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2.4.4.

René

Guénon: Deriva e Navio dos Doidos

Quase todas as características do pensamento hermético são


representáveis nos procedimentos argumentativos de um de seus
epígonos contemporâneos: René Guénon (cf. o ensaio de Claudia
Miranda em Pozzato, 1989). No seu Le roi du monde[36], o autor assume
a existência de um centro espiritual oculto, governado por um Rei do
Mundo, por quem seriam dirigidos os acontecimentos humanos. Esse
centro coincide, segundo Guénon, com o reino subterrâneo de Agarta,
que se encontraria na Ásia e provavelmente no Tibete, ramificando-se,
porém, sob os continentes e oceanos. Os textos que servem de base a
Guénon não são anteriores à segunda metade do século XIX e carecem
de toda e qualquer credibilidade científica[37], mas Guénon pretende
demonstrar que o centro subterrâneo e o Rei do Mundo são atestados
por todas as mitologias e religiões, e que o reino de Agarta identifica-
se, por todas as evidências, com aquele centro misterioso situado na
Ásia para onde, segundo narra a lenda, emigraram os Templários após
terem sido derrotados por Filipe, o Belo, e também os Rosa-Cruz. Trata-
se, portanto, de sair em busca não de um, mas de muitos textos-
arquétipos ou – à falta destes – de uma infinidade de vozes tradicionais.
Como exemplo das técnicas argumentativas empregadas para esse
fim, acompanhemos o desenvolvimento do capítulo VII: “Luz ou a
Morada da Imortalidade”.

As tradições concernentes ao “mundo subterrâneo” encontram-se em


muitíssimos povos... Poder-se-ia observar, em linha geral, que o “culto das
cavernas” está sempre ligado à ideia de um “lugar interior” ou de um “lugar
central”, e que o símbolo da caverna e o do coração, sob esse aspecto, estão
bastante próximos um do outro... Entre as tradições a que aludíamos, uma há que
apresenta particular interesse: encontramo-la no judaísmo e refere-se a uma cidade
misteriosa chamada Luz... Perto de Luz existe, dizem, uma amendoeira (chamada
luz em hebraico) em cuja base se encontra uma cavidade através da qual podemos
penetrar num subterrâneo, e esse subterrâneo conduz até à cidade que fica
totalmente oculta (p. 70).
Podemos começar observando que as notícias sobre Luz baseiam-se
num “dizem’’ e que as lendas sobre as cidades subterrâneas a que
podemos chegar passando por uma caverna ou pelo oco de uma árvore
não têm conta. De qualquer maneira, mesmo que Luz tivesse existido,
nem mediante sua existência ter-se-ia demonstrado ali haver um centro
subterrâneo do Rei do Mundo. O leitor espera por essa importante
passagem argumentativa. Mas Guénon envereda por outro caminho.

A palavra luz, nas suas diferentes acepções, parece aliás derivar de uma raiz que
designa tudo o que é escondido, coberto, embrulhado, silencioso, secreto; cabe
notar que as palavras que designam o céu têm o mesmo significado. É comum
aproximar-se o vocábulo caelum do grego koilon, “oco” (o que também pode ter
uma relação com a caverna, tanto que Varrão indica tal proximidade nestes termos:
a cava caelum); é mister, porém, observar que a forma mais antiga e correta parece
ser caelum, que lembra de perto a palavra caelare, “esconder”. Por outro lado, em
sânscrito, Varuna deriva da raiz var, “cobrir” (que é também o significado da raiz
kal, à qual se ligam o latim celare, outra forma de caelare, e seu sinônimo grego
kaluptein); e o grego Ouranos é uma outra forma do mesmo nome, visto que var
transforma-se facilmente em ur. Tais palavras, portanto, podem significar “aquilo
que cobre”, “aquilo que esconde”, mas também “aquilo que é escondido”, e esse
último significado é dúplice: o que está oculto para os sentidos, o reino
suprassensível; e, nos períodos de ocultamente ou de obscurecimento, a tradição,
que para de manifestar-se exterior e abertamente, momento em que o “mundo
celeste” se faz “mundo subterrâneo” (pp. 70-72).

Não citei as notas inseridas pelo autor porque, ao invés de fornecerem


confirmações filológicas das etimologias propostas, inserem outras
associações com a tradição védica, egípcia e maçônica. Importante é,
porém, observar que – mesmo levando a sério todas as etimologias que
Guénon pirotecnicamente faz cintilar aos olhos do leitor –, a uma
releitura do trecho, fica evidente, embora o termo grego koilos queira
dizer oco, ou côncavo, que uma coisa oca não é necessariamente uma
coisa escondida ou cavernosa, tanto que se usa koilos potamos para
designar um rio de margens elevadas. Mas mesmo que os antigos
tivessem estabelecido uma relação entre o céu, que sela aos nossos
olhos uma realidade hiperurânia, e eventualmente as cavernas, que
selam as coisas ocultas sob a terra (mas o que esconde, nas cavernas,
não é a sua cavidade, e sim a abóbada, convexa), isso, com efeito, não
estabeleceria uma relação automática entre o céu e uma caverna onde
habitaria o Rei do Mundo. Entretanto, o que se evidencia ainda mais
claramente é que temos aqui duas linhas etimológicas, uma que liga o
céu à concavidade, e outra que o liga ao ocultamento. Se dermos crédito
a uma, não poderemos fazer o mesmo em relação à outra, porque fazer
etimologia não significa estabelecer redes de associações semânticas
mas estabelecer linhas causals. De qualquer forma, nenhuma das duas
linhas etimológicas tem relação com Luz, a não ser pelo fato de que,
como vem acrescentado um pouco mais adiante, Luz também seria
chamada (por quem?) de “a cidade azul”. Cada elemento do discurso
poderia ser um indício, mas todos os indícios juntos não formam
sistema.
Guénon, todavia, não desiste. Abandona o céu e volta para Luz, que
quer dizer também “amendoeira”, “avelaneira”: o caroço é aquilo que a
fruta esconde, e eis de novo a relação extraordinária com as cavernas
(inteiramente óbvia, visto que, por definição, Luz é uma cidade
subterrânea). Mas trata-se de ligar os subterrâneos de Luz com os do
Rei do Mundo – este é de fato o motivo pelo qual Guénon deu início à
sua argumentação. Nesse ponto, novo lance teatral: Guénon descobre
(não diz onde) que luz é também

o nome dado a uma partícula corpórea indestrutível, representada simbolicamente


por um osso duríssimo, partícula à qual a alma permaneceria ligada depois da
morte e até a ressurreição. Como o caroço contém o germe e o osso contém o
tutano, esse luz contém os elementos virtuais necessários à restauração do ser;
restauração que se operará sob o influxo do “orvalho celeste”, revivificando os
ossos dessecados; a isso aludem as palavras de São Paulo: “Semeado na corrupção,
ressuscitará na glória” (pp. 74-75).

E de lambuja, Guénon acrescenta, em nota, que a frase de Paulo se


refere evidentemente ao princípio hermético segundo o qual “o que está
em cima é igual ao que está embaixo, mas em sentido inverso”.
Aqui o desenfreamento analógico leva à falsificação das citações.
Como bom hermetista, Guénon deveria saber que o princípio hermético
transmitido pela Tábua Esmaraldina reza quod est inferius est sicut
quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, e
atesta a exata correspondência entre micro e macrocosmos, mundo
terrestre e mundo celeste, sem mencionar nenhuma relação inversa.
Naturalmente, a relação será um pouco mais inversa e muito menos
harmônica em São Paulo, que não crê, de modo algum, que a glória
celeste seja semelhante à corrupção deste mundo.
Mas agora não há quem detenha Guénon: da glória volta para Luz e
afirma que “costumam situar o luz junto à extremidade inferior da
coluna vertebral” (“costumam”, quem?), passando, assim, a identificar
o luz com a serpente Kundalini tântrica, que residiria no cóccix, e,
devidamente despertada, subiria aos plexos superiores para abrir um
terceiro olho no corpo.

Dessa aproximação parece resultar que a localização do luz na parte inferior do


organismo refere-se somente à condição de homem decaído; valendo o mesmo, no
que tange à humanidade terrestre considerada em seu conjunto, para a localização
do centro espiritual supremo no “mundo subterrâneo” (pp. 76-77).

Nesse ponto, Guénon fez indubitavelmente surgir duas oposições


semânticas que poderiam sistematizar todos os elementos que manobra:
alto versus baixo, e manifesto versus oculto. Mas as duas oposições são
de tal maneira gerais que exaurem todo o mobiliamento mundano e
celeste. Porque embaixo estão garrafas de safra, háluces, porteiros,
cisternas, quadrúpedes e tapetes – e, entre as coisas não manifestas,
incluem-se tubérculos, minas de tungstênio, diferenciais de automóvel,
números de Bancomat, baços, micróbios e o mais alto dos números
ímpares. Em suma, Guénon sugere um sistema, mas o sistema não
permite que se exclua nada, e qualquer jogo que dentro dele se faça
pode desenvolver-se cancerigenamente ad infinitum, através de um
entrelaçamento de associações, baseadas, algumas, sobre a similitude
fonética, outras sobre a suposta etimologia, outras sobre a analogia de
significado, num jogo de leva-e-traz entre sinonímias, homonímias e
polissemias, num deslizamento contínuo do sentido onde cada nova
associação deixa cair aquilo que a provocou para apontar na direção de
novos desembarcadouros, e o pensamento continuamente destrói as
pontes que deixa para trás. Nesse deslizamento do sentido, o que
importa não é, com certeza, a demonstração, mas a convicção de que o
que já era sabido só pode ser confirmado por uma espécie de cacofonia
ensurdecedora do pensamento, onde todo som dá música, e a harmonia
resulta da vontade do adepto, que quer, ao som dessa música, a todo
custo dançar.
Nessa disco-music hermética só uma coisa está clara: a possível
existência e a possível localização do Rei do Mundo permanecem como
um segredo que o autor tudo faz para não revelar. Trata-se, na verdade,
de um segredo vazio: mesmo Guénon sabe que o Rei do Mundo é uma
metáfora para a tradição sapiencial de que é adepto, e que essa tradição
é a suma sincretista de todos os discursos que ele esbanja.

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