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Tema I
Notas de Aula
1. Princípios: introdução
Por volta do século XII, o processo penal se configurava, por mais absurdo que soe,
numa justificativa para a tortura e demais barbáries, com o fito de obter a “verdade”. O juiz,
nesta época, era um fiscal de Deus na terra, estando autorizado a tomar qualquer
providência para afastar o domínio do mal, e buscar a verdade real. Vê-se, então,
claramente, a concepção inquisitiva originária do processo penal.
É claro que estas concepções se alteraram, quando o antropocentrismo tornou o
homem o centro das relações: a dignidade da pessoa humana foi a grande responsável por
afastar a perspectiva inquisitiva do processo penal, trazendo ao ordenamento o sistema
acusatório.
Ocorre que o sistema acusatório, nesta época, ainda tinha o réu em uma posição de
inferioridade diante dos demais entes do processo. Por isso, criou-se a teoria dos
pressupostos processuais, a fim de aprimorar ainda mais a proteção à dignidade da pessoa
humana. Seguindo-se a teoria dos pressupostos, o réu se colocaria em pé de igualdade com
a acusação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 127, estabelece que o promotor
de justiça poderia, ele próprio, aplicar medida sócio-educativa ao menor infrator, quando da
remissão. Veja:
3. Ampla defesa
Aquele que está submetido ao processo penal deve ter garantida a si a utilização de
todos os meios de prova admitidos em direito, em sua defesa.
A ampla defesa é satisfeita, no processo penal, de duas formas: pela autodefesa e
pela defesa técnica. Autodefesa é aquela realizada pelo próprio réu, e a técnica pelo
advogado.
A autodefesa se divide em direito de presença e direito de audiência. O direito de
presença é o direito do réu de presenciar e participar de toda a instrução probatória. Dito
isto, questiona-se: o réu preso precisa, necessariamente, ser requisitado para presenciar a
oitiva de testemunhas no juízo deprecado?
Há três entendimentos sobre esta questão. O primeiro, majoritário (especialmente
nos tribunais estaduais), defende que não há necessidade da presença do réu: basta a
presença da defesa técnica para não restar violada a ampla defesa. O segundo
posicionamento, de Fernando Capez, estabelece que há nulidade relativa se não estiver
presente o réu, e, como relativa, depende da prova do prejuízo à defesa esta ausência do
réu. E como última tese, a do STF: a Suprema Corte defende que o direito de presença é um
consectário da ampla defesa constitucional, e como tal, precisa ser exercido à mais
completa plenitude – o réu deve estar necessariamente presente, sob pena de nulidade
absoluta.
A interpretação do STF é bastante prejudicial a outros princípios processuais que
teriam, a rigor, tanta importância quanto a ampla defesa, tais como o interesse público, a
celeridade e a economia processual. Destarte, melhor seria uma leitura casuística do
princípio, e não tão radical quanto a do STF.
Outra questão que se suscita é a do réu que, revel em todo o processo, surge quando
já foi prolatada a sentença: deve este réu ser interrogado?
Ademais, assevera o STF, há ofensa à ampla defesa, pois o réu tem também o
mencionado direito de audiência, outra vertente da autodefesa, como visto, que consiste na
possibilidade de comparecimento perante o juiz, narrando diretamente a sua versão do fato
que lhe é imputado – a imediatidade do juiz, o acesso direto e pessoal do réu ao juiz.
É importante não se confundir a situação exposta no artigo 217 do CPP, recém
alterado, com uma autorização legal para videoconferência: o réu, retirado da sala de oitiva
naquela hipótese ali narrada, vai acompanhar o testemunho por meio de vídeo, mas isto não
se confunde com uma videoconferência.
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Este argumento não subsistirá por muito tempo, pois a atual onda de reformas pontuais do CPP decerto
retirará esta obrigatoriedade do texto legal.
“Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu, pela sua atitude, poderá influir
no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará
retirá-lo, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Neste
caso deverão constar do termo a ocorrência e os motivos que a determinaram.
“(...)
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
(...)”
A prova é ilícita, lato sensu, quando viola o direito penal ou o direito processual
penal. Daí surge a subdivisão em provas ilícitas e provas ilegítimas (para quem reconhece
tal divisão): a ilícita, stricto sensu, é a que viola direito material, e a ilegítima viola apenas
direito processual.
A inadmissibilidade da prova ilícita, porém, não é absoluta. É pacífico, na doutrina,
o entendimento que a prova ilícita, lato sensu, é admissível quando for pró-réu. Há dois
fundamentos que fazem permitida esta prova pró-réu: Paulo Rangel e Afrânio defendem
que o réu, ao produzir esta prova, estaria agindo em excludente de ilicitude, por estado de
necessidade. Assim, a prova não será antijurídica, pois o réu a produz em estado de
necessidade. O segundo argumento, do qual comunga o STF e Polastri, é a necessária
observação ao princípio da proporcionalidade: o artigo 5°, LVI, cede espaço à ampla defesa
e à liberdade individual.
As provas ilícitas pro societatis, contrárias ao réu, porém, contam com dois
entendimentos sobre sua admissibilidade: a primeira corrente, francamente majoritária na
doutrina e na jurisprudência, defende que são absolutamente inadmissíveis, pois a proibição
de provas ilícitas é característica fundamental do sistema acusatório, e nada há que permita
sua produção excepcional quando contrária ao réu (como na pró-réu o há). A segunda
corrente, de Polastri e Capez, e que conta com alguns poucos precedentes no STJ, defende
que, como qualquer outra garantia constitucional, esta também não é absoluta, e por isso, na
casuística, pode ser mitigada em prol de outra que assuma maior relevância – sopesando-se
pela proporcionalidade, quando o caso concreto demandar.
O artigo 157, recém reformado pela Lei 11.690/08, apenas positivou o que sempre
foi assim. Veja:
As provas ilícitas por derivação, the fruits of the poisonous tree, são igualmente
inadmissíveis em processo penal. Estas provas são lícitas em si mesmas, mas obtidas por
meio de um outro fato ou uma outra prova que, estes sim, são ilícitos. Um exemplo: o
agente obtém uma informação do suspeito por meio de tortura, e com esta informação
obtém um mandado judicial de busca e apreensão, de cuja diligência é descoberta uma
prova tal que é relevante ao crime investigado. Esta prova, obtida por meio do mandado de
busca e apreensão, é perfeitamente lícita em si mesma, pois que foi regular a diligência,
judicialmente autorizada. Entretanto, como derivou de conduta ilícita – tortura –, a ilicitude
do ato original contamina a prova que seria lícita, tornando-a ilícita por derivação.
Havia, na verdade, dois posicionamentos sobre esta ilicitude por derivação. Paulo
Rangel e Tornaghi defendiam, minoritariamente, que a CRFB só proibia expressamente a
prova ilícita, e não a ilícita por derivação, motivo pelo qual sua produção seria possível. É
claro que a segunda corrente, que defendia a contaminação, era mais coerente, e por isso
era majoritária.
Hoje, porém, a alteração do CPP trouxe esclarecimento a esta questão, no já
transcrito artigo 157, § 1°, do CPP, pondo fim à discussão: é ilícita a prova que deriva da
ilícita.
Há uma exceção a esta ilicitude por derivação, que sempre vigeu, e hoje pode-se
entender positivada neste § 1° do artigo 157 do CPP: a teoria da prova absolutamente
independente, calcada na descoberta inevitável (inevitable discovery). Veja: se a prova
deriva de ato ilícito, em regra, é ilícita; todavia, se a prova derivada fosse ser revelada de
qualquer forma, por outros meios válidos, não pode ser contaminada pela ilicitude: a
descoberta da prova seria inevitável, sendo irrelevante o ato ilícito que viciou um dos meios
de se alcançar aquela prova.
5. Interceptação telefônica
A prova produzida com a interceptação telefônica não consiste apenas nas fitas de
áudio obtidas, mas sim no laudo de degravação: este é a redução a texto daquilo que se
obteve na gravação.
Seria possível a utilização do laudo de degravação, obtido no processo criminal, em
outros processos, cíveis ou administrativos? Há três correntes disputando o tema: a
primeira, capitaneada por Ada Pellegrini, defende ser impossível este empréstimo, pois o
artigo 5°, XII, da CRFB, só permite este tipo de prova no processo criminal.
“(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal;
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Ademais, fosse como entende Pacelli, o campo para fraudar tal norma seria enorme: bastaria, à autoridade,
solicitar a uma pessoa do povo que produzisse uma prova que, se a própria autoridade o fizesse, seria ilícita.
(...)”
“Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos
já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de
provas:
(...)
IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou
acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;
(...)”
A CPI municipal, por sua vez, não pode quebrar sigilo telefônico, tampouco os
demais autorizativos constitucionais do artigo 58, § 3°, lhe são pertinentes: o dispositivo
determina que a CPI tem os mesmos poderes investigativos de autoridades judiciais, e
como na esfera municipal simplesmente não existe autoridade judicial, não há paradigma, e
não há esta permissão constitucional. O STF assim já decidiu em diversas oportunidades.
6. Inviolabilidade de domicílio
“(...)
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
(...)”
se pode admitir tal apreensão fortuita, devendo a busca ater-se exatamente aos
limites do mandado. O segundo posicionamento, majoritário na jurisprudência,
entende que se a violação ao domicílio já se implementou por conta do mandado,
nenhum prejuízo maior à garantia será causado na utilização de uma prova
fortuitamente encontrada no interior do local, motivo pelo qual é prova
perfeitamente válida.
Veja que se a prova encontrada for ela própria a configuração de uma
atividade típica, o que se dá é a apreensão de objeto em flagrante delito: se, ao
buscar produtos do tráfico, a autoridade encontra uma arma, está incurso em porte
de arma em flagrante delito, sendo a apreensão válida pelo flagrante.
7. Proporcionalidade
7.1. Adequação
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Em ação penal por tráfico de entorpecentes, o Juiz defere mandado judicial para a
interceptação do fluxo de comunicações de informática. Com base na prova obtida, o MP
oferece denúncia. A defesa requer a inadmissibilidade da prova por violação ao princípio
constitucional que proíbe a interceptação da comunicação de dados. Decida
Resposta à Questão 2
“(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal;
(...)”
Tema II
Notas de Aula
1. Presunção de inocência
“(...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória;
(...)”
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado
ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de
provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização
de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
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Para Elisa Ramos Pittaro Neves, o sistema acusatório é, de fato, incompatível com a verdade real. É
paradoxal defender a busca da verdade real, instituto do sistema inquisitorial (em que para a revelação da
suposta realidade qualquer meio é válido), com o sistema acusatório, que é justamente calcado em limitações
garantidoras da lisura procedimental na persecução. É crítica bastante isolada.
“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde
que reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
V - existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (arts. 17, 18,
19, 22 e 24, § 1o, do Código Penal);
VI - não existir prova suficiente para a condenação.”
“Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança,
salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença
condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto.”
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e
indício suficiente de autoria.”
Assim, analisando a prisão do artigo 393, I, c/c o artigo 594 do CPP, e a do artigo
408, pode-se entender que haja compatibilidade com a CRFB? Há três correntes
doutrinárias disputando o tema. A primeira, de Rangel, Afrânio e Tornaghi, amparada pela
súmula 9 do STJ, defende que não há natureza cautelar nesta prisão, se tratando de uma
execução provisória da pena, e não há qualquer inconstitucionalidade porque é medida que,
de fato, pode beneficiar o réu com todas as medidas despenalizadoras da Lei de Execuções
Penais.
Apesar de sedutor, o argumento desta corrente não é coeso, porque continua sendo
uma prisão automática, não sendo realmente favorável ao réu retirar do juiz a
discricionariedade em julgar a necessidade ou não da prisão. E mais, a LEP, Lei 7.210/84,
no artigo 2°, parágrafo único, garante as suas benesses aos presos provisórios, não havendo
qualquer vantagem em receber, esta prisão, a configuração de execução provisória da pena4.
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223,
caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo
único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal
qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em
qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).”
Este tema comporta discussão sobre este instituto, qual seja, seria correta a
proibição de liberdade provisória para crimes hediondos?
Apesar de a Lei 8.072/90 ter sofrido alterações pela Lei 11.464/07, dentre as quais
se retirou a vedação à liberdade provisória, dantes constante do artigo 2°, a discussão ainda
é relevante. Veja:
Agora, não é mais vedada a concessão de liberdade provisória, pela lei. Todavia, o
STF, em recente decisão, esposou entendimento contrário: para o STF, não pode haver
concessão de liberdade provisória para nenhum crime hediondo ou equiparado, mesmo a
despeito do que dispõe a nova redação da Lei 8.072/90. O Supremo assim entendeu por
interpretação do artigo 5°, XLIII, da CRFB, que dispõe:
“(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
(...)”
A lei processual não retroage jamais por dois motivos: por ser meramente
instrumental, não beneficia ou prejudica direito material algum, conseqüentemente não é
relevante em matéria de benefício jurídico, e; se retroagisse, a norma processual que revoga
uma outra determinada tornaria nulos todos os atos praticados dantes da revogação, o que,
evidentemente, tornaria impossível a estabilidade do processo, uma vez que não poderiam,
muitas vezes, ser refeitos os atos invalidados.
“Art. 2o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade
dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.”
3. Juiz Natural
O princípio do juiz natural não foi adotado de forma plena no Brasil. Este princípio,
surgido no direito anglo-saxão, traz consigo, em sua mais completa extensão, três garantias:
a proibição da criação de tribunais de exceção; a garantia de julgamento diante de juiz
competente; e a vedação da criação de justiças especializadas.
Esta última vertente do princípio claramente não foi adotada no Brasil. Ao contrário,
é tradição nacional a especialização de justiças.
O respeito a este princípio, hoje, tem sido colocado como pressuposto de existência
do processo, quando se refere a regra de competência erigida na própria CRFB, e não mero
pressuposto de validade, como sempre foi.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O artigo 413, § 1°, do CPP, com nova redação determinada pela Lei 11.689/08,
determina que:
Questão 2
Resposta à Questão 2
FAC, mesmo antes do trânsito em julgado da condenação sobre os fatos de que tratam, são
consideradas maus antecedente, contrariando o entendimento mais técnico.
Tema III
Sistemas Processuais. 1. Sistema acusatório individualista (Antigüidade, Roma): - acusação penal privada
(qualquer do povo/ofendido); processo: "coisa das partes"; iudex secundum allegata et probato partium
decidire. 2. Sistema inquisitorial (Idade Média, Europa continental): - interesse do Estado em combater o
crime; - juiz-inquisidor: acusa e julga; parcialidade do juiz; iniciativa das provas na busca da "verdade
real". - relação processual linear (e não triangular); réu objeto de investigação; confissão. - sistema da
prova tarifada, como tentativa de limitar os poderes do juiz. 3. Sistema acusatório atual: - publicização:
acusação a cargo de um órgão público; Ministério Público como garantia da neutralidade do Judiciário; - a
influência da cultura inquisitorialista da Europa continental. O sistema anglo-saxão. - Brasil: CF de 88 x
CPP de 41: Garantismo x Escola Positiva (defesa social); a inspiração fascista do CPP brasileiro (Código
Rocco) e a CF liberal democrática. - resquícios de inquisitorialismo no CPP: artigos 5º, II (requisição da
autoridade judiciária); 13, II; 10, § 3º; art. 28; art. 384. Os artigos 26 e 531 e segs.
Notas de Aula
De início, cumpre deixar claro que o sistema acusatório vigente no Brasil não é
exatamente puro. O hibridismo é latente, sendo esta natureza chancelada claramente pelas
Cortes Maiores, STJ e STF.
Veja: as Cortes Superiores têm grande cautela em rejeitar dispositivos que têm
nítida natureza inquisitiva, motivo pelo qual se entende que há um certo respeito pela
herança inquisitória – pelo que se pode entender que o hibridismo é uma realidade em
nosso sistema acusatório.
Tomemos por exemplo o sistema acusatório que vige na Europa, a exemplo de
Portugal ou Itália: lá, existe a figura do juizado de instrução, que consiste no juízo que atua
exclusivamente na fase investigatória, exaurindo sua competência no momento de receber
ou rejeitar a denúncia – fase que se assemelha um pouco à primeira fase do julgamento no
Júri, e por isso também recebe o nome de judicium accusationis. Na fase investigatória, o
único intento é a reunião de justa causa que habilite o oferecimento de denúncia, tanto que
o recebimento faz iniciada a segunda fase, o judicium causae.
No judicium causae, passa a atuar, no sistema acusatório efetivo, puro, o “juiz
julgador”, expressão pleonástica que se faz necessária para identificar o juiz que,
completamente alheio à fase investigativa, isento da parcialidade que é imanente a esta
fase, realmente vai julgar o pleito.
Veja que este modelo puro de sistema acusatório é perfeito, pois o juízo que vai
efetivamente julgar ingressa no processo de forma realmente imparcial, sem qualquer juízo
de valor pré-concebido sobre a demanda.
Em Portugal, por exemplo, o processo já se inicia com o inquérito, e atua o juiz
instrutor em todas as fases da investigação, concedendo cautelares que se fizerem
necessárias, e tudo o mais que se fizer imposto à jurisdição. O último ato para o qual o juiz
instrutor é competente é o recebimento ou rejeição da denúncia; recebida, passa o processo
à competência do juiz da causa7.
Veja que este sistema acusatório europeu é mais puro que o brasileiro porque
permite ao “juiz julgador” uma ampla isenção diante do trâmite investigativo, pois, não
tendo se envolvido de forma alguma na investigação, sua convicção não sofre
contaminação pelos atos de investigação, resguardando mormente a imparcialidade.
No Brasil, o sistema acusatório é diferente, como já se pôde notar. Por aqui, o juiz
que eventualmente atua na investigação também será julgador da causa, quando denunciado
o acusado.
Analisemos o artigo 5° do CPP:
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Outra curiosidade é o surgimento do termo parquet. Este termo, que do francês significa “assoalho”, surgiu
como uma referência um tanto jocosa sobre a posição do membro do MP nos julgamentos, pois a arquitetura
francesa não contemplava assento ao lado do juiz para o MP (pois à época inquisitorial apenas existia o juiz e
o réu), sendo este membro legado ao assoalho do salão de julgamento.
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O juiz instrutor não se confunde, absolutamente, com o parquet: são órgãos absolutamente diversos, ao
contrário do que fazem entender alguns doutrinadores brasileiros. O juiz instrutor é juiz, entidade passiva no
processo, inerte, sendo provocado pelo MP na fase investigativa.
O inciso I deste artigo estabelece que a autoridade policial pode iniciar o inquérito
de ofício. Esta previsão é absolutamente condizente com o sistema acusatório, visto que é
da incumbência do delegado justamente proceder à investigação, presidindo-a, instaurando
o processo por meio de portaria ou por auto de prisão em flagrante (ou, no JECrim, pelo
termo circunstanciado).
Ocorre que o inciso II deste artigo estabelece que tanto o MP quanto o juiz poderá
requisitar a instauração do inquérito. Quanto ao MP, nada há a criticar, pois é a ele que se
destina o produto do inquérito, ou seja, o destinatário do inquérito é o MP, a fim de
subsidiar a denúncia, se necessário. É quanto à instauração de inquérito por requisição do
juiz que se apõem críticas: a doutrina mais esclarecida – por todos, Marcellus Polastri –
entende que esta requisição do juízo é uma violação tão severa à imparcialidade que
compromete insanavelmente o sistema acusatório, pelo que não teria sido recepcionada.
Veja: o juiz, ao requisitar o inquérito, está dando início ao procedimento inquisitório
investigativo, estando claramente se imiscuindo nas atividades da polícia judiciária,
conforme o artigo 144, § 1°, IV, e § 4°, da CRFB, e nas atividades exclusivas do MP, como
prevê o artigo 129, I, d CRFB:
(...)”
Assim, quando o juiz requisita a instauração de inquérito, não está agindo como
órgão eqüidistante, mas sim como órgão de repressão estatal, comprometendo sua
imparcialidade. Mas e se o juiz o fizer, se realmente requisitar a instauração do inquérito
policial – o que é freqüente na prática –, como resguardar a integridade do sistema
acusatório?
A doutrina defende que o juiz que requisita a instauração do inquérito fica impedido
para todos os atos subseqüentes, nos termos do artigo 252, III, do CPP:
“Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo
dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um
deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida
a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts.
70, § 3o, 71, 72, § 2o, e 78, II, c).”
Assim, o mesmo juiz que comanda as cautelares será responsável pelo julgamento
do mérito, após a denúncia. O mesmo juiz que interveio na investigação é quem será
competente por prevenção. E é claro que a propensão de um juízo que vem atuando na
investigação é condenatória, pois do contrário não teria encontrado bases para concessão
das cautelares investigatórias, por exemplo. Se fosse seguido à risca o entendimento da
doutrina, sempre que houvesse uma cautelar haveria o impedimento do artigo 252, III, do
CPP – por isso o STF é tão cauteloso em declarar não recepcionado o artigo 5°, II, ou o
impedimento do artigo 252, III do CPP.
A doutrina, ao fazer estas proposições, está, de fato, tentando implementar, de lege
lata, a figura do juiz instrutor, ao modelo europeu, pois quem atuasse na investigação não
poderia atuar após a denúncia.
O STF defende a integridade do sistema dizendo que o juiz que atuou na
investigação é ainda imparcial, pois todas estas medidas cautelares foram determinadas em
uma cognição sumária, encerrando valoração precária, rebus sic stantibus, em juízo de
probabilidade, revogável, e que portanto não comprometeria a imparcialidade deste juízo.
“(...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)”
Veja: a requisição do juiz para instauração do inquérito é uma ordem. Por isso, um
primeiro entendimento, mais antigo, aponta como autoridade coatora o juiz que a proferiu,
e por isso a competência para o HC seria do TJ, na esfera estadual, e TRF, na esfera federal.
Esta orientação não prevalece mais, sendo o entendimento atual do STJ que a autoridade
coatora é de fato o delegado, e a competência é do juízo de primeira instância, estadual ou
federal. Veja porque: a instauração do inquérito é um ato administrativo, e não
jurisdicional; e neste caso, é um ato complexo, porque concorrem para a sua formação duas
manifestações de órgãos diversos, do juiz (para todos os efeitos, leia-se também MP), ao
requisitar a instauração, e da autoridade policial, o delegado, ao efetivamente instaurar. Ao
se analisar, então, a autoridade a ser eleita como impetrada, se coloca no pólo a autoridade
imediata, que, in casu, é o delegado.
E mais: se houvesse uma relação de hierarquia entre o juiz e o delegado, este não
estaria obrigado a cumprir uma ordem manifestamente ilegal como esta da instauração, em
razão da autotutela da administração publica e da legalidade. Todavia, sabe-se que não há
uma hierarquia entre autoridade judiciária e delegado, havendo mera relação funcional.
Sendo a ordem ilegal, menos ainda haveria o delegado de cumpri-la: se nem mesmo
havendo relação hierárquica havia obrigação, que dirá sem vínculo de subordinação. Por
isso, ao instaurar o inquérito, ao acatar a ordem, o delegado comungou do entendimento do
juiz, aderindo subjetivamente ao entendimento de que era devida a instauração do
inquérito9. Sendo assim, é ele o autor imediato, autoridade coatora que deve figurar no
pólo, e a competência é do juízo de primeira instância10.
Outro ponto que merece análise diz respeito ao artigo 6°, V, do CPP:
- O advogado passou a ter uma postura ativa no interrogatório: antes, o ato era
privativo do juiz, sendo dado exclusivamente a este formular e conduzir perguntas.
Hoje, o artigo 188 do CPP transformou o interrogatório judicial em uma audiência
em contraditório, onde, após as perguntas do juízo, dá-se a oportunidade às partes,
acusação e defesa, de formular questionamentos. Através das perguntas, ainda mais
clara resta a natureza de meio de defesa emprestada ao interrogatório judicial.
“Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou
algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o
entender pertinente e relevante.”
Vistas estas características, fica fácil constatar que a previsão do artigo 6°, V, do
CPP, não tem mais a aplicabilidade de outrora: não há como se buscar no modelo de
interrogatório judicial atual suprimento para as fórmulas do interrogatório pré-processual,
do inquérito. O modelo de interrogatório judicial, hoje, é bastante afeito ao sistema
acusatório, e o sistema inquisitivo do inquérito não comporta as características inovadoras
apresentadas. Por isso, o teor do artigo 6°, V, que dita que só se busca no rito do
interrogatório judicial aquilo que for aplicável – ou seja, muito pouco, hoje. Por isso,
consigne-se: o interrogatório policial segue o modelo original do interrogatório judicial, ou
seja, é ato privativo do delegado de polícia; a presença do advogado é facultativa, e a
possibilidade de que sejam admitidas perguntas por outros participantes é igualmente
facultativa.
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no
curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências
para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado
ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de
provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização
de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
A terceira corrente, capitaneada por Cláudio Fontelles, tem epicentro na ADI que
discutiu a constitucionalidade do artigo 3° da Lei 9.296/96, dispositivo que trata da
interceptação telefônica de ofício pelo juiz:
11
Como informação relevante, na esfera federal não há envio ao PGR, e sim à Câmara de Coordenação e
Revisão do MPF, cujo parecer se sujeita ao referendo do PGR. Inclusive, para o PGR atual, Cláudio Fontelles,
a atribuição é integral da Câmara de Coordenação e Revisão, sequer sendo devido seu aval (não tendo este,
portanto, a possibilidade de discordar), em prestígio ao princípio da especialidade.
Este artigo deve ser submetido a uma filtragem constitucional. Veja: se sobrevier
fato alterador da situação prevista na denúncia, mas que não sujeite a pena a acréscimo, é
bastante que se submeta a alteração à manifestação da defesa. Como exemplo, uma
denúncia por estupro qualificado depois da instrução se revela um atentado violento ao
pudor qualificado: a escala penal é a mesma, bastando que o juiz abra oportunidade à
defesa de se pronunciar sobre os fatos, podendo arrolar testemunhas em oito dias. Veja que,
aqui, não se faz mister o aditamento pelo MP, o que fará com que a sentença verse sobre
crime não detalhado pela denúncia – ferindo a adstrição, congruência, a inércia, e, quiçá a
imparcialidade.
Note que há uma correlação entre a congruência e a inércia: o juiz, inerte por
natureza, só poderá se manifestar se provocado, e somente dentro dos limites do que for
provocado. Assim, a sentença que decide fatos não postulados na denúncia fere a
congruência, a inércia e, conseqüentemente, o próprio sistema acusatório.
Já o parágrafo único deste artigo 384 do CPP estabelece que é necessário o
aditamento da denúncia quando o fato supervenientemente revelado implicar em
agravamento da pena, bem como a posterior abertura de vista à defesa, por três dias 12. Este
aditamento por fato novo demanda ampla defesa, que, como se sabe, é a síntese da defesa
técnica e da autodefesa, sendo, portanto, necessário o re-interrogatório do réu e a faculdade
de produzir provas à defesa. Mas veja que o juiz, também aqui, imiscui-se em atividade de
acusação, o que não seria próprio do sistema acusatório puro.
Caso o membro do MP não adite a denúncia, o juiz pode remeter os autos ao PGJ,
valendo-se do artigo 28 do CPP por analogia.
“Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de
violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será
realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.
(...)”
“Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos
já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de
provas:
(...)
III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e
eleitorais.
(...)”
12
A doutrina critica veementemente esta incoerência: se no caput não há agravamento da pena e o prazo da
defesa é de oito dias, nada justifica a postura legislativa do parágrafo único, que entrega apenas três dias à
defesa para se manifestar em caso em que a pena se agrava pelo novel fato revelado.
2.8. Conclusão
Casos Concretos
Questão 1
A iniciativa instrutória do juiz no processo penal (artigos 156, segunda parte, 168;
176; 181, parágrafo único; 196; 209; 234; 425; 502 parágrafo único e 538, CPP) é
compatível com o sistema acusatório, acolhido pela Constituição Federal de 1988?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
“Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de
violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será
realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.
(...)”
“Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos
já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de
provas:
(...)
III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e
eleitorais.
(...)”
Questão 3
O réu Simplício de Jesus foi denunciado junto ao V Tribunal do Júri, como incurso
nas sanções do artigo 121 c/c 14, II, ambos do Código Penal, narrando o Ministério
Público, em linhas gerais, que, no dia 09 de outubro de 2006, por volta das 20 horas, no
Morro do Alemão, o denunciado efetuou disparos de arma de fogo, com intenção de matar,
contra a vítima Pedro Vasconcelos, policial militar em diligência de repressão ao tráfico
no local, não atingindo a vítima por erro de pontaria.
Em 12 de fevereiro de 2007, o réu foi devidamente pronunciado, nos termos da
denúncia, sendo submetido à Sessão de Julgamento, na data de hoje.
Ao iniciar a sustentação oral, o Promotor de Justiça postula a desclassificação
para o delito de resistência.
A defesa, muito embora concorde com a ausência do animus necandi, alega
cerceamento de defesa, visto que sua tese é a de Negativa de Autoria, e a elementar
referente à descrição do ato legal não encontra narrativa, nem na exordial, tampouco na
decisão interlocutória da pronúncia.
Comente o caso em questão, máxime quanto ao Sistema Acusatório e aos princípios
constitucionais vigentes.
Resposta à Questão 3
Como o réu se defende de fatos, e não da capitulação jurídica, ainda que o conselho
de sentença entenda que o seu dolo era de resistência, opera-se a desclassificação,
remetendo a competência ao juiz-presidente do Tribunal do Júri, que passa a ter total
liberdade de julgamento, até porque, em verdade, o que o conselho de sentença fez foi não
reconhecer o ânimo de matar, devolvendo ao juiz-presidente a competência para sentenciar
o acusado da maneira que entender a mais adequada. Neste sentido, o artigo 492, § 1°, do
CPP, já com a nova redação, é o apoio legal:
O que uma tese defensiva poderia ponderar é que, no plenário do Júri, toda a defesa
foi dirigida ao conselho de sentença, e sobrevindo a desclassificação, não haveria
Tema IV
Notas de Aula
1. Jurisdição
1.1. Substitutividade
consensual processual. Em qualquer dos institutos mencionados, a busca pela verdade real é
deixada de lado para dar lugar ao consenso, ou seja, encerra-se a persecução criminal por
força da vontade das partes, desvanecendo a busca pela verdade em prol da solução
pacificadora do evento em litígio.
1.2. Definitividade
“(...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória;
(...)”
Ainda que este dispositivo seja interpretado restritivamente como não culpabilidade,
seria violado caso fosse a cautelar tendente à definitividade, por viger a nulla poena sine
culpa, que determina que ninguém pode sofrer pena antes de consagrada sua culpa13.
2. Juiz natural
“(...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente;
(...)”
13
Presunção de inocência e de não culpabilidade são conceitos bem diversos. Para parte da doutrina, que
entende que o princípio vigente é o da presunção de inocência, aquele que não for considerado culpado de um
crime é inocente. Ferrajoli, por exemplo, entende inadmissível qualquer prisão pré-condenação transitada em
julgado. Já para outra parcela, e aí se incluem os tribunais superiores, a não culpabilidade tem vigência, e a
presunção é de que aquele ainda não condenado é não culpado, mas não é inocente a toda prova – valendo a
prisão cautelar, portanto, quando justificada.
O juízo natural é a garantia de que ninguém será processado ou julgado senão pela
autoridade competente, sendo o juiz incumbido determinado por regras de competência,
gerais impessoais e abstratas, que pré-determinam a sua competência.
Há dois aspectos atinentes ao juiz natural que são de suma importância. O primeiro
diz respeito a que, para o STF, desde que haja regras gerais, impessoais e abstratas, fixando
a competência prevalente, ainda que sejam estas normas de fixação normas
infraconstitucionais, a prevalência da competência constitucional sobre outra constitucional
com base nestes critérios não ofende a garantia do juiz natural.
Vejamos um exemplo: um desembargador une-se a um promotor no cometimento de
um crime. Este concurso de agentes, continência, segundo o artigo 77, I, do CPP, importa
em unidade de processo e de julgamento, como dispõe o artigo 79, caput, do CPP.
Veja que o artigo 78, III, do CPP, determina que, neste caso, deve prevalecer o juízo
de maior graduação.
Ressalte-se que este julgado não foi objeto de informativo, e sequer é comentado na
doutrina, por nenhum autor. Por isso, a cisão do processo, nestes casos, é o que se entende
como tese dominante, posto que a doutrina é unânime neste sentido. Ademais, esta mesma
Segunda Turma do STF já contava com precedentes anteriores em que adotava a tese
doutrinária, pelo que a corrente doutrinária tem força, mesmo havendo este julgado
contrário.
14
Este entendimento é sumulado pelo STF, no enunciado 704: “Não viola as garantias do juiz natural, da
ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro
por prerrogativa de função de um dos denunciados.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
LINGSTONE sob o fundamento de que, na referida casa, poderia ser encontrada a arma
de fogo utilizada no homicídio doloso, assim já sabido, que fora praticado contra ALCÉIA
LÚCIA, sua sócia (art. 240, § 1º, c, do CPP).
A busca judicial foi positiva, apreendendo-se uma arma de fogo na residência de
JOÃO LINGSTONE e que se encontrava registrada no seu nome, encerrando-se as
investigações. O exame pericial de confronto balístico concluiu que o projétil retirado do
cadáver da vítima foi disparado da referida arma apreendida.
Obtido esse único indício de autoria contra o indiciado, o Promotor de Justiça da
2ª Vara Criminal da Comarca de Petrópolis reconheceu que lhe faltava atribuição para o
oferecimento da denúncia, isso por se tratar de crime de homicídio doloso, declinando-a,
então, para Promotoria de Justiça junto à 1ª Vara Criminal da mesma Comarca - Tribunal
do Júri. O Promotor de Justiça da 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri aceitou a
declinatória e denunciou JOÃO LINGSTONE, cuja inicial acusatória foi recebida, sendo
determinada a citação e designado o interrogatório do réu.
Citado, JOÃO LINGSTONE impetrou uma ordem de habeas corpus junto ao
Tribunal de Justiça alegando constrangimento ilegal, isto porque a busca e apreensão, que
gerou o isolado indício de autoria, foi determinada por juiz constitucionalmente
incompetente, e o Juiz da 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Petrópolis
não poderia valer-se da mesma para o juízo de admissibilidade da denúncia.
Posicione-se sobre a possibilidade de concessão da ordem de habeas corpus.
Resposta à Questão 3
Tema V
Notas de Aula
1. Competência
- Para Ada Pellegrini, que em quase todos os aspectos se une à tese do STF, apesar
de a hipótese retratar inexistência jurídica, o pacto de São José da Costa Rica
impede que haja novo processamento, uma segunda ação penal, pois o pacto proíbe
o bis in idem.
Absoluta
EMERJ – CP I Direito Processual Penal I
1.1. Classificações
Material Relativa
Ratione loci - territorial
Competência
Absoluta
Funcional Vertical (recursos)
Absoluta
Horizontal (Tribunal do Júri e JECrim)
“Art. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne
incompetente, declara-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-
se na forma do artigo anterior.”
A competência da Justiça Estadual é residual, sendo desta aquilo que não for da
competência da Justiça Federal. E a competência desta se encontra no artigo 109 da CRFB:
Lei Maria da Penha, Lei 11.340/07, ou competências similares ditadas por leis de organização judiciária dos
estados.
Façamos uma análise pontual, apenas das questões mais relevantes, a começar pelo
inciso IV deste artigo: os crimes políticos, que não demandam definição, aqui, se
encontram na Lei 7.170/83. O artigo 30 desta lei dispunha que:
Este artigo não foi recepcionado pela CRFB de 1988, pois a competência para todos
os crimes desta natureza é da Justiça Federal.
Neste mesmo inciso IV, o constituinte determina que é da Justiça Federal a
competência para processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de bens,
serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,
excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça
Eleitoral. Por isso, os crimes envolvendo índios, como sujeito ativo ou passivo, seriam da
Justiça Federal? O STJ entende que a competência é da Justiça Estadual, como dita a
súmula 140 do STJ:
“Súmula 140, STJ: Compete à Justiça comum Estadual processar e julgar crime em
que o indígena figure como autor ou vítima.”
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Este dispositivo pode dar a entender que sejam da competência da Justiça Federal,
por mencionar que o bem é de uso comum do povo (poder-se-ia entender que é de interesse
da União). Todavia, o entendimento pacífico é de que a competência para crimes
ambientais é da Justiça Estadual, salvo se na situação específica houver interesse da União
(como em uma reserva ambiental deste ente federativo, por exemplo).
Como visto, também aqueles crimes que envolvam interesses das entidades
autárquicas e empresas públicas da União serão da competência da Justiça Federal. Note
que o artigo não fala em sociedades de economia mista, pelo que a competência para julgar
crimes contra os Correios, por exemplo, é da Justiça Federal, mas contra o Banco do Brasil
é da Justiça Estadual.
Por fim, este dispositivo trata de excluir da competência federal todas as
contravenções penais, mesmo se praticadas diretamente contra a União. O STJ emitiu a
súmula 38, a este respeito:
Veja: o que a CRFB não pretendia é que a Justiça Federal julgasse uma
contravenção de forma isolada, mas em conexão com um crime desta competência, nada
obstaria.
O inciso V deste artigo trata dos crimes à distância, em que há pluralidade de países
envolvidos no cometimento, quer na atividade, quer no resultado. Como é cediço, aplica-se
a teoria da ubiqüidade, e o Brasil processa e julga tais crimes, mas a competência é da
Justiça Federal. Bom exemplo desta competência ocorre no tráfico internacional de drogas:
se a conduta é exportar entorpecentes, como dispõe a súmula 522 do STF:
“Súmula 522, STF: Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando, então, a
competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e
julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.”
Ocorre que esta súmula dá a entender que se o ato for de importação, a competência
é do Estado, e por isso tal previsão sumular é inconstitucional, incompatível com o artigo
109, V, da CRFB. Entretanto, a Lei 11.343/06, no artigo 70, parece ter pacificado a questão:
“Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta
Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.
Parágrafo único. Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara
federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva”
No final do inciso VI, dispõe o artigo 109 da CRFB que serão de competência da
justiça Federal, nos casos determinados por lei, os crimes contra o sistema financeiro e a
ordem econômico-financeira. A lei a que se refere este dispositivo deve expressamente
indicar a competência da Justiça Federal, não bastando apenas arrolar os delitos.
Casos Concretos
Questão 1
c) Tem incidência na hipótese o artigo 109, CPP, podendo o juiz, nesta fase do
procedimento, reconhecer de ofício sua incompetência?
d) Caso admitido o declínio de competência, uma vez o feito no juízo competente,
seriam válidos os atos instrutórios? E quanto aos atos decisórios, seriam todos
inválidos? Seria válido o recebimento da denúncia?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema VI
Competência: espécies (continuação). 1. Critério objetivo (matéria, pessoa e valor). 2. Critério funcional. 3.
Prevenção.
Notas de Aula
V - a conexão ou continência;
VI - a prevenção;
VII - a prerrogativa de função.”
Vejamos um a um.
Quando a ação e a consumação e dão no mesmo local, não há problema nesta regra;
a situação se complica, porém, quando se trata de crime material em que a atividade se
passa em uma comarca, mas o resultado em outra.
Veja o exemplo de um homicídio plurilocal: a conduta do ataque se dá em uma
comarca, e a morte se dá em outra. A regra do artigo 70 do CPP traz a competência para o
local do resultado, que é onde se consumou o crime, mas há dois entendimentos sobre a
fixação desta competência.
A primeira corrente, seguida por Polastri e Weber Martins, entende que a
competência deve ser determinada pelo local da ação, seguindo-se a teoria da atividade,
pois é neste local que se encontram as pessoas afetadas diretamente pelo crime, e é ali que
se concentram os indícios e provas do delito – é lá que se encontram as testemunhas, por
exemplo –, sem contar que a gravidade das lesões não pode ser critério determinante de
competência (pois, fossem leves, ali seriam perseguidas, sem qualquer dúvida). Para esta
corrente, então, não se aplica o artigo 70 do CPP, e sim os artigos 4° e 6° do CP, que
apresentam, respectivamente, o tempo do crime e a teoria da ubiqüidade.
A segunda corrente, do STJ e de Fernando Tourinho, defende que a competência é
do juízo do local da consumação, seguindo-se à risca o artigo 70 do CPP, que é claro.
Segundo eles, não se pode aplicar o artigo 4° do CP, que trata do tempo do crime, tampouco
o artigo 6°, que trata de competência internacional – ambos os temas sem relação com a
competência territorial interna17.
17
Quando o legislador estabeleceu este critério de competência em razão da consumação do crime, e não pela
conduta, partiu de dois critérios: o critério processual, pois é no local da consumação que se encontram os
vestígios, as testemunhas, e tudo o mais necessário à solução do crime; e o critério social, pois no local da
consumação é que normalmente a vítima é conhecida, e o Estado deve se preocupar em demonstrar aos
demais membros daquele grupo social que o crime não restou impune. Entretanto, decorridos hoje mais de
sessenta anos desde a redação do CPP, a situação fática modificou-se: ao redor das grandes metrópoles
A Lei 9.099/95 estabelece, no artigo 63, que a competência territorial se guia pelo
local da conduta. Assim, ao contrário do artigo 70 do CPP, e da orientação do STJ, nas
infrações de menor potencial ofensivo, esta é a regra:
“Art. 63. A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi
praticada a infração penal.”
Aqui cabe uma questão: existiria foro de eleição em processo penal? O artigo 73 do
CPP é exatamente o caso:
“Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro
de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.”
Assim, se existe a opção por um foro diverso, é porque há liberdade para a eleição,
havendo de ser reconhecida aqui uma hipótese de foro eletivo.
surgiram cidades-satélite, altamente violentas e sem estrutura médica satisfatória, lugares estes onde inúmeras
vezes ocorre a conduta criminosa contra a vida, mas as vítimas são transportadas para os hospitais das
metrópoles próximas, onde vêm a óbito. Nestes casos, como os vestígios, as testemunhas e os conhecidos e
familiares das vítimas encontram-se na comarca da conduta, e não na comarca da consumação, a
jurisprudência tem admitido que o processo se desenvolva na competência do local da conduta, decidindo de
forma contrária ao texto do artigo 70, para premiar a celeridade e a eficiência processual – e mesmo a própria
mens legis do dispositivo –, evitando o excesso de cartas precatórias e a conseqüente morosidade e
ineficiência judiciária.
- Para a tese defensiva geral, há apenas um genocídio, pois este crime pressupõe, em
natureza, a pluralidade de vítimas, além do que a Lei 2.889/56 é especial, se
comparada ao CP. O problema é que esta tese torna desproporcional a pena
aplicada, que corresponderá à de um mero homicídio. A competência é da Justiça
Federal, também neste caso.
contraponto, poderia ser entendida a competência do Tribunal do Júri Federal por conta de outro aspecto, qual
seja, o interesse da União em apurar tais mortes, fundamentando-se esta competência no artigo 109, IV, da
CRFB. O STF, todavia, no julgado transcrito (informativo 434), deixou claro que o Júri é Federal.
- O primeiro posicionamento defende que a lesão corporal foi o meio para a prática
do abuso, sendo por este absorvida. A crítica a este raciocínio é que a pena de
qualquer lesão corporal é maior que a pena do abuso, e por isso o crime mais brando
não poderia absorver o mais severo. Esta é a tese prevalente na jurisprudência e
doutrina.
Sendo apenas abuso o crime, a competência é da Justiça Estadual, pois este
não é crime militar. Assim expressa a súmula 172 do STJ:
“Súmula 172, STJ: Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime
de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”
“Súmula 90, STJ: Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial
militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum
simultâneo àquele.”
“Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.”
O artigo 69, VII, do CPP, estabelece que este foro é determinante da competência,
quando existente.
As normas de foro por prerrogativa de função foram criadas porque o legislador
levou em conta a relevância de determinados cargos ou funções públicas. Somente a CRFB
pode criar foro por prerrogativa de função, em regra, pois é sempre uma mitigação ao
O foro por prerrogativa de função dos prefeitos municipais, por exemplo, está na
CRFB, no artigo 29, X:
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara
Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;
(...)”
Note-se que, todavia, a natureza do crime cometido pelo prefeito deverá ser
observada. A súmula 702 do STF é relevante:
“Súmula 209, STJ: Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por
desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.”
Se esta verba, outrossim, estiver sujeita à prestação de contas perante órgão federal,
a competência é da Justiça Federal, TRF, conforme súmula 208 do STJ:
“Súmula 208, STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal
por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.”
aqueles que se demonstram infrações penais punidas com pena privativa de liberdade
previstos no artigo 1° do DL 201/67, cuja competência para processo e julgamento é do
Tribunal de Justiça do respectivo Estado.
Os procuradores de justiça são julgados também no TJ, pela plana leitura do artigo
96, III, da CRFB.
Há, de fato, três entendimentos sobre o tema. Mirabete entende que a súmula 721 se
aplica de forma límpida, e o deputado será julgado no Júri, pois é exatamente o caso dali: o
foro por prerrogativa, mesmo que por simetria, vem apenas na Constituição do Estado, e
por isso não prevalece sobre o Júri.
Já Polastri defende que não faz sentido se estabelecer tratamento diferenciado entre
deputado estadual e federal. Assim, para que não haja ofensa à isonomia, ambos deverão
ser julgados pelos respectivos Tribunais, pelos respectivos foros por prerrogativa –
simplesmente desconsiderando a súmula 721 do STF.
O STF, no entanto, aduz uma terceira interpretação. Ao julgar duas ADIs, uma do
Maranhão e uma de Goiás, as quais questionavam foros por prerrogativa, uma para
defensor público e procuradores do Estado, e outra para delegados, entendeu correta a
norma que criava prerrogativa para defensores e procuradores, mesmo sem simetria, mas
entendeu que para o delegado não era possível, pois é cargo fiscalizado pelo MP.
Assim, quando entende possível, para os agentes que tiveram o foro por
prerrogativa criado assimetricamente, se porventura houver a prática de crime doloso
contra a vida, aplica-se a súmula 721 do STF, em seus termos. Já para aqueles que tiverem
a prerrogativa criada por simetria, como o deputado estadual, não se aplica a súmula 721
do STF – o deputado será julgado pelo foro por prerrogativa de função.
As correntes de Polastri e do STF tendem a ser aplicadas, mesmo estando longe de
ser pacífica a questão.
1.5. Prevenção
“Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo
dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um
deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida
a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts.
70, § 3o, 71, 72, § 2o, e 78, II, c).”
É claro que para se alcançar esta regra de fixação da competência, é necessário que
os juízos sejam igualmente competentes. Por isso, nunca haverá prevenção entre juízo
estadual e federal, por exemplo (a não ser nas hipóteses excepcionais em que os juizes
estaduais atuam como federais, por não haver Justiça Federal instalada – mas aí é
competência fixada pela competência federal).
A conseqüência da inobservância da regra de prevenção, segundo a súmula 706 do
STF, é a nulidade relativa:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Como a medida foi emergencial, não foi observada a distribuição para o feito, pelo
que não se deve interpretar como havida a prevenção. Por isso, o promotor da 25° Vara
Criminal deve entender que não há prevenção, e portanto suscitar o conflito negativo com a
3ª Vara Criminal..
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema VII
Notas de Aula
1. Conexão e continência
1.1. Conexão
Há, portanto, três causas de conexão, uma em cada inciso deste artigo 76. Vejamos
uma a uma.
“Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem
ou qualificam o crime:
(...)
II - ter o agente cometido o crime:
(...)
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem
de outro crime;
(...)”
O inciso III do artigo 76 do CPP trata da conexão que é induzida quando a prova de
um crime for necessária, for pressuposto à prova de outro crime. Como exemplo, a prova
do roubo de um veículo é pressuposto da prova da receptação deste veículo, pois se restar
comprovado que não houve roubo, não há como se configurar a receptação.
1.2. Continência
“Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente,
ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde
como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º
do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente
pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”
“Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na
execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde
por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado
pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”
Destarte, no caso de concurso formal, do artigo 70, em que há uma ação com dois
ou mais crimes, todos os crimes serão julgados em um só juízo, pois se trata de continência.
Por exemplo, dois homicídios dolosos praticados com um só disparo de arma de fogo: em
regra, seria necessária a livre distribuição para cada homicídio, podendo serem julgados
separadamente por dois Tribunais do Júri, mas como é hipótese de continência, são
processados e julgados em conjunto.
Havendo erro na execução, aberratio ictus, se há a hipótese da parte final do artigo
73 do CP, em que um segundo crime não almejado for cometido, não há distribuição de
cada um em separado: há continência. Como exemplo, um disparo de escopeta que
intentava matar uma pessoa, realiza o intento original, mas também, colateralmente, mata
uma segunda pessoa, culposamente: seguindo as regras de competência, a primeira morte
seria julgada no Júri, e a segunda na vara criminal, mas como é caso de continência, todos
os resultados, o doloso e o culposo, serão julgados no Júri.
Havendo resultado diverso do pretendido, aberratio criminis, havendo a dualidade
de resultado como determina a parte final do artigo 74 do CP, também há continência. Veja:
o resultado diverso do pretendido assemelha-se ao erro na execução, mas se trata de erro
pessoa-patrimônio, enquanto na aberratio ictus o erro é pessoa-pessoa. Neste caso, se há
tanto o crime almejado, pessoal, quanto o crime patrimonial indesejado (ou vice-versa), há
a continência: ambos serão julgados pelo mesmo juízo. Como exemplo, agente almejando
praticar crime de dano, arremessa pedra que, por erro, além de quebrar o bem alvejado,
acerta pessoa, a qual morre. Seria caso de livre distribuição, tanto para a morte culposa
quanto para o dano doloso, mas a continência impõe distribuição conjunta dos dois para
uma só vara criminal. É, na verdade, mais uma hipótese de concurso formal, só que de
pessoa para patrimônio.
Todas as hipóteses do inciso II do artigo 77 são de continência objetiva, pois há um
só agente e mais de um crime, enquanto no inciso I, como visto, a continência é subjetiva,
pois há pluralidade de agentes.
Como se pode deduzir, há sempre mais de um juízo que seriam competentes para os
crimes, se não houvesse conexão ou continência. Havendo estas causas modificativas da
competência, uma delas falecerá em prol da outra: um dos juízos deverá prevalecer. E são
estas regras de definição do juízo prevalente que serão vistas agora.
O artigo 78 do CPP traça as regras:
“Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão
observadas as seguintes regras:
I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição
comum, prevalecerá a competência do júri;
II - no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se
as respectivas penas forem de igual gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;
III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior
graduação;
IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.”
No inciso I, este artigo determina que a competência do Júri prevalece sobre o juízo
comum. Surgem algumas questões peculiares a serem enfrentadas: e se a conexão ou
continência for entre um crime doloso contra a vida e uma infração de menor potencial
ofensivo, prevalece o Júri ou o JECrim?
A Lei 9.099/95 foi alterada em 2006, pela Lei 11.313, que pôs fim à controvérsia
nesta hipótese, pela nova redação dada ao seu artigo 60:
“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e
leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das
“Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo
dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um
deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida
a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts.
70, § 3o, 71, 72, § 2o, e 78, II, c).”
“Súmula 740, STF: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do
devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu
ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
O artigo 78, IV, do CPP, estabelece que prevalece a justiça especializada, quando o
concurso de competências ocorre entre esta e a comum. Por exemplo, se há crime eleitoral
em concurso com crime comum, prevalece a Justiça Eleitoral.
Se há conexão entre crime de competência da Justiça Federal e outro da
competência da Justiça Estadual, qual prevalecerá? Veja que ambas são integrantes da
justiça comum, pelo que a especialidade não seria critério hábil. Todavia, o STF entende
que a Federal, mesmo integrando a justiça comum, é um tanto mais especializada do que a
Estadual, motivo que a torna prevalente sobre esta: a Justiça Estadual é residual, como dita
a súmula 122 do STJ.
Tourinho, novamente, sustenta que esta posição é incorreta: entende que a súmula
122 do STJ cria situação inconstitucional. A sua premissa é que, sendo justiças integrantes
da justiça comum, não pode haver prevalência, devendo ser separados os processos. Apesar
de minoritário, Tourinho encontra um forte argumento: há projeto de novo CPP em
Havendo a reunião de processos, pode haver a seguinte situação: aquele juízo que
atraiu a competência que não seria originalmente sua, porque ali corre a vis atractiva – por
exemplo, o crime da Justiça Federal que atraiu o crime da Estadual –, pode acabar
absolvendo o agente do crime que exerceu a atração.
Veja que, neste caso, o motivo que fez com que o crime de outra competência viesse
para aquela, ali se concentrasse, deixou de existir. Por isso, a normalidade seria que o crime
atraído, cessando o motivo de sua atração, fosse enviado de volta ao juízo originalmente
competente. No exemplo, o crime da Justiça Estadual a esta retornaria, quando o crime da
Justiça Federal, vis atractiva, culminasse em absolvição.
Contudo, esta não é a regra: o juízo prevalente, que atraiu o crime conexo de
alhures, mesmo absolvendo o crime que serviu para a trair o conexo, vai continuar
competente para julgar o crime atraído, singularmente. Esta é a regra da perpetuação da
jurisdição, perpetuatio jurisdictionis.
O artigo 81 do CPP é a sede deste princípio:
“Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda
que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir
sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua
na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.
Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por conexão ou
continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver
o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao
juízo competente.”
“Súmula 224, STJ: Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz
Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não
suscitar conflito.”
“Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos
diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que
corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva.
Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de
soma ou de unificação das penas.”
Veja que se já houver sentença definitiva, não haverá reunião do processo, pois o
escopo da reunião é justamente evitar sentenças contraditórias, e se já há sentença, a
reunião perde o propósito. A súmula 235 do STJ assim determina:
“Súmula 235, STJ: A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles
já foi julgado.”
Veja que basta a sentença de primeira instância, sequer sendo exigido o seu trânsito
em julgado. Todavia, há que se fazer uma ressalva: havendo sentença, mas vindo esta a ser
anulada (não reformada, mas anulada) pela instância recursal, será o processo retomado do
momento anterior à sentença; sendo assim, considera-se que neste momento não há
sentença, e pode haver a avocação pelo juízo prevalente (ou declínio pelo processante,
como se verá a seguir).
Da mesma forma, se o juiz que processa um feito toma conhecimento que este é
conexo a um outro, e que a reunião deve ser feita no outro juízo, ou seja, que ele não é o
prevalente, deverá remeter de ofício os autos para serem reunidos no juízo que tem a
verdadeira competência. Assim determina o artigo 109, usque 108, do CPP:
“Art. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne
incompetente, declara-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-
se na forma do artigo anterior.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) Conexão objetiva teleológica, do artigo 76, II, do CPP, em que o agente comete
outro delito a fim de assegurar vantagem ou impunidade sobre o crime já
cometido inicialmente. O crime de ameaça, que seria do JECrim, será reunido
no juízo do crime comum, competente para o furto qualificado cometido, mas
ainda será passível, a ameaça, da transação penal ou da composição dos danos,
como determina o artigo 60 da Lei 9.099/95.
Questão 2
Pedro, Caio, João e José, formam uma quadrilha especializada em furtos e roubos
de automóveis importados. Os membros desta quadrilha cometem crime de roubo,
mediante grave ameaça com emprego de arma de fogo, na Comarca da Capital e em razão
deste fato são denunciados junto a 23ª Vara Criminal, tendo sido recebida a denúncia.
Posteriormente são denunciados no Juízo Único da Comarca de Silva Jardim, por
formação de quadrilha e, após o recebimento da denúncia, são devidamente interrogados.
Neste momento o juiz toma conhecimento do processo que tramita na Capital.
Pergunta-se:
a) É caso de conexão?
b) Caso o juiz de Silva Jardim entenda que, em razão da conexão, competente é o
juiz da Capital, como deverá proceder?
Resposta à Questão 2
a) Sim. Trata-se da conexão intersubjetiva por concurso, uma das formas previstas
no artigo 76, I, do CPP, em que os agentes cometem crimes com unidade de
desígnios. Além disso, há também a conexão probatória, do artigo 76, III, do
CPP, pois da prova do roubo depende a própria elementar do crime de formação
de quadrilha.
b) O juiz prevalente é, de fato, o da Capital, pois ali se cometeu o crime mais grave
(artigo 78, II, “a”, CPP). Destarte, o juiz de Silva Jardim deverá declinar da sua
competência de ofício, na forma do artigo 109 do CPP, remetendo os autos no
estado para que o juízo da Capital dê processamento e julgamento uno aos
delitos.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema VIII
Notas de Aula
1. Disjunção processual
“Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir
advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo
o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for
o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
§ 1o As provas antecipadas serão produzidas na presença do Ministério público e
do defensor dativo.
§ 2o Comparecendo o acusado, ter-se-á por citado pessoalmente, prosseguindo o
processo em seus ulteriores atos.”
A suspensão do processo em relação a um dos co-réus, por vezes, não pode fazer
com que o processo se suspenda em relação ao outro, e esta circunstância, de um processo
suspenso e outro em prosseguimento, impõe a disjunção do processo. Para que esta
suspensão ocorra, no entanto, é necessário o preenchimento de três requisitos cumulativos e
subseqüentes, depreendidos do próprio teor deste artigo: que a citação seja por edital; que,
citado por edital, o réu não tenha comparecido; e que, citado por edital e ausente do
processo, o réu não tenha nomeado advogado. Somente havendo estes três elementos, pode
haver a suspensão do processo, por presunção de que o réu não teve ciência do feito (mas,
ao mesmo tempo, suspende-se a prescrição, porque senão haveria impunidade).
Suponha-se que um co-réu esteja nesta situação, e, simultaneamente, outro co-réu
esteja preso. O prosseguimento do processo para este preso é imperativo, mesmo havendo a
suspensão para o co-réu que teve o processo suspenso.
A última situação em que a disjunção é obrigatória trata-se da suspensão
condicional do processo, o sursis processual, presente no artigo 89 da Lei 9.099/95:
“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um
ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia,
poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o
acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,
presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena
(art. 77 do Código Penal).
(...)”
São quatro os requisitos para que haja o sursis processual: infração penal cuja pena
mínima não seja superior a um ano; não haja processo em curso por nenhum outro crime;
não haja condenação por nenhum outro delito; e que estejam preenchidos todos os
requisitos da suspensão condicional da pena, o sursis penal, do artigo 77 do CP19.
Havendo, junto com o oferecimento da denúncia, a proposição da suspensão do
processo para um dos co-réus, porque há o preenchimento das condições para tanto, mas
para o outro co-réu não há, os processos serão desmembrados: correrá em separado o
processo que não foi suspenso, e o que foi ficará sobrestado pelo período de provas, até a
extinção da punibilidade ou a revogação da suspensão.
“Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem
sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo
excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por
outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.”
Veja que são três as hipóteses de disjunção facultativa: quando um dos co-réus
estiver preso, mas não o outro, poderá haver a separação; quando a pluralidade de réus for
excessiva, prejudicial ao desenvolvimento hábil do processo; ou quando as infrações forem
praticadas em circunstâncias diversas. O dispositivo em comento, porém, ainda abre
margem à discricionariedade do juiz, que poderá separar o processo sempre que entender
que é conveniente a disjunção.
19
Havendo a suspensão, e cumprido o período de provas (dois a quatro anos), há a extinção da punibilidade
daquele réu. O período de provas consiste no prazo em que se impõe o cumprimento das condições
estabelecidas pelo § 1° deste artigo 89 da Lei 9.099/95.
“Art. 364. No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes
forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito,
aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal.”
A competência é clara quanto aos crimes conexos aos eleitorais, então, incluindo-se
aí o homicídio. Ocorre que a competência para os crimes dolosos contra a vida, do Júri, é
constitucionalmente traçada. Daí surge a controvérsia sobre a prevalência.
Tourinho defende que o artigo 364 do CE apenas regulamenta uma competência que
é dada pela CRFB, o que gera um aparente conflito entre duas competências
constitucionais. Sendo assim, sendo da mesma categoria, resolve-se pelo princípio da
especialidade, e sendo a Justiça Eleitoral especializada, esta prevalece sobre o Júri.
Sua posição é minoritária, contudo, pois a competência do Júri é traçada unicamente
na CRFB, e a da Justiça Eleitoral tem tratamento em LC, não sendo admitida a
regulamentação trazida em uma LC derrogar competência exclusivamente constitucional.
Esta é a posição majoritária, de Pacelli, Polastri e STF, por exemplo: a LC que determina a
competência eleitoral para julgar os conexos não tem o condão de versar contrariamente ao
artigo 5°, XXXVIII, da CRFB – não pode uma norma infraconstitucional que regulamenta
uma norma constitucional derrogar uma outra norma exclusivamente constitucional.
“(...)
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
(....)”
Por isso, a separação dos processos é imperativa, para esta corrente majoritária: o
crime eleitoral vai ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, e o crime doloso contra a
vida será julgado no Tribunal do Júri.
“Súmula 740, STF: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do
devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu
ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
Exemplo recente foi o dos defensores públicos estaduais do Rio de Janeiro: mesmo
que os defensores públicos da União não tenham esta prerrogativa, nada impede que a
Constituição Estadual atribua tal privilégio aos estaduais, mas este foro não prevalecerá
sobre a competência constitucional do Tribunal do Júri, como dita a súmula acima.
Exemplo em que a dinâmica é oposta, é o dos deputados estaduais: estes têm foro
privilegiado traçado na Constituição Estadual, mas em simetria e por força de comando da
CRFB, emitido no seu artigo 27, § 1°:
Assim, a CRFB equipara-os aos deputados federais, e por isso esta exegese está em
consonância com a súmula 721: a competência do foro prerrogativado prevalece, pois não é
exclusivamente trazida pela Constituição Estadual.
2.3. Conexão ou continência entre crime do Júri e infração de menor potencial ofensivo
Esta discussão teve peso antes da alteração promovida pela Lei 11.313/06, como já
se abordou. A Lei 9.099/95 foi alterada em 2006 por esta lei, a qual deu nova redação ao
artigo 60:
“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e
leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das
infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e
continência.
Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do
júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão
os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”
2.4. Conexão ou continência entre infração de menor potencial ofensivo e foro privilegiado
2.5. Conexão ou continência entre infração de menor potencial ofensivo e crime militar
Suponha-se que haja três co-réus julgados em um só juízo, por conexão. Os três são
condenados. Em sede recursal, apenas um deles apela, e consegue reverter a sua
condenação: esta absolvição recursal alcançará os demais?
O artigo 580 do CPP trata do assunto:
“Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do
recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de
caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.”
“Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda
que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir
sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua
na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.
Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por conexão ou
continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver
o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao
juízo competente.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
do STF, haverá a disjunção processual, e cada crime correrá na sua respectiva competência
– crime eleitoral na Justiça Eleitoral, e homicídio no Tribunal do Júri.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Notas de Aula
1. Investigação criminal
2. Inquérito policial
2.1.1. Autoritariedade
2.1.2. Oficiosidade
O inquérito deve ser instaurado de ofício pelo delegado, não havendo inércia na fase
investigativa. Não é necessário que haja provocação da autoridade policial para instaurar o
inquérito; ao contrário, é uma incumbência oficiosa instaurar a investigação.
O artigo 5°, I, do CPP, assim determina:
2.1.3. Auto-executoriedade
O termo “deverá”, do caput deste artigo, identifica que mais do que um poder, é um
dever do delegado conduzir oficiosa e corretamente as investigações.
Há atos investigatórios que, ao contrário, excepcionalmente, não são auto-
executáveis, dependendo de autorização judicial para serem realizados. Tais atos são todos
aqueles que possam, de alguma forma, violar direitos constitucionais dos investigados.
Como exemplo, a quebra do sigilo bancário ou telefônico.
2.1.4. Documentariedade
2.1.5. Indisponibilidade
A autoridade policial é quem preside o inquérito, mas mesmo assim não tem
disponibilidade sobre este: o delegado não pode arquivar o inquérito. Assim determina o
artigo 17 do CPP:
“Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.”
2.1.6. Inquisitoriedade
Veja que, como dito, não há interferência obrigatória dos supostos interessados no
inquérito: o ofendido e o indiciado podem requerer ingerência, por meio de diligências,
mas se o delegado entender por bem em não realizar tais providências requeridas, nada o
impele a fazê-lo, pois como ato unilateral, o inquérito não garante ampla defesa ou
contraditório. Este amplo domínio do delegado ilustra bem a natureza inquisitiva do
inquérito.
Apesar de ser pacificamente aceita a natureza inquisitorial do inquérito, é cediço
que há traços de defesa, resquícios de defesa no curso do inquérito, mas que não são hábeis
a desnaturar o caráter inquisitivo do inquérito. Como exemplo, o direito ao silêncio, trazido
pelo artigo 5°, LXIII, da CRFB, é detido pelo indiciado no interrogatório em sede policial:
“(...)
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
(...)”
“(...)
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele
indicada;
(...)”
A doutrina aponta ainda uma exceção expressa, um inquérito que admite ampla
defesa e contraditório à plenitude: o inquérito da polícia federal que visa à expulsão do
estrangeiro. Neste procedimento, previsto no Estatuto do Estrangeiro, Lei 6.815/80, é
garantida ao estrangeiro a possibilidade de defesa e contraditório:
“Art. 71. Nos casos de infração contra a segurança nacional, a ordem política ou
social e a economia popular, assim como nos casos de comércio, posse ou
facilitação de uso indevido de substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica, ou de desrespeito à proibição especialmente
prevista em lei para estrangeiro, o inquérito será sumário e não excederá o prazo de
quinze dias, dentro do qual fica assegurado ao expulsando o direito de defesa.”
Na verdade, há quem sustente que não seria, a rigor, uma exceção, porque
tecnicamente este procedimento não é um inquérito: trata-se de um procedimento
administrativo com escopo punitivo, que não investiga crime, mas sim um ato passível de
expulsão – punição aplicada já ao final do procedimento, sem propositura ulterior de ação
penal.
2.1.7. Sigilo
Assim, a regra é que os autos do inquérito sejam inacessíveis a todos, mas há três
exceções: o MP, como destinatário do inquérito, tem clara liberdade de acesso ao inquérito;
o magistrado também pode perscrutar os autos do inquérito; e o advogado da vítima ou do
indiciado também conta com acesso ao inquérito, como dispõe o artigo 7°, XIII, ou XV, da
Lei 8.906/94, o Estatuto da OAB:
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Tanto no flagrante impróprio como no presumido, o prazo maior que se tem notícia na jurisprudência, para
configurar a situação flagrancial, é de treze horas, prazo admitido no RHC 1798, do STJ.
“Art. 1º Nos crimes de ação penal pública, o Ministério Público terá o prazo de 15
(quinze) dias para oferecer denúncia ou pedir arquivamento do inquérito ou das
peças informativas.
§ 1º Diligências complementares poderão ser deferidas pelo relator, com
interrupção do prazo deste artigo.
§ 2º Se o indiciado estiver preso:
a) o prazo para oferecimento da denúncia será de 5 (cinco) dias;
b) as diligências complementares não interromperão o prazo, salvo se o relator, ao
deferi-las, determinar o relaxamento da prisão.”
A exceção ocorre no MP: o promotor que for réu, tendo como foro privilegiado o
TJ, seguindo-se a regra, seria investigado pelo desembargador relator, mas,
excepcionalmente, é investigado pelo Procurador-Geral de Justiça. Esta previsão vem na
Lei Orgânica do MP, Lei 8.625/93, no artigo 41, parágrafo único:
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Paulo Rangel, isoladamente, defende a inconstitucionalidade deste dispositivo, pois é o relator que investiga
quem fará a condução inicial do processo, relatando-o – o que violaria a imparcialidade.
A prova do inquérito tem valor relativo, e por isso não pode embasar, sozinha, uma
sentença condenatória. Assim, o valor probatório do inquérito é meramente relativo,
servindo-se apenas para amealhar justa causa para a denúncia.
Assim o é pela natureza inquisitiva do inquérito: uma prova obtida sem ampla
defesa e contraditório não pode ter valor absoluto, e por isso serve apenas como informação
para a eventual denúncia.
A conseqüência da relatividade da prova do inquérito é a necessidade de sua
reprodução em juízo. Do contrário, não haverá subsídios para a condenação, pois somente
em juízo será produzida esta prova com atenção às garantias constitucionais processuais, e
não de forma unilateral, como no inquérito.
Há exceção em que a prova produzida no curso do inquérito será válida no
processo, com teor absoluto: trata-se da prova pré-constituída, ou prova definitiva, ou ainda
prova irrepetível. Por conceito, é a prova produzida no inquérito, mas que não precisa ser
reproduzida em juízo.
A lógica que autoriza a prova definitiva é que esta é uma prova de caráter científico,
cuja repetição não é capaz de alterar seu resultado. O exemplo mais claro é o do exame de
DNA: se realizado no curso do inquérito, este exame não será repetido no curso da ação,
porque o resultado será o mesmo. As provas periciais, em regra, são pré-constituídas.
Veja que não se questiona a possível alteração do resultado científico da prova, mas
sim a possível má condução da sua colheita: se a formalidade na perícia, por exemplo, for
inobservada, a prova poderá ser repetida em juízo, não porque não tinha valor absoluto,
como prova pré-constituída, mas sim porque eventual erro na produção a viciou.
A prova irrepetivel não se confunde com a prova antecipada: esta é produzida numa
ação cautelar de produção antecipada de prova, e é possível sempre que a prova se
encontre na iminência de perecer, e ser impossível sua produção na época própria. Como
exemplo, a colheita de uma testemunha que está em vias de óbito. Como esta prova se trata
de uma prova produzida em juízo – a cautelar é judicial, por óbvio, contando com todas as
garantias processuais da ampla defesa e do contraditório –, tem plena aplicabilidade no
processo, quando realizada a futura denúncia. Especificamente no caso da testemunha, está
prevista no artigo 225 do CPP:
O inquérito não tem um rito formal: não há ordem de atos a ser seguida, não há
seqüência cronológica de atos estabelecida pela lei. O delegado, como presidente do
inquérito, é quem tem a atribuição para designar quais serão os atos produzidos, a qual
tempo o serão, e em qual ordem. Decidirá, a seu critério, qual é a conveniência das
diligências.
A lei apenas exemplifica quais serão os atos investigatórios que a autoridade policial
deverá realizar, consignando-os no artigo 6° do CPP, mas é rol exemplificativo:
“Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453,
sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao
pagamento das custas da diligência.”
“(...)
Este artigo terceiro apresenta tantas exceções que parece tornar regra a identificação
criminal.
2.6. Indiciamento
“(...)
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
(...)”
O indiciado menor, no CPP, consta como pessoa entre dezoito e vinte e um anos,
como demonstra o artigo 15. Se for menor de dezoito anos, sequer pode ser indiciado, pois
é civilmente menor, não cometendo crime, mas sim ato infracional. Veja:
“Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade
policial.”
“Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
(...)”
- A segunda corrente, por sua vez, também entende revogado o artigo 15 do CPP,
mas não por conta do CC: esta revogação pelo CC seria uma analogia in malam
partem, vedada, pois retiraria uma garantia do indiciado. Sendo assim, não seria
admissível. Assim, esta corrente entende que a revogação pela Lei 10.792/03,
fazendo o seguinte raciocínio: o artigo 15 exige curador no inquérito, e este artigo é
igual ao 194 do CPP, que exigia o curador no processo. Veja:
Ocorre que este artigo 194 foi expressamente revogado pela Lei 10.792/03;
se no processo, em que vigem todas as garantias constitucionais, o curador foi
dispensado, nada há que dê coerência à existência de curador na fase do inquérito,
eminentemente inquisitorial – estando revogado implicitamente pela Lei 10.792/03.
Esta corrente é de Pacelli e Capez, entre outros.
Destarte, o que esta lei fez foi dispensar o curador porque garantiu ao réu a
presença do defensor, sendo que esta presença não era obrigatória antes: o
interrogatório judicial era ato privativo do juiz.
Ocorre que, no inquérito, a presença do defensor não é obrigatória, mas sim
facultativa. Por isso, a lei não revogou expressamente o artigo 15, tampouco
implicitamente: se não há defensor presente, é necessária a presença do curador –
restando em vigor o artigo, portanto, aplicando-se ao caso em que o indiciado
menor não nomear defensor.
Este ato é uma criação jurisprudencial, não sendo encontrado na lei, mas sendo
pacificamente admitido. O trancamento consiste na paralisação judicial do inquérito, em
razão da ausência de justa causa.
O trancamento pode ser subjetivo ou objetivo. O trancamento subjetivo é aquele em
que se dá a paralisação do inquérito em relação a um dos investigados: se for identificada a
ausência de justa causa contra um dos indiciados, a investigação contra ele é obstada. O
trancamento objetivo, por sua vez, é a paralisação das investigações de um dos crimes, por
ser notada a ausência de qualquer fundamento da sua materialidade, indicando a sua
inexistência.
Havendo pluralidade de crimes investigados, ou de suspeitos, o trancamento contra
um só deles não impede o prosseguimento do inquérito quanto aos demais, crimes ou
indiciados.
O STF tem um julgado bastante elucidativo sobre o tema, no HC 87.654, em que
não concedeu o trancamento:
“CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA (Lei 8.176/91). INQUÉRITO
POLICIAL INSTAURADO COM BASE EM APREENSÃO ILÍCITA DE
DOCUMENTOS. TRANCAMENTO PRETENDIDO. 1. Eventual vício na
primeira apreensão, que foi desconstituída judicialmente, não contamina a segunda
apreensão, que foi precedida de prévia autorização judicial. Discutível, ademais,
cogitar-se de apreensão ilícita, uma vez que a comunicação de possível crime ao
Ministério Público não configura afronta ao sigilo fiscal (CTN, art. 198, § 3º, I ). 2.
Habeas corpus indeferido.”
disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
(Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963).”
A CRFB veda a incomunicabilidade, no artigo 5°, LXII e LXIII, motivo pelo qual é
cediço que este artigo não foi recepcionado no novel ordenamento jurídico.
“Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido
preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta
hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30
dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
§ 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará
autos ao juiz competente.
§ 2o No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido
inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.
§ 3o Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a
autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores
diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.”
Os prazos dali constantes são para que se remeta o inquérito ao MP. O artigo 16 do
CPP estabelece, porém, que se o parquet entender por bem, poderá comandar novas
diligências à autoridade policial, mesmo após o termo do inquérito, estando claro que o MP
não fica vinculado à opinião da autoridade policial sobre a conclusão do inquérito.
22
Este artigo teve sua razão de ser, quando o MP não tinha autonomia administrativa capaz de possibilitar o
seu bom desempenho no processamento do inquérito – quando então a máquina do Judiciário servia para
ajudar o MP nesta tarefa.
Veja, então, que o prazo pode alcançar até cento e oitenta dias, se duplicado, sendo
prazo bastante dilatado, portanto.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Havendo a absoluta ausência de justa causa contra Marcos, pois a mera suspeita
pessoal do delegado não configura um mínimo indiciário apto a instaurar inquérito contra
Marcos, há que se proceder ao trancamento subjetivo, sem interromper a continuidade do
inquérito, porém, quanto ao crime. Impetrando-se um HC, o efeito seria justamente o
trancamento subjetivo pretendido, impedindo apenas o prosseguimento das investigações
contra Marcos.
Questão 2
Rafael Junqueira, atuando sob o domínio de violenta emoção, que teria sido
provocado por comportamento estranho de sua amásia, fez contra a mesma seis disparos
de revólver, causando-lhe ferimentos e a conseqüente morte. Minutos após, adentra a DP
circunscricional e se entrega à autoridade policial, dizendo-se arrependido e querendo
pagar pelo que fez. Que providência legal poderá adotar a autoridade policial?
Fundamente a resposta em lei, doutrina e jurisprudência dos Tribunais.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
requerido, com a mesma pretensão, não em favor do paciente, mas dos seus
advogados constituídos: o mesmo constrangimento ao exercício da defesa pode
substantivar violação à prerrogativa profissional do advogado - como tal,
questionável mediante mandado de segurança - e ameaça, posto que mediata, à
liberdade do indiciado - por isso legitimado a figurar como paciente no habeas
corpus voltado a fazer cessar a restrição à atividade dos seus defensores.
II. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista
dos autos do inquérito policial. 1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do
contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque
não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa;
existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do
inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar
e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado
- interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é
corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos
respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art.
7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se
excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito
legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os
interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao
princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído
esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe
assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência
técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso
aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar
declarações. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as
informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e
às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às
interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em
conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes
que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial
possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus
deferido para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta
aos autos do inquérito policial, antes da data designada para a sua inquirição.”
Como resta claro, fica estabelecido no caso em tela que a vista dos autos do
inquérito policial é garantida à defesa, pelo que sua negativa impõe periclitação indevida ao
direito de locomoção, fundeando o writ of habeas corpus que se analisa.
Em que pese o sigilo do inquérito, trazido à ordem pelo artigo 20 do Código de
Processo Penal, este sigilo não se pode estender aos advogados da defesa, vez que, mesmo
não podendo contraditar os atos do rito inquisitivo, a ciência da investigação pode ser
fundamental à futura defesa em juízo. Negar-se acesso ao inquérito, pelos representantes da
defesa técnica, é cercear a defesa do indiciado.
Destarte, apesar de a fundamentação do HC ser errônea – o artigo 20 do CPP é
plenamente constitucional –, a autorização para que o advogado acesse o inquérito está
presente no Estatuto da OAB, e é este autorizativo que demanda a concessão do HC, para
conceder acesso aos autos do inquérito, limitado às peças que façam referência a seu
cliente.
Tema X
Investigação penal (continuação). A qualificação do indiciado e sua identidade física (CPP, arts. 5º, § 1º, I,
b, 6º, VIII, 41 e 259; CF, 5º, LVIII). Prisão provisória e inquérito policial. Questões relativas à
incomunicabilidade do indiciado preso. Conclusão do inquérito. Formalidades. A investigação penal extra
policial diante do disposto no art. 144, § 1º, IV, Constituição Federal.
Notas de Aula
1. Peças de informação
Veja que o parlamentar que integra a CPI tem poderes de investigação próprios de
uma autoridade judiciária, o que tem diversas implicações: a CPI pode quebrar sigilo
bancário, por exemplo. Mas há que se atentar à cláusula de reserva de jurisdição, criação
jurisprudencial do STF, que determina que alguns atos investigatórios são dados
exclusivamente ao Judiciário, não podendo a CPI produzi-los, nem mesmo diante da
equiparação que este dispositivo promove. Três são os atos que são dados a esta reserva: a
decretação de prisão; a busca e apreensão; e a interceptação telefônica.
A interceptação telefônica difere da quebra do sigilo de dados telefônicos:
interceptação é a já estudada captura de conversação enquanto ocorre, ou seja, é a revelação
do conteúdo de conversas telefônicas, reduzidas ao laudo de degravação; a quebra do sigilo
de dados consiste na revelação do histórico das ligações, da propriedade da linha, etc: é
dado à CPI compulsar os dados telefônicos, mas é-lhe vedada a interceptação telefônica,
em qualquer modalidade.
Note-se que o artigo 58, § 3°, da CRFB, não traz qualquer reserva, e por isso seria
questionável esta limitação criada pelo STF. A respeito, o MS 25.668, do STF:
Esta questão é de alta indagação. Esta discussão, de fato, está em curso no STF, não
havendo ainda definição da posição do STF. O número nesta Corte é Inquérito Policial
1968.
Não obstante, podem ser identificadas duas correntes: a primeira, defende que não é
possível, ao MP, exercer investigação criminal pelas próprias mãos, girando seus
argumentos em torno do artigo 129 da CRFB: este artigo prevê todas as atribuições do MP,
e em nenhum inciso haveria esta autorização expressa para que o parquet investigue
pessoalmente. Este é o argumento do ex-Ministro do STF Maurício Correia. Se a CRFB
não consigna autorização expressa, esta atribuição não existe, sendo vedada.
O ex-Ministro do STF Nelson Jobim é outro que defende a vedação à atividade
investigativa do MP, mas sob outro argumento: entende que o artigo 129 não deixou de
tratar da função do MP na investigação; na verdade, o inciso VII deste artigo tratou da
atividade investigativa, mas apenas atribuindo ao MP a função de fiscal externo da
investigação, a ser conduzida pela autoridade policial:
“(...)
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;
(...)”
Para ele, então, o MP requisita à polícia a realização das diligências que bem
entender, mas não as realiza por si mesmo.
A corrente contrária, que defende que o MP tem atribuição para investigar, refuta o
primeiro argumento dispondo que o inciso IX do artigo 129 é suficiente para autorizar esta
investigação direta:
“(...)
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas.
(...)”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) Argumento mais absurdo não há. Alegar que o promotor é suspeito é dizer que a
parte é parcial, ou seja, redundância que se poderia chamar de cretina. Não há
qualquer nulidade na denúncia, portanto. Sobre o tema, apesar de absurdo, o STJ
editou a súmula 234, dispondo:
b) É certo que sempre houve controvérsia, de extenso raio, sobre esta atuação, mas a
própria súmula 234, acima transcrita, tomou por pressuposto que há esta
possibilidade, e que sequer há suspeição. A tendência é que seja consolidado o
poder investigativo do MP, em atenção à teoria dos poderes implícitos, pois se a
atividade investigativa é dada até mesmo ao cidadão comum, que dirá ao promotor,
que exerce poder de comando sobre as diligências, requisitando aquelas que bem
entender.
Questão 2
Resposta à Questão 2
“(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
(...)”
A diferença entre a ação penal pública e a ação cível pública reside apenas na
matéria que é tratada em cada uma, sendo que ambas são dedicadas à proteção do bem
comum – na penal a segurança pública, e na cível quaisquer outros bens coletivos ou
difusos. Assim sendo, se o MP pode buscar suporte fático para a promoção da ação civil
pública diretamente, porque não o poderia na ação penal? é por isso que este é um
argumento sólido a favor do exercício da polícia judiciária pelo MP.
Há ainda que se mencionar como fundamento a previsão do artigo 129, IX, da
CRFB:
“(...)
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas.
(...)”
Este artigo 27 dispõe que o MP pode se instruir diretamente junto às fontes, não
sendo necessária a interposição da polícia civil ou federal a fim de providenciar o material
probatório. O artigo 47, por sua vez, dispõe em sentido similar, estabelecendo clara
hipótese de investigação direta pelo MP, requisitando esclarecimentos junto às autoridades
ou funcionários que detenham as informações.
No direito comparado, é profícua a aceitação do poder investigativo do MP.
Portugal e Itália, por exemplo, conferem este poder primariamente ao MP, sendo a
investigação que é realizada pelas polícias feita por delegação do parquet, que é o titular do
poder de polícia judiciária.
Havia um argumento contrário à investigação pelo MP, que era sólido, porém hoje
não mais tem valor: as investigações policiais são controladas externamente pelo MP, como
se lê no artigo 129, VII, da CRFB, transcrito acima. Ponderava-se, então, se a investigação
direta pelo MP não seria uma atividade alheia a qualquer controle, pois estaria o MP
controlando a si mesmo, vez que esta é sua atribuição. Este argumento não persiste pois há,
hoje, a figura do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão com atribuição de
controle sobre o MP, instituído em 2004, com a inserção do artigo 130-A na CRFB, pela EC
nº 45.
Sobre o tema, o STJ editou a súmula 234, que denuncia sua adesão à corrente que
admite a investigação direta pelo MP.
Ressalte-se que o STJ não admite que haja, contudo, exercício de investigação
ministerial paralela à policial. Entende que a investigação pelo MP é sempre complementar
à da polícia, e nunca substitutiva, muito menos impeditivas daquelas realizadas no
inquérito. As atividades investigativas devem ser convergentes, integradas, pois a
presidência do inquérito é constitucionalmente entregue ao delegado.
Há que se fazer menção a um problema, neste ponto. A Resolução de n° 77 do MPF
disciplinou o poder investigatório do MP, nas suas competências. Contudo, o fez de forma a
instituir investigabilidade paralela ao inquérito policial, pelo que esta resolução é tida por
inconstitucional, pela doutrina. É formalmente inconstitucional pois não é dado ao ato
normativo tratar desta matéria, e somente ao legislador federal – processo penal é matéria
de competência legislativa privativa da União, conforme artigo 22, I, da CRFB; e é
materialmente inconstitucional, vez que a investigação ministerial deve ter esta natureza
integrada e suplementar ao inquérito policial, e nunca paralela, presidida por qualquer
órgão que for, que não o delegado de polícia, presidente nato do inquérito.
Voltando ao teor da súmula 234 do STJ, lê-se ali que não há suspeição ou
impedimento do membro do MP que participa da investigação, quando do oferecimento da
denúncia. Isto porque a investigação é um desdobramento de atribuição diretamente
conferida pela CRFB – controle externo da atividade policial –, e por isso não há conflito,
vez que este controle já seria, em tese, uma causa de suposta tendência do MP, o que não
ocorre. Todavia, o membro do MP que tenha participado das investigações jamais poderá
ser arrolado como testemunha em eventual ação penal sobre aquele fato, pois em apreço à
teoria do órgão, quem interveio na investigação não foi o membro do MP, mas sim o
próprio MP, pelo princípio da unidade do MP (entendimento do STF).
A corrente que rechaça o poder investigatório do MP conta com uma enorme gama
de precedentes do STF a seu favor. Dispõe, esta corrente, que o brocardo de “quem pode
mais, pode menos”, não pode ser invocado como fundamento ao poder investigativo do MP.
Isto porque parte-se da premissa, quando da análise das atribuições de um órgão e de outro
– no caso, do MP e da polícia civil (ou federal) – de que haja hierarquia entre as entidades:
o órgão superior pode sempre avocar os poderes do órgão inferior. Todavia, a CRFB não
estabeleceu relação hierárquica entre a polícia e o MP. O que há é uma separação
institucional e de atribuições, relacionando-se quando do controle externo do MP sobre a
atividade policial – e só.
Assim sendo, não se aplicaria a avocação de poderes, “quem pode mais, pode
menos”, pois não há hierarquia. Se o fizer, estará o MP avocando atribuições que lhe são
estranhas, o que vai contra a previsão constitucional, quer no artigo 129, quer no 144 da
Carta Magna. De fato, parece que o constituinte pretendeu manter um certo distanciamento
do MP em relação às atividades investigativas, pois contou com duas possibilidades, nestes
dois artigos, de positivar a investigação pelo parquet, e não o fez expressamente.
Para além disso, é de se entender que é justamente este distanciamento que vai
preservar a garantia do promotor natural. Somente o promotor isento das filigranas da
investigação poderá promover de fato a justiça, ou seja, optar pelas promoções que lhe
incumbem com “imparcialidade”, denunciando ou pedindo o arquivamento do inquérito.
Cabe aqui esmiuçar mais um pouco o princípio do promotor natural. Por óbvio, tem
direta correlação conceitual com o princípio do juiz natural, lido no artigo 5°, LIII, da
CRFB:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
(...)”
natural, pois o promotor que terá atribuição para oficiar no feito já existe previamente ao
alcance da questão ao Judiciário. Tanto quanto o julgador, há, já, o acusador natural, prévio
ao fato, inamovível por princípio, garantindo a isenção da acusação. É quase uma “parte
imparcial” (termo que não deve ser utilizado jamais).
Por isso, admitir-se a investigação direta pelo MP seria retirar-lhe a necessária
isenção pretendida pelo princípio do promotor natural23.
Esta corrente contrária ao poder investigativo do MP ainda refuta diretamente a
invocação do artigo 129, III, da CRFB, como fundamento para tal poder de polícia
judiciária. Veja que a tese pela admissibilidade do poder investigativo invoca este
dispositivo por analogia; contudo, para que haja a analogia pressupõe-se lacuna sobre o
tema, e o que se percebe na questão é o que se denomina silêncio eloqüente do constituinte:
em duas oportunidades, como visto – artigos 129 e 144 da CF –, o constituinte pôde
positivar o MP como titular de polícia judiciária, investigativa, e optou por não fazê-lo, por
não outorgar atribuição investigatória ao MP. Portanto, descaberia analogia, neste caso: a
prerrogativa de promover o inquérito civil não pode ser analogamente transportada para o
inquérito criminal.
Refuta, ainda, a tese da corrente favorável ao poder investigativo do MP que se
calca no artigo 129, IX, da CF: este dispositivo remete à possibilidade dada ao legislador
infraconstitucional em estender as atribuições ministeriais, mas sem jamais subverter os
parâmetros constitucionais. Ocorre que o artigo 144 da CRFB não outorgou diretamente
poder investigatório ao MP, e assim não o poderia fazer, jamais, o legislador
infraconstitucional.
Aqui, então, impõe-se trazer à tona as previsões infraconstitucionais de que se vale
a corrente favorável ao poder investigativo do MP. O artigo 27 do CPP, para tal corrente,
seria autorizativo da colheita direta das fontes fáticas de provas pelo MP, ao que rebate a
corrente refratária dizendo que investigação é uma conduta ativa, proativa: é a busca da
prova, ativamente. O artigo 27, para esta corrente, dispõe apenas que o MP pode,
passivamente, receber provas de forma direta, e não proceder ativamente na colheita das
mesmas, realizando diligências, por exemplo. Este artigo traz tão-somente reforço à
dispensabilidade do inquérito policial, nada mais.
Quanto à alegação de que o artigo 47 do CPP e o artigo 26, II e IV, da Lei 8.625/93
fundamentam a atividade investigativa do MP, defende esta corrente que ter poder de
requisição de investigação não significa, absolutamente, poder investigar diretamente.
Quando se requisita alguma coisa, se determina que alguém faça aquilo que foi requisitado
– e o poder se resume a isto. Se requisitar correspondesse a poder realizar pessoalmente o
que se requisita, o próprio juiz, que tem poder geral de requisição, poderia investigar.
Por fim, quanto aos argumentos buscados no direito comparado, esta corrente
defende que só se pode recorrer ao direito alienígena se houver ponto de contato mínimo
entre os ordenamentos em análise, de forma a possibilitar a comparação, e postulam que
nem na Itália, nem em Portugal, a realidade constitucional é sequer superficialmente
semelhante à brasileira. Lá, o poder investigatório é originariamente detido pelo MP, e
delegado às polícias, enquanto aqui o titular originário da investigação já é a polícia.
Havendo tamanha diferença, não há como se proceder a nenhuma análise comparativa.
23
É importante ressaltar, ainda, que há mesmo quem entenda que este princípio do promotor natural sequer
exista, pois se o promotor é parte, jamais poderá ter isenção, e não há que se falar em promotor natural,
portanto. Mesmo porque o MP não tem poder suficiente para violar qualquer direito do acusado, vez que
quem comanda o processo é o juiz, e só este deve, necessariamente, ser imparcial.
Notas de Aula
1. Intróito
Auri Lopes Júnior estabelece que o Direito Penal tem característica que o difere
violentamente do Direito Privado, que é a ausência de coercitividade direta e imediata.
Para ele, as normas incriminadoras de Direito Penal precisam sempre de um processo para
serem concretizadas, não exercendo de forma imediata a sua coerção. No Direito Privado,
ao contrário, todos os destinatários das normas já as executam de plano, fazendo valer o
que delas consta, somente recorrendo ao Judiciário quando há resistência. No Direito Penal,
não há eficácia que não seja por via do Judiciário.
Esta idéia é presente no princípio nula poena sine judicio, ou seja, não há pena sem
que o Judiciário a faça incidir, não há pena sem processo. A norma penal incriminadora
precisa do processo para se implementar, e por isso se tem que o Direito Processual Penal é
um alto limitador do poder de punir do Estado, do jus puniendi estatal. O processo penal é
inevitavelmente presente na seara criminal.
24
A crítica a esta separação entre provas ilícitas e provas ilegítimas é que não há embasamento legal para
tanto, o que seria atividade legislativa do intérprete e, o que é pior, in malam partem, pois restringe a garantia
individual contra provas irregulares no processo penal. Estar-se-ia diferençando onde a CRFB não o fez.
Outra crítica é de que as garantias processuais, em regra, são constitucionais, e admitir-se prova contrária à
previsão constitucional é a maior das ilicitudes.
Ora, se o processo é inevitável, não há como se perseguir alguém sem que haja o
mínimo de fundamentos incriminadores, um mínimo de prova. E esta prova é buscada na
investigação criminal, gênero do qual fazem parte as espécies inquérito policial, as peças
de informação, e outras formas quaisquer de investigação, como a que é envidada na CPI,
ou o procedimento de investigação criminal que é passado no âmago do próprio MP – o
chamado PIC (criado na Resolução 13 do CNMP, e na Resolução 77 do CS-MPF, debalde
as discussões ainda em curso sobre a atribuição investigativa do MP). A investigação
criminal é o escudo contra acusações criminais infundadas. Se o processo é sempre
necessário, há de existir um mínimo probatório para que se instale a persecução.
Sintetizando as idéias: o Direito Penal não tem coercitividade direta e imediata, de
modo que o processo penal é indispensável e necessário para a concretização do poder de
punir do Estado. Deste modo, a investigação criminal é um filtro contra acusações
infundadas. Geraldo Prado ainda aduz que esta exigência do mínimo probatório prévio ao
processo penal, conhecido como justa causa, é uma projeção da dignidade da pessoa
humana, cuja atenção é necessária à legitimidade do processo. Para ele, o suporte
probatório mínimo necessário para legitimar o processo criminal, que é inevitável, ostenta
esta natureza de reflexo processual do princípio da dignidade da pessoa humana.
É claro que esta exigência de mínimo probatório não demanda a instauração do
inquérito, ou dos demais instrumentos de investigação criminal: serão necessários apenas se
já não existir a base probatória suficiente à propositura da ação penal, ou seja, o que é
imprescindível é a justa causa, e não o procedimento investigatório, dispensado se a justa
causa já se encontra presente.
É claro que a denúncia não é consectário obrigatório da investigação. A investigação
criminal pode culminar na propositura da ação penal ou no seu arquivamento, a critério do
MP, de acordo com os fatos apurados.
E o artigo 28, como dito, exige a atuação do juiz como fiscal da obrigatoriedade da
denúncia, quando esta o for. Aponta-se, portanto, este dispositivo, como um exemplo de
função anômala do juiz no processo penal.
Requerido o arquivamento, com base em uma das hipóteses que são presentes no
artigo 43 do CPP, se o juiz crê na sua correção, encampando a tese do MP, simplesmente
arquiva o inquérito. Contudo, se o juiz entende que não é caso legítimo para arquivamento,
remeterá os autos ao PGJ, a fim de que ele se manifeste sobre o impasse.
No MPF, a dinâmica é um pouco diferente: ao invés de remeter os autos ao PGR,
como se pode pensar, o juiz que entende não ser caso de arquivamento vai remeter os autos
à Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, órgão que tem esta atribuição revisora no
MPF, constante do artigo 62, IV, da LC 75/93, Lei Orgânica do MPU:
“Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão:
(...)
IV - manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito
parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária
do Procurador-Geral;
(...)”
Da decisão da Câmara, neste caso, não há qualquer recurso cabível: se esta entender
que o arquivamento é devido, o juiz deverá acolher tal decisão. Esta decisão é sujeita a um
mero visto do PGR, visto este que não tem qualquer carga decisória, nenhum peso de
decisão.
Note-se que, tanto no MPE quanto no MPF, a decisão sobre o arquivamento, em
última instância, é sempre do parquet: o juiz exerce a função de fiscal, mas se a instituição
do MP reiterar na sua posição, esta será observada imperativamente.
Se o juiz discorda da promoção de arquivamento, o STF tem entendido que não só o
encaminhamento ao PGJ (ou CCR) é a solução: poderá devolver ao membro do MP para
que alguma nova diligência seja realizada, alguma outra prova produzida. O STF entende
que esta providência não viola o sistema acusatório, nem a imparcialidade 25. A respeito,
veja o seguinte julgado:
25
A doutrina critica duramente esta postura. Geraldo Prado assevera que “o juiz, na fase de investigações,
deve ficar imune ao preconceito que a formulação antecipada de uma tese produz”. A atuação do juiz, neste
sentido, na fase pré-processual, é de fato um indício de tendência condenatória.
Voltando ao artigo 28, este estabelece que o PGJ, quando entende de forma diversa
da que entendeu o membro que promoveu o arquivamento, vai oferecer ele próprio a
denúncia, ou vai designar um outro membro para fazê-lo (designação que, de fato, é
verdadeira delegação). Não poderá, contudo, designar o mesmo que oficiou pelo
arquivamento, pois seria crassa violação à independência funcional do promotor.
O PGJ pode escolher o membro, ao designar, pelo simples motivo de que quem for
escolhido atuará por delegação do PGJ. O STF julgou esta questão no processo que
decorreu da “Operação Anaconda”, da Polícia Federal.
Ao designar um outro membro para promover a ação penal, este não poderá se
negar a fazê-lo, mesmo se entender de forma diversa: a atuação do membro designada
decorre de delegação da atribuição do PGJ, ou seja, é como se o próprio PGJ estivesse
promovendo a denúncia. Este entendimento é praticamente unânime, apenas Paulo Rangel
levantando voz contra esta obrigatoriedade, por entender que também viola a independência
funcional.
Esta atribuição do PGJ é legal. No âmbito do MPF, porém, há que se considerar: a
CCR pode designar outro membro, mas esta designação não é de observância obrigatória,
para parte da doutrina. Isto porque a CCR não tem a mesma atribuição que o PGJ tem no
Estado, ou seja, a CCR não tem atribuição originária para promover, ela própria, a ação
penal; assim, a designação não é delegação, se não há o que delegar, simplesmente por não
haver tal atribuição (é o mesmo raciocínio que se aplica à ação civil pública).
Como a dinâmica do MPF é bastante diferente, vale traçar uma breve suma do
funcionamento nas diversas instâncias da Justiça Federal. O procurador da República
oficia, em primeira instância, perante o juiz federal. Este discordando da promoção de
arquivamento, remeterá para a CCR. Em segunda instância, a Procuradoria Regional da
República oficia junto ao TRF, e se o desembargador federal discorda da sua promoção,
remete os autos também à CCR. É na instância superior que a situação se modifica: a Sub-
Procuradoria-Geral da República atua perante o STJ, mas apenas nas ações cíveis, e não
nas ações penais: quem oficia perante o STJ, em ações penais, originalmente, é o PGR,
mas ele delega esta atribuição aos sub-procuradores. Da mesma forma se dá no STF.
Destarte, o requerimento de arquivamento pelo sub-procurador perante o STJ ou
STF não pode ser rejeitado por estas Cortes: simplesmente não há para quem remeter os
autos, pois os sub-procuradores já estão oficiando em nome do PGR, e o requerimento do
PGR é irrecusável, unilateral e irretratável, pois não há instância de controle, superior ao
PGR, no âmbito do MPF. Atuando o PGR, ou os sub-procuradores em seu nome, o
requerimento é, deveras, uma ordem. Veja:
“A manifestação formulada pelo Procurador-Geral da República, no sentido do
arquivamento de inquérito penal, possui caráter irretratável, não sendo, portanto,
passível de reconsideração ou revisão, ressalvada, no entanto, a hipótese de
surgimento de novas provas (INF. 345, INQ 2028, Pleno, por maioria).”
República, é irrecusável pelo órgão judiciário. (HC 82.507-SE, rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 10.12.2002. (HC-82507).”
E como o MPE não atua nas instâncias superiores, STF e STJ, não há qualquer
problemática a ser resolvida, pois o controle é feito nos exatos termos do artigo 28, e
quando a promoção for originária do PGJ, o controle é dado ao Colégio de Procuradores.
Sobre o arquivamento implícito, de início, cabe ressaltar que este não é admitido,
quer pelo STJ, quer pelo STF. Todavia, em conceito, deve ser abordado. O arquivamento
ação penal pública. Segundo Ada Pellegrini, em relação ao fato omitido da denúncia ou do
requerimento expresso de arquivamento, caberia a queixa subsidiária, na forma do artigo 29
do CPP. E a súmula 524 do STF, segundo Afrânio, configura uma nova condição da ação,
quando o inquérito tiver sido arquivado com base em falta de provas suficientes à denúncia.
26
Pode-se criticar a própria existência deste conflito virtual de jurisdição, o qual, na verdade, se trata mesmo
de um conflito de atribuição, sempre.
entende que não tem atribuição, e, a reboque, não se apresenta qualquer conflito virtual de
competência, pois o MPF, e no seu esteio o juiz federal, concordam com o juiz estadual.
Quem soluciona o conflito real de atribuição é o STF. Assim se manifestou o STF na
Petição 3.528/BA.
Resumindo: se há conflito real de atribuição, a solução incumbe ao STF; se há
conflito virtual de jurisdição, incumbe ao STJ. Para Fontelles, atual PGR, quem resolve o
conflito, qualquer que seja, é o próprio PGR, mas seu entendimento não tem base legal
(Afrânio defende que seria mesmo recomendável esta atribuição para o PGR, mas sabe-a
de lege ferenda).
É claro que se o conflito de atribuição for entre órgãos do mesmo MP – dois
promotores estaduais, por exemplo –, a solução fica dentro do órgão: no MPF, vai para a
CCR27; no MPE, para o PGJ.
Se o conflito for entre órgãos integrantes do MPU – MPF e MP do Trabalho, por
exemplo, a solução incumbe diretamente ao PGR.
Vale traçar um quadro esquemático:
Órgãos em conflito real de atribuição Solução
A decisão de arquivamento, como dito, é rebus sic stantibus: esta decisão é sempre
contida estritamente pelas circunstâncias que a ensejaram. Por isso, supondo-se que a
decisão foi prolatada por ser entendida presente a falta de justa causa, se porventura ocorrer
alteração substancial nesta conjuntura, poderá haver denúncia posterior a esta decisão de
arquivamento. Este raciocínio provém da construção feita com base no artigo 18 do CPP, e
na súmula 524 do STF. Veja:
“(...) novas provas são aquelas que produzem alteração no panorama probatório
dentro do qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivamento, e não aquelas,
apenas, formalmente novas” (STJ – APN 15/MS – Corte Especial, Rel. Min. Ciq
Flaquer Scartezzini).”
Outro aspecto a ser considerado é a decisão de arquivamento que foi prolatada por
juízo que depois se demonstrou constitucionalmente incompetente: seria esta decisão nula,
ou seria inexistente?
Ada Pellegrini defende que é inexistente, pois é uma hipótese de atipicidade
constitucional: trata-se de um ato praticado por quem não tem o permissivo constitucional
para tanto. Sendo assim, sendo inexistente a decisão de arquivamento, nada impediria que o
MP promovesse uma ação penal pelo mesmo fato.
O STF, de seu lado, entende que se a decisão prolatada por juiz incompetente
constitucionalmente versar sobre atipicidade ou extinção da punibilidade, será formada a
coisa julgada material, como visto, sem qualquer menção à inexistência.
A decisão do trancamento faz coisa julgada material, pois que calcada nos motivos
que geram este efeito sobre o arquivamento – atipicidade ou excludente da ilicitude. Há um
caso particular em que, todavia, não se produziu esta coisa julgada material, e não se tratou,
no caso concreto, de trancamento, e sim de arquivamento: o advogado do réu apresentou ao
MP certidão de óbito do acusado, e, por isso, o MP requereu o arquivamento por excludente
(morte). Ocorre que sobreveio a ciência de que o atestado era falso: nesta hipótese, o STF
entendeu que não se fez coisa julgada, pois se tratou de valoração correta feita sobre
aspecto falso, ou seja, o inquérito foi indevidamente arquivado e não se pôde imprimir
coisa julgada material à decisão.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
processual, outro Promotor, melhor examinando o feito, adita a denúncia para incluir
aquele não denunciado. O Juiz rejeitou o aditamento com base na Súmula 524 do STF.
Como deveria agir o Promotor e com que fundamento?
Resposta à Questão 2
Tema XII
Notas de Aula
1. Ação penal
A ação penal, assim como a ação cível, pode ser exercida de forma legítima e
regular, ou ilegítima e irregular. Será regular quando forem observadas as chamadas
condições para o regular exercício da ação.
Quando o MP constatar que estão presentes as condições da ação, promoverá a
denúncia, que é a peça exordial da ação penal pública. Ocorre que as categorias da teoria
geral do processo nem sempre são plenamente aplicáveis em processo penal, e pode-se dar
como exemplo as decisões que rejeitam a denúncia: poderiam ser semelhantes às decisões
de extinção sem resolução do mérito, do artigo 267 do CPC, mas há algumas, como já se
viu, que enfrentam o mérito – como a que rejeita por atipicidade da conduta 28. Mesmo por
isso, há quem defenda que o processo penal teria uma teoria geral própria, mas é corrente
sem muita expressão prática.
O que é essencial no estudo do direito de ação, em processo penal, é saber os
critérios de exercício legítimo, regular, e ilegítimo, irregular, e, quando irregular, saber que
se trata de um abuso do direito de agir.
As condições da ação penal são as mesmas do processo civil – legitimidade,
interesse jurídico e possibilidade jurídica –, mas há uma quarta: a justa causa. Para parte da
doutrina, entretanto, a justa causa se insere no interesse jurídico.
“(...)
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for
intentada no prazo legal;
(...)”
Assim, o artigo 29 do CPP, que trata desta ação, é constitucional, amparado nesta
norma do artigo 5°, LIX, da CRFB.
Veja que Sérgio Demoro entende que esta ação penal subsidiária, na verdade, é
impropriamente chamada de ação penal privada. Na verdade, ela continua sendo pública, na
essência, pois toda a principiologia que atine à ação pública continua incidente sobre ela:
apenas, e tão-somente, a legitimidade é passada ao particular, pela inércia do MP.
Justamente por isso, o querelante não pode portar-se contrariamente às normas
principiológicas das ações penais públicas: como exemplo, não pode dispor da ação, pois o
MP a tomará para si, se o fizer. Da mesma forma, se o querelante, em alegações finais,
pedir a absolvição do réu, e não a condenação, não ocorrerá perempção, e o juiz poderá
condenar, mesmo assim.
Não existe ação penal pública subsidiária da privada, porém. A persecução criminal,
neste caso, privilegia o interesse da vítima ou de quem a possa representar, não sendo dado
ao Estado, por via do MP, se imiscuir na legitimidade.
Há ainda a ação penal privada personalíssima, que só pode ser promovida pelo
próprio ofendido, não admitindo qualquer tipo de representação, e extinguindo-se com sua
morte. Hoje, apenas o crime de indução a erro essencial e ocultação de impedimento, do
artigo 236 do CP, é assim perseguido:
Existe ainda a denominada ação penal pública subsidiária da pública, que consiste
na denúncia oferecida pelo MPF quando o MPE quedar-se inerte. Esta possibilidade consta
tanto do DL 201/67, já transcrito, quanto da Lei 7.492/86, no artigo 27:
“Art. 27. Quando a denúncia não for intentada no prazo legal, o ofendido poderá
representar ao Procurador-Geral da República, para que este a ofereça, designe
outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou determine o arquivamento
das peças de informação recebidas.”
“Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores (crimes contra os
costumes), somente se procede mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-
se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto,
tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende
de representação.” (parêntese nosso)
- Se do estupro decorre lesão grave ou morte, o artigo 225 não o alcança, pois só se
refere aos delitos mencionados no capítulo anterior, como a forma qualificada está
no artigo 223 do CP, que se encontra dentro do mesmo capítulo do artigo 225, a
ação penal é pública incondicionada, pois é regra geral:
“Súmula 608, STF: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação
penal é pública incondicionada.”
“Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal
fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele,
“Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá
de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões
culposas.”
Os crimes contra a honra, em regra, são de ação penal privada, como dita o artigo
145 do CP, ressalvando-se a legitimidade concorrente do ofendido e do MP, nos crimes
contra a honra de servidor público em razão de suas funções, como determina a súmula 714
do STF:
“Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante
queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único - Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso
do n.º I do art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do
mesmo artigo.
Ocorre que, neste caso particular, o assistente não é a figura típica: se havia
legitimidade concorrente para promover a ação penal privada, e se nesta ação poderia
recorrer, não poderia, por ter escolhido a via pública, sofrer prejuízo pela sua opção. Por
isso, o STF entende que, neste caso, o assistente poderá recorrer (posto que está sujeito a
uma especial sucumbência reflexa, aqui).
Nos crimes contra a ordem tributária, previstos no artigo 1° da Lei 8.137/93, o STF
entendeu que o exaurimento da via administrativa é uma condição objetiva de
procedibilidade. Já no artigo 2° deste diploma, os crimes são formais, e por isso não seria
aplicável esta condição objetiva. Veja:
“EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º):
lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo:
falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição
enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora
não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571),
falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.
8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do
processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo
uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por
outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do
tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e
“Súmula 691, STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas
corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a
Tribunal Superior, indefere a liminar.”
Entretanto, nada obsta que se o STF verificar, ao julgar este HC, que a ilegalidade é
flagrante – como o é, quando carece da condição de procedibilidade –, conceda um HC de
ofício, o que tem sido a saída muitas das vezes.
De fato, este precedente – a exigência de esgotamento administrativo antes da ação
penal – foi estendido pelo STF à instauração de inquérito: agora, não só por flagrante
atipicidade ou excludente de ilicitude o inquérito pode ser trancado, mas também quando,
nos crimes tributários, o crédito não tiver sido constituído irrecorrivelmente na esfera
administrativa.
Como curiosidade, a mesma situação se repete para o crime de apropriação
indébita previdenciária, do artigo 168-A do CP: o exaurimento da via administrativa é
imperativo.
Ocorre que, para fazer sentido, o STF entendeu que este crime omissivo é uma
espécie extremamente peculiar de crime omissivo de resultado. A Justiça Federal tem
julgados que ignoram esta posição do STF, por crê-la absurda: as vias administrativa e
judicial não podem se comunicar jamais, para esta vertente.
O pagamento do débito que enseja a ação extingue a punibilidade a qualquer tempo.
Mas e se o réu parcelar a dívida? Se já há denúncia, a ação ficará suspensa até a quitação;
mas se não há denúncia, o inquérito ficará obstado: será trancado, assim como se faz
quando há o pagamento.
Casos Concretos
Questão 1
ELESBÃO é rico industrial e vive, há quinze anos, portanto em união estável, com
Polifênia, que tem uma filha de seu anterior casamento, a qual está com dezessete anos de
idade. Elesbão sempre zelou pela filha da companheira, provendo, desde que ela era
criança, sua educação e demais necessidades materiais, além de orientá-la moralmente.
Entretanto, Elesbão, há dois meses, estuprou a jovem, a qual, desesperada e sem o apoio
da mãe, pediu providências à autoridade policial, sendo atendida. Encerradas as
investigações, o Ministério Público, convencido da existência de justa causa, propôs a
ação penal com total observância do disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.
Você é o juiz. Profira a decisão que reputar adequada.
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Se não se aplica a súmula 608 do STF, dada a inexistência de violência real. A regra
a ser observada é a dos artigos 224 e 225 do CP: a norma determina que os crimes contra os
costumes são, regra geral, perseguidos em ação penal privada. Há um argumento, porém,
que diz que a alocação topográfica do artigo 224 faria não incidir o artigo 225 do CP, pois
que menciona que os crimes dos capítulos anteriores são perseguidos em ação penal
privada – e o artigo 224 está no mesmo capítulo, furtando-se à incidência do artigo 225.
Outrossim, o TJ/RJ tem manifestado entendimento de que a combinação dos artigos
213 e 224 traduz a formação de um novo tipo penal especial, e que, este tipo sendo alheio
aos capítulos anteriores – e sendo hediondo – a ação penal é pública incondicionada.
Desasiste, portanto, razão ao apelante: o MP é legitimado.
Questão 3
João, operário da construção civil, agride sua mulher, Maria, causando-lhe lesão
grave. Instaurado inquérito policial, este é concluído após 30 dias, contendo a prova da
materialidade e da autoria, e remetido ao Ministério Público. Maria, então, procura o
Promotor de Justiça e pede a este que não denuncie João, pois o casal já se reconciliou, a
lesão já desapareceu e, principalmente, a condenação de João (que é reincidente) faria
com que este perdesse o emprego, o que deixaria a própria vítima e seus oito filhos
menores em situação dificílima, sem ter como prover sua subsistência. Diante de tais
razões, pode o MP promover o arquivamento?
Resposta à Questão 3
Tema XIII
Notas de Aula
“Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara
privativa do ofendido.
§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a
lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.
§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de
quem tenha qualidade para representá-lo.
§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o
Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.
§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão
judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão.”
A opção por dar a persecução à ação penal privada ou pública é uma questão de
política criminal: aquelas infrações penais que têm maior relevo à sociedade são dadas à
regra geral; aquelas em que se sobressai o interesse privado, são dadas à persecução
privada; àquelas em que se equivalem interesse público e privado, compartilha-se a
iniciativa: é pública condicionada à representação privada.
Assim, já se nota a divisão que existe dentro da própria ação penal pública: pode ser
incondicionada ou condicionada à representação. A ação penal pública incondicionada é
aquela que não demanda nenhuma das condições especiais que se mencionou –
representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça – bastando as demais
Há quem defenda, como Guilherme Nucci, que não se trata propriamente de uma
denúncia, o termo tendo sido empregado com a conotação de notitia criminis, noticia do
crime. Parece tese coerente.
Há ainda a ação penal pública subsidiária da pública: nesta ação, o MPF pode
promover a denúncia, quando o MPE se quedar inerte, e é prevista no artigo 2°, § 2°, do DL
201/67 – nos crimes de responsabilidade praticados por prefeito:
1.1.1. Oficialidade
1.1.2. Obrigatoriedade
Havendo dúvida acerca da formação do injusto penal, ou seja, havendo dúvida sobre
a existência ou não de uma excludente da ilicitude, o promotor deverá denunciar: aqui vige
o princípio in dubio pro societatis, que pode ser percebido na utilização, pelo legislador, do
termo “evidentemente” neste dispositivo transcrito.
Da mesma forma, se for percebida alguma excludente de culpabilidade, tal como
uma inexigibilidade de conduta diversa, o crime se desnatura; não havendo o
preenchimento do crime, não pode haver denúncia: é necessário que haja o fato criminoso,
e não o fato meramente típico.
Este raciocínio não pode ser transportado para o inquérito policial: o delegado
deverá instaurá-lo, mesmo percebendo uma excludente da ilicitude, pois a mensuração da
sua existência é dada ao MP e ao juiz. Assim se pode depreender do artigo 310 do CPP:
“Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente
praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal, poderá,
depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória,
mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de
revogação.
Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo
auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que
autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).”
Esta regra poderia criar uma situação absurda: o agente policial, em franco combate
com criminosos, ao balear um deles e matá-lo, teria contra si instaurado inquérito policial,
pois mesmo sendo flagrante a excludente da ilicitude – legítima defesa –, a regra geral
apresentada não dá esta valoração ao delegado. Todavia, salvaguardando esta atuação
policial em enfrentamentos, há regra expressa, constante do artigo 292 do CPP:
“Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em
flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que
o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer
a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
(grifo nosso)”
Sendo este o caso, não será instaurado o inquérito, mas sim o instrumento chamado
auto de resistência, em que se consignarão as exatas circunstâncias em que se deu a atuação
policial em excludente.
1.1.3. Indisponibilidade
Não fosse assim, a obrigatoriedade não teria qualquer sentido: proposta a ação
penal, bastaria ao MP dela desistir logo em seguida, e a obrigatoriedade não teria tido
qualquer efeito.
1.1.4. Divisibilidade
A ação penal pública pode ser dividida em relação aos co-autores do crime, ou seja,
nada impede que haja uma denúncia para cada co-autor.
Esta é a posição majoritária, do STF e Pacelli, inclusive, mas é polêmica. O STF, no
HC 74.661, assim se manifestou:
Parte da doutrina, porém, entende que a ação penal pública é indivisível, pois a
denúncia é obrigatória contra todos os co-autores, pois o que se passa quando o MP deixa
de oferecer a denúncia contra um dos co-autores do crime é o chamado arquivamento
implícito, já estudado.
Assim, a correlação é clara: quem entende que não existe o arquivamento implícito,
defende que há divisibilidade, pois se oferecida denúncia contra alguns co-réus, e não
oferecida contra outros, nada impede que esta seja, posteriormente, oferecida contra os
remanescentes – pois não se deu arquivamento; e para quem entende que a denúncia que
exclui alguns dos co-autores do crime representa arquivamento implícito, entende que a
ação penal é indivisível, portanto, sendo impossível nova denúncia contra os que não foram
denunciados. E a absoluta maioria dos juristas, e inclui-se aí o STF, entende inexistir
arquivamento implícito – e portanto adota a divisibilidade da ação penal pública.
O arquivamento implícito, de fato, é teoria pouco factível, tanto que o próprio artigo
28 do CPP exige que o juiz, ao valorar o pedido de arquivamento, o faça com base nas
razões deste – e não há razões em arquivamento implícito. Conseqüentemente, o juiz que
arquiva ou rejeita o arquivamento estará prolatando decisão não fundamentada, o que e
inconstitucional. E Ada Pellegrini ainda aduz um outro argumento: no arquivamento
implícito, o que se passa é uma inércia do promotor, pois ele não oferece denúncia, nem
arquiva expressamente, nem comanda diligências – e desta inércia surge o direito à queixa
subsidiária pelo ofendido. Entender que há arquivamento implícito é retirar o direito a esta
queixa subsidiária.
1.1.5. Intranscendência
Este é um princípio comum a qualquer tipo de ação penal: todas as ações penais são
intranscendentes, e não somente a pública. Todos os princípios até agora vistos são opostos
quando vistos na ação penal privada, mas a intranscendência é comum.
Ser intranscendente significa que a ação penal não pode ultrapassar a pessoa do réu:
caso este venha a falecer, não poderá a ação penal prosseguir contra seus herdeiros: a ação
morre com o réu.
As ações civis, ao contrário, como se sabe, são transcendentes, em regra: os direitos
ali reclamados são transferidos aos herdeiros.
O artigo 5°, XLV, da CRFB, assim estabelece:
“(...)
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei,
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido;
(...)”
2. Denúncia
“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas
as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se
possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das
testemunhas.”
2.2. Pedido
- Na denúncia por crime doloso contra a vida, o pedido é pela pronúncia, pois a
condenação só será pedida ao Júri, quando do libelo.
2.3. Prazo
“Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5
dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do
inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso,
se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo
da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
§ 1o Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o
oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de
informações ou a representação
§ 2o O prazo para o aditamento da queixa será de 3 dias, contado da data em que o
órgão do Ministério Público receber os autos, e, se este não se pronunciar dentro
do tríduo, entender-se-á que não tem o que aditar, prosseguindo-se nos demais
termos do processo.”
Aditar é acrescentar, incluir novos fatos ou novas pessoas, e por isso o aditamento
pode ser objetivo, quando se refere a fatos, ou subjetivo, quando se refere a pessoas.
O aditamento deve ser tratado, para todos os efeitos, como uma nova denúncia.
Assim, deve preencher todos os requisitos essenciais da denúncia, previstos no já abordado
artigo 41 do CPP.
O aditamento pode ser provocado ou espontâneo: será espontâneo quando o MP,
tomando ciência do fato novo ou da nova autoria, promove a suplementação, fazendo o
aditamento por sua conta. De outra forma, o aditamento provocado será aquele que for
realizado mediante requerimento ou notificação, como no caso da mutatio libeli, do artigo
384, parágrafo único, do CPP. Veja:
Casos Concretos
Questão 1
Ana, com dezoito anos de idade, é vítima de crime de estupro praticado mediante
grave ameaça, exercida com emprego de arma de fogo. Logo após o crime, chegando em
sua humilde casa, narra o fato a seu pai João, operário da construção civil, e este vai
imediatamente a DP local comunicar o fato. Ali a autoridade policial reduz a termo a
representação oferecida por João. Instaurado o inquérito policial e colhido o acervo
probatório necessário, resta oferecida a denúncia.
Pergunta-se:
a) Qual a espécie de ação penal?
b) Diante da redação do artigo 5º da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código
Civil), poderia João oferecer representação?
c) Como deve proceder o juiz caso entenda que João não poderia oferecer a
representação. Indique o fundamento legal.
Resposta à Questão 1
b) Não. A representação deve ser de Ana, que é civilmente capaz aos dezoito anos,
não mais vigendo a menoridade de vinte e um anos, como dantes: a legitimidade
do pai, trazida pelo artigo 34 do CPP, não mais está em vigor.
c) O juiz deverá rejeitar a denúncia que foi oferecida, por carência da condição
especial de procedibilidade consistente na representação da vítima – artigo 43,
III, do CPP, parte final. Se a representação for suprida, pode haver nova
denúncia.
Questão 2
tinha ido à Delegacia pedindo para soltar JOÃO, mas os policiais lhe disseram que "era
tarde" porque o flagrante já estava em juízo, e por isso ela estava ali. Diligenciando,
verificou o defensor que em juízo havia apenas a comunicação da prisão e a respectiva
cópia do flagrante.
O que deve fazer o Defensor Público para atender o pedido da mãe aflita?
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Não. Além de não se tratar de falta de justa causa, e sim de suposta falta de
condição especial de procedibilidade, a representação delimita o alcance da ação penal em
relação aos fatos narrados. Se no curso da investigação de tais fatos houver a revelação de
mais pessoas implicadas no crime, além da identificada ela vítima inicialmente, nada obsta
que estas sejam alvo da persecução: trata-se da eficácia objetiva da representação. O HC
não deve prosperar.
A respeito, veja os seguintes julgados:
Tema XIV
Ação penal pública condicionada à representação: 1. Natureza jurídica e conteúdo da representação. Prazo
(artigo 38). 2. Ofendido menor de 18 anos 3. Curador especial (artigos 33 do CPP e 148, parágrafo único, f,
do ECA). Colidência de interesses. 4. Morte do ofendido: artigo 24, § 1º. 5. Retratação da representação.
Retratação da retratação. 6. Eficácia objetiva da representação. Ação penal pública condicionada à
requisição do Ministro da Justiça 1. Natureza jurídica da requisição do Ministro da Justiça. Conteúdo
político. 2. A requisição é retratável? 3. A requisição vincula o MP?
Notas de Aula
1. Representação do ofendido
“Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá
de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões
culposas.”
Até 1995, então, a ação era incondicionada, pois o CP nada dizia, e esta é a regra
geral.
Como já se anteviu, a natureza jurídica desta representação é de condição especial
de procedibilidade para as ações que dela dependem.
Esta questão pode ser relevante, em casos concretos, a fim de estabelecer a data
limite para representar validamente.
Existe um prazo decadencial trimestral, previsto no crime de imprensa, constante do
artigo 41, § 1°, da Lei 5.250/67:
“Art . 41. A prescrição da ação penal, nos crimes definidos nesta Lei, ocorrerá 2
anos após a data da publicação ou transmissão incriminada, e a condenação, no
dôbro do prazo em que fôr fixada.
§ 1º O direito de queixa ou de representação prescreverá, se não fôr exercido
dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão.
§ 2º O prazo referido no parágrafo anterior será interrompido:
a) pelo requerimento judicial de publicação de resposta ou pedido de retificação, e
até que êste seja indeferido ou efetivamente atendido;
b) pelo pedido judicial de declaração de inidoneidade do responsável, até o seu
julgamento.
§ 3º No caso de periódicos que não indiquem data, o prazo referido neste artigo
começará a correr do último dia do mês ou outro período a que corresponder a
publicação.”
1.3. Retratação
Veja que a retratação é possível, nos crimes sujeitos a esta lei, até o recebimento da
denúncia pelo juiz, e não até o oferecimento, o que na prática pode significar uma diferença
de alguns dias. Destarte, a lei acabou por favorecer o meliante, neste caso.
Existe ainda outro caso em que a retratação pode ocorrer após a denúncia: no
JECrim, na AIJ, que ocorre ao final, o juiz é obrigado a tentar nova conciliação, e se ocorre
a composição dos danos, entende-se que a representação é retratada. Consta do artigo 79,
usque 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95:
“Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo
Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo
civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal
pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao
direito de queixa ou representação.”
O TJ/RJ ainda criou nova exceção, bastante interessante, no caso em que a vítima
for hipossuficiente. Veja: o artigo 225, § 1°, I, combinado com o seu § 2°, estabelece que se
a vítima for pobre, a ação penal, ao invés de privada, é pública condicionada à
representação. Ocorre que uma situação de desigualdade pode se instalar: se a vítima for
rica, a ação será privada, e desta caberá desistência a qualquer tempo, no seu curso; já
sendo pobre, a ação será pública condicionada, e uma vez oferecida a denúncia, não mais
poderá haver retratação, e não cabe desistência. Por esta quebra da isonomia, o TJ/RJ
entendeu que é possível a retratação após a denúncia, no caso da vítima ser hipossuficiente,
a fim de evitar violação da igualdade.
Pode o ofendido que representou retratar-se da sua representação, como se viu. Mas
poderia ele retratar-se da retratação, ou seja, representar novamente?
Há duas correntes disputando o tema: a minoritária admite esta retratação da
retratação, quantas vezes for, desde que não tenha se expirado o prazo decadencial. Por
todos que a defendem, Guilherme Nucci. A segunda corrente, encabeçada pelo STF, alega
que quando a vítima se retrata da representação, a punibilidade estará extinta, e por isso não
poderá haver nova representação.
O STF entende que a hipótese enquadra-se no artigo 107 do CP:
Ocorre que parece haver um erro de concepção: esta retratação a que se refere o
artigo 107, VI, é realizada pelo autor do crime, que é possível, por exemplo, no crime de
falso testemunho, do artigo 342 do CP, como estabelece o seu § 2°:
“Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha,
perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo,
inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
§ 1o As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado
mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir
efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da
administração pública direta ou indireta.
§ 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o
ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.”
Assim, não poderia ser referente à retratação realizada pela vítima, como é o caso.
Todavia, o STF insiste na posição, explicando que se trata de aplicação por analogia deste
inciso VI do artigo 107 do CP à retratação do ofendido quanto à representação, analogia
que seria admissível por ser in bonam partem (em que pese ser praticamente pacífico o
entendimento, na doutrina penal, de que estas causas de extinção da punibilidade são
dispostas em rol taxativo).
1.4. Forma
No caso da morte do ofendido, a representação pode ser realizada por uma das
pessoas constantes do artigo 31 do CPP:
“Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão
judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão.”
Este rol é preferencial, e não solidário: havendo mais de um dos indivíduos ali
previstos, a ordem ali estabelecida deve ser respeitada: se o cônjuge for vivo, somente a ele
se passa a habilitação para representar. Se não há cônjuge, mas há ascendente, somente a
este é passada a representação, e assim por diante.
Mas há corrente contrária, bastante minoritária, tendo como representante
Guilherme Nucci, que defende que o rol é solidário: qualquer um poderia representar.
Poderia o companheiro, a pessoa em união estável com o ofendido falecido, herdar
aptidão para representar contra o crime? A maior doutrina entende que o companheiro vai
se equiparar ao cônjuge, e por isso poderá representar. É a leitura mais moderna do artigo
226, § 3°, da CRFB:
“Art. 34. Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos,
o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.”
Quando o ofendido menor de dezoito anos for vítima de crime que demande
representação, esta incumbirá ao seu representante legal. Ocorre que pode acontecer de
haver conflito de interesses entre o representante legal e o ofendido, como no exemplo mais
clássico de ser o representante o próprio autor do delito. Como solucionar este impasse?
O artigo 33 do CPP estabelece a solução:
O curador especial a que alude o texto legal é a Defensoria Pública. Assim prevê o
artigo 4°, VI, da Lei Orgânica da Defensoria Pública, LC 80/94:
O juiz criminal é quem nomeia o defensor para atuar como curador, mas esta
competência também é dada ao juiz do Juizado da Infância e da Juventude, como determina
o artigo 142 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
O termo requisição, tecnicamente, significa ordem. Por isso, pode-se dizer que este
termo foi empregado no sentido errado, ao identificar a necessária manifestação do
Ministro da Justiça para que se proceda na ação penal em que se lha exige. Trata-se, assim
como a representação do ofendido, de uma autorização, e não de uma ordem para a ação
penal.
Esta figura só existe porque existem crimes que têm severa carga política em sua
persecução. Por isso, é dado a um agente político de alta escala avaliar a conveniência ou
não de sua persecução.
O exemplo são os crimes contra a honra do Presidente da República ou chefe de
governo estrangeiro, e a condicionante vem apresentada no artigo 145, parágrafo único,
referindo-se ao inciso I do artigo 141 do CP:
“Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante
queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único - Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso
do n.º I do art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do
mesmo artigo.”
“Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores (crimes contra os
costumes), somente se procede mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-
se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto,
tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende
de representação.” (parêntese nosso)
“Súmula 608, STF: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação
penal é pública incondicionada.”
“Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal
fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele,
desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do
Ministério Público.”
“Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá
de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões
culposas.”
Ada Pellegrini, mas não é a posição do STF: este mantém intocada a súmula 608,
mesmo após a Lei 9.099/95.
O raciocínio do STF para manter esta posição é o seguinte: não mais se trata,
o crime de estupro, da combinação de lesão corporal leve e da conjunção carnal
forçada: se trata, sim, do constrangimento ilegal somado à conjunção carnal
forçada30. E o constrangimento ilegal, do artigo 146 do CP, é de persecução em ação
penal pública incondicionada:
qual não resulte lesão de natureza grave. 4. O conceito de lesão corporal, na lição
de Nelson Hungria, não abrange apenas consequências de ordem anatômica, mas
compreende qualquer ofensa à normalidade funcional do corpo ou organismo
humano, seja do ponto de vista anatômico, seja do ponto de vista fisiológico ou
psíquico, o que abrange a desintegração da saúde mental. 5. Ordem denegada.”
Vale consignar que este acórdão não se prestou a discutir a ação penal, mas
sim a hediondez das modalidades do crime de estupro. Todavia, revela o
pensamento da Ministra sobre a causação de dano pelo crime, o que ensejaria a
aplicação da súmula 608 do STF.
“Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1o e
2o), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será
promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.”
apenas encampando uma ação que, de fato, originalmente, já lhe pertine. Assim se
pode depreender do HC 86.122, do STF:
Casos Concretos
Questão 1
cabíveis. WILSON foi então denunciado e condenado como incurso no art. 214 do Código
Penal a 8 anos de reclusão em regime integralmente fechado.
Inconformado, o réu interpôs o recurso de apelação, aduzindo, preliminarmente a
inconstitucionalidade do art. 225 do Código Penal, tendo em vista o disposto no art. 5º,
LXXIV da CRFB, uma vez que caberia à Defensoria Pública promover os interesses
daqueles que não podem custear as despesas do processo.
Pergunta-se:
a) O Ministério Público tinha legitimidade para o ajuizamento da ação penal?
b) É aplicável à hipótese em tela a súmula 608 do STF?
Resposta à Questão 1
a) Há que se consignar que, a princípio, não há violência real: não houve lesão
corporal leve ao menor, ao que tudo indica. Desta forma, a ação penal seria
pública condicionada à representação, dada a hipossuficiência da vítima e da
família – e para esta ação o MP tem legitimidade, a despeito da tese da DPGE
ter certa coerência. A atribuição da persecução do crime pertine ao MP, elo que
se vê do artigo 225, § 1°, I, e § 2°, mesmo que a DP seja incumbida da proteção
judicial dos hipossuficientes.
Não seria errado, entretanto, entender que houve violência real nesta
atitude, e se assim for, deverá ser aplicada a súmula 608 do STF – e a ação penal
seria pública incondicionada.
b) Como dito, se se entender que não houve lesão corporal, não se aplica a súmula,
mas como a interpretação fática deste mesmo evento pode variar, se for
entendida a atividade como violência real – como o faria a vertente que se
coaduna à tese da Ministra Ellen Gracie – a súmula seria aplicável.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Analisando por partes, não há nada que indique violência real, e sim presumida; e
não há abuso de pátrio poder. Por isso, deve ser seguida a regra do artigo 225, caput, do CP,
e a ação penal é privada. Infelizmente, portanto, tem razão o impetrante, e a ordem de HC
deve ser concedida.
Todavia, há que se apontar um erro: o curador especial nomeado foi erroneamente
escolhido pelo juiz, pois deveria ter nomeado defensor público.
Tema XV
Ação Penal Privada. 1. Introdução. Ius puniendi e ius persequendi. 2. Princípios da ação penal privada. 2.1.
Oportunidade e conveniência (decadência e renúncia) 2.2. Disponibilidade (perdão do ofendido e
perempção) 2.3. Indivisibilidade e exceções. O Ministério Público e o aditamento à queixa. 2.4.
Intranscendência. 3. A sucessão processual. 4. Ação penal privada personalíssima - Impossibilidade de
sucessão (extinção da punibilidade). 5. Ofendido menor: decadência e perdão. 6. Aditamento da queixa pelo
MP.
Notas de Aula
1.1. Princípios
Este princípio determina que a vítima proporá a queixa se for de seu interesse. É um
critério absolutamente discricionário do ofendido. Os institutos que materializam este
princípio são a renúncia e a decadência.
A renúncia é um ato unilateral, que não precisa da aceitação da outra parte, e é
comunicável, ou seja, a renúncia dirigida a um co-autor do crime se estende aos demais.
Pelo CPP, a renúncia só existiria nos crimes de ação penal privada, mas a Lei 9.099/95, no
artigo 74, trouxe uma outra previsão:
“Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo
Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo
civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal
pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao
direito de queixa ou representação.”
Mas repare que há quem entenda que, apesar da literal expressão “renúncia”, este
artigo 74 estabeleça uma espécie excepcional de retratação posterior à denúncia, e não
renúncia à queixa ou à representação (pois se já foi realizada, não há o que renunciar –
renúncia é ato prévio à feitura de algum ato).
Veja que pode haver a seguinte situação: havendo dois co-réus, um deles realiza a
composição civil a que alude este artigo 74. Se há a composição por este, se extingue sua
punibilidade pela renúncia; seria esta extinção comunicada àquele que não realizou a
composição civil dos danos?
Há duas correntes: a primeira defende que a renúncia é tratada pelo CPP como
causa de extinção da punibilidade comunicável entre os co-réus, e como não existe nenhum
dispositivo em sentido contrário, aqui também seria comunicável – o co-réu que não
compôs os danos será beneficiado pela composição do outro.
“Art . 41. A prescrição da ação penal, nos crimes definidos nesta Lei, ocorrerá 2
anos após a data da publicação ou transmissão incriminada, e a condenação, no
dôbro do prazo em que fôr fixada.
§ 1º O direito de queixa ou de representação prescreverá, se não fôr exercido
dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão.
§ 2º O prazo referido no parágrafo anterior será interrompido:
a) pelo requerimento judicial de publicação de resposta ou pedido de retificação, e
até que êste seja indeferido ou efetivamente atendido;
b) pelo pedido judicial de declaração de inidoneidade do responsável, até o seu
julgamento.
§ 3º No caso de periódicos que não indiquem data, o prazo referido neste artigo
começará a correr do último dia do mês ou outro período a que corresponder a
publicação.”
Veja que este prazo é decadencial, pois se refere aos direitos de queixa ou
representação, que são direitos potestativos; mas é um prazo decadencial sujeito às causas
de interrupção do § 2° deste mesmo artigo.
Outro aspecto peculiar diz respeito à vítima menor. A vítima de crime sujeito a ação
penal privada que seja menor de dezoito anos será representada por seu pai, em regra.
Assim, o direito de queixa é detido pelo representante legal do menor. Suponha-se,
entretanto, que o representante não oferece a queixa: a vítima, ao completar a maioridade,
terá a seu favor o direito de queixa? Poderá esta vítima deflagrar a ação penal quando
completar dezoito anos, ou o direito de queixa sofreu decadência?
Há dois entendimentos: Damásio defende que a vítima não poderá oferecer queixa,
pois a decadência se operou, extinguindo a punibilidade. O segundo posicionamento,
sumulado pelo STF na súmula 594, diz que os prazos decadenciais são autônomos,
contados separadamente para a vítima e para seu representante (o que é bem coerente, pois
do contrário a vítima, que não podia representar em nome próprio, perderá direito que
sequer detinha, por inércia que não podia suprir). Veja:
1.1.2. Disponibilidade
“Art. 51. O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que
produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar.”
“Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á
perempta a ação penal:
I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do
processo durante 30 dias seguidos;
II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não
comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60
(sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto
no art. 36;
III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer
ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de
condenação nas alegações finais;
IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar
sucessor.”
é titular natural da persecução penal privada, e trata-se, esta manifestação, de uma condição
especial de procedibilidade.
Outro questionamento seria sobre a prisão temporária: é possível este tipo de prisão
em crimes de ação penal privada? A Lei 7.960/89, Lei da Prisão temporária, não estabelece
expressamente este cabimento, pelo que surgem dois entendimentos: para Paulo Rangel,
não é possível esta prisão, porque ela é incompatível com os princípios norteadores da ação
penal privada – oportunidade e disponibilidade –, e por isso não foi dada legitimidade ao
querelante no artigo 2° da lei em comento:
Nestes casos, porém, mesmo a jurisprudência entende que quem terá legitimidade
para representar pela prisão temporária será o delegado, pois o artigo 2° desta lei realmente
não deu legitimidade ao querelante, como visto.
1.1.3. Indivisibilidade
A ação penal privada deverá ser proposta em face de todos os co-autores do crime.
Destarte, se o querelante se omite, na queixa, sobre um dos co-autores, o que
significará esta omissão? Será considerada renúncia em favor do que não foi querelado, e
conseqüentemente se estenderá a todos os que o foram – pois a renúncia se comunica, como
dispõe o artigo 49 do CPP –, ou poderá o MP, como custos legis, aditar a queixa
subjetivamente, fazendo constar o querelado omitido, com amparo no artigo 45 do CPP?
“Art. 45. A queixa, ainda quando a ação penal for privativa do ofendido, poderá
ser aditada pelo Ministério Público, a quem caberá intervir em todos os termos
subseqüentes do processo.”
1.1.4. Intranscendência
Este princípio determina que a ação penal só pode ser proposta em face do autor do
crime. Apesar de óbvio, no direito comparado há casos em que a ação penal pode ser
proposta em face do responsável legal pelo agressor, ou seja, este princípio não vige de
forma onipresente, alhures.
O artigo 5°, LIX, da CRFB,e o artigo 29 do CPP, trazem a previsão desta ação:
“(...)
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for
intentada no prazo legal;
(...)”
“Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for
intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la
e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer
elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do
querelante, retomar a ação como parte principal.”
Esta ação só pode ser admitida quando houver inércia do MP em promover qualquer
manifestação em relação a crime que seja originalmente de persecução em ação penal
pública.
O pedido de arquivamento absolutamente infundado permitiria este tipo de ação
penal privada? Grandinette e Barbosa Moreira admitem esta propositura, pois o direito de
ação, neste caso, tem natureza constitucional expressa. Todavia, o posicionamento
amplamente majoritário defende que não é possível esta ação subsidiária, pelo seguinte
motivo: não há, aqui, inércia do MP, e a valoração sobre a procedência do arquivamento
não é dada ao particular, e sim ao juiz e ao PGJ, nos moldes do artigo 28 do CPP.
Outra questão bastante intrincada diz respeito à seguinte situação; havendo dois co-
autores de um crime, o promotor somente denuncia um deles, sem se manifestar sobre o
outro, não denunciando-o nem pedindo o arquivamento do inquérito. Caberá a queixa
subsidiária contra o co-autor omitido na denúncia?
O entendimento corrente é que não houve, aqui, inércia: bem ou mal, o MP ofereceu
denúncia. Não pode, a omissão, ser interpretada como uma inércia parcial, ensejadora da
queixa subsidiária contra um dos co-autores.
A ação desta natureza não admite perdão ou perempção. Mesmo sendo dada
legitimidade subsidiária ao querelante, o crime que é ali perseguido é de ação penal pública,
e a ação subsidiária não perde esta natureza pública, sendo a ela atinentes todos os
princípios das ações públicas. Mirabete, isoladamente, defende que são possíveis estes
institutos, mas não surtem qualquer efeito em relação ao MP, que deverá retomar o feito e
prosseguir na ação (pois é indisponível).
A natureza jurídica do promotor, nesta ação penal, é de interveniente adesivo
obrigatório, ou seja, é sua incumbência manifestar-se em todos os termos da ação, sob pena
de nulidade relativa. A sua atuação é regida pelo artigo 29 do CPP, já transcrito. Assim, o
MP poderá aditar a queixa, tanto subjetiva quanto objetivamente; poderá repudiar a queixa,
se a entender mal formulada, caso em que oferecerá denúncia substitutiva (sem significar
retomada da ação, entretanto, tampouco juízo de admissibilidade da queixa, que incumbe
apenas ao juizo), etc. Também poderá o promotor retomar a ação, quando perceber que há
qualquer desídia processual por parte do querelante, qualquer negligência ou ato ímprobo
por parte do querelado.
O prazo para oferta da queixa subsidiária é de seis meses, e começa a contar desde o
término do prazo para denúncia, que é de cinco dias desde o dia em que o promotor receber
o inquérito, para indiciado preso, e quinze dias para o indiciado solto, como dispõe o artigo
46 do CPP, já transcrito. Note-se que o direito de queixa só surge no dia seguinte ao
término do prazo do MP, mas não implica em substituição da legitimidade: o MP continuará
incumbido de ofertar denúncia, mesmo após perder seu prazo, sendo impedido apenas
quando o querelante o fizer primeiro.
Passados os seis meses do querelante, prazo decadencial que é constante do artigo
38 do CPP, na verdade, tecnicamente, é um prazo preclusivo nestas ações penais privadas
subsidiárias: ele não extingue a punibilidade, pois o MP, até a prescrição do crime, ainda
poderá oferecer denúncia, apenas estando precluso o direito de queixa do particular.
Consiste na ação penal privada que somente pode ser ajuizada por uma pessoa em
particular. Subsiste apenas um crime cuja ação penal é desta espécie, o crime de
induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, do artigo 236 do CP:
Note que apenas o ofendido pode deflagrar a ação, e somente ele pode dar
andamento, o que significa que, falecendo o ofendido, haverá a extinção da punibilidade
pela perempção, pois não se admite a sucessão processual.
Esta ação é tão pessoal, que se a vítima for incapaz, por doença mental ou qualquer
outro motivo, a ação penal simplesmente não poderá ser deflagrada, diante da
impossibilidade de que o representante legal a promova.
Ocorre quando há conexão entre um crime de ação penal pública e outro de ação
penal privada, onde a vítima oferta a queixa ao lado da denúncia.
Na verdade, então, não se trata de uma outra espécie de ação penal, mas sim de uma
terminologia empregada para identificar esta situação peculiar.
1.3. Queixa
Veja que, na hipótese do caput, quem adita a queixa é o juiz, mudando a imputação
de ofício, o que é possível tanto em ação penal publica como em ação penal privada.
A mutatio consiste na alteração da imputação pelo juízo, pois os fatos revelados
durante a instrução denotam a prática de infração penal diversa daquela que foi imputada na
exordial. A fim de evitar uma absolvição penal injusta, o CPP autorizou esta alteração
diretamente pelo juiz: este formulará uma imputação alternativa ele mesmo, mesmo sem
que a parte se manifeste.
E ressalte-se circunstância ainda mais significativa: o juiz poderá alterar a
imputação, de ofício, mesmo se no curso da ação penal privada for identificado o
cometimento de um crime que é de persecução em ação penal pública: mesmo assim, a
mutatio é admissível.
“Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante
queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único - Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso
do n.º I do art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do
mesmo artigo.”
A regra geral, então, é que o crime contra a honra seja perseguido em ação penal
privada. Mas são as exceções que merecem atenção especial.
Na injuria real praticada com lesão corporal, como indica o caput deste artigo, o
crime será perseguido em ação penal pública condicionada à representação:
humilhar, mas haverá contato físico com a vítima para tal ofensa moral (bom exemplo seria
lançar objetos com o fim de deixar a vítima em estado vexatório, como arremessar ovos ou
tomates). Na lesão corporal, o dolo é de ofender a integridade física da vítima.
Outra exceção é o crime contra a honra do Presidente da República ou do chefe de
governo estrangeiro, que, segundo o parágrafo único do artigo 145 do CP, é perseguido em
ação penal pública condicionada á requisição do Ministro da Justiça.
A última exceção é o crime contra a honra do funcionário público em razão de suas
funções, caso em que a ação é pública condicionada à representação. O STF editou a
súmula 714, que dá legitimidade concorrente à vítima, para propor a ação penal de natureza
privada. Veja:
1.4.1. Procedimento
Nos crimes contra a honra, antes de ser deflagrada a ação penal, pode haver o
pedido de explicações, como estabelece o artigo 144 do CP:
Trata-se de medida facultativa, que tem como objetivo dar ao querelante a justa
causa para deflagrar a ação penal. Este pedido de explicações não interrompe o prazo
decadencial, e sua única conseqüência processual é a prevenção do juízo.
Quando o crime contra a honra tiver ação penal pública, o promotor está legitimado
a pedir explicações? O artigo 144 do CP é literal: apenas o ofendido pode pedir estas
explicações, e não o membro do MP.
Com ou sem o pedido de explicações, o querelante oferece a queixa; oferecida esta,
antes de recebê-la, o juiz abrirá vistas ao MP, o qual realizará uma análise sobre as
condições da ação, e devolverá ao juízo com o seu parecer. Então, o juiz marcará a
audiência de conciliação, prevista no artigo 520 do CPP, ainda antes de receber a queixa:
“Art. 520. Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para
se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente,
sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo.”
Quando o crime contra a honra for de ação penal pública, é claro que esta audiência
não será realizada, pois o artigo acima transcrito é expresso, e porque vige, na ação pública,
a obrigatoriedade que lhe é inerente, não cabendo esta conciliação.
O juiz poderá rejeitar a queixa antes da audiência de conciliação? O momento
natural para esta rejeição ou recebimento é após a frustração da intentada conciliatória, mas
há dois entendimentos sobre a possível rejeição antes da audiência do artigo 520 do CPP: a
primeira corrente defende que não é possível, pois a audiência de conciliação tem natureza
jurídica de condição de procedibilidade imprópria, cuja inobservância é causa de nulidade
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Mário era casado com Maria, cuja interdição fora decretada, nomeado curador seu
pai, João. Nessa qualidade de curador, João promoveu a prisão em flagrante de Mário,
por crime de adultério e, em seguida, contra ele ajuizou ação penal privada, oferecendo a
necessária queixa, que foi recebida.
Pergunta-se:
O ato de recebimento da queixa foi correto ou incorreto? Por quê?
Resposta à Questão 2
Hoje, adultério não é crime, pelo que a questão perdeu o sentido. Todavia,
admitindo-se que ainda fosse crime, apenas para adentrar o que parece ser o cerne da
questão, João não poderia ajuizar a ação: esta é personalíssima, sequer sendo transferida ao
curador a sua titularidade.
Questão 3
MÁRIO ofereceu queixa-crime contra HAROLDO pela suposta prática dos crimes
de calúnia, difamação e injúria, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do CP, mas deixou de
comparecer à audiência preliminar, sem motivo justo aparente. O Juiz, então, julgou o feito
extinto por força da perempção. Agiu corretamente? Fundamente.
Resposta à Questão 3
“Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á
perempta a ação penal:
(...)
III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer
ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de
condenação nas alegações finais;
(...)”
Tema XVI
Notas de Aula
“Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores (crimes contra os
costumes), somente se procede mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-
se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
“Súmula 608, STF: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação
penal é pública incondicionada.”
Em princípio, deve ser traçado um conceito para o que seja “violência real”, da
súmula 608: não é a violência presumida, por óbvio; e não é a lesão corporal grave,
gravíssima ou morte, pois estas já transformam claramente a ação penal em pública
incondicionada, como a própria lei o consigna, sendo despicienda súmula para atestar o que
a lei já deixa claro. Assim resta claro que se trata da lesão corporal leve. Destarte, a
violência real deve ser assim interpretada.
Ocorre que, sendo assim, a súmula vai de encontro à letra da lei: o CP, no artigo
transcrito, é cristalino em estabelecer que a natureza da ação é privada, em caso de estupro
com lesão corporal leve. O STF assim justifica a previsão aparentemente contraditória da
súmula 608: o estupro é um crime complexo, resultante da prática de duas condutas
dissociadas, quais sejam, a lesão corporal leve, fato típico, e a conjunção carnal, fato
naturalmente atípico, adotando o STF a tese do crime complexo lato sensu, portanto,
conceito do jurista italiano Francesco Antolisei, claramente esposado no seu informativo
456, no julgado do HC 86.058, que seguirá transcrito adiante. Sendo crime complexo,
então, o STF entende aplicável o artigo 101 do CP, que dispõe que:
“Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal
fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele,
desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do
Ministério Público.”
A ação penal no crime complexo, então, respeita a natureza da ação penal que se
impõe a um dos crimes autônomos que compõe o crime complexo, o que no caso de
estupro se refere à lesão corporal leve. E esta é a explicação da súmula: à época de sua
formulação, o crime de lesão corporal leve era de persecução em ação penal pública
incondicionada, e por isso o crime complexo de estupro de que faz parte assim também o
seria.
A doutrina sempre criticou esta construção, fazendo o seguinte raciocínio: em
primeiro plano, o estupro não é crime complexo, porque o segundo ato não é típico, sendo
que o conceito de crime complexo reinante é o stricto sensu, que pede cumulação de duas
condutas típicas; e como segundo argumento, mesmo se o estupro for considerado crime
complexo, o artigo 225 do CP é norma especial em relação ao artigo 101, e por isso deveria
prevalecer. Debalde as críticas, o STF sempre manteve a aplicação da súmula 608.
Em 1995, a Lei 9.099 adicionou um elemento complicador: alterou, em seu artigo
88, a natureza da ação penal para as lesões corporais leves e culposas, transformando-a em
ação penal pública condicionada à representação:
“Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá
de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões
culposas.”
“(...)
Já no estupro de que resultem lesões corporais, ainda que leves, embora
enfrentando cerrada crítica doutrinária, é certo que se sedimentara no Tribunal o
entendimento da Súmula 608, no sentido de ser a hipótese da ação pública
incondicionada.
Estou, porém, em que a jurisprudência sumulada ficou prejudicada pela
superveniência do art. 88 da L. 9099/95, que passou a condicionar à representação
do ofendido a ação penal por lesões corporais leves ou lesões culposas: premissa
fundamental da Súmula 608, com efeito, era ser o delito de lesões corporais
persequível mediante ação pública incondicionada, o que a lei nova derruiu.
(...)”
Em síntese, neste julgado, o STF sugere que a súmula 608 deve mesmo ser relida à
luz da norma da Lei 9.099/95, ou seja, retornou ao entendimento de que o crime complexo
que se desenha no estupro é o de lesões corporais leves somado à conjunção carnal forçada
e não o constrangimento ilegal – quando ocorrida a lesão, por óbvio; e que a ação penal,
quando assim o for, deve respeitar a novel disposição do artigo 88 da Lei 9.099/95, que
estabelece que a ação penal para os crimes de lesão leve e culposa é pública condicionada
à representação do ofendido. Polastri também adota esta releitura da súmula, à forma deste
artigo 88.
Para todos os efeitos, esta deve ser considerada a visão mais moderna do STF sobre
tema: havendo estupro com lesão corporal leve, a súmula 608 do STF deve ser relida, e a
ação penal será pública condicionada à representação.
Veja que surge natural desproporção: se o crime for de lesão corporal leve, a ação é
pública condicionada; se ocorre mera contravenção de vias de fato, a ação é pública
incondicionada. O STF assim continua entendendo, mesmo diante desta disparidade, como
se pode ver neste mesmo julgado do informativo 456, entendendo que o artigo 88 da Lei
9.099/95 não se estende às contravenções penais, por interpretação literal do seu texto. Os
juízos estaduais, porém, criticam este entendimento, e diante da desproporção, o JECrim,
também nas contravenções de vias de fato, condiciona a ação à representação 31 do ofendido,
contrariando o STF em prol da lógica e da razoabilidade.
Casos Concretos
Questão 1
CIBELE estava no quintal da casa de sua mãe com seu filho HERMES quando,
ASTOLFO, aparecendo de repente, a jogou ao chão e se colocou sobre ela, começando a
rasgar a sua roupa, com o fim de com ela praticar conjunção carnal.
HERMES, apavorado, correu para chamar a sua avó, o que fez com que ASTOLFO
saísse correndo, deixando CIBELE no chão, com a roupa rasgada e leves arranhões em
seus braços.
Indaga-se:
a) Qual o tipo de ação penal neste caso? Por quê?
b) A resposta seria diferente se ASTOLFO, ao invés de leves arranhões, houvesse
causado graves lesões em CIBELE? Fundamente.
Resposta à Questão 1
a) O crime foi estupro tentado, em concurso com lesões corporais leves, e como há
violência real, a ação penal é pública incondicionada, por força da súmula 608
do STF. Todavia, seguindo recente releitura do próprio STF, a ação seria pública
condicionada à representação, em atenção ao artigo 88 da Lei 9.099/95.
b) Sim, pois a própria lei, o CPP, no artigo 223, determina que a ação é pública
incondicionada, e além disso o STF aplica a súmula 608 à literalidade.
Tema XVII
Ação penal privada subsidiária da pública. Aditamento da queixa pelo M.P. Ação Civil ex delicto. O M.P. e a
D.P. (CPP, art. 68).
Notas de Aula
“(...)
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for
intentada no prazo legal;
(...)”
“Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5
dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do
inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso,
se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo
da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
§ 1o Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o
oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de
informações ou a representação
§ 2o O prazo para o aditamento da queixa será de 3 dias, contado da data em que o
órgão do Ministério Público receber os autos, e, se este não se pronunciar dentro
do tríduo, entender-se-á que não tem o que aditar, prosseguindo-se nos demais
termos do processo.”
Assim, o prazo para que o MP aja é de cinco dias para indiciado preso, e quinze dias
quando solto. Veja que o prazo é para o MP agir, formar sua opinio delicti, e não para
denunciar, obrigatoriamente. Assim, é mais do que assentado o entendimento que a ação
penal privada subsidiária da pública não é possível se o MP promove o arquivamento.
A grande perda do MP, quando o ofendido ajuíza a queixa subsidiária, é a detenção
da opinio delicti: o MP não será mais o dono da ação, e por isso a opinião do querelante
será a que guiará o processo.
O prazo para o MP é impróprio, contudo. Significa que, mesmo que expirado, não
preclui: o MP poderá ainda efetuar uma das três promoções possíveis – arquivamento,
requisição de diligências ou denúncia. No entanto, deixa de ser o único legitimado para o
exercício do direito de ação: expirado o prazo, surge a legitimação extraordinária para o
particular ofendido.
No processo penal, a legitimidade extraordinária exclui a ordinária. Veja: a
legitimidade extraordinária pode ser originariamente detida pelo ofendido, ou ser
subsidiária à legitimidade ordinária do MP. No primeiro caso, em que a legitimidade
extraordinária é originária, trata-se da ação penal privada exclusiva; no segundo caso, em
32
Crítica que se faz à ação penal privada subsidiária da pública é justamente sua colocação topográfica na
CRFB: ao fazer constar do artigo 5°, passa-se a idéia de que é um direito fundamental, enquanto na verdade
não teria este peso axiológico tão asseverado.
Outra lógica que deve ser observada é a não obrigatoriedade do oferecimento pela
vítima da queixa subsidiária: é claro que quando ganha legitimidade subsidiária, a vítima
não estará, por isso, obrigada a agir, pois seu exercício de ação continua sendo um direito, e
não um dever.
Ora, se o crime não tem vítima, não há quem assuma a legitimidade extraordinária. E são
crimes sem vítima aqueles denominados crimes vagos, que não têm ofendido. Alguns
exemplos: crimes ambientais, tráfico de entorpecentes, quadrilha ou bando – todos eles não
têm um particular por vítima, por sujeito passivo, e por isso não há quem tenha a
legitimidade extraordinária para propor a ação penal privada subsidiária. Assim, nestes
crimes, se o MP quedar-se inerte, a legitimidade subsidiária incumbirá à sociedade, de
forma difusa, e por isso ninguém poderá assumir a legitimidade extraordinária, e a ação
penal privada subsidiária da pública que dali decorreria. Em síntese, simplesmente não
cabe ação penal privada subsidiária da pública nos crimes vagos33.
Da inércia do MP, surge a legitimidade para que o ofendido ajuíze a ação penal
privada se for de seu interesse. Assim, a ação penal privada subsidiária da pública rege-se
pelo princípio da oportunidade ou conveniência.
O prazo de seis meses flui desde quando expira-se o prazo para a promoção do MP,
configurando sua inércia – o que ocorre após cinco ou quinze dias, como visto, para
indiciado preso ou solto, respectivamente. Mas atente-se que este prazo do MP começa a
contar desde o recebimento do inquérito pelo promotor a quem for destinado, em seu
gabinete. Vale consignar que considera-se recebido o inquérito quando chega ao gabinete,
como dito, e não quando o promotor o recebe em mãos.
O artigo 29 do CPP é a sede desta ação, e vale ser detalhado em suas previsões:
“Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for
intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la
e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer
elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do
querelante, retomar a ação como parte principal.”
O MP, quando recebe a queixa para dar o parecer sobre a queixa, não poderá
pretender assumir o processo, pois sua inércia deu à vítima a titularidade com a queixa
substitutiva. Desde então, o MP atuará como custos legis, intervindo em todos os atos do
processo, podendo propor provas, recorrer se a vítima não o fizer, e manifestar-se a
qualquer tempo.
Se a queixa, no entanto, for inepta, inábil a provocar corretamente a jurisdição –
estando todas as condições da ação presentes, porém –, o MP irá opinar pelo não
recebimento da queixa, e oferecerá denúncia substitutiva. O juiz, então, poderá exercer um
juízo de admissibilidade conjunto, tanto da queixa quanto da denúncia substitutiva. Se o
juiz não recebe a queixa, por considerá-la inepta, a vítima sequer terá interesse em recorrer,
porque o MP, oferecendo a denúncia como o fez, não mais se encontra na inércia que fez
surgir a legitimidade para a queixa. Todavia, este recurso poderá ser interposto, e se
porventura vier a ser procedente no Tribunal, haverá litispendência, se o juiz já recebera a
denúncia. Por isso, recomenda-se que, havendo a rejeição da queixa, que se aguarde o
trânsito em julgado da decisão, para então receber a denúncia substitutiva.
Estando ausente alguma condição da ação na queixa subsidiária, o MP não ofertará,
necessariamente, a denúncia substitutiva, de imediato. O parquet repudiará a queixa,
opinando por seu não recebimento, e, sendo esta repudiada, poderá promover
arquivamento, novas diligências, ou a denúncia substitutiva.
33
Tampouco caberia assistente de acusação, porque não há vítima diretamente interessada na condenação para
o fim da reparação civil ex delicto.
Sendo recebida a denúncia substitutiva, o que se instaura é uma ação penal pública,
desde o nascedouro do processo. Nada impede, porém, que o ofendido, como se viu,
pleiteie sua incursão no processo como assistente de acusação.
Mas veja que se a retomada do processo pelo MP se der em razão de algum ato de
desídia do querelante, já no curso do processo que foi iniciado por queixa substitutiva, o
querelante que foi excluído pela retomada do MP não poderá se habilitar como assistente
de acusação, pois não demonstrou o interesse processual necessário quando teve
oportunidade (sendo claro que se ele não se habilita, mesmo assim poderá buscar a
reparação civil ex delicto).
Nas ações penais privadas exclusivas, a vítima pode desistir, como se sabe: pode
dispor da ação penal, pelos diversos meios possíveis. Na ação penal privada subsidiária da
pública, se o querelante realizar algum ato de disposição, ou qualquer ato de desídia
processual – como faltar a alguma audiência –, o MP deverá retomar a ação desde então. A
ação penal privada subsidiária não é disponível, como se pôde notar, pelo que a perempção
e o perdão não são cabíveis. Exemplo bem claro de retomada pelo MP seria o pedido de
absolvição, consignado pela vítima nas alegações finais: o MP toma para si o processo,
mesmo que vá também requerer a absolvição nas alegações finais.
Pode acontecer de a queixa não ser inepta, mas não ser perfeita: pode faltar-lhe
precisão na descrição dos fatos, ou da capitulação das qualificadoras, por exemplo. Poderá
o MP aditar tal queixa?
O artigo 29 do CPP é claro: pode haver este aditamento, e quem definirá o que será
recebido – se só a queixa, ou se receberá a queixa e o aditamento. Sabe-se que nas ações
penais privadas existe uma discussão sobre a possibilidade de aditamento pelo MP, dada a
aparente antinomia criada pelos artigos 45 e 49 do CPP, já abordados. Esta divergência não
tem qualquer sentido na ação penal privada subsidiária da pública, pois o MP é o
legitimado ordinário da ação para aquele crime – e por isso toda forma de aditamento é
possível.
Se o MP adita a queixa, e o juiz recebe ambos – queixa e aditamento –, para a
integralização da petição inicial, então, participaram ambos os legitimados. Por isso, surge
um litisconsórcio ativo, que Tourinho chama sui generis.
Este litisconsórcio é sui generis porque o pedido é um só, a pretensão punitiva, e
porque o legitimado extraordinário é o primeiro autor, e o ordinário é o segundo autor, e,
embora a ação seja pública, o titular original do direito material assume esta posição
secundária. A doutrina normalmente identifica o MP como assistente litisconsorcial, e não
como custos legis, como é sua atuação normal nesta ação. O assistente litisconsorcial é
parte.
Vale ressaltar que o assistente de acusação jamais pode ser confundido com parte da
demanda. O assistente de acusação é parte dispensável, pois integra o processo, mas sua
atuação é dispensável. Tanto que se o assistente de acusação tiver negada sua habilitação,
não cabe recurso – mas cabe mandado de segurança.
A ação civil ex delicto só será obstada se houver prova da inexistência do fato. Em
qualquer outro caso de absolvição ou condenação, esta ação será possível. A negativa de
autoria, por exemplo, impede a ação contra quem foi processado penalmente, mas não
contra quem se reputar verdadeiro infrator.
Casos Concretos
Questão 1
Diante da inércia do Ministério Público, que deixou expirar o prazo para oferecer
denúncia, o ofendido oferta queixa substitutiva. Em determinado momento processual, o
réu faz transação com o acusador particular, ressarcindo-o de todos os prejuízos
decorrentes da infração penal, com o compromisso assumido por este último de pugnar
pela absolvição. Isto considerado, ocorrerá perempção da ação penal e a conseqüente
extinção da punibilidade? Fundamente a resposta, utilizando suplementos de doutrina e
jurisprudência.
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XVIII
Sujeitos processuais e auxiliares da justiça. Conceito. Juiz. Conciliadores do Juízo. Ministério Público.
Assistentes. Acusado e defensor. Curador.
Notas de Aula
Os crimes contra a honra do servidor público, a princípio, são de ação penal pública
condicionada à representação, e por isso não existiria legitimidade concorrente alguma – a
legitimidade é do MP. Somente surgiria a legitimidade concorrente se o MP se quedasse
inerte, quando então, por seis meses, a vítima teria legitimidade extraordinária. Esta súmula
estaria legislando, criando uma nova exceção à dinâmica da legitimidade penal.
O MP, interpretando esta súmula, define que é como se o texto omitisse a expressão
completa, que seria redigida iniciando por “No caso de inércia do MP”. Ocorre que esta
súmula seria apenas a reafirmação do óbvio, vez que a regra geral é mesmo esta.
Assim, a súmula demanda melhor explicação. Suponha-se um crime de injúria: esta
pode ter sido cometida contra o servidor público, em razão de suas funções, ou, mesmo em
seu horário de trabalho, em razão de sua pessoa. Neste primeiro momento, cabe ao
ofendido definir se a agressão se dirigiu às funções que desempenha ou a sua pessoa. Se
ficar definido que o crime é contra si, como pessoa, caberá queixa; se definir que o crime
foi injúria em razão da função, caberá representar para que o MP promova a ação penal
pública. Este é o alcance desta súmula.
Há que se consignar que a probabilidade de se confundir a natureza da agressão, ou
seja, se destina-se à função ou à pessoa, é muito grande, e por isso a aplicação da súmula
seria bastante dificultosa. O fato é que, independentemente das críticas, a posição do MP
não é aceita, sendo, realmente, concorrente a legitimidade de ambos, e à vítima cabe
escolher entre oferecer a queixa ou representar.
A respeito, vide o RHC 82.549, do STF:
Na ação penal pública, a vítima não tem legitimidade, como é cediço; todavia, pode
se habilitar como assistente de acusação, a fim de, auxiliado o MP (sem ser parte, diga-se),
favoreça seu interesse em adquirir um título executivo condenatório que vá fundamentar a
ação civil ex delicto.
Assistindo o MP ou não, surge uma situação bastante peculiar. Suponha-se que em
sede recursal, após a sentença criminal de primeira instância, o MP quede-se inerte, e a
vítima, amparada no artigo 598 do CPP, poderá, em regra, interpor apelação:
Esta seria a apelação subsidiária, uma extensão do direito de agir da vítima à seara
recursal, quando da inércia do MP. Ocorre que esta apelação é muito combatida na
doutrina, por diversos motivos, cujo estudo amiúde tem sede no tópico próprio dos recursos
criminais.
3. Suspeição e impedimento
Casos Concretos
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
“Art. 267. Nos termos do art. 252, não funcionarão como defensores os parentes
do juiz.”
Como não é o caso, nada há que sustente a decisão do juiz, devendo esta ser
reformada. Se o juiz se considerar suspeito, ele que assim se declare, e se afaste do feito. A
ordem deve ser concedida.
A respeito, vide o MS 2002.078.00022, do TJ/RJ.