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Universidade Federal do ABC

Prof. Dr. Klaus Werner Capelle - Reitor


Prof. Dr. Dácio Roberto Matheus - Vice-Reitor

(PROPG) Pró-Reitoria de Pós-Graduação


Prof. Dr. Gustavo Martini Dalpian - Pró-Reitor
Prof. Dr. Alexandre Hiroaki Kihara - Pró-Reitor Adjunto

(PROEX) Pró-Reitoria de Extensão


Prof. Dr. Daniel Pansarelli - Pró-Reitor
Profª. Drª. Lucia Regina H. R. Franco - Pró-Reitora Adjunta

Editora da UFABC
Profª. Drª. Adriana Capuano de Oliveira - Coordenação
Cleiton Fabiano Klechen
Marco de Freitas Maciel

ii «
Organizadoras
ADRIANA CAPUANO DE OLIVEIRA
MARILDA APARECIDA DE MENEZES

Uma iniciativa da PROPG e da PROEX

São Bernardo do Campo - SP


2015
» iii
© Copyright by Editora da Universidade Federal do ABC
(EdUFABC)

Todos os direitos reservados.

Revisão ortográfica e normativa


Tagiane Mai

Projeto gráfico, diagramação e capa


Rita Motta - Tribo da Ilha, sob coordenação da Gráfica e
Editora Copiart

Impressão
Gráfica e Editora Copiart

CATALOGAÇÃO NA FONTE
SISTEMA DE BIBLIOTECAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
Responsável: Marciléia Aparecida de Paula CRB: 8/8530

O que é ser cientista social / Organizado por Adriana Capuano de Oliveira e Marilda
Aparecida de Menezes — São Bernardo do Campo, SP : Editora da Universidade
Federal do ABC, 2015.

vii, 221 p. : il. - (O que é ser cientista?)

Uma iniciativa da PROPG e da PROEX

ISBN: 978-85-68576-18-2

1.Ciências Sociais. 2. Antropologia. 3. Sociologia. 4. Política. I. Oliveira, Adriana


Capuano de, org. II. Menezes, Marilda Aparecida de, org. III. Série.

CDD 22 ed. - 300

iv «
Sumário

Introdução.......................................................1
Adriana Capuano de Oliveira e
Marilda Aparecida de Menezes

PARTE I - Entrevistas

Antropologia: a arte de ser antropólogo/a


Entrevista com
Mauro William Barbosa de Almeida................15
Emília Pietrafesa de Godoi e
Marilda Aparecida de Menezes

Sociologia: a arte de ser sociólogo/a


Entrevista com
Heloísa de Souza Martins....................................41
Adriana Capuano de Oliveira e
Adriano Aquino de Araújo

»v
Ciência Política: a arte de ser cientista
político/a
Entrevista com
Maria Hermínia Tavares de Almeida................64
Artur Zimerman e Sidney Jard da Silva

PARTE II - Artigos

Capítulo 1
Um novo mundo que se ergue: a
sociedade industrial e urbana...............................89
Maria Gabriela S. M. C. Marinho e
Lucas de Almeida Pereira

Capítulo 2
Ser cientista social: a sociologia como
leitura do cotidiano..............................................107
Adriana Capuano de Oliveira, Danielle Yura e
Tamiles Mayumi Miyamoto

Capítulo 3
SER CIENTISTA SOCIAL: a antropologia e a
compreensão da cultura.......................................133
Marilda Aparecida de Menezes,
Aline Yuri Hasegawa e Jaime Santos Júnior

vi «
Capítulo 4
Ser cientista social: a ciência e a
interpretação do poder político.............................155
José Blanes Sala e Débora Corrêa de Siqueira

Capítulo 5
Ser cientista social hoje, no
século XXI........................................................175
Sérgio Amadeu da Silveira, Cláudio Luís de
Camargo Penteado, Thiago Desenzi e
Renato Rovai Júnior

Capítulo 6
SER CIENTISTA SOCIAL NO BRASIL: desafios
da pesquisa em instituições de acesso restrito......193
Camila Nunes Dias, Victor Rocca e
Cristiane Batista da Conceição

Autores................................................................... 215

» vii
Introdução

Adriana Capuano de Oliveira


Marilda Aparecida de Menezes

É com grande prazer que apresentamos


esta coletânea de artigos, com o objetivo de
divulgar o trabalho das ciências sociais para
o público jovem do Ensino Médio brasileiro.
Ser cientista social não é uma tarefa fácil no
Brasil, mas, assim como em qualquer outro
lugar no mundo, apesar de árdua, é uma ta-
refa estimuladora e instigante. Ser cientista
social é buscar incessantemente entender o
ser humano no convívio cotidiano com seus
pares em sociedade. Ser cientista social é se

»1
o que é ser cientista social

atirar no infinito desafio de, através da ciên-


cia e do conhecimento, dar vazão ao desejo
humano de tornar a nossa vida e a vida das
gerações futuras cada vez melhor, através da
práxis que necessita derivar de tal conheci-
mento. A práxis, palavra de origem grega que
significa atividade prática, alicerçada pelo
campo teórico do conhecimento, impulsiona-
-nos a dimensionar espaços sociais cada vez
mais justos ou, ao menos, idealizar essa jus-
tiça, unindo a compreensão da humanidade
em seus âmbitos mais amplos, significativos e
diversos, explorando as dimensões do poder,
da cultura e das sociedades em si. As ciências
sociais dividem-se em três grandes pilares,
que podem ser interpretados como estruturas
completas do saber: a sociologia, a antropolo-
gia e a ciência política. Juntos, esses três gran-
des pilares complementam-se, trabalhando
dimensões diferentes e interdisciplinares de
um mesmo viver humano em sociedade. A
sociologia, ciência que toma corpo no século


introdução

XIX, mas que bebe de reflexões centenárias da


filosofia política ocidental, focaliza o convívio
dos indivíduos e suas relações com aquilo
que aprendemos a chamar de sociedade, com
o coletivo em si. A antropologia, buscando
compreender o ser humano em sua dimen-
são mais radical, no sentido do homo sapiens,
uma espécie que se diferencia de todas as de-
mais marcadamente por sua capacidade de
produzir algo que convencionamos chamar
de cultura, explora a diversidade humana em
suas mais amplas potencialidades. A ciência
política, por sua vez, coloca o ser humano no
palco de disputas e de um sentimento que
acompanha a humanidade desde sua gênese:
a política e o poder.
Em linhas gerais, o livro ora apresenta-
do segue esse mesmo raciocínio da tríade das
ciências sociais. Antes, porém, apresenta três
grandes experiências de trabalho, de renoma-
dos cientistas sociais, um antropólogo, uma
socióloga e uma cientista social, todos profis-
sionais experientes de instituições brasileiras

»3
o que é ser cientista social

conceituadas, que, através de entrevistas,


comunicam o cotidiano dessa arte/profissão.
Primeiramente, a entrevista concedida pelo
professor Mauro Willian Barbosa de Almei-
da, professor colaborador do Departamento
de Antropologia da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), que relata sobre os ob-
jetos e métodos da antropologia. Em seguida,
a entrevista com a professora Heloísa de Souza
Martins, professora aposentada do Departa-
mento de Sociologia da Universidade de São
Paulo (USP), que nos narra sobre os objetos e
métodos da sociologia, além de repartir conos-
co como e por que acabou tornando-se soció-
loga. Por fim, uma entrevista com a professora
Maria Hermínia Tavares de Almeida, profes-
sora aposentada do Departamento de Ciência
Política e do Instituto de Relações Internacio-
nais da USP, que nos coloca diversos fatos inte-
ressantes e importantes sobre a profissão, sobre
o cenário político brasileiro de sua formação e
sobre os saberes da Ciência Política.


introdução

A segunda parte é composta por seis


capítulos escritos por professores e alunos
dos cursos de Mestrado e Doutorado do Pro-
grama Interdisciplinar de Ciências Humanas
e Sociais da Universidade Federal do ABC
(PCHS/UFABC), que descrevem, com lin-
guagem direta e acessível, mas nem por isso
menos densa ou significativa, o histórico das
linhas mestras e estruturas que compõem as
três grandes áreas das ciências sociais.
O primeiro capítulo, intitulado “Um
novo mundo que se ergue: a sociedade indus-
trial e urbana”, tem por objetivo apresentar
um panorama do cenário europeu onde essas
ciências surgem, fruto da chamada Dupla Re-
volução – a Revolução Francesa, das ideias, e
a Revolução Industrial, da técnica. Mediante
esse cenário, o mundo tal qual nós o conhe-
cemos hoje se inaugura. O capítulo apresenta
também uma reflexão que merece especial
destaque de nossa parte: o fato de que as ciên-
cias sociais nascem no bojo da fé na ciência

»5
o que é ser cientista social

como forma de resolução de todos os proble-


mas humanos. A partir do desenvolvimento
das ciências exatas, como a física, a astrono-
mia e a matemática, a ideia de que a ciência
poderia nos livrar das angústias derivadas da
condição humana nos espaços sociais ganha
corpo e se lança na aventura de conhecer e
dominar todos os aspectos sociais do ser hu-
mano. Desenvolve ainda esse mesmo capí-
tulo uma reflexão muito importante acerca
das ciências sociais no Brasil, colocando-nos
mais próximos dos caminhos trilhados por
elas aqui em terras de Cabral, trabalhando os
contextos históricos da formação das ciências
sociais em São Paulo, no Rio de Janeiro e no
Brasil de uma forma geral, e ambientando al-
guns dos acontecimentos mais marcantes do
século XX em nossa sociedade.
No segundo capítulo, “Ser cientista so-
cial: a sociologia como leitura do cotidiano”,
as autoras trabalham a formação da sociologia
alicerçada nos três grandes autores clássicos


introdução

dessa ciência: Émile Durkheim, Karl Marx e


Max Weber. Não há como pensar a forma-
ção da sociologia enquanto ciência, enquanto
prática e enquanto desafio teórico-metodo-
lógico sem pensar nesses três grandes ícones
da sociologia clássica do século XIX. A partir
de tais fundamentos, alguns conceitos-chave
desses intelectuais são abordados, tais como
a importância das normas e da moral para
Durkheim, a questão das ações sociais e da
racionalidade para Weber e a dimensão da
luta de classes e da exploração do trabalho
pelo capital em Marx. Algumas reflexões mais
contemporâneas são trabalhadas igualmente
nesse capítulo, levando o leitor a dar-se con-
ta do poder transformador da sociologia, que
nasce com o intuito de manutenção do status
quo, mas que desabrocha como grande ele-
mento contestador das realidades vivenciadas
no cotidiano das pessoas mundo afora. O ca-
pítulo traz ainda, por fim, algumas palavras
sobre a sociologia e a educação, haja vista que

»7
o que é ser cientista social

tal livro destina-se a um público do ambiente


escolar brasileiro (Ensino Médio).
O terceiro capítulo, dando continuidade
ao tripé das ciências que formam as ciências
sociais, focaliza a antropologia. Como bem
colocado no título, “Ser cientista social: a an-
tropologia e a compreensão da cultura” des-
taca um de seus conceitos mais preciosos, a
noção de cultura, ao lado de noções que a
complementam, como diferença, diversidade,
alteridade e etnicidade. De um começo bas-
tante arraigado no etnocentrismo europeu, no
qual o “Outro” exótico é modelo de compara-
ção entre a civilização e a barbárie, a antropo-
logia cresce e se desenvolve buscando refletir
sobre as mais variadas questões e formas de
humanidade. Assim, de Marcel Mauss e Bro-
nislaw Malinowski, o texto percorre autores
de distintos períodos da antropologia, pas-
sando por Radcliffe-Brown, Clifford Geertz
e Lévi-Strauss, caracterizando, dessa for-
ma, as contribuições dos mais significativos


introdução

estudiosos do campo antropológico, através


das escolas e marcadores conceituais e me-
todológicos. O artigo contextualiza ainda o
repertório, percorrido através da História,
sobre as contribuições da antropologia, desde
uma ciência europeia etnocêntrica e mesmo
preconceituosa até a vertente de uma ciência
que pode ser interpretada como um bastião
da compreensão e como uma defensora das
diferenças e multiplicidades mais amplas, de
gênero, raça, cor, etnia, crenças, enfim, de to-
das as possibilidades de contemplação da di-
versidade humana.
O quarto capítulo, “Ser cientista so-
cial: a ciência política e a interpretação do
poder”, analisa tanto as atividades profissio-
nais exercidas pelo cientista político quanto
o que constitui a ciência política. Os autores
se detêm nos conceitos que fundamentam
essa ciência, como política, povo, poder e de-
mocracia, e apresentam alguns autores clás-
sicos, como Platão, Aristóteles, Jean-Jacques

»9
o que é ser cientista social

Rousseau, Thomas Hobbes, Immanuel Kant,


John Locke, Montesquieu e Karl Marx. Para
os autores, a ciência política tem um signifi-
cado teórico e prático, pois ela pode nos aju-
dar a compreender o exercício da política, ou
seja, como e por que as deliberações dos po-
líticos influenciam a vida dos cidadãos de um
município, de um estado ou de uma nação,
tanto para o bem quanto para o mal.
O quinto capítulo, “Ser cientista social
hoje, no século XXI”, analisa como os avanços
das tecnologias de comunicação e informação
têm sido centrais no processo de mudança
estrutural da sociedade e de suas dinâmicas
de poder. As transformações são influencia-
das por um padrão capitalista de consumo e
individualidade e por processos globais ante
os locais. A argumentação se fundamenta
em diversos conceitos, como sociedade rede,
redes globais-locais e cidadão tecnológico, e
destaca os desafios teóricos e metodológicos
que as redes sociais na internet colocam para

10 «
introdução

a pesquisa. Os autores defendem que as pes-


quisas devem considerar o crescente grau de
conectividade das pessoas e a quantidade de
informações que são geradas nas redes em
cada clique, postagem, comentário, navega-
ção em sites, perfis, páginas nas redes distri-
buídas, cujas redes sociais são nós de grande
concentração.
O sexto capítulo, “Ser cientista social no
Brasil: desafios da pesquisa em instituições de
acesso restrito”, analisa os desafios de se fazer
trabalho de campo em instituições fechadas
ou de acesso restrito, a partir de três casos
empíricos: abrigo para crianças e adolescen-
tes, unidades socioeducativas de internação e
instituições prisionais. Considerando a con-
dição de vigilância e controle sobre os indiví-
duos nesses espaços, é comum a desconfiança
e tensão do entrevistado em conceder entre-
vista a pesquisadores. Torna-se necessária, as-
sim, a construção de uma relação de confiança
com os sujeitos da pesquisa, o que envolve a

» 11
o que é ser cientista social

negociação cotidiana com os agentes que tra-


balham nessas instituições, sobre quem, onde
e quando entrevistar. A privacidade é um ele-
mento essencial e definidor da qualidade das
entrevistas e da manutenção da segurança do
entrevistado. Assim como outros textos neste
livro, esse capítulo tem uma preocupação teó-
rica e prática, ao se perguntar como o conhe-
cimento acadêmico poderá ser revertido para
minimizar as dores de milhares de indivíduos
e de suas famílias, cujas vidas se passam atrás
dos muros das instituições de acesso restrito.
Desejamos que esses textos contribuam
para as(os) leitoras(os) compreenderem os
propósitos das ciências sociais e sintam-se
estimuladas(os) a ampliar o conhecimento e
a ação crítica na vida social.

12 «
I e n t r e v i s ta s
ANTROPOLOGIA: a arte de ser
antropólogo/a

Entrevista realizada em 12 de setembro de


2014, com o Prof. Dr. Mauro Willian Bar-
bosa de Almeida.1

Entrevistadoras:
Profa. Emília Pietrafesa de Godoi (Unicamp) e
Profa. Marilda Aparecida de Menezes (UFABC).

1
  Ph.D. em Antropologia Social (Cambridge Universi-
ty, 1993) e Mestre em Ciência Política (Universidade de
São Paulo, 1979). Foi Tinker Professor na Universidade
de Chicago, em 2006, e fez pós-doutorado na Universi-
dade de Stanford. É Professor colaborador (aposentado)
no Departamento de Antropologia Social da Universi-
dade Estadual de Campinas, e membro do Centro de
Estudos Rurais (CERES) e atua nas seguintes áreas de
pesquisa: Amazônia, reservas extrativistas, diversidade
social e teoria antropológica. Participou da criação da
reserva extrativista do Alto Juruá e do planejamento
da Universidade da Floresta (Universidade Federal do
Acre − campus Floresta). Entre suas publicações, está o
livro A enciclopedia da floresta. O Alto Juruá: prática e
conhecimentos das populações, em coautoria com Ma-
nuela Carneiro da Cunha.

» 15
o que é ser cientista social

Emília: Como você vê a especificidade


do saber produzido pela antropologia, em
relação ao saber produzido pela sociologia,
ciência política ou história?
Mauro: Na minha experiência, o que
distingue mais o tipo de saber produzido pela
antropologia é a importância de ouvir a voz
dos outros, de se introduzir na situação de
vida deles, de se aproximar do cotidiano de
quem fala. Isso não quer dizer que não utilize
recursos das outras ciências sociais, como a
documentação histórica, questionários e da-
dos de censo; tudo isso é usado também pelo
antropólogo, mas aquilo que, pelo menos no
passado, caracterizava a disciplina era o tra-
balho de campo, que é guiado pelo desejo de
fazer uma imersão na vida do outro, da outra
pessoa e de um outro ponto de vista.
Quer dizer, o ideal é que a antropóloga
ou o antropólogo que vai estudar um povo
indígena viva durante algum tempo, meses e
até anos no lugar, com aquelas pessoas. Isso

16 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

não quer dizer que vá virar índio, mas vai


aprender como é a vida através da convivên-
cia. Se vai estudar uma favela ou a área rural,
faz a mesma coisa, ou seja, aproxima-se de
uma comunidade no seu dia a dia, olhando,
conversando, sentindo com as pessoas. Uma
aluna minha foi estudar em um centro de
pesquisa em Brasília, altamente técnico, que
dificilmente deixa gente de fora entrar, por-
que eles trabalham com conhecimentos re-
servados (é um laboratório de biotecnologia
que envolve patentes). Nesse caso, entrar no
ambiente é tão difícil quanto entrar em uma
aldeia indígena. A desconfiança de um visi-
tante de fora pode ser maior ainda, e a obser-
vação é mais difícil, porque o poder está do
lado dos observados, que podem facilmente
excluir o pesquisador. Quer dizer, primeiro é
necessário ganhar uma relação de confiança,
para, posteriormente, poder desenvolver esse
trabalho de observar o cotidiano, o que nem
sempre é fácil e exige acordos e compromissos

» 17
o que é ser cientista social

prévios, para assegurar a proteção da intimi-


dade dos outros e resguardar fatos ou conhe-
cimentos que devam permanecer velados.
Ninguém deixa entrar, na própria casa, um
pesquisador com liberdade total para contar
o que viu ou revirar as gavetas e arquivos à
vontade. O método da antropologia, que se
chama observação participante, ou trabalho
de campo intensivo, exige uma certa habili-
dade, que começa com a capacidade de se co-
municar com outras pessoas, com um modo
de vida diferente, com uma cultura diferente,
a fim de ganhar a confiança e estabelecer um
relacionamento. Mas também exige esses cui-
dados éticos com os direitos intelectuais e de
imagem e com a privacidade dos povos estu-
dados, um aspecto da profissão ao qual nem
sempre se deu atenção.
Emília: Em certo sentido, você já entrou
no próximo tópico que tínhamos em mente:
como se dá a construção desse conhecimento?
Mauro: O conhecimento antropológico
tem uma parte teórica e uma parte empírica

18 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

ligada ao trabalho de campo de que eu estava


falando. Essa combinação de teoria com pes-
quisa resulta do que se chama de etnografia.
Há vários pioneiros nessa prática, mas uma
situação que ficou muito famosa foi a de Bro-
nislaw Malinowski, um pesquisador de ori-
gem polonesa que estudava antropologia na
Inglaterra e estava em viagem de pesquisa nas
proximidades da Austrália quando começou a
Primeira Guerra Mundial. Sendo súdito aus-
tríaco, era considerado tecnicamente inimigo
e terminou passando a guerra em uma espécie
de prisão insular, vivendo nas Ilhas Trobriand,
que hoje fazem parte de Papua Nova Guiné.
Ele podia ter ficado na casa do administrador
colonial, mas, em vez disso, pelo menos é as-
sim que se conta, instalou sua barraca bem no
meio da aldeia e ficou morando lá por longos
períodos de tempo, numa imersão total, dia
e noite, ouvindo as fofocas das pessoas, ven-
do as pessoas se levantarem, irem trabalhar
etc. É um exercício que ninguém do meio

» 19
o que é ser cientista social

acadêmico tinha feito antes, pois geralmente o


pesquisador ficava na casa do administrador
e fazia visitas para entrevistar pessoas, ou en-
tão elas é que eram chamadas para conversar
no hotel. Essa técnica mais light ainda é mui-
to usada; é muito difícil, às vezes, viver dia e
noite em outro meio por meses a fio. A partir
dessa experiência, Malinowski introduziu na
Inglaterra a noção de que o conhecimento an-
tropológico consiste primeiro em descrever a
vida social pela observação cotidiana e depois
fazer uma elaboração teórica. Malinowski es-
creveu que a base do conhecimento empírico
são observações objetivas sobre o cotidiano, e
também textos que reproduzem mitos e afir-
mações dos moradores, mas ao lado disso ele
queria, pela convivência, chegar aos aspectos
“imponderáveis” da vida cotidiana, ou seja,
aquilo que está na maneira de fazer e de di-
zer as coisas, que é uma dimensão apreendida
mais pela subjetividade do que pelo registro
de atos e de coisas. É bom lembrar que, na

20 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

Alemanha, também houve antropólogos que


viveram anos junto aos povos locais, como
Koch Grünberg e Kurt Nimuendaju, e que nos
Estados Unidos também houve uma tradição
de pesquisa de campo trazida por Franz Boas,
mas já com o precedente de Lewis Morgan. En-
tão, o método etnográfico tem várias origens.
Estou falando de uma antropologia mais
antiga, tradicional, porque hoje em dia essa
maneira de fazer pesquisa mudou muito − até
porque as relações entre os pesquisadores e
os povos e comunidades também mudaram
muito. Muitos desses povos e comunidades
eram estudados por antropólogas e antropó-
logos, que saíam de casa e iam viver no meio
deles. Hoje em dia, os jovens desses povos é
que deixam suas comunidades e aldeais para
estudar antropologia ou outras ciências na
universidade, e muitos deles estão escreven-
do estudos sobre o seu próprio povo em uni-
versidades que estão criando programas des-
tinados a indígenas, como em Pernambuco,

» 21
o que é ser cientista social

em Brasília e em outras cidades. Ou seja, eles


fazem o mesmo que nós quando escrevemos
nossa própria história ou quando analisa-
mos a vida social e política da sociedade em
que vivemos. Mas surge aí também a possi-
bilidade de fazer comparações interessantes.
Então, há hoje outras maneiras de gerar o
conhecimento antropológico e uma delas é a
colaboração entre um antropólogo, com mui-
ta experiência de campo, e um pensador indí-
gena, gerando uma visão do modo de pensar
e de viver indígena. Um exemplo disso é o li-
vro de autoria do antropólogo francês Bruce
Albert em colaboração com o xamã Ianoma-
mi David Kopenawa. Outro exemplo são os
povos indígenas do Acre, que, há algum tem-
po, estão divulgando saberes sobre sua histó-
ria e sua visão do mundo em livros bilíngues,
em colaboração com a Comissão Pró-Índio
de lá e com outras instituições, como, recen-
temente, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
No Rio Negro, também está ocorrendo esse
tipo de produção.

22 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

Hoje existe essa antropologia colabo-


rativa, baseada na colaboração e na troca de
conhecimentos, usando novas tecnologias
de pesquisa. Por exemplo, o vídeo tornou-se
um recurso muito usado por índios em todo
o Brasil como um meio de documentar mo-
dos de vida, histórias, tradições e mitos, de
forma a trazer isso para as novas gerações. É
um meio muito interessante, porque não exi-
ge que você use a escrita, é o registro da fala,
da vida, do visual, que capta muitos daqueles
aspectos imponderáveis da vida de que Ma-
linowski falava. Tenho um amigo Kaxinawá
que não estudou em escola, mas ganhou prê-
mios internacionais como cineasta, inclusive
antes de ter visto um filme no cinema, apren-
deu a usar a câmera no meio do mato e criou
um modo de fazer cinema pela prática. Uma
organização chamada Vídeo nas Aldeias tra-
balha com isso. São maneiras de se fazer pes-
quisa antropológica, embora seja usado tam-
bém por outras disciplinas.

» 23
o que é ser cientista social

Há outras técnicas que estão sendo mui-


to usadas, como a elaboração de mapas que
localizam territórios onde pessoas vivem e
os recursos que utilizam, enfim, tudo que for
importante registrar espacialmente. No Insti-
tuto Socioambiental, antropólogos, junto com
geógrafos e outros profissionais, colocam as
terras indígenas nos mapas, com informações
disponíveis ao público. O programa chamado
Cartografia Social, coordenado pelo antropó-
logo Alfredo Wagner Berno de Almeida, en-
volve comunidades e equipes locais para dar
visibilidade a pessoas. Antigamente, as téc-
nicas de cartografia só eram acessíveis para
especialistas e, quando satélites começaram a
mandar informações regulares, precisava-se
de muito equipamento e estudo para obter
e processar essas informações. Hoje em dia,
os equipamentos estão muito mais baratos,
pode-se aprender a usar os programas, e os
aparelhos GPS permitem localizar com pre-
cisão roçados na floresta. Jovens caiçaras que

24 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

moram na Juréia estão começando o mapea-


mento do território de seus pais e aprenden-
do com pesquisadoras da Universidade do
ABC Paulista e da USP como elaborar mapas
e como interpretar os dados com uma visão
ecológica. Isso é muito importante para que
possam fazer planos de uso do território e rei-
vindicar seus direitos.
Às vezes, é importante simplesmente
ouvir uma narrativa da vida de um indivíduo,
da sua história, e simplesmente registrar isso,
talvez com explicações para que o leitor com-
preenda o contexto daquela narrativa. Isso se
torna um documento que fica para sempre,
um documento de valor histórico e cultural
e, muitas vezes, de valor filosófico e científico.
Às vezes, o objetivo mais importante é enten-
der como é que um certo grupo de pessoas
está se relacionando com vários outros, fa-
zendo uma espécie de teia de aranha, formada
pela amizade, pelo parentesco, pelo comércio.
Com o conhecimento dessas redes, pode-se

» 25
o que é ser cientista social

entender melhor a vida social de hoje em dia.


Quer dizer, a pesquisa não é mais realizada
só em aldeias, em comunidades localizadas,
mas também em comunidades abertas, como
as comunidades web. Isso já é parte do que a
Antropologia estuda, e, aliás, os antropólogos
foram pioneiros no estudo das redes sociais
boca a boca, quando ainda não havia internet.
Marilda: Como fazer pesquisa usando
o celular ou as tecnologias de comunicação?
Mauro: Algumas das novas técnicas de
pesquisa são parte da trajetória do grupo de
pessoas que você está querendo estudar. Isso
se aplica a comunidades da web, que às vezes
estão mais avançadas do que o pesquisador
no uso das novas tecnologias. As mensagens
da internet são diretas, são o registro de con-
versações em andamento, suscitam novas
questões sobre a privacidade, a autorização, e
temos que olhar para isso. Então, atualmen-
te, você tem uma combinação de meios que,
de fato, alterou bastante a maneira de se fazer

26 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

as coisas. Há também antropólogos que es-


tudam o chamado ciberespaço, pesquisando
atividades de nazistas on-line, ou empresas
que empregam jogadores que acumulam bô-
nus que são depois convertidos em dinheiro
em sites de leilão.
Um assunto que está sendo cada vez
mais estudado por antropólogos é o impac-
to de grandes projetos, como a construção de
barragens para a produção de energia elétri-
ca, bem como ferrovias e centros portuários
para a transmissão de produtos, além da ex-
ploração de xisto na fronteira, da mineração
em larga escala e da mecanização de ativida-
des agrícolas em áreas que eram utilizadas
por esses grupos sociais. Trata-se, então, do
impacto do Estado e de empresas sobre a vida
das pessoas, seja diretamente ao expulsá-las
de seus lugares, seja pela destruição dos am-
bientes dos quais elas dependem para viver.
Então, dar voz a esses grupos sociais atingi-
dos pelo desenvolvimentismo, colocando-os

» 27
o que é ser cientista social

no circuito da visibilidade, é outra contribui-


ção interessante da antropologia. Há também
outro aspecto. Não se trata apenas de relatar
o que acontece, mas de escutar outros pontos
de vista sobre o que é o desenvolvimento. Isso
significa a oportunidade de aprender com as
pessoas, aprender a olhar de maneira diferen-
te para os problemas do ambiente ao qual es-
tou acostumado.
Emília: Esse é um aspecto muito impor-
tante. Ainda nesse sentido, que relação você
estabeleceria entre um saber antropológico e
um saber adquirido de um dito popular tra-
dicional?
Mauro: Trata-se aí da relação entre o
conhecimento científico e o conhecimento
tradicional, isto é, o saber de agricultoras, pes-
cadores, artesãs e assim por diante, que, nes-
sas atividades, utilizam todo tipo de conheci-
mentos. São pessoas que não tiveram estudo
na escola, não utilizam os métodos de labo-
ratório nem a linguagem escrita e matemática

28 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

e que, por isso, não são consideradas como


praticantes da ciência.
Essa diferença de tratamento deve ser
criticada. Estou atualmente participando de
um programa de pesquisa, com agricultores
e agricultoras, mulheres, indígenas, ribeiri-
nhos e caboclos, com a participação não só
de antropólogas, mas também de botânicas,
agrônomas, especialistas em Direito e em
outras disciplinas. O objetivo é entender e
valorizar os sistemas agrícolas tradicionais,
que são desvalorizados, em favor da tec-
nologia a serviço da agroindústria. Ocorre
que, no mínimo, os dois tipos de conheci-
mento, o tecno-científico e o tradicional, são
complementares. A população humana se
alimenta com base em umas poucas espécies
alimentares domesticadas, que foram resul-
tado da atividade de agricultores por volta
de 10 mil anos atrás nos vários continentes.
A batata foi domesticada nos Andes, o mi-
lho foi domesticado na América Central, a

» 29
o que é ser cientista social

mandioca foi domesticada na Amazônia.


O ponto importante é que, para tomar o
exemplo da mandioca, os povos indígenas
da Amazônia continuam a desenvolver hoje
em dia novas variedades de mandioca, mos-
trando que o conhecimento tradicional não é
estático, mas um processo dinâmico. É o que
a botânica Laure Emperaire tem investigado
junto a agricultoras indígenas do médio Rio
Negro, mulheres com enorme competência
para realizar experimentos com plantas, ob-
servando pequenas diferenças e selecionando
as variantes que, por alguma razão, acham
interessantes, formando coleções e lhes dan-
do nomes. É uma ciência mais lenta do que
a de laboratórios, mas que obtém resultados
interessantes. Nesse exemplo que citei, Laure
Emperaire e colaboradoras da equipe verifi-
caram que as mulheres indígenas cultivam,
em uma área relativamente pequena perto
de Santa Isabel do Rio Negro, cerca de 120 ti-
pos diferentes de mandioca ou de macaxeira.

30 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

Uma é mais doce; outra mais amarga; outra


protege contra pragas por causa do veneno;
uma tem a cor amarelada e dispensa coran-
te; a outra tem mais teor de proteína melhor;
uma se conserva muito tempo debaixo do sol,
então você não precisa armazenar em silo; a
outra pode ser colhida em seis meses, o que
é útil quando o rio está cobrindo a várzea ou
quando você quer vender rapidamente; ou-
tra tem mais fibra e a outra menos; enfim,
essa diversidade é muito importante, e indo
lá você percebe que elas estão criando hoje
em tempo real. Inspirado por esse exemplo,
fui atrás e descobri que, no Alto Rio Juruá,
antigos seringueiros também fazem esses ex-
perimentos, criando e batizando novas varie-
dades de mandioca. Há antigos seringueiros
que hoje são autênticos especialistas agríco-
las, combinando plantas silvestres, mudas e
sementes fornecidas por técnicos com plantas
herdadas dos sistemas locais e, assim, obten-
do novas variedades adaptadas às condições

» 31
o que é ser cientista social

locais e aos novos gostos de consumo. O Sr.


Caxixa no Rio Tejo, o Nonatinho do Rio Bagé
e vários outros antigos seringueiros são bons
exemplos entre os que conheço, sem falar nos
indígenas da região, como o Benki do povo
Ashaninca.
Essa ciência da tradição se baseia na
transmissão oral do conhecimento, que circula
em extensas redes de parentesco e de trocas e
que é testado por experiências que são parte da
vida cotidiana. É um conhecimento que tam-
bém é movido pela curiosidade e pelo senso
estético. Ele é aplicado em várias áreas, como
o papel das abelhas na agricultura, e já se sabe
que o desaparecimento de certos tipos de abe-
lhas vai afetar a segurança alimentar, porque
afeta também a continuidade de plantas e ve-
getais, já que a polinização é feita por elas.
Eu falei até muito dessa área, porque é
onde uma equipe da qual eu participo está
fazendo pesquisa. Outros antropólogos estão
chamando a atenção para o fato de que povos

32 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

indígenas das Américas são, também, fontes


de sabedoria, contida nos seus mitos e nas li-
ções dos seus pagés e xamãs. Esses povos pos-
suem visões alternativas sobre o sentido da
vida, que apontam para soluções diferentes
das que são habituais para nós. Lévi-Strauss,
que foi um grande estudioso dos mitos indí-
genas das Américas, destacou a importância
dessas histórias de um tempo em que os bi-
chos falavam e eram tão humanos como nós
e em que astros e pessoas se comunicavam
entre si. É uma visão que integra a humani-
dade na natureza e tem, assim, algo em co-
mum com lições de biólogos e ecologistas, só
que formuladas por ameríndios que, de fato,
convivem com a natureza de maneira muito
próxima. Hoje estamos chegando a uma per-
cepção de crise ambiental para a qual se de-
batem soluções. Conforme tem dito Eduardo
Viveiros de Castro, as visões do mundo des-
ses povos indígenas e tradicionais devem ser
levadas em conta pelos que buscam soluções

» 33
o que é ser cientista social

novas, porque nem tudo se resolve pela tec-


nologia. Também queria chamar a atenção
para uma área recente da pesquisa antropoló-
gica, que trabalha com as relações sociais e de
produção que abrangem humanos e animais,
tanto no âmbito doméstico quanto na indús-
tria alimentícia. É uma frente de pesquisa que
rejeita as fronteiras tradicionais da antropo-
logia e que defende direitos animais, sendo
exemplificada pela atuação de Nádia Farage e
de seu ex-orientando Felipe Vander Velden.
Emília: Algo importante que minhas
colegas fazem é uma antropologia interessada
nas questões de gênero, de reprodução de po-
líticas de saúde voltada para esse tipo de pro-
blema de identidade, temas que, hoje em dia,
estão sendo ativamente debatidos, que estão
na agenda inclusive dos políticos.
Mauro: Você tem razão em apontar para
essa área de atuação, na qual tenho menos co-
nhecimento pessoal. Mas é uma área em que
a pesquisa antropológica atual se cruza com

34 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

a militância LGBT e feminista e com a defe-


sa da mulher contra a violência doméstica,
além de incluir, também, estudos da velhice
e da juventude. Outra atual área de atuação
de antropólogas e antropólogos é o estudo da
violência urbana, violência que ocorre nas
favelas, em moradias das cidades de baixa
renda. O estudo da vida urbana é tradicional
na antropologia norte-americana e inglesa,
mas foi bastante renovado recentemente.
Um pioneiro nesses estudos atuou inicial-
mente como motorista de ônibus e escreveu
um livro sobre Los Angeles, que inspirou es-
tudos no Brasil.
Há também antropólogos que hoje tra-
balham para o governo, como os que tra-
balham no Ministério Público Federal. Sua
função é cumprir uma exigência legal de
governos, que é a existência de laudos antro-
pológicos acerca dos impactos de projetos e
de obras sobre a população local. É uma área
de pesquisa em que é preciso haver muito

» 35
o que é ser cientista social

cuidado, porque o risco de manipulação de


antropólogos por empresas que encomendam
as pesquisas é muito grande.
Emília: Você comentou bastante sobre
o que podíamos chamar de uma antropolo-
gia colaborativa, com outras áreas da ciência,
mas também com outras pessoas do próprio
campo. Há também outras ideias, como o
conhecimento antropológico como coprodu-
ção, aquele saber coautoral que transforma-
mos em conhecimento, melhor dizendo, que
transformamos em livro. Queria que você
comentasse um pouco sobre o que você acha
dessas ideias, qual é a saída.
Mauro: É uma tendência importante e
há diversas maneiras de fazer isso. David Pri-
ce escreveu um livro chamado First Time, que
quer dizer Primeiro Encontro, uma coleção
de relatos orais sobre os Saramakas do Suri-
name, os descendentes de africanos que fugi-
ram da escravidão e permaneceram livres até
os dias de hoje. A saída de David Price foi pôr,

36 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

numa página, os textos dos Saramakas com


seus autores identificados por nome e foto e,
na página oposta, apresentar os comentários
e as informações do antropólogo. Foi uma
solução para manter na integridade as narra-
tivas originais dos Saramaka e também forne-
cer o ponto de vista interpretativo do autor.
Uma outra solução é a de um livro recente de
Bruce Albert e David Kopenawa, resultado
de décadas de diálogo entre o antropólogo e
o xamã Ianomami, em que há uma narrati-
va de um só autor indígena, acompanhada de
notas e comentários que permitem ao leitor
situar o profundo texto no contexto históri-
co e social. Há outros exemplos em que há
fusão da contribuição dos participantes aca-
dêmicos e tradicionais, mas com crédito para
todos os autores. Um exemplo recente é um
artigo publicado na revista Science, com um
trabalho sobre a civilização pré-colombiana
do Alto Xingu, assinado por Heckenberker
e associados da Universidade da Flórida, por

» 37
o que é ser cientista social

uma equipe de antropólogos e linguistas do


Museu Nacional do Rio de Janeiro e por Afu-
kaka Kuikuro, representando a contribuição
indígena para a pesquisa.
Manuela Carneiro da Cunha e eu, junto
com o biólogo Keith Brown, da Universida-
de Estadual de Campinas, organizamos um
livro intitulado Enciclopédia da floresta, em
que a solução foram artigos com autoria co-
letiva, que mistura antropólogos, biólogos,
agrônomos, indígenas e caboclos. O projeto
original previa uma série de volumes, em que
cada povo teria sua contribuição individuali-
zada. Por exemplo, só o volume dos Ashanin-
ka teria aproximadamente 400 páginas, com
ilustrações, calendários e mitos completos.
A ideia era publicar volumes separados para
os Ashaninka, os Kaxinawá, os Katukina e os
seringueiros, além de resultados sobre vege-
tação, solos e animais. Por razões editoriais,
só foi possível publicar um volume de síntese,
em que essas contribuições foram agrupadas

38 «
entrevista com mauro william barbosa de almeida

por temas. Outro problema foi a repartição de


benefícios para essa publicação, e a solução
foi repartir os direitos autorais, inclusive de
fotos e de imagens, entre cinco associações.
Havia três associações de povos indígenas e
a associação dos seringueiros, mas as mu-
lheres Kaxinawá exigiram o reconhecimento
separado, como donas dos Kene, que são as
imagens usadas na tecelagem e em pinturas
faciais, herdadas por elas de animais ances-
trais. Os kene parecem para nós belos padrões
geométricos, mas para os Kaxinawá são como
narrativa visual sobre a história do mundo,
que é dividida em metade da onça-pintada
e metade da suçuarana, mas as mulheres
também têm suas próprias metades, que se
complementam como as dos homens. Dou
esse exemplo para indicar que a questão da
autoria e da colaboração é questão bem com-
plexa, já que os conhecimentos indígenas não
são de todos, mas se repartem por linhagens,
por gerações e por gêneros. Há casos como

» 39
o que é ser cientista social

o de narradores urbanos que relatam a vida


de suas comunidades em romances que são
autênticos documentos etnográficos, como é
o caso de autores locais que escrevem sobre
suas comunidades, como Ferréz, autor de Ca-
pão pecado, e Paulo Lins, que escreveu Cidade
de Deus. No caso de Lins, vale a pena lem-
brar que o livro começou com a colaboração
da antropóloga Alba Zaluar Guimarães. Es-
ses autores usaram a forma do romance para
narrar a experiência da vida em favelas, ter-
mo usado por Ferréz. Ao fazer isso, chegaram
por conta própria à posição defendida por
Clifford Geertz, para quem a antropologia
está mais próxima das artes do que da ciência.

40 «
SOCIOLOGIA: a arte de ser sociólogo/a

Entrevista realizada em 26 de setembro de


2014, com a Profa. Heloísa Helena Teixeira
de Souza Martins.1

Entrevistadores: Adriana Capuano de Oliveira


(UFABC) e Adriano Aquino de Araújo (UFABC).

Adriana: Professora Heloísa, a primei-


ra questão que eu gostaria que a senhora

1
 Possui graduação em Ciências Sociais pela Univer-
sidade de São Paulo (1963), mestrado em Sociologia
pela Universidade de São Paulo (1975) e doutorado em
Sociologia pela Universidade de São Paulo (1986). Atu-
almente é professora doutora aposentada da Universi-
dade de São Paulo, assessora ad hoc da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e asses-
sora ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Esta-
do de São Paulo. Tem experiência na área de Sociologia,
com ênfase em Sociologia do Trabalho, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: trabalho, sindicalismo,
juventude, desemprego e mercado de trabalho. Nos úl-
timos anos tem trabalhado com a questão da Sociologia
no Ensino Médio, produzindo material didático para
professores e alunos.

» 41
o que é ser cientista social

comentasse é porquê a senhora escolheu ser


socióloga.
Heloísa: Em primeiro lugar eu gosta-
ria de esclarecer o motivo de minha escolha
pelo curso de ciências sociais. Eu fiz a antiga
Escola Normal que formava para o exercício
do magistério nas quatro séries do chamado
grupo escolar, hoje os anos iniciais do ensino
fundamental. Sempre estudei em escola pú-
blica e a minha competência, digamos assim,
era voltada para a área de humanas.
Eu também fiz a Escola Normal por que
imaginava que poderia arrumar um emprego
como professora primária e, assim, financiar
os meus estudos na faculdade, pois minha
família não tinha condições de bancar meus
estudos universitários. Na época, as opções
eram USP ou PUC, não existiam muitas ins-
tituições de ensino superior, mas meu esforço
mesmo era voltado à escola pública.
Na Escola Normal eu tive meu primei-
ro contato com a Sociologia por intermédio

42 «
entrevista com heloísa de souza martins

de um professor muito interessante, Geraldo


Brandão, que era formado pela USP. Ele ha-
via escrito dois livros didáticos de Sociologia:
Sociologia Geral e Sociologia da Educação.
Na bibliografia do curso ele incluía livros de
Durkheim, principalmente textos voltados à
educação. Enfim, era um professor que incen-
tivava muito os alunos, suas aulas eram inte-
ressantes, pois discutia assuntos relacionados
com as sociedades brasileira e mundial. Foi
em suas aulas que eu ouvi falar pela primeira
vez em socialismo.
Foi esse professor de Sociologia que
trouxe, em uma de suas aulas, informações
impressas a respeito do vestibular na USP, na
tentativa de incentivar seus alunos para que
continuassem os estudos. Até então eu pen-
sava em fazer o curso superior em História e
ser professora das séries que hoje constituem
o ensino Fundamental II e Médio. Foi então
que descobri o curso de ciências sociais e,
para minha satisfação, as disciplinas para o

» 43
o que é ser cientista social

vestibular desse curso eram de história geral


e história do Brasil, disciplinas que eu gostava
e conhecia bem, além de português e língua
estrangeira.
Conversei com o professor Brandão e
ele estimulou muito para que eu e mais ou-
tra colega fizéssemos o vestibular para ciên-
cias sociais. Eu entrei no curso da Faculda-
de de Filosofia, Ciências e Letras no ano de
1960. No primeiro ano pensei inicialmente
em fazer antropologia, mas, já no segundo
semestre – as disciplinas eram anuais – das
aulas de Introdução à Sociologia fui me di-
recionando para esta disciplina. Eu entrei
no ensino superior em um momento muito
importante da universidade e da sociedade
brasileiras. A Universidade de São Paulo, que
fora criada em 1934, tinha como seus obje-
tivos formar professores para as escolas pú-
blicas e desenvolver o espírito científico entre
os intelectuais brasileiros. Pode-se dizer que a
USP ainda não completara o seu processo de

44 «
entrevista com heloísa de souza martins

institucionalização. Os intelectuais estrangei-


ros, recrutados para a formatação científica
de seus cursos já haviam deixado o país e uma
nova geração de cientistas brasileiros assumiu
a responsabilidade pela formação dos jovens
que buscavam o ensino superior. A sociolo-
gia, por sua vez, buscava superar a sua fase
ensaística afirmando as suas bases científicas,
munindo seus quadros de consistentes refe-
renciais teóricos e metodológicos. Vários de
nossos professores estavam defendendo as
suas teses de doutorado e publicando os seus
primeiros trabalhos. A sociedade brasileira
passava por grandes mudanças, com a acen-
tuação dos processos de urbanização e in-
dustrialização, a formação da classe operária,
a discussão sobre as reformas de base. Eram
questões que desafiavam os cientistas sociais
e os sociólogos já ocupavam uma posição sig-
nificativa na construção do conhecimento a
respeito desses processos sociais. A impressão
que se tinha é que tudo estava por ser feito,
tudo demandava uma explicação científica.

» 45
o que é ser cientista social

O meu interesse por essas questões co-


meçara, na verdade, com as leituras que o
professor Brandão recomendava em suas au-
las. Foi nesse período que minha atenção foi
despertada para as questões políticas, sociais
e econômicas. Começara a questionar e me
afastar dos valores advindos de minha forma-
ção católica, adotando um pensamento críti-
co ao passo que me envolvia com indagações
relacionadas com os problemas que marca-
vam a vida na sociedade brasileira. Apesar de
meus pais terem concluído apenas as quatro
séries iniciais da formação escolar, a educação
era um valor familiar e a existência em casa
de livros e jornais diários marcou a minha
infância e adolescência. Eu era uma leitora
voraz, especialmente de literatura brasileira.
Com quinze anos já havia lido quase todas as
obras de Machado de Assis, José de Alencar,
Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do
Rêgo e Érico Veríssimo.
Na universidade, a Sociologia era a
disciplina que mais contribuía para atender

46 «
entrevista com heloísa de souza martins

essas minhas inquietações devido aos bons


professores que eu tinha. No primeiro ano fui
aluna de Fernando Henrique Cardoso e Ma-
rialice Foracchi, no segundo de Maria Isaura
Pereira de Queiroz e de Octávio Ianni. Este
foi o responsável por um importante curso
de Métodos de Pesquisa Social, com ênfase
na metodologia científica da pesquisa. Mas, a
maior influência veio de Azis Simão, de quem
fui aluna na disciplina de Prática de Pesquisa e
que despertou o meu interesse pelos estudos a
respeito do sindicato e do movimento sindical.
Na época, a constituição da classe operária e
o fortalecimento do sindicato como seu órgão
de representação desafiavam as explicações
dos cientistas sociais e as pesquisas científicas
sobre esses temas estavam ainda no começo.
O grande apoio para o desenvolvimento
desse meu interesse foi dado pelo professor
Azis Simão. Na época ele conseguiu bolsas da
FAPESP para que alunos de iniciação cien-
tífica o ajudassem em suas pesquisas sobre

» 47
o que é ser cientista social

os movimentos operário e sindical. Como


ele era deficiente visual, precisava auxiliares
para a pesquisa de campo. Fui contemplada
com uma dessas bolsas, o que para mim foi
um deslumbre, pois ele me deu como tarefa
a leitura de antigos jornais e recolher todas
as notícias a respeito do movimento operário
e dos sindicatos de final do século XIX até o
ano de 1940. A minha primeira experiência
de pesquisa foi, então, com o levantamento
de documentos na hemeroteca da Biblioteca
Municipal e do Arquivo do Estado. Essa pes-
quisa resultou em sua tese de livre-docência,
publicada com o título “Sindicato e Estado
no Brasil” até hoje um clássico da Sociologia
do Trabalho brasileira. Para mim, essa foi
uma oportunidade enorme, tanto para a vida
acadêmica como profissional.
A questão operária foi se constituindo,
então, não apenas um desafio intelectual, mas
também político, pois a essa aprendizagem
em pesquisa juntou-se a minha militância

48 «
entrevista com heloísa de souza martins

no movimento estudantil. Nós tínhamos um


Centro Acadêmico das Ciências Sociais, o
CEUPES, e o Grêmio da Faculdade de Filo-
sofia, Ciências e Letras, do qual fui, em uma
gestão, parte da diretoria.
O grupo político ao qual eu me liguei
enquanto estudante era de orientação marxis-
ta-leninista, a Polop (Política Operária). Eu
não tinha nenhuma posição especial no gru-
po, mas eu me identificava com as ideias e os
questionamentos que essa organização fazia
às teses de outros grupos políticos, em espe-
cial o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a
respeito da sociedade brasileira. A sociologia
que me interessava, então, era aquela que me
permitia entender as questões relacionadas
com o urbano, a classe operária, a indústria.
Essa era minha paixão.
Com o professor Azis eu tive a mi-
nha iniciação em pesquisa e com ele pude
perceber mais claramente o que significa-
va ser sociólogo e fazer sociologia. Aprendi,

» 49
o que é ser cientista social

principalmente, que a sociologia é uma ciên-


cia empírica, que a construção da explicação
científica da realidade social resulta da es-
treita relação entre o empírico e o teórico e
que a teoria sociológica não avança, não se
reformula se não partir da acurada observa-
ção dos fatos sociais. Com ele aprendi tam-
bém que as questões que de certa maneira nos
predispõem ao exercício da pesquisa, são as
questões que têm a ver com problemas que
antes de se definirem como problemas teóri-
cos são problemas sociais que nos inquietam,
exigem o nosso compromisso e desafiam a
nossa curiosidade.
Foi o professor Azis que me encami-
nhou também para o primeiro emprego após
a conclusão do curso. Indicou-me para traba-
lhar no Departamento Intersindical de Esta-
tística e Estudos Socioeconômicos – Dieese
–, órgão mantido por entidades sindicais de
trabalhadores, que estava sendo reorganizado
pelo sociólogo José Albertino Rodrigues após

50 «
entrevista com heloísa de souza martins

o golpe militar de 1964. Segundo Azis, se eu


queria estudar a organização dos sindicatos no
Brasil deveria observá-lo de “dentro”, acompa-
nhando o cotidiano dessas entidades, oportu-
nidade que o trabalho no Dieese me ofereceria.
Eu fora selecionada para trabalhar no setor de
Relações Humanas em uma grande empresa
multinacional, ganhando salário muito maior
do que me foi oferecido pelo Dieese, mas pre-
feri seguir a orientação de meu professor. Com
ele e com José Albertino Rodrigues construí
uma visão dos dirigentes sindicais e desenvolvi
uma metodologia de pesquisa que adotei em
minhas futuras investigações.
Na época em que fiz meu curso de ciên-
cias sociais as perspectivas teóricas que pre-
valeciam eram o positivismo, com o funcio-
nalismo durkheimiano e a dialética de Karl
Marx. Max Weber ainda era uma descoberta
recente e a leitura que fiz foi em disciplina de
Política, com Francisco Weffort e Célia Gal-
vão Quirino. No campo da metodologia de

» 51
o que é ser cientista social

pesquisa, as técnicas qualitativas predomina-


vam, com os estudos de caso, os estudos de
comunidade, a reconstrução histórica. A es-
tatística era uma disciplina importante, pois
fornecia as referências fundamentais para
outro modelo de pesquisa, o survey, desen-
volvido na sociologia norte-americana e que
aparecia como o novo padrão de trabalho
científico. A ida para o Dieese contribuiu para
ampliar o meu conhecimento da metodologia
quantitativa, pois tinha como incumbência a
retomada do cálculo do custo de vida na cida-
de de São Paulo.
Mas, fundamentalmente, a permanên-
cia no Dieese me permitiu a convivência com
os dirigentes sindicais e a aquisição de uma
compreensão mais acurada das entidades sin-
dicais e dos dilemas do sindicalismo nas di-
ferentes categorias profissionais. O conheci-
mento empírico que obtive com a observação
direta – na realidade, participante em alguns
momentos – do cotidiano da vida sindical,

52 «
entrevista com heloísa de souza martins

inicialmente como técnica e depois direto-


ra técnica em substituição de José Albertino
Rodrigues, resultou na definição do proble-
ma teórico que orientou a minha dissertação
de mestrado: o estudo do dirigente sindical
como burocrata. Uma tese weberiana, com
certeza, no campo da sociologia do trabalho,
mas próxima de uma sociologia política.
Na época, as demarcações das fron-
teiras entre as ciências sociais não eram tão
marcadas, as subdivisões e especializações
em cada campo temático não eram tão acen-
tuadas como hoje. Os temas clássicos eram
educação, trabalho, o rural e o urbano, reli-
gião. A minha ida à universidade como do-
cente e pesquisadora, atendendo ao convite
da Cadeira de Sociologia II, no final de 1967,
foi com o compromisso de dedicar-me à dis-
ciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa,
em especial à metodologia qualitativa. Posso
dizer que foram poucos os períodos em que
deixei de ministrar disciplinas nessa área,

» 53
o que é ser cientista social

transmitindo aos meus alunos a minha com-


preensão da sociologia como ciência e do fa-
zer sociológico com o recurso de métodos e
técnicas de pesquisa.
Dois autores que distinguem a perspec-
tiva que caracterizou o programa dessa dis-
ciplina definido por mim são Robert Nisbet,
com o seu entendimento da sociologia como
forma de arte e C. Wright Mills, com a ima-
ginação sociológica. Para Nisbet, a sociologia
aproxima-se da arte quando se desprende
do formalismo científico e se afirma como
uma ciência capaz de usar com liberdade a
intuição, a imaginação e o sentimento. Para
o positivismo, potenciais riscos para a obje-
tividade científica, para Nisbet, expressões da
criatividade na ciência. Mills, em seu livro A
Imaginação Sociológica, – que deveria ser re-
comendado como leitura obrigatória no pri-
meiro ano da disciplina de sociologia – vê a
sociologia como uma promessa de esclareci-
mento dos indivíduos a respeito da sociedade

54 «
entrevista com heloísa de souza martins

em que vivem, permitindo-lhes situar-se em


sua época e estabelecer a relação entre sua
biografia e a história. A ideia central de Mills
nessa obra é que a imaginação sociológica é a
qualidade mental que expressa a capacidade
não só da sociologia, mas das ciências sociais
de satisfazer “a necessidade de saber o signi-
ficado social e histórico do indivíduo na so-
ciedade”. Se a produção desse conhecimento
científico fizer algum sentido, é quando ele é
capaz de fornecer uma explicação para que o
indivíduo consiga se entender e entender sua
posição na sociedade, esclarecendo as gran-
des questões que o atormentam.
Adriana: Esse é o sentido da sociologia
para a senhora?
Heloísa: Sim, para mim a sociologia as-
sim concebida assume o compromisso não só
com a compreensão da sociedade, mas com a
sua transformação. Por isso, a sociologia tem
sido questionada, na medida em que é uma
ciência que perturba, como diz Bourdieu,

» 55
o que é ser cientista social

outro sociólogo de leitura fundamental. Ela


inquieta, por que interroga, questiona o que
aparece como verdade e como “natural”. A so-
ciologia é uma ciência que elabora um conhe-
cimento que ao mesmo tempo em que permite
às pessoas compreenderem o mundo em que
vivem, permite a elas compreenderem o lugar
delas na sociedade; é uma ciência que coloca
questões para reflexão e, nesse sentido, ajuda
a revelar coisas que, como diz Bourdieu, estão
ocultas e que nem todos na sociedade gosta-
riam que fossem esclarecidas. Esse é para mim
o sentido da Sociologia, uma ciência construí-
da a partir de uma perspectiva crítica.
Eu escolhi a Sociologia assumindo o
que aprendi com Azis Simão e meus outros
professores do curso de Ciências Sociais: a
Sociologia é uma ciência, com objeto e mé-
todos próprios para explica-lo e construir
um conhecimento que não se confunda com
ideologia e senso comum. Trata-se, ainda, de
uma ciência baseada no compromisso de es-

56 «
entrevista com heloísa de souza martins

clarecer aqueles que realmente precisam des-


se conhecimento.
Essa maneira de entender a Sociologia
é que me motivou a participar da luta pela
volta da Sociologia no currículo do Ensino
Médio. Estou bastante envolvida agora com
as questões que afetam o ensino da Sociolo-
gia nas escolas de nível médio no Brasil, es-
pecialmente as relacionadas com a formação
de professores, condições de ensino, a quali-
dade dos cursos de bacharelado e licenciatura
oferecidos nas instituições de ensino superior,
públicas e privadas. Entendo que a Sociolo-
gia tem um significado especial no currículo
do ensino médio pelo papel importante que
pode ter na formação do jovem, contribuindo
para desenvolver um olhar sociológico que o
ajude a entender cientificamente a sociedade
em que vive e se situar nela.
Adriana: Professora, quais são os desa-
fios da sociologia na contemporaneidade?

» 57
Heloísa: O desafio atual da Sociologia
permanece o mesmo, a meu ver, que está nos
autores clássicos dessa ciência: entender e ex-
plicar as questões sociais, os problemas que
afetam a vida do homem na sociedade. Mas, às
vezes parece-me que a sociologia que é feita na
contemporaneidade está presa a questões aca-
dêmicas, à teoria pela teoria, esquecendo que a
sua promessa é a da construção de um conhe-
cimento que diga respeito às grandes ques-
tões públicas. De certa maneira, parece-me
às vezes, que a Sociologia perdeu o seu com-
promisso com a sociedade. Nós vivemos em
período marcado por um individualismo
muito acentuado, em que todas as utopias e
sonhos voltados à construção de uma socie-
dade mais justa e igualitária parecem relega-
das ao esquecimento. O aumento da violência
em suas várias formas, as guerras civis e re-
ligiosas em todo o mundo, a ampliação das
desigualdades sociais exigem que a Socio-
logia assuma, cada vez mais, o seu papel na

58 «
elaboração competente de um conhecimento
científico a respeito dessas questões. Ela pode,
ela deve enfrentar o desafio de preservar o
que está lá na sua origem, assumindo o com-
promisso de esclarecer e ajudar na superação
do etnocentrismo, dos preconceitos, da visão
deturpada do outro, que afastam as pessoas e
as desumanizam.
Adriana: Qual a relação entre o saber
científico e os saberes populares e tradicionais?
Heloísa: Na construção do conheci-
mento sociológico, portanto científico, par-
timos do senso comum, desse conhecimento
sustentado pela experiência, pelos costumes,
valores e práticas tradicionais. Isso é funda-
mental até mesmo para saber o que a pessoa
pensa, como ela interpreta o mundo em que
vive, as representações que sustentam as suas
práticas. Em nossas pesquisas, especialmente
na sociologia e na antropologia, sempre pro-
curamos ouvir o outro, buscar as suas expli-
cações para as coisas e os acontecimentos de

» 59
o que é ser cientista social

sua vida. As explicações e interpretações que


ele constrói são fundamentais para que pos-
samos construir as nossas explicações e inter-
pretações científicas.
Na minha experiência de elaboração da
proposta curricular para o ensino de Socio-
logia nas escolas de nível médio do estado de
São Paulo, por exemplo, tomamos como prin-
cípio fundamental que o ponto de partida e o
ponto de chegada é o aluno. Esse aluno que
chega com um conhecimento do senso co-
mum que pode ser superado pela construção
de um olhar sociológico que o ajude a duvidar
das explicações que mostram como “naturais”
tudo aquilo que o cerca e acontece, A dúvida,
o estranhamento diante das coisas e do outro
ajudam na construção de outra maneira de ver
a sociedade e se situar nela. O ensino da Socio-
logia e das Ciências Sociais, de maneira geral,
permitem a construção científica desse olhar.
Adriana: E com isso a Sociologia permi-
te que o jovem utilize seu grande potencial,

60 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

que é realmente deixar a pessoa ter um poder


de transformação que está nela mesmo, né?
Heloísa: A sociologia é uma ciência que
perturba exatamente por causa disso, porque
ela diz para as pessoas que as coisas não “ne-
cessariamente são assim porque sempre fo-
ram assim” ou “que sempre devem ser assim”,
mas que podemos saber por que elas são e
acontecem dessa maneira e, principalmente,
que elas podem ser diferentes. A Sociologia,
enquanto disciplina científica, propõe olhar
os fenômenos sociais duvidando das explica-
ções sustentadas pelas ideologias e pelo senso
comum, estranhando-as, com o objetivo de
construir um conhecimento científico a res-
peito da sociedade.
Adriana: Professora, o que a senhora
diria para alguém que tem vontade de fazer
sociologia?
Heloísa: Antes de mais nada Adriana,
é preciso dizer que o curso que permite en-
contrar a Sociologia é o de ciências sociais. Eu

» 61
o que é ser cientista social

diria para quem quer fazer sociologia, que


pense nas ciências sociais, na relação que as
três ciências – Antropologia, Ciência Polí-
tica e Sociologia – mantêm entre si e na ne-
cessidade de que elas ofereçam contribuições
umas às outras, por que na verdade, as três
estão buscando interpretar o que é socieda-
de, como é que os homens se relacionam nela
e com ela. Cada uma dessas ciências sociais,
a seu modo, segundo métodos que lhe são
próprios, buscam entender como os homens
constroem a sociedade em que vivem. Há
todo um trabalho de descoberta, interpre-
tação e questionamento, que as três ciências
desenvolvem tendo como referência a socie-
dade humana. Evidentemente, a Sociologia
é, para mim, a ciência primeira, aquela que
soube despertar em mim, com a sua promes-
sa, a paixão pela pesquisa e o interesse pela
sociedade e o compromisso com a construção
de um conhecimento que permita esclarecer
os indivíduos e ajuda-los a aceitar as suas di-
ferenças e superar as desigualdades.

62 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

Espero que com o relato da minha ex-


periência enquanto professora e pesquisadora
eu tenha contribuído para a compreensão do
que é a sociologia e o que é ser sociólogo.
Adriana: Professora Heloísa, muitís-
simo obrigada por sua entrevista e preciosa
contribuição para nosso livro!2

2
 Essa entrevista tem um significado muito especial
para a pessoa que a conduziu, Adriana Capuano de
Oliveira, pois a Professora Heloísa de Souza Martins foi
sua professora de sociologia na universidade, no ano de
1991, e foi com essa professora, inclusive, que a entre-
vistadora leu, pela primeira vez, alguns clássicos da so-
ciologia, como o próprio Wright Mills.

» 63
o que é ser cientista social

CIÊNCIA POLÍTICA: a arte de ser cientista


político/a

Entrevista realizada em 9 de fevereiro de


2015, com Profa. Maria Hermínia Tavares
de Almeida.1

Entrevistadores: Prof. Artur Zimerman


(UFABC) e Sidney Jard da Silva (UFABC).

Sidney Jard: Inicialmente, Maria Her-


mínia, gostaríamos que você falasse um pou-
co da sua trajetória dentro da Ciência Política.

1
 Maria Hermínia Tavares de Almeida é pesquisadora
sênior do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen-
to (Cebrap) e professora titular aposentada do Depar-
tamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP e do Instituto de
Relações Internacionais, atuando nos Programas de
Pós-Graduação em Relações Internacionais e em Ciên-
cia Política da USP. Foi diretora do Instituto de Relações
Internacionais da USP (2010-2013), presidente da Latin
American Studies Association (2010-2012) e da Associa-
ção Brasileira de Ciência Política (2004-2008).

64 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

Como foi a sua escolha, como foi o seu cami-


nho dentro da disciplina?
Maria Hermínia: Eu cursei Ciências So-
ciais na Universidade de São Paulo, na antiga
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, entre
1966 e 1969. Depois fiz uma pós-graduação
em Sociologia na Faculdade Latino-Ameri-
cana de Ciências Sociais (Flacso), no Chile.
Logo após, retornei e fiz o doutorado com
Francisco Correa Weffort, em Ciência Políti-
ca (1972-1979). Na época em que eu estudei,
e ainda hoje é assim, a Sociologia era a área
central das Ciências Sociais. A Ciência Políti-
ca era basicamente sociologia política, moven-
do-se em torno de questões especificamente
sociológicas, tais como: quais os fundamen-
tos sociais do poder, quem são os grupos que
mandam, é possível entender a política como
resultado dos conflitos e disputas entre clas-
ses sociais?
A Sociologia era uma disciplina muito
forte na USP. Florestan Fernandes era a gran-
de liderança intelectual das Ciências Sociais

» 65
o que é ser cientista social

feitas na USP. Nunca cheguei a ser aluna dele,


pois foi cassado pelo Ato Institucional nº 5
(AI-5), em 1968, quando eu ainda cursava a
graduação. No que então se chamava a Cadei-
ra de Política, havia duas grandes áreas. A pri-
meira era história das ideias políticas, com os
discípulos de Lourival Gomes Machado – em
especial, Celia Quirino dos Santos. A segunda
era a de instituições políticas, com um forte
componente de história das instituições po-
líticas brasileiras. Aí a liderança era de Paula
Beiguelman. Mas havia um grupo de jovens
professores, entre os quais Maria do Carmo
Campello de Souza, uma professora extraor-
dinária, e Francisco Weffort. Havia um pro-
jeto intelectual que vertebrava o grupo e o
tornava muito atraente para os alunos. Esse
projeto era o da construção de uma interpre-
tação da formação política brasileira diferen-
te daquela produzida por pensadores nacio-
nal-desenvolvimentistas nucleados no Iseb
(Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e,

66 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

especialmente, por intelectuais vinculados ao


Partido Comunista Brasileiro, como Nelson
Werneck Sodré. Suas ideias eram variantes da
teoria da modernização, enquanto o grupo da
USP tratava de captar o que era específico da
formação política brasileira e não o que repli-
cava o caminho seguido pelos países já ple-
namente desenvolvidos. A existência de um
projeto intelectual que se contrapunha à sabe-
doria convencional progressista era algo que
fascinava alguns alunos, que nos fazia sentir
parte de uma discussão importante sobre o
passado e o presente do país.
Nesse contexto, Weffort exerceu uma
enorme influência sobre mim. Com ele, fiz
minha primeira pesquisa – sobre greves du-
rante os governos de Jânio Quadros e João
Goulart –, no final da graduação. Essa pes-
quisa revelou que eram os trabalhadores das
empresas públicas e dos serviços públicos os
grandes sustentáculos da mobilização po-
pular no período. Fiz esse trabalho com um

» 67
o que é ser cientista social

colega de classe e grande amigo, Cassiano Mar-


condes Rangel. Ficamos meses na hemeroteca
da Biblioteca Municipal Mario de Andrade, re-
unindo notícias sobre greve nos jornais.
Entretanto, durante muito tempo, eu
não tinha certeza se ia fazer Sociologia, Po-
lítica ou Antropologia, que também era
uma área forte e interessante dentro do cur-
so de Ciências Sociais. Fiz cursos incríveis
com Gioconda Mussolini e Eunice Ribeiro
Durham e um curso inesquecível com Ruth
Cardoso sobre Lévi-Strauss. Acho que acabei
indo para política por influência de Weffort e
também de Fernando Henrique Cardoso, que
originalmente era da Cadeira de Sociologia,
mas saiu do país exilado, em 1964, e quando
voltou, em 1968, fez concurso para professor
titular da cadeira de Política.
Naquele momento, pelo menos na USP,
a fronteira entre a Sociologia e a Política não
era tão delimitada como é hoje. Atualmente,
quase não temos diálogo com os sociólogos,

68 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

mas naquela época as perguntas eram todas


sociológicas: as consequências sociais do de-
senvolvimento econômico, as raízes sociais do
populismo, o papel político do empresariado,
a importância dos sindicatos etc. Por exem-
plo, fui aluna do Leôncio Martins Rodrigues,
que dava curso de Sociologia do Trabalho
na área de Sociologia. Então, essas fronteiras
eram pouco claras e as questões dominantes
vinham da Sociologia, ou eram questões de
História Política.
Quando eu estava no finalzinho da gra-
duação, muitos professores foram aposen-
tados com base no AI-5, em 1968. Foram
vários na Faculdade de Filosofia e nas Ciên-
cias Sociais, perdemos Florestan Fernandes,
Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni,
Paula Beiguelman. Alguns deles, juntamen-
te com aposentados de outras áreas da USP,
formaram o Cebrap, em 1969, no último ano
em que cursei Ciências Sociais. Nunca é de-
mais lembrar o papel importantíssimo que o

» 69
o que é ser cientista social

Cebrap teve naquele período, como um espa-


ço de pensamento livre, criativo e comprome-
tido com a crítica ao modelo de desenvolvi-
mento e ao regime político implantados pelo
militares. Criado no período em que a repres-
são política atingiu o auge, seus fundadores
serviram de exemplo a muitos dos que, como
eu, estavam terminando a universidade, ao
nos mostrar que, mesmo sob a ditadura, era
possível exercer atividade intelectual com
dignidade, autonomia e espírito crítico. Essa
foi a mais importante influência que recebi
durante minha formação acadêmica.
Weffort foi convidado para participar
do novo centro e chamou Cassiano Marcon-
des Rangel e eu para continuarmos a fazer lá
nosso levantamento sobre greves. Aceitamos,
mas logo depois Fernando Henrique Cardoso
me perguntou se eu queria fazer pós-gradua-
ção em Sociologia na Flacso, em Santiago do
Chile, e me indicou para uma vaga ofereci-
da para quem ele recomendasse. Era uma

70 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

época bem difícil aqui, 1969-1970, meus co-


legas estavam sendo presos, entrando na luta
clandestina. Eu estava querendo sair do país,
cheguei a me candidatar para pós-graduação
nos Estados Unidos, mas a resposta demo-
rou e apareceu essa oportunidade. Viajei para
Santiago em março de 1970.
Passei dois anos lá, fazendo pós-gradua-
ção de Sociologia, na Flacso. Tive a extraor-
dinária experiência de viver no Chile duran-
te o governo da Unidad Popular de Salvador
Allende (1970-1973).
Quando eu estava para voltar, existia
na USP apenas o Departamento de Ciências
Sociais – o Departamento de Ciência Políti-
ca foi criado em 1987. Weffort estava no De-
partamento de Ciências Sociais, organizando
a pós-graduação em Ciência Política. Eu já
vim do Chile, em 1972, aprovada para fazer
o doutorado com ele e fui também indicada
para uma vaga de professora assistente no
departamento. Naquele tempo, não se fazia

» 71
o que é ser cientista social

concurso de ingresso. Meu processo de con-


tratação começou a tramitar na USP no co-
meço de 1973. Enquanto meu processo per-
corria caminhos obscuros, fui contratada
pelo Cebrap, onde trabalhei com o grupo
coordenado por Weffort e composto por José
Álvaro Moisés, Regis de Castro Andrade e Fá-
bio Munhoz.
Artur Zimerman: Não estava muito
complicado nessa época?
Maria Hermínia: Nessa época, existia a
Assessoria Especial de Segurança e Informa-
ção (Aesi) na USP, que colhia informações
junto aos órgãos de repressão e recomenda-
va ou não a contratação e recontratação de
professores. Meu processo passou pela Aesi e
eu terminei não sendo contratada. Fui con-
vidada para ingressar no Conjunto de Políti-
ca do Departamento de Ciências Sociais do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH) da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas) por indicação de dois grandes

72 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

colegas e amigos: Carlos Estevam Martins e


Paulo Sérgio Pinheiro. Fui para a Unicamp,
onde trabalhei de 1974 a 1987. Foi uma ex-
periência maravilhosa. A Unicamp era uma
universidade jovem, com professores jovens
e muita abertura para ideias e iniciativas no-
vas. Um pouco como a UFABC dos dias de
hoje. Acho que boa parte do que sei sobre
política acadêmica aprendi lá. Dei aula para a
primeira turma que se formava na graduação
de Ciências Sociais. Participei da criação do
mestrado e depois do doutorado. Lá formei
meus primeiros orientandos.
Em 1987, o Departamento de Ciências
Sociais da USP começou um processo de
desmembramento, com a formação dos três
departamentos: Sociologia, Antropologia
e Ciência Política. O chefe da área de Ciên-
cia Política era José Augusto Guilhon Albu-
querque, um acadêmico com visão ampla e
generosa, que se propôs a organizar um de-
partamento de Ciência Política forte. Ele e

» 73
o que é ser cientista social

José Álvaro Moisés, então vice-coordenador


da área, convidaram a mim e a Maria D’Alva
Kinzo, que também estava na Unicamp. Fo-
ram incorporados, também, acadêmicos de
projeção internacional, tais como Guiller-
mo O’Donnell, Simon Schwartzman e Boris
Fausto. Nessa época, eu trabalhava também
no Instituto de Estudos Econômicos, Sociais
e Políticos de São Paulo (Idesp). Tinha a pos-
sibilidade de ficar na Unicamp até me apo-
sentar ou experimentar algo novo. Aceitei o
convite, vim para a USP, onde passei 26 anos,
até me aposentar, no final de 2013. Assim, eu
trabalhei em dois centros de pesquisa e duas
universidades. Trabalhei no Cebrap quan-
do retornei do Chile, durante um período
curto de tempo, antes de ser contratada pela
Unicamp. Enquanto estava na Unicamp, tra-
balhei no Idesp, onde convivi com um grupo
interessantíssimo de politólogos, sociólogos e
antropólogos: Sergio Miceli, Bolívar Lamou-
nier, Maria Tereza Sadek, Marcus Figueiredo,

74 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

Maria da Glória Bonelli, Maria Cecília For-


jaz, Eizabeth Balbachewsky, Maria Arminda
do Nascimento Arruda, Heloísa Pontes, Lilia
Schwarcz e Silvana Rubino. Fui para a USP,
agora voltei ao Cebrap, lugar onde comecei a
carreira e um bom lugar para encerrá-la.
Artur Zimerman: Como você vê a
questão da interdisciplinaridade na Ciência
Política? Existem fronteiras?
Maria Hermínia: Giovanni Sartori diz
que a Ciência Política é a análise dos fatos
políticos usando variáveis políticas. Então,
depende muito da forma de abordagem esco-
lhida pelo pesquisador. O neoinstitucionalis-
mo, em algumas de suas diferentes vertentes,
tem essa proposta de entender os fenômenos
políticos a partir de variáveis que são essen-
cialmente políticas, institucionais.
Quando você recorta assim o seu objeto,
você tem uma Ciência Política com frontei-
ras bastante definidas. Agora, quando eu era
estudante de graduação e de pós-graduação,

» 75
o que é ser cientista social

as perguntas eram outras: quais são os funda-


mentos sociais do poder, quais são as forças
sociais relevantes e como se organizam para
influir as decisões políticas? Estávamos no
terreno da sociologia política. Havia influên-
cia do marxismo, que não deixa de ser uma
forma de sociologia política. Mas não era só;
havia também – e principalmente – as ideias
da Comissão Econômica para a América Lati-
na e o Caribe (Cepal). A questão central dizia
respeito à natureza da modernização capita-
lista no Brasil e à sua especificidade. Então, as
perguntas eram: quais são os agentes do de-
senvolvimento, por que aqui eles se compor-
tam de maneira diferente de seus equivalentes
nos países que já se desenvolveram? Na verda-
de, vivíamos no universo mental da teoria da
modernização, em suas diversas encarnações:
como se produz a modernização capitalista,
quais são os seus agentes. Isso é sociologia
política, e a fronteira entre as duas discipli-
nas não existe de fato. Agora, se a questão é

76 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

entender como funciona o presidencialismo,


que tipo de relação existe entre os poderes,
como são produzidas decisões políticas em
um sistema político com elevada fragmenta-
ção partidária ou como é possível explicar a
existência de sistemas partidários fragmenta-
dos, entramos em outro território intelectual,
no território das instituições políticas, a partir
do qual é possível redefinir com mais clareza
e precisão as fronteiras com a Sociologia.
Então, eu diria que o diálogo interdisci-
plinar depende da pergunta de pesquisa que
se faça e da abordagem teórica que se adote
para respondê-la. Brian Barry diz que Ciência
Política não tem uma teoria própria da ação
política. Ela é tributária ou da Economia ou
da Sociologia: ou a pergunta é sobre proces-
sos estruturais e atores cuja ação se explica
pela sua posição nessa estrutura e/ou por va-
lores e atitudes socialmente produzidos e in-
dividualmente internalizados; ou a explicação
vem emprestada da Economia com sua ideia

» 77
o que é ser cientista social

de agente racional maximizador, capaz de de-


finir e hierarquizar suas preferências e encon-
trar as formas menos custosas de realizá-las.
Assim, a definição das fronteiras disci-
plinares e o diálogo interdisciplinar depen-
dem muito das questões substantivas com as
quais você está lidando e da maneira como as
enquadra analiticamente.
Artur Zimerman: As Políticas Públicas
não são apenas uma subárea da Ciência Polí-
tica, elas permeiam uma série de outras disci-
plinas. Como podemos ver essa convivência
entre as diversas disciplinas com uma mesma
subárea, que são as Políticas Públicas?
Maria Hermínia: O estudo das Políticas
Públicas não é muito diferente do que ocorre
com as Relações Internacionais, área em que
estive envolvida nos últimos dez anos. São
grandes objetos que convidam a um diálogo
interdisciplinar da Ciência Política com ou-
tras áreas de conhecimento. Há quem pense,
aqui e no exterior, que relações internacionais
é uma área de conhecimento distinta.

78 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

Nesta discussão, é preciso distinguir


duas coisas. De um lado, existe uma disputa
que chamaria de institucional, jurisdicional,
que tem a ver com a maneira como se organi-
za, na universidade, a produção do conheci-
mento. Organizo um departamento? Depar-
tamento de Políticas Públicas ou de Ciência
Política? Ou coloco as Políticas Públicas no
departamento de Economia? Trata-se de uma
disputa de jurisdição, que se explica pela
busca de prestígio e pela disputa por poder e
recursos. De outro lado, existe uma questão
que é propriamente intelectual, de produção
de conhecimento, e que diz respeito à forma
como se define um problema de pesquisa e
busca-se sua explicação. São duas coisas di-
ferentes que devem ser distinguidas. Penso
que o estudo das políticas públicas possibilita
abordagens disciplinares muito diversas: da
ótica da Economia, da Política, da Adminis-
tração e de outras áreas muito diversas. Por
exemplo, o estudo de políticas para lidar com

» 79
o que é ser cientista social

mudanças climáticas pode requerer conheci-


mentos de biologia, de climatologia e de ou-
tras ciências naturais. Penso que o estudo das
Políticas Públicas comporta recortes analíti-
cos muito diferentes.
Na Unicamp, no começo dos anos 1980,
estive envolvida, junto com Vilmar Faria e
Paulo Renato Souza, que viria a ser Ministro
da Educação (1994-2002), na criação do Nú-
cleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp).
Vilmar teve a ideia, eu e ele elaboramos a pro-
posta, e Paulo Renato, que então era reitor,
criou um espaço institucional – os núcleos de
pesquisa interdisciplinares – para que pudés-
semos realizá-la.
Naquele momento, o nosso objeto era
basicamente as políticas sociais, pois estáva-
mos no final da ditadura e queríamos enten-
der duas coisas. A primeira era o processo
pelo qual, sob a ditadura, tinha havido grande
expansão do sistema de proteção social. Tra-
tava-se de uma descoberta contraintuitiva,

80 «
entrevista com maria hermínia tavares de almeida

pois uma ditadura de direita tinha sido res-


ponsável por vigorosa expansão do sistema
de proteção social brasileiro. O segundo pon-
to que nos movia era pensar um caminho de
reforma dessas políticas, que considerávamos
claramente regressivas e, na melhor das hipó-
teses, reprodutoras de desigualdades sociais.
Então, o nosso diálogo com os economistas,
com os sociólogos, com os especialistas em
saúde pública, com os educadores visava dar
conta da maneira como se constituíra e fun-
cionava um aparato de política social extenso,
complexo, com muitos recursos, mas de efei-
to desigualizador.
Insisto: é preciso ter uma pergunta por
trás da maneira como você arma um curso
ou projeto de pesquisa. Dependendo do que
quer entender, você irá definir a sua frontei-
ra disciplinar com alguma área do conheci-
mento que vai te ajudar a entender aquilo. No
Nepp, fizemos muita força para dialogar com
os economistas. Estivemos também em vários

» 81
seminários com sanitaristas que eram os es-
pecialistas em políticas de saúde. Dependen-
do da pergunta que dá vida a cada projeto de
pesquisa, o estudo das Políticas Públicas pode
ser organizado de muitas maneiras diferentes.
Um curso ou núcleo de pesquisa de Políticas
Públicas na Fundação Getúlio Vargas (FGV)
será diferente do Nepp-Unicamp e será dife-
rente deste que vocês estão construindo na
UFABC, pois entendo que vocês têm uma in-
teração forte com a área tecnológica.
Sidney Jard: Você enfatizou muitas ve-
zes a importância das questões, da pergunta,
no jargão acadêmico, do problema de pes-
quisa. Na sua visão, quais são as principais
questões na Ciência Política hoje? Nos ter-
mos de Pierre Bourdieu, quais temas têm
maior visibilidade no campo científico da
Ciência Política?
Maria Hermínia: O mainstream hoje é
institucionalista, está preocupado com o efei-
to de normas e regras sobre o comportamento
dos indivíduos e grupos e, portanto, sobre o
resultado dos processos políticos. Acho que,
por essa via, avançou muito o conhecimen-
to no terreno próprio da Ciência Política.
Sabemos muito mais sobre sistemas de go-
verno, sobre como funcionam os diversos ti-
pos de parlamentarismo e presidencialismo.
Avançou-se muito no estudo das estruturas
estatais, sob forma federativa ou centraliza-
da. Temos um enorme conhecimento sobre
partidos e sobre regras eleitorais. Há também
grande desenvolvimento nos estudos de opi-
nião pública e cultura política, áreas que não
fazem parte, hoje, do mainstream da discipli-
na. Então, penso que essas duas áreas sejam
centrais atualmente, além, naturalmente, dos
estudos puramente teóricos. A Ciência Políti-
ca brasileira reflete esse rumo que é universal,
deixando de lado objetos que, no passado, fo-
ram mais importantes. É verdade que existem
colegas estudando temas que, no Brasil, eram
mais valorizados no passado. Por exemplo, o

» 83
grupo de Renato Boschi, Eli Diniz e Ana Ce-
lia Castro, no Rio de Janeiro, tem feito muitos
estudos interessantes em economia política,
sobre modelos de capitalismo, como Estado
e mercado se entrelaçam de diferentes for-
mas, como funcionam diferentes modelos
de welfare state. Entretanto, há fenômenos
importantes, que seria bom que entendêsse-
mos melhor, mas que são estudados por pou-
cas pessoas, pois não são facilmente tratáveis
pelas abordagens que formam o mainstream
da disciplina. Os estudantes e jovens pesqui-
sadores percebem que os acadêmicos mais
importantes estão fazendo aquele tipo de pes-
quisa e tendem a seguir o mesmo caminho,
mais seguro e ao longo do qual encontrarão
mais interlocutores. Ou seja, as opções teóri-
cas e analíticas sempre deixam de lado outros
objetos igualmente interessantes.
No Brasil, já há um grande legado de
estudo de políticas públicas, com uma rede
ampla de pesquisadores e abordagens tanto

84 «
institucionalistas como mais sociológicas. Pen-
so, entretanto, que ganharíamos se tivéssemos
mais trabalhos com uma abordagem de eco-
nomia política, que se perguntasse quem são
os atores, quais seus interesses, como se be-
neficiam de determinadas situações e de que
forma influem nas decisões governamentais.
A sociedade brasileira é tão interessante, tão
diversa e tão dinâmica que não é possível que
os politólogos não se interessem por sua relação
com a vida política. A ruptura que ouve com
a Sociologia Política pôs para escanteio uma
porção de coisas importantes para entendermos
o Brasil e o mundo no qual vivemos.
Sidney Jard: Uma última pergunta:
como você compreende o papel do cientista
político na sociedade contemporânea?
Maria Hermínia: Eu acredito que o
cientista político – o cientista de maneira
geral – tem que estar comprometido com o
rigor dos procedimentos de pesquisa e com
conclusões a que ele chega utilizando os

» 85
métodos próprios da sua disciplina. Não vou
dizer que está comprometido com a verdade,
porque ela não existe pura e dura; mas cer-
tamente tem um compromisso com a busca
de rigor. É importante que enfrente os proble-
mas que estão postos na sociedade, mas seu
compromisso maior é com o rigor e a discipli-
na típicos das formas de produção de conhe-
cimento organizado, que alguns chamam de
ciência, ainda que as respostas não agradem,
não atendam às percepções e crenças predo-
minantes na sociedade.
Então, o cientista político deve ser capaz
de ouvir e formular perguntas que têm algu-
ma relevância para além dos muros da acade-
mia, mesmo quando as formas de abordá-las
possam parecer distantes do senso comum
prevalecente na sociedade e as respostas não
sejam agradáveis.

86 «
II artigos
Capítulo 1

Um novo mundo que


se ergue: a sociedade
industrial e urbana

Maria Gabriela S. M. C. Marinho (UFABC)


Lucas de Almeida Pereira (UFAB C)

Mudanças, deslocamentos, desequilí-


brios, instabilidades e crises compunham o
cenário de um mundo que se transformava
rapidamente e ganhava expressão em duas
grandes cidades europeias nas últimas déca-
das do século XVIII. Londres e Paris haviam
se tornado epicentros de uma nova ordem so-
cial, que vinha sendo gestada com a dissolu-
ção das instituições feudais. Nas duas cidades,

» 89
o que é ser cientista social

as cortes apuravam e reproduziam hábitos re-


finados que a aristocracia desfilava na majes-
tade dos palácios, na opulência das catedrais
ou na exuberância dos parques. Contudo, nas
décadas subsequentes, um espectro passaria
a rondar a Europa, como assinala a feliz ex-
pressão de Karl Marx. As hordas despossuí-
das, exploradas, famintas e desterritorializa-
das ameaçavam a ordem social exclusivista e
aristocrática que a nova classe burguesa em
ascensão procurava mimetizar no visual re-
quintado de suas edificações.
O contexto das transformações pro-
fundas que remodelariam o mundo ocidental
nos dois séculos seguintes, contribuindo para
moldar a sociedade capitalista, industrial e
urbana, desafiava a compreensão, o entendi-
mento, a análise e, sobretudo, a ação de go-
vernantes, reformadores e empresários de seu
tempo. Uma sociedade que passa a se mo-
ver mais rapidamente exige uma nova com-
preensão acerca de seus fundamentos e da

90 «
um novo mundo que se ergue: a sociedade industrial e urbana

dinâmica em torno da qual as forças sociais


mobilizam-se, confrontam-se e estabilizam-
-se, ainda que provisoriamente – e é da neces-
sidade de compreender esse mundo novo que
se estrutura também um novo conhecimento.
Assim, a gênese do que hoje conhece-
mos como “Ciências Sociais” encontra-se
diretamente associada a duas importantes
transformações que tiveram Londres e Paris
como palco mais imediato. Denominadas
pelo historiador inglês Eric J. Hobsbawm
como “A Era das Revoluções”, o período que
vai do final do século XVIII a meados do sé-
culo XIX, mais especificamente entre 1789 e
1848, viu surgirem os fundamentos de uma
nova ordem social e os pressupostos de uma
nova forma de compreender essa ordem
emergente.
Em 1789, a Revolução Francesa trouxe
sérios abalos à configuração política vigente,
conhecida como “Ancien Régime”, em fun-
ção da ascensão política da principal classe

» 91
o que é ser cientista social

produtora do período, a burguesia. Mais ao


norte da França, na ilha da Inglaterra, outra
revolução, a Industrial, também conduzida
pela burguesia, alteraria definitivamente o
sistema produtivo em escala global. Assim, de
uma perspectiva econômica e política, uma
nova estrutura demandava cada vez mais a
presença das massas destituídas na cena ur-
bana em escala até então inédita. Essa atuação
conjugada, resultante do novo modo de pro-
dução capitalista, agregou em pouco mais de
um século, de modo assimétrico, os demais
países europeus e praticamente todo o globo,
conectando, pela primeira vez na história, to-
dos os territórios do planeta, a partir de re-
lações econômicas, comerciais e, por conse-
guinte, culturais e políticas.
Em meio a essa série de transformações,
a sociedade e seus contornos eram permea-
dos por um mundo cada vez mais urbano e
industrializado. O Código Civil de 1804, de-
cretado por Napoleão Bonaparte, instituiu o

92 «
um novo mundo que se ergue: a sociedade industrial e urbana

registro civil laico. Antes, a incumbência era


monopolizada pela Igreja Católica, que criava
registros de batismo, casamento e óbito, com
um alcance que foi se revelando ineficaz, na
medida em que, por exemplo, o registro de
batismo não se referia à data de nascimen-
to, e sim ao próprio batismo. A reforma na-
poleônica universalizava os registros, o que
permitiu a criação de bancos de dados mais
precisos sobre os movimentos básicos da so-
ciedade (natalidade, união, óbitos), aumen-
tando a precisão estatística e a capacidade do
Estado de gerir a população.
Para o filósofo Michel Foucault, esse
processo foi acompanhado de uma intensa vi-
gilância e disciplinarização da sociedade, por
meio do uso desses registros e dados civis que
permitiram aos governos pensar o conjunto
de indivíduos não mais como um aglomera-
do de pessoas que compartilham um territó-
rio, mas como uma população que pode ser
quantificada, planejada. Enfim, “a temática

» 93
o que é ser cientista social

do homem, através das ciências humanas que


o analisam como ser vivo, indivíduo traba-
lhador, sujeito falante, deve ser compreen-
dida a partir da emergência da população
como correlato de poder e objeto de saber”
(FOUCAULT, 2008, p. 103).
O próprio termo “Ciências Sociais”, nes-
te caso, merece atenção, afinal não se trata-
va da primeira vez em que se propunha um
olhar mais aprofundado sobre as relações hu-
manas, prática que era mantida por historia-
dores e filósofos, em muitos casos precursores
das Ciências Sociais. O que singulariza o mo-
vimento que pode ser flagrado como o “nas-
cimento” das Ciências Sociais era a aplicação
do chamado método científico, especialmente
do método indutivo, que buscava transformar
premissas individualizadas em leis.
O exemplo mais marcante de tal aborda-
gem seria representado por Augusto Comte,
que afirmou ter descoberto uma lei invariável
no conhecimento humano, segundo a qual

94 «
um novo mundo que se ergue: a sociedade industrial e urbana

cada ramo do conhecimento “passa sucessiva-


mente por três estados históricos diferentes:
estado teológico ou fictício, estado metafísi-
co ou abstrato, estado científico ou positivo”
(COMTE, 1978, p. 3). Dentro dessa lógica,
o conhecimento da sociedade ocuparia, em
termos de progresso, o último lugar frente às
demais ciências1 (matemática, astronomia,
física, química, biologia e sociologia, em or-
dem decrescente), na medida em que todas
essas áreas do saber atingiriam sua maturida-
de positiva antes da sociologia. Notamos nes-
se pensamento uma racionalização social que
pretendia reformar as próprias bases das rela-
ções humanas. Para Comte, o conhecimento

1
 No primeiro estado, teológico, os fenômenos seriam
explicados pelos desejos e atos de seres sobrenaturais,
divinos; no segundo, metafísico, forças ocultas subs-
tituiriam os deuses como agentes dos fenômenos, por
exemplo, a natureza; por fim, no estado científico-po-
sitivo, não se recorre mais a entidades sobrenaturais ou
abstratas, na medida em que o fenômeno pode ser ex-
plicado por meio da elucidação de leis racionais.

» 95
o que é ser cientista social

racional e o desenvolvimento de leis sociais ba-


lizariam melhor a condução dessa sociedade in-
dustrial e urbana,2 descrita pelo pensador fran-
cês como anárquica e caótica (COMTE, 1978,
p. 68). Fica evidente que as Ciências Sociais em
gestação teriam uma importante função políti-
ca: estabelecer as bases racionais para o reorde-
namento da sociedade, abalada pela dupla revo-
lução política e industrial.
Tal perspectiva ajuda a explicar por que,
em suas primeiras décadas, as Ciências Sociais
foram tão marcadas pela influência das Ciên-
cias Exatas e das Biológicas. A principal marca

2
  Para Comte, além de estabelecer leis, o pensamento
positivo também garantiria o equilíbrio e a harmonia
à sociedade: “Num assunto qualquer, o espírito positi-
vo leva sempre a estabelecer exata harmonia elementar
entre as ideias de existência e as ideias de movimento,
donde resulta mais especialmente, no que respeita aos
corpos vivos, a correlação permanente das ideias de or-
ganização com as ideias de vida e, em seguida, graças
a uma última especialização peculiar ao organismo so-
cial, a solidariedade contínua das ideias de ordem com
as ideias de progresso.” (COMTE, 1978, p. 69).

96 «
um novo mundo que se ergue: a sociedade industrial e urbana

desse diálogo se deu quanto ao conceito de


evolução, que poderíamos considerar para-
digmático na segunda metade do século XIX.
Comte enxergava nas ciências um processo
evolutivo, que iria do simbólico ao racional;
Marx pensava a história também como um
processo evolutivo, no qual a sociedade se
desenvolveria por meio de suas próprias lu-
tas e contradições. Assim, não é de estranhar
que as primeiras denominações das Ciências
Sociais passassem por essa relação com suas
semelhantes mais desenvolvidas: Comte re-
feria-se à Sociologia como “física social”, ao
passo que a “antropologia física”, conforme
definida por um de seus precursores, o fran-
cês Paul Broca (LARAIA, 2005, p. 322), era
um conhecimento ligado à história natural
do gênero “homo”, ou seja, um conhecimento
mais próximo de um determinante biológico
do que cultural.
Em ambos os casos, a ciência se articula-
va em função de parâmetros urbanos e indus-
triais. Caberia à Sociologia desvelar as regras

» 97
o que é ser cientista social

e os padrões do comportamento dos indi-


víduos em sociedade. A Antropologia, por
sua vez, abordaria a diferença, a alteridade
encarnada na figura do “outro”, do “diferen-
te” − especialmente na figura do selvagem, do
“não civilizado” −, indivíduos que, em uma
perspectiva eurocêntrica, então incontestada,
eram considerados inferiores na cadeia evo-
lutiva. “Imaginava-se, então, um continuum
em cujas extremidades se situavam, de um
lado, as sociedades mais atrasadas e, de outro,
as mais adiantadas.” (LARAIA, 2005, p. 327).
A perspectiva eurocêntrica passaria a
ser contestada ao longo do século XX, espe-
cialmente no contexto do pós-guerra, quando
o extermínio em massa promovido pelas “na-
ções civilizadas” do Ocidente desnudou a fa-
lácia da superioridade europeia. Abriu-se um
novo espaço para a descolonização das men-
tes, dos costumes e dos territórios. Nas déca-
das subsequentes, as Ciências Sociais seriam
novamente desafiadas, perante a emergência

98 «
um novo mundo que se ergue: a sociedade industrial e urbana

dos movimentos de contestação das mulhe-


res, dos negros, dos jovens, da contracultura,
da liberação sexual, da libertação das colônias
e ex-colônias, ao lado dos movimentos operá-
rios e das lutas políticas em torno do socialis-
mo e do comunismo, seja na Europa, seja nos
países do chamado “Terceiro Mundo”.

Ciências Sociais no Brasil

No Brasil, o campo disciplinar das


Ciências Sociais também se desenvolveu em
contexto semelhante ao de suas raízes euro-
peias, sobretudo em sua vertente acadêmica
e universitária. Contudo, antes da criação das
principais universidades brasileiras a partir
da década de 1930, diferentes contribuições
haviam sido formuladas e debatidas com o
intuito de compreender, interpretar e explicar
o povo, o país e seus desígnios. Nesse esco-
po ampliado de discussão da nacionalidade

» 99
o que é ser cientista social

e de interpretação de seus fundamentos, fi-


guraram desde a literatura indigenista dos
românticos, no começo do século XIX, até as
contribuições seminais de Sérgio Buarque de
Holanda, Caio Prado Júnior e Gilberto Freyre,
em meados da década de 1930.
Porém, a criação da Universidade de São
Paulo (USP) em 1934 teria um papel decisivo
no estabelecimento da matriz universitária
em torno das Ciências Sociais e, portanto, de
sua profissionalização, a ponto de se consti-
tuir uma vertente acadêmica vigorosa, que
passaria a ser conhecida como a “sociologia
paulista”, derivada da presença marcante dos
“mestres franceses” que foram contratados na
origem da instituição. Para essa vertente, con-
tribuiu também a existência prévia da Escola
de Sociologia e Política, que, sediada em São
Paulo, trouxe aportes teóricos e metodológi-
cos da sociologia norte-americana. Em uma
perspectiva de pesquisa aplicada, os surveys
ali desenvolvidos contribuíam para criar

100 «
um novo mundo que se ergue: a sociedade industrial e urbana

ferramentas de ordenação do mundo indus-


trial que vinha se instalando em São Paulo.
No Rio de Janeiro, a criação da Univer-
sidade do Distrito Federal (UDF) em 1935,
depois transformada em Universidade do
Brasil, revelaria de maneira explícita a ques-
tão da formação de professores secundários
na área. Extinta em 1939, a denominação
Universidade do Brasil seria apensada à então
recém-criada Faculdade Nacional de Filoso-
fia, tornando-se mais tarde Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse núcleo
tornou-se responsável pela formação de boa
parte dos intelectuais que responderiam, mais
tarde, pela criação do Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (Iseb).
O Iseb, como se tornou conhecido, foi
um centro de estudos no campo das Ciên-
cias Sociais criado no governo de Juscelino
Kubitscheck e vinculado ao Ministério da
Educação e Cultura, responsável pela for-
mulação de interpretações sobre o Brasil que

» 101
o que é ser cientista social

fundamentassem as políticas e intervenções


estatais. Uma importante matriz de pensa-
mento nacionalista derivado do Iseb contri-
buiu também para os debates em torno das
práticas culturais engajadas politicamente,
dando origem aos Centros de Cultura Popu-
lar da União Nacional dos Estudantes, os cha-
mados CPCs da UNE.
Por meio dessas entidades, a Sociolo-
gia, a Antropologia e a Ciência Política se
fundiram às manifestações de teatro, músi-
ca, cinema e literatura, resultando em uma
cultura universitária criativa e vigorosa, que
continuaria a repercutir em diferentes esferas
da sociedade brasileira, mesmo após seu ba-
nimento pela ditadura militar, que se alojou
no poder em 1964.
Por outro lado, as transformações eco-
nômicas propiciadas pela aceleração da in-
dustrialização a partir dos anos 1930 seriam
impulsionadas na década seguinte, período
a partir do qual se aprofundaria no país o

102 «
um novo mundo que se ergue: a sociedade industrial e urbana

processo de inversão de sua composição de-


mográfica. A saída de milhares de migrantes
do campo para a cidade, o chamado “êxodo ru-
ral”, originado em grande parte pela industria-
lização crescente do Sudeste brasileiro no pós-
-guerra, provocaria a “explosão” das capitais
brasileiras nas décadas de 1960, 1970 e 1980,
agravando as condições de moradia, transpor-
te, saúde pública, segurança e educação.
No contexto, portanto, de uma socieda-
de que se tornava cada vez mais complexa,
com o acirramento das tensões sociais em
uma conjuntura de crescente autoritaris-
mo, a ampliação dos espaços acadêmicos
destinados às Ciências Humanas e Sociais,
configurados em novos departamentos e
programas de pós-graduação, constituiu-se
elemento promissor.
Contudo, à medida que novas gerações
se formavam e alguns espaços de debate pú-
blico se estruturavam, por meio de sindicatos,

» 103
o que é ser cientista social

entidades profissionais, associações de mora-


dores e publicações alternativas ou voltadas
para a disseminação dos temas relevantes no
contexto nacional, alguns círculos intelec-
tuais voltavam-se para uma produção mais
restrita e especializada, destinada a interagir
com segmentos muito específicos. Dispon-
do de recursos vultosos, especialmente da
Fundação Ford, parte dos cientistas sociais
em atividade entre o final dos anos 1960 e ao
longo das décadas subsequentes desenvolveu
uma produção cada vez mais sofisticada e
em diálogo com os grupos internacionais. Se
tal interlocução contribuiu para a necessária
ampliação e articulação dos vínculos entre
comunidades de saber, por outro lado, inter-
namente, hierarquizou e elitizou ainda mais
os centros de produção, permitindo, desse
modo, o surgimento de castas intelectuais por
vezes pouco comprometidas com o desafio de
uma agenda nacional.
Assim, ajustes estruturais, desajustes
sociais e disputas políticas e institucionais

104 «
um novo mundo que se ergue: a sociedade industrial e urbana

permanecem como elemento central na di-


nâmica das sociedades locais, nacionais ou
globais. Desse modo, crises, conflitos, dese-
quilíbrios e assimetrias políticas e econômi-
cas permanecem como temáticas privilegia-
das das Ciências Sociais. Tais componentes
desafiam permanentemente a Sociologia, a
Antropologia, a Ciência Política, a Economia
e a Psicologia Social, na tarefa de compreen-
der, interpretar e explicar indivíduos, grupos
sociais, atores políticos, nações, identidades
e culturas que compõem o espectro da expe-
riência humana.

Referências

COMTE, Augusto. Coleção os pensadores. São


Paulo: Abril, 1978.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território, popu-


lação. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

» 105
o que é ser cientista social

LARAIA, Roque de Barros. Da ciência biológica


à social: a trajetória da antropologia no século
XX. Revista HABITUS, Goiânia, v. 3, n. 2 p. 321-
345, 2005.

106 «
Capítulo 2

Ser cientista social:


a sociologia como
leitura do cotidiano

Adriana Capuano de Oliveira (UFABC)


Danielle Yura (UFAB C)
Tamiles Mayumi Miyamoto (UFABC)

Os indivíduos e as regras

A Sociologia tem como objetivo estu-


dar, entender e intervir na sociedade. Sendo
assim, podemos ver que há muito trabalho a
ser feito. Como explicar tantos conflitos e de-
sigualdades nas sociedades mundo afora?
Antes de buscarmos qualquer respos-
ta, é necessário explicar como funciona uma

» 107
o que é ser cientista social

sociedade. Para tanto, vamos nos basear em


três intelectuais que construíram os pilares da
Sociologia. São eles: os alemães Karl Marx e
Max Weber e o francês Émile Durkheim.
Segundo Durkheim, sociólogo nasci-
do na França e de grande influência entre os
anos de 1890 e 1912, somos humanos porque
fomos capazes de aprender hábitos, costumes
e normas do grupo social ao qual pertence-
mos, ou seja, a sociedade. Essas regras permi-
tem que diferentes indivíduos, com diferentes
necessidades e expectativas, convivam em
harmonia no coletivo. Essas normas também
são necessárias, pois o ser humano só pode
ser entendido enquanto tal porque vive em
sociedade. É impossível viver sozinho, isola-
do ou sem limites. Basta imaginarmos se seria
possível todos andarem na rua de carro se não
existissem as leis de trânsito, ou imaginarmos
o que aconteceria se uma pessoa fizesse tudo
o que tivesse vontade em qualquer lugar, sem
inibir seus impulsos.

108 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

Dessa forma, entendemos que a sociali-


zação do ser humano depende de inúmeros
fatores, que estão diariamente à sua volta, em
todos os lugares. As pessoas se diferem pe-
los seus hábitos, suas crenças, suas preferên-
cias, sua língua, sua nacionalidade... Se dois
irmãos nascidos e criados da mesma forma
costumam ser diferentes, com preferências
distintas, mesmo recebendo influências pa-
recidas, quem dirá pessoas que nasceram em
países distantes, com línguas diferentes, cria-
das com sistemas educacionais distintos e tra-
dições desconhecidas das nossas!
Para que milhares de indivíduos ven-
çam tantas discordâncias e vivam de forma
harmônica em sociedade, é fundamental
que existam normas. As primeiras regras são
aprendidas dentro de casa, quando somos
ainda muito pequenos, desde que nasce-
mos, na verdade. É necessário respeitar todos
aqueles que vivem à nossa volta: pais, irmãos,
avós. Em nossa sociedade, por exemplo, as

» 109
o que é ser cientista social

refeições devem ser feitas à mesa, utilizando


garfo, faca e colher, em pratos e copos. Apren-
demos que não devemos pegar a comida com
as mãos. Na escola – nosso primeiro círculo
social não familiar –, aprendemos mais cente-
nas de regras. Durkheim (1988, p. 49) afirma
que “a pressão de todos os instantes é a pró-
pria pressão do meio social tendendo a mol-
dá-la”. A imposição de limites só aumenta à
medida que crescemos, mas esses limites são
determinados de forma tão natural que mal
percebemos a quantas restrições obedecemos
no nosso dia a dia.
E se não existissem regras? Émile Dur-
kheim chamou de anômica uma sociedade
bagunçada, sem regras, sem limites, sem va-
lores. A falta de regras provocaria o aumento
incontrolável da criminalidade, do desrespei-
to, da desordem e, no limite, levaria à morte
daquela sociedade, impedindo as pessoas de
viver em conjunto. Um lugar assim certa-
mente levaria o ser humano ao desespero e,

110 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

nos casos mais extremos, ao suicídio. Dur-


kheim se preocupou com essas questões an-
tes mesmo do surgimento da Psicologia. Seus
estudos podem ter servido como base para
pesquisas realizadas posteriormente por Sig-
mund Freud.1
A sociedade é comparada a um organis-
mo vivo, onde cada órgão tem seu papel para
que o corpo todo se mantenha saudável. No
nosso corpo humano, os sistemas e aparelhos
– digestivo, respiratório, excretor, neuromo-
tor, circulatório etc. – trabalham em conjunto
para que o corpo como um todo tenha saúde.
O mesmo acontece na sociedade. As institui-
ções, os sistemas e mesmo os indivíduos têm

1
  SILVA, Liliane M. A.; COUTO, Luís Flavio. A ques-
tão do suicídio: algumas possibilidades de discussão em
Durkheim e na Psicanálise. Arquivos Brasileiros de Psi-
cologia, v. 61, n. 3, 2009. Disponível em: <http://pepsic.
bvsalud.org/pdf/arbp/v61n3/v61n3a07.pdf>. Outros es-
tudiosos apontam a influência das pesquisas realizadas
por Durkheim nos posteriores estudos de Freud sobre o
suicídio e o totemismo.

» 111
o que é ser cientista social

seu papel, sua importância para que o todo


se mantenha em harmonia. Cada um de nós
desempenha um trabalho não menos impor-
tante do que o outro. Segundo Durkheim, to-
dos juntos, trabalhando individualmente pelo
bem coletivo, podem promover uma socieda-
de funcional, saudável e harmoniosa.

Os indivíduos como atores sociais

Mas como cada indivíduo age no todo?


Essa é a principal preocupação de Max We-
ber, sociólogo alemão influente no início do
século XX: entender o que orienta os sentidos
das ações de cada indivíduo dentro do cole-
tivo (WEBER, 1904/5, p. 18). Para o autor,
cada um de nós age por meio de determina-
das orientações e, ao agir, nossa ação orienta/
influencia também a reação daqueles que es-
tão no nosso entorno, para quem dirigimos
nossas intenções.

112 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

Para facilitar o entendimento sobre a


ação social, tomemos como exemplo o ato da
piscadela dada pelo filósofo Gilbert Ryle e ci-
tada por Clifford Geertz em A interpretação
das culturas (2013). A ação espontânea do
nosso organismo pode ter um significado so-
cial. Se um rapaz pisca para flertar com uma
moça e ela corresponde, ou mesmo se ela o
ignora – caso não se sinta atraída pelo ho-
mem –, o fato consiste em uma ação social,
pois houve interação entre os dois indivíduos.
Porém, se o rapaz pisca e a moça nem nota a
paquera, a situação não consiste em fato so-
cial algum, pois a ação partiu apenas de um
indivíduo, ou seja, não houve interação en-
tre os dois. Há diversas outras interpretações
possíveis para o piscar de olhos. Uma delas é
o piscar como um tique nervoso. Por se tratar
de um ato involuntário, automático, não há
nenhum sentido nessa ação. Contudo, se uma
outra pessoa passa a imitar aquele que possui
o tique nervoso, ela não está flertando nem

» 113
o que é ser cientista social

piscando involuntariamente. De qualquer


forma, sua atitude possui um código social-
mente estabelecido, uma vez que o imitador
certamente atingirá seus objetivos: provocar
risos entre os colegas e irritar aquele que pos-
sui o tique. Assim, uma ação intencional que
provoque a reação de outros atores se consti-
tui numa ação social.
Weber compara a sociedade a um teatro
social. Dentro desse teatro, cada um de nós é
um ator social, que, por sua vez, exerce a ação
social. Ao sociólogo é dada a tarefa de com-
preender, interpretar e explicar o significado,
a organização e o sentido de cada ação social,
bem como evidenciar a regularidade das con-
dutas. Segundo Weber, existem quatro tipos de
ações sociais: ação social tradicional, ação so-
cial afetiva, ação social racional com relação a
fins e ação social racional com relação a valores.
A ação social tradicional é uma ação ba-
seada em costumes arraigados e hábitos tra-
dicionais, como, por exemplo, obedecer aos

114 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

pais, obedecer ao professor, reverenciar o rei


etc. Já a ação social afetiva é aquela determi-
nada por sentimentos como raiva, medo, pai-
xão etc., como seguir um líder religioso ou
admirar uma liderança política. A ação social
racional com relação a fins seria o oposto des-
ta última, pois trata-se de alcançar o fim atra-
vés de meios racionais, ou seja, alcançar um
objetivo através da razão, como, por exemplo,
um atleta que pretende alcançar recordes e o
estudante que quer ingressar na universidade.
Por fim, a ação social racional com relação a
valores é uma ação baseada nos valores que
o indivíduo adota (mas que mantêm as suas
determinações dentro da racionalidade), se-
jam eles pessoais, culturais, religiosos etc.
Todos esses quatro tipos de ações são o que
Weber denomina de “tipo ideal”, ou seja, em
suas manifestações na realidade cotidiana,
essas ações coexistem, havendo predomínio
de uma sobre a outra, mas são “tipos puros”
apenas idealmente.

» 115
o que é ser cientista social

Por exemplo, na ação social de um pro-


fessor exercendo sua profissão, podemos
encontrar o envolvimento de praticamente
todas as ações sociais. Há uma obediência e
respeito ao professor por uma relação de tra-
dição; ao mesmo tempo os alunos podem res-
peitar mais ou menos um professor por uma
relação afetiva que desenvolvem com ele. O
professor pode dar o seu melhor enquanto le-
ciona, porque acredita no valor da educação
como prática de mudança para um mundo
melhor (ação racional com relação a valores),
mas, ao mesmo tempo, o faz porque necessita
de um salário para sobreviver (ação racional
com relação a fins).
Para entendermos como acontecem as
relações sociais entre os indivíduos, é neces-
sária a compreensão de como as sociedades
agem como estrutura coletiva da vida social.
Dessa forma, chegamos ao ponto de interes-
se da Sociologia: melhor compreender as so-
ciedades. De acordo com o ex-professor da

116 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

USP Antônio Flávio Pierucci,2 Weber defen-


dia que a sociedade ideal era aquela em que
as pessoas pudessem ter seus pontos de vista
radicais sendo respeitados por outras pessoas
que também defendiam suas posições de ma-
neira radical. A tolerância, que buscamos até
os dias de hoje, transformará realmente nos-
so mundo em um lugar de harmonia quando
esta for alcançada.
Weber ainda deixa uma enorme con-
tribuição às Ciências Sociais e à Sociologia
ao refletir, em seus estudos, sobre um tipo
específico de racionalidade humana, carac-
terística de nossa época, a qual ele chama de
racionalidade ocidental moderna. Ocidental

2
  Antônio Flávio Pierucci foi professor da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e é autor
da obra O desencantamento do mundo: todos os passos
do conceito de Max Weber. A análise do professor so-
bre o mundo ideal para Weber está disponível no vídeo
“Clássicos da Sociologia: Max Weber”, em 13’43”, dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ea-
-sXQ5rwZ4>.

» 117
o que é ser cientista social

porque, segundo ele, somente o Ocidente foi


capaz de gerar tal condição, desde a Grécia
Antiga até as sociedades modernas caracte-
rísticas do capitalismo. Essa racionalidade
pode ser traduzida, de maneira breve, em al-
gumas das nossas mais banais atitudes e ati-
vidades cotidianas, como, por exemplo: 1) a
nossa preocupação com o tempo: nunca te-
mos tempo para nada, o tempo nunca é sufi-
ciente para o que gostaríamos de fazer, tempo
é dinheiro, o tempo deve ser medido racional-
mente e cronometrado, se possível, para que
não seja perdido; 2) nossas preocupações com
planejamento: em nossa sociedade, aqueles
que conseguem planejar conseguem também
atingir com mais “sucesso” seus objetivos;
3) nossas atitudes de pensar os custos/benefí-
cios de nossas ações: só farei tal coisa se o be-
nefício que ela me trouxer for maior que o cus-
to de sua execução; entre tantas outras atitudes
que traduzem o ser racional moderno e capita-
lista que todos nós somos ou “deveríamos ser”.

118 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

Essas maneiras de agir e pensar sistemá-


ticas, desencantadas, metódicas, compõem as
ações sociais necessárias para o bom desen-
volvimento da sociedade capitalista, que pre-
cisa sistematizar seu lucro e racionalizar todas
as formas de vida no planeta, hoje expandin-
do-se muito além do Ocidente e tornando-se
globalizada no mundo inteiro.

O capitalismo transformando as
relações sociais

Entendendo o papel social do sujei-


to dentro da sociedade, podemos analisar a
estrutura social na qual vivemos. Por exem-
plo, Karl Marx, grande filósofo e economista
reconhecido pela questão da luta de classes,
acreditava que as mudanças provocadas pelo
capitalismo transformaram completamente
o modo de vida da humanidade. As socieda-
des, para ele, sempre foram, mesmo antes do

» 119
o que é ser cientista social

processo de industrialização, o resultado da


luta de classes. Marx apontava que, ao longo
de toda a história da humanidade, o embate
entre a classe dominante e a classe dominada
é uma constante, mas que essa característica
foi reforçada com o surgimento das grandes
indústrias (MARX, 1848).
As famílias que viviam até então na zona
rural mudaram-se para os recém-formados
centros urbanos, em busca de emprego. As
instituições familiares tradicionais foram des-
feitas a partir do momento em que as mulheres
e as crianças deixaram seus papéis domésticos
e os laços afetivos, para trabalhar como ope-
rárias nas fábricas. A venda do suor e da for-
ça de trabalho do operário como mercadoria,
a exploração do burguês sobre o proletário, a
busca incessante de lucro, entre outras formas
de opressão e alienação, transformaram o capi-
talismo em uma sociedade sem limites.
Impelida pela necessidade de merca-
dos sempre novos, a burguesia invade todo

120 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

o planeta. Necessita estabelecer-se em toda


parte, explorar em toda parte, criar vínculos
em toda parte. A busca da classe dominante
pela mais-valia e dos trabalhadores pela sua
sobrevivência e, mais tarde, pela satisfação do
seu desejo de consumo tornou a corrida pelo
capital a mais importante relação social, su-
perando muitas vezes os valores morais.
Dessa forma, os homens tornaram-se
nada mais do que grandes especialistas em aper-
tar parafusos, como retrata Charles Chaplin no
filme Tempos modernos (1936). Ao apertar
parafusos por mais de dez horas diariamente,
o trabalhador não é recompensado suficien-
temente para viver de forma confortável ou
sequer suficiente. Ao contrário, o bônus pelo
seu trabalho é dado apenas aos patrões. No
regime burguês, aqueles que trabalham não
lucram e os que lucram não trabalham.

Horrorizai-vos porque queremos abolir


a propriedade privada. Mas em vossa

» 121
o que é ser cientista social

sociedade a propriedade privada está


abolida para nove décimos de seus
membros. E é precisamente porque
não existe para estes novos décimos
que ela existe para vós. Acusai-nos,
portanto, de querer abolir uma forma
de propriedade que só pode existir
com a condição de privar de toda pro-
priedade a imensa maioria da socieda-
de. (Marx, 1999, p. 33).

Assim, cresceu a fome dos homens pelo


lucro e pelas mercadorias, fome que só au-
mentou com o passar do tempo e que resul-
tou em miséria em todo o mundo. Exacerbou,
além das desigualdades sociais e da miséria,
intolerância, preconceito, desordem, cruelda-
de, transformação de todas as relações sociais
em mercadoria. A mulher, mãe, educadora,
centro da unidade familiar e responsável pe-
los valores morais e éticos, foi transformada
em mercadoria, em produto de desejo; pode
ser comprada nas bancas de jornal. O pai

122 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

tornou-se apenas um reprodutor das condi-


ções de sua própria classe.
O capitalismo provocou, sobretudo,
a alienação. Muitos não fazem questão de
entender a formação da sociedade onde vi-
vem, aceitando muitas vezes a situação em
que se encontram, sem questionar, sem dis-
cutir. O desejo de fazer parte de uma mino-
ria que exerce poder e influência sobre uma
imensa maioria faz com que os indivíduos se
tornem cada vez mais egoístas, almejando o
planejamento de suas vidas dentro de uma
racionalidade que lhes traga apenas benefí-
cios próprios, mesmo que esse agir os torne
submissos aos seus meios de sustento. Vive-se
para trabalhar e não o inverso (o trabalhar
para viver).
Em vez de ser um instrumento para a
realização do homem, fonte de liberdade e
de inovações tecnológicas, o trabalho tor-
nou-se um instrumento de escravização, de-
sumanizou os indivíduos. O valor dos seres

» 123
o que é ser cientista social

humanos se reduziu ao poder de ter riquezas


e as acumular.

Insubmissos, venham para a rua!

Para acabar com a ditadura da burgue-


sia, Marx propunha uma revolução. Para ele,
toda revolução é necessariamente violenta,
já que o Estado tenderia sempre a empregar
a coerção para salvaguardar a manutenção
da ordem sobre a qual repousa seu poder

124 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

político. Logo, a oposição não tem outra pos-


sibilidade de se fazer ouvir senão atuando
também violentamente. Para o autor, o Es-
tado não passa do poder particular de uma
classe particular que se afirma em detrimento
das demais: a burguesia.
Assistimos, assim, de forma submissa,
enquanto meros espectadores, à contínua
exploração dos trabalhadores e ao enrique-
cimento da pequena classe burguesa; aos
interesses da minoria sendo privilegiados;
à escravidão da beleza, que privilegia o pa-
drão estético inalcançável; à coisificação das
pessoas, que se transformaram em outdoors
ambulantes em vez de seres pensantes e críti-
cos; à fome pela mercadoria e não pelo afeto
daquilo que um dia chamamos de família; à
busca pelos valores monetários, e não pelos
valores morais. A recusa à destruição do pró-
prio ser humano é tímida e pontual na nossa
História. Nas últimas décadas, foi simboli-
zada pelas Diretas Já, pelo impeachment do

» 125
o que é ser cientista social

ex-presidente Collor e pelas recentes mani-


festações de junho de 2013. No mundo, ma-
nifestações como as ocorridas em Wall Street
e, mais recentemente, em Hong Kong revelam
desejos de mudança e menos desigualdade
entre os seres humanos.
Nada no mundo é estático, tudo está em
constante processo de mudança, e nós pode-
mos ser a mudança. Por meio da Sociologia,
podemos compreender e refletir sobre as ano-
malias, as disfunções sociais que percebemos
hoje. Podemos, acima de tudo, propor as mu-
danças que promoverão uma sociedade capaz
de oferecer oportunidade a todos, além de
instituições sociais interessadas em originar a
reflexão. Podemos exigir que cada indivíduo
seja respeitado na sua individualidade, inde-
pendentemente das suas escolhas políticas,
religiosas e sexuais, da sua raça ou do seu gê-
nero. Podemos lutar para que a diferença de
riqueza acumulada entre cada indivíduo seja
diminuída a tal ponto que todo ser humano

126 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

possa sobreviver com dignidade. Podemos


dar nossa contribuição para que a igualdade
deixe de ser uma grande utopia das ciências
sociais e torne-se uma realidade entre nós.

Educação e Sociologia

De maneiras diferentes, mas olhando o


mesmo fato, Karl Marx, Émile Durkheim e
Max Weber veem o papel da Educação como
fundamental na formação do ser humano.
Em nossa sociedade moderna, são as escolas
que recebem o maior papel de socialização do
indivíduo fora do convívio familiar.
Durkheim lembra a importância da es-
cola na formação do ser social de cada indi-
víduo. O ser social corresponde ao sistema de
ideias da sociedade, ou seja, as opiniões cole-
tivas sobre os mais diversos assuntos, como
religião, pátria etc. É na escola que devem ser
negados os primeiros preconceitos impostos

» 127
o que é ser cientista social

pela sociedade e promovidas a diversidade e


a tolerância. O autor também afirma que “a
educação é um processo social; isto é, ela põe
em contato a criança com uma sociedade de-
terminada, e não com a sociedade in genere”
(DURKHEIM, 1978, p. 7).
Marx também faz uma importante refle-
xão sobre o sistema educacional contemporâ-
neo. Ele questiona os limites da educação, que
está voltada para a reprodução das condições
já dadas dentro da sociedade, ou seja, não
oferece aos estudantes subsídios para questio-
nar e promover mudanças na atual sociedade.
Assim como a polícia e a igreja, a escola, para
Marx, é mais um aparato ideológico do Esta-
do, que se empenha para promover a submis-
são na formação dos futuros cidadãos.
Já Max Weber trabalha conceitos re-
ferentes à organização capitalista racional do
trabalho livre, outro fato que envolve direta-
mente a questão das escolas, pois é nas esco-
las que o aprendizado dessa racionalidade será
transmitido. O autor considera que o moderno

128 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

capitalismo ocidental teria sido fortemen-


te influenciado pelas ciências modernas,
especialmente pelas ciências exatas e racio-
nais. Contudo, essas ciências, como o cálculo
e a álgebra, “foram adotadas na Índia, onde
o sistema decimal foi inventado; mas seu uso
foi desenvolvido apenas pelo capitalismo no
Ocidente” (WEBER, 2008, p. 8). Com isso
torna-se visível a importância que é dada para
essas e outras ciências dentro do ambiente es-
colar, com a finalidade de organizar e desen-
volver grupos sociais, políticos e econômicos,
para se estabelecer a ordem social. Isso ocorre
desde a formação da sociedade ocidental e se
aproxima da nossa cultura atual, em que, nas
escolas, aponta-se a necessidade da ordem so-
cial, através do incentivo ao ingresso e suces-
so no mercado de trabalho.
Ainda há muitos estereótipos e pensa-
mentos conservadores a serem quebrados
dentro da instituição educacional. Contudo,
a escola é um espaço de fomento à democra-
cia, de promoção da tolerância, do respeito e

» 129
o que é ser cientista social

da discussão acerca das diferentes opiniões.


Lugar que permite a formação de seres que
reflitam sobre seus modos de vida, sobre as
mudanças que possibilitarão o desenvolvi-
mento do seu país. Esse é um dos ambientes
nos quais o cientista social pode atuar en-
quanto profissional promotor da reflexão, do
senso crítico e da mudança, especialmente
entre aqueles que estão se moldando enquan-
to cidadãos, os jovens.
As Ciências Sociais trazem tal senso de
reflexão, muito importante para um mundo
que passa por grandes transformações. Para
perceber essas mudanças em uma pequena
escala, basta comparar a forma de pensar en-
tre diferentes gerações de uma mesma famí-
lia. Discussões de longo tempo, como a luta
de classes e a estigmatização em relação ao
gênero e à etnia, continuam sendo debatidas
atualmente, mas se modificaram e ganharam
novas interpretações.
Por abranger uma multiplicidade de te-
mas, a Sociologia é uma ciência interdisciplinar

130 «
ser cientista social: a sociologia como leitura do cotidiano

e pode ser vista como uma leitura do cotidia-


no, por envolver cada um dos atos que rea-
lizamos desde o acordar até o momento em
que encerramos nosso dia. Somos seres so-
ciais por definição. Tudo o que fazemos está
vinculado à sociedade à qual pertencemos.
Todos os dias, mediante nossas ações e con-
dutas, reproduzimos e modificamos essa so-
ciedade. Essa é a magia da Sociologia: propor
a compreensão dessas relações. Ler o nosso
cotidiano. A Sociologia “provoca” as pessoas
a agir como cidadãos ativos e participantes,
convida-os a negar a acomodação e a aliena-
ção às quais são conduzidos diariamente.

Referências

DURKHEIM, Émile. Sociologia. O que é fato


social? In: RODRIGUES, José Albertino (Org.).
Émile Durkheim. 3. ed. São Paulo: Ática, 1988.
p. 46-85. 

» 131
o que é ser cientista social

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto Co-


munista. (1848). Edição Ridendo Castigat Mores.
Versão para eBook, 1999. Disponível em: <http://
www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestoco-
munista.pdf>. Acesso em: 28 abril 2015.

______. O capital. Tradução de Regis Barbosa e


Flávio R. Kothe. São Paulo: Editora Nova Cultural,
1996.

UNIVESP TV. Clássicos da Sociologia: Max


Weber. Disponível em <https://www.youtube.com/
watch?v=ea-sXQ5rwZ4>. Acesso em: 15 set. 2014.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do


capitalismo. (1904/5). 2. ed. São Paulo: Pioneira,
2008.

______. Os três tipos puros de dominação legíti-


ma. In: COHN, Gabriel (Org.). Max Weber. 7. ed.
São Paulo: Ática, 2003. (Coleção Sociologia).

132 «
Capítulo 3

A antropologia e a
compreensão da cultura

Marilda Aparecida de Menezes (UFABC)


Aline Yuri Hasegawa (UFAB C)
Jaime Santor Júnior (Senac)

Culturas, famílias, gêneros, rituais, re-


ligiões, estruturas sociais, formas de paren-
tesco, redes de aliança e sociabilidades foram
e são temas de pesquisa e de debate da An-
tropologia. Uma vez que se debruça sobre as
manifestações humanas, a Antropologia não
espera dar conta dessa incomensurável diver-
sidade. Em realidade, o trunfo da Antropolo-
gia é que está aberta a compreender as múl-
tiplas formas de ação e experiência dos seres

» 133
o que é ser cientista social

humanos. Sendo assim, emergem questões


do tipo: como os indivíduos e grupos sociais
percebem o corpo? Quais são os laços de so-
lidariedade que fundamentam as suas rela-
ções? Como se dão as relações de parentes-
co e comensalidade? Até mesmo os próprios
contornos do que é cultural, humano, natural
ou animal são também temas dessa ciência
social e trazem para o debate a necessidade
constante de revisão dos próprios contornos
disciplinares.
Essas são questões que, na maioria das
vezes, não podem ser respondidas sem uma
revisão teórico-metodológica por parte do
pesquisador, já que, em muitos casos, os gru-
pos com os quais se está dialogando orientam
seu comportamento por normas, regras e va-
lores completamente diferentes dos valores do
pesquisador. Para tornar inteligível a diferen-
ça, a disciplina desenvolveu diversos recursos
de pesquisa, os quais serão abordados neste
texto. Nossa proposta é um texto didático

134 «
a antropologia e a compreensão da cultura

que tanto apresente brevemente a Antropo-


logia quanto motive os leitores a aguçar seu
interesse por essa ciência.
Em seu início, a Antropologia nasceu a
partir da preocupação em conhecer e com-
preender povos e culturas diferentes daqueles
do pesquisador/cientista. O contato com po-
vos “exóticos”, “selvagens”, “primitivos” ou as
tribos indígenas nos países colonizados pelos
europeus despertou o interesse de estudiosos
de diferentes áreas em compreender esse su-
posto “desconhecido”. Nesse contexto, cabe
ressaltar que “humano”, àquela época, era o
colonizador branco, temente a Deus e conhe-
cedor das leis e regras sociais típicas da sua
sociedade. O “outro” era tudo o que desvia-
va daquele “tipo humano”, seja pelas práticas
culturais, seja por marcadores físicos, como a
cor da pele, por exemplo. Essa primeira fase
da Antropologia, como uma disciplina que
começa a se consolidar como científica, era
caracterizada por textos de viajantes, escritos

» 135
o que é ser cientista social

sob os auspícios dos povos colonizadores, e


imputava a esse “outro” o signo daquele que
é “distante”, “selvagem”, “bárbaro”, “infantil”,
“menos evoluído”, “primitivo”. É interessan-
te notar que, uma vez institucionalizada nas
universidades europeias, a Antropologia do
século XIX, representada por pesquisadores
como Marcel Mauss (1872-1950) e Bronislaw
Malinowski (1884-1942), ainda empregava
esses mesmos termos para se referir aos po-
vos estudados.
Em fins do século XVIII e início do sé-
culo XIX, a obra A Origem das Espécies, de
Charles Darwin (2003), exerceu enorme in-
fluência no nascimento das Ciências Sociais.
O chamado “Evolucionismo Social” susten-
tava o argumento de que o desenvolvimento
histórico possui etapas que refletem o estágio
em que cada cultura se encontra, ou seja, atra-
vés do “progresso”, partiríamos das formas
sociais mais simples àquelas mais comple-
xas. Intelectuais como Lewis Henry Morgan

136 «
a antropologia e a compreensão da cultura

(1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-


1917) e James George Frazer (1854-1941) são
expoentes dessa escola de pensamento na An-
tropologia.
O que movimentava o debate era a ten-
tativa de responder à seguinte questão: como
é possível haver diversidade se possuímos a
mesma matriz biológica comum? A solução
encontrada foi, então, a de estabelecer a tra-
jetória desse desenvolvimento, ou uma linha
evolutiva em que estariam previstos os es-
tágios de desenvolvimento das sociedades.
Contudo, o problema é que a régua emprega-
da para mensurar os “estágios” tomava como
referência a sociedade do observador, daquele
que postulava o grau de desenvolvimento das
outras sociedades levando em conta que a sua
própria cultura era a mais avançada. Esse tipo
de interpretação foi chamado de evolucio-
nista. Na Antropologia, dá-se um nome para
essa postura de investigação: etnocentrismo.
Ou seja, a partir dos pressupostos de sua

» 137
o que é ser cientista social

própria cultura, medem-se e julgam-se a


cultura, as práticas e o pensamento alheios.
Como percebemos, trata-se de tomar a sua
própria cultura como centro a partir do qual
todas as demais culturas devem ser pensadas
e comparadas.
A reação a esse pensamento emergiu a
partir de pensadores como Émile Durkheim
(1858-1917), Radcliffe-Brown (1881-1955)
e, talvez o seu expoente maior, Bronislaw
Malinowski. Esses autores, ao perceberem
a diversidade cultural que permeia a expe-
riência humana em diferentes pontos do pla-
neta, não aceitaram as teses evolucionistas,
uma vez que elas não explicavam os “dife-
rentes estágios de desenvolvimento” cultural
e tecnológico, manifestos, muitas vezes, em
locais vizinhos. Por isso, propuseram uma
nova maneira de pensar a diversidade, não
baseada em linhas evolutivas.
Em Os Argonautas do Pacífico Ocidental
(1976), Malinowski reuniu os seus dados de

138 «
a antropologia e a compreensão da cultura

campo após uma longa pesquisa realizada


com o povo Mailu, nas Ilhas Trobriand. A ino-
vação advinda com essa obra surge primeiro
com o método de pesquisa inaugurado por
Malinowski, a observação participante, que
significava a presença do pesquisador, por
um certo período de tempo, na localidade dos
povos estudados. Através da convivência co-
tidiana nos espaços do trabalho, do lazer, dos
rituais religiosos, de alimentação, nas formas
de interação com outros grupos, Malinowski
buscou compreender como se constroem as
relações entre os indivíduos, de modo a cons-
tituir uma cultura específica. A longa convi-
vência, em geral por períodos de cerca de um
ano, permitiu-lhe entender os significados
contidos no Kula, uma prática social em que
os Mailu trocam colares e braceletes com os
outros habitantes das ilhas Trobriand. A aná-
lise dessa forma de troca foi compreendida
por Malinowski como um símbolo dos elos
sociais entre os indivíduos e os grupos sociais

» 139
o que é ser cientista social

que, embora sendo diferentes, conseguiam se


relacionar entre si ao compartilhar símbolos,
práticas e regras sociais.
O método da observação participante
desenvolvido por Malinowski ficou consa-
grado como o mais importante da Antropo-
logia e foi chamado de método etnográfico
ou etnografia. A Antropologia propõe esse
método para que o pesquisador possa relati-
vizar a sua própria visão de mundo e busque
compreender as práticas sociais, instituições,
regras sociais e morais, símbolos e rituais de
um determinado grupo social. A etnografia
encontra seu fundamento nesse princípio da
“alteridade”, ou seja, a necessidade de o an-
tropólogo relativizar a sua própria cultura e
buscar compreender a cultura do outro atra-
vés do conjunto de procedimentos de pes-
quisa, que envolvem olhar, ouvir e escrever
(Oliveira, 2006).
Por essa perspectiva, os fenômenos so-
ciais distintos e aparentemente exóticos de

140 «
a antropologia e a compreensão da cultura

outras culturas deixaram de ser vistos como


desconexos ou atrasados. Em oposição cla-
ra ao evolucionismo, Malinowski e outros
autores propõem o método funcionalista do
estudo das culturas e das sociedades: o “todo
social” ou cultural seria como um sistema e
cada parte do todo (práticas religiosas, ali-
mentares, sexuais) está conectada e inter-
-relacionada, para dar conta da reprodução
da sociedade – ou da cultura. Nesse sentido,
é possível afirmar que isso promoveu um des-
locamento na imagem que se tinha do “outro”,
não mais sendo o “selvagem” e/ou “primitivo”.
Esse princípio questiona a hipótese de que
existiriam “leis” que regem o funcionamento
dos fenômenos sociais, colocando-os em um
continuum que vai do menos desenvolvido ao
mais desenvolvido.
Enquanto as correntes teóricas associa-
das às ideias evolucionistas pensavam o mun-
do e a diversidade da experiência humana a
partir de uma linha evolutiva, o funcionalismo

» 141
o que é ser cientista social

enxergava cada cultura em si e por si. Em rea-


lidade, estamos tratando da passagem de uma
abordagem dita etnocêntrica, em que se enxer-
ga o outro a partir de si mesmo e de seus va-
lores, para uma abordagem relativista cultural.
Neste caso, as culturas e os povos devem ser
compreendidos a partir de seus termos, como
se pensam e como resolvem seus problemas
locais, a partir de seus sistemas sociais.
Ainda no que se refere a uma descrição
das diferentes correntes teóricas que fazem da
Antropologia um campo específico de produ-
ção de conhecimento, podemos mencionar o
estruturalismo. Mantendo a abordagem do
relativismo cultural, o estruturalismo se opôs
ao funcionalismo ao questionar a noção de
que o todo social era formado por “peças”
sistêmicas que contribuíam, conjuntamente,
para o funcionamento correto do sistema so-
cial. No caso do estruturalismo francês, seu
maior expoente, com grandes influências
sobre a antropologia brasileira, foi Claude

142 «
a antropologia e a compreensão da cultura

Lévi-Strauss (1973, 1982, 1987). Para esse au-


tor, inserido em um contexto de crítica ao
nazifascismo e de reflorescimento das ideias
iluministas, bem como de assinatura dos
Direitos Humanos, todos os seres humanos
são racionais e pensam a partir de pares de
oposição. Tais pares e suas relações são as
estruturas que devem ser investigadas pela
Antropologia. O objeto de estudo privile-
giado por essa corrente antropológica são
os mitos de criação dos povos, sendo que, a
partir deles, seria possível entender a lógica
de pensamento e de estruturação da socie-
dade em questão. Lévi-Strauss analisou uma
ampla variedade de mitos produzidos por
diversas culturas e encontrou neles os pares
de oposição que, segundo o autor, estrutu-
ram o pensamento humano.
Um dos maiores exemplos de aplica-
ção da abordagem estruturalista proposta
pelo autor é sua teoria do tabu do incesto. De
acordo com Lévi-Strauss (1982), por meio

» 143
o que é ser cientista social

dela é que se institui a proibição social em se


manter relações sexuais com determinadas
pessoas, definidas localmente como parentes
consanguíneos. Assim, instauram-se nas so-
ciedades as regras de reciprocidade entre os
grupos. Para o autor, essa regra é universal,
pois se aplica a todas as culturas e codifica
as trocas entre os grupos, já que cada grupo
codifica suas próprias regras de proibição e
consentimento de alianças, formulando redes
específicas de parentesco e solidariedade.
Essa busca pelas “estruturas” será criti-
cada pelo afastamento, que ela sugere, do pla-
no mais imediato da empiria, ou seja, códigos
sociais poderiam ser interpretados de manei-
ra fria e distante das realidades de origem.
Disso dista a chamada antropologia interpre-
tativa. Entre os antropólogos mais contempo-
râneos, foi Clifford Geertz (1986, 2005) quem
trouxe uma contribuição valiosa à compreen-
são do estatuto da dimensão simbólica no
pensamento social. Há no seu pensamento

144 «
a antropologia e a compreensão da cultura

uma reivindicação de que os sistemas sociais,


por possuírem lógicas distintas, somente po-
dem ser compreendidos na relação com o seu
contexto. Para Geertz (1986), a prática an-
tropológica não é compatível com aquela que
vem para dizer a última palavra. Ele se opõe
às análises estruturalistas de Lévi-Strauss jus-
tamente por acreditar na interpretação contex-
tual das ações humanas. Ou seja, nem pares de
oposição nem estruturas de pensamento são
o objeto de estudo do autor. O antropólogo é,
antes de tudo, “um mercador do espanto”, diz
ele. Isso porque, ao trazer para o debate temas
de fora, terminologias inesperadas, conceitos
inovadores e visões de mundo alternativas, o
pesquisador não é um “pacificador”, mas um
causador de rupturas e desequilíbrios, aquele
que questiona o status quo.
Ainda de acordo com o Geertz (1986),
a cultura é uma teia de significados. Ao in-
terpretá-la e compreendê-la, podemos chegar
aos significados e motivações da ação dos

» 145
o que é ser cientista social

homens e da própria noção que eles têm de


si mesmos. Um exemplo para compreender
a proposta de Geertz é o caso das piscade-
las. Quando alguém pisca um olho, essa pis-
cadela pode significar uma conspiração, um
jogo, uma brincadeira, um tique-nervoso, um
ensaio etc. É tarefa da descrição densa com-
preender a ação inserida em determinado
contexto, descrever e interpretar qual o sen-
tido dessa piscadela.
Retomando o que foi mencionado no
início do texto, não estamos propondo uma
visão linear e progressiva do desenvolvimen-
to das correntes antropológicas. Antes, os
debates ocorrem a partir de vários pontos
de vista e engajam diferentes autores e po-
sições epistemológicas. Essas mudanças e
os debates inerentes a elas dizem respeito à
própria constituição dos objetos de pesqui-
sa e das formas de se relacionar com eles no
trabalho de campo. De uma maneira geral,
as correntes teóricas representam o desafio –

146 «
a antropologia e a compreensão da cultura

historicamente situado – do conhecimento


em face da interpretação das dinâmicas so-
ciais sempre mutáveis. Porém, o aspecto ins-
tigante é como a narrativa sobre esse “outro”
vai ganhando conotações diferentes a depen-
der do momento histórico. Como dissemos,
os estudados eram principalmente povos das
regiões onde os impérios europeus manti-
nham colônias.
Em trabalhos antropológicos, o ques-
tionamento do estatuto do outro como um
produto das relações coloniais foi posto
nesses termos principalmente a partir do
trabalho de Edward Said (2007), teórico so-
cial radicado nos Estados Unidos que se de-
dicou a estudar e compreender formas de
construção cultural e política do Oriente.
De acordo com esse teórico, o desenvolvi-
mento de grandes generalizações – como
línguas, raças, tipos, cores, mentalidades
(cosmologias, mitologias) – constitui interpre-
tações avaliativas e modelos de interpretação

» 147
o que é ser cientista social

universais e forma um dos pilares da consti-


tuição de um campo de produção do conhe-
cimento que ele denominou de orientalismo.
Said afirma que, ainda que se proclamassem
como designações neutras e descrições ob-
jetivas da “realidade” oriental, tais discursos
reforçavam a oposição binária entre “nosso” e
“deles” e entre disciplinas como a Antropolo-
gia e a Linguística, mas também teorias dar-
winianas contribuíram sobremaneira para a
constituição do Oriente como um lugar geo-
gráfico, político e cultural.
Por meio de essencializações, des-histo-
ricização e des-humanização, os “outros” ad-
quirem, nesses discursos – que acabam por
instituir uma realidade, ainda que imaginada –
uma aura de isolamento, definição e coerência
coletiva, a ponto de apagar todos os vestígios
de indivíduos com histórias de vidas narrá-
veis – é interessante pensar que o mesmo re-
pertório de vocabulário e método de descrição
do “outro” continue, contemporaneamente, a

148 «
a antropologia e a compreensão da cultura

utilizar termos como “o espírito japonês”, “o


povo xavante”, “os costumes chineses” ou “a
filosofia indiana”, como se eles não tivessem
sido submetidos aos processos comuns da
história. Assim, esses povos, externamente
construídos, acabam por ser exauridos na sua
própria existência temporal. Seria como se
eles sempre houvessem existido, em uma ho-
mogeneidade imaginada exteriormente e em
uma subalternidade imposta. Note que o exo-
tismo na apreensão de povos provenientes de
culturas distintas sempre foi tema de conflito
na história da humanidade.
A Antropologia, nesse contexto, repensa
seu método – a etnografia –, desconstruindo-se
e reconstruindo uma nova maneira de pro-
duzir conhecimento. Os estudos pós-colo-
niais, principalmente, questionaram forte-
mente as bases teórico-metodológicas sobre
as quais se estruturou grande parte dos tra-
balhos da Antropologia. Ao universalizar
categorias como sujeito, individualidade,

» 149
o que é ser cientista social

racionalidade etc., a produção de saber oci-


dental, de acordo com autores como Sousa
Santos (1997, 1999), Hall (1997), Spivak (2010)
e Said (2007), imputa aos demais saberes sua
lógica de classificação do mundo, não levan-
do em consideração que outros povos ela-
boram sua experiência cotidiana de maneira
diversa da racionalidade ocidental, operando
sob outra epistemologia. O próprio processo
de conhecimento de lógicas diferentes, me-
diado pelas categorias ocidentais, já é, por si,
um processo de hierarquização, diferenciação
e subalternização. Dessa maneira, colocando
em questão a epistemologia do conhecimento
sobre o outro, os estudos pós-coloniais
trouxeram novos problemas à disciplina:
como conhecer o outro sem exotizá-lo, infan-
tilizá-lo, menosprezá-lo?
As propostas teórico-metodológicas de
Geertz, principalmente em seus escritos mais
recentes (GEERTZ, 2005), fazem dessas crí-
ticas um substrato de seu pensamento. Ao

150 «
a antropologia e a compreensão da cultura

inserir no centro do debate o posicionamen-


to do pesquisador no desenrolar da pesqui-
sa, Geertz coloca em evidência as relações de
poder, outrora desconsideradas, no contexto
da pesquisa de campo e da escrita do texto.
Ademais, ao tratar o texto etnográfico como
crítica literária (GEERTZ, 1986), o autor re-
tira da Antropologia o estatuto de ciência
capaz de descrever a diversidade humana,
inserindo-a num conhecimento produzido
contextualmente, com marcas da origem do
pesquisador. Desse modo, ainda que se per-
gunte sobre o outro e sobre o diferente, a An-
tropologia também se volta a si mesma: quem
é o pesquisador, em que contexto pesquisou e
como pesquisou.
Embora haja muito mais a ser dito a res-
peito dessa disciplina, o espaço que nos resta
coloca a necessidade de fecharmos este tex-
to. Ao iniciarmos a escrita deste, tínhamos
como objetivo responder a algumas questões
que porventura o leitor pudesse ter a respeito

» 151
o que é ser cientista social

dessa disciplina. Também tentamos alimentar


certa curiosidade em torno de todos esses de-
bates que evidenciamos, de modo que o leitor
poderá encontrar, nas referências, as indica-
ções daquilo em que nos baseamos para co-
locar os autores em diálogo. Para além de sua
aplicação disciplinar, a Antropologia, como
prática de conhecimento, apresenta poten-
cialidades políticas que podem até mesmo al-
cançar a dimensão interpessoal, uma vez que
se debruça sobre a relação com o diferente, si-
tuação cotidianamente vivida por todos nós.

Referências

DARWIN, Charles. A Origem das Espécies. Porto:


Lello & Irmão, 2003.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura. In:


THOMPSON, Kenneth. Media and cultural regu-
lation. Tradução de Ricardo Uebel, Maria Isabel
Bujes e Marisa Vorraber Costa. London, 1997. Dis-
ponível em: <http://t.scribd.com/doc/51032590/A-

152 «
a antropologia e a compreensão da cultura

-CENTRALIDADE-DA-CULTURA-hall#scribd>.
Acesso em: 15 set. 2014.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural.


Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973. v. 1.

______. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro:


Tempo Brasileiro, 1987. v. 2.

______. As estruturas elementares do parentesco.


Rio de Janeiro: Vozes, 1982.

MALINOWSKI, Bronislaw. Os argonautas do Pa-


cífico Ocidental. São Paulo: Abril, 1976.

Oliveira, Roberto Cardoso de. O trabalho do


antropólogo. 3. ed. Brasília: Paralelo 15; São Paulo:
Ed. da Unesp, 2006.

SAID, Edward. O orientalismo. São Paulo: Cia. das


Letras, 2007.

SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice. São Paulo:


Cortez, 1997.

______. A construção multicultural da igualdade


e da diferença. Oficina do CES, n. 135, 1999.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno


falar? Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2010.

» 153
Capítulo 4

Ser cientista social: a ciência


política e a interpretação
do poder político

José Blanes Sala (UFAB C)


Débora Corrêa de Siqueira (UFAB C)

O cientista político

O cientista social, no universo da ciência


política, é o profissional que se dedica a anali-
sar e a interpretar a organização da sociedade
do ponto de vista do poder político. As ques-
tões que lhe interessam estão relacionadas,
entre outras, à origem e ao funcionamento
dos governos, dos partidos políticos, das ins-
tituições e da opinião pública.
» 155
o que é ser cientista social

Os estudos nesta área não se destinam


a formar diretamente os futuros políticos do
país, por não oferecerem receitas nem solu-
ções, mas sim explicações, técnicas e métodos
que, junto a outros conhecimentos, consti-
tuem-se em fontes para compreensão, apoio
e assessoramento a uma atividade determina-
da, chamada “política”.
O profissional que se especializa em ciên-
cia política pode lecionar em escolas e uni-
versidades, elaborar análises e projetos para
instituições e institutos de pesquisa, prestar
consultoria a empresas, partidos políticos, as-
sociações e movimentos sociais ou ter acesso a
determinados cargos técnicos tanto do poder
legislativo quanto do poder executivo.
Pensando na atividade do cientista so-
cial que se especializa em política e no leitor
que deseja compreender os processos políti-
cos e a interpretação do poder, este capítulo
irá apresentar autores e conceitos fundamen-
tais para a compreensão da ciência política e
para a interpretação do poder.

156 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

A política

A política pode ser definida como o


conjunto de atividades que se relacionam à
capacidade e à autoridade para tomar deci-
sões sobre os diversos problemas que afetam
a coletividade. Sobre os problemas políticos,
Dalmo de Abreu Dallari, professor e jurista
brasileiro, alerta-nos: “é preciso ter consciên-
cia de que os problemas políticos são, sempre,
problemas de todos os membros da socieda-
de” (DALLARI, 1984, p. 21).
A palavra “política” tem a sua origem
etimológica na palavra grega polis. As pri-
meiras pessoas que se preocuparam com os
problemas políticos, de forma sistemática,
foram os gregos, habitantes da polis, a cidade
grega de então. Na concepção grega, política
dizia respeito aos assuntos da polis. O filóso-
fo grego Aristóteles (384-322 a.C.), ao refletir
sobre a vida na polis, afirmou que os homens,
por sua própria natureza, são seres políticos,

» 157
o que é ser cientista social

pois não conseguem viver sem a companhia


de outros. No entanto, a vida em conjunto
é complexa, pois as pessoas são diferentes e
possuem interesses também variados, que
muitas vezes não coincidem, podendo gerar
conflitos e problemas. Para resolvê-los, é pre-
ciso deliberar e adotar decisões que satisfa-
çam a maioria.
Desde o século V antes de Cristo, em
Atenas − a mais famosa polis grega −, a toma-
da de decisões era feita após debates públicos
dos quais participavam os cidadãos. Para ser
cidadão ateniense e, assim, poder participar
dos debates e das decisões políticas, era ne-
cessário ser homem, livre e filho de gregos, o
que impedia a participação das mulheres, dos
escravos e dos estrangeiros.
Embora reduzida, a forma de decisão
coletiva característica de Atenas inspirou a
forma de governo mais participativa que co-
nhecemos: a “democracia”, sendo a compo-
sição desta palavra a junção dos vocábulos

158 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

démo (povo) e krátos (poder). Porém, até


chegarmos a essa forma de governo que pres-
supõe uma maior participação da sociedade
nas decisões dos governos, houve um longo
percurso, raramente transcorrido de forma
pacífica. Muito pelo contrário, a história da
humanidade foi e continua sendo marcada
por conflitos, contendas, batalhas e guerras
que alteram a composição política de países
e continentes.
Exemplo de importante transformação
política e social ocorreu no findar do século
XVIII, na França, quando os revolucionários
burgueses, inspirados pelo movimento ilumi-
nista, que preconizava a razão como fundamen-
to das reivindicações, foram às ruas protestar
contra a monarquia, tendo como lema as pala-
vras “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Os revolucionários desejavam o fim
dos privilégios dos nobres, porém divergiam
quanto à participação do povo nas decisões

» 159
o que é ser cientista social

políticas. Enquanto os jacobinos defendiam


uma maior participação popular na política,
os girondinos, que representavam os bur-
gueses mais ricos, queriam evitar que todo o
povo dela participasse. Alguns anos depois da
luta entre jacobinos e girondinos pelo poder
na França, prevaleceu uma nova forma de do-
minação: a ditadura napoleônica.
Napoleão Bonaparte (1769-1821) au-
toproclamou-se Imperador em 1804, dando
a impressão de que se voltava à estaca zero
em matéria de poder político, impedindo o
advento da democracia. No entanto, a Euro-
pa nunca mais seria a mesma, uma vez que
as ideias e as transformações desencadeadas
pelo Iluminismo estabeleceram as bases para
a formação da sociedade moderna, no bojo
das Revoluções Francesa e Industrial, ambas
iniciadas no século XVIII.

160 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

Figura 1 − Detalhe do quadro Coroação de Napoleão,


do artista francês Jacques-Louis David (1806-1807)
Fonte: Opera Mundi (2012).

Estamos bastante distantes da Grécia


que inspirou a democracia no século V antes
de Cristo, ficando como um fato isolado no
passado do Ocidente. De lá para cá, muita
coisa mudou em termos de política, poder e
participação dos cidadãos na forma de en-
frentar os diversos problemas que afetam a
coletividade.

» 161
o que é ser cientista social

A interpretação do poder político

Como vimos anteriormente, democra-


cia é o governo do povo, que participa, sob
diversas formas, das decisões a respeito dos
problemas comuns que afetam a todos, os
problemas políticos. A participação pode ser
indireta, através de representantes, ou direta,
seja decidindo, seja tomando parte nos diver-
sos órgãos de governo.
No entanto, Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), importante filósofo e teórico
político francês, externou seu descrédito na
democracia quando afirmou, na sua obra
clássica “O Contrato Social”: “Se existisse um
povo de deuses, ele se governaria democrati-
camente. Tão perfeito governo não convém
aos homens”.
Assim mesmo, esse filósofo assegurou
que todo cidadão que nasce em um Estado
livre, por menor que seja a influência que
possa ter sua voz nos assuntos públicos, tem

162 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

o direito de fazê-lo. Caso essa influência seja


feita através do voto, é dever desse cidadão
instruir-se para exercer o seu direito, esco-
lhendo seus representantes políticos.
Os políticos, ao deliberarem sobre os
problemas coletivos, exercem uma influên-
cia muito especial sobre os cidadãos de um
município, de um estado ou de uma nação,
tanto para o bem quanto para o mal. Por esse
motivo, precisamos entender essa influência
deveras importante, que se relaciona direta-
mente à ciência política e à vida cotidiana de
todos nós: o poder e suas conexões com a so-
ciedade, com as instituições, com os partidos
políticos, com os governos locais, nacionais e
internacionais.
O poder é sempre exercido por uma
pessoa ou grupo de pessoas em relação a ou-
tras, tendo como característica fundamental
a dominação. Quem se submete ao poder de
outrem o faz em decorrência de inúmeros
fatores. Ressaltamos ainda que a dominação

» 163
o que é ser cientista social

nem sempre se produz por meio da força ou


da violência; antes ao contrário, a dominação
se exerce através de meios que permitam in-
fluenciar o comportamento de outras pessoas,
usando, apenas eventualmente, de castigos e
punições para aqueles que não obedecerem
às normas estabelecidas com a finalidade,
ao menos em tese, de prover o bem comum
(LEBRUN, 1984).
Na dimensão política, portanto, a sub-
missão dos cidadãos tem como motivação a
necessidade de convivência pacífica e organi-
zada que somente o poder político, represen-
tado pelo Estado, pode proporcionar.
Nesse sentido, durante a história, filóso-
fos e teóricos dedicaram-se a analisar as te-
máticas do poder, da política e da dominação
que se materializam na figura dos poderes
políticos. Não temos a pretensão de mencio-
nar todos esses autores no curto espaço deste
capítulo. Entretanto, daremos algumas pistas
para os leitores que, interessados em saber

164 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

mais sobre essas questões tão apaixonantes,


queiram buscar maiores informações e co-
nhecimento sobre elas.
Miquel Caminal Badia (1952-2014), que
lecionou Direito Constitucional e Ciência Po-
lítica na Universidade de Barcelona, elencou
no seu já clássico “Manual de Ciência Políti-
ca” alguns estudiosos que fizeram grande di-
ferença para que a realidade política pudesse
ser interpretada e se tornasse objeto de aná-
lises, adquirindo autonomia disciplinar pró-
pria e alcançando o status de ciência social a
partir do século XX.
Aristóteles (384-322 a.C.) talvez tenha
sido, junto com Platão (427-347 a.C.), um
dos primeiros filósofos a se preocupar com
os assuntos coletivos. Interessante é que con-
viveram em Atenas, numa época em que a
política fazia parte da vida cotidiana dos mo-
radores da polis. Platão escreveu A Repúbli-
ca, e Aristóteles, um conjunto de cinco livros
intitulado Política. Os estudos de ambos os

» 165
o que é ser cientista social

filósofos prepararam as bases para as análises


nesta área.

Figura 2 − Detalhe do afresco Escola de


Atenas, do artista italiano Rafaelle Sanzio
(1483-1520). No centro, vemos Platão
(careca) conversando com Aristóteles
Fonte: Nova Acrópole (2014).

Alguns autores consideram que, a ri-


gor, a ciência política como objeto de estudo
sistemático teria se originado muito depois,
a partir dos escritos de Nicolau Maquiavel
(1469-1527), historiador e diplomata italia-
no que analisou o Estado e o governo de uma
166 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

maneira mais crítica e realista. Em sua obra


mais divulgada, O Príncipe, Maquiavel se re-
fere aos governantes, que seriam os verdadei-
ros constituintes do Estado e a quem oferece
recomendações sobre as melhores maneiras
de governar o povo. De acordo com seu pen-
samento, a política é uma atividade profunda-
mente humana que tem como principal obje-
tivo a busca e a manutenção do poder.
Outro filósofo político fundamental
para o entendimento das relações sociais no
contexto dos poderes do Estado foi Thomas
Hobbes (1588-1679), estudioso inglês que es-
creveu obras como O Leviatã e Do cidadão,
ambas em 1651. Ele se preocupou com o que
aconteceria, em última instância, se os ho-
mens fossem deixados em seu estado natural,
com direito a fazer tudo e podendo se utilizar
de todos os meios para alcançar seus objeti-
vos e desejos. De acordo com essa hipótese, a
consequência seria a guerra de todos contra
todos. Hobbes propõe, em sua obra, um pacto

» 167
o que é ser cientista social

social, no qual todos os indivíduos abrem


mão de seus direitos a favor de um soberano
com poderes absolutos, tendo como motiva-
ção o medo do caos.
Considerado como o maior dos filóso-
fos desde os antigos gregos, Immanuel Kant
(1724-1804) também refletiu sobre o poder
do Estado, acreditando que o direito exerceria
o papel de conciliador deste com a sociedade.
Kant acrescentou às relações políticas entre o
poder soberano e a sociedade o poder de cada
indivíduo de aceitar a submissão, não por
medo, e sim por entender, racionalmente, ser
esta a melhor solução para que seus direitos
fossem reconhecidos. Em relação aos outros
Estados (entendidos aqui como outros paí-
ses), Kant acreditava que todos deveriam ter
a mesma forma de governo, a República, sen-
do a guerra uma decisão a ser tomada após a
anuência de todos os cidadãos de um Estado
(BOBBIO, 2000).
John Locke (1632-1704), um dos ideó-
logos da economia de livre orientação para o

168 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

mercado, também analisou a sociedade sob o


ponto de vista da política. Para ele, era per-
feitamente possível a coexistência de diversas
instituições de governo dentro de um Estado,
com a supremacia do Poder Legislativo. Loc-
ke foi deputado no Parlamento Inglês em sua
época e defendia que, para ser ministro, seria
necessário obter apoio da maioria dos demais
parlamentares, regra que foi adotada a partir
de 1714 e persiste até os dias atuais no Parla-
mento Britânico.
O francês Charles Louis de Secondat
(1689-1755), conhecido como Montesquieu
e considerado um dos pensadores mais in-
fluentes do Iluminismo, descreveu e sistema-
tizou a divisão dos três poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário), de forma que, além
de exercerem suas funções típicas, pudessem
também controlar os demais, concebendo o
Estado como unidade e equilíbrio de poderes.
Karl Marx (1818-1883), filósofo e revo-
lucionário alemão, analisou o poder do Estado

» 169
o que é ser cientista social

como o principal instrumento da dominação


exercida por uma classe social (a classe bur-
guesa ou os proprietários dos meios de pro-
dução, os capitalistas) sobre as classes traba-
lhadoras ou assalariadas (providas apenas de
sua força de trabalho). Para Marx, quando as
classes trabalhadoras assumissem o controle
dos meios de produção e fizessem desapare-
cer o poder do Estado, restaria apenas a ne-
cessidade de sistematizar novas alternativas
de planejamento e organização da sociedade.
Como asseverou o professor Miquel Ca-
minal Badia, todos esses teóricos elaboraram
algumas das formulações essenciais que mar-
caram o desenvolvimento do moderno pen-
samento político.
A título de conclusão, queremos ressaltar
que não tivemos a pretensão de abordar, no cur-
to espaço destas páginas, todas as faces, ques-
tões, análises, causas, consequências, autores,
circunstâncias históricas, desdobramentos e
fatos relevantes a respeito da ciência política e
da interpretação do poder.

170 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

Apenas apontamos alguns caminhos


para ajudar o futuro cientista social e para
despertar o interesse do leitor em conhecer
mais sobre a ciência política. Transcrevemos,
a seguir, uma reflexão inspiradora e sempre
atual, extraída da obra Ensaios de sociologia,
de Max Weber (1864-1920), um importante
intelectual alemão que escreveu relevantes
trabalhos sobre o poder, a política e o Estado.

A política é como a perfuração lenta


de tábuas duras. Exige tanto paixão
como perspectiva. Certamente, toda
experiência histórica confirma a ver-
dade - que o homem não teria alcan-
çado o possível se repetidas vezes não
tivesse tentado o impossível. Mas, para
isso, o homem deve ser um líder, e não
apenas um líder, mas também um he-
rói, num sentido muito sóbrio da pa-
lavra. E mesmo os que não são líderes
nem heróis devem armar-se com a for-
taleza de coração que pode enfrentar

» 171
o que é ser cientista social

até mesmo o desmoronar de todas as


esperanças. Isso é necessário neste mo-
mento mesmo, ou os homens não po-
derão alcançar nem mesmo aquilo que
é possível hoje. Somente quem tem a
vocação da política terá certeza de não
desmoronar quando o mundo, do seu
ponto de vista, for demasiado estúpido
ou demasiado mesquinho para o que
ele lhe deseja oferecer. Somente quem,
frente a tudo isso, pode dizer ‘Apesar
de tudo!’ tem a vocação para a política.
(WEBER, 1982, p. 153).

É o momento de desejarmos, finalmente,


excelentes estudos para todos aqueles que
aspiram a encontrar maiores conhecimentos
sobre a ciência política, seja estudando para
ser um futuro cientista social, seja se infor-
mando para exercitar com maior clareza seu
papel de cidadão com vistas a viver em uma
sociedade mais justa!

172 «
ser cientista social: a ciência política e a interpretação...

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da Política: a Fi-


losofia Política e as lições dos clássicos. Rio de Ja-
neiro: Campus, 2000.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação


política. São Paulo: Abril Cultural: Brasiliense,
1984.

LEBRUN, Gerard. O que é poder. São Paulo: Abril


Cultural: Brasiliense, 1984.

WEBER, Max (1982 [1946]). Ensaios de Sociolo-


gia. Tradução de Valtensir Dutra. Rio de Janeiro:
LTC, 1982.

» 173
Capítulo 5

Ser cientista social


hoje, no século XXI

Sérgio Amadeu da Silveira (UFAB C)


Cláudio L. C. Penteado (UFAB C)
Thiago Desenzi (UFAB C)
Renato Rovai Júnior (UFAB C)

A sociedade contemporânea assiste a


um amplo processo de mudança estrutural
de suas dinâmicas de poder, tendo como fator
central dessa alteração os avanços das tecno-
logias de comunicação e informação. Há uma
nova sociabilidade que se realiza a partir de
um conjunto de novos vetores, entre eles a
multiplicidade, inter-relação, interdependên-
cia e fragmentação, conceitos amplamente

» 175
o que é ser cientista social

difundidos em estudos acadêmicos acerca


desse tema.
Essa nova dinâmica relacional perpassa
os tecidos sociais e se sustenta pela alteração
ampla das formas dos meios de produção
econômica que estão atrelados às estruturas do
processo de globalização e que conferem, nessa
nova configuração social, um caráter particu-
lar em detrimento de um caráter generalizante
(ROSANVALLON, 2013). As relações desen-
volvidas se estabelecem em diversos núcleos
distintos e são densamente guiadas por um pa-
drão capitalista de consumo e individualidade,
sofrendo uma grande influência dos processos
globais ante os locais.
Diferentes cientistas sociais buscam
compreender esse processo de transforma-
ção social. Manuel Castells (2009), em sua
reflexão sobre o funcionamento da sociedade
rede, aponta para a multiplicidade de cone-
xões e relações através da comunicação digi-
tal dentro desse corpo social interligado em

176 «
ser cientista social hoje, no século XXI

redes locais-globais como um fator que, po-


tencialmente, vem a conferir poder aos atores
que produzem e detêm a informação, pois, de
acordo com ele, o poder da comunicação é o
poder dentro da sociedade rede.
Laymert Garcia dos Santos (2011) de-
fende que, na essência da mutação atual do
capitalismo, verificamos o “cidadão tecnoló-
gico” como um potencial consumidor. Assim,
na sociedade rede, os indivíduos seriam vistos
pelo mercado como uma potencial mercado-
ria, modulados por processos de marketing a
partir da formação de perfis de públicos con-
sumidores, em muitos casos com os dados in-
dividuais extraídos do ciberespaço.
A estratégia utilizada com vistas a pos-
sibilitar tal processo dentro da lógica de
acumulação do capital foi a privatização dos
meios virtuais, em escala global. Quem domi-
na o ciberespaço na atualidade são as gran-
des corporações privadas (Google, Facebook,
Amazon, Microsoft), que utilizam seu poder

» 177
o que é ser cientista social

de dominação para praticar a tabulação das


informações individuais, o que contraria
completamente o direito à privacidade.
Esse processo teria se tornado possível
devido à existência dos gigantescos fluxos de
dados gerados diariamente pelos usuários da
rede, o chamado Big Data. De acordo com
Breternitz e Silva (2013, p. 107), o Big Data
pode ser definido como “um conjunto de ten-
dências tecnológicas que permite uma nova
abordagem para o tratamento e entendimen-
to de grandes conjuntos de dados”, aborda-
gem essa essencialmente ligada ao conceito
de “internet das coisas”.
O crescimento da utilização da inter-
net em escala mundial tem sido vertiginoso
e tem se intensificado nos últimos anos, com
o advento da internet por telefones móveis,
que ampliou consideravelmente o acesso
em países tidos como em desenvolvimento
(MAGNUSSON, 2012). Isso amplia não só o
número de usuários, como também os dados
produzidos e dispostos na rede.

178 «
ser cientista social hoje, no século XXI

Para as ciências sociais, o grande desafio


refere-se à forma de análise de tais dados, com-
binando distintas áreas de conhecimento para
uma compreensão mais próxima daquilo que
tais arranjos numéricos possam trazer quanto
a seu fluxo. A dimensão do fenômeno deve ser
analisada levando-se em conta todos os aspec-
tos técnicos e sociais envolvidos. Assim sendo,
esse seria um campo de análise essencialmente
interdisciplinar (CAMBRIA; WANG; WHITE,
2014). Dentro da estrutura de pesquisa, Ste-
phen Emmott (2006) sustenta que o próprio
pensamento científico passaria por uma alte-
ração vetorial, sendo agora disposto a partir da
formulação de uma hipótese, para então bus-
car a resposta no banco de dados disponível.

As Ciências Sociais e a análise das


redes sociais na internet

O próprio conceito quanto à análise das


redes sociais não configura um campo novo

» 179
o que é ser cientista social

dentro das ciências sociais (LIEBERMAN,


2014), visto que remete a escrutinar as rela-
ções entre indivíduos e sociedade, buscando
compreender os padrões relacionais ali esta-
belecidos. O que difere fundamentalmente
desse padrão de análise se refere principal-
mente ao volume de informação a ser ana-
lisada, bem como à velocidade, variedade,
vinculação e validade, elementos-chave den-
tro desse processo ilustrado por Burt Mon-
roe (2012).
Para a análise desse complexo mecanis-
mo, André Lemos (2014) observa que seria
necessário não utilizar enquadramentos de-
masiadamente fixos, sendo então necessário
compreender as redes enquanto elementos
fluidos e em constante mutação, o que viria a
trazer não uma estrutura fixa como resultado
de pesquisa, mas sim estabilizações momen-
tâneas que conferem posicionamentos tem-
porais quanto aos comportamentos sociais
em determinados temas.

180 «
ser cientista social hoje, no século XXI

No avanço do repertório de métodos de


pesquisa do cientista social, existe a neces-
sidade do desenvolvimento de técnicas que
passem a analisar os fluxos de informação
digital, a sociabilidade fluida e os processos
relacionais com as alterações na dinâmica do
capitalismo, os monopólios de poder e comu-
nicação na rede e a modulação da internet.
Além disso, técnicas que apontem para a uti-
lização de modelos mais flexíveis (e criativos)
de estudo, para verificar essas movimentações
instáveis e, conforme aponta Lemos (2014),
dessa forma, politizar substancialmente as re-
des e associações que a compõem.

Georg Simmel e as interações

Georg Simmel (1983) tratou a relação


social como elemento principal de sua socio-
logia. A interpenetração de forma e conteúdo
não poderia ser indissociada, pois a associação

» 181
o que é ser cientista social

era o fundamento crucial do estudo socioló-


gico. Ao abrir o campo de estudo não só dos
indivíduos, mas também das suas relações,
a visão do cientista passou a buscar o que os
conflitos, as competições e os afetos, enfim,
o que as relações permitem compreender da
formação e da ação. A análise simmeliana dos
fenômenos implica expor suas interconexões.
Simmel foi o primeiro estudioso a pen-
sar diretamente em termos da rede social.
Seus ensaios evidenciaram que o tamanho das
redes influencia a natureza e as possibilidades
de interação. Ou seja, existe uma determina-
ção quantitativa que deve ser investigada. As
formas da vida coletiva e as relações sociais
existentes são afetadas pela quantidade de re-
lações existentes.

O que faz com que a ‘sociedade’, em


qualquer dos sentidos válidos da pala-
vra, seja sociedade, são evidentemen-
te as diversas maneiras de interação a
que nos referimos. Um aglomerado de

182 «
ser cientista social hoje, no século XXI

homens não constitui uma sociedade


só porque exista em cada um deles em
separado um conteúdo vital objetiva-
mente determinado ou que o mova
subjetivamente. Somente quando a
vida desses conteúdos adquire a forma
da influência recíproca, só quando se
produz a ação de uns sobre os outros
− imediatamente ou por intermédio de
um terceiro − é que a nova coexistên-
cia social [...] se converte numa socie-
dade. (SIMMEL, 1983, p. 61).

A perspectiva simmeliana abriu grande


espaço para o estudo das formas que tomam
os grupos de homens e suas relações. Com
a explosão das redes de relacionamento so-
cial on-line, Simmel passou a ser revisitado.
A análise das interações nas redes tornou-se
necessária para compreender boa parte dos
fenômenos da atualidade.
O estudo das redes sociais on-line avan-
çou muito no século XX e no início do século

» 183
o que é ser cientista social

XXI, como aponta o sociólogo e matemático


Linton Freeman (2004). Destacamos também
as pesquisas de Granovetter (1973) sobre os
laços fortes e os fracos nas relações sociais;
Stanley Milgram, que desenvolveu a tese dos
“seis graus de separação”; indo até Anatol
Rapoport, que, entre diversas contribuições,
trabalhou a modelagem matemática de inte-
ração social e de modelos estocásticos de con-
tágio (WATTS, 2003).
Aqui, resolvemos discutir apenas alguns
aspectos da teoria e da análise de redes que
consideramos fundamentais, focando no de-
bate sobre a validade e as possibilidades de
uma análise que não está focada principal-
mente nos atributos dos atores sociais, mas
sobretudo em suas relações.

O mapa das relações

Os esforços que temos tentado empreen-


der nas análises de rede buscam ultrapassar o

184 «
ser cientista social hoje, no século XXI

foco nas qualidades e características dos su-


jeitos e instituições e pretendem compreen-
der os fenômenos sociais a partir do desenho
e da topologia das redes. O grande desafio a
partir das relações e das intensidades de inte-
rações é tentar extrair informações relevantes
para processos sociais, culturais e políticos.
As análises de redes sociais têm ocor-
rido para explicitar os padrões de contato
humano que permitem atuar sobre a propa-
gação de doenças virais, sendo muito utili-
zadas em epidemiologia. Também, podem
permitir construir modelos que demons-
trem como um boato pode se propagar nas
redes constituídas por laços fracos, em dis-
tinção daquelas formadas por laços fortes,
ou ainda fornecem dados da interação entre
determinados grupos, conforme suas dinâ-
micas e regras de comunicação.
A partir da utilização da teoria dos gra-
fos, ramo da matemática que pesquisa as re-
lações entre os elementos de um determinado

» 185
o que é ser cientista social

conjunto, passamos a analisar os fenômenos


sociais. Os grafos permitem visualizar os nós e
suas ligações. Dessa forma, passamos a obser-
var os agentes sociais como nós de uma rede,
bem como observamos as linhas que ligam ou
expressam suas interações como arestas.
A visualização das interações nas redes
permite-nos agrupar as pessoas que repro-
duzem mensagens ou que realizam comen-
tários com maior frequência em um deter-
minado conjunto de nós, o que nos permite
identificar diversos clusters. Nas redes so-
ciais on-line, os clusters são responsáveis pela
propagação rápida de uma mensagem. Isso
significa, por exemplo, que uma mensagem
que não ganhe um número importante de
nós centrais nos clusters dificilmente será
muito replicada nas redes.
O momento em que um nó se encontra
com outros nós da rede é chamado de inter-
mediação (betweenness). Essa medida reflete
o número de pessoas com que alguém está

186 «
ser cientista social hoje, no século XXI

se conectando indiretamente, através de seus


links diretos. Também podemos encontrar a
centralidade que os nós posicionam em rela-
ção a determinados debates, assim como me-
dir em que grau um indivíduo (nó) está em
relação a todos os outros indivíduos de uma
rede. Além disso, temos condições de definir
a coesão de determinadas relações ou mesmo
clusters e o grau em que os atores estão ligados
diretamente uns aos outros por ligações mais
ou menos coesas. Visualizamos quais os nós
que podem ser identificados como autorida-
des em determinadas relações sociais e quais
podem ser definidos como hubs ou principais
conectores ou replicadores de comunicados
em uma rede.
Mas a grande questão que se coloca aqui
é a seguinte: quais são as possibilidades de os
desenhos de interação definirem o tipo e a di-
nâmica social existente? Podemos dizer que
a observação do desenho e das informações
da topologia das redes que se formam dentro

» 187
o que é ser cientista social

das redes sociais permite-nos realizar análises


mais completas do que as pesquisas centradas
em entrevistas com indivíduos?
Por enquanto, tem-se articulado as aná-
lises topológicas sobre os grafos visualizados
com outras técnicas de pesquisa que per-
mitam observar amostras de mensagens ou
postagens efetuadas nas redes sociais. Não
conseguimos pela observação do desenho
dos fluxos nas redes saber o que um estudioso
de fluxos migratórios pode nos dizer obser-
vando o desenho da trajetória de uma espé-
cie animal. Sabemos ainda questões básicas:
quando a rede troca intensamente mensagens
com determinados termos, significa que algo
socialmente relevante está ocorrendo. O que a
teoria dos grafos pode avançar na sociologia
dos fenômenos em redes online?
Nesse sentido, os programas de pes-
quisa devem considerar o crescente grau de
conectividade das pessoas e a quantidade
descomunal de informações que são geradas

188 «
ser cientista social hoje, no século XXI

nas redes em cada clique, postagem, comen-


tário, navegação em sites, perfis, páginas nas
redes distribuídas, cujas redes sociais são nós
de grande concentração. As Ciências Sociais,
para avançar na sociedade informacional, de-
vem ser capazes de recombinar diversos mé-
todos e técnicas de pesquisa, principalmente
sem abrir mão de reorganizar a distância en-
tre o qualitativo e o quantitativo, o descritivo
e o visual. Precisaremos melhorar nossa com-
preensão sobre o que determinados desenhos
de fluxos de informação podem representar
como padrão na busca da compreensão dos
padrões de sociabilidade e socialização.

Considerações finais

Neste breve capítulo, procuramos deli-


near os desafios do cientista social no século
XXI e o estudo das relações mediadas e in-
fluenciadas pelas redes sociais de internet que

» 189
o que é ser cientista social

se configuram em um novo espaço de sociabi-


lidade e socialização humana dentro da socie-
dade informacional. O diálogo interdisciplinar
parece ser o melhor caminho de exploração
dessa nova formação societária, de forma a
explorar a complexidade das relações de uma
realidade social que combina, sinergeticamen-
te, elementos do mundo on-line e off-line.

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2003.

192 «
Capítulo 6

Ser cientista social no Brasil:


desafios da pesquisa em
instituições de acesso restrito

Camila Nunes Dias (UFAB C)


Victor Rocca (UFAB C)
Cristiane Batista da Conceição
(UFAB C)

Introdução

Maria Isaura Pereira de Queiroz desig-


na metodologia como uma “reflexão sobre o
caminho [...] seguido pelo cientista em seu
trabalho, nas diversas fases da proposição da
pesquisa e sua realização [...]” (QUEIROZ,
1983, p. 12). Essa reflexão envolve a avaliação

» 193
o que é ser cientista social

dos procedimentos técnicos e das fontes utili-


zadas, bem como dos pressupostos que orien-
taram o desenvolvimento do projeto de pes-
quisa, a postura e as ações do pesquisador e as
limitações e dificuldades encontradas no de-
senvolvimento do trabalho. Tais reflexões são
essenciais para a compreensão do resultado
da pesquisa a partir da descrição do percurso,
dos desvios de trajeto, das idas e vindas, dos
obstáculos. Tendo em vista a especificidade e
as imposições que recaem sobre o trabalho de
campo em instituições fechadas ou de acesso
restrito, este capítulo tem como objetivo tecer
algumas reflexões sobre a pesquisa do cientis-
ta social nessas instituições.
Goffman (2001) denomina instituições
totais todas as instituições que se caracteri-
zam por erguer uma barreira física e simbó-
lica entre quem está dentro e quem está fora
e por estabelecer procedimentos rígidos de
acesso. Tais instituições apresentam alguns
aspectos centrais: ruptura da barreira que

194 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

separa as esferas da vida (brincar, dormir e


trabalhar no mesmo local); realização de to-
das as atividades diárias na companhia ime-
diata de um grupo de pessoas; definição ri-
gorosa de horários para todas as atividades;
e padronização da identidade dos que estão
nela confinados (uniforme, corte de cabelo
igual, despojamento de objetos pessoais etc.).
Também, em grande parte das vezes e, espe-
cificamente, no caso das instituições das quais
trataremos neste capítulo, as pessoas estão
confinadas involuntariamente, ou seja, estão
coagidas a permanecer lá dentro.

A pesquisa em abrigo

Os abrigos para crianças e adolescentes


são, no Brasil, serviços públicos destinados
a acolher e oferecer cuidados aos que foram
retirados do convívio familiar. Segundo o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

» 195
o que é ser cientista social

(Brasil, 1990), o abrigamento deve ser a úl-


tima opção de intervenção. Contudo, tendo
seus direitos violados por meio de algum tipo
de violência e/ou negligência no seu ambiente
doméstico, as crianças e os adolescentes são
levados aos abrigos caso não possuam algum
outro familiar que possa assumir seus cuida-
dos. Permanecem lá até que os motivos que
geraram o abrigamento sejam superados, ca-
bendo aos profissionais da instituição avaliar
o que será necessário para isso e quais os re-
cursos disponíveis a serem mobilizados.
Um fator importante que deve ser ava-
liado na pesquisa em abrigo são as ações da
equipe profissional para tentar garantir que
as crianças e os adolescentes permaneçam o
mínimo possível na instituição, pois a con-
vivência familiar e comunitária é um direito
preconizado pelas legislações nacionais e in-
ternacionais. Nesse sentido, as características
e, principalmente, os objetivos de um abrigo
diferem das outras duas instituições tratadas

196 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

neste texto. O abrigo tem a finalidade de pro-


teger e não de punir seus acolhidos.
Na fase etnográfica da pesquisa, a con-
vivência e interação com a equipe técnica
de profissionais representam uma valiosa
oportunidade de fonte de informações. Isso
porque é essa equipe que planeja as ações e
intervenções, portanto é a ela que chegam to-
dos os problemas e através dela devem partir
possíveis soluções.
Além disso, por se tratar de trabalho
com crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade, a preocupação primeira do
pesquisador deve ser não ferir sua integridade
e dignidade. Portanto, não pode haver qual-
quer situação que crie algum tipo de cons-
trangimento. É importante, portanto, que a
aproximação e o vínculo sejam construídos
aos poucos e de forma extremamente cuida-
dosa, para que a pesquisa não se caracterize
como uma invasão do espaço dessas crianças
e adolescentes.

» 197
o que é ser cientista social

No caso específico da pesquisa que fun-


damenta essas observações, as entrevistas
com a equipe técnica da instituição foram
deixadas para a fase final do trabalho, porque
as observações cotidianas na etapa etnográfi-
ca possibilitariam a elaboração de um rotei-
ro de entrevistas com maior qualidade. Seria
o momento de confrontar as percepções do
pesquisador com as de quem vivencia diaria-
mente a rotina da instituição, para poder che-
gar às conclusões finais.
De forma geral, a pesquisa realizada no
abrigo nos conduziu a conclusões de duas
ordens. A primeira se refere às dificuldades,
no âmbito do poder público, em oferecer o
apoio necessário para que as crianças e os
adolescentes retornem ao convívio familiar.
Em segundo lugar, foi possível perceber que,
por mais que os funcionários estejam empe-
nhados em realmente desenvolver um traba-
lho de qualidade, existem fatores inerentes
à estrutura institucional que impactam nas

198 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

relações estabelecidas, até mesmo nas cons-


truídas entre os próprios acolhidos. As rela-
ções são frágeis devido à grande rotatividade
de funcionários e até de crianças e adolescen-
tes na instituição e ao fato de os funcionários
não serem efetivamente responsáveis pelos
acolhidos, pois não são sua família.
Nas reflexões sobre o trabalho de cam-
po, é essencial que o pesquisador observe e
reflita sobre as contradições e os paradoxos
advindos de sua presença no local, que sem-
pre será percebida, devido à natureza restri-
ta do acesso nessas instituições. O cientista
social, portanto, deve perceber a ele mesmo
como sujeito da pesquisa, cuja presença im-
pacta diretamente no universo pesquisado.

Unidades socioeducativas de internação

A pesquisa em instituições socioeducati-


vas exige do pesquisador uma série de cuidados

» 199
o que é ser cientista social

e procedimentos peculiares. Alguns deles são


previsíveis; outros surgem no decorrer do
estudo, tornando-o desafiador em diversos
sentidos. No Brasil, as medidas socioeduca-
tivas são disciplinadas pela Constituição Fe-
deral de 1988, pelo ECA e pela recente lei que
instituiu o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE).
A medida mais privativa de todas é a in-
ternação, que retira do convívio social o jo-
vem com idade entre 12 e 21 anos que come-
teu ato infracional, impedindo-o de desfrutar
do direito básico à convivência familiar e co-
munitária estabelecido.
Para realizar pesquisa em uma das uni-
dades socioeducativas de internação de São
Paulo, é necessário percorrer um longo e bu-
rocrático percurso. Primeiro, é preciso sub-
meter a proposta à presidência da Fundação
Casa, via Centro de Pesquisa e Documenta-
ção (CPDOC). Após a aprovação do projeto,
é necessário apresentá-lo para a diretoria da

200 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

unidade socioeducativa onde a pesquisa será


desenvolvida. Além das visitas ao estabeleci-
mento socioeducativo escolhido, é possível en-
trevistar os funcionários e os(as) adolescentes
internos(as), mediante autorização. No caso da
entrevista com os(as) adolescentes, a Fundação
Casa exige uma autorização judicial, emitida
pelo Departamento de Execuções da Infância e
Juventude (DEIJ), e um parecer do Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP) da instituição de en-
sino à qual o pesquisador está vinculado. Para
entrevistar os funcionários, basta a autorização
da própria Fundação Casa.
Uma sugestão para o trabalho de campo
é adotar a metodologia da observação parti-
cipante. Para Lícia Valladares (2007, p. 320):

A observação participante implica,


necessariamente, um processo lon-
go. Muitas vezes o pesquisador passa
inúmeros meses para ‘negociar’ sua
entrada na área. Uma fase exploratória

» 201
o que é ser cientista social

é, assim, essencial para o desenrolar


ulterior da pesquisa. O tempo é tam-
bém um pré-requisito para os estudos
que envolvem o comportamento e a
ação de grupos: para se compreen-
der a evolução do comportamento
de pessoas e de grupos é necessário
observá-los por um longo período e
não num único momento.

Valladares (2007) registra, ainda, que a


observação participante exige o desenvolvi-
mento de uma rotina de trabalho, condicio-
nada pela autodisciplina do pesquisador em
observar e anotar sistematicamente as infor-
mações e em realizar constante autoanálise.
Para que isso seja possível, é necessário um
período de adaptação do pesquisador ao
ambiente estudado, o que torna viável sua
aproximação com a rotina institucional e, em
seguida, a interação com os sujeitos da pes-
quisa. No primeiro momento de adaptação,
é importante observar o ambiente em que se

202 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

expressam as linguagens, ações e relações en-


tre os(as) adolescentes e os funcionários. Esse
momento de observação é relevante no sen-
tido de melhor preparar o pesquisador para
a fase das entrevistas, isto é, de familiarizá-lo
com o ambiente pesquisado.
A interação com os sujeitos da pesqui-
sa pode ocorrer por meio de entrevistas em
profundidade, semiestruturadas, ou seja, com
um roteiro previamente elaborado. Esse tipo
de abordagem dá maior margem à livre ex-
pressão dos entrevistados em comparação
aos questionários fechados, por exemplo. As
entrevistas envolvem, além da confidenciali-
dade, a necessidade de o entrevistado se sen-
tir confortável e confiante o suficiente para se
expressar diante do entrevistador.
Outra ferramenta importante a ser uti-
lizada é o diário de campo, técnica inerente
à pesquisa de cunho qualitativo. Nele podem
ser inseridas anotações que favorecem uma
observação mais ampla e detalhada sobre o

» 203
o que é ser cientista social

processo da pesquisa, extremamente relevan-


te porque torna possível a consulta posterior
de informações que precisam ser mais explora-
das, como as observações de comportamento e
situações percebidas pelo pesquisador, muitas
das quais não são verbalizadas. Essa ferramen-
ta também é essencial porque não é comum
que se permita a utilização de gravadores ou
computadores nessas instituições.
Ressalta-se, por fim, a importância de
o pesquisador ter capacidade para lidar com
eventuais percalços no decorrer da pesquisa
e, principalmente, ter flexibilidade para se
adaptar às mudanças necessárias no seu per-
curso na coleta de dados, descobrindo novos
caminhos e buscando atalhos.

Instituições prisionais

A realização de pesquisa de campo em


instituições prisionais e com a realização de

204 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

entrevistas com presos requer do pesquisa-


dor a adoção de uma série de procedimentos
que são fundamentais para o “sucesso” da
coleta de dados. A seguir, serão esboçadas
algumas considerações sobre os procedi-
mentos essenciais.
1. Local e condições da entrevista: uma
questão fundamental para a pesquisa, que
tem impacto direto nos seus resultados e que
deve ser negociada diretamente com a admi-
nistração, é o local onde as entrevistas com os
presos devem ser realizadas, bem como o seu
horário. A privacidade é um elemento essen-
cial e definidor da qualidade das entrevistas,
além de fundamental para garantir a manu-
tenção da segurança do entrevistado.
2. Escolha do entrevistado: um dos en-
traves para qualquer pesquisa realizada em
unidades prisionais diz respeito à ausência
de controle acerca da escolha dos presos a
serem entrevistados. Em geral, cabe aos fun-
cionários da unidade a escolha ou ao menos a

» 205
o que é ser cientista social

indicação dos presos. Isso ocorre porque o li-


vre acesso à população carcerária não é facul-
tado ao pesquisador, impossibilitando uma
escolha que, independentemente dos critérios
a serem seguidos, passe ao largo da ingerência
da administração prisional. Além disso, mes-
mo considerando a possibilidade de acesso
irrestrito do pesquisador aos presos, a falta
de conhecimento acerca de quem é quem,
bem como a ausência de informações que
permitam identificar os presos com o perfil
desejado, impediria que essa escolha aleatória
alcançasse o objetivo desejado. A principal
consequência do monopólio de acesso aos
presos e às informações sobre eles é a interfe-
rência das escolhas da administração prisio-
nal, que deve ser considerada um fator rele-
vante para uma avaliação dos resultados do
trabalho. Essa escolha pode ter as motivações
mais diversas, desde a tentativa de controlar
as informações transmitidas ao pesquisador
até as relações de amizade e cumplicidade

206 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

informal que vicejam naquele universo. A


escolha do informante, como afirmam Maria
Isaura Queiroz e Sidney Mintz, é crucial para
a qualidade dos dados obtidos e essa escolha
deve estar de acordo com os objetivos preten-
didos, pois não é qualquer informante que é
adequado para qualquer pesquisa (MINTZ,
1984, p. 50). Um informante inadequado
pode trazer como consequência um resulta-
do decepcionante em termos das informações
pretendidas pelo pesquisador (QUEIROZ,
1983, p. 75).
3. Condições do entrevistado: uma
questão central no trabalho de campo em
unidades prisionais diz respeito às condi-
ções – físicas e psicológicas – dos presos que
participam da pesquisa. Nesse sentido, a vo-
luntariedade da participação e o sigilo abso-
luto do conteúdo da entrevista são elementos
necessários para a garantia da segurança do
preso e devem nortear todo o andamento do
trabalho. Além desses dois elementos, um

» 207
o que é ser cientista social

aspecto importante diz respeito à condição fí-


sica do preso durante a entrevista. Em muitas
unidades prisionais, por questões relativas à
segurança do pesquisador e à manutenção da
ordem local, a administração impõe procedi-
mentos que acabam por incidir diretamente
sobre o seu bem-estar físico e/ou psicológico.
O uso de algemas durante a entrevista figura
como um exemplo importante e bastante co-
mum nesses casos. Esse procedimento impõe
a necessidade de reflexão e de questionamen-
to acerca dos limites da pesquisa acadêmica
e da atuação do pesquisador no interior dos
espaços prisionais.

Considerações finais

Em qualquer das três situações discuti-


das, a construção de uma relação de confiança
com os sujeitos da pesquisa é a condição final
da possibilidade de obtenção de informações

208 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

significativas. Nesses espaços, é comum o en-


trevistado não compreender adequadamente
o papel do pesquisador. O fato de fazer per-
guntas sobre praticamente todos os setores da
sua vida pessoal pode ampliar radicalmente a
desconfiança e a tensão do entrevistado. Essa
desconfiança não é desprovida de sentido,
pois, tal como afirma Carlo Ginzburg (1989,
p. 206), existe uma estreita analogia nas prá-
ticas de antropólogos (ou sociólogos) e juízes
na busca de informações, diferindo, evidente-
mente, os meios utilizados e o fim pretendido.
A linha demarcatória entre a conquista
da confiança, da amizade e da simpatia e o
envolvimento emocional do pesquisador, que
pode atrapalhar a realização da pesquisa, é
muito tênue. As privações e a carência afetiva
advinda da situação de abandono familiar e
de encarceramento dos sujeitos da pesquisa
nessas instituições podem produzir equívo-
cos na interpretação em torno do tratamento
amistoso e digno por parte do pesquisador.

» 209
o que é ser cientista social

Contudo, é essencial que o tratamento amis-


toso e a busca insistente de construção de
uma relação de confiança mútua sejam a
base do trabalho. Um exemplo de uma atitu-
de de respeito e de valorização do outro, que
produz um impacto imediato na redução da
desconfiança, é estender a mão para o preso/
interno assim que ele entra na sala. Esse gesto
tão simples e tão banal é central para a des-
construção das barreiras erigidas entre entre-
vistado e pesquisador a partir de sentimentos
de insegurança e inferioridade.
A possibilidade de construção da con-
fiança, condição básica para a realização da
pesquisa, dependia, em grande medida, da
redução da distância social entre entrevistado
e pesquisador. Como afirma Queiroz (1983,
p. 45-46), quanto maior essa disparidade
– em termos econômicos, sociais, sexuais,
etários –, mais perturbação ela pode trazer
ao informante. No entanto, ainda segundo a
autora, a ação do pesquisador pode diminuir

210 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

ou acentuar essa distância (p. 78). Embora ela


seja insuperável em muitos aspectos, como
na questão do sexo, a redução das assimetrias
pode ser realizada com procedimentos sim-
ples, como permitir o desenrolar da conversa
sem recorrer, a todo momento, ao roteiro de
entrevista. Muitas vezes, o entrevistado está
relatando um fato que, se não tem um inte-
resse direto para a pesquisa, é de grande im-
portância para ele, faz parte de suas histórias,
de suas experiências. A atitude do pesquisa-
dor de interromper sua narrativa e retomar
as questões que constam no roteiro, além de
colocar em termos muito abertos a assimetria
da relação social ali estabelecida, é, sobretu-
do, desrespeitosa e insensível.
Tal como a relação do inquisidor com
os réus (GINZBURG, 1989, p. 208), a relação
do pesquisador com o entrevistado vai estar
sempre eivada de elementos assimétricos, que
impedirão a completa igualdade entre am-
bos, mas o esforço de estabelecer uma relação

» 211
o que é ser cientista social

dialógica pode minorar essa posição do pes-


quisador como “buscador” de informações,
tal como é o papel dos agentes dos órgãos de
repressão do Estado, com os quais esses sujei-
tos já estão tão habituados a lidar.
Nessas instituições, o fim da entrevista
recoloca a assimetria inerente à relação entre
pesquisador e entrevistado. Um se dirige aos
portões de saída, ao lado externo da muralha;
o outro retorna para o seu quarto, dormitó-
rio ou cela, onde permanecerá quem sabe por
quanto tempo, até que, talvez, lhe seja dada
a possibilidade de retornar ao convívio so-
cial. O pesquisador retorna ao meio acadê-
mico em que irá expor suas “descobertas” e
interpretações. Os sujeitos da pesquisa per-
manecem na vida institucional, num univer-
so marcado pela privação e pelo abandono.
Os portões vão se fechando, e os profundos
abismos que separam o universo social do
pesquisador e do entrevistado – que, tem-
porariamente, puderam ser transpassados

212 «
ser cientista social no brasil: desafios da pesquisa...

– são repostos, evidenciando as marcas de


dominação que configuram essa relação de
poder. O pesquisador vai continuar refletindo,
escrevendo, construindo sua carreira; os
entrevistados continuarão estigmatizados e
desprezados socialmente, desprovidos dos
direitos mais básicos. O conhecimento da
vivência institucional que o entrevistado de-
tém será utilizado pelo pesquisador como
uma matéria-prima da qual poderá advir seu
reconhecimento social e intelectual. Resta re-
fletir sobre como o conhecimento acadêmico
poderá ser revertido para minimizar as dores
de milhares de indivíduos e de suas famílias,
cujas vidas se passam atrás dos muros das ins-
tituições de acesso restrito.

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o que é ser cientista social

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214 «
Autores

Adriana Capuano de Oliveira possui gradua-


ção em Ciências Sociais (Bacharelado e Licen-
ciatura) pela Universidade de São Paulo (USP)
(1993), mestrado em Sociologia pela Universi-
dade Estadual de Campinas (Unicamp) (1997)
e doutorado em Ciências Sociais pela Unicamp
(2004). Atualmente, é professora adjunta na
Universidade Federal do ABC. É coordenadora
do Grupo de Estudos e Pesquisa em Migrações
Internacionais "(Migrepi), coordenadora da
Editora da UFABC e participa como membro
do Grupo de Estudos sobre Diálogos Intercul-
turais (Gedi), ligado ao Instituto de Estudos
Avançados da USP.

» 215
o que é ser cientista social

E-mail: adriana.oliveira@ufabc.edu.br
Adriano Aquino de Araújo é graduado em
Turismo Histórico Cultural pela Universidade
Federal de São Carlos campus Sorocaba (2011)
e mestrando em Ciências Humanas e Sociais
pela Universidade Federal do ABC (2013).
E-mail: adriano.daquino@hotmail.com

Aline Yuri Hasegawa é doutoranda em


Ciências Humanas e Sociais pela Universidade
Federal do ABC. Mestre em Sociologia pela
Universidade Federal de São Carlos, foi bolsista
Fapesp de 2011 a 2013. Possui graduação em
Ciências Sociais pela Universidade Estadual
de Campinas (2010), com habilitação em
Antropologia (2009) e Sociologia (2008).
E-mail: a.hasegawa@ufabc.edu.br

Camila Nunes Dias tem graduação em Ciências


Sociais (Licenciatura Plena, 2002), mestrado
(2005) e doutorado (2011) em Sociologia pela
Universidade de São Paulo (USP). Atualmente,

216 «
autores

é professora adjunta da Universidade Federal


do ABC, onde exerce também a função de
Coordenadora do Programa de Pós-Gradua-
ção em Ciências Humanas e Sociais. Também
atua como pesquisadora colaboradora do Nú-
cleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.
E-mail: camila.dias00@gmail.com

Cláudio Luís de Camargo Penteado possui


graduação em Ciências Sociais pela Univer-
sidade de São Paulo (1997), mestrado (2001)
e doutorado (2005) em Ciências Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Pau-
lo. Atualmente, é professor adjunto da Uni-
versidade Federal do ABC (UFABC), atuando
nos Programas de Pós-Graduação em Ciên-
cias Humanas e Sociais e Energia da UFABC.
E-mail: claudio.penteado@ufabc.edu.br

Cristiane Batista da Conceição possui gra-


duação em Comunicação Social – Jornalis-

» 217
o que é ser cientista social

mo pela Universidade Federal de Sergipe


(2010). Atualmente, é mestranda em Ciên-
cias Humanas e Sociais pela Universidade
Federal do ABC.
E-mail: batista.cristiane@live.com

Danielle Yura é mestranda do Programa de Pós-


Graduação em Ciências Humanas e Sociais
da Universidade Federal do ABC. Possui
especialização em Comunicação Empresarial
e Institucional (2011). É jornalista do Instituto
Federal de São Paulo.
E-mail: danielleyura@gmail.com

Débora Corrêa de Siqueira é doutoranda em


Ciências Humanas e Sociais pela Universida-
de Federal do ABC, sob orientação do Prof.
Dr. José Blanes Sala e coorientação do Prof.
Dr. Marcos Vinícius Pó. Sua pesquisa tem en-
foque em Saúde e Políticas Públicas no Brasil.
E-mail: dheborah.siqueira@gmail.com

218 «
autores

Emília Pietrafesa de Godoi é pesquisadora


do CNPq/Nível 2. Possui graduação em
Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1983), mestrado em
Antropologia Social pela Universidade Esta-
dual de Campinas (1993), diploma também
de nível mestrado pela ÉHÉSS/Paris - Diplô-
me d’Études Approfondies (DÉA, 1987), dou-
torado em Antropologia pela Universidade
de Paris X - Nanterre (1998) e pós-doutorado
no Centre d’Études Africaines da ÉHÉSS/Pa-
ris (2004). Desde 1994, é professora no De-
partamento de Antropologia do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universida-
de Estadual de Campinas.
E-mail: emilia.pietrafesa@gmail.com

Jaime Santos Júnior possui graduação em


Ciências Sociais e mestrado em Sociologia,
ambos pela Universidade Federal de Sergipe.

» 219
o que é ser cientista social

É doutor em Sociologia pela Universidade


de São Paulo. Atualmente, é pesquisador no
Centro de Pesquisa e Formação do Sesc/SP e
pesquisador colaborador na Universidade Fe-
deral do ABC.
E-mail: jaimesjr@usp.br

José Blanes Sala possui graduação em Direi-


to pela Universidade de São Paulo (1982) e
cursou dois anos na Facultat de Geografia e
História da Universitat de Barcelona (1977).
Possui mestrado (1995) e doutorado (2002)
em Direito Internacional pela Universidade
de São Paulo. Atualmente, é professor adjunto
da Universidade Federal do ABC.
E-mail: blanes@ufabc.edu.br

Lucas de Almeida Pereira é graduado em


História pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (Unesp) (2009) e
doutor em História Social pelo Programa de

220 «
autores

Pós-Graduação em História da Unesp Assis


(2013). Atualmente, realiza estágio de pós-
doutorado na Universidade Federal do ABC,
sob a supervisão da Profa. Maria Gabriela da
Silva Martins da Cunha Marinho.
E-mail: zarathoscob@hotmail.com

Maria Gabriela Silva Martins da Cunha


Marinho é doutora em História Social pela
Universidade de São Paulo, mestre em Política
Científica e Tecnológica pela Universidade
Estadual de Campinas e graduada em
Comunicação Social pela Universidade Fe-
deral de Minas Gerais. Professora e pesqui-
sadora no Mestrado e Doutorado do Progra-
ma de Pós-Graduação em Ciências Humanas
e Sociais da Universidade Federal do ABC
(UFABC). É pesquisadora associada do Mu-
seu Histórico da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (MH-FMUSP).
E-mail: gabriela.marinho@ufabc.edu.br

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o que é ser cientista social

Marilda Aparecida de Menezes possui mes-


trado em Sociologia Rural pela Universidade
Federal da Paraíba (1985), PhD pela Univer-
sity of Manchester (1997), Pós-Doutorado
na Yale University (2004-2005), no Agrarian
Studies Programme, e Pós-Doc no Depar-
tamento de Antropologia da Universidade
Estadual de Campinas (2011). Atualmente, é
professora visitante nacional sênior (Capes/
PVNS) da Universidade Federal do ABC,
professora do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da Universidade Fede-
ral de Campina Grande e Pesquisadora do
CNPq, nível 1D. É coordenadora do Gru-
po de Pesquisa Campesinato, Migrações e
Políticas Públicas e vice-coordenadora do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Migrações
Internacionais (Migrepi).
E-mails: menezesmarilda@gmail.com;
marildamenezes@pq.cnpq.br

222 «
autores

Renato Rovai Júnior é fotojornalista graduado


pela Universidade Metodista e mestre
pela Universidade de São Paulo (2003). É
professor de Jornalismo Digital na Faculdade
Cásper Líbero e editor da Revista Fórum.
Atualmente, também preside a Associação de
Pequenas Empresas de Comunicação (Alter-
com). Foi professor convidado do Programa
de Pós-Graduação do curso de Especialização
Mídia, Informação e Cultura de 2013 a 2014,
na Escola de Comunicações e Artes da Uni-
versidade de São Paulo (ECA-USP)
E-mail: renato.rovai@gmail.com

Sérgio Amadeu da Silveira é graduado em


Ciências Sociais (1989), mestre (2000) e doutor
em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo (2005). É professor adjunto da Universi-
dade Federal do ABC. Integra o Comitê Cien-
tífico Deliberativo da Associação Brasileira de
Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber).

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o que é ser cientista social

É consultor de Comunicação e Tecnologia e


parecerista ad hoc da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo.
E-mail: samadeu@gmail.com

Tamiles Mayumi Miyamoto possui graduação


pela Universidade de São Paulo (USP) (2011),
pela Escola de Artes, Ciências e Humanida-
des (EACH USP). Tem experiência na área de
Gerontologia, com foco em projetos educa-
cionais relacionados à população idosa.
E-mail: tamiles.mayumi@gmail.com

Thiago H. Desenzi possui graduação em Enge-


nharia Civil pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2005) e em Sociologia e Política
pela Fundação Escola de Sociologia e Política
de São Paulo (2014). É especialista em Ges-
tão e Políticas de Cultura pela Universidade
Metodista de São Paulo (2008). Atualmente,
é mestrando do Programa de Pós-Graduação

224 «
autores

em Ciências Humanas e Sociais pela Univer-


sidade Federal do ABC.
E-mail: thiago.desenzi@gmail.com

Victor Rocca possui graduação em Relações


Internacionais pelo Centro Universitário
Fundação Santo André (2011). Atualmente,
é mestrando do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Humanas e Sociais pela Univer-
sidade Federal do ABC. Ocupou cargo pú-
blico no município de Mauá, onde atuou no
Sistema Único de Assistência Social (Suas).
E-mail: victorrrgr@yahoo.com.br

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