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A evolução política interna divide-se em duas etapas. Na inicial, dos nove anos
da Regência até a Maioridade antecipada de Pedro II (1831-1840), ocorre uma espécie de
“latino-americanização” da vida política brasileira. A instabilidade permanente, as lutas
violentas e o constante perigo de secessão que marcaram os primórdios da independência de
muitos vizinhos repetem-se agora no Brasil. A presença do imperador, ainda crinça, não bastou
para compensar o enfraquecimento da legitimidade do poder dinástico decorrente do
afastamento de Pedro I. Na segunda etapa, a partir da Maioridade, abriu-se de vez anos de
progressiva afirmação tanto da autoridade e do amadurecimento político do monarca, quanto da
organização e imposição do predomínio de setores ligados ao “regresso conservador” (1840-
1850). A centralização do poder e a repressão das rebeliões pelo Exército, com disciplina
restaurada, e da recém-criada Guarda Nacional conseguiram finalmente restabelecer condições
para consolidar as instituições.
O inegável enfraquecimento do poder executivo central não impediu que essa época
marcasse o princípio da vigorosa reação nacional contra as excessivas concessões
arrancadas pela Inglaterra nos tratados desiguais celebrados com D. João VI e mais tarde
confirmados e ampliados quando da independência. É esse um dos aparentes paradoxos das
décadas de 1830 e 1840, cuja explicação reside simplesmente na confusão que se pratica entre
executivo forte e interesse ou capacidade de fazer uso dessa força num sentido nacional. O
poder de D. Pedro I revelou-se internamente forte na dissolução da Assembleia, na deportação
dos Andradas, na supressão da Confederação do Equador em Pernambuco, com excessos
repressivos que deixaram ressentimento perdurável. No entanto, ao lidar com potências de poder
muito superior, em especial a Grã-Bretanha, o Imperador não tentou usar a margem de ação que
porventura possuísse para reduzir a desigualdade dos resultados. O problema não consistia tanto
na falta de poder, mas de interesse para agir de modo firme que pusesse em risco seus
objetivos pessoais e dinásticos.
A primeira dessas fases, dos trinta anos iniciais do século XIX, correspondeu ao apogeu
da preponderância inglesa transferida de Portugal ao Brasil. Os grandes problemas diplomáticos
da época – o reconhecimento da independência, os tratados desiguais, os favores comerciais e
de jurisdição, o convênio para o fim do tráfico – inseriam-se todos no eixo das relações
assimétricas de poder internacional entre o país recém-independente e inexperiente e potências
muito mais poderosas, entre as quais sobressaía a Inglaterra.
Nada ilustra melhor os perigos de uma relação assimétrica de poder do que a questão do
tráfico de escravos, as outras – os privilégios comerciais, a jurisdição extraterritorial, as
intromissões na política platina – permitiam algum espaço de acomodação até que soasse a hora
de superá-las por expiração de tratados ou mudança de circunstâncias. No caso do tráfico,
não, porque seu fim feria o nervo exposto do que parecia ser a condição de sobrevivência da
economia: a renovação do fornecimento da mão de obra.
O fato é que, por força de um tratado internacional válido, o tráfico passava a ser
proibido no Brasil a partir de março de 1830, mais de um ano antes da abdicação, mas nas duas
décadas que se seguiram o tráfico prosseguiu cada vez mais intenso, ao arrepio da lei e do
tratado. A frouxidão ou cumplicidade das autoridades, o apoio do que se poderia então chamar
de opinião pública, a impunidade dos perpetradores, tudo conspirava em favor do tráfico.
A situação não poderia deixar de provocar crescente deterioração nas relações com a
Grã-Bretanha. O conflito diplomático, seguramente o mais grave e perigoso enfrentado pelo
governo imperial nas primeiras décadas de sua existência, desenrolou-se ao longo de mais de
vinte anos, divididos por um marco que sinaliza seu extraordinário agravamento: a Lei
Aberdeen (ou Aberdeen Act), de 1845, pela qual a Inglaterra se arrogava, sem nenhum caráter
bilateral, o direito de abordar e capturar embarcações engajadas no tráfico, encarregando do seu
julgamento e destino os tribunais do Almirantado, em Santa Helena (metade dos casos), Cabo
da Boa Esperança e Serra Leoa. A repressão tornava--se inteiramente unilateral, e, na visão do
Brasil, ilegal do ponto de vista do Direito Internacional, exprimindo em última instância a
superioridade de poder da Inglaterra e sua determinação de liquidar com o tráfico mesmo sem o
concurso do governo brasileiro e, se necessário, contra sua vontade.
Tomada a decisão definitiva pela extinção do tráfico, em poucas semanas seria aprovada
a lei (4 de setembro de 1850) que Eusébio se encarregou de executar com energia em todo o
território. Aliquidação do tráfico processou-se de forma fulminante, não obstante, os britânicos
relutaram longo tempo em abrir mão da Lei Aberdeen, cuja vigência continuou a perturbar as
relações entre os dois países por quase vinte anos mais, até a revogação em 1869.
O que prevaleceu durante praticamente todo esse primeiro século foi aquilo que Caio
Prado Júnior definiu como o “sentido” da colônia: sistema produtivo voltado para fora, baseado
no latifúndio, com mão de obra de escravos africanos ou fornecida pela servidão de índios,
especializado na produção de minerais ou commodities agrícolas tropicais destinados aos
mercados externos. Nos seus elementos econômicos essenciais, tal sistema econômico-
comercial não sofreu alteração profunda com as independências latino-americanas.
Manual do candidato
O avanço Liberal
Com a prevalência dos liberais no poder após a abdicação, o natural seria que tivessem
ampliado o máximo possível o alcance do pêndulo político para o campo diametralmente oposto
daquele marcado autoritarismo centralizador do Primeiro Reinado, todavia, dois elementos de
feição inercial contribuíram para que isso não ocorresse de forma tão intensa: o haitianismo
(medo de uma rebelião popular generalizada, com apoio de mestiços, mulatos e escravos) e a
capacidade de resistência dos portugueses, que ainda estavam presentes em diversas esferas de
poder, como no Conselho de Estado e o Senado, ambos vitalícios, preenchidos, portanto, no
regime anterior, por nomeação direta do imperador.
O Ato Adicional de 1834 instituía, de fato o federalismo (com seus limites fiscais) e
extinguia o Conselho de Estado; transformava a Corte em município neutro, desvinculado da
província do Rio de Janeiro; e estabelecia uma regência que passaria a ser una doravante. Ainda
que aparentemente uma regência una fosse uma medida de centralização, a verdade é que o
avanço liberal teria prosseguimento a partir de 1835, sob a liderança daquele que havia sido seu
maior executor nos anos após a abdicação: Feijó. Em segundo lugar, reafirmando a lógica de
avanço liberal, naquela que foi a primeira eleição geral no Brasil, o Império viveria uma
efêmera porém significativa “experiência republicana”, com eleições para as assembleias.
A Revolta dos Malês é uma revolta de escravos bem conhecida. Foi o momento em que
mais perto o Brasil chegou de ser o Haiti, apesar de a rebelião ter durado apenas uma
madrugada. Foi muito bem planejada, dela participando cerca de 600 escravos, a maioria
islâmica, que tentaram tomar a cidade de Salvador, com o objetivo provável de eliminar todos
os brancos e pardos, escravizando os africanos não islamizados. Embora controlados, o
julgamento de quase 500 escravos (mais de 70 morreram nas lutas que tomaram conta das ruas
de Salvador), com depoimentos que comprovavam o intuito radical dos escravos, contribuiu
para a disseminação de um pânico silecioso. A lei de junho de 1835 que passou a prever pena de
morte para escravos envolvidos em insurreições, mesmo sem unanimidade do júri, é sintomática
da paúra generalizada. Revoltas de escravos de menor importância foi a Revolta das Carrancas,
que ocorreu em Minas Gerais quando dezenas de escravos se revoltam em uma fazenda em São
Tomé das Letras, mataram os empregados e membros da família e passaram a atacar as fazendas
vizinhas.
A “ordem” era uma questão recorrente desde antes da independência, mas, agravada a
partir da segunda metade dos anos 1830, ela se tornaria o tema principal da organização do
Estado e questão fulcral para a mobilização dos setores da elite que iriam junto com Bernardo
Pereira de Vasconcelos ajudar a fundar o partido conservador. Este dito “partido da ordem”
faria oposição aos liberais, ao Ato Adicional de 1834, à lei de 1831 e defenderiam mão firme na
repressão às rebeliões.
Para José Murilo de Carvalho, a primeira onda de rebeliões até 1835 teve um caráter
urbano e eclodiu nas principais capitais do Império, apenas o Piauí e Santa Catarina “escaparam
à turbulência”. Já a segunda fase de revoltas teve, para o autor, caráter diverso da primeira se
deslocando para o interior, para as áreas rurais, "e aí remexeu nas camadas profundas da fábrica
social do país". O avanço liberal, com a culminância do Ato Adicional de 1834, fez dos
governos provinciais um prêmio relevante demais, antes fora do alcance das elites, já que
nomeados diretamente pelo imperador. Com a descentralização concomitante ao
enfraquecimento do governo central, conflitos intraelites surgiram e não raro transbordaram
para os grupos populares.
A Farroupilha motivada pelas alegações de extorsão tributária por conta dos impostos
sobre o charque que faziam do produto uruguaio mais barato que o gaúcho no Império. Tratou-
se de briga de brancos e não “transbordou” para os grupos populares, como teria ocorrido com
os demais levantes de segunda leva. Tratou-se de um movimento sem pretensões sociais e sem
nenhum caráter revolucionário. Em uma síntese das causas da farroupilha teriam que constar: as
requisições constantes de cavalos e gado para as forças militares perenemente presentes no Sul;
o exemplo autonomista da Cisplatina liberta; o crescente processo de limitação da autonomia
dos senhores da guerra sulistas, com a ascensão de uma nova elite no Sudeste que consolidava
seu poder na corte; os impostos crescentes sobre o sal; e sobretudo o liberalismo para com o
charque estrangeiro (para baratear a comida dos escravos da Corte). Cada uma destas coisas
contribuiu para que os sulistas perceberem no Império um leviatã opressor.
A relevância do componente internacional para a eclosão da farroupilha foi que se, para
o Império, a independência do Uruguai ao final da Guerra da Cisplatina havia sido ruim, para o
Rio Grande do Sul foi trágica. A província, indiretamente responsabilizada pela derrota, perde
prestígio junto ao governo do Rio de Janeiro. O orgulho ferido de um povo que já se sentia
oprimido, onde cada peão era também um soldado, tornou-se intolerável. Era a culminância do
processo que transformara a capitania do Rio Grande em província do Rio Grande do Sul e que
implicara em graves perdas .
A luta pela construção do Estado teria três fases: a primeira, batizada de “ação” (1822-
36), seria “[…] luta dos elementos monárquico e democrático”, estendeu-se por todo o Primeiro
Reinado e foi sucedida do “[…] triunfo democrático incontestado”, com a implementação das
diversas reformas, que se tornaram parte da agenda liberal após o sete de abril de 1831, se
contrapunha aos elementos monárquicos, adeptos da centralização do poder na Corte do Rio de
Janeiro. Na segunda fase, “reação” (1836-52), a pressão conservadora conseguiu, de modo
dinâmico, reverter as medidas liberais alcançadas, abrindo o caminho para o “domínio do
princípio monárquico”. Estariam aí lançadas as bases da centralização política, marco
apropriado para estabelecer, a partir de então, o início do processo de construção do Estado
nacional. A síntese entre as duas fases antagônicas daria origem ao terceiro momento, o da
“transação”, caracterizado pelo advento do Gabinete da Conciliação de 1853, que conciliou
entre liberais e conservadores no início da década de 1850. A institucionalização do poder do
imperador com o Poder Moderador restaurado, o governo dos dois partidos em um único
gabinete em um regime de coexistência e de cooperação mútua, tudo isso punha fim às duas
décadas de desordem causadas pelo exagero ora da opressão monárquica, ora da anarquia
democrática.
Para José Murilo de Carvalho o momento de acumulação primitiva de poder pode ser
datado com alguma precisão: ele tem origem no regresso conservador de 1837, quando as
incertezas e turbulências da Regência começaram a dar lugar a um esboço de sistema de
dominação mais sólido, centrado na aliança entre, de um lado, o rei e a alta magistratura, e, de
outro, o grande comércio e a grande propriedade, sobretudo a cafeicultura fluminense.
Para Wilson Martins, o Regresso teria sido "um movimento dialético que supera tanto o
excessivo liberalismo quanto a excessiva antítese conservadora, para criar um regime político
mais conservador do que desejariam os liberais e mais liberal do que os conservadores
gostariam de admitir". Já Ilmar Santos, de outra sorte pondera que esse momento representaria o
verdadeiro “triunfo” dos conservadores, do elemento monárquico pró-centralização, mascarado
de acordo e de consenso, sendo que "os saquaremas já haviam sequestrado a identidade e a
agenda liberal, transformando os liberais em uma paródia do que haviam sido nas décadas
anteriores".
São anos percebidos como confusos, durante os quais se concentrou a maior quantidade
de rebeliões. Era um quadro de instabilidade que jamais teria novamente lugar em nossa
história. Nunca a unidade territorial do país correu tão grande risco. O regime monárquico foi
questionado até no Parlamento da Corte.
Foi, no entanto, nos anos finais do período regencial que se percebeu o início de duas
tendências centrípetas muito claras e concomitantes: a retomada do controle do Rio de Janeiro e
da Corte sobre as províncias, que seriam progressivamente enfraquecidas, política e
financeiramente; e na Corte, o fortalecimento paulatino, porém sistemático, do Poder Executivo,
com a retomada do Poder Moderador, em detrimento do governo parlamentar. Algumas
medidas desse período exemplificam perfeitamente essa tendência: (A) A lei interpretativa ao
Ato Adicional, que esvazia as assembleias provinciais das prerrogativas que haviam sido
conquistadas por elas apenas três anos antes. (B) A reforma do Código de Processo Penal, que
igualmente retoma, no Ministério da Justiça, o controle decisório sobre os mecanismos
judiciários provinciais, contribuindo significativamente para o estabelecimento, por parte do
poder central, do monopólio dos meios de coerção; e (C) O golpe da maioridade, que permitiria
a restauração plena do Poder Moderador, o retorno do Conselho de Estado que havia sido
abolido pelo Ato Adicional de 1834.
Segundo José Murilo de Carvalho a regência falhara em dois pontos: na manutenção da
ordem e na capacidade de arbitragem. A figura do imperador traria a legitimidade necessária no
arbitramento de conflitos intraelites, o que contribuiria decisivamente para a restauração da
ordem.
De acordo com Amado Cervo e Clodoaldo Bueno a Tarifa Alves Branco marcou o
início da fase de “autonomia da política externa brasileira”. Verifica-se, também nesse período
uma maior preocupação por parte do governo com a educação do povo e com a construção de
uma identidade nacional brasileira.
A partir de 1837 fica patente o esforço em prol de uma centralização que inclusive seria
essencial para a retomada de uma política externa mais assertiva a partir do final da década
seguinte, centralização essa que tem 3 engrenagens: administrativa (ampla reforma das
instituições do governo, ainda que desigual, errática e cheia de contramarchas, foi implementada
no Estado durante o regresso), força (essencial para o estabelecimento do “monopólio legítimo
dos meios de coerção”, sem o qual não há Estado) e simbólica (“Para fazer o Brasil, era
necessário fazer também os brasileiros.” Evidentemente um “determinado tipo de brasileiro”.
Afinal, o projeto de construção da identidade nacional era um projeto das elites para as elites e
contribuiu, em conjunto com as demais engrenagens, para evitar novas rebeliões ancoradas em
sentimentos regionais, bem como para consolidar D. Pedro II como o árbitro natural dos
conflitos intraelites)
Na França, o regime de Luís Felipe, chegado ao poder em 1830, adotou uma postura
expansionista na Amazônia e fortificou o lago Amapá, aproveitou-se do quadro instável que se
vivia com a Cabanagem, usando como desculpa a proteção de seus nacionais contra a guerra
paraense. De modo oportunista tentava fazer valer a posição de força contra a letra do Tratado
de Utrecht e da Convenção de Viena, que havia devolvido a Guiana Francesa depois de oito
anos de ocupação portuguesa no período joanino. O governo da regência habilmente vai recorrer
a Londres, buscando cavar alguma autonomia na rivalidade imperialista entre as potências.
Funcionou, e a solicitação inglesa, junto à demonstração de força da corveta Race na região,
forçou o recuo do governo francês, que desocupou o território, declarado a partir de então zona
neutra. Também os ingleses abusavam de nosso momento de fragilidade, o explorador alemão
naturalizado inglês Robert Hermann Schomburgk fez duas expedições à Guiana Inglesa (1835;
1837-8). Depois, passou a defender uma Schomburgk Line que incorporaria à Guiana Inglesa
territórios até a Serra do Acari, muito mais ao sul que as fronteiras até então desguarnecidas do
Pirara e reduzidas do Forte de São Joaquim em virtude da Cabanagem. O oportunismo do
alemão era açucarado com cobertura humanitária. Esse explorador conseguiria o apoio da
opinião pública inglesa na defesa dos índios escravizados pelos paraenses, bem como o envio de
missionários anglicanos ao Pirara.
Quais eram as principais lideranças políticas nos países vizinhos? (pag. 158)
IMPORTANTE: nesse trecho, a explicação fica um pouco confusa (esse período é,
realmente, confuso). Por isso, sugerimos que o candidato leia o capítulo 1 do livro
História das Relações Internacionais do Brasil, de Francisco Doratioto e Carlos
Eduardo Vidigal.
O que significou a aproximação do Império aos Farroupilhas? Além disso, o que
representou para d. Pedro II a mudança de posição de Rosas em relação à aliança
com o Brasil? (pag. 160)
Qual foi o legado geral da regência? (pags. 161 a 162)
O que significou a racionalização do processo decisório em política externa? (pag. 167 a
171)