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MARIANA TRENCHE DE OLIVEIRA

ECOLALIA:

QUEM FALA NESSA VOZ?

Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


São Paulo
2001
MARIANA TRENCHE DE OLIVEIRA

ECOLALIA:

QUEM FALA NESSA VOZ?

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Lingüística Aplicada
e Estudos da Linguagem sob orientação da
Profa. Dra. Maria Francisca Lier-De Vitto.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


São Paulo
2001

ii
Comissão Julgadora

_________________________________

_________________________________

_________________________________

iii
Para Jefferson

iv
“Se se morre por causa da repetição, é também ela que salva
e cura, e cura primeiramente, da outra repetição”.
Gilles Delleuze (1968: 28)

v
AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Maria Francisca Lier-De Vitto, pela seriedade, cuidado,


rigor e vigor na orientação dessa dissertação, acompanhados de muito carinho.
Também, pela autonomia que pôde dar à minha escrita e às minhas questões, o
que foi de grande importância para meu amadurecimento. Agradeço ainda pelas
aulas e conversas descontraídas; pelos ensinamentos que, com toda certeza,
excederam o campo profissional.

À Profa. Dra. Cláudia De Lemos, pelas indicações de leituras e de direções


argumentativas no exame de qualificação, que foram muito proveitosas.

À Profa. Dra. Lucia Arantes, pelas contribuições preciosas ao


encaminhamento de questões deste trabalho no exame de qualificação. Também
pela disposição para a leitura e discussão dos dados.

À Dra. Ângela Vorcaro, pelo encaminhamento de um dos pacientes, cujas


falas estão neste trabalho. Por sua abertura à interlocução e pelas pontuações que
pôde fazer.

À Profa. Dra. Sandra Madureira, pela maneira calma e disposta com que
me recebeu e ajudou. Pelos esclarecimentos sobre prosódia e sugestões sobre o
modo de apresentação dos dados.

À Dra. Wilze Bruscato, pelo acolhimento na Santa Casa de Misericórdia


de São Paulo e pelo encaminhamento de minha pesquisa, ainda que esse objetivo
não tenha podido ser concretizado. Agradeço também à Adriana pela atenção.

Às equipes de Psiquiatria Infantil e Terapia Ocupacional e aos membros da


Comissão de Ética, que autorizaram a coleta de dados no Setor de Saúde Mental
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Pelo incentivo da Érika, Luciana, Rejane, Rosana, Roseli, Suzana, Tati e


Viviane, companheiras de aulas, mesas redondas e no Projeto Integrado Aquisição
de Linguagem e Patologias de Linguagem, cuja produção é de inequívoca
qualidade e originalidade.

vi
Ao Osvaldo De Vitto, pela descontração e pela rapidez das palavras
precisas, quando elas faltavam.

À Carô, Claudia e Gabriela, pela partilha de toda a inquietação gerada por


um atendimento iniciante e difícil e por apontarem os meus tropeços, fazendo-me
crescer. Pela intensidade da vivência de cada etapa de nossa grande amizade.

À Mariana, Milena, Miriam e Paula, também muito queridas, por terem se


envolvido neste e em muitos outros projetos acadêmicos e pessoais.

À Ruth, pela confiança e também pela amizade. Pelos ensinamentos e


discussões sobre a clínica que tiveram efeitos no meu fazer como terapeuta.

Ao Prof. Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), pela orientação sobre


questões relacionadas à ética em pesquisa.

À Valéria e Tereza; Marisa, Miriam e Clara, parceiras de consultório, que


acompanharam e apoiaram mais este passo. Também, um abraço para Leila e
Rosana.

Ao João, Graça e Marilei, pela competência e valiosa disposição na ajuda


do levantamento da literatura, na biblioteca da DERDIC.

À Dra. Cristina, por sua escuta e pela viabilização da abertura de novos


caminhos.

Aos meus pais, pelo amor e carinho; pelo incentivo à leitura desde tão
cedo e pela possibilidade constante de estudar. À minha mãe, Cecília, por ter me
apresentado o mundo científico; ao meu pai, Carlos, por me mostrar a importância
da formação de opinião.

Aos meus irmãos, Carlos, Daniel e Helô e ao (quase) cunhado Emerson,


pela torcida. Às famílias Bonini e Trenche, pelo estímulo.

À família Oliveira: Alécio e Esmeralda, Lene e Claudio, Valquíria e Cem,


pela consideração e pelos momentos de descontração.

vii
Pelo carinho e doçura das crianças que me fazem tão feliz: Lucas, Marcela,
Guilherme, Gabriel e Bruno.

Um beijo, também, para a Cris Vieira, pela amizade antiga e preciosa.

Aos Professores e colegas do Curso de Especialização em Fonoaudiologia


(Linguagem) pelo COGEAE/PUC-SP, em especial, às amigas Alê, Carol, Ciça,
Ilza e Priscila.

Aos Professores do LAEL pelas aulas e pela apresentação de novos


campos e questões. Também aos colegas com que dividi momentos de alegria e de
aflição.

Enfim, ao Robson, meu marido, pelo amor, companheirismo e


encorajamento, que foram suportes importantes durante este percurso. Pela
paciência com minhas ausências e, também, pela impaciência, que sinalizava a
falta que eu fazia. Pelas palavras bonitas e pelas engraçadas. Seu senso de humor
equilibrava o meu mau humor nos momentos mais conflituosos.

Ao CNPq, pelo auxílio que viabilizou a realização desta dissertação.

viii
RESUMO

Este trabalho problematiza a ecolalia, um sintoma caracterizado como


repetição do enunciado do outro. Definições, caracterizações e classificações,
presentes na literatura, são discutidas. Com o objetivo de assinalar a natureza
patológica desses acontecimentos, pesquisadores agregam adjetivos ao termo
repetição. Ela é dita involuntária, automática, exata e literal, por exemplo. Quanto
à abordagem das falas ecolálicas propriamente ditas, vemos pesquisadores
tipificá-las para chegar a uma codificação que abrigue diferentes manifestações
ecolálicas, assumidas como: imediata, tardia e mitigada. Esvazia-se, desse modo,
o próprio sentido de eco contido no termo ecolalia, que remete à reverberação de
som produzido por uma fonte. Na tardia, a fonte não pode ser localizada e, na
mitigada, que diz de uma fala modificada, diferente, portanto, do enunciado do
outro, perde-se a própria noção de eco.
No que diz respeito à criança, nas investigações das ecolalias chega-se a
concluir que ela tem intenção comunicativa, o que estabelece uma situação
paradoxal porque não só intenção comunicativa opõe-se ao entendimento desse
sintoma como involuntário/automático, como também leva há diluição da
oposição normal versus patológico. Se questionável já é assumir que uma criança
em processo de aquisição de linguagem possa ter intenção comunicativa ou
controle sobre sua fala, que dirá sustentar tal suposição quando se trata de uma
criança cuja fala é sintomática.
Este trabalho, toma o conceito de especularidade, definido por De Lemos,
como norteador da distinção entre repetição na aquisição da linguagem e repetição
sintomática. Ao lado desse diálogo teórico, dados de dois pacientes são
interpretados e assentam o lugar a partir do qual é encaminhada a discussão com a
literatura. Proponho que as ecolalias sejam abordadas a partir da relação fala da
criança/fala do outro, relação que assumo como singular. Desse modo, afasto
classificações e suspeito da abrangência da aplicação do termo “ecolalia” a falas
tão heterogêneas.

ix
ABSTRACT

The purpose of this study is to discuss echolalia, a symptom characterized


as repetition or echoing of speech just spoken by another person. Definitions,
descriptions and classifications, found in the literature, are approached and
discussed. It can be noticed that while some earlier investigators have aimed at
distinguishing between normal and pathological repetitions by adding adjectives
like involuntary, automatic, exact and literal to the term, other researchers have
tried to typify its heterogeneous manifestations in order to suggest a general
classification which comprises three basic categories: immediate, delayed and
mitigated. It is worth emphasizing that echo which, in fact, qualifies lalia, loses
its meaning since it recalls sound reverberation, that is, a reflection produced
immediately after its source. That being the case, in delayed echolalia, it is the
source which cannot be identified and in mitigated echolalia, a production
different for the other’s, it is the very meaning of echo which is lost.
As far as the child is concerned, some authors state that echolalic speech
may convey communicative intent, which seems to introduce a paradoxical
situation: if communicative intended, echolalia does not retain the characteristic of
being involuntary and automatic – a determinant feature of pathological repetition.
Moreover, one should keep in mind that the attribution of cognitive abilities to the
child is a highly controversial issue even in the area of Language Acquisition.
In this study, the concept of specularity, as it was defined by Cláudia De
Lemos, was contemplated and served as a theoretical parameter to approach the
distinction between normal and pathological repetition. I present and analyze
clinical data of two children. Both specularity and the analyzes were important
tools in the discussion of the literature. I claim that echolalic speech should be
approached on the basis of the relationship concerning patient - other speeches. In
this sense, I assume as singular every and each echolalic manifestation, that is
precisely why I avoid classifications and suspect of the application of the term
echolalia to such a wide range of heterogeneous children’s symptomatic speech.

x
ÍNDICE

INTRODUÇÃO .............................................................................. 01

CAPÍTULO 1 – ESPECULARIDADE: A REPETIÇÃO QUE

INAUGURA A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ..................................... 07

CAPÍTULO 2 – ECOLALIA: UMA REPETIÇÃO ESTRANHA ......... 14

2.1 CASO 1 – UMA VOZ PAUTADA POR FALAS DE TELEVISÃO ...... 14

2.2 CASO 2 – UMA FALA AOS SOLAVANCOS ....................................... 37

CAPÍTULO 3 – O CENÁRIO DA ECOLALIA ...................................... 63

3.1 ECOLALIA EM ÁREAS CLÍNICAS ...................................................... 64

3.2 DEFINIÇÕES ........................................................................................... 68

3.2.1 ECOLALIA: FALA QUE NÃO COMUNICA ................... 68

3.2.2 ECOLALIA: REPETIÇÃO QUE COMUNICA ................. 74

3.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O NORMAL E O PATOLÓGICO ........... 80

CONCLUSÃO ............................................................................................. 84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................... 95

xi
INTRODUÇÃO

O conceito de “especularidade”, definido por De Lemos (1981),


como “incorporação da fala do outro”, foi-me apresentado quase que
concomitantemente ao encontro, na clínica, com uma repetição estranha
da fala do outro pela criança. Foram acontecimentos que marcaram
presença no início do percurso de minha formação como terapeuta, ainda
na graduação. A primeira modalidade de repetição foi apresentada como
pressuposto teórico; a segunda, como fenômeno. Quero dizer que se
pude apreender algo sobre a primeira, isso se deu no espaço da sala de
aula. Diferentemente, o encontro com a segunda foi no espaço clínico da
sala de terapia.
Especularidade e ecolalia remetiam, respectivamente, a
repetições ditas normais e patológicas. Em comum, havia o fato de que
tais produções da criança eram dependentes da fala do outro. Entretanto,
mesmo retendo essa característica comum em relação à especularidade, a
ecolalia é uma repetição estranha1: repetição que intriga o clínico e,
principalmente, o clínico de linguagem – o que eleva a ecolalia ao
estatuto de questão a ser investigada. Não se deve esquecer também que
há, entre os acontecimentos a que esses termos se referem, diferenças
substanciais que não escapam ao reconhecimento do falante de uma
língua2.

1
“Estranho” no sentido explorado por Ma. Teresa Lemos (1994 e 1995), a partir de Freud, no que diz
respeito à fala da criança. A extensão da noção de “estranho” que concerne à fala patológica, foi
discutida por Lier-De Vitto (2000b e Lier-De Vitto & Arantes, 1998) e pelos demais membros do
Projeto Integrado Aquisição da Linguagem e Patologias da Linguagem, de que faço parte.
2
Ver sobre isso Lier-De Vitto (1999b, 2001).

1
Na especularidade, a criança incorpora fragmentos da fala do
outro – fragmentos que retornam para uma cadeia/texto – e antecipa-se
ali como falante. Esse movimento entre falas – entre todo e parte – é
decisivo no que diz respeito à aquisição da linguagem e,
conseqüentemente, ao processo de subjetivação. O outro/falante, ao
incorporar os fragmentos produzidos pela criança em seu dizer os
reconhece como fala e a criança como falante. Não é o que ocorre no
caso da repetição patológica em que, via de regra, o outro não acolhe as
produções da criança como falas e nem esta como falante. Como se vê,
há diferenças a considerar entre especularidade e ecolalia.
Inquietações relativas a esse sintoma na fala, como disse acima,
tiveram origem no Curso de Fonoaudiologia da PUC-SP quando atendi,
no estágio de Avaliação de Linguagem3, uma criança cuja mãe, nas
entrevistas comigo, disse que seu filho tinha “egolalia... ecolalia?”4. Li o
prontuário desta criança e vi que diagnósticos médicos indicavam um
quadro com comprometimento orgânico e emocional bastante críticos5.
O “diagnóstico de linguagem” fornecido pela mãe, juntamente
com os diagnósticos médicos, como que anunciavam um caso difícil e
produziam agitação e preocupação na terapeuta iniciante. Apesar disso,
eu apostava, como fonoaudióloga, que deveria tentar conversar com a
criança. Tentativa frustrada pois, embora o paciente “falasse”
praticamente durante toda a sessão, suas produções e seu olhar não eram
dirigidos a mim. Eram insistentes reproduções, claras e bem articuladas,
de slogans de propagandas ou programas de televisão, que se revezavam
com murmúrios baixos, pouco articulados e guturais.

3
Este estágio foi realizado na DERDIC - Divisão de Ensino e Reabilitação dos Distúrbios da
Comunicação.
4
A hesitação da mãe indica que ela repete um termo que foi falado por algum profissional (médico,
fonoaudiólogo, etc) ou por professores de seu filho.
5
Pude ler no prontuário que essa criança tinha hidrocefalia controlada e uma hipótese diagnóstica de
psicose infantil com características autísticas.

2
Lembro-me que, na época, isso me deixou perplexa e paralisada.
Esse caso, após a avaliação de linguagem, foi encaminhado para outras
instituições. Entretanto, se essa criança partiu, restou para mim uma
inquietação. Sua fala produziu um desconforto e dela precisava saber
mais.
No ano seguinte ao atendimento desse paciente, ingressei no
Programa de Avaliação de Linguagem de Crianças Pequenas6, cuja
proposta era diagnosticar crianças de dois a cinco anos com alterações de
linguagem. A maior parte das crianças atendidas não falava (elas
gritavam, articulavam sem som ou permaneciam em silêncio). Uma delas
reproduzia a fala do outro. Embora eu não tenha atendido aquela
criança, acompanhei as discussões, em supervisão, sobre pacientes
atendidos por outras terapeutas do Programa. Assim, entre tantas outras
complicações (também obscuras), defrontei-me novamente com essas
repetições/ecolalias que continuaram a me afetar e exigir de mim algum
tipo de leitura, de entendimento.
Quando entrei para o curso de Especialização em Linguagem7, fui
solicitada a fazer uma apresentação sobre o tema “procedimentos
fonoaudiológicos para pacientes com autismo/psicose infantil”. Uma
indicação de leitura foi a dissertação de mestrado de Fernandes (1990).
Nela, o nome “ecolalia” aparece como um sintoma presente e freqüente
na fala de crianças com esses quadros clínicos – o que me fez lembrar do
sintoma pronunciado pela mãe do meu primeiro paciente. Decidi buscar
na literatura o que se dizia sobre ecolalia.
Em meio a esse encontro com a bibliografia, uma criança com fala
em eco foi encaminhada ao consultório. Diferente daquela primeira, essa

6
Programa realizado na DERDIC no período entre setembro de 1997 e setembro de 1998 e
coordenado pela profa. Ruth Palladino.
7
Especialização em Fonoaudiologia pela COGEAE-PUC/SP.

3
criança ecoava8 praticamente tudo o que eu dizia, olhava para mim e ria,
mesmo que sem motivo aparente. Ao lado disso, outras vezes ficava
parada, olhando com vagueza para lugar nenhum.
Eu disse que essas crianças repetiam falas e a fala do outro, o que
fazia lembrar a especularidade. Mas as repetições dos pacientes e, em
particular, o seu modo de produzi-las, eram nitidamente diferentes das de
crianças em aquisição da linguagem e, ainda, entre si: um falava todo o
tempo, o outro falava predominantemente depois da terapeuta. Pude
formular duas questões: 1) que diferenças haveria entre repetições
“constitutivas/estruturantes” e repetições sintomáticas?; 2) que
diferenças haveria entre essas repetições sintomáticas? Foi com elas que
dei início a este trabalho.
Minha dissertação parte, como se vê, de uma necessidade de
entender melhor a ecolalia, de “apreender o modo de presença de um
sujeito na linguagem” (Lier-De Vitto, 2000 d). Pretendo, como
fonoaudióloga, arregimentar um conjunto de discussões sobre a
linguagem elegendo, para isso, um corpo teórico em que a fala, o falante
e o erro sejam categorias problemáticas (Lier-De Vitto, 1994). Refiro-me
ao Interacionismo em Aquisição de Linguagem9, teoria com que procuro
estabelecer um diálogo teórico10.
Considero ser imprescindível e essencial à terapêutica essa
investigação da fala de pacientes, uma vez que a técnica de intervenção
fonoaudiológica deve necessariamente ser condizente com o diagnóstico
de patologia de linguagem e responder à singularidade de um quadro e
de um caso (ver Andrade, 1998 e Arantes, 2001a). A instância clínica é

8
Vou me deter na fala dos dois pacientes no Capítulo 2.
9
Faço menção explícita ao Interacionismo conforme proposto por De Lemos (1981, 1982 e outros),
desenvolvido por ela e por pesquisadores do Projeto de Aquisição de Linguagem da UNICAMP como
Rosa Attié Figueira (1986), Maria Fausta Pereira de Castro (1985/1992), Maria Cecília Perroni
(1982), Esther Scarpa (1984) e as dissertações de Célia Carneiro de Toledo (1983), da PUCSP, Maria
Francisca Lier (1983).

4
espaço inequívoco em que a ecolalia emerge como questão de linguagem
a partir de que outras podem e devem ser levantadas: questões relativas à
fala, ao falante, e à intervenção/interpretação fonoaudiológica. Vou me
ater, prioritariamente, à primeira questão. Esclareço, nesta introdução,
que não abordarei aspectos clínicos e terapêuticos envolvidos nos
atendimentos desses casos. Considerei que o enfrentamento das falas
ecolálicas deveria ser um primeiro passo11. Deixo, portanto, para trabalho
posterior, a abordagem desses aspectos.
Dirigi-me tanto à literatura sobre ecolalia quanto a trabalhos de
Aquisição da Linguagem. Se o termo “ecolalia” tem, entre outras, a
função de cunhar uma repetição sintomática, presente em quadros
clínicos diferentes12, não se verá a presença desse termo na área de
Aquisição da Linguagem. Ali se fala em “repetição” (Ochs-Keenan,
1977), “imitação” (Ervin-Tripp, 1964; Ruth Clark, 1975 e 1976) e
“especularidade” (De Lemos, 1981, 1982, dentre outros). Quero
assinalar que a ecolalia vem como “um sintoma”, o que a coloca fora do
escopo da Lingüística e de suas subáreas. De acordo com Lier-De Vitto
& Arantes (1998) a oposição correto-incorreto, possível-impossível não
abrange o “patológico” e nem a dicotomia normal versus patológico é
abarcada pela Lingüística – essa última é uma oposição que diz respeito
à clínica (Lier-De Vitto, 1999 a, b; Fonseca & Rubino, inédito).
Esta dissertação segue mesmo a ordem dos acontecimentos, das
questões pelas quais fui tocada como pesquisadora e terapeuta. No
primeiro capítulo, discuto o conceito de especularidade conforme
postulado por De Lemos (1981, 1982, entre outros), conceito este, que
tem importância nas discussões que encaminho sobre os dados e sobre a

10
Diálogo teórico enquanto oposto à aplicação. Ver sobre isso, Landi (2000).
11
Esclareço que esta foi também uma direção seguida por Fonseca (1995).
12
Refiro-me ao fato de que a ecolalia pode ser um sinal em quadros como afasia, retardo mental,
autismo infantil, esquizofrenia, por exemplo, sendo, porém, um sinal dispensável na caracterização

5
literatura da ecolalia. No capítulo dois, apresento e discuto as falas de
dois pacientes com este sintoma – falas diferentes entre si e que,
entendo, não podem ser reduzidas ao conceito de especularidade.
Diferentemente do que se poderia supor, elas vêm no começo. Meu
objetivo foi expor os leitores à natureza dessas falas, antes de introduzir
os debates sobre elas na literatura, que ficaram para o terceiro capítulo.
Nele, problematizo definições, caracterizações e classificações da
ecolalia. Na conclusão, procuro tocar outras questões além daquelas
levantadas ao longo desta dissertação.

desses quadros.

6
CAPÍTULO 1

Especularidade: a repetição que inaugura


a aquisição da linguagem

Passo a abordar o conceito de especularidade, conforme postulado


por De Lemos (1981, 1982, entre outros), para assentar as bases das
discussões que encaminharei sobre a literatura da ecolalia e sobre as
falas de dois pacientes nas quais pude observar o retorno da fala do
outro: um retorno sintomático.

O termo especularidade13 é utilizado por De Lemos, sobretudo no


primeiro tempo do projeto Interacionista (1981 a 1992), criado no
Departamento de Lingüística IEL/UNICAMP, em 1976. A autora
enuncia que “a fala da criança não ocorre num vácuo lingüístico” (1985: 23), quer
dizer, essa fala não é geração espontânea, mas determinada pela fala do
outro. Tal afirmação remete à noção de “dependência dialógica”, que
subsidia a de “processos dialógicos”, assumidas como determinantes da
aquisição da linguagem, a saber: especularidade, complementaridade e
reciprocidade. Deve-se dizer que, deles, o de maior rendimento teórico e
empírico foi o de especularidade14.

O conceito de especularidade, indicador maior da dependência da


fala da criança em relação à fala do outro, tem sua especificidade em

13
O termo utilizado primeiramente por Camaioni (1979) para se referir a um processo constatado em
interações sociais criança-adulto e criança-criança e redefinido por De Lemos, para quem
especularidade não se refere à “interação social”, mas ao diálogo – locus da aquisição da linguagem.
14
Recomendo a leitura de M.T. Lemos (1994), sobre os processos dialógicos.

7
relação à imitação no sentido de que remete ao diálogo (e não à
interação social ou à repetição de comportamento), o que justifica a
afirmação de que a aquisição da linguagem é conseqüência do “jogo da
linguagem sobre a própria linguagem”. Melhor dizendo, importa na
especularidade a noção de diálogo. Em “Interactional process in the
child’s construction of language” (De Lemos, 1981), lê-se que ela, a
especularidade, compreende um movimento de ‘incorporação de
fragmentos da fala do outro’. A pesquisadora nos diz que:

“a contribuição lingüística da criança ao diálogo consiste em responder por


meio de incorporações de diferentes partes do enunciado da mãe, o que
aponta para o processo de especularidade como constitutivo [do diálogo]”

(1985: 24) (ênfase minha).

Assim, a especularidade, que diz de uma repetição, pela criança,


da fala do outro, diz também e acima de tudo, de uma dependência
constitutiva, qual seja, a de que a criança só pode falar a partir da fala do
outro. Esse é o aspecto fundamental do conceito de especularidade. É por
meio dele que De Lemos afasta-se da tendência dominante na área da
Aquisição da Linguagem de explicar o desenvolvimento lingüístico por
meio da atribuição de capacidades/habilidades cognitivas à criança. O
argumento levantado por De Lemos, contra a atribuição de
conhecimento lingüístico à criança, é o seguinte: como dizer que num
tempo cronologicamente posterior, aquele em que erros aparecem na fala
da criança, esta venha a “desconhecer” o que “conhecia” antes?

De fato, como sustentar que a criança possa ter algum tipo de


controle sobre o que diz, e sobre a interação, se sua fala é dependente da
fala do outro? A autora afirma, por essa via, a indeterminação categorial

8
da fala da criança. Do ponto de vista empírico, a hipótese de
indeterminação categorial da fala da criança, lembra-nos De Lemos,
apoia-se no fato de que sua fala corresponde a incorporações “diretas” e
não seletivas da fala do outro. Elas não refletem, portanto, um “saber
sobre” a linguagem15.

Se os erros, que sucedem essas falas especulares, conduzem De


Lemos a recusar a atribuição de conhecimento à criança, eles levaram
outros pesquisadores (Bowerman, 1982; Peters, 1983; e Karmiloff
Smith, 1986 e outros – apud De Lemos, 1992), a tomar direção oposta.
Como De Lemos, esses autores reconheceram que as repetições iniciais
da fala do outro eram “índices” de produções não analisadas – meras
extrações a que não se deveria atribuir estatuto categorial. Eles, contudo,
assumem que erros seriam sinais positivos porque “índices” de
processos reorganizacionais (cognitivos), em operação sobre
produções “não analisadas”.

As questões que De Lemos levanta são: 1) “Por que a criança


precisaria se distanciar da fala do adulto para depois analisá-la?” e 2) “O
que explicaria o surgimento do conhecimento, se antes ele era
inexistente?”. Para De Lemos, não há razão ou argumento forte o
suficiente que justifique a necessidade de um tempo de relação direta à
fala como anterior ou pré-requisito para que operações cognitivas
viessem depois a “oper[ar] sobre as unidades não analisadas em uso” (1992: 130).
Nada explicaria, do ponto de vista teórico, o porquê da necessidade de
uma relação direta à fala do outro, antes que operações
cognitivas/metalingüísticas entrassem em jogo.

Assim é que a concepção de sujeito epistêmico é abalada no


Interacionismo, o que levará esta proposta a recusar qualquer tipo de

15
Recomendo a leitura dos dados e sua análise em De Lemos (1982).

9
atribuição de conhecimento sobre a linguagem à fala criança. A autora
afirma a indeterminação semântica, sintática e pragmática de suas
produções – tema central, aliás, de “Aquisição de Linguagem e seu
dilema (pecado) original” (1982). De fato, descrever a produção
especular da criança em termos de categorias seria um contra-senso. Se
essa fala é do outro, ela só pode ser, do ponto de vista da criança,
indeterminada.

Há, contudo, mais a considerar sobre a especularidade. Fato é que


se é pela incorporação da fala da mãe que a criança pode falar, a mãe,
por sua vez, só pode dar andamento ao diálogo a partir do fragmento
incorporado pela criança. Vê-se que o outro está implicado de uma
maneira bastante particular no conceito de especularidade. Vejamos o
que diz De Lemos:

“(...) o processo de especularidade remete não apenas aos enunciados da


criança, mas também aos do adulto: de fato, ambos os participantes
preenchem seus turnos no diálogo por meio da incorporação de pelo menos
parte do enunciado precendente do outro (...)” (op. cit: 25).

O termo especularidade, esclarece De Lemos (1985), encontra


sustentação na “imitação recíproca” de Baldwin (1899 apud De Lemos,
1985) que, numa interpretação de Piaget, corresponde à “(...) reflexão (em

sentido próprio) de si no outro e do outro em si” (1928: 168). A especularidade diz


dessa reflexão e, portanto, remete à noção de espelho, o que eleva a
imitação recíproca à categoria de processo constitutivo/estruturante de
um locus dialógico, como diz De Lemos.

Como se vê, a especularidade não está apenas do lado da criança,


não é um processo unilateral. De fato, De Lemos diz de uma

10
incorporação mútua, condição mesma para o trânsito dialógico. Se a
criança, para falar, depende da fala do outro, a interpretação do outro é
também determinada pela especularidade – o adulto incorpora o
fragmento produzido pela criança ao seu enunciado. É, de fato, a
especularidade do lado do adulto que mostra que ele reconhece a
produção da criança como fala e ela como falante.

Importa dizer, ainda, que esse reconhecimento é fundamental na


medida em que o adulto, ao interpretar a fala da criança, incorpora o
fragmento produzido por ela numa cadeia – numa fala – e cria as
condições necessárias para que ela se antecipe, ali, como “falante”.
Assim, no espelho do outro, o fragmento-fala da criança vem enlaçado
no todo-fala do adulto. Como disse Carvalho: “antes de haver um diálogo

efetivo, ou melhor, na própria insuficiência deste, há uma antecipação de diálogo” (1995:


97). Desta forma, tanto a atribuição de valor de “fala” a uma produção,
quanto a de “falante” à criança, parecem estar relacionados ao
reconhecimento do outro.

Mesmo com o grande avanço teórico que o Interacionismo dá em


1992, a especularidade não é destituída de seu lugar central. De Lemos
(1992) escreve “Processos metafórico y metonímico como mecanismos
de cambio”, em que a especularidade fica subsumida naquilo que a
autora designará como primeira posição (De Lemos, 1999 b). Como se
pode ler no título deste artigo, ela invoca mecanismos lingüísticos para
dar conta das mudanças na fala da criança. Em outras palavras, De
Lemos traz a língua – la langue – para o coração de sua teoria sobre a
aquisição da linguagem.

Serão mecanismos lingüísticos que responderão, também, pela


subjetivação; o que quer dizer que é a língua, seu funcionamento (suas
leis de referência interna), que faz recuar definitivamente o argumento
de que a linguagem seja “instrumento acessório” da
11
representação/cognição e da comunicação16. É a língua que responde
tanto pela possibilidade de haver fala, quanto pela de haver falante. Vem
daí a noção de “captura” do sujeito pela língua, noção que se opõe
decisivamente à de “apropriação” da linguagem pela criança (De
Lemos, 1992, entre outros).

Será, então, por efeito dos processos metafórico e metonímico que


a criança ocupará posição frente à fala do outro e à própria – efeitos que
refletem mudanças de posição do sujeito na estrutura (De Lemos, 1999).
A fala da criança, a língua e a fala do outro, compõem uma relação
estrutural triádica que determina, conforme propõe De Lemos (1998;
1999), três posições para o falante. Na primeira, diz ela, a criança é
falada pela fala do outro enquanto que, na segunda, ela é falada pela
língua e, na terceira, ela fica no intervalo entre o que diz e o que
escuta (ou seja, ela pode escutar o que diz).

Assim, na primeira posição, que remete à especularidade, a fala da


criança é parte da fala do outro, “outro” entendido como “instância de
funcionamento da língua/discurso”, quer dizer, como falante. De Lemos
assume que os fragmentos incorporados correspondem a deslizamentos
metonímicos da fala do outro para a da criança. Acrescenta-se que, ainda
que a especularidade predomine, há diferença: mesmo que os fragmentos
da fala da mãe façam presença na fala da criança, a diferença entre elas
logo se mostra na medida em que o significante pode ser o mesmo, mas
o significado, para a criança, é indeterminado. Especularidade é, então,
repetição com diferença: não há coincidência entre a fala da mãe e a
fala da criança.

Dessa forma, a especularidade é relacionada à primazia do


significante sobre o significado. O “significado” é efeito do jogo

16
Sobre isso ver também Lier-De Vitto (1998), em especial, o último capítulo de seu livro.

12
significante e não de um estado cognitivo ou do estabelecimento de
referências externas/contextuais, o “texto” é espaço da articulação
significante. Não é o “contexto”, portanto, que determina “significados”.

A passagem para a segunda posição é determinada pela língua.


Nela, o processo metafórico passa a fazer pressão e, o que deveria estar
“em ausência”, acontece “em presença”, como mostrou Lier-De Vitto
(1994/98). Daí que cruzamentos entre fragmentos ocorrem e, muitas
vezes, sob a forma de produções insólitas. Nesta segunda posição, o pólo
dominante é a língua – a criança está no intervalo dos significantes
postos em relação, diz De Lemos (1999). De fato, a lei do significante é
“fazer relações” que, no caso da segunda posição, faz articulações à
revelia da criança. Isso quer dizer que a criança, embora fale, não tem
escuta para o que diz.

Será na terceira posição que o sujeito ficará sob efeito de sua fala,
o que é atestado nas correções e auto-correções, mesmo que o resultado
não seja um acerto. São nesses acontecimentos que se pode apreender,
precisamente, a divisão do sujeito entre sua fala e sua escuta. De Lemos
(op. cit.) diz que, na terceira posição, ele fica no intervalo entre essas
duas instâncias subjetivas.

Como se vê, De Lemos fez da repetição/imitação uma questão


teórica, mais precisamente, norteadora da reflexão sobre aquisição da
linguagem pela criança. Assim, a repetição, mais do que atestada, pôde
ser problematizada. Isso significa que, na proposta Interacionista, a
especularidade/primeira posição, enquanto repetição pela criança da fala
do outro, pôde ser elevada ao estatuto de questão teórica – assim como o
erro, a fala e o falante. Por esses motivos, o Interacionismo foi eleito,
neste trabalho, como espaço de diálogo: foi colocado em posição de
alteridade no que diz respeito à discussão das ecolalias.

13
CAPÍTULO 2

Ecolalia: uma repetição “estranha”

2.1. Caso 1: uma voz pautada por falas de televisão

Para abordar a ecolalia, essa repetição estranha, tomo como


exemplo um caso atendido por mim, no início da minha formação
terapêutica. Isso porque, como disse, meu contato com esse
acontecimento de fala ocorreu no âmbito da sala de terapia. Tratava-se
de uma criança, de sete anos, que parecia produzir incessantemente uma
‘fala que não era sua’.

Segundo os pais, a criança assistia muito à televisão e “dirigia sua


comunicação para ela”. Sem a televisão, dizia a mãe, o paciente poderia
até mesmo não falar. O mesmo, porém, não ocorria em relação às suas
solicitações: se quando ouvia a programação da televisão, corria para
assisti-la, não atendia, no entanto, ao chamado dos pais ou de outras
pessoas. A criança parecia ‘surda’ para o outro.

A queixa sobre a comunicação que emergia nesse relato era que,


embora a criança falasse, sua fala “não comunicava”: era pura
reprodução de falas e, sobretudo, de reclames de televisão (mesmo que
de semanas anteriores). Como se vê, essa fala que vem de outras não é,
entretanto, dirigida ao outro. Acresce-se a isso, o fato de ser reconhecida
como ‘sem sentido’ (não comunicativa). Mais ainda, para os pais, o

14
‘falar’ dessa criança refletia um não pensar (“será que ele não pensa”),
era um dizer sem saber o que se diz (“não sei se ele tem noção”). Assim,
embora a criança falasse, ela não conversava e nem mesmo pedia coisas
(“água”, ou “para ir ao banheiro”), ou seja, ela nem interpelava, nem
parecia ter demanda para o outro.

De fato, de acordo com os pais, essa criança emitia “falas” (“falar


ele fala”), mas o que em sua voz surgia não era admitido como uma fala
propriamente dita (“e o pior é que ele fala”). Como entender declarações
como estas? Como entender que somente propagandas pudessem incitar
uma produção?

Durante a conversa com os pais, eu não podia mesmo imaginar


que ‘falas’ eram essas. De toda forma, na condição de aluna-estagiária
do curso de Fonoaudiologia, supus que se trataria de um paciente com
‘alterações de linguagem’ e que, apesar dos sintomas presentes nessa
fala, seria possível estabelecer um ‘diálogo’ ou um ‘contato’ com ele.
Suposição, devo dizer, frustrada frente às produções vocais e verbais do
paciente e mesmo à natureza de suas ações. A gravidade e complexidade
do caso desencadearam um impasse clínico uma vez que eu era impedida
de ocupar a posição de outro para a criança e, menos ainda, de outro-
terapeuta. O efeito produzido pelo paciente e pela suas produções foi, de
início, uma paralisação: elas como que confirmavam o que os pais
haviam dito.

De todo modo, a situação era bastante intrigante. A criança não


dirigia exatamente seu olhar para o outro, passava por ele de modo
breve, fugaz, sem fazer foco. Em geral, ela olhava em direção aos
objetos, pegava-os um a um, virava-os em diferentes posições, levava-os
à boca, lambia, passava pelo nariz e colocava-os de lado. Outras vezes,
sentava, andava e deitava sobre os objetos, como se não pudesse
percebê-los ou senti-los. Ao andar, esbarrava nas paredes. Grande parte
15
das vezes, não respondia a um toque com grande pressão embora
reagisse a toques com pressões mínimas. Isso também valia para sua
sensibilidade auditiva: ao mesmo tempo em que não demonstrava
atenção à fala ou a ruídos de forte intensidade, podia direcionar sua
atenção para sons de baixa intensidade. Isso me levou a supor que,
apesar dos déficits orgânicos17, não havia problemas sensoriais que
justificassem essa conduta bastante específica.

O paciente também tendia, com freqüência, a reproduzir a mesma


ação, o mesmo gesto motor (acender e apagar a luz sucessivas vezes;
derrubar e levantar cadeiras) ou a reter um mesmo objeto. Eram atitudes
que se repetiam em seqüência, por um considerável período de tempo.
No entanto, quando um movimento na direção de um objeto era
interceptado ou quando a terapeuta procurava interromper essas
seqüências repetitivas de ações, o paciente passava a um estado de
grande agitação, apresentando uma vocalização grave e em volume forte,
com gestos bruscos, que podiam cessar repentinamente. Era quando
retornava à sua conduta habitual (lenta e repetitiva). Por vezes ainda, o
paciente abanava as mãos com os cotovelos em flexão, enquanto
produzia um esgar. Também, balançava a cabeça lentamente de um lado
para o outro. Esses movimentos eram bastante estranhos já que, à
semelhança de sua fala, eram também repetitivos. Pode-se dizer que nem
a fala, nem os gestos se desdobravam em diferenças. Corpo e fala que
“colam” em pedaços de gestos e de falas e que só se manifestam no
interior dessa prisão.

17
Como disse, de acordo com avaliações médicas (neurológica e psiquiátrica), o paciente apresentava
um quadro bastante grave e complexo do ponto de vista neurológico e psíquico, embora esse seja um
ponto que não será discutido aqui.

16
Bizarra também era sua fala que alternava momentos de
reprodução clara e bem articulada com um ‘monólogo’18 pouco audível e
de difícil interpretação, produzido em um tom de voz baixo, gutural e
nasalizado. Era como se o paciente estivesse o tempo todo ‘narrando
algo’ num murmúrio em que era possível reconhecer a entonação do
português, que lembrava a fala de um locutor/apresentador de televisão.
Era, porém, um contínuo sem fim, sem pontuação. Vale dizer que essas
produções surgiam à revelia da fala e da presença do outro,
permanecendo imunes à fala da terapeuta. Parecia mesmo que o paciente
era invadido por falas alheias e que, só por isso, falava. Suas produções
não eram acompanhadas de gestos ou expressões faciais, a não ser, pelo
esgar. Enquanto falava, não dirigia o olhar para terapeuta. Ou seja, era
uma fala sem endereço, que não convocava interpretação – um impasse
para a terapia.

Algumas vezes emergiam, nesse contínuo, reproduções/cópias


claras e literais de falas de outros, mais especificamente, de slogans, de
propagandas e de programas de auditório (uma curva entoacional que
lembrava a típica de locutores). Ou seja, em meio ao murmúrio contínuo
era possível, por vezes, apreender pedaços de falas de televisão. Vale
dizer ainda que, durante a sessão, o paciente ‘interessava-se’ por
aparelhos que emitem falas (como uma televisão de brinquedo e um
rádio gravador) que, em geral, ‘assaltam’ o paciente.

Mais raras eram as repetições imediatas da fala da terapeuta.


Quando isso acontecia, era possível notar, do ponto de vista fenomênico,
dois tipos de ocorrências:

18
Utilizo “monólogo” entre aspas porque não desconheço a diferença entre aqueles discutidos por
Lier-De Vitto 1994/8 e os dessa criança, em que, a palavra “monólogo” serve apenas para designar um
isolamento/fechamento da criança para o outro e para o diálogo.

17
(1) uma reprodução ipsis literis de partes da fala da terapeuta
seguida imediatamente ou por uma fala de televisão, ou por um
murmúrio cadenciado. No caso de ser sucedido pelo murmúrio, pode-se
dizer que esse era o destino do segmento incorporado: ele se tornava
inaudível, diluído num sussurro que barrava a interpretação/entrada do
outro. Quero dizer, com isso, que sendo esse o destino de uma
incorporação, tem-se o apagamento de um lugar/posição para o outro
falar. Esse acontecimento parece relacionado ao fato de que há um
“antes”, ou seja, um não reconhecimento do ponto de partida de um
enunciado: do outro como falante. Isso significa que um diálogo não se
estabelece nunca. Condição para isso seria que os participantes de um
diálogo pudessem se reconhecer em outro lugar, na fala do outro – como
está implicado no conceito de especularidade.

Esses comentários valem também para quando, ao segmento


idêntico incorporado, seguem-se pedaços dispersos de
propagandas/programas de televisão. Nesses casos, aparece com nitidez
a exclusão do outro – de sua condição de sujeito falante e a inutilidade
de sua fala.

(2) reproduções imediatas que, se do ponto de vista segmental


eram idênticas à fala da terapeuta, do ponto de vista suprassegmental o
segmento era como que ‘sugado’ pela entonação dos locutores de
televisão. Modo mais sutil, digamos, de um mesmo acontecimento. Isto
é, o destino dessa incorporação é sua redução a uma fala ‘descarnada’,
repetitiva, como são as inúmeras entradas de propagandas na televisão e
estereotipias estilísticas de apresentadores de programas. Nessas
ocasiões, sua qualidade de voz podia muitas vezes mudar radicalmente:
uma voz recoberta por outra aproximada da de um locutor/apresentador.

Era possível escutar sua voz somente em: a) no interior de


seqüências de fragmentos de textos de televisão, quando marcados por
18
glotalizações (fechamento brusco de pregas vocais) em algumas
produções de consoantes ou b) em vocalizações. Desse modo, assistia-se
a uma situação estranha e paradoxal: quando a criança ‘falava’, falas
outras invadiam sua voz e, quando ‘não falava’/vocalizava, aparecia uma
criança sem palavras.

Também, não pude deixar de notar a diferença de uma sessão para


outra. Em algumas, ele estava calado e irritado, com movimentos
lentificados e restritos; em outras, ele estava agitado e ‘falava muito’: era
quando reproduzia as falas típicas de televisão, alternadas com
produções longas, murmuradas e ininterpretáveis. Chamava a atenção
que a criança podia oscilar entre calma e agitada numa mesma sessão.

Frente a acontecimentos como os referidos acima, considerei que:


(1) não olhar/responder à terapeuta (mesmo com condições sensoriais
para isso), (2), produzir seqüências ininterpretáveis com características
prosódicas típicas da fala de locutores, (3), reproduzir nitidamente
slogans, propagandas ou programas de televisão, (4) reproduzir
imediatamente a fala da terapeuta e emendá-las/transformá-las, ou em
falas de televisão, ou em murmúrios e (5) produzir vocalizações
estranhas, faziam questão e colocavam em xeque a terapia e a terapeuta.
Acima de tudo, chamava a atenção que todas as produções da criança –
ou quase todas –, traziam a marca de uma repetição. Repetições de uma
natureza singular: insistentes e estranhas.

Os pais falavam em ‘ecolalia’. Embora já tivesse ouvido o termo,


fiquei indiferente a ele e, naquele momento, não procurei saber mais.
Parecia um rótulo, que nem caracterizava um quadro e nem explicava
uma fala. Não é por acaso que, na tentativa de descrevê-la, lancei mão da
“especularidade” – apreendida em sala de aula – para abordar esses
acontecimentos em que a fala da criança era nitidamente a fala de um

19
outro, sem levar em conta questões clínicas e a particularidade dessa
repetição.

Não quero dizer, com isso, que eu tenha ensurdecido para o


enigmático dessas produções. Entretanto, naquela época, não pude
enfrentá-las porque a elas atribuí, “apressadamente” (como diz Arantes,
2000 – no prelo) o rótulo de especularidade. De todo modo, reconheço
que não pude, então, fazer muito mais do que uma substituição de
rótulos. Entendo que com “especularidade” permaneci no campo da
aplicação. Como critica Arantes, nas aplicações, conceitos são reduzidos
a “instrumentos descritivos”, esvaziados de seu sentido original e
teórico. De fato, segundo De Lemos19, aplicações “ignora[m] a relação do dado
com a teoria”, posto que um dado só o é para uma teoria. Ou seja, é a partir
da formulação de proposições problemáticas (expressão de Milner,
1989), que um campo se delimita e delimita o que é dado para si (Lier-
De Vitto, 1999). Um fenômeno é inapreensível na sua totalidade e, nesta
medida, toda ciência se institui como um domínio que circunscreve um
conjunto de questões de que se ocupa, desconsiderando outras.

Se admite-se que é na Lingüística que a linguagem é elevada ao


estatuto de objeto, uma aproximação da Fonoaudiologia a essa área
parece incontornável. É preciso, porém, respeitar especificidades.
Justamente por essa razão, é que vale aqui o alerta de De Lemos de que
um saber instituído não deve ser visto “como disponível sob a forma de certezas e
respostas [mas como] um lugar onde o que se sabe serve, acima de tudo, para interrogar
[...]” (1998: 14) (ênfase minha). Foi exatamente isso que não pude
considerar naquele tempo.

A pressa em recobrir a interrogação (que diferença há?) era, de


certo, obrigatória e, naquele momento, tal interrogação era

19
Argüição à tese de Doutoramento de Rosana Benine – “‘Omideio’, o que é isso?”, em março de

20
imperscrutável. O atendimento desse paciente se deu numa disciplina da
graduação, em que um relatório era exigido e reclamava um dizer sobre a
fala dessa criança. As questões, no entanto, ficavam como que acuadas
pela necessidade de responder por tal demanda. O aluno supunha e
cobrava do professor um saber sobre elas, ao mesmo tempo em que sabia
que o professor cobrava um dizer seu. Acuado, então, ficava o terapeuta
de linguagem que – quer aluno ou professor – supostamente deveria ter
uma resposta para elas. Circunstancialmente, o imperativo de responder
pela fala da criança se sobrepunha à inquietação suscitada pelo
acontecimento clínico. Penso que uma inquietação (afetação por um
acontecimento) é o que está na base tanto da delimitação de um
particular, quanto do levantamento de questões e que, de certa forma, o
‘ter que dizer’ pode encobri-las.

De toda forma, pude ficar sob efeito de uma diferença, qual seja, a
de que entre a especularidade e a fala de meu paciente, a repetição não
poderia ter o mesmo caráter. Tratava-se de uma repetição estranha, como
disse. Pretendo, neste trabalho, aproximar-me do ‘estranho’ dessas
repetições, deixando-as produzir interrogações.

Os dados que vou interpretar são apresentados de forma bem


diferente daquela que encontrei na literatura sobre ecolalia. Nela, em
geral, falas de crianças são mencionadas e comentadas, melhor dizendo,
aparecem isoladas, não relacionadas à fala do outro. Elas vêm, tão
somente, para ilustrar uma afirmação ou classificação dos pesquisadores.
Considerei importante a apresentação integral de longos segmentos de
sessão, para que o leitor pudesse, na medida do possível, ficar situado
frente a falas dessa natureza.

2001.

21
Os dados foram dispostos da seguinte maneira: 1) na primeira
coluna numero as falas ocorridas na sessão; 2) na segunda, em vermelho,
está a fala da terapeuta20; 3) na terceira, a fala é do paciente, em três
cores diferentes (azul, vermelho e preto) para distinguir a entonação; 4)
na quarta coluna estão algumas observações. Vale dizer que, embora a
divisão seja feita por turnos, estes nem sempre são respeitados, pois ou o
paciente ‘atropela’ a terapeuta com suas (re)produções, ou a terapeuta
fala ‘em cima’ das produções da criança. A transcrição foi feita em
ortografia regular, a partir de gravações em áudio e vídeo.

Esclareço também que a variação de cores, na terceira coluna,


serve ao propósito de notação de mudanças de entonação, tom de voz e
velocidade de fala. Quando a fala está em vermelho, o paciente
reproduziu (de forma idêntica) a entonação da terapeuta, bem como sua
velocidade de fala. As falas em azul servem para marcar produções cuja
entonação e velocidade lembram a melodia típica utilizada em
slogans/comerciais ou programas de televisão. Falas em preto remetem a
produções que não são nem repetições imediatas da fala do outro, nem
de slogans e se apresentam com uma entonação típica do português.
Estas serão marcadas por flechas para indicar o movimento ascendente
da forma interrogativa. Ou ainda, as produções em preto remetem a
vocalizações.

Quando digo que a fala determinada pela cor azul lembra um tipo
de produção veiculada na mídia é porque tanto a entonação21 é toda
marcada por curvas ascendente-descendentes (como na exclamação),
como a articulação, em determinados momentos, é exagerada (ou

20
Esclareço que utilizarei a sigla (T) para a terapeuta e (T2) para outra terapeuta que entrou em sala
quando a primeira estava paralisada frente às produções da criança. Esclareço, também que passarei a
referir-me como terapeuta, ou seja, em terceira pessoa, para facilitar a leitura dos dados.
21
Agradeço à Profa. Sandra Madureira pelos esclarecimentos e sugestões para apresentação desses
dados.

22
hiperarticulada). Quando isso ocorre, a produção só não é ‘perfeita’ do
ponto de vista articulatório porque o que se ouve, no lugar de algumas
consoantes, é uma glotalização (ou seja, uma oclusão brusca das pregas
vocais). Estas glotalizações estão marcadas na transcrição com negrito.
Vale ressaltar que, no caso das produções hiperarticuladas, o volume é
mais forte e há mudança de tom de voz para mais grave ou agudo.

Por outro lado, embora em alguns momentos, a melodia típica da


televisão continuasse sendo produzida (ainda na letra azul), a articulação
e a voz ganhavam um outro aspecto. A voz ficava baixa e gutural:
algumas vezes, aproximava-se de um sussurro e, em outras, de um
murmúrio, em que não era mais possível identificar segmentos do
português. A fala ficava hipoarticulada, ainda que um contínuo melódico
pudesse ser ouvido, numa intensidade também muito baixa. Para esses
momentos, utilizei a sigla ‘SI’ (segmento ininteligível). A linha
descontínua, que muitas vezes acompanha tal sigla, remete aos longos
murmúrios, ou seja, a segmentos ininteligíveis submetidos à melodia
típica da televisão.

É justamente com esta fala, longa e murmurada, não dirigida a


ninguém, que a terapia é inaugurada. Apresento a seguir, fragmentos de
sessões de avaliação de linguagem.

No. TERAPEUTA PACIENTE OBSERVAÇÕES

1 P:SI ------ ganhou dez reais ----- SI - Enquanto T. liga o


----------- o carro. Estamos aqui no gravador, P. começa a
falar andando em direção
carro mais novo de todos os tempos. ao espelho.
SI ---.
2 T. puxa um carro do saco
e põe no chão. P. vira-se
e vai em direção ao carro.
T: Você gosta de carrinho?
3 P:Cê gosta de carrinho?
4 P:E você gosta de carrinho! SI ------
-
5 T. pega um carro rosa e
dá para P., que se levanta
23
dá para P., que se levanta
T: Olha que carro bonito! e estica seus braços para
pegá-lo.
6 P:Oia o carro nito! Seiscentos e P. senta e fica mexendo
oitenta e cinco reais. SI no carrinho rosa.

7 T: Vamos brincar com o carro?


8 P:aiaidágdáááá (vocalizações).
9 P:Ao valor de dez mil reais. Deixe P. levanta e apóia-se na
algum recado SI------- o telefone do T., para pegar outros
objetos na cadeira.
seu Pager....
10
11 T: Ó a televisão!
12 P:Vamos assistir? P. está olhando em
direção aos brinquedos
que estão no chão.
13 T: Vamos assistir a televisão?
14 P:Vamos assistir
15 P:E você quer assitir....?
16 T: tem um boneco.
17 T: Pronto P:Os bonecos de fogo... P. segura o saco. T. retira
uma bola e coloca no colo
de T., mas ele não segura
e a bola rola para o chão.
18 T: E uma bola?
19 P:SI ------------------------------------- P. pega o saco e retira
uma moto, pondo o saco
de lado.
20 T: E uma moto. Acabou.
21 (silêncio) P. pega a moto e leva até
a boca.
22 T: Não, não pode morder, não. (silêncio) P. larga a moto e fica
olhando para o saco.
23 T: Acabou ó, não tem mais nada (silêncio) P. pega os carrinhos.
aqui dentro.
24 P:SI -- a pergunta SI ----, uma P. fica olhando em
direção ao carro,
pegunta muito especial ---------------
enquanto vai
----------------------. São dez mil manuseando-o, virando-o
reais. SI --------------------------------- de cada lado.
------------ -au-au ih SI ----------------
------------------------------------------.
25 T: Gostou desse carro?
26 P:SI desse carro ----------------- o
seu carro. Oo seu.
27 T: Ó!
28 P:SI --------
29 T: Vamos colocar este boneco
no carro?
30 P:ááááaááááá (geme) P. pega a moto leva até a
boca e grita e bate com a
mão no chão de forma
estereotipada
31 T: Quê que cê tá fazendo, P. com a moto na boca,
fica batendo a mão na
Adriano22?
moto.
32 P:ááááaááááá (geme)
33 T: Ó, esse não é de comer não.
34 T: O que você está fazendo? P. pega um brinquedo
olha, põe no chão e pega
outro.
35 P:ai dig da á! á! á!. P. vira a cabeça de um
lado para outro de modo
estereotipado.

22
Nome fictício.

24
36 P:dig dig dig á! á! á!.
37 T: vira pra cá Adriano.
38 T: Adriano? (silêncio)
39 T: Vira pra cá um pouco. (silêncio)
40 T: Vira pra cá.
41 P:SI
42 T: Vira pra cá.
43 P:SI --------------------------------------
--------------------------------------------
--------------------------------------------
-----------
44 T: Tó, fala aqui, P:SI --------------------------------------
---
45 T: No microfone. P:SI -------------------------------------- T. tenta dar a P. o
microfone, mas P. segura
--------
o carro.
46 P:no microfone
47 T: Tó.
48 P:Tó o microfone desse carro o
microfone SI --------esse carro na
minha casa, tudo que você------------
------------------------- taz mania -----
-------
49 T: Adriano, vira pra cá. P:SI --------------------------------------
----- tan tanan tanan! SI --------------
--------------------------------------------
-----------os bonecos--são dez mil
reais----------dez mil reais----se você
--------------------------------------------
---- carros ------------------------------
(silêncio)
50 T: Você gostou dessa moto (silêncio) P. pega a moto e fica
batendo ela no chão.
Adriano?
51 T: Ãhn? (silêncio) P. vira a cabeça de um
lado para outro enquanto
produz um esgar.
52 (silêncio)
53 P:Ai nhaaa ai. Aaaaa. Aaaaaaaaa P. larga a moto e pega o
carro e vai trocando de
objeto várias vezes.
54 P:SI --------------------------------------
dez reais se você -----------------------
--------------------------------------------
-----------------------
55 T: Ó a moto. Uóóóó P:SI --------------------------------------
--------------------------------------------
--------
56 T: Cê vai estacionar o carro?
57 Você vai estacionar o carro, são dez
mil SI ------------------------------------
------------------- o nome desses ------
--------------------------------------------
--------------------------------------------
---------------------------------e você
ganhou o carro-------------------------
------e SI e agora -------de
segurança-------------------------------
--------------------------------------------
-------------
58 P:SI --------- aaa, aa aaaa
59 Vamos brincar com o carro P:aaaaaaa
25
Adriano?
60 P:SI
61 T: Uóuó. Ó o trânsito, ó. Pum! (silêncio) P. fica olhando em
Bateu no carro? direção ao carro que T.
empurra.
62 P:ateu no carro SI --------------------- P. pega o carro e vai
----------------------------------- esse girando ele na mão.
carro ------------------------------------
----------------------------- O carro ----
--------- pessoas ------------------ o
seu carro -------------------------------
--------
Um carro, dez pessoas ----------------
----------------------o ca-ca-ca-ca-ga-
--------- o seu carro, que bonito o
seu carro, se você não ----------------
--------------------------------------
(...)
63 T2: Adriano ó P:SI -------------------------------------- Terapeuta 2 entra na sala.

---
64 T2: Vamos escrever aqui ó P. pega o giz que T2. dá e
começa a rabiscar o
papel.
65 P:Vamos escrever?
66 T2: vamos escrever.
67 P:Vamos escrever ---------------------
----------------------------------
68 T2: Não, vamos escrever.
69 P:Vamos escrever. SI ----------------
70 T2: vamos escrever P:SI --------------------------------------
---
71 T2: Olha, é dessa cor agora ó, P:SI --------------------------------------
---
72 P:SI -------------------------------------- P. larga o microfone e
pega o carro.
---
(...)
73 T2: O carro P:SI -------------------------------------- T2. e P. rabiscam o papel

---
74 T2: Vamos fazer o carro P:SI --------------------------------------
---
75 P:O carro mais bonito do asil...
76 T2: é o carro...? (silêncio)
77 T2: Qual é o carro mais bonito (silêncio)
do Brasil?
78 P:o carro mais bonito... SI -----------
----
79 T2: Qual é? P:SI --------------------------------------
---
80 T2: Qual é? P:SI --------------------------------------
---
81 T2: Qual é o carro, hein? P:SI --------------------------------------
Adriano!
---

26
(...)
82 T2: Olha lá em cima P:SI --------------------------------------
---
83 P:SI...ganhador P. levanta-se em direção
ao espelho.
84 T2: Não tem ganhador nenhum
85 P:Não tem ganhador nenhum...
86 T2: Nenhum, P:SI --------------------------------------
---
87 T2: vamos pegar o carro? P:SI --------------------------------------
---
88 P:SI --------------------------------------
---
89 T2: Qual o carro mais bonito do P:SI --------------------------------------
mundo, Adriano?
---
90 P:O carro mais bonito SI
91 T2: Qual é o carro mais bonito (silêncio) P. olha para o carro
enquanto mexe nele.
do mundo? Hum?
92 T2: Esse aqui é o carro mais (silêncio) P. continua olhando e
manipulando o carro.
bonito do mundo, não é?
93 T2: ó carro mais bonito do (silêncio)
mundo.
94 P:O carro mais bonito do mundo
95 T2: É cor de rosa. (silêncio)
96 T: Ó o carro cor de rosa, (silêncio)
97 T2: Tá vendo? (silêncio)
98 P:São vinte e nove graus SI ---------- P. pega o carro laranja e o
levanta em direção o
------setenta e nove graus
rosto e depois o coloca no
chão.
(...)
99 T2: Cadê a bola? P: SI -------------------------------------
----
100 P:Mappin, o nosso Mappin P: Está olhando para a
bola que está na mão de
T.
101 T2: Ãhn? P: SI -------------------------------------
----
102 T2: No nosso Mappin tem isso P: SI -------------------------------------
aqui ó, ----
103 T2: tem bola.... P: SI -------------------------------------
----
104 P:Tem bola
105 T2: Tem bola, vamos pegar a P: SI -------------------------------------
bola? ----
106 T2: Tem tudo o que você P: SI -------------------------------------
precisa. Toma. ----
107 P:Tem tudo o que você precisa
saber, passe lá e compre
108 T2: ó! P: SI -------------------------------------
----
(...)
109 T2: Adriano!
110 T2: Cadê o carro do Adriano?
111 T2: Hein?
112 T2: Adriano!

27
113 T: fom fom.
114 T2: Cadê o carro do Adriano? P:SI --------------------------------------
---
115 T: Põe na garagem
116 P:O carro na garagi. Na garagi..
Cinco e cinqüenta. O carro...
117 A terapeuta 2 sai da sala.

(...)
118 T: Segura o carro!
119 P:O carro mais louco do país P. se vira e vai em
direção ao carro que está
na mão da terapeuta e
tenta tirá-lo.
120 T: Esse carro é o mais louco do
país?
121 P:Louco do aís
122 T: é?
123 T: P: SI -------------------------------------
----
124 T: Dá, esse é meu, meu carro P: SI ------------------------------------- T. tenta tirar o carro rosa
da mão de P.
----
125 T: Aquele lá é seu o laranja P: SI ------------------------------------- T. mostra o carro laranja
e continua tentando tirar
---- o carro rosa. P. faz força
puxando o carro.
126 T: Dá pra mim (silêncio) T. deixa P. ficar com o
carro.
127 T: o meu carro? P: SI -------------------------------------
----
128 T: dá? P: SI -------------------------------------
----
129 T: o meu carro cor de rosa. P: SI -------------------------------------
----
130 T: Ó, P: SI ------------------------------------- T. coloca o boneco no
carro e P. olha.
----
131 T: o nenê quer passear... P: SI -------------------------------------
----
132 T: Quer passear no carro P: SI -------------------------------------
----
133 T: Uóóóó, P: SI ------------------------------------- P. vai em direção ao carro
mas T. tira de seu
---- alcance.
134 T: tchau Adriano! (silêncio)
135 T: Você quer vir comigo? (silêncio) P. tira o boneco no carro,
joga no chão e pega o
carro.
136 T: Ãhn? P:Ãhnnnn
137 P: SI -------------------------------------
----
138 T: ó vamos limpar essa sala P: SI -------------------------------------
----
139 T: ta muito sujo, ó
140 T: ó, ó, tó Adriano
141 T: Lava o carro Adriano P: SI ------------------------------------- T. passa a vassoura no
carro e P. pega o giz que
----
está dentro do carro.
142 T: Vamos lavar esse carro está (silêncio)
sujo.
143 T: Vamos desenhar? Vamos (silêncio) T. pega o giz e o papel e
mosta para P. P. levanta e
desenhar o carro?
pega os dois carros e leva
a té a cadeira.
144 T: aqui ó Tó Tó (silêncio)

28
145 T: Vamos desenhar o carro aqui. (silêncio)
146 T: Aqui Adriano (silêncio)
147 T: Olha este carro rosa, é bonito, P: SI -------------------------------------
né? ----
148 Colocou em cima? P: SI -------------------------------------
----
149 P:Colocou em cima? P. está tentando colocar
um carro ao lado do outro
sobre a cadeira, não
percebendo que os dois
não caberiam naquele
espaço.
150 T: Não vai caber...
151 P:Não vai caber.... SI------------------
--
152 T: dá o rosa pra mim, dá. P: SI -------------------------------------
----
153 Me dá o rosa? P: SI -------------------------------------
----
154 Me dá o rosa, P: SI -------------------------------------
----
155 que é meu. P: SI -------------------------------------
----
156 Dá esse pra mim? P: SI -------------------------------------
----
157 T: Este carro aqui é meu, P: SI -------------------------------------
----
158 aquele lá é o seu, P: SI -------------------------------------
----
159 o laranja... P: SI -------------------------------------
----
160 P:Agora dez reais é o P. fica com o carro rosa
na mão.
perfume_____SI.. Agora você
ganhou duzentos mil reais.
161 T: Ganhou duzentos mil reais?
162 M: Ganhou duzentos mil reais P. fica olhando em
direção ao carro rosa que
está em sua mão.
163 T: Você ganhou? (silêncio)
164 Você está rico? (silêncio)
165 Ganhou duzentos mil reais? (silêncio)
166 M: Duzentos mil reais por série no P. se vira de costas para
segundo sorteio do papa-tudo mês T. e mexe no carrinho.
da criança
167 T: Você ganhou no papa tudo? P: SI -------------------------------------
----
168 P:Duzentos mil reais
169 T: Agora você pode comprar (silêncio)
este carro,
170 T: Custa dez mil reais, né? (silêncio)
171 P:SI mil----------
172 T: O carro custa dez mil reais, (silêncio) P. mexe nos carros.
173 T: você ganhou duzentos mil (silêncio)
reais
174 T: , já pode comprar já. (silêncio)
175 T: O carro mais bonito do (silêncio)
mundo.
176 T: Esse rosa aqui, ou é o laranja? (silêncio)
177 T: Hein, Adriano, (silêncio) T. passa a vassoura no
carro e P. retira o carro.
178 T: vamos lavar este carro,. (silêncio)

29
179 T: que ele está sujo (silêncio)
180 T: Vamos limpar o carro? (silêncio)
181 T: Desenha aqui, ó Adriano (silêncio) T. mostra o papel para P.,
que continua mexendo
nos carros.
182 T: Tó o amarelo, (silêncio) P. pega o giz ma larga e
volta a pegar o carro.
183 T: vamos desenhar, (silêncio)
184 T: vamos desenhar aqui, vamos (silêncio)
185 T: Aqui ó, vamos desenhar aqui (silêncio)
ó
186 P:(começa a cantarolar)
187 T: Eu sei que você sabe (silêncio)
188 T: E esse carro laranja, P: SI -------------------------------------
----
189 T: É seu? P: SI -------------------------------------
----
190 P: SI -------------------------------------
----
191 T: É seu este porshe? Este (silêncio)
porshe aí é seu, o laranja, bonito
esse carro hein? Ele corre
bastante?
192 T: Este porshe aí é seu, o laranja, (silêncio)
193 T: bonito esse carro hein? (silêncio)
194 T: Ele corre bastante? (silêncio)
195 P:Ele corre bastante...SI
196 T: Adriano, pega pra mim o (silêncio) P. está brincando com o
carro rosa... carro laranja.

197 P: SI -------------------------------------
----
198 T: Pega pra mim?
199 P:São dez mil reais --------------------
---
200 T: Você ganhou dez mil reais?
201 P:O melhor carro do país e SI
202 T: Qual é o melhor carro do
mundo?
203 T: O laranja, ou o rosa?

Tão logo entrou na sala, o paciente começou a falar, produzindo


segmentos do português, claros e bem pronunciados, que se alternavam
com seqüências baixas e pouco articuladas. Inteligíveis ou não, elas
surgiam sempre com a entonação semelhante àquela utilizada pelos
locutores/apresentadores de televisão. Surpresa, ouvi essa fala, mas
reconheci que ela não era para mim. A criança parecia mesmo, ‘falar
sozinha’, embora reproduzisse ora a fala da terapeuta, ora falas de
televisão.

30
Assim, em meio a sua ‘verborragia’, era possível ouvir a
reprodução de blocos inteiros, literais, bem articulados, como “Estamos
aqui no carro mais novo de todos os tempos” (1), “Seiscentos e oitenta e
cinco reais” (6), “Mappin, o nosso Mappin” (100), “O carro mais louco
do país” (119), e “Duzentos mil reais por série no segundo sorteio do
papa-tudo mês da criança” (166), entre outros. Blocos bem
articulados/pronunciados, de extensão variável e que, geralmente, eram
justapostos a outros. Parecia que pedaços de segmentos ou segmentos
inteiros/extensos eram colocados um ao lado do outro e ritmados numa
mesma sinfonia (típica da televisão).

Em geral, suas produções não chegavam a compor nem mesmo


um ‘texto’ de televisão. Pedaços de blocos eram separados por
segmentos ininteligíveis, numa seqüência entrecortada como em (48):
“tó o microfone desse carro o microfone SI ----- esse carro na minha
casa, tudo o que você –---- taz mania ----- SI ----- tan tanan tanan --------
------ os bonecos –-- são dez mil reais –--- dez mil reais –-- se você –---
carros ---------”.

Mesmo que ritmo e melodia como que alinhavassem essa


produção e que os segmentos fossem compostos de palavras
reconhecíveis, formava-se um arranjo disperso sem que um segmento
restringisse a presença de outros23.

Ainda que segmentos venham de textos, eles se depositam como


restos cristalizados encaixados num fio melódico. Essas seqüências mais
longas são circulares, aprisionadas numa melodia repetitiva,
estereotipada, que abriga segmentos recorrentes numa seqüência pausada
e descosturada.

23
Ver exemplos 24; 26; 48/49; 57; 62, entre outros

31
Assim, segmentos de ‘textos’ de televisão são recorrentes e a
‘fala’ da criança é encoberta por uma ‘fala descarnada’, quer dizer, uma
fala pronta, um texto emitido por alguém que não responde por ele24.
Alguém que o lê ou simplesmente o reproduz. Mesmo se a fala é de um
outro presente, a criança não é propriamente afetada porque fica
aprisionada nos textos e melodias típicos da televisão: ela permanece
falando, mas não responde, olha ou atende ao outro – fica como se não
houvesse ninguém ali.

Em alguns momentos mais raros, entretanto, a fala da terapeuta


parece ter efeito. Interessa para mim, sublinhar aqui o “parece” porque é
preciso indagar sobre a natureza desse efeito. Veja, a criança reproduz a
fala da terapeuta e isso ocorre de duas formas. Tratam-se de:

a) reproduções imediatas, literais e com a mesma entonação,


velocidade da fala do outro. Depois de reproduzidas, são, em geral,
‘sugadas’ pela entonação da televisão, como se pode ver em (4) e (15):

(2) T: Você gosta de carrinho?

(3) P: Cê gosta de carrinho?

(4) P: E você gosta de carrinho! SI ------

As reproduções podem ser integrais, como na seqüência acima, ou


de partes do enunciados da terapeuta.

(13) T: Vamos assistir a televisão?

24
Ou seja, aquele que fala um texto de televisão, em geral, é mais um “ator” do que “autor”. É nesta

32
(14) P: Vamos assistir

(15) P: E você quer assitir....?

Note-se, também, que uma palavra produzida/reproduzida é que


desencadeia, nos casos acima, uma fala de televisão. Estabelecem-se, ao
que parece, relações entre falas reproduzidas.

b) reproduções de segmentos que são imediatamente


‘sugados’ pela entonação das propagandas/programas de televisão25:

(83) P: SI...ganhador

(84) T2: Não tem ganhador nenhum

(85) P: Não tem ganhador nenhum...

Assim, não se pode deixar de admitir que a reprodução oculte o


fato de que algum efeito foi produzido, afinal, há migração de fala de
uma voz para outra. O ‘estranho’ é que pouco muda nessa passagem, já
que, mesmo que do ponto de vista suprassegmental haja diferenças em
relação à fala da terapeuta, o segmento é como que ‘sugado’ por uma
melodia cristalizada – e sempre a mesma – o que remete a uma relação
bastante pertubadora da criança em relação a falas. Então, a pequena
diferença que surge diz, na verdade, de uma confluência de mesmos, de
reproduções. Daí que, nessa confluência, a criança não aparece e nem,

fala que a criança “cola”.


25
A esse respeito, ver também (67), (69), (94), (107).

33
tampouco, o outro que estranha essa fala. A ecolalia parece mostrar que
uma fala pode fazer um corpo falar sem, no entanto, implicar falantes.

Ainda sobre o efeito da fala da terapeuta, é plausível dizer que ela


pode provocar uma ‘fala pronta de televisão’ no paciente. Mais uma vez,
há que se indagar sobre esse efeito porque a fala do paciente ignora o
acontecimento presente e a aquele de que parte. Vê-se que se a criança
não é surda para a fala: ela o é para aquele que fala e para o texto em que
fala. É isso o que ocorre nitidamente em (16/17), (74/75), (118, 119),
(165/166). Assim, “tem um boneco” (16), que aparece na fala da
terapeuta provoca o retorno de “os bonecos de fogo” (17) e “carro” –
como em “Vamos fazer o carro” (74) e outras (56, 61 e 93, por exemplo)
–, uma proliferação de fórmulas prontas de televisão. Entre elas, aliás,
estão muitas que não são provocadas pela fala da terapeuta:

(01) O carro mais novo de todos os tempos

(75) O carro mais bonito do asil

(78) O carro mais bonito

(94) O carro mais bonito do mundo

(119) O carro mais louco do país

(201) O melhor carro do país

Vale dizer que os segmentos acima não ocorrem em seqüência,


mas, note-se, eles são cristalizados, como disse, recorrentes e circulares.
Numa primeira visada sobre o material, pode-se ter a impressão de que a
criança é especular em relação à fala do outro. Mas, um olhar mais

34
cuidadoso faz ver que é o outro quem fala uma parte da produção
anterior da criança. O fracasso disso aparece, em seguida, quando a fala
da criança se mostra refratária à fala da terapeuta e permanece
circunscrita ao mesmo da televisão. Ou seja, a fala da terapeuta não
chega propriamente a afetar o que a criança diz.

Na mesma sessão de terapia, a seqüência (11–15) comporta uma


‘reprodução rara’, porque a fala da criança nem fica colada na da
terapeuta, nem na de locutores. No entanto, é ainda reprodução da fala de
um outro, de uma cena outra. Quando a terapeuta diz: “ó a televisão”
(11), oferecendo o objeto para a criança, esta, sem olhar para a terapeuta,
emite um “Vamos assistir?” (12). A terapeuta se aproxima da fala da
criança e diz: “Vamos assistir televisão? (13)”. Na seqüência temos uma
reprodução ecolálica, imediata: “vamos assistir? (14)”, que é seguida por
“E você quer assisitr SI...” (15) – fala submetida à entonação mecânica
da televisão. Não parece ser diferente o que ocorre em (64–69), em que a
terapeuta 2 diz “vamos escrever aqui ó” (64) e a criança, “vamos
escrever?” (65), a que a primeira responde afirmativamente “vamos
escrever” (66). O destino dessa fala é o mesmo: ela é ‘sugada’ pela
entonação de locutores. Nessas produções não há indícios de fala
endereçada para o outro. Essas reproduções “não voltam” (para o outro),
mas vão para um mesmo lugar (fala da televisão). Dessa forma, as
reproduções de segmentos, sejam eles ou não da fala da terapeuta, voz,
entonação e velocidade são aspectos que, em sua mesmice, não podem
apresentar o falante que as produziu.

Em que lugar podemos escutar a voz dessa criança? O paciente


parece só poder se mostrar em vocalizações (8), (30), (32), (35), (36),
(53), (58), (59), em glotalizações (marcadas em negrito), e numa única
fala em que a voz sai trêmula, gutural e crepitante:

35
(115) T.: Põe na garagem

(116) P.: o carro na garagi. Na garassi. Cinco e cinqüenta. O


carro...

Observe-se que ao dessonorizar e anteriorizar o / /, “garagem”


soa como “garassi”, que emenda em “cinco e cinqüenta” e desemenda a
seqüência. Ou seja, [si] aproxima um segmento de outro. Nessa
aproximação, a mudança de voz de um segmento para outro é radical,
passando de gutural e trêmula para mais articulada, com ressonância
equilibrada e voz mais aguda. Chamo a atenção para o fato de que, no
que pode ser compreendido como especularidade, aparece uma voz
hesitante, gutural, glotalizada: uma fala sofrida. Especularidade porque
esta é a única produção que vem da fala do outro e que não é ecolálica –
é hesitante como se a cada passo uma diferença pudesse aparecer. De

fato, ela aparece: assistimos à transformação/substituição de / / por /s/ e


a convocação, a partir daí, de segmentos outros, mesmo que de televisão.
Se a interpretação que ofereço é plausível, ou não, é uma questão a
aprofundar. De todo modo, certo é que essa fala da criança é única no
conjunto das produções que ocorreram nas sessões. Quero dizer que a
entonação é diferente da da terapeuta e da televisão, o segmento é
submetido à transformação, a voz não é ‘impostada’ mas entrecortada.

Eu disse, no início da apresentação desse caso, que tentaria me


aproximar ou me deixar tocar pelo ‘estranho’ dessas repetições. Foi o
que procurei fazer: discernir produções ditas ecolálicas, refletir sobre
elas e levantar questões. Enfim, tratei de circunscrever o quê nessas falas
produz efeito de patologia. Efeito que impede a entrada do outro, que
aprisiona uma fala e um corpo numa reprodução sem fim e sem direção.
Dito de outro modo, empenhei-me em preservar o quê nessas falas as
36
especifica e as distancia da especularidade enquanto processo
estruturante da aquisição da linguagem pela criança.

Cabe, nesse momento, então, assinalar diferenças entre a repetição


que aparece na ‘sala de terapia’ e a especularidade como conceito, como
“lugar que serve para interrogar” e não para “responder” ao particular do
acontecimento ‘ecolalia’.

Se entendermos que especularidade remete à dependência da fala


do outro, como condição para o diálogo, locus da aquisição da
linguagem, podemos dizer que em causa fica a noção de dependência da
fala do outro. É certo que na ‘ecolalia’ a criança reproduz falas. Nesse
sentido, sua fala é dependente, mas não do mesmo modo que na
especularidade. Parece tratar-se de uma ‘incorporação’ que se cristaliza,
que não se submete ao jogo de referências internas da linguagem e que
não se deixa afetar por textos outros. Incorporação de uma só via que
não pode ser dita dialógica – ela não faz laço com o texto do outro e se
revolve sobre si mesma sem sequer abrir espaço para um sujeito falar aí.

Essa incorporação/dependência ‘estranha’, de difícil


caracterização, não é dialógica e, portanto, não pode ser dita
“constitutiva” ou “estruturante” da linguagem e do sujeito. De fato, ela
não se ajusta ao conceito de especularidade. Não há diálogo: a dialética
dos turnos não acontece. A fala da criança é, na maior parte das vezes,
contínua. Quando não é, continua a ignorar a presença do outro e sua
fala. A rigor, é mesmo fala de televisão, que nem indica a quem se
dirige, nem espera resposta. É fala que não abre lugar para um sujeito
falar. Nela, esse paciente parece ficar aprisionado, condenado a
reproduzir.

Isso é muito diferente da especularidade em que, como postula De


Lemos (1992), fragmentos circulam entre falas e se articulam, enlaçam-

37
se em cadeias/textos, implicando trânsito, “incorporação mútua”, via de
mão dupla em que textos são plurais. Incorporação mútua, que envolve
circulação de fragmentos em textos plurais e que, por isso, são
submetidas às “restrições lingüístico-discursivas”. Não são efetivamente
acontecimentos dessa ordem que se observam nas produções dessa
criança: elas não transitam.

Eu disse também que, em se tratando de uma clínica voltada para


problemas na linguagem, pensei deparar-me com alterações na fala, ou
seja, com uma fala em que o patológico seria reconhecível no erro. Parte
da minha surpresa pode ser relacionada ao fato de que o sintomático nas
‘ecolalias’ é o ‘acerto’. Um acerto também bem diferente daquele
suposto na aquisição de linguagem, porque produções longas ou não,
bem articuladas, que em muito se distanciam daquilo que se designaria
por ‘fala da criança’. De fato, essas falas não são ‘falas da criança’,
muito embora emitidas por uma criança.

Como se viu, procurei caracterizar e distinguir ecolalia e


“especularidade”, procurei mostrar que essas são repetições cujo caráter
não se deve confundir. Se especularidade é condição para o diálogo e
para aquisição da linguagem, o mesmo não se pode dizer da ecolalia.
Difícil é até dizer que a fala da criança é um enunciado, já que num
enunciado sempre se espera reconhecer um falante. Por aí também, como
falar em texto da criança se falas invadem sua voz, nela se justapõem
blocos cristalizados compondo uma seqüência em que, caso se possa
notar algum movimento da língua, não se pode notar ali a criança?
Ocorre, porém, que o “estranho” na ecolalia não se esgota (e nem
poderia) com a apresentação de falas de um único caso. Vejamos, a esse
respeito, um segundo paciente, e suas repetições reconhecíveis como
ecolálicas.

38
2.2. Caso 2: Uma fala aos solavancos

Jefferson, uma criança de cinco anos de idade, foi-me


encaminhado pelo Serviço de Psicologia da DERDIC, na medida em que
era do conhecimento da profissional o trabalho26 que vinha realizando
sobre ecolalia. Na avaliação psicológica que me foi entregue, a
psicanalista disse que a criança não apresentava, de início, nenhuma
manifestação de singularidade, e que era facilmente conduzida pelo
outro. Além disso, constava da avaliação que sua fala era a reprodução
em eco de falas dirigidas ou referidas a ele. Esse paciente também
apresentava repetições estranhas.

No relato da mãe, o problema da repetição aparecia. Ela dizia que


a criança repetia e, por isso, nada podia comunicar: “então ele não tem
aquela comunicação. Assim, ele repete, fica só repetindo coisas, não tem
aquela comunicação, dele chegar e falar: ‘olha, eu vi tal coisa’”. As
repetições eram totais e literais do enunciado do outro (com a mesma
entonação), o que, para ela, não tinha valor de resposta, de
reconhecimento desse outro: “(...) ele fica repetindo o que a pessoa fala.
‘Como é seu nome?’. Ele fala: ‘Como é seu nome?’ Fica repetindo (...)
ele repete o que a pessoa falou (...) ele não tem resposta assim”. A
queixa comportava menção à falta de sentido e de destino de uma fala e,
nesse ponto, não se afastava muito daquela referida pelos pais do
primeiro paciente.

26
Monografia da especialização e início do mestrado.

39
Mesmo assertiva quanto ao fato de que a criança reproduzia a fala
do outro, por vezes a mãe parecia indecisa sobre a criança: “Mas eu
percebo que ele é, assim, bem inteligente. Só que, às vezes, ele não fala
coisa com coisa...”. Indagada sobre isso, a mãe diz: “Às vezes canta
música da TV, às vezes a gente não esperava que ele saiba aquilo. Ele
começa a cantar comerciais, música; ele canta, sem ninguém ter
ensinado. Ele ouviu, né?!. Então, às vezes, ele me surpreende. Às vezes,
eu penso que ele não entende as coisas e, às vezes, ele canta comercial.
Fala palavra do comercial”. Parece que o que chama a atenção da mãe
em relação ao filho é sua ‘facilidade de aprender’ e de reter falas
‘difíceis e extensas’, fato que se contrapõe à impotência de comunicar
suas necessidades. Ora a criança é ‘inteligente’ demais - porque “canta
comerciais”, “sem ninguém ter ensinado” -, ora ela é alguém incapaz de
se ‘comunicar’, de responder ao outro27.

Para o pai, o filho entende, mas é criança com a qual não se pode
conversar. Como se ela fosse alguém cuja capacidade de compreender e
impossibilidade de comunicar convivessem de forma pertubadora: “Eu
acho que ele está muito atrasado assim, na fala, no entendimento. Ele
entende, né? Às vezes você fala para ele as coisas ele sabe o quê que é
(...) só que não é bem aquela criança que dá pra você conversar (...)”28.
Enfim, à sua maneira, o pai diz a mesma coisa que a mãe: apesar de
inteligente, a criança não se comunica.

A queixa sobre a fala, no caso deste paciente, vai além da


repetição. A mãe afirma que a criança “fala rápido” e “tudo errado, a

27
Kanner (1943), um psiquiatra que estudou crianças com falas ecolálicas, diz que os pais, de fato,
ficam nessa situação conflituosa: orgulhosos, porque seus filhos decoram falas extensas e complexas
e, também, perplexos porque eles não conversam com o outro. Não é diferente, como se vê, o que se
pode apreender no relato dessa mãe.
28
Segundo observação da psicanalista que me encaminhou o caso o “ele entende, né” do pai
corresponderia a situações em que a criança parecia responder a uma ordem do tipo “pega X”, “traz X
para mim”. Situações, portanto, em que a criança não fala e que, quando fala, segundo o pai, “não dá

40
gente não entende (...)”. Esses “falar rápido” e “falar tudo errado”
remetiam a produções que, embora criassem algum impedimento ao
diálogo, não podiam ser caracterizadas como ecolálicas já que, como
vimos no caso anterior, a ecolalia é sintoma que se diferencia de outros
exatamente por não apresentar erro – o sintomático estaria justamente no
acerto, que denunciaria uma reprodução, uma fala sem autoria. Observe-
se que, nesse relato, a mãe faz menção a erro e não à ecolalia: “Uma vez
fui (...) para cortar o cabelinho dele, que ele fala assim: ‘Nossa, ai, tô
todo sujo (...)’. Ele fala: ‘que gagunça esse cabelo’; mas tudo rápido
assim”.

Como se pode notar, tanto as produções ‘erradas’ como as


‘ecolálicas’ não eram admitidas como ‘fala significativa’, ou melhor,
como ‘fala’, na medida em que as produções verbais dessa criança não
pareciam ser material passível de interpretação, de ser posto em
circulação para fazer sentido em outro lugar. Assim, nem fragmentos
ecolálicos, nem ‘errados’ adquirem valor de fala. Eles parecem
ensurdecer a escuta dos pais.

De todo modo, é preciso dizer que a criança que encontrei não


reproduzia sequer uma propaganda de televisão e as reproduções da fala
do outro eram aproximadas no que diz respeito à pronúncia, mas não
exatamente idênticas. Quer dizer, mesmo que reproduções, elas soavam
como ‘fala de criança’ (“segúa” por “segura”; “coita” por “corta”). Era,
mesmo, um paciente muito diferente do primeiro abordado neste
trabalho.

A primeira criança não olhava para a terapeuta e muito menos


sorria; aliás, não olhava ou sorria para ninguém. Jefferson, ao contrário,
parecia olhar e sorrir para a terapeuta. Porém, olhar e sorriso que se

para você conversar”.

41
repetiam para todas as pessoas, indiferentemente. Pude notar, com o
tempo, que esses eram gestos estereotipados, que não implicavam o
reconhecimento do outro como um. Então, se o primeiro paciente era
indiferente ao outro porque não olhava para ninguém, o segundo também
era indiferente ao outro porque olhava e sorria para qualquer um, não
fazia ‘escolha’. Duas faces de uma mesma moeda? Esses pacientes
pareciam encontrar-se nessa indiferença, mas não se encontravam no que
esse olhar/não olhar poderia significar para o outro. Para a terapeuta o
olhar e sorrir da segunda criança foram, de início, assumidos como
dirigidos para ela.

A criança olhava para objetos, pegava-os e os movimentava num


gesto aparentemente significativo. Ou seja, o hambúrguer e o frango de
brinquedo eram levados à boca, assim como o copo, com o qual ela
simulava beber algo. Com uma pequena faca, cortava o bolo e cantava
“parabéns”. Objetos, então, pareciam invocar gestos, relacionados a um
texto. Ao lado disso, usava os brinquedos em seus acessos de fúria,
jogando-os para o alto, no chão, contra a parede ou na direção da
terapeuta, quando fixava o olhar nela e tentava bater ou beliscar (rindo
em seguida). Os gritos eram ensurdecedores e as tosses, provocadas e
forçadas.

No primeiro acontecimento, vemos um corpo aprisionado num


gesto repetitivo que não se enlaça a outros e nem migra para outro
lugar29. Gestos cristalizados, que vinham ‘em blocos’, sempre os

29
Devo dizer que presenciei uma situação bem diferente das descritas acima, em que o pai, a criança e
a terapeuta estavam na sala de atendimento. A criança pega uma árvore “dentada” de brinquedo, leva
à cabeça e começa pentear o cabelo. O pai, volta-se para a criança, e a repreende, dizendo: “isso não é
pente, isso é árvore”. Esse acontecimento chamou minha atenção porque, do meu ponto de vista, essa
‘inadequação’ da criança parecia algo positivo: um gesto que saía da prisão de uma mesmice. Já para
o pai, essa inadequação era um sinal negativo: mostrava que a criança ‘não aprendia’. O pai interdita
uma ação da criança e, penso, sua relação com a linguagem.

42
mesmos, sem fazer série30. No segundo, os objetos são utilizados para
atacar o outro. Frente a isso, concordei com a psicanalista que observou
que a criança ficava surpresa quando aparentemente notava o efeito dos
gritos, beliscos, tosses e lançamento de objetos no outro. Para ela, esses
comportamentos representavam a possibilidade, única e singular, da
criança interditar o outro, o que ela não podia fazer pela fala. Eu também
pude observar que essa criança, frente às minhas tentativas de fazê-la
parar de atirar objetos em mim, ria e reiniciava seus ataques (ou chorava
estridentemente). Riso ou choro que pareciam vir, respectivamente,
como efeitos do efeito de interditar o outro ou de ser interditado por ele
(efeito da contenção do efeito de interdição, que seu comportamento
produzia na terapeuta).

Todos os comportamentos e gestos da criança eram repetitivos.


Havia, dentre eles, condutas ritualizadas. A criança acendia e apagava a
luz constantemente ou corria repentinamente para diferentes pontos da
sala. Por exemplo, corria e sentava em uma cadeira giratória e, enquanto
virava de um lado para outro, cantarolava “segúa assim, segúa assim” ou
“oda, oda, oda”. Bloco também cristalizado que se repetia numa só
sessão e em sessões subseqüentes.

Já no que diz respeito à fala, pode-se talvez dizer que, no caso do


primeiro paciente, o outro e sua fala não chegavam mesmo a afetá-lo.
Ela parecia tomada pelo anonimato das falas de televisão, por uma fala
‘descorporificada’. A segunda criança, como veremos, reproduzia
incessantemente fragmentos de sua fala, assim como alguns gestos31.

A fala dessa criança alternava entre composições insólitas e


reproduções imediatas de fragmentos da fala da terapeuta ou reproduções

30
Esses acontecimentos são diferentes daqueles discutidos por Arantes (2001). Ao abordar “crianças
que não falam” mas que põem em ato (por gestos) uma cena, a autora fala de uma discursividade
motora. Foi isso que não pude observar nas crianças atendidas.

43
de segmentos inteiros de outras falas, assim como, por exemplo, quando
gritava e dizia na seqüência: “não pode guitá não”, em tom grave e
autoritário. Grito e reprovação do grito vinham amalgamados. Algumas
vezes, também, o paciente chorava quando era tocado. Choro seguido de
“Tem medo, tem medo! (...) Não precisa ter medo!”, ou então, “Ponto,
ponto. Chega, já passou!”. Deve-se dizer que essas falas como que
invadem a voz da criança, sem intervalo de tempo entre choro e fala e
entre falas, no prolongamento do choro ou do grito. De fato, não só
choro e grito trazem falas, como fragmentos da fala da terapeuta
provocam essas ‘falas prontas’.

Quanto às repetições imediatas, tratam-se, na grande parte da


vezes, de pedaços finais da fala do outro que aparecem sem intervalo de
tempo entre fala e reprodução, o que dá a impressão de reverberação.
Menos freqüentes, ocorriam reproduções de enunciados inteiros, com a
mesma entonação da fala imediatamente reproduzida. A fala da criança
vinha, muitas vezes, entrecortada, hesitante – interrupções sincopadas,
pautadas por um ritmo respiratório abdominal e vocal, que se
apresentava “aos solavancos” (expressão da psicanalista).

Notáveis eram certas produções em que se combinavam


reproduções imediatas com não imediatas, numa justaposição de
fragmentos de falas da terapeuta, que ocorreram em diferentes momentos
da sessão ou de outras. Produções que, na maior parte das vezes,
resultavam numa seqüência ‘bem montada’. Entre estas, havia produções
em que cada elemento era separado do outro por uma pausa. Nesses
intervalos a criança parecia estar, de alguma forma, sob efeito do que
dizia.

31
Itard (1825) nomeou de ecopraxia essas reproduções imediatas de gestos pela criança.

44
A fala dessa criança é, como se vê, bastante diferente da do
primeiro caso apresentado. Não só no que diz respeito à fonte das
reproduções (falas que reproduz) e às incorporações fragmentárias, mas,
também, no que concerne às seqüências mescladas e hesitantes. Nessa
fala pausada, entrecortada, há silêncio no interior de suas produções
assim como pode haver também silêncio entre a fala do outro e a da
criança, nesses casos.

A apresentação do material das sessões será em formato muito


semelhante ao do primeiro paciente. As falas da terapeuta encontram-se
em vermelho, na segunda coluna; na terceira coluna, encontram-se as do
paciente, que podem estar em vermelho ou em preto, dependendo da
entonação32; a última coluna traz algumas observações.

Quando as falas do paciente estão em vermelho é porque a


entonação é idêntica a da terapeuta. A entonação não-idêntica será
indicada pela cor preta, acompanhada de flechas ou de uma observação
entre parênteses sobre o ritmo. Como disse, o final do eco era, por vezes,
prolongado. Esses prolongamentos foram anotados pela repetição de
uma mesma letra. O ritmo abdominal/vocal que sugere “falar em
solavancos” foi marcado por traços. Ainda, (/) serve para indicar um
espaço de tempo maior entre ao enunciado da terapeuta e da criança.
Quando esta barra não aparece, é porque a criança repete em seguida, às
vezes, antes mesmo da terapeuta concluir sua falar. Já (//), serve para
anotar um espaço de tempo maior ainda em relação à fala da terapeuta.
Também aqui, a transcrição foi feita em ortografia regular, a partir de
uma gravação em fita cassete e as observações correspondem a
anotações da terapeuta.

32
A cor azul está dispensada, uma vez que não se observam reposições de suprassegmentos dos
locutores de propagandas/slogans de televisão.

45
No. TERAPEUTA PACIENTE OBSERVAÇÕES

1 T: escondi a caneta dele. Onde P: (risos) P. ri enquanto T esconde a


tá? / Onde tá? caneta na mão e põe a mão
atrás do corpo
2 T: Onde tá? P: Onde tá?
3 T: Onde tá? Onde tá a caneta? P. senta no banco e
Cadê a caneta? / Ai, não, meu levanta as mãos e alcança
um espelho que estava
quadro! / Não, não pode mexer pendurado na parede. Com
no meu quadro! as mãos leva o espelho
para frente, arrancando-o
da parede.
4 P: Ai, ai, ai mi caaaa-do!.
5 T: Não, não vou dar esse não, T. aponta para a imagem
de P. no espelho e P. Olha.
esse não é para dar. Ó quem tá
lá...
6 T: Quem é? P: / Ó...
7 P: Quim ééééééééé...
8 T: Quem é esse aí? É o P: ééééé....’
Jefferson?
9 P: Éfersooon...?
10 T: É o Jefferson, meu amigo,
meu amigão.
11 P: ão, / ao
12 T: É, é o espelho, tá vendo? P: é,
13 P: Não go↑ta↓ do vi↑do↓
14 T: Não gosta do vidro? Por que
você não gosta do vidro? O quê
que o vidro tem? / O vidro corta?
15 P: / Cooo-itaaa?
16 T: Corta?
17 P: Cooii....
18 T: O vidro corta e machuca? O
vidro?
19 P: Achuca? O viduuu?
20 T: O vidro corta, machuca o
Jefferson?
21 P: é - on?
22 T: Corta?
23 P: / Coitaaaaa?
24 T: Machuca você Jefferson?, o
vidro... É?
25 P: / É?
26 T: Machucou?
27 P: Ô?
28 T: Sai sangue?
29 P: Aaan-guiiii? (risos)
30 T: Sai sangue?!
31 P: Angui?!
32 T: Cadê? Deixa eu ver o sangue.
Deixa eu ver. Deixa eu ver. Ah,
machucou, o vidro machucou o
Jefferson. / Ãhn? Cadê a mamãe?
33 P: ããe?
34 T: Cadê a mamãe?
35 P: / ããee?
36 T: Cadê?

46
37 P: / ê ãe?
38 T: Onde ela tá?
39 T: Onde a mamãe tá? Onde a
mamãe tá?
40 P: / Tá?
41 T: Ficou lá embaixo?
42 P: Aaaxo?
43 T: Ela ficou lá embaixo? Ãhn? P: (risos)
44 T: O quê que você tá rindo? Que
cê tá rindo? Quero saber. Me
conta?
45 P: / Tá rindo? O que cê tá rindo?
46 T: Não, eu quero saber!
47 T: Não é assim, sou eu que quero
saber...
48 T: Quê que cê tá rindo? P: (risos)
49 T: Quem tá rindo é você, não sou
eu que estou rindo...
50 T: Eu não estou rindo, você está
rindo.
51 P: Rin-do.
52 T: Eu não estou rindo você tá J. se senta no sofá
rindo. Ô sofá legal para o
Jefferson descansar, né? / Não é
verdade? / Hein Jefferson? / Pra P: (risos)
você descansar? Hum?
53 T: Quê que cê tá rindo? O quê
que é engraçado? P: (risos)
54 T: O que que é: “Rá, rá”,
engraçado? / Nossa tem uma T. ouve uma pessoa gritar
fora da sala
moça gritando..., ih, vamos ver
só...
55 P: / Quim tá guitando↑? P. fala logo em seguida da
T., como um eco, embora
não haja reprodução.
56 T: Quem tá gritando? / Quem é
que tá gritando?
57 P: / Quem é – que tá – guitando? (demora alguns segundos
para produzir essa fala)
58 T: Eu que estou te perguntando: J. sai correndo em direção
a porta. T. abre um
Quem está gritando? / Ah eu vou
armário com brinquedos.
pegar você... / Olha o que eu
tenho aqui. Vamos pegar um
brinquedo pra gente jogar?
59 P: á?
60 T: Um brinquedo... esse aqui, T. pega uma caixa com
peguei aqui ó, vamos pôr pra brinquedos que imitam
comidas.
cá... Deixa eu ver, / ó, esse tem
pizzaaa...
61 P: / Izzaaa....
62 T: Olha, você gosta de pizza? SI
Cê gosta? Cê gosta de pizza?
63 P: / Izza?
64 T: Gosta?
65 P: Gosta di pizzaaa?
66 T: Quero saber se você gosta de
pizza, é gostoso, é bom?
67 P: Õm?
68 T: É bom? Eu gosto.
69 P: Gotu.
70 T: A pizza é uma delícia, muito
47
boa!
71 P: oa!
72 T: Eu gosto de pizza de
mussarela e você?
73 P: ê?
74 T: Do que cê gosta?
75 P: Ótaaa?.
76 T: Do quê? Aqui, vem pegar... A P. sai correndo
pizza ó. Hummmm,
77 P: / a pizza ó...
78 T: Qué um pedaço?
79 P: pedaço de pizza?
80 T: Quer um pedaço de pizza?
Mnham, mnham, mnham.
81 P: Mnham, mnham, mnham.
82 T: Boooom! Muito boa esta P. estende a mão para T.
pizza. É de queijo? / É de queijo?
É? Ah, você quer mais um P. estica a mão para T.
pedaço? Vou dar mais um com um pedaço de pizza.
pedaço para o Jefferson. / P. pega uma faca e
começa a cortar a pizza
Mnham, mnham, mnham. / Pra
mim? / Pra mim? Vai cortar? /
Você vai cortar a pizza?
Nossaaa!
83 P: Aaaaaaa!
84 T: Mnham, mnham, mnham. /
Boa? Tem azeitona? A minha
pizza tem azeitona, olha, olha
aqui, tem azeitona na sua pizza?
85 P: Pizzaaaa?
86 T: A sua tem?
87 P: / é pizzaa?
88 T: É pizza, a pizza é gostosa. A
sua pizza tem azeitona assim
verde?
89 P: ediii?
90 T: Tem azeitona?
91 P: Onaaaaa?
92 T: Não tem não? A minha tem
azeitona, tomate, pimentão... /
Ãhn, meu Deus, que mais?
93 P: (risos)
94 T: Aonde você vai? Cê não vai (P. sai correndo)
comer mais pizza? Não? / Deixa
eu ver então o que tem aqui. /
Vamos ver se a gente tem uma
outra coisa para comer. // Hum!
Sucrilhos, você gosta? // E coca
cola? Cê gosta?
95 P: Cê gota? e cocacoiaa?
96 T: É bom? É, assim de tomar? /
Você toma coca cola?
97 P: / Cê toma cocacóiaaaaa?
98 T: É bom?
99 P: Toma coca cóia?
100 T: É muito gostoso coca cola! / J. se pendura na cadeira e
quase cai enquanto T. o
Quem vai cair no chão, quem vai
segura.
cair no chão agora? É o
Jefferson.... // Ó o quê que tem
aqui. Pra gente cantar parabéns.
48
Quantos anos você tem?
101 P: SI... Paia - béns.... (cantando) Ao cantar, P. grita, com
voz muito aguda.
102 T: Parabéns pra você, nesta data
querida, muitas felicidades,
muitos anos de vida! Você não
quer comer bolo, você quer
comer sorvete?
103 P: / êti?
104 T: Você não quer comer bolo
não? / Sorvete não, o sorvete tá
gelado. Não vai comer o sorvete
não!
105 P: Êti- nããão!
106 T: tá gelado. Vamos guardar.
Não, sorvete não, sorvete não, o
sorvete tá gelado, vamos guardar,
não pode./ Que cê quer? / Olha a
pizza. / Não, pra cá, já pegamos
aqui. / Olha a pizza pequena.
Esta pizza é pequena e essa é a
pizza grande.
107 T: Qual você gosta? P: SI
(...)
108 T: Você pegou minha colher, né Pega a colher de T. e corre
em direção à porta
moço? Devolve aqui. / Dá a
minha colher, né moço, não pode
não, minha colher, dá. Vem,
vem, vem Jefferson, dá, aqui,
vem aqui vem. / Está boa está P: (Risos)
pizza hein? Muito boa?
109 P: // Tómi SI Volta e estende as mãos
para T. entregando-lhe a
colher.
110 T: Brigada! Esse é pra eu
guardar?
111 T: Eu posso? P: / Á?
112 P: / Toma – pá – guai-dá!
Toma – pá – guai-dá!
113 T: Toma pra guardar esse. Legal. Pega a bolo, corre e o atira
Ei, onde você vai levar meu para o alto
bolo? E ele jogou para o alto o
meu bolo de chocolate. Não
pode. E agora? Ninguém come
bolo?!
114 P: / Booiiio?!
115 T: Ninguém come bolo mais?
116 P: Bóio mai?
117 T: O bolo de chocolate é P. joga um pedaço de bolo
de brinquedo para longe, e
gostoso! / Ó, é bolo de chocolate
tenta pegar outro com a T.
com morango. Pega lá. Pega lá.
(...)
118 T: Aqui ó, ó pra dormir! T. Senta no sofá
Gostoso! Ó!
119 P: / Ó pá dumi!
120 T: Ó pra dormir que gostoso. / J. sai correndo em
direção à porta
Você gosta de dormir? / Vem
aqui!
121 P: / Ó vem aqui não↑↓!
122 T: Vem aqui sim!

49
123 P: Vem aqui...
124 T: Eu estou chamando, vem aqui,
eu estou chamando você, para
você vir perto de mim. Vem aqui
neste sofá. Jefferson...
125 T: O quê que você está olhando, .P. está encostado na
porta, com olhar vago
hein? Psiu? / Jefferson? O que
você está olhando? / Vem aqui! /
Vem aqui! Vem aqui do meu
lado, vem sentar aqui, vem? /
Vamos?
126 P: Não vamo nãooo↑↓!
127 T: Não vamos não?
(...)
128 T: Não, não passa a língua aí no P. fica passando a língua
no pão de brinquedo.
pão não, que esse é sujo.
129 P: / De ba-o↓
130 T: é, esse não é de verdade, esse
é sujo.
131 (risos)
132 T: Mas olha....
133 T: Han!, Jefferson, você tem 5 T. segura na mão de P e
ele sai correndo.
dedos, deixa eu ver, deixa eu
ver? Dá um pedaço pra mim? Dá
pra mim...
134 P: / Tá muito - su-ujo de bauô↑↓!
135 T: tá muito sujo de barro?
136 T: Quem sujou o pão de barro? /
Deixaram o pão cair no barro?
Na lama? / Porcaria... vamos
limpar o pão, então. / Vamos!
Põe o pão aqui no papel que nós
vamos limpar o pão, que está
sujo de barro
137 P: / Baaôô!
138 T: Vamos limpar o pão. Pronto?
Limpou? / Está bom? / Não está
sujo? / Não está mais sujo? // Dá
um pedaço pra mim!
139 P: / Dá um pedaço pá mim!
140 T: Não! É pra mim, não pra J. Põe o pão na boca
você...
141 T: Nhact! É bom, hein? Esse pão J. oferece o pão à T.
é bom! / Quem derrubou o pão
na lama? Quem derrubou no
barro? Quem derrubou o pão no P: (Risos)
barro? / Quem que foi?
(...)
142 T: Está na hora de... P: É pá dormir↑? P. começa a falar quando
T. está falando “hora de”
143 P: / É pá dormir↑? P. repete a própria fala.
144 T: É para dormir? Não sei, está na
hora de dormir? Está de dia..., /
não está de noite.
145 P: É pá do-omir↑ não não não
não↑↓
146 T: Não, não pode dormir não!
Não está na hora de dormir! Não
está de noite!

50
147 P: / Não! dormir não! não tá di
noite di umi! (gritando e
enfatizando cada palavra)
148 T: É isso mesmo, não pode
dormir porque não está de noite.
A gente só dorme de noite, de dia
não dorme não...
149 P: i-não... ão..
150 T: Não quero saber de ver o
Jefferson fechando o olho para
dormir. Não pode! / Não pode... /
Vamos levantar / tomar café! /
Vamos? Tomar café?
151 P: /Vamu-u? tomar café?
152 T: Você gosta de café?
153 P: éé? (suspirando)
154 T: Com leite? Com leite ou sem
leite?
155 P: Eiti?
156 T: Com leite? Eu também gosto
de café com leite.
157 P: Eiti?
158 T: Café com leite é bom, é
gostoso. Com açúcar ou com
adoçante?
159 P: Aaaaaaante!!
160 T: Adoçante?
161 T: Você gosta de adoçante? Não
acredito?! / Eu não gosto de
adoçante não, eu gosto é com
açúcar. / O meu é com açúcar
Jefferson. / Você já achou uma
bagunça a mais pra você fazer,
né? Hum? // Quero saber se você
faz toda essa bagunça lá na sua
casa... com a sua mãe e com o seu P. sai correndo em
pai? / Faz? Faz bagunça assim? direção à porta
Hein? Eu que vou deitar nesse
sofá! / Ah, que gostoso. É bom
esse pra dormir, hein?
162 P: // É-é pizza di-é-di-ó-di
ócoiáteeee↑↓?! (disfluência)
163 T: O quê? não entendi...
164 P: / É pizza – é di- é pi - é di ...
(disfluência)
165 T: É pizza, essa? / Está suja...
Está suja esta pizza, não come
não. Jefferson!!! A minha pizza
está melhor ó.
166 P: / Tá sujo↑ minha pizza ↑↓ de
barro↑↓?!
167 T: A sua pizza está suja, caiu no
barro...
168 P:/ arro...
169 P: // é tá sujo essa↑↓!
170 T: Está tudo sujo?
171 P: tá sujo essa↑↓!
172 T: Essa também?
173 P: tá sujo ... Ai ai essa tamém?
174 T: Nossa, quanta coisa suja!
51
Sujou toda a comida?
175 P: / Toma comida ai de baio↑↓ Tá
muito su-ujo de baiô↑↓
176 T: Está muito sujo de barro? De
lama? // Tô comendo milho!!
177 P: Segua assim, segua assim
(cantarolando)
178 T: Não segura nada! Não vem
com esta história que segura
assim, segura assado!
179 P: Segua assim (cantarolando)
180 T: Olha aqui, vou comer o milho,
quer um pedaço?
181 P: / A-ço? / tá muito sujo esse
pedaaaaço↑↓!
182 T: Não está muito sujo este
pedaço de milho não. Esse
pedaço de milho está limpo
porque eu lavei agora. // Você
lavou este? Vamos lavar? /
Vamos lavar todas as comidas,
pra ficar limpo, e não “sujo de
barro”? Ahn? Dá o ketchup aí
para mim. / Dá o ketchup. Olha o
hambúrguer...
183 P: / burguer....
184 T: É do Mc Donald’s.
185 P: / donolds.
186 T: Gosta?
187 P: / Óta?
188 T: É o Mc lanche feliz? Não, está P. põe brinquedo na
sujo este também. boca.
189 P: Segua assim, segua assim, segua P. balança-se na cadeira
assim, segua assim (cantarolando)
190 T: Não, não, não segura nada!
Vem! Nada de segurar, vem aqui!
Você gosta de balançar? / Você
gosta?
191 P: Óta di balançá?
192 T: Eu não gosto de balançar eu
fico tonta!
193 P: Onta!
194 T: Você fica tonto? / Você gosta
de ficar assim ó, Segura assim,
segura assim, balançando pra lá e
pra cá
195 P: / Tá muito sujo↑?
196 T: SI
197 P: / Di bauôôôô↑↓!
198 T: Muito barro, tem esse?
199 P: Muito barro tem esse?
200 T: Está marrom de barro. // O que
você quer?
201 P: Toma↑↓! P. estende a mão com o
hambúrguer para T.
202 T: Toma o quê?
203 P: Mec tini↑↓
204 T: É para eu segurar?
205 P: Toma mec tini tini↑↓
206 T: Ahn?
52
207 P: / Toma um mec tini↑↓ J. estende a mão com o
T: Um Mc lanche feliz?! pão para T.
208 P: Lanche fêíz?!
209 T: É para eu pegar o Mc lanche
feliz? É para eu comer?
210 P: ê?
211 T: O que eu faço com esse? Que
faz com esse?
212 P: // SI
213 T: // Vamos balançar pra lá e pra P. canta junto com T.
cá? Pra lá e pra cá. Pra lá e pra cá. P: Pra lá e pra cá (cantarolando)
(cantarolando)
214
215 T: Vamos pra esquerda e pra
direita... esquerda e pra direita...
(cantarolando) / Ahn? Gostou
desse?
216 P: / Pá esqueida pá dieita, esqueida
e pá dieeeeita (cantarolando)
217 T: Pra esquerda e pra direita
(cantarolando). Qual é a sua
direita? tá aqui ó, a sua direita. /
Pá, pode parar! / Vai prender o P. tenta abrir o armário
dedo, vai chorar, vai pro hospital
de tanto chorar porque vai
prender o dedo.
218 P: Ó! vai prendê
219 T: É, vai prender o dedo mesmo.
E dói, viu, e dói muito. / Não está
de noite não, levanta daí. Não
está na hora de dormir, não! Tó,
quer milho?
220 P: / ó qué mio?
221 T: Você gosta? Ih, ele gosta desse (põe milho na boca)
milho mesmo... Gostou?
222 P: // tá muito sujo↓ E tá muito
muito sujo di mio u u barro↑↓ de
mio↑↓ (disfluência)
223 T: O barro de milho não. Não está
sujo di mi...
224 P:de mio
225 T: de barro o milho.
226 P: mio
227 T: Não está não, esse eu lavei, eu
limpei, está limpinho. / Está
limpinho esse... Jefferson, / pode
comer esse, esse está limpinho.
Não vem me dizer que tem barro
neste milho. Não tem lama
nenhuma, nenhum barro. Eu
comprei na feira, e lavei.
228 P: // su-ujo de barro↑↓ esse miô↑↓ (Passa um automóvel na
rua, e a gravação fica
(fala gritando) com muito chiado)
229 T: É para eu segurar o seu milho?
230 P: / De baio↑↓! o miô↑↓!
231 T: Não está de barro não este
milho.
232 P: mi-ô.
233 T: Eu lavei, ele não tem barro,

53
está limpinho. / Tá limpo, limpo,
limpo. / Mas é de mentira, não é
para por na boca. Só põe na boca
comida de verdade..., né?
234 P: di↓ miô↑↓
(...)
235 T: O Mc lanche, você está P. sai correndo e pega o
comendo? Vai quebrar o dente, hambúrguer P. prende o
lanche entre os dentes com
ai... Vai ter que ir ao dentista uma força exagerada.
depois... Hum, quebrou o dente...
Deixa eu ver se quebrou o dente...
: Deixa eu ver. Dá um sorrisão!
Não, não quebrou o dente não.
Estão todos em ordem. Estão P. sai correndo.
todos os dentinhos lá. Cadê a
boca do Jefferson? Aqui a boca?
236 P: // SI toma↓, a mec tiiineeem↑↓
237 T: A Mc chicken?
238 P: / tá muito↑↓ sujo↑↓ de ióc↑↓
tiinem↑↓
239 T: Não, não está sujo não, o Mc
chicken está limpinho. Está
lavado.
240 P: / tá sujo↑↓ di...
241 T: Não está sujo não! Não tem
barro nenhum aí! Tá limpo!
242 P: Tá sujo↑↓ ....
243 T: Não, se está sujo eu não quero.
Eu não quero coisa suja... Eu não
vou comer coisa suja...

Começo discutindo as ditas reproduções imediatas e literais da


fala do outro. Como se pode ver no material apresentado, elas remetem,
acima de tudo, a reproduções de segmentos finais do enunciado do outro.
Nesses casos, eram tão instantâneas que podiam se iniciar mal a
terapeuta terminasse de falar. A fala da criança prolongava a da
terapeuta, sem intervalo, soando efetivamente como um eco:

(70) T: A pizza é uma delícia, muito boa!

(71) P: oa!

(72) T: Eu gosto de pizza de mussarela e você?

(73) P: ê?

54
Chama atenção que muitos desses prolongamentos em eco
correspondem a alongamentos vocálicos, ou seja, a fala do paciente
emenda numa vogal da fala da terapeuta, como se esse som penetrasse na
voz da criança até ser interditada por uma fala da terapeuta. A criança
pára, e às vezes, reproduz parte do enunciado seguinte da terapeuta:

(6) T: Quem é?

(7) P: Quim ééééééééé... (vocalização contínua até 9, concomitante a 8)

(8) T: Quem é esse aí? É o Jefferson?

P: ééééé....

(9) P: Éfersooon...?

Ou, reproduz um enunciado completo33:

(138) T: Vamos limpar o pão. Pronto? Limpou? / Está bom? / Não


está sujo? / Não está mais sujo? // Dá um pedaço pra
mim!

(139) P: / Dá um pedaço pá mim!

De todo modo, nenhuma das produções da criança trazia a


totalidade da fala da terapeuta: eram sempre reproduções de parte.
Também, a fala da criança mantinha a entonação idêntica à da terapeuta,
embora não soasse como prolongamento, como em (6-9) e (70-73).

Há que se acrescentar que certas reproduções eram sincopadas e


apresentavam diferenças, no que diz respeito ao ritmo e à entonação. Isso

55
a tornava bastante diferente ainda daquela que se apresentava como um
prolongamento da fala do outro.

(56) T: Quem tá gritando? / Quem é que tá gritando?

(57) P: / Quem é – que tá – guitando?

Talvez se possa dizer que esses acontecimentos estejam de alguma


forma relacionados a outros presentes na fala dessa criança, outros que
envolvem aspectos segmentais. Essa fala sincopada, pausada, parece
prenunciar a possibilidade do aparecimento de diferenças nos intervalos
entre uma palavra e a seguinte. Ou seja, esses são lugares para que outra
coisa, uma diferença, apareça, como por exemplo:

(108) T: Você pegou minha colher, né moço? Devolve aqui. / Dá a


minha colher (...) Está boa está pizza hein? Muito boa?

(109) P: // Tómi SI

(110) T: Brigada! Esse é pra eu guardar?

(111) P: / Á?

T: Eu posso?

(112) P: / Toma – pá – guai-dá! Toma – pá – guai-dá!

Note-se, a produção da criança (112) articula duas falaT2: uma sua


(109) e parte da da terapeuta (110). Isso é bem diferente de reproduções,
de ecolalia.

33
Ver 2, 7, 45, 57, 97 e outros.

56
Também, em situações outras vemos que a criança não reproduz,
mas que metonimicamente produz um fragmento que se articula a outro
presente no enunciado da terapeuta. Fragmentos articulados que, na
verdade, parecem remeter a uma fala cristalizada, instituída em outro
espaço que não o terapêutico, como a seqüência abaixo:

(128) T: Não, não passa a língua aí no pão não, que esse é sujo.

(129) P: / De ba-o↓

(...)

(133) T: (...) Dá um pedaço pra mim? Dá pra mim...

(134) P: / Tá muito - su-ujo de bauô↑↓!

Note-se que “tá sujo”, na fala da terapeuta, faz aparecer “de ba-o”
na da criança. Dois elementos que aparentemente compõem uma
seqüência relativamente rígida: “tá sujo de barro”, que perpassará as
falas dessa criança na sessão. É uma seqüência ao mesmo tempo
recorrente e articuladora de novas possibilidades. Recorrente, no sentido
de que insiste, embora não movimente textos, nem se insira em
textualidades outras. Articuladora, porque abre espaço para a presença de
outros elementos entre “sujo” e “barro” [sujo ---- barro], elementos que
vêm, agora, para instaurar diferença. De fato, é segmentada que essa
seqüência acontece pela primeira vez na sessão – dividida entre duas
vozes (128/129) – para depois insistir como uma composição até certo
ponto maleável e ‘maleabilidade’ é expressão da quebra de rigidez de
uma fórmula cristalizada:

(166) P: / Tá sujo↑ minha pizza ↑↓ de barro↑↓?!

57
(222) P: // tá muito sujo↓ E tá muito muito sujo di mio u u barro↑↓ de

mio↑↓

Não se pode, ao meu ver, dizer que o “minha pizza” tenha o


estatuto de uma reprodução, embora venha da fala do outro. Parece
dizer mais de uma incorporação, já que aparece como diferença numa
seqüência que é inédita, movimentada num dizer. Não parece mais
plausível afirmar que, porque já esteve na fala do outro, esse segmento é
ecolálico.

Como se vê, entre “sujo” e “barro” outros elementos são


inseridos. Também uma ou outra de suas partes constituintes pode
aparecer, precedida ou sucedida por outros elementos [---sujo---] e [---
de barro---]:

(175) P: Toma comida ai de baio↑↓!

(181) P: /A-ço? / Tá muito sujo esse pedaaaço ↑↓!

(230) P: / De baio↑↓! o miô↑↓!

(238) P: tá muito↑↓ sujo↑↓ de ióc↑↓ tinem↑↓

Em torno de “tá sujo” e “de barro” há possibilidade de


movimento. Essa fórmula relativamente maleável – “tá sujo de barro” –
se estende, se comprime e se segmenta (ver, por exemplo, as seqüências
164-175, 222-234 e 236-242) sem, contudo, penetrar um texto, muito
embora elementos de textos diferentes se entrecruzem no seu interior.

58
Assim é que elementos imediatamente incorporados – ou não –
emergem nessa ‘fórmula’. Por exemplo, “pizza” que é palavra que
circula nos dizeres da terapeuta, em diferentes momentos da sessão, vai
aparecer aí, nesses vãos.

Esse acontecimento não se restringe unicamente a essa palavra e


nem a essa fórmula. Vemos também uma mobilidade restrita em outras
produções da criança (ver por exemplo 112, 162, e 164). Quero dizer
que composições como estas deixam apreender um movimento em que
palavras podem se substituir numa posição, podem suceder ou preceder
outra, num jogo de “quebra-cabeças” (expressão de Jerusalinsky34) sem,
contudo, produzirem um texto. De todo modo, nesse jogo, estruturas se
espelham, o que pode ser entendido como esboço de uma arquitetura
que pode abrir uma posição-sujeito para a criança, que pode deixá-la no
intervalo entre significantes, lembrando o que De Lemos (1999)
designou por segunda posição.

Na mesma direção do segmento de sessão comentado acima,


temos outros como, por exemplo, “Está na hora de...” (142), uma fala da
terapeuta invoca “é pá dumi?”, e instaura uma seqüência com
movimentos, como o anterior (ver de 142 – 149).

Mas, mesmo essas produções eram estranhas, pois elas apareciam


com uma marcação entoacional ascendente-descente, cristalizada, quer
numa produção mais extensa, quer palavra a palavra – isso, quando a
seqüência é entrecortada. Ou seja, apesar da diferença que aparecia, a
melodia remetia a uma mesmice – o que fazia de uma produção, uma
fala estranha. Quero dizer que, mesmo quando não eram ecolálicas, elas
guardavam algum traço do eco (ou vinham num formato de eco). Esse é
um aspecto que uma transcrição não pode propriamente registrar. Como

34
Seminário realizado na Derdic em 20.08.01.

59
disse De Lemos (inédito)35, nela perde-se o corpo – gesto, olhar, voz e,
acrescento, a melodia de uma fala. De toda forma, não posso deixar de
indicar que há, na fala dessa criança, algo estranho que remete aos
aspectos apagados na transcrição.

Gostaria de levantar uma indagação, antes de concluir. Como


veremos na literatura sobre o assunto, mesmo essas fórmulas
relativamente maleáveis são qualificadas como ecolálicas. Suspeito,
entretanto, que esse não é o caso, mesmo se considerarmos sua
estranheza. Parece haver nelas movimento, quer dizer, substituição numa
posição. Nesse caso, não se deveria supor que a língua opera, ainda que
de um modo muito particular, na fala da criança, e que isso exprima um
certo distanciamento no que diz respeito à relação estrita fala da criança
versus fala do outro, como acontece no caso das produções ecolálicas?

Não me soa pertinente, também no caso do segundo paciente,


confundir ou assimilar ecolalia e especularidade, embora as produções
dessa criança sejam reproduções da fala de um outro (e não da televisão).
Elas, como no primeiro caso não se submetem ao diálogo. O que migra
para a fala da criança ou vem, como disse, amalgamado à fala da
terapeuta – um resto sonoro, um eco verdadeiro –, ou como reproduções
de partes daquela fala em que a criança fica presa – presa, sem escuta
para sua fala ou para os efeitos que ela possa produzir no outro. Dessa
forma, o diálogo, locus da aquisição da linguagem, não se instaura a
partir dessas reproduções. Parece mesmo que a ecolalia é uma barreira à
estruturação do diálogo e, conseqüentemente, à da linguagem.

Embora as falas dos dois pacientes apresentados neste trabalho


tragam a marca da ecolalia, elas são diferentes. Heterogênea é, portanto,

35
Comunicação apresentada no Simpósio Corpo e Linguagem – IEL/UNICAMP – sob o título de
Corpo e Corpus.

60
sua manifestação – a primeira criança reproduzia basicamente uma ‘fala
de televisão’; a segunda, a fala do outro (terapeuta). A fala da primeira
criança era fundamentalmente uma reprodução, a da segunda, mescla
entre reproduções e seqüências com certo movimento. Isso parece
sugerir então, que a relação criança-língua-fala é diferente num caso e no
outro, como singular é sempre a de um falante.

Não menos particulares parecem ter sido os efeitos dessas falas na


terapeuta. O primeiro paciente, como disse, calou a terapeuta ao passo
que o segundo não impediu que ela falasse. Não vou entrar aqui no
mérito da natureza desses dois efeitos. Isso requereria um trabalho de
caráter clínico, que colocasse em questão o jogo fala da terapeuta versus
fala da criança e exigiria discutir a ‘interpretação fonoaudiológica’.
Contento-me, por hora, em assinalar que essas falas produziram efeitos
diferentes na mesma terapeuta.

Vale dizer, ainda, que se a seqüência deste trabalho põe falas


ecolálicas precedendo a discussão da literatura, isso se assenta em pelo
menos dois motivos. Primeiramente, porque considerei que o leitor
ficaria mais familiarizado com as falas – que são questão neste trabalho
–, e que poderia situar-se melhor nas discussões. Em segundo lugar,
porque, como veremos, o estudo da ecolalia predomina e é circunscrito,
inicialmente, em campos clínicos outros que não o da Fonoaudiologia.
Quero dizer que pretendi apresentar a ecolalia ‘antes’, a partir de seu
efeito numa terapeuta de linguagem –, evitando recobrir minhas questões
com intuições e discussões advindas de outras áreas de conhecimento.
Nesta medida, pretendi circunscrevê-las como espaços de interlocução.
Passo, a seguir, a apresentar um cenário de debates em que a ecolalia é
abordada.

61
CAPÍTULO 3

O Cenário da Ecolalia

Os estudos sobre ecolalia, a que tive acesso, aparecem sob uma


forma bastante peculiar que vale a pena ser comentada. Em primeiro
lugar, eles se apresentam, sobretudo, sob a forma de artigos publicados
em revistas científicas36 de várias disciplinas, o que confere à bibliografia
sobre o assunto um caráter disperso e heterogêneo. É possível dizer que,
em geral, esses artigos foram produzidos principalmente entre as décadas
de 60 e 90, fora do Brasil, por profissionais de diferentes campos37. É
certo que neles a ecolalia ocupa lugar de destaque, ou melhor, ela é o
assunto principal ou o que motiva tais estudos. Apesar disso, esses
trabalhos têm pouca relação entre si. Há os que se atêm às questões sobre
etiologia, tipologia, nosografia38, descrição sintomática, e comparação
entre normalidade e patologia, por exemplo. Cada aspecto é focalizado
de acordo com a área clínica em que se insere a pesquisa. Poucos são os
trabalhos que tentam algum tipo de aproximação à Lingüística.

Vale também comentar que os trabalhos encontrados em revistas


de “Distúrbios da Comunicação”39, são restritos se comparados com

36
Vale lembrar também, que a ecolalia comparece como sintoma ligado a quadros específicos em
subitens ou capítulos de livros, e também como verbete em Dicionários de Distúrbios da
Comunicação.
37
Fonoaudiólogos, Psiquiatras, Pediatras, Neurologistas e Psicólogos, por exemplo.
38
Ou seja, relação entre sintomas e quadros clínicos.
39
Foram consideradas revistas como "Journal of Speech and Hearing Disorders"; "Journal of Speech
and Hearing Research"; "S Afr J Commun Disorders" e "J commun disord'', entre outras.

62
aqueles encontrados em revistas de outros campos40. Dessa forma, é
possível dizer que na bibliografia falta a contribuição de especialistas em
patologia de linguagem. No Brasil, fonoaudiólogas como Fernandes
(1996), Palladino (1999) e Arantes (2000)41, voltaram-se para o assunto.
Mas esses, sem dúvida, são casos excepcionais.

Importa dizer que a ecolalia é acontecimento que remete à infância


e, em geral, relacionado a crianças autistas42. Neles se estabelece, de
alguma forma, uma correlação entre a criança e sua fala. Deixo claro que
não será meu objetivo penetrar discussões sobre autismo infantil ou
outros quadros sintomatológicos. Importa-me, por ora, como terapeuta
de linguagem, essa fala e o modo singular em que se apresenta.

3.1 Ecolalia em áreas clínicas

Como disse, a ecolalia é notada como sintoma em diversas áreas


clínicas. Nessa literatura, o médico Itard (1825)43, é mencionado como

40
Aqui se incluem revistas como "Journal of autism dev disord"; "J Appl Behav Anal"; "Cortex";
"Am J Ment Retard"; "J. Child Psychol Psychiatry"; "neuropsychiatr Enfance Adolesc; J Autism Child
Schizophr"; "J mtnt defic", entre outras.
41
“Ecolalia em Psicoses Infantis”, de Fernandes, “Palavras da Dor”, de Palladino e “As múltiplas
faces da especularidade”, de Arantes.
42
É certo que existem pesquisadores que estendem esse termo para repetições estranhas que ocorrem
em outros quadros envolvendo adultos (afasias, por exemplo). Schuler (1979), (uma fonoaudióloga,
membro Departamento de Educação Especial, da Universidade Estadual de São Francisco) afirma,
que a maior parte dos estudos sobre ecolalia são relacionados a “indivíduos com autismo infantil” e
que pouca atenção tem sido dada à presença desse acontecimento em outras patologias.
43
Não pude ter acesso ao artigo “Memoires sur quelques fonctions des appareils de la locomotion, de

63
quem primeiramente definiu o termo ecolalia: “eco na fala”; e também,
ecopraxia: “eco no comportamento” (Roberts, 1989 e Schuler, 1979).
Autores, como Barr (1898) e Bouvet et alli (1981), apontam Romberg
(1853) como precursor no uso do termo, mas parece haver consenso em
torno de Itard.

Interessa que já nesse tempo a ecolalia divide pesquisadores entre


aqueles, como Romberg (apud Barr, 1898) que considerava o sintoma
como uma “evidência de amolecimento cerebral”, e como Echeverria44,
que apostava na ecolalia como “um sinal de perversão da vontade ou inibição

patológica (defective ou impaired)” (1898: 20), portanto, de natureza, digamos,


emocional. Ou seja, em um ou em outro caso, essa espécie de fala é um
sinal de problema cerebral/emocional que interessou médicos.

Essa tendência perdura até nossos dias. Assim é que a ecolalia será
mencionada nesse tipo de literatura como presente nas afasias
decorrentes de lesões “no lobo temporal esquerdo, lobo frontal e gânglio basal”

(Carluccio et alli, 1964: 624), respectivamente descobertas por Pick


(1924), Goldstein (1917) e Kleist (1922-1934); no retardo mental, por
Noir (1893); na insanidade, por Tuke; na esquizofrenia, por Kraepelin
(1919); na psicose por Mershede; e no autismo infantil, por Kanner
(1943). A essa variedade de quadros nos quais a ecolalia é sintoma,
Schuler (1979), ainda acrescenta quadros degenerativos cerebrais,
epilepsia e estados confusionais, entre outros. Como se vê, o termo
ecolalia recobre repetições de falas nos mais diferentes quadros clínicos.
Porém, desde o artigo de Kanner (1943), referências à ecolalia são feitas,
sobretudo, em trabalhos sobre psicose/autismo infantil. De fato, a
regularidade com que ela ocorre na fala de pacientes com esse

la prehension et de la voix” de Itard, em que ele discorre sobre a ecolalia.


44
Dictionary of Psychological Medicine, vol I, p 424

64
diagnóstico chama a atenção, o que, de qualquer forma, coloca uma
questão sobre o sujeito e sua fala.

Entretanto, a fala é incluída no rol de sintomas


neurológicos/emocionais, mas, em geral, não é propriamente elevada ao
estatuto de indagação. Ou seja, raramente se vê nesses trabalhos uma
discussão especialmente dedicada a tal acontecimento lingüístico e nem
estudos sobre a linguagem são consultados.

Na verdade, as indagações médicas sobre a ecolalia concentram-


se, como não poderia deixar de ser, em discussões de cunho nosográfico
(ecolalia quadro) ou etiológico (causa ecolalia). Mesmo assim, a
ecolalia permanece suscitando questões. Para Matheny,

“não está claro (...) que relações funcionais estão presentes ou são
necessárias quando excessivas respostas ecóicas são encontradas em
crianças mais velhas ou em adultos. Sabe-se que formas patológicas de
ecolalia são encontradas em condições tais como esquizofrenia infantil,
Latah, deficiência mental severa, e desordens de comunicação. Porém, a
ecolalia não é sempre observada nessas condições e um excesso de
respostas ecóicas não é considerada geralmente como um sinal
patognômico de nenhuma destas condições” (1968: 624).

Esta afirmação corrobora as observações de Schuler de que a


ecolalia “não serve para identificar uma doença subjacente” (1979: 427) e que “o
comportamento ecolálico não está ligado a patologias particulares e não pode ser facilmente
explicada por um simples fator (...)” (1979: 419). Ou seja, mesmo que os autores
reconheçam que pode haver lesão cerebral ou problema emocional, a
ecolalia é sintoma possível, mas não necessário para identificar um
quadro. É, portanto, sintoma dispensável na caracterização de quadros
clínicos.

65
Como disse, há poucos trabalhos que apelam para questões
relativas à linguagem. Existem, contudo, autores como Roberts (1989)45,
com Stengel (1964 apud Roberts), um médico, que designam ecolalias
como “atípicas”,

“pensada[s] como o resultado da dificuldade na comunicação devido a um


impedimento ou falta de compreensão e um esforço para vencer essa
dificuldade pela identificação com o interlocutor ” (1989: 272).

Interessa dizer que a fonoaudióloga Schuler, discorda dessa


classificação, e pergunta: “Por que a ecolalia ocorreria em alguns casos e não em

outros em que a compreensão também é mínima?” (1979: 419). O que inquieta a


autora é que crianças possam repetir com precisão os sons da fala sem
compreender o que ouvem. De fato, há mistérios aí. Acrescento ao que
disse Schuler, em oposição a Roberts que, nos casos apresentados neste
trabalho, não pude identificar qualquer esforço por parte dos pacientes
em se comunicar nem um indício forte de identificação dessas crianças
com o interlocutor. Parece-me que, no que se refere à ecolalia, não há
reconhecimento do outro – há unicamente reprodução de falas.

Parece-me impertinente levantar, portanto, uma questão sobre


compreensão. No fundo da reflexão de Roberts está uma concepção de
linguagem como ‘função’, no caso, comunicativa. Ele não se indaga
sobre aspectos discursivos/textuais ou estruturais da fala dessas crianças,
nem sobre os efeitos da fala do outro na fala da criança ou, da relação da
criança à própria fala. Desse modo, mesmo em trabalhos dessa natureza,
a linguagem permanece naturalizada.

45
J. Roberts foi membro de um projeto desenvolvido no Departamento de Lingüística da
Universidade Macquarie, em Sydnei na Australia e voltou-se para essas falas ecolálicas.

66
Assim, nem na literatura médica a ecolalia ultrapassa o estatuto de
sinal de problema orgânico ou emocional, nem em trabalhos de
lingüistas (Roberts, por exemplo) e até mesmo de fonoaudiológos
(Schuler, 1979; Fay, 1967; Fernandes, 1996; entre outros), como
veremos adiante, ela deslancha para além de problemas comunicativos
ou expressivos46. Parece que questões sobre a língua e a fala, ou, a
relação falante–língua–fala não foram propriamente contempladas.
Muito embora, entendo, que elas interessam especialmente a
fonoaudiólogos. Interessam ou deveriam interessar. Surpreendente é
também que, na Fonoaudiologia, justamente a área que se propõe à
investigação e ao tratamento das patologias de linguagem, a ecolalia –
esse acontecimento de fala – tem ocupado espaço reduzido nas
pesquisas, como disse.

3.2 Ecolalia e suas definições

Pude, na leitura da bibliografia sobre ecolalia, vislumbrar que ela


não se apresenta sob uma única e consensual forma, embora ela se
afigure sempre como uma repetição e/ou imitação da fala de outros. Para
além disso, há uma grande heterogeneidade no que diz respeito a sua
caracterização e definição. Vale ressaltar que a necessidade de definir
ecolalia é, em alguns textos, simplesmente descartada. Neles, ela tem
estatuto de evidência.

46
Vale dizer que a necessidade de “dispensar estudo e atenção [à ecolalia] como fato em si” foi
indicada por Palladino (2000), e sua diferença em relação à especularidade, tratada por Arantes
(2000), mas uma atenção mais focal e uma discussão mais detalhada sobre a ecolalia como problema

67
3. 2.1 Ecolalia: fala que não comunica

Não há divergência entre pesquisadores quanto ao fato da ecolalia


ser “tendência para repetir palavras ou frases faladas por outros (...)”, como disse Barr
(1898: 20) ou “repetição de enunciados produzidos por outros”, como afirmaram
Prizant & Rydell (1984: 183). Tendo-se em vista que a natureza dessa
fala é ser “reprodução da fala do outro”, compreende-se porque ela é
vista, também, como “não comunicativa”, uma vez que não é
reconhecida como resposta/réplica a um enunciado. Mas é preciso
lembrar que, no campo da Aquisição de Linguagem, “repetir a fala do
outro”, como vimos, é uma das características da fala da criança a que
De Lemos conceituou como especularidade.

Que singularidade, então, a ecolalia imporia aí? É o que outros


autores pretendem mostrar atribuindo a esta repetição uma certa
qualificação, na tentativa de separar normal de patológico e fazer valer o
reconhecimento de que a ecolalia é “repetição estranha”. Será nessa
tentativa que uma atenção maior à fala vai aparecer.

Kanner, pioneiro na discussão sobre autismo, afirma que a ecolalia


é "repetição de frases completas" (1946: 242). Shapiro e Lucy, por sua vez,
sustentam que a ecolalia em crianças autistas corresponde a “uma repetição
exata de uma parte do enunciado modelo” (1977: 373). Note-se que a extensão do
enunciado reproduzido chamou atenção desses pesquisadores e que a
ecolalia, para um, é identificada à reprodução integral e, para outro,
parcial. Em ambos os casos, trata-se de repetição exata. Reduplicação
que M. Rutter (1993) qualifica como “estereotipia”.

lingüístico não me parece ter sido ainda desenvolvida seja por lingüistas seja por fonoaudiólogos.

68
Daí que a “precisão/exatidão” e a “automaticidade” dessas falas as
aproximaria de “fala de papagaio”, de um não-humano. De fato, Kanner
em seu livro “Psiquiatria infantil”, remeterá a ecolalia a um transtorno de
simbolização, definindo-a como “uma repetição automática, como a de um

papagaio” (1966: 532). Estranho parece ser um “humano” falando como


um papagaio. Essa fala automática sugere uma emissão sonora que se faz
“sem pensar”, como disseram os pais das crianças atendidas por mim, ou
seja, “sem controlar”. Falas que não deixam ver um falante.

“Falta de controle” é o que dizem Campbell & Grieve acerca da


ecolalia. Para eles trata-se de “repetição involuntária ou eco da fala produzida por

outra pessoa ” (1978: 414). “Involuntária” porque acontece à revelia da


criança e da sua vontade. “Automaticidade” e “falta de controle”
articulam-se num sintoma que soa como “fala artificial” que se apresenta
em uma voz “mecânica”. Não é outra coisa que notou Simon nessas
falaT2: “falta espontaneidade natural e (...) raramente compatível com o contexto”

(1975: 1440). Será esse distanciamento do contexto que levará


pesquisadores a acrescentarem uma outra qualidade à ecolalia, qual seja,
a de ser “tardia”. Eles reconhecem que essas “falas prontas”, em que o
sujeito não se implica, vêm de um outro lugar e outro tempo. Assim,
vimos que, dependendo daquilo que mais afeta o pesquisador ou clínico
a ecolalia vai sendo adjetivada: integral ou parcial; exata/estereotipada;
automática e involuntária; desadaptada e tardia.

Todas as características acrescentadas ao termo ecolalia alinham-


se ao que Mc Evoy et alli propõem: “uma repetição sem significado das palavras
do outro” (1988: 658). “Falta de significado” pode ser correlacionada à
“inadequação ao contexto”, “automaticidade”, e assim por diante. Em
última instância, “sem significado” é também fala “sem intenção
comunicativa”, como pensa Perelló (1977), que inclui outra qualidade a
essa fala: ela é “monótona”, seja reprodução “de palavras ou de frases”.
69
Monotonia relacionável também à entonação como, por exemplo,
chamou a atenção Simon (1975) e Hirsh (1967), que comentaram o
aspecto melódico das produções ecolálicas. Simon diz que: “a criança
ecolálica parece ser incapaz de modificar características expressivo-entoacionais e, por isso,
a acentuação e o pitch são geralmente impróprios ao contexto” (1975: 1440).
Monotonia, que se exprime também nos murmúrios, como no caso do
primeiro paciente. Essa autora pontua que a criança “resmunga como se

estivesse ou conversando consigo mesma ou pensando alto” (1975: 1441). Bouvet et


alli (1981), fazem menção a um “falar” ou “tagarelar” em eco;
nitidamente “sem intenção comunicativa” (Bouvet et alli, 1981; Bernard-
Optiz, 1982; Ford, 1989).

Assim, essas falas tocam esses autores, como se pôde ver. Ainda
que se fale de uma forma geral em repetição, atribui-se a ela uma
determinada qualidade ou adjetivação: ora ela é “estereotipada/exata”,
ora “involuntária/não intencional”, “automática/como a de um
papagaio”, “monótona”, “descontextualizada/sem significado” e, por
tudo isso, “sem caráter comunicativo”. Ao tentar dar conta do que não é
uma simples ou mera repetição, a qualificação vem para configurar como
patológica uma repetição “estranha” que se quer diferenciar daquela
presente na aquisição de linguagem (Ochs-Keenan, 1977; De Lemos,
1981, 1982, entre outros)47.

Se nos trabalhos, acima comentados, o cerne da questão é tratar de


circunscrever uma repetição que é patológica a partir dos efeitos dessa
fala no clínico, veremos que a ecolalia vai chamar a atenção dos
pesquisadores também para o tempo de reprodução e para aspectos
relativos a ‘modalidade’ em que se apresenta essa fala.

47
Em dicionários de Distúrbios da Comunicação, ecolalia vem também desdobrada em “ecologia”,
“ecofrasia”, “ecofasia”, termos que buscam relacionar essas repetições “estranhas” à quadros
neurológicos ou a perturbações emocionais. Ver, por exemplo, Terminology of Communication
Disorders (1996), e A Dictionary of Speech Pathology and Therapy (1963).

70
Ela será dita, então, imediata ou tardia; literal ou mitigada (Kanner,
1943; Rimland, 1964; Ricks & Wing, 1976; Schuler, 1979; Prizant &
Rydell, 1984; e Roberts, 1989; entre outros). Quanto ao par
imediata/tardia, ele diz respeito à imediaticidade, ou não, de uma
reprodução. Para os autores, em ambos os casos a repetição é dita literal.
Assim, toda diferença entre ecolalia imediata e tardia estaria centrada na
duração do intervalo de tempo entre o enunciado prévio e a produção
ecolálica. No primeiro caso, o intervalo seria mínimo, enquanto que, no
segundo, necessariamente maior48 (minutos, horas, dias, etc.).

Simon (1975), prefere tratar a imediata e a tardia de modos


diferentes, ou seja, reservando a designação “ecolalia verdadeira” à
imediata, que guardaria uma relação em eco frente a fala de um outro. A
ecolalia tardia, por sua vez, deve ser lida como ‘não verdadeira’. Se ‘não
verdadeira’, seria falsa? Como, então, reter a designação ecolalia para
reproduções não imediatas? A definição de dicionário para “eco” é:
“fenômeno físico devido à reflexão de uma onda acústica por um obstáculo, e observado

como a repetição de um som emitido por uma fonte” (Buarque de Holanda, 1975).
Sendo assim, entende-se porque Simon quer reter a noção de “eco” para
as reproduções imediatas. Nas tardias não se pode identificar a relação
entre uma fala reproduzida e sua fonte.

Reproduções literais se ajustam com mais precisão à expressão


ecolalia. Fay (1967), que as nomeia ecolalia pura, diz que elas têm
“parasitic fidelity” (fidelidade parasitária) (1980). Há outras produções,
porém, em que ainda se reconhecem características de eco, mas que não

48
Não vou tratar neste trabalho de casos que levantam a questão: “como assegurar que uma fala não
repetida imediatamente é, de fato, ecolálica, ou seja, reprodução de uma fala outra?”. Essa indagação
parece ter tocado Prizant & Rydell (1984) que sugeriram dois critérios: 1) medida de complexidade
gramatical e 2) relação entre essas falas e rotinas vividas (na clínica ou escola), que a criança teria,
segundo eles, memorizado. Penso não ser este um ponto simples, já que envolveria discutir critérios
como “complexidade gramatical” de falas e identificação empírica da origem/fonte de uma fala e,

71
são propriamente exatas. Tratam-se de “ecolalias mitigadas” para Fay
(1967) e Baltaxe & Simmons (1975) ou “imitações reestruturadas” para
Shapiro, et alli (1970). Elas se apresentariam com modificações, quais
sejam supressões ou adições de elementos ou, ainda, modificações
entoacionais. Resta dizer que essas três formas de modificação podem
ser concomitantes. Via de regra, diz-se que a criança parece ter ‘intenção
comunicativa’. Como se vê, essas falas enigmáticas trazem
imediatamente uma suposição de sujeito epistêmico.

Se o eco pressupõe imediaticidade e literalidade, há problemas em


se classificar uma repetição tardia ou uma repetição com modificações
sob o nome de ecolalia. Enquanto a noção de ecolalia, no caso da
imediata, parece apropriada, para a tardia e para a mitigada o termo
parece inadequado. De fato, Roberts (1989) dirá que manifestações
ecolálicas com mitigação correspondem a uma “forma estrutural
singular”, quer dizer, com diferenças em relação ao enunciado do outro,
embora continue usando o termo ecolalia.

A autora assinala que o termo foi cunhado por Pick (1924), para
designar respostas ecóicas “levemente modificadas”, em casos de afasia.
Note-se que nem se está falando mais em criança, nem a palavra
“levemente” parece explicitar a natureza dessa modificação. Vale dizer
ainda que o termo “mitigada” migra para fora do espaço teórico e
empírico em que foi cunhado e passa conviver nos trabalhos sobre
ecolalia em crianças, o que deveria introduzir questões particulares. Por
exemplo, a de se seria plausível falar ainda em ecolalia quando um
enunciado não é idêntico (mesmo que parcial) à fala de um outro. Dessa
forma, “mitigada” parece adjetivar uma fala não mais ecolálica em

ainda, ao meu ver, a questão problemática da escuta do outro/investigador, o que implicaria uma outra
direção argumentativa, diferente da que encaminho aqui.

72
sentido estrito. Pode-se pensar que o termo vem para reter ainda o
estranho em certas produções de crianças.

Além disso, como diferenciar a “ecolalia mitigada”, uma fala


sintomática, daquelas produzidas por crianças em processo “normal” de
aquisição de linguagem? Que tipo de composição ou seqüência seria essa
que reteria características ecolálicas e em que os pesquisadores parecem
reconhecer algo da natureza de uma reestruturação? Embora façam uma
suposição, eles parecem não se deter nessa questão. Numa
reestruturação, de fato, há que se supor a singularidade de uma fala,
como disse Roberts (1989). A autora, contudo, não se volta para a fala.

Será Schuler, quem irá apontar para problemas concernentes tanto


à definição/terminologia quanto aos métodos das pesquisas que
investigam o fenômeno, enfatizando que o termo ‘ecolalia’ tem sido
utilizado de maneira ampla e indiscriminada49. A imprecisão
terminológica e a falta de descrição detalhada das manifestações
ecolálicas são apontadas por Schuler como um dos fatores responsáveis
pela dificuldade em se esclarecer o fenômeno. Ela diz: “Uma vez que a
ecolalia emerge em situações diferentes e parece variar tanto em sua forma como em relação
à fonte, deve-se indagar se o termo ecolalia é, no final das contas, significativo” (1979:
427). Ela quer dizer, com isso, que a aplicação do termo a
acontecimentos tão diferentes, ultrapassa o limite de um uso significativo
para ecolalia. De fato, seria um uso que não se ajustaria à definição de
dicionário.

49
Fernandes, uma fonoaudióloga, aponta para a falta de preocupação dos pesquisadores tanto em
definir a ecolalia, como definir os termos “ecolalia tardia, ecolalia imediata e ecolalia mitigada”
(1996: 143). Prizant & Rydell consideram que há muitos problemas relativos aos critérios de definição
da ecolalia, principalmente, quando o que está em pauta é: "a exatidão da repetição, o grau de

73
3.2.2 Ecolalia: repetição que comunica

Como disse, são essas “ecolalias mitigadas” que levarão a


considerações sobre o estatuto comunicativo das ecolalias. Pesquisadores
sugerirão que, quer imediatas ou tardias, quer literais ou mitigadas, elas
sempre exprimem algum grau de “intenção comunicativa”. Prizant &
Rydell (1984), por exemplo, propõem que a ecolalia deva ser
considerada em termos de um contínuo no que concerne à exatidão, ao
grau de compreensão e à intenção comunicativa. Assim, menor precisão,
incompreensão, e pouca “intenção comunicativa” opõem-se à mitigação,
maior compreensão e mais “intenção comunicativa”.

Essa abordagem outra sobre a ecolalia – em que a ela se supõe


alguma intencionalidade e valor comunicativo – parece também partir de
uma leitura particular que certos pesquisadores fizeram do trabalho de
Leo Kanner (1943 e 1946).

Roberts (1989), por exemplo, ao tratar da ecolalia mitigada, afirma


ter Kanner notado que crianças podiam alterar aspectos do enunciado
ecoado. Traz como exemplo o caso da “reversão pronominal” implicada
no diálogo. Kanner diz que:

“pronomes pessoais são repetidos como ouvidos, sem mudança pronominal


adequada. A criança, a partir de uma fala da mãe, ‘Agora eu vou dar para
você o seu leite’, expressará desde então seu desejo de beber leite com
exatamente essas mesmas palavras. Portanto, ela fala de si sempre como
“você” e da pessoa a quem se dirige como “eu”. Não apenas as palavras
mas também a entonação é mantida (1943: 244) (ênfase do autor).

compreensão de enunciados repetidos, e a presença ou ausência de intenção comunicativa subjacente


aos enunciados ecóicos" (1984: 183).

74
Diferentemente de Kanner, Roberts parece incorporar à ecolalia
mitigada a possibilidade de reversão pronominal pela criança. Note-se
que, para Kanner, ecolalia supõe exatidão na reprodução e o fato de
haver uma modificação para “uso correto do pronome” significa que
aquela fala nem mais ecolálica é. Ele dirá: “entre as idades de cinco e seis anos
[crianças ecolálicas] abandonam gradualmente a ecolalia e aprendem a usar pronomes
pessoais com referência adequada ” (1943: 249) (ênfase minha). Chamo a
atenção para um distanciamento de Roberts e outros pesquisadores,
influenciados pela Pragmática, relativamente à discussão de Kanner.

Ainda sobre a ecolalia mitigada, que implica modificações na


reprodução da criança, Roberts diz apoiar-se em Kanner que, segundo
ele, afirma que a criança “repete o que ouve acrescentando a essa repetição uma

afirmação ou negação” (1989: 273). Não parece ter sido precisamente isso o
que se lê em Kanner (1943). Este autor assinala, por exemplo, que uma
criança reproduz o seguinte enunciado do pai: “Quer subir nos meus
ombros?”. Frente a isso, o pai fala: “Se você quer, diga sim, se não quer,
diga não”, ao que a criança diz: “Sim”. A conclusão a que chega Kanner
é a de que a criança dizia “sim” sempre que essa pergunta do pai fosse
feita.

Na opinião desse autor, esses acontecimentos seriam expressões


de um desejo da criança, desejo que ela é incapaz de transmitir ao outro
espontaneamente. De toda forma, ele lembra que a criança demorou
muito tempo para “destacar” a palavra dessa situação e a “usá[-la] como um
termo geral de afirmação” (1943: 244). Ou seja, “sim” ficou colado àquela
situação. Se, para Roberts, trata-se de uma intenção
(afirmação/confirmação) e, portanto, de uma resposta da criança; para
Kanner, não se trata do mesmo: “em nenhuma [...] das crianças falantes a

linguagem tem servido para transmitir significado aos outros” (1943: 243). O que a
criança diz, torna-se ligado à situação original em que ocorreu, podendo
75
ser transferidas para outras situações. Kanner, portanto, não fala em
intenção, mas apenas de uma produção rígida, aderida ao contexto
original.

Note-se que quem infere, ou não, um sentido a essas produções


recorrentes e cristalizadas é o próprio pesquisador/clínico, ou seja, é o
outro. Nessa medida, como atribuir intenção comunicativa à criança?
Mesmo que Kanner fale em desejo, não se pode afirmar que desejo e
intenção sejam sinônimos. É ele mesmo que insiste na ausência de
“funções comunicativas da fala” em crianças “ecolálicas”: “no que concerne
às funções comunicativas da fala não há diferença fundamental entre as oito crianças falantes
e as três mudas” (1943: 243). O que o autor sublinha é que não falar (como
as “mudas”) ou falar “sem sentido” (como as “ecolálicas”) daria no
mesmo.

Kanner foi afetado por essas ocorrências e será em artigo de 1946,


que esclarecerá o sentido de “desejo” versus incapacidade de
comunicação. Ele dirá que, embora falas ecolálicas pareçam “tolas,
impertinentes e desadaptadas ao contexto”, elas podem ter algum
significado para a criança. Ele designará essas “ecolalias” – essas
expressões que se repetem – como “falas metafóricas”, na medida em
que portam um significado, mesmo desadaptadas, não comunicativas.
Para ele, o termo “metafórica” corresponderia à repetição de uma
expressão no lugar de outra pertinente à situação mas que mantém, com
ela, alguma relação enigmática de significado. Relação, segundo ele,
regida seja por analogia, seja por generalização (todo pela parte), ou por
restrição (parte pelo todo) 50.

50
Os exemplos de Kanner (1943) são os seguintes: 1) analogia: “cesta de pão” por “padaria de casa”;
2) generalização: “não atire o cachorro para fora da varanda” adquire o significado de auto-repreensão
em toda situação de auto-punição; 3) restrição: “55” para tudo que pudesse ser referido à avó de 55
anos de idade.

76
Como se vê, essas crianças com falas estranhas teriam uma
linguagem própria, com significado obscuro para o outro, e não se
preocupariam, portanto, com sua aceitação pela comunidade ou com a
pertinência comunicativa dessas produções. Nesse sentido, deve-se
preservar distância entre os pesquisadores que, mesmo fazendo menção a
Kanner, apostam em “intenção comunicativa”. Este autor, ao contrário,
recusa qualquer movimento da criança em direção a sociabilização ou
qualquer vontade em se comunicar.

Não é questão neste trabalho discutir o trabalho de Kanner e o uso


que faz do termo ‘metáfora’ ou ‘metafórico’. Talvez baste sinalizar que
sua questão diz respeito ao significado e não a mecanismos lingüísticos
que me interessam mais de perto, e que podem ser referidos a uma fala
em que a reprodução/forma se paralisa, se cristaliza, não se deixa
substituir. Repetição que diz de uma rigidez. Para Maria Teresa Lemos,
“essa rigidez no uso é o que caracteriza, de fato, a relação do autista com a linguagem”.

Diferente da repetição que leva à aquisição da linguagem, na fala da


criança autista, “(...) a linguagem encontra-se em prejuízo, pois o próprio da linguagem é

a substituição, ou seja, poder colocar uma coisa no lugar da outra”51. Esse seria um
outro modo de abordagem de falas ecolálicas. Interessa-me, neste
momento, dizer que muitos trabalhos parecem ter encontrado – ao meu
ver, de forma equivocada – em certas considerações tecidas por Kanner,
seus motivos para abordar as ecolalias em termos de “valor
comunicativo”.

Schuler (1979), por exemplo, afirma ser possível apreender, na


ecolalia, intenções comunicativas, a não ser em certos tipos de ecolalia
tardia em que falas não são sensíveis ao contexto em que ocorrem, por
exemplo, “quando comerciais de televisão são repetidos de modo mecânico sem nenhuma

51
Texto inédito, sem título (xerox). Nele a pesquisadora se propõe a discutir o papel da especularidade

77
intenção comunicativa” (1979: 413). Estas seriam denominadas “auto-
estimulatórias” porque não parecem servir a qualquer propósito.
Excluídos casos como esses, segundo ela, toda ecolalia será “sensível ao
contexto” em graus variados – sugerindo que a criança teria sempre
algum tipo de habilidade expressiva, mesmo que seja difícil para o
pesquisador/clínico determinar se há ou não sensibilidade ao contexto.
Schuler utiliza o termo “fala metafórica”, cunhado por Kanner, para
rotular tais ecolalias. É nesse ambiente que autores de trabalhos na
Aquisição de Linguagem, como os de Bates (1976), Dore, (1975),
Halliday (1975) e Bruner (1975), de alguma forma inspirados na
Pragmática Lingüística, serão consultados por pesquisadores da ecolalia
(Fernandes, 1996; Prizant & Duchan52, 1981, entre outros).

Nesses trabalhos, mesmo a ecolalia “verdadeira” (“não–mitigada”)


teria “valor comunicativo” e seria vista como "tentativa primitiva” de
manter o contato social. Daí, busca-se nesses trabalhos, associar a
ecolalia a determinadas funções interacionais. Inferências são feitas a
partir de aspectos como relevância ao contexto situacional, evidência de
interatividade e/ou compreensão, assim como presença de olhares e
gestos significativos, relacionáveis ao outro ou à atividade. Com base
nessas inferências, autores dirão, por exemplo, que as produções
ecolálicas podem ter o valor de invocação, afirmação, solicitação,
protesto ou ordem (Prizant & Rydell53, 1984; Dyer & Radden54, 1981; e
outros). Ao lado disso, autores conferem à criança o poder de “controlar

na aquisição da linguagem.
52
Barry Prizant é filiado ao Departamento de Patologia da Fala e da Audição da Universidade de
Illinois (Carbondale) e Judith Duchan é filiada à Universidade de Nova York (Buffalo).
53
Patrick Rydell é filiada à Agência de Educação de Iowa.
54
Christopher Dyer e Ângela Hadden são filiados à Whitefield School em Londres.

78
o ambiente” (Fernandes, 1996), de “prolongar a interação” (Fay55, 1973)
e, também, de “bloquear a comunicação” (Shapiro & Lucy56, 1977).

De toda forma, em todos os casos acima, essas crianças são


apontadas como sujeitos com capacidades cognitivas para agir sobre o
outro e sobre o ambiente através de suas produções ecolálicas. Assim,
ela estaria vinculada a uma vontade própria ou intencional da criança, o
que contrasta com trabalhos mencionados acima, em que a fala ecolálica
é referida como automática e involuntária. Mas, a impressão que se fica
após a leitura desses trabalhos é a de um desarranjo no que se supõe
sobre essa fala ecolálica e a criança que a produz, ou seja, parece que o
investigador usa a criança como “tela para projeção de seu imaginário”,
como disse De Lemos (1999) a respeito da aquisição da linguagem e
Arantes (2001) sobre crianças que não falam.

Na verdade, parece que a aproximação à Pragmática situa a


posição do investigador frente às ecolalias e ele vai projetar nelas
categorias pragmáticas, cujo resultado parece-me ser um obscurecimento
do sintomático dessas falas. Nesse particular faz sentido o que disse De
Lemos que “seria [então,] o ponto de vista do investigador que serviria de argumento

para justificar a proliferação de apreensões parciais” (1999: 41), no caso, um ponto


de vista que parece se impor e impor distância do acontecimento
patológico. Quero dizer, com isso, que os pesquisadores parecem ter ido
longe de mais na atribuição de intenções à fala e de capacidades
cognitivas à criança, mascarando assim, a diferença entre falas ditas
patológicas e normais.

Não resta dúvida de que essas repetições em eco do enunciado do


outro leva-nos a indagar sobre quem é este falante. Mas se não nos

55
Warren Fay é filiado à Crippled Children’s Division, University of Oregon Health Sciences Center.
56
Theodore Shapiro é Professor de Psiquiatria da Corneel University Medical College e Peter Lucy é
estudante de medicina da New York Universitu Medical Center.

79
esquecermos de que são reproduções, que são sintomáticas porque
involuntárias, soa implausível supor a elas a qualidade de falas
intencionais e/ou comunicativas. Parece que a aproximação à Aquisição
da Linguagem produz um efeito nos estudos sobre a ecolalia que recobre
exatamente o que é perturbador nessas falas, mais especificamente, o de
serem falas que colocam em questão a problemática da “autoria” de uma
fala. Tal aproximação torna tênue, como disse, a distinção entre normal e
patológico.

3.3 Considerações sobre o normal e o patológico

Schuler (1979), com Prizant & Rydell (1984) chegam mesmo a


supor um contínuo entre normal e patológico. Para eles, quanto mais
modificada, maior o grau de intenção comunicativa e mais próxima da
normalidade estará a fala da criança; inversamente, quanto mais rígida e
literal, menos intenção comunicativa e mais patológica. Se a oposição
normalidade versus patologia, neste caso, é vista numa relação de
continuidade ou de homogeneidade, como diz Canguilhem (1995),
necessário seria traduzir qualquer diferença entre esses estados em
termos de quantidade. Mas a questão está, insisto, na impossibilidade de
determinação dessas quantidades – o que, aliás, é atestado pela própria
Schuler.

Vale dizer que a entrada na Aquisição da Linguagem não ocorre


somente pelo viés da Pragmática. Tendências comportamentalistas e
inatistas podem ser reconhecidas – e são mencionadas – nos trabalhos
sobre ecolalia. Assim, veremos expressões como “desempenho”,
“competência”, “capacidades lingüísticas humanas”, “uso criativo”, ao
80
lado de outras como “imitação”, “extração e expansão de enunciados
pela criança”, em trabalhos diferentes, ou num mesmo. Também nesses
trabalhos, a questão normal versus patológico não deixa de ser tratada
como diferença num contínuo, mesmo porque inabalada fica a idéia de
“intenção comunicativa” da criança.

Na opinião de Schuler (1979), as ecolalias mitigadas seriam


semelhantes a produções que ocorrem durante a aquisição da linguagem,
mas, segundo a autora, no último caso essas falas sinalizariam
emergência da produtividade gramatical enquanto que, nas ecolálicas,
isso não ocorreria. Assim, por exemplo, na fala de crianças com ecolalia,
não aconteceriam reversões pronominais, indícios de uma falta de
“habilidade lingüística” fundamental. O mistério estaria, então, em dizer
porquê elas “não fazem uso de processos criativos”, diz a autora.
Mistério que, uma vez enunciado, deveria efetivamente ser enfrentado.

A resposta de Ford57, Shapiro & Lucy, Schuler e outros, para a


oposição normalidade versus patologia é a de associar graus de intenção
comunicativa a faixa etária – a uma linha de desenvolvimento. A
persistência da ecolalia, para além dos três anos de idade configuraria
uma repetição anormal. A explicação que se oferece para tal persistência
é a de que a ecolalia seria determinada por uma patologia subjacente
(orgânica), que produziria um desvio em relação às funções lingüísticas e
cognitivas encontradas na criança “normal”. No que diz respeito à
repetição patológica, à ecolalia, Palladino discorda de abordagens como
as acima. Ela diz que:

“a repetição denominada ecolalia é tratada [em trabalhos como os acima]


como sinal de algum problema outro que não da linguagem propriamente dita

57
R. Ford é filiado ao Departamento de Medicina Psicológica, King’s College Hospital em Londres.

81
(...), é cronificada (por algum motivo estranho à linguagem) e vira sinal de
conduta patológica” (2000: 92-3).

Simon58 (1975), diferentemente de Ford, Shapiro e Schuler, opõe-


se a essa linha de explicação de cunho desenvolvimentista. Ela afirma
que o “eco” não é característico de nenhum dos estágios do
desenvolvimento da linguagem. Deve-se dizer, então, que a ecolalia seria
um acontecimento em si ou, então, seria expressão de um
desenvolvimento anormal de início. Ou seja, o patológico não pode ser
comparado e definido em relação à normalidade porque não seria desvio
de rota em um desenvolvimento. Surpreendente, no entanto, é que ela
diga que “falta à criança autista a estrutura profunda ” (1975: 1441), já que ela
“utiliza” somente as estruturas superficiais da fala do outro. Note-se que
a pesquisadora faz uso de expressões chomskyanas, mas não sem
desvirtuar o cerne do pensamento de Chomsky. Não me estenderei numa
crítica, apenas gostaria de pontuar que, se a linguagem é inata, por
necessidade, “inata” seria a “estrutura profunda” (A respeito dessa
discussão, ver Landi, 2000).

Vê-se que esse modo de aproximação e de leitura de trabalhos de


aquisição de linguagem conduz a problemas no que diz respeito à
distinção entre normal e patológico. A ecolalia, enquanto sintoma,
parece resistir bravamente à aplicação de conceitos e de aparatos
descritivos da Lingüística e suas subáreas. A tentativa de aplicação não
serve ao propósito a que se destina, nem atende aos objetivos dos
pesquisadores, que chegam mesmo a declarar que seus resultados são
inconclusivos.

58
Nicole Simon é filiada à Divisão de Ciências do Comportamento em Cambrigde (MA).

82
No âmbito da escassa literatura brasileira, merece destaque o
trabalho de Arantes no que tange à problemática normal versus
patológico. Esta fonoaudióloga tem se ocupado desse problema (Arantes,
1998 e 2000). Interessa-me mais de perto o artigo em que ela questiona o
uso indiscriminado do conceito de “especularidade” na Fonoaudiologia.
A pesquisadora recusa tanto explicações de repetições estranhas pela via
de um desvio de rota no desenvolvimento normal, quanto por negação ou
adjetivação ao termo “especularidade”. Admirável é que ela não tenha
uma resposta fácil e pronta para um problema ou mistério tão complexo.

Segundo a autora, a inadequação da aplicação de “especularidade”


a casos de patologia decorre antes de tudo, da sua própria definição que,
como vimos é constitutiva/estruturante da aquisição da linguagem e
também responsável pela subjetivação. Como, pergunta ela, frente a isso,
aplicar esse termo a casos sintomáticos em que o que se nota é que nem a
linguagem se estrutura, nem se reconhece um sujeito nessas falas? Ainda
que tenham um aspecto de mesmo, repetições produzem efeitos
diferentes que acabam tão encobertos quanto esvaziado é o termo
ecolalia.

83
CONCLUSÃO

Esse trabalho parte dos efeitos que as “ecolalias” produziram em


mim como fonoaudióloga, como terapeuta de linguagem. Foram esses
efeitos que me desafiaram e me fizeram pensar sobre essas falas
sintomáticas. Eu disse que o primeiro encontro com essas reproduções
estranhas pediram leitura. Se num primeiro momento a especularidade,
processo definido por De Lemos, como que aplacou a exigência
acadêmica de produzir um relatório, espero que este trabalho tenha
podido mostrar que essa exigência não aplacou os efeitos produzidos em
mim por essas falas, ditas ecolálicas. Efeitos que não calaram mas, de
fato, alavancaram este trabalho.

Digamos que a primeira convicção resultante dessa inquietação foi


a de que “repetições” podem “salvar” ou “matar” uma fala, utilizando-
me aqui da metáfora de Delleuze, que amplio neste momento. É ele
quem diz que a repetição remete a “perdição e salvação”, ao “jogo da
doença e da saúde” (1968: 28). O efeito primeiro e essencial foi o de que
a repetição pode ser de natureza “positiva”, reflexo de um processo de
estruturação da linguagem e do sujeito, e “negativa”, patológica – uma
repetição refratária no que diz respeito a tal processo.

Foi por isto que nesta dissertação a especularidade serviu para


pensar essa diferença. Daí que uma questão pôde ser formulada: o que
faz de uma repetição algo que a qualifique como patológica? Para pensá-
la, voltei-me para essas falas no sentido de procurar apreender nelas o
“estranho”, para o quê, nelas, causava esse efeito de patologia. Disposta

84
a investigar essa questão, aproximei-me de uma linhagem de
pesquisadores das ecolalias, que também se deixaram afetar por esta fala
e por esta questão.

Pude ler, no trabalho de alguns pesquisadores/clínicos, que


“ecolalias” eram repetições parciais ou totais da fala do outro, exatas,
automáticas, involuntárias; sem sentido e intenção comunicativa. Cada
uma – e todas – essas qualificações pareceram pertinentes. Concordei
com as intuições desses clínicos. Ocorre, porém, que se essas
caracterizações procuravam marcar diferenças entre normal e patológico,
elas não tinham, ao meu ver, a força de sinalizar diferenças notáveis
entre manifestações ditas ecolálicas, ou seja, não podiam abrigar a
heterogeneidade dessas manifestações.

De fato, pesquisadores procuraram ir além e voltaram, então, o


olhar para essas falas de crianças. Daí que apareceram expressões tais
como “imediata”, “tardia” e “mitigada” agregadas ao termo “ecolalia”.
Sob o efeito de “estranho” de uma repetição abrigavam-se
acontecimentos diferentes. “Tardia” fazendo oposição à “imediata”,
vinha para dizer de uma mesmice que remetia ao par presença/ausência
do outro - “fonte” da fala reproduzida (falas cristalizadas e/ou de
televisão). “Ecolalia tardia” passa, então, a designar menos uma “fala em
eco” no sentido estrito e mais uma produção que não pode ser admitida
como da criança.

Para mim, “ecolalia imediata” parecia redundante, ao passo que


“ecolalia tardia” inadequada. Eco é reverberação que pressupõe
presença da fonte de um dizer. Nesse caso, todo eco só pode ser
“imediato”, o que exclui a possibilidade de se falar, por outro lado, em
“eco tardio”, que seria uma fala indiferente à empiria de uma situação
dialógica, cujo reconhecimento de mesmice, é assumida como fala de
um outro e não da criança. A questão é se, do ponto de vista da criança,
85
faz diferença falar em ecolalia “imediata” ou “tardia”, se o cerne da
questão é que ela não pode ter uma “fala própria” num caso e no outro,
que sua fala é sempre uma cola; se sua possibilidade de falar é reproduzir
o outro.

Interessa dizer que foi, também, esse voltar-se para a fala que
levou ao reconhecimento de que o “estranho” dessa mesmice podia
comportar “reestruturação” e “ modificação”, o que não deixa de soar
paradoxal, uma vez que ou bem se está falando de mesmice, ou bem de
diferença. É fato que esses autores foram movidos pelo “estranho”
dessas falas mas não me pareceu que a explicação que ofereceram tenha
sido apropriada. Importa que é frente às ditas ecolalias mitigadas que
veremos pesquisadores aproximando-se da Aquisição da Linguagem.

Mas, se o olhar aguça para certos aspectos da fala, se uma


heterogeneidade pôde ser inicialmente reconhecida, pesquisadores
parecem ter ficado mais “surdos” para as primeiras intuições clínicas.
Por exemplo, dizia-se que a ecolalia era repetição exata, automática,
involuntária, sem sentido e não-comunicativa. O que se verá é uma
recusa explícita a tais considerações. Influenciados por pesquisas em
Aquisição da Linguagem, eles dirão que nas ecolalias mitigadas há
intenção comunicativa e que as ecolalias, em geral, podem ser
categorizadas relativamente ao valor comunicativo das produções da
criança.

Assistimos, na leitura desses trabalhos, a uma proliferação de


categorias funcionais sendo aplicadas a falas da criança, sem que os
pesquisadores se dessem conta que com isso diluíam, em grande medida,
a distinção entre o normal e o patológico – que as primeiras
caracterizações buscavam delimitar. Entram, para se falar desta
reprodução que diz de uma condição patológica, categorias ligadas a
uma suposição de sujeito epistêmico, da consciência. Ora, se o erro já
86
coloca questões para aportes cognitivistas (Lemos, 2000; Lier-De Vitto,
2000 a), que dirá uma fala sintomática. Que natureza de cognição se
poderia sustentar nesses casos?

Por outro lado, se esses estudos foram também alimentados por


certas considerações de Kanner (1943, 1946), parece-me que essa
aproximação foi equivocada na medida em que o autor faz menção a um
desejo da criança, que não eqüivale à intenção para se comunicar.
Kanner não admite qualquer esforço da criança para se aproximar do
outro. Ao contrário, ele fala em isolamento, em pacientes refratários à
sociabilização. A insistência de Kanner sobre o isolamento da criança me
parece mais apropriada para dizer de falas que, embora venham do outro,
não voltam para ele – uma fala que não liga, mas desliga a criança do
outro, que a deixa só.

Que todos os pesquisadores se deixaram tocar pelo “estranho” da


fala da criança, não resta dúvida, afinal, é ela que movimenta suas
buscas. No entanto, entre o estranhar e o tomá-la como foco de
observação, os pesquisadores parecem abandonar suas intuições,
colocando-se a tarefa de descrever essa fala. Procuram “codificá-la”,
classificá-la. Estabelecem-se “identidades patológicas”, em expressão de
Vorcaro (1997), que compõem um quadro nosográfico a que todo novo
caso possa ser referido.

Mas, a proliferação de “identidades patológicas” faz mais uma vez


lembrar o que diz Vorcaro: “quando não se encontra eqüivalência [entre o novo
sintoma e as identidades patológicas] acrescenta-se um sinal a um nome ou um nome à lista,
conduzindo a uma futura reclassificação de quadros patológicos” (1997: 40). Se esse é
o procedimento, não parece haver restrição a reclassificações, que
surgem na tentativa de dar conta do que fica de fora de um determinado
quadro nosográfico. Acontece que, de caso para caso, diferenças são
notáveis e notadas, mesmo que semelhanças possam ser reconhecidaT2:
87
e é exatamente isso que sempre deixa um resto como inapreensível a
qualquer observação codificadora.

De fato, não há convergência entre os pesquisadores quanto a


valoração da intenção comunicativa ou quanto a determinação do
significado das produções da criança. Daí que sempre se pode
acrescentar um significado ou uma intenção a mais, o que faz aparecer,
acima de tudo, a subjetividade do pesquisador/clínico, ou seja, uma
projeção imaginária sobre a fala da criança.

Como disse, minha aproximação à Aquisição da Linguagem, ao


Interacionismo, mais especificamente, e à implicação do conceito de
especularidade foi outra: para pensar diferenças, sustentar
especificidades, que implicam a distinção entre normal e patológico e
também entre essas falas “estranhas” de crianças. Quero dizer que meu
movimento não foi de aplicação; foi um que decorre mesmo de uma
lição do Interacionismo, qual seja, a da preservação do heterogêneo.

Se há uma heterogeneidade indefinível e, portanto, ‘não


classificável’ de falas ditas ecolálicas, não se pode dizer que uma criança
é ecolálica, como aparece em muitos trabalhos, precisamente porque a
ecolalia pode não ser o todo de uma fala, mas um acontecimento
possível, que participa daquilo que produz efeito de patologia. Mesmo
que reconhecidas como patológicas, há sempre diferenças a considerar e
são essas diferenças que devem interrogar o investigador sobre a criança.

Ao trazer o conceito de especularidade para discutir as


reproduções, procurei mantê-lo em posição de alteridade, evitando
identificar uma à outra. Penso ter podido como disse, De Lemos,

“não (...) servir[-me] da teoria lingüística nem para descrever a fala da


criança, nem para representação de seu conhecimento, mas tomar [a

88
especularidade] como um saber, que nos oferece restrições às respostas que
podem ser dadas ao que, da criança, nos interroga ” (1999: 49).

Assim, procurei sustentar o reconhecimento de singularidades sob


o rótulo ecolalia e procurei sustentar o fato de que essa fala não coincide
com a de crianças em processo de aquisição da linguagem. Se ao lado
disso, a especularidade é “incorporação da fala do outro”, para dizer do
efeito patológico de uma coincidência entre fala da criança e fala do
adulto, parece que o mito de Narciso59 se presta a essa finalidade.

Diz-se que Eco foi amaldiçoada por Juno por tê-la distraído
com sua conversa, quando a deusa procurava surpreender seu marido
se divertindo com outras ninfas. Diante disso, Juno teria proferido as
seguintes palavras:

- Só falarás essa língua com a qual me iludiste, para uma coisa de


que gostas tanto: responder. Continuarás a dizer a última palavra, mas
não poderás falar em primeiro lugar.

Ou seja, Eco foi condenada a reproduzir a última palavra que


ouvisse, sem poder dizer o que pretendesse. Nessa época, Eco ainda
tinha forma, não era apenas uma voz. A ninfa apaixonou-se por Narciso,
que caçava nas montanhas, e seguiu seus passos. Mas, condena que
estava a não poder dirigir-lhe palavras para conquistar seu afeto, esperou
que ele falasse primeiro. Certo dia, Narciso gritou procurando por seus
companheiroT2: “Há alguém aqui?” e ouviu “aqui”. Olhou em torno e
não viu ninguém. Gritou novamente: “Vem”, e ouviu mais uma vez:
“Vem”. Inquieto, replicou: “por que foges de mim?”. Essas palavras se
reproduziram e ele propôT2: “Vamos nos juntar”. Novamente, ouve o
que ele próprio disse. Eco aceita a proposta de Narciso, e corre na sua

59
Apresento acima a versão de Bulfinch e Ovídio.

89
direção pronta para se lançar em seus braços. Ao se aproximar,
entretanto, Narciso lhe diz: “Afasta-te, prefiro morrer a deixar que me
possuas”. Narciso foge. Rejeitada, desprezada e envergonhada, Eco
passou a viver em cavernas vazias, seu corpo definhou, suas carnes
desapareceram e dela só restou a voz. Sua presença/existência, só era
notada quando e toda vez que ecoava a última palavra proferida por
alguém.

Note-se que o sintomático da fala de Eco corre por conta “da


coincidência” com a fala do outro, de um “acerto” exagerado, de uma
mesmice pertubadora que, para Narciso, era equivalente à própria morte,
morte em vida. Mas o quê, nessa fala de Eco, produz esse efeito em
Narciso?

Vimos que a fala de Eco era uma condenação feita por Juno: a de
nunca falar em primeiro lugar, ou seja, a de não falar em primeira pessoa
– falar sem se enunciar como sujeito. Fala, portanto, vazia, desabitada.
Note-se que, diferentemente, as falas de Narciso eram perguntas
dirigidas ao outro e que esperavam respostas. Se assumirmos que toda
fala é uma demanda para o outro, podemos dizer que é o outro quem
legitima essa fala, quem reconhece nela uma posição e uma demanda.
Para isso, é preciso que o outro assuma uma posição diferente em relação
aquele que ‘falou primeiro’. Uma posição só pode ser definida em
relação à outra. Sem isso, há diluição de ambas as posições, o que é
aterrorizador. Narciso preferia morrer a ser possuído por Eco, ou seja,
ser ‘des-possuído’ de si, de sua fala. “Possuir”, nesse caso, é fazer duas
vozes virarem uma só. É ‘engolir’, ‘sugar’ esse falante outro, é não
reconhecer a alteridade, a diferença.

Pode-se chegar, então, mais perto de um entendimento das falas


dos pais de meus pacientes, que não reconhecem, no que seus filhos

90
dizem, uma “fala”: “falar ele fala (...) e o pior é que ele fala”; ou então,
“não é aquela criança que dá para conversar (...) ele fica repetindo (...)
não tem resposta”. Falas que não respondem, mas reproduzem. “Pior”
que não falar é, portanto, falar deste modo.

Mas, e quanto Narciso frente a essa fala que só “responde”, ou


melhor, reproduz? Responder, na fala condenação de Juno, tem o sentido
de reproduzir. O que seria uma fala? Sempre uma demanda para o outro,
um pedido de legitimação do outro como falante. O que é preciso, então,
para reconhecer uma fala como tal? Não basta pronunciar palavras de
uma língua. Não basta, também, para o outro, que ele apenas reconheça
que as palavras pronunciadas sejam de sua língua (ver Novaes, 1995).
Parece que no caso da ecolalia o outro não pode reconhecer essa fala
como fala de criança, não pode, portanto, legitimá-la como fala.
Diferença notável em relação ao outro implicado na “especularidade”,
que legitima as produções da criança como fala.

Nas ecolalias o “falar a mesma língua” é obturado pelo “falar a


mesma coisa”, o que significa a não legitimação nem da criança, nem do
outro como falantes, uma vez que o outro não é sancionado em seu dizer
pela criança (e vice-versa). Na reprodução não há demanda para o outro,
e a fala se perde numa voz.

Acredito mesmo que o termo “re-petição”60, enquanto pedido,


demanda, seja inadequado para designar ecolalias. Como procurei
mostrar, meus pacientes pareciam não ter demanda para o outro, suas
falas não reclamavam resposta. Reprodução é recolocação do mesmo,
sem diferença. A rigor, diferença pode haver se considerarmos casos, em
que, empiricamente a criança não repete o todo da fala do outro, apenas
parte. Intrigante é que, mesmo essa diferença entre falas é obscurecida

60
Agradeço á Dora Ângela Vorcaro por esta pontuação.

91
nas ecolalias. Talvez porque a reprodução de fragmento venha como
uma reverberação, um prolongamento da fala da terapeuta que não faz
distinção entre falas e cria obstáculo a instituição de um diálogo.

O impacto maior desta dissertação sobre mim remete a questões


relacionadas à clínica de linguagem, à minha posição como terapeuta e à
necessidade de discussão sobre a “interpretação”. Se, como disse, minha
direção neste trabalho foi outra, admito que permaneço indagada por
essas falas que agora passam a interrogar minha atuação como terapeuta.

Se essas falas produzem o efeito de não serem reconhecidas como


falas, não me parece possível e plausível sustentar o mesmo para um
clínico de linguagem. Entendo que ele não pode fazer como Narciso, que
ele deve enfrentar a condenação de uma fala de não ser admitida como
tal. Não vou me precipitar e correr o risco de recobrir estas questões com
explicações apressadas. Para o próximo passo fica, então, a questão: o
que legitimaria o outro na posição de terapeuta frente a essas falas?
Trata-se de uma questão clínica.

92
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