria celular, uma apreciação mais detalhada da
história mostra que ela difere do entendimento atual em pontos fundamentais. Ressaltar estas
diferenças é especialmente importante no contexto deste trabalho, pois a evolução da teoria
celular teve conseqüências diretas para a embriologia.
Segundo Sapp (2003), a teoria celular possui três princípios centrais: (i) todos os seres
vivos são compostos de células; (ii) as células são as unidades funcionais fundamentais; (iii)
toda célula surge da divisão de células preexistentes. Os dois primeiros princípios — a célula
como unidade estrutural e funcional dos seres vivos — possuem diversos precursores, mas
não contradizem, em geral, as idéias propostas por Schleiden e Schwann. Contudo, o mais
relevante para o desenrolar da embriologia pós-teoria celular é o terceiro princípio — a
continuidade celular. A teoria celular de Schleiden e Schwann contraria este princípio. Ao
invés da continuidade celular, eles acreditavam na livre formação das células. As células
originavam-se espontaneamente no ambiente. E este era um ponto central da teoria de
Schleiden e Schwann, pois seu argumento dependia do modo como surgiam novas células. O
suporte para a crença na célula como unidade da vida não era fornecida pela estrutura celular.
As células de diferentes tecidos e de diferentes seres vivos são estruturalmente muito
distintas. Para Schleiden e Schwann as células eram a unidade fundamental da vida, mas esta
– 41 –
§2
22 Contemporâneos da embriologia teleológica alemã, Schleiden e Schwann acreditavam que a formação de novas
células era um processo epigenético. Para o botânico Schleiden, as células formavam-se pela coagulação de material
em torno de uma substância granular dentro da célula, que, ao se acumular, dava origem a um novo núcleo. O
zoólogo Schwann afirmava a existência de “uma substância sem estrutura […] capaz de produzir células” —
chamada de citoblastema —, que se depositava em torno de um núcleo. Para Schwann, o processo ocorria no meio
ambiente, fora de células preexistentes (Coleman, 1965; 1985).
– 42 –
§2
23 Segundo Holmes (1948) e Rostand (1949), as teorias micromeristas, influenciadas pelo desenvolvimento da
química e da teoria celular, representaram uma forma de atomismo novecentista no mundo orgânico.
24 “E aqui a suposição a qual somos levados pelo conjunto das evidências é que as células germinais são
essencialmente nada mais do que veículos nos quais estão os pequenos grupos de unidades fisiológicas capazes de
obedecer à sua propensão em direção ao arranjamento estrutural da espécie a qual pertence” (Spencer, 1864, p.254).
– 43 –
§2
fundamental para todas as teorias micromeristas posteriores: as gêmulas não eram mais todas
idênticas. Cada uma delas representava um tipo de célula do organismo e não mais o
organismo completo.25 Dentro de cada célula havia um molde da própria célula e não mais um
molde de todo o organismo. As células sexuais atuavam como os centros concentradores de
gêmulas oriundas de cada célula do organismo. Por isso, a teoria de Darwin resgata a idéia
central das teorias pangenéticas propostas desde a Grécia antiga26 (ver o capítulo 1). No
entanto, escrevendo após a teoria celular, Darwin fez uma inovação. Enquanto as teorias
anteriores falavam em partículas, humores ou fluidos que representavam as diversas partes do
organismo, na pangênese as gêmulas representavam as células do organismo adulto.
A historiografia neodarwinista, geralmente, diminui a importância do The Variation of
Plants and Animals under Domestication (e, principalmente, da hipótese da pangênese) na
obra de Darwin. A versão tradicional conta que Darwin, quando escreveu o The Origin of
Species, não possuía uma teoria da hereditariedade adequada. Darwin acreditava na teoria da
herança por mistura, na qual os materiais hereditários de ambos os progenitores se
misturavam nos seus descendentes, de modo que os filhos herdavam características que eram
uma média entre as características dos pais. A crença neste mecanismo hereditário rendeu-lhe
as piores críticas (sendo a mais notória a resenha da terceira edição do Origin of Species
escrita por Fleeming Jenking). Pressionado, Darwin formulou a teoria da pangênese — um
equívoco a ser esquecido. Tivera Darwin tomado conhecimento da obra de Mendel e o eclipse
do Darwinismo teria sido evitado e a teoria sintética da evolução teria sido antecipada em
mais de meio século.27
O grande equívoco na historiografia neodarwinista é atribuir à Darwin e à teoria da
pangênese uma resposta a uma pergunta que não estava formulada. Quando Darwin The
Variation of Plants and Animals under Domestication e propôs a hipótese provisória da
pangênese, não pretendia dar uma resposta aos fenômenos hereditários como entendidos hoje.
25Não há como deixar de relacionar esta mudança de um tratamento tipológico das unidades fisiológicas em Spencer
para o tratamento populacional das gêmulas em Darwin, com a introdução do pensamento populacional de Darwin
no nível dos organismos.
26Zirkle (1946) cita e discute dezenas de pensadores entre Demócritos e Darwin que adotaram teorias pangenéticas.
Darwin, em uma longa nota de rodapé acrescentada à segunda edição, reconheceu a semelhança de sua teoria com
teorias pangenéticas anteriores.
27 p. ex. “Se Darwin tivesse conhecido o trabalho de Mendel [...] poderia ter se poupado do embaraço de, no final da
carreira, haver endossado algumas das idéias de Lamarck (Watson, 2005, p.19). A origem desta versão historiográfica
é atribuída por Porter (2006) à R. A. Fisher (1930) e T. Dobzhansky (1937).
– 44 –
§2
Darwin não pretendia descrever como ocorria a transmissão hereditária. Ou melhor, não
pretendia descrever apenas como ocorria a transmissão hereditária. Pois tal pergunta não faria
sentido para ele nem para qualquer outro pensador em meados do século XIX (Olby, 1991a).
A busca de Darwin era por um modelo que explicasse uma variedade maior de fenômenos do
que simplesmente a transmissão hereditária como entendida atualmente. A teoria da
pangênese visava explicar fenômenos como reprodução, metamorfose, regeneração e
atavismos, além da recentemente descoberta diversidade de modos de reprodução como
hermafroditismo, alternância de gerações e partenogênese (Farley, 1982; Müller-Wille e
Rheinberger, 2007). Darwin se perguntava:
Como é possível que um caráter possuído por um ancestral remoto de repente reapareça nos
descendentes; como os efeitos da diminuição ou aumento de um membro podem ser
transmitido para a criança; [...] como um híbrido pode ser produzido pela união de tecidos de
duas plantas independentemente dos órgãos de geração; como um membro pode ser
reproduzido na altura exata da amputação, nem mais, nem menos; como o mesmo organismo
pode ser produzido por processos tão diferentes quanto brotamento e geração seminal; e,
finalmente, como em duas formas afins, uma passa por complexas metamorfoses ao longo do
curso de seu desenvolvimento e a outra não, embora quando adultas ambas são iguais em cada
detalhe de suas estruturas. (Darwin, 1883, p.439)
Darwin não propôs uma teoria da transmissão hereditária, mas uma teoria da gênese
dos seres vivos: “Reprodução sexual e assexual […] não diferem essencialmente; e nós já
mostramos que na reprodução assexual, o poder de re-crescer [i.e. regenerar] e o
desenvolvimento são todos partes de uma mesma grande lei” (Darwin, 1883, p.357). Hodge
(1985) leva ao extremo esta interpretação. Argumenta que a geração foi uma preocupação de
Darwin por toda sua carreira. A teoria da pangênese não fora um mero adendo subsidiário ao
projeto central de Darwin de uma teoria da evolução, mas a continuação de um amplo projeto
zoonômico iniciado com o The Origin of Species. Hodge vê no conjunto da obra de Darwin a
tentativa de formular um grande sistema da geração dos seres vivos, à maneira de Haeckel e
Spencer. Mesmo sem irmos tão longe quanto a interpretação de Hodge, que de fato parece
exagerada, não se pode negar que a teoria da pangênese extrapola a interpretação
neodarwinista. A teoria da pangênese não é simplesmente uma tentativa de defesa contra o
problema da herança por mistura, nem a proposta de um mecanismo plausível para a herança
de caracteres adquiridos. Ela é a proposta de uma teoria capaz de organizar uma vasta
quantidade de fenômenos antes desconexos e pouco entendidos (Vorzimmer, 1963; Geison).
– 45 –
§2
28 W. K. Brooks (1883) e Weismann (1893) dedicaram seus livros sobre a hereditariedade a Charles Darwin. A
epígrafe de De Vries (1910) cita Darwin em sua autobiografia: “minha bem-abusada hipótese da pangênese”.
29Entre as denominações de tais partículas encontram-se: unidades fisiológica (Spencer), micelas (Nägeli), gêmulas
(Darwin), idioblastos (Hertwig), pangenes (De Vries), biósforos (Weissman), plastidulos (d’Erlberg), moléculas vitais
(Haeckel) e granulações elétricas (Fol).
– 46 –
§2
30 Cometi aqui um certo whiggismo comum à historiografia da genética que costuma narrar a descoberta de que os
cromossomos são os portadores do material hereditário como um processo triunfante de acúmulo de conhecimento
científico. Contudo, estou ciente de que o tema permaneceu controverso até, pelo menos, a década de 1940. E que,
como aponta Sapp (1983), a aceitação da idéia envolveu muito mais que o glorioso peso das evidências.
– 48 –
§2
É evidente, por um lado, que todo ponto da região embrionária do blastoderma deve
representar um futuro órgão, e, por outro lado, que cada órgão desenvolvido do blastoderma
tem seu germe preformado em uma região definidamente localizada no folheto do disco
germinal [...] O disco germinal contém os órgãos germinais espalhados em um folheto plano e,
inversamente, cada ponto do disco germinal reaparece no órgão futuro. Eu chamo isto de o
princípio de regiões germinais formadoras de órgãos (His apud Wilson, 1900, p.398, itálicos
no original).
31 A obra de Geoffroy Saint-Hilaire, produzida na primeira metade do século XIX, enquadra-se no que foi chamado
de morfologia transcendental. Geoffroy, ao contrário de Cuvier e Von Baer, defendia a existência de um plano de
organização comum a todos os animais. De polvos a estrelas-do-mar, de lagostas a homens, todos os animais
possuíam um mesmo plano de organização. Além da evidência descritiva em si, Geoffroy via no processo
embrionário também as causas das variações do plano de organização. A unidade do plano de todos os seres vivos
havia divergido a partir de transformações durante o processo embrionário. As causas das transformações eram as
variações de fatores ambientais durante o desenvolvimento. As variações, por exemplo, na quantidade de oxigênio
atmosférico, da temperatura, etc., durante as eras geológicas haviam levado o plano de organização original a divergir
até as formas animais presentes. Para provar sua teoria da unidade de plano e mostrar que as modificações se
originavam a partir de variações ambientais, Geoffroy conduziu experimentos teratológicos. Alterando a temperatura,
a posição e o aporte de oxigênio de ovos de galinha, Geoffroy pretendia produzir um plano de organização inferior
ou superior. Alterando as condições de incubação do ovo, por exemplo, ele pensava ser capaz de produzir um réptil
ou um mamífero
– 50 –
§2
interna da célula ou se era regulado pelo diálogo com as influências externas reavivou a
discussão entre as tradições epigenética e preformacionista (Maienschein, 1986; Fischer,
2002). Se havia uma relação de isomorfismo entre cada blastômero ou parte do citoplasma e
as partes do futuro organismo, como apontaram His e Chabry, este estava predeterminado. Por
outro lado, se a aquisição de características como o sexo dependia de influências externas
durante o desenvolvimento, como defendido por Pflüger, o organismo não estava
predeterminado, mas emergia durante o processo.
O novo debate adquiriu um caráter bastante distinto dos debates anteriores. Mas, como
foi discutido no capítulo anterior, as tradições epigenética e preformacionista se
transformaram em congruência com panorama científico e filosófico de cada período. No fim
do século XIX, os auto-intitulados preformacionistas defendiam que a forma era
predeterminada pela estrutura do material hereditário contido nas células germinais, enquanto
os epigenesistas defendiam que a forma emergia da regulação de fatores desenvolvimentais e
fisiológicos. Preformação ou epigênese agora eram sinônimos de determinação ou regulação,
mosaico programado ou sistema responsivo. A primeira posição tem seu exemplo
paradigmático nas obras de Weismann e Roux. A segunda, em Hertwig e Driesch.
Minhas dúvidas quanto à validade da teoria de Darwin por muito tempo não se restringiram a
este ponto apenas [o não isolamento das gêmulas nas células sexuais]: a suposição de que
existem constituintes preformados de todas as partes do corpo me parecia uma solução fácil
demais para o problema [...]. Portanto, me empenhei em verificar se era possível conceber que
o germe-plasma, embora de estrutura complexa, não era composto de tal imensa quantidade de
partículas e sua complicação posterior surgia subseqüentemente no decorrer do
desenvolvimento. Em outras palavras, o que eu buscava era uma substância da qual o
organismo inteiro pudesse surgir por epigênese e não por evolução [i.e. preformação]. Depois
de repetidas tentativas, eu, mais de uma vez, imaginei ter tido sucesso, mas após testes
adicionais, todas elas se mostram falsas e eu finalmente me convenci que um desenvolvimento
epigenético é impossível. Além disso, encontrei uma prova da realidade da evolução […].
(Weismann, 1882, p.xiii–xiv, itálicos no original)
– 51 –
§2
– 53 –
§2
clivagem em diante, um trabalho em mosaico [...]” (Roux, apud Wilson, 1900, p.399). Ou,
como diria muitos anos depois o embriologista Hans Spemann: “De acordo com esta teoria,
todo simples primórdio se mantém lado a lado, separados uns dos outros, como pedras em
uma obra de mosaico e se desenvolve independentemente, embora em perfeita harmonia com
os outros, em um organismo final (apud Maienschein, 1994, p.249). 33
33 Roux provavelmente obteve o resultado que esperava. Ele já havia negado que o campo gravitacional orientava a
primeira clivagem em ovos de sapos, como defendido por Pflüger (Haraway, 2004). É possivel especular que a
imagem mecânica do desenvolvimento que ele tanto prezava o levou a favorecer causas internas do desenvolvimento.
A idéia organicista de regulação, embora importante para a fisiologia experimental, não era o objetivo da abordagem
analítica e mecânica que Roux defendia para a embriologia experimental.
– 54 –
§2
Por outro lado, nós consideramos o desenvolvimento do germe como dependente de forças ou
causas que são externas ao germe-plasma do óvulo, mas que, no entanto, surgem de maneira
ordenada durante o curso do desenvolvimento. As causas que reconhecemos são, primeiro, as
mudanças contínuas nas relações mútuas que as células exercem umas com as outras enquanto
aumentam em número por divisão e, segundo, as influências do meio circundante sobre o
organismo. (Hertwig, 1896, p.103)
Além disso, Hertwig, apoiado nos dados recentes fornecidos pela citologia, acreditava
que a arquitetura do material hereditário permanecia constante e estável durante o
desenvolvimento. Não havia desintegração do material hereditário durante as divisões
celulares, como defendia a teoria de Weismann. A diferenciação era o resultado de alterações
fisiológicas nos idioblastos e não da sua variação quantitativa (Hertwig, 1896; Wilson, 1986).
Um dos exemplos discutidos por Hertwig para mostrar a importância das causas
externas para o desenvolvimento é a determinação do sexo por fatores ambientais em animais.
O exemplo é particularmente curioso porque a descoberta da determinação cromossômica do
sexo em insetos foi o principal argumento da teoria cromossômica da herança, formulada nos
primeiros anos do século XX. O fato de que existiam dois tipos de células segundo a
quantidade de cromossomos e que havia uma relação entre o número de cromossomos e o
sexo do inseto foi um argumento poderoso para a aceitação de que os cromossomos
determinavam a hereditariedade. Mas, ironicamente, Hertwig via na determinação sexual,
especialmente em espécies que apresentavam dimorfismo sexual, um dos argumentos mais
fortes a favor da sua teoria. Do fato de que larvas iguais podiam produzir ambos os sexos,
– 55 –
§2
Esperei ansiosamente a imagem que estava para aparecer em minha placa no dia seguinte.
Devo confessar que a idéia de um hemisfério livre-natante ou meia gástrula com seu
arquêntero aberto longitudinalmente parecia algo um tanto extraordinário. Eu imaginava que
as formações provavelmente morreriam. No entanto, na manhã seguinte, encontrei, em suas
respectivas placas, blástulas típicas, mas com metade do tamanho. (Driesch, 1885, p.166)
34 A escolha do animal modelo viria a ser decisiva. Em ouriços-do-mar não era necessário perfurar um dos
blastômeros para realizar o experimento. Bastava chacoalhar a placa com água onde os ovos estavam para que os
blastômeros espontaneamente se separassem. Os resultados obtidos por Roux com ovos de sapo foram
influenciados pela não remoção do blastômero morto. Em 1910, quando novas técnicas permitiram a separação dos
blastômeros de ovos de sapos, eles se mostraram capazes de compensar a perda de um dos blastômeros.
– 56 –
§2
Um nome foi omitido até agora dentre os embriologistas experimentais: Thomas Hunt
Morgan (1866–1945). Aquele que seria o fundador da teoria do gene na segunda década do
século XX era um dos principais nomes da embriologia nos Estados Unidos. Logo após
terminar sua graduação, em 1891, Morgan largou a tradição morfológica sob a qual havia sido
formado e aderiu ao novo programa experimental. Favorável à epigênese, seus primeiros
trabalhos incluíram a confirmação das observações do seu colega Driesch sobre a capacidade
de regulação dos primeiros blastômeros, o estudo da regeneração e a aplicação do conceito de
gradiente em embriologia (Morgan, 1898; 1901; Wolpert, 1991).
Morgan, junto a Edmund Beecher Wilson (1856–1939), Edwin Grant Conklin,
Theodor Heinrich Boveri (1862–1915), entre outros, podem ser considerados representantes
de uma segunda geração da disputa entre preformação e epigênese dentro da embriologia
experimental. Dispondo dos avanços da citologia, eles polemizaram em torno de uma nova
questão: se as atividades do desenvolvimento eram controladas pela microestrutura
intercelular ou por moléculas solúveis de acordo com as leis físico-químicas (Gilbert, 1978).
– 57 –
§2
Ou, da maneira direta que a disputa logo viria a tomar: o desenvolvimento era direcionado
pela morfologia do núcleo ou pela química do citoplasma.
Como foi visto na seção 2.1.3, a idéia de que os cromossomos portavam o material
celular obteve grande aceitação a partir das duas últimas décadas do século XIX. O
comportamento dos cromossomos durante a fertilização, a mitose e a meiose havia chamado
atenção para sua provável importância na hereditariedade. No fim do século XIX, Boveri, que
em 1902 seria o primeiro a cogitar a relação entre o mendelismo e a dinâmica dos
cromossomos, realizou um experimento que fortaleceu ainda mais a interpretação de que os
cromossomos controlavam a hereditariedade. Boveri fertilizou um óvulo sem o núcleo de uma
espécie de ouriço-do-mar com o esperma de outra espécie. O ovo haplóide resultante desta
hibridização continha apenas o núcleo paterno derivado do espermatozóide. Como a larva do
híbrido lembrava aquela da espécie paterna, Boveri concluiu que o núcleo controlava a
hereditariedade (Gilbert, 1987). As idéias de Boveri foram saudadas por Wilson em seu
influente livro-texto The Cell in Development and Inheritance. Para Wilson, o núcleo
controlava o desenvolvimento secretando substâncias para o citoplasma. “Ambos são
necessários para o desenvolvimento, mas o núcleo sozinho é suficiente para a herança de
possibilidades específicas de desenvolvimento” (Wilson, 1900, p.11). A hereditariedade era
cromossômica.
A idéia de que os cromossomos controlavam a hereditariedade despertou o interesse
de Morgan e ele direcionou suas pesquisas para o interior da célula. No entanto, seus próprios
experimentos indicaram que o desenvolvimento era controlado pelo citoplasma e não pelo
núcleo. Por exemplo, ele demonstrou que a incapacidade de blastômeros pequenos em
produzir embriões inteiros era devida ao volume de citoplasma contido neles e não à perda de
material cromossômico, como seria esperado pela teoria de Roux. Outros experimentos,
realizados em co-autoria com Driesch, demonstraram que a retirada de material
citoplasmático de ctenóforos produzia larvas aberrantes (Gilbert, 1987). As evidências obtidas
pareciam não deixar dúvidas de que o desenvolvimento inicial do embrião era controlado pelo
citoplasma. O volume citoplasmático do embrião como um todo, e não o núcleo individual de
cada célula, guiava a ontogenia.
Em 1902, Walter Sutton, o novo aluno do laboratório de Wilson, inspirado em um
artigo de Boveri (1902), escreveu um comentário associando a segregação mendeliana ao
comportamento dos cromossomos durante a meiose:
– 58 –
§2
Para finalizar, eu gostaria de chamar atenção para a probabilidade de que a associação dos
cromossomos paternos e maternos em pares e sua subseqüente separação durante a divisão
redutora [i.e. meiose], como mostrado acima, pode constituir as bases físicas das leis
mendelianas da hereditariedade. Eu espero retornar em breve a este assunto em outra
oportunidade. (Sutton, 1902, p.39)
E, de fato, Sutton retornou ao assunto no ano seguinte expondo de modo detalhado sua
interpretação citológica das leis mendelianas de segregação independente dos genes e alelos
(1903). A proposta de Sutton foi retrabalhada por Wilson e Stevens, dando origem à teoria
cromossômica mendeliana da herança (TCMH). No mesmo período, outra evidência da
correlação entre os cromossomos e a hereditariedade foi fornecida pelo estudo da
determinação sexual em insetos, fortalecendo assim a concepção cromossômica da
hereditariedade. A análise de dezenas de espécies de insetos mostrou que machos e fêmeas
diferiam cromossomicamente (Mcclung, 1902; Stevens, 1905; Wilson, 1905).
Contudo, Morgan permaneceu cético e não aceitou que os cromossomos controlavam
a hereditariedade e o desenvolvimento (Benson, 2001). Ele continuou cauteloso tanto em
relação à TCMH, quanto à proposta de que o sexo era determinado pelos cromossomos.
Morgan acusou o mendelismo de estar transformando “fatos em fatores” (Morgan, 1909b) e
em tom de aprovação citou Oscar Ridle: “A natureza da interpretação e descrição mendeliana
está inextricavelmente comprometida com a ‘doutrina das partículas’ no germe ou outro lugar
qualquer. [...] Ela é, essencialmente, uma concepção morfológica com apenas um resquício de
caráter funcional. Com um olho vendo apenas partículas e um discurso apenas as
simbolizando, não há tal coisa como o estudo de um processo [...] (Morgan, 1909a, p.509).
Assim como Hertwig, Morgan defendia que os ovos e os primeiros estágios do embrião
tinham a potencialidade de se tornarem ambos os sexos. A determinação sexual dependia da
dinâmica de influências internas e externas durante a ontogenia (Maienschein, 1984). Para
Morgan “[...] a determinação do sexo não deve ser o resultado da divisão nuclear diferencial
que dispõe os cromossomos determinantes do sexo em células diferentes, o processo é
químico ao invés de morfológico” (Morgan, 1905, p.841). Até o fim da primeira década do
século XX, Morgan favoreceu a interpretação epigenética do desenvolvimento em relação ao
preformacionismo:
– 59 –
§2
talvez preconceito — é pela interpretação epigenética, mas a verdade pode estar em algum
lugar entre estas duas formas de pensamento que são Cila e Caribdes das especulações
biológicas. (Morgan, 1907, p.384)
– 60 –
§2
(1998a), a teoria do gene costuma reconhecer três influências fundadoras (além de Mendel, é
claro): os criadores de plantas e animais, a citologia e o mendelismo (p. ex Dunn, 1965;
Sturtevant, 1965). Os criadores de plantas e animais contribuíram com o papel de
investigadores pré-científicos da hereditariedade. O “mendelismo evolutivo” de Bateson e De
Vries contribuiu com o resgate de Mendel. A contribuição da citologia é limitada a desvendar
o papel dos cromossomos como portadores do material hereditário e preparar o caminho para
descoberta dos mecanismos mendelianos. Apesar da evidente importância da embriologia
para a formulação da teoria do gene, sua influência foi quase que completamente omitida. A
historiografia da genética, começando pela história contada pelo próprio Morgan (1932), fez
questão de ignorar suas origens embriológicas (Gilbert, 1978; Oppenheimer, 1983). No
entanto, é inegável que a teoria do gene nasce de dentro da embriologia experimental, fruto do
debate sobre como ocorria o processo de desenvolvimento e quem o controlava, o núcleo ou o
citoplasma. E, em última instância, se o desenvolvimento era um processo predeterminado ou
regulativo. Esta perspectiva, com o tempo esquecida pela imposição da historiografia
genética, é evidente quando Russell, por exemplo, ainda em 1930, escreve uma história das
teorias da hereditariedade e do desenvolvimento. Ele não teve dúvidas em ligar a teoria do
gene à embriologia experimental e às teorias micromeristas, colocando-a, especificamente, ao
lado da perspectiva preformacionista: “As teorias do germe-plasma e do gene, e de fato todas
as teorias lidando com partículas hipotéticas condicionando ou determinando o
desenvolvimento, pertencem, claro, à mesma corrente de pensamento que produziu as teorias
da preformação anteriores” (Russell, 1930, p.76). A ligação da teoria do gene com o
micromerismo não escapou ao próprio Morgan, que teve de se defender de críticas
semelhantes as que ele mesmo dirigia ao mendelismo cromossômico dez anos antes:
A tentativa de explicar o fenômeno biológico por meio de partículas representativas foi feita
com freqüência no passado. A semelhança superficial da teoria do gene com algumas teorias
anteriores há muito abandonadas, tem oferecido aos oponentes da teoria mendeliana a
oportunidade de atacá-las fingindo que a idéia moderna do gene é igual às idéias de Herbert
Spencer a respeito das unidades fisiológicas, de Darwin em relação aos pangenes e,
principalmente, de Weismann sobre os bióforos. [...] Não é necessário negar, no entanto, que
há uma conexão histórica entre a teoria da preformação medieval e a teoria particulada da
herança. (Morgan, 1919, p.234)
Contra as acusações de que a teoria do gene não diferia das teorias micromeristas
anteriores, Morgan tratou de mostrar o que as distinguiam. A primeira diferença apontada é
– 61 –
§2
duas abordagens diferem quanto ao uso da matemática: para os biometristas a estatística era
uma ferramenta para medir uma magnitude. Já para os mendelistas, “a tarefa da análise
estatística era revelar a estrutura genotípica individual e a dinâmica de recombinação entre
unidades” (Gayon, 2000, p.77). Como disse o mendelista Johannsen, a hereditariedade deve
se investigada “com matemática, não como matemática” (Sapp, 2003a, p.135).
Eis aqui o ponto que Morgan chama a atenção em favor da sua abordagem: o
mendelismo permitia a inferência da estrutura hereditária. As especulações micromeristas
deduziam a estrutura hereditária de pouco mais do que a necessidade de uma explicação da
hereditariedade coerente com a teoria celular e a citologia. Não era isso que fazia a teoria do
gene. A nova teoria foi inferida “passo por passo de evidências genéticas experimentalmente
determinadas e cuidadosamente controladas em cada ponto” (Morgan, 1926, p.31). O gene
não era uma entidade hipotética, era uma variável operacional.
A maior virtude da teoria do gene em relação ao mendelismo é que ela amplia esta
capacidade de mensuração da estrutura hereditária (Gayon, 2000). O mendelismo, na sua
forma original, não se comprometia com a realidade das estruturas hereditárias. Bateson e
Johannsen propuseram a genética como uma ciência independente da embriologia e da
citologia, comprometida exclusivamente com os dados genealógicos dos experimentos de
hibridização (Olby, 1985). Quando Wilhelm Johannsen propôs o termo gene, buscava uma
nova palavra que estivesse livre da contaminação do preformacionismo associado às
partículas das teorias micromeristas. O termo pretendia simplesmente especificar o fato de
que certas características do organismo comportavam-se como unidades que se segregavam
segundo as leis de Mendel:
A palavra gene é completamente livre de qualquer hipótese; ela expressa apenas o fato certo
de que muitos caracteres do organismo são de alguma forma estipulados pelas condições,
rudimentos ou germes [Anlagen] especiais, separáveis e, conseqüentemente, independentes
que estão presentes nos gametas [...] quanto à realidade do ‘gene’ ainda não vale a pena propor
qualquer hipótese; mas que a noção de gene cobre uma realidade, é evidente no mendelismo.
(Johannsen, 1911, p.133)
O gene era reconhecido pelo seu “representante”, o caráter, ou mais precisamente, pela
aparição alternativa do caráter. Este, por sua vez, era definido como uma unidade fenotípica
transmitida segundo as leis de Mendel, sendo, portanto, tanto o gene quanto os caracteres
identificados pelos seus efeitos (Falk, 1984). De fato, os primeiros geneticistas, como Bateson
– 63 –
§2
A teoria propõe que os caracteres do indivíduo se referem aos elementos pareados (genes) no
material germinal que estão agrupados em um número definido de grupos de ligação; propõe
que os membros de cada par de genes se separam [...] de acordo com a primeira lei de Mendel
e em conseqüência cada célula germinal contém apenas um membro do par; propõe que os
membros pertencentes a grupos diferentes de ligação se segregam independentemente de
acordo com a segunda lei de Mendel; propõe também que ocorre [...] crossing-over entre os
elementos dos grupos de ligação correspondentes; e propõe que a freqüência de crossing-over
fornece evidência da ordem linear dos elementos em cada grupo de ligação e da posição
relativa dos elementos em relação uns aos outros. (Morgan, 1926, p.25, itálicos meus)
35 Esta modificação da segunda lei do mendelismo fornece um bom exemplo de alteração do núcleo duro de uma
teoria, como defendido por Laudan contra Lakatos.
– 64 –
§2
Além dos ordinários carboidratos, lipídios, proteínas e extratos de vários tipos, há na célula
milhares de substâncias distintas — os “genes”; estes genes existem como partículas
ultramicroscópicas; no entanto, sua influência permeia toda a célula [...] os genes estão no
cromossomo [...] A composição química dos genes e a fórmula das suas reações permanecem
bastante desconhecidas. (Muller, 1922)
Ao receber o prêmio Nobel, em 1933, pelas “suas descobertas a respeito do papel dos
cromossomos na hereditariedade”, Morgan sintetizou o estado do conhecimento do período e
deixou claro que o gene não era uma mera partícula hipotética, mas uma variável com a qual
era possível inferir a estrutura hereditária:
Qual a natureza dos elementos hereditários que Mendel postulou como entidades puramente
teóricas? O que são genes? Agora que nós os localizamos nos cromossomos estamos
justificados em considerá-los como unidades materiais; como corpos químicos de ordem
superior às moléculas? [...] Não há opinião consensual entre os geneticistas sobre o que são os
genes — se eles são reais ou puramente fictícios [...] Em qualquer dos dois casos a unidade [o
gene] é associado com um cromossomo específico e pode ser localizado lá pela análise
puramente genética. (Morgan, 1965, p.316)
– 65 –
§2
36 Limitar-me-ei em discutir a polêmica conceitual envolvendo as origens das noções de genótipo e fenótipo.
Atualmente, o principal problema conceitual é de ordem ontológica. Ambos os termos são usados inadvertidamente
para se referir tanto ao type, quanto aos seus tokens. Designa tanto um tipo de coisa quanto os seus casos concretos. O
genótipo pode se referir ao conjunto de locos de uma espécie – o genoma humano, por exemplo – ou a um loco
particular – o gene do alcoolismo, por exemplo – ou ainda ao conjunto de alelos de um indivíduo – os meus genes,
por exemplo. Da mesma forma, um fenótipo pode ser tanto um tipo de caráter da espécie – por exemplo, a cor dos
olhos –, quanto uma a manifestação real deste tipo – por exemplo, olhos azuis –, ou ainda, o conjunto de todos os
caracteres de um indivíduo. Para uma discussão mais completa do tema, ver Lewontin (1992b; 2004) e Mahner e
Bunge (1997).
37O debate entre natureza e criação é conhecido em inglês pelo jogo de palavras nature and nurture . Ele inclui, mas
não se limita à dimensão biológica do debate aqui discutida. Oposições filosóficas como razão e experiência, ou
sociológicas como biologia e cultura, também são acomodados sob o leque de significados do debate entre natureza
e criação.
– 66 –
§2
abordagem estatística da hereditariedade (e.g. Galton, 1889). A primeira fase será abordada,
brevemente, no capítulo 4, quando discutirei Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais. A
última fase já foi mencionada quando falei da tentativa de quantificação estatística da força
hereditária pela biometria. Irei me concentrar agora na segunda fase, quando Galton abordou
o problema do desenvolvimento e da hereditariedade de uma perspectiva fisiológica e propôs
a idéia de continuidade germinal.
Galton foi um dos primeiros autores a explorar a teoria da pangênese. Impressionado
pela idéia de Darwin, Galton projetou um experimento para testá-la. O experimento foi
concebido de maneira a detectar se as gêmulas (as partículas responsáveis pelos fenômenos
geracionais propostas por Darwin) circulavam pelo corpo. Ele realizou a transfusão de
grandes quantidades de sangue entre diversas raças de coelho. Galton esperava que, se a teoria
da pangênese estivesse correta, as gêmulas circulantes contidas no sangue injetado nas
linhagens puras fariam com que características das outras raças se manifestassem na prole dos
coelhos que haviam recebido as transfusões. O sangue de coelhos de cor cinza, por exemplo,
injetado em coelhos brancos, deveriam causar alterações na coloração do pêlo da prole da
raça branca. Galton repetiu os experimentos por duas gerações, mas não observou qualquer
dado que pudesse dar suporte à hipótese provisória de seu ilustre primo. “A conclusão que não
pode ser evitada a partir desta grande série de experimentos é que a doutrina da pangênese,
pura e simples, como eu a interpretei, é incorreta” (Galton, 1870, p.404).
Em virtude destes experimentos, Galton elaborou uma teoria da herança micromerista
alternativa à teoria da pangênese. Ao invés de permitir que as partículas hereditárias
circulassem pelo corpo e depois se concentrassem nas células sexuais, ele propôs que cada
indivíduo era composto de duas partes: uma latente e “conhecida apenas por seus efeitos na
posteridade” e outra patente que constitui o corpo “manifesto para os nossos
sentidos” (Galton, 1871, p.394). Galton propôs que as partículas hereditárias contidas no ovo,
denominadas por ele de estirpe (Galton, 1876a), em sua maioria eram responsáveis pelo
desenvolvimento da estrutura orgânica, ou seja, o corpo patente. Contudo, uma minoria ficava
latente, isolada da influência das circunstâncias de vida e eram passadas adiante pelas células
sexuais. “A dimensão da verdadeira ligação hereditária não conecta [...] os pais aos filhos,
mas os elementos primários dos dois, tais como eles existiam em cada ovo fertilizado, de
onde eles respectivamente se desenvolveram” (Galton, 1871, p.400).
– 67 –
§2
– 68 –
§2
– 69 –
§2
Até agora foi esclarecido o que as noções contemporâneas de genótipo e fenótipo não
são. Elas não são sinônimos da teoria da continuidade germinal como entendida por Galton e
Weismann, nem são o sentido original dos termos propostos por Johannsen em 1909. Resta
agora defini-los positivamente. Os sentidos contemporâneos dos termos genótipo e fenótipo
são uma cooptação dos termos realizada pela teoria do gene para se referir à separação
entre os fenômenos hereditários e desenvolvimentais. Como vem sendo dito ao longo do
capítulo, a hereditariedade e o desenvolvimento, antes da teoria do gene, pertenciam a um
mesmo domínio de explicação (Gilbert, 1978; Allen, 1985; 1986; Maienschein, 1986; Sander,
1986; Olby, 1990a; Gilbert, Opitz et al., 1996; Burian, 2005b). Todas as teorias que
propuseram a existência de um material hereditário explicavam tanto a hereditariedade quanto
o desenvolvimento. A teoria do gene limitou seu escopo explicativo. Ela se propôs explicar
apenas a transmissão das partículas hereditárias e não a maneira como elas se manifestavam
na realização da ontogenia:
Entre os caracteres — que fornecem os dados para a teoria — e os genes postulados — aos
quais os caracteres se referem — reside todo o campo do desenvolvimento embrionário. A
Teoria do Gene, como aqui formulada, não diz nada em relação à maneira como os genes
estão conectados ao seu produto final ou caráter. A ausência de informação em relação a este
intervalo não significa que o processo do desenvolvimento embrionário não é do interesse dos
geneticistas. O conhecimento do modo como os genes produzem seus efeitos no
desenvolvimento individual, sem dúvida, ampliaria imensamente nossas idéias a respeito da
hereditariedade e provavelmente tornaria mais claro muitos fenômenos que atualmente são
obscuros, mas o fato é que a segregação dos caracteres em gerações sucessivas pode ser
explicada atualmente sem referência ao modo como os genes afetam o processo
desenvolvimental. (Morgan, 1928, p.26, itálicos meus)
Tem sido dito, por exemplo, que a suposição de unidades invisíveis no material germinal, na
realidade, não explica nada, pois atribui as unidades às próprias propriedades que a teoria se
propõe a explicar. No entanto, as únicas propriedades atribuídas ao gene são os dados
numéricos fornecidos pelos indivíduos. Este criticismo, como outros do tipo, surgem da
confusão dos problemas da genética com aqueles do desenvolvimento. (Morgan, 1928, p.27,
itálicos meus)
Note o contraste destas afirmações com a abordagem defendida pelo próprio Morgan,
em 1910, período em que iniciava as pesquisas com Drosophila: “Nós temos abordado o
problema da hereditariedade como idêntico ao do desenvolvimento. A palavra hereditariedade
– 70 –
§2
38A estratégia de fechar o desenvolvimento em uma caixa-preta já havia sido usada pelo Mendelismo no contexto da
evolução. Para Bateson, o grande obstáculo para o estudo da evolução, em todo o período pós-darwiniano do século
XIX, havia sido o foco excessivo no desenvolvimento. Para Bateson, o estudo da evolução deveria focar apenas a
variação, independente de como ela era produzida durante o desenvolvimento. Como é corrente na literatura
contemporânea da evo-devo, a estratégia morganiana de fechar o desenvolvimento em uma caixa-preta para estudar a
hereditariedade como a transmissão de genes foi empregada para o estudo da evolução pela genética de populações e
mais tarde pela Teoria Sintética. A evolução foi redefinida como a alteração da freqüência gênica de uma população e
o desenvolvimento ignorado.
– 71 –
§2
– 72 –
§2
tradição de pesquisa preformacionista? Segundo Morgan, a teoria do gene rompeu com o neo-
preformacionismo e forneceu uma alternativa às especulações micromeristas devido à nova
metodologia e à separação entre a hereditariedade e o desenvolvimento. A teoria do gene foi
construída em cima de uma metodologia completamente distinta das anteriores. Havia
evidências experimentais das partículas. Evidências tão incisivas que a posição das partículas
nos cromossomos podia ser inferida. E afinal de contas, como uma teoria que não se propõe a
explicar o desenvolvimento pode ser rotulada de preformacionista? Portanto, para responder à
pergunta se a teoria do gene é preformacionista, é necessário primeiro contemplar a própria
defesa de Morgan. É preciso responder se a evidência experimental da estrutura hereditária e a
separação ontológica entre a hereditariedade e o desenvolvimento, como ele argumenta,
libertam a teoria do gene da tradição preformacionista.
De fato, a teoria do gene rompeu metodologicamente com o preformacionismo da
embriologia experimental. Ela inferiu a estrutura do material hereditário a partir da
metodologia mendelista e da teoria de que a freqüência de crossing-over indica a posição dos
genes no cromossomo. Mas isto a liberta da ontologia da tradição preformacionista? O fato de
que há evidências experimentais da existência e da posição dos genes faz com que eles
deixem de ser partículas determinantes do desenvolvimento? Parece evidente que não. A
evidência experimental de que existem genes nos cromossomos (independentemente da sua
constituição) capazes de determinar as características do organismo adulto não faz com que os
genes deixem de ser uma forma de preformação. É claro que o sentido de preformação aqui é
mais amplo do que o sentido de pré-existência. Assim como nas teorias neo-preformacionistas
da embriologia experimental, na teoria do gene não há, logicamente, a pré-existência dos
germes. O século XIX, principalmente através da teoria celular, havia negado a possibilidade
de que os germes fossem miniaturas pré-delineadas. Tampouco, a nova racionalidade
biológica permitia a preformação dos germes no sentido de uma metamorfose, ou seja, a
geração instantânea do germe pré-delineado. Para o século XIX, o Anlagen era uma célula
cuja estrutura interna era complexa e estruturada e o desenvolvimento um processo gradual de
diferenciação celular.
No entanto, o neo-preformacionismo, como exemplificado pelas teorias de Weismann
e Roux, não defendiam a pré-delineação da forma, nem sua metamorfose, mas a
predeterminação do processo de diferenciação celular. O desenvolvimento (e no caso também
a hereditariedade, pois a hereditariedade era ainda um fenômeno desenvolvimental) era auto-
– 73 –
§2
o gene para o formato do olho e assim por diante. Enquanto que um mapeamento hipotético
dos determinantes de Weismann representaria uma seqüência de tipos celulares
(determinantes de neurônios, osteoblastos, etc.) e, portanto, estaria menos comprometida com
o conceito de forma, a teoria do gene dividiu o organismo em módulos preformados.39 Nos
genes existiam instruções para a forma do organismo adulto.
Figura 4. O organismo desmontado: Representação das mutações nos quatro cromossomos de Drosophila
melanogaster. Retirado de Morgan (1922).
39 Aqui caberia a crítica de que a teoria do gene incluiu os conceitos de pleiotropia (o efeito de um gene em mais de
um caráter) e caracteres poligênicos (o efeito de mais de um gene em um único caráter). Mas, embora estes
fenômenos aumentem consideravelmente a complexidade da teoria do gene, eles não invalidam o raciocínio. O fato
de que os cromossomos contêm um mapa do organismo não é alterado. Além disso, estes fenômenos não tiveram
um papel central na formulação inicial da teoria do gene, sendo considerados complicações ou mesmo anomalias em
relação ao padrão normal da relação um gene – um caráter.
– 75 –
§2
Agora, vamos refletir que o ovo e o adulto são dois estágios finais do material organizado e
que eles são separados um do outro por uma série quase inconcebivelmente longa de estágios
coordenados e intermediários. Considere que cada estágio do desenvolvimento é o germe e o
produtor do estágio seguinte, do estágio que segue como conseqüência dele [...]. Então
entendemos que é um erro lógico assumir que todos os caracteres presentes na última etapa da
cadeia e desenvolvimento têm suas causas determinadas na primeira etapa da cadeia. O
equívoco está na falha em distinguir entre as causas contidas no ovo no início do
desenvolvimento e as causas introduzidas durante o curso do desenvolvimento a partir do
acréscimo de material externo nos vários estágios. Como não pode haver absoluta identidade
entre germe e produto, é errado transformar a complexidade visível dos estágios finais do
desenvolvimento em uma complexidade invisível no primeiro estágio, como os antigos
evolucionistas fizeram e como os novos evolucionistas estão tentando fazer. (Hertwig, 1896,
p.87)
40 “A ontologia e a metodologia de uma tradição de pesquisa podem influenciar o que conta como problemas
legítimos para suas teorias constituintes” (Laudan, 1977, p. 86).
– 76 –
§2
41 Note que o termo inheritance das duas primeiras edições (1896 e 1900) foi substituído no título por heredity, mais
restrito ao domínio biológico em língua inglesa.
– 77 –
—3—
Genética e desenvolvimento
– 78 –
§3
42Transformação foi a denominação dada à capacidade de bactérias patogênicas mortas transferirem sua virulência a
bactérias vivas inócuas. Na época, era discutido se os genes eram compostos de proteínas ou ácidos nucléicos.
– 79 –
§3
proposto por Watson e Crick em 1953. Mais do que o famoso modelo icônico em metal e
cartolina da estrutura do DNA, o modelo da dupla hélice forneceu um modelo teórico para
explicar a função gênica. Já no sucinto artigo no qual propuseram a estrutura da dupla hélice,
Watson e Crick adiantaram que “[n]ão escapou à nossa atenção que o pareamento específico
que postulamos imediatamente sugere um mecanismo de cópia do material genético” (1953b).
Cinco semanas depois, mais confiantes na exatidão da proposta, acrescentaram: “a seqüência
precisa das bases é o código que contém a informação genética” (1953a, p.956). O modelo da
dupla hélice havia revelado a estrutura físico-química dos genes cromossômicos e, ao mesmo
tempo, aberto caminho para uma explicação de como eles funcionavam. A materialização do
gene, iniciada pela genética morganiana, estava completa (Gayon, 2000). “Ex omnia DNA”,
diria Wolpert (apud Gilbert, 2003, p.90).
43A história da descoberta da dupla hélice foi contada muitas vezes e envolve uma série de polêmicas (Judson, 1979;
Olby, 1990b; Morange, 1998). Não interessa para o objetivo deste trabalho discuti-las, mas não se pode deixar de
assinalar que Watson e Crick entraram em uma programa de pesquisa criado e liderado por outros cientistas,
especialmente Linus Pauling e Rosalind Franklin.
44 O surgimento de uma disciplina focada na especificidade, estabilidade e replicação de macromoléculas biológicas
deve muito ao interesse de físicos e químicos pelos problemas da biologia. Em 1944, o físico Erwin Schrödinger
publicou um influente ensaio chamado O que é vida? (1997), onde especulou que o gene poderia ser um tipo de cristal
aperiódico que funcionaria como um código hereditário. Mas o maior impacto veio com a investigação liderada por Max
Delbrueck e Salvador Luria (médico de formação) sobre a replicação de vírus – um sistema modelo perfeito para a
investigação da hereditariedade definida como replicação de ácidos nucléicos.
– 80 –
§3
RNA ! proteína: eis a imagem clássica da função gênica. Como resumiu Crick:
– 81 –
§3
para esta relação. Ao referir-se à especificidade entre uma seqüência de DNA e uma seqüência
de polipeptídeo como código genético ou à duplicação cromossômica como cópia da
informação genética, a genética molecular recriou o reducionismo mecanicista que Roux
sonhara para a embriologia experimental. A metáfora da máquina mecânica havia sido salva
pela máquina cibernética do século XX:
Animal e máquina, cada sistema torna-se então um modelo para o outro [...]. Órgãos, células e
moléculas estão unidos por uma rede de comunicação. Trocam sem cessar sinais e mensagens
em forma de interações específicas entre componentes. A flexibilidade do sistema baseia-se
nos mecanismos de retroação e a rigidez das estruturas na execução de um programa
rigorosamente prescrito. (Jacob, 2001, p.257)
– 82 –
§3
Figura 5. Operon-lac: Modelo simplificado do operon da lactose. A expressão de genes estruturais é regulada
pelo produto de genes reguladores. (a) Proteína reguladora reprime a transcrição ao se ligar ao DNA. (b) A
lactose se liga à proteína repressora e a transcrição !-galactosidase é liberada.
interior. O desenvolvimento era uma questão de ligar e desligar os genes nos momentos e
locais corretos.
A imagem do desenvolvimento como uma cascata de ativação e desativação de genes
foi devidamente transportada para o jargão informacionista da biologia molecular pela
metáfora do programa genético (Monod & Jacob, 1961; Mayr, 1961). A pressuposição
preformacionista de que a ontogenia está predeterminada na estrutura da primeira célula foi
explicada pela existência no DNA de instruções e dos meios para executá-las. O
desenvolvimento, definido como expressão gênica diferencial, era um processo realizado e
controlado pelos próprios genes. De certa maneira, a idéia de que o desenvolvimento era um
processo determinado que poderia ser previsto pela “mente super-penetrante um dia
concebida por Laplace, e rapidamente capaz de perceber qualquer relação causal”, já havia
sido cogitada nas influentes especulações do físico Erwin Schrödinger: “tendo-se o retrato
molecular do gene, deixou de ser inconcebível que a diminuta célula corresponda
precisamente a um plano complicado e específico de desenvolvimento e deva, de alguma
maneira, conter os meios para colocá-lo em ação” (Schrödinger, 1997 [1944]).
Mais do que qualquer outra idéia, o programa genético sintetiza a tese da conciliação
genética. Vale citar uma passagem escrita por François Jacob, muito semelhante à passagem
de Jaques Monod citada na introdução. Ele reafirma a tese de que o programa genético
resolveu o debate entre preformação e epigênese:
Hoje, a biologia pôs fim ao velho debate entre epigênese e preformação ao introduzir o
conceito de programa desenvolvimental. Nesta visão, o ovo fertilizado não contém uma
descrição completa do futuro organismo, como assumido pelos preformacionistas, mas sim as
instruções codificadas requeridas para produzir sua estrutura molecular e fazê-lo operar no
tempo e no espaço. (Jacob, 1978, p.249)
– 84 –
§3
teleologia.45 Ele forneceu um mecanismo capaz de explicar o propósito natural dos seres
vivos. 46
Foi dito no primeiro capítulo que a teleologia orientou a tradição de pesquisa
epigenética em dois momentos distintos — durante o aristotelismo e durante o
teleomecanicismo kantiano. Parece incompatível, portanto, que a teleologia seja aproximada à
metáfora preformacionista do programa genético. Mas, de fato, Mayr traçou uma analogia
direta entre o programa genético e o telos aristotélico:47 “Somente quando foi entendida a
natureza dual dos organismos vivos é que se percebeu, nos nossos dias, que a matriz do
desenvolvimento e da atividade — o programa genético — representa o princípio formativo
que Aristóteles havia postulado” (Mayr, 1997, p.112). Há uma contradição entre as idéias aqui
defendidas e a afirmação de Mayr: apresentei Aristóteles como ponto de partida da
perspectiva epigenética, enquanto Mayr percebe no telos aristotélico uma quase antecipação
da solução alcançada pela genética. A aparente contradição ocorre devido a dois pontos na
interpretação de Mayr. Primeiramente, Mayr não vê no programa genético um modelo
preformacionista do desenvolvimento embrionário, mas sim a solução conciliatória entre
preformação e epigênese, à maneira de Gould, Jacob e Monod. Portanto, Mayr vê no telos de
Aristóteles algo próximo à solução do debate entre preformação e epigênese porque vê na
idéia de programa genético a solução do debate e não a versão contemporânea do
preformacionismo. A interpretação de Mayr, assim como a de Gould, Jacob e Monod, é
enviesada por um entendimento restrito do significado de preformação.
Em segundo lugar e mais importante, Mayr faz uma interpretação equivocada do telos
aristotélico. Ele vê o potencial aristotélico precedendo a realização do ser, como se ele fosse
um plano para um determinado fim. Mas, como diz Lennox (2006): “Para Aristóteles, o real
precede o potencial em todos os aspectos — ontológico, causal e epistemológico. Um
processo de vir-a-ser é a realização de um potencial para um ser real específico e,
conseqüentemente, para entender um processo de vir-a-ser é preciso entender o que é vir-a-
ser” (ibid, p.23, itálico no original). Quando Aristóteles propõe um telos para explicar a
45 O programa genético foi definido como teleonômico – uma das quatro categorias de processos teleológicos
reconhecidas por Mayr (1997, p. 66-68).
46 O argumento de Mayr apóia-se em uma concepção etiológica do conceito de função. O programa genético teria
sido “programado” pela seleção natural.
47 Ver também Muller (1996).
– 85 –
§3
48Para uma critica detalhada da interpretação do telos aristotélico como um plano ou programa, ver Grene (1972) e
Vinci e Robert (2005).
– 86 –
§3
[Os genes são] uma receita que é seguida não pelo embrião em desenvolvimento como um
todo, mas individualmente pelas células ou por agrupamentos locais de células em processos
de divisão. Não estou negando que o embrião, e posteriormente o organismo adulto, tem uma
forma em grande escala. Mas esta forma emerge devido a numerosos efeitos locais sobre as
células por todo o corpo em desenvolvimento [...]. (Dawkins, p.2001, p.88, itálicos no
original)
gene molecular clássico. Enquanto que o gene clássico havia sido inferido instrumentalmente
a partir da sua função — seu efeito fenotípico –, o gene molecular possuía uma dupla
identidade estrutural e funcional.
Contudo, a virtude inicial de conciliar função e estrutura em uma mesma conceituação
logo colocou o conceito de gene em tensão (Falk, 2000). Os resultados empíricos obtidos com
as novas tecnologias de pesquisa molecular revelaram uma complexidade irreconciliável com
a unidade estrutural e funcional do gene molecular clássico. A partir do fim da década de 70,
observou-se, por exemplo, que os genes de eucariontes, via de regra, não são seqüências
contínuas de DNA. Eles são dividos em exons (seqüências codificadoras) e introns
(seqüências não-codificadoras). A estrutura do gene não é uma seqüência contínua de DNA,
mas um conjunto de seqüências emendadas após a transcrição. As seqüências reguladoras
também se mostraram muito mais complexas do que as propostas no modelo do operon.
Seqüências reguladoras podem estar contidas no início, no fim ou mesmo dentro da seqüência
do gene. Regiões promotoras (promoters) e amplificadoras (enhancers), por exemplo, podem
estar distantes da região codificadora, até mesmo em outro cromossomo. Ainda, uma
seqüência de DNA pode estar envolvida na produção de muitas proteínas diferentes, assim
como a produção de uma proteína pode envolver seqüências de DNA distintas.
Estes exemplos são uma amostra da complexidade da biologia molecular
contemporânea que levou a um amplo debate sobre o status do gene molecular clássico (Falk,
1984; 1986; Portin, 1993; Griffiths e Neumann-Held, 1999; Beurton, Falk et al., 2000; Falk,
2000; Hall, 2001; Moss, 2001; Neumann-Held, 2001; Morange, 2002; Moss, 2003; Burian,
2004; El-Hani, 2007). A maioria dos autores reconhece que não há uma definição única e
inequívoca de gene. Um gene inclui introns ou apenas exons? As seqüências reguladoras
fazem parte dos genes? Uma seqüência que produz várias proteínas é apenas um gene ou são
vários? Estas dificuldades não se restringem às discussões conceituais e também são refletidas
na prática científica, como expressa com clareza o geneticista Niall Dillon (2003):
[...] tentativas de traduzir tal conceito operacional complexo em uma estrutura física concreta
com limites claramente definidos foram sempre problemáticas e agora parecem estar
destinadas a falhar. Pelo contrário, o gene tem se tornado uma entidade flexível com limites
que são definidos por uma combinação de organização espacial e localização, habilidade em
responder especificamente a um conjunto particular de sinais celulares e o relacionamento
entre padrões de expressão e o efeito fenotípico final. (ibid, p.457)
– 90 –
§3
Por uma grande parte da sua história, a genética foi orientada pela investigação de um tipo
[kind] hipotético, o gene. À medida que identificamos gradualmente o material referente a este
tipo hipotético e fomos capazes de aprender algo sobre como casos [tokens] deste tipo
funcionavam e o que eles faziam, tornou-se cada vez mais claro que eles não eram um tipo,
mas um conjunto diverso de objetos e processos moleculares (Dupré, 2004, p.331).
fenótipos — o gene para esquizofrenia, cor dos olhos, ansiedade, câncer de mama, etc. —
refere-se à noção de gene clássico, morganiano. O gene é identificado pela sua expressão
fenotípica: “Ele segue a heurística explicativa do preformacionismo, pois procede como se
aquilo que é transmitido fosse diretamente responsável por uma conseqüência fenotípica”.
Moss chama este conceito de gene–P (preformacionista). Ele é “definido em relação a um
efeito fenotípico, mas é indeterminado em relação à seqüência molecular” (2001, p.223).
Moss reconhece o caráter preformacionista das explicações baseadas no conceito de gene-P,
mas defende seu valor epistemológico. Quando aplicado de maneira estritamente
instrumental, o gene–P permite a predição de resultados fenotípicos, além de uma interação
metodológica com a genética molecular (ver Vance, 1996).
No entanto, quando fala-se no gene para noggin, BMP, hemoglobina, etc., alude-se à
outra noção de gene. É feito referência ao gene como uma seqüência de DNA que codifica um
produto gênico. Não se faz referência ao caráter fenotípico relacionado ao gene. Ele não é
seguido por um Markmale fenotípico, mas por sua estrutura molecular. Moss chama esta
noção de gene–D, com o D se referindo a recurso desenvolvimental:
um conjunto de seqüências. Ele seria uma seqüência codificadora, mais um sítio de iniciação,
mais um sítio de terminação, mais introns e exons, mais promotores, mais amplificadores, etc.
Mas a definição do gene como um conjunto de seqüências, embora intuitiva, origina diversos
problemas. Em certos casos, como no modelo do operon da lactose, as regiões reguladoras
são específicas e ficam imediatamente ao lado da seqüência codificada. Nestes casos, é
simples considerar as seqüências reguladoras como parte do gene. No entanto, em
eucariontes, normalmente existem regiões reguladoras distantes da região transcrita e elas não
são específicas para um determinado gene (Griffiths e Neumann-Held, 1999). Além disso,
uma seqüência não pode ser identificada independentemente da sua função em um
determinado contexto. Uma mesma seqüência pode ser descrita como um exon ou como
intron, de acordo com o papel que desempenha na expressão de diferentes genes. Se, em
determinado contexto celular, ela for removida do RNAm, será descrita como um intron. Se,
em outro contexto, a mesma seqüência permanecer no RNAm, será descrita como um exon
(Griffiths e Neumann-Held, 1999; Sterelny e Griffiths, 1999). Como escreve Jason S. Robert
(2004a, p.77), “o significado ontogenético de um pedaço de DNA é constituído pelo contexto
desenvolvimental de interações no qual se encontra (espacial, histórico, temporal, ambiental e
organismal)”. Um outro problema ainda é que este tipo de definição tende a considerar a
maquinaria celular como mero pano de fundo, quando, na verdade, ela compreende elementos
fundamentais para a produção de uma proteína específica (ver adiante).
Uma maneira de superar a dificuldade em delimitar e definir precisamente a estrutura
do gene é ver na própria diversidade de estruturas designadas como gene uma virtude; “uma
epistemologia do impreciso” (Rheinberger, 2000). Um conceito de gene versátil é eficaz. Ele
permite a comunicação entre pessoas trabalhando com temas diferentes, mas relacionados.
Não seria útil defini-lo rigidamente. A flexibilidade do conceito de gene impede que “o uso de
uma linguagem muito ligada a determinadas práticas experimentais, por sua própria
especificidade, [torne] praticamente impossível a comunicação entre contextos experimentais
diferentes” (Keller, 2000, p.158). Ao mesmo tempo, de maneira mais positiva, permite o
progresso da investigação através da incorporação de novos elementos descobertos em áreas
de pesquisa próximas. O gene seria “um termo tolerante o suficiente em suas referências para
ligar as diferenças entre os vários fenômenos nos quais comunidades locais de pesquisadores
possam estar interessados” (Dupré, 2004, p.334). A utilidade da flexibilidade do conceito de
gene é bem representado pelo que Richard Burian define como o gene nominal:
– 93 –
§3
49Pseudogenes são seqüências de DNA semelhantes aos genes – possuem regiões promotoras e sitios de splicing –,
mas que não são transcritos. Em geral, os pseudogenes possuem homólogos funcionais. O genoma humano possui
quatro vezes mais pseudogenes do que “genes verdadeiros” (Lewin, 2007).
– 94 –
§3
50 Small nuclear RNAs – um dos muitos tipos de RNAs ativos descobertos nos últimos anos (Eddy, 2001)
51A biologia molecular vem ampliando a análise funcional além das regiões de DNA que codificam proteínas. Em
coerência com esta análise funcional ampliada do genoma, os introns têm sido reconhecidos como importantes fontes
de miRNAs. Recentemente, foi proposto que estes miRNAs também são processados (Ruby, Jan et al., 2007).
– 95 –
§3
funcionamento e o desenvolvimento dos seres vivos (ver figura 6). Por exemplo, ele é
um dos principais mecanismo no modelo molecular mais aceito para a diferenciação
sexual em moscas drosófilas (Nagoshi, Mckeown et al., 1988; Lewin, 2007).52
(c) edição de RNA: A edição de RNA refere-se a alterações pontuais nos nucleotídeos
de RNAm. Ela envolve duas classes de processos: a inserção ou exclusão de
nucleotídeos e a modificação de nucleotídeos preexistentes. (Keegan, Gallo et al.,
2001). A forma mais conhecida de edição de RNA são as conversões de citosina em
uracila e de adenosina em inosina (que é interpretada pela maquinaria celular como
guanina). Em muitos casos, estas mudanças são necessárias para a produção de uma
proteína específica. E seus efeitos não se limitam apenas à mudança de um
determinado aminoácido. A edição de RNAm pode alterar, por exemplo, a posição do
códon de terminação ou a moldura de leitura (reading frame), produzindo assim um
polipeptídio completamente diferente.
Os três processos apresentados acima bastam para construir uma crítica ao
preformacionismo molecular, mas outros processos pós-transcricionais são importantes. Por
exemplo, nem todo RNAm transcrito e processado no núcleo é exportado para o citoplasma.
Consequentemente, mesmo uma célula com a mesma população de RNAm no seu núcleo, não
produzirá as mesmas proteínas (Gilbert, 2006). A regulação também pode ocorrer após a
tradução do RNAm em proteína. Por exemplo, muitas proteínas precisam associar-se com
ións, carboidratos, lipídeos, etc. ou interagir com outras proteínas (chaperonas) para se
tornarem funcionais. Além disso, “a célula não é mais vista como um saco, com cada proteína
encontrando seus parceiros funcionais ao acaso, mas como uma estrutura altamente
organizada” (Morange, 2006, p.119), de modo que a função de uma proteína depende da sua
posição e transporte a regiões específicas da célula.
A conseqüência geral desta complexidade da função gênica é que o contexto celular
tem sido considerado determinante para expressão de um determinado gene (Wolf, 1995;
Hall, 2001; Nijhout, 2003; Stotz, 2006). A especificidade de uma proteína não pode mais
simplesmente ser atribuída à colinearidade com o DNA. Ela depende de diversos mecanismo
52 Pode ocorrer também um processo, por enquanto pouco conhecido, chamado de trans-splicing, onde transcritos
primários de RNAm provenientes de diferentes cromossomos são unidos para formar uma única molécula de
RNAm. Acrescenta-se ainda que o splicing em si também é regulado por sequências silenciadoras e amplificadoras
de splicing.
– 96 –
§3
distribuídos pela célula. “Um contexto celular é necessário para o DNA funcionar e contextos
celulares diferentes extraem informações diferentes da mesma seqüência de DNA” (Burian,
2004, p.63). Os fatores que ativamente atuam na expressão de um gene co-especificam a
seqüência do polipeptídio (Stotz, no prelo). O caso do gene "-tropomiosina fornece um bom
exemplo (Figura 7). Diferentes seqüências de RNAm são produzidas a partir da mesma
seqüência de DNA, de acordo com o tipo celular em que a expressão genética ocorre.
Mecanismos como splicing alternativo e diferentes sítios depoliadenilação fazem com que a
especificidade da proteína esteja acoplada ao contexto celular.
– 97 –
§3
produzem uma determinada entidade e passa a ser descrito como o próprio processo de
produção destas entidades. Esta perspectiva processual foi devidamente elaborada por Eva
Neumann-Held e defendida também por Paul Griffiths na definição de gene como um
processo molecular (1999, 2001). Desta perspectiva, o gene passa a se referir ao “processo
recorrente que leva à expressão regulada no tempo e no espaço de um determinado produto
peptídico” (Griffiths e Neumann-Held, 1999, p.659). O gene deixa de ser o material ou
substância hereditária e passa a ser uma unidade dinâmica, vias metabólicas que se repetem
ciclicamente:
“Gene” é o processo (i.e., o decurso de eventos) que liga o DNA e todas as outras entidades
não-DNA relevantes na produção de um polipeptídeo particular. O termo gene, neste sentido,
refere-se aos processos que são especificados por (1) interações específicas entre segmentos
de DNA específicos e entidades específicas não localizadas no DNA e (2) mecanismo
específicos de processamento dos RNAms em interações com entidades não localizadas no
DNA. Estes processos, em sua ordem temporal específica, resultam (3) na síntese de
polipeptídios específicos. Este conceito de gene é relacional e sempre inclui interações entre o
DNA e seu ambiente desenvolvimental. (Neumann-Held, 2001, p.74)
– 98 –
§3
– 99 –
§3
Figura 8. Epigênese molecular: A seqüência de polipeptídios de uma proteína não está representada em uma
seqüência de DNA específica. A seqüência é criada durante a sua realização (a ordem dos processos aqui
representados não corresponde necessariamente a ordem em que eles ocorrem. Eles podem ocorrer
concomitantemente).
No capítulo dois discuti como a teoria celular originou duas tradições de pesquisas
diferentes: a citologia — focada no conteúdo intracelular — e a embriologia experimental —
focada na diferenciação e relação intercelular. No decorrer do século XX, a metodologia da
biologia molecular, inicialmente focada na relação entre DNA e proteína, invadiu o restante
da célula, transformando a citologia em biologia molecular da célula (e.g., Alberts, Bray et
al., 1999). No entanto, por motivos principalmente técnicos, a análise molecular do
desenvolvimento ganhou força apenas a partir da década de 80, levando a biologia do
desenvolvimento (como passou a ser chamada a embriologia a partir dos anos 50) a
reconquistar seu prestígio. Discuto nesta seção porque os resultados obtidos desde então
contrariaram a esperança de que o desenvolvimento poderia ser descrito como um processo
programado de ativação e desativação ordenada de genes. Mostrarei que a abordagem
molecular do desenvolvimento, embora reducionista e genecêntrica, emprega modelos de
regulação intercelular. A expectativa dos primeiros anos da genética molecular de descrever o
desenvolvimento a partir de mecanismos autônomos de diferenciação foi frustrada pelos
resultados obtidos por seus próprios avanços sobre questões embriológicas (De Chadarevian,
1998) .
Durante o nascimento da genética, a embriologia continuou sendo um próspero campo
de pesquisa. Enquanto Morgan e muitos outros pesquisadores, especialmente citologistas,
migravam para a genética, os embriologistas rejeitaram a redefinição do desenvolvimento
como a expressão diferencial dos genes e deram continuidade à tradição de pesquisa
epigenética. A embriologia continuou a investigar o desenvolvimento a partir de modelos que
enfatizavam as interações reguladoras entre as partes do organismo e entre o organismo e o
ambiente. O resultado foi uma completa ruptura disciplinar entre a embriologia e a genética.
Rapidamente, “genética e embriologia tinham suas regras de evidência, seus experimentos
paradigmáticos, seus próprios organismos favoritos, seus próprios professores, seu próprios
jornais e, mais importante, seu próprio vocabulário” (Gilbert, 1996, p.102).
– 100 –
§3
53 Gayon (2004) constata que, no sentido intelectual do termo disciplina, é questionável que a genética molecular
ainda seja uma disciplina. Ela tornou-se “mais uma anatomia e uma fisiologia molecular de estruturas e regulações
genômicas do que uma ciência dos genes propriamente dita” (ibid, p.252). O acoplamento do gene ao contexto
celular fez da genética uma sub-disciplina da biologia celular.
– 101 –
§3
– 102 –
§3
Todas as regiões transplantas diferenciaram-se de acordo com a nova região em que foram
enxertadas, mostrando que seu destino ainda não estava determinado e podia ser regulado. A
única exceção foi a região do lábio dorsal do blastóporo. Quando enxertado na região que
presumivelmente se tornaria a pele da barriga, ela originou as mesmas estruturas que teria
formado na sua região original: a endoderma faringeal e a mesoderma dorsal (somitos e
notocorda). Porém, o que mais chamou atenção não foi o fato de que esta região, ao contrário
das demais, já estava comprometida com um determinado destino. O enxerto também induziu
a formação de uma nova placa neural na região adjacente, que deu origem a um segundo
sistema nervoso central e, por fim, um segundo embrião completo (ver Figura 9b e 9c). Como
o experimento foi realizado com espécies de tritões de cores diferentes, foi possível perceber
que as células que deram origem aos neurônios pertenciam ao embrião que recebeu o enxerto
e que, presuntivamente, teriam outro destino. Elas haviam sido induzidas pelo enxerto a
mudar de destino e diferenciar-se em células nervosas. Em 1924, Spemann e Mangold
publicaram o resultado da sua pesquisa, chamando a região do lábio dorsal do blastóporo de
organizador, pois ele era responsável não apenas pela indução neural, mas também pela
dorsalização da mesoderma e pela iniciação da gastrulação. A indução neural também foi
chamada de indução primária, pois iniciava a cascata de diferenciação e relações indutivas
cada vez mais específicas que caracterizava a ontogenia segundo a perspectiva epigenética da
embriologia.
O organizador tornou-se o centro das atenções dos embriologistas.56 Durante mais de
meio século, diversos laboratórios dedicaram-se à investigação da natureza molecular dos
sinais indutivos emitidos pelo organizador. Os primeiros anos de pesquisa levaram a crença de
que moléculas solúveis eram secretadas verticalmente pelo organizador — da mesoderma
dorsal para as células ectodérmicas acima — instruindo-as a se tornarem células nervosas
(Gilbert, 2001a). A metodologia era clara e direta: a ectoderma competente era exposta a
diversas substâncias e sua evolução morfológica era acompanhada. Os resultados,
inicialmente estimulantes, levaram a um impasse — a não especificidade das substâncias
indutoras. Centenas de substâncias eram capazes de induzir a formação do sistema nervoso
central, até mesmo soluções salinas e grãos de areia (Gilbert, 2001a; De Robertis, 2006).
56Regiões equivalentes ao organizador foram descobertas em todas as classes de vertebrados e também em anfioxos
(Gilbert, 2006; Garcia-Fernandez, D'aniello et al., 2007).
– 103 –
§3
neural por moléculas antagônicas secretadas pelo organizador — noggin, cordina e folistatina
(ver figura 9d) (Weinstein e Hemmati-Brivanlou, 1997; De Robertis e Kuroda, 2004).57
Por último, cabe ainda acrescentar que a indução primária, que já havia mostrado não
ser uma indução, mas uma repressão da indução epitelial, mostrou-se também não ser
primária (Gilbert, 2001a). A endoderme dorsal presuntiva forma uma região — o centro de
Nieuwkoop 58, que induz a formação do organizador de Spemann na mesoderma acima. O
centro de Nieuwkoop é formado por proteínas e RNAm maternos distribuídos no citoplasma a
partir do ponto de entrada do espermatozóide no óvulo e da rotação cortical, assim como
também a gravidade (Wolpert, 1998; Gilbert, 2006).
57O modelo padrão atualmente tem sido debatido (Munoz-Sanjuan e Brivanlou, 2002; Stern, 2005; 2006; Zaraisky,
2007) Mas para o propósito desta discussão ele é suficiente, pois estou interessado na estrutura dos modelos
moleculares em biologia do desenvolvimento e não em uma explicação adequada e completa da indução neural.
58 Em homenagem ao seu descobridor, o embriologista holandês Pieter Nieuwkoop (Wolpert, 1998).
– 105 –
§3
59 A formação do eixo antero-posterior em moscas drosófilas é um destes casos. Em uma série de experimentos
fundamentais para revalorização da biologia do desenvolvimento a partir da década de 80, o laboratório de Christiane
Nüsslein-Volhard chegou a um modelo molecular da formação do eixo antero-posterior em Drosophila melanogaster
(Keller, 1996). O modelo propõe que gradientes citoplasmáticos de proteínas e RNAm maternos ativamente
inseridos no oócito por células maternas pré-padronizam o eixo antero-posterior e a segmentação do corpo. De
maneira simplificada, o modelo afirma que a região anterior do oócito possui uma alta concentação do RNAm do
gene bicoid, enquanto que a região posterior possui alta concentração do gene nanos. Logo após a fertilização, os
RNAm dos genes bicoid e nanos são traduzidos pela maquinaria celular do embrião. A proteína bicoid ativa a síntese de
outro RNAm materno distribuído no citoplasma chamado hunchback. A proteína nanos, pelo contrário, reprime a
síntese de hunchback , criando um novo gradiente citoplasmático. O gradiente de proteínas hunchback ativa,
diferencialmente, oito genes gap, que por sua vez ativam a expressão de nove genes pair-rule, os quais determinarão a
identidade dos segmentos pela ativação diferencial de Hox genes (Gilbert, 2006). Uma recente revisão do assunto
aponta que, mesmo na blastoderma sincicial de drosófilas, interações entre os núcleos não podem ser ignoradas
durante a padronização espacial do embrião (Kerszberg e Wolpert, 2007).
– 106 –
§3
expressão gênica diferencial, o desenvolvimento não é uma cadeia causal linear e pré-
determinada, mas depende da reticulação de interações criadas a cada etapa do processo.
A linguagem informacional da biologia do desenvolvimento, amparada em termos
como sinais e receptores, não são uma extensão dos modelos preformacionistas da genética
molecular clássica, como sugere Maynard-Smith (2000). Sinais e receptores, em biologia do
desenvolvimento referem-se a interações entre células, não a manifestação da informação
contida em um programa genético. Em que sentido é possível dizer que a ontogenia está
programada no DNA, quando ela depende, desde sua etapa mais inicial, de sinais e interações
entre células? Como o exemplo da indução neural mostra, a diferenciação em uma célula
epitelial ou em uma célula neural não está internamente programada. Ela depende da relação
de indução e competência entre as células da gástrula. E as condições para uma relação de
indução e competência resultam de muitos outros eventos anteriores e independentes. Por
exemplo, a ectoderma só responde aos antagonistas de BMP-4 após ter sido exposta a outros
sinais do organizador durante cinco horas (Stern, 2005). Ademais, as relações indutivas não se
limitam ao interior do organismo. Interações ambientais e sociais participam da expressão
“normal” dos genes (Van Der Weele, 1999; Gottlieb, 2001a; Gilbert, 2002; 2006). A própria
determinação da região onde se formará o tubo neural depende do ponto de entrada do
espermatozóide e a formação do centro de Nieuwkoop. De fato, durante a ontogenia, certos
genes são ativados e outros são desativados. No entanto, atribuir a seqüência de ativação e
desativação à instruções no DNA da célula inicial é ignorar a série de interações que emergem
durante a ontogenia. “Programa, neste contexto, é uma descrição a posteriori da estrutura e
não uma instrução a priori para gerar a estrutura” (Wolf, 1995, p.145). 60
Além disso, não é possível atribuir um início à hierarquia de ativação gênica. É
verdade que um gene pode alterar o padrão de ativação de muitos outros genes, como no caso
dos chamados “genes mestres” (Gehring, 1996). Porém, isso não implica que eles sejam o
início da hierarquia, nem que os genes seguintes não dependam de novas interações (Wilkins,
2002). Todo gene está situado em um contexto histórico e celular e sua expressão está
intrincada a este contexto. “Não pode haver topo da hieraquia em um ciclo de vida. A
60 Deparado com o problemas com estes, Konrad Lorenz considerou a indução neural como um exemplo de
programa aberto, uma idéia proposta por Mayr (1997). Nesta interpretação pouco parcimoniosa, as relações indutivas
entre a ectoderma e o organizador não são causalmente constitutivas. Elas apenas ativam informações alternativas
preexistentes no programa aberto (Oyama, 1985).
– 107 –
§3
hierarquia tem se tornado uma rede de interações […] Reguladores devem ser regulados por
fatores que são eles mesmos regulados e reguladores” (Gilbert, 2000, p.186-187).
Levando-se em consideração as discussões da seção anterior, na qual mostrei a
necessidade de contextualizar a expressão gênica, a perspectiva epigenética ganha ainda mais
força. As proteínas envolvidas na sinalização intercelular — p. ex. noggin, cordina, BMP4,
etc. — não são simplesmente ativadas, mas constituídas. Assim como seu efeito, sua própria
produção está contextualizada em locais e momentos específicos. A questão não é quais
seqüências determinam o processo desenvolvimental, mas quais seqüências são usadas pelo
processo desenvolvimental para produzir aqueles produtos (Griffiths, 2001). Pois a própria
natureza da proteína depende da maquinaria celular e do entorno intercelular. Tome como
exemplo os fatores de crescimento de fibroblastos (FGF), proteínas sinalizadoras
intercelulares envolvidas no crescimento e diferenciação de diversos tipos celulares. Embora
transcritas a partir de nove genes em mamíferos, podem resultar, por splicing alternativo e
sítios de iniciação de transcrição alternativos, em dezenas de proteínas diferentes (Wolpert,
1998; Gilbert, 2006).61 A regulação intercelular e a epigênese do gene podem ser vistos como
dois extremos de uma perspectiva celular do gene (figura 10).
61 No caso da indução neural, Stern chama atenção para o fato de que, em embriões de galinha, a inibição de BMP4
pode ocorrer no nível de transcrição, mostrando como so fenômenos de regulação molecular e expressão gênica
estão interligados (Stern, 2005).
– 108 –
§3
Figura 10. Visão celular do gene: De 1 a 13, o processo de expressão gênica unifica genética, biologia celular
e biologia do desenvolvimento. Adaptado de Gilbert (2006).
– 109 –
§3
—4—
A nova epigênese
O século XX, mais do que o século do gene (Keller, 2000), foi o século da
preformação. Desde a concepção de um material hereditário, no fim do século XIX, passando
pela operacionalização mendeliana, até a formulação molecular contemporânea, a biologia foi
guiada pelo pressuposto de que existem partículas que controlam a hereditariedade e o
desenvolvimento. Durante este século de hegemonia, a perspectiva preformacionista orientou
a construção dos modelos da genética clássica e da genética molecular. No capítulo anterior,
discuti a adequação dos modelos preformacionistas da genética molecular clássica frente aos
dados da biologia atual. A contextualização celular do gene colocou em questão os modelos
que representam (i) o DNA como uma imagem codificada das proteínas e (ii) o
desenvolvimento como uma seqüência linear de ativação gênica.
Estas duas suposições formam o que chamei de versão moderada do
preformacionismo molecular. O DNA não codifica caracteres, nem o genoma possui uma
planta do organismo. Contudo, existe uma versão forte do preformacionismo molecular. Ela
resulta da noção subentendida de que a genética molecular revelou a estrutura físico-química
do gene instrumental da genética clássica. Misturando as duas teorias, a versão forte atribui ao
DNA a capacidade de produzir um caráter fenotípico e ao genoma a prefiguração da forma
adulta.
A versão forte do preformacionismo molecular torna explícita sua relação com a
tradição preformacionista. A analogia entre o homúnculo e a planta arquitetônica é evidente.
No entanto, tanto a versão forte, quanto a versão moderada, são orientadas por um arcabouço
preformacionista. Ambas conservam os pressupostos de que existe uma estrutura interna
– 110 –
§3
4.1.1 Origens
62 Larry Laudan defende que as tradições de pesquisa, ao contrário das matrizes disciplinares de Kuhn, não são
necessariamente implícitas.
– 112 –
§3
hegemônica durante o século XX. Articulada nas décadas de 80 e 90, a PSD seguiu contra a
corrente determinista do mainstream da biologia. Não surpreende, portanto, que ela, em parte,
tenha se inspirado fora do núcleo das ciências biológicas. Muito dos seus conceitos,
metodologias e experimentos exemplares têm raízes no estudo do desenvolvimento do
comportamento animal ou psicobiologia desenvolvimental.
Ao contrário da biologia em geral, onde o preformacionismo genético dominou de
modo quase absoluto, a psicobiologia desenvolvimental preservou uma perspectiva
epigenética. Ao estudar as bases biológicas da conduta dos animais, ela rejeitou o pressuposto
de que as características dos seres vivos eram determinadas por um material hereditário. As
tentativas de atribuir a herança e o desenvolvimento dos comportamentos aos genes foram
constantemente criticadas e contrapostas por explicações desenvolvimentais (Lehrman, 1953;
Schneirla, 1966; Kuo, 1967; Bateson, 1978; Johnston, 1987; Gottlieb, 2001b).
A recusa da psicobiologia desenvolvimental a explicações preformacionistas fica clara
na resistência à redefinição do conceito de instinto como comportamentos geneticamente
determinados. O conceito de instinto foi largamente empregado pela jovem ciência da
psicologia.63 Contudo, até o início do século XX, não havia uma nítida distinção entre instinto
e hábitos (comportamentos aprendidos que se tornavam automáticos com a prática). Instintos
podiam ser provenientes de hábitos que foram incorporados como comportamentos inatos. Do
mesmo modo, comportamentos complexos eram considerados como instintos que foram
afrouxados e elaborados pela experiência. Comportamentos que precisavam ser “afinados”
pela experiência eram chamados de “instintos incompletos” (Griffiths, 2004). Lloyd Morgan
falava em “hábitos instintivos”; Wundt em “instintos adquiridos”, George Romanes em
“instintos secundários” (Johnston, 1995). Havia um gradiente entre comportamentos
instintivos e aprendidos, como deixou claro Whitman (1986, p.245): “podem haver ‘misturas’
e todo tipo de ‘interações’ entre hábitos e instintos”.
A nítida separação entre instintos e hábitos ocorreu somente após o amadurecimento
da genética e a absoluta separação entre fenômenos hereditários e desenvolvimentais
63 Charles Darwin dedicou um capítulo do Origens das espécies aos instintos e os definiu como uma ação
“desempenhada por um animal [...] sem nenhuma experiência e por muitos indivíduos da mesma maneira, sem que
eles saibam qual o propósito da ação (Darwin, 1959, p. 207). William James, no Princípios de Psicologia, também
dedicou um capítulo aos instintos, definidos na primeira frase como “a faculdade de agir de tal maneira a produzir
um determinado fim, sem prever este fim e sem ter sido educado para fazê-lo”(1890, p.384). Portanto, os instintos
eram entendidos como impulsos, atos irracionais que conduziam a comportamentos apropriados tanto no homem
como nos demais animais.
– 113 –
§3
64 As críticas de Lehrman foram, em boa medida, assimiladas pelos etologistas, principalmente Nikolaas Tinbergen,
que gradualmente abandonou as noções inatistas. Por exemplo, em “On the aims and methods of ethology” Tinbergen
assume que o uso do termo inato para descrever o comportamento é “heuristicamente prejudicial” (Tinbergen, 1963,
p.425) Contudo, Konrad Lorenz preferiu não abandonar o inatismo e continuou a defender a divisão entre
comportamentos inatos e aquiridos em uma perspectiva filogenética adaptacionista. Para isso, ele reformulou sua
teoria a partir da linguagem informacional. Comportamentos inatos e adquiridos diferiam, segundo as novas idéias
de Lorenz, quanto a informação da qual eles provinham. Instintos eram hereditários e provinham da informação
genética acumulada durante o processo evolutivo. Esta tradição de pesquisa deu origem à sociobiologia (Wilson,
1975) e, posteriormente, à psicologia evolutiva (Pinker, 1997).
– 114 –
§3
amniótico bombeado pelas batidas do coração. Um dia depois, a cabeça passa a inclinar-se
ativamente em resposta à estimulação tátil e o bico a abrir e fechar. Poucos dias depois, o
fluxo forçado de líquido amniótico pela garganta causa o movimento de engolir. Ao nascer, o
pintinho, “instintivamente”, cisca.
É importante perceber nestes experimentos que as interações que emergem durante o
desenvolvimento não são instruções para um determinado comportamento. O chamado
produzido pelo pato de Gottlieb dentro do ovo é diferente do chamado materno. Ele não
ensina ao patinho o chamado da sua espécie, mas apenas fornece uma interação necessária
para o desenvolvimento do sistema nervoso e auditivo. Da mesma forma, o bater do coração
não instrui o pinto a ciscar. Estas ações não-instrutivas demonstraram a inadequação da
dicotomia inato e aprendido. Não há certos comportamentos genéticos e outros adquiridos.
Todo comportamento é, ao mesmo tempo, inato e aprendido. “Sobre a análise
desenvolvimental, as categorias inato e aprendido expandem, inter-ramificam e coalecem,
deixando de ter sentido (Gray, 1992, p.171). O processo de desenvolvimento é um processo
inerentemente epigenético. “[E]m qualquer estágio do desenvolvimento, as novas
características emergem das interações no estágio atual e entre o estágio atual e o
ambiente” (Lehrman, 1953, p.345).
Uma maneira de interpretar a PSD é encará-la como uma extrapolação da
psicobiologia desenvolvimental para outros domínios. Como afirma Paul Griffiths, “[a PSD] é
uma tentativa de tornar explícito e refletir sobre os principais conceitos desta tradição de
pesquisa” (2006, p. 191). A PSD leva a recusa da dicotomia entre comportamentos herdados e
adquiridos para o estudo dos sistemas vivos em geral. A ontogenia morfológica também deve
ser investigada como uma constante interação entre causas internas e externas. Assim como o
desenvolvimento do comportamento não é um epifenômeno da maturação neural (Gottlieb,
2001a), o desenvolvimento do organismo não é um epifenômeno da expressão genética. Ele é
a constituição epigenética de um sistema através das interações entre seus múltiplos níveis e o
ambiente.
Uma segunda contribuição que se destaca na confluência de idéias que alimentaram a
PSD são as idéias de Richard Lewontin. É inusitado que um geneticista de populações, ex-
aluno de Dobzhansky, tenha tornado-se inspiração de uma abordagem radicalmente
desenvolvimental. Porém, além da sua contribuição empírica em genética, Lewontin
colaborou também com discussões em filosofia e sociologia, tornando-se um importante
– 117 –
§3
– 119 –
§3
herdabilidade de um caráter, isto é, inferir um índice estatístico que mostra a proporção das
variações que podem ser atribuídas aos genes e ao ambiente.
Para a realização de uma ANOVA, é necessário uma população com variação no
caráter estudado. Por exemplo, se o estudo pretende investigar a herdabilidade do tamanho do
corpo, a população deverá conter indivíduos de tamanhos diferentes. Como em uma
população natural haverá também variação genética, a herdabilidade será inferida da
correlação entre a variação no tamanho e a variação genética. Quanto mais indivíduos com o
mesmo genótipo apresentarem o mesmo tamanho, maior será a porcentagem de herdabilidade
genética. Se todos os indivíduos com o genótipo g possuírem o caráter t e todos os indivíduos
não-g não apresentarem o caráter t, a variação do caráter será 100% genética. Por outro lado,
se a distribuição do caráter t for aleatória em relação aos diferentes genótipos, a variação será
100% ambiental. Mas, se apenas metade dos indivíduos com o caráter t possuírem o genótipo
g, a variação será 50% genética e 50% ambiental.
Neste ponto, duas críticas de Lewontin se encontram. O estudo genético de populações
(i) confunde causas da variação e causas da forma e (ii) pressupõe que a relação causal entre
organismos e ambiente é independente. A confusão das causas da variação com as causas da
forma, já discutida acima, torna-se evidente no índice de herdabilidade: as causas
quantificadas em análises de variação não são causas da forma, são causas da variação. Um
caráter cuja variação é 100% ambiental, depende, evidentemente, da ação de genes para
existir. O cálculo do índice de variação do número de pernas em uma população de seres
humanos fornecerá um alto coeficiente ambiental. A maioria da variação será devida a causas
ambientais como acidentes e doenças. Mas ninguém supõe que o fato de humanos terem duas
pernas não possui causas genéticas (Bateson, 2001). Além disso, a análise genética
quantitativa não ilumina o processo de desenvolvimento individual. Ela fornece apenas
informações sobre uma determinada população em um determinado contexto. Dizer que a
variação de um caráter em um indivíduo é 50% genética e 50% ambiental a partir de uma
ANOVA é uma falsa inferência. “Variações encontradas entre indivíduos não podem ser
validamente aplicadas para uma explicação em indivíduos: variação inter-individual não
explica a variação intra-individual” (Gottlieb, 2003, p.338). A falácia fica clara ao percerber
que alterando a população (adicionando ou removendo indivíduos), alteram-se também os
índices de herdabilidade. Não faz sentido afirmar que a ação dos genes ou do ambiente em
– 122 –
§3
Figura 11. Normas de reação: (a) determinismo genético; (b) interacionismo aditivo; e (c) interacionismo não-
aditivo. Modificado de Lewontin (1974).
– 123 –
§3
maior que G2. No entanto, este tipo de interação aditiva (G + A = F) é rara (Gupta e
Lewontin, 1982; Nijhout, 2003). A interação entre ambiente e fenótipo, geralmente, é não-
aditiva, como representada na figura 11c. As mesmas variáveis ambientais produzem
resultados fenotípicos diferentes em genótipos distintos. Enquanto no genótipo G1, digamos,
o aumento de temperatura leva ao aumento do tamanho do corpo, no genótipo G2 ele resulta
na diminuição. Portanto, é impossível diferenciar a porcentagem da variação do tamanho que
é causada pelos genes e a porcentagem que é causada pelo ambiente. As duas causas são
interdependentes. Cada genótipo responde de maneira particular ao ambiente.
Consequentemente, o conhecimento dos efeitos fenotípicos em um ou vários contextos
ambientais não permite prever os efeitos em outros contextos ambientais (Gottlieb, 2003).
Portanto, seguindo um caminho diferente — a análise quantitativa da relação entre
organismo e ambiente — Lewontin chega à mesma conclusão da psicobiologia
desenvolvimental: organismo e ambiente atuam juntos no desenvolvimento. Tanto a análise
individual da psicobiologia desenvolvimental quanto a análise populacional da genética do
comportamento indicam que não há uma natureza inata e uma variação adquirida. As
características são produzidas epigeneticamente em interações não-aditivas. A natureza do
organismo não é determinada por um potencial interno que se manifesta em um contexto
ambiental. A natureza do organismo é construída em uma seqüência permanente de interações
interdependentes entre suas partes e com o ambiente.
4.1.2 Pressupostos
– 124 –
§3
Preformação Epigênese
Hereditariedade como transmissão Hereditariedade como re-produção
Primazia causal dos genes Paridade e interdependência causal
Hereditariedade genética Hereditariedade expandida
Processo programado Processo contingente
Tabela 1. Comparação entre os pressupostos da perspectiva da genética e da perspectiva dos
– 125 –
§3
os olhos azuis da mãe e o daltonismo do avô não porque possui genes para a cor dos olhos ou
para o daltonismo. O gene molecular contemporâneo não é um gene para um fenótipo. Ele
produz, no máximo, uma proteína e, em raros casos, é possível relacionar a alteração de uma
proteína a um fenótipo. O gene contemporâneo é um recurso desenvolvimental envolvido no
processo de produção de fenótipos, não a representação codificada de um determinado
fenótipo. O fato do daltonismo, às vezes, poder ser relacionado a uma mutação no
cromossomo X, não significa que o gene do daltonismo foi literalmente transmitido. Este tipo
de asserção tem valor apenas instrumental. Fisiologicamente, o que foi transmitido foi um
recurso que participa da produção de um certo fenótipo. A percepção alterada de cores é o
resultado de um processo que envolve múltiplos recursos e níveis em interação. Ele pode ser
tanto a conseqüência de uma proteína defeituosa, quanto de uma lesão cerebral em um
acidente de carro (Sacks, 1997).
Para continuar a falar em transmissão entre gerações, deve-se abandonar a idéia de
que os caracteres ou os determinantes dos caracteres são transmitidos. Se algo é transmitido,
são os recursos desenvolvimentais que permitem a reprodução destes caracteres. “O que é
transmitido entre gerações não são os caracteres ou as plantas arquitetônicas ou
representações, mas sim meios (ou recursos ou interagentes)” (Oyama, 2000a). Isto não
significa que todos os recursos desenvolvimentais pré-existem ao desenvolvimento. “Os
constituintes e configuração do sistema mudam com sua atividade. Deste ponto de vista,
muitas partes do complexo em mudança são gerados por eles mesmos” (Oyama, 2000, p.88).
Os hormônios produzidos pelos testículos, por exemplo, serão decisivos para a determinação
das características sexuais em humanos. Ele é um recurso desenvolvimental que deve estar
presente em um determinado momento da ontogenia, mas não preexiste à sua realização. Ele
emerge durante a ontogenia.
Em resumo, a PSD propõe que o fenômeno hereditário é resultado da re-ocorrência de
um processo, não a transmissão de um material preformador. Por isso, a “natureza” dos seres
vivos é radicalmente epigenética e histórica. Ela não depende da existência e transmissão de
um material portador da forma. A natureza é re-desenvolvida, re-produzida e re-adquirida a
cada geração. O que é transmitido são apenas recursos internos e externos para que o processo
possa se repetir.
– 127 –
§3
O que é necessário para que uma uva possa produzir um bom vinho? É de
conhecimento comum que dependerá tanto da variedade da uva, quanto de onde e quando ela
foi plantada. A uva deverá ser de uma variedade apropriada. O clima deverá ser seco e
ensolarado. O solo deverá ter uma permeabilidade adequada. Dependerá também do período
de poda e de hibernação. Enfim, o fenótipo da uva vinífera dependerá tanto do genótipo
quanto do ambiente. O mesmo pode ser dito para as asas da mosca drosófila, que dependerão
de uma determinada temperatura para se desenvolver. E também para a altura de uma pessoa,
para o diabetes, para o alcoolismo, ou qualquer outra característica de um ser vivo. O
ambiente, todos sabem, influencia as características dos organismos. Ninguém aceita uma
versão extrema de determinismo genético em que os genes determinam as conseqüências em
todo e qualquer contexto ambiental (como representado na figura11a).
O reconhecimento universal de que genes e ambiente interagem durante o
desenvolvimento é chamado por Griffiths e Sterelny (1999) de consenso interacionista. O
consenso interacionista parece resolver a dicotomia entre natureza e criação e, de certo modo,
também o preformacionismo genético. Afinal, os genes não determinam sozinhos as
características dos seres vivos. Elas sempre serão o produto dos genes mais o ambiente. Aliás,
a relação entre genes e ambiente está longe de ser um ponto alheio à genética. Desde o
mendelismo, o resultados dos experimentos clássicos com linhagens puras deixavam claro
que os mesmos genes não produziam os mesmos caracteres em diferentes circunstâncias. A
noção de que os genes dependem de variáveis ambientais está na raiz da distinção entre
genótipo e fenótipo. Como todos também sabem, os fenótipos são o resultado do genótipo
mais o ambiente.
Contudo, o consenso interacionista não resolve a dicotomia entre natureza e criação,
nem o preformacionismo. A solução não é reconhecer que gene e ambiente são importantes,
pois o problema não é ignorar que ambos influenciam o desenvolvimento. Afinal, a genética
nunca supôs que o gene é a causa completa de uma característica do organismo. Genes
sempre dependem do suporte de condições internas e externas. Ninguém pensa no gene como
“algo que, se jogado na lata de lixo do laboratório, faria crescer olhos na lata de lixo” (Dupré,
2004, p.325). Os problemas com a dicotomia entre genes e ambiente são outros: (i) assumir
– 128 –
§3
que o efeito dos genes e o efeito do ambiento são independentes e (ii) assumir que o papel dos
genes e do ambiente têm pesos diferentes no desenvolvimento.
O pressuposto de que causas ambientais e causas genéticas são independentes foi
discutido quando abordei as origens da PSD. A tradição experimental da psicobiologia
desenvolvimental e as críticas de Lewontin ao conceito de herdabilidade mostraram que
causas internas e externas atuam de maneira conjunta. “O fenótipo é a conseqüência única de
um genótipo particular desenvolvendo-se em um ambiente particular” (Lewontin apud Gray,
1992, p.174). Há uma “interpenetração” entre organismo e ambiente (Lewontin, 2001). A
ontogenia não é simplesmente produzida pela soma de causas internas e externas. O efeito de
cada fator é uma função relativa aos demais fatores. Por isso, ao invés de simplesmente
interacionismo, Oyama prefere a expressão “interacionismo construtivo” (Oyama, 2001;
2006). Cada instante da ontogenia é o resultado da relação organismo-ambiente, não da soma
dos seus efeitos.
O pressuposto de que as causas genéticas e ambientais são independentes apóia-se na
alienação entre causas internas e externas, na qual a forma emana do material hereditário e o
ambiente é responsável apenas por variações. Mas, a aceitação da interdependência das causas
internas e externas acaba com a dicotomia entre causas genéticas e ambientais ou caracters
herdados e adquiridos. “Se aceitamos seriamente a origem dos fenótipos em interações
causais [...], nenhuma distinção entre componentes do organismo herdado e adquirido é
defensável” (Oyama, 2000a, p.86). Forma e variação, constância e mudança são o resultado
de interações construtivas entre organismo e ambiente, interno e externo. A ontogenia é
entretecida por causas relacionais.
Um ponto relevante a ser destacado é que a independência causal dos fatores externos
e internos na genética é um pressuposto influenciado mais pela tradição micromerista/
preformacionista da embriologia do que pela tradição mendeliana. As primeiras teorizações
genéticas, antes da materialização do gene, reconheciam que a resposta a uma mesma variável
ambiental não era idêntica em linhagens puras distintas. A gama de respostas era específica do
genótipo. Richard Woltereck, em 1909, chamou esta gama de respostas de norma de reação
(Sarkar, 1999). Woltereck acreditava que o organismo herdava uma norma de reação, não
determinantes dos caracteres. Acreditava também que o conceito, como endossou Johannsen,
era similar ao conceito de genótipo (Schlichting e Pigliucci, 1998). Percebe-se, portanto, o
caráter construtivo e não-deterministas destas conceituações pré-genética morganiana (Sarkar,
– 129 –
§3
1999). Pelo próprio caráter instrumental, elas não podiam negligenciar a co-interação entre
genes e ambiente, ao preço de perder sua eficiência prática. Consequentemente, a
hereditariedade era concebida de modo muito mais permissivo do que normativo. O genótipo
individual limitava as interações possíveis, mas não determinava o fenótipo.
Contudo, após a materialização do gene, as análises e conceitos enfatizaram cada vez
mais a independência causal do gene. Conceitos como penetrância — a proporção de
indivíduos portadores de um determinado alelo que manifestam seu efeito — e expressividade
— a intensidade de manifestação de um alelo — atribuíam a causa da variação às
propriedades do próprio alelo, não ao seu contexto genético e ambiental. Dito de modo
diferente, o fato de que indivíduos portadores de um gene não manifestavam (penetrância) ou
manifestam de modo incompleto (expressividade) os efeitos do gene, também tinham uma
causa genética. Como percebe Sarkar, “as propostas destes novos conceitos era manter a
etiologia genética em face a plasticidade fenotípica induzida pelas interações entre genótipos
e ambientes. A variabilidade na manifestação fenotípica de um caráter tornou-se o resultado
da expressividade do gene e (indiretamente) sua penetrância” (Sarkar, 1999, p.242).
É importante notar que o reconhecimento da interdependência das causas que
interagem na re-construção de um ciclo de vida não significa dizer que os fatores não podem
ser diferenciados (Oyama, 2000a). A PSD defende o abandono da dicotomia, não a rejeição de
distinções. O fato de que os efeitos dos genes dependem de outros fatores não significa que
eles não possam ser reconhecidos separadamente. A PSD não advoga um holismo no qual
todos os elementos devem ser analisados juntos. O que ela defende é uma contextualização
das causas. “[G]enes, organismos e ambientes estão em interação recíproca uns com os
outros, de tal modo que ambos são causa e efeito, de modo complexo, mas perfeitamente
analisável” (Lewontin, 2001, p.61). O efeito de cada fator pode ser definido, mas depende do
contexto histórico e relacional.
O segundo problema com o consenso interacionista aparece justamente na hora de
fazer as distinções. A PSD aceita distinções, mas com duas grandes ressalvas: não devem ser
dicotômicas, nem assimétricas. A atitude usual, ao se analisar os fatores que contribuem para
a ontogenia, é dividi-los em dois. De um lado, são colocados os genes. Do outro, todo os
demais fatores — do citoplasma à cultura. Mas esta dicotomia é uma visão empobrecida dos
vários fatores necessários para a realização do desenvolvimento. A ontogenia não é o
– 130 –
§3
resultado da relação dos genes com o ambiente. Ela resulta de múltiplos fatores, internos e
externos, que interagem em cada etapa do processo (ver próxima seção).
A dicotomia entre gene e ambiente é ainda mais inadequada porque considera o gene
um tipo especial causa. Ela é causalmente assimétrica: os genes são os portadores da natureza
dos seres vivos. O ambiente (e aí inclui-se todo o resto), via de regra, é concebido como
agente permissivo, suporte material para a execução de um programa interno ou, pior, um
“estorvo inevitável” durante a manifestação da essência genética do ser vivo (Falk, 2000).
Ambos, genes e ambiente, são importantes, mas os genes são a causa da forma.
Portanto, o problema com a dicotomia entre gene e ambiente não é a atribuição ao
gene de completude causal, mas de privilégio causal em relação às outras causas. Deste
modo, é mantido o pressuposto preformacionista de que a ontogenia é um processo
internamente determinado por uma partícula portadora da forma, como defendido por
Weismann e Roux. “Permanece a convicção de que existe uma hierarquia de causas, algumas
subalternas e envolvidas apenas em restrições rudimentares (não causas, mas matéria-prima) e
outros que são fonte da forma” (Oyama, 1985, p.14). As interações entre as partes do
organsimo e com o ambiente não são consideradas constitutivas da forma, como defendia
Oscar Hertwig. Elas são apenas causas da variação da forma. No máximo, o ambiente indica
qual natureza alternativa deve ser manifestada (e.g. Agrawal, 2001).
No lugar da primazia causal dos genes, a PSD defende a noção de paridade causal
entre todos os recursos que participam da realização da ontogenia. “Paridade é a idéia que
gene e outras causas materiais estão em par de igualdade” (Griffiths e Knight, 1998, p.254).
Todo componente necessário para a realização da ontogenia possui o mesmo status causal.
Não existe justificativa em atribuir ao DNA privilégios em relação ao demais constituintes do
sistema. Embora o DNA desempenhe um papel único na conservação do sistema, membranas,
mitocôndrias e íons de ferro também desempenham. A primazia causal dos genes permanece
apenas como um ranço do gene clássico e da idéia preformacionista de que existe uma
entidade portadora da forma. Mas, como foi discutido no capítulo 3, o DNA não é esta
entidade. O DNA, enquanto molécula que participa do processo de produção de uma proteína,
só possui sentido em um contexto específico (Burian, 2004). A biologia molecular
contemporânea não permite atribuir qualquer tipo de primazia ou independência às seqüências
de DNA. Nada autoriza — exceto interesses práticos — rebaixar a pano de fundo a
multiplicidade de elementos necessários para a produção de uma proteína. A relevância causal
– 131 –
§3
do DNA está justamente na sua relação com os outros componentes do sistema. Por isso, a
PSD defende “uma visão de causalidade que dê peso formativo a todas as influências
necessárias, pois nenhuma delas sozinha é suficiente para o fenômeno ou para qualquer das
suas propriedades [...]” (Oyama, 1985, p.15).
O privilégio causal atribuído aos genes está profundamente associado à idéia de que
eles possuem informação genética. “Genes são instruções — eles fornecem informação —
enquanto outros fatores são meramente materiais” (Griffiths, 2001). O gene para olho branco
possui informação para o desenvolvimento de olhos brancos, mesmo se a mosca desenvolver
olhos vermelhos. Por outro lado, elementos não-genéticos não possuem informação. Embora
todos aceitem a relevância das membranas ou do ambiente, raramente alguém dirá que eles
possuem informações ou instruções para uma determinada característica. Por exemplo, a
temperatura do ninho é um fator decisivo para a determinação do sexo em tartarugas. Mas
raramente alguém dirá que a temperatura do ninho contém informação para o sexo da
tartaruga. Da mesma forma, via de regra, ninguém dirá que a membrana plasmática de
paramécios possui informação, embora modificações nos padrões de seus cílios sejam
estruturalmente herdadas (Sapp, 2003a).
A PSD argumenta que esta exclusividade dos genes como portadores da informação é
injustificada. Em qualquer sentido que os genes possuem informação, fatores não genéticos
carregam informação também (Sterelny e Griffiths, 1999).67 A tese da paridade também se
aplica ao conceito de informação. Não há justificativa para considerar a informação uma
propriedade exclusiva do DNA.
Alguns autores propõem o abandono da noção de informação. Sarkar, por exemplo,
afirma que “não há uma noção clara e técnica de ‘informação’ em biologia molecular. Ela é
pouco mais que uma metáfora que mascara um conceito teórico [...] que leva a uma imagem
enganosa da natureza das explicações em biologia molecular” (Sarkar, 1996, p.187). Contudo,
a PSD não nega a utilidade do conceito de informação para conceituar as relações causais dos
67 Sterelny e Griffiths (1999) dividem os conceitos de informação em duas classes: informação causal e informação
intensional. As noções causais de informação referem-se simplesmente à dependência sistêmica das causas. A noções
intensionais, por outro, referem-se a propriedades semânticas do gene. A característica mais fundamental da
definição intensional é que ela pode ser falsa. “O conteúdo intensional de uma instrução é o comportamento que ele
pretende produzir, não o comportamento que ele efetivamente produz” (Griffiths, 2006, p.185, itálico no original).
Uma defesa da noção intensional de informação genética foi proposta por Maynard-Smith (Maynard-Smith, 2000).
Segundo Maynard-Smith, entre todos os fatores que contribuem para o desenvolvimento, apenas os genes estão lá
porque foram selecionados para exercer uma determinada função no desenvolvimento. Por isso, os genes possuem
informação intensional para um determinado caráter.
– 132 –
§3
68 Para uma defesa detalhada do conceito de informação coerente com a PSD ver Jablonka (2002).
– 133 –
§3
69É necessário ter cuidado com o termo epigenética, pois ele possui diferentes significados (Jablonka e Lamb, 2002).
Primeiro, o termo pode ser usado como um adjetivo para teorias que concebem o desenvolvimento como um
processo de epigênese. É neste sentido que ele vem sendo utilizado até aqui. Harvey, por exemplo, defendia uma
perspectiva epigenética em oposição às teorias preformacionistas. Mas o termo também foi empregado como um
substantivo em meados do século XX para batizar uma nova disciplina. Conrad H. Waddington propôs o termo
epigenética para definir “o ramo da biologia que estuda as interações causais entre genes e seus produtos que
produzem o fenótipo” (Waddington, 1942, p.19). Por último, na década de 1990, o termo epigenética passou a
referir-se restritamente a alterações na expressão gênica. Formando expressões como controle epigenético, herança
epigenética, mecanismo epigenético, o termo passou a significar a “herança nuclear que não é baseada em diferenças
na seqüência de DNA” (Lederberg, 2001).
– 134 –
§3
70 Jablonka e Lamb (2005) propõem quatro dimensões de sistemas hereditários: uma dimensão genética, uma
dimensão epigenética, uma dimensão comportamental e uma dimensão simbólica. Todas estas dimensões se
entrecruzam e entretecem conjuntamente o desenvolvimento.
– 135 –
§3
enquanto houver a proteína A no citoplasma, o gene estará ativado. Em uma célula existem
diversos ciclos independentes como estes, cada um envolvendo muitos elementos (Jablonka e
Lamb, 2005). A conseqüência é que células geneticamente idênticas, tornam-se
metabolicamente distintas devido à sua história.71 A herança não é apenas estrutural, mas
dinâmica.
Embora a célula como um todo represente um conjunto fundamental de recursos
desenvolvimentais, a ampliação sincrônica da herança é apenas uma dimensão da expansão
defendida pela PSD. Ela é simplesmente a aceitação de que a continuidade material não se
limita à transmissão de determinadas entidades celulares. É o reconhecimento de que a
divisão entre idioblasto e trofoblasto, proposta por Nägeli ainda no século XIX e levada
adiante pela teoria do gene durante o século XX, é inapropriada. A organização celular, com
suas entidades e relações, é herdada como um todo. Não existe um elemento celular
independente e causalmente suficiente para a geração desta organização.
Ao redefinir a hereditariedade como a re-produção de um novo ciclo de vida, a PSD
também amplia a hereditariedade em uma dimensão diacrônica. O fenômeno hereditário não
se restringe à transmissão da estrutura celular que formará o estágio inicial do processo. Ela é
expandida temporalmente, entrelaçada à ontogenia. A hereditariedade passa a incluir a
recorrência de elementos e relações durante a realização do ciclo de vida. A hereditariedade
não é apenas material, mas também interacional.
Um conjunto de interações importantes durante a ontogenia são as simbioses entre
eucariontes e bactérias. Atualmente, é bem aceita a idéia de que as mitocôndrias e cloroplastos
foram incorporadas a partir de bactérias simbiontes (Margulis, 1981). No entanto, estudos
recentes têm ampliado muito nossa percepção da importância de simbiontes. Por exemplo,
novas técnicas permitiram perceber que seres humanos possuem centenas de espécies de
bactérias distribuídas em locais e proporções específicas do trato digestivo (Mcfall-Ngai,
2002; 2006). A ausência destas bactérias tornam a ontogenia inviável. Humanos necessitam
ser “infectados” por bactérias do trato reprodutivo materno durante o desenvolvimento. Outro
exemplo de simbiose bem estudado é a relação entre a lula Euprymna scolopes e a bactéria
luminescente Vibrio fischeri (Nyholm, Stabb et al., 2000). Indivíduos adultos de E. scolopes
71Ironicamente, Jacob e Monob já haviam observado a importância de circuitos auto-sustentáveis para a síntese de
ß-galactosidase (Morange, 2002).
– 136 –
§3
possuem um órgão bioluminescentes repleto de bactérias que a lula jovem adquire da água do
mar. Como se o fato da bioluminescência depender da simbiose não fosse interessante o
suficiente, a própria formação do órgão luminescente depende de interações indutivas com a
bactéria. Lulas livres de V. fischeri não desenvolvem o órgão. O caso mais difundido de
simbiose conhecido é o das bactérias do gênero Wolbachia que “infectam” os óvulos de
milhares de espécies de insetos, crustáceos e nemátodas. Dada a importância da determinação
do sexo para as teorias sobre a hereditariedade, vale dizer que, entre diversas conseqüências,
Wolbachia pode causar a feminização de moscas drosófilas (Clark, Anderson et al., 2005)72.
Exemplos como estes sobre a onipresença de simbioses entre eucariontes e bactérias levaram
Gilbert a afirmar que “todo desenvolvimento é co-desenvolvimento” (2002, p.213). Todo
desenvolvimento envolve o acoplamento entre ontogenias distintas.
A expansão diacrônica da hereditariedade inclui também a recorrência de padrões de
nutrição, feromônios, interações fisiológicas, comportamentais e sociais (Van Der Weele,
1999; Jablonka e Lamb, 2005; Gilbert, 2006). Alguns exemplos: Larvas de abelhas
domésticas se desenvolverão em abelhas-rainhas ou abelhas-operárias de acordo com a
nutrição que receberem: se alimentadas com geléia-real, produzirão altas doses de hormônio
juvenil e se tornarão abelhas-rainhas. (Brian, 1980). O fenótipo de formigas Solenopsis
invicta é influenciado pela “cultura de feromônios” do formigueiro: se trocadas de
formigueiro, as larvas se desenvolvem em fenótipos diferentes (Jablonka e Lamb, 2005).
Pressões exercidas por atividades como mastigar e caminhar são necessárias para o
desenvolvimento do sistema músculo-esquelético (Muller, 2003; West-Eberhard, 2003). Da
mesma forma, a atividade neural é essencial para a formação do sistema nervoso (Goldman e
Nottebohm, 1983; Majdan e Shatz, 2006).
Um ponto talvez mais controverso desta expansão seja a inclusão da recorrência de
recursos ambientais tão genéricos quanto determinados parâmetros de temperatura, insolação
ou umidade como parte do fenômeno hereditário. Mesmo que necessários para a realização de
uma determinada ontogenia, a aplicação da tese da paridade causal nestes casos é controversa.
Mas a importância do papel do ambiente para o desenvolvimento é advertida por Carl
Schlichting (2003): “Quanto maior a amplitude de valores que permitem o desenvolvimento
normal, mais provavelmente esqueceremos o ambiente. Fora destes limites, no entanto, somos
72 Recentemente, os biólogos foram surpreendidos ao constatar que o genoma de uma espécie de mosca drosófila
incorporou o genoma inteiro de Wolbachia. E não mudou fenotipicamente! (Hotopp, Clark et al., 2007).
– 137 –
§3
do desenvolvimento” (Gilbert, 2001, p.3), isto é, são selecionados para pesquisar como o
fenótipo pode ser relacionado diretamente ao genótipo. Expandir o estudo do
desenvolvimento a outras espécies permite superar o viés imposto pelos organismos modelos
tradicionais e explorar a relação entre organismo e ambiente durante a ontogenia.
O interesse pelo papel de fatores não-genéticos no desenvolvimento, de certa
maneira, resgata a abordagem epigenética da embriologia experimental (Sultan, 2003). O
reconhecimento de que a ontogenia é realizada em constante interação com o ambiente fazia
parte da agenda de pesquisadores como Pflüger e Hertwig (lembre, por exemplo, dos estudos
de Pflüger sobre a determinação ambiental do sexo em sapos, discutido no segundo capítulo).
Mas, acima de tudo, a “eco-devo” aponta para a necessidade de expandir o conjunto de
elementos e interações que participam da re-produção de ciclos de vida. Embora a atitude de
Gilbert (2001b; 2002) ainda preserve a prioridade causal dos genes — o ambiente apenas
desengatilha a expressão gênica correta, atuando como uma “indução terciária” (Gilbert,
2003) — ela reflete a necessidade de situar o organismo no seu mundo para entender sua
ontogenia. O fenômeno hereditário, isto é, a re-produção de ontogenias semelhantes, não é
realizada pela transmissão de uma forma interna, mas pela repetição de um complexo
ordenado de interações entre um organismo e um determinado ambiente (ver figura 12). Uma
ecologia do desenvolvimento reconhece o papel do ambiente na constituição da forma, não
apenas na sua variação (Van Der Weele, 1999).
– 139 –
§3
[As sucessões ecológicas] são fenômenos regulares, no sentido de que uma estrutura ecológica
mais ou mais menos previsível surge através de um padrão estereotipados de etapas
intermediárias, em que as abundâncias relativas dos vários tipos de flora e de fauna seguem
uma seqüência bem definida. A regularidade destes fenômenos não é obviamente a
conseqüência de um programa ecológico codificado no genoma dos táxons envolvidos. Ao
invés, ele surge através de uma cascata histórica de interações estocásticas complexas entre as
várias biotas (nas quais os genes desempenham um papel importante, naturalmente) e o
mundo como tal. (Stent, 1981, p. )
– 140 –
§3
1994). O objetivo não é afirmar que os sistemas vivos e os sistemas ecológicos são sistemas
de mesma ordem, nem fazer qualquer julgamento quanto à natureza das sucessões ecológicas.
O ponto a ser destacado é que um processo recorrente não é necessariamente
predeterminado. Como aponta Stent, a fidelidade com que um processo de desenvolvimento
se repete não é evidência para um programa. O desenvolvimento do ecossistema ocorre como
uma sucessão ordenada de etapas, sem que haja uma prescrição desta ordem. Seria absurdo
atribuir a estabilidade e fidelidade da sucessão ecológica a um programa ou qualquer tipo de
predeterminação no estágio inicial do processo. A repetição do desenvolvimento de uma
comunidade depende da recorrência contingente de múltiplos fatores. Diversas cadeias
causais independentes se repetem em uma série típica. Plantas anuais modificam o solo e
atraem animais. Eles semeiam novas plantas, que germinam no solo modificado e fornecem
sombra e abrigo para outros animais, modificando o solo novamente e assim por diante, em
uma sucessão de eventos iterativos e causalmente distribuídos.
O mesmo raciocínio pode ser feito em relação ao desenvolvimento individual. O fato
de ele ser um processo cíclico não significa que ele está predeterminado na estrutura inicial do
processo. A ontogenia é realizada pela repetição contingente das interações entre diversos
recursos desenvolvimentais. DNA, membranas, hormônios, forças morfodinâmicas, cuidado
parental, etc. interagem em uma ordem sucessiva sem que haja um plano ou receita. A
ontogenia é um processo cíclico, mas contingente.73
Ciclos e contingências são palavras que aludem a significados aparentemente opostos.
Repetição e singularidade, confiável e inesperado, necessidade e acidente. Mesmo assim,
Oyama descreve a ontogenia como um ciclo de contingências (Oyama, 2000a). O tema das
contingências tornou-se famoso em biologia através do livro Vida Maravilhosa de Stephen
Jay Gould. Ao discutir a re-interpretação da fauna fóssil pré-cambriana, Gould apontou que
muitos grupos de animais que se tornaram extintos eram aparentemente tão complexos e bem
adaptados quanto os que sobreviveram. O fato de que determinados táxons sobreviveram não
foi devido a qualquer tipo de necessidade interna à lógica do processo evolutivo. Os animais
que sobreviveram e se diversificaram, levando às espécies que existem no presente, são o
resultado da confluência de muitas cadeias causais longas, complexas e independentes, que
73 A idéia de que a comunidade se desenvolvia em direção a um clímax estável e único foi combatido por uma
concepção mais contingente e individualistica do processo de sucessão ecológica, como defendida por Gleason e
Tansley (Mcintosh, 1975). Tais críticas só reforçam a analogia entre os dois processos, pois libertam o
desenvolvimento do ecossistema de qualquer resquício finalista existente na idéia de um clímax único e determinado.
– 141 –
§3
74 A palavra desenvolvimento foi inicialmente utilizada para se referir à teoria da preexistência. Em língua inglesa há
um contratempo a mais, pois a palavra development designa também o processo de revelação de um filme fotográfico.
Curiosamente, em uma carta de Fritz Müller a Charles Darwin, de 1868, comentando sua primeira impressão sobre a
leitura de The Variation of Plants and Animals under domestication, Müller escreveu: “A hipótese da pangênese certamente
cobriria e conectaria várias classes de fatos outrora isolados e inexplicados; dificilmente seria questionável que ovos,
espermatozóides, óvulos de plantas e grãos de pólen, apesar de seus tamanhos minúsculos e aparente simplicidade,
sejam estruturas altamente complicadas, contendo, assim como elas são, uma fotografia de todo organismo do qual
eles são derivados”.
– 143 –
§3
Figura 12: Ciclos de contingências A repetição de ontogenias depende da recorrência de diversos recursos
desenvolvimentais, internos e externos (Gray e Griffiths, 1994).
– 144 –
§3
— Conclusão —
Uma aposta epigenética
[...] não existe nenhuma diferença essencial, exceto quanto aos detalhes mecânicos, entre a
idéia de que o organismo já está formado no ovo fertilizado e a de que o projeto completo do
organismo e toda a informação necessária para especificá-lo já estão contidos ali, uma visão
que domina os estudos modernos do desenvolvimento (Lewontin, 2002, p.13).
Decidi explorar esta acusação e investigar o que significa, precisamente, dizer que a
biologia contemporânea é preformacionista. A conclusão é que a relação não é uma analogia
superficial. O preformacionismo da genética molecular clássica está histórica e
conceitualmente associado ao antigo preformacionismo. Mas, ao invés de dizer, como
Lewontin, que as diferenças entre o homúnculo do século XVII e o preformacionismo
genético estão nos “detalhes mecânicos”, preferi dizer que as diferenças estão nas teorias e
seus modelos. O que as unem é uma perspectiva teórica em comum. Elas compartilham uma
mesma ontologia. Interpreto a preformação, e também a epigênese, como duas estruturas
macro-teóricas que forneceram e ainda fornecem os pressupostos que orientam os processos e
entidades possíveis em diferentes teorias. Mais especificamente, sugeri que preformação e
epigênese, da mesma maneira que o atomismo ou o mecanicismo, sejam interpretadas como
– 145 –
§3
duas tradições de pesquisa guiando a investigação dos seres vivos em diferentes períodos da
ciência ocidental (Laudan, 1977).
Justifiquei a interpretação de que preformação e epigênese são duas tradições de
pesquisa a partir de uma análise histórico-epistemológica. A interpretação partiu do
argumento de que a disputa entre preformação e epigênese é mais ampla e complexa do que a
famosa rivalidade entre preexistência e vitalismo na idade moderna. Diferentes teorias
preformacionistas foram propostas por autores como Hipócrates, Malebranche, Bonnet e
Darwin. Do mesmo modo, diferentes teorias epigenéticas foram propostas por autores como
Aristóteles, Harvey, Kant e Hertwig. Mesmo nos séculos XVII e XVIII, a disputa oscilou
entre posições muito distintas (Roe, 1981). Um ponto importante a ser destacado desta
heterogeneidade é que preformação não é sinônimo de preexistência (Roger, 1971). Nem toda
teoria preformacionista pressupõe a pré-delineação do ser vivo. Teorias como as de Buffon e
Maupertuis, por exemplo, são teorias preformacionistas, mas não preexistencialistas. Elas
supunham uma pré-diferenciação das partes, mas não a preexistência da forma.
Portanto, o que identifiquei como tradição de pesquisa preformacionista não deve ser
igualado às noções de preexistência ou pré-delineação. O compromisso central da tradição
preformacionista é com a predeterminação da forma. Em toda teoria preformacionista, a
forma não é efetivamente realizada durante a existência do ser vivo. Ela está interna e
autonomamente predefinida, de maneira que existe uma pré-diferenciação ou representação
do futuro ser vivo. Por outro lado, a tradição epigenética assume que a forma é realizada
durante sua existência. Não existe pré-diferenciação das partes ou predeterminação da
ontogenia. A forma é efetivamente gerada. Cada etapa produz a etapa seguinte, de modo que
não existe relação direta entre as etapas iniciais e finais do processo.
A interpretação mais ampla do status teórico da preformação e da epigênese como
duas tradições de pesquisas e a identificação dos seus pressupostos centrais permitiu postular
duas questões específicas: (i) de que maneira estas tradições estão historicamente relacionadas
com a biologia contemporânea e (ii) de que maneira os pressupostos preformacionistas e
epigenéticos se relacionam conceitualmente com as explicações atuais.
Quanto à relação histórica, mostrei que as tradições da preformação e da epigênese
chegaram ao século XX polemizadas no contexto da embriologia experimental. No fim do
século XIX, a embriologia, antes meramente descritiva e comparativa, passou a pesquisar
experimentalmente as causas da forma. Apoiada na teoria celular (toda célula era gerada por
– 146 –
§3
genéticas também diziam respeito apenas à repetição de similaridades, não à sua produção.
Como enfatizou Morgan, a genética clássica era uma ciência da transmissão hereditária, não
uma ciência do desenvolvimento (Morgan, 1919).
Para compreender o fenômeno desenvolvimental, era necessário investigar como os
genes atuavam na fisiologia do organismo. A investigação do efeito fisiológico do gene partiu
da noção de que os genes eram entidades materiais. Os fatores operacionais do mendelismo
foram reificados pela genética morganiana como as partículas hereditárias determinantes da
ontogenia postuladas pela tradição preformacionista. Os genes-instrumentais tornaram-se os
genes-determinantes-da-forma. O projeto da genética molecular clássica pode ser interpretado
como uma busca pela função gênica a partir desta interpretação realista do gene. O gene
clássico, inferido como um locos cromossômico a partir de grupos de ligação, foi redefinido
pela genética molecular como uma seqüência de DNA. A partir desta redefinição estrutural, a
função gênica foi definida como a produção de uma seqüência de polipeptídios por meio dos
processos de transcrição e tradução. O desenvolvimento, por sua vez, foi descrito como um
processo de expressão gênica diferencial. Apoiados no jargão informacionista, estes modelos
moleculares levaram à duas noções centrais da biologia a partir da segunda metade do século
XX: os genes possuem a informação para os caracteres dos organismos e o genoma possui um
programa que determina a ontogenia.
Estas duas noções representam a manutenção do compromisso central do neo-
preformacionismo: a existência de uma estrutura que determina a ontogenia e as
características do organismo. No entanto, busquei mostrar que os modelos e metáforas
elaborados no início da genética molecular tornaram-se inadequados frente ao progresso da
própria biologia molecular. Como diz Morange (2006, p.356), “é precisamente este ambicioso
programa reducionista que falhou nas últimas duas décadas, pois os dados gerados pelas
ferramentas genéticas não confirmaram esta visão preformacionista”. Ao contrário da
impressão inicial, o gene molecular clássico revelou não ser a estrutura material subjacente ao
gene morganiano. A suposição de que os genes são seqüências de DNA que determinam as
características fenotípicas mostrou-se uma combinação inadequada dos modelos da genética
clássica com a genética molecular (Moss, 2003). Do mesmo modo, a noção de que o genoma
contém um programa para o futuro organismo mostrou-se não mais que uma metáfora
inapropriada (De Chadarevian, 1998; Keller, 2002).
– 148 –
§3
– 149 –
§3
da recorrência de uma matriz de recursos desenvolvimentais que inclui o DNA, mas também
proteínas, membranas, organelas, hormônios, cultura, etc.
Todas estas interações necessárias para a re-produção de um ciclo de vida ocorrem em
uma ordem temporal e espacial específica. Contudo, a repetição precisa e confiável deste
conjunto de interações não demanda um controle interno e pré-estabelecido. Um processo
cíclico não é evidência de um processo programado. A ontogenia repete-se a cada geração
pela recorrência contingente do conjunto de interações que participou da produção da
ontogenia anterior. A constância e fidelidade com que os processos ontogenéticos são
reproduzidos resulta, justamente, desta rede de interações, não de um controle central no
DNA.
Por tudo isso, defendi que a re-interpretação realizada pela PSD dos fenômenos
hereditários e desenvolvimentais (ou, dito de maneira mais ampla, da constância e variação
dos seres vivos) fornece uma reformulação da tradição de pesquisa epigenética. Ela resgata os
compromissos centrais da epigênese. A forma dos seres vivos é realizada, não manifestada.
Não existe pré-diferenciação das partes ou predeterminação da ontogenia. Cada etapa produz
a etapa seguinte, de modo que não existe relação direta entre as etapas iniciais e finais do
processo. E cada etapa envolve interações entre as partes do sistema vivo e com o ambiente.
Como epílogo, resta discutir o que esperar de uma perspectiva epigenética, como
defendida pela PSD, na biologia atual. Uma objeção comum à PSD é que a sua aplicação não
é eficiente em termos práticos. Kenneth Waters, por exemplo, diz que o sucesso do gene-
centrismo não é ontológico, mas epistemológico:
O sucesso de uma visão gene-centrada sobre o organismo não se deve ao fato de os genes
serem os mais importantes determinantes dos principais processos nos seres vivos. Eles
figuram tão proeminentemente porque eles fornecem pontos de entradas altamente bem
sucedidos para a investigação destes processos (Waters, 2007).
Waters, os genes não são causalmente suficientes ou mais importantes para os fenômenos
biológicos, mas são a maneira mais eficaz de manipulá-los. É mais fácil intervir nos genes em
um contexto constante, do que em algum elemento deste contexto, mantendo os genes e
demais elementos invariantes. Todo sistema é igualmente importante, mas os genes são o
caminho mais prático para investigação.
O problema com esta heurística é que ela produz um viés na investigação biológica
(Robert, 2003). O argumento de que os genes são o modo mais eficaz de interferir nos
sistemas vivos é rapidamente transformado em uma negligência dos contextos em que os
genes atuam. A escolha pragmática de focar a investigação nos genes contra um pano de
fundo constante é facilmente convertida na conclusão de que os processo vivos são
controlados pela replicação e ativação dos genes. Sutilmente, a opção metodológica é
transformada em primazia causal. Em parte porque este tipo de justificativa epistemológica a
favor da proeminência dos genes é feita ad hoc. Os genes são “pontos de entrada mais bem
sucedidos” para o estudo dos processos biológicos porque, durante décadas, foram
desenvolvidos métodos e tecnologias para refinar este ponto de entrada. Grande parte da
estrutura conceitual e metodológica da biologia atual foi construída para investigar os genes.
Mas esta escolha não foi metodológica. Ela é resultado da história de práticas científicas
guiadas por pressupostos ontológicos preformacionistas e que levaram à crença de que o
DNA era uma molécula causalmente privilegiada. Se hoje os genes possuem vantagens
práticas, elas não se devem exclusivamente a uma opção metodológica, mas à história da
biologia. Elas são conseqüências de um tempo em que o DNA era a “molécula da vida”.
Ademais, o argumento de que os genes são epistemologicamente privilegiados é
desmentido pela própria prática científica. A pesquisa com células troncos, por exemplo, uma
das fronteiras mais importantes da biologia contemporânea, estaria seriamente comprometida
se baseada apenas em técnicas genéticas. A caracterização de genes ou conjunto de genes
responsáveis pela diferenciação ou pela manutenção do estado célula-tronco [“stemness”],
apesar dos grandes esforços, ainda é pouco compreendida (Vogel, 2003). O sucesso da
investigação de células troncos está estreitamente ligado ao conceito de micro-ambiente ou
nicho celular (Moore e Lemischka, 2006). A diferenciação e manutenção das células-tronco é
realizada experimentalmente pela manipulação do contexto extracelular. A intervenção nas
interações extracelulares são o “ponto de entrada” mais prático. A simples alteração da
elasticidade da matriz extracelular, por exemplo, é suficiente para diferenciar células-troncos
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§3
[...] células combinam suas individualidades no todo e a força que direciona seus
desenvolvimentos finais e as levam à diferenciação apropriada, não podem estar dentro delas,
não podem residir nos determinantes, no sentido de Weismann. Elas são dadas pelas relações
que as células estabelecem com o organismo como um todo e com as partes do organismo,
assim como também com o ambiente. (Hertwig, 1896, p.115)
Por outro lado, a necessidade de simplificação dos sistemas vivos não pode ser
encarada como meta da investigação biológica. Os sistemas vivos são sistemas complexos e
esta complexidade também deve ser investigada. A manipulação de partes do sistema não
permite investigar propriedades do sistema como um todo. A investigação de propriedades
emergentes exige uma abordagem sistêmica. E existe na biologia contemporânea a
expectativa de que o século XXI será o século da biologia de sistemas (Kitano, 2002;
Westerhoff e Palsson, 2004).
A pergunta sobre o que esperar de uma perspectiva epigenética pode, então, ser
colocada na forma de qual perspectiva deve ser trazida para a biologia de sistemas. Embora a
abordagem reducionista não implique na tese preformacionista (Sarkar, 1996), a efetivação de
uma biologia de sistemas parece depender do reconhecimento da organização hierárquica dos
sistemas vivos. Os sistemas vivos são sistemas complexos, isto é, sistemas de sistemas
(Mesarovic e Sreenath, 2006). Esta hierarquia organizacional é avessa à uma perspectiva
preformacionista. Os pressupostos da preformação molecular levam a um “colapso de
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§3
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