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Direito Comercial II | António Menezes Cordeiro
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As doutrinas clássicas: o desenvolvimento geral da autonomia da personalidade
coletiva constituiu um dos fatores de sedimentação das sociedades. O pensamento jurídico
atual, no tocante à personalidade coletiva, deve-se a Savigny. Além disso, tem-lhe sido
imputada a teoria da ficção: a primeira das doutrinas clássicas sobre o tema. A personalidade
coletiva incluiu-se entre os institutos privados definitivamente marcados por Savigny. Dela,
Savigny deixou-nos uma ideia geral, uma construção técnica, uma explicação teórica e uma
cobertura ideológica.
1. Savigny: em termos gerais, pessoa é todo o sujeito de relações jurídicas que,
tecnicamente, não corresponda a uma pessoa natural, mas que seja tratado como
pessoa, através de uma ficção teórica: situação que se justifica para permitir
determinado escopo humano. O pensamento de Savigny passou a constituir ponto
de partida obrigatório para os diversos estudos sobre a dogmática da personalidade
coletiva, até aos nossos dias. Essa leitura de Savigny foi posta em causa por Flume.
2. Flume: segundo este autor, Savigny conhecia bem a existência de um substrato real,
subjacente às pessoas coletivas. A referência a uma ficção, em sentido próprio, teria
resultado de um mal-entendido na leitura de Savigny; haveria, na verdade, apenas,
uma transposição. Savigny parece indicar que, na verdade, quando ele falava em
ficção, não lhe dá o sentido de fingimento, que o termo adquiriria na literatura
posterior. Nesse sentido, Flume tem razão: a verdadeira teoria da ficção surgiria mais
tarde, podendo ainda acrescentar-se que, além disso, ela tem raízes bem anteriores a
Savigny. Não pode, contudo, ignorar-se que o qualificativo ficção tinha um imediato
alcance dogmático. Ao efetuá-lo, Savigny não pretendia lucubrar sobre teorias mas,
pelo contrário, apontar um regime.
Ora há dois pontos do regime das pessoas coletivas que – mau grado o silêncio da doutrina
– derivam da natureza essencialmente ficciosa do fenómeno da responsabilidade coletiva: a
impossibilidade de aplicação analógica das normas ficciosas e a irresponsabilidade, penal e
civil aquiliana, das próprias pessoas coletivas. A recondução da personalidade coletiva à mera
categoria de ficção punha em jogo a sua própria subsistência. A questão tinha de ser
formalizada, com frontalidade: em que medida não seria a personalidade coletiva mais do
que um expediente técnico, para prosseguir determinados objetivos?
1. Jhering responde afirmativamente a essa questão. E fá-lo com argumentos
ponderosos. Desde logo, coloca o tema da personalidade depois do do direito
subjetivo que, sabidamente, define como o interesse juridicamente protegido. O
primeiro elemento do direito subjetivo seria o interesse. Como segundo elemento
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2. Manuel de Andrade, aliás com uma referência a Ferrara, apresenta a pessoa coletiva
como um produto da ordem jurídica ou uma realidade do mundo jurídico, na qual o
essencial é o elemento jurídico.
3. Mota Pinto: neste autor reaparece a fórmula de Andrade em que, simplesmente, dá-
se uma caminhada no sentido da sua formalização, em termos que, a ter havido
evolução, poderiam ter levado a opções de tipo analítico ou normativista, mais
modernas.
4. José Dias Marques, que perto esteve dessa evolução, após percorrer as tradicionais
classificações das doutrinas, acaba por fixar-se numa orientação jurídica e realista, 4
definido a pessoa como mera suscetibilidade de direitos e obrigações.
5. Paulo Cunha e Castro Mendes ficaram mais próximos de um realismo jurídico
tradicional, à semelhança de diversa doutrina que os antecedeu e que lhes sucedeu.
6. Coutinho de Abreu, apenas neste autor e de modo muito sintético se tentaria
superar o realismo mais tradicional.
Cumpre apreciar. O realismo jurídico é uma formula vazia: ela só significa algo pelo que cala:
a inviabilidade das construções que a antecederam. Na verdade, a personalidade coletiva é,
seguramente, personalidade jurídica e, daí, uma realidade jurídica. Mas com semelhante
tautológica, pouco teremos avançado, no sentido de determinar a sua natureza. Wieacker
procura apresentar toda esta situação sob cores mais amenas: as diversas teorias não seriam
concorrentes, mas complementares. Contudo, isso não parece possível: de um modo geral,
as diversas teorias apresentam-se globais. Chegamos a este ponto, restaria concluir pelo
esvaziamento do conteúdo da pessoa coletiva: esta assumiria, hoje, um puro conteúdo
técnico-jurídico, não tendo qualquer significado discutir teorias. O panorama atual relativo à
determinação da natureza da personalidade coletiva mantém-se pouco animador. Em termos
quantitativos, ele mantém-se dominado pelas orientações realistas, tecnicistas, pragmáticas
ou agnósticas. No entanto, alguns autores, conservando acesa a chama da Ciência do Direito,
têm procurado ir mais longe, aprofundando o problema.
7. Menezes Cordeiro: afigura-se útil aproveitar algumas conclusões propiciadas pela
ponderação das inúmeras teorias, historicamente surgidas, para explicar a essência da
personalidade jurídica. Temos por assente que, pelo menos no campo da
personalidade coletiva, o tempo das descobertas intuitivas geniais acabou com
Savigny. A pessoa do Direito deve surgir como uma realidade independente; ela deve
dar azo a conceitos dogmaticamente operacionais; ela pode aproveitar as diversas
teorias historicamente ocorridas. Há que entroncar, aqui, um dos mais estimulantes
filões da atualidade e que tem sido dedignado corrente analítica ou corrente
normativa, sem com isso, se pretender uma unificação desses termos. Quando, em
Direito, se fala na personalidade coletiva, pretende-se, quando não se teorize,
exprimir um regime jurídico-positivo. A pessoa coletiva é, antes do mais, um
determinado regime, a aplicar aos seres humanos implicados. Estes podem ser
destinatários diretos de normas; mas podem-no ser, também, indiretamente, assim
como podem receber normas transformadas pela presença de novas normas,
agrupadas em torno da ideia de pessoa coletiva. No caso de uma pessoa de tipo
corporacional, os direitos da corporação são direitos dos seus membros.
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Simplesmente, trata-se de direitos que eles detêm de modo diferente do dos seus
direitos individuais. Referir, em Direito, uma pessoa é considerar a presença de uma
entidade destinatária de normas jurídicas e portanto: capaz de ser titular de direitos
subjetivos ou de se encontrar adstrita a obrigações. A afirmação da personalidade
será, pois, a consideração de que o ente visado pode autodeterminar-se, no espaço
de legitimidade de que o ente visado pode autodeterminar-se, no espaço de
legitimidade conferido pelos direitos de que seja titular, e deve agir, no campo das
suas adstrições. O modo por que vão ser exercidos os direitos e cumpridas as
obrigações já não é esclarecido pela afirmação sumária da personalidade: isso
dependerá de múltiplas outras normas jurídicas, cuja aplicabilidade, no entanto, 5
postula a personalidade e deriva dela. Qualquer norma de conduta – permissiva ou
de imposição – será sempre, em última análise, acetada por seres humanos
conscientes, o que é dizer, por pessoas singulares capazes. Qualquer fruição de bens
será, também, sempre sentida, em última instância, por pessoas singulares e isso não
obstante, muitas vezes (quase sempre?) a verdadeira fruição exigir um compartilhar
de vantagens. Por razões históricas, culturais, económicas, práticas, linguísticas ou
casuais, as normas assumem, com frequência, fórmulas indiretas para atingir os seus
destinatários. Em Direito, pessoa é, pois, sempre, um centro de imputação de normas
jurídicas, isto é: um polo de direitos subjetivos, que lhe cabem e de obrigações, que
lhe competem. A pessoa é singular, quando esse centro corresponda a um ser
humano; é coletiva – na terminologia portuguesa – em todos os outros casos. Na
hipótese da pessoa coletiva, já se sabe que entrarão, depois, novas normas em ação
de modo a concretizar a imputação final dos direitos e dos deveres. Digamos que
tudo se passa, então, em modo coletivo: as regras, de resto infletidas pela referência
a uma pessoa, ainda que coletiva, vão seguir canais múltiplos e específicos, até
atingirem o ser pensante, necessariamente humano, que as irá executar ou violar. O
Direito poderia ter encontrado qualquer outra expressão para designar os centros
coletivos de imputação de normas jurídicas, que não a de pessoa. Não o fez. Numa
receção cultural, cujo mérito remonta a Savigny e seus antecessores, aos
jusracionalistas e, mais longe, aos canonistas, procedeu-se à transposição da própria
figuração humana: pessoa. Houve transposição: é bom lembrá-lo e, aqui, o retorno a
Savigny surge inevitável e é saudável. Mas transposição, quanto possível, efetiva.
Tanto basta – e seria possível mais? – para que a referência a uma pessoa coletiva,
para além da imediata eficácia técnica, no plano da aplicação de normas jurídicas,
envolva representações ético-normativas, determinantes na aplicação de normas e
princípios. A focagem deste ponto – essencial, na nossa construção e isso com
múltiplas consequências dogmáticas e regulativas – é mais do que sobeja para
substancializar a personalidade coletiva.
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O problema nas sociedades civis puras; a discussão: o Código Civil não atribui,
com clareza, personalidade coletiva às sociedades civis que regula. Mas também não a nega.
O autor do anteprojeto – o Professor Ferrer Correia – teve a seguinte ideia: 19
«Foi de caso pensado que não propusemos a inserção no Projeto de qualquer norma consagrando
ou repudiando, neste capítulo das sociedades civis, o conceito de personalidade coletiva. (...) esse
é um problema de dogmática, com que o legislador não tem de se preocupar».
Temos, ainda, duas precisões. Em primeiro lugar, não é uma mera questão de conceito: antes
de construção dogmática, envolvendo consequências de entendimento e de regime.
Seguidamente: estamos perante um tema português clássico, discutido há mais de um século
e não de uma temática importada. Num momento em que a defesa do Direito Português
deve constituir prioridade absoluta, não podemos deixar cair no esquecimento as nossas
questões mais debatidas e, ainda, por resolver. Na origem da discussão ora em estudo, surge-
nos
1. Dias Ferreira que, anotando a sociedade civil no Código de Seabra, a considera
como:
«pessoa jurídica com direitos e obrigações, não só entre os seus membros, mas em relação
a terceiros».
2. Guilherme Moreira vem tomar posição diversa. Para ele, a personalidade só surgiria
quando se verificasse uma total independência patrimonial em relação aos sócios ou
associados. Isso leva-o a considerar as sociedades anónimas como pessoas coletivas;
já as sociedades em nome coletivo não o seriam, outro tanto sucedendo com as
sociedades civis puras.
3. José Tavares, vem tomar posição oposta: as sociedades civis puras teriam uma
verdadeira personalidade jurídica. De facto, diversos preceitos do Código de Seabra
reconheciam, na sociedade civil, uma entidade juridicamente diferenciada dos seus
sócios.
4. Cunha Gonçalves vem negar a personalidade coletiva das sociedades puras. Invoca
argumentos de tradição e explica que a sociedade é de tomar como sentido de os
diversos sócios.
Após a publicação do Código Civil 1966, o problema manteve-se: o legislador entendeu,
como vimos – pensamos que bem – não resolver expressamente o problema, remetendo-o
para a doutrina. A doutrina dividiu-se.
Contra a personalidade coletiva das sociedades civis puras manifestaram-se
Ferrer Correia, Pires de Lima e Antunes Varela, Mota Pinto e Isabel
Magalhães Collaço.
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A favor, com algumas reservas, depunha Paulo Cunha; também com reservas, ele é
propugnada por Marcello Caetano, Castro Mendes, Carvalho Fernandes e
Pedro Pais de Vasconcelos.
5. Menezes Cordeiro: quando a lei, de modo expresso e eficaz, reconheça
personalidade coletiva a uma entidade está, por essa via, a determinar a aplicação de
certas normas: de outro modo, a qualificação pessoa coletiva ficaria no vazio. A
personalização de um ente artificial cria uma entidade oponível erga omnes, com
direitos – incluindo de personalidade! – próprios, uma esfera específica e todas as
prerrogativas que acompanham as pessoas, em Direito. Compreende-se, por isso,
que as pessoas coletivas devam adotar figurinos normalizados, sujeitando-o, ainda, a 20
uma certa publicidade. De outro modo, não seria curial opor tais pessoas coletivas a
terceiros: estes não podem ser confrontados com a necessidade de respeitar situações
que não conheciam nem podiam conhecer. Mas a lei pode não ser expressa: antes se
limitando a prever um regime que, por razões de harmonia sistemática, obrigue o
intérprete-aplicador a formular o juízo ético-valorativo da personalização. No fundo,
é sempre de um regime adequado que se trata. A análise do articulado legal vigente
mostra, com relevo para o problema, preceitos que:
Referem diretamente direitos e deveres como sendo da sociedade;
Parece claro que o Código Civil se exprime, neste complexo, em modo coletivo. Será
quimérico tentar convolar todas as regras em que se refere a sociedade para regras
reportadas aos sócios: é toda uma subsequente questão de regime, comum às diversas
pessoas coletivas, saber como tais regras chegam, depois, aos destinatários últimos
que as devam cumprir. O FNPC abrange informação relativa às sociedades civis
(artigo 4.º, n.º1, alínea a) RNPC). O seu artigo 42.º dispõe expressamente sobre as
denominações das sociedades civis sob forma comercial. Não fica, todavia, clara a
obrigação de inscrição no RNPC: o artigo 6.º do correspondente diploma refere
pessoas coletivas, não sendo seguro que as sociedades civis puras fiquem abrangidas.
Contudo, o artigo 10.º, n.º1 RNPC sujeita a inscrição no FNPC factos relativos às
entidades referidas no artigo 4.º, n.º1, alínea d) RNPC. Quer isto dizer que as
sociedades civis puras devem ser inscritas no RNPC. Esta obrigação envolve a de
adotar uma denominação; ela torna-se efetiva, nos termos do artigo 54.º, n.º2, quando
a sua constituição de concretize por escritura pública: parece que este preceito terá
de se aplicar à própria constituição das sociedades civis puras, independentemente
de serem, a priori, pessoas coletivas. A sociedade civil pura, constituída por escritura
pública ou equivalentes, dotada de denominação, devidamente inscrita no RNPC,
dado o âmbito dos artigo s980.º e seguintes CC, é uma pessoa coletiva em tudo
semelhante às demais sociedades. Mostram-se assegurados os diversos interesses e
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de atos. Dir-se-ia, assim, que certa categoria de pessoas coletivas não se poderia dedicar a
certas categorias de atos. Mas não: por verosímeis que pareçam os exemplos que se
encontrem, poderia sempre suceder que, em concreto, um ato estranho se mostrasse
justificado. Apenas na base de leis específicas se torna possível limitar a capacidade das
pessoas coletivas. O princípio da especialidade, como elemento limitador da capacidade
jurídica das pessoas coletivas, tende, assim, a ser abandonado. Citamos José Tavares:
«Desde que a lei reconhece a existência de uma personalidade jurídica, esta tem, em princípio
geral, a capacidade de uma pessoa física, excetuando apenas os direitos que, por sua natureza
ou pelo seu fundamento, lhe não podem realmente pertencer, como são os direitos relativos ao
estado civil das pessoas físicas e os de sucessão ab intestatio, e aqueles que a lei lhes recusa 23
expressamente, ou indiretamente, determinando taxativamente a área da sua capacidade
jurídica».
O Professor Ferrer Correia, grande comercialista, tentou, há mais de meio século e como
vimos, que o princípio da especialidade não fosse incluído no Código Civil. Foi, pois, num
puro refluxo concetualista, que nenhum estudo de campo soube amparar, que o Código das
Sociedades Comerciais, no seu artigo 6.º, n.º1, o veio como que ressuscitar. Também a
jurisprudência tem vindo a subalternizar o princípio da especialidade: a capacidade das
pessoas coletivas obedeceria a um regime de ilimitação.
O problema dos atos gratuitos e das garantias: o grande campo de eleição para
as restrições à capacidade de gozo dos entes coletivos é o dos atos gratuitos, que poderiam
ser contrários aos fins da pessoa coletiva, particularmente se ela fosse uma sociedade. A
doutrina tende a abandonar tais construções. Desde logo, ficam de fora os donativos
conformes com os usos sociais: nem são havidos como doações (artigo 940.º, n.º2 CC). O
artigo 6.º, n.º2 CSC também considera não serem contrárias ao fim da sociedade «as
liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria
sociedade». Vamos porém mais longe: e a doação verdadeira e pura ficará fora da capacidade
de uma sociedade? A prática de doações ou atuações non profit é, hoje, uma indústria, por
parte de instituições lucrativas e muito bem geridas. O próprio legislador consagra um
Estatuto de Mecenato, como modo de atrair certas doações. Nenhuma razão se visualiza
para considerar as doações fora da capacidade de qualquer pessoa coletiva, mesmo tratando-
se de uma sociedade. Em casos concretos, determinadas doações poderão ser inválidas: mas
por força de regras específicas, que as proíbam. Resta concluir: o denominado princípio da
especialidade não restringe, hoje, a capacidade das pessoas coletivas: tal como emerge do
artigo 160.º, n.º1 CC, ele diz-nos, no fundo, que todos os direitos e obrigações são, salvo
exceções abaixo referidas, acessíveis às pessoas coletivas. Subproblema muito relevante é o
da prestação de garantias a terceiros. Tal prestação poderia surgir como um favor e, portanto,
como um ato gratuito, que iria depauperar o património do garante, à custa dos sócios e dos
credores. Mas pode ser uma atividade lucrativa: pense-se nos bancos, que prestam garantias
a troco de comissões. O artigo 6.º, n.º3 CSC dispõe sobre as garantias. Fê-lo, porém, usando
uma linguagem desnecessariamente qualitativa: «considera-se contrária ao fim da sociedade a
prestação de garantias…». Mas justamente: a parte puramente qualitativa não vincula o
intérprete-aplicador. De acordo com as regras de interpretação, o artigo 6.º, n.º3 CSC proibiu,
pura e simplesmente, as sociedades de prestar garantias, salvo nas condições que ela própria
prevê. São elas:
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prevenir a acumulação de bens de mão-morta: mas herdeira tardia. Se bem atentarmos, não
há aqui um verdadeiro problema de (in)capacidade: há, sim, uma proibição legal. Pode
acontecer que a prática de determinado negócio se inscreva, perfeitamente, nas finalidades
coerentes de certa pessoa coletiva (ou de certa categoria de pessoas coletivas) mas que, não
obstante, o legislador proíba a sua celebração. Pode ainda suceder que o legislador proíba um
ato e, depois, o venha, sucessivamente, a permitir e a proibir de novo: não corresponderia a
uma Ciência do Direito harmónica e estável considerar que a capacidade de gozo de certa
sociedade se modificou, sucessivamente, ao abrigo de alterações legislativas… A
inobservância das limitações legais à possibilidade de prática pelas pessoas coletivas de certos
atos, conduz, em princípio, à nulidade do ato por violação de lei expressa (artigo 294.º CSC) 25
ou por ilicitude (artigo 280.º, n.º1 CSC): não por incapacidade. Como terceira categoria de
limitações específicas à atuação de sociedades temos as estatutárias. Os estatutos podem
limitar, pela positiva, a atuação da sociedade a que respeitem, restringindo-a à prática de
certos atos ou, pela negativa, vedar-lhe a prática de determinados atos. As competentes
disposições estatutárias limitam a capacidade de gozo da pessoa coletiva? À partida:
seguramente não. Apenas alei, seja pela técnica positiva das pessoas rudimentares, seja pela
negativa das proibições específicas, pode reduzir o campo de ação das sociedades ou das
pessoas coletivas em geral. As limitações estatutárias são, assim, meras regras de conduta
internas. Elas adstringem os órgão das pessoa coletiva a não praticar os atos vedados sem,
contudo, limitarem a capacidade das sociedades. É, de resto, essa a solução do artigo 6.º, n.º2
CSC, cuja generalização Às diversas pessoas coletivas não nos parece suscitar quaisquer
dúvidas ou dificuldades. A violação a esses limites estatutários poderia conduzir à invalidade
das inerentes deliberações sociais, em termos a ponderar caso a caso. O mesmo regime deve
ser aplicado às limitações deliberativas, isto é: às limitações que deliberações internas da
própria pessoa coletiva ponham à prática, por ela, de certos atos. O desrespeito por tais
deliberações responsabiliza o seu autor: a capacidade da pessoa coletiva mantém-se, porém,
intacta.
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sociedade e, no que aqui releva: o âmbito da representação (orgânica) dos titulares dos seus
órgãos. Para se desencadearem os efeitos próprios da representação (orgânica), basta que o
administrador pratique um ato invocando essa sua qualidade e o estar a agir em nome
(contemplatio domini) e por conta da sociedade. Não se requer qualquer autorização, para que
surja a imputação dos atos à sociedade. Fica sempre ressalvada a hipótese de má fé do terceiro.
A má fé é, aqui, o conhecimento da falta de poderes orgânicos (de representação) ou a
violação de um dever elementar de indagação de tais deveres. Assim e em regra: as sociedades
obrigam-se com duas assinaturas. Surgindo apenas uma, fácil é verificar se, in casu, o pacto
estabeleceu um esquema de vinculação por, apenas, um dos administradores ou, até, se
estamos perante um administrador único. A falsa invocação da qualidade de administrador, 27
não havendo registo, não permite a imputação à sociedade. ´
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A solução de responsabilizar as pessoas coletivas, em termos aquilianos, pelos atos dos seus
representantes e através do esquema da imputação ao comitente, não era satisfatória: nem
em termos jurídico-científicos, nem em termos práticos.
Passa-se, pois, a uma terceira fase: a pessoa coletiva responde diretamente pelos atos ilícitos
dos titulares dos seus órgãos, desde que tenham agido nessa qualidade. Em Portugal, a
responsabilização direta das pessoas coletivas, por atos dos seus órgãos, foi defendida por
Manuel de Andrade, em termos cuidadosos e convincentes. Um tanto na mesma linha Ferrer
correia, no seu anteprojeto distinguiu a responsabilidade da pessoa coletiva pelos ato e
omissões dos seus representantes estatutários, que era direta e resultante de atos e omissões
dos seus agentes e mandatários, que seguia os meandros da responsabilidade dos comitentes. 28
Infelizmente, esta contraposição perdeu-se nas revisões ministeriais. O artigo 165.º CC
uniformiza, sob a imputação ao comitente, os atos ou omissões dos representantes, agentes
ou mandatários. De, assim, azo às confusões subsequentes. Com uma agravante: contagiou
as próprias sociedades, como se alcança do artigo 998.º, n.º1 CC, e do artigo 6.º, n.º5 CSC.
Hoje, a possibilidade de submeter as sociedades ás diversas sanções está adquirida. Perante
o teor literal dos artigo 265.º e 998.º, n.º1 CC, reforçado, para mais, pelo artigo 6.º, n.º5 CSC,
que fala em «quem legalmente a represente», alguma doutrina tem sido levada a pensar que, para
efeitos de responsabilidade civil aquiliana, a pessoa coletiva é um comitente, sendo o titular
do seu órgão um comissário, de modo a aplicar o artigo 500.º CC. Há que procurar uma
solução alternativa: fácil, de resto, uma vez que beneficiamos da doutrina de Manuel de
Andrade e das de outros países, que se viram na situação de fazer evoluir o seu pensamento
na matéria. A pessoa coletiva é uma pessoa. Logo, ela pode integrar, de modo direto, «aquele
que, com dolo ou mera culpa», referido no artigo 483.º CC. A culpa – um juízo de censura!
– é-lhe diretamente aplicável: nada tem a ver, na conceção atual, com situações de índole
psicológica. O artigo 165.º CC não tema ver com a responsabilidade das pessoas coletivas
por atos dos seus órgãos: antes dos seus representantes (voluntários ou legais, porquanto nos
termos da lei), eventualmente constituídos para determinados efeitos, dos seus agentes e dos
seus mandatários. E aí já fará sentido para a imputação ao comitente. O Código Civil dá-nos,
ainda, um argumento sistemático, que depõe no mesmo sentido. O artigo 164.º, n.º1 fala em
obrigações e responsabilidade dos «titulares dos órgãos das pessoas coletivas»: expressão correta,
dentro do prisma da representação orgânica. Assim, quando no artigo 165.º refere os
representantes das pessoas coletivas, não pode querer dizer os mesmos «titulares dos órgãos»;
será uma realidade diferente e, designadamente: os representantes voluntários,
expressamente escolhidos para a concussão de um contrato ou para qualquer outro efeito.
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Pedro de Albuquerque
Oliveira Ascensão e Pedro
João Espírito Santo Menezes Cordeiro
Pais de Vasconcelos
Diogo Costa Gonçalves1
Violação
1Este autor, refere ser a única solução aproveitável a superação pura mas, por impossibilidade dogmática, refere
a cedência à solução, no seu entendimento, unicamente aproveitável: a da superação pela formulação positiva
do princípio.
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Atos Deliberações
Efetuados pelos representantes da Efetuadas pelos sócios (artigos 53.º e
sociedade (v.g. os elementos do órgão de seguintes CSC – e 256.º e seguintes CSC
administração) para as Sociedades por Quotas e 373.º e
seguintes CSC para as sociedades
anónimas)
e sendo os objeto e a capacidade representados da seguinte forma
α
30
O objeto da sociedade
β
α β A capacidade da sociedade
χ
χ O que se encontra fora da capacidade
e do objeto
Temos prática de
Atos Deliberações
Fora da A consequência é a A consequência também é a
nulidade: nulidade:
capacidade Menezes Cordeiro – artigo Menezes Cordeiro – artigo
(χ) 180.º CC 56.º, n.º1, alínea c) CSC;
Restante doutrina – artigo Restante doutrina – Artigo
294.º CC. 56.º, n.º1, alínea d) CSC
Temos prática de
Atos Deliberações
Artigo 6.º, n.º4 CSC – o ato Sofrem anulabilidade (artigo
é válido, já que o objeto não 56.º, n.º1, alínea a), ex vi
limita a capacidade. artigos 9.º, n.º1, alínea d) e
Dentro da Mas é eficaz? 11.º CSC) e uma eventual
capacidade SQ
artigo Sim, salvo
responsabilidade nos termos
do artigo 72.º CSC do
mas fora do 260.º
CSC
terceiro de má fé administrador, com eventual
despedimento por justa causa.
objeto SA
artigo Sim, salvo 3.º de
(β-α) 409.º
CSC
má fé
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Se sim Se não
Pode ser prestada Não pode ser prestada
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Donde, seguindo Menezes Cordeiro, o interesse definido pela sociedade através dos sócios
é um interesse em sentido subjetivo (relação de apetência entre o sujeito e o objeto que realiza
nas suas atividade). Ou seja, ele é feito numa sintetização, descendente, pela:
1. Lei;
2. Contrato de Sociedade;
3. Sócios;
4. Administração: só esta precisa e deixa antever o que é o interesse da sociedade.
Donde, a delimitação do interesse é feito através dos diversos órgãos da sociedade que
definirá o interesse para os sócios enquanto sócios: o interesse em sentido objetivo. Ou seja, 32
é o terceiro que define a apetência a satisfazer as necessidades do sujeito. Tal juízo tem de
ser feito sempre no momento em que se praticam os atos.
Mas como articular os artigos 6.º, n.º3, 64.º, n.º1 e 72.º, n.º1 CSC?
Fixa a bitola de
diligência Se não forem feitos sob tal
normativa juízo, aplicar-se-á o regime da
aplicáveis aos responsabilidade dos
casos administradores ou gerentes.
Quanto às relações de grupo e à prestação de garantias, a 2.ª parte do n.º3 do artigo 6.º CSC:
Grupos de sociedades
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abuso de forma jurídica de uma pessoa coletiva: o juiz deve abstrair da estrita separação
entre os membros e a corporação, quando haja abuso da pessoa coletiva; há abuso quando,
com recurso à pessoa coletiva, se contorne uma lei, se violem deveres contratuais ou se
prejudiquem fraudulentamente terceiros. A sede jurídica residiria na boa fé, embora no fundo
se assistisse à violação da própria personalidade coletiva. Serick refere, ainda, diversas
possibilidades, como a ocorrência de comportamentos contraditórios. A pessoa coletiva não
deve igualmente ser usada para – ou abusada para – frustrar o escopo de uma norma ou de
um negócio; também os escopos de regras dirigidas a pessoas singulares devem prevalecer.
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também, a nível de exposição. Somos por isso levados a admitir institutos de enquadramento.
Trata-se de institutos que reúnem em função de pontos de vista ordenativos – porventura,
mesmo: periféricos – figuras que, de outro modo, ficariam dispersas. A junção assim
conseguida poderá, à partida, ter escasso conteúdo dogmático. No entanto, esse conteúdo
surge após a procurada ordenação. O espaço criado permite aprofundar o velho mote de
tratar o igual de modo igual e o diferente, de forma diferente, de acordo com a medida da
diferença. O levantamento é um instituto de enquadramento, de base aparentemente
geográfica, mas com todas as vantagens científicas e pedagógicas dele decorrentes.
Guardadas as devidas distâncias, outro tanto se passa com a própria boa fé. Reunindo
institutos de origens muito diversas – culpa in contrahendo, abuso do direito, alteração das 39
circunstâncias, complexidade intraobrigacional e interpretação do contrato – a boa fé
permitiu afeiçoá-los a todos, inserindo-os, de modo mais cabal, na complexidade do sistema.
Regressemos às experiências práticas de levantamento, jurisprudencial e doutrinariamente
documentadas. Mau grado a variedade de situações, é possível reconduzi-las a três grandes
grupos:
Situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de
proteção;
Situações de interpretação integrada e melhorada de normas jurídicas;
Situações de abuso do direito ou, se se preferir: de exercício inadmissível de posições
jurídicas.
No fundo, as teorias historicamente surgidas para explicar o levantamento estão todas
representadas: a teoria subjetiva de Serick cobre as hipóteses de responsabilidade civil; a
teoria do escopo das normas, de Müller-Freienfelds, tem a ver com a interpretação integrada
e melhorada de normas jurídicas; a teoria objetiva ou institucional visa o abuso do direito.
Resta concluir: as diversas teorias documentam facetas próprias do levantamento,
correspondendo a progressões da mesma ideia. Elas não se opõem: completam-se. Posto
isto, grupos inteiros de casos que lhe são reconduzidos poderiam ser recolocados noutros
institutos: na responsabilidade civil e nas diversas normas cuja interpretação melhorada
permite, in concreto, julgar que o legislador decidiu reportar-se diretamente a situações
subjacentes à pessoa coletiva considerada. Um último núcleo concentrar-se-ia, como rubrica
pequena e vagamente autónoma, no abuso do direito. Má solução: apesar da apontada
fragmentação dogmática, apenas a ideia global do levantamento permite: alcançar novas e
mais apuradas hipóteses de responsabilidade civil; obter perspetivas aprofundadas de
interpretação normativa; conquistar vias mais finas de concretização da boa fé. Ainda que
como (mero) instituto de enquadramento, o levantamento tem uma eficácia dogmática: a
natureza sistemática do pensamento jurídico a tanto conduz. No fundamental, o
levantamento traduz uma delimitação negativa da personalidade coletiva por exigência do
sistema ou, se se quiser: ele exprime situações nas quais, mercê de vetores sistemáticos
concretamente mais ponderosos, as normas que firmam a personalidade coletiva são
substituídas por outras normas. Em estudos anteriores, procurámos fazer uma distinção
entre
Levantamento amplo: abrangia todas as situações de levantamento,
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Levantamento estrito: reportar-se-ia apenas àquelas em que isso ocorra por exigência
da boa fé.
A distinção tem alguma utilidade, desde que não nos esqueçamos de que mesmo o
levantamento amplo tem eficácia dogmática, ajudando a localizar problemas e a apontar
soluções. No Direito português, as facilidades legislativas permitiriam mesmo prever, em lei
expressa, problemas típicos do levantamento: é o que sucede com a responsabilidade do
sócio único, hoje vertida no artigo 84.º CSC. Outros casos poderiam seguir destino
equivalente sem, todavia, esgotarem o filão: a própria evolução das sociedades e da economia
acaba por gerar novos problemas, exigindo novas soluções de levantamento, a retirar da boa
fé e do sistema. Pense-se nas multinacionais que atuem, sem rosto, através de fachadas 40
societárias, para se esquivarem a responsabilidades ou ao risco próprio das atuações que
desenvolvam. A redução dogmática proposta confirma a noção de personalidade coletiva,
acima preconizada. Esta, sem prejuízo pela dimensão ético-normativa que necessariamente
a enforma, é um produto da ordem jurídica, estabelecido por esta, de acordo com os critérios,
que lhe são próprios. E porque assim é, o sistema conserva um controlo intrínseco, no mais
fundo plano ontológico, sobre a personalidade e os seus limites. Em suma: apenas uma
essência normativa da personalidade se compadece com limites internos. Fosse ela uma
realidade extrínseca e todos os limites seriam, também, exteriores. Pela mesma via,
confirmamos e recuperamos um dos dados da moderna teoria da personalidade coletiva: a
da sua relativização. Ela não integrará um dado absoluto, antes se inserindo no sistema e nos
seus valores.
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Segundo Ana Perestrelo, nos grupos de sociedades, face à relação de grupo, há uma exceção
(uma deviance) a este princípio, um desvio: donde, se a sociedade-filha não tem capacidade de
se autodeterminar, pois é a sociedade-mãe que a determina, a sociedade mãe é quem
responde pelas dívidas da sociedade-filha. Porém, nesses casos, havendo uma proximidade
valorativa, não é necessário que se invoque o instituto da desconsideração da personalidade
coletiva, sendo que este é a válvula de escape regulativa (aplicável na falta de qualquer outro
instituto – não se esqueça que este é um instituto de enquadramento, que reúne num instituto
o que de outras formas estariam dispersos, como a boa fé, o abuso de Direito, devido às
valorações sistemáticas).
42
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Sentido geral e aspetos periféricos: diz-se haver lealdade na atuação de quem aja de
acordo com uma bitola correta e previsível. Perante uma pessoa leal, o interessado dispensa
a sua confiança. Daí resultam, desde logo, os seguintes vetores:
A preferência: perante uma multiplicidade de hipóteses, o interessado será levado a 43
acolher a situação encabeçada por quem se afigure leal;
A entrega: justamente mercê da confiança depositada, o beneficiário irá baixar as
suas defesas naturais; deixará de tomar precauções que, de outro modo, seriam
encaradas;
O investimento: além da entrega passiva, o beneficiário poderá ir mais longe:
confiando, à pessoa leal, os seus próprios valores, crente de que eles serão
devidamente tratados.
Podemos apresentar a lealdade como o contraponto da confiança. Ou, pelo menos: daquela
que seja originada por uma conduta humana. A relação de lealdade envolve uma relação de
confiança na qual, o pólo ativo – o que suscita a confiança – é, precisamente, o indivíduo
leal. Se procurarmos decompor os elementos em que assenta a lealdade, encontramos dois,
já aludidos:
A previsibilidade da conduta;
A sua correção.
A previsibilidade está na base da confiança. Justamente por interessado poder,
subjetivamente, prognosticar a atuação futura de uma outra pessoa, surge, da parte dele, a
convicção que permite a preferência, a entrega e o investimento. A pessoa imprevisível não
é leal. O elemento subjetivo da prognose deve, todavia, ser completado com um fator
objetivo: o da correção da conduta na qual se confia. A verdadeira lealdade envolve a
observância de bitolas corretas de atuação. No Direito privado, encontramos quatro áreas
preferenciais de aplicação da lealdade:
A lealdade como dever acessório: acompanha as diversas obrigações, adstringindo
as partes a, por ação, preservar os valores em jogo, facultando as efetivas vantagens
aguardadas pelo credor; trata-se de um vetor especialmente marcante nas obrigações
duradouras, tendo vindo a dar corpo a regras cada vez mais precisas; no Direito
português, os deveres de lealdade enquanto deveres acessórios das obrigações
apoiam-se no artigo 762.º, n.º2 CC; a natureza específica dos vínculos constitui um
especial apelo à boa fé;
A lealdade como especial conformação de prestações de serviços: variará, aí, na
razão direta da confiança requerida; temos, aqui, uma manifestação mais intensa dos
deveres acessórios, que modelam a própria prestação principal;
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Direito comercial. Em especial, tem sido notada uma certa proximidade com a ideia da
empresa em si.
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2. Na retoma, avulta o pequeno mas rico princípio de Alfred Hueck sobre a ideia de
lealdade no Direito privado moderno: vem apoiar a lealdade na Ética; todavia, ela
alcançaria um significado no Mundo do Direito. Trata-se, depois, de ordenar as ideias
de boa fé, de bons costumes e de dever de lealdade. E propõe a seguinte pirâmide:
o O conceito mais geral é o de bons costumes: banham em geral, todo o
ordenamento, dando azo a responsabilidade aquiliana, quando violados com
dolo;
o A boa fé já é mais exigente e específica: pressupõe uma série de requisitos,
para se manifestar; 47
o O dever de lealdade surge ainda mais pesado e estrito: tem a ver com
uma especial ligação entre as pessoas; assim sucederia no contrato de trabalho.
O próprio Alfred Hueck questiona a hipótese de deveres de lealdade entre acionistas:
faltariam, aí, as relações pessoais entre os sócios. Ao contrário, nas sociedades em
nome coletivo onde, de toda a forma, de imporia a lealdade ao contrato.
Dos trabalhos de Hueck ressalta um ponto: o da necessidade de precisão de conceitos. A
lealdade não pode ser usada como algo de informe, suscetível de transmitir uma ideia
aprazível, mas sem conteúdo dogmático claro. Como evolução da literatura tradicional
podemos apontar uma certa funcionalização da lealdade. Por certo que, à partida, ela se
destinará a proteger as pessoas. Mas em que sentido?
3. Wieldemann sublinha o papel da lealdade na tutela das minorias, pelas razões
particulares e gerais que se conhecem;
4. Immenga recorda, além do conflito minoria/maioria, a separação entre a
propriedade e o domínio, subjacente as grandes anónimas e ao reforço dos deveres
requeridos para as necessárias composições.
Outros autores seguiam nestas vias. Tudo isto se insere no movimento geral da socialização
do Direito privado: empenhado, de modo assumido, em, sem perturbar o livre jogo
económico, proteger os fracos. Um especial avanço na literatura da lealdade foi o promovido
pelas decisões exemplares dos anos 70, 80 e 90 do século XX. Devemos aliás antecipar que
essa literatura não seguiu, apenas, a pista dogmática dos deveres de lealdade, antes se
alargando a áreas conexas da responsabilidade, aos grupos de sociedades e, até, à doutrina do
levantamento da personalidade coletiva. Toda esta matéria aponta, no seu conjunto, para a
necessidade de depurar o tema da lealdade: ele vai sobrepor-se com regimes técnico-jurídicos
mais precisos que se ligam à competência da assembleia geral, à responsabilidade dentro dos
grupos de sociedades e ao próprio levantamento da personalidade. Ora quando isso aconteça,
o dever de lealdade, como figura mais geral e, nessa medida, residencial, deve ceder em face
das realidade dogmáticas mais estritas. Finalmente, uma referência aos dogmáticos que têm
procurado uma reconstrução do conceito. Vamos reter dois:
5. Wiedemann: aponta, quanto aos deveres de lealdade, as suas breves aparições no
BGB e no HGB, bem como a impossibilidade de, com referência a eles, operar
qualquer subsunção. Posto isto, distingue três áreas de aplicação: a lealdade dos
sócios, a dos órgãos e a da maioria.
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Este preceito vem revogar o artigo 1714.º, n.º2 e 3 CC, ainda que seja possível compatibilizá-
lo com o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais. Uma tomada de posição
definitiva cabe ao Direito Civil (da família). Todavia, as justificações para a proibição histórica
de sociedades entre cônjuges não se quedam pelas proposições clássicas acima anunciadas,
todas rebatíveis. Valem, antes, criptojustificações: a necessidade de manter o status de
incapacidade da mulher casada; a ideia de que repugna mesclar o Direito Comercial e relações
entre cônjuges; e a evidência de que uma sociedade entre cônjuges poderia não ser uma
verdadeira sociedade mas, antes uma sociedade unipessoal. Tudo isto vem a regredir, quer
na frente civil, quer na comercial. Mas em compensação, a imutabilidade das convenções
antenupciais, até ser suprimida em futura reforma, é Direito vigente e deve ser respeitada. 51
Isto dito: a constituição de uma sociedade entre cônjuges pode (ou não ) atingir a
imutabilidade das convenções antenupciais. Assim, se ambos os cônjuges entrarem para uma
sociedade com todos os seus bens, presentes e futuros, poderemos estar perante um esquema
destinado a postergar os regimes da separação, ou da comunhão de adquiridos. Porém, se
subscreverem pequenas quotas ou umas quantas ações, o problema nem se põe. Haverá, por
isso, que compatibilizar o artigo 8.º CSC com o artigo 1714.º, n.º1 CC, verificando, contrato
a contrato, se a imutabilidade das convenções é respeitada. Para além disso, a constituição de
sociedades entre cônjuges, assumindo ambos responsabilidade ilimitada, é proibida, nos
termos do transcrito artigo 8.º CSC. É um resíduo histórico, tanto mais que, na prática
comercial e societária, qualquer operação bancária módica exige, como rotina, garantias dadas
por ambos os cônjuges. De todo o modo, a restrição do artigo 8.º CSC deve aplicar-se,
também, às sociedades civis puras: e não a proibição (considerada) absoluta do Código Civil,
na base de um princípio de diferenciação entre sociedades civis e comerciais que não tem,
hoje, já consistência. Mercê de um regime de bens, pode acontecer que uma participação
social seja comum a ambos os cônjuges. Nessa altura, por força do artigo 8.º, n.º2 CSC e nas
relações com a sociedade, será considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de
sociedade ou, sendo a participação adquirida posteriormente, aquele por quem a participação
tenha vindo ao casal. O n.º3 do mesmo preceito ressalva a administração do cônjuge do sócio
que se encontrar impossibilitado e os direitos mortis causa. Os menores podem ser partes em
contratos de sociedade. E poderão fazê-lo pessoal e livremente sempre que a sociedade em
vista esteja ao seu alcance, perante o artigo 127.º CC. De facto, não é viável, a priori, excluir
do campo dos atos facultados pessoal e livremente ao menor, a celebração de uma sociedade.
Fora isso, os menores poderão celebrar contratos de sociedade, através dos pais, como
representantes legais. Será, todavia, necessária a autorização do tribunal para entrarem nas
sociedades em nome coletivo ou e comandita simples ou por ações: artigo 1889.º, n.º1, alínea
d) CC. O óbice reside, aí, nos riscos derivados da ilimitação da responsabilidade. Tratando-
se de menor sob tutela, a entrada em qualquer sociedade deve ser autorizada, visto o disposto
no artigo 1938.º, n.º1, alíneas a), b) e d) CC. Este regime é aplicável, com as necessárias
adaptações, ao interdito: artigos 139.º e 144.º CC. Quanto ao inabilitado, tudo depende da
competente sentença: artigo 153.º, n.º1 CC.
Forma: o contrato de sociedade comercial é um contrato formal – artigo 7.º, n.º1 CSC.
Requer forma escrita com reconhecimento presencial das assinaturas dos subscritores, salvo
se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para
a sociedade. Acrescenta, ainda, a parte final do artigo 7.º,n.º1 CSC, «sem prejuízo de lei especial»:
um acrescento inútil, uma vez que qualquer preceito cede perante lei especial. Se
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Natureza: de acordo com diversa doutrina, não seria seguro que o denominado contrato
de sociedade surja, efetivamente, como um contrato. No contrato de sociedade: as diversas
declarações de vontade são idênticas e confluentes. Além disso, nos contratos comuns, os
efeitos produzem-se, como é de esperar, nas esferas jurídicas dos intervenientes. De modo
diverso: no contrato de sociedade, surge uma nova e terceira entidade: a própria sociedade
constituída. E para completar: o atual Direito das sociedades, nos diversos países, admite a
constituição de sociedades por ato unilateral. Tudo isto obrigaria a uma evidência: o ato
constitutivo da sociedade teria uma natureza específica, não-contratual. Como contraprova:
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§9.º - O conteúdo
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integração deverá seguir o prescrito no artigo 10.º CC, em vez de apelar a uma vontade
hipotética das partes (quais?). Quando as partes preparam os estatutos de uma sociedade,
elas têm a perfeita consciência de escrever para o futuro e, não, uma para a outra. Mesmo o
modo impessoal por que tais estatutos são redigidos implica, na raiz, uma intenção legiferante.
Assim sucede nas próprias sociedades de pessoas e no que tange a todas as cláusulas inseridas
nos contratos. Mantemos, pois, a natureza objetiva, de tipo legal, das interpretação e
integração do contrato de sociedade: que não haja receio em assumir as especificidades
próprias do Direito das sociedades. Apenas cumpre fazer duas cedências aos princípios gerais
de interpretação e de integração, acima enunciados:
O da presença de claúsulas extrassocietárias: corresponde a um último reduto das 58
pretensas cláusulas meramente obrigacionais. Sustentamos que estas devem ter o
mesmo tratamento do das organizacionais. Todavia, pode suceder que, num contrato
de sociedade, haja sido inserida, ao abrigo da liberdade contratual (artigo 405.º, n.º1
CC), alguma cláusula que, com o contrato de sociedade nada tenha a ver. Nessa altura,
ela seguiria os cânones interpretativos negociais comuns.
O da proibição de venire contra factum proprium: deriva da boa fé. In concreto não pode
uma parte adotar uma atuação societária assente numa (pretensa) interpretação
subjetiva do pacto, convencer outrem da excelência da conduta e, depois, prevalecer-
se da interpretação objetiva. A proibição de comportamentos contraditórios obrigaria,
no limite, o responsável a indemnizar os danos assim causados. Uma orientação
paralela deverá, como vimos, prevalecer no tocante à integração de lacunas. O artigo
239.º CC, faz apelo à vontade hipotética das partes. Ora o contrato de sociedade,
uma vez instituído o novo ente coletivo, liberta-se dos seus celebrantes iniciais. Além
disso, é oponível a terceiros, os quais devem poder prever as linhas de integração de
lacunas. Jogam, em suma, todas as razões que, quanto à própria interpretação,
recomendam soluções de tipo objetivo.
Tanto basta para abandonar uma integração de tipo subjetivo. Perante a lacuna estatutária,
queda recorrer à lei das sociedades comerciais; na falta desta, caberá seguir as vias subsidiárias
do artigo 2.º CSC e, no limite, as regras do artigo 10.º CC.
A firma: o artigo 10.º CSC contém diversas regras relativas à firma das sociedades
comerciais. Trata-se de matéria que pertence ao Direito Comercial e que, aqui, apenas será
aludida. Quanto às denominações das sociedades civis puras, haverá que recorrer ao RNPC,
como vimos. A firma da sociedade pode ser constituída, consoante se alcança do artigo 10.º,
nº.2 e 3 CSC:
Por nomes ou firmas de algum ou alguns sócios (firmas pessoais ou subjetivas);
Por denominação particular, quando seja composta por designações materiais,
atinentes à atividade social (firmas materiais ou objetivas) ou por designações de
fantasia (firma de fantasia);
Por denominação particular e nome ou firma (ou nomes ou firmas), simultaneamente
(firmas mistas).
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elementos não são considerados de uso exclusivo. Por fim, o princípio da estabilidade vem
a ser assegurado por todos os esquemas que se reportam ao RNPC e, ainda, às cautelas postas,
por lei, na alteração dos estatutos. A firma deve exprimir o tipo de sociedade em causa.
Nas sociedades em nome coletivo, ela deve contar (artigo 177.º, n.º1 CSC):
Ou os nomes de todos os sócios;
Ou o nome de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, e Companhia
ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios; p. ex.: e associados.
O papel da firma é tão importante que, se alguém que não for sócio, incluir o seu nome na 60
firma, ficará responsável pelas dívidas, nos termos do artigo 175.º: 177.º, n.º2, ambos CSC.
Como se vê, nas sociedades em nome coletivo, apenas se admitem firmas pessoais ou
subjetivas, o que vai ao encontro desse tipo social.
Nas sociedades por quotas, a firma deve ser formulada, com ou sem sigla:
Ou pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios;
Ou por uma denominação particular;
Ou por ambos.
concluindo, em qualquer dos casos, pela palavra Limitada ou pela abreviatura Lda. Admitem-
se, pois, firmas pessoais, firmas objetivas, firmas de fantasia ou firmas mistas. A propósito
das firmas das sociedades por quotas, o legislador reforça o princípio da verdade (artigo 200.º,
n.º1 e 2 CSC):
Na firma não podem ser incluídas ou mantidas expressões indicativas de um objeto
social que não esteja especificamente previsto na respetiva cláusula do contrato de
sociedade;
Alterando-se o objeto social e deixando-se de incluir a atividade especificada na firma,
a escritura de alteração não pode ser outorgada sem simultânea modificação da
mesma firma.
Em rigor e perante o artigo 10.º CSC a primeira exigência seria dispensável. A segunda tem
utilidade, uma vez que faz prevalecer o princípio da verdade sobre o da estabilidade. Porém,
a eficácia destes preceitos não é significativa. Nas sociedades por quotas unipessoais, a firma
deve ser formada pela expressão sociedade unipessoal ou pela palavra unipessoal antes da palavra
Limitada ou da abreviatura Lda (artigo 270.º-B CSC). Em tudo o mais terão aplicação das
regras atinentes às sociedades por quotas propriamente ditas (artigo 270.º-G CSC).
As regras relativas à firma das sociedades anónimas (artigo 275.º CSC) retranscrevem,
praticamente à letra, o disposto no artigo 200.º CSC para as sociedades por quotas. Apenas
com a diferença: em vez de Limitada ou Lda terá de surgir, agora, sociedade anónima ou S.A.
Perante o Direito em vigor, as sociedades anónimas poderão dispor de firmas pessoais, de
firmas materiais, de firmas de fantasia e de firmas mistas.
Quanto às sociedades em comandita, devem as respetivas firmas ser formadas, pelo menos,
pelo nome ou firma de um dos sócios comanditados, aditado pela expressão em Comandita ou
&Comandita ou – sendo uma comandita por ações –, em Comandita por Ações & Comandita por
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Ações (artigo 467.º, n.º1 CSC). O nome dos sócios comanditários não pode surgir na firma;
se isso suceder, esse sócio passa a ser responsável, perante terceiros e pelos negócios em que
figure a firma em causa, nos termos impostos aos sócios comanditados. O mesmo, de resto,
sucede a terceiros que facultem o seu nome para a firma (artigo 467.º, n.º2 a 5 CSC.
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fiscais, comerciais e até pessoas, as sociedades devem ter um local preciso, onde possam ser
efetivamente contactadas. Na falta de indicação da sede, surgirá, no caso de sociedades por
quotas, anónimas, ou em comandita por ações registadas, a nulidade (artigo 42.º, n.º1, alínea
b) CSC), ainda que sanável (idem, n.º2); não se poderá, assim, recorrer diretamente ao artigo
159.º CC que permite, na falta de designação estatutária, recorrer ao lugar em que funcione
normalmente a administração principal. O artigo 12.º, n.º2 CSC permite que, salvo disposição
em contrário no contrato, a administração possa deslocar a sede dentro do território nacional.
A partir daí, a mudança de sede exige alteração dos estatutos. O n.º3 desse mesmo preceito
dispõe que a sede constitua o domicílio da sociedade, sem prejuízo de se estabelecer domicílio
especial para determinados negócios. O artigo 13.º, n.º1 CSC prevê formas locais de 62
representação.
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A duração: a sociedade dura por tempo indeterminado: tal solução supletiva que resulta
do artigo 15.º, n.º1 CSC. Às partes cabe, no pacto social, fixar uma duração determinada para
a sociedade, altura em que ela só pode ser aumentada por deliberação tomada antes de o
prazo ter terminado (artigo 15.º, n.º2 CSC). De outra forma, esse mesmo preceito manda
aplicar as regras referentes ao regresso à atividade, previstas no artigo 161.º CSC. A fixação
da duração de uma sociedade poderá, ainda, ser feita por remissão para termo certo – por
tantos anos ou até tal data – ou para um fator certus an incertus quando: até à conclusão da obre
ou até à morte de tal sócio. Estas considerações permitem também condicionar a duração da
sociedade – a não confundir com a sociedade condicional: durará até que ocorra determinado
facto incertus an incertus quando. As sociedades fazem surgir, entre os seus membros, relações
tendencialmente perpétuas. Salvo a hipótese – na prática bem pouco corrente – de os
próprios sócios fixarem, no pacto social, um prazo para a duração da sociedade, esta vai
subsistir indefinidamente, até que sobrevenha uma causa de extinçãoFixada uma duração
para certa sociedade, surge um elemento objetivo suscetível de concitar a confiança de
terceiros. A súbita alteração desse elemento pode suscitar danos, diretos ou indiretos. Donde
a preocupação legal de só permitir a alteração desse ponto antes de o prazo de duração em
causa ter sido alcançado.
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Na presença de um registo prévio, previsto no artigo 18.º, n.º1 CSC e, nos termos aí
prescritos, anterior ao contrato escrito, a sequência das fases necessárias será:
Registo prévio;
Contrato escrito;
Registo definitivo;
Publicações obrigatórias.
Na hipótese de registo prévio, parece claro que, antes de requerer a inscrição pública, as 65
partes terão de celebrar previamente (e pelo menos), um duplo acordo:
O relativo aos estatutos, uma vez que o requerimento de registo prévio deve ser
instituído com «um projeto completo do contrato de sociedade»;
O referente à própria decisão de requerer o registo prévio em causa.
Para além das fases necessárias enunciadas, poderão ocorrer determinados negócios
eventuais. Distinguimos, em termos não exaustivos:
Acordos de princípio;
Negócios instrumentais preparatórios;
Acordo de subscrição pública;
Acordo destinado a fazer funcionar a sociedade antes do registo definitivo.
Todos eles devem ser honrados, sob cominação de responsabilidade civil. Quando a
sociedade definitiva esteja suficientemente prefigurada e as partes se obriguem, mutuamente,
a celebrar o competente contrato, teremos uma promessa de sociedade. De acordo com o
Direito português, a promessa de sociedade está sujeita a simples forma escrita. Poderá haver
uma execução específica dessa promessa, nos termos do artigo 830.º CC.
1. Pinto Furtado responde pela negativa: a sociedade traduziria uma associação
voluntária, à qual ninguém poderia ser obrigado.
2. Menezes Cordeiro: mesmo na hipótese de execução específica, a associação não
deixaria de ser voluntária; só que a liberdade teria sido exercida previamente, no
momento da conclusão da promessa. A execução específica de uma promessa de
sociedade dependerá, assim:
o Da interpretação do próprio contrato-promessa, de modo a verificar se
as partes não terão recorrido à promessa precisamente para se reservarem um
direito de recesso ou de arrependimento
o Da natureza da sociedade prefigurada pelas partes: a execução específica
não será possível por a isso se opor a natureza da obrigação assumida nos
casos de sociedades de pessoas e, ainda, naqueles em que não haja livre
transmissibilidade das posições dos sócios ou possibilidade de exoneração
por iniciativa do próprio; nos outros casos, ela é um comum negócio
patrimonial: e nem dos mais graves.
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Deveres de lealdade: implicam diversas atuações com relevo para o dever de sigilo,
a proibição de prossegui, com efetividade, o caminho da formação de sociedade;
neste campo entrará a interrupção injustificada de negociações, quando se tenha dado
azo a uma convicção justificada de que haveria sociedade e quando, na preparação
desta, tenha havido despesas consideráveis e ou perda de negócios alternativos;
Deveres de informação: dependendo da sua natureza, a preparação de uma
sociedade pode exigir uma troca de informações de densidade variável, quer para
bem acertar os interesses dos intervenientes, quer para preparar o futuro ente coletivo;
tudo o que tiver interesse deve ser comunicado. Como contraponto: as informações
obtidas ficam cobertas pelo dever de sigilo ex bona fide, dever esse que será tanto mais 67
denso quanto mais reservadas forem as informações prestadas; particularmente: seria
grave que informações obtidas num processo de constituição de sociedade viessem
a ser usadas em prol da concorrência; poderia mesmo haver responsabilidade
criminal.
A culpa in contrahendo terá, então, um papel fundamental.
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O n.º2 do mesmo preceito permite ainda que a situação das sociedades seja regularizada até
ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação proposta pelo Ministério Público. Seria
vão procurar aqui um vício autónomo de a sociedade viciada poder funcionar noutros moldes
e, provavelmente, com outro fundamento. Também o artigo 174.º, n.º1, alínea e) CSC, a
propósito da contagem do prazo de cinco anos para a prescrição dos direitos da sociedade
contra os fundadores e a dos direitos deste contra aquela, manda que ela se faça desde:
«A prática do ato em relação aos atos praticados em nome de sociedade irregular por falta de
forma ou de registo».
Procede a mesma consideração. O contrato vitimado por falta de forma é nulo, sem prejuízo 68
de produzir efeitos como ato diverso, se a lei o permitir ou prescrever. A falta de registo
impede a personalização plena. A referência a sociedade irregular foi apenas uma fórmula
cómoda, usada pelo legislador, para transmitir essas duas realidades e determinar um regime
que, com elas, nada tem a ver: a contagem de um prazo de prescrição. Todavia, mau grado a
falta de precisa consagração legal, a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência, continuam a usar
a expressão sociedade irregular para cobrir:
A sociedade organizada e posta a funcionar independentemente de as partes terem
formalizado qualquer contrato de sociedade;
A sociedade formalizada por escritura pública (exigida antes de 2006), mas ainda não
foi registada;
A sociedade já formalizada, mas cujo contrato seja inválido; será possível aqui
subdistinguir situações consoante haja, ou não, registo.
Tendo em conta os regimes aplicáveis, iremos reservar a expressão sociedade irregular para
os casos em que haja incompleitude do processo, seja por falta da própria escritura, seja por
ausência do registo. As invalidades colocam questões que podem, com felicidade, agrupar-se
em torno do epíteto invalidades da sociedade. Com efeito, as situações a reconduzir às
sociedades irregulares têm, em comum, duas importantes circunstâncias:
A não-conclusão do processo formativo, o qual pressupõe um acordoo solene e o
registo definitivo;
A efetiva presença de uma organização societária em funcionamento, com relações
atuantes: quer entre os sócios interessados, quer com terceiros;
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futura, de cuja existência ninguém pode ajuizar? A solução normal tenderá, assim, a ser a de
aplicação das regras das sociedades civis puras. Como vimos, a constituição destas sociedades
não depende de qualquer forma especial. Quando duas ou mais pessoas, pelo uso de uma
forma comum ou por qualquer outro meio criem a falsa aparência de uma sociedade
(comercial) há, pelo menos, um acordo, expresso ou tácito, no sentido de criar a aparência
em causa. Será já, em regra, uma sociedade civil. O campo de aplicação do artigo 36.º, n.º1
CSC reduz-se, acantonando-se na parte mais interessante: a da responsabilidade civil solidária,
pelos danos causados. Além disso, também não oferecerá dúvidas a necessidade de fazer
intervir outros elementos próprios da tutela da aparência – ou, por um prisma mais atual –
da confiança das pessoas que adiram. Assim: 70
A confiança deve ser objetivamente justificada;
Os confiantes a tutelar devem estar de boa fé, ou seja: devem desconhecer, sem culpa,
a natureza meramente aparente da sociedade.
O investimento da confiança e a imputação, da mesma, às pessoas que lhe estejam na origem
podem ser dispensados: existe uma previsão legal expressa de tutela. O artigo 36.º, n.º1 CSC
– tal como os restantes preceitos relacionados com as sociedades irregulares, exceto as que
o sejam em virtude de vício na formação do contrato – aplica-se às situações existentes antes
da entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais: artigo 534.ºCC. Ficam todavia
ressalvados os efeitos anteriormente produzidos.
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2. Menezes Cordeiro: salvo o devido respeito, não é esse o teor da lei; tão-pouco nos
parece vantajoso proceder, doutrinariamente, às construções que permitiriam apoiar
tal asserção e isso admitindo que elas fossem possíveis. Assim e como vimos, as
regras sobre sociedades civis podem cobrir situações muito diversificadas: desde
atuações concertadas ocasionais até um verdadeiro e próprio organismo societário a
funcionar com pelouros e órgãos. Esta multifuncionalidade constitui o grande trunfo
das sociedades civis puras. Ao remeter para as regras das sociedades civis, não se
apela para todas: apenas, naturalmente, para aquelas que, em função das
circunstâncias, tenham aplicação e, ainda aí, com as necessárias adaptações. Há, pois,
uma aplicação de regras civis: não uma conversão de uma (inexistente) sociedade 71
comercial numa (porventura: impossível) sociedade civil.
Finalmente: a sociedade resultante da aplicação do final do artigo 36.º, n.º2 CSC é civil ou
comercial? Comercial não pode ser: o artigo 1.º, n.º2 CSC formaliza essa categoria, não se
encarando a mínima vantagem em inobservar as inerentes valorações, que são importantes.
Aliás, bem pode acontecer que se tenha acordado na constituição de uma sociedade
comercial e que se inicie, desde logo, uma atuação comum sem que se tenha, sequer e ainda,
optado por um concreto tipo de sociedade. Ergo, a haver elementos suficientes para se poder
falar em sociedade, ela será civil. Isso não impede, todavia, que a situação globalmente
considerada seja comercial, tal como comerciais serão os atos praticados pelos intervenientes,
em nome e por conta da sociedade. A nossa preocupação é, aqui, a de permitir a apreciação
de eventuais litígios, aqui ocorridos, pelos tribunais de comércio.
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(artigo 406.º, n.º1 CC), só por mútuo consentimento pode ser modificado. Há valores
de fundo em jogo: as partes aceitaram ingressar numa sociedade com certos parceiros
e em face de determinado clausulado: um desejo a respeitar, mesmo que, a posteriori e
mercê das vicissitudes da própria sociedade, uma vez constituída, possa haver
modificações. Mas alem disso, também há razões societárias:
Os sócios podem ser responsáveis pelas dívidas contraídas antes do registo e de
acordo com esquemas que variam consoante a sociedade; admitir exonerações
ou alterações por maioria poderia prejudicar os credores (no primeiro caso) e os
próprios sócios minoritários (no segundo);
72
Tornar-se-ia muito difícil fixar o preciso momento da eficácia das exonerações
ou modificações; poderia, aliás, haver vários momentos a considerar, consoante
o momento em que os factos modificativos ou exonerativos chegassem ao
conhecimento dos interessados;
Finalmente: a medida serve como esquema compulsório destinado a efetivar a
realização do registo; recorde-se que um esquema paralelo opera perante o
registo predial: os prédios não inscritos em nome do alienante não podem ser
vendidos.
2. Relações externas: depois de regular as relações internas das pré-sociedades já
formalizadas, em escritura pública, mas ainda não registadas, o Código das
Sociedades Comerciais passa às relações externas ou relações com terceiros. Nesse
domínio, ele procede a um tratamento diferenciado, em consonância com o tipo de
sociedade que esteja em causa. Distingue:
o Sociedades em nome coletivo;
o Sociedades em comandita simples;
o Sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações.
3. Para efeitos da análise subsequente, podemos agrupar as duas primeiras numa rubrica
sobre sociedades de pessoas e, as três últimas, nutra sobre as sociedades de capitais.
a. Nas sociedades de pessoas: quanto às sociedades em nome coletivo:
pelos negócios realizados em seu nome, depois da escritura e antes do registo,
com o acordo expresso ou tácito dos diversos sócios – acordo esse que se
presume – respondem, solidária e ilimitadamente, todos eles (artigo 38.º, n.º1
CSC). Caso não tenham sido autorizados por todos os sócios, respondem
apenas aqueles que os tenham realizado ou autorizado (n.º2). O que entender
por responder? A resposta prende-se com o tema da capacidade das pré-
sociedades e com a assunção, pelas sociedades uma vez constituídas, das
posições daquelas. Adiantamos que responder é, aqui, usado no sentido de
alguém ser convocado em termos de responsabilidade patrimonial. Os
próprios negócios celebrados em nome das pré-sociedades visadas devem ser
cumpridos por estas – ou nem haveria negócios! E se o não forem, a pré-
sociedade incorre nas consequências do incumprimento. Havendo que passar
à fase da execução patrimonial: responderá a própria pré-sociedade, com os
bens que porventura já tenha (regime geral, que não tinha de ser repetido) e
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esta, dos respetivos efeitos (idem, n.º2). Pergunta-se, também aqui, se não seria
justo e sistematicamente adequado fazer intervir, em primeiro lugar, o fundo
comum da sociedade: o próprio artigo 36.º, n.º2 CSC a tanto conduziria. E
independentemente disso: não deveria a própria (pré-)sociedade responder
também pelas dívidas em seu nome contraídas? Uma sensibilidade jurídico-
científica responde positivamente a ambas as questões: afinal, seria esse o
regime das sociedades civis puras.Na verdade, o registo definitivo de uma
sociedade comercial não se limita a atribuir-lhe personalidade jurídica plena.
Tem ainda o efeito de provocar a assunção, pela sociedade, dos negócios
anteriores ao próprio registo, nos termos prescritos pelo artigo 19.º CSC2. 74
Tomado à letra, este preceito implicaria:
Que a própria pré-sociedade de capitais, já formalizada em contrato
mas ainda não registada, não ficasse obrigada pelos negócios
celebrados em seu nome, durante este período;
Que tais negócios apenas respeitassem a quem, no negócio, tivesse
agido em representação;
Que, com o registo, eles fossem assumidos pela sociedade.
Semelhante orientação poria em grave crise todo o papel das pré-sociedades,
além de representar uma disfuncionalidade pronunciada. Como poderia ter
um certo apoio numa primeira leitura da lei, cabe explicar como surge. O
artigo 40.º, n.º1 CSC – tal como os artigos 38.º, n.º1 e 39.º, n.º1 CSC –, na
parte em que refere a responsabilidade dos sócios, filia-se no §41 (1) do AktG
alemão que tinha o objetivo político assumido de impedir a atuação da
sociedade antes da atribuição, pelo Estado, da personalidade coletiva.
Quando transposto para as sociedades por quotas, foi entendido como
visando pressionar para a realização do registo. Todos estes fundamentos têm
vindo a ser rejeitados, pondo-se em crise qualquer justificação para o preceito.
Todavia, ele deve conservar-se, com elemento destinado a proteger o capital.
Trata-se, porém, de uma solução supletiva, que as partes podem afastar. A
responsabilidade aí prevista é meramente acessória e o responsabilizado pode
defender-se invocando as diversas exceções. A doutrina fica, assim, habilitada
a dizer que o preceito em análise tem escasso papel prático. Nos negócios
celebrados pelos seus representantes: os que agiram nessa representação e os
que autorizem tais negócios respondem (portanto: garantem, em termos de
responsabilidade patrimonial) por eles, solidária e ilimitadamente. O artigo
40.º, n.º1 CSC acrescenta ainda, no fim, que os restantes sócios respondem
até à importância das entradas a que se obrigaram, acrescidas das
importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de
reservas. A responsabilidade dos representantes e dos sócios que tenham
autorizado os negócios não isenta – como vimos suceder com as sociedades
de pessoas – o património social da responsabilidade principal. Além disso,
mercê do artigo 997.º, n.º1 e 2 CC, os representantes e sócios demandados
dispõem do beneficium excussionis. Resta acrescentar que tudo isto é supletivo:
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A capacidade: conhecido o regime legal das relações internas e externas das sociedades
irregulares, cabe responder à questão crucial, que tende a escapar aos roteiros comuns sobre
a matéria. Qual é a capacidade das sociedades irregulares?
Pode ser iniciada a atividade social antes do contrato, seguindo-se, então, o regime
próprio das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC); 75
Podem ser realizados negócios por conta das sociedades em nome coletivo (artigo
38.º, n.º1 CSC); esta tem representantes (idem, n.º3); um esquema semelhante
funciona para as comanditas simples (artigo 39.º, n.º1 e 4 CSC).
Podem ser realizados negócios em nome das sociedades de capitais, agindo, certas
pessoas, em representação delas (artigo 40.º, n.º1 CSC);
Ainda essas mesmas sociedades, sempre antes do registo, podem distribuir lucros e
reservas (artigo 40.º, n.º1, in fine CSC).
Os preceitos referidos bastam para concluir que as sociedades, particularmente as pré-
sociedades, dispõem de uma capacidade geral similar à que compete às próprias sociedades
definitivas. O especial óbice reside na responsabilidade de quem pratique os inerentes atos,
em termos acima examinados. Essa capacidade ampla não causa qualquer surpresa: o mesmo
sucede com as sociedades civis puras, que não dependem de forma especial nem de registo
e com as próprias associações não personalizadas, previstas nos artigos 195.º e seguintes CC.
Esta capacidade de princípio não obsta a que, caso a caso, se verifique o exato alcance do ato
que lhe seja impugnado. Na concretização da sua capacidade, a sociedade irregular disfruta
da representação orgânica. Esta será levada a cabo por qualquer dos seus promotores, no
caso do artigo 36.º, n.º2 CSC (pré-sociedade anterior à escritura) ou pelos órgãos
competentes já previstos nos seus estatutos, nas hipóteses dos artigos 38.º a 40.º CSC (pré-
sociedades posteriores ao contrato mas anteriores ao registo). Apesar desta latitude dada pelo
Direito privado, deve ter-se presente que as pré-sociedades dão lugar a constrangimentos
fiscais e, porventura, bancários. Além disso, diversos negócios formais vão, na prática, estar-
lhes vedados, por razões de prática notarial. Recomenda-se, pois, como regra, a rápida
conclusão do processo.
A natureza:
1. Algumas doutrinas: com os elementos obtidos, resta fixar a natureza da sociedade
irregular. Adiantamos que os resultados obtidos são aplicáveis às sociedades que
apresentem vícios nos respetivos contratos, na medida em que tais vícios bloqueiam
a comum natureza societária. O Direito português vigente beneficia da juventude da
sua lei: pôde aproveitar uma série de elementos conquistados noutras latitudes. Ora
aí – particularmente na Alemanha – os exatos contornos da pré-sociedade e da
sociedade irregular (fehlerhafte e Gesellschaft) foram sendo desenvolvidos pela
jurisprudência, surgindo como uma manifestação de interpretação complementadora.
Não houve uma doutrina pré-definida mas, apenas, a necessidade de atalhar
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problemas concretos. Devemos ainda ter presente que toda esta matéria resulta,
também, da transposição dos artigos 7.º e 9.º da 1.ª Diretriz sobre sociedades
comerciais, de clara inspiração alemã. Podemos ordenar as diversas teorias
explicativas das sociedades irregulares em três grandes troncos:
a. A teoria da sociedade de facto: a sociedade poderia ter, na sua origem, não
apenas um contrato concluído entre as partes interessadas, mas, também, a
simples evidência dos seus surgimento e funcionamento, no campo dos
factos.
i. Von Gierke: afinal, o determinante na pessoa coletiva seria o próprio 76
facto da existência do seu organismo, mais do que qualquer
operatividade jurídico-formal.
ii. Günther Haupt: poderia verificar-se o surgimento de relações de
tipo contratual, mas sem que, na origem, houvesse qualquer contrato
ou qualquer contrato valido. Tais relações adviriam de meras
condutas materiais.
iii. Haupt: entre essas situações, insere a que implica a inclusão de uma
pessoa numa denominada relação comunitária, exemplificando com
a sociedade e o trabalho. Na sociedade de facto, marcada por assentar
num contrato nulo, haveria que manter, pela injustiça que adviria da
aplicação das regras da restituição do enriquecimento, alguns dos
efeitos próprios da sociedade. No seu seio será possível discernir
figuras muito distintas: a culpa in contrahendo, os comportamentos
concludentes, a eficácia legal de situações nulas e a tutela da aparência,
baseada na boa fé. Todas essas figuras convocariam regras próprias e
distintas, ficando incomodamente arrumadas, lado a lado.
Em suma: a teoria da sociedade de facto pouco ganharia em ser reconduzida
a um construção mais vasta de relações contratuais de facto, dada a total
heterogeneidade desta última. Isoladamente tomada, a sociedade de facto
deixa por explicar a sua positividade jurídica, não determinando quaisquer
regras. É evidente que, embora de facto, a sociedade aqui em jogo obedece a
regras. Aliás, pela natureza da situação, tais regras deverão mesmo ser mais
precisas do que as das sociedades comuns.
b. A teoria dos limites da nulidade: foi inicialmente apontada para explicar a
essência das sociedades em contratos inválidos. Seria fácil, depois, a sua
extrapolação para as pré-sociedades, apontando, como vícios, as falhas de
que ainda padeceriam, por não terem alcançado o estádio definitivo de
perfeição. No cerne, a teoria diz-nos o seguinte: pela natureza das coisas, as
regras que determinem a invalidade e uma sociedade não são radicais,
pretendendo afastar o ente visado, como se não existisse; pelo contrário: têm
alguns limites, através dos quais a sociedade irregular ainda pode exercer certa
atividade.
i. Wolfgang Siebert: defendeu que uma sociedade surgida com vício
era… uma sociedade com vício, a colocar num plano equivalente ao
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das sociedades sem ele. Acentuou-se, depois, que pelo menos nas
relações internas, estas sociedades implicavam uma combinação entre
a vontade das partes e as regras da nulidade.
Há que ter presente: toda esta matéria deriva de um intenso
acompanhamento jurisprudencial quer anterior, quer posterior à Guerra de
1939-1945. Ora os tribunais devem apoiar-se na lei: a presença de regras
específicas para a nulidade das sociedades resolveria, assim, o problema.
Outra perspetiva: a de aplicar, aos diversos tipos de situações, as regras
relativas à constituição ou à extinção das sociedades. Os limites às invalidades
societárias, bem como às suas incompleitudes, constituem uma base para 77
qualquer eficácia jurídica. Têm uma importância evidente para sistemas que,
como o português, disponham de um elevado nível regulativo. O facto de se
descobrirem regras explícitas que, à nulidade de sociedades, ainda atribuam
certas consequências não dispensa procurar o porquê de tais normas. Dá,
todavia, uma inquestionável base jurídico-positiva para qualquer solução
efetiva. É ainda seguro que o resultado passa por um desvio em relação às
regras de nulidade e aos seus efeitos. Pelo menos: um desvio aparente.
c. A teoria da organização: parte, em geral, de uma apregoada dupla natureza
do contrato de sociedade: uma relação interna, puramente obrigacional e uma
exterior, de tipo organizatório. Esta última tenderia a transcender a
obrigacional: representaria um centro de interesses próprios, dando azo a um
evidente elemento de confiança. O Direito não poderia deixar de o
reconhecer.
2. Menezes Cordeiro: a exposição, acima realizada, de diversas doutrinas surgidas para
explicar a natureza das sociedades irregulares é útil: permite esclarecer vários ângulos
da dogmática societária, aqui subjacente. Todavia, há que prevenir transposições
apressadas para o Direito português. Aí, além de dados legislativos próprios, deve-se
contar com uma tradição fortemente contratualista, exacerbada, aliás, pelo legislador
de 1986. A primeira e inevitável constatação é a de que o Código das Sociedades
Comerciais trata, com pormenor, das diversas hipóteses (artigos 36.º e seguintes CSC)
abrangendo:
a. A sociedade sem contrato,
b. A sociedade com contrato informal,
c. a sociedade com contrato mas sem registo,
d. A sociedade com contrato, com vício e sem registo; e
e. A sociedade com registo e com vício.
Ambos estes últimos aspetos ainda a examinar, mas que poderão ser úteis, para
efeitos de exposição. Tanto basta para que se não possa apelar para uma informe
doutrina de relações contratuais de facto ou sociedade de facto, a resolver por
analogia. Antes teremos soluções claramente baseadas na lei. Mas a lei fundamenta
todas as soluções legítimas. A sociedade irregular por incompleitude é, muito
claramente, uma sociedade assente na vontade das partes. Esta é, pela lei, aproveitada
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até aos limites do possível. A hipótese de acordo informal (artigo 36.º, n.º2 CSC) é
equiparada à sociedade civil, pressupondo-se, naturalmente: com o conteúdo que as
partes lhe tiverem dado. Havendo contrato o seu teor rege os direitos entre as partes
(artigo 37.º CSC). E mesmo quanto a relações externas: tudo funciona consoante o
figurino adotado pelas partes (artigos 38.º, 39.º e 40.º CSC). A falta do registo, na
prática, apenas vem impedir o privilégio da limitação da responsabilidade, tendo
significado efetivo no tocante às sociedades de capitais. A sociedade irregular por
incompleitude – portanto: a pré-sociedade – é uma pessoa coletiva erigida pela
vontade das partes e na base da sua autonomia privada. Poder-se-ia apelar à temática
das pessoas rudimentares. Seria útil no caso do artigo 36.º, n.º1 CSC: a sociedade 78
aparente funciona em modo coletivo apenas muito limitadamente. Já após o acordo
de constituição (artigo 36.º, n.º2 CSC) altura em que se remete para as sociedades
civis puras, poderá haver personalidade mais ampla: depende do nível de organização
alcançado. Realizado o contrato, as sociedades assumem, de facto, personalidade
coletiva. Se bem se atentar, as limitações que impendem sobre as sociedades não
registadas têm a ver com a responsabilidade dos sócios perante terceiros, que não é
limitada. Quanto ao resto: temos órgãos, temos representantes orgânicos e temos, de
facto, um centro autónomo de imputação de normas, com funções e interesses
próprios. Tudo isto aponta para uma única e inevitável conclusão: as sociedades
irregulares retiram a sua jurídica-positividade da vontade das partes. Nos diversos
casos surpreendemos acordos a tanto destinados, ainda que completados pela tutela
da aparência: esta, ligada à proteção da confiança, segue, ainda que por analogia, o
regime negocial. O passo seguinte: qual a figura derivada da vontade das partes? De
acordo com as categorias gerais, como são hoje entendidas, tal figura dá azo a um
contrato. Que contrato? Perante a noção geral do artigo 980.º CC, confirmada, aliás,
por quanto ela representa, tal contrato só poderá ser… um contrato de sociedade.
Resta concluir: as sociedades irregulares, que o sejam por incompleitude são, em todo
o caso, verdadeiras sociedades, assentes em equivalentes contratos de sociedade. Tais
contratos, por razões endógenas (falta de contrato formal) ou exógenas (falta de
registo) não equivalem aos modelos finais legalmente fixados. Não deixam de ser
contratos. De categoria inferior? Não propriamente: apenas diferente. As sociedades
irregulares são verdadeiras e próprias sociedades, ainda que diversas do figurino
elencado no artigo 1.º, n.º2 CSC. Há inúmeras graduações possíveis, o que não
admira, uma vez que escapam à tipicidade comercial. Quanto à natureza: contratual,
como sucede com a nossa matriz societária.
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a aproximação correspondia a uma efetiva confluência de valorações: parece claro que, nas
diversas situações englobadas, ocorrem problemas de tutela dos sócios e dos terceiros, que
concitam soluções de calibre próximo. Esta capacidade aglutinante da velha figura das
sociedades irregulares foi reforçada, de forma muito curiosa, pela 1.ª Diretriz das sociedades
comerciais, que pretendeu coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos
sócios e de terceiros, são exigidas, nos Estados Membros, às sociedades. Essa Diretriz foi
substituída pela n.º 2009/101/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 setembro
1009, que procedeu à codificação das alterações entretanto introduzidas. A Diretriz
2009/101, abrange cinco capítulos. De acordo com o corpo do artigo 12.º desta Diretriz,
aqui em causa, os fundamentos da invalidade da sociedade são limitados:correspondem, 79
deste modo, a uma exigência comunitária, que já foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça
Europeu. Trata-se de um elemento que deve ser tido em conta, em nome de uma
interpretação conforme com as diretrizes, quando estejam em causa normas de transposição.
Transcendendo as exigências comunitárias, o legislador consagrou uma regulação minuciosa
para esta matéria: os artigos 41.º a 52.º CSC. A lei poderia, claramente, ter sido mais
sistemática e simples. A mera leitura das epígrafes dos preceitos implicados mostra uma
ordenação caleidoscópica, difícil de reter e que não era exigida pela ordem da União. Na
sequência, iremos distinguir:
Princípios gerais;
Regras quanto a sociedades de pessoas;
Regras quanto a sociedades de capitais.
Em rigor, apenas quanto a estas últimas há elementos de exigência comunitária.
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dispensar ao fenómeno societário. Por isso, encontramos aqui todo um conjunto de regras
destinadas a minimizar, por vários ângulos, a invalidade das sociedades comerciais e as
consequências dessa invalidade, quando ela seja inevitável. É o favor societatis. O favor societatis
exprime-se, na lei portuguesa, em sete vetores:
Na limitação dos fundamentos da nulidade;
Na introdução de prazos para a invocação dessa nulidade;
Na presença de esquemas destinados a sanar as invalidades;
Na delimitação da legitimidade para invocar a nulidade; 80
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omissão presume-se culposa (artigo 799.º, n.º1 CC) e obriga o prevaricador a indemnizar o
lesado por todos os danos causados. Dado o teor do artigo 44.º CSC, ele aplica-se ,
claramente, a todos os tipos de sociedades comerciais. A anulabilidade tem, como se sabe e
nos termos do artigo 287.º, n.º1 CC, requisitos especiais de funcionamento. Na prática, ela
equivale a uma impugnabilidade: coloca nas mãos do interessado um direito potestativo
temporário de provocar o colapso do negócio. Todavia, sempre segundo o Direito comum,
uma vez atuada, ela tem efeitos similares aos da declaração de nulidade. Aqui intervém o favor
societatis:
Nas sociedades de capitais, certos fundamentos de anulabilidade operam (apenas)
como justas causas de exoneração dos sócios atingidos; quanto à incapacidade: ela 81
gera uma anulabilidade limitada ao incapaz (artigo 45.º, n.º1 e 2 CSC);
Nas sociedades de pessoas, a invalidade por determinados fundamentos provoca
anulabilidade apenas perante o atingido, salvo na impossibilidade de redução prevista
no artigo 292.º CC (artigo 46.º CSC);
Em qualquer dos casos, o sócio que obtenha a anulação do contrato, nos termos do
artigo 45.º, n.º2 ou 46.º CSC, tem o direito de rever o que prestou e não pode ser
obrigado a completar a sua entrada mas, «se a anulação se fundar em vício da vontade ou
usura, não ficará liberto, em face de terceiros, da responsabilidade que por lei lhe competir quanto às
obrigações da sociedade anteriores ao registo da ação ou da sentença» (artigo 47.º CSC); o
disposto nos artigos 45.º a 47.º CSC vale, com as adaptações necessárias, se o «sócio
incapaz ou aquele cujo consentimento foi viciado» ingressar posteriormente na sociedade» (artigo
48.º CSC);
A anulabilidade pode ver o seu prazo encurtado, através do dispositivo no artigo 49.º
CSC: qualquer interessado pode notificar o impugnante para que anule ou confirme
o negócio; perante a notificação, tem o notificado 180 dias para intentar a ação, sob
pena de o vício se considerar sanado;
Quanto aos efeitos: eles podem ser substituídos pela homologação judicial de
medidas, requeridas pela sociedade ou por um dos sócios, e que se mostrem
adequadas, para satisfazer o interesse do autor, «em ordem a evitar a consequência jurídica
a que a ação se destine» (artigo 50.º, n.º1 CSC).
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sua versão de 2009. Há que interpretá-lo de modo estrito, permitindo a introdução de duas
delimitações:
É necessário que o próprio negócio anteriormente concluído com a sociedade não
incorra em nenhum fundamento de invalidade;
Exigindo-se, ainda, que o terceiro protegido esteja de boa fé, no sentido geral:
desconhecer, sem culpa, o vício que afeta a sociedade.
Este entendimento pode ser perturbado pelo artigo 52.º, n.º3 CSC, cujo teor cumpre ter bem
presente:
83
«No entanto, se a nulidade proceder de simulação, de ilicitude do objeto ou de violação de ordem
pública ou ofensiva dos bons costumes, o disposto no número anterior só aproveita a terceiros de
boa fé».
A contrario, pareceria que, provindo a nulidade de quaisquer outros vícios, a tutela referida
no artigo 52.º, n.º2 CSC aproveitaria mesmo a terceiros de má fé. Quanto à lógica da tutela
de terceiros, explica o artigo 52.º, n.º4 CSC: a invalidade não exonera os sócios da realização
das suas entradas nem da responsabilidade pessoal e solidária que, por lei e perante terceiros,
eventualmente lhes incumba: um aspeto a delucidar na liquidação, cabendo aos liquidatários
cobrar, aos sócios remissivos, as importâncias em falta. Naturalmente: cessará a
responsabilidade quando se esteja perante um sócio cuja incapacidade tenha sido causa de
anulação do contrato ou quando ela venha a ser oposta, por via de exceção, às sociedades,
aos outros sócios ou a terceiros (artigo 52.º, n.º5 CSC). No seu conjunto, estas especificidades
de regime atinentes às invalidades do contrato de sociedade habilitam-nos a concluir: trata-
se, por um prisma de Teoria Geral do Direito, de invalidades específicas, de tipo misto.
Impõe-se uma indagação caso a caso e perante os preceitos gerais e específicos. A sociedade
atingida não desaparece: no limite, sujeitar-se-á (apenas) à liquidação. Merece, assim, a
designação tradicional: sociedade irregular.
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social da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas
por conta desta – podem ser sanáveis por deliberações dos sócios, tomadas nos termos
estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato – artigo 43.º, n.º3 CSC. De
facto: são alterações do contrato. Quanto à segunda categoria dos vícios – isto é, segundo o
artigo 43.º, n.º1 CSC –, o Código isola, expressamente, o que considera vícios da vontade e
incapacidade, enumerando – artigo 46.º CSC: o erro, o dolo, a coação, a usura e a
incapacidade. Para o seguinte:
A invalidade daí resultante só opera em relação ao contraente que sofra o erro ou a
usura ou que seja incapaz (1.ª parte);
84
Podendo, todavia, o negócio ser anulado no seu todo («quanto a todos os sócios») se,
perante o artigo 292.º CC, não for possível a sua redução às participações dos outros.
Impõem-se dois reparos. Em primeiro lugar, o regime do artigo 46.º CSC acaba por ser o da
redução, previsto no artigo 292.º CC, conquanto que expresso em termos invertidos. Repare-
se: a invalidade de uma das declarações envolve a de todo o negócio, salvo a redução; esta
consiste, aqui, na eliminação de um dos sócios, possível desde que não se mostre que a
sociedade não seria concluída sem ele. Em segundo: quid iuris quanto aos vícios gerais não
referidos no artigo 46.º CSC? O problema poderia descambar num clássico confronto entre
o argumento a contrario e a analogia. Mas neste âmbito, nem sequer: uma vez que a
especificidade do artigo 46.º CSC se espraia, afinal, no regime comum, bastará fazer a pelo a
este. Nas sociedades de pessoas, os diversos vícios que possam atingir o contrato constitutivo
respetivo dão azo às competentes invalidades; porém, quando toquem, apenas, num dos
sócios (ou mais), os contratos atingidos são recuperáveis pela redução, quando possível
(artigo 292.º CC). Pela mesma ordem de ideias, poderemos recuperar sociedades
dissimuladas (artigo 241.º CC) e construir sociedades por conversão (artigo 293.º CC). O
apelo ao Direito comum a tanto conduz, sendo que os princípios gerais, acima estudados e
aqui aplicáveis, asseguram as dimensões societárias em jogo.
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patentes insuficiências. A natureza óbvia da 1.ª Diretriz tem a ver com a data: 1968. Nessa
altura, a legislação comunitária dava pequenos passos. De todo o modo, ao proteger o
contrato apenas após o registo, o Código das Sociedades Comerciais está a transpor
deficientemente a 1.ª Diretriz. No plano interno, nada a fazer. Os prejudicados poderão, de
todo o modo, responsabilizar o Estado português por essa falha. O artigo 42.º, n.º2 CSC
considera sanáveis «por deliberação dos sócios, tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre
alteração do contrato», alguns dos vícios elencados como relevantes: a falta ou nulidade da firma
e de sede da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações
realizadas por conta desta. Quanto a estas prestações: não têm de constar do ato constitutivo
e, em regra, nem constarão. O artigo 45.º, n.º1 CSC elenca determinados vícios da vontade 85
– o erro, o dolo, a coação e a usura – a que acrescenta a incapacidade. Pois bem: tais
eventualidades, não podem determinar a anulabilidade de sociedades de capitais
(registadas…), visto o artigo 42.º, n.º1 CSC; constituiriam, todavia, justa causa de exoneração
do sócio atingido, desde que se verifiquem as circunstâncias de anulabilidade. Tratando-se
de incapacidade, teremos uma anulabilidade relativa apenas ao incapaz (artigo 45.º, n.º2 CSC).
Tal como fizemos perante o preceito paralelo (artigo 46.º CSC) relativo às sociedades de
pessoas, também aqui cabem dois reparos:
O regime limitador das consequências da anulabilidade abre na regra geral da redução
dos contratos societários com invalidades;
Ficam sem referência legal os outros vícios: simulação parcial, simulação relativa, falta
de consciência da declaração, coação física e incapacidade acidental; desta feita
compete, caso a caso, verificar se tais vícios podem, por analogia, constituir justa
causa de exoneração.
Apenas o excesso de construtivismo legal levou a tais complicações: perfeitamente
dispensáveis.
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incluir no estatuto jurídico do comerciante: a esse propósito deve ser considerado. Apenas
serão relevados alguns aspetos atinentes ao Direito das Sociedades.
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Menções gerais: data, facto, nome ou denominação (melhor seria firma) (artigo 14.º
RRCom);
Menções especiais elencadas na lei (artigo 15.º RRCom).
Finalmente, o artigo 16.º RRC determina que as notificações sejam efetuadas por carta
registada.
Impugnação judicial.
Impugnada a decisão, o conservador profere, em 10 dias,, despacho a sustentar ou a reparar
a decisão (artigo 101.º-B, n.º1 CRCom). Sendo sustentada, o Presidente do Instituto dos
Registos e do Notariado, I.P, decide em 90 dias (artigo 102.º, n.º1 CRCom), podendo ser
ouvido o Conselho Técnico. Sendo o recurso hierárquico considerado improcedente, pode
ainda o interessado impugnar judicialmente a decisão (artigo 104.º, n.º1 CRCom): tem 20
dias (artigo 104.º, n.º2 CRCom). Da sentença cabe recurso, com efeito suspensivo, recurso
esse que pode ser interposto pelo autor, pelo réu, pelo Presidente do Instituto dos Registos
e do Notariado, I.O. e pelo Ministério Público (artigo 106.º, n.º1 CRCom). Do acórdão da
Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, salvo quando seja sempre
admissível (artigo 106.º, n.º4 CRCom).
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Devemos ter presente, em todo o estudo do Direito das Sociedades, que estamos no coração
do Direito privado. Não é possível estabelecer vetores que contraditem o sentir geral do
ordenamento. O caso do registo das sociedades é, disso, um bom exemplo de escola. Vamos
admitir que, por influência doutrinária alemã (constituição) ou germano-comunitária (fusão
e cisão), o legislador tenha pontualmente pensado em fixar um registo constitutivo.
Contraria-se o princípio basilar da eficácia imediata dos contratos, no próprio domínio real
(artigo 408.º, n.º1 CC). Resultado: escapariam à lógica constitutiva toda a área das pré-
soceidades (que são, como vimos, elas próprias, sociedades) e outras importantes vicissitudes,
não dependentes do registo:
A alteração do contrato, com exemplo no artigo 88.º CSC; 91
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Código das Sociedades Comerciais, o tema foi ponderado. A solução consistente em fazer
depender a personalização da sociedade do registo definitivo foi propugnada por Ferrer
Correia e António Caeiro. Teria, no entendimento destes autores, duas vantagens:
Permitiria a terceiros o conhecimento fácil e seguro do momento em que nasce a
pessoa coletiva;
Facultaria o funcionamento de um processo prévio de controlo da sociedade.
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167.º, n.º1 CSC). Tais publicações vêm reportadas, por remissão, no artigo 70.º, n.º1 CRCom,
acabando por abranger a generalidade das situações relativas a sociedades de capitais. A
publicação é oficiosa: segundo o artigo 71.º, n.º1 CRCom, deve o conservador promover as
publicações imediatamente e a expensas do interessado. As modalidades de publicações e o
seu teor resultam do artigo 72.º CRCom. A matéria vem retomada no Código das Sociedades
Comerciais que lhe consagrou todo um Capítulo de Parte Geral: o XIV, precisamente
intitulado publicidade dos atos sociais. Aí, o artigo 166.º CSC anuncia o princípio geral, enquanto
o artigo 167.º CSC se reporta a publicações obrigatórias, retomando o Código do Registo
Comercial. Verifica-se que as publicações assumem um papel autónomo. Segundo o artigo
168.º, n.º2 CSC: 94
«A sociedade não pode opor a terceiros atos cuja publicação seja obrigatória sem que este seja
efetuada, salvo se a sociedade provar que o ato está registado e que o terceiro tem conhecimento
dele».
O artigo 14.º, n.º2 CRCom, depõe na mesma direção. Por seu turno, o artigo 168.º, n.º3 CSC
vai mais longe:
«Relativamente a operações efetuadas antes de terem decorrido dezasseis dias sobre a publicação,
os atos são oponíveis pela sociedade a terceiros que provem ter estado, durante esse período,
impossibilitados de tomar conhecimento da publicação».
Estes preceitos devem ser habilmente interpretados, de modo a cederem perante a lei. As
regras apontadas podem ser facilitadas através da notificação direta dos atos, feita pela
sociedade aos terceiros potencialmente interessados ou perante os quais tenha interesse em
fazer valer os atos sujeitos a registo. Nessa altura, os terceiros notificados não poderão
invocar a falta de publicações (artigo 168.º, n.º2 CSC) e, a fortiori, o não terem podido tomar
conhecimento (artigo 168.º, n.º3 CSC). A própria falta do registo poderá ser suprida, desde
que, pela notificação fique provado o conhecimento do terceiro e, daí, a sua má fé. Basta,
para tanto, uma interpretação conjunta e capaz dos artigos 14.º, n.º1 e 22.º, n.º4 CRCom.
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95
Como
escritura pública
o contrato é um
documento particular, Registo do contrato de
com a formalidade do sociedade
A sociedade está constituída e segue como clara pessoa autónoma – artigo 5.º CSC β
Devendo realizar publicações obrigatórias – artigo 167.º CSC
3 fases:
1. Momento da criação do contrato de sociedade: os sócios dizem de que
maneira (os estatutos) irá a sociedade ser constituída concomitante com a
aquisição do certificado de admissão de firma;
2. O registo do contrato;
3. As publicações obrigatórias (artigo 167.º CSC).
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Artigo 7.º CSC: O contrato de sociedade tem as duas liberdades já estudadas: de celebração
e de estipulação. (tendo como limite o princípio da tipicidade – respeitando um dos 4 tipos
previstos na lei).
No contrato, o número de partes deve sempre ser 2 à exceção dos artigos 260.º-F CSC e
seguintes e nas sociedades anónimas, cujo limite mínimo é d e5 acionistas.
Uma sociedade pode também deter outra (artigo 11.º, n.º4 e 5 CSC). mas cria-nos dois
problemas práticos:
os cônjuges podem constituir uma sociedade comercial? (artigo 1714.º CC e 8.º CSC)
96
o Se for de responsabilidade limitada, podem ambos entrar;
o Se for de responsabilidade ilimitada, apenas um deles como tal poderá entrar
na sociedade.
quanto ao 1714.º, n.º2 e 3 CSC compatibilizado com o artigo 8.º CSC
o Com a entrada em vigor do CSC, este artigo 8.º CSC vem revogar esses
números do artigo em questão
Um menor/incapaz/interdito pode ser parte num contrato de sociedade?
o artigo 1889.º, n.º1, alínea d) CC: podem, desde que representados pelos
representantes legais. (MC: esta incapacidade dos menores,... é aparente pois
pode sempre ser suprida).
Ainda quanto a este artigo 7.º CSC, é suficiente um contrato reduzido a escrito com o
reconhecimento presencial das assinaturas. Só a partir daqui é a sociedade um sujeito de
Direito. Mas esta forma não chega se existir um bem pelo que os sócios entram para a
sociedade que requeira, para a sua transmissão, forma mais solene (Devendo-se, aí, respeitar
essa forma).
No artigo 9.º CSC estão os elementos obrigatórios do contrato, constatáveis com grande
clareza.
Firma: nome da sociedade (artigo 10.º CSC e 200º. e 275.º CSC).
Objeto: artigo 11.º CSC – não limita a capacidade:
Capital social – artigo 14.º CSC.
o Capital social subscrito: valor com que o sócio se obriga como entrada
o Capital social realizado: valor que o sócio cumpre da entrada, do valor
subscrito.
Duração da sociedade: regra geral é por tempo indeterminado (artigo 15.º CSC).
Mas também pode ser por tempo indeterminado.
Mas, temos uma exceção à tramitação normal do registo de sociedades – Mecanismo da
empresa na hora. Decreto-Lei n.º111/2005. Concede a possibilidade de uma empresa ou
sociedade comercial se fazer valer por um regime especial face ao seu registo, que é mais
célere: 24horas. Só se aplica a sociedades por quotas e anónimas e em relação a uma bolsa
de firmas.
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β
α
credores credores
A prova do artigo 32.º, n.º2 CSC é
praticamente impossível.
O escopo da norma é proteger terceiros que
se encontram perante uma prova diabólica
e, como tal, há que adaptar o ónus da prova.
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5Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
Coimbra, Maio 2011.
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posições jurídicas dos sócios incorporam direitos e deveres de pessoas. Trata-se – ainda que
não exclusivamente – de direitos patrimoniais privados. Tais direitos, uma vez constituídos,
não podem ser arbitrariamente suprimidos: nem mesmo por lei, sob pena de violação do
artigo 62.º, n.º1 CRP (propriedade privada). No sistema das fontes reportado às posições dos
sócios, temos de fazer intervir as valorações próprias da apropriação privada e dos direitos
das pessoas. Resulta, daqui, uma especial tensão, uma vez que os preceitos estatutários,
formalmente contratuais, podem ser suprimidos ou delimitados por deliberações maioritárias.
Proibir essa possibilidade rigidifica o ser coletivo. Admiti-la pode frustrar expectativas e, no
limite, prejudicar os investimentos e as associações de esforços: prevenindo a hipótese de vir
a ser despojado dos seus bens e direitos, o interessado pode abdicar de sociedades, preferindo 101
movimentar-se a solo. A solução de equilíbrio reside no regime das chamados direitos
especiais.
Os direitos especiais: a matéria dos direitos especiais consta do artigo 24.º CSC. Infere-
se desse preceito que os direitos especiais são direitos de qualquer sócio, inseridos no
contrato de sociedade e que – salvo disposição legal ou estipulação contratual expressa em
contrário – não podem ser suprimidos ou coartados sem o consentimento do respetivo titular
(n.º1 e 5). O Código das Sociedades Comercias refere, no citado artigo 24.º, a categoria dos
direitos especiais dos sócios em termos gerais. Não concretiza que precisos tipos de direitos
poderiam estar em causa. Com base na jurisprudência portuguesa, podemos apontar os
seguintes exemplos:
O direito de vincular uma sociedade por quotas, em juízo ou fora dele, apenas com
a assinatura do beneficiário;
O direito de exercer atividade concorrente com a da sociedade;
O direito de dividir ou de alienar a sua quota sem as autorizações exigidas aos demais;
O direito de alienar quotas sem possibilidade de exercício da preferência pelos demais;
O direito à gerência, altura em que a destituição só poderia operar com base em justa
causa e por via judicial.
Outras hipóteses poderiam consistir em direitos de veto, em todos ou alguns assuntos ou o
direito de perceber quinhões mais favoráveis de lucros. Os direitos especiais são intuitu
personae: estabelecidos em função de um concreto titular, eles não são transmissíveis a
terceiros, em conjunto com a respetiva quota. Não vemos, porém, razão para que uma
cláusula expressa não possa facultar essa possibilidade: artigo 24.º, n.º3 CSC. Quando os
estatutos atribuam certa posição a uma pessoa, será questão de interpretação o saber se se
trata de um verdadeiro direito especial, sujeito ao regime do artigo 24.º CSC ou se antes se
verifica uma mera designação em pacto social. Na verdade, não basta a atribuição de um
direito: é necessário uma atribuição especial. Recomenda-se, pois, que sendo esse o caso, se
diga expressamente que o direito é especial ou – melhor – que o mesmo só pode ser
suprimido com o consentimento do seu titular. O artigo 24.º, n.º2, 3 e 4 CSC fixa, depois,
regras para as sociedades em nome coletivo, por quotas e anónimas. Nos termos seguintes:
Sociedades em nome coletivo: os direitos especiais são intransmissíveis, salvo
cláusula em contrário;
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O recurso à técnica do estado: o excurso anterior logo permite concluir que a posição
jurídica do sócio é complexa. Ela contém, desde logo, direitos e deveres. A enumeração legal,
que peca certamente por defeito, mostra aspetos patrimoniais – o dever de entrada e o de
quinhoar nas perdas e o direito aos lucros – e aspetos participativos vários. Temos, ainda, o
já examinado caso dos direitos especiais, enquistados em detrimento da própria regulação
societária típica. Todos estes aspetos podem ser indefinidamente enriquecidos com recurso
aos regimes próprios dos vários tipos societários, a considerar na parte especial. Devemos,
ainda, atentar num fenómeno flagrante: os diversos direitos dos sócios são suscetíveis de se
concretizar – ou não – consoante os eventos subsequentes que rodeiem a vida da sociedade.
Por exemplo: o direito a lucros depende de haver, efetivamente, lucros e de se ter optado
pela sua distribuição. No essencial, o sócio tem o dever de entrada inicial e, depois, o direito
de sócio. Tudo o resto é mero potencial, dependendo de fatores de natureza variada.
Podemos entroncar aqui uma referência à natureza jurídica da participação social.
Tradicionalmente, ela era referida como uma relação duradoura, de participação,
entre a corporação e o seu membro. O fenómeno da sua transmissibilidade e da
complexidade do seu conteúdo levou a doutrina atenta a falar na qualidade de um
sujeito de tipo elástico. Esta ideia teve se, por razões práticas, confluir com a
conceção anterior da participação como direito subjetivo.
Menezes Cordeiro: o Direito português dispensa, porém, tais qualificações, para
poder dispensar uma tutela lata. Além disso, não vemos como verificar a participação
em torno de uma ideia de direito subjetivo quando, à partida, se reconhece que ela
envolve diversos deveres. Quedamo-nos, por isso, pela ideia de estado, propugnada
no texto. No mesmo sentido veio depor Pedro Pais de Vasconcelos, bem como
Costa Gonçalves. Podemos usar, com vantagem, a técnica do estado, elaborada no
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antigo Direito Civil para exprimir, em termos sintéticos, as muitas variáveis capazes
de interferir nas posições dos sócios.
Recordamos que o estado das pessoas pode ser entendido numa de três aceções:
O estado-qualidade, correspondente a uma determinada posição da pessoa;
O estado como complexo de situações jurídicas correspondentes a essa qualidade ou
por ela potenciadas ou condicionadas;
O estado enquanto complexo de normas jurídicas reguladoras dessa massa de
situações. 103
As referidas aceções estão interligadas. Parte-se do estado-qualidade, decorrendo, dele, as
outras duas aceções. Pois bem: ao admitir o estado de sócio, podemos exprimir, de modo
sintético, todo um mutável mas consistente conjunto de posições jurídicas que, por lei, pelo
contrato de sociedade, por outros acordos (designadamente: os parassociais) e por
deliberações societárias lhe possam advir.
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(n.º1). Têm sempre dinheiro por objeto (n.º2) devendo ver as suas coordenadas definidas no
contrato. O desenvolvimento do regime das sociedades documenta, ainda, o aparecimento
de outras adstrições, designadamente como contrapartida dos diversos direitos. Assim, no
tocante à participação nas deliberações dos sócios: se todos têm o direito de participar, cada
um tem o dever de possibilitar essa participação. O moderno Direito das sociedades
transcende o limiar bidimensional dos exclusivos relacionamentos sócios/sociedade: há,
ainda, ligações diretas entre os próprios sócios. A consideração de diversos deveres sociais
permite chamar a atenção para a proliferação, no seio do estado de sócio, de múltiplas
situações absolutas, isto é: e situações que não se inserem em relações jurídicas. Desde logo,
ocorrem deveres genéricos – de respeito, por exemplo – que não têm, como contrapeso, 107
diretos direitos subjetivos. Depois deparamos com posições potestativas, encargos, ónus e,
até, direitos absolutos. Em suma: toda a Ciência do Direito é chamada a intervir, no domínio
das sociedades comerciais e do estado de sócio.
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quota. Fixadas as categorias básicas, cumpre chamar a atenção para o facto de alguns dos
aspetos atinentes ao capital – e, daí, as entradas – estarem, no tocante às sociedades anónimas,
predispostos (em parte) pela 2.ª Diretriz das sociedades comerciais, isto é: a Diretriz n.º
77/91/CEE, de 13 dezembro 1976. Esta Diretriz tem a ver com sociedades anónimas.
Regime geral das entradas: a obrigação de entrada obedece, em geral, às regras civis.
Tem especificidades e complementações societárias, para as quais chamamos a atenção.
Quanto ao seu montante, as entradas não podem ter um valor inferior ao da participação
nominal (parte, quota ou ações) atribuída ao sócio. Poderá, eventualmente, ser superior: diz-
se, então, acima do par. Teremos, nessa eventualidade, um prémio de subscrição ou de
111
emissão, também dito ágio, que passará a integrar as reservas. A emissão acima do par (em
regra: nas sociedades anónimas) justifica-se por três ordens de razões as quais, de resto,
operam muitas vezes em conjunto:
A simples ideia de constituir certa sociedade e a congregação de esforços nesse
sentido vale dinheiro e acrescenta uma mais-valia às participações dos sócios é lógico
que a paguem, surgindo o prémio;
Independentemente dessa mais-valia, pode a sociedade gerar expectativas de negócio
que conduzam a uma sobrevalorização de mercado: justifica-se o prémio;
A sociedade, particularmente quando em funcionamento, pode representar um valor
real que ultrapasse o valor nominal do capital; havendo emissão de novas ações, isso
deve ser tido em conta, sob pena de se depauperarem os sócios antigos – e a própria
sociedade – e de se enriquecerem os novos.
Quanto ao momento do cumprimento da obrigação de entrada: ela deve ser realizada no
momento da outorga da escritura, salvo quando o contrato preveja o diferimento das
entradas em dinheiro e a lei o permita, o que sucede:
Nas sociedades por quotas até metade das entradas em dinheiro, mas o
quantitativo global dos pagamentos feitos por conta delas, juntamente com a soma
dos valores nominais das quotas correspondentes às entradas em espécie, deve
perfazer o capital mínimo fixado na lei (artigo 202.º, n.º2 CSC) o qual é, hoje, de 5000
euros (artigo 201.º CSC);
Nas sociedades anónimas pode ser diferida a realização de 70% do valor nominal
das ações, mas não o pagamento do prémio de emissão, quando previsto (artigo 277.º,
n.º2 CSC).
Para as entradas em espécie, não há diferimentos, assim como os não haverá para as
sociedades em nome coletivo. Quanto à forma do cumprimento das obrigações de entrada
em dinheiro; a lei apenas a regula quanto às sociedades por quotas (artigo 202.º, n.º3 CSC) e
às sociedades anónimas (artigo 277.º, n.º3 CSC): a soma das entradas em dinheiro já
realizadas deve ser depositada em instituição de crédito, antes de celebrado o contrato, numa
conta aberta em nome da futura sociedade, devendo ser exibido ao notário o comprovativo
de tal depósito por ocasião da escritura. Quanto às garantias da obrigação de entrada, cumpre
salientar as seguintes precauções, que se alcançam do artigo 27.º CSC:
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São nulos os atos da administração e as deliberações dos sócios que liberem total ou
parcialmente os sócios da obrigação de efetuar entradas estipuladas, salvo redução
do capital (n.º1);
A dação em cumprimento exige deliberação como alteração do contrato, seguindo-
se o preceituado quanto a entradas em espécie (n.º2);
Podem ser estabelecidas, no contrato, penalidades para a falta de cumprimento da
obrigação de entrada (n.º3); podem ocorrer hipóteses de pagamento de juros ou de
cláusulas penais;
112
Os lucros correspondentes a entradas em mora não podem ser pagos, mas podem
ser compensados com elas (n.º4); fora isso, a obrigação de entrada não pode
extinguir-se por compensação (n.º5);
A falta de uma prestação de entrada «importa o vencimento de todas as demais prestações em
dívida pelo mesmo sócio, ainda que respeitem a outras partes, quotas ou ações» (n.º6); trata-se de
uma versão reforçada (porquanto extensiva a outras partes, quotas ou ações) da perda
do benefício do prazo, prescrita no artigo 781.º CC.
Direitos dos credores: a efetivação das entradas interessa à sociedade: ela carece de
meios materiais para poder levar a cabo os fins a que se destina. Mas interessa, ainda, aos
credores da sociedade, uma vez que releva para a cobertura patrimonial dos seus direitos. O
artigo 30.º, n.º1 CSC veio, assim, referenciar dois direitos dos mesmos credores:
O exercer os direitos da sociedade relativos às entradas não realizadas, a partir do
momento em que se tornem exigíveis (alínea a));
O de promover judicialmente essas entradas, mesmo antes de se tornarem exigíveis,
desde que isso seja necessário para a conservação ou a satisfação dos seus direitos.
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Trata-se, no fundo, de uma concretização da ação sub-rogatória, prevista no artigo 606.º CC.
O artigo 30.º, n.º2 CSC prevê que a sociedade possa obstar (ilidir?) ao pedido desses credores,
«satisfazendo os seus créditos com juros de mora, quando vencidos, ou mediante o desconto correspondente à
antecipação, quando por vencer, e com as despesas acrescidas». Preceito em rigor dispensável, já que o
pagamento pode ser feito por terceiro (artigo 767.º, n.º1 CC) e antecipado pelo devedor
(artigo 779.º CC). De todo o modo, facilita a referência ao desconto e às despesas.
A proibição histórica dos pactos leoninos: segundo o artigo 22.º, n.º3 CSC:
«É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar
nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria».
Formalmente, é pena que o legislador tenha degradado este princípio para o n.º3 de um
ignoto preceito. Melhor, sob a epígrafe clássica pacto leonino, dispõe o artigo 994.º CC:
«É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta de participar
nas perdas da sociedade».
Esta proibição corresponde a preocupações materiais profundas do Direito do Ocidente,
que cumpre conhecer. Na origem do instituto temos um trecho de Ulpiano. No Direito
Romano, as sociedades leoninas eram, assim, proibidas: seriam contrárias à natureza das
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sociedade. A parte do leão e a societas leonina advêm da velha fábula de Esopo, depois
remodelada ao longo da História. Na versão original da Esopo, toava assim:
«Um leão, um burro e uma raposa, feito um pacto entre eles, andaram à caça e depois de terem
capturado uma quantidade abundante de peças, o leão encarregou o burro de as dividir. O
burro repartiu-as em três partes iguais e ofereceu aos companheiros o direito de escolher. Mas o
leão, enfurecido com aquela repartição, rangendo os dentes perante a divisão, devorou-o e impôs
a raposa repartir a presa. A raposa, pelo contrário, reuniu as três partes numa só e entregou
tudo ao leão nada deixando de lado para si. O leão, então, perguntou: “Quem te ensinou a
fazer as divisões?” E prontamente a raposa: “Ensinou-me a experiência do burro!”».
114
A Fábula mostra que o perigo dos outros torna as pessoas mais cautelosas. Com os
antecedentes apontados, a proibição de sociedades leoninas foi-se mantendo ao longo da
História, sendo acolhida nas codificações.
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deve ser esquartejado e, por um lado, não-participação nos lucros e, por outro, não-
participação nas perdas: trata-se de proposições que obedecem, nitidamente, às
mesmas valorações. Isto dito: o sócio que abdique de lucros vai sujeitar-se a eventuais
prejuízos; o que aceite todos os prejuízos vai submeter-se, eventualmente aos que
ocorram. Em qualquer dos casos, ele está a dispor, para o futuro, das vantagens que
poderia obter e está a conceder, também para o futuro, vantagens aos outros sócios.
Os Direitos do Sul, atentas as características psicológicas dos seus patrícios, sabem
que há uma permanente tentação de se dar o que (ainda) não se tem e o de assumir,
para um futuro indeterminado, obrigações sem critério. E por isso, toma medidas
coerentes: 115
o É nula a renúncia antecipada aos direitos: artigo 809.º CC;
o A cláusula penal pode ser equitativamente reduzida pelo tribunal: artigo 812.º,
n.º1 CC;
o A remissão é contratual: artigo 863.º, n.º1 CC;
o A doação não pode abranger bens futuros: artigo 942.º, n.º1 CC;
o A doação de móveis deve ser feita com imediata tradição da coisa ou por
escrito: artigo 947.º, n.º2 CC.
É nesta linha que se deve inscrever a proibição dos pactos leoninos: envolvem um
misto de renúncia antecipada aos direitos e de doação do que (ainda) não se tem. Se
alguém quiser dar lucros ou arcar com prejuízos, tudo bem: fá-lo-á, porém, na altura
concreta em que ocorram e com eficácia limitada aos valores efetivos então em jogo.
Obrigar-se, para todo o tempo, a fazê-lo poderá ir ao encontro dos frígidos valores
do Norte; não ao do calor do Sul. A nulidade dos pactos leoninos não suscita, assim,
dúvidas.
Esclarecido este ponto, cabe verificar o âmbito da proibição. É evidente que as partes,
perante uma tentação leonina, não irão exarar, expressis verbis, uma cláusula com o inerente
teor. Tal cláusula ou é dissimulada em diversas outras, ou consta de um extra, normalmente
sob a forma de um acordo parassocial. A valoração é, porém, material: atingirá todos os
dispositivos que, seja qual for a sua localização ou a sua configuração, conduzam à prévia e
indeterminada disposição de lucros ou à também prévia e indeterminada assunção de
prejuízos. Verificada a nulidade do pacto – ou a cláusula – leonina, a doutrina tem reclamado,
sob inspiração italiana, a aplicação – ou a aplicabilidade – do instituto da redução: a sociedade
vigoraria sem a parte viciada, salvo se se demonstrasse que, na sua falta, as partes não teriam
contratado (artigo 292.º CC). Não é tão simples. Uma sociedade leonina não é uma sociedade
comum com uma cláusula leonina: surge, antes, como um negócio uno e distorcido em toda
a sua conceção. A redução não o pode salvar: apenas a conversão lhe valeria, desde que
verificados os requisitos do artigo 293.º CC: teremos de atender ao fim das partes e à sua
vontade hipotética, com uma diferente distribuição do ónus da prova.
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Mesmo quando tomada, tal deliberação não deve ser executada pelos administradores
quando tenham fundadas razões para crer: (i) que alterações ocorridas no património
social tornariam a distribuição ilícita perante o artigo 32.º CSC, que, de todo o modo,
violem os artigos 32.º e 33.º CSC ou (ii) que assentou em contas inadequadas (n.º2);
quando optem pela não execução, os administradores devem requerer inquérito
judicial;
A distribuição também não terá lugar após a citação da sociedade «para a ação de
invalidade de deliberação de aprovação do balanço ou de distribuição de reservas ou lucros de
exercício» (n.º4) sendo os autores de tal ação responsáveis, solidariamente, pelos
prejuízos que causem aos outros sócios, quando litiguem temerariamente ou de má 118
fé (n.º5).
Os bens indevidamente recebidos pelos sócios devem ser restituídos à sociedade: tal o
sentido geral do artigo 34.º CSC. Todavia, fica protegida a posição dos sócios de boa fé
(artigo 34.º, n.º1 CSC) sendo o todo aplicável aos transmissários dos direitos dos sócios (n.º2).
Os credores podem propor ação para restituição, à sociedade, das importâncias em causa,
tendo ainda ação contra os administradores (artigo 34.º n.º3 CSC). O n.º4 regula o ónus da
prova, enquanto o n.º5 alarga o dispositivo da restituição a «qualquer facto que faça beneficiar o
património das referidas pessoas dos valores indevidamente atribuídos». Temos, aqui, manifestações do
instituto da repetição do indevido (artigos 476.º CC).
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efetivos que assegurem a pretendida cobertura. O Direito das sociedades comerciais deve
traduzir o império da verdade económica e funcional: não uma área de formalismo. O artigo
33.º, n.º3 CSC proíbe a distribuição das chamadas reservas ocultas. Duas razões depõem
nesse sentido:
Sendo ocultas, as reservas escapam ao conhecimento e ao controlo dos sócios e de
credores; a sua distribuição surgiria como uma pura disposição do património social;
Não constando da contabilidade, as reservas ocultas põem em crise a verdade do
balanço e da prestação de contas, mais se agravando essa situação com a sua
distribuição. 119
Este preceito tem, ainda, um papel importante: a contrario, diz-nos que podem ser distribuídas
as reservas cuja existência e cujo montante figurem, expressamente, no balanço. E, a fortiori,
elas poderão ser usadas para, por exemplo, cobrir prejuízos transitados. Finalmente, o artigo
33.º, n.º4 CSC traduz um afloramento do princípio da verdade e da transparência: havendo
distribuição de reservas, seja em que termos for, a deliberação deve mencioná-lo, de modo
expresso. Como vimos, o artigo 33.º, n.º1 CSC referia a hipótese de haver reservas impostas
por lei. Encontramos agora, no artigo 295.º CSC, a imposição de tal reserva: a reserva legal.
O n.º1 desse artigo dispõe:
«Uma percentagem não inferior à vigésima parte dos lucros da sociedade é destinada à
constituição da reserva legal e, sendo caso disso, à sua reintegração, até que aquela represente a
quinta parte do capital social. No contrato de sociedade podem fixar-se percentagens e montante
mínimo mais elevados para a reserva legal».
O regime da reserva legal é, depois, complementado pelo artigo 296.º CSC. Quadro do
regime da reserva legal é claro e preciso:
Advém de, pelo menos, 1/20 dos lucros anuais;
Até atingir 1/5 do capital social;
E só podendo ser usada para os fins do artigo 296.º CSC.
As cifras podem ser majoradas pelo pacto social: não diminuídas. O artigo 295.º CSC dispõe,
de seguida:
«Ficam sujeitas ao regime da reserva legal as reservas constituídas pelos seguintes valores:
«a) Ágios obtidos na emissão de ações ou obrigações convertíveis em ações, em troca destas por
ações e em entradas em espécie;
«b) Saldos positivos de reavaliações monetárias que forem consentidas por lei, na medida em
que não forem necessários para cobrir prejuízos já acusados no balanço;
«c) Importâncias correspondentes a bens obtidos a título gratuito, quando não lhes tenha sido
imposto destino diferente, bem como acessões e prémios que venham a ser atribuídos a título
pertencentes à sociedade».
O n.º3 explica, com diversos pontos, em que consistem os ágios referidos na alínea a):
englobam, designadamente, o chamado prémio de emissão das ações. Pergunta-se: as
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reservas em causa ficam sujeitas a todo o regime legal ou apenas a parte dele? Com a seguinte
consequência prática:
Se for a todo o regime legal, as reservas facultativas elencadas no artigo 295.º, n.º2
CSC só ficariam congeladas até à ocorrência de 1/5 do capital social;
Se for parte do regime – e sendo a parte o artigo 296.º CSC –, ficariam congeladas
sem limite de montante.
Questão nem deveria pôr-se: se a lei remete para o regime legal, é obviamente todo.
Fazer amputações apenas poderá conduzir a distorções em absoluto inimputáveis a
120
qualquer legislador razoável, como adiante melhor se verá.
A manutenção das reservas legais: o artigo 295.º, n.º2 CSC, quando sujeita ao regime
da reserva legal determinadas reservas livres, designadamente as constituídas pelos prémios
de emissão de ações, fá-lo apenas nos limites de 1/5 do capital social e isso se essa parcela
não estiver já coberta pela reserva legal e na medida em que isso (não) suceda. E assim sucede
por várias razões, todas elas confluentes e que passamos a referenciar. Em primeiro lugar,
temos um claro elemento gramatical. O artigo 295.º, n.º2 CSC sujeita determinadas reservas
livres «ao regime da reserva legal». O artigo 295.º, n.º1 CSC indica os primeiros e mais impressivos
traços do regime da reserva legal: o modo de constituição e o montante. E é nessa sequência
que o n.º2 explicita: ficam sujeitas ao regime da reserva legal. Esse aspeto quantitativo do
regime estava direta e necessariamente em causa, parecendo, impensável vir escamoteá-lo,
apelando apenas a aspetos mais distantes. Em terceiro lugar, um elemento sistemático. Todo
o sistema do Código aponta para um regime de mínimos, os quais são ultrapassados por
expressa disposição estatutária. Alcançados esses mínimos, a própria reserva legal
excedentária fica disponível. Não se compreende como , de modo enviesado, o legislador iria
ampliar a latere, sem limite e à custa da liberdade empresarial, as verbas congeladas. Neste
ponto, a globalidade do sistema, com apoio na autonomia privada e no espaço de liberdade
que necessariamente aflora nas sociedades comerciais, sempre exigiria a solução que
propugnamos. A hipótese inversa, por contrariedade ao sistema e a valores fundamentais,
suscitaria, inclusive, problemas de (in) constitucionalidade, a prevenir pela interpretação.
Generalidades; as redações do artigo 35. CSC: o artigo 35.º CSC dispõe sobre a
eventualidade da perda de metade do capital social das sociedades comerciais. Trata-se de
um preceito muito atormentado, que obteve estudos nossos, de Paulo Olavo Cinha, de Paulo
de Tarso Rodrigues e de Alexandre Mota Pinto, entre outros. O Decreto-Lei n.º 184/87, 21
abril, introduziu no Código, um novo título VII, referente a disposições gerais e de mera
ordenação social. Contem-se, aí, o artigo 523.º, com o teor seguinte:
«O gerente, administrador ou diretor de sociedade que, verificando pelas contas de exercício estar
perdida metade do capital, não der cumprimento ao disposto no artigo 35.º, n.º1 e 2, deste Código será
punido com prisão até três meses e multa até 90 dias».
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O Decreto-Lei n.º 237/2001, 30 agosto, veio atingir diversos preceitos do Código, de modo
a reduzir as exigências de escritura pública. Nesse contexto – ou antes: fora dele – dispôs, no
artigo 4.º:
«O artigo 34.º do Código das Sociedades Comerciais entra em vigor na data da entrada em
vigor do presente diploma».
O Decreto-Lei n.º 162/2001, 11 julho, modificou os artigos 35.º e 141.º CSC. Até que o
Decreto-Lei n.º 19/2005, 18 janeiro, lhe veio dar um novo rosto; este Decreto-Lei alterou,
ainda, os artigos 141.º e 171.º CSC determinando o seu artigo 2.º uma aplicação retroativa:
produz efeitos desde 31 dezembro de 2004. Por fim, o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, 29 março, 121
veio introduzir mais uma pequena modificação.
As consequências: verificadas as tais perdas graves (artigo 35.º, n.º1, 2.ª parte CSC):
«devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral ou os administradores requerer
prontamente a convocação da mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes
tomarem as medidas julgadas convenientes».
Desde logo merece reparo a pesada redação de todo este preceito. Não caberia, aliás, a este
normativo especificar o modo de convocar a assembleia geral, figura que, de resto, só é
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Participações sociais
Sociedades em Nome Sociedades por
Sociedades Anónimas
Coletivo Quotas
Partes Sociais Quotas Ações
Artigo 271.º CSC
Artigo 176.º, n.º1, Artigo 199.º, alínea a)
alíneas c) CSC CSC
Podem ser
Nominativas Ao portador
É diferente dos títulos representativos das ações permitem à
sociedade agora revogadas 123
Documento que identifica as sociedades e as ações saber a cada
no seu valor, número e o nome do sócio que é seu momento o permitiam à
titular seu titular e sociedade saber
portador quem era o seu
(artigo 299.º titular, apenas
CSC)
Tituladas Escriturais
representadas são
em papel, a que desmaterializadas
se apelida de e registadas em
título, forma conta. Essa conta
tradicional de poderá ser
representação e aberta: junto de
a existente em intermediário
muitas financeiro,
sociedades integrada em
cujo capital não sistema
se encontra centralizado;
disperso e não junto de
se encontra intermediário
admitido à financeiro
negociação em indicado pelo
mercado emitente; ou em
regulamentado. conta aberta
Dai se apelidar junto do
a esta emitente ou do
representação intermediário
das ações financeiro que o
como de representa (artigo
titulada. 61º do CVM).
Próprias dos sócios
Ações detidas
Ações da
pela própria
sociedade cujo
sociedade
titular é o sócio
emissora
Artigo 316.º
Artigo 274.º CSC
CSC
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Categorias básicas: como foi referido, a comparticipação dos sócios na vida societária
constitui um dos aspetos básicos do estado em que se inserem. Aí se concretiza o seu direito
ao trabalho e ao seu direito à iniciativa privada: pessoal e económica. O Direito português
contém importantes elementos para a elaboração da inerente categoria. A comparticipação
dos sócios na vida societária obedece, antes de mais, à autonomia privada e à sua livre
iniciativa. Esta processa-se, contudo, no quadro da lei, dos estatutos da sociedade e, ainda,
de determinados acordos celebrados pelos sócios: são os chamados acordos parassociais. Os
acordos parassociais são convénios celebrados por sócios de uma sociedade, nessa qualidade;
visam, além disso, regular relações societárias. Distinguem-se, em abstrato, do próprio pacto
social, uma vez que apenas respeitam aos sócios que os celebrem, sem interferir no ente
coletivo. E distinguem-se igualmente de quaisquer outros acordos que os sócios possam
celebrar entre si por, no seu objeto, respeitarem a verdadeiras relações societárias.
Compreende-se a delicadeza da figura; através de acordos parassociais, os sócios podem
defraudar todas as regras societárias e, ainda, os próprios estatutos. Por isso, os diversos
ordenamentos têm tecido, em torno dos acordos parassociais, múltiplos esquemas restritivos.
Os acordos parassociais podem respeitar ao exercício do direito de voto: seja no tocante a
aspetos pontuais, seja no que respeita à estratégia geral da sociedade, no âmbito da política
do pessoal ou da própria empresa. Por vezes, implicam verdadeiras deliberações prévias.
Podem ainda regular o regime das participações sociais, fixando preferências ou variados
processos de alienação. Neles os sócios podem obrigar-se a subscrever aumentos futuros de
capital ou a constituir novas sociedades complementares.
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intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados atos da sociedade ou dos sócios
para com a sociedade.
«2 – Os acordos referidos no número anterior podem respeitar ao exercício do direito de voto,
mas não à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de
administração ou de fiscalização.
«3 – São nulos os acordos pelos quais um sócio se obrigue a votar:
«a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos;
«b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes; 125
«c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de
vantagens especiais».
O artigo 17.º CSC admite os acordos parassociais. Com isso, altera a orientação antes
prevalente de os considerar excluídos, por falta de base legal. Todavia, o n.º1 desse preceito
apenas lhes confere uma eficácia obrigacional: produzem efeitos entre os sócios
intervenientes e, na sua base, não podem ser impugnados atos da sociedade ou de sócios para
com a sociedade. Retiramos ainda daqui que não é possível a execução específica de acordos
parassociais. Repare-se: o voto tem efeitos societários: não meramente obrigacionais. Admitir
uma ação de cumprimento (que teria aqui, de ser uma execução específica, já que o voto é
uma declaração de vontade que, não sendo emitida pelo próprio, teria de o ser pelo tribunal)
seria conferir, ao acordo parassocial, uma eficácia supra partes. O Direito alemão admite-o; o
Direito português não. Em geral, o legislador do artigo 17.º CSC não foi feliz. A sanha
tradutora e a subserviência perante textos comunitários têm impedido a gestação de um
pensamento jurídico nacional: a realidade sócio-económica não será idêntica à de Além-Reno.
O Direito comparado mostra que, na Alemanha, os acordos parassociais são úteis: permitem
dar coerência ao funcionamento das sociedades, num País onde se assiste a uma pulverização
do capital social. Já nos países latinos, os acordos parassociais traduzem, muitas vezes,
esquemas de controlo do poder ou de take over, à margem sócios dos minoritários. As leis
latinas têm sido prudentes quanto à sua admissibilidade. O súbito entusiasmo pró-acordos
parassociais poderá ser menos adequado. Assim, ele foi compensado pela relativização dos
acordos. Eles são admitidos, mas com uma eficácia contida inter partes. O funcionamento da
sociedade não pode ser diretamente perturbado. Além disso, o acordo parassocial não
comporta execução específica: a isso se opõe a natureza das obrigações assumidas. Querendo
conferir uma eficácia absoluta aos acordos parassociais, as partes têm, todavia, um caminho
em aberto: o de estabelecer pesadas cláusulas penais. Cabe agora aos tribunais, através do
exercício prudente e criterioso da faculdade de redução, equitativa (artigo 812.º CC),
moralizar esse procedimento, lícito à partida. No tocante às sociedades abertas, o CVM
inseriu uma norma da maior importância. O seu artigo 19.º, n.º1 CVM determinou que os
acordos parassociais que visem adquirir, manter ou reforçar uma participação qualificada em
sociedade aberta ou assegurar ou frustrar o êxito de oferta pública de aquisição devem ser
comunicados à CMVM por qualquer dos contraentes no prazo de três dias após a sua
celebração. A CMVM poderá determinar a publicação total ou parcial do acordo (n.º2). Por
fim, o n.º5 considera anuláveis as deliberações sociais tomadas na base de acordos não
comunicados ou não publicados, salvo se os votos em causa não tiverem sido determinantes.
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Outras restrições: o artigo 17.º, n.º3 CSC, veio, nas suas alíneas a) e b), proibir os acordos
segundo os quais o sócio deveria votar seguindo sempre as instruções dos órgãos sociais ou
aprovando sempre as propostas por eles feitas. No fundo, os sócios delegariam os seus votos,
materialmente, nos órgãos sociais, os quais tomariam as decisões substantivas. Várias razões
foram decantadas, no Direito alemão, para justificar esta proibição. A delegação do sentido
do voto nos órgãos sociais equivale à dissociação entre o capital e o risco: tudo se passaria
128
como se a sociedade, à margem do permitido, detivesse ações próprias. Mais importante nos
parece o facto de, por esta via, se contornar, novamente, o princípio da tipicidade societária:
o acordo parassocial iria estabelecer uma orgânica paralela, à margem da oficial. A evolução
das sociedades anónimas mostra que o sistema de reconhecimento automático teve como
contrapeso a divisão dos poderes dentro da sociedade e o estabelecimento de instâncias de
fiscalização. Tudo isto de perde quando o sentido do voto passe a ser dimanado pela
sociedade ou pelos seus órgãos. A proibição dos acordos de delegação é importante e
corresponde a dados estruturantes do sistema. Apenas teremos de interpretar restritivamente
as locuções sempre (alíneas a) e b) do n.º3 do artigo 17.º CSC) sob pena de tirar qualquer
alcance prático aos preceitos. O artigo 17.º, n.º3, alínea c) CSC proíbe os acordos pelos quais
alguém se comprometa a votar (ou a não votar) em certo sentido, mediante vantagens
especiais. Trata-se da proibição da chamada compra de votos. O preceito justifica-se pela
necessidade de fazer corresponder o risco à detenção do capital. De outro modo, a
autocontenção subjacente às sociedades modernas perder-se-ia. Além disso, estaria aberta a
porta aos mais graves atentados ao interesse social, isto é, ao interesse comum dos sócios,
garantia do interesse geral. A doutrina explica que estão em causa quaisquer vantagens
especiais, desde que operem como conexão, direta ou indireta, do voto. Elas nem teriam de
apresentar natureza patrimonial. Também é seguro que a vantagem pode resultar de um
acordo mais vasto. Trata-se, agora, de interpretar o acordo parassocial, no seu conjunto, de
modo a, dele, retirar a eventual concessão de vantagens, a troco do voto.
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A informação em Direito: o artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, inclui, entre os direitos dos
sócios, o de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato. O
termo lei refere-se, na realidade, ao Direito e à sua Ciência. Temos, pois, todo um vasto
campo, encoberto sob o direito à informação. À partida, devemos ter presente que o Direito
das sociedades é um Direito relativo a bens imateriais. Poderemos conceber sociedades muito
simples, em que os diversos sócios acompanhem, no momento, o desenrolar das atuações
societárias, atuações essas que , para mais, se reduziriam a operações de tipo material sobre
coisas corpóreas. Em regra, porém, isso não ocorre. O Direito das sociedades só funciona
através de intrincada e permanente rede de informações, trocadas com a maior naturalidade
entre todos os intervenientes. De resto, isso sucede em boa parte das situações jurídicas,
assentes em vínculos imateriais. O Direito das sociedades fica incluído nesse universo,
assumindo as informações diversos papeis. A omnipresença das informações tem levado o
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Direito a descurar a sua análise. Trata-se de algo pressuposto e que todos conhecem,
independentemente de quaisquer considerações dogmáticas. Todavia: a presença de
específicos esquemas destinados a proporcionar informações societárias e, ainda, o facto de
a informação – como todo o direito – não poder ser absoluta, leva o Direito das sociedades
a providenciar esquemas explícitos, no Direito privado. Os quadros subsequentes não são,
de resto, específicos para o Direito das sociedades embora, aí, tenham uma especial razão de
ser. A dogmática da informação é preenchida, fundamentalmente, com uma ponderação de
diversas classificações de deveres: dão uma ideia imediata sobre vários parâmetros do seu
regime. Retemos, designadamente, distinções com base nos seguintes critérios:
1. A base jurídico-positiva: Quanto à base jurídico-positiva, os deveres de informação 130
podem resultar:
De regras estritas indeterminadas: ocorrem institutos carecidos de
concretização: por exemplo, o dever de informar pré-contratual, assente na boa
fé (artigo 227.º, n.º1 CC) ou o dever de informar na pendência do contrato,
derivado da mesma bona fides (artigo 762.º, n.º2 CC);
De regras estritas: temos prescrições de informação que definem deveres à parte
(mais) densos. Na hipótese das regras estritas, logo se impõe uma subdistinção:
o Regras estritas comuns: cobrem uma generalidade indeterminada de situações
hipotéticas: tal obrigação predisposta nos artigos 573.º e seguintes CC.
o Regras estritas especiais: impõem-se mercê de normas jurídicas destinadas a
contemplar situações regulativas próprias de setores delimitadores. Assim
sucede com o artigo 75.º, n.º1 RGIC, para o setor bancário e com o citado
artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, para as sociedades comerciais, ou o artigo
417.º CPC, para o domínio processual. O regime geral dos artigos 573.º e
seguintes CC, é importante: ele terá aplicação, em todas as situações
relevantes, em termos de informação, sempre que lei especial não imponha
regime diverso. Trata-se de um regime simples e evidente:
Alguém tem de ter uma dúvida fundada quanto à existência ou ao
conteúdo de um direito – o direito de base – estando outrem em
condições de prestar informações necessárias.
Podendo o direito efetivar-se por via judicial, se não for
espontaneamente acatado;
2. A fonte: será, aqui, o facto jurídico que dê azo ao dever de informação. Na origem
encontramos, inevitavelmente: um direito duvidoso, quanto à existência ou ao teor e
alguém em posição de esclarecer. Quem saiba tudo não carece de informação, assim
como quem não saiba, não pode informar. Tempos, porém, uma contraposição
interessante:
O facto específico: corresponderá a uma precisa eventualidade que gere o dever
de informar: por exemplo, a ocorrência de negociações pré-contratuais ou o
evento de feição incerta que acione certas regras;
O status: é uma qualidade geral do sujeito que o habilita a colher informações.
Neste caso, o beneficiário poderá ficar isento de provar os concretos elementos
que fundariam o direito à informação: é o que sucede com o sócio.
3. O conteúdo: o dever de informação poderá assumir as mais variadas feições: tudo
depende do teor da comunicação a veicular. De todo o modo, são possíveis ordenações
e, designadamente, as que distingam:
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se, além disso, de um fenómeno conhecido noutras áreas jurídicas; a sua dogmatização
constituía, seguramente, um fator de progresso e de aperfeiçoamento. O seu estudo mantém-
se, porém, algo disperso. O Direito à informação encontra-se disperso por várias fontes legais.
Assim e sem preocupação de exaustividade, cumpre referir:
Artigo 998.º, n.º1 CC: os sócios têm, injuntivamente, o direito de obter dos
administradores as informações de que necessitem sobre os negócios das sociedades,
de consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de contas;
Artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC: direito (geral) de obter informações sobre a vida da
sociedade;
Artigos 35.º, n.º1, 65.º e 66.º CSC: dever de relatar a gestão, com determinados 132
elementos;
Artigos 91.º, n.º2, 94.º, 98.º a 101.º, 119.º, 120.º e 132.º CSC: deveres de informação
relacionados com alterações do capital, fusões e cisões e transformações de
sociedades;
Artigos 146.º, n.º2, 152.º, n.º1, 155.º e 157.º CSC: deveres de informação cometidos,
direta ou indiretamente, aos liquidatários;
Artigos 181.º, 214.º a 216.º e 288.º a 293.º CSC: direito à informação nas sociedades
em nome coletivo, por quotas e anónimas, respetivamente.
Há, ainda, que lidar com regras específicas referentes à gestão e à fiscalização de diversos
tipos sociais. Estas normas surgem algo tópicas: muito ligadas aos problemas que as vieram
a ocasionar. Podemos proceder à sua ordenação em função de vários critérios e nos termos
que seguem. A informação pode ser:
Ordinária: quando tenha a ver com a gestão comum da sociedade e com os negócios
que não caiam sob específicas previsões de informar;
Extraordinária: sempre que se reporte a hipóteses específicas: reduções ou
aumentos de capital, fusões, cisões ou transformações de sociedades: todas essas
eventualidades obrigam a específicas informações.
Com base no ensejo, relativamente à tomada de decisões, podemos distinguir:
A informação permanente: prestada a todo o momento, a pedido do sócio, ela
prevalece nas sociedades de pessoas;
A informação prévia: ocorre antes de cada assembleia geral, como prelúdio para
uma deliberação esclarecida; prevalece nas sociedades de capitais;
A informação em assembleia: efetivada em plena assembleia, como modo de
instruir o debate; normalmente têm-se em vista as sociedades anónimas; todavia,
também se aplica às sociedades por quotas.
Estes tipos de informação tomam corpo, quanto às sociedades anónimas, nos artigos 288.º,
289.º e 290.º, respetivamente.
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uma ação. Por isso, o Direito dos diversos países, com recurso a vários esquemas técnico-
legislativos, procura fixar círculos ou âmbitos de acessibilidade de informações societárias,
consoante as pessoas que a elas tenham acesso. A matéria tende a ser desenvolvida com base
nas sociedades anónimas: aquelas que, pela sua natureza e pelo relevo que assumem, mais
informações poderão ter para dar. Caso a caso haverá, depois, que ponderar a sua
aplicabilidade aos outros tipos societários e às próprias associações. A benefício de inventário,
vamos adiantar a existência de quatro círculos de matéria informativa societária, ordenados
em função do acesso que a eles se tenha:
Informação pública: é disponibilizada a todos os interessados, sócios ou não sócios.
Ela resulta do registo comercial e das publicações obrigatórias, nos termos acima 133
apontados. Ela poderá ainda ser disponibilizada ao balcão de sociedades que tenham
estabelecimentos abertos ao público e nos quais se transacionem valores que tenham
a ver com a própria sociedade, ou produtos para os quais certas características da
sociedade possam ter relevo. Por exemplo: saber se determinada agência de viagens
é uma sucursal de uma multinacional da especialidade.
Informação reservada: é a que assiste aos sócios, devendo ser colhida nos termos
da lei e do contrato, nas palavras do artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC. Tendencialmente,
ela deveria assistir a todos os sócios: porém, a extrema dispersão do capital de certas
sociedades anónimas, que poderia colocar algumas dezenas de milhares de pessoas
em condições de pedir informações, com grandes custos para a própria sociedade,
levou a limitar, nas anónimas, alguma informação reservada, aos detentores de 1%
do capital social – artigo 288.º, n.º1 CSC.
Informação qualificada: assiste apenas a sócios que detenham posições mais
consideráveis no capital da sociedade: participações ditas qualificadas. É o que sucede
com as sociedades anónimas, onde, para aceder a certos elementos, se requerem 10%
do capital social agrupado (artigo 291.º CSC) ou com as sociedades por quotas, onde,
em princípio, todas as participações são consideradas, para este efeito, qualificadas
(artigo 214.º CSC). A informação qualificada mergulha mas funda na vida da
sociedade.
Informação secreta: pura e simplesmente, não pode ser disponibilizada aos sócios.
Trata-se, fundamentalmente, de informação sujeita a sigilo profissional ou de
informação que, a ser divulgada, poderia prejudicar os sócios ou a própria sociedade.
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O artigo 291.º, n.º4 CSC parece fazer ceder a informação secreta perante a invocação de se
tratar de efetivar a responsabilidade dos administradores ou de outros titulares de órgãos.
Tem de ser interpretado restritivamente. O segredo profissional não pode ceder a não ser
em casos previstos na lei e com intervenção do juiz. Além disso, temos de lidar com a
intimidade da vida privada, que pode estar envolvida e que deve ser respeitada. Por outro
lado, o valor responsabilizado dos administradores deve ser ponderado quando conflitue
com o prejuízo da sociedade ou dos sócios. Finalmente, temos a informação secreta. Fica
logo abrangida a informação coberta pelo segredo profissional (Artigo 291.º, n.º4, alínea c)
CSC). Além disso, está em causa:
Informação a usar fora dos fins da sociedade ou (apenas) para prejudicar, seja a 136
própria sociedade, seja algum acionista (artigo 291.º, n.º4, alínea a) CSC);
Informação que, de todo o modo, possa prejudicar relevantemente a sociedade ou
algum acionista (artigo 291.º, n.º4, alínea b) CSC).
Como balanço geral de toda esta matéria e tendo em conta a concreta experiência das
empresas portuguesas, cumpre sublinhar o que segue. A assembleia geral só pode deliberar
sobre matérias de gestão da sociedade a pedido do órgão de administração (artigo 373.º, n.º3
CSC). Quer isto dizer que ele opera mais como um fórum de discussão e de descompressão
do que como um lugar onde se joguem verdadeiras opções societárias: nas sociedades
anónimas e nas sociedades por quotas que, delas, se aproximem. A informação altamente
especializada não tem, em regra, aí, qualquer interesse. Quanto às informações qualificadas:
a realidade do nosso País mostra que são, aí, frequentes os conflitos de interesses. Os 10%
de acionistas que pretendem aceder aos assuntos da sociedade são, muitas vezes, elementos
de grupos concorrentes, que obtiveram na bolsa ou em processos de reprivatização, as
participações que invocam. Nessas condições, pensamos que a informação pode ser negada,
ao abrigo da cláusula do maior perigo. A lei deve ser fonte de justiça: não de gratuita
litigiosidade entre os operadores privados.
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o seu exercício efetivo ou o seu âmbito7. O direito a informação não se constitui quando
impossível; cessa, ainda, por impossibilidade superveniente e, em especial, pela perda da
informação solicitada. Pode, ainda, ser concretamente inexigível: pense-se em pedidos
maciços de informação em plena assembleia, com catálogos ou listas intermináveis. Ele
extingue-se, nos termos gerais, pelo cumprimento e por renúncia. Também podemos
configurar a sua cessação pela publicitação geral do elemento solicitado.
Natureza e abuso: o direito à informação é uma posição pessoal que integra o status de
sócio. Podemos distinguir o direito abstrato à informação ou a pedir informações e o direito
concreto, potestativamente constituído, perante situações que possibilitem a sua efetivação.
138
Trata-se, de todo o modo, de uma posição ativa de cariz potestativo, que se vai adaptando
aos diversos tipos societários: pode, designadamente, ser de exercício individual ou coletivo.
Apesar da apregoada natureza pessoal, o direito à informação insere-se na realidade
patrimonial das participações societárias: já lhe tem sido dispensada a tutela específica da
propriedade privada, constitucionalmente garantida. Além dos casos acima apontados em
que o exercício do direito à informação é legalmente vedado, podemos genericamente
apontar a possibilidade de o bloquear por abuso ou por violação da lealdade. No fundamental
e perante o Direito português, estarão em causa as seguintes sub-hipóteses:
Venire contra factum proprium: ocorre quando o sócio tenha, com credibilidade,
inculcado na sociedade a convicção de que não iria exercer o seu direito e, depois, o
exerça, provocando danos.
Tu quoque: configura-se quando a informação decorra de um ilícito perpetrado pelo
sócio interessado o qual, assim, nada mais faria do que aproveitar o malefício próprio.
Desequilíbrio no exercício: temos desequilíbrio: o sócio, para uma vantagem mínima,
pede elementos que irão provocar um esforço máximo à sociedade.
Ocorre aqui perguntar se o direito à informação é meramente instrumental ou puramente
funcional. A eventual opção por este último termo indigitaria nova hipótese de abuso: a de
um pedido de informação fora do escopo legítimo. Mas não: o Direito português configura
a informação como um elemento a se: autónomo de quaisquer concretas finalidades. Estas
só relevam pela negativa, quando se pretenda usar a informação para fins estranhos à
sociedade ou para prejudicar terceiros. E assim substancializamos a informação. Parte
integrante do status de sócio, ela dá corpo à propriedade privada, à livre iniciativa económica
e à própria liberdade de associação. Vale por si. Não é instrumental. Finalmente, uma
referência ao abuso da própria informação, quando reservada ou privilegiada, também
conhecida por insider trading. Desta feita, trata-se de usar informação que se tenha obtido a
nível interno e que não seja conhecida pelas outras pessoas, para conseguir vantagens
extraordinárias e, designadamente: vendendo caro o que se saiba vai descer ou comprando
barato o que se conheça ir subir. Hoje, tal prática é incriminada pelo artigo 378.º CVM.
7 O artigo 214.º, n.º2, 2.ª parte CSC, ressalva ainda, com ênfase, a hipótese de o direito à informação em três
situações: hipotética responsabilidade do seu autor, exatidão dos documentos de prestação de contas e
habilitação para o exercício do voto.
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deliberações sociais, causada pela recusa injustificada de informações (artigos 58.º, n.º1, alínea
c) e 290.º, n.º2 CSC). Também se nos afigura aplicável o esquema geral do incumprimento
das obrigações, com as indemnizações conexas: danos patrimoniais e não patrimoniais. No
tocante a este último aspeto, cabe explicar: embora o direito à informação se inscreva num
status essencialmente patrimonial, ele envolve uma dimensão pessoal. O sócio a quem, para
mais em público, seja recusada informação pertinente vê atingida a sua honra e o seu direito
de participar, ativamente, em iniciativas que lhe competem. Este aspeto deve ser
contemplado, até porque, muitas vezes, não se documentarão danos patrimoniais. O papel
retributivo e de preservação, geral e especial, da responsabilidade surgirá, então, com clareza.
Certas informações dispõem de garantias específicas. A não apresentação do relatório de 139
gestão, das contas de exercício e dos demais documentos de contas dá azo ao inquérito
previsto no artigo 67.º, n.º1 CSC. O juiz, ouvidos os administradores, poderá então adotar
uma das medidas previstas no n.º2 desse preceito. Este inquérito não se confunde com o
inquérito judicial previsto nos artigos 216.º e 292.º CSC e regulado nos artigos 1048.º do
Código de Processo Civil. O inquérito judicial surge como um procedimento complicado e
pesado, a usar, somente quando necessário. Ele apenas deve ser pedido (artigos 216.º e 292.º,
n.º1 CSC) quando tenha sido recusada informação solicitada ao abrigo dos artigos 214.º,
288.º e 291.º CSC ou prestada informação presumivelmente falsa, incompleta ou não
elucidativa. Com oscilações, a jurisprudência admite que ele seja usado pelos próprios
administradores (gerentes). É essa a opção mais adequada. Feito o pedido, o juiz tem um lato
poder, no tocante à concretização das medidas a aplicar. Fundamentalmente, ele pode
determinar que seja prestada a informação em falta ou fixar prazo para a apresentação das
contas (artigo 1049.º CPC). Pode optar pelo inquérito à sociedade, fixando os pontos que a
diligência deve abranger e nomeando perito ou peritos para a investigação (artigo 1049.º, n.º2
CPC). O investigador poderá praticar os atos elencados no artigo 1049.º, n.º3 CPC, ou outros
que lhe sejam especificamente cometidos pelo juiz. São possíveis medidas cautelares (artigo
1050.º CPC). Finalmente, o artigo 292.º, n,º2 CSC prevê medidas draconianas:
a) A destituição das pessoas cuja responsabilidade por atos praticados no exercício de
cargos sociais tenha sido apurada;
b) A nomeação de um administrador ou diretor;
c) A dissolução da sociedade, se forem apurados factos que constituam causa de
dissolução, nos termos da lei ou do contrato, e ela tenha sido requerida.
O artigo 292.º, n.º6 CSC chega a admitir que o inquérito seja requerido sem precedência do
pedido de informações à sociedade se as circunstâncias do caso fizerem presumir que a
informação não será prestada ao acionista, nos termos da lei. O inquérito judicial é,
efetivamente, um esquema destinado a enfrentar problemas bem mais graves do que a não
prestação de informação ou a informação inexata.
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Evolução geral: o facto de, na deliberação, se articularem várias vontades humanas obriga,
como se viu, a toda uma construção dogmática. Esta não surgiu de um momento para o
outro, antes tendo requerido uma evolução complexa. Num primeiro momento, a
deliberação surge como um dado empírico, de tipo psicológico: várias pessoas, juntas,
manifestam uma vontade unânime ou predominante num certo sentido; tal sentido é
imputado ao ente coletivo, como se de uma pessoa se tratasse.
Von Gierke, com as suas construções orgânicas, apresentou a deliberação como um
ato conjunto (Gesamtakt), que absorveria as singulares manifestações de vontade que
o precedessem; esse ato seria imputado ao ente coletivo. A necessidade de dar (algum)
tratamento individualizado a tais manifestações singulares de vontade levou alguma
8Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
Coimbra, Maio 2011.
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10 Exceto, supletivamente, nas sociedades em nome coletivo: artigo 190.º, n.º1 CSC.
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§29.º - A ata
11Não se confunda esta situação com o voto escrito previsto no artigo 247.º, n.º1 CSC, para as sociedades por
quotas: aí, a iniciativa é da gerência e não se exige qualquer unanimidade.
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12 Pode-se, então, com o conhecimento e o acordo de todos, proceder à gravação da reunião, transcrevendo,
a partir daí, o teor das intervenções. Na falta de consentimento prévio dos interessados, poderemos estar
perante uma violação do direito à imagem ou do direito à palavra.
13 Dentro da orientação geral de que a forma escrita tem um especial simbolismo para as pessoas, alcançando,
assim, uma dimensão mais profunda do que a facultada por meios mais cabais e fidedignos de reprodução dos
factos.
14 A lei refere o valor probatório do artigo 63.º, n.º1 CSC: aparentemente pleno. Veremos, todavia, que esse
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Forma solene e aprovação: as atas podem ser lavradas por notário; mais precisamente,
através de instrumento avulso. Assim sucederá, segundo o artigo 63.º, n.º6 CSC:
Quando a lei o determine;
Quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere;
Quando, em escrito dirigido à administração e entregue na sede social com cinco dias
úteis de antecedência, algum sócio o requeira, suportando, então, as despesas 146
notariais.
Permitindo a lei escolher a forma notarial da ata, a escolha cabe a quem presidir à reunião:
motu proprio ou a requerimento de alguns sócios; pode ainda a assembleia deliberar nesse
sentido (artigo 63.º, n.º6 CSC). A lei portuguesa vigente não prescreve, quanto sabemos,
nenhum caso de obrigatoriedade de atas lavradas pelo notário. Limita-se a prever essa
eventualidade, com a consequência, quando ocorresse, de aligeirar a forma de atos ulteriores.
Nos artigos 446.º-A a 446.º-F, temos, ainda, outro tipo de atas: as lavradas pelo secretário da
sociedade – artigo 446.º-B, alínea b) CSC. Trata-se de uma figura que deve ser designada
pelas sociedades anónimas cotadas em bolsa de valores – artigo 446.º-A, n.º1 CSC – ou, na
linguagem pós 2006, admitidas à negociação em mercado regulamentado. Muitas vezes procede-se,
na sessão seguinte à da reunião que lhe deu azo, à aprovação da ata. O artigo 388.º, n.º3 CSC,
a propósito das sociedades anónimas, fixa uma norma que nos parece generalizável: a
assembleia pode determinar que a ata seja submetida à sua aprovação, antes de assinada. Qual
o sentido da aprovação? Não se trata de uma declaração social de vontade: essa teve lugar
aquando da própria deliberação em si. Antes será uma constatação ou um controlo de
fidelidade do texto da ata.
Função: por estranho que possa parecer, a função – e a própria natureza – da ata não estão
claras, no nosso Direito. O artigo 37.º CSC depõe no sentido de que a ata apenas visaria a
reconstrução histórica do deliberado. Quanto à força probatória: ela era plena no caso da ata
lavrada por notário, o que ocorria nas sociedades por quotas, por influência alemã. Perante
as indefinições doutrinárias e legais, deu-se atenção aos Direitos estrangeiros. No âmbito da
preparação do Código, Vaz Serra propôs a solução alemã da nulidade por inobservância da
formalização prescrita para a ata. Esta, no meio de uma multiplicidade de fontes inspiradoras,
acabaria por enformar, ainda que de modo algo indireto, no artigo 63.º, n.º1 CSC:
«As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam
admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem».
A ata tem, pois, uma função problemática forte: e um meio exclusivo de prova. O artigo 63.º,
n.º1 CSC retoma, efetivamente e em termos práticos, a jurisprudência tradicional, que
retirava eficácia às deliberações não reduzidas a atas.
A natureza: antes de recordar os precisos contornos do regime da ata, dos quais dependerá
a determinação da sua natureza, cumpre recordar os fins e os valores que lhe estão
subjacentes. Numa assembleia de sócios podem participar muitas pessoas. Por vezes haverá
diversas opiniões, opiniões essas que poderão – ou não – implicar votos diferentes. Com
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frequência, pessoas votam uma mesma proposta dando-lhe alcances diferentes. Por isso,
torna-se difícil, perguntando às pessoas, mesmo partindo do princípio de que são todas
honestas e apenas dizem a verdade, descobrir, afinal, o que se passou numa assembleia.
Passado algum tempo, as dificuldades aumentam: a memória humana é falaciosa e só retém
– mesmo de boa fé – ou o que impressiona, ou o que convém. Tudo isto leva a que, no
interesse dos participantes, se deva fixar em documento oficial o que se discutiu e, sobretudo,
o que se decidiu. A partir daí, só vale o que constar do documento em causa. Pensemos,
agora, nos terceiros. Estes podem ter um interesse legítimo em conhecer o que foi deliberado.
Aí, só um sistema da ata ajuda. E a ata em questão terá de ter uma especial estabilidade:
quando não, o terceiro poderia ser surpreendido, em momento subsequente, por alterações, 147
quiçá menos unânimes, introduzidas pelos sócios, em nome de uma verdade histórica que
não é, necessariamente, a verdade jurídica. Estas considerações são suficientes para afastar
escolhas de tipo mais solto, segundo as quais a ata seria um mero documento particular, a
apreciar livremente pelo juiz (Pinto Furtado). Não deve ser assim. Por certo que o juiz pode
ser convencido, por qualquer meio ponderoso, de que a ata é falsa. Mas para tanto, haverá
razões sérias e, sobretudo: tem de apurar-se, afinal, o que se passou na assembleia
questionada. Na dúvida, a ata prevalece. E não havendo, de todo, ata? Nessa altura, a
deliberação está incompleta. Embora a fase da manifestação da vontade social se baste com
a votação e o seu apuramento, ela tem de ser formalizada e exteriorizada. Donde o papel da
ata. A lei admite atas sem os requisitos legais e, designadamente, as atas constantes de
documentos particulares avulsos (artigo 63.º, n.º7 CSC). Estas atas, mesmo quando assinadas
por todos os sócios que participaram na assembleia, constituem (mero) princípio de prova.
Concluímos, pois:
Que a ata visa completar a deliberação;
Que se trata de uma formalidade (não forma!) ad probationem: condiciona a prova da
deliberação;
Que, na sua falta, a deliberação não é eficaz;
Que pode ser afastada por falsidade sem que, para o efeito, o Direito limite os meios
de prova.
A ata é, assim, uma formalidade destinada a completar o processo deliberativo. Faltando
requisitos legais, há que recorrer à lei, para verificar o seu valor. Em certos casos, a lei
dispensa a ata, pelo menos para determinados fins. Segundo o artigo 59.º, n.º4 CSC, a
proposição da ação de anulação não depende de apresentação da respetiva ata; mas se o sócio
invocar impossibilidade de a obter, o juiz mandará as pessoas que, nos termos da lei, a devam
assinar, para a apresentarem no tribunal, em prazo a fixar até 60 dias: a instância suspende-
se até essa apresentação. Como se vê, o legislador pretendeu não bloquear a ação de anulação
por falta de ata; todavia, esta mantém o seu poder probatório especial, uma vez que o
processo aguarda. E se não houver ata ou, de todo, ela não for exibida? Ai, o juiz deverá
concluir que não houve deliberação, decretando-o. Na falta de deliberação, não pode haver
anulação. Este preceito é aplicável à ação de nulidade: não se percebe porque não foi, antes,
colocado no artigo 60.º CSC. Em discutível técnica, o legislador aproveitou para, a propósito
da ação de anulação, fixar ou recordar certos aspetos atinentes à ata: artigo 59.º, n.º5 e 6 CSC.
Assim:
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Para apresentação da ação em juízo, bastará que ela seja assinada por todos os sócios
votantes no sentido que fez vencimento (artigo 63.º, n.º3 CSC);
Tendo o voto sido secreto, considera-se que não votaram no sentido que fez
vencimento apenas aqueles sócios que, na própria assembleia, ou perante notário,
nos cinco dias seguintes à assembleia tenham feito consignar que votaram contra a
deliberação tomada.
Esta regra é aplicável noutras situações. Finalmente: a deliberação constante de ata goza de
proteção; declarada nula ou anulada a competente deliberação, não pode a sentença
prejudicar os direitos adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em atos praticados 148
em execução da deliberação (artigo 62.º, n.º2 CSC). A ata registada goza ainda da proteção
conferida pelo registo comercial: positiva e negativa.
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Direito Civil, tendo em conta a amplitude do artigo 280.º CC, a regra é a da nulidade. Esta
prevalecerá sempre que a lei não indique um regime diverso.
Quadro das ineficácias: antes de passar a uma análise dos competentes preceitos do
Código das Sociedades Comerciais, parece útil estabelecer um quadro geral das ineficácias
(lato sensu) suscetível de afetar as deliberações sociais. O vício de uma deliberação pode
resultar:
De vícios formais: verifica-se que a deliberação, em si, é possível: todavia, não foi
respeitado o processo previsto para a sua emissão. Assim sucederá quando a
assembleia geral não tenha sido convocada – artigo 56.º, n.º1, alínea a)16 CSC ou 149
quando se tenha recorrido ao voto escrito sem que todos os sócios tenham sido
convidados a emitir o seu voto – artigo 56.º, n.º1, alínea b) CSC.
De vícios substanciais: o procedimento prescrito foi seguido, mas a própria
deliberação defronta a lei ou os estatutos. Quanto às consequências jurídicas do vício,
podemos distinguir:
o Deliberações aparentes: serão aquelas que sejam levadas ao registo comercial
e na base das quais certos terceiros tenham adquirido direitos, de boa fé.
Mesmo quando não correspondam a qualquer materialidade, elas produzirão
os seus efeitos, de acordo com as regras do registo.
o Deliberações nulas;
o Deliberações anuláveis;
o Deliberações ineficazes ou stricto sensu: estas não produzem efeitos até certa
eventualidade: é o que sucede no artigo 55.º CSC, a propósito das
deliberações que exijam o consentimento de determinado sócio.
Veremos, de seguida, a arrumação obtida no Código das Sociedades Comerciais, arrumação
essa que, para facilidade de estudo, adotaremos na exposição subsequente.
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regime; por fim, o processo. De todo o modo, podemos considerar esta área como um ganho
substancial, de 1986.
As deliberações ineficazes: as deliberações (em sentido estrito) são aquelas que, por
razões extrínsecas, não produzam efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que se destinariam
a comportar. O Código das Sociedades Comerciais só se lhe refere, de forma expressa, no
artigo 55.º CSC:
«Salvo disposição em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija
o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der
o seu acordo, expressa ou tacitamente». 150
A hipótese de a lei exigir, para uma deliberação, o consentimento de determinado sócio
recorda logo os direitos especiais dos sócios, previstos no artigo 24.º CSC (a hipótese inversa:
portanto, a de se criar um direito especial dos sócios ou de algum ou alguns deles, sem ser
por unanimidade, já conduziria a anulabilidade da deliberação). Será essa a única hipótese de
concretização do preceito? De facto, o legislador não fez uma remissão direta para o artigo
24.º CSC, antes usando uma fórmula capaz de dar cobertura a outras previsões legais.
Quando ocorram, o artigo 55.º CSC terá aplicação. A solução da lei levanta dúvidas. Poder-
se-ia entender, perante as regras gerais, que quando fosse atingido um direito especial de um
sócio:
Estaria em causa uma nulidade, por via do artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC;
Estaria em jogo, além da ineficácia, uma anulabilidade, dado o artigo 58.º, n.º1, alínea
a) CSC.
No silêncio da lei, assim seria. O artigo 55.º CSC tem, todavia, o efeito de retirar as situações
nele previstas do regime comum, sujeitando-as à ineficácia. A solução do artigo 55.º CSC
tem, na origem, uma tradição nacional, tendente a atenuar as consequências de certas
invalidades. Nessa linha, podemos inscrever a já referida tendência de completar o quadro
legal, introduzindo a mera ineficácia. A previsão do artigo 55.º CSC visa, unicamente, as
deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de determinado
sócio. Não permite, todavia, inferir que exista ineficácia (stricto sensu) apenas nesse caso. As
regras gerais facultam, efetivamente, encontrar outras situações de ineficácia, já referida, de
deliberações (ainda) não reduzidas a ata: serão válidas mas ineficazes, até que isso opere. O
mesmo se poderá dizer das deliberações sujeitas a registo comercial, enquanto não se
mostrarem inscritas: desta feita, a ineficácia não é total; mas existe. Recorde-se que a
ineficácia teve um sentido remanescente. Além do traço de raiz – ou seja: com uma não
produção plena de efeitos por razões extrínsecas – a ineficácia surge como um conceito-
quadro residual. As hipóteses que se acolham serão distintas umas das outras, devendo ser
estudadas isoladamente.
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conteúdo que a aflija. Em rigor, estaremos já perante uma invalidade mista. Além disso, a
deliberação com vício de procedimento é renovável por outra deliberação à qual, ressalvando
os direitos de terceiro, se pode atribuir eficácia retroativa (artigo 62.º, n.º1 CSC). A contrario,
essa atribuição não é possível perante vícios de conteúdo. O facto de os vícios de
procedimento previstos no artigo 56.º, n.º1, alínea a) e b) CSC, poderem ser sanados, por via
o referido artigo 56.º, n.º3 CSC, conduz ao seguinte: não se trata, em rigor, de verdadeiras
nulidades ou nulidades puras. De todo o modo, a figura adere largamente ao tipo nulidade
pelo que, como tal, deve ser considerada: ainda que com um regime especial.
152
§32.º - A nulidade por vício de substância
Não sujeição, por natureza, a deliberação dos sócios: o artigo 56.º, n.º1, alíneas
c) e d) CSC, determina a nulidade por vícios de conteúdo ou substância. Mais precisamente,
prevê:
Deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos
sócios (alínea c));
Deliberações cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine
ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam
ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios (alínea d)).
Que deliberações poderão ter um conteúdo que não esteja, por natureza, sujeito a
deliberações dos sócios? Este preceito levanta dúvidas sérias de interpretação. Frente a frente,
duas orientações:
A da incompetência: tradicional – a alínea c) do artigo 56.º, n.º1 CSC invalidaria os
atos estranhos à competência da assembleia geral e, ainda, atos que interferissem com
terceiros. Tal opção de Lobo Xavier, de Carneiro da Frada, de Brito Correia, de
Carlos Olavo, de Raúl Ventura e de Pedro Maia.
A da impossibilidade: contra, manifesta-se (e bem) Pinto Furtado: a mera
inobservância de regras, internas de competência não poderia ser tão grave que
justifique a nulidade; além disso, quando prejudicados terceiros ou quando atingidas
regras legais de competência, cair-se-ia seja na ineficácia, seja na alínea d). Posto isto,
este Autor apresenta a sua própria teoria: a de impossibilidade física. O artigo 56.º,
n.º1, alínea c) CSC, consideraria nulas as deliberações fisicamente impossíveis; as
legalmente impossíveis caberiam na alínea d), do mesmo preceito. O pensamento de
Pinto Furtado via reconstruir, no quadro das nulidades das deliberações, o artigo
280.º CC. Fica a pergunta: se o legislador de 1986 pretendeu respeitar o de 1966, para
quê recorrer a enigmas e, designadamente: porquê abandonar conceitos consagrados,
para se lançar na completa aventura de definir novas fórmulas para as nulidades mais
profundas? Não há resposta. Todavia, perante a alínea c) do preceito, a doutrina
afiança que se trata de uma norma residual destinada a acolher situações nas quais a
deliberação não possa subsistir, mas que não se deixem reconduzir a outros
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fundamentos de nulidade. Não parece, pois, haver grande hipótese de aclaração, por
via da origem do preceito.
Menezes Cordeiro: concordando com este autor, diz-nos, porém, que, de todo o
modo, mandam as boas regras que se parta da presunção de acerto da lei e que se
procure uma solução harmónica para tudo isto. A ideia de Pinto Furtado é sedutor:
explicaria o porquê da severa nulidade e daria um alcance plausível à referência
natureza. Mas tem óbices, embora menores do que os da teoria da competência. São
eles:
o Cinde as impossibilidades física e legal: ambas se integram, de facto, numa 153
área unitária redutível à conformação legal;
o Causa embaraços, perante a figura da impossibilidade superveniente: uma
deliberação hoje válida pode ser amanhã nula e revalidar-se a seguir?
Inversamente: a deliberação nula pode validar-se se uma ocorrência
impensável a viabilizar?
o Rema contra a atual corrente jurídico-civil: a possibilidade deixou de ser
requisito de validade da obrigação, na reforma do BGB alemão de 2002 e isso
por razões operacionais para o Direito português; será uma questão de tempo:
a impossibilidade deixará o rol das fontes da nulidade do negócio.
Mas sobre tudo isto paira uma objeção mais societária: uma deliberação cujo
conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios não pode ser,
simplesmente, uma deliberação de conteúdo fisicamente impossível: isso (pela
perspetiva ainda corrente) atingiria todo e qualquer ato e não, somente, as
deliberações. A natureza não implica, aqui, a ordem natural das coisas ou cairíamos
na teoria da impossibilidade. Também não equivale a ordens extrajurídicas, ou
estaríamos perante os bons costumes. A natureza reporta-se à índole do conteúdo
questionado e não à bitola da admissibilidade. Feita esta precisão, pergunta-se: o que
é que, sendo lícito e possível – quando não, funciona a alínea d) –, não pode, todavia
e pela (sua) natureza, surgir como conteúdo de uma deliberação social? De momento,
só vemos uma resposta: o que, pelo seu teor, não caiba na capacidade da pessoa
coletiva considerada. Os próprios negócios celebrados fora da capacidade natural ou
legal da sociedade serão nulos, por impossibilidade legal ou por ilicitude. As
deliberações que lhes estejam na origem são-no, igualmente, por via do artigo 56.º,
n.º1, alínea c) CSC. Resta acrescentar que a importância deste vício é escassa, tal
como escasso é, hoje, o papel da (in)capacidade das sociedades.
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reescrever o verdadeiro conceito de bons costumes. Por certo que qualquer jurista tem tanto
direito quanto o dos seus pares de opinar e de escrever sobre o tema. Fazê-lo, num caso
destes, sem percorrer todo o calvário do Direito Romano, das receções, dos contributos
racionalista e pandectístico, do Direito comparado e do Direito alemão, fonte dos atuais bons
costumes, é ligeireza que apenas perturbará a jurisprudência. Em nome da disciplina acima
reclamada, propomos que na pesquisa dos bons costumes do artigo 56.º, n.º1, alínea d), 1.ª
parte CSC, se reconheçam e se adotem, a título de evidências cartesianas, os seguintes
postulados:
O Código das Sociedades Comerciais utiliza a noção comum de bons costumes, tal
como resulta do Código Civil; 154
Essa noção não se confunde com a de ordem pública; tão-pouco absorve esta última;
Não é lícito recorrer ao Direito estrangeiro sem fazer Direito comparado, isto é: sem
verificar, perante as coordenadas científicas da ordem dadora e da ordem recetora,
se a transposição é possível.
A referência aos bons costumes surge de modo inesperado no Código das Sociedades
Comerciais. Estando no Código Civil e aplicando-se a todos os atos jurídicos – artigos 280.º,
n.º2 e 295.º CC – ela atingiria, seguramente, as deliberações sociais. Quanto aos próprios
bons costumes: eles abrangem regras de conduta familiar e sexual e, ainda, códigos
deontológicos próprios de certos setores. O Direito Português ao contrário do alemão! –
distingue os bons costumes da ordem pública: razão definitiva por que não faz sentido insistir
na inclusão de uma série de princípios injuntivos gerais, no seio dos bons costumes. A
violação desses princípios (a reconduzir à ordem pública) deverá confrontar-se na 2.ª parte
do artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC. Além disso, cumpre considerar superada a confusão entre
bons costumes (noção técnico-jurídica há muito conquistada) e moral social. Sem precisão
de conceitos, não há progresso jurídico-científico. Incorre na previsão da nulidade por
atentado aos bons costumes, qualquer deliberação social que:
Assuma um conteúdo sexual ou venha bulir com relações reservadas ao Direito da
Família;
Atente contra deontologias profissionais;
A jurisprudência portuguesa, mau grado a confusão de conceitos que advém da doutrina,
tem vindo, mesmo sem o assumir, a detetar uma deontologia comercial que deve presidir às
deliberações sociais, sob pena de nulidade. Assim:
É ofensiva dos bons costumes a deliberação de distribuir lucros por dois fundos e
uma conta nova, prosseguindo há vinte e cinco anos com uma prática de não
distribuir lucros aos sócios (STJ, 7 janeiro 1993);
Idem quanto à deliberação unânime de vender a uma irmã de um sócio o único imóvel
da sociedade por um preço muito inferior ao valor real (RPt 13 abril 1999);
Idem quanto à deliberação de vender por 210 000 c., o estabelecimento e sede da
sociedade, quando o sócio minoritário presente ofereceu 518 000c., equivalentes ao
valor real (STJ 3 fevereiro 2000);
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darem corpo à regra geral do artigo 809.º CC; outro tanto com o artigo 14.º CC, perante o
artigo 300.º CC. E pode, naturalmente, ser princípios societários: o voto não é disponível nas
sociedades em nome coletivo (artigo 190.º, n.º1 CSC), em aplicação do princípio do artigo
21.º, n.º1, alínea b) CSC. As posições de terceiros não podem, por fim, ser atingidas por
deliberações sociais. No limite, tal decorreria dos artigos 13.º, n.º1 e 62.º, n.º1 CRP. A
jurisprudência confirma as asserções acima produzidas, ainda que recorrendo, em certos
casos, a outras terminologias.
A contrariedade indireta: o artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC, prevê ainda, quer em
relação ao atentado aos bons costumes, quer perante a violação de norma injuntiva, a
156
hipótese de tal suceder em termos indiretos. Usa a perífrase de a prevaricação ocorrer «por
atos de outros órgãos que determine ou permita». Em bom rigor, porém, a deliberação que determine
ou que permita que outro órgão atente contra os bons costumes ou viole normas injuntivas
é diretamente nula, nos mesmos e precisos termos em que o seria a congénere mais frontal.
Aliás: a deliberação, salvo quando potestativa, não passa de uma abstração exarada em ata:
os seus eventuais malefícios manifestar-se-ão, mais tarde, a propósito da execução. Tem
interesse atentar no artigo 58.º, n.º2 CSC: contém, fora do contexto, uma importante regra
sobre nulidades. Pode acontecer que um contrato de sociedade reproduza – particularmente
nos estatutos – regras legais injuntivas. Quando isso suceda, considera-se que, havendo
violação, tais regras são diretamente violadas e não (apenas), as contratuais.. Com a
consequência de se aplicar a nulidade e não, como decorreria do final do artigo 58.º, n.º1,
alínea a) CSC, a mera anulabilidade.
Consequências: a nulidade de uma deliberação pode ser invocada a todo o tempo e por
qualquer interessado: é o que extraímos da regra geral do artigo 286.º CC, em termos
confirmados pelo artigo 59.º, n.º1 e 2 CSC, a contrario. Como se vê, ela faz pairar grave
incerteza sobre a sociedade, o que explica as restrições legais e o facto de, por defeito,
prevalecer a anulabilidade (artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC). Perante deliberações nulas, o
artigo 57.º CSC faculta a iniciativa do órgão de fiscalização. Em síntese:
O órgão de fiscalização deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral, a
nulidade de qualquer deliberação, para eles a renovarem, sendo possível, ou para
promoverem a declaração judicial respetiva (n.º1);
Se eles não a renovarem ou se a sociedade não for citada para a ação de nulidade no
prazo de dois meses, deve o órgão de fiscalização promover sem demora a declaração
judicial de nulidade em causa (n.º2);
O órgão de fiscalização deve então propor ao tribunal a nomeação de um sócio para
representar a sociedade (n.º3);
Nas sociedades sem órgãos de fiscalização, cabe o poder referido a qualquer gerente
(n.º4).
Repare-se que é do interesse da própria sociedade e dos seus sócios o não deixar pendentes
situações de nulidade que poderão, depois e em qualquer altura, ser invocadas, com danos
para todos.
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Secção IV – A anulabilidade
Generalidades; o vício de forma: o artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC, como tem sido 157
ficado de modo repetido, a cláusula geral da invalidade das deliberações sociais: havendo
violação da lei – quando não caiba nulidade – as deliberações em falta são anuláveis. O artigo
58.º, n.º1, alínea a) CSC move-se entre dois valores, aparentemente contraditórios: a
necessidade de segurança jurídica, que leva a restringir quanto possível a invalidade das
deliberações sociais e a justiça, que permite aos sócios vítimas de ilegalidades perpetuadas
pela assembleia geral fazer valer as suas posições. A primeira fonte de anulabilidade deriva
da violação da lei. A sobreposição com a nulidade é resolvida através da consunção por esta:
quando ocorra, prevalece a nulidade. Qual a bitola? Tratando-se de vícios de forma ou de
omissão de formalidades, haverá que seguir o artigo 56.º, n.º1 CSC: as hipóteses neste
inseridas geram nulidade; todas as outras, mera anulabilidade. Mesmo então impõe-se o
raciocínio substancial de Karsten Schmidt, apoiado na jurisprudência e que corresponde a
uma regra geral do processo: só haverá anulabilidade quando a falha verificada possa
influenciar o sentido da deliberação. Nalguns casos, tal sucederá fatalmente: assim a hipótese
de se impedir a participação de um sócio minoritário na assembleia; temos de admitir que,
mau grado a irrelevância dos seus votos, a sua presença na assembleia, através de questões e
de intervenções persuasivas, seria de molde a fazer bascular a maioria. Evidentemente: exige
um cripto-juízo de ilegitimidade, que tem também o seu peso. Segundo a jurisprudência
exemplificativa, encontramos os seguintes casos de vícios de forma capazes de induzir
anulabilidade:
Convocação sem a antecedência é fonte de anulabilidade;
A violação de normas imperativas de (mero) procedimento, por oposição ao
conteúdo, gera simples anulabilidade: tal o caso do aumento de capital votado sem
atingir a maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social;
A convocação da assembleia por aviso postal, quando era exigível a publicação do
competente aviso no Diário da República, conduz a anulabilidade por ser vício
meramente formal;
A falta, na convocatória, de referência à destituição do gerente, a qual ocorreu de
modo não unânime, conduz à anulabilidade.
Estas decisões ilustram, da melhor forma, a ideia do favor societatis.
Vício de substância: como vimos, a nulidade das deliberações sociais ocorre sempre
que elas defrontem normas jurídicas injuntivas. Logicamente: haverá anulabilidade quando
as normas atingidas sejam dispositivas ou supletivas. Temos de nos entender quanto à
supletividade: significa ela que a norma pode ser afastada pelo contrato de sociedade; não
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por mera deliberação dos sócios, como expressamente resulta do artigo 9.º, n.º3 CSC. Bem
se compreende tal orientação. Ao contratar, as partes assentaram na aplicabilidade dos
estatutos e, ainda, no de um conjunto de regras que, podendo afastar, elas mantiveram. Não
devem ser surpreendidas com deliberações maioritárias que equivalham à alteração do jogo
inicialmente fixado. A contraprova reside no próprio artigo 56.º, n.º1, alínea d), 2.ª parte CSC:
quando a norma possa ser afastada pela unanimidade dos sócios, há supletividade; a
correspondente deliberação será impugnável; não nula. Veremos aliás que, por esta via, se
torna possível alterar estatutos, fora do formalismo a tanto dirigido. A referência a lei deve
ser entendida em termos amplos: violação do Direito. Fica incluída a norma legal expressa,
o princípio, o conceito indeterminado e o Direito consuetudinário. Entre os princípios 158
societários cuja violação pode gerar anulabilidade temos, quando eficazes, o do igual
tratamento e o da lealdade. Entre nós, eles operam como manifestação de boa fé e, em certos
casos, do exercício inadmissível de posições jurídicas, dito abuso do direito nos Países do sul.
Quer isso dizer que o abuso do direito, quando não seja consumido pelo artigo 58.º, n.º1,
alínea b) CSC, pode ser sancionado através da alínea a) do mesmo preceito. A matéria das
deliberações sociais integra-se no sistema. Não se lhe podem negar os valores básicos, através
de jogos de normas advindos, para mais, das áleas que rodearam o Código das Sociedades,
de 1986. As exigências da segurança são satisfeitas através da mera anulabilidade e do regime
restritivo que lhe dá corpo. Os exemplos judiciais de anulabilidade, por violação do conteúdo
não-imperativo dos preceitos, é impressivo.
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posições jurídicas equivale, simplesmente, a um exercício contrário à boa fé. A boa fé exprime,
em cada situação, a valores fundamentais do ordenamento. Para tanto, usam-se princípios
mediantes, com relevo para a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.
Finalmente: tudo isto se caracteriza em grupos de casos típicos perfeitamente conhecidos e
experimentados pela doutrina e pela jurisprudência: inalegabilidades formais, venire contra
factum proprium, suppressio, surrectio, tu quoque e exercício em desequilíbrio. Qualquer autor pode
pretender mudar esta terminologia. Não vemos, nisso, nenhuma vantagem. Isto dito: os
votos abusivos, na vertente vantagens especiais, traduzem uma atuação fora da permissão
jurídica em jogo. Não se trata de abuso do direito mas, simplesmente, de falta de direito.
Uma melhor interpretação dos atos em jogo permitirá determinar se o efeito pretendido está 160
ou não coberto pela norma legitimadora. Os votos emulativos já serão abusivos: na versão
desequilíbrio no exercício. Uma interpretação rigorosa do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC
permitiria, assim, concluir que, salvo o aditamento emulativo, não está em causa um
verdadeiro abuso do direito; apenas a necessidade de recordar que certos votos não podem
prosseguir finalidades extra societárias. Poderá haver verdadeiras deliberações abusivas, por
contrariedade à boa fé; elas cairão, todavia, no artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC.
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informação. O artigo 58.º, n.º4 CSC procurando prevenir dúvidas, explicita os elementos
mínimos de informação. São eles:
As menções do artigo 377.º, n.º8 CSC; este preceito tem a ver com o aviso
convocatório de assembleias em sociedades anónimas, sendo aplicável às sociedades
por quotas, nos termos do artigo 248.º, n.º1 CSC;
A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo
prescritos pela lei ou pelo contrato.
Em rigor, a violação das regras sobre informação prévia tem a ver com a inobservância das
161
normas de processo, caindo no artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC. Como tal é, de resto,
considerada na doutrina alemã. Tem interesse verificar o modo porque a falta ilícita de
informação vem sendo manuseada na jurisprudência, no tocante à invalidação, por
anulabilidade, das deliberações. Incluímos, neste elenco, situações de inobservância do
direito à informação que não se enquadrem, precisamente, no artigo 58.º, n.º1, alínea c) e
58.º, n.º4 CSC. Em rigor, elas cairiam na alínea a) do n.º1 desse preceito. Todavia, parece
razoável proceder a uma unificação sistemática da matéria. A própria jurisprudência enceta
passos, nesse sentido.
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notário, nos cinco dias seguintes à assembleia, tenham feito consignar que votaram contra a
deliberação tomada. Quer isso dizer que, havendo voto secreto, a deliberação tornar-se-á
inimpugnável, se não tiver sido, por algum sócio, seguido o apontado procedimento.
O prazo: o prazo para intentar a ação de anulação é de 30 dias contados (artigo 59.º, n.º2
CSC):
Da data em que foi encerrada a assembleia geral;
Do 3.º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito;
Da data em que o sócio tenha tido conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre 162
assunto que não constava da convocatória.
A assembleia geral pode sofrer interrupções, desdobrando-se em várias sessões. Durando a
interrupção mais de quinze dias, permite o artigo 59.º, n.º3 CSC que a ação de anulação de
deliberação anterior à interrupção seja proposta nos 30 dias seguintes àquele em que ela tinha
sido tomada. Trata-se, porém, de uma possibilidade que fica na mão do interessado. Este
pode escolher deixar seguir a assembleia até ao fim, antes de intentar a ação: poderá, assim,
colher novo elementos e fundamentar, com mais eficácia, a sua pretensão. Na contagem dos
prazos, á que ter o maior cuidado, evitando proposituras de última hora. Eis algumas
precisões jurisprudenciais:
O prazo de trinta dias tem natureza substantiva, aplicando-se-lhe, segundo o artigo
298.º, n.º2 CC, o regime da caducidade (RPt 10 dezembro 1992);
Havendo irregularidades na convocatória, por aplicação analógica do artigo 59.º, n.º2,
alínea c) CSC, o prazo conta-se a partir do momento em que o sócio teve
conhecimento da deliberação (STJ 18 novembro 1997);
A prova de já ter decorrido o prazo dos 3 dias incumbe à sociedade ré (RCb 29
setembro 1998);
O direito de pedir a suspensão da deliberação não se confunde com o de pedir a sua
anulação: as caducidades respetivas são diferentes (STJ 23 abril 2002).
Consequência importante da natureza do prazo de 30 dias é o facto de ele só ser impedido
pela prática tempestiva do ato em jogo, isto é: pela interposição da ação de anulação. Assim,
a simples interposição de um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social não
impede o decurso de prazo do artigo 59.º, n.º2 CSC (STJ 11 março 1999). E se tal decurso
se consumar, o próprio procedimento cautelar irá naufragar por inutilidade superveniente da
lide. Em princípio, o processo serve o Direito substantivo, dando-lhe meios de legitimação
e de efetivação. Tudo conflui na decisão final. Não é demasiado enfatizar o prazo de 30 dias
e os valores substantivos que serve: pretende-se, quanto antes, pôr cobro à pendência de
dúvidas, no tocante às deliberações societárias. Justamente por isso se procedeu ao
alargamento da figura da anulabilidade.
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Generalidades; legitimidade: o artigo 60.º CSC contém regras epigrafadas disposições 163
comuns às ações de nulidade e de anulação. Em rigor, também o artigo 61.º CSC mereceria o mesmo
epíteto, enquanto o artigo 62.º CSC tem também regras comuns a essas duas invalidades.
Donde a verificação desses preceitos na presente rubrica. Recorde-se que este tipo de ações
decorre perante os tribunais de comércio: artigos 89.º, n.º1, alínea d) da Lei n.º 3/99, 13
janeiro 17 . O artigo 60.º, n.º1 CSC determina que tanto a ação de nulidade como a de
anulabilidade sejam propostas contra a sociedade. Quer isso dizer que qualquer sociedade
corre o risco, só por o ser, de ser demandada em ações relativas às deliberações tomadas
pelos seus sócios. Pergunta-se se as ações de ineficácia ou de inexistência de deliberações
sociais também são intentadas contra a sociedade. A resposta é positiva, por interpretação
extensiva ou por aplicação analógica do preceito em causa, mas isso – naturalmente – na
medida em que faça sentido admitir tais ações. A ineficácia paralisa a deliberação: não tem
de ser declarada. Se houver interesse em fazê-lo, a ação será meramente declarativa. Quanto
à inexistência: não deve ser considerada um vício autónomo. Assim, perante a ausência de
certa deliberação, só faria sentido uma ação de simples apreciação negativa. Fatalmente:
contra a própria sociedade. Em qualquer os casos impugnam-se deliberações e não (simples)
votações. O voto, só por si, não representa uma posição da sociedade. Além disso, não tem
relevância (societária) quando desinserido da deliberação que origine. O vício do voto
comunica-se à deliberação, quando se enquadre nas previsões de nulidade ou de anulabilidade.
A prova de resistência consiste em verificar se determinado voto tem relevância para a
deliberação concreta. Não a tendo, tornam-se indiferentes, para o tema em estudo, quaisquer
vícios que o possam afetar.
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§37.º - Eficácia do caso julgado
Generalidades; eficácia interna: o artigo 61.º CSC fixa a eficácia do caso julgado que
se forme em ação de declaração de nulidade ou de anulação de deliberação social. O n.º1
reporta-se à eficácia interna; o n.º2, à externa. Pergunta-se se o juiz tem jurisdição de mérito
ou apenas, de legalidade: no primeiro caso, ele apreciaria a oportunidade e a valia de
determinada deliberação; no segundo, estarão em jogo, apenas, juízos de legalidade. À partida,
a jurisdição será, aqui, de mera legalidade. Desde logo porque o juiz apenas pode invalidar
deliberações; não as pode substituir por outras, mais oportunas. De seguida porque não lhe
são pedidos juízos técnicos, no plano da gestão: apenas uma verificação de conformidade
com as regras aplicáveis. Todavia, o juiz poderá ter de concretizar conceitos indeterminados.
Assim sucederá em três eventualidades exemplificativas:
Na de a própria ação de invalidação ser abusiva;
Na de se jogar a violação da boa fé;
Na de estarem em causa votos abusivos.
Nesses planos, a deliberação que traduza uma saída impossível ou, pelo contrário, um erro
grosseiro, não poderá deixar de ser alvo da sindicância material do juiz. Em suma: temos um
contencioso de legalidade, mas no qual o mérito pode fazer a sua aparição. Passemos à
eficácia interna do caso julgado. Segundo o artigo 61.º, n.º1 CSC:
«A sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos os
sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não tenham intervindo na
ação».
O preceito é claro. Duas delimitações: o caso julgado assim formado não opera quando a
causa de invalidação seja diversa; todavia, isso funciona para causas de pedir diferentes e não
para fundamentações distintas, uma vez que estas não são cobertas pelo caso julgado.
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Desta feita, não se distinguem vícios formais e vícios substantivos. No entanto, há uma lógica
subjacente irrecusável: uma verdadeira renovação postula que a segunda deliberação tenha
um conteúdo idêntico ao da primeira, sob pena de lidarmos com algo de distinto, que se
suceda no tempo. Ora um conteúdo idêntico e sem vícios só será compaginável com
problemas de ordem formal. Todavia, a indistinção da lei pode ser proveitosa: pode haver
vícios substanciais que, em nova deliberação, não mais possam ser invocados; basta, para
tanto, a aprovação unânime dos sócios. Também aqui se pode atribuir eficácia retroativa,
como se extrai da 2.ª parte do artigo 62.º, n.º2 CSC. Essa 2.ª parte permite ao sócio, que nisso
tenha um interesse atendível, obter a anulação da primeira deliberação, relativamente ao
período anterior ao da deliberação renovatória. A retroatividade já não será aplicável quando 166
estejam em causa institutos de Direito Civil, como, por exemplo, uma assembleia de
condóminos. O artigo 62.º, n.º3 CSC permite que a sociedade, ré numa ação de impugnação,
requeira ao tribunal um prazo para renovar a deliberação. O prazo a requerer deve ser
razoável. Todavia, o tribunal só o concederá quando a deliberação em jogo for renovável.
Encontramos, aqui, um novo elemento de favor societatis.
Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
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interesse não foi descoberta recente, assim como recentes não são as considerações que,
dando-lhe todo um papel, não o aceitam como categoria dogmática. Agora o interesse, só
por si e sem regras que o definam e mandem prosseguir, não é bitola de coisa nenhuma.
Antes surge como arrimo linguístico nada inovador e, sobretudo: juridicamente
inoperacional. Algumas leis, incluindo o Código Civil, utilizam o termo interesse. Aí, teremos
de lhe atribuir um sentido útil. Por exclusão, não está em causa o interesse subjetivo: este
pode ser qualquer um, conforme as pessoas, pelo que não tem operacionalidade dogmática.
Queda uma saída objetiva, sendo de eleger uma fórmula que possa ser usada pelo Direito.
Acolhemos a noção desenvolvida por Paulo Mota Pinto: uma realidade protegida por
normas jurídicas as quais, quando violadas, dão azo a um dano. Quando a Lei refira 168
interesses, remete o intérprete-aplicador para realidades juridicamente relevantes e que
tenham a tutela jurídica. Mais precisamente, ela visualiza: ou o conteúdo de um direito
subjetivo ou a área acautelada por normas de proteção. Por esta via (e revendo, um tanto,
posições anteriores) , consegue-se aproveitar a remissão legal para interesses.
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num modo coletivo de tutela e de proteção. Nesse modo coletivo interferem normas que
recordarão, entre outros aspetos:
Que a boa saúde das sociedades é vantajosa para o mercado;
Que há setores sensíveis onde regras técnicas e prudenciais devem ser seguidas; banca
e seguros;
Que as sociedades a que se acolhem empresas dão emprego e criam riqueza para o
País.
Tudo isto tem de ser acatado. Poderemos exprimi-lo dizendo que os administradores servem 169
a sociedade, na qual os sócios têm um papel importante, mas não exclusivo. E as vantagens
dos sócios são prosseguidas em modo coletivo, o que é dizer: de acordo com as regras
societárias aplicáveis. A nova redação do artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, abaixo examinada,
que determina atender aos interesses da sociedade, dos sócios, dos trabalhadores, dos clientes
e dos credores, manda, no fundo, respeitar as regras que tutelam as inerentes posições. Nem
de outro modo poderia ser, pois os conflitos de interesses entre essas entidades são tais que
nenhum administrador poderia decidir fosse o que fosse.
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1. Nas sociedades em nome coletivo, diz-se que a competência dos gerentes, tanto
para administrar como para representar a sociedade, deve ser sempre exercida dentro
dos limites do objeto social (artigo 192.º, n.º2 CSC);
2. Nas sociedades por quotas, manda o artigo 259.º CSC: os gerentes devem praticar
os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social,
com respeito pelas deliberações dos sócios;
3. A propósito das sociedades anónimas, já se anotou a fórmula ampla do artigo
405.º, n.º1 CSC, que fala em gerir as atividades da sociedade o artigo 406.º CSC
enumera os poderes de gestão: compete ao conselho de administração deliberar sobre 170
qualquer assunto de administração da sociedade, nomeadamente; seguem-se 13
pontos, que vão desde a escolha do presidente até qualquer outro assunto sobre o
qual algum administrador requeira deliberação do conselho. A enumeração é,
assumidamente, exemplificativa, de tal modo que o próprio Código das Sociedades
Comerciais acrescenta, em preceitos dispersos, outros pontos; como exemplo:
compete ao conselho de administração, em certos casos, deliberar a emissão de
obrigações (artigo 350.º, n.º1 CSC).
Cumpre recorrer ao Direito comum. A expressão administração aparece-nos dezenas de
vezes, no Código Civil. Tem, aí, diversas aceções. Pois bem: dessas diversas aceções, para
além de flutuações de linguagem que escaparam às revisões do Código Civil, resultam linhas
reitoras. A administração reporta-se a patrimónios, a bens ou a coisas, de modo a traduzir,
em termos compreensivos, um conjunto de atuações insuscetíveis de enumeração em
concreto ou, sequer, de definição: tudo depende, em cada caso, da realidade de cuja
administração se trate. Por vezes, a lei introduz limitações nas concretas entre atos de
administração e de disposição. Trata-se, porém, de uma contraposição relativa: caso a caso
haverá que determinar o preciso âmbito da administração e da disposição. A ideia básica é a
indeterminação dos poderes ou potencialidades de atuação, a incluir na administração. Esta
apenas pode ser determinada: pela negativa, retirando-lhe faculdades, como sejam a
disposição ou a administração extraordinária; pelo objeto, de acordo com a realidade a que
respeite e pela finalidade. As sociedades comerciais têm personalidade (artigo 5.º CSC) e
capacidade jurídica: esta compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes
à prossecução do seu fim (artigo 6.º, n.º1, 1.ª parte CSC). A administração de uma sociedade
vem definir-se, perante esta realidade, com recurso a duas coordenadas: uma positiva e
material e outra negativa e formal. Diremos que a administração abrange o conjunto de
atuações materiais e jurídicas imputáveis a uma sociedade que não estejam, por lei, reservadas
a outros órgãos. A competência genérica e residual para agir, reservadas a outros órgãos. A
competência genérica e residual para agir, pela sociedade, cabe à administração: é o que se
infere dos artigos 259.º e 405.º, n.º1 CSC. A prática jurídica e societária tem reservado a ideia
de administração para a atuação dos próprios administradores. Mas ela poderia ser alargada
a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de administração (artigo 80.º CSC). Resta
acrescentar que, também na prática, surgem, como sinónimas, as locuções administração,
gerência e gestão. Tecnicamente, a administração é um direito potestativo: traduz a permissão
normativa que os administradores têm de decidir e de agir, em termos materiais e jurídicos,
no âmbito dos direitos e dos deveres da sociedade. Embora se trate de um direito – os
administradores são autónomos, ou teriam de ir procurar a administração noutra instância –
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19 Segundo a boa doutrina, é isso o que se passa no artigo 6.º, n.º5 CSC.
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sua evolução, da sua crítica e daquilo que ele representa, podemos expor a matéria dos
deveres fundamentais dos administradores. O artigo 64.º, n.º1 CSC, na versão da reforma de
2006, vem dispor:
«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
«a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento
da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência
de um gestor criterioso e ordenado; e
«b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo
dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade 172
da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores».
A uma primeira leitura: temos um preceito pesado, que condensa, em duas alíneas, uma série
complexa de mensagens normativas. E compulsada a reforma, verifica-se que todo o
conjunto das enunciadas medidas relativas ao governo das sociedades – que chega a dar o
nome o projeto – acaba, afinal, por desaguar no artigo 64.º, n.º1 CSC, acima transcrito. Este
preceito, mesmo quando aquém da desmesurada importância que lhe deu o legislador
histórico, tem um relevo inegável, que justifica alguma atenção.
As redações anteriores: o artigo 64.º CSC tem uma história movimentada: diz muito
sobre várias experiências europeias e sobre os mores legislativos nacionais. Vamos recordá-la.
Na origem temos o artigo 17.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 49.381, 15 novembro 1969. Este
preceito, visando introduzir um capítulo sobre a responsabilidade dos administradores, veio
dispor:
«Os administradores da sociedade são obrigados a empregar a diligência de um gestor criterioso
e ordenado».
Trata-se de uma regra inspirada por Raúl Ventura. Esse mesmo preceito foi basicamente
acolhido no artigo 64.º CSC, versão original. Com um acrescento: a sua redação surge
completada, ficando com a seguinte composição, agora sob a epígrafe dever de diligência:
«Os gerentes, administradores ou diretores de uma sociedade devem atuar com a diligência de
um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios
e dos trabalhadores».
Desta feita, o aditivo no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores
adveio, por indicação de Brito Correia, da proposta da 5.ª Diretriz das sociedades comerciais,
a qual, de resto, nunca foi adotada, no plano europeu. No projeto da que seria a reforma de
2006, da CMVM, posto a discussão pública, o preceito surgia desdobrado em dois números:
o n.º1 relativo aos administradores, e o n.º2 quanto à fiscalização. Releva, aqui, apenas o
primeiro, assim redigido, agora sob a epígrafe dever de diligência e de lealdade:
«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem atuar com a diligência de um gestor
criterioso e ordenado e com lealdade, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos
sócios e dos trabalhadores».
Por inspiração da CMVM, foi acrescentado com lealdade. Palavras simples, mas com inúmeras
implicações jurídico-científicas, como veremos. Estávamos na tradição alemã, ainda que com
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elementos heterogéneos. Finalmente, o artigo 64.º, n.º1 CSC, versão definitiva proveniente
da reforma e acima transcrito, desta feita epigrafado deveres fundamentais, veio:
Articular, em alíneas separadas, os deveres de cuidado e de lealdade;
Explicitar o conteúdo dos deveres de cuidado e rematar com a diligência de um
gestor criterioso e ordenado;
Desenvolver o teor dos deveres de lealdade, aí inserindo, entre os elementos a
atender, a referência a diversos interesses.
Os deveres de cuidado são de origem anglo-saxónica. As concretizações de tais deveres, bem 173
como os desenvolvimentos levados a cabo a propósito da lealdade, corresponderiam a ideias
da CMVM, tanto quanto veio a público. Mais precisamente: às ideias destinadas a dar forma
ao denominado governo das sociedades ou corporate governance, de cepa norte-americana.
Também a contraposição entre deveres de cuidado e deveres de lealdade (Estados Unidos)
ou fiduciários (Inglaterra) é típica dos manuais de Direito das sociedades de além-Atlântico
ou de além-Mancha. Ao já colorido Direito português soma-se, assim, uma massa de língua
inglesa. Cabe ao intérprete estudar o assunto, naturalmente: problemático.
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O business judgement rule: interessa fazer aqui uma referência ao business judgement
rule, introduzindo no §93/I, 2 AKtG, em 2005. Esse diploma, depois da consagração da
bitola de diligência, que se mantém, veio acrescentar:
«Não há um violação de dever quando o membro da direção, na base de informação adequada,
devesse razoavelmente aceitar que, aquando da decisão empresarial, agia em prol da sociedade».
Trata-se de uma regra de origem norte-americana20. Resumindo: na base de um enérgico
sistema de responsabilidade civil, a responsabilidade dos administradores era transferida para
as seguradoras; estas negociavam com os queixosos; todavia, o incremento das
indemnizações levou as seguradoras a retraírem-se, excluindo numerosas hipóteses de
responsabilidade. O sistema reagiu: através do business judgement rule, os administradores não
seriam demandáveis quando mostrassem que agiram, com os elementos disponíveis, dentro
das margens que lhes competiriam, em termos de negócios. Com a seguinte consequência
prática: nos casos de negligência, a responsabilidade é excluída quando se mostre que o
administrador agiu dentro da razoabilidade dos negócios. Digamos que se lhe reconhece,
para além da esfera representada pelo cuidado do gestor ordenado e consciencioso, mais um
campo de ação onde podem ocorrer atuações inovatórias. Trata-se de uma saída já antecipada
pela jurisprudência nos casos ARAG e Siemens/Nold. Criada para as sociedades anónimas,
a regra tem vindo a ser aplicada, por analogia, também às sociedades por quotas. No campo
dos quadros jurídicos anglo-saxónicos, o business judgement rule opera como uma causa de
isenção de responsabilidade, não cabendo discutir se enquanto causa de justificação de
ilicitude ou causa de excusa (tal discussão, como é sabido, pressupõe a contraposição entre a
culpa e a ilicitude, desconhecida no Direito anglo-saxónico). Feita a transposição para os
Direitos continentais, há que reconduzi-lo aos quadros competentes. A mera leitura do
20Em inglês do Reino Unido, escreve-se judgement; no dos Estados Unidos judgment; por isso surge ora uma ora
outra das duas grafias, consoante a origem ou a fonte inspiradora dos diversos autores.
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§93(1), 2, mostra que estamos perante uma específica exclusão da ilicitude: não de culpa. E
num efeito de retorno: mais claro fica que a diligência equivale a uma bitola de conduta, fonte
de ilicitude quando violada. Adiantemos, por fim, que o business judgement rule também foi
transposto para o nosso Direito: artigo 72.º, n.º2 CSC. É estranho: não logramos, no Direito
português, nenhum surto de responsabilização dos administradores que pudesse justificar tal
cautela.
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desgarrado, uma referência a uma bitola de culpa, sem qualquer menção às condutas de onde
ela emergia. Tínhamos, pois:
Uma bitola de esforço;
Reportada a um modelo objetivo e abstrato: o gestor criterioso e ordenado.
Tudo isso foi sendo concretizado pela jurisprudência, em função dos diversos deveres a
executar. A referência aos interesses (da sociedade, dos sócios e dos trabalhadores) já surge
como um corpo estranho. Todavia, poderíamos absorve-la encontrando aí pontos auxiliares
para a concretização de deveres incompletos de conduta e, portanto: carecidos de
176
preenchimento com certas bitolas de esforço que, agora, apareciam direcionadas. Em 2006,
tudo isso oscila. A diligência parece deixar de ser uma bitola geral de determinação do esforço
requerido aos administradores para a execução dos seus deveres, ameaçando limitar-se a algo
de bastante diverso, como a seu tempo veremos.
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na Proposta de 5.ª Diretriz. Ficam-nos o seu teor e a sua inserção sistemática. Como avançar?
Como acima foi visto, o termo interesse é ambíguo, não sendo dogmatizável. Quando muito,
podemos adotar uma noção objetiva e normativa, segundo a qual o interesse representa a
porção de realidade protegida e que, quando violada, dá lugar um dano. Mas com isso perde-
se um pouco do alcance normativo do preceito. O papel útil da referência a interesses da
sociedade cifra-se, como vimos, em determinar que os administradores, ao agir no âmbito
das suas funções, o façam em prol dos sócios: mas em modo coletivo. Não se trata, pois, de
propugnar vantagens caso a caso mas, antes, numa panorâmica possibilitada pelo
conhecimento do cenário global, de defender, societariamente, as saídas mais promissoras.
Resta ainda emprestar um sentido útil aos interesses dos trabalhadores, aparentemente 177
colocados no mesmo plano dos sócios. Tal colocação só faria sentido em cenários de
cogestão, aqui inexistentes. Podemos, todavia, aproveitar a regra: na concretização do esforço
exigível – portanto: da diligência – haverá que ter em conta as dimensões sociais da sociedade.
Temos um campo que poderia ser aproveitado por uma jurisprudência empenhada, numa
ligação às regras laborais. Ou seja: o universo dos administradores deveria atender, para além
da dimensão societária pura, também ao Direito do trabalho.
O sentido, em 2006; crítica: a interpretação acima indicada era uma tentativa frutuosa
de dar saída útil ao desgarrado troço retirado da naufragada proposta de 5.ª Diretriz. E no
pós-reforma de 2006? A atual alínea b) do artigo 64.º, n.º1 CSC, aparentemente imaginada
ex novo pelo legislador de 2006, não parece corresponder a conexões coerentes, perante
qualquer Direito societários. Antecipemos alguns pontos. O legislador começou por
subordinar o tema aos deveres de lealdade. Ora tais deveres são puros, devendo ter o
ordenamento como horizonte. Exigir lealdade no interesse da sociedade e, ainda, atentando
aos interesses (a longo prazo) dos sócios e, ponderando os de outros sujeitos, entre os quais
os trabalhadores, os clientes e os credores, é permitir deslealdades sucessivas. Quem é leal a
todos, particularmente havendo sujeitos em conflito, acaba desleal perante toda gente. Uma
técnica legislativa elementar ensina que não se devem construir normas com um aditamento
ilimitado de novos termos, sob pena de se lhes esvaziar os conteúdos. Prosseguindo:
mantém-se uma referência aos interesses da sociedade. Ora estes, segundo a doutrina
portuguesa largamente dominante, já haviam sido reconduzidos os interesses dos sócios.
Estranhamos o pouco (ou nenhum) relevo dado pelo legislador à doutrina da sua própria
Terra. Acresce, in casu, que os interesses da sociedade (dos sócios!) surgem ainda
complementados:
Atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios;
Ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da
sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
Mesmo formalmente, a sucessão de gerúndios devia ter sido evitada. Interesses de longo
prazo dos sócios? E quanto aos interesses de médio e de curto prazo? Seria absurdo, a
contrario, defender a irrelevância destes. Fica-nos a ideia de que tais interesses mais imediatos
(ou menos longínquos) surgem como interesses da sociedade, na linha tradicional já
sedimentada: das poucas que se conseguiram a abrigo do velho artigo 64.º CSC. Quanto à
referência aos interesses de longo prazo: será uma chamada para aquilo a que consideramos
o modo coletivo de defesa dos sócios e que implica, naturalmente, que não se sacrifique a
sociedade – por hipótese – a uma apetência imediata de lucros. No tocante aos outros sujeitos
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Por fim, ela é apontada como óbvia: apenas sistematicamente se apela à lealdade; nas
obras anglo-saxónicas, a lealdade ocorre sem mais, como um elemento no seio da
codificação dos deveres dos diretores.
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continentais. Também não se entende porque inserir, no artigo 64.º CSC, um claro elemento
de responsabilidade civil: seria lógico colocar tal norma – a ser necessária! – no artigo 72.º
CSC. Aliás: no n.º2 deste último surge-nos, agora, o business judgment rule. Finalmente: a bitola
da diligência, que antes acompanhava todos os deveres dos administradores, parece agora
confinada aos deveres de cuidado: não é brilhante. Como saída interpretativa: teremos de
esquecer as origens bizarras do artigo 64.º, n.º1, alínea a) CSC, úteis apenas para fins
expositivos, de clarificação e de crítica ao procedimento legislativo. Essa alínea deverá ser
interpretada no seu conjunto, exprimindo a boa velha (e sempre útil) bitola de diligência,
acompanhada por algumas precisões.
182
Normas de conduta:
1. Deveres de cuidado: o primeiro ponto a esclarecer será o seguinte: o artigo 64.º,
n.º1 CSC compreende regras de responsabilidade civil ou normas de conduta?
Diretamente, pretende reger a atuação dos administradores ou fixar consequências
no caso de violação de (outras) normas? Esquecendo o negligence law, estamos perante
normas de conduta. Sistematicamente, o artigo 64.º CSC está desligado dos preceitos
relativas à responsabilidade dos administradores. A própria epígrafe, conquanto que
exagerada, aponta, também, no mesmo sentido. Finalmente: tal como estão
articulados, os deveres de cuidado – melhor seria: de procedimento – e de lealdade
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são mesmo normas de conduta. Quando violadas, teremos de fazer apelo a outras
regras – culpa, ilicitude, dano e causalidade, entre outras – para determinar uma
eventual responsabilidade civil. Esclarecido esse ponto, passemos aos deveres de
cuidado. Tais deveres parecem reportar à disponibilidade, à competência técnica e ao
conhecimento da sociedade. Na realidade, estes três elementos constituem outros
tantos deveres, que explicitam, em moldes não taxativos, o teor do tal cuidado. Se
procurarmos generalizar, encontramos o conteúdo positivo da gestão. Ou seja: os
administradores devem gerir com cuidado, o que implica, designadamente, a
disponibilidade, a competência e o conhecimento. Trata-se de matéria a
clarificar caso a caso. Donde a referência: adequados às suas funções. 183
2. Deveres de lealdade e interesses a atender: abreviando, podemos considerar que
se trata de deveres fiduciários, que recordam estar em causa a gestão de bens alheios.
Os administradores são leais na medida em que honrarem a confiança neles
depositada. Ficam envolvidas as clássicas proibições já examinadas: de
concorrência, de aproveitamento dos negócios, de utilização de informações,
de parcialidade e outros. Ainda a mesma lealdade exige condutas materialmente
conformes com o pretendido: não meras conformações formais. A lealdade que se
impõe é-o, naturalmente: à sociedade o que é dizer, aos sócios, mas em modo
coletivo. As referências aos interesses de longo prazo dos sócios e aos dos stakeholders
– especialmente, trabalhadores, clientes e credores – só podem ser tomadas como
uma necessidade de observar as competentes regras. Para além delas, os
administradores estão ao serviço da sociedade. Quanto aos sócios e aos interesses a
curto, a médio e a longo prazo: teremos de fazer apelo às regras (diversificadas) do
governo das sociedades, para dispor de um quadro inteligível e, eventualmente; de
critério de decisão. O artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, embora rico, nunca poderia
resolver tal nó górdio. A referência legal vale, pois, como uma prevenção e como um
ovo apelo aos códigos de corporate governance.
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Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
21
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Origem e evolução: a corporate governance tem origem norte americana. Ela remonta a
1932, altura em que Berle e Means expuseram o tema da separação, nas grandes empresas,
entre a propriedade (Formal) e o controlo. Como assegurar que os gestores, que detêm o
controlo, agem no interesse dos proprietários? Seria o problema da representação (agency 185
problems): haveria que prever um jogo de incentivos e de monitorização para assegurar esse
desiderato. Grosso modo, o sistema era atribuído pelo mercado: a empresa mal gerida via
cair as suas cotações, acabando por ser vítima de um takeover. Os novos titulares do capital
poderiam optar entre desmantelar a empresa ou proceder a reajustamentos na sua gestão. A
partir dos anos 90 do século XX, a política económica e a prevenção vieram ocupar o lugar
dos takeovers. Estes assumiam custos sociais elevados e instilaram uma insegurança junto dos
investidores. Devemos ainda ter presente que, nos Estados Unidos, as empresas financiam-
se junto do mercado de capitais e não na banca. Torna-se importante, por isso, uma difusão
de informações aprazíveis e uma imagem de segurança na gestão das empresas. A corporate
governance, agora com um sentido funcional e normativo mais vincado, ganha um uso e uma
intensidade sem precedentes. Novos métodos de análise permitiram estabelecer o papel de
um governo societário forte sobre os resultados da sociedade. Este foi incrementado. Antes
da crise de 2007-2012, sete das doze maiores falências da História norte-americana haviam
ocorrido em 2002. A monitorização dos administradores ganhou uma dimensão acrescida.
O governo das sociedades tinha de assumir um papel mais moralizador e fiscalizador.
Surgiram publicadas leis, com relevo para o norte-americano Sarbanes-Owley Act (2002).
Foram estabelecidas incompatibilidades, garantias de independência, práticas moralizadas e
incrementos de responsabilidade. A matéria tem conhecido um crescimento exponencial.
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se, rapidamente, ao setor público. No plano legislativo, o governo das sociedades serviu,
essencialmente, como força impulsionadora da reforma de 2006, junto do legislador. O
especial fascínio do governo das sociedades advém da integração de regras jurídicas,
princípios de gestão e normas éticas. A corporate governance não é definível em termos jurídicos:
abrange um conjunto de máximas válidas para uma gestão de empresas responsável e
criadora de riqueza a longo prazo, para um controlo de empresas e para a transparência.
Podemos dizer que ficam abrangidas:
Verdadeiras regras jurídicas societárias, como sucede com o artigo 64.º CSC e outros
preceitos relativos a prestação de contas;
Regras jurídicas de ordem civil e deveres acessórios, também de base jurídica; 187
Princípios e normas de gestão, de tipo económico e para as quais, eventualmente,
poderão remeter normas jurídicas;
Postulados morais e de bom senso, sempre suscetíveis de interferir na concretização
de conceitos indeterminados.
A grande vantagem do governo das sociedades é a sua natureza não legalista. Lidamos com
regras flexíveis, de densidade variável, adaptáveis a situações aprofundamento distintas e que
não vemos como inserir num Código das Sociedades Comerciais. De resto: não temos
conhecimento de, em qualquer País, se ter seguido tal via. Não obstante, o governo das
sociedades é um tema do nosso tempo. O seu papel acabou, todavia, por ser modesto:
quedou-se pela reforma do artigo 64.º CSC, com todos os óbices e desafios que temos vindo
a assinalar. Fora do estrito campo legal, o tema do governo das sociedades tem um papel
acrescido. A CMVM produz regulamentos e recomendações de nível elevado e que têm
como bússola importantes princípios de governo das sociedades. Além disso, ela tem uma
atuação informal junto das grandes empresas, que permite pôr no terreno vetores
importantes na área da boa gestão, da transparência e da informação ao mercado. O tema é
retomado por estudiosos e especialistas, junto das referidas grandes empresas. Em suma:
filtra uma cultura de modernidade, importante na Aldeia Global. O desafio que enfrentamos
é outro: velar par que o acolhimento dos princípios do governo das sociedades não provoque
um abaixamento técnico-jurídico, nem se traduza por mais uma desmesurada fonte de
complexidade societária.
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sua revogação ad nutum – o que não sucede com a situação dos administradores –
tendo os seus poderes origem institucional. Ainda que com diversas restrições, é
indubitável que, perante a prática francesa, quanto à posição dos administradores:
domina um estilo estatutário que invoca, na verdade, conceções de tipo institucional.
As construções publicistas aparecem em Itália, ainda que nem sempre sejam assumidas com
clareza. Na sua base, uma raiz dupla: por um lado a constatação, feita já no início do século
XX, de que os administradores se encontram também investidos em deveres de ordem e
interesse públicos; por outro, a aproximação realizada entre a estrutura interna dos entes
privados e a dos entes públicos. A acrescer, verificamos que por um lado, multiplicam-se as
hipóteses de negócios jurídicos unilaterais; por outro, põe-se em crise a ideia da tipicidade 191
estrita dos negócios unilaterais. Além disso, haverá ainda um aspeto mais importante: o da
influência direta, no jusprivatismo, da Ciência Jurídica administrativa. O Direito
Administrativo atual conhece uma colocação de pessoas, ao serviço da Administração,
através de contrato pessoal. Mas admite, também, a tradicional nomeação unilateral22, sujeita,
naturalmente, a aceitação23. Trata-se de quadros técnicos-jurídicos que podem – se o Direito
positivo estiver conforme –, ser transposto para o Direito privado.
22 A denominada relação jurídica de emprego na Administração Pública é, hoje, regulada pelo Decreto-Lei n.º
427/89, 7 dezembro, alterado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 175/95, 21 julho. Retenha-se a noção de
nomeação, inserida no artigo 4.º, n.º1, daquele diploma:
«A nomeação é um ato unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar,
de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias de serviço público que revistam caráter de permanência».
23 Artigo 9.º, n.º1 Decreto-Lei n.º 427/89:
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designação defere-se aos sócios, nos termos gerais, outro tanto sucedendo com o acordar do
contrato de emprego; quanto tenham tal conselho, á que subdistinguir: o conselho pode,
pelos estatutos, ter ou não competência para designar a gerência; na primeira hipótese, o
conselho de vigilância toma as competentes deliberações à imagem do que sucede com as
sociedades anónimas; na segunda, a competência recai nos sócios. Esta situação, assim
descrita no tocante às sociedades por quotas é, no fundo, o resultado da evolução
protagonizada nas anónimas: a não haver conselho de vigilância, não seria facilmente
imaginável negociação do Anstellungsvertrag, através da assembleia geral. Trata-se de um ponto
não esquecer, quando se intente transpor o esquema analítico alemão para as sociedades
anónimas de tipo latino: sem conselho de vigilância ou conselho geral. A linguagem 192
conceitual apurada parta da precisa qualificação das duas figuras. A Bestellung é um ato
deliberativo e, nesse sentido, unilateralmente, embora com um destinatário. Ela pode ser
revogada a todo o tempo, nos termos legais. A Anstellung pressupõe um contrato com certas
cláusulas. Quando outra coisa não se disponha, ela pode ser objeto de denúncia ordinária –
ou seria de duração perpétua – e de denúncia extraordinária – melhor: resolução – perante
um motivo justificado. Dos diversos problemas que esta técnica analítica permite estudar
com apuro cumpre salientar, em primeira linha, a assimilação da Anstallung a um contrato de
trabalho. A jurisprudência e a doutrina têm respondido pela negativa: não há que aplicar aos
titulares dos órgãos sociais o regime da tutela laboral; além disso, eles estão, em termos sócio-
culturais, mais próximos dos empregadores do que dos trabalhadores. Também se verifica
que, de facto, os titulares dos órgãos de direção não surgem numa posição de subordinação
jurídica, em sentido técnico: ninguém lhes dá instruções sobre o modo de concretizar em
sentido técnico: ninguém lhes dá instruções sobre o modo de concretizar os serviços que
devam prestar – ou ter-se-ia de ir procurar, alhures, a direção. Não obstante, a evolução
laboral tem permitido, nalguns casos, fazer transposição de normas do Direito do trabalho,
para os titulares dos órgãos sociais. O Direito do trabalho não mais tem sido entendido como
um Direito de exceção. É, simplesmente, um Direito especial. Logo, torna-se possível, caso
a caso e quando a analogia das situações o permita, transpor normas laborais para outros
setores, entre os quais o aqui em causa. Trata-se de um ponto importante que, abaixo, será
aprofundado.
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as situações nas quais, com independência ou sem ela, uma pessoa ficasse obrigada a
trabalhar; por outro, faltava ainda, ao contrato de trabalho, um regime de tutela de
natureza impositiva que, anos depois, viria a conferir um sobressalto especial às
qualificações laborais. A jurisprudência teve, sobre o tema, uma evolução menos
linear do que muitas vezes hoje se julga. De um modo geral e simplificado, podemos
considerar que as instâncias civis e comerciais negavam a natureza laboral da situação
jurídica de administração; pelo contrário, a instância jurídico-laboral era mais
favorável, àquela natureza. Em termos práticos, a relação existente entre as
administradores e as sociedades respetivas reger-se-ia pelas regras comuns relativas
ao contrato de prestação de serviço, contidas no BGB e não pelas normas 193
especificamente laborais. Paralelamente, o jurisprudência laboral parecia assumir uma
posição diversa ou, pelo menos uma orientação menos formal. Por seu turno, a
doutrina também oscilou. Obras jurídico-laborais antigas faziam uma aproximação
fácil entre a posição dos administradores e a do pessoal trabalhador dirigente. Mais
tarde, a doutrina laboral inclinar-se-ia para a orientação do BGH, propendendo para
a natureza não laboral da relação de administração. A questão não estava, porém –
como nunca esteve – encerrada.
Ainda nos anos sessenta do século XX, Trinkhaus pediu, de modo direto, a revisão
da posição dominante relativa à natureza não-laboral da posição dos administradores.
Com diversas variantes, posições próximas em Miller, em Becker, em Grunsky e
em
Henssler: este último, paradigmaticamente, vem afirmar que se verificam, na relação
de administração, pressupostos próprios da relação de trabalho bastantes, pelo
menos, para a aplicação analógica de certas regras; assim e embora considere a
questão ainda em aberto, há tendências claras favoráveis às orientações laborais.
A doutrina laboral dos nossos dias trata o tema com alguma cautela: reafirma as
especificidades da relação de administração, reconhecendo embora a situação particular,
de tipo sujeição, a que dá azo; finalmente, admite uma aplicação, a ponderar em cada
caso, de normativos laborais. Essa orientação poderia, ainda, ser subtilmente
complementada com a societarização das relações de trabalho clássicas. Em suma: parece
caminhar-se para um agnosticismo de cautela que, se denota humildade científica,
dificulta, contudo, o conhecimento.
Menezes Cordeiro: partindo – como se impõe – das soluções, parece evidente que
a doutrina e a jurisprudência dos diversos ordenamentos – francês, alemão e italiano
– se inclinam para a necessidade de proteção social dos administradores, proteção
essa que, historicamente, é prosseguida pelo Direito do Trabalho. Fazendo um
levantamento de decisões observamos que permitem fixar dois parâmetros: a
situação jurídica de administração não pode provocar um abaixamento no tipo de
proteção que o administrador, anteriormente, detivesse e os diversos passos
protetores são dados sem uma referência direta, a regras do trabalho. Se o primeiro
ponto parece evidente, o segundo merece um suplemento de indagação. Em termos
quantitativos, a discussão em torno da laboralidade d administração tem vindo a
centrar-se nos gerentes das sociedades por quotas. Ora estas, no início, foram
concebidas como sociedades de capitais – portanto: como pequenas empresas
anónimas – aptas, em teoria, a suportar administradores profissionalizados e, como
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tal, assalariáveis. Evoluíra, porém, para sociedades de pessoas em moldes que – até
por razões de ordem económica –, já não se compadecem com tutelas laborais
alargadas. Paradoxalmente, porém, seria em sociedades deste tipo que ainda se
poderia intentar descobrir uma subordinação, em sentido jurídico-laboral, pelo
menos sempre que o administrador – o gerente – não seja, ele próprio, sócio. Já nas
sociedades anónimas, a problemática inverte-se: o administrador tenderá a ser
contratado como um empregado dirigente, especialmente habilitado, mas ligado
apenas por uma relação de serviço remunerada; porém, já não há paradoxalmente
quem lhe dê instruções. Tais instruções, consideradas possíveis nas sociedades de
tipo germânico, através do conselho de vigilância ou conselho geral, seriam 194
impensáveis, nas sociedades anónimas de tipo latino. A própria lei exclui, aliás, a
gestão corrente, do âmbito da competência da assembleia geral. Dogmaticamente, a
situação jurídica laboral autonomiza-se, no seio da prestação ode serviço, por
postular a denominada subordinação jurídica do trabalhador. Tal subordinação daria
corpo ao dever de obediência e à sujeição ao poder disciplinar. O dever de obediência
traduz a heterodeterminação do serviço laboral: caso a caso o sujeito laboral – o
trabalhador – deveria conformar a sua atuação, às instruções do empregador ou do
seu representante. Ocorre, por tudo isto, a figura clássica da situação semelhante à
do trabalhador, caracterizada pela mera subordinação económica e à qual, em certos
casos, teriam aplicação algumas regras laborais. A administração de sociedades seria
uma hipótese a incluir neste domínio24. Mas apenas em teoria: a problemática da
administração foi desenvolvida, em ambiência própria, por comercialistas, de tal
modo que, culturalmente pertence ao Direito comercial. A qualificação jurídica não
deve abdicar dos resultados a que conduza. No Direito português e mercê de diversas
confluências históricas, cristalizadas na Constituição da República Portuguesa de
1976, chegou-se um tipo de tutela jurídico-laboral que, tendencialmente, visa tornar
perpétuas as situações jurídicas de trabalho, bem como as categorias profissionais
que elas tenham configurado. Trata-se da denominada proibição de despedimentos
sem justa causa que, por via de estritas interpretações constitucionais, só dificilmente
tem sido flexibilizada por legisladores dos diversos quadrantes. Torna-se impensável
perpetuar as situações jurídicas de administração das sociedades. Nas anónimas como
nas restantes sociedades, é da sua essência a renovabilidade dos mandatos, com a
inerente hipótese de não recondução. Perpetuar situações de administração
equivaleria a paralisar as empresas. Pior: obrigaria a pesquisar formas práticas de
dissolver todo o ente coletivo, com as sequelas sócio-económicas respetivas que se
adivinham para, in extremo, remover uma administração indesejada. Em suma: por
evidentes inadequação e incompatibilidade valorativa não é viável, no Direito
positivo português vigente, laboralizar a situação jurídica dos administradores. A
tutela requerida passará assim por dois planos simples: o do não retrocesso social do
trabalhador, designado administrador e o da densificação, dentro do razoável, da
justa causa exigida para a destituição, na pendência do mandato, dos administradores
designados. Trata-se de uma via a aprofundar, dentro do respeito pela vontade das
partes, sempre que esta tenha sido formalizada, o que, de todo o modo e no Direito
societário português, só por exceção ocorre. Um desenvolvimento recente, neste
24A doutrina jurídico-laboral não procede, em regra, a esta inclusão: entende que a administração compreende,
hoje, um regime especial próprio, claro e bem definido, no Direito comercial – o que, de resto, não é exato.
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25Ainda um exemplo: Raúl Ventura procede a uma sábia exposição que documenta o modo não contratual, de
funcionamento da dinâmica dos administradores.
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situação, quando se verifique, seja por que via for, coloca logo o administrador numa teia de
direitos simples, de direitos funcionais e de deveres. Diversas fontes a tanto levam. Trata-se
de um status ou estado: qualidade ou prerrogativa que implica e condiciona a atribuição de
uma massa prévia de elementos juridicamente relevantes, incluindo deveres, direitos
funcionais e obrigações. Cabe ao Direito aplicável explicitar o conteúdo desse estado.
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«1 – A título excecional, e nos termos legalmente previstos, seja adotada por todo o setor
empresarial do Estado uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à
remuneração dos membros dos respetivos órgãos de administração, designadamente não havendo
lugar, nos anos de 2010 e 2011, à atribuição de qualquer componente variável da remuneração;
«2 – O disposto no número anterior é aplicável a todo o setor empresarial do Estado,
incluindo empresas públicas, entidades públicas empresariais e entidades participadas».
Tomado à letra, este despacho iria atingir sociedades nos quais o Estado tinha participações
minoritárias, diretas ou indiretas (casos exemplares da PT, Galp e EDP) e que estavam
sujeitas a puros regimes de Direito comercial. As assembleias gerais recusaram 198
(legitimamente) a sua aplicação. Noutro plano a CMVM, no Código de Governo das
Sociedades da CMVM de 2010 (recomendações), preconizou que as sociedades cotadas
divulgassem individualmente as recomendações dos administradores. Vai um tanto na linha
da Lei n.º 28/2009. A novidade reside no seguinte: o artigo 288.º, n.º1, alínea c) deste Código,
apenas obriga a divulgar os montantes globais pagos em cada ano, aos membros dos órgãos
sociais: não os montantes individuais. De facto, em certos casos, o montante individual pode
estar associado a índices de produtividade setorial que não convenha tornar públicos, por
razões de negócio. Obviamente: os montantes exatos são sempre conhecidos pela
Administração fiscal. A divulgação individual permite comparações dentro da empresa e
conduz ao nivelamento e, portanto: ao fim da recompensa pelo mérito. Esta matéria exige
cuidado e ponderação. Do lado dos administradores, há que ter o sentido das proporções e
das conveniências. Do lado dos comentadores e da comunicação social: há que pôr cobro ao
sensacionalismo fácil de exibir cifras fora do contexto. Uma chamada de atenção deve ser
feita: a continuar o ambiente de calúnia persecutória e de delação em curso, nenhum técnico
habilitado quererá assumir funções de responsabilidade: na política como na gestão de alto
nível. As consequências são fáceis de antever. Finalmente, o Direito vigente tem, há muito,
instrumentos para lidar com situações de excesso. Para além da cláusula geral do abuso do
direito, recordamos o artigo 255.º, n.º2 CSC, que permite a redução da remuneração dos
sócios gerentes, pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de inquérito
judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado, quer à
situação da sociedade. Esta regra pode ser aplicada a outros tipos de sociedades por analogia.
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verifica-se que a lei dá duas definições próximas de justa causa de destituição. A propósito
da sociedade por quotas, esta é definida (artigo 257.º, n.º6 CSC) nestes termos:
«Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente
e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções».
No tocante às sociedades anónimas (artigo 403.º, n.º4 e 430.º, n.º2 CSC) aparece uma noção
semelhante, mas em que incapacidade é substituída por ineptidão. Temos, ainda, certos
exemplos concretos de justa causa: o do artigo 254.º, n.º5 CSC, que considera justa causa de
destituição do gerente a violação da proibição da concorrência e o do artigo 447.º, n.º8 CSC,
que afirma como tal a falta culposa de cumprimento do disposto n o n.º1 e 2 deste artigo, 203
relativos à publicidade de participações dos membros de órgãos de administração e
fiscalização. Pois bem: perante estas fórmulas, não restam dúvidas de que a justa causa
implica a violação grave – com dolo ou negligência grosseira – dos deveres do
administrador. A incapacidade para o exercício normal não é incapacitação: esta conduz à
caducidade; trata-se, antes, da incompetência profissional grave, a qual implica, sempre, um
nível normativo, e, daí: a violação, necessariamente grave, dos deveres de estudo e de
atualização exigíveis. A noção mais laboral – portanto mais restritiva – que tem, na lei, uma
base suscetível de alargamento, merece ser acolhida. Aliás, ela foi desenvolvida por Raúl
Ventura, a propósito dos gerentes das sociedades por quotas; a argumentação em causa pode,
porém, ser transposta para os administradores das sociedades anónimas. Além do exposto,
há boas razões de fundo para dispensa, aos administradores das sociedades, uma certa
proteção semelhante à que a lei concede aos trabalhadores subordinados. Não pode ter a
mesma intensidade, sob pena de subverter a própria lógica intrínseca do Direito societário;
mas sempre será alguma: a total desproteção dos administradores iria repercutir-se no seu
profissionalismo, com danos para a própria sociedade. A jurisprudência portuguesa surge
maioritariamente, sensível a este ponto, sobretudo, no início, a nível do Supremo. Pode-se ir
mais fundo. A qualificação de uma deliberação como tendo justa causa comporta, sobretudo,
virtualidade de dispensar a indemnização e outros institutos de proteção aos administradores:
a liberdade da própria sociedade não está em jogo, uma vez que a destituição é sempre
possível, com ou sem justa causa. Por isso, a justa causa assume um perfil totalmente
imputável ao administrador; se não houver culpa e ilicitude por parte deste, ela não se justifica.
Particularmente em jogo, está o problema da mudança de orientação da sociedade. Tal
mudança de orientação é sempre possível, sobretudo quando se venha a formar uma nova
maioria de sócios. Poderá, então, haver que dispensar os administradores. Mas o risco é da
sociedade: se os administradores estiverem ainda dentro do mandato para que foram
designados, eles têm direito a diversas compensações: não há justa causa. Tem interesse
consignar algumas proposições judiciais relativas à destituição dos administradores e à justa
causa que, porventura, se verifique. Assim, temos:
Constitui justa causa de destituição, nomeadamente, a violação grave dos deveres de
gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções;
Justa causa de destituição do gerente é a violação grave do seu dever e a sua
incapacidade para o exercício normal das funções; trata-se de um conceito
indeterminado, mas que consiste no facto ou situação na qual, segundo a boa fé, não
seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual;
A justa causa de destituição consubstancia uma quebra de confiança, por razões
justificadas, entre a sociedade e o gerente;
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O facto de o gerente de certa sociedade ser sócio de outra congénere, onde não
exerce qualquer atividade, não é motivo justificado para a sua destituição de gerente;
Os gerentes que, por sistema, cumpram tardiamente (3 ou 2 anos depois) o seu dever
de relatar a gestão e de apresentar as contas da mesma, não atuam segundo os
critérios de um gestor ordenado e criterioso, havendo por isso justa causa para a sua
destituição;
O gerente de uma sociedade por quotas deve respeitar deveres de diligência e de
vigilância, segundo um padrão objetivo; para integrar a justa causa de destituição,
relevam ações e omissões; in casu, deixar caducar alvarás de construção civil, anular
contratos de seguros de trabalhadores e passar faturas falsas; 204
Destituição com justa causa será aquela que tenha por fundamento a verificação de
um motivo grave, de tal modo que não seja exigível, à sociedade, manter a relação de
administração;
Justa causa pressupõe uma conduta culposa que torne impossível ou inexigível a
subsistência da relação funcional;
Justa causa provém da verificação de um comportamento culposo do administrador
que, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível, à sociedade, manter a
relação de indemnização;
A justa causa pressupõe uma atuação censurável;
Há justa causa perante a impossibilidade de continuar a relação de confiança.
Em termos processuais, os factos relativos à existência de justa causa devem ser invocados e
provados pela sociedade que dela se queira prevalecer. É uma decorrência das regras gerais
sobre o ónus da prova. Os fundamentos da destituição devem constar da competente ata;
único meio de prova quanto ao deliberado.
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«(…) sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que
presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito».
Este preceito envolve um grave erro de Direito e surge claramente inconstitucional. Perante
a responsabilidade por atos ilícitos, todos os danos devem ser ressarcidos. De outro modo,
estarmos a admitir o desrespeito pela propriedade privada, perante danos patrimoniais e a
desconsideração pela dignidade da pessoa, perante danos morais. O preceito de 2006 é
contrário ao sistema e à Constituição. A limitação às indemnizações só é possível perante
situações de responsabilidade objetiva. Ora o legislador, particularmente em 2006, parece
partir do princípio que a destituição é sempre lícita… envolvendo responsabilidade objetiva
(sem culpa), faltando justa causa. Não é assim. A destituição sem justa causa é mesmo ilícita: 206
o combinado é para cumprir. O facto de não haver reintegrações não limitada – antes pelo
contrario! – a indemnização. Para além da inconstitucionalidade e do erro dogmático, a
solução apontada em 2006 incorre noutro óbice: vai dar corpo ao miserabilismo das nossas
indemnizações. Também por isso, deve ser contradita em nome do sistema. Os limites
aparentemente resultantes do artigos 257.º, n.º7 CSC e 403.º, n.º5 CSC caem em terreno fértil.
A jurisprudência é muito parca em indemnizações, enquanto a figura dos administradores é,
hoje, malquista. Muitas das decisões restritivas têm a ver com particularidades dos casos
concretos que resolveram. Retemos os seguintes aspetos:
A indenização traduz os lucros cessantes os quais, na falta de outros elementos,
correspondem ao que o administrador deixou de ganhar;
Não chega dizer que perdeu remunerações: o gerente destituído deve provar os danos;
À indemnização haveria que descontar o que o destituído foi ganhar alhures (aliunde
perceptum): uma orientação que, sendo um apelo à preguiça, não podemos subscrever;
O montante previsto no artigo 403.º, n.º5 CSC é o máximo: uma tese que reputamos
inconstitucional.
Desenha-se, no entanto, uma linha que merece total apoio: a que admite, ainda, o cômputo
dos danos morais, que podem ser gravíssimos.
Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição;
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regras gerais de responsabilidade civil, presentes no artigo 483.º, n.º1, in fine CC: é a chamada
responsabilidade pela violação de normas de proteção. Por fim, manda o artigo 79.º, n.º1
CSC o mesmo que o regime geral: derivado do artigo 483.º, n.º1 CC, embora com um
novidade: parece limitar-se aos danos diretos. Os preceitos em causa não são inúteis; tão-
pouco se apresentam interpretativamente neutros, até porque são acompanhados por
diversas adaptações à realidade em jogo. Na sua falta, porém, não haveria, nem solução
diferente, nem lacuna.
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poderiam, ainda, juntar os artigos 83.º e 84.º CSC, relativos, embora, a questões, já diversas
da responsabilidade dos administradores. Pense-se, a esse propósito, nas regras a observar
pelo administrador que não queira solidariza-se com os seus colegas, numa deliberação que
considere ilegal (artigo 72.º, n.º3 e 4 CSC), ou no papel exoneratório que pode assumir uma
deliberação dos sócios, ainda que anulável (idem, n.º4). O artigo 72.º, n.º6 CSC dispõe que o
parecer favorável ou o consentimento do órgão de fiscalização não exoneram de
responsabilidade os membros da administração; pelo contrário: fazendo-o, os titulares
daquele órgão entram, também, em responsabilidade, salvo o que parece ser a relevância
negativa da causa virtual, prevista no artigo 81.º, n.º2, in fine CSC. O artigo 74.º, n.º2 CSC
regula os termos em que os sócios podem renunciar à indemnização ou transigir sobre ela, 209
enquanto o n.º3 explicita a eficácia exoneratória da aprovação, pela assembleia geral, das
contas ou da gestão dos gerentes. Os artigos 75.º 76.º e 77.º CSC tratam da ação social, dos
representantes especiais e de ação social ut singuli imprópria. No seu conjunto, o Capítulo
VII, do Título I, CSC, aponta para a primazia dos quadros do Direito comum. No fundo,
trata-se de retomar o sistema geral da responsabilidade tal como resulta do CC, sublinhando
os seus contornos perante a realidade das sociedades comerciais. As especialidades surgem a
nível processual, o que é dizer: no modo de efetivação das diversas ações envolvidas. No que
respeita à responsabilidade em si, o CSC assenta em pressupostos civis. No fundo, os
administradores são responsáveis quando, com dolo ou negligência, violem os deveres que
lhes incumbia respeitar e, com isso, provoquem danos. A grande questão que se põe será,
pois, a de determinar que especiais deveres incumbem aos administradores e em que medida
vão eles interferir, depois, na concretização dos quadros comuns em jogo. Mas com a ressalva
do plácido artigo 71.º CSC, esses deveres implicam já uma enumeração que pressupõe o
estudo dos diversos tipos de sociedades.
Responsabilidade obrigacional: como foi referido, o artigo 72.º, n.º1 CSC contém
uma previsão geral de responsabilidade obrigacional para com a sociedade: os
administradores respondem, para com esta, pelos danos que lhe causem com preterição dos
deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. Trata-se de uma
simples concretização, porventura desnecessária, dos artigos 798.º e 799.º CC. Com efeito:
Estão em causa danos ilícitos;
Provocados pela inobservância de deveres específicos;
Com presunção de culpa.
Entre os deveres específicos suscetíveis de, quando violados, causarem responsabilidade dos
administradores para com a sociedade temos:
Violação de cláusulas contratuais ou de deliberações sociais que fixem à sociedade
determinado objeto ou que proíbam a prática de certos atos (artigo 6.º, n.º4 CSC);
Execução de deliberações relativas à distribuição de bens aos sócios, quando tais
deliberações sejam ilícitas ou enformem de vícios (artigo 31.º, n.º2 CSC);
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causado danos à sociedade, por preterir os seus deveres legais ou contratuais provava, em
juízo:
Que tinha atuado em termos informados, isto é: com pleno conhecimento das
realidades (técnicas e jurídicas em jogo);
Que o fizeram sem qualquer interesse pessoal, isto é: de modo isento e desinteressado;
E que agira seguindo critérios de racionalidade empresarial.
Haveria responsabilidade? A resposta seria negativa. Ao produzir tal prova, o administrador
estaria a ilidir a presunção de culpa (ou, porventura, a ilidir a presunção de culpa/ilicitude,
precisamente atacando o nível valorativo que essa dupla envolve). Nas circunstâncias 211
apontadas, a conduta do administrador tornar-se-ia desculpável. Repare-se que estão em
causa apenas deveres para com a sociedade, sendo de acentuar a observância dos critérios de
racionalidade empresarial, a que teremos oportunidade de regressar. Os grandes dados da
responsabilidade civil não estão na disponibilidade do legislador: mesmo quando,
iluminadamente, mexa nos institutos mais delicados do Direito das sociedades. Ao introduzir
o business judgement rule no Direito português, no preceito relativo à responsabilidade
obrigacional dos administradores para com a sociedade, o legislador está a cortar as amarras
com outras experiências, mesmo quando dadoras. Assim:
No Direito americano, o business judgement27 rule veio delimitar os deveres genéricos
do administrador e, em especial, o dever de cuidado;
No Direito alemão, essa mesma regra veio restringir deveres legais específicos bem
delimitados – os introduzidos pela Lei da Transparência.
Compreende-se assim que, no caso americano, o rule delimite a culpa/ilicitude, no conjunto:
o Common Law não faz a destrinça. E no Direito alemão, temos uma delimitação das próprias
regras de conduta, pelo que fica afastada a ilicitude. Mas no Direito português, o caso é
diverso. O business judgmente rule constitui uma específica via de exclusão de culpa. Ilustres
autores como Pedro Pais de Vasconcelos e Coutinho de Abreu vieram sustentar que o rule
implicaria uma exclusão de ilicitude, porque, quando aplicável, traduziria o respeito, por parte
dos administradores, dos deveres prescritos no artigo 64.º CSC. Tecnicamente, isso quereria
dizer que, perante um conflito de deveres proporcionados pelo artigo 64.º CSC e deveres
com qualquer outra origem, os primeiro prevaleceriam. De facto, é sabido que os
administradores incorrem facilmente em conflitos de deveres, o que obriga a uma cuidada
ponderação entre eles para se ver, em concreto, qual prevalece. Mas – é regra que não vemos
como afastar – o dever específico prevalece sobre o genérico28. Admitir, em geral, que o
administrador, posicionado dentro do artigo 64.º CSC, ficasse isento de cumprir quaisquer
outros deveres para com a sociedade (pois só assim se poderá afastar um juízo de ilicitude) é
passo que não podemos acompanhar. A grande dificuldade denotada por estes (e outros)
autores em cindir a ilicitude da culpa advém ainda do seguinte: na responsabilidade
obrigacional, essas duas realidades interpenetram-se. Há, pois, que distinguir na base do
ângulo de abordagem. De facto e pelo nosso entendimento da responsabilidade obrigacional,
27 O autor quebra a promessa terminológica feita na nota de rodapé n.º 2563 (p. 857) de distinguir as grafias
inglesas e americanas aquando do seu tratamento. Humildemente a, aqui, corrigimos mantendo a sistemática
pretendida pela sumidade doutrinária e académica a que tanto tecemos louvor e agradecimentos (graças já a
academia as concedeu, e bem, pensamos!). (大象城堡).
28 Autores como Ana Perestrelo de Oliveira aceitam a presença de uma exclusão de ilicitude, mas por referência
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o business judgment rule funcionaria, entre nós, como exclusão de faute, isto é, de culpa/ilicitude.
Seria absolutamente contrário a dados básicos do sistema admitir que, ratione societatis, o
administrdor pudesse ficar isento dos seus deveres legais ou estatutários. É certo que o
business judgemente rule só opera nas relações com a sociedade: ela nunca poderia isentar o
administrador dos seus deveres para com o fisco, os trabalhadores ou a segurança social.
Além disso, o rule exige critérios de racionalidade empresarial. Ora tais critérios englobam
sempre as vantagens de bem cumprir a lei: os ganhos que se obtenham à margem desta jogam,
a prazo, contra a sociedade, sendo alheios a uma boa gestão. O rule requer, ainda, uma
compatibilização com o princípio da colegiabilidade e com eventuais conflitos de interesses
que se reportem a, apenas, algum ou alguns administradores. Mas mesmo com estas 212
delimitações: os deveres legais e estatutários, porventura subsequentes à Lei de 2006, não se
podem, de modo algum, considerar revogados pelo novo artigo 72.º, n.º2 CSC ou, sequer:
de incumprimento genericamente justificado. Apenas no caso concreto o apelo ao business
judgement rule permitirá isentar o administrador do juízo de censura que, sobre ele, iria incidir.
Há exclusão de culpa/ilicitude ou, para quem insista na contraposição, em sede
contratual: de culpa.
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censura em que incorra o agente deve ser especificamente alegada e demonstrada, por quem
queira uma sua responsabilização. Em compensação, tais normas de proteção asseguram uma
tutela aquiliana em caso de mera negligência (artigo 483.º, n.º1 CC). A específica exigência
do dolo só vale para as sanções penais (artigo 527.º, n.º1 CSC).
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«Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos
termos dos artigos 606.º a 609.º CC, o direito a indemnização de que a sociedade seja
titular».
Trata-se de novo lembrete inútil: recorda regras que sempre teriam aplicação, por via da
responsabilidade civil. Além disso, a hipótese de responsabilidade que comporta remonta ao
artigo 72.º, n.º1 CSC: não ao artigo 78.º, n.º1 CSC. O artigo 78.º, n.º5 CSC faz uma série de
remissões para vários preceitos. Mais precisamente:
Para o artigo 72.º, n.º2 CSC: business judgement rule;
Para o artigo 72.º, n.º3 CSC: não responsabilidade dos administradores que não 217
tenham participado nas deliberações em jogo ou que a elas se tenham oposto;
Para o artigo 72.º, n.º4 CSC: responsabilidade dos administradores que, podendo,
não se tenham oposto;
Para o artigo 72.º, n.º5 CSC: a responsabilidade para com a sociedade não tem lugar
quando a ação ou omissão do administrador assente em deliberação social, ainda que
anulável: este preceito contraria, aqui, o artigo 78.º, n.º3 CSC, a menos que se restrinja
a sua aplicação à hipótese do artigo 78.º, n.º2 CSC;
Para o artigo 72.º, n.º6 CSC: a responsabilidade não cessa por haver consentimento
ou parece favorável do órgão de fiscalização;
Para o artigo 73.º CSC: solidariedade dos administradores responsáveis;
Para o artigo 74.º CSC: nulidade das cláusulas de limitação ou de exclusão de
responsabilidade.
Perante este quadro, a remissão para o artigo 72.º, n.º2 CSC só pode advir de lapso. Com
efeito, não se entende – dado o Direito positivo português e tendo em conta o competente
sistema – como pode o business judgement rule alijar a responsabilidade dos administradores
para com os credores por violação culposa de normas destinadas a proteger esses mesmos
credores. Repare-se que as próprias cláusulas de exclusão são nulas (artigo 74.º, n.º1, ex vi
artigo 78.º, n.º5 CSC), assim como insuficiente é qualquer deliberação justificativa ou
exoneratória (artigo 78.º, n.º3 CSC). Admitir que o administrador possa, ilícita e
culposamente, prejudicar os credores, violando normas de proteção, por agir livre, informada
e empresarialmente, seria a mais completa selva. O business judgement rule só é imaginável em
relações administrador/sociedade: nunca fora desse círculo. Perfilar-se-ia, de resto, uma
inconstitucionalidade: por violação da propriedade privada (artigo 62.º, n.º1 CRP) e da
própria igualdade (artigo 13.º, n.º1 CRP).
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suas funções, causem danos a sócios e a terceiros. Estes terceiros englobam, designadamente:
o Estado, os trabalhadores, os fornecedores e stakeholders em geral e os próprios credores,
agora por outra via. Quando isso suceda: a sociedade é a responsável, mercê dos nexos de
imputação orgânica. O administrador, enquanto tal, não é incomodado. Num desvio à lógica
da personalidade coletiva, a Lei admite porém que os administradores sejam demandados
quanto a danos que causem diretamente. Como entender esse advérbio? A responsabilidade
é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer
outros eventos. Em termos valorativos, isso redundará:
Ou em práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado;
Ou em práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a 218
verificação do dano em causa.
Nestas condições, compreende-se que seja difícil a verificação da hipótese prevista no artigo
79.º, n.º1 CSC. Logicamente: pois a assim não ser, de pouco valeria a própria ideia de
personalidade coletiva. Digamos que existe aqui uma hipótese de levantamento da
personalidade: ex lege. Também neste domínio, o artigo 79.º, n.º2 CSC procede a uma teia de
remissões semelhantes às acima examinadas quanto ao artigo 78.º, n.º5 CSC: remete para os
artigos 72.º, n.º2 e 6, 73.º e 64.º, n.º1 CSC. Valem as considerações então feitas, com especial
tónica no lapso que representa, também aqui, o apelo ao business judgement rule. Não se entende
como uma realidade interna, exclusiva da sociedade, possa permitir, aos administradores, vir
causar danos aos sócios ou a terceiros.
Breve síntese: o Direito positivo português vigenteterá sido dos que mais longe levaram
a evolução assim apontada. Desde logo, nos seus artigos 72.º e seguintescCSC, ele
sistematizou, em moldes gerais, a responsabilidade dos administradores. Chegou-se, assim, a
um esquema muito completo, fruto de toda uma evolução europeia. Na base, pode
considerar-se que os administradores são responsáveis, para com a sociedade, por violações
de deveres específicos, contratuais ou legais (artigo 72.º, n.º1 CSC): um clara hipótese de
responsabilidade obrigacional. Os competentes deveres são suscetíveis das mais diversas
qualificações. Assim:
Os deveres contratuais podem derivar dos estatutos societários, de pactos
parassociais ou de outros contratos especificamente celebrados com os
administradores em causa; categoria complexa seria ainda a dos deveres laterais
derivados da celebração de contratos entre a sociedade e terceiros;
Os deveres legais têm a ver com os preceitos gerais inseridos no artigo 64.º CSC,
depois completado por diversas normas, ou como os múltiplos deveres específicos
dispersos pelos mais variados diplomas.
O artigo 64.º CSC, de origem complexa, carece de adequado e complexo processo de
concretização, a operar caso a caso. Temos, depois, hipóteses de responsabilidade aquiliana
perante os credores (artigo 78.º, n,º1 CSC) e os sócios e terceiros (artigo 79.º, n.º1 CSC); aí,
sob um pano de fundo de regras gerais, há especificidades de relevo, que sublinhámos e que
devem ser sempre tidas em conta. A responsabilidade dos administradores é, essencialmente,
uma imputação por incumprimentos ou por atos ilícitos culposos. De outra forma, aliás, os
administradores seriam responsabilizados pelo risco, o que não se coaduna com o sistema
geral da responsabilidade civil portuguesa. A lei estabelece um princípio de colegialidade no
conselho de administração. Resulta daí uma regra de solidariedade entre os administradores
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(artigo 73.º CSC): todos respondem pelos danos, salvo os que votarem vencidos e fizerem
lavrar o competente voto, nos termos do artigo 72.º, n.º2 CSC. Esta regra, que é importante,
não deve ser absolutizada: a responsabilidade baseada na culpa é sempre uma
responsabilidade individualizada. O ato puramente individual, que nada tenha a ver com o
conselho de administração, só responsabiliza quem o pratique. Além disso, os
administradores poderão sempre ilidir a presunção de culpa, provando que, embora não se
tenham oposto às decisões danosas, agiram, em concreto, com a diligência e o cuidado
exigíveis, o que poderá não ter sucedido com outros. O CSC, remando um pouco contra o
que parecia ser uma sistematização coerente da matéria, veio a inserir um único e extenso
artigo sobre a prescrição da responsabilidade: o artigo 174.º CSC. Aí, no fundamental, é 219
visada a responsabilidade dos administradores. Procurando, para além dos textos legais,
surpreender a verdade do funcionamento do sistema, cumpre ainda acrescentar o seguinte.
As sociedades, particularmente as anónimas, que funcionam como matriz de todo este
desenvolvimento, têm um porte económico que supera largamente qualquer património
singular. Havendo erros ou falhas de gestão, os danos causados poderão ser muito superiores
a qualquer hipótese de ressarcimento, pelos administradores responsabilizáveis. Além disso,
as ações judiciais são morosas. Por muito cuidado que se assuma, elas têm sempre um epílogo
incerto. Uma ação intentada contra os administradores é dispendiosa. Por norma, será pouco
remuneratória a apresenta-se arriscada. Em regra, tal ação irá implicar má publicidade para a
empresa envolvida. Aspetos menos felizes da sua gestão serão postos a nu, afugentando
investidores mobiliários e dificultando o crédito. Por tudo isto, o fiel sancionatório desloca-
se da responsabilidade civil para a destituição dos administradores. A sociedade descontente
com os seus administradores destitui-os, e designa outros. Só por exceção lhe convirá reabrir
o assunto, gastando tempo e dinheiro com ações judiciais. A tudo isto acresce, em Portugal,
o complicado sistema jurídico em vigor. Apesar desta perda de importância relativa, a
responsabilidade dos administradores mantém-se como um instituto dogmaticamente rico e
potencialmente operacional. Finalmente, pergunta-se se o dispositivo do artigo 64.º CSC
também pode ser usado no tocante à responsabilidade dos administradores perante terceiros:
sócios, credores e estranhos. Respondemos pela negativa. De facto, o administrador
relaciona-se com a sociedade. Mesmo quando, para aquilatar os deveres em jogo, haja que
ponderar os interesses dos sócios e dos stakeholders, o sujeito ativo da relação é a sociedade.
Fora dela, teremos os clássicos remédios aquilianos. De outro modo, não haverá nenhuma
dogmática consistente.
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diversos tipos de sociedades comerciais. Além deles, encontramos no Código: artigos 420.º,
447.º, 448.º e 508.º-A a 508.ºF CSC. Há, ainda, que lidar com os diversos diplomas, relativos
a contas e à contabilidade, com relevo para o SNS. O Capítulo V, aqui em causa, tem alguma
lógica interna:
Ele principia pelo dever de apresentar contas, fixando alguns dos seus parâmetros
(artigos 65.º, 65.º-A, 66.º e 66.º-A CSC);
Prossegue com aspetos patológicos: não apresentação de contas ou não deliberação
sobre elas (artigo 67.º CSC), recusa de aprovação de contas (artigo 68.º CSC) e regime
de invalidade das respetivas deliberações (artigo 69.ºCSC);
Conclui com a publicidade das contas (artigo 70.º e 70.º-A CSC). 220
A matéria deve ser seguida sempre em conjunto com as regras próprias de cada tipo
societário e à luz das normas contabilísticas aplicáveis.
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Adicionalmente pode ser apresentada uma demonstração dos resultados por funções
(artigo 11.º, n.º3 CSC). Deve ainda ter-se em conta o artigo 12.º CSC, quanto ao
inventário. O CSC andou bem ao não enumerar o teor das contas de exercício e os
demais documentos de prestação de contas. A matéria é instável, melhor ficando em
leis especiais. O artigo 66.º-A CSC veio exigir a junção de mais um elemento às contas:
o anexo. A introdução do artigo 66.º-A CSC correspondeu à preocupação de verter
no CSC a decorrência do SNC. Este, no seu artigo 11.º, n.º1 inseriu o anexo como
um dos elementos das demonstrações financeiras. O SNC refere o anexo como a
divulgação das bases de preparação e políticas contabilísticas adotadas e divulgações
exigidas pelas Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF). O artigo 66.º- 221
A, n.º1 CSC veio alargar este papel do anexo. Passa, agora, a incluir também:
a. Informação sobre a natureza e o objetivo comercial das operações não
incluídas no balanço e o respetivo impacte financeiro, na medida do
necessário para avaliar a situação da sociedade;
b. Informação sobre os honorários faturados a ROCs, a SROCs e a outros
títulos.
A autonomização solene destes elementos pode contundir com segredos legítimos
da empresa: deve ceder perante regras ou princípios concretamente mais ponderosos.
O artigo 66.º-A CSC corresponde à inclusão no CSC, de regras contabilísticas,
desinseridas do local próprio.
Os demais documentos de prestação de contas, previstos na lei.
As regras legais relativas ao relatório de gestão e às regras de prestação de contas são
imperativas (artigo 65.º, n.º2 CSC): os estatutos sociais podem ampliá-las, mas não derrogá-
las. A lei exige ainda que o relatório e as contas do exercício sejam assinadas por todos os
membros da administração; a recusa de assinatura deve ser justificada no documento a que
respeita e explicada perante o órgão competente para a aprovação ainda que o interessado já
tenha cessado as suas funções (artigo 65.º, n.º3 CSC). O tema das assinaturas é retomado
pelo artigo 65.º, n.º4 CSC: o relatório e as contas são elaborados e assinados pelos
administradores, que devem prestar todas as informações que, para o efeito, lhes forem
solicitadas. Estas regras são importantes, mas não devem ser formalizadas. Pode suceder, no
momento da assinatura, algum administrador, que esteja totalmente de acordo, não possa
assinar: por razões de saúde ou, até funcionais, por estar no estrangeiro ao serviço da
sociedade. Para quê levantar todo um problema, que pode ser penalizador nas sociedades
cotadas? Bastará que alguém assume a rogo, assumindo a responsabilidade ou, mais
simplesmente, que se use uma assinatura digital.
A apresentação de contas e a sua falta: o artigo 65.º, n.º5 CSC fixa dois distintos
prazos para a apresentação do relatório de gestão, das contas e de exercício e demais
documentos de prestação de contas ao órgão competente e para a apreciação, por este. Assim:
Três meses a contar da data de cada exercício anual, nos casos comuns;
Cinco meses a contar da mesma data, quando se trate de sociedades que devam
apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método de equivalência
patrimonial.
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cargo ou que, tendo-a havido, eles hajam logrado ilidir a presunção de culpa derivada do
artigo 799.º CC. Designadamente, verifica-se que os administradores:
Elaboraram as contas;
Apresentaram-nas ao órgão de fiscalização, quando seja o caso;
Convocaram ou pediram a convocação do órgão competente para a sua aprovação
(a assembleia geral);
Divulgaram as contas, nos termos previstos na lei e nos estatutos;
Compareceram na assembleia e prestaram, aí, os esclarecimentos que lhes cabia.
Não obstante, ou a assembleia não reuniu por razões a ela alheias ou, tendo reunido, não 223
deliberou. Em tal eventualidade, decorrido o prazo do artigo 67.º, n.º1 CSC (isto é: o prazo-
limite para a apreciação das contas, acrescido de dois meses de tolerância), pode qualquer
dos administradores ou algum dos sócios requerer, ao tribunal, a convocação da assembleia
geral, para o efeito de apreciar as contas, aprovando-as ou rejeitando-as (artigo 67.º, n.º4
CSC). Quando rejeite, haverá que aplicar, por analogia, o artigo 68.º CSC. Pode acontecer
que a assembleia judicialmente convocada para o efeito não as aprove nem as rejeite. Nessa
altura, qualquer interessado pode requerer ao juiz a nomeação de um ROC independente. O
mesmo juiz, em face do relatório do ROC, do que conste dos autos e das demais diligências
que ordene, aprovará ou rejeitará as contas (artigo 67.º, n.º5 CSC). A última hipótese é a de,
tendo as contas ido à assembleia, esta as rejeitar (artigo 68.º CSC). Nessa altura, essa mesma
assembleia deve deliberar motivadamente:
Que se proceda à elaboração total de novas contas;
Ou que se efetue a reforma, em pontos concretos, das contas apresentadas.
Se não adotar nenhuma destas posturas, segue-se o artigo 67.º, n.º4 e 5 CSC, convocação
judicial, nomeação de ROC e aprovação ou rejeição judicial. Quando a assembleia mande
elaborar novas contas ou reformar as apresentadas, podem os administradores, nos oito dias
seguintes à data da deliberação, requerer inquérito judicial: a menos que a reforma deliberada
implique juízos para os quais a lei não imponha critérios (artigo 68.º, n.º2 CSC). Desta feita,
o inquérito em causa será o do CPC. Parece claro que a Lei toma uma opção de favor contabilis:
entende ser do interesse social a presença de contas aprovadas, ainda que em detrimento da
sua qualidade.
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Publicidade: o artigo 70.º CSC prevê que a informação respeitante às contas do exercício
e aos demais elementos de prestação de contas, devidamente aprovadas, seja sujeita a registo
comercial (n.º1; artigo 42.º, n.º1 CRCom). O artigo 70.º, n.º2 CSC prevê, a disponibilização,
via Internet, quando aí tenham sítio, dos diversos elementos relativos à prestação de contas.
Trata-se, efetivamente, da via mais indicada. O artigo 70.º-A CSC regula a publicidade
relativo às contas das sociedades em nome coletivo e das comanditas simples.
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VOLUME 225
II
Das Sociedades
Comerciais em Especial
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sociedade com bens suscetíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja
permitido, com indústria. Justamente: os sócios de indústria só são permitidos nas sociedades SNC
em nome coletivo (artigo 178.º CSC) e, ainda e quanto aos sócios comanditados, nas
sociedades em comandita (artigo 468.º CSC a contrario). Quer isto dizer: na presença de um
sócio de indústria e na falta de comandita, estaremos com segurança perante uma sociedade
em nome coletivo. Já a mera ausência desse elemento nada permitirá concluir. As sociedades
em nome coletivo são, basicamente, sociedades comerciais, facilmente reconhecíveis pela sua
firma. Na hipótese – académica – de nos enfrentarmos com uma sociedade cuja firma não
esteja clara ou não seja conhecida, poderemos recorrer a aspetos subsequentes, próprios do
seu regime: a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais, a presença de um
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sócio de indústria ou, ainda, algum dos outros aspetos específicos.
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As partes: a celebração do contrato em nome coletivo pode, grosso modo, ser remetida 229
para o regime geral da celebração dos contratos comerciais de sociedade. Anotemos algumas
especificidades. O contrato pode ser concluído por quaisquer pessoas dotadas de capacidade
de exercício. Todavia, está difundida a ideia de que a sociedade em nome coletivo, pela
ilimitação da responsabilidade que envolve, seria perigosa. Resquício dessa ideia é o
dispositivo do artigo 8.º, n.º1 CSC. Com tal fórmula impede-se a formação de uma sociedade
familiar em nome coletivo: precisamente a hipótese em que ela teria mais interesse. Tudo isto
corresponde a resquícios históricos ligados à discriminação da mulher casada e ao
abaixamento social do exercício do comércio: pontos a rever e a corrigir, em definitivo. Ainda
na mesma linha perigosidade das sociedades em nome coletivo, não podem os menores,
representados pelos pais, entrar numa sociedade em nome coletivo ou em comandita simples
ou por ações, sem autorização do tribunal (artigo 1889.º, n.º1, alínea d) CC). Compreende-
se a preocupação, útil nos casos em que o menor rico fosse introduzido, como sócio, numa
sociedade em nome coletivo, para lhe dar mais crédito ou, no limite, para lhe suportar as
dívidas. Lembremos, todavia, que o grande interesse das sociedades em nome coletivo era
de ordem familiar: desaparecerá se implicar um acréscimo de burocracia, de perda de tempo
e de desperdício de dinheiro. Sempre sob o signo do risco empresarial representado pela
responsabilidade ilimitada, o artigo 11.º, n.º5 CSC veio proteger as próprias sociedades
comerciais de, como sócias, ingressarem em sociedades em nome coletivo. Normalmente, os
estatutos societários conferem esta possibilidade muito raramente exercida. Todos estes
preceitos diversos deveriam ter sido devidamente codificados, na sede própria: o Código das
Sociedades Comerciais. Às sociedades em nome coletivo não se aplicam as possibilidades,
existentes para as sociedades por quotas (artigo 270.º-A e 270.º-G CSC) e para as sociedades
anónimas (artigo 488.º, n.º1 CSC), de constituição puramente unilateral. São, pois, exigidas
pelo menos duas partes (artigo 7.º, n.º2 CSC): descontando as sociedades em comandita, pela
natureza das coisas, as sociedades em nome coletivo acabam, assim, por ser as únicas que
sofrem o processo rígido da não unipessoalidade.
A forma e registo: o contrato de sociedade em nome coletivo está sujeito a forma escrita,
devendo as assinaturas dos seus subscritores ser reconhecidas presencialmente, salvo se
forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entrem para a
sociedade (artigo 7.º, n.º1 CSC) e a registo (artigo 5.º CSC, bem como o artigo 3.º, alínea a)
CRCom). A inobservância de forma pode ser minorada pelo regime especial das sociedades
irregulares, a que abaixo se fará referência. Mantemos a tónica geral de crítica ao sistema
vigente: as sociedades em nome coletivo deveriam constituir um esquema societário
aligeirado, de funcionamento instantâneo, para servir o pequeno comércio altamente
personalizado: uma situação parcialmente resolvida pela reforma de 2006. Paradoxo: o
Decreto-Lei n.º111/2005, 8 julho, procurando reagir às queixas contínuas do esmagamento
burocrático das empresas, veio criar:
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«…a empresa na hora, através de um regime especial de constituição imediata de sociedades». SNC
Esse regime só se aplica, porém, a sociedades por quotas e a sociedades anónimas (artigo 1.º
CSC). Ficam de fora as sociedades em nome coletivo: aquelas que mais facilidades exigiriam.
A razão de ser desta exclusão tem a ver com o problema da firma. A empresa na hora exige
que os interessados escolham uma firma de fantasia previamente criada e reservada a favor
do Estado (artigo 3.º, alínea a) CSC). Ora, tais firmas não são possíveis em relação a
sociedades em nome coletivo.
O conteúdo: o conteúdo do contrato de sociedade vem, em geral, previsto no artigo 9.º,
n.º1 CSC. Tratando-se de sociedades em nome coletivo, há que lidar com o artigo 176.º CSC: 230
«1. No contrato de sociedade em nome coletivo devem especialmente figurar:
«a) A espécie e a caracterização da entrada de cada sócio, em indústria ou bens, assim como
o valor atribuído aos bens;
«b) O valor atribuído à indústria com que os sócios contribuam, para o efeito de repartição
de lucros e perdas;
«c)A parte de capital correspondente à entrada com bens de cada sócio».
O legislador nacional é particularmente prolixo, nestes domínios. O contrato de sociedade
deveria, simplesmente, conter os elementos voluntários essenciais: tudo o resto advém da lei.
Perante o Direito nacional, nota-se de imediato que as alíneas a) – espécie e a caracterização
da entrada de cada sócio – e a c) – pare do capital correspondente à entrada com bens de
cada sócio – são inúteis: elas logo resultariam das alíneas g) e h) do artigo 9.º CSC. Salva-se
o artigo 176.º, alínea b) CSC, relativo ao sócio de indústria, que melhor teria ficado no artigo
178.º CSC. Trata-se de matéria – aí sim – específica e à qual não deixaremos de dar a devida
atenção. Perante o Direito português, não subsiste qualquer dúvida de que a constituição de
uma sociedade em nome coletivo é puramente formal: pode, no momento da sua formação,
não corresponder a qualquer empreendimento real.
A firma: a firma das sociedades em nome coletivo apresenta uma especial configuração: é
o elemento formalmente caracterizador deste tipo societário. Segundo o artigo 177.º, n.º1
CSC:
«A firma da sociedade em nome coletivo deve, quando não individualizar todos os sócios, conter,
pelo menos, o nome ou firma de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, “e
Companhia” ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios».
Como vimos, este preceito remonta à tradição de Ferreira Borges: a sociedade com firma –
ou com nome – contrapõe-se às sociedades sem firma ou anónimas. E a firma seria,
necessariamente, o nome dos sócios ou, pelo menos, o de um deles, com a indicação “&
Companhia”. Os interessados devem obter, num momento prévio, um certificado de
admissibilidade da firma, junto do RNPC e isso apesar de apenas estarem em causa os seus
próprios nomes. Ainda à luz do RNPC, parece-nos que a locução “e Companhia”, mau grado
a flexibilidade do final do preceito, não pode ser substituída por “e associados”: ou estaremos
perante uma sociedade civil sob forma civil – artigo 42.º, n.º1 RNPC. Recordemos ainda que
sem o certificado de admissibilidade, não é possível a realização do reconhecimento presencia
ou da competente escritura – artigo 54.º, n.º1 RNPC – e, logo: a própria constituição da
sociedade.
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Responsabilidade por aparência na firma: o artigo 177.º, n.º2 CSC consagra uma
regra tradicional, já presente no Código Veiga Beirão: SNC
«Se alguém que não for sócio da sociedade incluir o seu nome ou firma na firma social, ficará
sujeito à responsabilidade imposta aos sócios no artigo 175.º».
O preceito responsabiliza – ainda que objetivamente – a pessoa que, por si e como
consequência e ação sua, tenha incluído, não sendo sócia, o seu nome na firma de uma
sociedade em nome coletivo. O dispositivo não se aplica se, abusivamente, alguém incluir o
nome de um terceiro, que de nada sabia, na firma de uma sociedade em nome coletivo.
Caberiam, então, os diversos remédios relativos à tutela do nome. Passando à previsão, 231
cumpre distinguir:
O terceiro logrou construir uma firma na qual o seu nome se incluiu;
O terceiro teve artes de, num ou mais atos praticados pela sociedade em nome coletivo,
fazer inserir o seu nome.
É à primeira hipótese que se aplica o transcrito artigo 177.º, n.º2 CSC: apenas nas condições
que ela retrata se poderá dizer que o seu nome está incluído na firma social. Trata-se de uma
hipótese que nos vem de Ferreira Borges e que, então, seria concebível. Hoje não o é.
Semelhante inclusão na firma teria de passar pelos crivos (apertado!!) do RNPC, do notário
ou da entidade responsável pelo reconhecimento presencial das assinaturas e do conservador
do registo comercial. Perante a realidade, o artigo 177.º, n.º2 CSC surge como uma relíquia
dos tempos em que ainda imperava o informalismo: a firma tinha, então, um papel quase
constitutivo. Na segunda hipótese – num ou mais atos da sociedade foi incluído o nome de
um terceiro, por iniciativa ou tolerância deste – já não podemos falar em verdadeira inclusão
na firma. Poderá, então, verificar-se uma sociedade aparente, a qual seguirá o regime do artigo
36.º, n.º1 CSC. O terceiro, ao criar a falsa aparência de uma sociedade que o inclua, vai
responder solidariamente pelas dívidas do ente aparente. Diferenças em relação à primeira
hipótese: a responsabilidade é direta e não, apenas, subsidiária. Aquando da inserção, n
Código, do dispositivo sobre sociedades em nome coletivo não se atentou nem na evolução
dos tempos, nem no dispositivo da parte geral.
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O Código das Sociedades Comerciais veio regular esta matéria nos artigos 36.º a 52.º,
incluídos numa secção intitulada (aliás, erroneamente) Regime das sociedades antes do registo. SNC
Invalidade do Contrato. Grosso modo, o esquema previsto, sempre aplicável às sociedades em
nome coletivo, é o seguinte:
Há uma sociedade puramente aparente, sem haver qualquer contrato: todos os
intervenientes respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações (artigo 36.º, n.º1
CSC);
Há uma sociedade acordada, mas sem ainda haver contrato definitivo: às relações entre
os sócios e com terceiros aplica-se o regime das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC).
Até aqui, o regime é geral para todas as sociedades. A partir do momento em que já haja 232
contrato, cabe aplicar as regras diferenciadas. Interessam-nos, de agora em diante, as soluções
especificamente dirigidas às sociedades em nome coletivo irregulares.
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Não faz sentido causticar as já massacradas sociedades em nome coletivo com mais este
regime desfavorável: agora em relação às sociedades civis puras e às sociedades irregulares
pela falha (magna) do contrato. O beneficium excussionis terá de manter-se, por aplicação do
artigo 997.º, n.º2 CC.
A sociedade em nome coletivo inválida: o artigo 43.º, n.º 1 CSC prevê que as
sociedades em nome coletivo possam ser inválidas por duas distintas ordens de razões,
depois de dotadas de regimes diferenciados:
Vícios no título constitutivo;
Causas gerais de invalidade dos negócios, segundo a lei civil. 233
São vícios do título constitutivo (artigo 43.º, n.º2 CSC que remete para o artigo 42.º, n.º1
CSC e acrescenta ainda alguns):
A falta de, pelo menos, dois sócios fundadores;
A falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como
do valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta deste;
Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;
Falta de escritura pública;
Falta de nome ou firma de alguns dos sócios de responsabilidade ilimitada.
Quanto à falta de indicação do capital, entenda-se que ela releva apenas quando a sociedade
em nome coletivo o deva ter: isso não sucede, como vimos, quando ela só tenha sócios de
indústria (artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC). Também não é vício a hipótese da alínea d) do artigo
42.º, nº.1 CSC: não há, aqui, regras sobre a liberação do capital. A presença de invalidade por
vícios no título constitutivo tem a particularidade de ser sanável por deliberação dos sócios,
tomada nos termos estatutários previstos para a alteração do contrato: mas desde que o vício
resulte de falta ou nulidade da indicação da firma, da sede, do objeto e do capital da sociedade,
bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta. A
ação de nulidade corre segundo o regime específico do artigo 44.º CSC. Tratando-se de
causas gerais de invalidade dos negócios, segundo a lei civil, lida-se com o artigo 46.º CSC.
Este específica, na epígrafe, vícios da vontade e incapacidade e, no seu corpo, o erro, o dolo,
a coação, a usura e a incapacidade. A essa lista haverá que acrescentar a falta de consciência
da declaração e, com as devidas adaptações, a simulação. Isto posto: o artigo 46.º CSC
determina a anulabilidade do contrato em relação ao incapaz ou à pessoa que tenha sofrido
o vício da vontade ou a recusa. Embora a lei não o diga, ficam em causa quer o erro na
declaração, quer o erro na formação da vontade. Pena foi que o projeto final do Código não
tivesse sido revisto, também, por um civilista. Todavia, sempre segundo o n.º4 do artigo 46.º
CSC em causa, o negócio poderá ser anulado quanto a todos os sócios, se não for possível,
nos termos do artigo 292.º CC, a sua redução às participações dos outros (artigo 46.º, in fine
CSC). O processamento e as consequências da anulação – apresentadas como já afirmamos
noutra obra, em termos caleidoscópicos pelo legislador de 1986 –, obedecem a regras gerais
para os diversos tipos societários.
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O capital: o artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC determina que do contrato de sociedade deva
constar o capital social,
«salvo nas sociedades em nome coletivo, em que todos os sócios contribuam com a sua indústria».
O capital da sociedade equivale ao conjunto das entradas dos vários sócios, realizadas ou por
realizar. Essa noção básica tem uma projeção contabilística: será a cifra ideal que representam
234
as entradas estatutárias, surgindo como tal, nos diversos instrumentos de prestação de contas.
Nada disso se confunde com o património real das sociedades. O capital surge como
elemento relevante justamente nas chamadas sociedades de capitais: sociedades por quotas e
sociedades anónimas. Nas sociedades de pessoas, o conceito apaga-se, de tal modo que:
Ele não ocorre nas sociedades civis sob forma civil, perante o silêncio do artigo 980.º
CC;
Ele não ocorre, necessariamente, nas sociedades em nome coletivo; faltará nas
sociedades que apenas agrupem sócios de indústria.
Poderíamos, assim, distinguir sociedades em nome coletivo com capital social e sem ele. Em
termos de política legislativa, teria sido possível dispensar as sociedades em nome coletivo
de qualquer capital social não faz, aí, grande sentido. Poderíamos fazer dele uma noção
abstrata englobando o conjunto dos valores das entradas, incluindo as entradas em indústria,
para efeitos de repartição de lucros e perdas (artigo 176.º, n.º1, alínea b) CSC): mas nessa
altura, todas as sociedades teriam capital social. A referência ao capital social das sociedades
em nome coletivo é brumosa e não tem expressão, já que não se lhes impõe qualquer capital
mínimo. Ele apenas conduz a que se apliquem, no seu âmbito, diversas e complexas leis de
tutela do capital, ao arrepio do que deveria ser uma verdadeira e própria sociedade de pessoas.
Nas sociedades por quotas, o capital mínimo é de 5000 euros, enquanto, nas anónimas, essa
cifra ascende a 50000 euros: artigos 201.º e 276.º, n.º2 CSC, respetivamente.
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das sociedades em nome coletivo (artigo 178.º CSC) e das em comandita, no tocante aos
sócios comanditados (artigo 468.º CSC, a contrario). A lei não especifica que indústria possa SNC
integrar a contribuição para a sociedade em nome coletivo. Entendemos que será qualquer
serviço útil, de teor económico. A lei portuguesa confere, a este aspeto, uma dimensão
particularmente significativa, designadamente no artigo 178.º CSC. Já se tem pretendido
excluir do universo das indústrias possíveis a assunção da gerência da sociedade: porque
todos os sócios são gerentes, nos termos do artigo 191.º, n.º1 CSC e salvo cláusula em
contrário: logo, todos eles o seriam de indústria. Mas não: tudo depende da livre vontade das
partes. Bem pode acontecer que uma pessoa, dotada de experiência, de bons conhecimentos
e de especial know how, represente uma tal mais-valia para a sociedade que os seus consócios
236
o aceitem como sócio de indústria sendo a sua entrada, justamente, o serviço de gerência.
Poderá mesmo ser um excelente negócio para todos: não vislumbramos porque iria o Direito
impedi-lo. A presença de sócios de indústria levanta algumas dificuldades práticas. Desde
logo: como computá-la para o capital social? Repare-se que, ab initio, a indústria nada vale: in
futurum, o seu contributo para a riqueza societária irá aumentando, à medida que se for
concretizando. Perante a dificuldade, o legislador adotou duas normas importantes:
Se todos os sócios o forem de indústria, não há capital social: artigo 9.º, alínea f) CSC;
Em qualquer caso, o valor da contribuição em indústria não é computado no capital
social (artigo 178.º, n.º1 CSC).
À partida, o sócio de indústria deveria ser responsável, tal como os outros ilimitadamente,
pelas dívidas da sociedade. Todavia, o artigo 22.º, n.º3 CSC, que proíbe os pactos leoninos,
exceciona:
«...salvo o disposto quanto a sócios de indústria».
Tentemos articular essa aparente particularidade com as específicas disposições relativas aos
sócios de indústria. Assim:
Os sócios de indústria não respondem, nas relações internas, pealas perdas sociais,
salvo cláusula em contrário do contrato de sociedade (artigo 178.º, n.º2 CSC,
semelhante ao artigo 992.º, n.º2 CC;
Quando, por haver tal cláusula, o façam e, desse modo, contribuam com capital (artigo
178.º, n.º3 CSC):
«ser-lhes-há comporta, por redução proporcional das outras partes sociais, uma parte de
capital social correspondente àquela contribuição».
A última e referida hipótese implica a alteração da sociedade: qualquer dos gerentes
pode outorgar na respetiva escritura (artigo 178.º, n.º4 CSC).
Mas, e nas relações externas? O sócio de indústria, na qualidade de membro de uma
sociedade em nome coletivo, responde perante os credores solidária e subsidiariamente, pelas
dívidas da sociedade (artigo 175.º, n.º1 CSC). Este aspeto não é, logicamente, afastado.
Quanto a perdas propriamente ditas: se não houver lucro, o sócio de indústria terá trabalhado
sem nada receber em causa. Sofre perdas (e graves!). Em suma: pela natureza das coisas, o
risco de perdas a que se sujeita o sócio de indústria é o de não ser pago.
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§5.º - A responsabilidade
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da excussão, como qualquer posição ativa privada, deve ser exercido por iniciativa do seu
titular. A este propósito, importa ter presente o artigo 745.º, n.º1 CPC (de 2013, o mais atual), SNC
precisamente epigrafado penhorabilidade subsidiária:
«Na execução movida contra devedor subsidiário, não podem penhorar-se os bens deste,
enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, desde que o devedor
subsidiário fundadamente invoque o benefício da excussão, no prazo a que se refere o n.º1 do
artigo 728.º»
O exercício, no prazo fixado, da exceção do benenficium excussionis constitui um encargo
técnico: destinado a prevenir que a situação se protele indefinidamente. A responsabilidade 238
subsidiária dos sócios pelas obrigações sociais é estabelecida a favor dos credores sociais: não
da própria sociedade. Não é possível, fora dos condicionalismos próprios da
responsabilidade subsidiária, imputar ao sócio prejuízos que a lei não lhe impute. Além disso,
uma execução contra o sócio sempre pressuporia que estes tivesse sido demandado na ação
donde proveio o título executivo.
A insolvência: tradicionalmente, a declaração de falência (hoje: insolvência) de uma
sociedade em nome coletivo envolvia a declaração de falência dos sócios, dada a sua
responsabilidade ilimitada. A inclusão, no universo da falência, dos sócios de
responsabilidade ilimitada, que surge noutros ordenamentos, para mais em termos
automáticos ou derivados, só pode ter, como explicação, a falta de personalidade jurídica das
sociedades em nome coletivo. Compreende-se que seja lógico nos atuais Direitos alemão e
italiano. Resulta incongruente no nosso Direito. Apresenta-se, entre nós, como uma relíquia
do valioso mas longínquo Código Ferreira Borges, no qual, tudo visto, a sociedade em nome
coletivo representava, por um conjunto de comerciantes, o exercício, em comum, da sua
atividade. No atual Código da Insolvência (2004), o sistema resulta menos claro. O artigo 6.º
introduz uma noção de responsáveis legais. Diz o seu n.º2:
«Para efeitos deste Código, são considerados responsáveis legais as pessoas que, nos termos da
lei, respondam pessoal e ilimitadamente pela generalidade das dívidas do insolvente, ainda que
a título subsidiário».
Todavia, o preceito relativo à petição inicial (artigo 23.º CIRE) omite a óbvia indicação de
quem, porventura, devesse ser julgado insolvente, em conjunto com o devedor principal.
Deduzimos que os responsáveis legais deverão ser objeto de distintos pedidos de insolvência,
caso em relação a eles se verifiquem os competentes pressupostos. O artigo 40.º, n.º1, alínea
e) e f) CIRE dão legitimidade, para oposição a embargos, aos responsáveis legais pelas dívidas
do insolvente e aos sócios, associados ou membros do devedor: os sócios em nome coletivo
têm, assim, um duplo título para intervir, independentemente de terem sido requeridos na
falência. Os devedores solidários e garantes (artigo 95.º, n.º1 CIRE) dão azo a diferentes
massas solventes, às quais o credor pode concorrer pela totalidade do seu crédito. As ações
contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente ficam a cargo, na pendência do
processo de insolvência, exclusivamente, do administrador da insolvência (artigo 82.º, n.º2
CIRE). Temos elementos suficientes para apurar, na insolvência das sociedades em nome
coletivo, uma dogmática própria, dogmática essa que, inclusive, altera o esquema comum da
responsabilidade subsidiária que resulta das leis comerciais substantivas. Trata-se de matéria
que carece de estudo. Resta fazer votos para que haja um mínimo de estabilidade legislativa.
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Sub-rogação e regresso: o artigo 175.º, n.º3 CSC atribui, ao sócio que haja sido
chamado a responder por dívidas da sociedade em nome coletivo, um direito de regresso.
Cumpre reter os seus precisos termos:
«O sócio que, por força do disposto nos números anteriores, satisfizer obrigações da sociedade
tem direito de regresso contra os outros sócios, na medida em que o pagamento efetuado exceda
a importância que lhe caberia suportar segundo as regras aplicáveis à sua participação nas
perdas sociais».
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O direito de regresso consta do artigo 524.º CC: ele traduz-se num direito novo,
particularmente dirigido à contra-efetivação da solidariedade. Os juros a que dê lugar, por SNC
exemplo, serão os moratórios contados desde o pagamento que deu azo ao regresso. Quanto
à medida do regresso: ela recorta-se na participação que, a cada um, caiba no tocante à
repartição das perdas sociais. O n.º4 do artigo 175.º CSC manda aplicar o mesmo regime à
hipótese de um sócio ter satisfeito obrigações da sociedade, para evitar que, contra ela, fosse
movida execução. A lei pretendeu que não fosse penalizado o sócio que, em nome da boa
prossecução dos negócios ou por qualquer outra razão, não invocasse o beneficium excussionis.
Todavia, não podem ficar por aqui as consequências do pagamento, por um sócio, das
dívidas da sociedade, tanto mais que, entre nós, estas têm personalidade jurídica. A primeira
240
consequência do pagamento, nestas circunstâncias, de uma dívida alheia é a sub-rogação:
artigo 592.º, n.º1 CSC. O sócio fica na precisa posição do credor, sendo-lhe transmitidas
todas as garantias e acessórios (artigo 582.º ex vi artigo 594.º CC). Aliás, também é essa (e não
a do regresso) a situação do fiador que cumpra a obrigação (artigo 644.º, n.º1 CC). Essa sub-
rogação – que por maioria de razão opera na hipótese do artigo 175.º, n.º4 CSC – permite
que tenha pago dívidas sociais duas vias de atuação ulterior:
Pode agir como novo credor da sociedade, por via da sub-rogação nos direitos do
primeiro credor;
Pode agir em regresso, diretamente contra os seus consócios.
Uma ponderação in concreto mostrará qual a via preferível. Em regra será, porém, a da sub-
rogação. De novo sublinhamos que o projeto de Código das Sociedades Comerciais deveria
ter sido revisto, também por civilistas.
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Para a definição da atividade em jogo não releva, apenas, a sua natureza: também há que lidar
com coordenadas geográficas. Se uma sociedade vende postais (apenas) em Lisboa, não SNC
haverá concorrência vedada se o socio iniciar vendas no Porto. Em termos cronológicos, a
proibição de concorrência deveria subsistir enquanto a qualidade de sócio se mantiver.
Todavia, os deveres de boa fé (artigo 762.º, n.º2 CC) vão proibir:
A concorrência na fase pré-societária, isto é: no momento em que se prepare a
sociedade, a qual já se poderá encontrar em funcionamento antes do registo e antes da
própria escritura;
A concorrência na fase pós-societária, ou seja: o sócio que já tenha abandonado a
sociedade pode ser portador de segredos e de oportunidades de negócio, angariadas 242
enquanto sócio e dos quais não pode tirar proveito, em detrimento da sociedade.
O consentimento: o artigo 180.º, n.º1 CSC, ao proibir a concorrência que ora nos ocupa,
logo ressalva «salvo expresso consentimento de todos os outros sócios». Compreende-se essa hipótese:
movimentamo-nos no plano patrimonial onde, em princípio, as diversas posições jurídicas
são disponíveis. Não se infira estarem em jogo interesses dos sócios e não da sociedade:
todos os interesses o são das pessoas singulares envolvidas, apenas sucedendo que alguns
deles operam em modo coletivo, de acordo com as regras da personalidade coletiva. É
manifestamente esse o caso, uma vez que o consentimento requerido o é a todos os outros
sócios. O consentimento pode resultar do próprio pacto social: a solução preferível uma vez
que, dessa forma, todos saberão com o que contar. Quid iuris, porém, quando a situação
advenha de iniciativa da sociedade? Isto é: a sociedade modifica o seu objeto e, com isso, vai
envolver uma atividade já desenvolvida por um sócio. Em princípio, tal alteração só é
possível com o consentimento de todos os sócios e, logo: do sócio visado (artigo 194.º, n.º1
CSC). Este terá de escolher: ou negoceia individualmente ou o faz em nome coletivo. Neste
último caso, é necessária a autorização, sob pena de incorrer (supervenientemente) em
concorrência ilícita. A lei fala em expresso consentimento. Não poderá ser tácito? A lei
equipara as declarações tácitas às expressas: elas resultam de factos que, com toda a
probabilidade as revelem, podendo ser formais. E o próprio legislador abre uma brecha na
estrita redação do artigo 181.º, n.º1 CSC, quando, no n.º5 desse mesmo preceito, dispõe:
«O consentimento presume-se no caso de o exercício da atividade ou a participação noutra
sociedade serem anteriores à entrada do sócio e todos os outros sócios terem conhecimento desses
factos».
Em compensação, não vemos margem para transpor, neste domínio, a presunção do artigo
254.º, n.º2 CSC. O consentimento subsequente não está sujeito a qualquer forma específica.
Ele pode provir de declarações individuais ou de uma manifestação conjunta da vontade de
todos, patente, por exemplo, numa votação realizada em reunião de sócios.
Concorrência ilícita: a concorrência ilícita envolve uma quebra grave da confiança que
deve reinar entre os sócios. Assim, o artigo 186.º, n.º1, alínea a) CSC, coloca-a à cabeça dos
casos nos quais a sociedade pode excluir um sócio: uma violação grave das suas obrigações
para com a sociedade. Esta sanção pode ser insuficiente: o sócio concorrente pode apoderar-
se de segredos comerciais, de carteiras de clientes e de negócios, lançando-se, por conta
própria e à custa da sociedade. As leis preveem, por isso, esquemas sancionatórios mais
complexo. Também no nosso artigo 180.º, n.º2 CSC prevê sanções alternativas, a aplicar ao
prevaricador:
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Funcionamento: o artigo 189.º, n.º1 CSC, relativo às deliberações dos sócios, começa
logo por definir o direito subsidiário. Assim: SNC
«Às deliberações dos sócios e à convocação e funcionamento das assembleias gerais aplica-se o
disposto para as sociedades por quotas em tudo quanto a lei ou o contrato de sociedade não
dispuserem diferentemente».
Só que o artigo 248.º, n.º1 CSC, referente às assembleias gerais das sociedades por quotas
manda aplicar:
«(…) o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver
especificamente regulado para aquelas». 246
Temos, pois, um jogo complexo de remissões: muito discutível, de iure condendo. Prevalecem
as normas específicas sobre sociedades em nome coletivo. São elas:
As deliberações são tomadas por maioria simples, salvo disposição legal ou contratual
diversa (artigo 189.º, n.º2 CSC);
O sócio só pode ser representado pelo cônjuge, ascendente, descendente ou outro
sócio, bastando para o efeito uma carta dirigida à sociedade (artigo 189.º, n.º4 CSC);
As atas devem ser assinadas por todos os que participarem na assembleia (artigo 189.º,
n.º5 CSC);
A cada sócio pertence um voto, salvo se outro critério resultar do pacto social, sem
que o direito de voto possa ser suprimido (artigo 190.º, n.º1 CSC);
O sócio de indústria dispõe sempre, pelo menos, de votos em número igual ao menor
número de votos atribuídos a sócios de capital (artigo 190.º, n.º2 CSC).
De seguida, há que recorrer às seguintes normas próprias das sociedades por quotas:
Qualquer sócio pode requerer a convocação da assembleia geral, solicitando, ainda, a
inclusão de assuntos na ordem do dia (artigo 248.º, n.º2 CSC);
A assembleia geral é convocada por qualquer gerente, por carta registada expedida com
o mínimo de quinze dias, salvo outras regras legais ou contratuais (artigo 248.º, n.º3
CSC);
Ela é presidida pelo sócio que detenha a maior fração do capital ou, em igualdade, pelo
mais velho (artigo 248.º, n.º4 CSC);
O sócio não pode votar quando haja conflito de interesses (artigo 251.º, n.º1 CSC).
Das sociedades anónimas, recuperamos os pontos seguintes:
A convocatória deve mencionar o lugar, o dia e a hora da reunião (artigo 377.º, n.º5,
alínea b) CSC);
Bem como a ordem do dia (artigo 377.º, n.º5, alínea a) CSC);
Deve decorrer na sede da sociedade (artigo 377.º, n.º6 CSC).
Outras regras poderão ser aproveitadas.
Competência: o artigo 189.º, n.º3 CSC, inserido no seio das regras relativas ao
funcionamento da assembleia, compreende alguns dados sobre a sua competência. Assim,
ela abrange, necessariamente:
A apreciação do relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas;
A aplicação dos resultados;
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A propositura de ações da sociedade contra os sócios ou gerentes, bem como as suas SNC
desistência e transação;
A nomeação de gerentes de comércio;
O consentimento para que algum sócio possa concorrer com a sociedade.
O artigo 191.º, n.º2 CSC permite acrescentar:
Por deliberação unânime: a designação de pessoas estranhas à sociedade como gerentes.
Além da competência enunciada, outros preceitos preveem novos campos para a deliberação
dos sócios, mas por unanimidade. Assim:
A criação de partes sociais livres, para transmissão, no caso de extinção de parte social 247
(artigo 187.º, n.º2 CSC);
A designação, como gerentes, de pessoas estranhas à sociedade (artigo 191.º, n.º2 CSC);
A confirmação de atos praticados sem poderes (artigo 192.º, n.º3 CSC);
As alterações ao contrato ou as decisões de fusão, cisão, transformação e dissolução,
salvo se o contrato as autorizar por maioria, que não poderá ser inferior a três quartos
dos votos de todos os sócios (artigo 194.º, n.º1 CSC)
A admissão de novos sócios (artigo 194.º, n.º2 CSC).
E, por maioria de razão, temos ainda outro ponto:
A fixação da remuneração dos gerentes (artigo 192.º, n.º5 CSC).
O pacto social torna-se determinante para o exato levantamento da competência da
assembleia geral. Designadamente, ele deverá precisar se, à assembleia, são conferidos
poderes de gestão e qual o seu alcance. Resta acrescentar que a dificuldade – nesta como
noutras matérias – reside em localizar, no Código, os preceitos pertinentes. Tudo poderia ter
sido facilitado com uma parte geral melhor construída e com uma ordenação da matéria
dentro de cada tipo societário.
§9.º - A administração
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O pacto social pode reservar a qualidade de gerente apenas para algum ou alguns dos
sócios (artigo 191.º, n.º1 CSC);
Podem, por deliberação unânime, ser designados gerentes pessoas estranhas à
sociedade (artigo 191.º, n.º2 CSC);
A pessoa coletiva sócia não pode ser gerente mas, salvo proibição contratual, pode
nomear uma pessoa singular para, em nome próprio, exercer esse cargo (artigo 191.º,
n.º3 CSC).
Numa certa aproximação às sociedades de capitais, surgem alguns sintomas da dissociação
entre a titularidade do capital e a gestão da sociedade.
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de tempo não pode ser destituído ad nutum, antes do termo. Se o for, a destituição é eficaz: a
sociedade ficará, todavia, obrigada a indemnizar. SNC
Funcionamento: o funcionamento da gerência nas sociedades em nome coletivo envolve
uma série de vetores de ordem geral. Iremos abordar os elementos específicos do tipo
societário ora em análise. A matéria é, à partida, deixada ao cuidado das partes (artigo 193.º,
n.º1 CSC). Isto posto, o Código prescreve a seguinte solução supletiva:
Havendo mais de um gerente, todos têm poderes iguais e independentes para
administrar e representar a sociedade;
Mas qualquer deles pode opor-se aos atos que a outra pretenda realizar; 249
Cabendo então à maioria dos gerentes tomar uma decisão (artigo 193.º, n.º1 CSC).
Note-se que a oposição de um gerente a um ato de outro é ineficaz em relação a terceiros, a
não ser que estes tenham conhecimento dela (artigo 193.º, n.º2 CSC). Em termos
esquemáticos, podemos distinguir:
A administração conjunta: os diversos atos têm de ser levados a cabo por dois ou
mais administradores, em simultâneo.
A administração disjunta: cada um deles pode, sozinho, praticar atos inerentes à
gestão.
A administração colegial: funciona um conselho que agrupa os administradores
em cujo seio, por deliberação maioritária, se adotem os diversos atos de gestão.
Todos estes métodos têm vantagens e desvantagens: umas e outras dependem, de resto, do
tipo de sociedade e da espécie de ato que, concretamente, esteja em causa. O Direito
Português, em relação à gerência das sociedades em nome coletivo, estabelece um sistema
basicamente disjunto, com elementos de conjunção negativa e saída colegial. No fundo,
temos um sistema paralelo ao do artigo 985.º, n.º1 e 2 CC. Ou seja:
Havendo mais de um gerente, todos têm poderes iguais e independentes para
administrar e representar a sociedade (método disjuntivo);
Mas podendo qualquer outro opor-se aos atos que o primeiro queira realizar
(conjunção negativa);
Cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição (método colegial).
Competência; a representação: segundo o artigo 192.º, n.º1 CSC, competem aos
gerentes a administração e a representação da sociedade. Vimos em que se traduz a
administração (a gestão); quanto à representação: trata-se da representação orgânica, própria
das pessoas coletivas e à qual só com muitas cautelas se pode aplicar o regime da
representação voluntária. O tema da representação foi regulado nos artigos 7.º e seguintes da
1.ª Diretriz das sociedades comerciais (n.º68/151/CEE, de 9 de março), tendo sido
transposto através do Código das Sociedades Comerciais. Em nome da tutela da confiança e
da segurança do tráfego jurídico foram introduzidas diversas delimitações à possibilidade de
desvincular as sociedades por excessos dos seus representantes. Simplesmente, o sistema
assim montado só se aplica às nossas sociedades por quotas e anónimas: não às sociedades
em nome coletivo. Compreende-se, por isso, que surjam afloramentos da Diretriz nos artigos
260.º, n.º1 e 409.º, n.º1 CSC. Mas não nas sociedades em nome coletivo: uma especial
homenagem à sua natureza simples e imediatista. A competência dos gerentes, quer para
administrar, quer para representar, deve ter como limites (artigo 192.º, n.º2 CSC):
O objeto social;
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O pacto societário.
Quando sejam celebrados atos que ultrapassem esses limites, há falta de poderes: os atos em SNC
causa podem ser impugnados pela sociedade. A impugnação já não será possível se os
negócios questionados tiverem sido conformados, expressa ou tacitamente, por deliberação
unânime dos sócios (artigo 192.º, n.º3 CSC). Pode acontecer que os negócios ultra vires não
tenham sido confirmados. Pois mesmo nessa eventualidade, eles não são impugnáveis pelos
terceiros neles intervenientes que tivessem tido conhecimento da infração cometida pelo
gerente (artigo 192.º, n.º4 CSC). O conhecimento deve ser objeto de prova autónoma, uma
vez que não se presume com base nos registos ou na sua publicação (artigo 192.º, nº.4, in fine
CSC). Tais elementos são, contudo, fatores de prova, que o juiz poderá ter em conta. A 250
representação das sociedades em nome coletivo dá azo a um subsistema autónomo, cuja
dogmática merece aprofundamento.
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transmissibilidade. Todavia, a posição social é, ainda, uma posição contratual. Essa qualidade,
ela abrange aspetos ativos e passivos. E estes últimos não são suscetíveis de livres SNC
transmissões, uma vez que não é indiferente, para o credor, a concreta figura do devedor. A
cessão da posição contratual e a assunção de dívidas exigem, por isso e como é sabido, o
consentimento do cedido (artigo 424.º, n.º1 e 595.º, n.º1 CC). Finalmente, e como terceira
variável: mesmo as posições puramente ativas são, por vezes, contratadas tendo em conta as
especiais qualidades do seu titular: dizem-se intuitu personae, ficando especialmente ligadas à
pessoa do credor. A sua livre transmissão não é, então, possível (artigo 577.º, n.º1, in fine CC).
Nas sociedades comerciais apura-se uma graduação. A livre transmissibilidade das posições
sociais varia na razão inversa da pessoalidade do tipo societário a que se reportem. Assim:
251
Na sociedade anónima: a transmissibilidade das ações é, em princípio, total (artigos
101.º e 102.º CVM);
Na sociedade por quotas: a transmissão de quotas exige o consentimento da
própria sociedade (artigo 228.º, n.º1 CSC);
Na sociedade em nome coletivo: na sociedade em nome coletivo, a transferência
de partes requer o consentimento de todos os outros sócios (artigo 182.º, n.º1 CSC);
Na sociedade civil pura: a cessão da quota de um sócio exige a concordância de
todos os outros (artigo 995.º, n.º1 CC).
Estas regras podem ser infletidas pelos pactos sociais: fica, todavia, exarada a sua estrutura
básica. Compreende-se, ainda, que tenha sido necessária toda uma evolução para facultar
modificações subjetivas nas sociedades, particularmente de pessoas. A transmissão de
participações sociais envolve, no plano económico, uma série de variáveis tendentes a
determinar o seu valor. O dispositivo referido, do artigo 182.º, n.º1 CSC explica-se,
precisamente, pela natureza pessoal das sociedades em nome coletivo e pela confiança intuitu
personae que se exige entre os seus associados: quer nas suas qualidades comerciais, quer na
sua honradez quer, finalmente, nas suas capacidades patrimoniais, uma vez que estamos
perante sociedades de responsabilidade ilimitada. Ele é acompanhado pelos Direitos dos
diversos países. Além disso, reflete-se em regras como a da não comunicabilidade da
qualidade de sócio ao seu cônjuge, mesmo sob o regime de comunhão geral de bens. A lei
não impõe qualquer forma para o consentimento. Este poderá ser efetivado individual ou
coletivamente: mas nunca (apenas) por maioria. Raúl Ventura considera a norma do artigo
182.º, n.º1 CSC como imperativa; o pacto social não poderia, por conseguinte, dispensar o
consentimento de todos os sócios, para efeitos de transmissão. Assim é. Dada a natureza
pessoal das posições envolvidas, não há renúncias antecipadas à apreciação que só in concreto
poderá ser efetivada em consciência. A exigência de consentimento de todos, para a
transmissão opera, pelas mesmas razões, perante a constituição de um usufruto sobre a parte
social. O artigo 182.º, n.º3 CSC fala em constituição de direitos reais de gozo, mas apenas
por força de expressão: não há direitos reais sobre partes sociais e, muito menos, de gozo:
elas não têm natureza material. O usufruto de direitos é (ele sim) reconhecido. Essa regra é
aplicável aos direitos reais de garantia – aqui: o penhor da parte, a tomar como penhor de
direito – segundo o final do citado preceito. A cessão não autorizada é, em si, válida, tanto
mais que a autorização pode vir a ser dada ulteriormente. Todavia, ela não produz efeitos
perante os sócios e a sociedade, antes da autorização. Finalmente, a transmissão da parte do
sócio, mau grado autorizada por todos os sócios, só se torna eficaz para com a sociedade
quando lhe seja comunicada por escrito ou por ela seja reconhecida (artigo 182.º, n.º4 CSC).
Compreende-se: a transmissão é subsequente à autorização, havendo que dotar a sociedade
de uma data certa, para efeitos contabilísticos e sociais.
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«b) A sociedade não delibere excluir um sócio, ocorrendo justa causa para tanto; SNC
«c) o referido sócio for destituído da gerência da sociedade».
Este elenco permite fixar a justa causa para a exoneração do sócio em nome coletivo na
quebra geral da confiança, entre ele a sociedade ou entre ele e os outros sócios. Não se trata,
pois, de uma reação a factos ilícitos; requer-se, todavia, que a quebra da confiança seja
bastante grave. A invocação de justa causa deve ser feita nos 90 dias a contar daquele em que
o interessado tomou conhecimento dos competentes factos (artigo 185.º, n.º3 CSC).
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Ou, por opção do pacto ou mediante decisão unânime: a criação de uma ou mais
partes sociais livres, no valor nominal igual à que foi extinta, para imediata SNC
transmissão a sócios ou a terceiros (artigo 187.º, n.º2 CSC).
A liquidação da parte não é possível quando, tratando-se de sociedade não dissolvida, a sua
situação líquida se torne, por isso, inferior ao capital social (artigo 188.º, n.º1 CSC). Tal
liquidação efetiva-se nos termos do artigo 1021.º CC. A parte é avaliada com referência ao
momento da ocorrência ou da eficácia do facto que originou a liquidação.
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artigo 195.º, n.º2 CSC, com referência ao artigo 153.º, n.º3 CSC, que explicita dívidas dos
sócios que os liquidatários poderão exigir, vem acrescentar, além das dívidas das entradas, as SNC
quantias necessárias para satisfação das dívidas sociais, em proporção da parte de cada um
nas perdas; se, porém, algum sócios se encontrar insolvente, será a sua parte dividida pelos
demais, na mesma proporção.
Regresso à atividade: após a dissolução da sociedade e no decurso do processo de
liquidação, podem os sócios deliberar o termo desta e a retoma da atividade social. Trata-se
de uma hipótese prevista, em geral, no artigo 161.º CSC. Nas sociedades de responsabilidade
ilimitada, o regresso à atividade vai, de imediato, ampliar o universo das dívidas pelas quais
o sócio pode ser chamado a responder. Esta circunstância explica a especificidade do 256
regresso à atividade, quando estejam em causa sociedades em nome coletivo. Segundo o
artigo 196.º CSC, o credor do sócio de sociedade em nome coletivo em liquidação pode
opor-se ao regresso desta à atividade:
Desde que o faça nos trinta dias seguintes ao da publicação da respetiva deliberação;
Por notificação judicial avulsa requerida nesse prazo.
Recebida a notificação pode a sociedade, nos sessenta dias seguintes, excluir o sócio ou
deliberar a continuação da liquidação (artigo 196.º, n.º2 CSC). Se nada fizer, pode o credor
exigir judicialmente a liquidação da parte do seu devedor.
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257
§12.º - Tipo geral
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alemã, italiana e espanhola. A limitação da responsabilidade pode ser afastada através dos
acordos de responsabilização direta dos sócios para com os credores sociais, nos termos do
artigo 198.º CSC. De novo estamos perante uma característica insuficiente: teremos de, mais
SQ
longe, enquadrar o tipo. Tal como vimos suceder com as sociedades em nome coletivo,
haverá que recorrer ao elemento formal da firma. Esta, segundo o artigo 200.º CSC, pode ter
natureza pessoal, material ou de fantasia mas, em qualquer caso, concluirá pela palavra
limitada ou Lda. Não é pensável, com os graus de sindicância existentes (RNPC), que uma
sociedade possa formar-se com uma firma não indicada para o seu tipo. A partir daí, a firma
corresponderá a sociedades:
Cujas partes se denominem quotas, sendo subscritas pelos sócios num regime de 258
solidariedade na sua realização;
De responsabilidade limitada, uma vez que, supletivamente, os sócios não respondem
pelas obrigações sociais;
Com uma determinada configuração orgânica, distinta da das sociedades anónimas.
Natureza e função: as sociedades por quotas são, formalmente, sociedades comerciais:
logo, personalizadas (artigo 5.º CSC). E tal como sucede com as restantes sociedades:
também elas podem ser adotadas para dar corpo a sociedades civis (artigo 1.º, n.º4 CSC). Ao
contrário do que ocorre com as sociedades em nome coletivo, a personalidade coletiva das
sociedades por quotas não põe quaisquer dúvidas: nem na sua evolução, nem no Direito
comparado. As leis são expressas. Além disso, quando surgiram, já a doutrina da
personalidade coletiva estava estabilizada, oferecendo opções claras ao legislador. As
sociedades por quotas são multifacetadas: podem facultar as mais diversas funções, surgindo
como um instrumento para todos os fins. Tendencialmente, elas têm um número reduzido
de sócios: todos se conhecem, sendo frequente o estabelecimento de relações de confiança
entre eles. Funcionarão, nessa medida, como sociedades de pessoas. Os sócios podem, de
resto e para além das entradas, contribuir para a sociedade em termos personalizados
(vendedores, contabilistas e, em geral, prestadores de pequenos serviços). Mas a sociedade
por quotas pode funcionar como verdadeira sociedade de capitais: congregando fundos para
a prossecução de fins. A sua estrutura tem sido aproximada da das sociedades anónimas.
Encontramos sociedades por quotas familiares, profissionais e, propriamente, comerciais. O
tipo é suficientemente lato para abranger atuações non profit. Além disso, a sociedade por
quotas pode corresponder à mera atuação de uma pessoa: quando seja unipessoal. Podemos,
sem exagero, considerar que, mercê de vários fatores – incluindo alguns de natureza
psicológica –, as sociedades por quotas traduzem um tipo de organização capaz de
desenvolver qualquer espécie de atuação humana lícita.
Apreciação geral: as sociedades por quotas deveriam constituir a fórmula de eleição para
as iniciativas patrimoniais que não estejam diretamente ligadas ao pequeno comércio
industrial. Praticamente, elas cobrem todo o tipo de atividades, podendo falar-se na sua
popularização. Em tais condições, haveria que dispensar-lhes um tratamento simples, claro
e flexível. O Direito português das sociedades por quotas, mercê dos fatores acima apontados,
apresenta, porém, uma complexidade excessiva. Logo na preparação do competente
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Mercê do antigo princípio da especialidade, o artigo 11.º, n.º5 CSC ainda consagra a regra
segundo a qual:
«O contrato pode ainda autorizar, livre ou condicionalmente, a aquisição pela sociedade (...) de
SQ
participações em sociedades com objeto do acima referido (...)».
Sendo que o objeto acima referido é o da própria sociedade potencial adquirente. Pareceria
resultar daqui uma limitação quanto à possibilidade de ser parte em sociedades por quotas: a
ser uma sociedade, ela teria de ter o mesmo objeto. Mas há dois mecanismos corretivos:
A capacidade da sociedade corresponde aos direitos e às obrigações necessários ou
convenientes à prossecução do seu fim (artigo 6.º, n.º1 CSC): ora como apenas os 260
sócios poem determinar o que é necessário ou conveniente, todas as situações são
compagináveis;
Na hipótese académica de se optar por uma aquisição que, de todo, nada pudesse ter
de útil, bastaria que ela tivesse operado por deliberação unânime dos sócios ou que
não sobreviesse qualquer oposição em 30 dias: ela consolidar-se-ia equivalendo, na
prática, a uma automática modificação dos estatutos.
Para além do já referido fenómeno da unipessoalidade, é ainda possível a constituição não-
contratual de sociedades por quotas:
Por diploma legal;
Por decisão judicial, quando a constituição de uma sociedade ocorra no âmbito de
um plano de insolvência;
Por decisão administrativa, quando o Estado opte pela constituição a solo, de uma
sociedade por quotas.
A lei portuguesa não põe limites ao número de sociedades por quotas de que se possa ser
sócio.
A forma e o registo: as sociedades por quotas seguem o regime geral da redução a escrito
com as assinaturas dos subscritores reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais
solene for exigida, para a transmissão de bens com que os sócios entrem para a sociedade
(artigo 7.º, n.º1 CSC), a qual deve ser precedida pela obtenção do certificado de
admissibilidade da firma (artigo 54.º, n.º1 RNPC). Adquirem a personalidade plena pelo
registo (artigo 5.º CSC). Fácil no papel, este sistema era, na prática, o mais burocratizado da
Europa. Em Lisboa e no ano da graça de 2006, continuava a esperar-se meses por qualquer
registo comercial. A isso poderíamos acrescentar semanas pelo certificado de admissibilidade
de firma. Apenas a situação dos notários melhorara, devido à privatização: tudo depende,
agora, dos bons conhecimentos de cada um. Mantém-se, pois, uma grande expectativa em
torno da reforma de 2006, qua aboliu a necessidade de escritura pública. As enormes
delongas na constituição de sociedades, particularmente no tocante ao tipo popularizado das
sociedades por quotas, foram objeto de sucessivas representações aos Governos. Finalmente,
em 2005, houve novidade: veio facultar-se, em certos casos, a constituição de sociedades em
24 horas.
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constitutivo e do registo deste último, bem como o recibo comprovativo dos encargos pagos
(artigo 12.º). E ainda o serviço competente procede, depois, e no prazo de 24 horas às
diversas diligências subsequentes (artigo 13.º, n.º1): publicações legais, remessa para as
SQ
finanças da declaração de início de atividades, informações à Direção-Geral do Trabalho e à
Segurança social e outras. Num País visceralmente cético em relação a novidades que venham
do Estado, o esquema das empresas na hora obteve algumas críticas na comunicação social.
Verberou-se, em especial, a não intervenção de advogados e os riscos de afunilamento nos
locais onde o novo processo foi posto em vigor. Apenas há que desejar que o esquema
funcione, na prática. Em abstrato, ele é totalmente viável, graças à informática. Constitui um
excelente progresso que honra os seus autores. E poderá operar como um exemplo para
262
outros atos da vida privada, patrimonial e, até, pessoal.
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Os casos de exoneração (artigo 240.º, n.º1) e de exclusão do sócio (artigo 241.º, n.º1
CSC);
A competência da assembleia geral (artigo 296.º, n.º2 CSC);
SQ
A exclusão do voto escrito (artigo 247.º, n.º2 CSC);
A presidência da assembleia geral (artigo 248.º, n.º4 CSC);
A possibilidade de a cada cêntimo do valor nominal da quota competirem dois votos
(artigo 250.º, n.º1 CSC);
A designação dos gerentes (artigo 252.º, n.º2 CSC);
A permissão de concorrência, por parte dos gerentes (artigo 254.º, n.º1 CSC);
A natureza gratuita da gerência (artigo 255.º, n.º1 CSC) ou o facto de ela estar 263
indexada aos lucros (artigo 255.º, n.º3 CSC);
A exigência de maioria qualificada para a destituição dos gerentes (artigo 257.º, n.º2
CSC);
O direito especial à gerência (artigo 257.º, n.º3 CSC);
A competência da gerência (artigo 259.º CSC);
O funcionamento da gerência plural (artigo 261.º, n.º1 CSC);
A existência de um conselho fiscal (artigo 262.º, n.º1 CSC);
A exigência de uma maioria superior a ¾ para as alterações ao contrato (artigo 265.º,
n.º1 CSC).
Em todos estes casos há um regime supletivamente aplicável, na hipótese de nada se fizer no
contrato. O Código teria sido mais funcional se tivesse reunido, num preceito ordenado, esta
matéria. De todo o modo, cumpre reter que estamos no campo da autonomia privada. Cabe
às partes envolvidas definir, no que a lei não proiba, a ordenação dos seus interesses.
A firma: segundo o artigo 200.º CSC, a firma destas sociedades deve ser formada, com ou
sem sigla, pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios, ou por uma
denominação particular, ou pela reunião de ambos esses elementos, mas em qualquer caso
concluirá pela palavra “limitada” ou pela abreviatura Lda. Na constituição da firma, na sua
dogmática e nos meandros relativos à sua natureza, cabe observar as regras gerais. De todo
o modo, cumpre ter presente que a generalidade dos problemas que se põem a propósito da
firma têm, justamente, a ver com as sociedades por quotas.
Aspetos gerais; remissão: tal como vimos suceder com as sociedades em nome
coletivo, também nas sociedades por quotas pode haver situações de irregularidade por
incompletude ou por vício intrínseco. Têm aplicação as construções e as soluções gerais já
expendidas. Apenas cumpre chamar a atenção para as normas especialmente dirigidas a
sociedades por quotas – normas essas que, de resto, constam da Parte Geral
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segundo o artigo 40.º, n.º1 CSC, na parte que agora releva, respondem ilimitada e
solidariamente todos os que no negócio agirem em representação dela, bem como os sócios
que tais negócios autorizarem. Digamos que, dada a falta do registo, a lei reage retirando o SQ
privilégio da personalidade coletiva. Simplesmente, a responsabilidade dos representantes só
pode ser subsidiária:
Porque, de outro modo, a sua situação ficaria pior do que na sociedade por quotas
ainda não formalizada no contrato definitivo; nessa eventualidade, aplicar-se-ia o
regime das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC), o qual prevê que os sócios
demandados por dívidas da sociedade possam requerer a prévia excussão do
património social; 264
Porque o resto do preceito, abaixo transcrito, visa precisamente assegurar um fundo
social comum: obviamente, para responder pelas dívidas.
Ainda segundo o artigo 40.º, n.º2, parte final CSC, na hipótese de negócios praticados em
nome de uma sociedade por quotas formalizada mas não registada, , os restantes sócios
respondem até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias
que tenham recebido a título de lucros ou da distribuição de reservas. Temos, aqui, uma regra
especialmente destinada a assegurar o património social responsável pelas dívidas.
A sociedade inválida: ocorrendo uma sociedade por quotas e uma vez efetuado o
registo definitivo, operam restrições quanto à invalidação. Trata-se de uma exigência do
Direito Europeu. Recordamos a lista dos vícios que permitem a invalidação (artigo 42.º, n.º1
CSC):
Falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a constituição
da sociedade por uma só pessoa;
Falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como
da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta;
Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;
Falta de cumprimento dos preceitos legais que exigem a liberação mínima do capital
social;
Não ter sido reduzido a escritura pública o contrato de sociedade.
A ação de declaração de nulidade obedece ao artigo 44.º CSC, concebido sob o signo da
tutela do novo ente coletivo. O favor societatis explica que, segundo o artigo 42.º, n.º2 CSC,
sejam sanáveis os vícios que decorram da falta ou nulidade da firma e da sede, do valor da
entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta: por deliberação dos sócios,
tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato. Quanto a
vícios de vontade – o erro, o dolo, a coação e a usura: podem ser, nas sociedades por quotas,
invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou prejudicado, desde que se
verifiquem as circunstâncias, incluindo as de tempo, que permitiriam a anulação, pelo Direito
Civil (artigo 45.º, n.º1 CSC). Essa justa causa vem somar-se ao elenco do artigo 240.º, n.º1
CSC. Havendo incapacidade: segundo o artigo 45.º, n.º2 CSC, o negócio jurídico é anulável
em relação ao incapaz. A 1.ª Diretriz das sociedades comerciais concede, a estas, uma
proteção perante as invalidades, independentemente do registo. O artigo 42.º CSC só se
aplica, porém, depois do registo definitivo. A sociedade por quotas invalidada fora do que
prevê o artigo 11.º da 1.ª Diretriz – e mercê do artigo 42.º, n.º1 CSC – por não se mostrar
registada, traduzirá uma violação concreta daquele diploma comunitário. Os prejudicados
pela ocorrência poderão demandar o Estado português pelos danos daí resultantes.
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tocante a sociedades irregulares, o vasto regime legislado nada diz quanto a pretensas
inexistências. Há que – também por isso – reconduzi-las à nulidade. A possibilidade de
diferimento das entradas e o montante abrangido devem constar do próprio contrato de
SQ
sociedade (artigo 199.º, alínea b) CSC). Compreende-se: trata-se de um ponto sensível,
relevante para terceiros e em relação ao qual operam as razões justificativas da exigência de
forma para o próprio contrato de sociedade. Quando as partes optem pelo diferimento, para
além da já vista regra de que só podem estar em causa entradas em dinheiro e até metade
(artigo 202.º, n.º1 CSC), há que observar o seguinte (artigo 203.º, n.º1 e 2 CSC):
O diferimento operará a termo;
Tornando-se exigível, em qualquer caso, em cinco anos ou em metade de duração da 266
sociedade, quando inferior;
E devendo, salvo acordo em contrário, as prestações dos diversos sócios ser
simultâneas e representar frações iguais do respetivo montante.
O diferimento operará a termo: ou é remetido para uma data fixada ou fica dependente de
factos certos e determinados. Não se admite um diferimento condicionado (facto futuro e
incerto). Para eventualidades, a lei prevê mecanismos, incluindo o próprio aumento de capital,
a decidir pelos sócios. Exigível em cinco anos ou em metade da duração da sociedade,
quando seja inferior: uma norma imperativa destinada a prevenir um diferimento sem limites.
Esta regra é aplicável quando as partes não fixem prazo algum? Temos duas soluções em
abstrato:
Ou, na falta de qualquer prazo, se entende haver o termo legal supletivo de cinco
anos – ou de metade da duração da sociedade, quando inferior;
Ou, nessa mesma eventualidade, se recorre ao regime geral das obrigações sem prazo,
presente no artigo 777.º, n.º1 CC: a sociedade pode solicitar a entrada a todo o tempo
ou o sócio pode-se apresentar a todo o tempo a efetivá-la; esta solução tem a
preferência de Raúl Ventura, com o argumento de que os prazos mínimos operam
em benefício da sociedade e não dos sócios.
Subjacente à solução de Raúl Ventura temos uma contraposição entre o interesse da
sociedade e o dos sócios: um ponto complexo e do qual nos parece difícil retirar soluções
dogmáticas capazes. O problema deve ser repensado. Se as partes não indicarem, no contrato,
qual o prazo do diferimento, há uma lacuna. Esta lacuna deve ser integrada em termos
objetivos, com aproximação às regras próprias da interpretação da lei. Teremos de considerar,
caso a caso, o que se passa. Assim:
Ou resulta do contrato que as entradas diferidas devem coincidir com determinado
evento certus an, ainda que incertus quanto: nessa altura, a integração aproximará, dessa
eventualidade, o prazo de efetivação;
Ou apenas emerge que as partes não quiseram vincular-se a nenhuma data, altura em
que operam os limites legais máximos: cinco anos ou metade da duração da sociedade.
Estamos no campo da autonomia privada. Esse mesmo regime deve aplicar-se perante
entradas condicionadas e, designadamente, perante a condição (potestativa) do chamamento
da gerência: tal chamamento ou é objetivamente justificado (certus an) ou tem o limite dos
cinco anos ou metade da duração da sociedade. Quanto à exigência (supletiva) de realização
simultânea das entradas diferidas e de percentagens idênticas nessa mesma realização trata-
se do afloramento do princípio do igual tratamento dos sócios.
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Sócio remisso; tramitação: a ocorrência do termo no qual a entrada diferida deva ser
verificada – seja pelo decurso do prazo, seja pela verificação do facto certus an de que dependa
– provoca a exigibilidade fraca da inerente prestação. Há um desvio em relação ao artigo
SQ
805.º, n.º1 e 2 CC: havendo prazo prefixado ou derivando o vencimento de facto certus an, a
mora deveria ser imediata (ex re). A exigência de interpretação cifra-se num favor socii,
destinado a prevenir que este, por desconhecimento da ocorrência do facto certus an ou por
esquecimento, entre em mora, desencadeando um sempre desagradável conflito com a
sociedade. Aflora, neste ponto, a vertente pessoal das sociedades por quotas. Esse mesmo
aspeto surge, ainda, na eficácia diferida da própria interpelação: esta não provoca o
vencimento (forte) imediato da prestação; ela deve fixar um prazo, entre 30 e 60 dias, para o 267
efetivo pagamento. O sócio não é apanhado desprevenido (mínimo de 30 dias) mas também
não pode beneficiar de novos e longos diferimentos (máximo de 60 dias). Os gerentes,
verificado o termo, têm o dever de interpelar tão cedo quanto possível ou constituir-se-iam
sujeitos do dever de indemnizar a sociedade pelos danos que ocasionarem com a sua omissão.
Interpelado, pode o sócio não realizar a prestação no prazo que lhe tenha sido fixado na
própria interpelação. Temos a figura do sócio remisso, regulada nos artigos 204.º a 208.º CSC.
Repare-se que a mora do sócio na realização da entrada é duplamente grave: põe em causa o
próprio ente coletivo e conduz, por via do sistema de responsabilidade subjacente às
sociedades por quotas, à responsabilização solidária dos sócios cumpridores. O artigo 204.º
CSC, perante o sócio remisso, prevê a seguinte tramitação:
O sócio deve ser avisado, por carta registada, que a partir do 30.º dia subsequente à
sua receção, fica sujeito a exclusão e à perda, total ou parcial, da quota: trata-se de um
prazo admonitório que corresponde à adaptação do artigo 808.º, n.º CC;
Não sendo o pagamento efetuado nesse prazo, pode a sociedade deliberar excluir o
sócio (artigo 204.º, n.º2, 1.ª parte CSC);
Ou, em alternativa, por sua iniciativa ou a pedido do sócio remisso, pode optar por
limitar a perda à parte da quota correspondendo à prestação não efetivada (artigo
204.º, n.º2, 3.ª parte CSC); a essa parte não é aplicável o artigo 219.º, n.º3 CSC
(mínimo de 100€), mas ela não pode ser inferior a 50€ (artigo 204.º, n.º3 CSC).
A exclusão do sócio vem genericamente prevista no artigo 241.º, n.º1 CSC: trata-se, aqui e
precisamente, de um dos casos previstos na lei, para que a exclusão possa sobrevir. Torna-se
importante sublinhar que a exclusão do sócio, com a subsequente tramitação legal, não é
obrigatória: a sociedade pode optar pelo regime comum de execução da dívida. Tal se infere,
designadamente e também, do artigo 207.º, n.º4 CSC. A hipótese de exclusão dos sócios
remissos não é um mero esquema de execução coativa da prestação, a funcionar em
alternativa ao regime geral (artigo 817.º CC). Pelo contrário: antes afloram, aqui, valores
societários próprios das sociedades de pessoas. O sócio remisso está, antes de mais, a quebrar
a confiança dos restantes sócios, na prossecução dos fins societários. Não efetivando a
obrigação de entrada, ele coloca-se à margem do projeto coletivo, podendo ser excluído. Mas
isso passa por uma concreta avaliação do sucedido: donde a exigência de deliberação dos
sócios (artigo 246.º, n.º1, alínea c) CSC) deliberação essa em que o próprio sócio remisso não
pode votar (artigo 251.º, n.º1, alíneas c) e d) CSC). A exclusão do sócio ou a perda da parte
da quota correspondente à prestação devem ser comunicadas ao interessado (artigo 204.º,
n.º2, 2.ª e 4.ª partes CSC). À perda de parte da quota aplica-se, depois, o regime
correspondente à quota do sócio excluído (artigo 204.º, n.º4 CSC). Excluído o sócio, cumpre
decidir o destino da quota perdida a favor da sociedade. A lei prevê as diversas hipóteses:
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A venda da quota em hasta pública (artigo 205.º, n.º1, 1.ª parte CSC);
A venda a terceiros por modo diverso, exigindo-se, porém, sendo o preço inferior à
soma do montante em dívida com a prestação já efetuada por conta da quota, o
SQ
consentimento do sócio excluído (artigo 205.º, n.º1, 2.ª parte CSC);
A divisão da quota proporcionalmente às dos outros sócios, vendendo-se a cada uma
parte que lhe couber (artigo 205.º, n.º2, alínea a) CSC);
A venda indivisa ou a divisão não proporcional seguida de venda, uma e outra a favor
de algum ou alguns dos sócios (artigo 205.º, n.º2, alínea b) CSC); esta via segue o
artigo 265.º, n.º1 CSC (maioria necessária para a alteração do contrato); além disso,
o preço por que os outros sócios pretendem adquirir a quota deve ser previamente 268
comunicado ao sócio excluído, por carta registada, podendo este, no prazo de 30 dias,
opor-se à execução da deliberação quando o preço em causa não alcance a soma da
importância em dívida com o valor já pago e desde que ele não cubra o valor real da
quota calculado nos termos do artigo 1021.º CC (artigo 205.º, n.º3 CSC); a
deliberação não pode ser executada antes de decorrido o prazo para a oposição ou
antes do trânsito em julgado da decisão que declare a oposição ineficaz (artigo 205.º,
n.º4 CSC).
A solução de base será, tudo visto, a venda em hasta pública. Todavia, a vertente pessoal das
sociedades por quotas explica que a venda possa ser feita a sócios, se assim se deliberar e os
outros requisitos forem preenchidos. Mas deverá haver venda, seja ela qual for? Raúl Ventura
responde pela positiva: de outro modo – diz ele – conservar-se-ia na titularidade da sociedade
uma quota não liberada, sendo que a própria sociedade não pode proceder à liberação. Ora
está em causa o interesse dos credores, pelo que a regra não pode ser derrogada pelos sócios.
Na verdade, joga-se, também, o interesse do sócio remisso, que já terá realizado, pelo menos,
50% do capital que lhe caiba. Veja-se, a tal propósito, o artigo 208.º, n.º2 CSC. O artigo 206.º
CSC versa a responsabilidade do sócio e a dos anteriores titulares da quota: ela é solidária,
perante a sociedade ( e sem possibilidade de compensação) pela diferença do produto da
venda e a parte da entrada em dívida (n.º1). O titular anterior que pagar à sociedade (ou a um
sócio sub-rogado, nos termos do artigo 207.º CSC) tem o direito de haver do sócio excluído
e de qualquer dos antecessores deste, em regime de conjunção, o reembolso da quantia paga,
depois de deduzida a parte que lhe competir (artigo 206.º, n.º2 CSC). A responsabilidade dos
outros sócios consta do artigo 207.º CSC. Quanto às quantias obtidas na venda das quotas
(artigo 208.º, n.º1 e 2 CSC):
Suportam as despesas correspondentes;
Cabem à sociedade, até ao limite da entrada em dívida;
No excedente, se o houver, competem aos outros sócios, no limite dos desembolsos
que hajam suportado;
No que sobre, será entregue ao sócio remisso até ao limite da parte da entrada por
ele prestada;
No remanescente: pertente à sociedade.
A lei não deixou grande margem à imaginação do intérprete-aplicador.
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Pelas entradas: cada sócio é responsável pela sua entrada e, designadamente, pela parcela
cuja efetivação tenha sido diferida no contrato de sociedade. Além disso, ele é solidariamente
responsável, com os demais sócios, pela realização do capital diferido. Trata-se de um ponto 269
que a própria lei apresenta como característica da sociedade (artigo 197.º, n.º1 CSC). A
responsabilidade pela entrada própria equivale ao específico e já examinado regime das
entradas. A responsabilidade solidária pelo conjunto das entradas coloca uma problemática
própria, versada no artigo 207.º CSC. A responsabilidade de cada sócio pelas entradas alheias
provém da Lei alemã e vem regulada e desenvolvida no nosso Código no artigo 207.º, n.º1
CSC:
«Excluído um sócio, ou declarada perdida a favor da sociedade parte da sua quota, são os
outros sócios obrigados solidariamente à parte da entrada que estiver em dívida, quer a quota
tenha sido ou não já vendida nos termos dos artigos anteriores; nas relações internas esses sócios
respondem proporcionalmente às suas quotas».
Tem-se, assim, o regime de responsabilidade subsidiária pelas quotas alheias, com
solidariedade entre os corresponsáveis, a repartir, nas relações internas, na proporção das
quotas respetivas. Como (bem) observa Raúl Ventura, o esquema legal é pouco animador: a
responsabilidade solidária depende de deliberação dos próprios sócios a responsabilizar,
deliberação essa que irá no sentido da perda, total ou parcial e a favor da sociedade, da quota
do sócio remisso. Também lá se poderia chegar na hipótese de a sociedade ter optado pelos
meios executivos normais (portanto: sem efetuar as declarações previstas no artigo 204.º,
n.º1 CSC) e não ter logrado recuperar, do sócio remisso, a importância em dívida (artigo
207.º, n.º4 CSC). De todo o modo, no caso de a sociedade não exercer os seus direitos contra
os sócios (seja o remisso, seja os restantes), podem os credores sociais fazê-lo, por via do
artigo 30.º CSC. Pergunta-se quem são os outros sócios, para efeitos de responsabilização
subsidiária e solidária pela realização das quotas em falta. Outros sócios são os titulares de
posições sociais válidas e eficazes. Não ficam abrangidos:
O próprio sócio remisso e excluído;
Os anteriores titulares da quota do remisso, que respondem nos termos do artigo
206.º CSC;
O adquirente da quota do sócio remisso;
A sociedade, como detentora de quotas próprias: o regime especial destas prevalece
sobre as regras gerais.
O sócio que tiver efetuado algum pagamento por via do artigo 207.º CSC pode (artigo 207.º,
n.º3 CSC) sub-rogar-se no direito que assiste à sociedade contra o excluído e seus sucessores,
segundo o disposto no artigo 206.º CSC, a fim de obter o reembolso da quantia paga.
Direta para com os credores sociais: as sociedades por quotas são sociedades de
responsabilidade limitada. Os sócios não respondem pelas dívidas sociais (artigo 197.º, n.º3
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CSC): apenas pelas entradas próprias e, subsidiaria e solidariamente, pelas quotas dos outros
sócios. O Código de 1986, inovando, veio, todavia, prever a possibilidade de uma
responsabilidade direta para com os credores sociais. A ideia de responsabilidade
SQ
suplementar dos sócios veio a filiar-se em considerações de ordem prática detetadas no
funcionamento efetivo da sociedade por quotas. As sociedades por quotas têm, em regra,
um capital pouco expressivo. O seu financiamento vem a ser efetuado pelos próprios sócios,
com recurso a suprimentos ou a prestações suplementares, ou pelo recurso da própria
sociedade ao crédito. Neste último caso, porém, apenas se obtêm financiamentos,
designadamente bancários, desde que haja uma garantia pessoal dos sócios. Explica Raúl
Ventura:
270
«(...) portanto, parece mais simples e cómodo admitir que, logo na constituição da sociedade e
até montantes determinados, os sócios assumam responsabilidade solidária com a sociedade
pelas obrigações que esta contrair».
A responsabilidade direta dos sócios para com os credores requer:
Uma estipulação no contrato;
Com uma indicação do montante-limite.
Para além disso, e segundo o artigo 198.º, n.º CSC, essa responsabilidade pode assumir
diversas feições, consoante o que resulte do pacto social. Designadamente:
Pode ser solidária com a da sociedade;
Pode ser subsidiária em relação à desta, a efetivar apenas na fase da liquidação.
Trata-se de uma responsabilidade pessoal. Assim (artigo 198.º, n.º2 CSC):
Abrange apenas as obrigações da sociedade constituídas enquanto o sócio
responsável a ela pertencer;
Não se transmite por morte deste, sem prejuízo da transmissão das obrigações a que
o sócio estava anteriormente vinculado.
Supletivamente, o sócio chamado a pagar dívidas sociais, ao abrigo deste esquema, tem
direito de regresso contra a sociedade, pela totalidade do que houver pago: mas não contra
os outros sócios. Naturalmente: a hipótese, dependente de estipulação, de haver regresso
contra a sociedade e contra os restantes sócios tem maior interesse.
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dos sócios gerentes. A hipótese, prevista no Código, de uma responsabilidade direta dos
sócios, até este momento, não tem sido explorada. Mais fácil e dinâmica, sobretudo perante
obrigações cambiárias, é a direta assunção, pelos sócios, do papel de garantes, perante certas SQ
dívidas. Justamente na via de, contratualmente e em face de outros débitos, responsabilizar
os sócios pelas dívidas de sociedades surgiram as fianças omnibus: contratos pelos quais os
sócios – ou os sócios gerentes – assumiriam a responsabilidade ilimitada por todas as dívidas,
presentes e futuras, da sociedade, perante certo credor. Tais contratos já foram considerados
nulos por indeterminabilidade do seu conteúdo ou por contrariedade aos bons costumes: um
ponto a verificar caso a caso. Dada a prática, podemos considerar que o grande atrativo das
sociedades por quotas é o seu potencial organizativo: mais do que a limitação da
271
responsabilidade, um tanto teórica.
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Noção, origem e figuras afins: quando uma sociedade por quotas tenha necessidade
de financiamentos, a solução mais fácil, mais natural e mais flexível é ajustá-los com os seus
próprios sócios. Temos a figura do contrato de suprimento, definido no artigo 243.º, n.º1
CSC como:
«(...)o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando
esta obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade(...)».
Ou, numa segunda modalidade, o contrato:
«(...) pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus
sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo caráter de permanência».
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A exigência, em qualquer caso do caráter de permanência leva o legislador a fixar índices. São
eles (artigo 243.º, n.º2 e 3 CSC):
A articulação de um prazo de reembolso superior a um ano, seja ela contemporânea
SQ
à constituição do crédito ou posterior a ela; no caso de diferimento do vencimento,
computa-se o tempo decorrido desde a constituição até ao negócio de diferimento;
A não exigência do reembolso devido pela sociedade durante um ano, quer não
havendo um prazo inferior; tratando-se de lucros não distribuídos, o prazo de um
ano conta-se desde a data da deliberação de distribuição.
Os credores sociais podem provar o caráter de permanência mesmo que o reembolso tenha
ocorrido antes de expirado um ano; os sócios podem ilidir a presunção de permanência 274
demonstrando que o diferimento corresponde a circunstâncias independentes da qualidade
de sócio (artigo 243.º, n.º4 CSC). Fica ainda sujeito ao regime dos suprimentos o crédito de
terceiro sobre a sociedade, desde que o sócio o adquira por negócio entre vivos e no
momento da aquisição se verifique alguma das circunstâncias que constituem índice de
permanência (artigo 243.º, n.º5 CSC). Esta equiparação de regimes permite ver, aqui, uma
terceira modalidade de suprimentos. Os suprimentos devem distinguir-se das figuras afins,
designadamente das prestações acessórias e das prestações suplementares: os regimes
envolvidos são bastante diversos:
As prestações acessórias resultam do pacto social e podem envolver dinheiro, bens
ou serviços;
As prestações suplementares são permitidas pelo pacto social e resultam de
deliberação dos sócios, recaindo apenas sobre dinheiro;
Os suprimentos advêm de um contrato celebrado entre o sócio e a sociedade, relativo
a dinheiro ou a outra coisa fungível, equivalendo a um mútuo.
Todas estas realidades surgem no domínio societário, envolvendo sociedades e os seus sócios,
nessa qualidade. O suprimento distingue-se, noutro plano, de um mútuo comum: representa
um contributo permanente ou, pelo menos, prolongado, do sócio para a sociedade em que
detenha uma posição. Quando muito representaria um mútuo de escopo, cujo regime é
infletido pela realidade societária que visa servir.
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nem se funda em razões privativas das sociedades por quotas: pode ser aplicado por analogia.
Além disso, o suprimento é um contrato à disposição de quaisquer interessados, desde que
se mostrem reunidos os elementos naturais de que depende: uma sociedade com os seus SQ
sócios. Nestas condições, podemos encontrar suprimentos nas sociedades anónimas:
Quanto as partes estipulem ou quando o pacto social os preveja e regule;
Quando se gere um empréstimo que, materialmente, exerça a função do suprimento.
Não chega a mera qualidade de acionista para que se verifique este último ponto. A fixação
de uma percentagem de detenção de ações para que se possa falar em acionista empresário
interessado na capitalização da sociedade tem óbvias vantagens no plano da segurança. A
cifra de 10% proposta por Raúl Ventura faz sentido; não lhe podem ser contrapostas, sem 276
menos, percentagens de 1% e de 5% exigidas para outros propósitos, uma vez que os lugares
paralelos (artigos 392.º e 418.º, n.º1 CSC) traduzem efetivas implicações empresariais. Mas
na falta de lei, não vemos como impô-la doutrinariamente: qualquer percentagem fixa implica
um arbítrio que só pode ser assumido por lei geral. Propomos, pois, como elemento de
analogia, a fórmula substancial presente no nosso sistema societário: haverá suprimento
quando a entrega opere em situações nas quais o acionista ordenado faria uma contribuição
de capital. Atenção: só a partir da verificação dessa analogia (iuris) será legítimo aplicar os
índices do artigo 243.º, n.º2 e 3 CSC. Os suprimentos são empréstimos permanentes feitos
pelos sócios às sociedades respetivas: justificam-se e explicam-se a esse nível. O sócio terá,
como contrapartida, o bom funcionamento da sociedade e os lucros (reais ou potenciais) que,
daí, lhe poderão advir. Compreende-se, a essa luz, que ele corra um risco acrescido de não
reembolso: donde o regime na insolvência e a nulidade das garantias reais que os assegurem.
Também aqui haverá que inscrever a álea do momento do reembolso, quando não tenha sido
estipulado. No tocante à natureza: está-se em face de um contrato típico e nominado, a
inscrever no atlas jurídico como um mútuo especial de escopo. Podemos ir um pouco mais
longe. O contrato de suprimento só é possível quando celebrado entre um sócio e a sociedade
na qual ele tenha uma posição. Sendo assim, ele inscreve-se na organização societária em
jogo, mais precisamente na sua vertente financeira. Opera uma lógica de coligação de
contratos: sociedade/suprimento. Materialmente, estamos perante um contrato de Direito
das sociedades, com tudo o que isso implica em termos regulativos e valorativos: um ponto
importante na explicitação do seu regime.
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de coisas são compreensíveis. Todavia, há que, sobre elas, fazer atuar a Ciência do Direito.
Embora tecnicamente configurado como um direito subjetivo, com tudo o que isso implica,
o direito à informação insere-se num universo de Direito das sociedades. Por certo que se
SQ
visa, sempre, o bem estar patrimonial e moral das pessoas (seres humanos): mas em modo
coletivo. Este ponto deve acompanhar a interpretação e a aplicação das normas em presença.
As informações e a sua prestação: o direito dos sócios à informação consta do artigo
214.º CSC. Este preceito surge, como uma amálgama de princípios gerais, de regras
específicas e de precisões: bem poderia ter sido simplificado e desdobrado. A regra básica
surge no artigo 214.º, n.º1 CSC, que desdobra:
277
Os gerentes que devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira,
completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade;
E bem assim facultar, na sede social, a consulta da respetiva escrituração, livros e
documentos.
Vamos ver. O direito assiste a qualquer sócio ou ao usufrutuário quando, por lei ou
convenção, lhe caiba exercer o direito de voto (artigo 214.º, n.º8 CSC). Não fica excluído o
sócio-gerente, desde que se trate de elementos a que não tenha tido acesso, num ponto que
já suscitou controvérsia: injustificada. Em compensação, tal direito não assiste ao cônjuge do
sócio que não tenha essa qualidade. O sócio que requeira informação deve estar devidamente
identificado. Também se entende que o esquema do artigo 214.º CSC não pode ser usado
pela sociedade contra os sócios. O final do artigo 214.º, n.º1 CSC, à semelhança do artigo
181.º, n.º1 CSC relativo às sociedades em nome coletivo, permite que a informação seja
pedida por escrito, devendo ser dada em conformidade. Compreende-se que pedidos
repetidos de informação escrita venham perturbar o normal funcionamento da sociedade.
Por isso, o artigo 214.º, n.º2 CSC admite que o direito à informação seja:
«(...) regulamentado no contrato de sociedade, contanto que não seja impedido o seu exercício
efetivo ou injustificadamente limitado o seu âmbito».
A lei vai mais longe, especificando que não pode ser excluído esse direito (designadamente)
quando:
Para o seu exercício for invocada suspeita de práticas suscetíveis de fazer incorrer o
seu autor em responsabilidade, nos termos da lei;
A consulta tiver por fim julgar a exatidão dos documentos de prestação de contas ou
habilitar o sócio a votar em assembleia já convocada.
Estamos perante um garantismo que não se explica à luz do Direito Privado. O direito à
informação não pode ser excluído: ponto assente. Mas a sua regulamentação no pacto social
– onde se lida com direitos disponíveis! – pode ser efetiva: é evidente que nada custa alegar
suspeitas de responsabilidade do autor de quaisquer atos ou invocar a possível inexatidão de
documentos para, em contínuo, tudo devastar. Os preceitos devem ser interpretados à luz
do favor societatis e numa perspetiva de efetiva substancialidade das situações. O artigo 214.º,
n.º3 CSC permite pedidos de informação:
Sobre atos já praticados;
Sobre atos esperados, quando estes sejam suscetíveis de fazer incorrer o seu autor
em responsabilidade, nos termos da lei.
Tomando estes preceitos à letra, todavia, toda a atividade futura ou projetada (mesmo
eventual) teria de ser comunicada. Valem as presunções acima feitas sobre o primado do
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A recusa justificada: o pedido de informação pode ser recusado, desde que, para tanto,
haja justificação. O artigo 215.º, n.º1 CSC admite três ordens de razões, a que poderemos
acrescentar uma quarta. Assim e principiando por esta:
Razões de praticabilidade;
Razões derivadas do disposto no contrato de sociedade;
Receio de utilização da informação para gins estranhos à sociedade e com prejuízo
desta;
Violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros.
Raúl Ventura invoca a taxatividade do artigo 215.º, n.º1 CSC. Não vemos porquê: a
informação é um direito disponível, que deve ser articulado com outros princípios e direitos,
maxime na lógica do artigo 335.º CC. Além disso, o direito à informação nada pode contra a
natureza das coisas. Assim, a informação será recusada (aina que temporariamente) se o
próprio gerente a ela não tiver acesso, se ele estiver impedido de a ela aceder (de férias ou
em serviço) ou se, estando ao serviço da sociedade, ele não puder, de todo, interromper a
tarefa. As restantes três razões estão elencadas no artigo 215.º, n.º1 CSC. O contrato de
sociedade deve ser acatado. A própria lei como que convida à sindicância da legalidade do
contrato; todavia, desde que o direito não seja excluído, teremos de entender (para mais, no
domínio comercial!) que os contratos devem ser cumpridos. E mesmo na hipótese da sua
invalidade, haverá que ponderar os cenários do venire contra factum proprium: o sócio
compromete-se, por contrato, a exercer o seu direito à informação em certos moldes e,
depois, invoca a ilegalidade do pactuado para venire contra o acordado. O receio da utilização
de informações para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta deve ser apreciado em
termos objetivos, segundo as regras da experiência comum. De todo o modo, será sempre
causa de receio o facto de a informação pretendida ser manifestamente inútil, para os
interesses do sócio requerente. A violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros
é, sempre, uma razão absoluta de recusa de informação. Resta acrescentar que lei é, aqui, o
Direito: pode resultar de lei expressa, de princípios gerais ou de instrumentos contratuais,
existentes em relação ao terceiro protegido. Finalmente, o direito à informação é, como
qualquer posição jurídico-subjetiva, suscetível de abuso (artigo 334.º CC). No seu exercício,
ele não pode contraditar a confiança legítima, nem a materialidade subjacente. Perante
situações de abuso, o exercício deve cessar. E em face delas, a recusa é justificada. Em
compensação, o mero conflito de interesses, que impeça o sócio de votar, não bloqueia o
direito à informação do interessado.
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SQ
§21.º - Direito aos lucros
Princípio geral; aplicação: o direito aos lucros integra, como elemento essencial, o
status de sócio. Ele vem referido com ênfase, no artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC, surgindo
ainda como elemento essencial do contrato de sociedade, no artigo 980.º, in fine CC.
Recordamos que, de acordo com a técnica comum relativa aos direitos dos sócios, cumpre
distinguir entre direitos abstratos e direitos concretos: os direitos abstratos correspondem a 280
posições potencialmente favoráveis que podem surgir na esfera dos sócios, mercê da
titularidade da posição social; os direitos concretos traduzem a concretização dessas posições,
depois de verificados os respetivos requisitos. Apenas neste último caso surgem verdadeiros
direitos subjetivos. Pois bem, todo o sócio tem, pela própria natureza da situação em que se
encontra imerso, um direito abstrato a lucros; concretamente, tal direito só surgirá na
sequência de um procedimento abaixo referido. Ainda em sede geral, recordamos a proibição
tradicional dos pactos leoninos (artigo 22.º, n.º3 CSC). Nas sociedades por quotas, a matéria
dos lucros surge versada no artigo 217.º, segundo o qual:
Deve ser distribuída aos sócios metade do lucro de exercício que, nos termos desta
lei, seja distribuível;
Salvo diferente cláusula contratual;
Ou salvo deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes
ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada.
Nos termos gerais, o pacto social pode afastar a regra da lei estipulando, por exemplo, que
cabe à sociedade, por maioria simples, deliberar a não distribuição de lucros. A deliberação
que, fora do que a lei permita, não proceda à distribuição de lucros, é anulável. A noção de
lucros distribuível vem-nos do artigo 33.º CSC. à partida, o lucro será a diferença entre os
proveitos e os custos: existirá na medida em que os primeiros sejam superiores aos segundos.
Isto posto, não são distribuíveis, dos lucros do exercício (artigo 33.º, n.º1 CSC):
A parcela necessária para cobrir prejuízos transitados;
A parte destinada a formar reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade.
Além disso, não podem ser distribuídos lucros do exercício (artigo 33.º, n.º2 CSC):
Enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não
estiverem completamente amortizadas;
Exceto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos,
igual ao dessas despesas não amortizadas.
Quanto às reservas: determina o artigo 33.º, n.º3 CSC que não possam ser distribuídas aquelas
cuja existência e cujo montante não constem, expressamente, do balanço (artigo 33.º, n.º3
CSC). Na deliberação visada devem ser expressamente mencionadas quais as reservas
distribuídas, no todo ou em parte, quer isolada quer juntamente com os lucros de exercício
(artigo 33.º, n.º4 CSC).
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adotada pela maioria qualificada de ¾; na falta de algum destes pontos, 50% dos lucros de
exercício são distribuíveis. Deliberada a atribuição dos lucros, recordamos que a sua
distribuição pelos sócios, salvo cláusula em contrário, deverá ser feita na proporção dos SQ
valores nominais das respetivas quotas de capital (artigo 22.º, n.º1 CSC). Posto isto:
O crédito dos sócios à sua parte nos lucros vence-se decorridos 30 dias sobre a
deliberação de distribuição (artigo 217.º, n.º2, 1.ª parte CSC);
Salvo diferimento consentido pelo sócio (artigo 217.º, n.º2, in medium CSC),
entendendo-se: diferimento pelo período que este admitir;
Os sócios podem contudo, com fundamento na excecional situação da sociedade,
alargar o diferimento até aos 60 dias (artigo 217.º, n.º2, 2.ª parte CSC). 281
Reserva legal: no universo das reservas, cabe distinguir a legal das facultativas, também
ditas complementares ou extraordinárias. A reserva legal é imposta e regulada por lei. Trata-
se de um instituto originário das sociedades anónimas. O artigo 218.º, n.º1 CSC considera
obrigatória a constituição de uma reserva legal. O seu n.º2 remete para os artigos 295.º e
296.º CSC, próprios das sociedades anónimas. Salvo quanto ao limite mínimo da reserva legal:
nunca inferior a 2500€. A dogmática das reservas melhor fica explanada no domínio das
sociedades anónimas.
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em nome coletivo (artigos 185.º e 186.º CSC) e quanto às sociedades por quotas (artigos
240.º a 242.º CSC): fica a lacuna nas anónimas, numa problemática difícil de reduzir: serão
aí, possíveis, a exoneração e a exclusão e sendo-o, em que base? Recordemos que, para as
SQ
sociedades civis puras, legem habemus: artigos 1002.º e 1003.º CC. De todo o modo, a
regulamentação sobre exoneração e exclusão de sócios, elaborada a propósito das sociedades
por quotas, é paradigmática. Nesse domínio coloca-se a maioria da jurisprudência e boa parte
daas doutrinas portuguesas e alemã. Em Itália, o problema é exposto e debatido a propósito
das sociedades simples – as nossas sociedades civis sob forma civil. Para além destes aspetos
de feição prática, a exoneração e a exclusão de sócios colocam temas importantes de
construção jurídico-científica. Num contrato de sociedade, particularmente estando em causa
282
sociedades de pessoas, as diversas posições erguem-se intuitu personae. As situações não são
intermutáveis: a saída de uma pessoa envolve a cessação da realidade preexistente. Ao longo
da História registou-se uma evolução: para uma visão inicial muito personalista qualquer
modificação nos sócios poria em causa a subsistência da sociedade; mais tarde, as conceções
de tipo institucionalista e de feição empresarial, vieram apurar a hipótese de uma realidade
de conjunto capaz de subsistir, mesmo perante as alterações subjetivas no corpo social. O
problema não é apanágio do Direito das sociedades. O vínculo obrigacional clássico (artigo
397.º CC) também era inseparável das pessoas do credor e do devedor. Mais tarde, a
patrimonialização do Direito Civil levou à objetificação das obrigações as quais, sem quebra
de identidade e respeitando certos requisitos, podem circular no espaço jurídico. Nesse plano,
haverá que procurar as raízes últimas dos fenómenos da exoneração e da exclusão de sócios.
Base justificativa: quanto à base justificativa de exonerações ou de exclusões assentes
em motivos justificados, temos toda uma articulação a considerar. Ainda que sem
preocupações de reconstrução histórica rigorosa, podemos apontar uma sucessão de teorias:
Taxatividade legal: arranca da ideia subjacente de que não é possível, numa
sociedade comercial de pessoas, uma saída de um sócio. Tal saída seria, porém, de
encarar em situações taxativamente previstas na lei, com um sentido publicistico e
visando a tutela da realidade empresarial. De facto, a lei compreende, por vezes,
causas legais de exoneração e de exclusão. Mas nem sempre: em certos ordenamentos,
como o alemão, há que avançar na base da doutrina enquanto noutros – o nosso! –
as exonerações legais devem ser complementadas. Além disso, a existência de causas
legais de exoneração ou de exclusão é admissível à luz de valores estruturalmente
privados e para defesa das posições das pessoas: pense-se nos casos de resolução de
arrendamento por iniciativa do senhorio. A taxatividade legal é redutora e acaba por
não cumprir a função explicativa que se lhe pede.
Preservação da empresa: impor-se-ia, nalgumas leituras mais vincadamente
institucionalistas, como um valor em si, dotado de jurídico-positividade. Daí
resultaria que as sociedades, independentemente de um expresso (e taxativo)
desenvolvimento legal, teriam o poder de sancionar os sócios cuja conduta viesse a
mostrar-se prejudicial para o ente coletivo. Esta orientação não é hoje sufragável. Ela
assenta numa ideia de institucional extrema irrealista: as sociedades, na generalidade,
não correspondem a quaisquer empresas. E quando correspondam: estas não detêm
nenhuma soberania. Além disso, o interesse da empresa (ou o da sociedade) acaba,
sempre, por se reconduzir ao interesse dos sócios. Finalmente: a dogmatização do
poder disciplinar privado levanta uma série de dificuldades: não vemos vantagem em
importá-lo para o Direito das sociedades, tanto mais que os regimes não coincidem.
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vontade arbitrária do sócio; o contrato social terá, pois, de remeter para factos aos
quais, razoavelmente, se possa atribuir a natureza de justa causa;
Exoneração quando, contra o voto expresso do sócio em jogo, tenha sido deliberado SQ
(artigo 240.º, n.º1, alínea a) CSC):
i. Um aumento de capital a subscrever total ou parcialmente por terceiros;
ii. A mudança do objeto social;
iii. A prorrogação da sociedade;
iv. A transferência da sede para o estrangeiro;
v. O regresso à atividade da sociedade dissolvida;
Exoneração quando, havendo justa causa de exclusão de um sócio, a sociedade não 285
deliberar excluí-lo ou não promover a sua exclusão judicial (artigo 240.º, n.º1, alínea
b) CSC).
Perante a exoneração levada a cabo por um sócio, o Direito deve compatibilizar interesses
contrapostos. A posição social de que se vai abdicar tem um valor intrínseco: não pode deixar
de ser atribuída, ao sócio em saída, uma compensação. Mas a sociedade poderá não estar em
condições imediatas de a pagar. Tudo isso deverá ser solucionado através de um adequado
procedimento de exoneração, fixado no artigo 240.º, n.º2 e 3 CSC. Assim:
O processo de exoneração só pode iniciar-se se, além dos competentes pressupostos,
estiverem inteiramente liberadas todas as quotas do sócio em jogo (artigo 240.º, n.º2
CSC);
O sócio que queira exercer o direito à exoneração deve, nos 90 dias subsequentes ao
conhecimento do facto que lhe atribua tal faculdade, declarar por escrito, à sociedade,
a sua intenção de se exonerar (artigo 240.º, n.º3, 1.ª parte CSC); naturalmente, a
declaração deve ser justificada;
Recebida a declaração, deve a sociedade, no prazo de 30 dias e em alternativa (artigo
240.º, n.º3, 2.ª parte CSC):
i. Ou amortizar a quota;
ii. Ou adquiri-la;
iii. Ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro;
Se nada fizer, pode o sócio de saída requerer a dissolução judicial da sociedade (artigo
240.º, n.º3, in fine CSC; seguir-se-á, então, o disposto no artigo 144.º, n.º1 e 3 CSC.
Note-se que a amortização da quota implica a extinção desta (artigo 232.º, n.º2 CSC); a
aquisição pela sociedade conduz a uma situação de quota própria (artigo 220.º CSC); fazê-la
adquirir por sócio ou terceiro equivale à angariação do competente negócio. A opção
compete apenas à sociedade, ainda que ela tenha depois de respeitar as consequências
correspondentes ao que escolheu. A contrapartida a pagar ao sócio de saída envolve as
seguintes proposições:
Ela é calculada nos termos do artigo 105.º, n.º2 CSC, com referência à data em que
o sócio declare à sociedade a sua intenção de se exonerar (artigo 240.º, n.º5 CSC); o
artigo 105.º, n.º2 CSC remete, por seu turno, para o artigo 1021.º CC: o valor da
quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu
efeitos o facto determinante da liquidação;
O pagamento é fracionado em duas prestações a efetuar dentro de 6 meses e um ano,
respetivamente, a contar do momento em que o montante esteja, em definitivo,
fixado (artigo 235.º, n.º1, alínea b) ex vi artigo 240.º, n.º5 CSC).
Pode haver perturbações no pagamento. A lei dispõe para essa eventualidade. Assim:
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Se a sociedade optar pela amortização, mas não a puder levar a cabo por via do artigo
236.º, n.º1 CSC (a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida
da amortização, não pode ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, a não ser SQ
que delibere simultaneamente a redução do capital), pode o sócio de saída (artigo
240., n.º6 CSC):
i. Ou esperar pelo pagamento;
ii. Ou requerer a dissolução da sociedade, por via administrativa.
Se se optar por uma aquisição da quota por sócio ou por terceiro e o adquirente da
quota não pagar tempestivamente o pagamento cabem, ao sócio de saída, essas
mesmas hipóteses, sem prejuízo de a sociedade o poder substituir, verificado o 286
disposto no artigo 236.º, n.º1 CSC: os pressupostos da amortização (artigo 240.º CSC).
Todo este regime permite entender porque não há uma total liberdade de exoneração, mesmo
quando se pretendesse estabelecê-la pelo contrato social. A saída voluntária de um sócio
pode colocar a sociedade por quotas numa situação muito séria: uma marcada
descapitalização ou, até, a dissolução. Estamos perante uma sociedade com uma forte
vertente de capitais, oponível a terceiros e que deve inspirar confiança. O Direito visa a sua
solidez e a sua continuidade. Os interessados, antes de constituírem uma sociedade por
quotas, particularmente quando nela pretendam colocar uma parte significativa dos seus
haveres, devem ponderar todas as hipóteses de desavenças com os restantes sócios: seja em
vida de todos, seja no plano dos respetivos herdeiros. Particularmente delicado é o recurso à
sociedade por quotas para eternizar as heranças indivisas: uma fonte de litígios complicada,
uma vez que a comunhão não pode cessar, depois, a não ser em casos estritos. Haverá que
procurar saídas estatutárias no plano das causas de dissolução.
A exclusão de sócios: a exclusão do sócio é o ato e/ou o efeito que envolvem a perda
da participação que o visado tenha na sociedade, perda essa que opere sem o seu
consentimento. Trata-se de uma medida delicada, que envolve a supressão de uma posição
patrimonial privada e que não pode operar sem uma razão ponderosa e sem uma
compensação adequada. A exclusão do sócio por quotas aparece, designadamente, nos
preceitos seguintes:
Artigo 204.º, n.º1 e 2 CSC: exclusão do sócio remisso que, interpelado, não realize,
no prazo legal, a entrada a que se encontre obrigado;
Artigo 212.º, n.º1 CSC: idem, quanto ao sócio que não efetue as prestações
suplementares que lhe caibam;
Artigo 214.º, n.º6 CSC: o sócio que abuse da informação e prejudique injustamente
a sociedade e os outros sócios é responsável e fica sujeito à exclusão.
Quanto às previsões gerais: regem os artigos 241.º e 242.º CSC. O artigo 241.º CSC é,
fundamentalmente, um preceito de enquadramento. O n.º1 fixa a possibilidade de exclusão
e distingue:
A exclusão prevista na lei: é a referida nos artigos 204.º, n.º1, e 2, 212.º n.º1 e 214.º,
n.º6 CSC e, ainda, a cláusula geral do artigo 242.º, n.º1 CSC;
A exclusão prevista no contrato: terá a ver com aspetos relativos à pessoa do sócio
(insolvência, desinteresse ou outras condutas similares) ou com o seu
comportamento (mau desempenho ou concorrência, tudo como exemplos). A
doutrina retira que não podem os estatutos prever uma exclusão por maioria
arbitrária: ad nutum. Realmente, assim é. Mas por razões precisa:
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i. O sócio não pode renunciar antecipadamente aos seus direitos (artigo 809.º
CC);
ii. Não pode, igualmente, doar bens futuros (artigo 942.º, n.º1 CC).
SQ
O Direito das sociedades comerciais não deve enjeitiar o núcleo fundamental do
Direito Privado. Para além desses aspetos, compete às partes fixar os contornos da
justa causa que melhor caiba aos seus interesses.
Na hipótese de exclusão por força do contrato, o artigo 241.º, n.º2 CSC manda aplicar os
preceitos relativos à amortização de quotas. Trata-se de matéria regulada nos artigos 232.º e
seguintes CSC. Recordamos que a amortização dá lugar à extinção da quota (artigo 2232.º,
n.º2 CSC) e que faculta uma compensação equivalente ao valor da liquidação da quota em
287
causa, a pagar em certos termos (artigo 235.º, n.º1 CSC). O artigo 241.º, n.º3 CSC permite
que o contrato de sociedade fixe, para o caso de exclusão, um valor ou um critério diferentes
dos previstos para a amortização de quotas. Os estatutos, com frequência, aproveitam esta
faculdade fixando um valor inferior e por exemplo, 2/3 do que resultaria das regras de
amortização. O que se compreende: a exclusão representa uma sanção por uma conduta que,
além do mais, pode acarretar danos para a sociedade: reais mais difíceis de explicitar. Ora a
cláusula de exclusão tem um sentido de cláusula penal, admitida por via do artigo 810.º, n.º1
CC. Todavia, não pode a fixação estatutária da compensação devida pela exclusão cifrar-se
em montantes irrisórios ou não significativos. Em tal eventualidade, estar-se-ia a cair
novamente na proibição do artigo 809.º CC ou na da proibição de doação de bens futuros,
resultante do artigo 942.º, n.º1 CC. A lei parece ainda distinguir entre a exclusão por
deliberação social e a exclusão por decisão judicial.
A exclusão judicial: o artigo 242.º CSC prevê a exclusão judicial do sócio por quotas.
Subjacente estará, pois, uma contraposição entre a exclusão societária, deliberada pelos
sócios e a judicial, a decretar pelo juiz. O critério será o seguinte:
Cabe exclusão societária quando se esteja perante um facto concreto a que a lei
associe a exclusão ou a que o contrato ligue a essa mesma consequência;
Cabe exclusão judicial sempre que nos encontremos no âmbito da cláusula geral do
artigos 242.º, n.º1 CSC.
Entendeu o legislador que, perante a vaguidade dessa cláusula, melhor ficaria a apreciação
judicial do problema. Segundo o artigo 242.º, n.º1 CSC, pode ser excluído por decisão judicial
o sócio que, pelo seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento
da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes. Este preceito
representa um grande avanço jurídico-científico Na concretização da fórmula geral do artigo
242.º, n.º1 CSC, temos a observar as seguintes situações justificativas da exclusão por
comportamento desleal ou gravemente perturbador:
Um sócio com conhecimentos importantes a respeito da empresa, coloca tais
atributos ao serviço da concorrência e, ainda por cima, incita os funcionários da
sociedade à deserção; além disso, não se exige um prejuízo efetivo, mas apenas a
capacidade de provocar danos;
Um sócio, pouco tempo depois da renúncia à gerência da sociedade, começa a vender
os mesmos produtos num seu estabelecimento, a utilizar os catálogos e os preçários
da sociedade e a conquistar-lhe clientes, com prejuízos para ela;
Um sócio desenvolve uma atividade concorrencial com a da sociedade, procurando
angariar mercado através da utilização de meios técnicos e do know how da própria
sociedade;
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A apreciação a fazer deve ser feita sem se tomar em conta a causa justificativa mas,
tão-só, o juízo de gravidade e situação de dano relevante a que conduzir ou pode
conduzir;
SQ
A exclusão justifica-se quando o interesse social seja posto em causa por um sócio
que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que
prejudiquem o fim social.
Como se vê, a deslealdade grave anda, na prática, em torno de questões de sigilo e de
concorrência. Sub-caso interessante é o da sociedade que tenha apenas dois sócios. O artigo
1005.º, n.º3 CC dispõe que, nas sociedades que tenham apenas dois sócios, a exclusão de um
deles só pode ser pronunciada pelo tribunal. O Código das Sociedades Comerciais não tem 288
um preceito equivalente. Mas ele deve inferir-se do sistema. Pelo seguinte:
Segundo o artigo 246.º, n.º1, alínea c) CSC, depende de deliberação social a exclusão
de sócios;
De acordo com o artigo 251.º, n.º1, alínea d) CSC, o próprio sócio excluído não pode
votar.
Logo, numa sociedade com apenas dois sócios, a exclusão de um deles seria possível só pela
vontade unilateral do outro: uma solução sem sentido que, não tendo saída legal, encobre
uma lacuna, a integrar, ex artigo 2.º CSC , com recurso ao artigo 1005.º, n.º3 CC. Assim o
entende – e bem – a jurisprudência30. A ação de exclusão deve ser proposta pela sociedade
ou deliberada pelos sócios (artigo 242.º, n.º5 CSC), exceto havendo apenas os dois sócios.
Compete ao autor invocar os factos de onde se retire a causa de exclusão. Além disso, a ação
pode ser acompanhada por um pedido de indemnização pelos prejuízos. Posto isto:
Dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de exclusão,
deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena
de a exclusão ficar sem efeito (artigo 242.º, n.º3 CSC);
O valor é calculado por referência à data da propositura da ação e pago nos termos
prescritos para a amortização de quotas (artigo 242.º, n.º4 CSC);
Aplicando-se, caso se opte pela aquisição de quota, pelo disposto no artigo 255.º,
n.º3, 4 e 5, 1.ª parte CSC (artigo 242.º, n.º5 CSC).
Até à amortização da quota, o sócio excluído mantém-se como sócio.
30Ac STJ 9-Dez-1999, Ac. RCb 14-Mar-2000, Ac. RCb 11-Nov-2003, Ac. RPt 2-Nov-2004 e Ac RPt 4-Out-
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n.º8 CSC). A divisibilidade das quotas constitui um elemento que a todos diz individualmente
respeito, aquando da contratação. Assim, se o pacto social for alterado no sentido de a divisão
ser excluída ou modificada, a alteração só é eficaz com o consentimento de todos os sócios
SQ
por ela afetados (artigo 221.º, n.º7 CSC). A divisão de quotas não altera a quota inicial. Não
podem, só por aí, surgir mais direitos e obrigações do que os inicialmente existentes. As
novas quotas, com esta ressalva, não são idênticas à quota donde provenham.
31A natureza jurídica da comunhão corresponde a um tema com tradição de debate na doutrina portuguesa –
estudamo-las a Direitos Reais, vejam isso lá (大象城堡).
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qualquer um deles pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade (artigo 223.º, n.º3, 1.ª
parte CSC). Além disso – e salvo se designado por lei – pode qualquer contitular pedir a
destituição, com fundamento em justa causa, do representante comum (artigo 223.º, n.º3, 2.ª
SQ
parte CSC). NA sua preocupação regulamentadora, o legislador excedeu-se: é óbvio que o
representante diretamente designado pela lei não poderá deixar de ser destituível com justa
causa. Quando muito, esta teria de assumir contornos mais exigentes. Justa causa será, aqui,
qualquer fundamento justificado, objetivo ou subjetivo. Ela aproxima-se da justa causa
requerida para a revogação do mandato conferido também no interesse do mandatário ou de
terceiro (artigo 1170.º, n.º2 CC): nunca da justa causa laboral De todo o modo, a nomeação
e a destituição devem ser comunicadas por escrito à sociedade; esta pode, mesmo tacitamente,
292
dispensar a comunicação (artigo 223.º, n.º4 CSC). Pode acontecer que o representante
comum tenha impedimentos ou que ele ainda não tenha sido nomeado pelo tribunal, nos
termos do artigo 223.º, n.º3 CSC. Nessa altura, qualquer dos titulares poderá exercer os
inerentes direitos (artigo 22.º, n.º4, 1.ª parte, a contrario CSC); apresentando-se mais do que
um, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que (artigo 222.º, n.º4,
2.ª parte CSC):
Representem, pelo menos, metade do valor total da quota;
E para o caso não seja necessária a unanimidade prevista no artigo 224.º, n.º1 CSC.
Expostos os diversos esquemas tendentes à obtenção do representante comum dos
contitulares, vamos examinar as regras nucleares. Elas surgem no artigo 222.º, n.º1 e 2 CSC:
Os contitulares devem exercer os direitos inerentes à quota indivisa através do
representante comum: infere-se daqui que um contitular, isolado, não tem
legitimidade para propor ações de anulação de deliberações sociais, embora possa
pedir a sua suspensão, se for cabeça-de-casal e não tiver atribuído a outro o papel de
representante;
As comunicações da sociedade devem ser dirigidas ao representante comum ou, na
falta deste, a algum dos contitulares.
Em termos de qualificação das situações dos contitulares, há que atender À interferência dos
conceitos sucessórios. Assim perante uma herança indivisa, nenhum dos herdeiros tem, em
rigor, a qualidade de sócio, embora eles possam nomear um representante comum: tal
qualidade mantém-se na própria herança. Havendo indivisão simples, todos os contitulares
são sócios, embora devam recorrer ao tal representante. O representante comum tem, apenas,
poderes gerais de administração. Assim, segundo o artigo 223.º, n.º6 CSC, ele terá de receber
poderes de disposição – da lei, de testamento, de todos os contitulares ou do tribunal – para
praticar atos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações
e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. Tais poderes especiais devem ser comunicados
por escrito à sociedade (artigo 223.º, n.º6, in fine CSC). O representante comum pode, ainda,
ser instruído pelos sócios que o hajam designado. Compreende-se, porém, que tal
eventualidade representaria um encargo suplementar para a sociedade sempre que, perante
esta, se viesse a discutir a (boa) execução das instruções por ele recebidas. Tudo isto é
ponderado pelo artigo 224.º, n.º1 e 2 CSC:
As deliberações dos contitulares seguem o artigo 1407.º, n.º1 CC;
Salvo se estiverem em causa a extinção, alienação ou oneração da quota, o aumento
de obrigações, a renúncia ou a redução dos direitos dos sócios, altura em que se exige
a unanimidade;
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«Não carece o socio do consenso dos outros, para se associar com um terceiro, em relação à
parte que tem na sociedade. Não póde, todavia, aindaque seja administrador, fazê-lo entrar
como socio na mesma sociedade».
SQ
Tínhamos, aqui, uma figura de ordem geral, que podia ser aplicada às sociedades por quotas.
O Código Civil de 1966 não consagrou a figura: criticavelmente. Todavia, a associação à
quota pode ser estipulada pelas partes, ao abrigo da sua autonomia privada (artigo 405.º CC).
A associação à quota pode ter um papel útil, inclusive no domínio financeiro: faculta ao sócio
descapitalizado, por exemplo, acorrer a aumentos de capital, negociando um associado. Tal
negócio não é relevante para a sociedade. O associado do sócio não é, ele próprio, sócio.
Apenas nas relações internas entre eles o acordo de associação surge relevante. 294
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O regime vigente: o Código de 1986 acabaria por consagrar regimes diferentes para a
aquisição de quotas próprias (artigo 220.º CSC) e de ações próprias (artigos 316.º a 325.º-B
CSC), embora com uma importante remissão das primeiras para o artigo 324.º CSC. À partida,
temos uma permissão geral de aquisição, desde que se trate de cláusulas integralmente
liberadas (artigo 220.º, n.º1 CSC). Fica ressalvada a hipótese do artigo 204.º CSC, relativo à
exclusão do sócio remisso, altura em que a respetiva quota é perdida a favor da sociedade
(artigo 204.º, n.º2 CSC). Posto isso, o artigo 220.º, n.º2 CSC só permite, quanto às quotas
próprias:
A aquisição a título gratuito;
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§26.º - A transmissão
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Transmissão mortis causa: a transmissão mortis causa das quotas é, à partida, livre. O
artigo 225.º, n.º1 CSC explicita que:
«O contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respetiva quota não se
transmitirá aos sucessores, do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos
requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes».
Quando a quota siga por via sucessória, aplicam-se as regras gerais. Nos casos, porém, em
que as partes, fazendo uso da sua autonomia privada, restrinjam ou impeçam essa
transmissão, há que prever mecanismos de compensação. De outro modo, teríamos uma
expropriação ad nutum, não permitida pela Constituição. Não se verificando a transmissão
para os sucessores, temos três possibilidades (artigo 225.º, n.º2 CSC):
A amortização;
A aquisição pela própria sociedade;
A aquisição por outro sócio ou por um terceiro.
Se no prazo de 90 dias, subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por alguns dos
gerentes, nenhuma destas medidas for levada a cabo, a quota considera-se transmitida. Caso
se opte pela aquisição da quota, o respetivo contrato é outorgado pelo representante da
sociedade e pelo adquirente, se for sócio ou terceiro (artigo 225.º, n.º3 CSC). Fica, pois,
dispensada a intervenção dos próprios sucessores. Quanto à determinação e ao pagamento
do preço: aplicam-se as regras relativas à amortização, mas ficando os efeitos da alienação
suspensos enquanto a contrapartida não for paga (artigo 225.º, n,º4 CSC). Não sendo a
contrapartida tempestivamente paga, podem os interessados escolher entre (artigo 225.º, n.º5
CSC):
A efetivação do crédito, através dos meios legais de execução coativa;
A ineficácia da alienação, considerando-se a quota transmitida para os sucessores a
quem caberia a contrapartida em falta: deverá, entretanto, ter havido partilhas
relevantes, nesse ponto.
Na assembleia geral onde se debata o destino da quota do sócio falecido, podem participar
os sucessores. Pode ainda o contrato de sociedade deixar a transmissão da quota do de cuius
à vontade dos sucessores. Para tal eventualidade dispõe o artigo 226.º CSC. Temos:
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designadamente através dos seus sócios (em assembleia geral ou fora dela) passar a tratar o
transmissário como sócio. A transmissão torna-se eficaz para com a sociedade logo que lhe
for comunicada por escrito ou por ela for reconhecida, expressa ou tacitamente (n.º3).
SQ
Reconhecer implica uma atitude positiva de aceitação de validade da cessão. Se não for obtido
o consentimento da sociedade: esta tem legitimidade ativa para o pedido de declaração de
invalidade da cessão. Todavia, o caso não é de nulidade: apenas de ineficácia. Bem pode
suceder que, supervenientemente, a sociedade venha a dar o seu assentimento. Entre as
partes, a cessão é válida. O negócio-base da cessão sujeita-se às vicissitudes comuns de
qualquer contrato. Pode, designadamente e verificados os competentes pressupostos, ser
resolvido por alteração das circunstâncias (artigo 437.º, n.º1 CC), por incumprimento ou
299
anulado por erro. O pedido e a prestação do consentimento recebem uma regulação de
pormenor, no artigo 230.º CSC. Assim:
O consentimento é pedido por escrito, com indicação do cessionário e de todas as
condições da cessão (n.º1);
O consentimento expresso é dado por deliberação dos sócios (n.º2);
O consentimento não pode ser condicionado, sendo irrelevantes as condições que se
estipulem (n.º3);
Se a sociedade não deliberar nos 60 dias subsequentes à receção do pedido, a eficácia
deixa de depender dele (n.º4);
O consentimento dado a uma cessão posterior a outra não consentida torna esta
eficaz, na medida necessária para assegurar a legitimidade do cedente (n.º5).
O n.º6 explicita ainda o consentimento tácito resultante da presença do cessionário em
assembleia de sócios, sem que ninguém impugne a sua presença. Para efeitos do registo da
cessão, o consentimento tácito prova-se através da ata da deliberação. Havendo recusa de
consentimento, a competente comunicação a dirigir ao sócio deve incluir uma proposta de
amortização ou de aquisição da quota (artigo 231.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Cabe, então, ao
cedente decidir: se ele não aceitar a proposta no prazo de 15 dias, a proposta fica sem efeito,
mantendo-se a recusa de consentimento (artigo 231.º, n.º1, 2.ª parte CSC). Este regime – e
os aspetos que dele decorrem, abaixo referidos – só opera se a quota estiver há mais de três
anos na titularidade do cedente, do seu cônjuge ou de pessoa a quem tenham, um ou outro,
sucedido por morte (artigo 231.º, n.º3 CSC). Trata-se de um dispositivo que tutela a
estabilidade e desincentiva passagens meramente especulativas pelo capital das sociedades
por quotas. Tratando-se de aquisição: o direito a adquirir a quota é atribuído aos sócios que
declarem querê-la no momento da deliberação e proporcionalmente às quotas que já
detenham; se não exercerem esse direito, ele pertencerá á sociedade (artigo 231.º, n.º4 CSC).
Temos, aqui, um verdadeiro direito de preferência, que opera na hipótese de a sociedade
deliberar que a quota a ceder seja adquirida, em vez de amortizada. Finalmente: a cessão para
a qual foi pedido o consentimento da sociedade torna-se livre se se verificar o previsto
nalgum das cinco alíneas do artigo 231.º, n.º2 CSC:
Se for omitida a proposta que deve acompanhar a recusa;
Se a proposta e a aceitação não respeitarem a forma escrita e o negócio não for
celebrado por escrito nos 60 dias seguintes à aceitação, por causa imputável à
sociedade;
Se a proposta não abranger todas as quotas para cuja alienação tiver sido pedido, em
simultâneo, o consentimento;
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cessão prevaricadora ou envolver uma ação de preferência (artigo 1410.º CC). O sistema
português de transmissão das quotas, diferenciado, com princípios, regras e exceções,
envolvendo normas injuntivas e supletivas e remetendo (algumas) liberdades para o pacto SQ
social, acaba por ser bastante complexo.
Posse e usucapião de quotas? A propósito da transmissão de quotas, poder-se-ia
suscitar o problema da posse e da usucapião. Serão tais figuras admissíveis? Curiosamente, a
questão surgiu na prática, obtendo respostas favoráveis da jurisprudência (Ac. STJ 13-Mai-
1952, Ac. STJ 11-Jan-1955, Ac. RLx 16-Abr-1975, Ac. STJ 25-Set-1990, Ac. STJ 6-Mai-1998,
Ac. STJ 28-Mar-2001), parecendo claro que a jurisprudência portuguesa admite a posse de
quotas, posse essa relevante para efeitos de defesa e, até, de usucapião. Contra, apenas decidiu 301
Ac. STJ 20-Nov-1992 e com um voto de vencido: uma decisão que se apresenta fortemente
injusta, uma vez que veio desamparar duas herdeira que, durante mais de vinte anos, foram
tratadas como sócias por uma sociedade, sociedade essa que, por culpa própria exclusiva,
não curara de amortizar as competentes quotas. No plano doutrinário, o malogrado Antunes
Varela manifestou-se profundamente pela negativa. Anteriormente, o Professor Palma
Carlos pronunciara-se precisamente no sentido contrário: as quotas sociais admitiriam posse,
sendo defendíveis através de embargos de terceiro Percorrendo esta via até ao fim, João
Carlos Gralheiro vem defender que a quota é uma coisa, suscetível de posse e possível objeto
de usucapião. Evaristo Mendes acaba por não tomar posição clara: frisa, todavia, que a
doutrina, ao contrário da jurisprudência, se mostra pouco favorável ao alargamento, às quotas,
da velha usucapio. Falta, do nosso ponto de vista, uma explicação de fundo quanto às razões
(se algumas houver) que expliquem as restrições ao âmbito da posse e da usucapião. O
Código Civil de 1966 veio limitar os direitos reais às coisas corpóreas (artigo 1302.º CC).
Quanto à posse: para além da natureza intrinsecamente real, logo se verifica que o seu regime
está pensado para o universo das coisas corpóreas: posse e detenção (artigo 1253.º CC), posse
violenta (artigo 1261.º, n.º1 CC), as diversas formas de aquisição da posse (artigo 1263.º CC),
a perda da posse (artigo 1267.º CC), o esbulho (artigo 1277.º CC) e a própria noção de
usucapião (artigo 1287.º CC), entre outros, dirigem-se, diretamente, a situações que envolvam
coisas corpóreas. Além disso, a categoria direitos reais não é lógica ou não é puramente lógica:
antes assume raízes histórico-culturais. Daí resulta que direitos relativos a coisas corpóreas
(como o direito do arrendatário), por puras razões de circunstâncias histórica, sejam
consideradas direitos pessoais de gozo, com um regime não precisamente idêntico ao dos
direitos reais. À luz de tudo isto, a usucapião é um instituto limitado aos direitos reais de
gozo. Não há razões racionais para isso. Torna-se injusto que um arrendatário público,
pacífico e reconhecido durante vinte anos, não veja consolidada a sua posição pela usucapião.
Um raciocínio semelhante é perfeitamente aplicável às quotas ou, mais latamente, às diversas
posições sociais. Não será viável, quando a analogia das situações o justifique, aplicar às
quotas as regras próprias dos direitos reais? Justamente: a necessidade de, no terreno, resolver
claras injustiças, tem levado a jurisprudência, corajosamente, a decidir, contra a doutrina, no
sentido do alargamento, às quotas, da usucapião. Todavia, o Direito – particularmente o
Direito privado! – não é razão ou não é, apenas, razão. Todo ele está moldado por profundas
raízes histórico-culturais que não devemos (nem podemos!) enjeitar. O grande desafio que
se coloca ao intérprete aplicador será o de concretizar um sistema harmónico e coerente (i.e:
científico), utilizando meios por vezes distorcidos. Isto dito, vamos distinguir:
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As regras relativas à defesa possessória nada tem de especial: o próprio Código Civil
permite aplicá-las aos direitos pessoais de gozo; logo, elas são operacionais perante
as posições sociais;
SQ
A usucapião está reservada aos direitos reais de gozo; todavia, outros institutos hoje
disponíveis permitem conseguir os mesmos efeitos, por outra via: maxime, pelo abuso
do direito, através da suppressio.
Assim, a pessoa que, longamente e à vista de todo, se comporte como titular de uma quota,
como tal sendo tratado pela própria sociedade pode, ex bona fide, adquirir correspondente
posição: a atuação da sociedade de, supervenientemente, vir a questionar essa posição seria
abuso do direito, não podendo ter lugar. Fica-se com a disponibilidade de um instituto 302
flexível, capaz de corresponder às diferenciações do caso concreto.
§27.º - A amortização
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Do contrato.
Manda, em qualquer dos casos, seguir o regime previsto na secção: o que envolve os artigos
232.º a 237.º CSC. Não fica definido se esse regime é injuntivo ou se o pacto social pode
SQ
dispor de outro modo. Prevalece, em princípio, esta segunda possibilidade, num aspeto que
terá de ser verificado ponto por ponto. O artigo 232.º, n.º2 CSC fixa o efeito da amortização:
a extinção da quota. Ressalva, porém e desde logo, os direitos já adquiridos e as obrigações
já vencidas. Perante direitos de constituição processualmente diferida e em face de obrigações
já constituídas mas não vencidas (incluindo situações condicionadas) haverá que fazer uma
ponderação ponto por ponto. O artigo 237.º CSC fixa os efeitos da amortização no tocante
ao capital social. Pressuposto importante da amortização é o de a quota atingida se encontrar 303
integralmente liberada (artigo 232.º, n.º2 CSC); o preceito ressalva, todavia, o caso da redução
de capital. Além disso, a sociedade só pode amortizar quotas (artigo 236.º, n.º1 CSC):
«(...) quando, à data da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida
da amortização, não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal a não ser que
simultaneamente delibere a redução do seu capital».
Este aspeto é importante. A própria lei entendeu regular a hipótese do seu desaparecimento
superveniente. Assim:
Se, aquando do vencimento da obrigação de pagar a contrapartida, da amortização se
verificar que, feito o pagamento, a situação líquida da sociedade passaria a ser inferior
à soma do capital e da reserva legal, a amortização fica sem efeito e o interessado
deve restituir à sociedade as quantias porventura já recebidas (artigo 236.º, n.º3 CSC);
tecnicamente, temos aqui uma verdadeira condição resolutiva legal;
Sendo esse o caso, o interessado pode optar pela amortização parcial da quota, na
proporção do que já recebeu ou ainda, em alternativa, pelo diferimento do pagamento,
até que se verifique a prescrita situação líquida (artigo 236.º, n.º4 CSC); esta opção
deve ser declarada por escrito, à sociedade, nos 30 dias subsequentes àquele em que,
ao sócio, seja comunicada a impossibilidade do pagamento pelo motivo referido
(artigo 236.º, n.º5 CSC).
Quanto aos pressupostos de raiz – a permissão legal ou a permissão contratual – impõe-se
precisar que a lei prevê a amortização de quotas nos casos seguintes:
Quando, por força de disposições contratuais, a quota não for transmitida para os
sucessores do sócio falecido (artigo 225.º, n.º2 CSC);
Quando, dependendo a transmissão mortis causa da vontade dos sucessores, estes
declarem querer a amortização (artigo 226.º, n.º1 CSC);
Quando a sociedade recuse o consentimento para a transmissão de uma quota (artigo
231.º, n.º1 CSC);
Quando o sócio pretenda exonerar-se (artigo 240.º, n.º3, 2.ª parte CSC).
Cada um destes preceitos deve ser examinado. Por vezes, eles pressupõem outras previsões
contratuais ou envolvem alternativas. Além disso, a amortização é, por vezes, obrigatória.
No tocante à previsão contratual, temos diversas precisões. Aparentemente, o artigo 232.º,
n.º1 CSC admite uma previsão genérica de amortização, desde que consagrada nos estatutos.
Todavia, infere-se do artigo 233.º, n.º1 CSC que tal previsão genérica apenas permitirá a
amortização se houver acordo do sócio atingido. Fora dessa hipótese, ela só será possível se
se verificar um facto que os estatutos considerem fundamento de amortização compulsiva
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(artigo 233.º, n.º1 CSC). Podemos, parcialmente apoiados em Raúl Ventura, fixar o quadro
seguinte:
SQ
O pacto social nada diz: a amortização só é possível nos casos previstos na lei; a
própria amortização por acordo não é possível;
O pacto social tem uma permissão genérica de amortização: só são viáveis
amortizações por acordo;
O pacto social inclui, além da permissão genérica, previsões específicas de
amortização: são viáveis as amortizações por acordo e, ainda, aquelas que
correspondam aos factos verificados;
O pacto social inclui apenas previsões específicas, sem explicitar o acordo: operam 304
as amortizações correspondentes aos factos verificados e, ainda, as que surjam por
acordo, uma vez que a vontade coletiva deixou em aberto a virtualidade de
amortizações.
Além disso, o pacto social pode permitir a amortização ou pode impô-la, perante
determinados factos. Trata-se de um aspeto a elucidar caso a caso, através da interpretação.
Não é necessário, à luz do Direito Português, engendrar situações de amortização através de
uma cláusula geral de justificação muito relevante ou motivo justificado. Para situações extremas, o
Direito Português conhece a figura da exclusão judicial (artigo 242.º, n.º1 CSC). Pela mesma
ordem de razões, não é possível construir, por analogia ou por qualquer processo criativo,
novas causas de concretização não especificadas no pacto: estaríamos, com isso, a defraudar
a confiança dos sócios. O artigo 233.º, n.º2 CSC explicita ainda que a amortização só é
possível quando o facto permissivo já figurava no contrato de sociedade ao tempo da
aquisição da quota pelo atual titular ou pela pessoa na qual ele tenha sucedido mortis causa:
salvo se a introdução do facto em causa tiver sido unanimemente deliberada pelos sócios. As
condições em que não é possível uma determinada amortização funcionam, assim, como
autênticos direitos especiais dos sócios, direitos esses que não podem ser coartados sem o
consentimento do próprio (artigo 24.º, n.º5 CSC). Ainda no domínio dos pressupostos, há
que contar com várias regras atinentes ao consentimento dos sócios. São elas:
O consentimento pode ser dado na própria assembleia geral ou em documento
anterior ou posterior a esta (artigo 233.º, n.º3 CSC);
O consentimento também deve ser dado pelo usufrutuário da quota ou pelo titular
de penhor sobre ela, caso existam (artigo 233.º, n.º4 CSC);
O consentimento é ainda necessário para a amortização parcial, salvo nos casos
previstos na lei (artigo 233.º, n.º5 CSC).
Tecnicamente, o consentimento é um ato jurídico stricto sensu, unilateral. Aplicam-se-lhe,
todavia e com adaptações, as regras do negócio jurídico (artigo 295.º CC).
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quando o respetivo documento seja recebido pela sociedade. A amortização deve ser tomada
no prazo de 90 dias contados do conhecimento por algum gerente da sociedade de facto
(legal ou contratual) que a permita. Tratando-se de uma amortização obrigatória: passado o
SQ
prazo, ela fica igualmente precludida; só que, nessa eventualidade, o gerente que tenha
conhecimento do facto relevante e o não transmita aos sócios é responsável pelos danos que
tenha originado ou venha a originar. Temos ainda a considerar que a amortização pode surgir
como o produto de um direito conferido ao sócio ou de um direito atribuído à própria
sociedade. Como o seguinte alcance prático:
Quando concedido ao sócio, aplica-se o disposto sobre a exoneração (artigo 232.º,
n.º4 CSC); 305
Quando atribuído à própria sociedade, esta pode antes optar por adquirir a quota ou
por fazê-la adquirir por um sócio ou por terceiro (artigo 232.º, n.º5 CSC); nesta
hipótese, aplica-se o artigo 225.º, n.º3, 4 e 5, 1.ª parte, CSC.
No domínio da exoneração dos sócios (artigo 240.º CSC), diversos preceitos remetem para
a amortização de quotas. Temos, pois, todo um jogo de remissões: porventura evitáveis, com
mais algum apuro legislativo. Na própria deliberação deve-se exarar a ressalva do capital
social e das reservas (artigo 236.º, n.º2 CSC). Assim, não será se o valor for negativo e, como
tal, a amortização se tornar gratuita. Além disso, a jurisprudência entende que o sócio visado
pela amortização não tem um interesse oposto ao da sociedade, a menos que esteja também
em causa a sua exclusão por justa causa. Pode, intervir e votar na competente assembleia
geral. O sócio afetado tem legitimidade direta para se opor à amortização.
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poderá prejudicar terceiros. Por isso, o artigo 235.º, n.º2 CSC remete, em tal ocasião, para os
critérios supletivos do n.º1, excepto se os resultantes do pacto forem menos favoráveis para
a sociedade e, logo, mais favoráveis para o terceiro. Não sendo a contrapartida
SQ
tempestivamente paga, o interessado pode optar (artigo 235.º, n.º3 CSC):
Pela execução da dívida;
Pela amortização parcial;
Pela espera do pagamento.
Encontramos, pois, um lote de soluções: saídas tipicamente obrigacionais contracenam com
composições de tipo societário.
306
Efeitos quanto ao capital; a contitularidade: a amortização da quota provoca a
sua supressão. Quais os efeitos no capital social da entidade atingida? O artigo 237.º CSC
resolve, hoje, expressamente o problema. Fundamentalmente, uma de duas (n.º1):
Ou a amortização é acompanhada da correspondente redução do capital;
Ou as quotas dos outros sócios são proporcionalmente aumentadas.
Devem os sócios fixar, por deliberação o novo valor nominal das quotas. Os gerentes
deveriam outorgar a correspondente escritura pública, salvo se a ata de deliberação for
lavrada por notário: esta regra suprimida em 2006. Agora, bastará aos sócios fixar, por
deliberação, o tal novo valor nominal das quotas. Como solução mais flexível, muitas vezes
seguida, na prática, dispõe o artigo 237.º, n.º3 CSC:
«O contrato de sociedade pode, porém, estipular que a quota figure no balanço como quota
amortizada e bem assim permitir que, posteriormente e por deliberação dos sócios, em vez da
quota amortizada, sejam criadas uma ou várias quotas, destinadas a serem alienadas a um ou
a alguns sócios, ou a terceiros».
Nesta última hipótese não há nem redução do capital, nem aumento proporcional das demais
quotas. Trata-se de uma operação contabilística destinada a manter o status quo. Em boa
verdade, seria questionável se estamos em face de uma verdadeira amortização, já que a quota
atingida não é, summo rigore, suprimida. Ainda no domínio dos efeitos da amortização, temos
o caso específico da contitularidade, que mereceu, no Código de 1986, um preceito específico.
o artigo 238.º CSC. Quando o fundamento da amortização atinja, objetivamente, a quota ou,
subjetivamente, todos os contitulares, não há problema: segue-se o regime geral. Quando,
porém, apenas em relação a um contitular se verifiquem os pressupostos da amortização,
temos o seguinte cenário:
Podem os sócios deliberar que a quota seja dividida em conformidade com o título,
desde que daí não resultem quotas inferiores a 50 euros (n.º1);
Dividida a quota, a amortização recai sobre a que pertença ao titular que reúna os
pressupostos da amortização (n.º2, 1.ª parte);
Na falta de divisão, não há amortização (n.º2, 2.ª parte CSC).
Como explica Raúl Ventura, é, aqui, sacrificado o interesse da sociedade. Cumpre a esta
tomar medidas oportunas para facilitar a divisão ou para prevenir contitularidades demasiado
fraccionadas.
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não poderá, pelas regras gerais, prevalecer-se da não solicitação de determinado registo. No
limite: por abuso do direito. Segundo o artigo 242.º-B CSC, cabe à própria sociedade
promover os registos relativos a factos em que, de alguma forma, tenha tido intervenção ou
SQ
mediante solicitação de quem tenha legitimidade. Ou seja (artigo 242.º-B, n.º2 CSC):
«a) O transmissário, o transmitente e o sócio exonerado;
«b) O usufrutuário e o credor pignoratício».
Pergunta-se se tal legitimidade não deveria ser estendida:
Ao sócio envolvido em operações de unificação, de divisão e de contitularidade de
quotas, quanto a operações a elas relativas; 308
Ao sócio excluído;
Ao sócio cuja quota seja total ou parcialmente amortizada.
A resposta será positiva. Nestes dois últimos casos, ainda se poderia dizer que a própria
sociedade deveria tomar a iniciativa. Mas há um evidente interesse dos sócios. Segundo o
artigo 242.º-B, n.º3 CSC, o pedido de promoção do registo deve ser acompanhado dos
documentos que titulem o facto a registar. Pressupõe-se, naturalmente, que os interessados
tenham acesso a esses documentos. Quando não: há um evidente dever de colaboração por
parte da própria sociedade. Repare-se ainda que, segundo o artigo 29.º, n.º5 CRCom:
«(...) para pedir o registo de atos a efetuar por depósito apenas tem legitimidade a entidade
sujeita a registo(...)»
O registo por depósito implica o mero arquivamento dos documentos que titulam os factos
sujeitos a registo (artigo 53.º-A, n.º3 CRCom). Se a sociedade não promover o registo,
qualquer pessoa o poderá fazer junto da conservatória, seguindo-se o esquema do artigo 29.º-
A CRCom. O registo por depósito retira ao conservador do registo comercial a intervenção
que lhe competia. O legislador veio cometer à própria sociedade a observância das regras do
registo. Assim:
O artigo 242.º-C CSC fixa as regras de prioridade da promoção dos registos: ordem
dos pedidos (n.º1), ordem de antiguidade dos factos relativos à mesma quota (n.º2) e
ordem da respetiva dependência (n.º3);
O artigo 242.º-D CSC estabelece, agora no plano da promoção, o princípio da
instância;
O artigo 242.º-E, n.º1 CSC impõe o princípio da legalidade, alargado pelo n.º2 a
aspetos fiscais;
O artigo 242.º-E, n.º3 e 4 CSC introduz, a cargo das sociedades por quotas, deveres
de arquivamento e de informação aos interessados.
O contraponto de todos estes ónus, encargos e deveres reside no artigo 242.º-F, n.º1 CSC:
uma responsabilização das sociedades com presunção de culpa, nos termos seguintes:
«As sociedades respondem pelos danos causados aos titulares de direitos sobre as quotas ou a
terceiros, em consequência de omissão, irregularidade, erro, insuficiência ou demora na promoção
dos registos, salvo se provarem que houve culpa dos lesados».
O n.º2 desse preceito estabelece ainda uma responsabilidade solidária das sociedades pelo
cumprimento das obrigações tributárias cuja fiscalização lhes é cometida pelo artigo 242.º-E,
n.º2 CSC.
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O modo organizativo das sociedades por quotas: as sociedades por quotas 309
foram criadas como uma resposta à necessidade de preencher, de certo modo, o largo espaço
existente entre as sociedades em nome coletivo e as sociedades anónimas. Nas sociedades
em nome coletivo, o modelo organizativo era muito incipiente. No fundo, tínhamos um
conjunto de comerciantes que acordavam no exercício conjunto da sua profissão. Todos
eram competentes para administrar, para decidir e para fiscalizar. Só por muita abstração se
tornava possível discernir distintas funções na atuação do grupo. Nas sociedades anónimas,
sobretudo a partir do momento em que a sua gestão se profissionalizou e em que se tornou
necessário, mercê da aquisição automática da personalidade jurídica, prever instâncias
internas de fiscalização, cedo vieram a surgir órgãos diferenciados: a administração, a
assembleia geral e um órgão de fiscalização. Nas sociedades por quotas, o legislador hesitou.
Por um lado – particularmente nas de maior dimensão – faria todo o sentido prover a uma
diferenciação organizativa: pelo menos, teríamos de contar com uma administração e com
um colégio de todos os sócios. Além disso, seria razoável associar uma instância fiscalizadora.
Noutras, porém, compostas por dois ou três sócios, a complicação interna de nada serviria:
apenas para aumentar os custos marginais do seu funcionamento. Aí tudo poderia ser
mantido num nível inorgânico, um tanto semelhante ao das sociedades em nome coletivo.
Digamos que as mesmas pessoas dariam corpo à administração e ao colégio dos sócios.
Como decidir? O Código das Sociedades Comerciais de 1986 conservou a orientação semi-
orgânica que vinha do Direito anterior. Primeiro, foi ordenada a matéria atinente às
deliberações dos sócios (artigo 246.º a 251.º CSC), as quais poderão ocorrer em assembleia
geral, um tanto à semelhança das sociedades anónimas (artigo 248.º CSC). Depois surge a
gerência e a fiscalização (artigo 252.º a 262.º-A CSC): a gerência poderá funcionar como
órgão coletivo (artigo 261.º CSC), enquanto o pacto social pode determinar que a sociedade
tenha um conselho fiscal (artigo 262.º, n.º1 CSC), sendo, nalguns casos, obrigatoriamente
designado um revisor oficial de contas (artigo 262.º, n.º2 CSC). Fica uma lata margem à
decisão dos sócios. Estes podem optar por esquemas mais ou menos diferenciados de
organização. Mantém-se, assim, a especial ambivalência das sociedades por quotas.
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Formas de deliberação: o tema das deliberações dos sócios das sociedades comerciais
recebe, no Código, um tratamento complexo. Devemos ter em conta:
A matéria inserida na Parte Geral: temos, aí, um Capítulo IV precisamente epigrafado
deliberações dos sócios (artigos 53.º a 63.º CSC);
As regras para as sociedades em nome coletivo (artigos 189.º a 190.º CSC);
As regras para as sociedades por quotas (artigos 264.º a 251.º CSC);
As regras para as sociedades anónimas (artigos 373.º a 389.º CSC);
As regras para as sociedades em comandita (artigos 472.º CSC).
No caso das sociedades por quotas, haverá que lidar, em especial, com as regras gerais, com
as regras especificamente destinadas a esse tipo societário e com as regras sobre assembleias
gerais das sociedades anónimas, para as quais há uma remissão expressa (artigo 248.º, n.º1
CSC). Recordemos, aliás, que no tocante às deliberações nas sociedades em nome coletivo,
há uma remissão para as sociedades por quotas (artigo 189.º, n.º1 CSC). O Código de 1986
admite várias formas de deliberação dos sócios. De acordo com o artigo 54.º CSC, ainda que
articulando-se, em termos nucleares, com o artigo 247.º CSC, podemos distinguir, quanto Às
formas de deliberação:
Deliberações unânimes por escrito (artigo 54.º, n.º1, 1.ª proposição CSC):
resultam de todos os sócios terem, por essa forma, emitido uma declaração de
vontade confluente. A lei não prevê formalidades especiais, sendo todavia evidente
que terá de tomar a iniciativa. Nos termos gerais do Decreto-Lei n.º7/2004, 7 janeiro
(artigo 26.º, n.º1 CSC), a competente declaração pode ser feita por meios eletrónicos
(pela Internet), valendo como forma escrita. O essencial para que surja a deliberação
é, aqui, simplesmente a manifestação unânime de vontade.
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CSC), apenas caso a caso se podendo verificar se é viável a transposição. Quanto às normas
específicas para as assembleias gerais das sociedades por quotas, temos (artigo 248.º CSC):
Qualquer sócio por quotas pode exercer os direitos, atribuídos a minoritários nas
SQ
anónimas, quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia (n.º2);
A convocação compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por carta registada
expedida com a antecedência mínima de quinze dias; o contrato de sociedade pode
exigir outras formalidades ou estabelecer um prazo mais longo (n.º3);
A presidência compete ao sócio que detiver ou representar a maior fração de capital,
prevalecendo, em igualdade de circunstâncias, o mais velho: tudo isso a título
supletivo (n.º4); 313
Nenhum sócio, mesmo que impedido de exercer o voto, pode ser privado de
participar na assembleia: uma norma injuntiva (n.º5);
As atas devem ser assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia (n.º6).
Pertence à tradição das sociedades por quotas o estabelecimento de restrições quanto à
representação voluntária, para efeitos de participação em assembleia geral. Não vemos
justificação nem vantagem para tal solução: a representação voluntária é, hoje, um instituto
normalíssimo. Quando muito será de exigir, em certos casos, poderes especiais. No fundo,
o legislador imbui-se na ideia de que a assembleia geral é um gremium pessoal e de que a
qualidade de sócio tem essa mesma qualidade, não logrando quebrar tais amarras. Fixou as
regras seguintes (artigo 249.º CSC):
A representação voluntária só pode ser conferida, pelo sócio, ao seu cônjuge, a um
seu descendente ou descendente ou a outro sócio, a não ser que o contrato de
sociedade faculte expressamente outros representantes (n.º5);
Não é permitida a representação voluntária em deliberações por voto escrito (n.º1);
Os instrumentos que não mencionem a duração dos poderes são válidos apenas para
o ano civil respetivo (n.º3);
Para uma representação em determinada assembleia geral, em primeira ou em
segunda data, basta uma carta dirigida ao respetivo presidente (n.º4).
Como se vê, mantêm-se as restrições de fundo quanto à representação voluntária, ainda que
com o trocadilho de a regra básica estar dissimulada no n.º5 do artigo 249.º CSC. Ora, uma
sociedade por quotas não é um instituto de Direito da Família. Também não se visualiza para
quê penalizar pessoas que não possam comparecer pessoalmente por impedimento sério ou
por deficiência: ficarão nas mãos aleatórias de terem familiares próximos disponíveis ou
sócios da sua confiança. Impõe-se, pois, o maior cuidado na representação dos pactos sociais,
sendo certo que, no limite, o artigo 249.º, n.º5 CSC poderá ser julgado inconstitucional, por
violação do princípio da não discriminação. Apuradas as regras específicas das sociedades
por quotas – e salvo o que abaixo se dirá sobre o tema dos votos – cumpre verificar
rapidamente quais são os preceitos relativos às sociedades anónimas e que aqui sejam
aplicáveis por via da remissão do artigo 248.º, n.º1 CSC. Assim:
Artigo 373.º CSC: não é aplicável, prevalecendo os artigos 247.º e 246.º CSC;
Artigo 374.º CSC: não é aplicável, prevalecendo o artigo 248.º, n.º4 CSC;
Artigo 374.º-A CSC: não é aplicável, pela mesma razão;
Artigo 375.º CSC: é aplicável, com as adaptações prescritas no artigo 248.º, n.º2 CSC
e com adaptação dos órgãos;
Artigo 376.º CSC: é aplicável, com adaptação dos órgãos;
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§31.º - A gerência
Designação e substituição: o artigo 252.º, n.º1 CSC fixa um ou mais gerentes. Caberá
ao pacto social ou, na falta de indicação, aos sócios, decidir qual o número de gerentes
pretendido. Como requisitos (n.º1), temos apenas:
Podem ser sócios ou estranhos;
Devem ser pessoas singulares;
Com capacidade jurídica plena.
Fica aberta a porta ao apelo a gestores profissionais. Não se acolheu a orientação, patente
quanto às sociedades anónimas (artigo 390.º, n.º4 CSC), de se poder escolher uma pessoa
coletiva a qual deveria, depois, nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome
próprio: provavelmente por ter prevalecido o entendimento de que se deveria dar prioridade
a uma estreita confiança pessoal entre os membros da gerência. De todo o modo, a abertura
facultada nas sociedades anónimas permite-nos considerar que o pacto social pode admitir
pessoas coletivas como gerentes, seguindo-se, depois, o preceito do artigo 390.º, n.º4 CSC.
Quanto à capacidade jurídica plena: ficam excluídos os menores, os interditos e os
inabilitados, os insolventes e, ainda, as pessoas que, quanto ao exercício do comércio,
32 CPC 2013
33 Sem paciência para ver se é do código atual ou não. vejam vocês
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convenientes para a prossecução do objeto social (artigo 259.º CSC). Fica, em regra,
incluída a gestão corrente. Quanto aos atos de disposição: haverá que retirar os que,
pela lei ou pelos estatutos, fiquem reservados para deliberação dos sócios (v.g. artigo SQ
246.º, n.º2, alíneas c) e d) CSC). Como vimos, os sócios podem dar instruções aos
gerentes; tal o alcance do final do artigo 259.º CSC.
Quanto ao poder de representação: mercê do nexo de organicidade, os atos que
os gerentes pratiquem em nome e por conta da sociedade produzem os seus efeitos,
na esfera jurídica desta. Para tanto, basta que, nos atos escritos, aponham a sua
assinatura com indicação da sua qualidade de gerentes da sociedade considerada
(artigo 260.º, n.º4 CSC). Trata-se de um preceito nuclear que tem dado lugar a muitas 318
dezenas de acórdãos, numa abundante e esclarecedora casuística. Vamos reter alguns:
i. Acórdão STJ(P), JU n.º1/2002, 6 dezembro 2001: a indicação da qualidade
de gerentes pode ser deduzida, nos termos do artigo 217.º CC, de factos que
com toda a probabilidade a revelem;
ii. Acórdão RPt 19 abril 1990: desapareceram as antigas assinaturas com firma
previstas na LSQ;
iii. Acórdão RPt 14 junho 1993: exigem-se, sempre, os dois elementos: assinatura
pessoal do gerente e indicação expressa dessa sua qualidade.
iv. Acórdão RPt 5 maio 1997: a mera assinatura do gerente, sem se dizer em que
qualidade o faz, não vincula a sociedade;
v. Acórdão RLx 20 novembro 1997: uma assinatura em título de crédito sobre
o carimbo de uma sociedade comercial, acompanhada da identificação
manuscrita dessa sociedade, estabelece uma presunção clara de que ela pertence
ao gerente dessa sociedade;
vi. Acórdão RLx 14 janeiro 1999: o artigo 264.º, n.º4 CSC deve ser interpretado
restritivamente no sentido de só exigir o duplo requisito da assinatura do
gerente e da menção dessa qualidade quando não for possível determinar se ele
atuou em nome próprio ou em representação da sociedade;
vii. Acórdão RLx 8 julho 1999: a assinatura pessoal do gerente em nome da
sociedade vincula esta, não sendo necessária a expressa invocação deste nome,
o qual poderá resultar das circunstâncias em que a assinatura pessoal foi aposta
ou em que o ato foi praticado;
viii. Acórdão STJ 7 outubro 1999: a menção, no verso da livrança, por aval à firma
subscritora, sob a qual foi manuscrita uma assinatura, seguida, entre parêntesis,
da firma de uma sociedade por quotas, é suficiente (em nome da boa fé e da
segurança no comércio jurídico) para vincular a sociedade;
ix. Acórdão STJ 11 abril 2000: quando o ato seja oral, é necessário que o gerente
estabeleça, por alguma forma, a ligação do ato com a sociedade;
x. Acórdão STJ 3 outubro 2000: a exigência do artigo 260.º, n.º4 CSC aplica-se,
também, aos atos em que a forma escrita seja meramente voluntária;
xi. Acórdão RLx 26 abril 2001: basta a aposição da assinatura de dois gerentes
sob um carimbo da sociedade;
xii. Acórdão RLx 27 maio 2003: idem, de um deles, nas mesmas circunstâncias;
xiii. Acórdão RLx 12 abril 2005: a falta de assinatura gera um vício de fundo: não
de forma.
Hoje, podemos considerar que a técnica de atuação em modo coletivo através de sociedades,
em especial de sociedades por quotas, está plenamente popularizada. Assim, quer o próprio
gerente, quer os particulares que, com ele, contratem, têm a perfeita noção de que age uma
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sociedade. Esta ficará vinculada. De resto – como vamos ver de seguida – a ordem jurídica,
até por preocupações comunitárias, tutela fortemente a confiança nessa representação. O
preceito decisivo é, aqui, o artigo 260.º, n.º1 CSC, que dispõe: SQ
«Os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe
confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social
ou resultantes de deliberações dos sócios».
Os números subsequentes prosseguem:
A sociedade pode, porém, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do
seu objeto social se provar que o terceiro as conhecia ou devia conhecer e se não 319
tiver assumido o negócio, expressa ou tacitamente (n.º2);
Não bastando, para o efeito, a publicidade dada ao contrário (n.º3).
Este preceito filia-se diretamente no artigo 6.º, n.º4 CSC o qual, por seu turno, advém do
artigo 9.º da 1.ª Diretriz do Direito das Sociedades. Pretende-se proteger a comunidade
interessada de limitações não imediatamente aparentes nos poderes de representação dos
gerentes e administradores: uma opção que vibra mais um golpe no antigo princípio da
especialidade. Tem o maior interesse conhecer a aplicação prática destas regras. Assim:
Acórdão STJ 27 janeiro 1993: a prestação de fiança a favor de terceiros por gerentes
de uma sociedade por quotas, estando fora do objeto social, só será nula se, em
função das circunstâncias em que for prestada, a outra parte tiver a obrigação de
conhecer o abuso de poderes;
Acórdão STJ 10 dezembro 1997: os poderes representativos dos gerentes das
sociedades por quotas ficam imunes às restrições ou limitações que os sócios
pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer depois por meio de
dliberações;
Acórdão RPt 1 julho 1999: a administração e a representação de uma sociedade por
quotas não podem estar limitadas pela intervenção de sócio não gerente;
Acórdão STJ 21 setembro 2000: o ato ou negócio jurídico praticado pelos sócios
gerentes de uma sociedade não pode ser considerado nulo com o fundamento de
que, dado o princípio da especialidade, a sociedade não tem capacidade de gozo para
o realizar;
Acórdão RLx 22 janeiro 2002: não obstante a previsão, no pacto social de uma
sociedade por quotas, da intervenção de dois gerentes para vincular a sociedade, a
intervenção de apenas um deles em representação da sociedade como aceitante de
uma letra vincula este perante o sacador;
Acórdão RLx 20 agosto 2004: é válida, perante terceiros, a procuração forense
emitida por um dos gerentes de uma sociedade por quotas em nome desta, mesmo
que o pacto social exija a assinatura de dois gerentes para vincular a sociedade.
Acórdãos RCb 25 maio 1999 e RLx 14 março 2002: recai sobre a sociedade o ónus
de provar que o terceiro sabia ou não podia, dadas as circunstâncias, ignorar que o
ato praticado não respeitou a cláusula do objeto ou as limitações de poderes
resultantes do pacto social.
A prática regista ainda situações nas quais se pretendeu limitar, por deliberações sociais, os
poderes de representação de algum dos gerentes: a jurisprudência considera-as nulas. Ainda
no tocante à representação da sociedade, tem o maior interesse atentar no artigo 261.º, n.º3
CSC:
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«As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos
gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade». SQ
Para efeitos de representação passiva, temos, pois, uma norma imperativa. De novo domina
a intenção muito clara de proteger a confiança geral do público nas sociedades e nos seus
suportes representativos. Quando o gerente deva ou queira fazer notificações ou deliberações
à sociedade e para evitar o ato consigo próprio, o artigo 260.º, n.º5 CSC estabelece que elas
devem ser dirigidas a outro gerente ou, não o havendo, sucessivamente, ao órgão de
fiscalização ou a qualquer sócio.
Funcionamento: no funcionamento da gerência, havendo mais de um gerente, temos, 320
basicamente, três possíveis sistemas:
Gerência disjuntiva: cada um dos vários gerentes pode, isoladamente, decidir e
praticar os atos de gestão ou de representação da sociedade;
Gerência conjunta (ou coletiva): os poderes devem ser exercidos por dois ou mais
gerentes, todos eles manifestando a mesma vontade;
Gerência colegial: os gerentes atuam em grupo, deliberando em reunião e tendo
cada um 1 voto.
É possível uma combinação de vários sistemas. A própria lei estabelece um esquema de
gerência disjunta para a legitimidade passiva (artigo 261.º, n.º3 CSC) e, supletivamente, um
de gerência conjunta para os demais poderes (artigo 261.º, n.º1 CSC). Já se considerou que
uma gestão do tipo colegial, própria dos conselhos de administração das sociedades
anónimas, não poderia ser aplicada às sociedades por quotas, por violação do princípio da
tipicidade. Os sócios têm o poder de dar instruções à gerência (artigo 259.º, in fine CSC). Por
maioria de razão podem regular internamente o seu exercício. De modo a facilitar o
funcionamento da gerência, podem os gerentes delegar nalgum ou nalguns deles a
competência para determinados negócios ou espécies de negócios; mesmo aí é necessário
que a delegação lhes atribua expressamente o poder de vincular a sociedade (artigo 261.º
CSC). Temos, aqui, a possibilidade de uma distribuição de pelouros, entre os diversos
gerentes. A atividade dos gerentes – como qualquer atividade – deve ser remunerada. No
caso dos gerentes, assim é: salvo disposição em contrário, no pacto social. A remuneração é
fixada pelos sócios (artigo 255.º, n.º1 CSC): naturalmente, ela será, de modo implícito, aceito
pelo gerente, quando este concorde com a designação. Mesmo no silêncio do pacto, poderá
não haver remuneração, se assim for decidido pelos sócios e sufragado pelo gerente. Da
remuneração deve distinguir-se o pagamento de despesas. O exercício gratuito de funções,
quando ocorra, não é uma liberdade: o gerente move-se num plano comercial, acabando por
ter um retorno a nível de lucros da sociedade. Os gerentes Têm, em regra, a maioria dos
votos na assembleia geral. Pode acontecer que, por essa via, estipulem remunerações
exorbitantes, que drenem, para eles, os lucros que deveriam assistir a todos. O artigo 255.º,
n.º2 CSC permite que, a requerimento de qualquer sócio e em processo de inquérito judicial,
o tribunal reduza as remunerações que se mostrem gravemente desproporcionadas, quer ao
trabalho prestado, quer à situação da sociedade. O artigo 255.º, n.º3 CSC proíbe que, salvo
cláusula expressa do contrato de sociedade, a remuneração dos gerentes consista, total ou
parcialmente, em participação nos lucros da sociedade. Haverá, aqui, uma vertigem
assalariadora: não vemos porque razão, independentemente do pacto social, não se poderia
deliberar no sentido de uma comparticipação, no s lucros, por parte da gerência.
Naturalmente: é um ato de boa gestão.
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Acórdão RPt 2 novembro 1998: a justa causa aqui em questão tem um caráter
especial, consubstanciando uma quebra de confiança, por razões justificadas, entre a
sociedade, representada pela assembleia geral e o gerente;
SQ
Acórdão STJ 20 janeiro 1999: a justa causa será a verificação de um comportamento
na atividade do gerente (ou a prática de atos por sua parte) que impossibilite a
continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe;
Acórdão RPt 9 abril 2002: há justa causa quando não seja possível exigir, na
sequência de violação grave dos seus deveres, que a sociedade o mantenha no cargo;
será o caso de gerentes que cumpram tardiamente (2 ou 3 anos depois) o seu dever
de relatar a gestão; 324
Acórdão RPt 24 maço 2003: a justa causa também pode advir da omissão: assim
sucede com o gerente que deixa caducar alvarás de construção civil, anula seguros
dos trabalhadores, passa faturas falsas e aprova tardiamente as contas.
Em diversas decisões avulta o apelo à quebra de confiança. A via é promissora: efetivamente,
para além da complexidade dos esquemas destinados a concretizar os conceitos
indeterminados, há sempre um consenso alargado, entre os membros de uma comunidade,
sobre as circunstâncias nas quais alguém deixa de merecer a confiança necessária para
desempenhar certas funções. A concretização de um conceito indeterminado opera num
conjunto alargado de elementos jurídicos. Nesse domínio, é sempre importante ter presente
as consequências da decisão. Digamos que quanto mais ponderosas forem as consequências
a extrair da verificação de justa causa, mais rigorosos deveremos ser no tocante ao seu
preenchimento. Em abstrato, o conceito de justa causa, para efeitos de destituição dos
gerentes das sociedades por quotas, pode ter uma de duas feições:
Uma feição civil: próxima da justa causa requerida para a revogação de certos
mandatos (artigo 1170.º, n.º2 CC); nesta aceção, justa causa traduz qualquer motivo
justificado, de natureza objetiva ou subjetiva;
Uma feição laboral: típica da justa causa exigida para o despedimento individual de
trabalhadores, por iniciativa da entidade empregadora (artigo 396.º, n.º1 CT): a justa
causa será, aqui, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e
consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de
trabalho.
Ora, no domínio da destituição dos gerentes, propendemos claramente para esta última
solução. Pelo seguinte:
O artigo 257.º, n.º6 CSC aponta como justa causa, ainda que a título exemplificativo,
a violação grave dos deveres do gerente;
As consequências da destituição sem justa causa são (apenas) o não pagamento de
uma indemnização ao gerente afastado; ampliar a justa causa equivaleria a precarizar
a posição dos gerentes, numa ocasião em que a saúde das empresas exige a sua
profissionalização; além disso, não está em causa a possibilidade de destituir
livremente os gerentes, com ou sem justa causa.
A incapacidade para o exercício normal das respetivas funções, se se prender com a saúde
física ou mental do gerente, conduz à cessação da situação de gerência por caducidade: não
tem a ver com o preenchimento da cláusula de justa causa. A incapacidade deve ser
aproximada da incompetência profissional: o gerente descura a sua formação profissional ou
não é capaz de acompanhar as realidades da empresa. Qualquer dessas eventualidades traduz
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a violação (grave) dos seus deveres profissionais, com presunção de culpa. A justa causa de
destituição do gerente pode analisar-se nos seguintes pressupostos:
Ilicitude: a violação dos deveres de gerência, sejam eles deveres específicos legais,
SQ
deveres específicos estatutários ou deveres genéricos;
Culpa: o juízo de censura inerente às violações perpetradas; esta, perante a violação
de deveres específicos, presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º1 CC.
Quanto a danos: não têm de ser efetivos: apenas potenciais. No campo societário, as normas
envolvidas ou têm um conteúdo diretamente patrimonial ou visam, em última instância, a
tutela de valores patrimoniais. Qualquer violação implica, sempre, mas ainda que
potencialmente, danos patrimoniais. Além disso, estamos no Direito Privado, com uma 325
natural primazia da pessoa. Relevam, por isso e para efeitos de justa causa de destituição, os
danos morais. O gerente que desconsidere os sócios, que vede, a colegas, o acesso à empresa
ou que, por qualquer via, atente contra a honra e a dignidade dos restantes gerentes ou dos
titulares de quotas, incorre em justa causa de destituição. Perante tais generalidades, podemos
concluir que o dano não é um pressuposto explícito da justa causa de destituição. A sua
ocorrência confirma e reforça, contudo, a presença de ilicitude e de culpa. Pergunta-se como
articular a ilicitude, a culpa e, eventualmente, o dano, com a ideia judicialmente frutuosa de
quebra da confiança. O juízo de confiança pressupõe, por parte de quem o formule, uma
ponderação de todos os fatores relevantes que conduza a uma previsão: a de que algo de irá
desenrolar de acordo com determinado programa. Quebrar a confiança no gerente equivale
ao predomínio de uma incerteza sobre o modo por que, no futuro, ele irá desempenhar as
suas funções. A quebra da confiança aqui relevante é, naturalmente, aquela em que incorra
um sócio comum, colocado na situação do concreto sócio atingido, perante a violação
culposa dos seus deveres, perpetrada por algum gerente. O juízo de quebra corresponde a
uma síntese entre a ilicitude, a culpa e o concreto significado que in casu assumam, por um
lado e, por outro, a valoração que tudo isso suscite, num prisma de equilíbrio normal e
prudente. Consequência natural da quebra relevante da confiança é a inexigibilidade da
continuação da situação de gerência, inexigibilidade essa que advém de uma ponderação
global do sistema, expressa pela fórmula tradicional boa fé. Curiosamente: embora se torne
difícil de explicar verbal e analiticamente em que reside a quebra de confiança, podemos
arriscar que, perante a generalidade das situações práticas, todos caem de acordo quanto à
sua ocorrência. No fundo, tudo equivalerá a perguntar ao intérprete-aplicador: confiaria
tranquilamente os seus interesses ao gerente em jogo? Conquistados estes pontos, podemos
ir um pouco mais longe: o conceito de justa causa não é uniforme, nas várias hipóteses de
destituição. Antes tenderá a ser mais exigente, consoante a solidez da situação que venha a
atingir. Assim, podemos distinguir:
Um gerente é designado pela assembleia geral, sem qualquer termo: temos
uma situação duradoura, que tenderá a prolongar-se indefinidamente; compreende-
se que possa cessar com uma justa causa mais leve;
Um gerente é designado pela assembleia geral, mas com um mandato de
duração prefixada: a sua cessação antes do termo já requer uma justa causa mais
ponderosa;
O gerente é indicado no pacto social; estamos perante um elemento que poderá
ter sido constitutivo da decisão de contratar: a justa causa terá de envolver um juízo
de incumprimento do próprio contrato;
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A sociedade tem apenas dois sócios: desta feita, era natural, quando contrataram,
que ambos se conhecessem bem, nas suas qualidades e nos seus defeitos: uma justa
causa superveniente que conduza a uma destituição deverá representar um juízo ainda SQ
mais pesado; finalmente;
O gerente é indicado no pacto, aí recebendo um direito especial à gerência: a
revogação dessa cláusula e a destituição do gerente requerem uma justa causa forte,
com a constatação de uma total inexigibilidade de continuação da situação assumida.
Esta diversificação na densidade da justa causa, de modo a adequá-la às várias situações de
gerência, corresponde a uma ideia de aperfeiçoamento do Direito. Este deve dispensar
soluções distintas em função do tipo de problemas que venha enquadrar e resolver. Cremos 326
que ela já transparece nas diversas decisões judiciais. Cabe agora aos estudiosos proceder a
uma exposição envolvente da matéria.
Segue; a indemnização: a destituição com justa causa é sempre possível, exceto na
hipótese de haver um direito especial à gerência, como vimos. Todavia, ela obriga a
indemnizar. E sobre o tema, dispõe o artigo 257.º, n.º7 CSC:
«Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem
direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria
no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que
fora designado».
Como ponto de partida, devemos assentar em que a destituição de um gerente, sem justa
causa, é um facto ilícito. a ilicitude poderá variar, consoante as circunstâncias (será maior
numa destituição imediata ocorrida antes do termo de um mandato expressamente acordado),
mas é uma constante. A indemnização pressupõe danos, incumbindo ainda ao interessado
invocar e provar todos os factos constitutivos da sua pretensão. Ele teria, em especial, de
demonstrar os concretos prejuízos sofridos, não bastando alegar a mera perda de retribuição.
Torna-se patente, quer na jurisprudência, quer na própria lei, uma certa política restritiva, no
tocante ao arbitramento de indemnizações. Trata-se de um ponto que deve ser esclarecido e
reponderado. No tocante à lei: o artigo 257.º, n.º7, 2.ª parte CSC, parece de facto inculcar a
ideia de que a indemnização não poderá ultrapassar as vantagens que adviriam da
manutenção do cargo pelos períodos aí fixados. Quanto à jurisprudência e a alguma doutrina:
subjacentes, elas poderão ter duas ideias restritivas:
O arbitramento de indemnizações elevadas poderia pôr em crise o princípio da livre
destituibilidade dos gerentes: os sócios ponderariam sempre o risco de fazer incorrer
a sociedade em consequências ruinosas;
A destituição, mesmo sem justa causa, seria um facto lícito: perante ele, nunca se
poderia ir muito longe na via indemnizatória.
A tudo temos de contrapor outra panorâmica: o miserabilismo das nossas indemnizações,
contra as quais há que lutar, no presente momento histórico. O exercício de funções de
gerente deve ser dignificado: sem condições e sem contrapartidas, não é possível exigir
estudo, aperfeiçoamento e responsabilização. Os dirigentes das empresas, mesmo de
pequena dimensão, devem ter conhecimentos básicos de contabilidade, de Direito Comercial
e das realidades do setor onde laborem. Devem ter dignidade e devem ser prestigiados. A
destituição ad nutum – ou, porventura pior: a possibilidade de ela ocorrer a todo o tempo –
sem compensação ou com compensações irrisórias equivale a um abaixamento no nível das
pequenas e médias empresas do País. Por certo que sobrecarregar as empresas com ónus
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pesados, quando intentem uma renovação e à semelhança do que sucede no setor laboral,
também tem custos. Todavia, isso pode ser evitado:
SQ
Prevendo as situações de justa causa;
Ou estabelecendo prazos para os mandatos de gerência, de tal modo que qualquer
renovação possa operar, de modo indolor para todos, no termo do mandato.
Nos termos do artigo 62.º, n.º1 CRP, são inconstitucionais todas as limitações legais ao
direito à indemnização: isso poderá corresponder à manutenção de um dano não
compensado e, logo, de um atentado a propriedade privada (em sentido amplo). Além disso,
os diversos direitos fundamentais, que incluem muitos direitos de personalidade, devem ser
tutelados, também no plano indemnizatório ainda que, aqui, com o mero sentido de uma 327
compensação. Quer isso dizer que, perante uma destituição sem justa causa que obrigue a
indemnizar, são computáveis:
Os lucros cessantes, correspondentes à perda da remuneração até ao final do
mandato ou por um período razoável: a lei refere os quatro anos, mas esse ponto
deve ser aferido caso a caso;
Os danos emergentes: maiores despesas, custos de instalação, perda de lugar do
cônjuge, que tenha acompanhado o gerente abandonando a anterior ocupação,
deslocação dos filhos e outras;
Os danos morais: uma destituição ad nutum, sem justa causa ou com uma alegação de
justa causa que não venha a demonstrar-se é, antes de mais, um grave atentado à
dignidade pessoal e profissional de cada um.
Particularmente criticável nos parece ser a postura de desconsiderar os lucros cessantes com
a alegação de que o destituído, entretanto, angariou outros meios de vida. Premiamos o
infrator: quanto mais o destituído trabalhar, menos pagará a entidade responsável. E se o
destituído se remeter à completa ociosidade, então a responsabilidade da sociedade será
máxima. A incongruência é patente. A indemnização só pode ser compensada com lucros
que ocorram mercê do próprio nexo causal que delimita o dano. Fatores externos, como a
capacidade do atingido para alcançar alternativas, são irrelevantes. Uma nova ética na
governação das empresas deve ser servida por um Direito moderno que não tenha receio de
extrair as consequências dos factos com que lide. A solução ideal para toda esta problemática
estará na fixação, aquando da designação:
Da duração do mandato;
Das eventualidades que possam justificar a cessação antecipada das funções do
gerente;
Das compensações a que essa cessação possa dar lugar.
Não é viável uma renúncia antecipada à indemnização por destituição sem justa causa: artigo
809.º CC.
A renúncia: a renúncia é um ato unilateral, praticado pelo gerente e pelo qual ele põe termo
à situação jurídica de administração ou de gerência. A renúncia é possível a todo o tempo: de
outro modo, estaríamos a admitir algo de semelhante a trabalhos forçados. Todavia, ela não
pode ocorrer sem regras, deixando a sociedade desamparada e sem dirigentes. Acontece
ainda que, em termos de gestão profissionalizada, o recrutamento e a formação de gestores
adequados representa um investimento, com custos que podem ser elevados. A sua
substituição ex abrupto pode nem ser possível. De todo o modo: ficam envolvidos novos
custos e despesas. E a própria imagem da empresa estará em causa. Tudo isto envolve uma
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regulamentação jurídica que procure preservar os valores em presença. A renúncia deve ser
comunicada por escrito à sociedade (artigo 258.º, n.º1 CSC). Trata-se de um ato recipiendo.
Esta norma deve ser completada com a do artigo 260.º, n.º5 CSC: ela deve ser dirigida a
SQ
outro gerente; não o havendo, ao órgão de fiscalização; não o havendo, a qualquer sócio. Se
não o for: não é eficaz. O gerente que, sem uma declaração válida de renúncia, abandone o
seu posto está, seguramente, a incorrer em justa causa de destituição. Esta, a ser atuada,
inverte a situação e faz incorrer o gerente renunciante em indemnização. Sendo comunicada,
a renúncia torna-se efetiva em oito dias depois de realizada a comunicação: será um lapso de
tempo necessário para que a sociedade cure da substituição. A renúncia opera ex nunc: não
torna, assim, inútil a ação movida pelo renunciante contra a sociedade, por destituição sem
328
justa causa e tendo em vista a obtenção da competente indemnização. A renúncia torna-se
eficaz nos referidos oito dias, perante a sociedade: isso sem prejuízo da necessidade do registo,
para poder tornar-se plenamente oponível, perante terceiros. A renúncia pode ter justa causa.
A justa causa aqui em jogo tenderá a ser mais lata do que a requerida para a destituição. Assim,
ela abrange:
as violações culposas de deveres perpetradas pela sociedade, com relevo para o não
pagamento atempado da remuneração ou de outras prestações retributivas acordadas
ou para a não concretização das condições de trabalho prefixadas ou expectáveis;
Circunstâncias ponderosas, na esfera do gerente, que o levem a abandonar as suas
funções: aspetos familiares ou profissionais que tornem inexigível a manutenção do
cargo.
A justa causa é necessária, para que o gerente renunciante não tenha de indemnizar a
sociedade por todos os prejuízos causados. Na hipótese de um mandato muito longo ou de
um mandato de duração indeterminada, o gerente poderá renunciar, sem justa causa (ou sem
a invocar) desde que dê um pré-juízo razoável (artigo 258.º, n.º2, in fine CSC). De quanto?
No Direito do Trabalho, ele seria de trinta ou de sessenta dias, conforme o trabalhador de
saída tenha até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade (artigo 443.º, n.º1 CT). No
contrato de agência, a denúncia perante a duração indeterminada deverá ter um pré-aviso de
um mês, se o contrato durar há menos de um ano, dois meses, se já tiver iniciado, o segundo
ano de vigência e três meses, nos restantes casos (artigo 28.º, n.º1 Decreto-Lei n.º178/86, 3
julho). Estes valores são referências úteis. Todavia, a sua generalização às sociedades por
quotas levanta dúvidas: as situações de base podem ser muito diferentes, quanto às
circunstâncias. O gerente altamente especializado, com conhecimentos técnicos em áreas um
pouco conhecidas, deverá dar um pré-aviso maior do que o administrador facilmente
substituível. A renúncia ad nutum, e portanto: sem justa causa nem pré-aviso, obriga o gerente
renunciante a indemnizar. Também aqui defendemos que a indemnização deve ser plena,
contemplando:
Os lucros cessantes, incluindo todos os negócios lucrativos que se tenham perdido;
Os danos emergentes, computando as despesas de recrutamento e de formação
perdidas e as que seja necessário suportar para encontrar novo gerente;
Os danos morais: todo o dano de imagem que a sociedade possa sofrer.
De novo a solução ideal residirá em, previamente e aquando da contratação, se acordar na
duração do mandato e nas condições e consequências da sua cessação antecipada, por
iniciativa do gerente.
A natureza: a determinação da natureza da gerência – ou da posição jurídica do gerente –
constitui uma questão complexa, com muito para esclarecer. Têm dominado, na nossa
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§32.º - Fiscalização
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Apesar do interesse dos sócios ser nuclear, também no campo da fiscalização, verifica-se que
ele não é único. Por isso, boa parte das normas relativas à fiscalização acaba por assumir
natureza injuntiva. Ele tutela elementos de tipo geral, que se inscrevem na ordem pública
SQ
societário. A fiscalização tem dois grandes modelos, que se entrelaçam nas sociedades
anónimas:
O interno: assente em instâncias próprias, com relevo para o conselho fiscal e para
a revisão oficial de contas;
O externo: dependendo do Estado ou de entidades reguladoras independentes.
Nalguns casos, a fiscalização externa é inevitável: pense-se na supervisão bancária e na dos
seguros. Noutros, a fiscalização contemplada é predominantemente interna. Nas sociedades 330
por quotas, a fiscalização é interna. Poderemos excetuar alguns setores regulados. A pequena
ou média dimensão que elas assumem não justifica submetê-las a controlos do Estado:
depararíamos com uma burocracia que poria em jogo o seu próprio funcionamento. Temos
aí, todavia, ainda uma clivagem:
A fiscalização orgânica: a sociedade por quotas em causa dispõe de uma instância
especializada na fiscalização: será o caso de estar dotada de um conselho fiscal ou de
ter ao seu serviço um revisor oficial de contas;
A fiscalização inorgânica: a fiscalização será simplesmente levada a cabo pelos
diversos sócios, ao abrigo das prerrogativas legais e estatutárias que lhes cabem.
Resta-nos apresentar uma noção material de fiscalização. Esta traduz o conjunto de regras
destinadas a assegurar o cumprimento e a sanção de outras regras – as regras primárias –
próprias do funcionamento das sociedades. Além disso, a fiscalização destina-se ainda a
tornar público o efetivo acatamento das regras primárias, de modo a melhor garantir a
confiança do público nas sociedades e no mercado.
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Se dois dos três requisitos fixados no artigo 262.º, n.º2 CSC não se verificarem
durante dois anos consecutivos.
Ainda quanto ao Revisor Oficial de Contas, cumpre tomar nota do artigo 262.º, n.º4 a 6 CSC:
SQ
Compete aos sócios a sua designação aplicando-se, na sua falta, os artigos 416.ºa 418.º
CSC (n.º4);
São-lhe aplicáveis as incompatibilidades estabelecidas para os membros do conselho
fiscal (n.º5);
Ao exame pelo Revisor Oficial de Contas deste aplica-se o disposto quanto a
sociedades anónimas, conforme tenham ou não conselho fiscal (n.º6).
Dever de proteção: em 1996, veio-se a adotar uma série de medidas no domínio da 331
fiscalização, para além de ter introduzido a matéria básica das sociedades por quotas
unipessoais. Entre as medidas fiscalizadoras tomadas conta-se a introdução do dever de
prevenção, inserido no novo artigo 262.º-A CSC. Esse dever cifra-se no seguinte:
Compete ao Revisor Oficial de Contas ou a qualquer membro do conselho fiscal
comunicar imediatamente, por carta registada, os factos que considere reveladores de
graves dificuldades na prossecução do objeto da sociedade (n.º1);
A sociedade tem 30 dias para responder (n.º2);
Na falta de resposta ou se esta não for satisfatória, o Revisor Oficial de Contas deve
requerer a convocação de uma assembleia geral (n.º3);
Ao dever de prevenção aqui em causa aplica-se o disposto sobre o dever de vigilância
nas sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado (n.º4).
A medida é importante: poderá constituir um primeiro passo para fazer transmitir, à empresa,
uma mensagem tendente à tomada de medidas de reestruturação, que podem surgir
impopulares. Todavia, pergunta-se se não seria viável prever canais informais de
comunicação. Numa altura em que toda a atenção dos gestores estará virada para os
problemas da empresa, pergunta-se se não será mais um ónus prever tais esquemas
burocráticos.
Apreciação anual da situação da sociedade: o Código prevê um Capítulo
específico – o VII da Parte I – sobre a apreciação anual da situação da sociedade. Esse
Capítulo contém, hoje, um único artigo (o 263.º CSC) sobre o relatório de gestão e as contas
de exercício. Tudo isto pode ser inserido numa ideia ampla de fiscalização. As regras de
fundo sobre a apreciação anual de situações da sociedade constam da Parte Geral: artigos
65.º a 70.ºA CSC. Essas regras são aplicáveis às sociedades por quotas, embora deva ser
sempre feito o confronto, ponto por ponto. O artigo 263.º, n.º1 CSC limita-se a dispor sobre
o direito de informação dos sócios. Posto isto:
não são necessárias especiais apreciação ou deliberação quando todos os sócios sejam
gerentes e quando todos eles assinem, sem reservas, o relatório de gestão, as contas
e a proposta sobre aplicação de lucros e tratamento de perdas, salvo quanto a
sociedades sujeitas a revisão legal (n.º2);
Havendo empate na votação sobre aprovação de contas ou atribuição de lucros, pode
qualquer sócio requerer uma nova assembleia presidida por um especialista indicado
pelo juiz (n.º3);
Essa pessoa pode exigir os necessários elementos (n.º4).
Nas sociedades sujeitas a revisão legal, nos termos do artigo 262.º, n.º2 CSC, os documentos
de prestação de contas e o relatório de gestão devem ser submetidos a deliberação dos sócios,
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332
Capítulo VII – Alterações e Dissolução das Sociedades
por Quotas
§33.º- Alterações
A preferência dos sócios: quando a alteração se cifre num aumento de capital a realizar
em dinheiro, os sócios têm um direito de preferência (artigo 266.º, n.º1 CSC). Nos termos
seguintes:
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de aumento pode, porém, concedê-lo em geral (artigo 267.º, n.º2 CSC). A reforma de 2006
introduziu um novo artigo 267.º, n.º3 CSC, segundo o qual, havendo consentimento para
alienar o direito de participar em aumento de capital, extensivo a todo ele, os adquirentes
SQ
devem exercer a preferência na assembleia que aprove o aumento de capital. E se não forem
sócios? Escapa-nos essa norma. Sendo expressamente recusado, a sociedade deve apresentar
uma proposta de aquisição do direito por sócio ou por estranho, aplicando-se com
adaptações, o artigo 231.º CSC: tal a solução do artigo 267.º, n.º4 CSC.
§34.º - A Dissolução
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Visou, em matéria desta delicadeza, preservar a lógica das deliberações. A liquidação segue
as regras gerais. Todavia, se os dós únicos sócios-gerentes declararem na deliberação de
dissolução que não há bens a partilhar, a liquidação não é necessária. O Decreto-Lei n.º76- SQ
A/2006, 29 março, introduziu importantes simplificações. Além disso, ele aprovou um
conjunto de regras: o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e
de Liquidação de Entidades Comerciais, aqui aplicável. O Regime em causa previu, nos seus
artigos 27.º a 31.º CSC, um procedimento especial de extinção imediata de entidades
comerciais. Toda esta matéria deve estar bem presente, sendo aplicável, com as necessárias
adaptações, às sociedades por quotas.
335
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«d) Por se extinguir a pluralidade dos sócios, se no prazo de seis meses não for reconstituída;»
Ou seja: admitia-se que, ocorrendo a unipessoalidade superveniente, a sociedade pudesse
SQ
subsistir, como tal, durante seis meses, enquanto procurava recompor o substrato associativo.
Esta regra, aplicável às sociedades civis sob forma civil, foi alargada pela versão do Código
das Sociedades Comerciais de 1986: agora, naturalmente, com um claro alcance comercial.
Assim, segundo o artigo 142.º CSC, relativo às causas de dissolução da sociedade, prevê-se
que possa ser requerida dissolução judicial:
«a) Quando, por período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido
por lei, exceto se um dos sócios for o Estado ou entidade a ele equiparada por lei para esse 336
efeito».
O artigo 143.º CSC, completava o dispositivo:
«1. No caso previsto na alínea a) do n.º1 do artigo anterior, o sócio ou qualquer dos sócios
restantes pode requerer ao tribunal que lhe seja concedido um prazo razoável a fim de
regularizar a situação, suspendendo-se entretanto a dissolução da sociedade.
«2. O juiz, ouvidos os credores da sociedade e ponderadas as razões alegadas pelo sócio, decidirá,
podendo ordenar as providências que se mostrarem adequadas para a conservação do património
social durante aquele prazo».
A consideração dos preceitos transcritos no Código das Sociedades Comerciais é bastante
instrutiva quanto à problemática em presença. Verifica-se, efetivamente, que o obstáculo
dogmático à unipessoalidade foi pragmaticamente ultrapassado: apesar do aparente contra-
senso de uma sociedade, assente num pacto social, surgir com um sócio único, a situação foi
admitida, desde que transitoriamente. Mas outro problema se desenhava: o da efetiva
fiscalização da sociedade. Efetivamente, desde que se acentuou a liberdade de constituição
das sociedades, houve que providenciar esquemas internos de fiscalização: no interesse dos
próprios sócios e no interesse dos credores das sociedades e do público em geral. Tais
esquemas, todavia, operavam essencialmente na base da pluripessoalidade. Quando o
universo humano de uma sociedade se reduza a uma única pessoa, tudo vacila. Ninguém se
fiscaliza a si próprio ou, pelo menos, ninguém o poderá fazer com total consciência, perante
o público que atue na praça. O problema da efetiva fiscalização da sociedade reduzida a
unidade de sócios ocorria no artigo 143.º, n.º2 CSC. Aí se previam providências adequadas,
a decretar pelo juiz, para a conservação do património social, durante aquele prazo. Na
mesma linha de preocupação, dispõe o artigo 84.º CSC, sob a epígrafe sugestiva
respondabilidade do sócio único:
«1. (...) se for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio, este responde
ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração das
quotas ou das ações, contanto se prove que nesse período não foram observados os preceitos da
lei que estabelecem a afetação do património da sociedade ao cumprimento das respetivas
obrigações.
«2. O disposto no número anterior é aplicável ao período de duração da referida concentração,
caso a falência ocorra depois de ter sido reconstituída a pluralidade de sócios».
O preceito parece claro. Havendo unipessoalidade – ainda que transitória – o património
social deverá manter-se afeto ao cumprimento das obrigações sociais. Quando as inerentes
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regras não forem observadas, o sócio único passaria a responder ilimitadamente pelas dívidas
da sociedade. Parece justo e adequado.
SQ
A unipessoalidade inicial; a responsabilidade do sócio: as conveniências do
tráfego social levaram a um aproveitamento das estruturas organizacionais próprias das
sociedades comerciais fora do quadro de colaboração inter-subjetiva oriundos do velho
contrato de societas. Assim, o artigo 488.º CSC veio prever, sob o título domínio total inicial:
«1. Uma sociedade pode constituir uma sociedade anónima de cujas ações ela seja inicialmente
a única titular.
«2. Devem ser observados todos os demais requisitos da constituição de sociedades anónimas. 337
«3. Ao grupo assim constituído aplica-se o disposto nos números 4, 5 e 6 do artigo 489.º».
Aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se os artigos 501.º CSC: assim o dispõe
o artigo 491.º CSC. Ora, o artigo 501.º CSC dispõe:
«1. A sociedade diretora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas
antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste.
«2. A responsabilidade da sociedade diretora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias
sobre a constituição em mora da sociedade subordinada.
«3. Não pode mover-se a execução contra a sociedade diretora com base em título exequível
contra a sociedade subordinada».
Pois bem: a lei admite, na verdade, uma lata constituição de sociedades anónimas, mediante
ato unilateral de uma sociedade preexistente. Tal sociedade será unipessoal. Todavia, a
delicadeza da situação logo é enfrentada através da responsabilização da sócia única,
equiparada à sociedade diretora, pelas dívidas da sociedade unipessoal. A lei atenua um pouco
essa responsabilidade através da moratória dos trinta dias e da limitação do título executivo
eficaz contra a sociedade unipessoal (artigo 501.º, n.º2 e 3 CSC). Mas a responsabilização da
sócio única pelas dívidas da sociedade unipessoal é clara. Podemos considerar que, dada a
unipessoalidade, cessa o benefício da limitação da responsabilidade.
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34 O autor não utiliza a sigla, usamo-la nós (大象城堡) para facilidade de invocação do diploma legal.
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por quotas, destinadas a assegurar a pluripessoalidade, não têm, aqui, qualquer aplicação.
Sendo que, assim, as sociedades por quotas unipessoais constituíram um enorme êxito.
SQ
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35sempre que encontrarem esta rasura, esta cobre a referência “ao portador” das ações, tipo que se encontra
revogado, ao tempo da realização desta síntese (deixamo-lo, porém, na sebenta grande já que esta é fiel ao
manual – e assim tem de o ser).
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A firma: a firma das sociedades anónimas tem uma história cujos episódios já foram
referidos, ainda que separadamente. O artigo 275.º CSC, mantendo a contraposição entre
firma e denominação particular, dispõe, no seu n.º1:
«A firma destas sociedades será formulada, com ou sem sigla, pelo nome ou firma de um ou
alguns dos sócios ou por uma denominação particular, ou pela reunião de ambos esses elementos, 347
mas em qualquer caso concluirá pela expressão sociedade anónima ou pela abreviatura S.A.».
É o ponto essencial: qualquer sociedade anónima é imediatamente detetável pela presença
da sigla S.A.. O artigo 275.º, n.º2 e 3 CSC veio recordar aspetos gerais básicos do Direito das
firmas, fazendo aplicação (desnecessária) às sociedades anónimas. Segundo o n.º2:
«Na firma não podem ser incluídas ou mantidas expressões indicativas de um objeto social que
não esteja especificamente previsto na respetiva cláusula do contrato de sociedade».
Trata-se de uma manifestação do princípio da verdade da firma (artigo 32.º, n.º1 RNPC).
Algo ténue: o contrato pode prever um objeto social alargado, abrangendo atividades de todo
estranhas à efetiva atuação da sociedade. O artigo 275.º, n.º3 CSC obriga, no caso de alteração
do objeto da sociedade de forma a que deixe de incluir a atividade especificada na firma, à
correspondente modificação desta. Trata-se de mais uma manifestação do princípio da
verdade da firma.
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36.º, nº2 CSC, aplicar-se-ia o regime das sociedades civis puras, o qual prevê que os
sócios demandados por dívidas da sociedade possam requerer a excussão prévia do SA
património social (artigo 997.º, n.º2 CC);
O próprio artigo 40.º, n.º2, in fine CSC, pressupõe um fundo social comum; c
obviamente: para pagar as dívidas da sociedade em formação.
Quanto aos sócios da anónima ainda não registada, em cujo nome sejam celebrados negócios:
manda o artigo 40.º, n.º2, in fine CSC, que eles respondam até às importâncias das entradas a
que se obrigam, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de
distribuição de reservas. No fundo: o património social responde pelas dívidas.
A sociedade inválida: pode suceder que, depois da inscrição de uma sociedade anónima, 348
se venham a constar factos que impliquem a sua anulação ou a sua declaração de nulidade.
Quando isso suceda, fica em causa a confiança de terceiros e a própria credibilidade que, no
espaço económico, devem assumir as formas societárias. O legislador europeu interveio: o
artigo 11.º da 1.ª Diretriz das sociedades restringe as situações nas quais a invalidação pode
ser proferida. O dispositivo comunitário foi transposto para o artigo 42.º, n.º1 CSC. Como
temos repetido, esse preceito só refere a nulidade; todavia, e por maioria de razão, há que
alargá-lo à anulação. Ele elenca os casos em que a invalidação é possível, providenciando o
artigo 44.º CSC quanto à ação de declaração de nulidade. A preocupação de ressalvar o valor
económico-social traduzido pela sociedade leva o artigo 42.º, n.º2 CSC a permitir a sanação
dos vícios decorrentes da falta ou nulidade da firma, da sede, do valor da entrada de algum
sócio e das prestações realizadas por conta desta. Para tanto, exige-se uma deliberação dos
sócios, tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato.
Tal como nas sociedades por quotas: também aqui os vícios da vontade (erro, dolo, coação
e usura) podem ser invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou
prejudicado. Exige-se ainda, para tanto, que se verifiquem as circunstâncias, incluindo as de
tempo, que permitiriam a anulação civil (artigo 45.º, n.º1 CSC). Temos, aqui, um caso de
exoneração de sócio de sociedade anónima: um tema discutível. O contrato é, ainda, anulável
em relação ao incapaz que o tenha celebrado (artigo 45.º, n.º2 CSC). Aplicar-se-ão,
necessariamente, as restrições civis quanto à invocação desse tipo de anulabilidade (artigo
126.º CC, por exemplo). Resta chamar de novo a atenção para a forma deficiente por que foi
transposta a 1.ª Diretriz. O artigo 42.º CSC limita a proteção dos terceiros e da comunidade
aos casos em que já tenha havido registo. Os prejudicados pela hipotética invalidação de uma
sociedade anónima fora do previsto na Diretriz em causa por ela não se mostrar registada,
podem demandar o Estado pelos danos.
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imediato, se angariarem outras formas de financiamento. Para além do capital social, também
as ações devem ser expressas num valor nominal (artigo 276.º, n.º1 CSC) o qual deve ter o SA
valor mínimo de um centavo (artigo 276.º, n.º2 CSC). O artigo 276.º, n.º4 CSC fixa o c
princípio da indivisibilidade das ações. Este princípio analisa-se em várias vertentes. Assim:
Não é possível construir uma ação em várias subações; há uma incidibilidade
quantitativa;
Tão-pouco é viável uma separação das várias faculdades inerentes à detenção de uma
ação: por exemplo, o direito de voto e o de impugnação.
Nem pelos estatutos (ou pela sua alteração), nem por deliberação social nem, por maioria de
razão, por acordo entre os interessados, é possível proceder à divisão, quantitativa ou 349
qualitativa, do seu conteúdo.
As entradas: a matéria das entradas, nas sociedades anónimas, consta do artigo 277.º CSC.
O preceito (n.º1) começa por proibir as contribuições em indústria. Trata-se de um preceito
paralelo ao artigo 202.º, n.º1 CSC, relativo a sociedades por quotas, e oposto ao artigo 178.º
CSC, quanto às sociedades em nome coletivo. Em compensação, são permitidas entradas em
espécie, com as especiais cautelas do artigo 28.º CSC: este preceito foi, de resto, nuclearmente
pensado para as sociedades anónimas.
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transmissão de ações pode, pelo pacto social, ser subordinada ao prévio consentimento da
sociedade (artigo 328.º, n.º2, alínea a) CSC). Nessa eventualidade, os sócios poderão
conhecer-se todos uns aos outros e selecionar-se, mutuamente, pelas suas qualidades pessoais. SA
Poderá, em suma, haver uma sociedade anónima intuitu personae. O tipo sociedade anónima não c
está adaptado a realidades intuitu personae. É certo que a lei permite fazer depender a
transmissão de ações do consentimento da sociedade. Mas pouco mais. A partir daí, a
utilização de sociedades anónimas como sociedades de pessoas vai implicar o recurso a
acordos parassociais e a negócios fiduciários: uns e outros não oponíveis a terceiros. De todo
o modo, é possível montar esquemas desse tipo. Parece-nos, todavia, que com limites: por
exemplo, no tocante à exclusão dos sócios, torna-se inviável generalizar, sem mais, esquemas
351
pensados para sociedades de pessoas, às anónimas. Todavia, a natureza intuitu personae de
certas sociedades anónimas, a retirar, pela interpretação objetiva, dos seus estatutos, pode ter
diversas influências na aplicação dos institutos societários. Para além da natureza mais
marcadamente pessoal que possam assumir certas anónimas, temos uma relevante
contraposição entre participações económicas e participações financeiras. Nas participações
económicas, o seu detentor tem efetivos escopos empresariais. Ele embrenha-se na atividade
económica desenvolvida pela sociedade em causa. Tendencialmente, ele irá intervir ou
participar na sua administração, recebendo os seus benefícios através dos dividendos. Nas
participações financeiras, o detentor move-se, simplesmente, no mercado de capitais. A
atividade económica da sociedade é-lhe, concretamente, indiferente: apenas se interessará
pela perspetiva dos lucros. O seu papel interno focar-se-á, provavelmente, no plano da
fiscalização. Quanto aos lucros esperados: eles advirão, sobretudo, através das mais-valias
correspondentes à subida de cotações. A natureza económica ou financeira das participações
reflete-se na interpretação dos contratos a elas relativas. No tocante à própria sociedade, não
é possível introduzir matizes nessa base. Acentue-se, aliás, que existem participações
ambivalentes e numerosas graduações intermédias.
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cinzelada, com particular atenção aos valores comunicados através da boa fé, falando-se hoje
em Direito consuetudinário. Passemos ao Direito Português. Neste momento, a instabilidade
legislativa e a relativa fraqueza do tecido empresarial, a nível das grandes anónomas, SA
aconselharia mais à sedimentação dogmática das regras legais existentes – bastante mais c
densas do que as alemãs, sobretudo se tivermos em conta o CVM – do que à introdução de
novos conceitos indeterminados. Para reduzir os casos de manifesta contrariedade à
harmonia do sistema, dispomos da boa fé e do abuso do direito. Além disso, há sempre a
disponibilidade do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC, que boa conta tem dado de si. Todavia,
alguns parâmetros úteis podem ser adiantados:
A lealdade é aferida em concreto: nesse plano, o tipo societário em jogo poderá nem 352
ser relevante: antes o tipo de relações que se hajam estabelecido entre os
intervenientes;
Tendencialmente, os vínculos de lealdade variam na razão inversa da dimensão da
sociedade: uma grande anónima aberta é mais lassa do que a sociedade formada entre
pessoas que há muito se conheçam;
Na sua aplicação, a lealdade, enquanto manifestação da boa fé, opera na base da tutela
da confiança e da primazia da materialidade subjacente.
As manifestações de deslealdade terão a ver:
Com falta de informações;
Com atuações concorrências;
Com quebras de sigilo;
Com atuações contraditórias.
A tutela da confiança exigirá um relacionamento-forte. Na falta dele, não conseguimos
construir vínculos que justifiquem deveres praeter legem. Por exemplo, ao investidor que
compre ações em bolsa, não vemos que mais exigir, no plano da confiança, do que o
cumprimento da lei. A primazia da materialidade subjacente pode ir mais longe: ela deverá
ser respeitada por quem aflua a uma sociedade anónima.
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§42.º - Direito à informação
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«4. Se não for proibido pelos estatutos, os elementos referidos nas alíneas a) e d) do n.º1 são
enviados, por correio eletrónico, aos acionistas nas condições ali previstas que o requeiram ou, SA
se a sociedade tiver sítio na Internet, divulgados no respetivo sítio na Internet». c
Ficam excluídos dessa via de comunicação os elementos que requerem uma certa distinção.
Finalmente, assinale-se que o artigo 288.º CSC, ao concretizar o direito de informação dos
acionistas, fixa também, a contrario, os elementos sobre que ele não incide e o modo por que
não pode ser exercido. Ab initio, o artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, estabeleceu um direito à
informação nos termos da lei e do contrato.
Informações preparatórias de assembleia geral: o artigo 289.º, n.º1 CSC prevê 358
que, nos 15 dias anteriores à data da assembleia geral de sociedades anónimas, devam ser
facultados à consulta dos acionistas, na sede da sociedade:
1. Os nomes completos dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização,
bem como da mesa da assembleia geral;
2. A indicação de outras sociedades em que os membros dos órgãos sociais exerçam
cargos sociais, com exceção das sociedades de profissionais;
3. As propostas de deliberação a apresentar à assembleia pelo órgão de administração,
bem como os relatórios ou justificação que as devam acompanhar;
4. Quanto estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros dos órgãos sociais, os
nomes das pessoas a propor, as suas qualificações profissionais, a indicação das
atividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, designadamente no que
respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número
de ações da sociedade de que são titulares;
5. Quando se trate da assembleia geral anual prevista no n.º1 do artigo 376.º CSC, o
relatório de gestão, as contas do exercício, demais documentos de prestação de contas,
incluindo a certificação legal das contas e o parecer do conselho fiscal, da comissão
de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias
financeiras, conforme o caso, e ainda o relatório anual do conselho fiscal, da comissão
de auditoria, do conselho geral e de supervisão e da comissão para as matérias
financeiras.
Além disso (artigo 282.º, n.º2 CSC) devem ser facultados à consulta dos acionistas, na sede
da sociedade, os requerimentos de inclusão de assuntos na ordem do dia, previstos no artigo
278.º CSC. Assinale-se que os curricula referidos na alínea d) não têm de ser afixados, nem
remetidos. O artigo 289.º, n.º3 e 4 CSC veio alargar o círculo das pessoas a informar,
facilitando ainda o acesso à informação. Melhor do que explicação será atentar no seu teor:
«3. Os documentos previstos nos números anteriores devem ser enviados, no prazo de oito dias:
«a) Através de carta, aos titulares de ações correspondentes a, pelo menos, 1% do capital
social, que o requeiram;
«b) Através de correio eletrónico, aos titulares de ações que o requeiram, se a sociedade não
os divulgar no respetivo sítio na Internet.
«4. Se a sociedade tiver sítio na Internet, os documentos previstos nos n.º1 e 2 devem também
aí estar disponíveis, a partir da mesma data e durante um ano, no caso do previsto nas alíneas
c), d) e e) do n.º1 e no n.º2, e permanentemente, nos demais casos, salvo se tal for proibido pelos
estatutos»
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O envio por carta depende da solicitação dos interessados. Devemos ter presente que o artigo
289.º CSC tem uma dupla finalidade: SA
Visa permitir, por parte dos acionistas interessados, o exercício esclarecido do direito c
de voto na assembleia;
Promove, junto da própria sociedade, o cuidado e o rigor na gestão dos seus valores,
habilitando-a, no seio da administração, com os necessários elementos.
O desrespeito pelo artigo 289.º CSC torna anuláveis as deliberações subsequentemente
tomadas. Verificados os devidos pressupostos, ele pode ainda dar azo a inquérito judicial.
Informações em assembleia geral: além dos elementos já referidos, o artigo 290.º, 359
n.º1 CSC confere, aos acionistas, um direito de informação stricto sensu: exerce-se por pedido
verbal e tem resposta também verbal. Eis o teor do preceito:
«1. Na assembleia geral, o acionista pode requerer que lhe sejam prestadas informações
verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os
assuntos sujeitos a deliberação. O dever de informação abrange as relações entre a sociedade e
outras sociedades com ela coligadas».
O n.º2 especifica que as informações devem ser prestadas pelo órgão habilitado a dá-las. Só
podem ser recusadas:
Quando a sua prestação possa causar grave prejuízo à própria sociedade ou a outra
que, com ela, esteja coligada;
Quando implique violação de segredo imposto por lei.
Além disso, as informações podem ser sempre negadas quando a sua exigência constitua
abuso do direito. A jurisprudência permite-nos dar uma ideia mais clara sobre a concretização
do direito às informações em assembleia geral. Assim:
A sociedade não tem de prestar informações a quem não seja sócio nem apresente
instrumentos de representação;
As informações pedidas devem ter uma relação com os assuntos debatidos na
assembleia, sendo a sua utilidade de aferir de acordo com a experiência comum;
Não tem de ser dados elementos que podiam ter sido antecipadamente consultados;
Cabe ao sócio, havendo vários assuntos a tratar, indicar aquele sobre o qual deseja
ser informado.
Não tendo sido prestadas as informações devidas, a deliberação com ela relacionada é
anulável. Cabe ao sócio interessado o ónus da prova da carência da informação alegadamente
em falta.
Direito coletivo à informação: o artigo 291.º CSC estabelece e regula o direito coletivo
à informação. Esse direito, à partida, caracteriza-se (artigo 291.º,n.º1 CSC):
Por ser solicitado por acionistas cujas ações atinjam 10% do capital social;
Por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo
(ex-direção);
Para que, também por escrito, lhe sejam prestadas informações sobre assuntos sociais.
Tais informações devem ser prestadas, a menos que se verifique um dos casos referidos no
artigo 291.º, n.º4 CSC:
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a) Quando for de recear que o acionista a utilize para fins estranhos à sociedade e com
prejuízo desta ou de algum acionista; SA
b) Quando a divulgação, embora sem os fins referidos na alínea anterior, seja suscetível
de prejudicar relevantemente a sociedade ou os acionistas; c
c) Quando ocasione violação de segredo imposto por lei.
Todavia, se no requerimento for mencionado que as informações pedidas se destinam a
apurar responsabilidades de membros ou órgãos de administração, do conselho fiscal ou do
conselho geral e de supervisão, as informações não podem ser recusadas, a não ser que pelo
seu conteúdo ou por outras circunstâncias, seja patente não ser esse o fim visado pelo pedido
(artigo 291.º, n.º2, in fine CSC). Evidentemente: mesmo no âmbito do n.º2, não poderá ser
360
prestada a informação se ela estiver coberta por segredo profissional. Haveria, aí, que lançar
mão de meios legais para conseguir o levantamento do segredo. Este regime é completado
pelo artigo 291.º, n.º5 a 7 CSC. Nos seguintes e precisos termos:
«5. As informações consideram-se recusadas se não forem prestadas nos 15 dias seguintes à
receção do pedido.
«6. O acionista que utilize as informações obtidas de modo a causar à sociedade ou a outros
acionistas um dano injusto é responsável, nos termos gerais.
«7. As informações prestadas, voluntariamente ou por decisão judicial, ficarão à disposição de
todos os outros acionistas, na sede da sociedade».
A presunção resultante do transcrito no n.º5 – a de que as informações se consideram
recusadas se não forem prestadas no prazo de 15 dias – é qualificada como absoluta: no
entanto, a sociedade ainda pode vir provar que a sua prestação era impossível.
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elaboradas de acordo com rigorosos princípios materiais: um dos desafios do nosso tempo.
A distribuição de lucros fica dependente da inexistência de diferente cláusula contratual ou SA
deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos (artigo 294.º, n.º1 CSC, aliás,
semelhante ao artigo 217.º, n.º1 CSC). Toda esta matéria é supletiva, embora fique marginada c
por normas imperativas, com exemplo nas que fixam os lucros não distribuíveis.
Supletivamente, deve ser distribuídos aos acionistas metade do lucro de exercício distribuível.
Trata-se de matéria que compete à assembleia geral anual: artigo 376.º, n.º1, alínea b) CSC.
Com a deliberação social de atribuição, surge um direito de crédito dos acionistas. Com base
no artigo 294.º, n.º1 e 2 CSC, podemos estabelecer as seguintes distinções:
direito abstrato aos lucros: inerente à qualidade de sócio; 363
direito potestativo aos lucros: ocorre sempre que haja lucros distribuíveis; traduz-
se em poder exigir, da sociedade, a concreta deliberação de distribuição de lucros;
direito de crédito a determinado lucro: surge com a deliberação de distribuição de
certos lucros.
O direito de crédito ao lucro – dividendo – constitui-se como uma obrigação pecuniária com
as regras seguintes:
Prevalecem as disposições legais que impeçam o pagamento antes de certas
formalidades;
Vence-se no prazo de 30 dias contados da deliberação de distribuição de lucros;
Pode vencer-se mais tarde, com o consentimento individual do sócio;
Pode vencer-se mais tarde, até mais 60 dias, por deliberação fundada em excecional
situação da sociedade, mas apenas se as ações não estiverem admitidas à negociação
em mercado regulamentado.
O sócio não pode abdicar previamente do seu direito aos lucros (artigo 809.º CC). Todavia,
depois dele ter surgido, são possíveis todas as operações conhecidas pelo Direito. O artigo
294.º, n.º3 CSC prevê que, pelo contrato de sociedade, os membros dos respetivos órgãos
tenham direito a participação nos lucros. Nessa altura: tal participação só pode ser paga
depois de postos a pagamento os lucros dos acionistas.
Adiantamento sobre os lucros: por razões de segurança contabilística, os lucros são,
à partida, distribuídos: aquando da prestação de contas que permita apurar lucros
distribuíveis e na sequência da assembleia ordinária que aprove a distribuição. Pode, todavia,
a situação da sociedade ser de modo a permitir uma distribuição antecipada de parte dos
lucros. Estão em jogo os interesses dos sócios, dos credores sociais, dos trabalhadores e da
própria comunidade. A lei dispensa, assim, um tratamento cautelar a essa matéria. Segundo
o artigo 297.º, n.º1 CSC, os adiantamentos sobre os lucros do exercício dependem,
cumulativamente:
De cláusula permissiva no pacto social;
De uma decisão do órgão de administração, com o consentimento do órgão de
fiscalização (alínea a));
De um balanço intercalar elaborado com a antecedência máxima de 30 dias,
certificado pelo Revisor Oficial de Contas e que demonstre a existência das
importâncias disponíveis para os adiantamentos (alínea b));
De ser efetuado um só adiantamento no decurso de cada exercício (alínea c), 1.ª parte);
Sempre na segunda metade do exercício em causa (alínea c), 2.ª parte);
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A questão nem deveria pôr-se: se a lei remete para o regime legal, é obviamente todo. Fazer
amputações apenas poderá conduzir a distorções em absoluto inimputáveis a qualquer SA
legislador razoável, como adiante melhor se verá. O problema ocorreu por via dos trabalhos
preparatórios do Código. No anteprojeto, que viria a ser o artigo 33.º CSC, dispunha-se, c
quanto à constituição da reserva legal, nestes termos:
«1. É obrigatória a constituição de uma reserva legal.
«2. A reserva legal só poderá atingir a décima parte do capital subscrito, sendo ilícita qualquer
alteração estatutária ou qualquer deliberação da assembleia geral, mesmo tomada por
unanimidade, que altere, por qualquer forma esse limite. 365
«3. A reserva legal será constituída ou reintegrada, até ao limite estabelecido na alínea anterior,
pelos seguintes valores:
«a) A vigésima parte, pelo menos, do saldo positivo anual, indicado no balanço, deduzidos
dos prejuízos transportados do ano anterior;
«b) Os ágios obtidos na emissão de qualquer tipo de ações, na emissão de obrigações
convertíveis, na troca destas ações e nas entradas em espécie;».
O texto do anteprojeto, quando recorria a reservas livres para integrar a reserva legal, dizia,
de modo expresso, que isso sucedia até ao limite desta. Ora o Código de 1986, que adotou
uma diferente distribuição da matéria, deixou de o dizer. Terá querido afetar, sem limites,
determinadas reservas livres, à reserva legal?
1. Cassiano dos Santos: considera que o artigo 33.º CSC determina o lucro de
exercício distribuível, mas nada diz sobre o que seja lucro. E para fixar este, esse autor
recorre ao artigo 295.º, n.º2 CSC, escrevendo que as reservas nele referidas ficam
sujeitas ao artigo 296.º CSC, não podendo ser distribuídas. Invoca – conquanto que
sem explicar – os elementos sistemático e gramatical;
2. Raúl Ventura: veio dar uma interpretação paralela ao artigo 295.º CSC, aqui em
causa; não deixa, aliás, de formular algumas críticas ao esquema finalmente
estabelecido na lei;
3. Pinto Furtado: a propósito da reserva legal, opina que apenas ficará em
indisponibilidade a parcela correspondente à exigência legal; uma vez ultrapassado, a
parcela excedentária será reserva livre, podendo ser desafetada e, logo, distribuída.
4. Menezes Cordeiro: concorda com este último.
O artigo 295.º, n.º4 CSC permite que os Ministros das Finanças e da Justiça, por portaria,
dispensem do regime estabelecido no n.º2 desse preceito, os ágios das ações. Precisamente
por força das dúvidas interpretativas de que acima demos conta, o Governo decidiu usar esta
faculdade para esclarecer a matéria: determinou, pela Portaria n.º160/2003, 19 fevereiro, às
sociedades submetidas à supervisão da CMVM, uma dispensa geral de observância do artigo
295.º, n.º2 CSC, relativamente às reservas referidas na alínea a), daquele número.
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Capítulo V – As Ações
SA
c
§44.º - Generalidades
Natureza e princípios gerais: no Direito das sociedades anónimas, o termo ação tem
um triplo significado:
366
A participação social do sócio ou acionista;
A quota de capital por ele subscrita ou detida;
O título representativo.
Enquanto participação social, a ação implica todo um status, com direitos, deveres e encargos.
Como quota de capital, ela traduz o quantum absoluto e percentual assacado ao titular, no
universo societário tradicional de suporte em papel, seja em simples suporte escritural é uma
figuração de todos esses aspetos, legitimando quem a detenha. O regime das ações depende
de vários fatores e, designadamente, do tipo de ação em causa. Todavia, podemos estabelecer
alguns princípios gerais tendencialmente aplicáveis:
Patrimonialidade: as ações traduzem uma realidade económica, suscetível de
avaliação pecuniária. Trata-se de um ponto importante, que permite de imediato a
aplicação, às ações, dos princípios da constituição patrimonial privada. Elas são
garantidas pelos artigos 62.º, n.º1 e 61.º, n.º1 CRP: ninguém pode ser, ad nutum,
privado das suas ações ou impedindo, em igualdade de circunstâncias, de as
subscrever ou adquirir.
Transmissibilidade: ligada à patrimonialidade, a transmissibilidade emerge, de resto,
do artigo 62.º, n.º1, 2.ª parte CRP. Em princípio, as ações são livremente
transmissíveis; são, ainda, oneráveis e penhoráveis. As limitações possíveis à livre
transmissão constam dos artigos 328.º e 329.º CSC e requerem especiais assentimento
do próprio e publicidade, para tutela de terceiros.
Os seguintes três princípios prendem-se à dimensão das ações como títulos de crédito:
Literalidade: diz-nos que as particularidades do regime de cada ação só valem se
estiverem transcritas os títulos ou nas contas de registo das próprias ações: pelo
menos perante terceiros de boa fé (artigo 328.º, n.º4 CSC). Além disso e à cabeça: as
ações têm um valor nomina: não podem ser emitidas por valor inferior (artigo 298.º,
n.º1 CSC);
Autonomia: explica que o adquirente de uma ação seja havido como o seu subscritor
originário: não lhe são oponíveis os óbices que pudessem afligir os seus antecessores
(artigo 58.º CVM).
Abstração: implica que ao titular de boa fé de uma ação não possam ser opostas
relações imediatas existentes entre a sociedade e o seu antecessor ou entre
antecessores dessa mesma ação.
Todos estes princípios atuam em conjunto constituindo, na sua harmonia, a base do regime
das ações. Como matriz, devemos ter presente que elas representam uma especial técnica de
apropriação privada da riqueza. O direito de propriedade está sempre subjacente.
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Contitularidade: tal como sucede com as quotas, também as ações podem incorrer numa
situação de contitularidade. Interessa, nessa eventualidade, compatibilizar os direitos dos SA
contitulares com a vida da sociedade, que não deve tornar-se mais gravosa. O artigo 303.º,
n.º1 CSC determina que os contitulares de uma ação exerçam os direitos a ela inerentes por
c
meio de um representante comum. Quanto a ele e às deliberações dos contitulares, manda o
artigo 303.º, n.º4 CSC aplicar os artigos 223.º e 224.º CSC, sobre a contitularidade de quotas.
As comunicações e declarações da sociedade devem ser dirigidas ao representante comum;
na falta deste: a um dos contitulares (artigo 303.º, n.º2 CSC). Os contitulares respondem
solidariamente para com a sociedade pelas obrigações legais ou contratuais inerentes à ação
(artigo 303.º, n.º3 CSC). Pergunta-se como proceder na hipótese de se verificarem os 369
pressupostos da amortização de ações apenas em relação a um dos contitulares. O artigo
238.º CSC, que prevê a divisão de quotas, não é aplicável, dado o princípio da indivisibilidade
da ação. Mas as próprias ações podem ser repartidas pelos contitulares, de modo a que só as
do visado sejam amortizadas.
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As ações adquiridas em violação do artigo 316.º, n.º2 CSC pertencem, para todos os
efeitos, incluindo a obrigação de as liberar, ao terceiro que as haja adquirido (artigo SA
316.º, n.º3 CSC): em regra, será um mandatário sem representação;
A sociedade não pode renunciar ao reembolso das importâncias que tenha adiantado c
a esse terceiro, devendo proceder com toda a diligência para que esse reembolso se
efetive (artigo 316.º, n.º4 CSC);
Os administradores que tenham intervindo na operação são pessoal e solidariamente
responsáveis pela liberação das ações (artigo 316.º, n.º5 CSC);
Os atos pelos quais a sociedade adquira as ações aos mandatários em causa são nulos,
exceto se em execução do crédirto e se o devedor não tiver outros bens suficientes 371
(artigo 316.º, n.º6 CSC).
Tratando-se de uma aquisição indireta através da consessão de empréstimos ou de garantias
a terceiros para que ela se efetive, opera a sanção do artigo 322.º, n.º3 CSC: os
correspondentes contratos ou atos unilaterais são nulos. Todo este regime é aplicável às
sociedades dependentes daquelas de cujas ações se trate (artigo 325.º-B, n.º1 CSC): as ações
que elas adquiram das sociedades dominantes são, para todos os efeitos, tratadas como ações
próprias destas.
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A aquisição de ações próprias pode representar um problema só por si: pela descapitalização
que envolva, pelas condições que lhe subjazam e pela situação que decorra da autotitularidade. SA
MAs ela pode ainda ser perturbante no momento da alienação: de novo pode haver
conhecimentos seletivos e prejuízos para o mercado e os outros acionistas. Por isso, a c
alienação de ações próprias depende de deliberação da assembleia geral, da qual constem
(artigo 320.º, n.º1 CSC):
a) O número mínimo e, se o houver, o número máximo de ações a alienar;
b) O prazo, não excedente a 18 meses a contar da data da deliberação, durante o qual a
alienação pode ser efetuada;
c) As modalidades da alienação; 372
d) O preço mínimo ou outra contrapartida das alienações a título oneroso.
Se for imposta por lei, a alienação pode ser decidida pela administração (artigo 320.º, n.º2
CSC) a qual deve, depois, relatar a operação na primeira assembleia geral subsequente (artigo
320.º, n.º3 CSC). Tanto nas aquisições como nas alienações de ações próprias, deve a
sociedade respeitar o princípio da igualdade entre os acionistas, salvo se a tanto obstar a
própria natureza do caso (artigo 321.º CSC). Quer isso dizer que, na compra, poderá haver
que lançar uma oferta pública de aquisição; na alienação o caso será de oferta pública de
venda ou, pelo menos, de oferta de venda dirigida a todos os acionistas, acompanhada de
rateio proporcional às participações que eles detenham, quando a procura exceda a oferta.
O regime das ações próprias: no tocante às regras a aplicar às ações próprias, temos
a registar, em primeira linha, a existência de limites temporais à sua detenção ou, pelo menos,
a certas detenções. Assim, quanto a ações próprias que ultrapassem a cifra dos 10% do capital,
mesmo que licitamente adquiridas: a sua detenção não pode ultrapassar os três anos (artigo
323.º, n.º1 CSC). Sendo a aquisição ilícita: não pode exceder um ano e isso quando a lei não
decrete a nulidade da aquisição (artigo 323.º, n.º2 CSC). Quando as alienações obrigatórias
não sejam oportunamente efetuadas, há que proceder à anulação das ações (artigo 322.º, n.º3,
1.ª parte CSC); sendo a aquisição lícita, a anulação deve recar sobre as ações mais
recentemente adquiridas (artigo 323.º, n.º3, 2.ª parte CSC). Os administradores são
responsáveis, nos termos gerais, pelos danos resultantes da anulação ou da não-anulação de
ações (artigo 323.º, n.º4 CSC). Além disso, há que contar com as sanções prescritas no artigo
510.º CSC para a aquisição ilícita de quotas e de ações. As ações, enquanto pertencerem à
sociedade, ficam numa especial situação de quase quiescência. Assim, segundo o artigo 324.º,
n.º1, alínea a) CSC, devem:
«Considerar-se suspensos todos os direitos inerentes às ações, exceto e o de o seu titular
receber novas ações no caso de aumento de capital por incorporação de reservas».
São atingidos, em especial, o direito de voto e o direito aos lucros. Daí resultam
correspondentes vantagens para os outros acionistas. Além disso, segundo o artigo 324.º,
n.º1, alínea b)CSC, deve:
«Tornar-se indisponível uma reserva de montante igual àquele por que elas estejam
contabilizadas».
Evita-se, assim, que a aquisição de ações próprias implique uma descapitalização paralela da
sociedade em causa. A existência de ações próprias deve, ainda, ser devidamente informada
e publicitada. Segundo o artigo 324.º, n.º2 CSC, no relatório anual da administração, devem
ser claramente indicados:
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direto, o direito especial dos acionistas prioritários preexistentes, pelo que estes devem dar o
seu acordo prévio à operação. A deliberação que tomem será formalizada em assembleia SA
especial de acionistas da categoria em causa.
c
A supressão dos direitos dos acionistas preferenciais: a supressão ou limitação
dos direitos especiais dos acionistas preferenciais sem voto exige, nos termos do artigo 24.º,
n.º5 CSC, a autorização dos visados. A lei portuguesa, que contém uma Parte Geral no
Código das Sociedades Comerciais, limitou-se, no citado artigo 24.º, n.º5 CSC, a prever uma
regra geral. A sua aplicação à situação técnica muito especializada das ações privilegiadas sem
voto levanta algumas dúvidas, que cumpre esclarecer. Visando clarificar o problema da
supressão dos direitos dos acionistas preferenciais, a doutrina alemã introduziu uma distinção 376
da maior importância: a que distingue entre a compressão direta e a indireta. Devemos ter
presente, como ponto prévio, que o problema só se põe perante os direitos especiais dos
sócios prioritários. No tocante aos direitos gerais, o regime é igual para todos. Os acionistas
preferenciais são protegidos por via das regras tendentes à tutela das minorias ou em face
dos parâmetros que mandam ter em conta a materialidade das situações ou a supressão das
deliberações abusivas: trata-se duma problemática geral, sempre atuante e a que não iremos,
agora, aludir. Temos uma compreensão direta dos direitos do acionista prioritário sem voto
sempre que a deliberação em jogo vise, pela sua estrutura e pela sua finalidade, a supressão
ou a limitação dos direitos especiais que lhe assistam. Pelo contrário, a compressão será
simplesmente indireta quando ela tenha qualquer outro objetivo admissível, de ordem geral,
sobrevindo a compressão dos direitos do acionista preferencial sem voto apenas como
consequência legal ou necessária da via tomada. Esta construção parece-nos especialmente
útil para interpretar e aplicar o artigo 24.º, n.º5 CSC. O consentimento exigido para se
suprimir ou coartar um direito especial ocorre perante medidas diretamente dirigidas a tanto.
Trata-se, em suma, de deliberações seletivas, especificamente destinadas a atingir o privilégio.
Pelo contrário, nenhum consentimento é requerido para deliberações sociais que tenham
outros objetivos. Por certo que os direitos dos sócios privilegiados poderão ser atingidos,
indevidamente, por elas. Nessa altura, funcionam as regras gerais sobre a tutela das minorias
e, no limite, a proibição de deliberações abusivas (artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC). Há tutela:
mas é uma tutela geral, tal como geral é o âmbito da deliberação em jogo. Caso a caso haverá
pois que verificar se a deliberação que atinge os sócios privilegiados o faz direta ou
indiretamente. Apenas no primeiro caso se exige o consentimento dos atingidos. O tema da
necessidade de autorização dos acionistas privilegiados para a compressão dos seus direitos
é especialmente candente a propósito da redução do capital. Esta, designadamente quando
decidida para cobrir prejuízos, vai atingir todos os acionistas, incluindo os privilegiados. Será
exigível o consentimento destes. Uma primeira hipótese seria, a propósito de semelhante
deliberação, fazê-los recuperar o direito de voto: tomariam, assim, assento nas assembleias
em que o problema fosse discutido, podendo votar como qualquer outro acionista. Na falta
de qualquer base legal, não vemos como admitir tal solução. A lei portuguesa só admite a
recuperação do direito de voto em situações de supressão, de facto, do benefício do
dividendo prioritário (artigo 342.º, n.º3 CSC). Fora desse circunstancialismo, a regra será
sempre: todos os direitos menos o de voto. Além disso, devemos atentar nos valores em
jogo: o acionista preferencial é um financiador que optou por se ligar ao risco empresarial:
ele não tem a mentalidade empresarial própria de quem seja obrigado a reduzir o capital. Fica,
pois, uma segunda hipótese: a redução do capital iria limitar ou suprimir as ações
preferenciais, pelo que exigiria o consentimento dos visados (artigo 24.º, n.º5 CSC). A
doutrina maioritária alemã afasta a necessidade de tal consentimento. No fundamental, na
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redução do capital não há uma deliberação diretamente dirigida contra direitos especiais; a
vantagem dos preferenciais sem voto não é atacada enquanto tal; apenas se sujeita às SA
contingências que, por igual, atinjam todo o ente societário. Existe uma doutrina minoritária
que entende ser necessário o consentimento dos preferenciais para reduzir o capital social. c
Não chega, todavia, a responder aos argumentos da doutrina dominante. Designadamente:
como poderiam os preferenciais, necessariamente em minoria, bloquear uma deliberação de
redução conveniente aprovada pelos acionistas ordinários? Resta acrescentar que a opção
maioritária foi acolhida pela única decisão judicial publicada sobre o tema: o Tribunal de
Frankfurt entendeu, em 25 abril 1991, que não era necessária uma deliberação especial dos
acionistas preferenciais sem direito de voto para reduzir o capital social, uma vez que os seus
377
privilégios não eram diretamente atingidos por essa medida. A lógica desta opção mantém-
se intacta perante certas versões modernas de redução de capital, aprontadas pela atual
engenharia financeira.
Origem e regime: o artigo 345.º, n.º1 CSC apresenta as ações preferenciais remíveis:
«Se o contrato de sociedade o autorizar, as ações que beneficiem de algum privilégio patrimonial
podem, na sua emissão, ficar sujeitas a remição em data fixa ou quando a assembleia geral o
deliberar».
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Este preceito adveio do artigo 39.º da 2.ª Diretriz de Direito das Sociedades o qual, baseado
na legislação inglesa, entendeu limitar as condições em que a remição é possível. O regime SA
resulta do artigo 345.º, n.º2 a 8 CSC. Por fim, o Decreto-Lei n.º76-A/2006, 29 Março, veio
desdobrar o artigo 345.º, n.º9 CSC, atualizando-se perante a nova dissolução por via
c
administrativa e melhorando a sua redação. Temos agora dois números (n.º9 e 10).
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acionistas; neste caso, deve ser criada uma reserva sujeita ao regime da reserva legal,
de montante equivalente à soma do valor nominal das ações amortizadas. SA
c
Note-se que é possível uma amortização de ações meramente prevista na lei e operacional
simplesmente por verificação dos factos nesta figurados. Será a hipótese de uma comum
redução de capital, por adaptação do artigo 94.º, n.º1, alínea b) CSC e pelo artigo 463.º CSC.
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Capítulo VI – As Obrigações
SA
c
§50.º - Ideia e evolução
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A transmissibilidade; SA
A literalidade, a autonomia e a abstração.
O princípio do nominalismo diz-nos que a obrigação tem um valor nominal expresso em c
moeda com curso legal no País (artigo 352.º, n.º3 CSC). Hoje: o euro. A patrimonialidade
recorda que as obrigações representam um valor económico, suscetível de expressão
pecuniária. Aplicam-se-lhe, por isso, as regras básicas da tutela da propriedade privada e da
livre iniciativa empresarial (artigos 62.º, n.º1 e 61.º, n.º1 CRP). Ninguém pode ser despojado
das suas obrigações ou das vantagens que elas representem. A transmissibilidade é, ainda, um
elemento básico. Em princípio, os direitos de crédito podem circular livremente (artigo 577.º,
n.º1 CC). No caso das obrigações, dogmaticamente construídas através da sua incorporação 383
em títulos, essa situação é, ainda, mais evidente. De outro modo, aliás, elas não poderiam
aceder ao mercado, designadamente à bolsa. As obrigações são títulos de crédito, mantendo
características aparentadas mesmo quando desmaterializadas. Nessa dimensão surgem os
princípios da literalidade, da autonomia e da abstração. Literalidade: as particularidades de
cada obrigação valem quando transcritas nos títulos ou nas contas de registo. Autonomia: o
adquirente de uma obrigação é tido como subscritor originário: não lhe são oponíveis os
problemas que pudessem afligir os seus antecessores (artigo 58.º CVM). Abstração: ao titular
de boa fé não podem ser contrapostas as relações imediatas existentes entre a sociedade e os
antecessores ou entre antecessores. Toda esta matéria deve ser compaginada e precisada à
luz do Direito dos Valores Mobiliários.
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§52.º - Modalidades
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de capital (artigo 370.º CSC). A deliberação pode fixar um prazo para o exercício do direito
de conversão (artigo 370.º, n.º2 CSC). A natureza das obrigações convertíveis é discutida. SA
Trata-se, de nosso ponto de vista, de uma figura autónoma, que abrange uma participação
c
social potestativa. As modernas técnicas de financiamento têm permitido outras
diversificações.
Stock options e warrants: outras modalidades de obrigações ou figuras aparentadas,
mais ou menos próximas das ações, podem ser referidas.
As stock options.: de origem norte-americana, as stock options são opções ou
preferências na subscrição de ações, conferidas aos administradores ou aos dirigentes 386
de uma sociedade. Deve considerar-se lícitas, perante a latitude por que surgem as
obrigações convertíveis.
O warrant é uma opção ou direito de opção. No campo mobiliário, ele surge como
um valor que confere, ao seu titular, o direito potestativo de adquirir um outro valor.
O artigo 1.º, alínea e) CVM veio referir os warrants autónomos como valores
mobiliários. Os warrants associam-se às obrigações através do artigo 360.º, alínea d)
CSC: o direito conferido ao titular de certas obrigações, de subscrever uma ou mais
ações. O Decreto-Lei n.º76-A/2006, 29 março, alterou o artigo 372.º-A, n.º1 CSC
passando a referir, expressamente e a tal propósito, as obrigações com warrant. As
obrigações com warrant só podem ser admitidas à negociação no mercado
regulamentado se também o estiverem as ações que lhes sirvam de ativo subjacente
(artigo 372.º-A, n.º2 CSC). O regime surge explicitado no artigo 372.º-B CSC.
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SA
§54.º - O presidente da mesa c
Perfil geral: nenhuma assembleia humana pode funcionar sem um mínimo de organização
e de direção. Desse modo, mesmo os ordenamentos que pouco ou nada digam sobre a
presidência da assembleia geral, têm vindo, na base da prática e da doutrina, a desenvolver a
figura em causa. Adiantamos já que o Direito Português, designadamente perante o Código
das Sociedades Comerciais de 1986 e, reforçadamente, após a reforma de 2006, é o que mais 388
longe levou a autonomização do presidente da assembleia geral e o modo de funcionamento
desta última. Começaremos por verificar o estado das fontes. O Código de 1986 faz as
seguintes referências diretas ao presidente da assembleia geral:
Artigo 374.º, n.º1 CSC: a mesa da assembleia é constituída, pelo menos, por um
presidente e um secretário;
Artigo 374.º, n.º2 CSC: o contrato de sociedade pode determinar que o presidente, o
vice-presidente e os secretários da mesa sejam eleitos pela assembleia por um período
não superior a quatro anos, de entre acionistas ou outras pessoas;
Artigo 374.º, n.º3 e 4 CSC: dispõem sobre presidentes ad hoc, na falta de pessoas
designadas;
Artigo 374.º-A, n.º1 CSC: impõe regras de independência aos membros da mesa da
assembleia geral;
Artigo 374.º-A, n.º2 CSC: os membros da mesa podem ser destituídos com justa
causa, pela assembleia geral;
Artigo 374.º-A, n.º3 CSC: os membros da mesa têm direito a uma remuneração fixa;
Artigo 375.º, n.º3 CSC: o requerimento por acionistas que detenham, pelo menos, 5%
do capital social deve ser feito por escrito e dirigido ao presidente da mesa;
Artigo 375.º, n.º4 CSC: o presidente da mesa deve promover a publicação da
convocatória nos 15 dias seguintes à receção do requerimento;
Artigo 375.º, n.º5 CSC: quando não defira o requerimento ou não convoque a
assembleia, o presidente deve justificar por escrito a sua decisão;
Artigo 377.º, n.º1 CSC: as assembleias gerais são convocadas pelo presidente da mesa
ou, em certos casos, por outras entidades;
Artigo 377.º, n.º6 CSC. as assembleias podem ser efetuadas fora da sede da sociedade,
em local escolhido pelo presidente;
Artigo 377.º, n.º7 CSC: o conselho fiscal, a comissão de auditoria ou o conselho geral
e de supervisão só podem convocar a assembleia geral dos acionistas depois de terem,
sem resultado, requerido a convocação ao presidente da mesa;
Artigo 378.º, n.º2 CSC: o requerimento relativo à inclusão de certos assuntos na
ordem do dia de uma assembleia geral já convocada deve ser dirigido, por escrito, ao
presidente da mesa;
Artigo 378.º, n.º4 CSC: não sendo satisfeito o requerimento, podem os acionistas
tomar certas iniciativas;
Artigo 379.º, n.º6 CSC: o presidente da mesa pode autorizar a presença, na assembleia,
de pessoas que não tenham de nela comparecer; a assembleia pode revogar essa
autorização;
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não pode recair sobre um acionista que detenha uma percentagem igual ou superior a 2% do
capital social. Além disso, aplica-se aos membros da mesa da assembleia geral das sociedades SA
referidas no artigo 374.º-A, n.º1 CSC o regime de incompatibilidade previsto no artigo 414.º-
A, n.º1 CSC, relativo a membros do conselho fiscal, ao fiscal único ou ao revisor oficial de c
contas; são atingidos, não podendo ser eleitos:
a) Os beneficiários de vantagens particulares da própria sociedade;
b) OS que exercem funções de administração na própria sociedade;
c) Os memebros dos órgãos de administração de sociedade que se encontrem em
relação de domínio ou de grupo com a sociedade fiscalizada;
d) O sócio de sociedade em nome coletivo que se encontre em relação de domínio com 391
a sociedade fiscalizada;
e) Os que, de modo direto ou indireto, prestem serviços ou estabeleçam relação
comercial significativa com a sociedade fiscalizada ou sociedade que com esta se
encontre em relação de domínio ou de grupo;
f) Os que exerçam funções em empresa concorrente e que atuem em representação ou
por conta desta ou que por qualquer outra forma estejam vinculados a interesses da
empresa concorrente;
g) Os cônjuges, parentes e afins na linha reta e até ao 3.º grau, inclusive, na linha
colateral, de pessoas impedidas por força do disposto nas alíneas a), b), c), d) e f),
bem como os cônjuges das pessoas abrangidas pelo disposto na alínea e);
h) Os que exerçam funções de administração ou de fiscalização em cinco sociedades,
excetuando as sociedades de advogados, as sociedades de revisores oficiais de contas
e os revisores oficiais de contas, aplicando-se a estes o regime do arrtigo 76.º Decreto-
Lei n.º487/99, 16 novembro;
i) Os revisores oficiais de contas em relação aos quais se verifiquem outras
incompatibilidades previstas na respetiva legislação;
j) Os interditos, os inabilitados, os insolventes, os falidos e os condenados a pena que
implique a inibição, ainda que temporária, do exercício de funções públicas.
Os estatutos da sociedade podem fixar outras incompatibilidades. A eleição de uma pessoa
inibida é nula. A superveniência de alguma causa de inibição implica a caducidade da
designação (artigo 414.º-A, n.º2 CSC). Ainda no tocante às sociedades que caibam na
previsão do artigo 374.º-A CSC, os membros da mesa das respetivas assembleias gerais têm
direito a uma remuneração fixa, nos termos do artigo 427.º-A CSC: a determinar pela
assembleia geral ou por uma comissão de vencimentos, nos termos do artigo 399.º, n.º1
(artigo 374.º-A, n.º3 CSC). Este elemento vem acentuar:
A atenção que o presidente da assembleia geral deve pôr no exercício das suas
funções, que tendem para a permanência;
A dignificação do cargo;
A contrapartida pelo trabalho e pelas inibições e incompatibilidades decretadas em
2006.
Todos estes fatores serão ponderados, de modo a calcular, com adequação, a remuneração a
fixar. Quanto à destituição dos membros da mesa da assembleia geral: a doutrina anterior a
2006 já havia explicado que, dadas as suas funções, estávamos mais próximos da fiscalização
do que da administração. E assim sendo, ao contrário do que sucede com os administradores,
os membros da mesa só poderiam ser destituídos com fundamento em justa causa. O artigo
374.º-A, n.º2 CSC, no tocante às sociedades que caem sob o seu âmbito de aplicação,
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solucionou quaisquer dúvidas: a destituição do sistema: justa causa terá, aqui, um sentido
subjetivo, traduzindo uma violação culposa dos deveres de eficiência e de isenção exigíveis SA
para o cargo. Não chega, para tanto, uma mera alteração da maioria acionista: o legislador
pretendeu, justamente, manter o cargo independente de tais flutuações. c
392
Acompanhamento geral e convocações: na base dos preceitos dispersos relativos
à mesa da assembleia geral, torna-se possível construir um esquema genérico de funções do
seu presidente. Podemos distinguir:
Funções gerais de acompanhamento da sociedade;
Convocação e preparação das reuniões da assembleia geral;
Apreciação e decisão de pedidos de convocação extraordinária e convocação por
iniciativa própria;
Direção e condução das reuniões da assembleia.
Quanto a este último aspeto, será possível autonomizar diversos princípios. O presidente da
mesa da assembleia geral deve, entre outros aspetos, convocar a assembleia remetendo a
ordem do dia (artigos 377.º, n.º1 e 375.º, n.º4 CSC), escolhendo o local da reunião (artigo
377.º, n.º6 CSC), apreciar e decidir os pedidos de convocação feitos por minorias (artigo
375.º, n.º3 e 5 CSC) ou de inclusão de assuntos na ordem do dia também formulados por
estas (artigo 378.º, n.º2 CSC). Pressupõe-se, naturalmente, que faça tudo isso por si,
apreciando e ponderando os valores que se lhe deparem. Esta atuação só é possível se ele
acompanhar a vida da sociedade, conhecendo os problemas com que ela se debata e as
grandes linhas do desenvolvimento da sua atividade. Tais deveres de acompanhamento, para
serem acatados, pressupõem que o presidente da mesa tenha acesso à necessária informação.
Consideramos assim aplicável, por analogia, o artigo 421.º CSC, relativo aos poderes de
informação que cabem aos membros do conselho fiscal. O presidente poderá contratar a
prestação de serviços de peritos que o coadjuvem, solicitando, por exemplo, pareceres de
direito ou de natureza económica ou contabilística. Não faz sentido atribuir funções sem dar,
para tanto, os meios necessários. Ao presidente da mesa cabe convocar e preparar as reuniões
da assembleia geral. Quanto à convocação, ela é feita:
Quando a lei o determine (artigo 375.º, n.º1 CSC);
A pedido do conselho de administração, da comissão de auditoria, do conselho de
administração executivo, do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão
(idem);
A pedido de 5% dos acionistas, por escrito e com indicação justificada dos motivos
da reunião (artigo 375.º, n.º3 CSC);
Por iniciativa própria.
Nas duas primeiras hipóteses, a convocação é vinculada. Todavia, quando p residente
entenda, pela ordem de trabalhos que lhe é sugerida ou por qualquer outra razão ponderosa,
que a reunião não tem qualquer razão de ser, cabe-lhe recusar a convocação, justificando a
decisão. Quando a entidade preterida não se conforme: caber-lhe-á requerer a convocação
judicial (artigo 375.º, n.º6 CSC, por interpretação extensiva) ou, tratando-se do conselho
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Não existem outras limitações. Nada impede convocações para períodos de férias ou, até,
para dias feriados. Haverá, contudo, um uso que determina a guarda dos Domingos e dias SA
santos. Compete ao presidente da mesa da assembleia geral fixar a hora do início da reunião.
Fará sentido fixá-la cedo (8 horas da manhã) ou tarde (19 horas), consoante se queira c
privilegiar o acantonamento da reunião ao dia da convocação ou a afluência de acionistas
trabalhadores: uma opção que a lei deixa ao presidente. Marcações disparatadas são contrárias
à boa fé, podendo dar lugar a justa causa de destituição. Não tem de constar da convocatória
a hora do termo da reunião. Na verdade, todos os participantes na reunião da assembleia têm
o direito de nela intervir. Torna-se, assim, imprevisível a duração das reuniões. A prefixação
do seu termo poderá limitar o direito de intervenção. De todo o modo, nada obsta a que se
394
fixem limites tendenciais, como modo de melhor proporcionar a distribuição do tempo.
Como indicação importante: marcada para um dia, a assembleia deverá concluir-se nesse
mesmo dia. No foro alemão, já se discutiu se, estando a reunião marcada para certo dia, os
trabalhos podem prosseguir depois da meia-noite, prolongando-se pelo dia seguinte. A
resposta é positiva: não há nenhum fundamento de invalidade relativamente a deliberações
que venham a ser tomadas a altas horas. Dentro dos limites da boa fé, o prolongamento,
noite fora, de uma reunião é um meio legítimo (porque imposto pela natureza ou pela
Providência) de pressionar no sentido de se alcançarem resultados práticos. O artigo 377.º,
n,º6 CSC dispõe sobre o local da reunião. Trata-se de um preceito alterado em 2006, de modo
a permitir reuniões telemáticas. Quanto a reuniões convencionais (artigo 377.º, n.º6, alínea a)
CSC):
Decorrem na sede da sociedade;
Ou noutro local escolhido pelo presidente da mesa, dentro do território nacional,
desde que as instalações sociais não permitam a reunião em condições satisfatórias.
Fica, assim, à discricionária apreciação do presidente a escolha do local da reunião, mas
apenas quando as instalações da sede não permitam a reunião em termos satisfatórios. Será
o caso de assembleias gerais onde se aguardem centenas de acionistas. A lei só permite
assembleias gerais em território nacional. Evitam-se, com isso, problemas de competência
territorial do foro; além disso, previnem-se dificuldades de deslocação para os acionistas.
Admita-se, contudo, que em graves situações de perturbação geral, uma assembleia possa
funcionar validamente no estrangeiro: ao abrigo da boa fé ninguém poderia, sob pena de
abuso, prevalecer-se do artigo 377.º, n.º6, alínea a) CSC. O artigo 377.º, n.º6, alínea b) CSC,
admite que as assembleias sejam efetuadas:
«Salvo disposição em contrário no contrato de sociedade, através de meios telemáticos, devendo
a sociedade assegurar a autenticidade das declarações e a segurança das comunicações,
procedendo ao registo do seu conteúdo e dos respetivos intervenientes».
Esta eventualidade depende, também, de decisão do presidente da mesa. Temos, aqui, uma
referência às assembleias gerais virtuais, que vinham já sendo levadas a cabo por algumas
sociedades, ao abrigo dos seus estatutos. Assembleias telemáticas ou virtuais são as que
decorram sem necessidade de os participantes estarem lado a lado, num recinto determinado.
o contacto entre todos ou alguns deles será assegurado, em tempo real, por meios de
comunicação. Têm sido apontadas três possíveis modalidades de assembleias virtuais:
Assembleia paralela (também dita assembleia satélite ou tele-assembleia): a
assembleia geral decorre, simultaneamente, em locais distintos, nos quais se
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proporcionalidade das medidas, dobrado pelo do igual tratamento dos acionistas. Tudo isto
deve ser temperado pela ponderação material das situações. Qualquer acionista que invoque SA
o direito à informação deve ver o seu pedido satisfeito. Só assim não será quando se torne
patente haver repetição ou não-pertinência no pedido. Todos tê, ainda, o direito a usar a c
palavra, pelo menos uma vez. A partir daí, qualquer repetição pode envolver prejuízo para o
direito dos outros. A limitação das inscrições é tecnicamente possível a partir do momento
em que o ponto em debate já esteja suficientemente esclarecido e que, sobre ele, tenham sido
prestadas as pertinentes informações. De modo a assegurar a igualdade, poderá ser
proclamado à assembleia, por exemplo, que só se admitirão inscrições nos próximos cinco
minutos ou até ao termo da intervenção em curso. Outro método poderá ser o de abrir um
397
período inicial de inscrições para todos os pontos, encerrando-o, de seguida. A limitação do
tempo de intervenção de cada participante é reclamada por todas as obras da especialidade,
já tendo sido considerada conforme a Constituição pelo exigente Tribunal Constitucional
alemão. Vários métodos são preconizados: pode-se anunciar previamente um limite geral de
10 ou 15 minutos para cada intervenção e, depois, fixar um de 5 minutos, quando a matéria
estiver mais esclarecida: o interveniente de 5 minutos já não terá, assim, uma pretensão de
igual tratamento perante o de 10. Numa assembleia bem dirigida, todos se apercebem com
facilidade do decurso dos trabalhos e do debate dos temas. A assembleia será a primeira a
sentir a desnecessidade de certas intervenções ou do seu prolongamento. Está hoje adquirido
na doutrina que o presidente da mesa da assembleia geral, ao dirigir os debates, limitando,
eventualmente, as inscrições e o tempo das intervenções, exerce um direito potestativo
próprio, diretamente conferido pela lei e pelos estatutos. Ele poderá, assim, conforme
entender, pedir ou não o consentimento da assembleia para as decisões que vá tomando. A
assembleia não tem poderes para avocar matéria processual de condução dos trabalhos nem,
muito menos, para, fora de qualquer agendamento e sem justa causa, destituir o presidente.
Embora seja o órgão máximo, a assembleia geral não é soberana, no sentido de fazer o que
entender. Trata-se de uma consequência da tutela dos valores em modo coletivo, destinada
a assegurar os interesses dos ausentes, das minorias e da própria sociedade, pela imagem de
estabilidade e de isenção que transmita para o mercado.
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votos ilícitos ou indevidos. Assim sucederá com os votos que violem proibições legais (artigo
384.º, n.º6 CSC, como exemplo) ou que contundam com a unidade do voto (artigo 385.º, SA
n.º1 CSC). E recusará também os votos que provenham de representantes não titulados ou
que ultrapassem os limites estatutários (artigo 384.º, n.º1, alínea b) CSC): tudo sem recurso c
para a assembleia e a título definitivo. O presidente, como foi dito, pode determinar
suspensões normais (artigo 387.º, n.º1 CSC). Mas não lhe cabe suspender os trabalhos da
assembleia apenas esta o poderá fazer, para data que não ultrapasse os 90 dias (artigo 387.º,
n.º2 CSC) e apenas por duas vezes (artigo 387.º, n.º3 CSC). A própria assembleia não poderá,
todavia, suspender arbitrariamente os seus trabalhos: iria, com isso, manter a minoria refém
daquilo que ela própria não quereria decidir, quanto ao fundo. Caberá, assim, ao presidente
398
recusar propostas de adiamento que não se mostrem fundamentadas. Entende-se, ainda, que
a assembleia deve ficar concluída no dia para que foi convocada. Todavia e dentro do
razoável, pode ser ultrapassada a marca da meia-noite. O encerramento da reunião,
proclamado pelo presidente, põe termo à assembleia enquanto tal e ao seu poder deliberativo.
Salvo força maior, o encerramento só pode ocorrer depois de esgotada a ordem do dia.
Pode´ra, todavia, consistir na única saída para situações de grande perturbação. O presidente
manterá, então, os poderes necessários para convocar nova reunião.
O presidente e a mesa: no desenvolvimento anterior, temos tratado o presidente da
mesa da assembleia como um órgão singular. Aliás, a própria lei põe como limite mínimo
um presidente e um secretário (artigo 374.º, n.º1 CSC). Todavia, é frequente –
particularmente nas sociedades abertas – os estatutos preverem uma mesa completa, com
presidente, vice-presidente e secretários. Pergunta-se, nessa altura, se a própria mesa funciona
como um órgão coletivo ou se o presidente conserva, individualmente, os poderes de
acompanhamento, de preparação e de condução da assembleia. As diversas referências legais
relevantes são, sempre, feitas ao presidente: não à mesa. Além disso, não vemos utilidade em
consagrar, frente à assembleia, um novo órgão coletivo, isto é: a própria mesa. Também esta
teria de ser convocada, de ter ordem do dia, de debater o que se lhe oferecesse e de deliberar,
se necessário com votação, elaborando-se uma ata. O presidente da mesa é, assim, um órgão
individual. O vice-presidente substitui-o, com plenos e próprios poderes, nas suas ausências.
Os secretários coadjuvam: podem ter uma tarefa complexa e delicada. O artigo 374.º-A CSC
alargou as incompatibilidades, a tutela perante a destituição e a remuneração, a todos os
membros da mesa. Fê-lo de modo a, claramente, reconhecer as funções de cada um,
valorizando os cargos em jogo.
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carta assinada dirigida ao presidente da mesa. Entende-se que o contrato de sociedade possa
limitar a função de representante aos próprios acionistas; nada dizendo, a representação pode
ser assegurada por qualquer pessoa. A carta em causa funciona como procuração. Subjacente
SA
haverá um mandato ou outra figura, pela qual o representante assegurará os interesses do c
representado. Em assembleias concorridas, particularmente de sociedades abertas, pode
alguém solicitar representações a acionistas. Se ultrapassar o número de cinco acionistas, tem
aplicação o artigo 381.º CSC, claro e pormenorizado. Assinale-se que a iniciativa de pedir
representações não pode caber a pessoas com funções de fiscalização (artigo 381.º, n.º2 CSC).
Tratando-se de sociedades abertas, há ainda que ter em conta o artigo 23.º CVM. Além dos
acionistas com direito de voto, que têm o direito de comparecer na assembleia, a lei prevê
399
outras presenças, ainda que sem voto (salvo se forem também acionistas comum):
Obrigatórias: os administradores e os membros dos órgãos de fiscalização; no caso
das assembleias anuais: os Revisores Oficiais de Contas que tenham examinado as
contas (artigo 379.º, n.º4 CSC); todos estes elementos podem intervir para prestar
esclarecimentos, para responder a questões ou para justificar e defender as propostas
que apresentem;
Facultativas com direito à palavra: acionistas sem voto e obrigacionistas, salvo se
o contrato de sociedade determinar o contrário (artigo 379.º, n.º2 CSC);
Facultativas sem direito à palavra: representantes comuns de titularidade de ações
preferenciais sem voto e de obrigacionistas (artigo 379.º, n.º3 CSC); outras pessoas
autorizadas pelo presidente, salvo revogação pela assembleia (artigo 379.º, n.º6 CSC).
Quórum, votos e maioria: a regra básica de quórum consta do artigo 383.º, n.º1 CSC:
salvo os casos de seguida indicados ou salvo o disposto no pacto social, a assembleia geral
pode deliberar, em primeira convocação, qualquer que seja o número de acionistas presentes
ou representados. Vê-se, logo por aqui, a importância das convocatórias e a necessidade de
proteger mesmo os ausentes. Ainda em primeira convocação, tratando-se de deliberar sobre
alteração do contrato, fusão, cisão, transformação, dissolução ou outros assuntos para os
quais a lei exija maioria qualificada, sem a especificar, o quórum é de um terço do capital
social (artigo 383.º, n.º2 CSC). Em segunda convocação, a assembleia delibera seja qual for
o número de acionistas presentes ou representados e o capital detido (artigo 383.º, n.º3 CSC).
Na convocatória da assembleia pode logo ser fixada a segunda convocatória: contanto que
entre as datas desta e da primeira medeiem mais de 15 dias (artigo 383.º, n.º4 CSC). A cada
ação corresponde, supletivamente, um voto (artigo 384.º, n.º1 CSC). Pode o contrato de
sociedade desviar-se desta regra (artigo 384.º, n.º2 CSC):
Fazendo corresponder um só voto a um certo número de ações, desde que sejam
abrangidas todas elas e caiba um voto, pelo menos, a cada 1000€ de capital;
Proibindo que sejam contados votos acima de um certo número, quando emitidos
por um só acionista, em nome próprio ou, também, como representante de outro;
esta limitação pode ser estabelecida para todas as ações ou apenas para ações de uma
ou mais categorias, mas não para acionistas determinados (artigo 383.º, n.º3 CSC).
A lei estabelece ainda diversas proibições de voto: ora absolutas (o acionista não pode, de
todo, votar) ora relativas (não pode votar em certos assuntos), ora objetivas (certas ações não
permitem votar), ora subjetivas (o problema reside no titular das ações). Temos:
O acionista em mora quanto à entrada não pode votar (artigo 384.º, n.º4 CSC);
recordemos que também não pode votar o detentor de ações próprias (artigo
324.º,n.º1, alínea a) CSC);
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apesar disso, assegurar uma fiscalização eficaz da administração levaram o legislador alemão
a reafirmar um esquema bipartido ou dualista: SA
O conselho de vigilância; c
A direção.
O conselho de vigilância era eleito pela assembleia geral. Tinha poderes de acompanhamento
e de fiscalização e, ainda, certos poderes executivos. A direção era eleita pelo conselho de
vigilância, concentrando o essencial dos poderes de administração da sociedade. A este
modelo dualista chama-se, ainda, modelo germânico. O modelo germânico alargou-se a
outros países. A proposta da 5.ª Diretriz do Direito das Sociedades, relativa à estrutura das
sociedades anónimas, depois de modificada, veio igualmente permitir a escolha por um dos 403
dois modelos: monista ou dualista (artigo 2.º). A proposta acabaria, porém, por ser
abandonada. Por influência comunitária, designadamente do Regulamento n.º2157/2001, 8
de outubro, relativo à sociedade anónima europeia e que também permite a opção pelos
modelos monista ou dualista, outros países vieram abrir os dois modelos à escolha dos
interessados. Todos estes elementos pesaram sobre o legislador nacional, aquando da
preparação do Código das Sociedades Comerciais de 1986. Este Código, na versão original
do artigo 278.º, n.º1 CSC:
«A administração e a fiscalização da sociedade podem ser estruturadas segundo uma de duas
modalidades:
«a) Conselho de administração e conselho fiscal;
«b) Direção, conselho geral e revisor oficial de contas».
No desenvolvimento subsequente, tínhamos um Capítulo VI, relativo à administração e
fiscalização.
A reforma de 2006:
1. A mens legislatoris: a reforma introduzida em 2006 pretendeu atuar
profundamente no domínio da organização das sociedades anónimas. Trata-se de
uma reforma fortemente empenhada na prossecução de certos ideários. O legislador
de 2006 começa por, neste domínio, exprimir as intenções:
De uma revisão aprofundada do governo das sociedade;
De alargar às diversas sociedades regras elaboradas para as sociedades com
ações admitidas à negociação em mercados regulamentados (na gíria: ações
cotadas);
De (aparentemente) juridificar o soft law, isto é: as regras assentes em
recomendações e regulamentos da CMVM.
Fica preparada a ideia de multiplicar os modelos de organização societária. Na própria mens
legislatoris, não se trataria, todavia, de prever três modelos onde antes só havia dois. Dentro
de cada modelo, os interessados poderiam introduzir variantes. Mas o legislador foi ainda
mais ambicioso. Mesmo no ius cogens, ainda haveria que introduzir alterações para tornar mais
competitivo o modelo dualista. Entre os fatores de distorção que o legislador entendeu
remover contam-se, antes de mais, os terminológicos. E à cabeça: os diretores (membros da
direção) das sociedades dualistas deveriam passar a administradores, por razões de prestígio
pessoal. este raciocínio esteve na base de uma remodelação linguística de grandes proporções,
que obrigaria a modificar muitas dezenas de artigos do Código das Sociedades Comerciais.
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Que, até um terço, alguns administradores sejam eleitos em separado, entre pessoas
propostas em listas subscritas por grupos de acionistas, desde que nenhum possua
mais de 20% nem menos de 10% do capital social (artigo 392.º, n.º1 CSC); cada uma
SA
das listas a eleger deve propor, pelo menos, duas pessoas elegíveis para cada um dos c
cargos (n.º2), não podendo o mesmo acionista subscrever mais de uma lista (n.º3);
Que uma minoria de acionistas que haja votado contra a proposta vencedora tenha
o direito de designar, pelo menos, um administrador, desde que ele represente pelo
menos 10% do capital (artigo 392.º, n.º6 CSC); a eleição é feita entre os minoritários
em causa (artigo 392.º, n.º7 CSC), substituindo o eleito maioritário menos votado ou
o que figura em último lugar na lista (idem); 406
Que haja administradores suplentes (artigos 390.º, n.º5 e 392.º, n.º10 CSC).
De notar que, nas sociedades com subscrição pública ou concessionárias do Estado ou de
entidades a ele equiparada, é obrigatória a inclusão no contrato de alguns dos esquemas
incluídos no artigo 392.º CSC; havendo omissão, aplicam-se os números 6 e 7 (artigo 392.º,
n.º8 CSC). Esta regras obrigam a uma cuidada engenharia preparatória das eleições. Elas
podem ainda levar ao conselho de administração pessoas que, de todo, não tenham a
confiança da equipara dirigente. No fundo, elas pretendem evitar que os acionistas
minoritários se desinteressem pelas suas participações, vendendo-as com prejuízo para o
mercado. Na organização interna do conselho de administração haverá que conciliar esse
aspeto com a necessidade de cumprir a lei, tornando atrativo, para todos, o regime de
detenção de ações. A designação dos administradores é feita para um período de quatro anos,
o qual pode ser encurtado pelos estatutos (artigo 391.º, n.º3 CSC). Uma vez designados e
mau grado esse limite, os administradores mantêm-se em funções até nova designação, com
diversas ressalvas (artigo 391.º, n.º4 CSC): evita-se, assim, qualquer vazio de poder.
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Conselho fiscal ou fiscal único; qualidades: o artigo 413.º CSC fora alterado em
1996 e, de novo e profundamente, em 2006. Há, pois, que estar atento aos textos em vigor.
Estão aqui em causa as sociedades que tenham assumido o modelo de organização previsto
no artigo 278.º, n.º1, alínea a) CSC: monista, de tipo latino. Segundo o artigo 413.º, n.º1 CSC,
cabe, aí, a fiscalização:
a) A um fiscal único, que deve ser revisor oficial de contas ou sociedade de revisor
oficiais de contas, ou a um conselho fiscal; ou
b) A um conselho fiscal e a um revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores
oficiais de contas que não seja membro daquele.
O recurso à solução indicada na alínea b) depende do pacto social. Ela será obrigatória,
todavia (artigo 413.º, n.º2 CSC):
«(...) em relação a sociedades que sejam emitentes de valores mobiliários admitidos à
negociação em mercado regulamentado e a sociedades que, não sendo totalmente dominadas
por outra sociedade que adote este modelo, durante dois anos consecutivos, ultrapassem dois
dos seguintes limites:
«i) Total do balanço – 100.000.000€;
«ii) Total das vendas líquidas e outros proveitos – 150.000.000€;
«iii) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício – 150».
A composição do conselho fiscal bem como a pessoa do fiscal único devem ter as qualidades
inseridas no artigo 414.º CSC. Alguns aspetos:
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O fiscal único deve ser Revisor Oficial de Contas ou Sociedade Revisora Oficial de
Contas e não pode ser acionista (artigo 414.º, n.º1 CSC); SA
O conselho fiscal deve incluir um Revisor Oficial de Contas ou uma Sociedade
Revisora Oficial de Contas, salvo se se optar pela modalidade do artigo 413.º, n.º1, c
alínea b) CSC (artigo 414.º, n.º2 CSC);
Os restantes membros podem ser sociedades de advogados, de revisores oficiais de
contas ou acionistas, desde que sejam pessoas singulares capazes, com qualificações
e experiência (artigo 414.º n.º3 CSC);
Tratando-se de sociedades que, obrigatoriamente, tenham conselho fiscal e Revisor
Oficial de Contas/sociedade Revisora Oficial de Contas, o conselho fiscal deve 410
contar, pelo menos, com um membro que tenha um curso superior adequado,
conhecimento em auditoria ou contabilidade e que seja independente (artigo 414.º,
n.º4 CSC);
Em sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado
regulamentado, o conselho fiscal deve ser composto por uma maioria de membros
independente (artigo 414.º, n.º6 CSC).
A noção de independência vem expressamente tratada no artigo 414.º, n.º5 CSC:
«Considera-se independente a pessoa que não esteja associada a qualquer grupo de interesses
específicos na sociedade nem se encontre em alguma circunstância suscetível de afetar a sua
isenção de análise ou de decisão, nomeadamente em virtude de:
«a) Ser titular ou atuar em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou
superior a 2% do capital social da sociedade;
«b) Ter sido reeleita por mais de dois mandatos, de forma contínua ou intercalada».
O artigo 414.º-A, n.º1 CSC compreende uma lista de incompatibilidades: extensa. Trata-se
de um campo em que o legislador de 2006 fez um patente esforço. Veremos a sua
concretização.
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exige justa causa e decisão judicial (artigo 419.º, n.º3 CSC). Tudo isto é importante, para
acentuar o perfil independente das pessoas a quem caiba a fiscalização da sociedade. SA
Deveres e direitos: cada membro do conselho fiscal é responsável, devendo garantir essa c
sua responsabilidade através de caução ou de seguro (artigo 418.º-A, nº.1 CSC). O seguro
dos Revisores Oficiais de Contas rege-se por lei especial (artigo 418.º-A, n.º2 CSC). Cabe, a
todos, o exercício das inerentes funções, especificando o artigo 422.º, n.º1 CSC as seguintes
obrigações:
«a) Participar nas reuniões do conselho e assistir às assembleias gerais e bem assim às reuniões
da administração para que o presidente da mesma os convoque ou em que se apreciem as contas 411
do exercício;
«b) Exercer uma fiscalização conscienciosa e imparcial;
«c) Guardar segredo dos factos e informações de que tiverem conhecimento em razão das suas
funções, sem prejuízo do dever enunciado no n.º3 deste artigo;
«d) Dar conhecimento à administração das verificações, fiscalizações e diligências que tenham
feito e do resultado das mesmas;
«e) Informar, na primeira assembleia que se realize, de todas as irregularidades e inexatidões
por eles verificadas e bem assim se obtiveram os esclarecimentos de que necessitam para o
desempenho das suas funções;
«f) Registar por escrito todas as verificações, fiscalizações, denúncias recebidas e diligências que
tenham sido efetuadas e o resultado das mesmas».
Os membros do conselho fiscal – e o fiscal único (artigo 423.º-A CSC) – têm direito a uma
remuneração, a qual deve consistir numa quantia fixa (artigo 422.º-A, n.º1 CSC). A
remuneração é fixada pela assembleia geral ou por uma comissão de vencimentos (artigo
399.º, n.º1, ex vi artigo 422.º-A CSC). Além disso, os membros do conselho fiscal têm
múltiplos poderes, que podem exercer conjunta ou separadamente:
a) Obter da administração a apresentação, para exame e verificação dos livros, registos
e documentos da sociedade, bem como verificar as existências de qualquer classe de
valores, designadamente dinheiro, títulos e mercadorias;
b) Obter da administração ou de qualquer dos administradores informações ou
esclarecimentos sobre o curso das operações ou atividades da sociedade ou sobre
qualquer dos seus negócios;
c) Obter de terceiros que tenham realizado operações por conta de sociedade as
informações de que careçam para o conveniente esclarecimento de tais operações;
d) Assistir às reuniões da administração, sempre que o entendam conveniente.
Funcionamento e competência: o conselho fiscal é um órgão coletivo, dotado do
seu presidente, em termos já examinados. O artigo 423.º CSC dispõe quanto às suas reuniões
e deliberações:
«1. O conselho fiscal deve reunir, pelo menos, todos os trimestres;
«2. As deliberações do conselho fiscal são tomadas por maioria, devendo os membros que com
elas não concordarem fazer inserir na ata os motivos da sua discordância
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«3. De cada reunião deve ser lavrada a ata no livro respetivo ou nas folhas soltas, assinada
por todos os que nela tenham participado. SA
«4. Das atas deve constar sempre a menção dos membros presentes à reunião, bem como um c
resumo das verificações mais relevantes a que procedam o conselho fiscal ou qualquer dos seus
membros e das deliberações tomadas.
«5. É aplicável o disposto no n.º9 do artigo 410.º CSC».
Nos termos da remissão efetuada neste último número, a reunião poderá ser virtual, se os
estatutos o não proibirem. A competência do conselho fiscal resulta dos poderes dos seus
membros e de diversos preceitos dispersos pelo Código. Além disso, o artigo 420.º, n.º2 CSC 412
elenca os pontos seguintes:
a) Fiscalizar o processo de preparação e de divulgação de informação financeira;
b) Propor à assembleia geral a nomeação do revisor oficial de contas;
c) Fiscalizar a revisão de contas aos documentos de prestação de contas da sociedade;
d) Fiscalizar a independência do revisor oficial de contas, designadamente no tocante á
prestação de serviços adicionais.
A competência deve ser usada nos termos do artigo 420.º, n.º3 CSC, com especiais deveres
para o Revisor Oficial de Contas (artigo 420.º, n.º4 CSC). E sobre este recai ainda o dever de
vigilância pormenorizadamente explicitado no artigo 420.º-A CSC. Um preceito completo,
com diversas regras procedimentais. O artigo 421.º, n.º3 a 5 CSC atribui ainda, ao conselho
fiscal, a competência para deliberar a contratação da prestação de serviços de peritos. Para
esse efeito, os próprio membros do conselho fiscal têm poderes de representação: em
derrogação da regra (quase) absoluta de que tais poderes só cabem ao conselho de
administração.
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à negociação em mercado regulamentado e nas que atinjam os critérios do artigo 413.º, n.º2,
alínea a) CSC, a comissão de auditoria deve incluir, pelo menos, um membro que: SA
Tenha um curso superior adequado; c
Tenha conhecimentos em auditoria ou contabilidade;
Seja independente, nos termos do artigo 414.º, n.º5 CSC.
Se se tratar de sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado
regulamentado, a maioria dos membros da comissão de auditoria deve ser independente. Os
membros da comissão de auditoria são designados em conjunto com os demais
administradores, pela assembleia geral (artigo 423.º-C, n.º1 CSC). A assembleia pode designar
o presidente da comissão; se o fizer, o poder em causa cabe à própria comissão (artigo 423.º- 413
C, n.º2 CSC). Quanto à destituição: ela só é possível com justa causa (artigo 423.º-E, n.º1
CSC).
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órgão estatutariamente indicado para a eleição (artigo 430.º, n.º1 CSC). De qualquer modo,
o conselho geral pode decidir sempre a suspensão até dois meses.
SA
Posição jurídica, funcionamento e competência: a posição jurídica dos c
administradores executivos é, em grande parte, semelhante á dos administradores proprio sensu.
Todo o esquema subjacente aos artigos 426.º a 429.º CSC é, no fundo, o de uma remissão.
E é ainda sob o signo da remissão que a lei trata em conjunto (artigo 433.º CSC). Quanto à
competência: rege o artigo 431.º CSC, também na base de remissões. Dispõe:
«1. Compete ao conselho de administração executivo gerir as atividades da sociedade, sem
prejuízo do disposto no n.º1 do artigo 442.º. 415
«2. O conselho de administração executivo tem plenos poderes de representação da sociedade
perante terceiros, sem prejuízo do disposto na alínea c) do artigo 441.º.
«3. Aos poderes de gestão e de representação dos administradores é aplicável o disposto nos
artigos 406.º, 408.º e 409.º, com as modificações determinadas pela competência atribuída na
lei ao conselho geral e de supervisão».
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O Revisor Oficial de Contas designado pela gerência deve ser ratificado pela
assembleia geral; não vale como ratificação tácita a aprovação das contas por ele SA
assinadas;
A não ratificação de um Revisor Oficial de Contas pela assembleia não constitui mera c
invalidade sanável pela renovação de uma deliberação;
Não é inconstitucional a designação judicial de um fiscal único.
Como vetor básico retiramos, destas orientações, um princípio de dignificação do papel do
Revisor Oficial de Contas. Trata-se de uma área onde será de esperar desenvolvimentos
jurídico-societários importantes.
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O dever de comunicar: os artigos 447.º e 448.º CSC, inseridos num Capítulo intitulado 421
publicidade de participações e abuso de informações, impõe, a certas pessoas, o dever de
comunicar à sociedade determinadas participações que detinham. Tais participações serão,
depois, publicitadas pela sociedade, no seu relatório anual. Estes preceitos têm um Âmbito
de aplicação geral. Dobram, assim, preceitos mobiliários similares, que se destinam a
sociedades abertas. O dever de comunicar incide, primeiro, sobre os membros dos órgãos
de administração e de fiscalização das sociedades anónimas. Abrange participações latas:
ações e obrigações e isso no tocante a aquisições, onerações ou cessações de titularidade:
quer da própria sociedade, quer de outras que, com ela, estejam em situação de domínio ou
de grupo (artigo 447.º, n.º1CSC). O dever abrange não só as titularidades próprias mas,
também, as do cônjuge ou de outras pessoas, referidas no artigo 447.º, n.º2 CSC e que, com
o titular, tenham as relações de proximidade aí enunciadas. A lei regula o modo de
comunicação e o seu tempo, bem como a publicação no relatório anual (artigo 447.º, n.º4 a
7 CSC). A falta culposa do cumprimento do dever de comunicar origina justa causa de
destituição (artigo 447.º, n.º8 CSC). Também os acionista titulares de ações AO
PORTADOR não registadas, titulares de, pelo menos, um décimo, um terço ou metade do
capital de uma sociedade, devem comunicar à sociedade o número de ações próprias e as de
pessoas em relação de proximidade, referidas no artigo 447.º, n.º2 (artigo 448.º, n.º1, in fine
CSC). Tais comunicações são feitas, no prazo de trinta dias e por escrito, ao órgão de
administração e ao órgão de fiscalização (artigo 448.º, n.º3 CSC). A lista das pessoas em causa
é publicada em anexo ao relatório anual (artigo 448.º, n.º4 CSC). Não há, pois, titularidades
significativas secretas.
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estrutura do artigo 449.º CSC, cujo essencial acima transcrevemos, assume uma feição
própria da responsabilidade civil. Temos:
SA
Um membro de um órgão da sociedade ou alguém que lhe preste um serviço c
temporário ou permanente;
Que tome conhecimento de informações privilegiadas relativas a valores dessa
sociedade;
E que adquira ou aliene os valores em causa;
Assim conseguindo um lucro ou evitando uma perda.
Manifestamente, este dispositivo não opera quando o agente não adquira ou aliene quaisquer
valores. Por outro lado, a sociedade não é terceiro, para efeitos do artigo 449.º, n.º2 CSC: 426
perante a doutrina da representação orgânica, ela é parte. Consegue-se, assim, manter o abuso
de informação dentro das fronteiras próprias. O artigo 450.º CSC confere, a qualquer
acionista, o acesso à figura do inquérito judicial para sancionar o abuso de informação. Esse
meio processual faculta a destituição de responsáveis e a cominação de deveres de indemnizar.
Pode haver abuso do direito de ação, com todas as legais consequências.
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para um aspeto da construção técnica da preferência do acionista, que tem grande relevo
prático. Reside ele na distinção entre: SA
O direito abstrato de preferência; c
O direito concreto de preferência.
O direito abstrato de preferência corresponde à posição genérica que qualquer sócio, pelo
simples facto de o ser, tem de poder subscrever futuros e eventuais aumentos de capital, em
certa proporção, e verificados os demais requisitos. O direito concreto de preferência
equivale à posição específica que certo sócio tem de, perante um determinado aumento de
capital concretamente deliberado e em curso de verificação, vir subscrever certas ações, desde
que concorram os demais requisitos. O direito concreto de preferência equivale à posição 428
específica que certo sócio tem de, perante um determinado aumento de capital
concretamente deliberado e em curso de verificação, vir subscrever certas ações, desde que
concorram os demais requisitos. Na verdade, estas duas situações teóricas e praticamente
muito distintas, concitam regimes diferentes. Anote-se, ainda, que importantes aspetos
regulamentares constam dos artigos 458.º, n.º3 e 4 e 459.º CSC: este último sobre o aviso e
o prazo para o exercício do direito de preferência.
A exclusão da preferência por deliberação dos sócios: a preferência dos
acionistas na subscrição de novas ações visa, como foi dito, o interesse destes. Contudo,
pode suceder que a prossecução atomística de tias interesses venha contundir com o interesse
da própria sociedade (portanto: os interesses dos sócios em modo coletivo) em termos tais
que todos acabem por ser prejudicados. Por isso, as diversas ordens jurídicas admitem que
os sócios possam deliberar a exclusão da preferência. Nestas condições, compreende-se que
a 2.ª Diretriz da CEE também tenha admitido a exclusão da preferência dos acionistas. Tal
exclusão poderia operar por deliberação da assembleia geral, adotada nos termos do seu
artigo 29.º, n.º4. O artigo 41.º, n.º1 da mesma 2.ª Diretriz admite ainda que os Estados
membros não apliquem a preferência, quando se trate de favorecer a participação dos
trabalhadores. Todos estes elementos estão na base do esquema estabelecido pelo atual
Código das Sociedades Comerciais português. O artigo 460.º CSC dispõe sobre a limitação
ou supressão do direito de preferência. Tem utilidade, desse preceito, referenciar os números
2 e 3 – embora todos devam ser considerados:
«2. A assembleia geral que deliberar o aumento de capital pode, para esse aumento, limitar ou
suprimir o direito de preferência dos acionistas, desde que o interesse social o justifique.
«3. A assembleia geral pode também limitar ou suprimir, pela mesma razão, o direito de
preferência dos acionistas relativamente a um aumento de capital deliberado ou a deliberar pelo
órgão de administração, nos termos do artigo 456.º».
A supressão da preferência é compreensível: está em causa uma posição patrimonial,
disponível e que põe em causa a vida da sociedade. Parece também normal que se fixem
condições particulares para a sua supressão, de modo a garantir bem a posição dos sócios e
que elas incluam uma ponderação que mostre ser esse o interesse da sociedade. A exigência
de uma deliberação a propósito de cada aumento de capital torna-se mais clara se se tiver em
conta a distinção, acima referida e presente, duma ou doutra forma, em toda a doutrina
comercialística, entre o direito abstrato e o direito concreto de preferência. O primeiro é
indisponível: faz parte do status de sócio e envolve sempre todos os membros, atuais ou
futuros, da sociedade; o segundo, pelo contrário, é um direito comum, que pode ser
condicionado, renunciado ou mesmo suprimido por deliberação competente. A exigência do
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artigo 460.º, n.º2 CSC tem, pois, o sentido de só admitir a supressão da preferência concreta;
não da preferência abstrata. O sentido e o alcance da técnica, acima apontada, da exclusão SA
da preferência dos acionistas dá, também, a dimensão dos seus limites. Em especial, haverá
que precisar três pontos:
c
Se a exclusão da preferência pode ser decidida pelo conselho de
administração: este primeiro passo poderia parecer bastante claro: ela não é possível,
uma vez que tanto a 2.ª Diretriz como o artigo 460.º, n.º1 CSC reservam tal
competência à assembleia geral. A questão pode, porém, recolocar-se por outra via:
a lei admite que o próprio aumento de capital seja deliberado pelo órgão de
administração, por autorização dos estatutos (artigo 456.º, n.º1 CSC). Quando isso 429
suceda, o contrato de sociedade estabelecerá as condições para o exercício dessa
competência (idem, n.º2). Finalmente, o artigo 87.º, n.º1 CSC, relativo ao aumento
de capital, sem distinções, explicita:
«1. A deliberação de aumento do capital deve mencionar expressamente:
(...)
«g) As pessoas que participarão nesse aumento».
Parece possível, perante os textos portugueses em vigor, defender que a
administração, podendo decidir o mais – o aumento de capital – decida o menos – a
limitação de preferência. Tal interpretação é, aliás, possibilitada pela 2.ª Diretriz da
CEE: o Estado português teria facultado à administração, a possibilidade de exclusão
da preferência, através da confluência dos artigos 456.º, n.º1, e 87.º, n.º1, alínea g)
CSC. Aliás, a assim não ser, perder-se-ia boa parte das vantagens derivadas da
deliberação e, designadamente: a rapidez e a flexibilidade. Querendo aumentar o
capital com certas limitações à preferência, a administração só poderia tomar meia
decisão – o aumento – devendo convocar a assembleia para debater a preferência: a
complicação seria maior, jogando contra a sociedade e contra os sócios. Os valores
da lei ficariam facilmente assegurados pela observância, aquando da concessão de
poderes à administração, dos requisitos postos, por ela própria, pela exclusão pela
assembleia geral e, designadamente, o da maioria qualificada. Não se ignora que tal
via interpretativa não corresponde à intenção subjetiva do projeto; mas ela é
legitimada pelo sentido objetivo da lei e pela ponderação dos valores em presença.
Conclui-se, pois, que o conselho de administração de uma sociedade anónima pode
ser autorizado a aumentar o capital, definindo as condições desse aumento, o que
abrange a possibilidade de exclusão ou de limitação da preferência dos acionistas, nos
termos dos artigos 87.º, n.1, alínea g) e 456.º, n.º1 CSC e 29.º, n.º5 2.ª Diretriz. São
ainda lícitas as restrições ao direito de preferência reportadas a um aumento de capital
concreto que o conselho de administração fique autorizado a deliberar.
Se essa exclusão pode ser decidida pelos estatutos: a resposta, quanto a esta
solução, não pode ser, a priori, negativa. O assunto tem de ser melhor ponderado. A
aprovação dos estatutos de uma sociedade comercial corresponde à manifestação
máxima da autonomia privada consentida no campo societário. Aliás, basta ver que
na outorga inicial subscreve quem quer, enquanto nas deliberações subsequentes
pode haver vencedores e vencidos. Por isso, bem estranho se torna que haja efeitos
possíveis através de deliberação ulterior dos sócios e impossíveis para os estatutos. A
regra geral é precisamente a inversa, assim:
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aos acionistas ou a terceiros, nos termos aplicáveis (artigo 461.º, n.º1 CSC): é a denominada
subscrição indireta. Este esquema é aplicável aos aumentos decididos pelo órgão de SA
administração (artigo 461.º, n.º2 CSC), sendo os acionistas avisados pela sociedade, por meio
de anúncio (artigo 461.º, n.º3 CSC). As vantagens de subscrição indireta podem ser várias. c
Designadamente: a instituição interveniente terá, por certo, boas condições para colocar a
emissão junto dos mais diversos investidores. O aumento de capital por emissão de novas
ações coloca ainda problemas quando exista um usufrutuário. O artigo 462.º CSC procura
conciliar as posições dos dois intervenientes, em termos que se afiguram claros.
431
§70.º - A redução de capital e a dissolução
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