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ECOLALIA:
ECOLALIA:
ii
Comissão Julgadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
iii
Para Jefferson
iv
“Se se morre por causa da repetição, é também ela que salva
e cura, e cura primeiramente, da outra repetição”.
Gilles Delleuze (1968: 28)
v
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Sandra Madureira, pela maneira calma e disposta com que
me recebeu e ajudou. Pelos esclarecimentos sobre prosódia e sugestões sobre o
modo de apresentação dos dados.
vi
Ao Osvaldo De Vitto, pela descontração e pela rapidez das palavras
precisas, quando elas faltavam.
Aos meus pais, pelo amor e carinho; pelo incentivo à leitura desde tão
cedo e pela possibilidade constante de estudar. À minha mãe, Cecília, por ter me
apresentado o mundo científico; ao meu pai, Carlos, por me mostrar a importância
da formação de opinião.
vii
Pelo carinho e doçura das crianças que me fazem tão feliz: Lucas, Marcela,
Guilherme, Gabriel e Bruno.
viii
RESUMO
ix
ABSTRACT
x
ÍNDICE
INTRODUÇÃO .............................................................................. 01
CONCLUSÃO ............................................................................................. 84
xi
INTRODUÇÃO
1
“Estranho” no sentido explorado por Ma. Teresa Lemos (1994 e 1995), a partir de Freud, no que diz
respeito à fala da criança. A extensão da noção de “estranho” que concerne à fala patológica, foi
discutida por Lier-De Vitto (2000b e Lier-De Vitto & Arantes, 1998) e pelos demais membros do
Projeto Integrado Aquisição da Linguagem e Patologias da Linguagem, de que faço parte.
2
Ver sobre isso Lier-De Vitto (1999b, 2001).
1
Na especularidade, a criança incorpora fragmentos da fala do
outro – fragmentos que retornam para uma cadeia/texto – e antecipa-se
ali como falante. Esse movimento entre falas – entre todo e parte – é
decisivo no que diz respeito à aquisição da linguagem e,
conseqüentemente, ao processo de subjetivação. O outro/falante, ao
incorporar os fragmentos produzidos pela criança em seu dizer os
reconhece como fala e a criança como falante. Não é o que ocorre no
caso da repetição patológica em que, via de regra, o outro não acolhe as
produções da criança como falas e nem esta como falante. Como se vê,
há diferenças a considerar entre especularidade e ecolalia.
Inquietações relativas a esse sintoma na fala, como disse acima,
tiveram origem no Curso de Fonoaudiologia da PUC-SP quando atendi,
no estágio de Avaliação de Linguagem3, uma criança cuja mãe, nas
entrevistas comigo, disse que seu filho tinha “egolalia... ecolalia?”4. Li o
prontuário desta criança e vi que diagnósticos médicos indicavam um
quadro com comprometimento orgânico e emocional bastante críticos5.
O “diagnóstico de linguagem” fornecido pela mãe, juntamente
com os diagnósticos médicos, como que anunciavam um caso difícil e
produziam agitação e preocupação na terapeuta iniciante. Apesar disso,
eu apostava, como fonoaudióloga, que deveria tentar conversar com a
criança. Tentativa frustrada pois, embora o paciente “falasse”
praticamente durante toda a sessão, suas produções e seu olhar não eram
dirigidos a mim. Eram insistentes reproduções, claras e bem articuladas,
de slogans de propagandas ou programas de televisão, que se revezavam
com murmúrios baixos, pouco articulados e guturais.
3
Este estágio foi realizado na DERDIC - Divisão de Ensino e Reabilitação dos Distúrbios da
Comunicação.
4
A hesitação da mãe indica que ela repete um termo que foi falado por algum profissional (médico,
fonoaudiólogo, etc) ou por professores de seu filho.
5
Pude ler no prontuário que essa criança tinha hidrocefalia controlada e uma hipótese diagnóstica de
psicose infantil com características autísticas.
2
Lembro-me que, na época, isso me deixou perplexa e paralisada.
Esse caso, após a avaliação de linguagem, foi encaminhado para outras
instituições. Entretanto, se essa criança partiu, restou para mim uma
inquietação. Sua fala produziu um desconforto e dela precisava saber
mais.
No ano seguinte ao atendimento desse paciente, ingressei no
Programa de Avaliação de Linguagem de Crianças Pequenas6, cuja
proposta era diagnosticar crianças de dois a cinco anos com alterações de
linguagem. A maior parte das crianças atendidas não falava (elas
gritavam, articulavam sem som ou permaneciam em silêncio). Uma delas
reproduzia a fala do outro. Embora eu não tenha atendido aquela
criança, acompanhei as discussões, em supervisão, sobre pacientes
atendidos por outras terapeutas do Programa. Assim, entre tantas outras
complicações (também obscuras), defrontei-me novamente com essas
repetições/ecolalias que continuaram a me afetar e exigir de mim algum
tipo de leitura, de entendimento.
Quando entrei para o curso de Especialização em Linguagem7, fui
solicitada a fazer uma apresentação sobre o tema “procedimentos
fonoaudiológicos para pacientes com autismo/psicose infantil”. Uma
indicação de leitura foi a dissertação de mestrado de Fernandes (1990).
Nela, o nome “ecolalia” aparece como um sintoma presente e freqüente
na fala de crianças com esses quadros clínicos – o que me fez lembrar do
sintoma pronunciado pela mãe do meu primeiro paciente. Decidi buscar
na literatura o que se dizia sobre ecolalia.
Em meio a esse encontro com a bibliografia, uma criança com fala
em eco foi encaminhada ao consultório. Diferente daquela primeira, essa
6
Programa realizado na DERDIC no período entre setembro de 1997 e setembro de 1998 e
coordenado pela profa. Ruth Palladino.
7
Especialização em Fonoaudiologia pela COGEAE-PUC/SP.
3
criança ecoava8 praticamente tudo o que eu dizia, olhava para mim e ria,
mesmo que sem motivo aparente. Ao lado disso, outras vezes ficava
parada, olhando com vagueza para lugar nenhum.
Eu disse que essas crianças repetiam falas e a fala do outro, o que
fazia lembrar a especularidade. Mas as repetições dos pacientes e, em
particular, o seu modo de produzi-las, eram nitidamente diferentes das de
crianças em aquisição da linguagem e, ainda, entre si: um falava todo o
tempo, o outro falava predominantemente depois da terapeuta. Pude
formular duas questões: 1) que diferenças haveria entre repetições
“constitutivas/estruturantes” e repetições sintomáticas?; 2) que
diferenças haveria entre essas repetições sintomáticas? Foi com elas que
dei início a este trabalho.
Minha dissertação parte, como se vê, de uma necessidade de
entender melhor a ecolalia, de “apreender o modo de presença de um
sujeito na linguagem” (Lier-De Vitto, 2000 d). Pretendo, como
fonoaudióloga, arregimentar um conjunto de discussões sobre a
linguagem elegendo, para isso, um corpo teórico em que a fala, o falante
e o erro sejam categorias problemáticas (Lier-De Vitto, 1994). Refiro-me
ao Interacionismo em Aquisição de Linguagem9, teoria com que procuro
estabelecer um diálogo teórico10.
Considero ser imprescindível e essencial à terapêutica essa
investigação da fala de pacientes, uma vez que a técnica de intervenção
fonoaudiológica deve necessariamente ser condizente com o diagnóstico
de patologia de linguagem e responder à singularidade de um quadro e
de um caso (ver Andrade, 1998 e Arantes, 2001a). A instância clínica é
8
Vou me deter na fala dos dois pacientes no Capítulo 2.
9
Faço menção explícita ao Interacionismo conforme proposto por De Lemos (1981, 1982 e outros),
desenvolvido por ela e por pesquisadores do Projeto de Aquisição de Linguagem da UNICAMP como
Rosa Attié Figueira (1986), Maria Fausta Pereira de Castro (1985/1992), Maria Cecília Perroni
(1982), Esther Scarpa (1984) e as dissertações de Célia Carneiro de Toledo (1983), da PUCSP, Maria
Francisca Lier (1983).
4
espaço inequívoco em que a ecolalia emerge como questão de linguagem
a partir de que outras podem e devem ser levantadas: questões relativas à
fala, ao falante, e à intervenção/interpretação fonoaudiológica. Vou me
ater, prioritariamente, à primeira questão. Esclareço, nesta introdução,
que não abordarei aspectos clínicos e terapêuticos envolvidos nos
atendimentos desses casos. Considerei que o enfrentamento das falas
ecolálicas deveria ser um primeiro passo11. Deixo, portanto, para trabalho
posterior, a abordagem desses aspectos.
Dirigi-me tanto à literatura sobre ecolalia quanto a trabalhos de
Aquisição da Linguagem. Se o termo “ecolalia” tem, entre outras, a
função de cunhar uma repetição sintomática, presente em quadros
clínicos diferentes12, não se verá a presença desse termo na área de
Aquisição da Linguagem. Ali se fala em “repetição” (Ochs-Keenan,
1977), “imitação” (Ervin-Tripp, 1964; Ruth Clark, 1975 e 1976) e
“especularidade” (De Lemos, 1981, 1982, dentre outros). Quero
assinalar que a ecolalia vem como “um sintoma”, o que a coloca fora do
escopo da Lingüística e de suas subáreas. De acordo com Lier-De Vitto
& Arantes (1998) a oposição correto-incorreto, possível-impossível não
abrange o “patológico” e nem a dicotomia normal versus patológico é
abarcada pela Lingüística – essa última é uma oposição que diz respeito
à clínica (Lier-De Vitto, 1999 a, b; Fonseca & Rubino, inédito).
Esta dissertação segue mesmo a ordem dos acontecimentos, das
questões pelas quais fui tocada como pesquisadora e terapeuta. No
primeiro capítulo, discuto o conceito de especularidade conforme
postulado por De Lemos (1981, 1982, entre outros), conceito este, que
tem importância nas discussões que encaminho sobre os dados e sobre a
10
Diálogo teórico enquanto oposto à aplicação. Ver sobre isso, Landi (2000).
11
Esclareço que esta foi também uma direção seguida por Fonseca (1995).
12
Refiro-me ao fato de que a ecolalia pode ser um sinal em quadros como afasia, retardo mental,
autismo infantil, esquizofrenia, por exemplo, sendo, porém, um sinal dispensável na caracterização
5
literatura da ecolalia. No capítulo dois, apresento e discuto as falas de
dois pacientes com este sintoma – falas diferentes entre si e que,
entendo, não podem ser reduzidas ao conceito de especularidade.
Diferentemente do que se poderia supor, elas vêm no começo. Meu
objetivo foi expor os leitores à natureza dessas falas, antes de introduzir
os debates sobre elas na literatura, que ficaram para o terceiro capítulo.
Nele, problematizo definições, caracterizações e classificações da
ecolalia. Na conclusão, procuro tocar outras questões além daquelas
levantadas ao longo desta dissertação.
desses quadros.
6
CAPÍTULO 1
13
O termo utilizado primeiramente por Camaioni (1979) para se referir a um processo constatado em
interações sociais criança-adulto e criança-criança e redefinido por De Lemos, para quem
especularidade não se refere à “interação social”, mas ao diálogo – locus da aquisição da linguagem.
14
Recomendo a leitura de M.T. Lemos (1994), sobre os processos dialógicos.
7
relação à imitação no sentido de que remete ao diálogo (e não à
interação social ou à repetição de comportamento), o que justifica a
afirmação de que a aquisição da linguagem é conseqüência do “jogo da
linguagem sobre a própria linguagem”. Melhor dizendo, importa na
especularidade a noção de diálogo. Em “Interactional process in the
child’s construction of language” (De Lemos, 1981), lê-se que ela, a
especularidade, compreende um movimento de ‘incorporação de
fragmentos da fala do outro’. A pesquisadora nos diz que:
8
da fala da criança. Do ponto de vista empírico, a hipótese de
indeterminação categorial da fala da criança, lembra-nos De Lemos,
apoia-se no fato de que sua fala corresponde a incorporações “diretas” e
não seletivas da fala do outro. Elas não refletem, portanto, um “saber
sobre” a linguagem15.
15
Recomendo a leitura dos dados e sua análise em De Lemos (1982).
9
atribuição de conhecimento sobre a linguagem à fala criança. A autora
afirma a indeterminação semântica, sintática e pragmática de suas
produções – tema central, aliás, de “Aquisição de Linguagem e seu
dilema (pecado) original” (1982). De fato, descrever a produção
especular da criança em termos de categorias seria um contra-senso. Se
essa fala é do outro, ela só pode ser, do ponto de vista da criança,
indeterminada.
10
incorporação mútua, condição mesma para o trânsito dialógico. Se a
criança, para falar, depende da fala do outro, a interpretação do outro é
também determinada pela especularidade – o adulto incorpora o
fragmento produzido pela criança ao seu enunciado. É, de fato, a
especularidade do lado do adulto que mostra que ele reconhece a
produção da criança como fala e ela como falante.
16
Sobre isso ver também Lier-De Vitto (1998), em especial, o último capítulo de seu livro.
12
significante e não de um estado cognitivo ou do estabelecimento de
referências externas/contextuais, o “texto” é espaço da articulação
significante. Não é o “contexto”, portanto, que determina “significados”.
Será na terceira posição que o sujeito ficará sob efeito de sua fala,
o que é atestado nas correções e auto-correções, mesmo que o resultado
não seja um acerto. São nesses acontecimentos que se pode apreender,
precisamente, a divisão do sujeito entre sua fala e sua escuta. De Lemos
(op. cit.) diz que, na terceira posição, ele fica no intervalo entre essas
duas instâncias subjetivas.
13
CAPÍTULO 2
14
‘falar’ dessa criança refletia um não pensar (“será que ele não pensa”),
era um dizer sem saber o que se diz (“não sei se ele tem noção”). Assim,
embora a criança falasse, ela não conversava e nem mesmo pedia coisas
(“água”, ou “para ir ao banheiro”), ou seja, ela nem interpelava, nem
parecia ter demanda para o outro.
17
Como disse, de acordo com avaliações médicas (neurológica e psiquiátrica), o paciente apresentava
um quadro bastante grave e complexo do ponto de vista neurológico e psíquico, embora esse seja um
ponto que não será discutido aqui.
16
Bizarra também era sua fala que alternava momentos de
reprodução clara e bem articulada com um ‘monólogo’18 pouco audível e
de difícil interpretação, produzido em um tom de voz baixo, gutural e
nasalizado. Era como se o paciente estivesse o tempo todo ‘narrando
algo’ num murmúrio em que era possível reconhecer a entonação do
português, que lembrava a fala de um locutor/apresentador de televisão.
Era, porém, um contínuo sem fim, sem pontuação. Vale dizer que essas
produções surgiam à revelia da fala e da presença do outro,
permanecendo imunes à fala da terapeuta. Parecia mesmo que o paciente
era invadido por falas alheias e que, só por isso, falava. Suas produções
não eram acompanhadas de gestos ou expressões faciais, a não ser, pelo
esgar. Enquanto falava, não dirigia o olhar para terapeuta. Ou seja, era
uma fala sem endereço, que não convocava interpretação – um impasse
para a terapia.
18
Utilizo “monólogo” entre aspas porque não desconheço a diferença entre aqueles discutidos por
Lier-De Vitto 1994/8 e os dessa criança, em que, a palavra “monólogo” serve apenas para designar um
isolamento/fechamento da criança para o outro e para o diálogo.
17
(1) uma reprodução ipsis literis de partes da fala da terapeuta
seguida imediatamente ou por uma fala de televisão, ou por um
murmúrio cadenciado. No caso de ser sucedido pelo murmúrio, pode-se
dizer que esse era o destino do segmento incorporado: ele se tornava
inaudível, diluído num sussurro que barrava a interpretação/entrada do
outro. Quero dizer, com isso, que sendo esse o destino de uma
incorporação, tem-se o apagamento de um lugar/posição para o outro
falar. Esse acontecimento parece relacionado ao fato de que há um
“antes”, ou seja, um não reconhecimento do ponto de partida de um
enunciado: do outro como falante. Isso significa que um diálogo não se
estabelece nunca. Condição para isso seria que os participantes de um
diálogo pudessem se reconhecer em outro lugar, na fala do outro – como
está implicado no conceito de especularidade.
19
outro, sem levar em conta questões clínicas e a particularidade dessa
repetição.
19
Argüição à tese de Doutoramento de Rosana Benine – “‘Omideio’, o que é isso?”, em março de
20
imperscrutável. O atendimento desse paciente se deu numa disciplina da
graduação, em que um relatório era exigido e reclamava um dizer sobre a
fala dessa criança. As questões, no entanto, ficavam como que acuadas
pela necessidade de responder por tal demanda. O aluno supunha e
cobrava do professor um saber sobre elas, ao mesmo tempo em que sabia
que o professor cobrava um dizer seu. Acuado, então, ficava o terapeuta
de linguagem que – quer aluno ou professor – supostamente deveria ter
uma resposta para elas. Circunstancialmente, o imperativo de responder
pela fala da criança se sobrepunha à inquietação suscitada pelo
acontecimento clínico. Penso que uma inquietação (afetação por um
acontecimento) é o que está na base tanto da delimitação de um
particular, quanto do levantamento de questões e que, de certa forma, o
‘ter que dizer’ pode encobri-las.
De toda forma, pude ficar sob efeito de uma diferença, qual seja, a
de que entre a especularidade e a fala de meu paciente, a repetição não
poderia ter o mesmo caráter. Tratava-se de uma repetição estranha, como
disse. Pretendo, neste trabalho, aproximar-me do ‘estranho’ dessas
repetições, deixando-as produzir interrogações.
2001.
21
Os dados foram dispostos da seguinte maneira: 1) na primeira
coluna numero as falas ocorridas na sessão; 2) na segunda, em vermelho,
está a fala da terapeuta20; 3) na terceira, a fala é do paciente, em três
cores diferentes (azul, vermelho e preto) para distinguir a entonação; 4)
na quarta coluna estão algumas observações. Vale dizer que, embora a
divisão seja feita por turnos, estes nem sempre são respeitados, pois ou o
paciente ‘atropela’ a terapeuta com suas (re)produções, ou a terapeuta
fala ‘em cima’ das produções da criança. A transcrição foi feita em
ortografia regular, a partir de gravações em áudio e vídeo.
Quando digo que a fala determinada pela cor azul lembra um tipo
de produção veiculada na mídia é porque tanto a entonação21 é toda
marcada por curvas ascendente-descendentes (como na exclamação),
como a articulação, em determinados momentos, é exagerada (ou
20
Esclareço que utilizarei a sigla (T) para a terapeuta e (T2) para outra terapeuta que entrou em sala
quando a primeira estava paralisada frente às produções da criança. Esclareço, também que passarei a
referir-me como terapeuta, ou seja, em terceira pessoa, para facilitar a leitura dos dados.
21
Agradeço à Profa. Sandra Madureira pelos esclarecimentos e sugestões para apresentação desses
dados.
22
hiperarticulada). Quando isso ocorre, a produção só não é ‘perfeita’ do
ponto de vista articulatório porque o que se ouve, no lugar de algumas
consoantes, é uma glotalização (ou seja, uma oclusão brusca das pregas
vocais). Estas glotalizações estão marcadas na transcrição com negrito.
Vale ressaltar que, no caso das produções hiperarticuladas, o volume é
mais forte e há mudança de tom de voz para mais grave ou agudo.
22
Nome fictício.
24
36 P:dig dig dig á! á! á!.
37 T: vira pra cá Adriano.
38 T: Adriano? (silêncio)
39 T: Vira pra cá um pouco. (silêncio)
40 T: Vira pra cá.
41 P:SI
42 T: Vira pra cá.
43 P:SI --------------------------------------
--------------------------------------------
--------------------------------------------
-----------
44 T: Tó, fala aqui, P:SI --------------------------------------
---
45 T: No microfone. P:SI -------------------------------------- T. tenta dar a P. o
microfone, mas P. segura
--------
o carro.
46 P:no microfone
47 T: Tó.
48 P:Tó o microfone desse carro o
microfone SI --------esse carro na
minha casa, tudo que você------------
------------------------- taz mania -----
-------
49 T: Adriano, vira pra cá. P:SI --------------------------------------
----- tan tanan tanan! SI --------------
--------------------------------------------
-----------os bonecos--são dez mil
reais----------dez mil reais----se você
--------------------------------------------
---- carros ------------------------------
(silêncio)
50 T: Você gostou dessa moto (silêncio) P. pega a moto e fica
batendo ela no chão.
Adriano?
51 T: Ãhn? (silêncio) P. vira a cabeça de um
lado para outro enquanto
produz um esgar.
52 (silêncio)
53 P:Ai nhaaa ai. Aaaaa. Aaaaaaaaa P. larga a moto e pega o
carro e vai trocando de
objeto várias vezes.
54 P:SI --------------------------------------
dez reais se você -----------------------
--------------------------------------------
-----------------------
55 T: Ó a moto. Uóóóó P:SI --------------------------------------
--------------------------------------------
--------
56 T: Cê vai estacionar o carro?
57 Você vai estacionar o carro, são dez
mil SI ------------------------------------
------------------- o nome desses ------
--------------------------------------------
--------------------------------------------
---------------------------------e você
ganhou o carro-------------------------
------e SI e agora -------de
segurança-------------------------------
--------------------------------------------
-------------
58 P:SI --------- aaa, aa aaaa
59 Vamos brincar com o carro P:aaaaaaa
25
Adriano?
60 P:SI
61 T: Uóuó. Ó o trânsito, ó. Pum! (silêncio) P. fica olhando em
Bateu no carro? direção ao carro que T.
empurra.
62 P:ateu no carro SI --------------------- P. pega o carro e vai
----------------------------------- esse girando ele na mão.
carro ------------------------------------
----------------------------- O carro ----
--------- pessoas ------------------ o
seu carro -------------------------------
--------
Um carro, dez pessoas ----------------
----------------------o ca-ca-ca-ca-ga-
--------- o seu carro, que bonito o
seu carro, se você não ----------------
--------------------------------------
(...)
63 T2: Adriano ó P:SI -------------------------------------- Terapeuta 2 entra na sala.
---
64 T2: Vamos escrever aqui ó P. pega o giz que T2. dá e
começa a rabiscar o
papel.
65 P:Vamos escrever?
66 T2: vamos escrever.
67 P:Vamos escrever ---------------------
----------------------------------
68 T2: Não, vamos escrever.
69 P:Vamos escrever. SI ----------------
70 T2: vamos escrever P:SI --------------------------------------
---
71 T2: Olha, é dessa cor agora ó, P:SI --------------------------------------
---
72 P:SI -------------------------------------- P. larga o microfone e
pega o carro.
---
(...)
73 T2: O carro P:SI -------------------------------------- T2. e P. rabiscam o papel
---
74 T2: Vamos fazer o carro P:SI --------------------------------------
---
75 P:O carro mais bonito do asil...
76 T2: é o carro...? (silêncio)
77 T2: Qual é o carro mais bonito (silêncio)
do Brasil?
78 P:o carro mais bonito... SI -----------
----
79 T2: Qual é? P:SI --------------------------------------
---
80 T2: Qual é? P:SI --------------------------------------
---
81 T2: Qual é o carro, hein? P:SI --------------------------------------
Adriano!
---
26
(...)
82 T2: Olha lá em cima P:SI --------------------------------------
---
83 P:SI...ganhador P. levanta-se em direção
ao espelho.
84 T2: Não tem ganhador nenhum
85 P:Não tem ganhador nenhum...
86 T2: Nenhum, P:SI --------------------------------------
---
87 T2: vamos pegar o carro? P:SI --------------------------------------
---
88 P:SI --------------------------------------
---
89 T2: Qual o carro mais bonito do P:SI --------------------------------------
mundo, Adriano?
---
90 P:O carro mais bonito SI
91 T2: Qual é o carro mais bonito (silêncio) P. olha para o carro
enquanto mexe nele.
do mundo? Hum?
92 T2: Esse aqui é o carro mais (silêncio) P. continua olhando e
manipulando o carro.
bonito do mundo, não é?
93 T2: ó carro mais bonito do (silêncio)
mundo.
94 P:O carro mais bonito do mundo
95 T2: É cor de rosa. (silêncio)
96 T: Ó o carro cor de rosa, (silêncio)
97 T2: Tá vendo? (silêncio)
98 P:São vinte e nove graus SI ---------- P. pega o carro laranja e o
levanta em direção o
------setenta e nove graus
rosto e depois o coloca no
chão.
(...)
99 T2: Cadê a bola? P: SI -------------------------------------
----
100 P:Mappin, o nosso Mappin P: Está olhando para a
bola que está na mão de
T.
101 T2: Ãhn? P: SI -------------------------------------
----
102 T2: No nosso Mappin tem isso P: SI -------------------------------------
aqui ó, ----
103 T2: tem bola.... P: SI -------------------------------------
----
104 P:Tem bola
105 T2: Tem bola, vamos pegar a P: SI -------------------------------------
bola? ----
106 T2: Tem tudo o que você P: SI -------------------------------------
precisa. Toma. ----
107 P:Tem tudo o que você precisa
saber, passe lá e compre
108 T2: ó! P: SI -------------------------------------
----
(...)
109 T2: Adriano!
110 T2: Cadê o carro do Adriano?
111 T2: Hein?
112 T2: Adriano!
27
113 T: fom fom.
114 T2: Cadê o carro do Adriano? P:SI --------------------------------------
---
115 T: Põe na garagem
116 P:O carro na garagi. Na garagi..
Cinco e cinqüenta. O carro...
117 A terapeuta 2 sai da sala.
(...)
118 T: Segura o carro!
119 P:O carro mais louco do país P. se vira e vai em
direção ao carro que está
na mão da terapeuta e
tenta tirá-lo.
120 T: Esse carro é o mais louco do
país?
121 P:Louco do aís
122 T: é?
123 T: P: SI -------------------------------------
----
124 T: Dá, esse é meu, meu carro P: SI ------------------------------------- T. tenta tirar o carro rosa
da mão de P.
----
125 T: Aquele lá é seu o laranja P: SI ------------------------------------- T. mostra o carro laranja
e continua tentando tirar
---- o carro rosa. P. faz força
puxando o carro.
126 T: Dá pra mim (silêncio) T. deixa P. ficar com o
carro.
127 T: o meu carro? P: SI -------------------------------------
----
128 T: dá? P: SI -------------------------------------
----
129 T: o meu carro cor de rosa. P: SI -------------------------------------
----
130 T: Ó, P: SI ------------------------------------- T. coloca o boneco no
carro e P. olha.
----
131 T: o nenê quer passear... P: SI -------------------------------------
----
132 T: Quer passear no carro P: SI -------------------------------------
----
133 T: Uóóóó, P: SI ------------------------------------- P. vai em direção ao carro
mas T. tira de seu
---- alcance.
134 T: tchau Adriano! (silêncio)
135 T: Você quer vir comigo? (silêncio) P. tira o boneco no carro,
joga no chão e pega o
carro.
136 T: Ãhn? P:Ãhnnnn
137 P: SI -------------------------------------
----
138 T: ó vamos limpar essa sala P: SI -------------------------------------
----
139 T: ta muito sujo, ó
140 T: ó, ó, tó Adriano
141 T: Lava o carro Adriano P: SI ------------------------------------- T. passa a vassoura no
carro e P. pega o giz que
----
está dentro do carro.
142 T: Vamos lavar esse carro está (silêncio)
sujo.
143 T: Vamos desenhar? Vamos (silêncio) T. pega o giz e o papel e
mosta para P. P. levanta e
desenhar o carro?
pega os dois carros e leva
a té a cadeira.
144 T: aqui ó Tó Tó (silêncio)
28
145 T: Vamos desenhar o carro aqui. (silêncio)
146 T: Aqui Adriano (silêncio)
147 T: Olha este carro rosa, é bonito, P: SI -------------------------------------
né? ----
148 Colocou em cima? P: SI -------------------------------------
----
149 P:Colocou em cima? P. está tentando colocar
um carro ao lado do outro
sobre a cadeira, não
percebendo que os dois
não caberiam naquele
espaço.
150 T: Não vai caber...
151 P:Não vai caber.... SI------------------
--
152 T: dá o rosa pra mim, dá. P: SI -------------------------------------
----
153 Me dá o rosa? P: SI -------------------------------------
----
154 Me dá o rosa, P: SI -------------------------------------
----
155 que é meu. P: SI -------------------------------------
----
156 Dá esse pra mim? P: SI -------------------------------------
----
157 T: Este carro aqui é meu, P: SI -------------------------------------
----
158 aquele lá é o seu, P: SI -------------------------------------
----
159 o laranja... P: SI -------------------------------------
----
160 P:Agora dez reais é o P. fica com o carro rosa
na mão.
perfume_____SI.. Agora você
ganhou duzentos mil reais.
161 T: Ganhou duzentos mil reais?
162 M: Ganhou duzentos mil reais P. fica olhando em
direção ao carro rosa que
está em sua mão.
163 T: Você ganhou? (silêncio)
164 Você está rico? (silêncio)
165 Ganhou duzentos mil reais? (silêncio)
166 M: Duzentos mil reais por série no P. se vira de costas para
segundo sorteio do papa-tudo mês T. e mexe no carrinho.
da criança
167 T: Você ganhou no papa tudo? P: SI -------------------------------------
----
168 P:Duzentos mil reais
169 T: Agora você pode comprar (silêncio)
este carro,
170 T: Custa dez mil reais, né? (silêncio)
171 P:SI mil----------
172 T: O carro custa dez mil reais, (silêncio) P. mexe nos carros.
173 T: você ganhou duzentos mil (silêncio)
reais
174 T: , já pode comprar já. (silêncio)
175 T: O carro mais bonito do (silêncio)
mundo.
176 T: Esse rosa aqui, ou é o laranja? (silêncio)
177 T: Hein, Adriano, (silêncio) T. passa a vassoura no
carro e P. retira o carro.
178 T: vamos lavar este carro,. (silêncio)
29
179 T: que ele está sujo (silêncio)
180 T: Vamos limpar o carro? (silêncio)
181 T: Desenha aqui, ó Adriano (silêncio) T. mostra o papel para P.,
que continua mexendo
nos carros.
182 T: Tó o amarelo, (silêncio) P. pega o giz ma larga e
volta a pegar o carro.
183 T: vamos desenhar, (silêncio)
184 T: vamos desenhar aqui, vamos (silêncio)
185 T: Aqui ó, vamos desenhar aqui (silêncio)
ó
186 P:(começa a cantarolar)
187 T: Eu sei que você sabe (silêncio)
188 T: E esse carro laranja, P: SI -------------------------------------
----
189 T: É seu? P: SI -------------------------------------
----
190 P: SI -------------------------------------
----
191 T: É seu este porshe? Este (silêncio)
porshe aí é seu, o laranja, bonito
esse carro hein? Ele corre
bastante?
192 T: Este porshe aí é seu, o laranja, (silêncio)
193 T: bonito esse carro hein? (silêncio)
194 T: Ele corre bastante? (silêncio)
195 P:Ele corre bastante...SI
196 T: Adriano, pega pra mim o (silêncio) P. está brincando com o
carro rosa... carro laranja.
197 P: SI -------------------------------------
----
198 T: Pega pra mim?
199 P:São dez mil reais --------------------
---
200 T: Você ganhou dez mil reais?
201 P:O melhor carro do país e SI
202 T: Qual é o melhor carro do
mundo?
203 T: O laranja, ou o rosa?
30
Assim, em meio a sua ‘verborragia’, era possível ouvir a
reprodução de blocos inteiros, literais, bem articulados, como “Estamos
aqui no carro mais novo de todos os tempos” (1), “Seiscentos e oitenta e
cinco reais” (6), “Mappin, o nosso Mappin” (100), “O carro mais louco
do país” (119), e “Duzentos mil reais por série no segundo sorteio do
papa-tudo mês da criança” (166), entre outros. Blocos bem
articulados/pronunciados, de extensão variável e que, geralmente, eram
justapostos a outros. Parecia que pedaços de segmentos ou segmentos
inteiros/extensos eram colocados um ao lado do outro e ritmados numa
mesma sinfonia (típica da televisão).
23
Ver exemplos 24; 26; 48/49; 57; 62, entre outros
31
Assim, segmentos de ‘textos’ de televisão são recorrentes e a
‘fala’ da criança é encoberta por uma ‘fala descarnada’, quer dizer, uma
fala pronta, um texto emitido por alguém que não responde por ele24.
Alguém que o lê ou simplesmente o reproduz. Mesmo se a fala é de um
outro presente, a criança não é propriamente afetada porque fica
aprisionada nos textos e melodias típicos da televisão: ela permanece
falando, mas não responde, olha ou atende ao outro – fica como se não
houvesse ninguém ali.
24
Ou seja, aquele que fala um texto de televisão, em geral, é mais um “ator” do que “autor”. É nesta
32
(14) P: Vamos assistir
(83) P: SI...ganhador
33
tampouco, o outro que estranha essa fala. A ecolalia parece mostrar que
uma fala pode fazer um corpo falar sem, no entanto, implicar falantes.
34
cuidadoso faz ver que é o outro quem fala uma parte da produção
anterior da criança. O fracasso disso aparece, em seguida, quando a fala
da criança se mostra refratária à fala da terapeuta e permanece
circunscrita ao mesmo da televisão. Ou seja, a fala da terapeuta não
chega propriamente a afetar o que a criança diz.
35
(115) T.: Põe na garagem
37
se em cadeias/textos, implicando trânsito, “incorporação mútua”, via de
mão dupla em que textos são plurais. Incorporação mútua, que envolve
circulação de fragmentos em textos plurais e que, por isso, são
submetidas às “restrições lingüístico-discursivas”. Não são efetivamente
acontecimentos dessa ordem que se observam nas produções dessa
criança: elas não transitam.
38
2.2. Caso 2: Uma fala aos solavancos
26
Monografia da especialização e início do mestrado.
39
Mesmo assertiva quanto ao fato de que a criança reproduzia a fala
do outro, por vezes a mãe parecia indecisa sobre a criança: “Mas eu
percebo que ele é, assim, bem inteligente. Só que, às vezes, ele não fala
coisa com coisa...”. Indagada sobre isso, a mãe diz: “Às vezes canta
música da TV, às vezes a gente não esperava que ele saiba aquilo. Ele
começa a cantar comerciais, música; ele canta, sem ninguém ter
ensinado. Ele ouviu, né?!. Então, às vezes, ele me surpreende. Às vezes,
eu penso que ele não entende as coisas e, às vezes, ele canta comercial.
Fala palavra do comercial”. Parece que o que chama a atenção da mãe
em relação ao filho é sua ‘facilidade de aprender’ e de reter falas
‘difíceis e extensas’, fato que se contrapõe à impotência de comunicar
suas necessidades. Ora a criança é ‘inteligente’ demais - porque “canta
comerciais”, “sem ninguém ter ensinado” -, ora ela é alguém incapaz de
se ‘comunicar’, de responder ao outro27.
Para o pai, o filho entende, mas é criança com a qual não se pode
conversar. Como se ela fosse alguém cuja capacidade de compreender e
impossibilidade de comunicar convivessem de forma pertubadora: “Eu
acho que ele está muito atrasado assim, na fala, no entendimento. Ele
entende, né? Às vezes você fala para ele as coisas ele sabe o quê que é
(...) só que não é bem aquela criança que dá pra você conversar (...)”28.
Enfim, à sua maneira, o pai diz a mesma coisa que a mãe: apesar de
inteligente, a criança não se comunica.
27
Kanner (1943), um psiquiatra que estudou crianças com falas ecolálicas, diz que os pais, de fato,
ficam nessa situação conflituosa: orgulhosos, porque seus filhos decoram falas extensas e complexas
e, também, perplexos porque eles não conversam com o outro. Não é diferente, como se vê, o que se
pode apreender no relato dessa mãe.
28
Segundo observação da psicanalista que me encaminhou o caso o “ele entende, né” do pai
corresponderia a situações em que a criança parecia responder a uma ordem do tipo “pega X”, “traz X
para mim”. Situações, portanto, em que a criança não fala e que, quando fala, segundo o pai, “não dá
40
gente não entende (...)”. Esses “falar rápido” e “falar tudo errado”
remetiam a produções que, embora criassem algum impedimento ao
diálogo, não podiam ser caracterizadas como ecolálicas já que, como
vimos no caso anterior, a ecolalia é sintoma que se diferencia de outros
exatamente por não apresentar erro – o sintomático estaria justamente no
acerto, que denunciaria uma reprodução, uma fala sem autoria. Observe-
se que, nesse relato, a mãe faz menção a erro e não à ecolalia: “Uma vez
fui (...) para cortar o cabelinho dele, que ele fala assim: ‘Nossa, ai, tô
todo sujo (...)’. Ele fala: ‘que gagunça esse cabelo’; mas tudo rápido
assim”.
41
repetiam para todas as pessoas, indiferentemente. Pude notar, com o
tempo, que esses eram gestos estereotipados, que não implicavam o
reconhecimento do outro como um. Então, se o primeiro paciente era
indiferente ao outro porque não olhava para ninguém, o segundo também
era indiferente ao outro porque olhava e sorria para qualquer um, não
fazia ‘escolha’. Duas faces de uma mesma moeda? Esses pacientes
pareciam encontrar-se nessa indiferença, mas não se encontravam no que
esse olhar/não olhar poderia significar para o outro. Para a terapeuta o
olhar e sorrir da segunda criança foram, de início, assumidos como
dirigidos para ela.
29
Devo dizer que presenciei uma situação bem diferente das descritas acima, em que o pai, a criança e
a terapeuta estavam na sala de atendimento. A criança pega uma árvore “dentada” de brinquedo, leva
à cabeça e começa pentear o cabelo. O pai, volta-se para a criança, e a repreende, dizendo: “isso não é
pente, isso é árvore”. Esse acontecimento chamou minha atenção porque, do meu ponto de vista, essa
‘inadequação’ da criança parecia algo positivo: um gesto que saía da prisão de uma mesmice. Já para
o pai, essa inadequação era um sinal negativo: mostrava que a criança ‘não aprendia’. O pai interdita
uma ação da criança e, penso, sua relação com a linguagem.
42
mesmos, sem fazer série30. No segundo, os objetos são utilizados para
atacar o outro. Frente a isso, concordei com a psicanalista que observou
que a criança ficava surpresa quando aparentemente notava o efeito dos
gritos, beliscos, tosses e lançamento de objetos no outro. Para ela, esses
comportamentos representavam a possibilidade, única e singular, da
criança interditar o outro, o que ela não podia fazer pela fala. Eu também
pude observar que essa criança, frente às minhas tentativas de fazê-la
parar de atirar objetos em mim, ria e reiniciava seus ataques (ou chorava
estridentemente). Riso ou choro que pareciam vir, respectivamente,
como efeitos do efeito de interditar o outro ou de ser interditado por ele
(efeito da contenção do efeito de interdição, que seu comportamento
produzia na terapeuta).
30
Esses acontecimentos são diferentes daqueles discutidos por Arantes (2001). Ao abordar “crianças
que não falam” mas que põem em ato (por gestos) uma cena, a autora fala de uma discursividade
motora. Foi isso que não pude observar nas crianças atendidas.
43
de segmentos inteiros de outras falas, assim como, por exemplo, quando
gritava e dizia na seqüência: “não pode guitá não”, em tom grave e
autoritário. Grito e reprovação do grito vinham amalgamados. Algumas
vezes, também, o paciente chorava quando era tocado. Choro seguido de
“Tem medo, tem medo! (...) Não precisa ter medo!”, ou então, “Ponto,
ponto. Chega, já passou!”. Deve-se dizer que essas falas como que
invadem a voz da criança, sem intervalo de tempo entre choro e fala e
entre falas, no prolongamento do choro ou do grito. De fato, não só
choro e grito trazem falas, como fragmentos da fala da terapeuta
provocam essas ‘falas prontas’.
31
Itard (1825) nomeou de ecopraxia essas reproduções imediatas de gestos pela criança.
44
A fala dessa criança é, como se vê, bastante diferente da do
primeiro caso apresentado. Não só no que diz respeito à fonte das
reproduções (falas que reproduz) e às incorporações fragmentárias, mas,
também, no que concerne às seqüências mescladas e hesitantes. Nessa
fala pausada, entrecortada, há silêncio no interior de suas produções
assim como pode haver também silêncio entre a fala do outro e a da
criança, nesses casos.
32
A cor azul está dispensada, uma vez que não se observam reposições de suprassegmentos dos
locutores de propagandas/slogans de televisão.
45
No. TERAPEUTA PACIENTE OBSERVAÇÕES
46
37 P: / ê ãe?
38 T: Onde ela tá?
39 T: Onde a mamãe tá? Onde a
mamãe tá?
40 P: / Tá?
41 T: Ficou lá embaixo?
42 P: Aaaxo?
43 T: Ela ficou lá embaixo? Ãhn? P: (risos)
44 T: O quê que você tá rindo? Que
cê tá rindo? Quero saber. Me
conta?
45 P: / Tá rindo? O que cê tá rindo?
46 T: Não, eu quero saber!
47 T: Não é assim, sou eu que quero
saber...
48 T: Quê que cê tá rindo? P: (risos)
49 T: Quem tá rindo é você, não sou
eu que estou rindo...
50 T: Eu não estou rindo, você está
rindo.
51 P: Rin-do.
52 T: Eu não estou rindo você tá J. se senta no sofá
rindo. Ô sofá legal para o
Jefferson descansar, né? / Não é
verdade? / Hein Jefferson? / Pra P: (risos)
você descansar? Hum?
53 T: Quê que cê tá rindo? O quê
que é engraçado? P: (risos)
54 T: O que que é: “Rá, rá”,
engraçado? / Nossa tem uma T. ouve uma pessoa gritar
fora da sala
moça gritando..., ih, vamos ver
só...
55 P: / Quim tá guitando↑? P. fala logo em seguida da
T., como um eco, embora
não haja reprodução.
56 T: Quem tá gritando? / Quem é
que tá gritando?
57 P: / Quem é – que tá – guitando? (demora alguns segundos
para produzir essa fala)
58 T: Eu que estou te perguntando: J. sai correndo em direção
a porta. T. abre um
Quem está gritando? / Ah eu vou
armário com brinquedos.
pegar você... / Olha o que eu
tenho aqui. Vamos pegar um
brinquedo pra gente jogar?
59 P: á?
60 T: Um brinquedo... esse aqui, T. pega uma caixa com
peguei aqui ó, vamos pôr pra brinquedos que imitam
comidas.
cá... Deixa eu ver, / ó, esse tem
pizzaaa...
61 P: / Izzaaa....
62 T: Olha, você gosta de pizza? SI
Cê gosta? Cê gosta de pizza?
63 P: / Izza?
64 T: Gosta?
65 P: Gosta di pizzaaa?
66 T: Quero saber se você gosta de
pizza, é gostoso, é bom?
67 P: Õm?
68 T: É bom? Eu gosto.
69 P: Gotu.
70 T: A pizza é uma delícia, muito
47
boa!
71 P: oa!
72 T: Eu gosto de pizza de
mussarela e você?
73 P: ê?
74 T: Do que cê gosta?
75 P: Ótaaa?.
76 T: Do quê? Aqui, vem pegar... A P. sai correndo
pizza ó. Hummmm,
77 P: / a pizza ó...
78 T: Qué um pedaço?
79 P: pedaço de pizza?
80 T: Quer um pedaço de pizza?
Mnham, mnham, mnham.
81 P: Mnham, mnham, mnham.
82 T: Boooom! Muito boa esta P. estende a mão para T.
pizza. É de queijo? / É de queijo?
É? Ah, você quer mais um P. estica a mão para T.
pedaço? Vou dar mais um com um pedaço de pizza.
pedaço para o Jefferson. / P. pega uma faca e
começa a cortar a pizza
Mnham, mnham, mnham. / Pra
mim? / Pra mim? Vai cortar? /
Você vai cortar a pizza?
Nossaaa!
83 P: Aaaaaaa!
84 T: Mnham, mnham, mnham. /
Boa? Tem azeitona? A minha
pizza tem azeitona, olha, olha
aqui, tem azeitona na sua pizza?
85 P: Pizzaaaa?
86 T: A sua tem?
87 P: / é pizzaa?
88 T: É pizza, a pizza é gostosa. A
sua pizza tem azeitona assim
verde?
89 P: ediii?
90 T: Tem azeitona?
91 P: Onaaaaa?
92 T: Não tem não? A minha tem
azeitona, tomate, pimentão... /
Ãhn, meu Deus, que mais?
93 P: (risos)
94 T: Aonde você vai? Cê não vai (P. sai correndo)
comer mais pizza? Não? / Deixa
eu ver então o que tem aqui. /
Vamos ver se a gente tem uma
outra coisa para comer. // Hum!
Sucrilhos, você gosta? // E coca
cola? Cê gosta?
95 P: Cê gota? e cocacoiaa?
96 T: É bom? É, assim de tomar? /
Você toma coca cola?
97 P: / Cê toma cocacóiaaaaa?
98 T: É bom?
99 P: Toma coca cóia?
100 T: É muito gostoso coca cola! / J. se pendura na cadeira e
quase cai enquanto T. o
Quem vai cair no chão, quem vai
segura.
cair no chão agora? É o
Jefferson.... // Ó o quê que tem
aqui. Pra gente cantar parabéns.
48
Quantos anos você tem?
101 P: SI... Paia - béns.... (cantando) Ao cantar, P. grita, com
voz muito aguda.
102 T: Parabéns pra você, nesta data
querida, muitas felicidades,
muitos anos de vida! Você não
quer comer bolo, você quer
comer sorvete?
103 P: / êti?
104 T: Você não quer comer bolo
não? / Sorvete não, o sorvete tá
gelado. Não vai comer o sorvete
não!
105 P: Êti- nããão!
106 T: tá gelado. Vamos guardar.
Não, sorvete não, sorvete não, o
sorvete tá gelado, vamos guardar,
não pode./ Que cê quer? / Olha a
pizza. / Não, pra cá, já pegamos
aqui. / Olha a pizza pequena.
Esta pizza é pequena e essa é a
pizza grande.
107 T: Qual você gosta? P: SI
(...)
108 T: Você pegou minha colher, né Pega a colher de T. e corre
em direção à porta
moço? Devolve aqui. / Dá a
minha colher, né moço, não pode
não, minha colher, dá. Vem,
vem, vem Jefferson, dá, aqui,
vem aqui vem. / Está boa está P: (Risos)
pizza hein? Muito boa?
109 P: // Tómi SI Volta e estende as mãos
para T. entregando-lhe a
colher.
110 T: Brigada! Esse é pra eu
guardar?
111 T: Eu posso? P: / Á?
112 P: / Toma – pá – guai-dá!
Toma – pá – guai-dá!
113 T: Toma pra guardar esse. Legal. Pega a bolo, corre e o atira
Ei, onde você vai levar meu para o alto
bolo? E ele jogou para o alto o
meu bolo de chocolate. Não
pode. E agora? Ninguém come
bolo?!
114 P: / Booiiio?!
115 T: Ninguém come bolo mais?
116 P: Bóio mai?
117 T: O bolo de chocolate é P. joga um pedaço de bolo
de brinquedo para longe, e
gostoso! / Ó, é bolo de chocolate
tenta pegar outro com a T.
com morango. Pega lá. Pega lá.
(...)
118 T: Aqui ó, ó pra dormir! T. Senta no sofá
Gostoso! Ó!
119 P: / Ó pá dumi!
120 T: Ó pra dormir que gostoso. / J. sai correndo em
direção à porta
Você gosta de dormir? / Vem
aqui!
121 P: / Ó vem aqui não↑↓!
122 T: Vem aqui sim!
49
123 P: Vem aqui...
124 T: Eu estou chamando, vem aqui,
eu estou chamando você, para
você vir perto de mim. Vem aqui
neste sofá. Jefferson...
125 T: O quê que você está olhando, .P. está encostado na
porta, com olhar vago
hein? Psiu? / Jefferson? O que
você está olhando? / Vem aqui! /
Vem aqui! Vem aqui do meu
lado, vem sentar aqui, vem? /
Vamos?
126 P: Não vamo nãooo↑↓!
127 T: Não vamos não?
(...)
128 T: Não, não passa a língua aí no P. fica passando a língua
no pão de brinquedo.
pão não, que esse é sujo.
129 P: / De ba-o↓
130 T: é, esse não é de verdade, esse
é sujo.
131 (risos)
132 T: Mas olha....
133 T: Han!, Jefferson, você tem 5 T. segura na mão de P e
ele sai correndo.
dedos, deixa eu ver, deixa eu
ver? Dá um pedaço pra mim? Dá
pra mim...
134 P: / Tá muito - su-ujo de bauô↑↓!
135 T: tá muito sujo de barro?
136 T: Quem sujou o pão de barro? /
Deixaram o pão cair no barro?
Na lama? / Porcaria... vamos
limpar o pão, então. / Vamos!
Põe o pão aqui no papel que nós
vamos limpar o pão, que está
sujo de barro
137 P: / Baaôô!
138 T: Vamos limpar o pão. Pronto?
Limpou? / Está bom? / Não está
sujo? / Não está mais sujo? // Dá
um pedaço pra mim!
139 P: / Dá um pedaço pá mim!
140 T: Não! É pra mim, não pra J. Põe o pão na boca
você...
141 T: Nhact! É bom, hein? Esse pão J. oferece o pão à T.
é bom! / Quem derrubou o pão
na lama? Quem derrubou no
barro? Quem derrubou o pão no P: (Risos)
barro? / Quem que foi?
(...)
142 T: Está na hora de... P: É pá dormir↑? P. começa a falar quando
T. está falando “hora de”
143 P: / É pá dormir↑? P. repete a própria fala.
144 T: É para dormir? Não sei, está na
hora de dormir? Está de dia..., /
não está de noite.
145 P: É pá do-omir↑ não não não
não↑↓
146 T: Não, não pode dormir não!
Não está na hora de dormir! Não
está de noite!
50
147 P: / Não! dormir não! não tá di
noite di umi! (gritando e
enfatizando cada palavra)
148 T: É isso mesmo, não pode
dormir porque não está de noite.
A gente só dorme de noite, de dia
não dorme não...
149 P: i-não... ão..
150 T: Não quero saber de ver o
Jefferson fechando o olho para
dormir. Não pode! / Não pode... /
Vamos levantar / tomar café! /
Vamos? Tomar café?
151 P: /Vamu-u? tomar café?
152 T: Você gosta de café?
153 P: éé? (suspirando)
154 T: Com leite? Com leite ou sem
leite?
155 P: Eiti?
156 T: Com leite? Eu também gosto
de café com leite.
157 P: Eiti?
158 T: Café com leite é bom, é
gostoso. Com açúcar ou com
adoçante?
159 P: Aaaaaaante!!
160 T: Adoçante?
161 T: Você gosta de adoçante? Não
acredito?! / Eu não gosto de
adoçante não, eu gosto é com
açúcar. / O meu é com açúcar
Jefferson. / Você já achou uma
bagunça a mais pra você fazer,
né? Hum? // Quero saber se você
faz toda essa bagunça lá na sua
casa... com a sua mãe e com o seu P. sai correndo em
pai? / Faz? Faz bagunça assim? direção à porta
Hein? Eu que vou deitar nesse
sofá! / Ah, que gostoso. É bom
esse pra dormir, hein?
162 P: // É-é pizza di-é-di-ó-di
ócoiáteeee↑↓?! (disfluência)
163 T: O quê? não entendi...
164 P: / É pizza – é di- é pi - é di ...
(disfluência)
165 T: É pizza, essa? / Está suja...
Está suja esta pizza, não come
não. Jefferson!!! A minha pizza
está melhor ó.
166 P: / Tá sujo↑ minha pizza ↑↓ de
barro↑↓?!
167 T: A sua pizza está suja, caiu no
barro...
168 P:/ arro...
169 P: // é tá sujo essa↑↓!
170 T: Está tudo sujo?
171 P: tá sujo essa↑↓!
172 T: Essa também?
173 P: tá sujo ... Ai ai essa tamém?
174 T: Nossa, quanta coisa suja!
51
Sujou toda a comida?
175 P: / Toma comida ai de baio↑↓ Tá
muito su-ujo de baiô↑↓
176 T: Está muito sujo de barro? De
lama? // Tô comendo milho!!
177 P: Segua assim, segua assim
(cantarolando)
178 T: Não segura nada! Não vem
com esta história que segura
assim, segura assado!
179 P: Segua assim (cantarolando)
180 T: Olha aqui, vou comer o milho,
quer um pedaço?
181 P: / A-ço? / tá muito sujo esse
pedaaaaço↑↓!
182 T: Não está muito sujo este
pedaço de milho não. Esse
pedaço de milho está limpo
porque eu lavei agora. // Você
lavou este? Vamos lavar? /
Vamos lavar todas as comidas,
pra ficar limpo, e não “sujo de
barro”? Ahn? Dá o ketchup aí
para mim. / Dá o ketchup. Olha o
hambúrguer...
183 P: / burguer....
184 T: É do Mc Donald’s.
185 P: / donolds.
186 T: Gosta?
187 P: / Óta?
188 T: É o Mc lanche feliz? Não, está P. põe brinquedo na
sujo este também. boca.
189 P: Segua assim, segua assim, segua P. balança-se na cadeira
assim, segua assim (cantarolando)
190 T: Não, não, não segura nada!
Vem! Nada de segurar, vem aqui!
Você gosta de balançar? / Você
gosta?
191 P: Óta di balançá?
192 T: Eu não gosto de balançar eu
fico tonta!
193 P: Onta!
194 T: Você fica tonto? / Você gosta
de ficar assim ó, Segura assim,
segura assim, balançando pra lá e
pra cá
195 P: / Tá muito sujo↑?
196 T: SI
197 P: / Di bauôôôô↑↓!
198 T: Muito barro, tem esse?
199 P: Muito barro tem esse?
200 T: Está marrom de barro. // O que
você quer?
201 P: Toma↑↓! P. estende a mão com o
hambúrguer para T.
202 T: Toma o quê?
203 P: Mec tini↑↓
204 T: É para eu segurar?
205 P: Toma mec tini tini↑↓
206 T: Ahn?
52
207 P: / Toma um mec tini↑↓ J. estende a mão com o
T: Um Mc lanche feliz?! pão para T.
208 P: Lanche fêíz?!
209 T: É para eu pegar o Mc lanche
feliz? É para eu comer?
210 P: ê?
211 T: O que eu faço com esse? Que
faz com esse?
212 P: // SI
213 T: // Vamos balançar pra lá e pra P. canta junto com T.
cá? Pra lá e pra cá. Pra lá e pra cá. P: Pra lá e pra cá (cantarolando)
(cantarolando)
214
215 T: Vamos pra esquerda e pra
direita... esquerda e pra direita...
(cantarolando) / Ahn? Gostou
desse?
216 P: / Pá esqueida pá dieita, esqueida
e pá dieeeeita (cantarolando)
217 T: Pra esquerda e pra direita
(cantarolando). Qual é a sua
direita? tá aqui ó, a sua direita. /
Pá, pode parar! / Vai prender o P. tenta abrir o armário
dedo, vai chorar, vai pro hospital
de tanto chorar porque vai
prender o dedo.
218 P: Ó! vai prendê
219 T: É, vai prender o dedo mesmo.
E dói, viu, e dói muito. / Não está
de noite não, levanta daí. Não
está na hora de dormir, não! Tó,
quer milho?
220 P: / ó qué mio?
221 T: Você gosta? Ih, ele gosta desse (põe milho na boca)
milho mesmo... Gostou?
222 P: // tá muito sujo↓ E tá muito
muito sujo di mio u u barro↑↓ de
mio↑↓ (disfluência)
223 T: O barro de milho não. Não está
sujo di mi...
224 P:de mio
225 T: de barro o milho.
226 P: mio
227 T: Não está não, esse eu lavei, eu
limpei, está limpinho. / Está
limpinho esse... Jefferson, / pode
comer esse, esse está limpinho.
Não vem me dizer que tem barro
neste milho. Não tem lama
nenhuma, nenhum barro. Eu
comprei na feira, e lavei.
228 P: // su-ujo de barro↑↓ esse miô↑↓ (Passa um automóvel na
rua, e a gravação fica
(fala gritando) com muito chiado)
229 T: É para eu segurar o seu milho?
230 P: / De baio↑↓! o miô↑↓!
231 T: Não está de barro não este
milho.
232 P: mi-ô.
233 T: Eu lavei, ele não tem barro,
53
está limpinho. / Tá limpo, limpo,
limpo. / Mas é de mentira, não é
para por na boca. Só põe na boca
comida de verdade..., né?
234 P: di↓ miô↑↓
(...)
235 T: O Mc lanche, você está P. sai correndo e pega o
comendo? Vai quebrar o dente, hambúrguer P. prende o
lanche entre os dentes com
ai... Vai ter que ir ao dentista uma força exagerada.
depois... Hum, quebrou o dente...
Deixa eu ver se quebrou o dente...
: Deixa eu ver. Dá um sorrisão!
Não, não quebrou o dente não.
Estão todos em ordem. Estão P. sai correndo.
todos os dentinhos lá. Cadê a
boca do Jefferson? Aqui a boca?
236 P: // SI toma↓, a mec tiiineeem↑↓
237 T: A Mc chicken?
238 P: / tá muito↑↓ sujo↑↓ de ióc↑↓
tiinem↑↓
239 T: Não, não está sujo não, o Mc
chicken está limpinho. Está
lavado.
240 P: / tá sujo↑↓ di...
241 T: Não está sujo não! Não tem
barro nenhum aí! Tá limpo!
242 P: Tá sujo↑↓ ....
243 T: Não, se está sujo eu não quero.
Eu não quero coisa suja... Eu não
vou comer coisa suja...
(71) P: oa!
(73) P: ê?
54
Chama atenção que muitos desses prolongamentos em eco
correspondem a alongamentos vocálicos, ou seja, a fala do paciente
emenda numa vogal da fala da terapeuta, como se esse som penetrasse na
voz da criança até ser interditada por uma fala da terapeuta. A criança
pára, e às vezes, reproduz parte do enunciado seguinte da terapeuta:
(6) T: Quem é?
P: ééééé....
(9) P: Éfersooon...?
55
a tornava bastante diferente ainda daquela que se apresentava como um
prolongamento da fala do outro.
(109) P: // Tómi SI
(111) P: / Á?
T: Eu posso?
33
Ver 2, 7, 45, 57, 97 e outros.
56
Também, em situações outras vemos que a criança não reproduz,
mas que metonimicamente produz um fragmento que se articula a outro
presente no enunciado da terapeuta. Fragmentos articulados que, na
verdade, parecem remeter a uma fala cristalizada, instituída em outro
espaço que não o terapêutico, como a seqüência abaixo:
(128) T: Não, não passa a língua aí no pão não, que esse é sujo.
(129) P: / De ba-o↓
(...)
Note-se que “tá sujo”, na fala da terapeuta, faz aparecer “de ba-o”
na da criança. Dois elementos que aparentemente compõem uma
seqüência relativamente rígida: “tá sujo de barro”, que perpassará as
falas dessa criança na sessão. É uma seqüência ao mesmo tempo
recorrente e articuladora de novas possibilidades. Recorrente, no sentido
de que insiste, embora não movimente textos, nem se insira em
textualidades outras. Articuladora, porque abre espaço para a presença de
outros elementos entre “sujo” e “barro” [sujo ---- barro], elementos que
vêm, agora, para instaurar diferença. De fato, é segmentada que essa
seqüência acontece pela primeira vez na sessão – dividida entre duas
vozes (128/129) – para depois insistir como uma composição até certo
ponto maleável e ‘maleabilidade’ é expressão da quebra de rigidez de
uma fórmula cristalizada:
57
(222) P: // tá muito sujo↓ E tá muito muito sujo di mio u u barro↑↓ de
mio↑↓
58
Assim é que elementos imediatamente incorporados – ou não –
emergem nessa ‘fórmula’. Por exemplo, “pizza” que é palavra que
circula nos dizeres da terapeuta, em diferentes momentos da sessão, vai
aparecer aí, nesses vãos.
34
Seminário realizado na Derdic em 20.08.01.
59
disse De Lemos (inédito)35, nela perde-se o corpo – gesto, olhar, voz e,
acrescento, a melodia de uma fala. De toda forma, não posso deixar de
indicar que há, na fala dessa criança, algo estranho que remete aos
aspectos apagados na transcrição.
35
Comunicação apresentada no Simpósio Corpo e Linguagem – IEL/UNICAMP – sob o título de
Corpo e Corpus.
60
sua manifestação – a primeira criança reproduzia basicamente uma ‘fala
de televisão’; a segunda, a fala do outro (terapeuta). A fala da primeira
criança era fundamentalmente uma reprodução, a da segunda, mescla
entre reproduções e seqüências com certo movimento. Isso parece
sugerir então, que a relação criança-língua-fala é diferente num caso e no
outro, como singular é sempre a de um falante.
61
CAPÍTULO 3
O Cenário da Ecolalia
36
Vale lembrar também, que a ecolalia comparece como sintoma ligado a quadros específicos em
subitens ou capítulos de livros, e também como verbete em Dicionários de Distúrbios da
Comunicação.
37
Fonoaudiólogos, Psiquiatras, Pediatras, Neurologistas e Psicólogos, por exemplo.
38
Ou seja, relação entre sintomas e quadros clínicos.
39
Foram consideradas revistas como "Journal of Speech and Hearing Disorders"; "Journal of Speech
and Hearing Research"; "S Afr J Commun Disorders" e "J commun disord'', entre outras.
62
aqueles encontrados em revistas de outros campos40. Dessa forma, é
possível dizer que na bibliografia falta a contribuição de especialistas em
patologia de linguagem. No Brasil, fonoaudiólogas como Fernandes
(1996), Palladino (1999) e Arantes (2000)41, voltaram-se para o assunto.
Mas esses, sem dúvida, são casos excepcionais.
40
Aqui se incluem revistas como "Journal of autism dev disord"; "J Appl Behav Anal"; "Cortex";
"Am J Ment Retard"; "J. Child Psychol Psychiatry"; "neuropsychiatr Enfance Adolesc; J Autism Child
Schizophr"; "J mtnt defic", entre outras.
41
“Ecolalia em Psicoses Infantis”, de Fernandes, “Palavras da Dor”, de Palladino e “As múltiplas
faces da especularidade”, de Arantes.
42
É certo que existem pesquisadores que estendem esse termo para repetições estranhas que ocorrem
em outros quadros envolvendo adultos (afasias, por exemplo). Schuler (1979), (uma fonoaudióloga,
membro Departamento de Educação Especial, da Universidade Estadual de São Francisco) afirma,
que a maior parte dos estudos sobre ecolalia são relacionados a “indivíduos com autismo infantil” e
que pouca atenção tem sido dada à presença desse acontecimento em outras patologias.
43
Não pude ter acesso ao artigo “Memoires sur quelques fonctions des appareils de la locomotion, de
63
quem primeiramente definiu o termo ecolalia: “eco na fala”; e também,
ecopraxia: “eco no comportamento” (Roberts, 1989 e Schuler, 1979).
Autores, como Barr (1898) e Bouvet et alli (1981), apontam Romberg
(1853) como precursor no uso do termo, mas parece haver consenso em
torno de Itard.
Essa tendência perdura até nossos dias. Assim é que a ecolalia será
mencionada nesse tipo de literatura como presente nas afasias
decorrentes de lesões “no lobo temporal esquerdo, lobo frontal e gânglio basal”
64
diagnóstico chama a atenção, o que, de qualquer forma, coloca uma
questão sobre o sujeito e sua fala.
“não está claro (...) que relações funcionais estão presentes ou são
necessárias quando excessivas respostas ecóicas são encontradas em
crianças mais velhas ou em adultos. Sabe-se que formas patológicas de
ecolalia são encontradas em condições tais como esquizofrenia infantil,
Latah, deficiência mental severa, e desordens de comunicação. Porém, a
ecolalia não é sempre observada nessas condições e um excesso de
respostas ecóicas não é considerada geralmente como um sinal
patognômico de nenhuma destas condições” (1968: 624).
65
Como disse, há poucos trabalhos que apelam para questões
relativas à linguagem. Existem, contudo, autores como Roberts (1989)45,
com Stengel (1964 apud Roberts), um médico, que designam ecolalias
como “atípicas”,
45
J. Roberts foi membro de um projeto desenvolvido no Departamento de Lingüística da
Universidade Macquarie, em Sydnei na Australia e voltou-se para essas falas ecolálicas.
66
Assim, nem na literatura médica a ecolalia ultrapassa o estatuto de
sinal de problema orgânico ou emocional, nem em trabalhos de
lingüistas (Roberts, por exemplo) e até mesmo de fonoaudiológos
(Schuler, 1979; Fay, 1967; Fernandes, 1996; entre outros), como
veremos adiante, ela deslancha para além de problemas comunicativos
ou expressivos46. Parece que questões sobre a língua e a fala, ou, a
relação falante–língua–fala não foram propriamente contempladas.
Muito embora, entendo, que elas interessam especialmente a
fonoaudiólogos. Interessam ou deveriam interessar. Surpreendente é
também que, na Fonoaudiologia, justamente a área que se propõe à
investigação e ao tratamento das patologias de linguagem, a ecolalia –
esse acontecimento de fala – tem ocupado espaço reduzido nas
pesquisas, como disse.
46
Vale dizer que a necessidade de “dispensar estudo e atenção [à ecolalia] como fato em si” foi
indicada por Palladino (2000), e sua diferença em relação à especularidade, tratada por Arantes
(2000), mas uma atenção mais focal e uma discussão mais detalhada sobre a ecolalia como problema
67
3. 2.1 Ecolalia: fala que não comunica
lingüístico não me parece ter sido ainda desenvolvida seja por lingüistas seja por fonoaudiólogos.
68
Daí que a “precisão/exatidão” e a “automaticidade” dessas falas as
aproximaria de “fala de papagaio”, de um não-humano. De fato, Kanner
em seu livro “Psiquiatria infantil”, remeterá a ecolalia a um transtorno de
simbolização, definindo-a como “uma repetição automática, como a de um
Assim, essas falas tocam esses autores, como se pôde ver. Ainda
que se fale de uma forma geral em repetição, atribui-se a ela uma
determinada qualidade ou adjetivação: ora ela é “estereotipada/exata”,
ora “involuntária/não intencional”, “automática/como a de um
papagaio”, “monótona”, “descontextualizada/sem significado” e, por
tudo isso, “sem caráter comunicativo”. Ao tentar dar conta do que não é
uma simples ou mera repetição, a qualificação vem para configurar como
patológica uma repetição “estranha” que se quer diferenciar daquela
presente na aquisição de linguagem (Ochs-Keenan, 1977; De Lemos,
1981, 1982, entre outros)47.
47
Em dicionários de Distúrbios da Comunicação, ecolalia vem também desdobrada em “ecologia”,
“ecofrasia”, “ecofasia”, termos que buscam relacionar essas repetições “estranhas” à quadros
neurológicos ou a perturbações emocionais. Ver, por exemplo, Terminology of Communication
Disorders (1996), e A Dictionary of Speech Pathology and Therapy (1963).
70
Ela será dita, então, imediata ou tardia; literal ou mitigada (Kanner,
1943; Rimland, 1964; Ricks & Wing, 1976; Schuler, 1979; Prizant &
Rydell, 1984; e Roberts, 1989; entre outros). Quanto ao par
imediata/tardia, ele diz respeito à imediaticidade, ou não, de uma
reprodução. Para os autores, em ambos os casos a repetição é dita literal.
Assim, toda diferença entre ecolalia imediata e tardia estaria centrada na
duração do intervalo de tempo entre o enunciado prévio e a produção
ecolálica. No primeiro caso, o intervalo seria mínimo, enquanto que, no
segundo, necessariamente maior48 (minutos, horas, dias, etc.).
como a repetição de um som emitido por uma fonte” (Buarque de Holanda, 1975).
Sendo assim, entende-se porque Simon quer reter a noção de “eco” para
as reproduções imediatas. Nas tardias não se pode identificar a relação
entre uma fala reproduzida e sua fonte.
48
Não vou tratar neste trabalho de casos que levantam a questão: “como assegurar que uma fala não
repetida imediatamente é, de fato, ecolálica, ou seja, reprodução de uma fala outra?”. Essa indagação
parece ter tocado Prizant & Rydell (1984) que sugeriram dois critérios: 1) medida de complexidade
gramatical e 2) relação entre essas falas e rotinas vividas (na clínica ou escola), que a criança teria,
segundo eles, memorizado. Penso não ser este um ponto simples, já que envolveria discutir critérios
como “complexidade gramatical” de falas e identificação empírica da origem/fonte de uma fala e,
71
são propriamente exatas. Tratam-se de “ecolalias mitigadas” para Fay
(1967) e Baltaxe & Simmons (1975) ou “imitações reestruturadas” para
Shapiro, et alli (1970). Elas se apresentariam com modificações, quais
sejam supressões ou adições de elementos ou, ainda, modificações
entoacionais. Resta dizer que essas três formas de modificação podem
ser concomitantes. Via de regra, diz-se que a criança parece ter ‘intenção
comunicativa’. Como se vê, essas falas enigmáticas trazem
imediatamente uma suposição de sujeito epistêmico.
A autora assinala que o termo foi cunhado por Pick (1924), para
designar respostas ecóicas “levemente modificadas”, em casos de afasia.
Note-se que nem se está falando mais em criança, nem a palavra
“levemente” parece explicitar a natureza dessa modificação. Vale dizer
ainda que o termo “mitigada” migra para fora do espaço teórico e
empírico em que foi cunhado e passa conviver nos trabalhos sobre
ecolalia em crianças, o que deveria introduzir questões particulares. Por
exemplo, a de se seria plausível falar ainda em ecolalia quando um
enunciado não é idêntico (mesmo que parcial) à fala de um outro. Dessa
forma, “mitigada” parece adjetivar uma fala não mais ecolálica em
ainda, ao meu ver, a questão problemática da escuta do outro/investigador, o que implicaria uma outra
direção argumentativa, diferente da que encaminho aqui.
72
sentido estrito. Pode-se pensar que o termo vem para reter ainda o
estranho em certas produções de crianças.
49
Fernandes, uma fonoaudióloga, aponta para a falta de preocupação dos pesquisadores tanto em
definir a ecolalia, como definir os termos “ecolalia tardia, ecolalia imediata e ecolalia mitigada”
(1996: 143). Prizant & Rydell consideram que há muitos problemas relativos aos critérios de definição
da ecolalia, principalmente, quando o que está em pauta é: "a exatidão da repetição, o grau de
73
3.2.2 Ecolalia: repetição que comunica
74
Diferentemente de Kanner, Roberts parece incorporar à ecolalia
mitigada a possibilidade de reversão pronominal pela criança. Note-se
que, para Kanner, ecolalia supõe exatidão na reprodução e o fato de
haver uma modificação para “uso correto do pronome” significa que
aquela fala nem mais ecolálica é. Ele dirá: “entre as idades de cinco e seis anos
[crianças ecolálicas] abandonam gradualmente a ecolalia e aprendem a usar pronomes
pessoais com referência adequada ” (1943: 249) (ênfase minha). Chamo a
atenção para um distanciamento de Roberts e outros pesquisadores,
influenciados pela Pragmática, relativamente à discussão de Kanner.
afirmação ou negação” (1989: 273). Não parece ter sido precisamente isso o
que se lê em Kanner (1943). Este autor assinala, por exemplo, que uma
criança reproduz o seguinte enunciado do pai: “Quer subir nos meus
ombros?”. Frente a isso, o pai fala: “Se você quer, diga sim, se não quer,
diga não”, ao que a criança diz: “Sim”. A conclusão a que chega Kanner
é a de que a criança dizia “sim” sempre que essa pergunta do pai fosse
feita.
linguagem tem servido para transmitir significado aos outros” (1943: 243). O que a
criança diz, torna-se ligado à situação original em que ocorreu, podendo
75
ser transferidas para outras situações. Kanner, portanto, não fala em
intenção, mas apenas de uma produção rígida, aderida ao contexto
original.
50
Os exemplos de Kanner (1943) são os seguintes: 1) analogia: “cesta de pão” por “padaria de casa”;
2) generalização: “não atire o cachorro para fora da varanda” adquire o significado de auto-repreensão
em toda situação de auto-punição; 3) restrição: “55” para tudo que pudesse ser referido à avó de 55
anos de idade.
76
Como se vê, essas crianças com falas estranhas teriam uma
linguagem própria, com significado obscuro para o outro, e não se
preocupariam, portanto, com sua aceitação pela comunidade ou com a
pertinência comunicativa dessas produções. Nesse sentido, deve-se
preservar distância entre os pesquisadores que, mesmo fazendo menção a
Kanner, apostam em “intenção comunicativa”. Este autor, ao contrário,
recusa qualquer movimento da criança em direção a sociabilização ou
qualquer vontade em se comunicar.
a substituição, ou seja, poder colocar uma coisa no lugar da outra”51. Esse seria um
outro modo de abordagem de falas ecolálicas. Interessa-me, neste
momento, dizer que muitos trabalhos parecem ter encontrado – ao meu
ver, de forma equivocada – em certas considerações tecidas por Kanner,
seus motivos para abordar as ecolalias em termos de “valor
comunicativo”.
51
Texto inédito, sem título (xerox). Nele a pesquisadora se propõe a discutir o papel da especularidade
77
intenção comunicativa” (1979: 413). Estas seriam denominadas “auto-
estimulatórias” porque não parecem servir a qualquer propósito.
Excluídos casos como esses, segundo ela, toda ecolalia será “sensível ao
contexto” em graus variados – sugerindo que a criança teria sempre
algum tipo de habilidade expressiva, mesmo que seja difícil para o
pesquisador/clínico determinar se há ou não sensibilidade ao contexto.
Schuler utiliza o termo “fala metafórica”, cunhado por Kanner, para
rotular tais ecolalias. É nesse ambiente que autores de trabalhos na
Aquisição de Linguagem, como os de Bates (1976), Dore, (1975),
Halliday (1975) e Bruner (1975), de alguma forma inspirados na
Pragmática Lingüística, serão consultados por pesquisadores da ecolalia
(Fernandes, 1996; Prizant & Duchan52, 1981, entre outros).
na aquisição da linguagem.
52
Barry Prizant é filiado ao Departamento de Patologia da Fala e da Audição da Universidade de
Illinois (Carbondale) e Judith Duchan é filiada à Universidade de Nova York (Buffalo).
53
Patrick Rydell é filiada à Agência de Educação de Iowa.
54
Christopher Dyer e Ângela Hadden são filiados à Whitefield School em Londres.
78
o ambiente” (Fernandes, 1996), de “prolongar a interação” (Fay55, 1973)
e, também, de “bloquear a comunicação” (Shapiro & Lucy56, 1977).
55
Warren Fay é filiado à Crippled Children’s Division, University of Oregon Health Sciences Center.
56
Theodore Shapiro é Professor de Psiquiatria da Corneel University Medical College e Peter Lucy é
estudante de medicina da New York Universitu Medical Center.
79
esquecermos de que são reproduções, que são sintomáticas porque
involuntárias, soa implausível supor a elas a qualidade de falas
intencionais e/ou comunicativas. Parece que a aproximação à Aquisição
da Linguagem produz um efeito nos estudos sobre a ecolalia que recobre
exatamente o que é perturbador nessas falas, mais especificamente, o de
serem falas que colocam em questão a problemática da “autoria” de uma
fala. Tal aproximação torna tênue, como disse, a distinção entre normal e
patológico.
57
R. Ford é filiado ao Departamento de Medicina Psicológica, King’s College Hospital em Londres.
81
(...), é cronificada (por algum motivo estranho à linguagem) e vira sinal de
conduta patológica” (2000: 92-3).
58
Nicole Simon é filiada à Divisão de Ciências do Comportamento em Cambrigde (MA).
82
No âmbito da escassa literatura brasileira, merece destaque o
trabalho de Arantes no que tange à problemática normal versus
patológico. Esta fonoaudióloga tem se ocupado desse problema (Arantes,
1998 e 2000). Interessa-me mais de perto o artigo em que ela questiona o
uso indiscriminado do conceito de “especularidade” na Fonoaudiologia.
A pesquisadora recusa tanto explicações de repetições estranhas pela via
de um desvio de rota no desenvolvimento normal, quanto por negação ou
adjetivação ao termo “especularidade”. Admirável é que ela não tenha
uma resposta fácil e pronta para um problema ou mistério tão complexo.
83
CONCLUSÃO
84
a investigar essa questão, aproximei-me de uma linhagem de
pesquisadores das ecolalias, que também se deixaram afetar por esta fala
e por esta questão.
Interessa dizer que foi, também, esse voltar-se para a fala que
levou ao reconhecimento de que o “estranho” dessa mesmice podia
comportar “reestruturação” e “ modificação”, o que não deixa de soar
paradoxal, uma vez que ou bem se está falando de mesmice, ou bem de
diferença. É fato que esses autores foram movidos pelo “estranho”
dessas falas mas não me pareceu que a explicação que ofereceram tenha
sido apropriada. Importa que é frente às ditas ecolalias mitigadas que
veremos pesquisadores aproximando-se da Aquisição da Linguagem.
88
especularidade] como um saber, que nos oferece restrições às respostas que
podem ser dadas ao que, da criança, nos interroga ” (1999: 49).
Diz-se que Eco foi amaldiçoada por Juno por tê-la distraído
com sua conversa, quando a deusa procurava surpreender seu marido
se divertindo com outras ninfas. Diante disso, Juno teria proferido as
seguintes palavras:
59
Apresento acima a versão de Bulfinch e Ovídio.
89
direção pronta para se lançar em seus braços. Ao se aproximar,
entretanto, Narciso lhe diz: “Afasta-te, prefiro morrer a deixar que me
possuas”. Narciso foge. Rejeitada, desprezada e envergonhada, Eco
passou a viver em cavernas vazias, seu corpo definhou, suas carnes
desapareceram e dela só restou a voz. Sua presença/existência, só era
notada quando e toda vez que ecoava a última palavra proferida por
alguém.
Vimos que a fala de Eco era uma condenação feita por Juno: a de
nunca falar em primeiro lugar, ou seja, a de não falar em primeira pessoa
– falar sem se enunciar como sujeito. Fala, portanto, vazia, desabitada.
Note-se que, diferentemente, as falas de Narciso eram perguntas
dirigidas ao outro e que esperavam respostas. Se assumirmos que toda
fala é uma demanda para o outro, podemos dizer que é o outro quem
legitima essa fala, quem reconhece nela uma posição e uma demanda.
Para isso, é preciso que o outro assuma uma posição diferente em relação
aquele que ‘falou primeiro’. Uma posição só pode ser definida em
relação à outra. Sem isso, há diluição de ambas as posições, o que é
aterrorizador. Narciso preferia morrer a ser possuído por Eco, ou seja,
ser ‘des-possuído’ de si, de sua fala. “Possuir”, nesse caso, é fazer duas
vozes virarem uma só. É ‘engolir’, ‘sugar’ esse falante outro, é não
reconhecer a alteridade, a diferença.
90
dizem, uma “fala”: “falar ele fala (...) e o pior é que ele fala”; ou então,
“não é aquela criança que dá para conversar (...) ele fica repetindo (...)
não tem resposta”. Falas que não respondem, mas reproduzem. “Pior”
que não falar é, portanto, falar deste modo.
60
Agradeço á Dora Ângela Vorcaro por esta pontuação.
91
nas ecolalias. Talvez porque a reprodução de fragmento venha como
uma reverberação, um prolongamento da fala da terapeuta que não faz
distinção entre falas e cria obstáculo a instituição de um diálogo.
92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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19).
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language, Cambridge, Mass.: MIT Press.
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Lenneberg (Eds.), Foundations of languages development col. 1.
New York: Academic Press.
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language, Academic Press.
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101