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Curso de Psicologia
Trabalho de Conclusão de Curso
Tra
T PSICANÁLISE FREUDIANA
O DISCURSO DO DESEJO NA
Trabalho de Conclusão de Curso
Brasília - DF
2012
ADRIANO PEREIRA BESERRA
Brasília
2012
Monografia de autoria de Adriano Pereira Beserra, intitulada ―O DISCURSO
DO DESEJO NA PSICANÁLISE FREUDIANA‖, apresentada como requisito parcial
para obtenção do Título de Psicólogo pela Universidade Católica de Brasília, em ____
de __________ de 2012, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_______________________________________________
Prof. Dr. Jorge Hamilton Sampaio
Orientador
_______________________________________________
Prof. Msc. Enrique Araújo Bessoni
Brasília
2012
O DISCURSO DO DESEJO NA PSICANÁLISE FREUDIANA
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo reunir, a partir das produções bibliográficas de
Sigmund Freud na área da Psicanálise, um conjunto de citações que estão relacionados à
dinâmica do desejo, desejo este que nos é comum seja nos discursos do dia a dia, nas
relações sociais e afetivas e nas discussões científicas. Foi desenvolvido de modo a
contemplar três dimensões em que o desejo se apresenta: a dimensão social, tratando da
questão do desejo em relação às leis e as proibições que regulam o convívio em
sociedade; a dimensão do aparelho psíquico, apresentando a origem e a dinâmica do
desejo nessa dimensão mais específica; e a dimensão do sujeito versando sobre a
influência do desejo em nossos dias, na maneira como procuramos nos constituir
enquanto sujeitos de nosso próprio desejo.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 5
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 33
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 35
5
INTRODUÇÃO
1 O DESEJO E AS PROIBIÇÕES
Uma das dimensões da realidade com que o ser humano entra em contato é a
dimensão social. Esta dimensão tem sua importância na constituição do sujeito e na
constituição do aparelho psíquico por diversos motivos. Um deles é o meio com o qual
o sujeito se depara com os objetos essenciais à sua sobrevivência e outro é o fato de que
o sujeito pode se deparar com elementos ameaçadores, podendo ser então fonte de dor,
sofrimento e desprazer. Inserido no contexto social - também conhecido como
civilização, sociedade - está subordinado às leis que regem este sistema, sendo estas,
também, um dos principais responsáveis pela sensação de desprazer no homem. Para
melhor ressaltar essa questão pode-se denominar este como um dos motivos do mal-
estar na civilização, título dado por Freud a uma de suas obras.
civilização pode ser defendida desses impulsos são por meio da coerção, proibição e
privação, e Freud (1912-1913, p. 82) já afirmava que ―onde existe uma proibição tem de
haver um desejo subjacente‖. E continua:
Estas leis, portanto, são uma das causas de nosso sofrimento eterno, pois são
uma das barreiras que nos impede de satisfazermos alguns de nossos desejos e obtermos
sensações de prazer, o que coloca o homem em uma situação conflituosa. Se a
civilização, segundo Freud (1927-31,p. 8-9), tem por objetivo proteger os homens
contra a natureza e ajustar os relacionamentos mútuos, esta também é responsável por
parte das desgraças na vida do homem, e muitas fontes de sofrimentos são oriundas
desta civilização. Isto por que:
A referência acima feita ao ser humano foi enfatizando o seu aspecto animal e
instintual, no sentido de tornar visível esse aspecto que apresenta necessidades
essenciais para a sobrevivência e manutenção da própria espécie. Esta necessidade
animal, instintual, não é a ênfase dessa dissertação, mas por acompanhar a formação de
desejos, merece ser contemplada como veremos a seguir.
A intensidade dos desejos incestuosos ainda pode ser detectada por detrás da
proibição contra eles e, sob certas condições, o matar ainda é praticado, e, na
verdade, ordenado, por nossa civilização. É possível que ainda tenhamos pela
frente desenvolvimentos culturais em que a satisfação de outros desejos,
inteiramente permissíveis hoje, parecerá tão inaceitável quanto, atualmente, o
canibalismo. (FREUD, 1927-31, p. 06)
9
Em ―Totem e Tabu‖ (1912-1913) Freud fala dos tabus que existiam nas
civilizações primitivas e um destes tabus é o incesto, pois a primeira escolha de objeto
que se faz é incestuosa, um desejo do filho à mãe e da mãe ao filho. E essa primeira
escolha se dá, especificamente, devido à condição de dependência do bebê para com a
mãe, como afirma García-Roza ao falar que o ser humano apresenta:
Interessante observar que Freud diz que a primeira proteção da criança contra a
ansiedade é a mãe. O motivo disto é o fato de que a libido da criança tem um destino
certo ao qual garante o prazer e a sensação de satisfação por ter um objeto disponível
para realizar a descarga de suas tensões. Mais para frente, quando a criança é impedida
de realizar essas descargas, os impulsos cheios de desejos são recalcados e a libido é
transformada em ansiedade, gerando então a sensação de desprazer (JUNQUEIRA:
2005).
Com o passar do tempo, essa função de proteção passa a ser exercida pelo pai, o
que o torna uma figura de respeito e admiração para a criança. Esta estabelece, portanto,
um laço emocional com o a figura do pai e assim, por meio da identificação mostra
10
interesse pelo pai, gostaria de crescer como ele, ser como ele e tomar seu lugar em tudo.
(FREUD, 1920-22, p. 115).
A criança, no entanto, passa a ter outra percepção em relação ao pai, nota que o
pai se coloca em seu caminho, em relação à mãe, e passa a ter um comportamento hostil
para com o pai, inaugurando assim outro desejo, o desejo de substituí-lo, pois esta
relação ameaça a relação da criança com a mãe. Com isso Freud, em ―Totem e Tabu‖,
traz outro desejo instintual que se apresenta na infância, e fala do assassinato do pai da
horda primeva, na qual os filhos homens, por não aceitarem a condição do pai ter a
posse de todas as mulheres, e isso inclui a mãe, é despertado neles o desejo em acabar
com esse império do pai, assassinando-o.
apenas um macho adulto é visto num grupo; quando o macho novo cresce, há
uma disputa pelo domínio, e o mais forte, matando ou expulsando os outros,
estabelece-se como chefe da comunidade. (FREUD, 1912-1913)
Sendo assim, os filhos homens, ao desejarem a mãe por esta ser o seu primeiro
objeto amoroso, percebem, em um determinado momento que há um homem que ali,
naquela horda, tudo domina. Este homem que ganha admiração da criança, pela sua
força e por ter sua proteção, mas ao mesmo tempo é detentor da mãe, a qual a criança
não gostaria de abrir mão, desejando assim o desaparecimento do pai.
Joël Dor (1991) desenvolve uma linguagem mais comum a respeito do mito que
Freud trouxe e diz que esta horda primitiva é formada por um bando de irmãos vivendo
sob uma tirania sexual forçada. E estes, por serem excluídos, acabam se constituindo
numa força suficiente para contestar o despotismo paterno, condenando, portanto, à
morte do tirano, matam-no e o consomem no decorrer de um repasto canibalesco. E,
citando Freud, prossegue:
11
Que tenham comido o cadáver do pai, nada tem isso de espantoso, dado que
se trata de canibais primitivos. O ancestral violento era certamente o modelo
invejado e temido de cada um dos membros dessa associação fraterna. Ora,
pelo ato de absorção, realizavam sua identificação com ele, apropriando-se
cada um de uma parte de sua força. (DOR, 1991, p.30, apud FREUD, 1912-
13, 163)
Para que a sociedade não pudesse chegar a esse ponto e para que os irmãos se
mantivessem vivendo juntos, teriam eles que superar as discórdias e instituir a
interdição do incesto, de modo que todos renunciassem a posse das mulheres cobiçadas.
O que nos leva a entender que esta lei, portanto, foi instituída para a boa convivência e
sobrevivência dos irmãos. (DOR: 1991)
Esses dois desejos iniciais na infância – o incesto e a morte do pai – dão origem
ao sentimento de culpa, pelo fato de que ao desejarem acabam se esbarrando na
proibição, no interdito, que faz com que estes desejos sejam recalcados. Ou seja,
seguindo a linha de raciocínio explicitada, a proibição primeira nasce da ordem externa,
no social, e, a partir daí, inaugura no sujeito um mecanismo de proibição interna
psíquica que leva o sujeito a não manter em sua consciência a presença desses desejos,
por não serem socialmente aceitos. Estando, portanto, em:
12
Na essência das proibições dos desejos têm-se então a influência direta das
figuras materna e paterna, que são figuras de extrema importância no desenvolvimento
do ser humano devido a sua dependência no longo período da infância. É, portanto,
nessa fase do desenvolvimento humano que acontecem duas ligações fundamentais:
Já vimos que, caso o desejo de matar o pai pudesse ser realizado, os irmãos da
horda e a sociedade viveriam em extrema discórdia pelo fato de ambos quererem
assumir o lugar do pai e quererem dominar tanto quanto o pai, podendo gerar a ruína da
sociedade. Já em relação ao incesto, se este pudesse ser realizado e fosse mantido entre
as famílias, a relação de união entre a família poderia ser permanente, de modo que
estes não teriam capacidades, nem necessidade de lidar com estranhos. Desta forma, é
possível que não houvesse o desenvolvimento da civilização, uma vez que, a
convivência dos membros da família poderia acabar limitada ao núcleo familiar.
(NEVES, 1977, p. 67). Pois, como diz Neves:
Por fim, é assim que Freud fundamenta parte de sua compreensão, por meio da
Psicanálise, a respeito das proibições dos desejos. A proibição dos desejos, portanto,
possibilita o estabelecimento da civilização e inaugura a realidade psíquica do sujeito,
bem como a sua consciência ética e moral. Mais para frente veremos a importância da
realidade externa e psíquica na constituição do sujeito enquanto sujeito desejante e a
importância do desejo na constituição do aparelho psíquico e na sua manutenção, que
também estão associados a uma forma de proibição. Sendo assim, as proibições são
fundamentais para a manutenção da sociedade e, como já foi dito, para regular os
relacionamentos, o convívio dos homens entre si e para evolução histórica e cultural da
sociedade.
14
Analisando um de seus sonhos, Freud relata que ―o sonho realizou certos desejos
que se iniciaram nele um dia anterior ao sonho‖ (FREUD, 1900-01, ver p. 153),
constatando que o sonho era, possivelmente, uma maneira propícia para a realização de
desejos não satisfeitos em vida diurna. A partir desta análise iniciou uma série de
investigações a respeito dos sonhos, mas também o porquê que estes estavam
relacionados com a realização de desejos, o que o levou a investigar a natureza deles e
de onde se originariam aqueles que são realizados nos sonhos. .
Nos estudos dos sonhos, antes mesmo de Freud estruturar uma forma de
funcionamento do desejo e um lugar de origem deste em nosso aparelho psíquico, ele
teve a percepção de que o desejo que se realizava no sonho era produto de uma ―força
impulsora‖, a ser suprida por um desejo, ou seja, o desejo está a serviço de algo que o
precede. (FREUD, 1900-01, p. 590). Roudinesco (1998, p. 628) em seu dicionário de
Psicanálise dá o nome a essa força impulsora de pulsão, que remete, por sua etimologia,
a ideia de um impulso – força, pressão -, independentemente de sua orientação e
objetivo, e situa esta pulsão como um motor da atividade psíquica. Segundo Laplace e
Pontalis, pulsão é:
Freud (1900-01, p. 568) diz que ―toda nossa atividade psíquica parte de
estímulos (internos ou externos) e termina em inervações‖, ou seja, a transmissão de
uma determinada energia para o sistema nervoso e deste para um sistema eferente - que
tende a descarga. E diz mais a respeito desses estímulos na atividade psíquica:
1
Os neurônios poderiam estar mais ou menos ―carregados‖ de Q. Freud emprega o termo Besetzung para
designar essa ―ocupação‖ do neurônio pela Q, termo esse que foi traduzido por Strachey como ―catexia‖ e
que em português é traduzido por ―investimento‖. (Importante ressaltar os termos empregados devido às
diversas traduções. Neste texto poderá aparecer tanto investimento, catexia e algumas vezes como
economia). (GARCÍA-ROZA, 2004, pag.48)
17
corpo, se dispondo como via de descarga. O alívio de uma tensão, por exemplo, ao ser
gerado por estímulos de ordem endógena, biológica – como fome, sede – só é possível
por meio de uma ação que possibilite a sensação de alívio e consequentemente de
prazer. A função primordial desse sistema é manter afastadas as grandes quantidades de
energia, por meio da descarga. É uma tendência básica do sistema nervoso, evitar a dor
ou desprazer resultante da economia desta energia. (GARCÍA-ROZA, 2004, p. 51)
Um dos exemplos utilizado por Freud para contextualizar e elucidar melhor essa
dinâmica do aparelho psíquico é o exemplo do recém-nascido. Um recém-nascido,
como todo ser vivo, depende de alimento para sobreviver e assim permanecer vivo. Esta
é uma condição sine qua non para existência e perpetuação da espécie. Esta necessidade
se apresenta quando, após gastar energia vital com processos físicos e psíquicos, se
torna necessário repor estas energias por meio do alimento. Por esta exigência da vida,
um recém-nascido que ainda é dependente, não dispõe de capacidade física para realizar
a ação específica de ir em busca do seu próprio alimento.
Mesmo que a criança busque, por meio da via motora, a descarga desses
estímulos, esta não vai se deparar com o alívio, pois o movimento motor não minimiza
o seu estado de tensão, devido a sua dependência e incapacidade física de colocar o seu
aparelho motor em busca do alívio de sua tensão. Sendo assim, a experiência de
satisfação e o alívio da tensão só são vivenciados quando um adulto – muitas vezes a
mãe – que, por meio de uma ação específica, fornece o alimento ao bebê, suprimindo
assim o estado de tensão.
Ou seja, a percepção que o bebê teve com a chegada do alimento incidiu sobre o
aparelho psíquico gerando então um traço mnêmico, que Roudinesco (2008, p. 147)
denomina, também, como lembrança. E Freud (1900-01, p. 569) diz que a base da
associação – percepção x memória – está nos sistemas mnêmicos.
Sendo assim, esse estado que tem por objetivo a descarga completa dos
estímulos, por não encontrar o objeto real de satisfação e ao se deparar com a frustração,
dá espaço a um novo sistema2 de funcionamento que visa à fuga desses estímulos
2
―retrataremos o aparelho psíquico como um instrumento composto cujos componentes daremos o nome
de ―instâncias‖, ou (em prol de uma clareza maior) ―sistemas‖‖. [...] Descreveremos o último dos
sistemas situados na extremidade motora como o ―pré-consciente‖, para indicar que os processos
excitatórios nele ocorridos podem penetrar na consciência sem maiores empecilhos, [...] Este é, ao mesmo
20
O sistema Pcs passa a ser uma forma de ―canalizador‖ da força impulsora que
vem do Ics, uma vez que esta não pode ser realizada em sua plenitude. O Pcs, por ter
controle sobre o movimento motor, transforma essa energia em energia quiescente, ou
seja coloca esse energia em uma espécie de repouso e julga por meio do pensamento de
que forma é possível lidar com a sensação do desprazer e minimizá-la.
O segundo sistema, por meio das catexias que dele emanam, consegue inibir
essa descarga e transforma a catexia numa catexia quiescente [...]. Depois que
o segundo sistema conclui a sua atividade exploratória de pensamento, ele
suspende a inibição e o represamento das excitações e lhes permite serem
descarregadas no movimento. (FREUD, 1900-01, p. 626)
tempo, o sistema que detém a chave do movimento voluntário. Descreveremos o sistema que está por trás
dele como ―o inconsciente‖, pois este não tem acesso à consciência senão através do pré-consciente, ao
passar pelo qual seu processo excitatório é obrigado a submeter-se a modificações.(FREUD, 1900-01,
pag. 567-571)
21
Isso só é possível por meio de um processo que Freud (1900-01, p.627) chama
de ―recalcamento‖. Como já foi dito anteriormente o sistema Pcs/Cs tem um objetivo
distinto do primeiro sistema. Pois este último visa a vivência do prazer e o outro visa a
fuga do desprazer, por meio da inibição do movimento psíquico que faria chegar ao
pensamento alucinatório e, portanto, a frustração. O recalcamento:
Por fim, pode-se constatar que o que o sistema primário pode fazer, por meio da
força impulsora chamada de Pulsão, é desejar. Sendo o desejo esse movimento que
parte da sensação de desprazer, e vai em busca, a qualquer custo, da sensação de prazer.
Desta forma ao evocar, por meio de um pensamento alucinatório, a primeira lembrança
de satisfação, o fim é a frustração, pois o objeto encontrado no pensamento não era da
ordem do real, mantendo assim a sensação de desprazer. Por meio do recalque, que é a
evitação da lembrança e consequentemente a evitação do desprazer, é também a forma
que o aparelho psíquico encontra para lidar com o desprazer gerado pela ausência do
objeto real, inaugurando assim a configuração final do aparelho psíquico, pois este
processo faz surgir o conceito de Ics (inconsciente) e ao Pcs/Cs (pré-consciente-
consciente) que funciona como um segundo sistema do aparelho psíquico, sendo estes,
portanto, a nossa realidade psíquica. Esse segundo sistema é inaugurado pelo recalque
com o intuito de transformar o excesso de excitação em uma excitação quiescente
(repousante), e assim, por meio do pensamento buscar formas alternativas e parciais de
descarregar tal estímulo por meio do controle do movimento motor, dando condições ao
sistema mnêmico se enriquecer com novas vias de facilitação alternativa para alcançar a
minimização do desprazer sempre que surgir uma necessidade. É desta forma que se
pode compreender alguma coisa em relação a natureza do desejo e sua influência na
constituição do aparelho psíquico.
23
Diante do que já foi visto, pode-se observar que há um conflito constante entre
as exigências do Ics e o controle do Pcs/Cs, este último porque impede a realização das
moções do Ics e este que tem por função o desejar, sendo que por detrás desse desejar
há uma pulsão que tem um único destino: a experiência de satisfação, o que o
caracteriza como agressivo e anárquico. Sendo assim:
É por esse motivo que uma das formas em que sujeito tem de garantir alguma
experiência de satisfação, ou melhor, garantir a evitação de um desprazer maior, é por
meio de um objeto não proibido, objeto que possa de alguma forma exercer a função de
substituto. Como diz Dolto quando fala a respeito do recém-nascido:
O que não aplaca sua tensão, ou seja, aquilo que não o satisfaz, ao contrário,
lhe é ruim: ele se crispa e chora. [...] o choro é bom, pois alivia a tensão
libidinal oral. Um movimento alternativo imprimindo ao corpo do bebê
também é bom; acalma uma tensão energética difusa, que não é fome nem
sede, e que não satisfaz numa mamada. [...] Entretanto a sucção pode enganar
a fome por algum tempo. Vemos aí, no ser humano, a possibilidade que o
engano tem de satisfazer um desejo, sem satisfazer a necessidade: por vezes,
quando a criança chora, é por desejar uma presença. (DOLTO, 1996, p. 20-
21)
Maria Rita Kehl (1990) ainda diz mais sobre esses substitutos:
o desejo, desviado de seus fins primários, obscuros para o sujeito, em direção
a objetos secundários que aparecem para a consciência como objetos
possíveis cujo alcance depende pelo menos em parte de nossa ação voluntário
e consciente. (KEHL, 1990, p. 368)
Desta mesma maneira pode-se compreender o que Dolto quis dizer na citação
descrita anteriormente, quando diz que, ―por vezes, quando a criança chora, é por
desejar uma presença‖. Uma vez que esse outro para a criança, é o objeto – na maioria
das vezes o materno - que muitas vezes se apresenta no momento do desprazer e aplaca
de alguma forma o incômodo, proporcionando algum prazer.
Segundo Junqueira (2005, p. 37), Freud também relaciona essas dualidades com
os sentimentos, e se bem lembramos um dos representantes da pulsão é o afeto3. O
conflito ambivalente, completamente tensional, gerado sobre a criança pelo fato de ter
que administrar em si o medo de perder a mãe para o pai, e ter o anseio em matá-lo por
essa ameaça, bem como, ter o medo de perder o pai porque esse garante a segurança
pela sua força. Isso gera um desconforto na criança e se apresenta por meio do
sentimento de culpa. Essa ambivalência é, portanto recalcada, por não haver saída para
satisfação em nenhuma dessas situações. Desta forma a libido se transforma em
ansiedade, e é acompanhado pela sensação de culpa. (JUNQUEIRA, 2005, p. 37)
3
Ver página 15.
4
No dicionário de psicanálise escrito por Roudinesco (2008, pag. 25) o termo ansiedade aparece como
sinônimo de angústia.
27
ser representantes daqueles que foram recalcados – a questão da mãe e do pai -, por tais
representantes serem da ordem do impossível e/ou do proibido.
Esta unificação, este contato com o parceiro que visa preencher a falta dá início
a questão do amor. Este reconhecimento um do outro, ou um pelo outro, enquanto
sujeitos desejantes e, desta vez, enquanto sujeitos desejados é que aquela sensação de
culpa, aquela angústia associada ao medo da perda do amor, pode garantir algum
equilíbrio ao sujeito. O amor é uma das modalidades de viver a vida em que o sujeito
pode experenciar vivências de satisfação tão profundas quanto àquelas primeiras,
modalidade essa que Freud enfatiza com propriedade:
Evidentemente, estou falando da modalidade de vida que faz do amor o
centro de tudo, que busca toda a satisfação em amar e ser amado. Uma
atitude psíquica desse tipo chega de modo bastante natural a todos nós; uma
5
No âmbito da psicanálise clássica, o conceito de homeostase está presente na formulação do princípio de
constância, extraído por S. Freud da psicofísica de G. Th. Fechner, que introduzira o princípio de
estabilidade. É um termo utilizado por W. B. Cannon para indicar a tendência do organismo a manter o
próprio equilíbrio. (GALIMBERTI, 2010, p. 595)
6
O amor se atém à passagem do que cessa de não se escrever para o que não cessa de se escrever. É nessa
região de intercessão entre os regimes simbólico e imaginário que o amor se inscreve e, sendo assim, o
amor é essencialmente produção de sentido. (JORGE, 2008, p. 146)
28
Além do amor sexual, Freud também fala do amor inibido em seus objetivos
sexuais, que por sua vez atendem à demanda da civilização no sentido de aproximar os
homens e uni-los. Essa é uma das condições ao qual já vimos, é uma necessidade – da
leis e regras - que deve ser atendida para que a civilização possa se manter e continuar
progredindo e convivendo. Essa forma consiste em inibir a pulsão, de modo que essa
nunca se realize e assim, mantenha os laços emocionais sempre ativos. (JUNQUEIRA,
2005, p. 39)
Essa é uma das ―técnicas‖ de viver que Freud sinaliza como um meio de obter
felicidade. No entanto, mesmo que o amor oportunize ao sujeito experiências de
satisfação e prazer, não se deve acreditar que por meio de uma relação empreendida
pelo amor - e aí destaca-se o amor sexual – haverá garantia de satisfação plena e eterna.
Porque o próprio Freud destaca quando fala da felicidade, e, portanto, dos meios de
obtê-la:
Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta
negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por
outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais
restrito, a palavra ‗felicidade‘ só se relaciona a esses últimos. (FREUD, 1927-
31, p. 42).
Além do amor, Freud nos apresenta outra forma de garantir algum equilíbrio na
dinâmica do desejo, que é pela sublimação7 . Segundo Jorge (2008, p. 150) o conceito
de sublimação é um conceito imprescindível, sobretudo, nesta questão do desejo, pois é
por meio dessa que a pulsão pode ter um representante – desta vez, um representa não-
sexual – e assim direcionar a sua excitação à descarga.
Uma pulsão acha-se sublimada precisamente quando visa um novo alvo não-
sexual ou objetos socialmente valorizados. Assim, para Freud, as atividades
sublimatórias são constituídas eminentemente pela atividade artística, pela
investigação intelectual e pelos esportes. (JORGE, 2008, p. 150)
7
O termo Sublimierung foi introduzido por Freud no vocabulário psicanalítico designando ―um processo
que explica as atividades humanas sem qualquer relação aparente com a sexualidade, mas que
encontrariam o seu elemento propulsor na força da pulsão sexual‖. (JORGE, 2008, p. 150)
29
Outra forma de obter felicidade que Freud apresenta e segundo ele é uma das
formas que opera ―de modo mais energético e completo‖ é a que tem o intuito de
romper com toda e qualquer relação com a realidade, uma vez que praqueles que optam
por essa opção acreditam que a realidade é a fonte de todo sofrimento (FREUD, 1927-
31, p. 45). Sabemos que a civilização é, de certa forma, fonte de sofrimento ao sujeito,
devido a sua forma de tornar possível o vínculo entre os homens que é por meio de leis.
No entanto, já vimos que um investimento completo da lembrança de satisfação, que é
da ordem do irreal, leva o sujeito à frustração e este não chega em lugar algum, pois o
desprazer se mantém. Aos que optam por essa opção, segundo Freud:
Torna-se um louco; alguém que, a maioria das vezes, não encontra ninguém
para ajudá-lo a tornar real o seu delírio. Afirma-se, contudo, que cada um de
nós se comporta, sob determinado aspecto, como um paranoico, corrige
algum aspecto do mundo que lhe é insuportável pela elaboração de um desejo
e introduz esse delírio na realidade. (FREUD, 1927-31, p. 45-6)
Todo este movimento do desejo parece nos direcionar não à satisfação, mas a
evitação de algum desprazer, e de que forma pode-se então evitar o desprazer e obter
alguma satisfação de modo a não sermos frustrados ou tolhidos pela civilização ou por
nós mesmos, uma vez que ao termos ―alguma‖ ideia daquilo que nos dá satisfação é
conhecido por nós mesmos como da ordem do proibido, do interdito.
Freud (1927-31, p. 43) diz que o que decide o propósito da vida é simplesmente
o programa do Princípio do Prazer e que este Princípio domina o aparelho psíquico
desde o início. Parece que o que resta é, ou procuramos viver por caminhos que nos
livra do desprazer, e assim procuramos ao máximo garantir alguma estabilidade e
equilíbrio, ou satisfazemos os nossos desejos a qualquer custo e colhemos os frutos e
consequências desses atos. Uma vez que, se fizéssemos isso, estaríamos nos
direcionando ao caminho contrário à civilização, àqueles que estão vinculados a nós
pelos laços emocionais e ainda assim tenderíamos à solidão, o que pode parecer
―negação‖ da própria realidade.
Por meio dessas funções psíquicas que são originadas com a inauguração do
Princípio da Realidade é que temos a condição de julgar, por meio do pensamento e de
nossas experiências quais os representantes são fontes de prazer ou desprazer para nós
enquanto sujeitos desejantes. Por essas funções, também, é que o desejo ganha fala,
anteriormente a mãe emprestava a sua fala para a criança e expressava por meio desta e
de acordo com o seu próprio desejo o que melhor se adequava à criança. No entanto, à
medida que a criança desenvolve esses recursos, que resultam da inauguração da
realidade psíquica enquanto tal, a criança passa se constituir enquanto sujeito,
8
Ver p. 20. Energia quiescente.
31
É por essa condição de sujeito, que emerge a partir do Princípio supracitado, que
se pode utilizar as funções psíquicas ao nosso favor e, reconhecendo que o movimento
do desejo foi posto em marcha e é com ele que caminharemos, pois estará, eternamente,
sinalizando um desprazer e um prazer, um conforto e um desconforto, nos dando
condição de construir o que melhor se adéqua a nós.
Este ponto de vista amistoso de Maria Rita Kehl nos mostra que nem tudo, nesse
discurso do desejo, é de tão ruim assim. Pois, mostra o lado de que ser sujeito é ser,
como foi citado no início deste texto, sujeito desejante. Ser sujeito desejante é ser
sujeito das próprias escolhas, é gozar da condição de poder escolher e poder continuar
escolhendo o caminho que se quer trilhar, sendo responsáveis por nossas próprias
escolhas. Como Freud, também dizia quando da descoberta dos processos Ics e Pcs/Cs:
Pois, por meio de todo esse ―poder‖ enquanto sujeito desejantes é que podemos
acumular o máximo de traços mnêmicos e desenvolver vias de facilitação possíveis para
que ao surgir uma exigência do Ics termos representantes à altura de nos garantir
alguma satisfação sem que tenhamos que estar a serviço do recalque e evitando assim,
algum desprazer.
Por fim, encerro com palavras do próprio Freud, sujeito que, por suas escolhas
nos beneficiou com um conhecimento tão útil e tão valioso para que tenhamos alguma
compreensão sobre nós mesmos a respeito de nossos próprios desejos:
32
CONCLUSÃO
com os nossos atos e escolhas de modo que, por meio dessa responsabilidade é possível
que minimizemos as sensações de desprazer. A civilização sempre será motivo de
conforto e desconforto para aqueles que nela habitam, o mal-estar na civilização sempre
estará presente e pelo fato de sermos sujeitos estaremos sujeitos à falência de nossos
corpos, aos impulsos agressivos da natureza e as leis que estarão sempre balizando os
nossos atos. Realidade, me parece, é procurar se dar conta de tudo isso, e ainda mais,
nos dar conta de que temos condições de fazermos as próprias escolhas, essa é a
liberdade que penso que temos enquanto sujeitos, ser o ―autor‖ das próprias escolhas,
direcionar o desejo para os objetos que julgamos apropriados, adequados de acordo com
a capacidade que temos de utilizar cada vez mais o nosso sistema consciente.
Por fim, acredito que o sentido da vida é elaborado por nós mesmos e que a vida
como quase tudo tem os dois lados da moeda, seja ele prazer ou desprazer, satisfação ou
proibição, inconsciente ou consciente, regido por princípio do prazer ou princípio da
realidade. É por este movimento denominado desejo, movimento que se origina no
desprazer em direção ao prazer, que, conscientemente, podemos ―dizer‖ pela linguagem
qual o sentido optaremos para a nossa vida, qual a direção tomaremos. Desejo este que
parece ser um barco em alto mar e a consciência um farol que vai clareando as rotas que
melhor se apresentam para navegarmos. Se a onda se agita, mudamos a rota; se a onda
se acalma permanecemos nela, mas o oceano da vida é infinito e por diversas vezes
estaremos navegando por rotas que ainda não conhecemos e passaremos por ondas que
o nosso barco ainda não tem recursos para suportar e graças a isso é que estaremos
sempre no movimento de procurar cada vez mais nos constituir como sujeitos, sujeitos
de nosso próprio desejo.
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BIBLIOGRAFIA
DOR, Joël. O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
KEHL, Maria Rita. O desejo da realidade. In: NOVAES, Adauto (Org.). O desejo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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