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IGREJA LUTERANA

Revista Semestral de Teologia

1
IGREJA LUTERANA

SEMINÁRIO
CONCÓRDIA

Diretor
Leonerio Faller

Professores
Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Leonerio Faller, Gerson
Luis Linden, Leopoldo Heimann, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum,
Vilson Scholz

Professores Eméritos
Donaldo Schüler, Paulo F. Flor
Norberto Heine

IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de
Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB),
São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial
Paulo P. Weirich (Editor), Gerson L. Linden e Acir Raymann

Assistência Administrativa
Ivete Terezinha Schwantes e Alisson Jonathan Henn

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana


e Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com


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2
SUMÁRIO
ARTIGOS
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO 5
Rosemir Mauro Benati

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 47

IGREJA LUTERANA
Volume 72 – Junho 2013 - Número 1

3
ARTIGO

A SANTA CEIA COMO UM EVENTO


ESCATOLÓGICO
Rosemir Mauro Benati1

INTRODUÇÃO

Durante os séculos que nos precederam, a Santa Ceia foi objeto de


exaustivos estudos, de longos debates e de inúmeras interpretações. Isto
demonstra sua importância na vida da Igreja Cristã, a qual, desde a pri-
meira celebração, quando foi instituída por Jesus, crê que nela o próprio
Cristo se faz presente em, com e sob o pão e o vinho, não simbolicamente,
mas real e verdadeiramente, e através dela se dá em favor de nós para
o perdão dos nossos pecados.
Graças ao nosso Deus, ainda hoje podemos celebrá-la conforme Cristo
a instituiu. E, para que assim continue e para que a Igreja possa, por
meio dela, ser edificada e consolada, faz-se necessária a constante pre-

LISTA DE ABREVIATURAS
BÍBLIA
A abreviatura dos livros da Bíblia segue conforme se acha na 2.ed. Revis-
ta e Atualizada de João Ferreira de Almeida.

CONFISSÕES LUTERANAS
Ap - Apologia da Confissão de Augsburgo
CA - Confissão de Augsburgo
CM - Catecismo Maior
Cm - Catecismo Menor
DS - Declaração Sólida da Fórmula de Concórdia
Ep - Epítome da Fórmula de Concórdia
FC - Fórmula de Concórdia

EDIÇÕES DE LUTERO
OS - Obras Selecionadas

1
Rosemir Mauro Benati é bacharel em Teologia pelo Seminário Concórdia de São Leopoldo/
RS (2000); tem Bacharelado e Licenciatura em Teologia pela ULBRA (2001); Especialização
(Pós-graduação “lato sensu”) em psicopedagogia clínica e escolar pela Faculdade de Edu-
cação de Joinville (2005); foi pastor da CEL Trindade, Vila Bom Jesus, Pelotas/RS, de 2001
a 2010; pastor da CEL São Mateus, Sapiranga/RS, de 2011 em diante. Estudo produzido
como trabalho de conclusão do curso de Teologia no Seminário Concórdia.

5
IGREJA LUTERANA

ocupação em mantê-la conforme a ordem de Cristo e com o significado


que Ele quis lhe dar. Isto exige preparo de nossa parte, o que nos leva
a estudá-la com toda a reverência e dedicação, sendo este o objetivo
deste estudo.
Dentre os muitos aspectos relacionados à Santa Ceia está o seu
caráter escatológico. Para melhor compreensão do tema proposto – A
Santa Ceia como um evento escatológico – o mesmo foi dividido em
três partes: na primeira é dada a definição e a fundamentação do Reino
de Deus e da escatologia bíblica, antecipada e futura; num segundo
momento faz-se a abordagem da antecipação da vinda do Reino de
Deus, com suas bênçãos, a cada celebração da Santa Ceia; por fim, e
não menos importante, trata-se da Santa Ceia como apontando para
o fim dos tempos, preparando-nos para a vida eterna e levando-nos a
experimentar o banquete celestial.

1 ESCATOLOGIA BÍBLICA E REINO DE DEUS

Este capítulo tem razão de ser devido à necessidade de se estabelecer


a base para os capítulos posteriores. Visto ser a Santa Ceia um evento
escatológico, requer-se uma definição dos termos “escatologia” e “reino
de Deus” para um melhor entendimento do tema proposto, já que na
Santa Ceia há aspectos de antecipação e de consumação do Reino de
Deus, aspectos da escatologia inaugurada e futura. Não tenciono entrar
em pormenores. Ater-me-ei a aspectos relevantes para o tema.

1.1 Definição de escatologia


“A doutrina das Últimas Cousas (de novissimis) leva este nome por
tratar do que vem ‘por último’, a saber, aquilo ‘com que termina o mundo
presente’ (Schmid)”.2 Provém do vocábulo "e;scatoj, h, on - último”.3 O
adjetivo eschatos significa “temporalmente, os últimos eventos de uma
série”.4 “Como substantivo, to eschaton significa o ‘fim’ em assuntos de
espaço e de tempo”5 e;scatoj refere-se, portanto, ao “[...] time nearest
the return of Christ from heaven and the consummation of the divine
kingdom”.6

2
MUELLER, J. Theodore. Dogmática cristã. HASSE, Martinho L. (Trad.). Porto Alegre:
Concórdia, 1960. v. 2. p.293.
3
GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento grego - Por-
tuguês. ZABATIERO, Júlio P. T. (Trad.). São Paulo: Vida Nova, 1993. p.86.
4
LINK, H.-G. e;scatoj. In: BROWN, Colin; COENEM, Lothar. Dicionário internacional de
Teologia do Novo Testamento. CHOWN, Gordon (Trad.). 2.ed. São Paulo: Vida Nova,
2000. v.I.p.90.
5
LINK, op. cit., p.90.
6
“[...] tempo mais próximo do retorno de Cristo e da consumação do reino divino.” THAYER,

6
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

No AT, vemos que a fé do crente era completamente escatológica,7


voltada para o futuro, estando este totalmente nas mãos de Deus.8 Al-
guns profetas usavam a expressão “lastday/latterdays”.9 “Era um período
de tempo histórico renovado, o tempo final ou do fim [...] marcado pela
atividade salvífica do Senhor”.10
Escatologia, ao menos até aqui, parece resumir-se a eventos futuros.
Mas ela é mais do que isto, é também a “parte da Teologia que estuda
o sentido último e definitivo já presente”.11 O que está de acordo com a
compreensão cristã do fim:

Já a compreensão cristã do fim é escatológica, dividida em duas


fases: o primeiro advento de Jesus Cristo, que ocorreu há quase
dois mil anos, culminando com sua parousia ou a segunda vinda
em um futuro glorioso desconhecido.12

Também Gourgues chama a atenção para estes dois aspectos:

A esperança de uma vida futura se encontra, primeiro, implícita


no anúncio do reino de Deus, tema central da pregação de Jesus.
É claro, com efeito, que esse reino, embora já se ache inaugu-
rado através da missão, da pregação e da atividade de Jesus,
possui também dimensão escatológica, e que o acolhimento a
esse reino supõe repercussões que se estendem para além da
vida presente.13

No NT há a mesma compreensão, havendo a distinção entre o tempo


caracterizado pela vinda de Jesus e o passado, e o contraste do futuro
final de Deus com o presente.14

Joseph H. Thayer’s Greek-English Lexicon of the New Testament. Massachussetts:


Hendrickson Publishers, 1996. p.253.
7
OS TEMPOS DO FIM: Um Estudo sobre a Escatologia e Milenismo – Relatório da Comissão
de Teologia e Relações Eclesiais da Lutheran Church-Missouri Synod. Gerson L. Linden
(Trad.). São Leopoldo, 1995. p.11.
8
GOWAN, Donald. Eschatology in the Old Testament. Philadelphia: Fortress Press, 1986.
p.122.
9
“últimos dias” (Is 2.2; Mq 4.1) VOELZ, James W. What Does This Mean? Principles of
Biblical Interpretation in the Post-Modern World. St. Louis: Concordia Publishing
House, 1995. p.247.
10
LINK, op. cit., p.91.
11
LIBÂNIO, João B.; BINGEMER, Maria Clara L. Escatologia cristã – o novo céu e a nova
terra. Petrópolis: Vozes, 1985. Tomo X. p.295.
12
SHEDD, Russel. A escatologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1983. p.7.
13
GOURGUES, M. A vida futura segundo o Novo Testamento. FERREIRA, I. F. L. (Trad.).
São Paulo: Paulinas, 1986. p.9.
14
LINK, op. cit., p.92.

7
IGREJA LUTERANA

Podemos afirmar, com base no exposto acima, que o termo e;scatoj


“não serve meramente para significar o novo tempo que começou com a
vinda de Jesus. Refere-se, também, à ação final, consumadora de Deus,
que ainda há de vir”.15 Escatologia, portanto, divide-se em duas partes:
inaugurada e futura.

1.1.1 Escatologia inaugurada


Definimos a expressão escatologia inaugurada como abrangendo
tudo “o que as Escrituras do Antigo e Novo Testamentos ensinam sobre
a posse e gozo presentes do crente das bênçãos que serão plenamente
experimentadas quando Cristo retornar”.16
Nos tempos do AT os crentes aguardavam “um Redentor futuro”,
aguardavam o “reino de Deus escatológico”, tinham a promessa da
“nova aliança”, ansiavam pela “restauração de Israel”, bem como pelo
“derramamento do Espírito”, esperavam o “dia do Senhor” e “os novos
Céus e a nova Terra”.17 Tudo isto se cumpriu com o primeiro advento
de Cristo:

Segundo o Novo Testamento, o fim (eschaton) foi inaugurado com


a encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o Messias.
Os ‘últimos dias’ (Hb 1:2) já começaram. Paulo afirma: ‘vindo,
porém, a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu filho’ (Gl 4:4),
apontando para o início de uma nova época.18

Cristo é o cumprimento das promessas feitas aos crentes do AT. Ele


é o antítipo do tipo:

Um tipo é uma pessoa, uma instituição ou um evento que prefigura


e prenuncia uma realidade nova e maior (o antítipo). O antítipo,
tanto histórica como teologicamente, corresponde, elucida, cumpre
e completa escatologicamente o tipo. O antítipo não é mera repeti-
ção do tipo, mas é sempre maior do que sua antecipação. E, visto
que as Escrituras são cristológicas, os tipos do Antigo Testamento
(que são assim mostrados pela Escritura) estão relacionados,
centrados e cumpridos em Cristo e no Seu povo, a Igreja.19

Isto significa que o reino de Deus já veio na pessoa e obra de Cristo:

Jesus and His apostles were of the conviction that the end had
already definitively come. Dodd took as his starting point the

15
Ibid., p.93.
16
OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.11.
17
Ibid., p.11,12.
18
SHEDD, op. cit., p.7.
19
OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.7,8.

8
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

readily-documented fact that the earthly Jesus regarded the


kingdom of God as a reality already actually present in His own
person and work.20

O Messias prometido reina sobre nós e nos dá desde já as bênçãos


escatológicas prometidas por Deus (Hb 6.5; 1Pe 2.2,3; Rm 8.37-39; 6.1-
11).21 Isto Ele faz através do Evangelho e dos Sacramentos:

Através do Batismo, o cristão já ressuscitou para a vida e está,


assim, assegurado da ressurreição corpórea final (Rm 6.5,11,13;
Cl 2.12; 3.1-4). O habitar do Espírito Santo, que foi dado no Batis-
mo, é o penhor que assegura a ressurreição futura do cristão (Rm
8.11,23; 2 Co 1.22; 5.5; Ef 1.13,14). Da mesma forma, o corpo
e o sangue de Cristo na Ceia do Senhor são uma antecipação das
bênçãos escatológicas futuras (Mt 26.29; 1 Co 11.26). 22

1.1.2 Escatologia futura


Por escatologia futura entendemos o estudo dos “eventos que ainda es-
tão no futuro, tais como a ressurreição, julgamento e os novos céus e nova
terra”.23 Este assunto normalmente é discutido sob os seguintes títulos:

1) A Morte Temporal; 2) As Condições da Alma entre a Morte e a


Ressurreição (status medius); 3) O Segundo Advento de Cristo; 4)
A Ressurreição dos Mortos; 5) O Juízo Final; 6) O Fim do Mundo;
7) A Condenação Eterna e 8) A Salvação Eterna.24

Sabemos que Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos. Este


retorno de Cristo e o fim do mundo são confessados nos Credos.25 Pelas
Escrituras, “A Parusia do Senhor é o fim da história humana”.26 No fim do
mundo, quando Cristo vier “[...] será o último dia (João 6.40) da presente
ordem de coisas, depois da qual haverá novo céu e nova terra (2 Pedro
3.10-13)”.27

20
“Jesus e seus apóstolos eram da convicção que o fim já tinha vindo definitivamente. Dodd
tomou como seu ponto de partida o fato legivelmente documentado de que o Jesus terreno
considerou o reino de Deus como uma realidade já presente em sua própria pessoa e obra.”
STEPHENSON, J. Confessional Lutheran Dogmatics. Fort Waine: The Luther Academy,
1993. v. XIII, Eschatology. p.21.
21
OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.12.
22
Ibid., p.18.
23
OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.11.
24
MUELLER, op. cit., p.293.
25
PLUEGER, Aaron Luther. Things to Come for Planet Earth – What the Bible Says About
the Last Times. St. Louis: Concordia Publishing House, 1977. p.51.
26
LIBÂNIO, op. cit., p.217.
27
KOEHLER, E. W. Sumário da doutrina cristã. SCHÜLER, Arnaldo (Trad.). Porto Alegre:
Concórdia, 1969. p.280.

9
IGREJA LUTERANA

Para os cristãos, este último dia será de imensa alegria, pois

O fato de o Verbum incarnatum (logos énsarkos), ou seja, o


Homem-Deus, ser o Senhor onipotente, que no dia derradeiro dará
a bem-aventurança ou a condenação (At 17.31: “Por meio de um
varão”), é de grande conforto para todos os crentes (Jo 11.23-27;
Apocalipse 1.5, 6), ao passo que para todos os incrédulos é causa
de indizível terror (Jo 19.37; Apocalipse 1.7; 6.16, 17).28

Com este ensino, revelado nas Escrituras,

Deus quer que todos venham a crer no Evangelho, levar uma


vida santa em serviço a Cristo e ansiosamente esperar o último
dia, com paciência (Rm 13.12-14; Tt 2.11-13; 1Pe 1.13-15; 2 Pe
3.11,12; 1 Jo 3.2,3; 1 Tm 6.14; Mt 25.14-30).29

E, de fato, diante deste conforto o crente “‘aguarda’ pacientemente


a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e regozija-se na gloriosa redenção
que este dia da salvação lhe promete (Mt 24:44-46; Lc 21:31)”.30 Neste
dia, “Deus abençoará a Igreja com descanso eterno, um descanso que já
é nosso através da fé em Cristo (Hb 3.1; 4.1,8-10)”.31
Enquanto este dia não chega,

os cristãos vivem na proverbial tensão entre o já e o ainda não.


[...] Por um lado, o fim chegou em Cristo. O crente recebe agora
as bênçãos escatológicas prometidas através do Evangelho e dos
Sacramentos. Por outro lado, a consumação ainda é uma realidade
futura. O cristão ainda não entrou na glória do céu.32

Sendo assim, “a presente vida é vivida à luz da vida por vir, e isso dá
sentido e direção à nossa peregrinação terrena”.33

1.2 Definição de Reino de Deus


No NT basilei,a ocorre 144 vezes com referência ao Reino de Deus,
sendo 111 delas nos sinóticos.34 Na LXX35 ocorre em torno de 250 vezes,36
o que mostra a importância deste termo para o presente estudo.

28
MUELLER, op. cit., p.307.
29
OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.16.
30
MUELLER, op. cit., p.296.
31
OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.11.
32
Ibid., p.12.
33
KOEHLER, op. cit., p.299.
34
ZABATIERO, Júlio Paulo T. Rei, Reino. In: BROWN, op. cit., v.II., p.2035.
35
Tradução grega do AT.
36
STOLL, William A. Rei, Reino. In: BROWN, op. cit., v.II. p.2026.

10
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

Porém, antes de analisarmos o significado e o referente desta ex-


pressão, é importante notar que na Bíblia há duas expressões diferentes:
basilei,a tw/n ouvranw/n e basilei,a tou/ qeou/ para referir-se ao que Libâ-
nio diz ser “o núcleo central e fundamental da escatologia cristã: o Reino
de Deus.”37 Por que esta distinção? Estariam os autores das Escrituras
fazendo referência a conceitos diferentes? Na verdade, ambos “are used
interchangeably and with the same audience – and this by inspiration of
the Holy Spirit”.38 Ambos são “synonymous, describing one and the same
eternal kingdom”.39
basilei,a tw/n ouvranw/n é um semitismo e
reflete o termo preponderantemente usado pelo judeu Mateus
o relutante temor dos judeus de pronunciar o nome de Deus.
Mateus usa, portanto, basileia tou ouranon, simplesmente como
uma perífrase e sinônimo para basileia tou theou, que ele também
emprega ocasionalmente.40

Visto que pode ser usado tanto um quanto outro, usarei, a partir daqui,
apenas o termo basilei,a tou/ qeou (Reino de Deus), cujo significado mais
simples é o “domínio ou governo real de Deus, seu direito de mando e o
seu atual governar”.41 Este domínio ou reinado de Deus data do princípio
da história de Israel, quando Abrão obedeceu a Deus e mudou-se para
Canaã.42
Porém, com o passar dos tempos, sob os reis exigidos pelo povo, Israel
deixou de cumprir suas funções como povo especial,43 tornando-se deso-
bediente e idólatra, diante do que Deus o repreendeu levando-o ao exílio.
Deus, no entanto, não os havia abandonado, mas enviou-lhes profetas que
lhes deram a esperança de que toda esta situação seria corrigida.44 Esta es-
perança escatológica estava relacionada com a “manifestação dessa basileia
theou com o aparecimento do Messias que deveria vir”45 e salvar Israel dos
seus inimigos. E isto era aguardado ainda nos tempos do AT.46

37
LIBÂNIO, op. cit., p.287.
38
“são usados alternadamente e com a mesma audiência – e isso por inspiração do Espírito
Santo.” PLUEGER, op. cit., p.12.
39
“sinônimos, descrevendo um e o mesmo reino eterno.” COX, William E. The Millennium.
Nutley, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co.,1964. Apud PLUEGER, op.
cit., p.12.
40
ROTTMANN, Hans. “Igreja” e “Reino de Deus” no Novo Testamento. Porto Alegre:
Casa Publicadora Concórdia, 1966. p.26.
41
Ibid., p.27.
42
STOLL, op. cit., v.II.p.2027.
43
VOELZ, op. cit., p.246.
44
VOELZ , op. cit., p.246.
45
ROTTMANN, op. cit., p.27.
46
VOELZ, op. cit., p.247.

11
IGREJA LUTERANA

Na plenitude do tempo preparado por Deus, o Messias de fato veio


para dentro da história na pessoa de Jesus como personificação do Reino
de Deus.47 O Reino se fez “presente na pessoa e obra de Jesus”,48 que
cumpriu tudo o que havia sido prometido pelos profetas,49 não em defi-
nitivo, mas em princípio.
Reino de Deus, portanto, é, em resumo, “o Reino de um Deus voltado
para os homens, com face de amor, como graça, como dom. É proximidade
salvífica de Deus”.50 É “o próprio poder de Deus atuando sob a forma de
juízo e, sobretudo, de salvação, em nossa história”.51 É, ainda,

a realeza redentora de Deus, dinamicamente ativa para estabe-


lecer Seu domínio entre os homens, e que esse Reino, que irá
aparecer como um ato apocalíptico no final desta era, já veio
à história humana na pessoa e missão de Jesus, para vencer o
mal, libertar os homens do seu poder, e trazer-lhes as bênçãos
do reinado de Deus. O Reino de Deus envolve dois grandes mo-
mentos: cumprimento dentro da história, e consumação no fim
da história.52

O evangelista Mateus compreendeu bem isto e viu que o anúncio de


Jesus da proximidade do Reino

não se restringia à proclamação de uma vinda futura iminente


desse Reino, mas, sim, que o Reino já estava vindo – embora
não consumada e completamente – a era futura já fora iniciada,
a presença do Rei já se fazia sentir.53

Marcos também entendeu que “o tempo está cumprido – um perfeito


de estado – o tempo do cumprimento das profecias messiânicas já chegou,
o futuro invadiu o presente e, por isso, o Reino ‘está próximo’”.54 Também
outros autores do NT concordam que o Reino é “presente e futuro; teo-
cêntrico (cristocêntrico) e transcendente, dinâmico, salvífico”.55
Com sua vinda, Jesus passou a ser o “representante visível da au-
toridade real de Deus sobre a terra”.56 Autoridade que lhe foi dada por

47
LIBÂNIO, op. cit., p.119-124.
48
ZABATIERO, op. cit., p.2038.
49
VOELZ, op. cit., p.249.
50
LIBÂNIO, p.109.
51
Ibid., p.103.
52
ZABATIERO, op. cit., p.2042.
53
ZABATIERO, op. cit., p.2046.
54
Ibid., p.2046.
55
Ibid., p.2054.
56
ROTTMANN, op. cit., p.28.

12
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

ocasião da conclusão de sua obra redentora e que foi confirmada com sua
ascensão aos céus à direita de Deus Pai. “A ascensão foi, por assim dizer,
o ato pelo qual o, ao mesmo tempo divino e humano, Redentor e Senhor
da Igreja tomou posse visível de seu trono da basileia”.57
De posse de seu governo, Jesus reina presente em nosso meio através
de sua Igreja, da qual fazemos parte, e na qual “a basiléia theou se realiza,
concretiza e torna-se perceptível aqui na terra”.58 Este Reino, com todas
as suas bênçãos, nós o recebemos pela fé,59 sendo esta a única maneira
de estarmos no Reino. E “estar ‘no Reino’ significa receber a salvação
messiânica e desfrutar suas bênçãos mesmo enquanto vivendo na era má
de mortalidade e pecado”.60

2 A SANTA CEIA COMO ANTECIPAÇÃO DA VINDA DO REINO DE DEUS

Como foi frisado no capítulo anterior, na obra de Cristo o Reino de Deus


já veio. Já estamos nos “tempos do fim”. Neste capítulo tenciono mostrar
que o Reino de Deus vem também a cada celebração da Santa Ceia, con-
cretizando, assim, a obra de Cristo em nossa vida para proveito presente,
tornando-a, desta forma, objetiva, pois todas as vezes que comemos este
pão e bebemos o cálice, anunciamos a morte do Senhor, lembrando a obra
de Cristo na cruz e recebendo os benefícios da mesma.
Primeiramente apresento o testemunho das Sagradas Escrituras a
respeito desta antecipação, em seguida trago o relato das Confissões Lu-
teranas, para, então, relacionar os resultados obtidos na vida cristã, isto
na seção Aplicações Teológicas.

2.1 Bíblia
O texto escolhido, 1Co 11.25,26, faz parte de um relato paulino da
instituição, contendo, também, uma interpretação (v. 26) inspirada pelo
Espírito Santo, interpretação esta que nos permite chegar a algumas
considerações a respeito do tema proposto.

2.1.1 1Co 11.25,26


Texto grego: “25 w`sau,twj kai. to. poth,rion meta. to. deipnh/sai le,gwn(
Tou/to to. poth,rion h` kainh. diaqh,kh evsti.n evn tw/| evmw/| ai[mati\ tou/to
poiei/te( o`sa,kij eva.n pi,nhte( eivj th.n evmh.n avna,mnhsinÅ 26 o`sa,kij ga.r
eva.n evsqi,hte to.n a;rton tou/ton kai. to. poth,rion pi,nhte( to.n qa,naton
tou/ kuri,ou katagge,llete a;crij ou- e;lqh|Ŕ61
57
Ibid., p.30.
58
Ibid., p.47.
59
Ibid., p.30.
60
ZABATIERO, op. cit., p.2050.
61
NESTLE-ALAND. Novum Testamentum Graece. 26.ed. Stuttgart: Deutsche Bibelstiftung,
1979. p.460.

13
IGREJA LUTERANA

Tradução: 25 Semelhantemente também [tomou] o cálice, depois de


cear, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto,
todas as vezes que o beberdes, em memória minha. 26 Porque todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do
Senhor, até que ele venha.

2.1.1.1 Aspectos isagógicos


No tempo da escrita de 1Co, a cidade de Corinto era a “mais impor-
tante da Grécia”.62 Destruída por L. Mummius Achaicus em 146 A.C.,63
foi reerguida um século mais tarde por ordem de Júlio César.64 Sua
situação geográfica era privilegiada, tendo dois portos, de modo que
veio a ser o principal empório entre a Ásia e Roma.65 “A população era
constituída de gregos nativos, colonos romanos e de judeus”.66
No entanto, “a cidade, famosa pela sua riqueza e cultura, era
conhecida também pela corrupção moral dos seus habitantes e pela
libertinagem que dominava os costumes da sociedade”.67 “Era sede
de uma aviltante modalidade de culto a Vênus, bem como de outros
cultos licenciosos originários do Egito e da Ásia”.68 “Templo, santuários
e altares pontilhavam a cidade. Mil prostitutas sagradas se punham à
disposição de qualquer um no templo da deusa grega Afrodite”.69 Era,
em resumo,

um lugar muito cosmopolita. Era uma cidade importante. Era


intelectualmente viva. Era materialmente próspera. Era moral-
mente corrupta. Os seus habitantes eram pronunciadamente
propensos a satisfazer os seus desejos, fossem de que espécie
fossem.70

Entretanto, não se tem certeza de que o caráter da antiga Corinto


estivesse também associado com a nova. O que se pode dizer é que uma
reputação tão infame custa “a desaparecer e, na condição de cidade

62
ERDMAN, Charles R. Primeira epístola de Paulo aos Coríntios. M., D. A. (Trad.). São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1956. p.7.
63
MORRIS, Leon. I Coríntios – introdução e comentário. OLIVETTI, Odayr (Trad.). São
Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983. p.11.
64
Ibid., p.7.
65
Ibid., p.8.
66
DAVIDSON, F. O novo comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, [19--]. p.1187.
67
BÍBLIA de estudos Almeida- RA. 2.ed. Barueri: SBB,1999. p.239 do NT.
68
ERDMAN, op. cit., p.8.
69
GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. 4.ed. BENTES, João Marques (Trad.).
São Paulo: Vida Nova, 1991. p.309.
70
MORRIS, op. cit., p.12.

14
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

portuária importante, é improvável que Corinto tenha criado fama de


probidade moral (veja 1 Co 6.12 e ss.)”.71
Nesta cidade, com todos os seus problemas, Paulo foi pregar o Evange-
lho, sendo o pioneiro na evangelização da cidade.72 A situação geográfica
parece ter influenciado, pois dali o Evangelho poderia facilmente espalhar-
se para as regiões vizinhas.73
Durante sua 2ª Viagem Missionária, tendo saído de Atenas, chegou a
Corinto, onde encontrou Áqüila e Priscila, judeus fabricantes de tendas,
com os quais passou a morar e a trabalhar, pois eram do mesmo ofício.
Aos sábados Paulo anunciava o evangelho na sinagoga (At 18.1-4).
Contudo, devido à oposição de seus adversários judeus, abandonou
a sinagoga e fundou uma assembleia cristã na casa de Tito Justo, a qual
ficava perto da sinagoga.74 Através de sua pregação muitos creram e foram
batizados,75 formando a Igreja à qual a epístola de 1Co foi endereçada.
Esta igreja era composta de uns poucos judeus e muitos gentios,76 sendo
a maioria de classes mais humildes.77
Depois de 18 meses naquela cidade (At 18.11), Paulo viajou para
Jerusalém e Antioquia, deixando “uma igreja forte e florescente, prati-
camente sob a proteção de Roma e capacidade a prosseguir na evange-
lização de toda a província da Acaia”.78 Mas nem tudo se deu conforme
o esperado:

os antecedentes pagãos da maioria daqueles irmãos continuavam


pesando na conduta de alguns, e a corrupção geral, característica
da cidade, era influente também na congregação, de modo que,
inclusive no seu seio, se davam casos de imoralidade que exigiam
ser imediatamente corrigidos.79

Paulo, em sua 3ª Viagem Missionária, quando estava em Éfeso por


volta de 55 A.D., tomou conhecimento destes casos por intermédio de uma
carta da igreja (1Co 7.1), possivelmente levada pelas mãos de Estéfanas,
Fortunato e Acaico (1Co 16.17), e também por gente da casa de Cloe (1Co
1.11). Paulo, então, escreveu à igreja em Corinto a segunda carta, a qual

71
CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento.
REDONDO, Márcio Loureiro (Trad.). São Paulo: Vida Nova, 1999. p.292.
72
DAVIDSON, op. cit., p.1187.
73
MORRIS, op. cit., p.13.
74
ERDMAN, op. cit., p.9.
75
MORRIS, op. cit., p.14.
76
DAVIDSON, op. cit., p.1189.
77
ERDMAN, op. cit., p.9.
78
Ibid., p.10.
79
BÍBLIA, op. cit., p.239 do NT.

15
IGREJA LUTERANA

conhecemos como 1Coríntios. Nela Paulo aborda as questões problemáticas


da igreja, as quais são tratadas por ele na seguinte ordem:

Paulo trata primeiro de uma questão eclesiástica, ou sejam


divisões na igreja. Seguem-se três questões morais: o caso de
disciplina, litígios perante os tribunais, e a impureza na vida social.
Vêm após duas questões dependentes das circunstância, isto é,
o casamento e o uso de carnes oferecidas aos ídolos. Adiante
considera três questões litúrgicas: a maneira de a mulher se
portar durante o culto, a administração da Ceia do Senhor, e o
exercício ordeiro dos dons espirituais. Por fim, uma questão de
ordem doutrinária: a ressurreição.80

A questão que nos interessa para o presente estudo é a referente à


administração da Ceia do Senhor (1Co 11.17-34), que, segundo informa-
ções passadas a Paulo (v. 18), estava sendo desvirtuada principalmente
pela falta de comunhão entre os irmãos, havendo, inclusive, divisões
entre eles (v. 18).
Pelo que se sabe, a Ceia do Senhor, nos tempos apostólicos, era
precedida pela “festa do amor”,81 a qual reunia os fiéis de modo fraterno
revelando o amor mútuo dos cristãos. Todos participavam, desde os mais
favorecidos até os que nada possuíam.82 “Mas, ao invés de repartirem
os alimentos com todos, cada qual conservava para si a parte que tinha
levado”,83 comendo-a sem esperar os que chegariam mais tarde (v. 33), –
talvez por questão de horário de trabalho84 – transformando, desta forma,
a refeição comum em uma ceia particular, inclusive com excessos, como a
embriaguez. Enquanto isso, aqueles que nada tinham trazido permaneciam
com fome (v. 21). O que se pensava era que a refeição comum

valesse por si mesma, desligada de qualquer contexto de amor


recíproco, e que criasse e exprimisse uma relação somente
vertical com o Cristo ressuscitado. O sacramento, celebrado
materialmente com todos juntos, tornou-se um ato individual
dos fiéis, não da Igreja.85

Segundo Paulo (v. 20), o que eles comiam não era a Ceia do Senhor –
a qual é convívio com Cristo e com os irmãos – mas uma ceia particular,
pois excluindo os pobres do convívio mútuo, exclui-se a convivência com

80
ERDMAN, op. cit., p.11.
81
DAVIDSON, op. cit., p.1208.
82
BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). ALMEIDA, José Maria de (Trad.). São
Paulo: Edições Loyola, 1989. p.310.
83
DAVIDSON, op. cit., p.1208.
84
BARBAGLIO, op. cit., p.309.
85
Ibid., p.310.

16
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

Cristo, anulando, assim, o relacionamento de comunhão e participação


com o Senhor – que são próprias da Santa Ceia –, visto que se anula o
relacionamento de comunhão e solidariedade com os irmãos mais neces-
sitados – que são próprias da ceia comum.86
Os coríntios, agindo da forma acima descrita, estavam menosprezan-
do a igreja de Deus e humilhando os que nada tinham (v. 22), mesmo
porque

a igreja é uma realidade criada por Deus e por sua graça, perten-
ce totalmente a ele, mas exprime essencialmente fraternidade,
participação. Por isso, a afronta feita aos pobres equivale a um
desprezo pela Igreja de Deus.87

O modo encontrado por Paulo para sanar esta irregularidade é lembrar-


lhes a instituição da Santa Ceia. Este fato servia “para dar ênfase ao amor
de Cristo pelos discípulos, amor que se esquece de si em benefício dos
outros”.88 Amor que deveria fazer parte da vida dos cristãos coríntios.
Alguns aspectos deste relato serão abordados na seção seguinte.

2.1.1.2 Aspectos textuais


Tou/to to. poth,rion h` kainh. diaqh,kh evsti.n evn tw/| evmw/| ai[mati
A palavra “cálice”, neste texto, “é uma forma gramatical ou, para ser-
mos mais exatos, uma figura de sintaxe, chamada metonímia, onde o con-
tinente é tomado pelo conteúdo”.89 O que significa dizer que to. poth,rion
refere-se ao vinho contido no cálice, o qual “is not merely ‘this wine’ but
‘this wine consecrated by the Lord to be the bearer of his sacrificial blood’”,90
pelo qual estabeleceu uma nova aliança entre Deus e seu povo.
Esta “Nova Aliança” dá a ideia de uma “antiga aliança”.91 Aquela firmada
no monte Sinai,92 – registrada em Êx 24 – e que, conforme a profecia de Jr
31.31ss., “seria substituída por uma nova baseada no perdão de pecados,
e com a lei de Deus escrita no coração das pessoas”.93

86
BARBAGLIO, op. cit., p. 312.
87
Ibid., p. 312.
88
ERDMAN, op. cit., p.100.
89
FELDMANN, C. L.; HOLDORF, C. J. O significado das palavras da instituição da Santa Ceia,
conforme 1 Co 11.23-26. Igreja Luterana. Porto Alegre, ano XXXII, 1971. p.51.
90
“... ‘Este cálice’ não é meramente ‘este vinho’ mas ‘este vinho consagrado pelo Senhor
para ser portador do seu sangue sacrificial’.” LENSKI, R. C. H. The Interpretation of St.
Paul’s First and Second Epistle to the Corinthians. Columbus: Wartburg Press, 1946.
p.470.
91
FELDMANN, op. cit., p.51.
92
CHAMPLIN, Russell N. O Novo Testamento interpretado - versículo por versículo.
Guaratinguetá: A Voz Bíblica, [19--]. v.IV. p.182.
93
MORRIS, op. cit., p.130.

17
IGREJA LUTERANA

O sangue da antiga aliança “typified and promised the blood of Christ,


God’s own Son, the seal of ‘the new testament’ by which we inherit all
that this blood has purchased and won for us”94 “Está em pauta a vida que
Jesus Cristo nos deu, a sua expiação no sacrifício da cruz”.95 Jesus, com
estas palavras, está nos dizendo “que o derramamento do Seu sangue é
o meio de estabelecer a nova aliança”.96 Com Sua morte

uma ‘nova aliança’ foi firmada, prefigurada pela primeira, capaz


de realizar aquilo que a primeira tão somente apontava como
necessário, mas que não podia concretizar, a saber, a expiação
pelo pecado, a redenção através do poder transmissor de vida
que há no sacrifício de Cristo”.97

tou/to poiei/te( o`sa,kij eva.n pi,nhte( eivj th.n evmh.n avna,mnhsin


poiei/te – imperativo presente ativo de poie,w – fazei. “The imperative is
a durative present tense and denotes indefinite repetition: ‘This do again
and again’”.98 Por esta ordem inferimos que Cristo deseja “que a Santa
Ceia seja celebrada sempre, bem assim como ele a instituiu, em memória
dele, da sua morte, da sua obra, para a remissão de nossos pecados”.99
Isto porque a Santa Ceia é um dos meios “que Jesus estabeleceu para Ele
estar presente no coração e na mente da comunidade da igreja”.100
o`sa,kij eva.n pi,nhte parece ser
una inserción paulina em las palabras del mandato, para hacer
resaltar su proprio énfasis especial. Esto parece tanto más proba-
ble a la luz del v. 26, donde emplea el mismo lenguaje junto con
un ‘así pues’ explicativo, com el fin de reforzar la razón que había
tenido, desde un inicio, para citar la tradición completa”.101

avna,mnhsin – substantivo acusativo feminino singular de “avna,mnhsij(


ewj( h` recordação Hb 10.3; lembrança, memória Lc 22.19; 1 Co

94
“tipificava e prometia o sangue de Cristo, o próprio Filho de Deus; o selo da ‘nova aliança’
pelo qual nós herdamos tudo que esse sangue adquiriu e ganhou para nós.” LENSKI, op.
cit., p.471.
95
CHAMPLIN, op. cit., p.182.
96
MORRIS, op. cit., p.130.
97
CHAMPLIN, op. cit., p.182.
98
“O imperativo é um presente duradouro e denota repetição indefinida: ‘Fazei isto de novo
e de novo’.” LENSKI, op. cit., p.468.
99
FELDMANN, op. cit., p.52.
100
BARTELS, K. H. In: BROWN, op. cit., v.I, p.1184.
101
“uma inserção paulina nas palavras do mandamento, para fazer ressaltar sua própria ênfase
especial. Isto parece tanto mais provável à luz do v. 26, onde emprega a mesma linguagem
junto com um “assim pois” explicativo, com o fim de reforçar a razão que havia tido, desde
o início, para citar a tradição completa.” FEE, Gordon. Primera epístola a los Corintios.
VARGAS, Carlos Alonso (Trad.). Buenos Aires: Nueva Criación, 1994.p.629.

18
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

11.24s.”.102 “the phrase ‘in (or for) my remembrance’ is an echo of the


Passover rite: ‘And this shall be unto you for a memorial’”.103 “Está em
foco todas as vezes que a comemoração for levada a efeito, com o pro-
pósito de relembrar a pessoa de Cristo”.104 No entanto, o antecedente
do AT para este termo, “zikkarôn impede que se entenda a Ceia do
Senhor como mera lembrança psicológica. A comunidade cristã participa
eficazmente do evento salvífico da morte de Jesus”.105 A Santa Ceia é
também uma “recordatorio constante y repetido – como también una
experiencia – de la eficacia de esa muerte para nosotros”.106
Quando participamos da Santa Ceia, lembramos “the content of the
entire sacramental act. And this remembrance is the oral reception of
Christ’s body that was sacrificed for us on the cross”.107 Esta memória
também inclui grato reconhecimento e confissão da ação redentora
divina.108 Assim vivia a igreja primitiva, tendo a eucaristia como sendo
“o relembrar diante de Deus do sacrifício único de Cristo em toda a
sua plenitude realizada e eficaz, de tal modo que opera aqui e agora
mediante os seus efeitos na alma dos redimidos”.109 Este memorial,
portanto, não é uma simples lembrança.

o`sa,kij ga.r evan. evsqi,hte to.n a;rton tou/ton kai. to. poth,rion pi,nhte
Paulo dá sua própria explicação ou comentário sobre a Santa Ceia.110
Ele liga esta explicação às palavras de Jesus “[...] ‘as often as you drink
it,’ but mentions both elements: ‘as often as you eat this bread and drink
this cup,’ and indicates that he refers to the celebration of the entire
sacrament”.111
A conjunção “porque” é uma “palavra que olha de volta para o ele-
mento ‘memorial’ da Ceia do Senhor”,112 explicando-o: “Quando Jesus diz

102
GINGRICH, op. cit., p.21.
103
“a frase ‘ em (ou para) memória minha’ é um eco do rito da Páscoa: ‘E isto vos será por
memorial.’” LENSKI, op. cit., p.468.
104
CHAMPLIN, op. cit., p.182.
105
BARBAGLIO, op. cit., p. 314.
106
“[...] recordação constante e repetida – como também uma experiência – da eficácia dessa
morte para nós.” FEE, op. cit., p.631.
107
“[...] o conteúdo de todo o ato sacramental. E essa memória é a recepção oral do corpo
de Cristo que foi sacrificado por nós na cruz.” LENSKI, op. cit., p.468.
108
FRANZMANN, Martin H.; ROEHRS, Walter R. Concordia Self-Study Commentary. St.
Louis: Concordia Publishing House, 1979. p.155.
109
DIX, Gregory. The Shape of the Liturgy. 1945. p.243. Apud.BARTELS, op. cit., p.1184.
110
BARBAGLIO, op. cit., p. 314.
111
“[...] ‘todas as vezes que o beberdes,’ mas menciona ambos elementos: ‘todas as vezes
que comerdes este pão e beberdes este cálice,’ e indica que ele recorre à celebração do
sacramento inteiro.” LENSKI, op. cit., p.473.
112
CHAMPLIN, op. cit., p.183.

19
IGREJA LUTERANA

‘em memória de mim’, Paulo explica essas palavras dizendo: ‘anunciais a


morte do Senhor’”.113
Para Paulo, todas as vezes em que celebramos a Santa Ceia, o fazemos
em memória de Jesus. E “fazer a ‘memória’ de Jesus significa anunciar
a morte do Senhor”,114 significa anunciar e receber os benefícios de sua
morte, até que Ele venha.

to.n qa,naton tou/ kuri,ou katagge,llete a;crij ou- e;lqh


katagge,llete – presente indicativo ou presente imperativo ativo 2ª
pessoa do plural de katagge,llw, que significa

‘anunciar’ (assim na ARA), ‘proclamar’. No Novo Testamento é


empregado mormente com referência à pregação do Evangelho.
Sempre denota uma atividade exercida para com os homens,
e nunca uma atividade exercida para com Deus. Assim, aqui
significa que a solene observância do ofício da Santa Comunhão
é uma vívida proclamação da morte do Senhor.115

Se for presente do imperativo, há uma ligação com a ordem de Cristo


(poiei/te v.25) de celebrarmos a Santa Ceia em sua memória, manifes-
tando, assim, seu desejo de que todas as vezes que comermos o pão e
bebermos o cálice (v.26) também anunciemos sua morte e os benefícios
da mesma (o “fazer” e o “anunciar” estão juntos). Se for presente do
indicativo não há ligação direta com a ordem de Cristo, mas o anúncio
também é feito (ao “fazermos” também “anunciamos”). A ARA traduz no
modo indicativo: “anunciais”.
Os coríntios estavam sendo instruídos a participarem dignamente
da Santa Ceia. Havia abusos que mereciam reprimendas. Paulo, então,
advertiu-os, “dizendo que ao ‘comer o pão’ e ‘beber o cálice’ (refere-se
ao sacramento todo), eles não estavam apenas celebrando um rito tra-
dicional ou um ágape, mas anunciando a morte do Senhor”.116 Só que
eles, na verdade, estavam desvirtuando a Ceia do Senhor, porque “Each
time we receive the Lord’s Supper we proclaim to both Christians and
non-Christians that Christ gave his body and shed his blood to redeem all
mankind”,117 sendo a correta administração, de acordo com as palavras de

113
FELDMANN, op. cit., p.53.
114
BARBAGLIO, op. cit., p. 314.
115
MORRIS, op. cit., p.130.
116
FELDMANN, op. cit., p.52,53.
117
“Cada vez que nós recebemos a Ceia do Senhor nós proclamamos a cristãos e não-cristãos
que Cristo deu seu corpo e derramou seu sangue para redimir todo gênero humano.”
TOPPE, Carleton A. First Corinthians. St. Louis: Concordia Publishing House, 1992.
p.108.

20
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

Jesus, e a participação na Ceia um testemunho vivo disso, visto que nela


é o próprio Deus que está presente,118 se oferecendo a nós119 de maneira
eficaz para enriquecer e unificar a igreja.120 Comendo o pão e bebendo
o cálice tornamo-nos participantes da morte de Jesus, pois os benefícios
são para nós, tendo, portanto, valor salvífico, expiatório.121
e;lqh| – aoristo subjuntivo ativo 3ª pessoa do singular de e;rcomai – que
ele venha. Denota um simples ato futuro e uma vinda real,122 dando-nos
“a medida do caráter escatológico da Santa Ceia”,123 – a qual está entre
a morte de Jesus e a sua vinda final124 – fazendo-nos olhar “prospectiva-
mente para o dia em que o Senhor voltará”.125 Com as palavras do v.26,
Paulo “determinou a prática contínua da ordenança da Ceia do Senhor, até
à restauração da presença visível do Senhor Jesus”,126 ou seja, até que
Ele venha. Mais detalhes sobre a perspectiva futura da Santa Ceia serão
dados no próximo capítulo.

2.2 Confissões
Como já foi frisado no primeiro capítulo,127 as bênçãos escatológicas
prometidas por Deus já são recebidas em nosso tempo, a cada parti-
cipação na Santa Ceia. Isto se dá porque “existe uma conexão entre o
sacramento e a escatologia.128 Isto nos leva a fazer breves considerações
a respeito dos sacramentos, que são atos sagrados ordenados por Deus
e nos quais Ele, “por certos meios externos, ligados com sua palavra,
oferece, dá e sela aos homens a graça merecida por Cristo”.129 Os sacra-
mentos foram instituídos “para serem sinais e testemunhos da vontade
divina para conosco, com o fim de que por eles se desperte e fortaleça
nossa fé” (CA XIII, 1). Por isso são chamados, juntamente com a Palavra,

118
BROWN, op. cit., v.I, p.1178.
119
CHAMPLIN, op. cit., p.183.
120
FRANZMANN, op. cit., p.155.
121
BARBAGLIO, op. cit., p. 314.
122
LENSKI, op. cit., p.474.
123
FELDMANN, op. cit., p.53.
124
BARBAGLIO, op. cit., p. 315.
125
MORRIS, op. cit., p.130.
126
CHAMPLIN, op. cit., p.183.
127
Nota 21

128
SASSE, Hermann. Isto é o meu corpo. 2.ed. REHFELDT, Mário L. (Trad.). Porto Alegre:
Concórdia, 1993. p.137.
129
KOEHLER, op. cit., p.190.

21
IGREJA LUTERANA

de meios da graça,130 meios através dos quais a graça de Deus chega


até nós. Da mesma forma como

a absolvição final no Dia Derradeiro é antecipada na absolvição,


e, assim como nossa morte e ressurreição são antecipadas no
Batismo, do mesmo modo se recebe uma dádiva escatológica
já agora na Ceia do Senhor.131

Esta dádiva é o perdão dos pecados,132 com a vida e salvação.133 “Pois


onde há remissão dos pecados, há também vida e salvação” (Cm VI, 6).
Tudo isto nos foi conquistado por Cristo mediante seu sacrifício expiatório134
– o único e suficiente – no qual Ele se entregou e morreu por nós. E, para
assegurar e dar o perdão a cada pecador que se arrepende, Cristo

instituiu a santa ceia, em que ele dá, como selo de sua promes-
sa, o corpo e sangue com que ele nos obteve esses tesouros
celestes. E o que crê nessas palavras da promessa, ‘tem o que
elas dizem e expressam: remissão dos pecados’.135

Por isso dizemos que a Santa Ceia é puro evangelho,136 pois “o corpo de
Cristo, juntamente com todos os seus benefícios, é distribuído com o pão
de modo não diverso do em que o é com a palavra do evangelho” (FC DS
VII, 18), de modo que “todo o conteúdo do evangelho é o conteúdo deste
sacramento”,137 o qual nos é oferecido como um remédio, “como medicina
inteiramente salutar e consoladora, que te ajuda e te dá a vida, tanto na
alma quanto no corpo. Porque onde está restaurada a alma, aí também
está auxiliado o corpo” (CM IV, 68), antecipando, assim, a redenção futura
do corpo e da alma138 e nos dando uma amostra do que nos está prepa-
rado nos céus. A Ceia, portanto, foi instituída “to nourish and sustain his
people and assure them of his grace”.139Trata-se de um

alimento para as almas, que nutre e fortalece o novo homem. Pois


no batismo nascemos novamente; mas [...] ainda permanece, a

130
Ibid., p.221.
131
SASSE, op. cit., p.289.
132
Ibid., p.85.
133
MUELLER, op. cit., p.215.
134
SASSE, op. cit., p.17.
135
KOEHLER, op. cit., p.217.
136
MUELLER, op. cit., p.187.
137
SASSE, op. cit., p.82.
138
LUTERO, M. Luther’s Works. St. Louis: Concordia, 1955. p.360-372. Apud. PRUNZEL, C.
J. Estudos na Teologia de Lutero. São José dos Pinhais: Adesão Editora, 1996. p.44.
139
“para nutrir e sustentar seu povo e lhes assegurar de sua graça.” LCMS - CTCR. Admis-
sion to the Lord’s Supper: Basics of Biblical and Confessional Teaching. St. Louis,
novembro 1999. p.52.

22
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

antiga natureza corrupta de carne e sangue no homem . Por esse


motivo nos é dado para alimento e sustentação diários, para que
a fé se revigore e fortaleça.140

Lutero lembra que “nos são dadas neste sacramento a incomensurá-


vel graça e misericórdia de Deus” (OS 1, 431). Isto é possível porque o
próprio Cristo está presente na Santa Ceia. Ele “não só diz que virá, ele
está aí”141 com o mesmo corpo que Ele deu a seus discípulos na última
ceia, o mesmo corpo com que fora crucificado e que ressuscitou.142 Por
isso, todas as vezes que participamos da Santa Ceia, Cristo se entrega a
nós,143 antecipando, assim, sua parusia, fazendo-nos, já agora, partici-
pantes da ceia do Cordeiro.
Esta visão de antecipação – na Santa Ceia – do banquete messiânico
é ensinada no Novo Testamento.144 Na Ceia a esperança do retorno de
Jesus já se cumpre.145 Em cada celebração a petição “Vem, Senhor Jesus!”
é levada a efeito, graças à sua presença real neste sacramento,146 sem a
qual todas estas dádivas acima citadas seriam apenas símbolo, sem valor
e sem significado real para nossas vidas.
Lutero tratou a Santa Ceia como um dos assuntos centrais para a
vida da Igreja,147 tornando-se um grande defensor da presença real do
verdadeiro corpo e sangue de Cristo no Sacramento.148 Isso é comprovado
pelos inúmeros escritos seus para refutar falsos ensinamentos a respeito.
Nossas Confissões são claras ao dizer que “na ceia do Senhor estão verda-
deira e substancialmente o corpo e o sangue de Cristo, sendo oferecidos
verdadeiramente com os elementos visíveis, pão e vinho. E falamos da
presença do Cristo vivo” (Ap X, 4). Negando-se a presença real, tira-se da
Ceia o que lhe dá razão de ser e nega-se as palavras de Cristo, as quais,
segundo a doutrina luterana,

exprimem todas a mesma verdade sublime, a saber, que em, com


e sob o pão e o vinho, como por verdadeiros vehicula et media
collativa, o comungante recebe o verdadeiro corpo e sangue de
Cristo para graciosa remissão dos seus pecados.149

140
SASSE, op. cit., p.135.
141
LUTERO, M. D. Martin Luthers Werke: Kritische Gesamtausgabe. Weimar (WA), 1883.
Apud. BAESKE, A. Comunhão Escatológica.16/07/1999. p.5.
142
SASSE, op. cit., p.283.
143
Ibid., p.176.
144
SASSE, Hermann. We Confess the Sacraments. St. Louis: Concordia Publishing House,
1985. v. 2. p.92.
145
Ibid., p.92.
146
Id., Isto é o meu corpo, op. cit., p.297,298.
147
WARTH, Martim C. In: OS 1, 425.
148
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.76. Apud. PRUNZEL, op. cit., p.40.
149
MUELLER, op. cit., p.203.

23
IGREJA LUTERANA

Nós, luteranos, tomamos as palavras da instituição em seu sentido


simples e confiamos em que Cristo, que fez a promessa, também será
capaz de cumpri-la,150 visto que elas são eficazes e operam “onde quer que
se observe sua instituição e se pronunciem suas palavras sobre o pão e o
cálice e se distribuam o pão e o cálice abençoados” (FC DS VII, 75).
Lutero estava ciente da importância destas palavras, razão porque as
usava como base em se tratando da Santa Ceia.151 Ele tinha na Palavra de
Deus sua única fonte de doutrina cristã.152 Para ele, “é a palavra de Cristo
e nada além dessa palavra que é a causa da presença real do corpo e do
sangue na Ceia do Senhor”.153 As palavras

são o principal, pois sem as palavras o cálice e o pão nada seriam;


por outra, sem pão e cálice o corpo e o sangue de Cristo não
estariam presentes. Sem a nova aliança, o perdão dos pecados
não estaria presente. Sem perdão dos pecados, a vida e a bem-
aventurança não estariam presentes. (OS 4, 351)

Por esta razão, não poderia ser sacramento nem haveria “presença do
corpo e do sangue de Cristo ‘separadamente do uso instituído por Cristo’
ou ‘separadamente da ação instituída por ordem divina’”.154 Para Lutero,

a presença real significava que a encarnação era mais que fato


histórico do passado. Era uma realidade: aqui está Deus que se
tornou homem, aqui está Cristo em sua divindade e humanidade.
Aqui está o verdadeiro corpo e sangue do Cordeiro de Deus, dado
por vós, presente convosco. Aqui o perdão dos pecados é uma
realidade e, com ela, ‘vida e salvação’.155

Neste ponto precisamos tratar da doutrina da pessoa de Cristo, en-


tendendo ser imprescindível conhecê-la para a correta compreensão da
presença real. Importante para o momento é que

[...] Jesus Cristo é verdadeiro, essencial, natural, completo


Deus e homem em uma pessoa, inseparado e indiviso ... a mão
direita de Deus está em toda a parte, junto à qual Cristo, real
e verdadeiramente colocado segundo a sua natureza humana,
reina presente ... a palavra de Deus não é falsa e não mente ...
Deus tem e conhece vários modos de estar em algum lugar (FC
Ep VII, 11-14)

150
Ibid., p.200.
151
WARTH, op. cit., p.426.
152
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.59-62. Apud. PRUNZEL, op. cit., p.39.
153
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.127.
154
Ibid., p.129.
155
Ibid., p.301.

24
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

“A natureza humana, a carne de Cristo, participa da onipresença da


divindade de Cristo, e, desse modo, pode estar presente sem abandonar
o céu, onde quer que Cristo deseja que ela se encontre”.156 Onde Cristo
está

conforme sua divindade, aí ele é uma pessoa naturalmente


divina e está presente de maneira natural e pessoal, como o
demonstra sua concepção no ventre de sua mãe. Pois para que
fosse o Filho de Deus, tinha de estar natural e pessoalmente
no útero de sua mãe e se tinha de tornar homem. Se ele está
presente natural e pessoalmente onde está agora também deve
aí estar como homem. Pois não há duas pessoas separadas,
mas uma única pessoa. Onde esta pessoa está, aí está como
uma pessoa indivisa. E quando podes dizer, aí está Deus, en-
tão igualmente deves poder dizer, Cristo, o homem também
está aí.157

É o que ocorre na Santa Ceia, o corpo e o sangue de Jesus Cristo, Deus


e homem, estão presentes verdadeira e essencialmente e são verdadei-
ramente distribuídos e recebidos com o pão e o vinho (FC Ep VII, 6). A
presença neste sacramento, no entanto,

não é a presença de um evento ou ação ocorrida no passado


[...] mas é antes a presença do corpo e do sangue de Cristo, de
sua verdadeira humanidade e verdadeira divindade. É esta a
presença real do Senhor crucificado e ressurgido o qual dá seu
verdadeiro corpo e sangue para ser comido e bebido, que confe-
re à lembrança de sua morte uma realidade atual como a não
encontramos em nenhum outro tipo de recordação de um evento
histórico. Por isso ‘lembrança’ e ‘presença real’ pertencem juntas
inseparavelmente.158

Isso se dá de tal modo que a parusia visível de Jesus Cristo é antecipa-


da, de forma invisível, na Ceia do Senhor (WA 23,211.6ss; 26,442,32ss),
fazendo da mesa da Ceia do Senhor uma mesa especial, onde o Senhor
se dá, agora mesmo, real e corporalmente (26,442.32ss.), como em lugar
nenhum (23,151.28ss.) – a não ser na sua parusia.159
Durante 19 séculos a igreja tem orado pelo retorno do Senhor, pelo
qual tem esperado por tão longo tempo. Ela só permaneceu firme porque
“Sunday after Sunday is the ‘Day of the Lord,’ the day of the anticipated

156
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.29,30.
157
Ibid., p.113.
158
Ibid., p.284.
159
LUTERO, WA, Apud. BAESKE, op. cit., p.5.

25
IGREJA LUTERANA

parousia, the day on which He comes to His congregation under the lowly
forms of bread and wine and ‘incorporates’ Himself in it anew”.160

2.3 Aplicações teológicas


Chegamos, agora, ao ponto culminante deste capítulo, no qual este
aspecto de antecipação da vinda do Reino de Deus por ocasião da ce-
lebração da Santa Ceia será aplicado à vida cristã, levando-nos a glori-
ficar e a exaltar nosso Deus por ter nos dado este maravilhoso dom da
salvação.
Inicialmente, importa dizer que não há como negar que Cristo inau-
gurou seu advento final, quando, então, julgará vivos e mortos. Em vá-
rias passagens da Escritura vemos que o Reino já se manifestou em sua
pessoa. Em Mc 1.15: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está
próximo”;161 em Mt 8.29: “Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?”;
e em Mt 12.28: “certamente é chegado o reino de Deus sobre vós”. Por
estas passagens, e outras, comprova-se

que Deus estava já presente, soberanamente, em Seu ministério,


particularmente na expulsão de demônios, indicando e demons-
trando que o Reino de Deus já chegara e conquistara o reino das
trevas. Não eram meros ‘sinais’ do Reino que estavam presentes,
mas o próprio Reino.162

Este Reino não foi embora com Jesus, em sua ascensão. Ele continua
se manifestando entre nós por intermédio da Palavra e dos Sacramentos.163
E, na Santa Ceia, em especial, já experimentamos antecipadamente um
pouco “as delícias daquilo que será o banquete escatológico final”.164 Ela
justamente foi instituída devido à vontade de Jesus de nos deixar um sinal
visível da vinda do Reino.165
Até mesmo as refeições tomadas pelos discípulos na companhia de
Jesus eram “uma prefiguração, uma antecipação (mais exatamente, um
dom antecipado) da refeição escatológica”,166 um “sinal escatológico de

160
“[...] domingo após domingo é o ‘Dia do Senhor,’ o dia da parusia antecipada, o dia no
qual Ele vem à Sua congregação sob as formas humildes de pão e vinho e se ‘junta’ a ela
novamente.” SASSE, We Confess the Sacraments, op. cit., p.105.
161
Cf. nota 53.
162
ZABATIERO, op. cit., p.2047.
163
Cf. notas 21, 31 e 126.
164
ZIMMER, Rudi. A Centralidade da Eucaristia no Culto. Vox Concordiana. São Paulo, ano
1, nº 2, p.2-8, 1985. p.7.
165
ALLMEN, Jean Jacques von. Estudo sobre a Ceia do Senhor. São Paulo: Livraria Duas
Cidades, 1968. p.124.
166
JEREMIAS, Joachim. Isto é o meu corpo. LEMOS, Benôni (Trad.). São Paulo: Paulinas,
1978. p.14.

26
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

que o reinado de Deus está próximo e até presente em seu modo de


agir”.167 Agora que Jesus não está mais visivelmente entre nós para ce-
armos com Ele face a face, temos a sua Ceia, na qual Ele “presents His
body and blood in Bread and Wine as the means of divine grace ‘for the
forgiveness of sins’”.168
Já agora e aqui podemos estar junto dEle – ainda que não o veja-
mos – à mesa do Pai,169 por ocasião da Santa Ceia, que é “a pledge, a
foretaste, an anticipation of that Best of God which is yet to be”,170 “é
realização antecipada do reinado de Deus.”171 Sendo assim, a congregação
que celebra este sacramento torna-se “o sinal visível da real presença
do Reino de Deus, antecipação do festim messiânico”.172 Participando da
Ceia do Senhor, somos incluídos no futuro que o Senhor nos abre, visto
que a vida eterna já “está presente naquele que se une com o Senhor.
O mundo futuro já agora irrompe no nosso mundo presente”.173 Esse
era o entendimento da igreja primitiva, a qual considerava a eucaristia
como sendo

a pronouncement of the death of Jesus which had occurred in


the past, a new affirmation of the present bond between Jesus
and his church, and an anticipation of the coming eschatological
banquet.174

Por este motivo e em virtude da ordem de Jesus de celebrarem a Ceia


em memória dele, ela passou a ser celebrada regularmente, havendo vín-
culo entre o dia do Senhor e o partir do pão.175 Para eles, a Ceia era a “base

167
FEINER, Johannes, LOEHRER, Magnus. Mysterium salutis: compêndio de dogmática
histórico-salvífica. BINDER, Edmundo (Trad.). Petrópolis: Vozes, 1976. v. IV, p.14.
168
“apresenta Seu corpo e sangue no pão e vinho como os meios da graça divina ‘para o
perdão dos pecados’...” LCMS - CTCR. Theology and Practice of the Lord’s Supper. St.
Louis, maio 1983. p.8.
169
JEREMIAS, op. cit., p.51.
170
“um penhor, um antegosto, uma antecipação daquele melhor de Deus que ainda está para
acontecer.” BROMILEY, Geofrei W. Six Certainties About The Lord’s Supper. Christianity
Today, St. Louis, p.953-956, 1971.p.956.
171
FEINER, op. cit., p.17.
172
ALLMEN, op. cit., p.63.
173
A CEIA do Senhor. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1978. p.21.
174
“... um pronunciamento da morte de Jesus que tinha acontecido no passado, uma nova
afirmação do presente vínculo entre Jesus e sua igreja, e uma antecipação do banquete
escatológico vindouro...” BECK, Norman A. The Last Supper As An Efficacious Symbolic Act.
Journal of Biblical Literature, Philadelphia, n.89, p.192-198, 1970.p.198.
175
ALLMEN, Von. O culto cristão: teologia e prática. São Paulo: ASTE, 1968. p.175. Apud.
ZIMMER, op. cit., p.2.

27
IGREJA LUTERANA

e o objetivo de cada reunião”,176 “o centro e coroamento do culto cristão”,177


“o ponto culminante. O mais importante de todo o programa”.178
Tanto isso é verdade que suas celebrações litúrgicas vinham carregadas
de esperança na vinda de Jesus para terminar a história. Eles “viviam na
expectativa desse final, da ressurreição dos mortos, da parusia do Senhor.
“Maranatha” – vem, Senhor Jesus (Ap 22,20)”.179 “Maranata” (1Co 16.22)
é uma palavra aramaica cujo significado é “Vem, nosso Senhor”, podendo
também ser “O Senhor veio”, caso lida “maran-atá”.180 Era uma frase dita
pelos cristãos primitivos por ocasião da celebração da Ceia:

’Vem, Senhor’ – rezavam os primeiros cristãos (Ap 22,20). Na


oração de graças depois da ceia (eucarística) de uma comunida-
de do primeiro século lemos esse belíssimo pedido: ‘Lembra-te,
Senhor, de tua igreja... Venha aquele que é santo! Aquele que
não é (santo) faça penitência: Maranatá! Amém’.181

Como resposta a esta oração, o Senhor de fato vinha, antecipando,


a cada Ceia, sua parusia,182 levando-nos a também orar “Venha o teu
reino”,183 o qual, na verdade,

vem por si mesmo, sem as nossas petições, e contudo pedimos


que venha a nós, isto é, que atue entre nós e junto a nós, de
sorte que também sejamos parte daqueles entre os quais o seu
nome é santificado e seu reino está em vigor. (CM III, 50)

De fato este Reino está atuante em nosso meio e, pelo que pudemos
perceber no que foi dito até aqui, no Sacramento da Santa Ceia ele mostra
sua cara. É o Reino em ação, antecipação das dádivas que só teríamos no
céu. Cabe-nos, então, considerar qual o nosso papel como igreja e como
cristãos individuais diante de tudo isso.
Como Igreja de Jesus Cristo – comunhão dos santos – devemos zelar
para que a Palavra e os sacramentos sejam oferecidos e administrados
corretamente, de acordo com Seu mandato e em virtude de Sua vontade,
a qual é que todos tenham oportunidade de salvação, a fim de que todos
cheguem ao pleno conhecimento da verdade, visto que Ele quer salvar

176
CULLMANN, Oscar. Early Christian Worship, Studies in Biblical Theology. Londres:
ACM Press LTD, 1962. nº 10. p.29. Apud. ZIMMER, op. cit., p.2.
177
ZIMMER, op. cit., p.4.
178
SALVADOR, José G. O Didaquê. São Paulo: Igreja Metodista, 1957. v.II. p.51.
179
LIBÂNIO, op. cit., p.204.
180
BÍBLIA, op. cit., notaq sobre 1Co 16.22, p.257 do NT.
181
DIDAQUÉ, Catecismo dos primeiros cristãos. Petrópolis: Ed. Vozes, 1978, p.33s. Apud
Libânio, op. cit., p.214.
182
ALLMEN, op. cit., p.132.
183
Ibid., p.75.

28
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

a todos. Cumpre-nos, também, ensinar aos cristãos sobre o proveito da


Santa Ceia, para que se sintam motivados a participarem cheios de alegria
e com a certeza de estarem recebendo o melhor de Deus.
Como cristãos, filhos de Deus e herdeiros das bem-aventuranças ce-
lestiais, somos convidados e até ordenados a celebrar sua Ceia, pois nela
Cristo se faz presente, dando-nos agora as bênçãos do Reino: perdão,
vida e salvação. Lutero insistia em irmos ao Sacramento

a fim de receber tal tesouro. Pois me ordena comer e beber, para


que seja propriedade minha e me aproveite como seguro e penhor
e sinal, sim, como exatamente o próprio bem estabelecido para
mim contra o meu pecado, a morte e toda desgraça. Conseguin-
temente, é com razão que se chama alimento da alma, que nutre
e fortalece o novo homem. Por isso o sacramento nos é dado
para diária pastagem e alimentação, para que a fé se restaure e
fortaleça. (CM IV, 22-24)

Todas estas bênçãos prometidas deveriam ser suficientes para receber-


mos o Sacramento frequentemente. Mas se, ainda assim, não nos dermos
por satisfeitos, e “mesmo que nenhum benefício estivesse relacionado com
o sacramento, o próprio fato de nosso Senhor pedir que participemos com
frequência deveria induzir-nos a que o fizéssemos”.184
Contudo, sabemos que há benefícios, que há proveito neste comer
e beber, sendo isto possível porque a promessa de Cristo está ligada a
estes atos,185 o que nos indicam as palavras: “Dado em favor de vós” e
“derramado para remissão dos pecados.” Estas palavras, “juntamente com
o comer e o beber físico, são a coisa mais importante no sacramento. E
o que crê nessas palavras, tem o que elas dizem e expressam, a saber,
‘remissão de pecados.’” (Cm VI, 8).
Com estas palavras, Cristo nos mostra quão maravilhoso é este sa-
cramento, que nos é dado como herança, razão porque dele devemos
participar sempre que possível, visto que foi instituído “especialmente para
cristãos fracos na fé, contudo penitentes, para consolo e fortalecimento
de sua débil fé” (FC Ep VII, 19). Ele também nos diz em Mateus 9.12
que “os sãos não precisam de médico, e sim os doentes”, ou seja, que os
benefícios da Sua presença – também na Santa Ceia – são para os que
“estão cansados e sobrecarregados com o pecado, o medo da morte e as
tentações da carne e do diabo” (CM IV, 71), isto é, para nós, pecadores.
Agora, cientes da importância da Ceia como meio da graça – através
da qual Deus nos oferece não só o perdão dos pecados, mas também “o
fortalecimento da fé, do amor e da esperança que são bênçãos para a

184
KOEHLER, op. cit., p.221.
185
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.188.

29
IGREJA LUTERANA

nossa vida em comunhão com ele e com o próximo”186 – e confiantes de


que através de sua obra de expiação, pela qual Ele se sacrificou pelos
pecados de todos nós, Jesus nos deu justamente o que mais precisáva-
mos para a luta diária contra o diabo, o mundo e a nossa carne. Assim,
podemos ir à mesa do Senhor confessando nossa fé,187 louvando e agra-
decendo pela salvação de pecado e morte (OS 4, 337) – salvação que
recebemos e desfrutamos já aqui neste mundo e neste corpo mortal, em
virtude e por ocasião da celebração da Santa Ceia.
Cristo, instituindo a Santa Ceia, quis que ela fosse observada pela
igreja até o fim dos tempos. Ele ordenou aos discípulos que fizessem
isso em memória dele, e estas palavras têm valor ainda hoje, de forma
que também somos admoestados a fazê-lo muitas vezes, “até que Ele
venha”.188

3 A SANTA CEIA APONTANDO PARA O e;scaton


Neste capítulo tem lugar a relação entre o agora e o futuro na ce-
lebração da Santa Ceia. Visto que já agora desfrutamos, em parte, das
maravilhas que Deus nos tem preparado – como vimos no segundo ca-
pítulo – e que as desfrutaremos em toda a plenitude nos céus, podemos
fazer esta ligação no sentido de a Santa Ceia estar apontando para o
nosso destino final, que é o banquete celestial no Reino de Deus consu-
mado e definitivo, do qual participaremos por ocasião da vinda gloriosa
de Jesus Cristo, quando tomaremos posse definitiva da herança que nos
está reservada.
A exemplo do capítulo anterior, primeiramente é dado o testemunho
bíblico através de um texto escolhido e que trata do assunto. Então, traz-se
o que as Confissões nos revelam a respeito. Num último momento faz-se
o fechamento do capítulo, ligando os resultados à vida cristã, aplicando-os
à nossa atualidade e realidade como cristãos e como igreja.

3.1 Bíblia
Por entendermos que trata do direcionamento para o Reino vindouro
e por estar diretamente ligado à Santa Ceia, o texto escolhido foi Marcos
14.25, que faz parte do contexto da instituição da Ceia do Senhor, sendo
também a despedida de Jesus, que, logo em seguida, se entregaria à
morte por nós.

186
LANGNER, Selvino. O valor do Sacramento do Altar. São Leopoldo, 1985. 53p. Monografia
(Bacharelado em Teologia) – Faculdade de Teologia, Seminário Concórdia de São Leopoldo,
1985. p.46.
187
KOEHLER, op. cit., p.217,218.
188
Ibid., p.203.

30
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

3.1.1 Mc 14.25
Texto grego: avmh.n le,gw u`mi/n o[ti ouvke,ti ouv mh. pi,w evk tou/ genh,matoj
th/j avmpe,lou e[wj th/j h`me,raj evkei,nhj o[tan auvto. pi,nw kaino.n evn th/|
basilei,a| tou/ qeou/. 189
Tradução: Em verdade vos digo que nunca mais beberei do fruto da
videira até àquele dia quando o beberei, novo, no Reino de Deus.

3.1.1.1 Aspectos isagógicos


Há discordância entre teólogos no que diz respeito à pergunta “qual
foi escrito primeiro, Mateus ou Marcos?” Agostinho,190 Papias,191 Ireneu,192
Clemente,193 Orígenes194 e quase toda a igreja primitiva195 dão primazia a
Mateus. Outros eruditos atribuem a primazia a Marcos, principalmente por
sua brevidade; pelo paralelismo verbal entre os evangelhos; pela ordem
dos acontecimentos e pelo seu estilo e teologia mais primitivos.196
A idéia de que Marcos é o primeiro Evangelho vem despertando
maior interesse desde o séc. XIX, justamente por ser tido, por alguns,
como o documento mais antigo que possuímos sobre a vida e a obra
de Jesus.197De qualquer forma, diante desta indefinição não nos cabe
impor um ou outro.
O que se pode afirmar é que Marcos é o Evangelho mais resumido,198
talvez por ter sido a primeira obra deste gênero,199 bem como por ter
sido escrita na língua grega popular, sendo difícil para o autor “escrever
em uma língua que não tinha aprendido no regaço materno, e sim na
convivência com os humildes”.200
O vocabulário, por conta disso, “não é dos mais ricos”,201 sendo, ao
lado de Apocalipse, “a pior forma do grego de todo o N.T”.202 Contudo,

189
NESTLE-ALAND, op. cit., p. 210.
190
CARSON, op. cit., p.34.
191
EUSÉBIO.Ecclesiastical History. CRUSE, Christian Frederick (Trad.). Grand Rapids: Baker,
1991. livro III, p.127.
192
Ibid., livro V, p.187,188.
193
Ibid., livro VI, p.234.
194
Ibid., livro VI, p.245,246.
195
CARSON, op. cit., p.85,86.
196
Ibid., p.36-38.
197
BÍBLIA, op. cit., p.59 do NT.
198
AUNEAU, J.; BOVON, F.; CHARPENTIER, E., et. al. Evangelhos Sinóticos e Atos dos
Apóstolos. DUPRAT, M. Cecília de M. (Trad.). São Paulo: Paulinas, 1986. p.76.
199
CHAMPLIN, op. cit., v. I, p.659.
200
BATTAGLIA, Oscar; URICCHIO, Francesco; LANCELLOTTI, Angelo. Comentário ao Evan-
gelho de São Marcos. ALVES, Ephraim Ferreira (Trad.). Petrópolis: Vozes, 1978. p.11.
201
AUNEAU, op. cit., p.75.
202
CHAMPLIN, op. cit., p.659.

31
IGREJA LUTERANA

a personalidade do escritor “compensou sua limitação linguística”.203 Ele


tem uma maneira toda peculiar de contar os fatos, esquematizando e
dramatizando as narrativas, dando uma aparência viva aos relatos.204 Ele
também emprega com frequência os verbos “estar” e “ir” no gerúndio,205
o que faz da obra um evangelho de ação.206
O autor é apontado como sendo João Marcos, o qual é mencionado
várias vezes no Livro de Atos (12.12,25; 15.37-39), nas cartas do após-
tolo Paulo (Cl 4.10; 2Tm 4.11; Fm 24), e uma vez na Primeira Carta de
Pedro (5.13). Ele era primo de Barnabé (Cl 4.10) e filho de Maria, a qual
morava em Jerusalém, em uma casa que dispunha de um cenáculo onde
se reuniam os apóstolos (At 1.13; 12.12). Mesmo não sendo apóstolo,
sempre esteve em contato íntimo com os primeiros seguidores de Jesus,207
permanecendo com Pedro por um ano e meio em Roma208 e acompanhando
Barnabé e Paulo entre os anos 45 e 48 dC.209
Conforme a tradição, o livro foi escrito para leitores gentios, em
Roma,210 o que se comprova por conter explicação de alguns costumes
judaicos (7.2-4; 15.42), tradução de termos aramaicos (3.17; 5.41;
7.11,34; 15.22; cf. 12.42 e 15.16), e interesse em temas como perse-
guição e martírio (8.34-38; 13.9-13).211 A data da escrita pode ser fixada
entre as décadas de 40 e 70,212 sendo que a maior parte dos estudiosos da
atualidade a fixam no período que vai do “ano 60 (chegada de Paulo em
Roma) ao ano 67 (quando o evangelista não está mais na capital)”.213
Marcos escreveu o seu evangelho, guiado pelo Espírito Santo, para
edificação, instrução, fortalecimento e consolo, visto que os cristãos es-
tavam sofrendo com perseguições e martírio e por haver a necessidade
de um registro por escrito do ministério de Jesus na terra.214 O resultado
é “uma narrativa mui simples das atividades de Jesus durante o Seu mi-
nistério público”.215

203
BATTAGLIA, op. cit., p.11.
204
AUNEAU, op. cit., p.79-81.
205
Ibid., op. cit., p.77.
206
FRANZMANN, op. cit., p.44.
207
PETERSON, H. Estudo sobre Marcos. WEY, Waldemar W. (Trad.). Rio: Casa Publicadora
Batista, 1962. pp.14,15.
208
Ibid., p.16.
209
BATTAGLIA, op. cit., p.10.
210
FRANZMANN, op. cit., p.44.
211
SCHOLZ, Vilson. Material isagógico distribuído na disciplina “Isagoge do NT”.
212
CARSON, op. cit., p.108-112.
213
BATTAGLIA, op. cit., p.12.
214
PETERSON, op. cit., p.17-20.
215
Ibid., p.22.

32
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

Seu principal objetivo foi apresentar Jesus como o “Servo de Deus” (Is
40.61). Por isso enfatiza os feitos de Jesus (18 milagres, apenas quatro
parábolas).216 “Na sua brevidade, o escritor escolheu os fatos essenciais”,217
chamando a atenção do leitor sobre a figura de Jesus,218 anunciando “a
presença de Jesus no mundo como o sinal imediato da vinda do reino
de Deus (1.14-15; 4.1-34)”, revelando que “Jesus de Nazaré, o Filho de
Deus, é também o Filho do Homem. Participa dos sentimentos humanos
e é sujeito ao sofrimento e à morte (8.31)”.219
Com esta finalidade, Marcos traz em seu Evangelho uma

revelação progressiva que Jesus faz de si mesmo: por um lado,


a sua personalidade (cf. 1.7-8,10-11; 4.41; 8.27-29; 9.7), o
seu poder frente à natureza, à dor e à morte (cf. 1.30-31,40-
42; 2.3-12; 4.37-39; 5.22-42; 6.45-51) e a sua luta contra as
forças do mal (cf. 1.24-27; 3.11; 5.15,19; 9.25-27); por outro
lado, a índole da sua missão, primeiro como mestre e profeta
(cf. 1.37-39; 2.18-28; 3.13-19,23-29; 4.1-34; 9.2-10.45;
13.3-37; 14.61-62) e definitivamente como Senhor e Salvador
(16.15-18).220

Um esboço do Evangelho poderia ser feito dividindo-o em cinco partes,


ficando assim representado: Introdução (1.1-20); o ministério na Gali-
léia (1.21-6.13); o ministério fora da Galiléia (6.14-10.52); o ministério
final em Jerusalém (11.1-14.42); a crucificação e a ressurreição (14.43-
16.20).221
A parte que nos interessa é a 4ª, especificamente Marcos 14.17-25,
que relata a Ceia de despedida realizada por Jesus com os seus discí-
pulos. Como a hora de sua morte estava se aproximando, Ele enviou
Pedro e João (Lc 22.8) para que preparassem a ceia da Páscoa. Esta
seria a última ceia pascal dos componentes daquele grupo. Dali em
diante o rito de maior significação para eles seria a Ceia que come-
moraria o novo pacto,222 firmado pela obra expiatória de Cristo. Neste
contexto é que Jesus proferiu as palavras do v.25, objeto de estudo
da próxima seção.

216
SCHOLZ, op. cit.
217
BATTAGLIA, op. cit., p.12.
218
Ibid., p.18.
219
BÍBLIA, op. cit., p.59.do NT.
220
Ibid., p.60. do NT.
221
PETERSON, op. cit., pp.20-22.
222
Ibid., p.136.

33
IGREJA LUTERANA

3.1.1.2 Aspectos textuais


Junto ao triste anúncio de sua morte, Jesus também deu outro mui
glorioso, que chegaria o dia quando beberia o vinho, admirável e novo,
dirigindo, assim, seu olhar sobre
o reino a devir, que anunciara em sua obra terrena e, pela pala-
vra e por sinais, tornara transparente como realidade presente
e imperecível. Ele mesmo está repleto da certeza de que está
prestes a vivenciar, com seus discípulos, a glória escatológica do
reino de Deus.223

Com isso, Jesus nos diz que, por ocasião da Santa Ceia, ao mesmo
tempo em que o reino se manifesta a nós, também se dá uma “anticipation
of the messianic banquet when the Passover fellowship with his followers
will be renewed in the Kingdom of God”.224 Na certeza desta comunhão
celeste e para a aguardarmos fielmente, Jesus nos alenta com as palavras
do v.25, prometendo-nos um reencontro com Ele já agora, mas também
na eternidade, nas bodas do Cordeiro, que é lembrada e, em parte, ex-
perimentada a cada celebração.
25a avmh.n le,gw u`mi/n o[ti ouvke,ti ou vmh. pi,w evk tou/ genh,matoj th/j
avmpe,lou
avmh.n – “it came to be used as an adverb by which something is as-
serted or confirmed: a. At the beginning of a discourse, surely, of a truth,
truly”.225 É uma “expressão de uso frequente nos discursos de Jesus, a
qual ressalta a importância da declaração em foco”.226
le,gw – presente indicativo ativo 1ª pessoa singular de le,gw: digo
ouvke,ti ou vmh – “nunca mais”227
pi, w – aoristo subjuntivo ativo 1ª pessoa singular de pi, n w :
“beberei”.228
genh, m atoj – substantivo genitivo neutro singular de ge, n hma :
“fruto”.229
av m pe, l ou – substantivo genitivo feminino singular de a; m peloj :
“videira”.230

223
SCHNACKENBURG, Rudolf. O Evangelho Segundo Marcos. BINDER, Frei Edmundo (Trad.).
Petrópolis: Vozes, 1974. v. 2/2, p.253.
224
“antecipação do banquete messiânico quando a comunhão pascal com seus seguidores
será renovada no Reino de Deus “. LANE, William L. The Gospel of Mark. Grand Rapids:
Eerdmans, 1993. v.2, p.508.
225
“ela vem a ser usada como um advérbio pelo qual alguma coisa é declarada ou confirmada: a.
No início de um discurso, certamente, em verdade, verdadeiramente” THAYER, op. cit., p.32.
226
CHAMPLIN, op. cit., p.781.
227
GINGRICH, op. cit., p.151.
228
Ibid., p.166.
229
Ibid., p.46.
230
Ibid., p.18.

34
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

Este trecho do versículo não acentua “que já não provará do fruto da


vide, mas a sequência da frase, de que dele beberá de novo no reino de
Deus”.231 O cálice que Ele recusou era o cálice

of consummation, associated with the promise that God will take


his people to be with him. This is the cup which Jesus will drink with
his own in the messianic banquet which inaugurates the saving
age to come. The cup of redemption (verse 24), strengthened by
the vow of abstinence (verse 25), constitutes the solemn pledge
that [...] will be extended and the unfinished meal completed in
the consummation, when Messiah eats with redeemed sinners in
the Kingdom of God (cf. Lk. 14:15; Rev. 3:20f.; 19:6-9).232

Todas as promessas de Jesus estavam sendo confirmadas com

a solemn oath that he would not share the festal cup until the
meal was resumed and completed in the consummation. The
sober reference “no more” indicates that this is Jesus’ final
meal and lends to the situation the character of a farewell.
The purpose of his vow of abstinence was to declare that his
decision to submit to the will of God in vicarious suffering was
irrevocable.233

A morte de Jesus era necessária para que o reinado e a salvação de


Deus pudessem chegar a todos os homens, e pudesse um dia Deus instalar
o reino consumado.234 Essa perspectiva escatológica “é parte fundamental
da ação sagrada instituída por Jesus, e confere ao pensamento na morte
iminente o seu significado mais profundo: Sua morte se destina a instalar
o reino de Deus que anunciou”.235
25b e[wj th/j h`me,raj evkei,nhj o[tan auvto. pi,nw kaino.n evn th/| basilei,a|
tou/ qeou/Å
e[wj th/j h`me,raj evkei,nhj o[tan – até àquele dia: “O dia do seu retorno,
ou seja, a ‘parousia’ ou segundo advento”.236 Esta referência aponta tam-

231
SCHNACKENBURG, op. cit., p.253.
232
“da consumação, associada com a promessa de que Deus levará seu povo para estar com
ele. Este é o cálice que Jesus beberá com os seus no banquete messiânico que inaugura
a era da salvação por vir. O cálice da redenção (v. 24), que é fortalecido pelo voto de
abstinência (v. 25), constitui a promessa solene que ... será estendida e a ceia inacabada
será completada na consumação, quando o Messias come com pecadores redimidos no
Reino de Deus (cf. Lc 14.15; Ap 3.20s; 19.6-9)”. LANE, op. cit., p.508,509.
233
“um juramento solene de que ele não compartilharia o cálice festivo até que a refeição fosse
retomada e completada na consumação. A discreta referência “não mais” indica que esta
é a refeição final de Jesus e empresta à situação o caráter de uma despedida. O propósito
do seu voto de abstinência era declarar que sua decisão de submeter-se à vontade de Deus
em sofrimento vicário era irrevogável “. Ibid., p.508.
234
SCHNACKENBURG, op. cit., p.253.
235
Ibid., p.252.
236
CHAMPLIN, op. cit., p.781.

35
IGREJA LUTERANA

bém para o triunfo do Filho do Homem, que, naquele dia, estará conosco,
visto ter redimido definitivamente o mundo.237
kaino.n- kaino,j – adjetivo acusativo neutro singular: novo, no sentido
de comparação com o velho;238 novo tipo;239 de natureza diferente.240 Não
significa que Jesus irá beber outro vinho, mas “chama a atenção para a
modalidade nova e diferente do reino a devir. Aquele reino consumado de
Deus pertence a outra ordem que a atual terreno-histórica”.241
evn th/| basilei,a| tou/ qeou/ – no reino de Deus. Maiores detalhes, ler a
seção 1.2. Aqui ele refere-se ao “reino escatológico de Deus, como alhures
(Mt 8,11) é simbolizado pela metáfora do banquete”.242
Com as palavras do v.25, Jesus estava dizendo aos presentes que
renovaria e continuaria a comunhão de mesa no Reino consumado, que
seria instaurado e teria a forma de um banquete alegre com a presença
de Jesus,243 como o relatado por João em Ap 19.7, as bodas do Cordeiro.
Enquanto este banquete não chega, podemos ao menos desfrutá-lo em
parte na Ceia, que, nesse sentido, nos orienta “para o futuro do Senhor
e o traz para perto de nós. Ela é uma alegre antecipação da ceia festiva
celestial, quando a redenção estará perfeitamente consumada”.244

3.2 Confissões
Pelo testemunho das Escrituras pudemos constatar que Jesus clara-
mente posicionou o significado da Santa Ceia “for His return in glory. Thus
the communicant confesses or ‘proclaims’ confident faith in the Lord’s
promised return when he partakes of the Lord’s Supper”.245
Vimos também, no capítulo dois, que a santa comunhão, instituída por
Jesus, deveria, por ordenação Sua, continuar sendo celebrada até o fim dos
tempos, pois sua obra redentora “permanece realidade sempre presente
até o fim do mundo e, de maneira particular, para aqueles que participam
do verdadeiro corpo e sangue de Cristo em memória dele”.246

237
LANE, op. cit., p.508.
238
LENSKI, R. C. H. La Interpretación de El Evangelio Segun San Marcos. México: Pub-
licaciones El Escudo, 1962. Tomo II, p. 545.
239
ALEXANDER, J. A. Commentary on the Gospel of Mark. Grand Rapids: Zondervan Pub-
lishing House, [19--?]. p.382.
240
BATTAGLIA, op. cit., p.133.
241
SCHNACKENBURG, op. cit., p.253.
242
BATTAGLIA, op. cit., p.133.
243
BAESKE, op. cit., p.3.
244
A CEIA do Senhor, op. cit., p.21.
245
“para o Seu retorno em glória. Assim o comungante confessa ou ‘proclama’ fé confiante
no prometido retorno do Senhor quando ele participa da Ceia do Senhor.” LCMS - CTCR.
Theology and Practice of The Lord’s Supper. op. cit., p.8.
246
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.284.

36
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

Para completar o ciclo passado-presente-futuro, encontrado na Santa


Ceia, as Confissões acrescentam o seguinte:

Assim como o Sacramento do Altar se volta para o passado, para


a Última Ceia, também se dirige para o futuro, para a ceia mes-
siânica no céu, a festa nupcial do futuro, quando Cristo, como o
noivo e a igreja como a noiva serão unidos na ‘ceia das bodas
do Cordeiro’.247

Este foi o entendimento dos apóstolos e da igreja primitiva, que, de


acordo com as palavras da instituição (11.17-34), celebraram a santa co-
munhão248 em memória do Senhor, para seu benefício presente e futuro.
É assim também que a devemos continuar entendendo e celebrando. A
razão para isto é que a cada celebração estamos proclamando

a morte do Senhor, ‘até que ele venha’. Isto é, a morte de nosso


Senhor e seu advento em glória pertencem juntos. Este sacra-
mento, portanto, é a recordação da hora terrível em que o Cor-
deiro de Deus foi imolado, e ao mesmo tempo é o alegre olhar
de esperança para o dia quando nossa redenção se realizará por
ocasião da Ceia do Cordeiro.249

Ao vermos a obra de Cristo e Seu retorno desta maneira, reconhecemos


na Santa Ceia uma “participação no culto eterno no céu. Desde a Igreja
Antiga até a Igreja Luterana uma grande nuvem de testemunhas testifica
a verdade de que a Ceia do Senhor é ‘o céu na terra’”.250
Sendo assim, pode-se afirmar que a Santa Ceia aponta para o que
teríamos no céu em virtude de termos sido salvos. Ela nos faz lembrar e,
até mais do que isto, nos dá a certeza de que receberemos o prometido:
perdão, vida e salvação. Agora mesmo já temos um antegosto do que nos
espera, servindo-nos isto de penhor para o futuro glorioso na companhia
de Jesus.
Nesta certeza é que, ainda hoje, oramos para que o nosso Senhor
venha em glória. Ao mesmo tempo oramos para que Ele se faça presente
na Santa Ceia, pois assim como este sacramento acompanhou a igreja
através dos séculos até chegar aos nossos dias, também continuará nos
acompanhando até o fim do mundo,251 visto estar o mesmo “voltado e
ordenado para o fortalecimento contra a morte para a entrada na vida
eterna” (OS 1, 440). Lutero interpreta

247
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.296.
248
MUELLER, op. cit., p.185.
249
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.296,297.
250
Ibid., p.298.
251
Ibid., p.298.

37
IGREJA LUTERANA

este evangelho da antecipação invisível da parusia visível de


maneira ainda mais animadora quando assegura que a Ceia do
Senhor também prepara os comungantes para aquele vis-à-vis
com Jesus Cristo. A sua Ceia os ‘transforma sem parar: a alma
em justiça e o corpo em imortalidade’ (WA 23,255.27s). A Ceia do
Senhor ‘alimenta, aumenta e conserva’ o corpo dos comungantes
‘para a vida eterna’ (235.36).252

Isto se torna possível porque “esse pão bem-aventurado é o verdadei-


ro maná, o pão vivificador descido do céu”.253 É o pão que “nos conduz,
passando pela morte, à vida eterna” (OS 1, 439). Por ora ele nos é dado
para nos assegurar de nossa salvação, mas “quando tivermos alcançado o
fim de nossa peregrinação, não mais teremos necessidade do sacramento,
e a ‘Ceia do Senhor’ será substituída pela ‘Ceia do Cordeiro’”.254

3.3 Aplicações Teológicas


A Santa Ceia, pelo que temos dito até aqui, comprovadamente é um
acontecimento escatológico no sentido de nos proporcionar o recebimento
das bênçãos divinas antecipadamente e de nos remeter para o cumpri-
mento definitivo do Reino de Deus, que se dará no Dia do Senhor, quando,
então, cearemos face a face com Cristo.
Nesta relação escatológica entre “the Supper and the return of
Christ the significance of the Lord’s Supper for the Church is decisively
determined”,255 já que ela foi instituída “num momento escatológico. Nas
próprias palavras da instituição encontramos temas escatológicos”,256 razão
pela qual a igreja “has placed the Lord’s Supper in direct relation to his
return at the end of time”.257
Assim tem sido desde a igreja primitiva, que já naqueles dias aplicava
estas palavras “to Jesus and to his expected coming at the end of the
age”.258 Hoje sabemos, por meio do Didaquê – escrito cristão primitivo
fora do NT259 – que o ato de maior importância para a igreja primitiva era

252
LUTERO, WA. Apud.BAESKE, op. cit., p.5.
253
SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.299.
254
Ibid., p.299.
255
“a Ceia e o retorno de Cristo o significado da Ceia do Senhor para a Igreja é decisivamente
determinada.” BERKOUWER, G. C. The Sacraments. Grand Rapids: Eerdmans, 1969.
p.192.
256
ZIMMER, op. cit., p.7.
257
“tem colocado a Ceia do Senhor em relação direta ao seu retorno ao fim dos tempos.”
BERKOUWER, op. cit., p.191.
258
“a Jesus e à sua esperada vinda no fim dos tempos.” ELLER, Vernard. In Place of Sac-
raments. A Study of Baptism and the Lord’s Supper. Grand Rapids: Eerdmans,
1972.p.125.
259
Ibid., p.126.

38
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

a celebração da Ceia do Senhor,260 que continuou sendo celebrada através


dos anos “as if He himself were present, a gathering of disciples waiting
for his return”,261 o que também se evidenciava pelo uso de maranatá,
que enunciava a vinda de Cristo na ceia e no fim.262
Agora, nos anos 2000, dezenove séculos depois de a Ceia ter sido insti-
tuída, ela continua sendo válida, e continuará sendo até o feliz reencontro
com nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo por ocasião de seu segundo
advento.263 Este foi o principal motivo que levou a igreja a observá-la
muitas vezes, anunciando a morte do Senhor, até que venha.264 O mesmo
motivo deve levar a igreja, hoje, a continuar observando-a, pois “nesta
ação criativa de Deus, o acontecimento salvífico do passado se torna oferta
de salvação para o presente e promessa de salvação para o futuro”.265
Por isso a celebração “of the Lord’s Supper will always stand in this
eschatological light, in the sign of this urgent ‘not yet,’ in the sign of expec-
tation and prospect”.266 Claramente, o conceito que se tem aqui é que

the Supper is a preliminary, a presentiment of a greater feast to


come ... Nevertheless, the meal itself is a promise and guarantee
that it will be resumed and consummated in the kingdom. The
covenant of the body of Christ is God’s promise that the Lord’s
Supper shall continue until it becomes the great banquet of the
kingdom.267

A aliança da qual se está falando é aquela em que “o Senhor deu-se


a si mesmo como comida aos seus e, desta maneira, os faz participar
de sua obra, paixão e vida, na expectativa de sua glória vindoura”;268 é
aquela pela qual Ele nos reconciliou com o Pai, direcionando nossa vida
para o futuro,269 contendo, dessa forma, fases do passado, do presente e
do futuro.270 Bromiley coloca assim esta questão:

260
SALVADOR, op. cit., p.39.
261
“como se ele mesmo estivesse presente, um ajuntamento de discípulos esperando por seu
retorno.” BERKOUWER, op. cit., p.197.
262
FEINER, op. cit., p.25.
263
WICKE, Harold E. Mark. St. Louis: Concordia Publishing House, 1992. p.201.
264
SCHNACKENBURG, op. cit., p.254.
265
A CEIA do Senhor, op. cit., p.18.
266
“da Ceia do Senhor sempre estará nessa luz escatológica, no sinal deste urgente ‘ainda
não,’ no sinal de expectativa e antecipação.” BERKOUWER, op. cit., p.191,192.
267
“a Ceia é uma preliminar, um prenúncio de um banquete maior por vir... Não obstante, a
própria ceia é uma promessa e garantia de que ela será retomada e consumada no reino.
A aliança do corpo de Cristo é promessa de Deus que a Ceia do Senhor continuará até que
ela se torne o grande banquete do reino.” ELLER, op. cit., p.124.
268
A CEIA do Senhor, op. cit., p.7.
269
BERKOUWER, op. cit., p.193.
270
ELLER, op. cit., p.119.

39
IGREJA LUTERANA

the Lord’s Supper points not only to the past, Christ’s finished
work; and not only to the present, the developing life of faith
and fellowship; but also to the future, the glorious consummation
when Christ comes again. Our Lord made this plain at the insti-
tution of the Supper when he looked ahead to the final banquet
in the Kingdom of God.271

Jesus quis nos deixar algo que nos certificasse de nossa salvação, algo
que nos fizesse aguardar ansiosos pela Ceia das bodas do Cordeiro. Nos
deixou, então, uma prefiguração deste grandioso banquete celestial, a
Santa Ceia, através da qual Ele nos faz ver que estaremos lá, visto que,
por ela, “o Senhor vivo alimenta os seus para a vida eterna. Ele se dá a
eles em alimento de eternidade por meio do pão e do vinho”.272
Sabendo disso, temos inúmeros motivos para participarmos deste
dom da salvação, pois além de louvarmos e agradecermos a Cristo pelo
que Ele fez por nós através de sua obra de cruz, também recebemos
consolo e graça (OS 7, 250), bem como o “perdão que encerra em si
e traz consigo a graça e o Espírito de Deus, juntamente com todos os
seus dons, proteção, defesa e poder contra a morte e o diabo e toda
desgraça.” (CM, IV, 70)
Trata-se, na verdade, de um maravilhoso presente que nos prepara
e nos mantém na viva esperança de recebermos o “maná escondido”
de Ap 2.17, que é “o alimento dos últimos tempos e faz viver para a
eternidade [...] Ele é Jesus mesmo, ‘pão do céu’, ‘pão de Deus que dá a
vida ao mundo’[...]”,273 é o prêmio pela vitória conquistada por Cristo,
a qual nos é dada pelo Deus da graça, por graça, por causa de Cristo,
mediante a fé.
Confiantes nesta vitória, podemos pedir que

O mesmo Deus de toda a graça e misericórdia nos conceda o


seu Santo Espírito, que nos desperte e exorte a procurar com
seriedade sua glória e a agradecer com toda devoção do cora-
ção por todos os seus inúmeros e inefáveis benefícios e dons,
por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, ao qual seja louvor
e gratidão, glória e exaltação em eternidade. Amém, amém.”
(OS 7, 254)

271
“a Ceia do Senhor não só aponta para o passado, para a obra acabada de Cristo; e não só
para o presente, a vida em desenvolvimento de fé e comunhão; mas também para o futuro,
a consumação gloriosa quando Cristo vem novamente. Nosso Senhor fez isto evidente na
instituição da Ceia quando ele olhou à frente para o banquete final no Reino de Deus.”
BROMILEY, op. cit., p.956.
272
ALLMEN, op. cit., p.103.
273
Ibid., p.99.

40
A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO

CONCLUSÃO

Pelo que pudemos observar no presente estudo, constatamos que,


por ocasião da celebração da Santa Ceia, o céu se abre diante dos nos-
sos olhos, visto que já agora somos agraciados pelas infindáveis dádivas
celestes: perdão, vida e salvação. Do mesmo modo e ao mesmo tempo
também podemos experimentar o que nos está esperando nos céus, como
se fôssemos levados até lá a fim de provarmos do banquete celestial.
Quão confortador e maravilhoso é saber que temos à nossa disposição
tamanha dádiva dos céus. Por esta e por outras dádivas, temos motivos
mais que suficientes para louvarmos e engrandecermos o nosso Deus e
dedicarmos nossa vida a Ele. Diante desta prova do Seu amor por nós,
revelado em Jesus Cristo – o qual é recebido por nós oral, espiritual, real
e verdadeiramente na Santa Ceia juntamente com os méritos de Sua
obra redentora – e em virtude das promessas relacionadas a ela, somos
levados a continuar participando da Ceia e a esperar com confiança pelo
cumprimento definitivo da promessa da nossa salvação, a qual já nos está
garantida e é reafirmada cada vez que participamos deste sacramento.
A Santa Ceia, de fato, é um evento escatológico. Contudo, este é ape-
nas um dos tantos aspectos relacionados a ela. Ainda há muito a estudar
até o dia glorioso da volta de nosso Senhor Jesus Cristo. Que esta obra,
além de servir para a edificação da Igreja e dos cristãos individualmente,
sirva também de incentivo a pastores, estudantes e demais cristãos para
que continuem a participar da Santa Ceia e a estudar a seu respeito até
o dia em que ela será substituída pela Ceia do Cordeiro.

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IGREJA LUTERANA

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45
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO


Salmo 122; Isaías 2.1-5; Romanos 13. (8-10) 11-14;
Mateus 21.1-11 ou Mateus 24.36-44;

INTRODUÇÃO

Incrível, mas estamos novamente no Primeiro Domingo no Advento!


O ano passou depressa. O Novo Ano está chegando. O Advento e as lei-
turas do Dia nos fazem olhar para frente, especialmente para Aquele que
há de vir e a vida com Ele ainda neste ano, ano que vem e sempre... A
igreja sempre celebra o início de um novo ano semanas antes que o ano
civil inicie. É um fato importante para nos lembrar que no que diz respei-
to à nossa salvação, a graça de Deus está acima da sua providência. Ao
mesmo tempo, o fato de observarmos o início de um novo ano nos traz à
mente, uma vez mais, que Deus trabalhou a sua graça dentro da moldura
do tempo que ele mesmo criou para os seus propósitos. É por isso que
quando o novo ano civil aparece no horizonte, nós o denominamos “Ano
do Senhor”, ou seja, Anno Domini, daí A.D. A graça que desfrutamos na
igreja é tão abundante que ela transborda na nossa vida secular para
santificar nosso estar no mundo embora dele não sejamos.

TEXTO

V. 11: Neste contexto de ano civil e Ano do Senhor, Paulo fala que nós
“conhecemos o tempo”. É preciso diferençar entre “tempo - chronos” e
“tempo - kairós”. Chronos é o nosso tempo, o tempo em que vivemos, que
passa porque estamos dentro da cronologia. Já kairós é o tempo exclusivo
de Deus, ou seja, a oportunidade de salvação. Nós conhecemos o kairós
de Deus, diz o apóstolo neste versículo. Conhecemos a hora de Deus. E
conhecer a hora de Deus é despertar do sono. Quem dorme não sabe quem
é ou que horas são. Pode sonhar, mas não tem consciência e não pode
agir. A vida cristã é vida consciente, ativa e cheia de esperança num novo
dia. O despertador bate, queremos nos virar para o outro lado da cama
e continuar a dormir, mas o sol já se levanta no horizonte e precisamos
despertar – despertar do sono.
Dormir, na Escritura, é uma metáfora para uma vida de sonho e ilusão
que consiste depositar a confiança em si mesmo em termos espirituais.
Naquele dia, a aurora da salvação vai ceder lugar ao dia pleno e claríssimo
da salvação, a nova era que ainda permanece oculta sob a antiga emergirá
de seu esconderijo para ser a única e completa realidade gloriosa de toda

47
IGREJA LUTERANA

a nossa vida. Cada dia cronológico que passa mais nos aproxima desse
grandioso dia. O termo “agora” (nu/n), divide a.C. e A.D. A aurora do novo
dia vem com Jesus Cristo. O esplendor do brilho das profecias do Antigo
Testamento tem sua culminância na fulgurante Estrela da Manhã cujo
nascimento celebramos no período do Advento e Natal.
V. 12: A noite desta era de pecado e morte está passando. Nossa liber-
tação final (a "salvação" no v. 11) está enquadrada na visão da fé. O nosso
batismo estabelece a distinção em nós do que é a.C. e A.D. No momento
o antigo mundo e novo mundo estão sobrepostos e estamos expostos a
ambos. A noite que já vai alta ainda tem poder de nos envolver com suas
trevas. Viver como em pleno dia, portanto, significa estar alertas e lutar.
Somos admoestados a lançar fora as obras das trevas, que nascem na-
turalmente e que se desenvolvem com viço invejável. Com a "parusia", a
"noite" termina e o dia eterno de bênçãos e glória começa. Na realidade,
desde o instante em que Deus nos chamou à fé, seja pelo batismo ou em
outro momento, a proximidade desse dia está cada vez mais perto.
V. 13: Deixar as obras das trevas e revestir-se da luz – são estas as
coisas que o dia de Deus requer. Exige uma vida toda vivida como em
pleno dia, à luz do dia, sem ter nada a esconder. É uma vida cuja decência
é testemunho da forte e inegável manifestação da aurora e da iminência
da chegada do grande Dia. Tal testemunho se caracteriza como testemu-
nho corporal, por meio do corpo físico. Seres humanos despertados do
sono oferecem seus corpos ao Deus que é Luz, em quem "não há ... treva
alguma" (1Jo 1.5). A esperança que neles habita é professada diante do
mundo em realidades tão simples e tão mundanas como a atitude diante
do álcool e do sexo. Diante da indecência da noite vivida pelos filhos do
mundo com as bebedeiras, impudicícias e dissoluções testemunham sua
inconformidade por meio da ordem e decência. Para ilustrar: Nos seus
anos de juventude, Aurelius Augustus vivia uma vida dissoluta. Certo dia,
enquanto refletia sobre seu passado à luz do que o grande pregador Am-
brósio, bispo de Milão, havia dito, uma voz misteriosa lhe sugeria "Abra
e leia!". Ele estendeu sua mão e abriu uma cópia do Novo Testamento.
Seus olhos se concentraram nesta passagem de Romanos. Tais palavras
o levaram a reverter a direção da sua vida até ao ponto de ele hoje ser
conhecido como Santo Agostinho.
V. 14: O "mas" enfatiza o contraste entre a vida cristã e o tipo de vida
acima descrito. A vida cristã está centrada no batismo no qual o cristão
se identifica com Cristo, na sua morte e ressurreição (Rm 6.3). Esta vida
professa algo diferente, radical. Esta profissão e testemunho só podem
persistir estando vestidos (ou revestidos) com outra roupa, na verdade
com uma armadura. Armadura não são vestes. Não são equivalentes ao
que você usa para dormir – não são camisola de dormir ou pijama. Ela

48
PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO

é diferente. O termo é específico. Temos a descrição do que Paulo quer


dizer ao falar do cristão com sua armadura, que é a armadura de Deus.
A vida do cristão não é de sono, mas de luta. Não é uma luta contra o
sangue e a carne, mas contra as forças espirituais do mal. Uma luta mais
que humana e, por isso, as armas têm de ser mais que humanas, bem
além de humanas. O apóstolo é bem claro quando as enumera e descreve.
São elas: cinturão da verdade, couraça da justiça, sapatos do evangelho,
escudo da fé, capacete da salvação, espada da Palavra (Ef 6.14-17). Em
Efésios temos a "armadura de Deus", aqui temos a "armadura da luz".
"Deus" e "luz" são sinônimos. Deus é luz – um atributo que vence o diabo
e as trevas e que nos desperta do sono.
"Revestidos do Senhor Jesus Cristo", diz o apóstolo, ou seja, com o
manto branco da Sua justiça adquirida no batismo. O batismo é a vestimen-
ta diária do cristão. No batismo nós nos tornamos participantes da morte
e ressurreição de Cristo. Já morremos com Ele, e com Ele vivemos.

CONCLUSÃO

Neste Primeiro Domingo de Advento, no início do ano da igreja, so-


mos lembrados de que Deus nos despertou do sono e nos trouxe para a
fulgurante luz da aurora. Como a noite e o dia estão em luta constante
pela hegemonia, assim também estão em luta constante no nosso dia a
dia. Simul iustus et peccator – ao mesmo tempo justo e pecador. Mas é
consolador lembrar também que revestidos em Cristo já vislumbramos
radiantes o horizonte do mundo vindouro.

Acir Raymann
São Leopoldo/RS
acir.raymann@gmail.com

49
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO
Salmo 72-1-7; Isaías 11.1-10; Romanos 15.4-13; Mateus 3.1-12

LEITURAS DO DOMINGO

O Salmo 72.1-7 é uma oração pela vinda do Rei que torna possí-
vel um mundo onde reine a justiça e a paz. Isaías 11.1-10 apresenta
o descendente de Jessé que trará justiça e harmonia. João Batista é o
personagem em destaque no evangelho de Mateus 3.1-12, porém sua
missão é preparar as pessoas para vinda do Rei da paz e da justiça, pre-
gando a confissão dos pecados, o batismo e os resultados dignos desse
arrependimento, particularmente a paz com Deus e com os irmãos.
A mensagem mais importante de Paulo aos romanos é ajudá-los a
entender e aplicar a mensagem graciosa do evangelho do Senhor Jesus,
de forma especial buscando a paz e a harmonia em meio a diferenças
entre os irmãos.

A EPÍSTOLA DE ROMANOS

Romanos é uma carta que abrange praticamente todas as dimensões


possíveis do ser humano em relação a ele mesmo e a Deus. Paulo apre-
senta sua condição natural, a saída para esse estado, como receber essa
solução e as consequências práticas dessa nova condição.
Para compreender melhor o texto da epístola marcada para este
Domingo, é importante escanear rapidamente toda a carta de Romanos.
Nos capítulos iniciais, 1.18-3.20, é ressaltada a condição pecadora de
toda a humanidade. Dos gentios (1.18-32), dos judeus (2.1-3.8), de
todas as pessoas (3.9-20). Na seção de 3.21 a 5.21, é posta em des-
taque a solução para essa situação de pecado. A justificação através de
Cristo (3.21-26) e recebida pela fé (3.27-4.25). Em Rm 5.1-11 estão
descritos frutos dessa justificação e dos capítulos 6 a 8, a epístola trata
dos resultados da justiça de Cristo transmitida ao ser humano pecador:
liberdade da tirania da Lei (6), libertação da condenação do pecado (7)
e a vida no poder do Espírito (8). Depois de tratar do problema da rejei-
ção de Israel (9-11), os capítulos 12-15 abordam a justiça decorrente
da fé e posta em prática com os irmãos e as pessoas em geral. Na igreja
(12), no mundo (13), com cristãos fracos e fortes (14.1-15.13). O texto
sugerido para o 2º Domingo no Advento é a última parte da seção mais
prática da epístola de Romanos.
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO

Paulo exorta os cristãos “fortes” a acolherem os cristãos “fracos”. Os


“fracos” são aqueles judeus que observam rigorosas regulamentações de
rituais e dietas alimentares, fruto da valorização das leis de Moisés do
Antigo Testamento. Os “fortes” são os gentios convertidos, bem como
os cristãos de origem judaica (como o apóstolo Paulo), que creem e en-
tendem que em Cristo tais regulamentações foram cumpridas e por isso
perderam sua eficácia. Não há obrigação na observância delas. Porém,
é interessante notar que Paulo não deseja que se “bata de frente” com
aqueles que não conseguem se libertar dessa crença. Em favor da unidade
na igreja, da paz e da harmonia, visando à glória de Deus, Paulo urge
os cristão a olharem para Cristo e não agradar-se a si mesmos, mas ao
próximo (Rm 15.1-3).

ROMANOS 15.4-13 – ALGUMAS ANOTAÇÕES

V.4: Uma grande verdade a respeito das Escrituras: elas são fonte de
instrução (cf. 1Co 10.6,11), que, por sua vez, gera paciência e encoraja-
mento a fim de viver com esperança.
Vv.5,6: Viver com esperança faz a Igreja de Cristo viver em unidade.
Paulo exalta esse espírito entre os cristãos. Não há necessariamente uma
obrigação de chegar às mesmas conclusões, especialmente sobre ques-
tões de consciência discutidas anteriormente, mas que essas diferenças
de opinião não destruam a unidade básica dos cristãos. Também não é
preciso renunciar às divergências, mas administrá-las, como convém a
um povo que vive na esperança em Cristo.
A origem dessa integração está em Deus, que pode conceder o mesmo
sentir de uns para com os outros, tomando como referência a forma como
Jesus Cristo fez (Fp 2.5). Isto produzirá, por sua vez, paz e harmonia,
aceitação e concórdia. O mesmo sentir não significa cantar no mesmo
tom, mas em espírito de unidade, em meio à diversidade de pensamentos,
glorificar a Deus e Pai do Senhor Jesus Cristo.
V.7: Esse acolhimento mútuo tem base no acolhimento que Cristo
praticou e pratica com seu povo. É a aceitação sem julgamento nem con-
denação, mas de reconhecimento de que todos são recipientes do favor
imerecido de Deus, para que a glória seja de Deus. Os três apelos de Paulo
em favor da unidade estão baseados na esperança cristã (Rm 4.18; 5.2,4;
8.17-30; 14.9-12; 15.4,13).
Vv.8-12: Cristo foi enviado para o povo de Israel e seu ministério
foi predominantemente exercido entre “as ovelhas perdidas da casa
de Israel” (Mt 15.24). Deus foi fiel às promessas feitas aos patriar-
cas e enviou seu Filho, como um descendente do povo judeu. Em seu

51
IGREJA LUTERANA

ministério terreno, Cristo foi um servo dos judeus. Deus concedeu


especial prioridade a essa missão, pois aos judeus foram confiados os
oráculos de Deus (Rm 3.2), a fim de que esses fossem transmitidos a
todos os povos. Eles eram portadores da palavra da reconciliação, pois
a promessa incluiu “todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Os gentios
sempre estiveram nos planos de Deus. Por isso, o convite de glorificar
a Deus é para todos os povos. Para deixar isto bem claro, Paulo cita
três porções do Antigo Testamento: A Lei, os Profetas e os Salmos.
V.9b (Salmo 18.49; 2Sm 22.50); v.10 (Dt 32.43); v.11 (Salmo 117.1)
e v.12 (Is 11.10).
V.13: Deus é o Deus da paciência, da consolação e da esperança (v.5).
Para ser verdadeira, a esperança deve vir de Deus, pois Ele é o Deus da
esperança. É no poder do Espírito que se tornam concretas na vida de fé
do cristão a alegria, a paz e a esperança.

REFLEXÃO HOMILÉTICA

Todos precisam da esperança e Deus quer dar esperança a todos.


A esperança cristã é mais do que uma expectativa de coisas boas ou
más para o futuro. Ela também não está baseada nos bens (Jó 31.21),
nos exageros consumistas e capitalistas, muito próprios do nosso tempo.
A esperança que vem de Deus não está focada apenas em evitar ansie-
dades, adquirir algum tipo de segurança ou ainda esperar por um estado
de alegria que muito se deseja.
A esperança do cristão está focada no doador de todas as boas dádivas
possíveis, Jesus Cristo, o protagonista no Advento e em todos os outros
dias do ano. Sua essência é o anseio pelas ações bondosas de Deus em
nosso favor. É uma espera convicta, sem barulho, em Deus e na sua mi-
sericórdia (Is 30.15).
A esperança que vem de Deus está baseada em promessas cumpridas,
de forma especial na vinda de Jesus Cristo. É esse evento já realizado
que sustenta a esperança de celebrar e esperar de novo por Cristo neste
Natal e pela sua última vinda.
A esperança cristã é um dom. A fonte e o sustento dela não é pos-
sibilidade humana, mas é criação do Espírito Santo. As Escrituras foram
escritas para que aprendamos a ter esperança, porque Deus é um Deus
da esperança.
Pecado e descrença nos separam de Deus, destroem nossa confiança
nas promessas de Deus e nos fazem perder a verdadeira esperança, cujo
objeto é a misericórdia de Deus.

52
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO

Deus quer nos restituir a verdadeira esperança, estimulando-nos ao


arrependimento para sermos perdoados de nossos pecados e, assim, pelo
poder do Espírito, viver em alegria, paz e harmonia, com Deus, mediante
Jesus Cristo e com os irmãos, sejam eles “fracos” ou “fortes”. É isso que
promete e traz o Rei da Justiça e da Paz, Jesus Cristo.

Anselmo Ernesto Graff


São Leopoldo/RS
agraff@uol.com.br

53
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO
Salmo 146; Isaías 35.1-10; Tiago 5.7-11; Mateus 11.2-15

Advento é um tempo de espera e essa espera é caracterizada pela


paciência. A espera cristã é pela volta de Cristo no dia do julgamento.
A leitura de Isaías 35.1-10 enfatiza de diversas formas essa verdade
quando descreve com imagens vivas a espera pela presença do Messias.
Enquanto se espera, pode-se viver em meio ao deserto e ao isolamento,
mas nos tempos da presença do Messias a terra se tornará habitável
e produtiva e onde havia vida selvagem haverá local de habitação. Em
lugar da escravidão, tristeza e gemido, haverá libertação acompanha-
da por cânticos de júbilo e alegria eterna. O texto de Mateus 11.2-15
nos remete ao primeiro Natal e João Batista é descrito como parte dos
“profetas” e como exemplo de sofrimento e de paciência em meio ao
momento de angústia enquanto está na prisão e aguarda pela manifes-
tação do Senhor.
O tema da paciência e da perseverança em meio à provação é o as-
sunto de toda a carta de Tiago. Desde o início dela (1.2-4), Tiago ensina
a igreja e no texto em destaque ele amplia o tema: “sede [...] pacientes
[...] até a vinda do Senhor” (v.7). A pergunta que poderíamos fazer ao
texto de Tiago é se essa paciência e perseverança estão conectadas a
eventos passados, presentes ou futuros? E a resposta que Tiago nos
dá cobre todos esses períodos. Observar a paciência e perseverança do
passado, mas também precisamos observar entre o agora e a segunda
vinda do Senhor, como também precisamos aguardar pacientemente
pelo evento em si da segunda vinda do Senhor.
Os vv. 10 e 11 nos remetem à paciência do passado. Os profetas e Jó
são mencionados como exemplos de paciência em meio à proclamação
da vinda do Senhor. Aqui não podemos esquecer as leituras paralelas.
Isaías e Mateus podem nos ajudar na hora da proclamação. O v. 9 nos
apresenta elementos presentes da paciência enquanto que os vv. 7 e 8
nos remetem a situações presentes e futuras.
O tema da segunda vinda de Jesus também é uma “espada de dois
gumes” (Hebreus 4.12). Quando Tiago nos alerta que o “juiz está às
portas” (v.9), temos o aspecto da Lei que se manifestará no Dia do Jul-
gamento. Jesus é Juiz! Mas se lembrarmos das palavras de Apocalipse
3.20, temos o Evangelho presente: “Eis que bato à porta; se alguém
ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com
ele, e ele, comigo”. A porta da misericórdia que se abre é o propósito
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO

do Senhor para com todos, por isso paciência e perseverança até a volta
do Senhor.
Após mencionar os profetas e Jó como exemplos de paciência e perse-
verança, Tiago vai além. Exemplos servem para ilustrar e serem imitados,
mas Tiago tem em mente algo mais substancial para nós. Quando afirma
que “o Senhor é cheio de terna misericórdia e compassivo”, Tiago nos dá
a razão e sentido para nossa paciência e perseverança. A misericórdia
e compaixão de Deus estão evidenciadas na vida, condenação, morte e
ressurreição de seu Filho. Somente o Evangelho pode cobrir e dar sentido
para nossa paciência e perseverança. No Evangelho, percebemos o sen-
timento de Deus por nós e como Deus age em nosso favor. Para Tiago, o
amor de Deus nunca é algo abstrato; ele é concreto. Se Deus é amor é
porque Ele nos ama no seu Filho Jesus Cristo.
Portanto, Tiago nos ajuda no tempo de Advento quando sugere pra-
ticarmos e vivermos a paciência. Primeiro, a paciência até a vinda do
Senhor (vv. 7,8), que nos ajuda a olharmos para nosso presente bem
como aguardamos a volta do Senhor. Depois, Tiago nos ajuda com Lei e
Evangelho (v.9 e Apocalipse 3.20). Por fim, Tiago nos leva ao sofrimento
em meio à paciência (vv.10-11). Temos modelos nos profetas e em Jó,
mas também temos a misericórdia e a compaixão de Deus no Senhor e
Salvador Jesus Cristo.

Clóvis Jair Prunzel


São Leopoldo/RS
cjprunzel@gmail.com

55
IGREJA LUTERANA

QUARTO DOMINGO NO ADVENTO


Salmo 24; Isaías 7.10-17; Romanos 1.1-7; Mateus 1.18-25

CONTEXTO

Contexto litúrgico: Estando às portas da celebração do Natal, neste


quarto Domingo no Advento o povo de Deus é convidado a refletir e ser
confortado no anúncio antecipado (Is 7.10-17) e na concretização (Mt
1.18-25) da vinda de Emanuel, o Deus que vem para estar conosco. O
Salmo do dia (Sl 24) celebra a chegada do “Rei da Glória”. Este último texto
bem se aplicaria também à celebração da Páscoa, com a vitória do Senhor
sobre as forças do mal, especialmente a própria morte. Assim também
o texto da Epístola deste dia, Rm 1.1-7, chama a atenção por vincular
a encarnação de Emanuel a sua glória manifestada na ressurreição. De
fato, o que vem a acontecer no Natal encontra seu pleno cumprimento na
Semana Santa, com o ápice da ressurreição.
Contexto literário: Paulo inicia sua carta aos cristãos em Roma com
o texto que temos diante de nós para o sermão do dia. Romanos é uma
Epístola escrita por Paulo para uma congregação que ele não conhecia
pessoalmente (apesar de estar bem informado sobre o que lá estava
acontecendo, como se observa no cap. 16). Sua mensagem é objetiva e
clara sobre o centro do evangelho. Ele não está especificamente tratando
de questões particulares daquela comunidade (como nas Epístolas aos
Coríntios, por exemplo), nem respondendo a ameaças de falsos mestres
(como na Epístola aos Gálatas). A carta aos romanos serve como prepa-
ração para sua visita àquela cidade, de onde esperava ser encaminhado
para o extremo ocidente, na Espanha (15.24). Lutero considerou Roma-
nos como a parte principal do Novo Testamento e o mais puro evangelho.
Esta Epístola traz de maneira muito explícita verdades fundamentais da
doutrina cristã, tais como o lugar e propósito da lei, a justificação pela
fé e o resultante amor ao próximo. Já nos primeiros versículos diversos
temas importantes são referidos pelo apóstolo (seu chamado ao ministé-
rio, a plena realização do Antigo Testamento pela vinda de Jesus, a dupla
natureza de Cristo, o chamado à fé e vida cristã, etc.).

DESTAQUES DO TEXTO

“Evangelho de Deus ... prometido nas Sagradas Escrituras, com respeito a


seu Filho”. Anders Nygren, em seu excelente comentário a Romanos, reflete
sobre a conexão que Paulo faz entre “evangelho” e Jesus: “O evangelho tem
um centro único ao redor do qual tudo se coloca. Desde o começo até o fim

56
QUARTO DOMINGO NO ADVENTO

ele trata a respeito do Filho de Deus. Foi através de sua vinda que a nova era
começou. A lei fala a respeito do homem e do que ele deve fazer. O evange-
lho fala a respeito de Deus e do que Ele fez ao enviar Seu Filho ao mundo.”
(Commentary on Romans, Philadelphia: Fortress Press, 1988, p. 47)
É importante lembrar que o termo “evangelho” tem um sentido dinâmico
nas vezes em que é utilizado no Novo Testamento. Ou seja, refere-se à
proclamação da boa notícia da graça de Deus, manifestada em Jesus Cristo.
Para o apóstolo, o evangelho não é mera notícia diante da qual o ouvinte teria
que se posicionar; ele é “poder” (Rm 1.16) que efetivamente realiza o que
promete, pois é veículo do Espírito Santo para agir no coração humano.
“Segundo a carne veio da descendência de Davi ... designado Filho de
Deus com poder, segundo o Espírito de santidade pela ressurreição dos
mortos” – “carne e Espírito” não devem ser vistos como sinônimos de “corpo
material e alma”. O contraste entre carne e Espírito pode ser considerado
à luz de outro contraste, muito presente e até central na teologia de Paulo,
entre as duas eras (presente e vindoura). A “carne” designa o ser huma-
no em sua totalidade visto da perspectiva da era presente. Isto é, carne
caracteriza o ser humano em sua pecaminosidade. Naturalmente que o
santo Filho de Deus, ao encarnar, não se tornou pecador. Mas assumiu o
pecado do mundo (cf. 2Co 5.21). E em seu estado de humilhação (que não
é o mesmo que sua humanação) ele deixou de manifestar plenamente a
glória, poder e majestade que lhe pertencem. A grande mudança acontece
na ressurreição, na vitória sobre a morte, que manifesta sua vitória sobre
o pecado e o diabo.
Apesar de algumas traduções trazerem “espírito” (minúsculo) parece-
nos mais coerente com o contexto de Paulo e esta epístola entender a
referência como sendo feita ao Espírito Santo (veja-se, por exemplo, a
longa e profunda reflexão de Paulo no capítulo 8 de Romanos). O mesmo
Espírito que esteve atuante no ministério de Jesus (desde sua concepção
– Mt 1.18,20) foi o agente do poder de Deus para a ressurreição de Jesus
(Rm 8.11). O Espírito Santo é o “sinal” dado por Deus da nova criação que
nos é prometida (2 Co 1.22; Ef 1.13,14).
Pela ressurreição de Jesus ficou evidenciado quem de fato ele é, o
Filho de Deus. Neste aspecto, a encarnação do Verbo e sua ressurreição
são dois eventos que devem ser considerados lado a lado, o que é feito
magistralmente por Paulo na introdução da Epístola. A proximidade do
Natal não deve impedir o pregador de fazer a conexão com a Páscoa. Cada
um destes eventos sublinha a importância do outro e com ele tem uma
unidade inseparável.
“Pela ressurreição dos mortos” – a mesma expressão (avna,stasij
nekrw/n) é empregada por Paulo em 1 Co 15.12ss., referindo-se à res-
surreição geral dos mortos no dia final. Talvez em Rm 1.4 se poderia
esperar outra expressão, como usada por Paulo em 1 Co 15.20, de que
Jesus ressuscitou “dentre os mortos” (evk nekrw/n), ou seja, que ele es-

57
IGREJA LUTERANA

tava entre os mortos (realmente morto, portanto!) e veio de lá para a


vida novamente. Mas Paulo diz (Rm 1.4) que Jesus foi demonstrado ser o
Filho de Deus pela ressurreição dos mortos! O fato é que para o apóstolo
a ressurreição de Jesus e a ressurreição final dos mortos não são duas
coisas totalmente diferentes. Jesus é as “primícias dos que dormem” (1
Co 15.20). Na ressurreição de Jesus iniciou a ressurreição dos mortos,
ou seja, a era vindoura foi antecipada. Em Cristo um novo tempo iniciou,
em que para todos os que creem a ressurreição é certa e aguardada com
confiança.
“Recebemos graça e apostolado” – no v. 5 Paulo retoma o que dizia
no v. 1, com sua apresentação aos romanos. A expressão “evangelho de
Deus” (v. 1) evocou a profunda e reverente referência a Jesus, em suas
duas naturezas, humana e divina, porque o evangelho é Jesus agindo
como o Deus-homem para a salvação da humanidade com sua justiça
(o grande tema de Romanos). Paulo retoma sua apresentação para falar
do propósito do seu chamado – “para a obediência por (ou: da) fé entre
todos os gentios, entre os quais estão também vocês”. A “obediência da
fé” (u`pakoh. pi,stewj) é uma nova obediência. Ela está ligada às três ex-
pressões seguintes: “chamados (para serem) de Cristo Jesus”, “amados
de Deus” e “chamados santos”. Não se trata de uma obediência à lei, num
cumprimento de ordenanças, mas a recepção humilde e confiante do que é
oferecido no evangelho, os seja, o chamado amoroso de Deus, que separa
(consagra) os seus filhos para si e seu projeto de vida e salvação.

APLICAÇÃO HOMILÉTICA

A sugestão é que o pregador aproveite a conexão feita por Paulo no


texto, entre a encarnação de Jesus e sua ressurreição. Que mantenha a
proximidade teológica entre o mistério sublime do Natal, de Deus se fazer
homem, e a gloriosa exaltação do Menino através da vitória sobre a morte. O
Filho de Deus se torna um de nós, ainda que sem pecado, para que, por sua
morte e ressurreição, possamos ser feitos filhos (e herdeiros) de Deus.
Uma possibilidade de tema e abordagem é: “Estamos perto do Natal ...
mas não tão longe da Páscoa” – deixando claro aos ouvintes a importância
de ter lado a lado os dois eventos na história de Jesus. Deve-se lembrar
que Paulo faz esta exposição sobre as duas naturezas de Jesus, chamando
isto de “evangelho” (proclamação da boa nova!). Ou seja, o ouvinte não
é convidado a meramente contemplar o mistério da encarnação e ressur-
reição, mas desfrutar dele, pois lhe é boa nova de salvação.

Gerson L. Linden
São Leopoldo/RS
gerson.linden@gmail.com

58
DIA DE NATAL
Salmo 2; Isaías 52.7-10; Hebreus 1.1-6 (7-12);
João 1.1-14 (15-18)

JESUS NASCEU PARA NOS PURIFICAR


CONTEXTO

Ano Eclesiástico: Hoje é Dia de Natal, nascimento do Filho de Deus,


o Purificador e Salvador Jesus Cristo. Na parte festiva do ano da igreja
cristã, fala-se de três grandes festas da cristandade: Natal – nascimento de
Jesus; Páscoa – morte e ressurreição de Jesus; Pentecostes – descida do
Espírito Santo. A parte não festiva do ano vai do Domingo de Trindade até
o 1º Domingo de Advento. O texto de nossa Epístola fala sobre a grande
festa do Natal de Jesus. É o que vamos examinar mais de perto.
O ciclo do Natal de Jesus inicia no 1º Domingo de Advento (4 domingos
antes do Natal) e termina com a Festa da Epifania (6 de janeiro), conside-
rado o Natal dos Gentios. Este período de Advento é um tempo considerado
escatológico: os cristãos olham para as duas vindas de Jesus – a vinda de
Jesus no Natal, como Salvador; a vinda de Jesus no dia do juízo final, como
Juiz. Por isso a igreja chama este tempo de advento de tempus clausum,
tempo de preparo, de arrependimento – como indicam todos os textos nos
quatro domingos de Advento: o retorno de Jesus como Juiz para julgar os
vivos e os mortos no dia do juízo final. A igreja examina os textos bíblicos e
fala em “grande alegria” apenas na Festa do Natal de Jesus. É, pois, nessa
perspectiva do contexto do ano eclesiástico que precisa ser examinada,
interpretada e anunciada a mensagem de nossa Epístola: Hb 1.1-6.
Perícope: É a Série Trienal C. O texto de Hebreus não se refere direta-
mente à história do nascimento de Jesus em Belém. Mas fala sobre a pessoa
e obra do Jesus que nasceu, morreu, ressuscitou e subiu ao céu – o Jesus
após o brado: “Está consumado”. A Epístola, pois, é menos uma Teologia
Histórica, mas uma Teologia Dogmática e Teologia Prática. O texto desta
Epístola para o Dia do Natal de Jesus foge dos textos que normalmente apre-
sentam a história do nascimento do Menino Jesus, que está especialmente
em Lc 1.26 até 2.1-20. A Epístola de hoje subentende a história do Menino
Jesus e fala do Jesus adulto e vitorioso, que concluiu a obra da salvação. É
um enfoque e uma ênfase que Hebreus faz sobre a grandeza da pessoa e
obra de Cristo – já realizada. E esta obra de Jesus que culmina com a sua
Ascensão, inicia com o nascimento de Jesus em Belém.
Epístola: Hebreus é uma Epístola diferente das demais epístolas do
NT. Não se sabe quem é o autor (Paulo? Apolo?), nem em que data foi
IGREJA LUTERANA

escrita (65-85?), nem o local (Roma?), nem seus destinatários. Há muitas


pesquisas e opiniões. Mas estas dúvidas não influenciam e não alteram o
grande ensino doutrinário da Epístola. É que Hebreus também está incluída
na afirmação (2Pe 1.20,21): “Nenhuma profecia da Escritura provém de
particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por
vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus,
movidos pelo Espírito Santo”.
A Epístola é um grande documento doutrinário. Toda teologia é cristo-
lógica. A perícope é um tipo de introdução ou tese de toda a Epístola. Ao
longo dos capítulos, Hebreus apresenta Cristo como o Sumo Sacerdote
que se sacrificou a si mesmo para a “purificação dos seres humanos” e
termina no estilo de carta, com admoestações, exortações e estímulos
aos leitores. Dois exemplos (10.23; 12.1): “Guardemos firmemente a
esperança da fé que professamos” e “corramos, com perseverança, a
carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Con-
sumador da fé, Jesus”. Para entender bem a mensagem de Hebreus, é
preciso lê-la do começo ao fim, pois ela forma um todo. Assim é preciso
ver a perícope de hoje na qual destacaremos especialmente a razão do
Natal de Jesus, da Páscoa de Jesus, da Ascensão de Jesus: A purifica-
ção dos pecadores!

TEXTO

Alguns destaques deste maravilhoso e profundo texto, onde o Deus


Triúno se comunica (Pai, Filho, Espírito Santo – 3.7) e apresenta “seu Fi-
lho” como o Salvador do mundo – o “Purificador”. Algumas observações,
pensando na mensagem prática que o pregador vai transmitir aos ouvintes
neste Dia de Natal.
Deus – Filho – E. Santo (3.7): Embora o Credo Cristão seja dividido
em três artigos: 1º Art. Da Criação – atribuído a Deus Pai; 2º Art. Da
Redenção – atribuído a Deus Filho; 3º Art. Da Santificação – atribuída a
Deus Espírito Santo, a perícope de Hebreus mostra que o Deus todo (Pai,
Filho, Espírito Santo) participou da obra da criação e da redenção e da
santificação. As três pessoas da Trindade fizeram tudo como um só Deus,
fazendo apenas uma distribuição das três grandes obras.
Falou – Deus não é mudo e nem surdo. Nunca silenciou. Mas sempre
se comunicou.
Muitas vezes – ou porções, ao longo de todos os livros do AT.
Muitas maneiras – de acordo com as circunstâncias e necessidades
do seu povo: diretamente (Gn 18.17; Êx 33.9; Nm 12.8); sonhos (Dn 2.3;
1 Rs 3.5); visões (Ez 8.4; 11.24; Gn 15.1); anjos (Zc 1.9; Dn 9.21; Lc
2); sarça ardente (Êx 3.4). O autor de Hebreus refere-se à comunicação
do AT, no passado.

60
DIA DE NATAL

Últimos dias falou pelo Filho: Comunicação especial. Aqui iniciou o


NT, é o tempo até a segunda vinda de Cristo, “no dia do Senhor”. “Esta é
a palavra final e definitiva que Deus dirige aos seres humanos”.
Seu Filho: A 2ª Pessoa da Trindade. O texto apresenta muitos títu-
los ou atributos ou obras de Jesus – que mostra a Unidade na Trindade.
Quem é Jesus:
- Filho de Deus – vv. 2,5
- Herdeiro de todas as coisas – v. 2; Ef 1.20-23
- Agente da Criação – v. 2; Jo 1.3; Cl 1.16
- Esplendor da glória de Deus – v.3; 1Jo 1-5
- Expressão exata de Deus – v. 3; 2 Co 4.4; Cl 1.5
- Sustentador do mundo – v.3
- Sumo Sacerdote – Jo 1-29
- Entronado à direita de Deus – v.3
- Purificador dos pecados dos seres humanos – v.3; 1Jo 1.7; Tt
2.14; Ap 1.5
Direita da Majestade: Exaltação e glorificação do Salvador Jesus
no céu “depois de ter purificado os seres humanos de seus pecados” –
v.3; Fp2.9.
Adorar: Os santos anjos e os “purificados dos pecados, os herdeiros
da vida (vv.5,7) adoram, honram, agradecem e louvam a Jesus (Ap
4.11; 5.11,13; 7.12) pela obra da salvação ou purificação da huma-
nidade.
Sobre cada verbete, há muitos outros textos bíblicos. No sermão, o
pregador pode aproveitar os destaques que enriquecem o tema no Dia de
Natal de Jesus: Jesus nasceu para nos purificar dos pecados! Mas deve
buscar ensinos de outros capítulos de Hebreus e outros livros da Bíblia.
Em mensagens especiais, o pregador tem esta liberdade.
Esta é a mensagem central da perícope de hoje e de toda Epístola:
Jesus consumou a purificação e salvação do mundo. Há outros destaques
importantes neste texto. Optei pela purificação como tema, por mais
diferente e estranho que possa parecer no Natal de Jesus, quando nor-
malmente se fala sobre o nascimento do menino Jesus. É proveitoso para
os cristãos ver o Natal de Jesus sob esta perspectiva que aponta para a
missão principal do Salvador Jesus com sua vinda ao mundo.

ESBOÇO PARA O SERMÃO

A perícope oferece diversos enfoques que podem servir como temas:


Deus fala – Deus falou no AT – Deus falou por meio de Jesus – Jesus
sustenta o universo – Jesus está à direita de Deus – os anjos adoram
Jesus – etc. etc. Mas o miolo, o centro, o conteúdo principal da vinda de

61
IGREJA LUTERANA

Jesus ao mundo está no conceito da purificação. Cristo pode purificar do


pecado porque ele “era sem pecado” (1Pe 2.22). Por isso também fez o
que Is 53 diz. Valendo-se das anotações feitas neste estudo, considerando
o profundo enfoque teológico da perícope, é preciso buscar auxílios em
toda a Epístola e outros textos bíblicos. Assim, o pregador pode dar uma
grande, bela e consoladora mensagem a seus ouvintes. Como sugestão,
o que segue, com o tema: Jesus nasceu para nos purificar!

Introdução
- Lembrar que Advento é tempo de espera e de preparo para rece-
ber o Salvador: alegria com a vinda de Jesus no Natal; arrependimento
aguardando a vinda do Juiz Jesus.
- Hoje, Natal de Jesus, é alegria com a “boa nova de grande ale-
gria”.
- Como é Natal, e o ouvinte espera a história do nascimento, resumir
a história de Lucas 2.
- Então destacar a ênfase – a razão maior do nascimento à ascensão
de Jesus: Salvar e purificar os pecadores.
- Aí está o tema e suas partes:

JESUS NASCEU PARA NOS PURIFICAR

I. Porque só Jesus tem poder para nos purificar


- Destacar o contexto do Natal: Ano Eclesiástico e Epístola de He-
breus
- Só Jesus: 2º Art. Credo Cristão – cf. Títulos e atributos de Jesus,
acima.
- Explicar: Hb 5.9: Autor da salvação; eu vim buscar: Lc 19.10.
- Pecado nos tornou tão impuros que só Jesus–Deus nos pode
purificar.
- Que Deus é tão grande como nosso Deus-Salvador?
- Este é seu Jesus do Natal e seu Jesus do último dia.
II. Porque Jesus nos quer purificar
- Vontade de Deus: Ez 33.11; 1Tm 2.4; Mq 7.19
- Por natureza, nós: impuros, imundos, corrompidos, sujos.
- Impureza, pecado: condenação eterna.
- Purificar: limpar, lavar, tirar, regenerar.
- O sangue de Jesus: 2º Art., Hb 5.9; 9.12; 9.22; 10.22; 1Jo 1.7
- Voltar purificado, paz, adoração.

62
DIA DE NATAL

III. Porque Jesus nos quer purificados no céu


- Quem não entrará na vida eterna: Ap 22.15; Gl 5.20
- Quem entrará na vida eterna – Is 1.18; Gl 5.22; Ef 2.8
- Convite de Jesus – Mt 11.28; Jo 6.35; Mt 25.34
- Os purificados viver na vida eterna – Jo 3.16, 36; Jo 5.12
- A glória eterna dos salvos e purificados – Ap 21.1-5

CONCLUSÃO

- Recapitular tema e partes.


- Do Natal à ascensão de Cristo, só o objetivo: purificar e salvar.
- Grande promessa: Ap 21.1-5
- Após o culto: imitar os pastores: Lc 2.15-20! E orar com Ap 22.20

Leopoldo Heimann
São Leopoldo/RS
pastorleopoldoheimann@yahoo.com.br

63
PRIMEIRO DOMINGO APÓS O NATAL
Salmo 111; Isaías 63.7-14; Gálatas 4.4-7; Mateus 2.13-23

CONTEXTO

a. Histórico
A Carta aos Gálatas é destinada aos moradores da região da Galácia
(Ásia Menor – At 16.6). O apóstolo Paulo visita essa região em sua se-
gunda viagem missionária. Os moradores são gauleses, procedentes da
Europa no século II a.C.
Diante de uma série de conflitos que surgem nessas comunidades,
Paulo escreve essa carta, em que aborda os seguintes temas: fé, liber-
dade cristã, carne x espírito, lei do amor, igualdade em Cristo, frutos do
Espírito. Todos esses temas são perpassados pela mensagem central: a
salvação em Cristo, oferecida pela graça de Deus, que nos torna livres e
produz frutos visíveis na vida pessoal e no entorno. A Carta aos Gálatas
pode ser considerada a epístola da liberdade e da justificação pela fé. A
perícope indicada faz parte da segunda parte da carta e trata da filiação
divina pela fé em Cristo. O texto de Gálatas 4.4 fala do tempo ou marco
divisório do agir de Deus. A plenitude do tempo não quer dar margem à
discussão sobre a razão de ser nesse ou naquele tempo a vinda de Cris-
to ao mundo. Mas sim, Deus é um Deus que age e intervém na história
concreta de sua criação. Não é apenas o Criador que, após a criação, fica
distante, apático, olhando tudo de longe. Em Jesus, Deus “desce”, nascido
de mulher, neste mundo, sob a lei, sob as normas, costumes, tradições,
conflitos e rupturas que a realidade contempla.
b. Litúrgico
Há muitas luzes neste tempo de Natal. As pessoas buscam por mo-
mentos e mensagens que lhes devolvam a esperança. Tem-se a impressão
de que a felicidade está distante, a paz não é possível. Isaías (11.1-9)
projeta para o reinado de Ezequias o sonho de uma sociedade diferente.
Esse reinado estará alicerçado no Espírito de Deus e no temor a Ele. Ha-
verá justiça e fidelidade. A paz e a harmonia reinarão.

PONTOS DE CONTATO ENTRE AS LEITURAS

As leituras destacam ações de Deus em favor do seu povo. Com isso


estabelece-se um vínculo temático com os conteúdos característicos do
Natal.
PRIMEIRO DOMINGO APÓS O NATAL

O texto de Isaías 63.7-9 fala expressamente das “benignidades do


Senhor” (v. 7), com o que provavelmente há uma referência aos eventos
do êxodo, seja o da travessia do Mar Vermelho (Êx 14), seja o da travessia
do deserto... Essas benignidades (hebraico: hesed) de Deus em favor do
seu povo estão fundamentadas na gratuidade do amor de Deus. Ele se
torna assim o salvador (hebraico: moshi’ah) de Israel. Na continuidade do
texto, há referências a situações de desamparo por parte de Israel. Isto é
motivo de clamor para nova intervenção divina. Com isso o profeta está
apontando para rupturas de relações de aliança do povo com Deus, mas
também para o rompimento de relações entre o próprio povo. De uma
forma geral, situações que requerem nova intervenção de Yaweh estão
relacionadas muitas vezes com rupturas com a própria Torá.
O texto de Mateus 2.13-15,19-23 indica que o caminho do Salvador
da plenitude dos tempos vive uma situação de contradição com o poder
da lei, como é indicado por Paulo na Carta aos Gálatas, mas também com
o poder temporal, indicado aqui pela necessidade da fuga ao Egito. Com
isso estabelece-se a ligação também dessa leitura com o tema natalino,
mas também com o tema da ação salvífica de Deus por seus filhos, aqui
manifestado na pessoa do menino Jesus.
Para a reflexão das conexões entre os três textos, é importante con-
siderar, embora o texto de Gálatas fale da plenitude dos tempos, que a
ligação entre Deus e a humanidade se dá através da aliança messiânica e
que culmina e se torna plena em Cristo. Se Jesus é reconhecido, aceito e
proclamado como a graça de Deus que se tornou forma humana, então é
o ponto alto da história da relação de Deus com a humanidade, e de forma
especial com Israel. Todo o tempo da criação é, na verdade, tempo da
graça de Deus. A vinda do messias-criança leva essa relação de gratuidade,
graça e amor divinos a um ponto climático. Há, pois, uma continuidade
na história da graça. Com isso também a relação entre graça e lei recebe
nova luz. A superação da lei pela liberdade da graça sempre compreende
e supõe a continuidade da própria lei. O evangelho está intrinsecamente
vinculado com a própria Torá.

O TEXTO DE GÁLATAS

A dimensão mais importante a considerar em relação à Carta aos


Gálatas é que se trata da epístola da liberdade e da justificação pela fé.
A pregação da liberdade na e através da fé em Jesus Cristo marca o pon-
to alto desse escrito, assim como deve ter marcado a própria pregação
apostólica na comunidade. Essa liberdade é outorgada por Deus ao ser
humano por graça e fé sem a colaboração de obras (da lei). Isto constitui
um critério de fé fundamental nesse escrito.

65
IGREJA LUTERANA

A liberdade outorgada por Deus ao ser humano pela fé em Jesus Cristo


impulsiona a pessoa que crê e a comunidade a um exercício de fé que não
abrange apenas a sua relação com Deus, mas que também transforma as
relações horizontais, com o próximo. Isso se expressa de forma clara no
final do capítulo 3 (v. 28), onde Paulo transmite uma fórmula batismal, na
qual a superação das diferenças sociais teria um lugar de confissão de fé
pessoal e da comunidade, sobretudo por ocasião de batismos. A superação
de preconceitos que envolviam etnias e classes sociais não significa de
modo algum um nivelamento das diferenças existentes no seio de uma co-
munidade cristã. As diferenças existem e devem ser percebidas como tais,
mas não devem ser tomadas ou transformadas em fator de desqualificação
e separação. A comunidade cristã é uma espécie de campo experimental
de novas relações sociais. Isso vale para relações em termos etnoculturais,
em termos hierárquico-sociais e em termos das relações entre homens e
mulheres. Uma comunidade cristã deve ser um espaço criativo, experi-
mental para a superação de tais assimetrias rumo à constituição de uma
comunidade com relações mais humanas, de inclusão e solidariedade. É
obvio que tal intento pessoal e comunitário sempre estará inscrito dentro
da tensão e dos limites do simul iustus et pecator. Por isso não se deve
trabalhar com pressupostos e objetivos demasiadamente idealistas.

PREGANDO SOBRE O TEXTO DE GÁLATAS 4.4-7

No espírito das celebrações de Natal, a referência à “plenitude do


tempo” está associada ao nascimento do Messias, o Cristo. Esse tempo da
plenitude salvífica, na ótica paulina, está intrinsecamente vinculado com
a liberdade plena para a qual Cristo chamou as pessoas. A dinâmica do
pensamento é similar aos textos de leitura, sobretudo de Isaías, na medida
em que se supõe a ação salvadora de Deus em favor do seu povo.
Para Paulo, viver a fé em Jesus Cristo está associado a um processo de
maioridade. O apóstolo parece supor que, antes da encarnação do Verbo
de Deus, em Cristo Jesus, os seres humanos não viviam uma condição de
liberdade plena. Isso Paulo expressa com a imagem do “vir a tornar-se
filhos”. A condição anterior é entendida como uma submissão da pessoa
em relação às leis da Torá e a tempos e normas designados de “rudimen-
tos do mundo” (stoicheia tou kosmou – v. 3). Somente pela fé em Cristo
chegaria o tempo da liberdade plena do ser humano. A pessoa, no espírito
de Jesus, o Filho de Deus, pode dirigir-se a Deus na forma de tratamento
aba – Pai. A relação de fé em Jesus coloca a pessoa crente numa relação
filial com o próprio Deus. Lutero diz a respeito: “Cristo é o Filho; por isso
aqueles que nele creem são filhos com ele” (Lutero, p. 170). Ser filho (e
filha) é o caminho para assumir a liberdade e a autonomia (na fé), e isto

66
PRIMEIRO DOMINGO APÓS O NATAL

é condição para uma vivência de novas relações que buscam a superação


das assimetrias sociais.
Na pregação sobre o texto, poder-se-ia buscar evitar uma demasiada
contraposição entre Torá / escravidão e graça / liberdade. É verdade que
isso está no espírito da Carta aos Gálatas e foi amplamente afirmado por
Lutero e seguidores. Um destaque mais positivo da Torá é muito mais
apropriado aos conteúdos bíblicos como um todo. É evidente que a ênfase
à total dependência da obra de Cristo é pressuposto nessa discussão acerca
da verdadeira liberdade. Afinal, a fé em Jesus Cristo não significa uma
superação total da lei/Torá. A Torá não é abolida; antes, na fé em Jesus,
ela é levada à plenitude. Só se pode levar à plenitude aquilo que já existe
em princípio. Positivamente pode-se, pois, destacar as imagens do “aio”
e da “tutela”. No caminho da pessoa rumo à liberdade, a lei/Torá é um
esteio importante para conduzir a pessoa, a comunidade ou o povo para
uma vivência eticamente regrada (Lei no seu terceiro uso). Observância da
Torá não precisa significar somente o estereotipado “legalismo farisaico”
ou algo assim. Observar os preceitos da Torá pode ser perfeitamente uma
forma de exercitar a fidelidade em relação à vontade de Deus, revelada
na própria Torá. A vivência da fé cristã, na liberdade da fé e no exercício
do amor, pode e deve manter a relação positiva com os preceitos da Torá,
pois sem normas orientadoras não há como concretizar uma vivência
pessoal e comunitária eticamente regrada ou orientada.
Não há dúvida de que, como filhos e filhas, e assim como herdeiros
das promessas, nosso caminho e propósito, enquanto crentes em Deus e
Jesus, é viver a maioridade e a liberdade. Mas o nosso caminho cotidiano
permanece ligado à palavra que se tornou letra na Torá. Não há nisso
nenhum intento de afirmar qualquer tipo de justificação por obras; justi-
ficação se dá unicamente por graça e fé. Mas os preceitos da Torá são os
indicadores para a caminhada da gente e do povo de Deus em meio aos
percalços da vida. A Torá, traduzida como “Palavra de Deus”, apresenta-se
também na forma de evangelho.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Destaque para o momento da plenitude dos tempos, fazendo talvez


uma breve avaliação das celebrações e festividades de Natal. Não cami-
nharia muito na crítica ao modo cultural como muitos vivem o Natal; antes
apostaria na chance concreta de ter uma comunidade que busca alguma
forma de contato com esses conteúdos vitais.
Realce da “plenitude dos tempos” no sentido do nascimento do Menino
Jesus, o Messias prometido; aí se dá concretamente a maioridade na fé e
a verdadeira liberdade na caminhada da pessoa que crê; a plenitude dos

67
IGREJA LUTERANA

tempos realça de forma climática a vontade salvadora de Deus por seu


povo; isto é expressão de pura graça, concedida gratuitamente à huma-
nidade que estava perdida.
Destaque positivo para o aio ou a tutela da Torá enquanto vontade
expressa de Deus a seu povo; a vivência cristã necessita de orientações
firmes para uma vivência ética da fé e do amor. É difícil conceber uma
ética cristã que não esteja ancorada na própria Torá. No entanto, deve-
se destacar que a vivência cristã só se torna agradável a Deus enquanto
estiver ancorada em Cristo, pela fé.

Paulo Gerhard Pietzsch


São Leopoldo/RS
pgpietzsch@yahoo.com.br

68
VÉSPERA DE ANO NOVO
Salmo 90.1-12; Isaías 30.(8-14)15-17; Romanos 8.31b-39;
Lucas 12.35-40

LEITURAS DO DIA

Salmo 90.1-12: Um salmo, possivelmente escrito por Moisés, divi-


dido em duas partes, onde os versículos 1-12 correspondem à primeira
parte, destacando a brevidade da vida humana diante da eternidade de
Deus. É um texto oportuno para este dia dentro do calendário litúrgico,
com uma bela mensagem. Ele mostra que a nossa vida está nas mãos de
Deus, o eterno que sempre existiu e sempre existirá em contraste com
ser humano que não vive muito neste mundo. Apresenta a vida humana
como algo passageiro e que com o tempo acaba trazendo cansaço. E,
por fim, termina com uma súplica a Deus, a fim de que Deus nos ensine
a viver os nossos dias, sabendo que são poucos e assim tenhamos um
coração sábio.
Isaías 30.(8-14)15-17: Isaías, no versículo 8, recebe a ordem
de Deus para escrever a mensagem como testemunha eterna contra o
povo. E a sequência acontece com três ameaças, tendo como referência
o Santo Deus de Israel. Na primeira destaca a negligência do povo em
ouvir a mensagem e ainda buscar pessoas que tivessem “supostas”
visões e falassem o que lhes agradasse. Na segunda, aponta para a
rejeição à mensagem de Deus, colocando a confiança em violência e
mentira; nesta Deus ainda fala das consequências que isso tudo trará
para o povo. Na terceira, Deus diz que se o povo reconhecer o seus
erros e voltar para ele, Deus os perdoará e lhes concederá a vitória. E
o povo não quis.
Romanos 8.31b-39: Paulo aqui dá uma declaração da vitória de
Cristo, mostrando que Deus está do nosso lado e que de fato não há
nada no mundo que possa nos afastar do amor e do cuidado deste Deus.
O apóstolo, falando do Deus todo-poderoso, questiona: Se ele (Deus)
é por nós, quem será contra nós? E depois ele responde afirmando que
realmente nada pode nos derrotar. E ainda, esse Deus todo-poderoso é
um Deus de amor, que não poupou nem o seu filho, mas, pelo contrário,
por amor a nós o entregou. Assim, diz Paulo, o que Deus vai deixar de
nos dar? E mais, Cristo ainda intercede por nós!

69
IGREJA LUTERANA

Lucas 12.35-40: Jesus aqui fala do dia em que ele voltará e que neste
dia todos devem estar preparados. Destaca também que não devem ficar
apenas preparados, mas aguardando a vinda do Senhor, embora ninguém
saiba o momento que isso vai acontecer. E para aqueles que aguardam e
esperam, fica a promessa da grande festa que teremos no céu.

TEXTO DA MENSAGEM (ROMANOS 8. 31b-30)

É um trecho que nos coloca diante do grande cuidado de Deus para


conosco, bem como do imenso amor de Deus na satisfação vicária de
Cristo. E que por esse motivo realmente nada pode nos separar do amor
de Deus. Há uma grande ênfase neste “nada”, como se nenhuma criatura
do céu, do inferno ou da terra pudesse nos separar do amor de Deus, que
está unido em Cristo Jesus.
V. 31b: A perícope inicia com a segunda parte do versículo. Isso acon-
tece pelo fato de que na primeira parte o apóstolo se refere ao que ele
escreveu nos versículos anteriores. O que temos aqui é uma pergunta
retórica do apóstolo dizendo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”
E ele responde nos versículos que seguem em nossa perícope.
“Se Deus é por nós”: se analisarmos o texto original, vamos perceber
que essa frase é uma oração condicional de realidade. Desta forma, o
que Paulo diz não é algo como se fosse, por exemplo, “Deus pode ser por
nós”, “Deus será por nós”, mas que “Deus de fato é por nós”, com toda a
certeza. Podemos confiar nisso, que Deus de fato é por nós.
V. 32: Como diz Lutero, a partir do momento que compreendemos o
Cristo que foi nos dado, somos cristãos redimidos dos pecados e podemos
confiar que Deus vai suprir todas as coisas, todas as necessidades.
Paulo coloca a certeza de que Deus nos ama e, como sabemos, o amor
de Deus se revela em Cristo. Não há ponto neutro na maneira de Deus
tratar com a humanidade: se ele não está contra nós como o juiz de nos-
sas transgressões, ele é por nós completamente e para todo o sempre.
Ele nos deu tudo o que pertence ao Filho, pois somos co-herdeiros com
Cristo da Redenção (8.17). Todo o tempo, todo o espaço, toda a história,
todo o mundo são nossos (4.3; cf. 1Co 3.21).
Todas as coisas no céu e na terra, Cristo, por sua morte reconciliadora,
trouxe de volta a Deus. O próprio Filho de Deus é o maior dom da graça
e que inclui todas as demais bênçãos de Deus, inclusas a futura salvação
e glória dadas a nós. Estas bênçãos estão inseparavelmente conectadas
com Cristo: aquele que recebe o Redentor se torna um participante da
riqueza plena do tesouro da misericórdia de Deus.
V. 33: Quem os condenará? Ninguém deve julgar alguma coisa (Mt
7.1); Deus já julgou os que vivem através da fé e os declarou inocentes

70
VÉSPERA DE ANO NOVO

e justos (Rm 4.5). Mas se diante de tribunal de Deus alguém for contra
nós? O que pode nos condenar? O diabo, nosso acusador, a lei, a nossa
consciência, assim não é que ninguém nunca vai nos acusar, porque ha-
veremos de ser acusados frequentemente. Entretanto, é o próprio Deus
que absolve, aquele que tem poder sobre todas as coisas.
V. 34: Quem vai condenar? É uma sequência do pensamento ante-
rior, entretanto o condenar é mais forte que acusar. O pensamento aqui
expresso é de que se Deus não condena, não há alguém que possa fazer
isso. Dessa forma, quem poderia proferir a sentença de condenação? São
acrescentadas quatro razões conclusivas que provam por que tal sentença
está fora de cogitação: a morte de Cristo, sua ressurreição, sua exaltação
e sua intercessão. Cristo morreu, mas não por si mesmo, mas como o
nosso substituto, pagando o preço de toda nossa culpa. Ele ressuscitou
dos mortos, recebendo assim o selo e a confirmação da aceitação de seu
sacrifício por Deus. Ele ascendeu à direita de Deus, assumiu o uso total
de seu poder e glória divinos, também segundo sua natureza humana, e
sua obra constante agora é interceder por nós. À direita de Deus, Jesus
continua agindo em nosso favor. Ele não é um mártir morto, mas nosso
Senhor que vive; a lei do Espírito da vida é sua lei, que ele executa com
poder no trono de Deus. A voz daquele que nos amou e se entregou por
nós sempre fala a nosso favor: “temos Advogado junto ao Pai”, como
João o expressa (1Jo 2.1). Mesmo quando pecamos e caímos, seu amor
ainda nos sustenta.
V. 35: Outras coisas que podem tentar nos afastar do ato salvífico de
Deus não são os aspectos de julgamentos, mas os ataques diretos que
podemos sofrer ao longo de nossa vida. As pessoas que não pertencem
à igreja gostam de apontar para as nossas aflições como prova da não
existência de Deus, ou, até mesmo, como prova de que Cristo nos aban-
donou. No entanto, o que o apóstolo mostra logo em seguida é que não,
ele ainda diz mais em tudo isso, somos mais que vencedores.
Quem nos separará e nos arrancará do amor de Cristo? Estamos pela
fé inseparavelmente unidos com Cristo por causa do seu amor. Será al-
guém ou alguma coisa capaz de romper o laço de nossa comunhão com
Cristo e de nossos corações tirar a fé? O apóstolo cita alguns fatores que
provavelmente nos poderiam prejudicar: os poderes e as influências hostis
empregadas por Satanás e pelos filhos do mundo.
V. 36: Ao invés do apóstolo usar a sua vida como exemplo de alguém
que passou e experimentou esses males, ele prefere citar o Salmo 44.22.
Aqui Paulo está se referindo ao sofrimento por amor a Deus, “por amor
de ti”. O novo povo de Deus é experimentado por sofrimentos e tentado
a desesperar, como aconteceu com Israel. O salmista, quando afirma que
seu povo foi derrotado, aprisionado, deportado, escarnecido pelas nações

71
IGREJA LUTERANA

vizinhas e “considerado como ovelhas para o matadouro”, sustenta também


que esse povo suportou tudo por amor a Ele, não se esqueceu dEle e foi
fiel à Sua aliança (Sl 44.17).
V. 37: Mas o novo povo de Deus também pode renovar suas forças no
mesmo poço da vida do qual o salmista bebia, o poço do “amor da be-
nignidade de Deus” (Sl 44.26; cf. 44.3). Deus escrevera o registro de seu
amor constante na história de seu povo antigo (Sl 44.1-8). Demonstrou
esse mesmo amor em Cristo, que nos amou numa ação de amor em favor
daqueles que não o amavam, ação que faz empalidecer todas as revelações
do passado e torna o futuro uma grande certeza (5.8-11).
Em todas estas coisas, em todas estas aflições e dificuldades, somos
mais do que vencedores por meio daquele que nos amou. Nossos inimigos
não podem nos causar mal real, pois antes de terem uma oportunidade
para operar o mal, já estão vencidos. De antemão o cristão já está certo
da vitória, não por meio de sua própria razão ou força, mas através de
seu Redentor Jesus Cristo.
V. 38: “Estou bem certo”, diz Paulo. Essa é a ação de Deus. Coloca
em nosso coração uma certeza que todos os sofrimentos no passado não
podem nos abalar: em Cristo “somos mais que vencedores” em todas
estas coisas, no meio desta vida, em ruínas, à sombra da morte. Cada
sofrimento suportado torna mais segura nossa esperança. Nossa vida
atribulada, nossa morte certa, essas duras realidades que constituem a
história aberta deste mundo, estas não podem separar-nos do amor de
Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor, pois Jesus Cristo é “Senhor tanto de
mortos como de vivos” e nós lhe pertencemos na vida e na morte.
V. 39: Nem a vida, nem a morte podem nos separar de Cristo. Na
vida nós vivemos com Cristo, na morte morremos com ele; e porque nós
morremos com ele, nós também subiremos aos céus com ele. O que fica
deste versículo é o fato de que realmente nada pode nos separar do amor
de Deus, por causa de Cristo.
Com isso notamos que realmente nada pode nos separar do amor de
Deus e nem tirar a nossa herança eterna. Nossa união com Cristo pres-
supõe a possibilidade de passarmos afrontas e necessidades, violência e
morte. A garantia é a palavra de Deus, que nos dá a certeza de que mesmo
vindo todas as coisas que podem nos destruir, nada pode nos separar do
amor de Deus em Cristo. É Deus falando, aquele que cumpriu e sempre
cumpre as suas promessas.
Que venham milhares de inimigos, inumeráveis calamidades, Deus é
maior, mais poderoso e está do nosso lado.

72
VÉSPERA DE ANO NOVO

PROPOSTAS HOMILÉTICAS

Tema: Deus é por nós, quem será contra nós?


Como Deus é por nós?
Que Deus é esse que é por nós?
O que pode ser contra nós?
Deus nos supre de todo o necessário, confiemos.

Tema: Em Cristo somos mais que vencedores


O que pode tentar nos derrotar?
Por que em Cristo somos vencedores?
Nele podemos enfrentar tudo.

Tema: Nada nos separa do amor de Deus


O que pode nos separar do amor de Deus?
Como podemos saber que nada nos separa deste amor?
Viver nesse amor, o que implica na nossa vida?

Felipe Erdmann Euzebio


Cariacica/ES
lipeeuzebio@yahoo.com.br

73
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR / DIA
DE ANO NOVO
Salmo 8; Números 6.22-27; Gálatas 3.23-29; Lucas 2.21

CONTEXTO LITÚRGICO

A data é propícia para levar o pregador a esquecer o que, liturgica-


mente, vem a ser o grande fato do dia: a circuncisão e nome do Senhor.
Ao mesmo tempo, é o dia de Ano Novo e o pregador facilmente é tomado
de uma “certeza”: os fiéis virão ao culto com a expectativa de ouvir um
sermão que aborde algo relacionado com o Ano Novo, por isso preciso
escolher um texto que sirva a uma mensagem que corresponda às ex-
pectativas dos ouvintes.
O contexto litúrgico, todavia, coloca diante de nós os textos apropriados
para abordar o que aconteceu ao menino Jesus quando tinha oito dias de
vida: foi circuncidado e recebeu o nome de JESUS. Circuncisão, nome de
Jesus e Ano Novo? Ou é um assunto ou é outro, poderá alguém pensar.
Não, não precisa ser necessariamente assim. É possível usar os textos do
dia e também fazer uma conexão com a data mais lembrada, ou seja, o
início do novo ano civil.

CONTEXTO HISTÓRICO

O texto em destaque é o de Gálatas 3.23-29, a perícope da epístola,


portanto. O que acontece na epístola aos Gálatas é sintetizado magistral-
mente pelo Prof. Dr. Paulo Frederico Flor:

O apóstolo Paulo desmantelou com extrema habilidade os argu-


mentos contrários nessa breve epístola de apenas seis capítulos,
em que a doutrina soteriológica da justificação pela fé sem as
obras da lei é delineada com toda a clareza (FLOR, Paulo. Epís-
tola aos Gálatas – Um Comentário. Porto Alegre: Editora
Concórdia, p. 13).

O destaque vai para a clara delineação da doutrina soteriológica da


justificação pela fé. É uma doutrina que nasce da obra de um Salvador
(soteriológica). O Salvador que recebeu o nome de JESUS, “porque ele
salvará o seu povo dos pecados deles”, conforme as palavras do anjo a
José em Mateus 1.21.
A doutrina da justificação pela fé, se não for anunciada claramente
e vivida na sua plenitude, se transforma numa fonte de incerteza per-
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR / DIA DE ANO NOVO

manente para a pessoa submetida a tal situação. Incerteza sobre seu


relacionamento com Deus; sobre seu destino eterno; sobre o consolo do
perdão dos pecados, afinal, sobre o que lhe acontecerá diante de Cristo
no dia do juízo final. Certo senhor, bastante religioso, disse-me o seguinte
numa conversa que tivemos: “Não tenho medo de morrer; tenho medo é
do tribunal que me espera”.
O apóstolo Paulo viu sua autoridade apostólica posta em dúvida pelos
judaizantes que cercavam os cristãos gálatas. Não apenas isso aconteceu,
mas também estava sendo atacada a verdade do evangelho, a qual revela
que o homem não é justificado por obras da lei, e sim, mediante a fé em
Jesus Cristo. A clareza da doutrina da justificação pela fé, portanto, foi
ocultada pela tentativa de misturar o evangelho de Cristo com o dever de
guardar as leis cerimoniais dos judeus. Os agitadores não negavam que a
fé é necessária para a salvação; sustentavam, porém, que ela é insuficien-
te para alguém obter a salvação. Esta não viria sem o cumprimento das
obras da lei. Tal ensino, pois, era um atentado à liberdade que ganhamos
em Cristo e um retorno à escravidão do regime da lei.

TEXTO

V. 23: Todo o capítulo 3 de Gálatas aborda a relação entre lei e fé. Ao


mesmo tempo em que desenvolve a doutrina da justificação por meio da
fé, Paulo também se ocupa em responder às possíveis indagações quanto
à validade ou não da lei. Para que serve, então, a lei? Parece ser a tônica
das reações daqueles a quem Paulo se dirige, bem como também dos
judaizantes. Para que serve, então, a lei? É pergunta que ainda se ouve
hoje. A resposta a ela precisa ser clara. Encontramos a clareza na expo-
sição paulina no capítulo 3 de Gálatas.
Antes da vinda da fé, escreve Paulo, “estávamos sob a tutela da lei
e nela encerrados, para essa fé que, no futuro, haveria de revelar-se”. A
expressão “sob a tutela da lei” é a tradução de dois verbos no original,
cujo sentido literal é “éramos guardados confinados”. A lei aprisionava,
embora fosse um aprisionamento temporário e provisório: antes que
viesse a fé até a revelação da fé. “Fé” significa crer na salvação trazida
por Jesus Cristo. Com a vinda de Cristo, que recebeu o nome de JESUS
porque salvaria seu povo dos pecados deles, acabara a tarefa temporária
da lei, ou seja, a de um carcereiro que mantinha tudo e todos guardados
e confinados.
V. 24: Tanto como carcereiro quanto como aio, a lei exerceu uma função
caracteristicamente repressiva. O termo grego paidagogós refere-se à figu-
ra do escravo utilizado pelos senhores gregos e romanos para supervisionar
os meninos dos seis aos dezesseis anos de idade. Sua tarefa era conduzir

75
IGREJA LUTERANA

o menino para a escola e supervisioná-lo de modo geral. Geralmente os


meninos não gostavam dele, pois, além de exercer vigilância sobre eles,
muitas vezes batia neles.
Não é possível atribuir à lei uma função positiva, como se ela pudesse
preparar alguém para receber a Cristo ou capacitar uma pessoa a não
confiar mais nos seus méritos e desejar a graça de Cristo. Na função de aio,
a lei revela a enormidade das transgressões humanas e as consequências
aflitivas de tal situação. Em meio à aflição, o evangelho de Cristo intervém.
Com a chegada de Cristo finda-se a ação do aio. Por causa das transgres-
sões humanas a lei agiu como aio, que aponta o mal e pune por causa
dele, contudo não apresenta a solução para sair da situação de aflição.
Assim os gálatas deveriam olhar para a lei. Com a vinda de Cristo, todavia,
chegou o evangelho que traz a solução. É a justificação que acontece por
meio da fé. Também a lei cerimonial, na opinião de alguns comentaristas
(Lenski, por ex.), funcionou como aio, pois todas as prescrições aponta-
vam para Cristo na qualidade de tipos. O mais importante, contudo, é não
atribuirmos à lei um poder para conduzir alguém a Cristo. A lei continua
sua função acusatória e condenatória até a morte de alguém, levando a
pessoa a desejar ardentemente ajuda, a qual chega com Cristo.
V. 25: A chegada da fé, com seu conteúdo que é Cristo, estabelece o
fim da subordinação ao aio. Ninguém mais depende da vigilância dele e da
submissão a ele para viver num relacionamento salvífico com Deus. O aio
não coloca ninguém debaixo da graça divina, apenas Cristo, ao qual nos
apegamos por meio da fé. Os gálatas deixaram de reconhecer a chegada
do fim da ação do aio, na verdade estavam querendo ressuscitá-lo.
Vv. 26-29: Na visão dos judaizantes, aqueles que praticassem certos
rituais da lei estariam numa situação de superioridade em relação aos que
não os observassem. Paulo prova que justamente o inverso acontece. Os
judaizantes ainda estavam sob o aio por confiar nas obras da lei, enquanto
que os que creram em Cristo, independentemente de raça, condição social
ou sexo, se encontravam num “nível superior”. Não eram mais meninos
sob controle do aio, porém filhos livres de Deus.
Os presentes versículos oferecem material para muita escrita. Não
é possível acontecer isso aqui e agora. Impossível, todavia, será deixar
de mencionar o conteúdo do versículo 27, o qual, na minha opinião, traz
uma das mais completas e consoladores descrições do resultado da obra
de Jesus para nós, resultado esse que nos é dado através do batismo:
todos quantos fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes. Nossa
injustiça, nossa imundície natural, nossa sujeira provocada pelo pecado,
tudo é coberto pela justiça de Cristo que nos reveste completamente.
Deus, então, quando olha para nós, o que vê? A pura justiça de Cristo
nos revestindo, a qual nos possibilita entrar nas bodas do filho do rei. É a

76
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR / DIA DE ANO NOVO

veste nupcial sem a qual ninguém é aceito nas bodas do filho do rei (Mt
22.1-14).
Concluindo, o texto de Gl 3.23-29, ao contrastar o aio e Jesus Cristo,
traz detalhes que nos levam a perceber por que o menino que nasceu de
Maria recebeu o nome de JESUS.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

É possível ater-se à data litúrgica no sermão sem deixar de fazer


alusão à data do calendário civil. Há tempo para viver ainda, mesmo que
não se saiba o quanto dele. O novo ano está diante de todos. O cristão
tem a oportunidade de saber qual é o seu maior desejo para o novo ano:
continuar vivendo debaixo da graça, misericórdia e salvação de Deus.
Tudo isso é possível graças à obra daquele que recebeu o nome de JE-
SUS no dia da sua circuncisão. Se alguém for tentado ou convidado a se
submeter a qualquer exigência do aio, seja ela qual for, saiba que a força
do aio de nada vale para nos assegurar a presença da graça divina sobre
nós. Tal somente existe para aqueles que, por meio da fé em Jesus, são
justificados e revestidos de Cristo. A justiça de Cristo, não a da lei, é a
garantia de viver cada dia e todos os dias como filhos de Deus mediante
a fé em Cristo Jesus.

Paulo Moisés Nerbas


São Leopoldo/RS
pmnerbas@gmail.com.br

77
EPIFANIA DO SENHOR
Salmo 72.1-11(12-15); Isaías 60.1-6; Efésios 3.1-12;
Mateus 2.1-12

SALMO 72. 1-15

À primeira vista, o Salmo é um hino de louvor ao rei e seu reinado


soberano. Mas ele não se limita a um louvor pura e simplesmente. Esse
reinado durará para sempre pelas razões que o próprio Salmo estabelece
nos versos 2 a 4. O v. 12 sublinha essa longevidade e existência do reinado
apontando a razão: porque ele acode, tem piedade, salva e redime. Para
os injustiçados dentre o povo, para os que são afligidos por tais injustiças,
para os que sofrem opressão, para estes Deus estabelece um reinado que
durará para sempre. Esse rei será reconhecido e vitorioso no seu pleito,
na sua luta de estabelecer justiça e equidade para o povo.
Como é comum, a linguagem dos Salmos se dirige ao Israel de Deus e
fala do reino de Deus. Portanto, a opressão é a opressão da lei que Jesus
denuncia na teologia farisaica, legalista. Trata-se da opressão teológica
que não reflete o espírito do Evangelho, que não liberta, nem consola o
pecador.
Entretanto, Deus promete que o Evangelho trazido ao mundo na obra
do seu Filho, o Rei, este será, ao final, triunfante. Promete também que
Deus velará e será o protetor dos oprimidos.

ISAÍAS 60. 1-6

Esta segunda pessoa do singular, TU, segundo Lutero, é a verdadeira


igreja de Deus, o corpo que tem em Cristo sua cabeça. É o universo da-
queles humilhados pela religião humana que não dá lugar ao Evangelho.
Escuridão e trevas pairam sobre os perdidos da casa de Israel, os publica-
nos, meretrizes, ladrões, aqueles a quem Jesus chamou “meus irmãos”.
A pergunta que o texto levanta é a confusão que se instala na igreja
entre lei e evangelho pela qual o homem pensa estar na luz apresentan-
do e ofertando a Deus a sua dignidade pessoal, como fazia o fariseu no
templo.
Cada um somente brilha na dignidade com a qual Deus cobre peca-
dores com a justiça de Cristo. Neste sentido, é fundamental que cada um
se reconheça e admita o “mal que habita em mim” (Rm 7. 18-20). Desta
maneira, nenhuma justiça própria existe em quem quer que seja, a não
ser aquela da qual Deus reveste. Portanto, somente há luz no coração
EPIFANIA DO SENHOR

que teme a Deus e teme perder esta justiça e aprende assim a dar a
Deus a glória.

MATEUS 2. 1-12

Vimos a sua estrela, dizem os magos do Oriente.


A respeito deste episódio, destacamos duas observações tiradas de
Lutero em um de seus sermões a respeito dele. A primeira diz respeito ao
fato de que pessoas de fora de Israel buscam o Rei. Mas não identificam
com este Rei nem o templo, nem o palácio. Para os religiosos versados
na Escritura Sagrada em Israel, este Rei procurado por gente de fora não
podia ser um rei verdadeiro. Mais tarde, quando Jesus andava pela Galileia
dos gentios, entre pessoas indignas e impuras, santificando pessoas que
não eram do povo eleito, escandalizava a liderança religiosa e era visto
como tomado por demônio.
Lutero acusa este espírito que se apossa dos líderes religiosos que
primeiro se apresentam como os proprietários dos mistérios de Deus e
usam a palavra para se apropriarem e dominarem as consciências do povo,
escravizando-as a tradições e costumes religiosos. Deus opõe aos líderes
religiosos de Jerusalém estes considerados gentios, estrangeiros indignos,
para mostrar que Deus não está amarrado a um grupo, por mais autoridade
e poder que tenham em suas mãos. Deus é de todos e para todos.
O segundo aspecto que é importante ressaltar é que Deus tem como
seu lar e seu templo a cocheira e o colo de Maria e não o templo e seus
sacrifícios. O templo e seus sacrifícios não santificam ninguém. O templo
deveria ser o lugar de onde a compaixão, a misericórdia e o amor de Deus
derramam o seu brilho e a luz do evangelho sobre todos os homens, es-
pecialmente aqueles que estão afligidos pelo pecado e todas as dores e
angústias apegadas a ele.
Deus se reserva o direito de ser o santificador dos humildes, dos afli-
tos, dos que se revolvem na culpa dos seus pecados; os rejeitados pelas
religiões que brilham no orgulho dos seus sacrifícios e sobrecarregam os
pequeninos com deveres e obrigações religiosas. Assim como Deus santifica
a cocheira e o colo de Maria com a visita dos pastores e dos magos, assim
Deus quer santificar as vidas e os lares das pessoas a quem ele quer bem
hoje. A dignidade não é da igreja, do culto ou das obrigações religiosas. A
dignidade está em Deus que a faz brilhar com a sua dignidade própria, que
está no seu evangelho da graça e do perdão, que se renova todos os dias.
Os meios da graça não são propriedade da instituição religiosa. São os dons
de Deus para dignificar, santificar e bem-aventurar (Mt 5) aqueles que estão
destituídos de dignidade própria e necessitam que lhes seja confirmada a
misericórdia inesgotável, infinita e incondicional de Deus em Cristo.

79
IGREJA LUTERANA

EFÉSIOS 3.1-12

Por esta causa: Esta causa a que Paulo se refere é o retrato que ele
reproduz da relação que Deus estabeleceu com a humanidade na pessoa
do seu Filho Jesus Cristo. Que quadro é este?
As religiões em geral que brotam do coração humano buscam a pu-
rificação. No contexto de Éfeso, de um lado o gnosticismo pregava esta
purificação ao lado e em contraste com os cultos a deuses tais como o
culto a Diana. Ambos os cultos são cultos que pressupõem a conquista
da dignidade diante do Absoluto através de práticas e exercícios de fé
da parte do seguidor. Exercícios de renúncia da alegria e dos prazeres
inerentes à existência humana eram comuns a todos os cultos mesclados
com sacrifícios pessoais exigidos dos seguidores. Na carta a Timóteo Paulo
explicitamente chama tais religiões e seus exercícios de renúncia como
apostasia da fé (1Tm 4.1-5), espíritos enganadores, ensinos de demônios,
hipocrisia, mentiras e cauterização de consciências (porque) proíbem o
casamento e exigem abstinência de alimentos.
Quando Paulo chama a atenção de Timóteo, jovem pastor em Éfeso,
certamente Paulo tem em mente a sua própria luta no seu ministério em
Éfeso ao tentar libertar aquele povo da escravidão de leis e normas de
abstinência e sacrifícios gerados por religiões de homens que se diziam
enviados por Deus.
O ser humano, quando concebe uma norma de conduta pela qual tenta
se afastar daquilo que lhe faz mal, ele quer provar a si próprio e aos de-
mais que se vitoriou sobre o mal. Como? Sufocando em si e negando a si
aquilo que ele julga a causa do erro. Se existe excesso na sexualidade de
um lado, o ser humano busca a sua redenção sufocando a sexualidade.
Se existem problemas ou excessos oriundos da vontade de comer, o ser
humano quer se apresentar como redimido. Como? Negando-se ao prazer
em comer. E não basta abster-se. É necessário punir-se por meio de jejuns
e abstinências pelos excessos do passado.
A maior dificuldade nestes cultos não é o que o indivíduo se impõe a
si próprio. Como ele não sente a remissão e a culpa permanece apesar
das renúncias e sacrifícios, busca provar a sua “conversão”, tornando-
se opressor do seu próximo, sua família, sua igreja, tiranizando-os com
rigores e intolerâncias. Ele se torna escravo e escravizador do próximo.
Confunde-se assim piedade com hipocrisia.
Jesus ataca esta hipocrisia quando fala de João Batista: Pois veio João
Batista, não comendo pão, nem bebendo vinho, e dizeis: Tem demônio! Veio
o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor
de vinho (Lc 7.33,34). Certamente esta foi uma das grandes dificuldades de
Paulo na evangelização em Éfeso, ao tentar libertá-los do culto aos ídolos

80
EPIFANIA DO SENHOR

de um lado e da religião da abstinência purificadora, do outro.


Quando, então, escreve aos efésios, Paulo aponta para a obra aca-
bada de Deus em Cristo e aquilo em que eles se tornaram pela obra
de Deus em Cristo a favor da humanidade. Nesta confissão que Paulo
faz descrevendo o estado a que Cristo nos eleva ao nos redimir, Paulo
produz um dos textos mais expressivos sobre a escatologia já realizada
em Cristo e atribuída a cada crente em Cristo sem a necessidade de
provar a fé por meio de obras de qualquer lei, seja da própria lei de
Deus, quanto mais das leis e ordenanças produzidas ou filtradas pela
mente humana.
Tendo reafirmado a identidade que Cristo nos confere, Paulo agora
prossegue: Por esta causa sou o prisioneiro de Cristo, por amor de vós,
gentios (v. 3.1).
O argumento que os adversários do evangelho tal como afirmado por
Paulo usavam, apontava exatamente para a condição em que Paulo se
encontrava: prisioneiro. Se Paulo é o mensageiro do Deus verdadeiro,
como pode ele estar impotente diante da prisão a que foi submetido? A
acusação então jogada sobre Paulo era de que Paulo está nesta condição
de abandonado por Deus e prisioneiro dos homens porque obviamente
não é um mensageiro digno de Deus. Provado está que ele promove o
Nazareno crucificado como Filho de Deus. Ora, um é crucificado; o outro,
preso e à espera da morte. Que garantias pode oferecer uma religião tão
miseravelmente representada?
Paulo, ao invés de argumentar ou entrar na defensiva sobre a sua
condição, responde exatamente afirmando a sua condição de prisioneiro.
Então se afirma duplamente prisioneiro.
Sua condição atual, preso, livre, pobre ou rico, tudo se desvanece diante
daquilo que Cristo oferece: comunhão eterna aos pecadores. Especialmente
aqueles pecadores cujo pecado é público e não pode ser apagado, nem
ignorado. “Persegui a igreja de Deus” (At 22.4; 1 Co 15.9; Gl 6.12).
Nada pode apagar da mente e do coração de Paulo esta graça e esta
misericórdia que ultrapassa qualquer noção humana de Deus (Rm 11. 33-
36). Graça e misericórdia capaz de amar alguém como eu, disto eu sou
prisioneiro feliz e bem-aventurado. Esta graça e misericórdia procuram
incansavelmente pecadores através da palavra e dos sacramentos. Esta
é a natureza daquilo que se chama igreja de Jesus Cristo. “Disto eu te
encarrego, Timóteo” (1 Tm 1.18).
Deste contexto brotam as palavras de Paulo no texto que temos diante
de nós. Paulo não tem argumentos empíricos para provar a veracidade
do que afirma a respeito deste Deus que em vez de exigir renúncias e
sacrifícios, é, nas palavras de Paulo, o verdadeiro Deus que não somente
oferece benefícios, mas é o Deus que naquele Nazareno ofereceu-se a si

81
IGREJA LUTERANA

próprio como o único sacrifício que Deus exige e com o qual Deus se recon-
cilia com a humanidade em pecado e com os pecadores que diariamente
necessitam do consolo de que Deus é um Deus misericordioso.
Este é um mistério para a busca humana por Deus. Se Deus não re-
vela este mistério a seu próprio respeito, ninguém poderá desvendá-lo.
Mas Deus revela em Cristo a dimensão e a natureza da sua misericórdia
(3.11).
Por esta razão Paulo concorda com Isaías que dizia que todas as nossas
justiças são como o trapo de imundícia (Is 64.6). Entretanto, por causa da
misericórdia de Deus, as nossas tentativas de vivermos uma vida diante
dele são recebidas por Deus como culto diário a ele prestado. E por isso,
essas tentativas de servir a Deus e ao próximo, por imperfeitas que sejam,
são conduzidas por Deus para o que é bom e justo.
Daí vem a ousadia de apresentar-nos a Deus mesmo sendo pecadores.
Porque ele nos amou desde a eternidade (3.11). E nada faria Deus recuar
neste amor. Temos, pois, a ousadia e a confiança de afirmar que somos
de Deus, do único e verdadeiro. E, mesmo sabendo que as nossas tenta-
tivas de amar e servir ao próximo são imperfeitas e falhas, merecedoras
de crítica e até de condenação, entretanto são recebidas em amor, neste
amor de Deus, cultivado em Cristo pelo Espírito que decidiu viver em nós,
juntamente com o Pai e o Filho.

SUGESTÃO PARA A ORGANIZAÇÃO DA REFLEXÃO

Sejamos ousados em afirmar que somos de Deus


(Especialmente quando)
Somos fracos ou infelizes aos olhos humanos
Quando somos fracos para fazer o bem que gostaríamos de ter feito
Quando nos acusam de não sermos dignos de ser de Deus
Porque
Deus nos ama com amor eterno
Nos procura e nos convence que somos seus
Nos aceita e nos aperfeiçoa em amor.

Paulo P. Weirich
São Leopoldo/RS
weirich.proskep@gmail.com

82
O BATISMO DO SENHOR / PRIMEIRO
DOMINGO APÓS EPIFANIA
Salmo 29; Isaías 42.1-9; Romanos 6.1-11; Mateus 3.13-17;

1. Pregar sobre a santificação é tarefa difícil para muitos pregadores.


Lutero, em seu tempo, já criticava os antinomistas “que fazem pregações
maravilhosas [...] a respeito da graça de Cristo [...] mas a consequência
eles evitam como o diabo: que deveriam falar às pessoas a respeito do
terceiro artigo, da santificação, da nova vida em Cristo [...]. São excelen-
tes pregadores da Páscoa, mas escandalosos pregadores de Pentecostes,
pois nada pregam a respeito da santificação e vivificação do Espírito Santo
[...]” (Dos Concílios e da Igreja, Osel 3, 382). Mais adiante, ele acres-
centa: “Por isso também é necessário termos o Decálogo, não apenas
para que nos diga, em forma de lei, qual o nosso dever, mas para que
nele também reconheçamos até onde o Espírito Santo nos levou com sua
ação santificadora e quanto nos falta ainda, para que não nos tornemos
seguros e pensemos que agora já fizemos tudo, mas cresçamos sempre
na santificação e venhamos a ser cada vez mais uma nova criatura em
Cristo. Está escrito: ‘Crescei’ (2Pe 3.18) e “para que abundeis mais” (1Ts
4.10) (Ibid., 422).
2. Uma das grandes dificuldades com referência à pregação sobre
santificação é que a realidade com que aqui lidamos não se apresenta de
forma linear, mas dialética. Não é: Lei ou Evangelho; velho homem ou
novo homem; morte ou vida. Mas, sim: Lei e Evangelho; velho homem
e novo homem; morte e vida.
O pregador precisa evitar dois extremos: 1) ser legalista, pregando
moralismo e dando a impressão de que, para ser um bom cristão e salvar-
se, basta melhorar esta ou aquela falha; e 2) ser antinomista, dando a
impressão de que, sendo justificado por graça, o cristão está liberado para
viver como bem entende, inclusive continuando a viver em pecado, sem
arrependimento e mudança de vida.
3. Desde os dias do apóstolo Paulo até hoje, muitos pensam que sal-
vação por graça equivale a antinomismo. Se sou salvo por graça, então
– imaginam eles – estamos livres de qualquer obrigação, não precisamos
nos preocupar em fazer qualquer obra a não ser aquelas que são do nosso
agrado. Podemos, então, até viver em pecado, pois onde há muito pecado,
ali há ainda mais graça. Paulo nega esta linha de raciocínio com veemên-
cia. O evangelho não ensina a pecar e não dá permissão para pecar. Pelo
contrário, o evangelho ensina como escapar do pecado e da consequente
IGREJA LUTERANA

ira de Deus. O escapar do pecado não é ação nossa, mas acontece quando
Deus nos perdoa os pecados por causa de seu Filho. Pois, em nós, Deus
não encontra nada além de pecado e condenação.
4. A santificação é obra do Espírito Santo, como confessamos na ex-
plicação do 3º artigo do Credo. As boas obras do cristão não o salvam
e também não preservam a fé e a salvação, como ensina a Fórmula de
Concórdia, artigo IV. Mas o Espírito Santo não age diretamente e imedia-
mente em nós. Ele faz uso dos meios da graça, Palavra e sacramentos,
para realizar a sua obra em nós e por meio de nós.
5. A partir do versículo 3, o apóstolo descreve, em ricas imagens, o que
é o nosso batismo e o que Deus opera por meio dele. O batismo é ação
de Deus, não nossa. Muitos imaginam e ensinam que o batismo consiste
em que nós fazemos um voto de compromisso diante de Deus em que
nos comprometemos a servi-lo com uma vida santa. Obviamente, de tal
visão do batismo resulta uma visão legalista da vida cristã.
O apóstolo ensina que o batismo nos coloca em um novo rela-
cionamento com Cristo. No batismo, somos unidos (v. 5: “plantados
juntos” ou “plantados em” Cristo). Estamos unidos com Cristo 1) na
sua morte; 2) na sua ressurreição. Cristo morreu por causa do nosso
pecado. Ele levou todos os pecados à sepultura para sempre. Um morto
não peca mais, ele não deve mais nada para a morte e não precisa,
portanto, morrer novamente. Unidos com Cristo, já morremos para o
pecado. Estamos, pois, totalmente, livres de sua culpa e condenação.
Esta justificação objetiva que Cristo obteve para nós nos é atribuída
(justificação subjetiva) no batismo. No batismo Deus nos dá justiça,
perdão, vida e salvação.
Na crucificação de Cristo, nosso velho homem foi crucificado com
ele. O velho homem, assim, perdeu o poder e o domínio sobre nós. Não
estamos mais sob seu domínio, não somos mais obrigados a seguir seus
maus desejos.
O batismo nos une com a ressurreição de Cristo. No batismo nascemos
de novo, somos novas criaturas, temos novo pensamento, novos desejos
e novas ações. Deixamos de viver para nós mesmos (para a carne) e
vivemos para Deus. A nossa nova vida ética, portanto, flui da justificação
e não o inverso.
6. Nosso velho homem foi crucificado “para que o corpo do pecado seja
destruído”. A sentença da condenação do velho homem foi pronunciada
e executada na cruz. Mas, os desejos remanescentes do velho homem
ainda estão presentes e ativos em nossa carne e sangue. O velho homem
continua inconvertido, descrente, desobediente e inimigo de Deus. Por isso,
ele deve ser crucificado. O batismo nos coloca no campo de batalha.

84
O BATISMO DO SENHOR / PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Diferentemente da justificação, que é instantânea, a santificação é um


processo que dura a vida toda. O batismo como ato é instantâneo, mas sua
ação se estende por toda a vida, tanto no que se refere à morte do velho
homem quanto ao que se refere à ressurreição do novo homem. Nosso
velho homem jamais se converte. Ele precisa continuar crucificado até o
fim da vida; ele precisa ser afogado diariamente. Ele precisa ser aniquilado,
assustado e entristecido com a Lei (2 Co 7.10). Mesmo assim, ele jamais
produzirá uma única boa obra. O novo homem deve ser fortalecido com o
Evangelho e irá, então, lutar contra os maus desejos da carne e também
irá produzir bons frutos agradáveis a Deus.
7. O cristão sofre assédio forte e persistente do pecado que ainda vive
em seu corpo (Hb 12.1). Ele fica confuso e decepcionado consigo mesmo.
Pois ele luta, mas não vê o novo homem vencer (Rm 7. 15, 19). Ele não
apenas dorme com o inimigo, mas tem o inimigo o tempo todo dentro de
si. Em sua miséria espiritual, ele exclama: “Desventurado homem que
sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). Mas, na Palavra
e promessa de Deus ele encontra a única certeza e confiança que o sus-
tenta ao lhe assegurar de que esta guerra espiritual intensa vai ter fim e
vai terminar bem: “Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio
de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Co 15.57).
Esta luta diária e constante contra seu próprio velho homem pode ser
uma das cruzes mais pesadas que um cristão carrega – um verdadeiro “es-
pinho na carne”. Quando esta “antropologia da cruz” é substituída por uma
“antropologia da glória” – que descreve a vida cristã como uma sequência
sucessiva e crescente de vitórias – restam apenas duas alternativas para
o crente: o desespero ou a hipocrisia.
Mas, não estamos sob a lei, e sim sob a graça (Rm 6.14). Alimentado pela
graça (pela seiva que flui da videira para o ramo), o novo homem ressurge
diariamente, em meio à luta, e produz frutos bons e agradáveis (Cl 3.12).
Aí se verifica que a fé não é coisa ociosa, mas sim, muito ativa. Esta mesma
fé faz o cristão avançar e prosseguir para o alvo (Fp 3.14), e, mesmo em
meio à luta diária, ele pode fazê-lo em alegre confiança (Fp 4.4).
8. A vida eterna não pertence apenas ao futuro do cristão, ele já está
de posse dela agora (v. 8ss.). A vida eterna é o novo relacionamento com
Deus em que o cristão se encontra. Lutero comenta que, para o cristão,
há uma dupla morte e uma dupla ressurreição. O cristão morre, primei-
ro, espiritualmente para o pecado e, em segundo lugar, fisicamente – o
corpo morre. O cristão ressuscita espiritualmente quando, em união com
Cristo, ele é libertado da morte eterna e começa a viver em novidade de
vida – internamente pela fé e externamente em sua conduta. A segunda
ressurreição é a do corpo que ressurge livre do pecado e revestido de obe-
diência, alegria e vida.

85
IGREJA LUTERANA

A partir dos comentários acima, sugerimos a seguinte:

PROPOSTA HOMILÉTICA

Somos batizados – e agora?


1. O que significa ser batizado com água?
- Unidos com Cristo (plantados junto/em)
- Mortos para o pecado
- Vivos para Deus
2. O poder e ação do batismo
- Nos coloca no campo de batalha espiritual
- Nos dá (já aqui e agora) e nos promete (para o futuro) uma
nova vida.

Paulo Wille Buss


São Leopoldo/RS
pwbuss@hotmail.com

86
SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Salmo 40.1-11; Isaías 49.1-7; 1 Coríntios 1.1-9; João 1.29-42a

CONTEXTO

Corinto era uma cidade famosa pela sua cultura e riqueza, mas tam-
bém tinha fama pela libertinagem entre seu povo. Entre os membros da
congregação de Corinto havia muitos recém-convertidos que se viam
diante de tensões espirituais e morais. E um dos grandes problemas
desta congregação era a divisão que havia entre os membros formando
partidos. Alguns se diziam de Paulo, outros de Pedro e outros de Apolo.
Por isso Paulo os admoesta a serem harmoniosos na fé e na doutrina e
que tenham uma conduta condizente com a fé cristã.

OS TEXTOS DO DIA

Salmo 40.1-11: Deus nos livra de todo mal e nos motiva a cantarmos
louvores a ele, narrando as suas maravilhas.
Isaías 49.1-7: A obra do Messias iria atingir não somente o povo de
Israel, mas seria também uma luz para todos os gentios.
1 Coríntios 1.1-9: Paulo dá graças a Deus por ele ter dado tudo o que
os coríntios precisassem para que pudessem ter uma vida de comunhão
irrepreensível.
João 1.29-42a: João revela Jesus como sendo o Cordeiro de Deus.
No batismo Jesus é manifestado como o Filho amado de Deus. Depois
Jesus é manifestado como Rabi, o Mestre, que inicia a formação de seus
discípulos.

O TEXTO DA EPÍSTOLA DO DIA: 1 CORÍNTIOS 1.1-9

V. 1: Paulo apresenta-se como apóstolo de Jesus Cristo, estabelecendo,


assim, sua autoridade como mensageiro de Cristo, pois apóstolo é alguém
que é enviado e chamado pelo Senhor. Esta autoridade foi contestada
(9.2), mas ele reforça sua autoridade dizendo que foi chamado pela von-
tade de Deus. Sóstenes, que Paulo menciona, talvez tenha sido o chefe
da sinagoga em Corinto.
V. 2: O equivalente de igreja de Deus no Antigo Testamento é “assem-
bleia (ou congregação) do Senhor” (Dt 23.1; Nm 16.3, 20.4; 1Cr 28.8).
É notável que, apesar das críticas que Paulo faria na carta, ele qualifica
os irmãos de Corinto como chamados para ser santos, o que implica que
IGREJA LUTERANA

eles são “santificados”, não pelo seu comportamento, mas pela sua rela-
ção com Cristo. Em Corinto também está uma parte da igreja de Cristo,
a igreja invisível.
V. 3: Graça e paz é um desejo de bem-estar dentro da comunidade.
A graça e a paz de Deus são o maior dom que os crentes recebem, pois
implica o recebimento do perdão dos pecados.
V. 4: Paulo normalmente inicia suas cartas dando graças a Deus pela
congregação ou pessoas para as quais se dirige, pelo que elas têm recebido
de Deus. Apesar da fraqueza em que estava a congregação de Corinto,
Paulo não deixa de dar graças pelos seus congregados serem alvos da
misericórdia de Deus.
V. 5: Palavra e ... conhecimento são dons do Espírito (1Co 12.8; 2Co
8.7) e os coríntios foram conduzidos ao conhecimento da salvação e sabem
como aplicar isto para a sua vida diária.
V. 6: Paulo lembra aos coríntios que o testemunho de Cristo foi con-
firmado entre eles. Isso significa que a pregação de Paulo foi aceita pelos
coríntios e que eles a provaram como verdadeira.
V. 7: Paulo provavelmente está se referindo aos dons espirituais que
ele vai mencionar nos capítulos 12-14, que nos mostram que o Espírito
Santo nos capacita a ajudar as necessidades do corpo de Cristo, a igreja
(veja 12.7-11; 14.3). A congregação de Corinto recebeu de Deus todos
os dons que são necessários.
V. 8: O Espírito Santo permanece com a igreja até o Dia de nosso
Senhor Jesus Cristo (Fp 1.6).
V. 9: Fiel é Deus é uma afirmação que nos anima a confiarmos plena-
mente nas promessas de Deus (1Ts 5.24). Assim a fé cristã não se baseia
em esperanças incertas, mas na certeza da fidelidade de Deus que cumpre
todas as suas promessas e finalmente nos integrará à comunhão de seu
Filho Jesus Cristo, nosso Senhor.

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

O apóstolo Paulo está diante de uma congregação que sofre influência


da vida libertina da cidade. Além disso, instalaram-se partidos na congre-
gação que disputavam entre si. Divisões na congregação são sempre ma-
léficas e perturbam o bom andamento da comunhão cristã que precisa ser
uma das características de uma igreja. No entanto, congregação perfeita
não existe. O que existe são pecadores perdoados por Cristo que se reúnem
e que continuam pecando. Os dons são concedidos por Deus e somente
ele pode nos conduzir a uma união em Cristo. Isto se dá pela Palavra e
sacramentos, os meios que Deus nos deu para chegar até nós.
Estamos no tempo de Epifania. A nossa congregação é uma Epifa-
nia (uma manifestação) diante do mundo. Se ela viver em união, como

88
SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA

exemplo de perdão e ajuda mútua, ela dará bom testemunho da fé cristã


perante os descrentes.

PROPOSTA HOMILÉTICA

DEUS NOS CONCEDE TODOS OS DONS NECESSÁRIOS


I – Para que sejamos enriquecidos em toda verdade e conhecimento
II – Para que sejamos confirmados até a revelação de nosso Senhor
Jesus Cristo.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil,


1999.
BÍBLIA DE ESTUDO NTLH. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005.
CONCORDIA SELF-STUDY BIBLE – NIV. Saint Louis: Concordia Publishing
House, 1984.
KRETZMANN, Paul E. Popular Commentary of the Bible. Saint Louis:
Concordia Publishing House.

Raul Blum
São Leopoldo/RS
raulblum@yahoo.com.br

89
TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Salmo 27.1-9(10-14); Isaías 9.1-4; 1Coríntios 1.10-18;
Mateus 4.12-25

INTRODUÇÃO

O tema epifânico é apresentado pelo evangelho do dia (Mt 4.12-25):


Jesus se transfere a Cafarnaum e, com a pregação da proximidade do reino
dos céus, a luz passa a brilhar na Galileia dos gentios. A rigor, isto não é
novo; apenas cumpre o que a profecia de Isaías 9, que é a leitura do Antigo
Testamento deste dia (Is 9.1-4), já havia anunciado. A epístola parece ter
sido escolhida a dedo, para reforçar outro tema de epifania que aparece na
segunda parte da leitura do evangelho: a vocação de Pedro, André, Tiago e
João, para serem pescadores de homens. No entanto, a escolha não parece
ter sido intencional, pois se trata da segunda leitura de uma série mais longa
extraída de 1Coríntios, série esta que continua nos domingos seguintes. No
entanto, a coincidência não podia ser mais feliz: no evangelho, Jesus escolhe
apóstolos; na epístola, a igreja “escolhe” apóstolos e líderes, dividindo-se
em partidos que têm preferência por um ou por outro. A escolha de Jesus
tem em vista a verdadeira epifania, a pregação do arrependimento e o
anúncio da proximidade do reino de Deus em Jesus. Mas que dizer dessa
“escolha” da igreja de Corinto, que sempre de novo se manifesta ao longo
da história da igreja? Será que essa atitude contribui para uma boa epifania
ou manifestação de Cristo ao mundo?

O TEXTO DA EPÍSTOLA

Paulo inicia com um apelo bem claro (v.10). Ele o faz em nome do
Senhor Jesus Cristo, isto é, como seu apóstolo e representante. O apelo
é no sentido de que todos “falem a mesma coisa”. Isto não pode significar
que todos tenham o mesmo discurso ensaiado ou falem em uníssono, mas
que “estejam de acordo no que dizem”, como explica a NTLH. Trata-se de
concordância de linguagem, no sentido de não haver vozes divergentes
ou acordes dissonantes. Que não haja entre eles divisões, mas que es-
tejam unidos num só pensamento (ou ideal, como diz outra tradução) e
numa só intenção. Que toda a igreja tenha o olhar voltado para a mesma
direção. Paulo expressa algo semelhante em Fp 1.27; Fp 2.2; Rm 15.5-6;
2Co 13.11. O mesmo pensamento é expresso através do uso do termo
“unânimes” em Atos dos Apóstolos (1.14; 2.46; 4.24). Essa realidade é
celebrada no Salmo 133.
TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Na continuação do texto (v.11), Paulo explica por que disse o que


aparece no versículo anterior. Algo lhe havia sido relatado a respeito da
igreja de Corinto por membros da casa de Cloé. (Embora o termo “casa”
não apareça no original grego, ele está como que pressuposto. E essa
“casa” não é exatamente equivalente à família moderna, pois incluía gen-
te que não era da família em si, como escravos e libertos). O conteúdo
desse relatório fica para o fim. Antes disso, Paulo se dirige aos cristãos
de Corinto em termos de “irmãos”. (Aliás, ele nunca deixou de ver neles
a igreja de Deus – veja 1.2 – apesar de todos os problemas que tinham.
E o uso do termo “irmãos” mostra a importância da metáfora da família
para o conceito de igreja). A situação que havia sido denunciada e que
Paulo passa a tratar era grave: havia érides (contendas, brigas, desen-
tendimentos) entre eles. Paulo levou aquele relato a sério. (Mais adiante,
em 1Co 11.18, ele retoma o assunto das divisões na igreja). Como pastor
da igreja, Paulo não podia fazer vistas grossas a algo que representava a
dissolução do conceito e da realidade da igreja de Cristo.
Na continuação (v. 12), Paulo explica do que se trata, como se os cris-
tãos de Corinto não o soubessem. Primeiro ele dá um nome ao problema
(v. 11) e, depois, aqui no v. 12, ele o descreve. Havia uma pluralidade de
vozes em vez de um discurso unânime. Cada cristão (!) de Corinto tinha
o seu partido. Um dizia: “Eu, de minha parte, sou de Paulo”. Outro dizia:
“Eu, por outro lado, sou de Apolo”. Outro era de Cefas (ou Pedro). Outro
se dizia de Cristo.
Não nos surpreende que houvesse um grupo partidário de Apolo e outro
de Paulo. Um tanto surpreendente é que houvesse um grupo em torno de
Cefas (que é o nome que Paulo gosta de usar, quando se refere a Pedro:
várias vezes em 1Coríntios e outras tantas em Gálatas). Talvez fosse um
grupo de cristãos que havia se transferido a Corinto, vindo da Judeia ou
de Jerusalém. Mas o mais surpreendente é que houvesse um grupo que
dizia: “Eu sou de Cristo”. Já houve quem visse nisso uma interpolação,
uma glosa marginal (ou anotação feita por um copista num período bem
remoto da transmissão do texto) que acabou entrando no corpo do texto
num momento posterior. (Essa era uma tese aceita, entre outros, por
Oscar Cullmann. Um dos argumentos é que, na referência posterior a
esses partidos, em 1Co 3.4, nada é dito a respeito de um partido de Cris-
to. Também é verdade que não se faz menção de um partido de Cefas).
Entretanto, não existe nenhuma variante textual registrada nesse lugar.
Outra possibilidade é ver nessa afirmação uma declaração um tanto irônica
do próprio Paulo: “Eu sou de Cristo”. Mas, normalmente, isso é lido como
se houvesse quatro grupos ou partidos na igreja de Corinto.
Por meio de enfáticas perguntas retóricas, Paulo questiona, no v. 13,
se Cristo está dividido. Aqui parece estar implícita a noção da igreja como

91
IGREJA LUTERANA

corpo de Cristo, pois o que aparece dividido é a igreja, mas Paulo pergun-
ta a respeito de Cristo. (Em At 9.4, dá-se o contrário: Saulo persegue a
igreja, mas Jesus pergunta: por que me persegues?). Paulo emenda outra
pergunta: Será que Paulo foi crucificado por vós? Com isso deixa claro
que somente o crucificado pode ser cabeça e alicerce da igreja. (Paulo
voltaria a abordar essa questão, de forma mais detalhada, em 1Co 3.4
em diante).
À crucificação do Salvador, Paulo conecta o batismo, dois temas
que aparecem lado a lado também em Romanos 6. Como de costume,
aparece o verbo “batizar” (baptízo) seguido pela preposição eis (“em”
ou “para”). Há quem argumente que isso representa ou descreve uma
transferência para o nome de Cristo ou, então, uma incorporação em
Cristo. De fato, mais adiante, em 1Co 12.13, Paulo afirma que fomos
batizados para formar um só corpo. Aqui, como em outros lugares do
NT (especialmente 1Pe 3.21), Paulo conecta dois eventos de salvação:
a cruz e o batismo. Seria uma “parelha” desigual se o batismo fosse
apenas “minha confissão de fé”.
Tendo chegado ao tema do batismo e perguntado se alguém havia sido
batizado em nome dele, Paulo dá graças a Deus por ter batizado poucas
pessoas em Corinto (v. 14). Aos poucos, porém, enquanto vai ditando a
carta, ele lembra que batizou mais esse e mais aquele (v.16). “Agradeço
a Deus que batizei pouca gente!”. Isso soa estranho, vindo de um pastor.
Mas, no contexto, havia razões para tanto. Parece que os cristãos de
Corinto formavam os partidos a partir dos líderes que haviam batizado
uns e outros.
Entretanto, o mais surpreendente é que o apóstolo declara que não foi
enviado para batizar, e sim, para pregar (v.17). (Certamente Lutero estava
citando esse texto quando disse que o pastor poderia “terceirizar” uma
série de tarefas, inclusive a aplicação do batismo, mas que não poderia
jamais “terceirizar” a pregação!). No entanto, Paulo parece se contradizer.
Podemos perguntar: Se Cristo não o enviou para batizar, por que então
batizou Crispo, Gaio e a casa de Estéfanas? Em resposta, pode-se dizer que
este parece ser um caso da famosa “negação dialética” (uma formulação
utilizada pelo biblista norte-americano Horace D. Hummel). Trata-se de
um recurso retórico em que, pela negação de uma coisa e a afirmação de
outra, se procura manter as duas. O que se tem é mais complementação
do que contradição. O exemplo clássico é “misericórdia quero, e não sacri-
fício” (Os 6.6), que, à luz dessa interpretação, significa: “quero sacrifício,
mas muito mais do que isso quero misericórdia”. (Outros exemplos dessa
“negação dialética” aparecem em Jr 7.22 e Jl 2.13.) No caso de Paulo, o
que ele está dizendo é isto: “posso até batizar, mas a minha tarefa prin-
cipal, como apóstolo de Cristo, é pregar o evangelho”.

92
TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Nisto Paulo emenda algo sobre evangelização (v. 17b). Diz que evan-
geliza, “não em sabedoria de palavra”. Aqui, o termo “palavra” (lógos)
poderia ser entendido no sentido de retórica. Paulo está dizendo: Não
apenas faço discursos bonitos; prego a cruz de Cristo. A mensagem da
cruz precisa ficar plena, cheia; não pode ser esvaziada (Paulo usa o verbo
kenóo, que aparece também em 1Co 9.15; 2Co 9.3 e Fp 2.7). Significa
isto que quanto mais se fala bonito menos aparece a cruz de Cristo? Não
necessariamente. Por outro, quando alguém nos disser (sem maldade, é
claro): “Pastor, hoje o senhor falou bonito!”, a resposta poderia ser: “Eu
quis mesmo era pregar a cruz de Cristo!”
O v. 18 é, a rigor, o início de um novo parágrafo. Mas é importante
que esse versículo faça parte da perícope litúrgica. Entre outras coisas,
por levar a leitura a num clímax: “poder de Deus”. Paulo, na verdade,
contrasta duas coisas distintas: loucura e poder. O contrário de loucura
seria sabedoria, e não poder. E o contrário de poder não seria loucura,
mas fraqueza. Disso resulta que o evangelho é tanto sabedoria quan-
to poder. Levando-se em conta o evangelho do dia, é luz, é epifania
também.

APLICAÇÃO

Ao negar, em 1Co 1, que foi crucificado pelos cristãos, Paulo confessa


que Cristo foi crucificado por nós. (As traduções tendem a dizer “em fa-
vor de”, mas aquela preposição grega hypér pode também ser traduzida
por “em lugar de”). Esta é a mensagem que precisa ser pregada sempre,
especialmente para os que estão se perdendo (v.18). Portanto, seria a
suprema ironia deixar de pregar a cruz, quando se tem um texto que ad-
verte contra o esvaziamento da mensagem da cruz! Paulo diz em 2Co 4.5:
“Pois nós não anunciamos a nós mesmos; nós anunciamos Jesus Cristo
como Senhor ...” Quando o pregador aparece mais do que o anunciado,
esvazia-se a mensagem da cruz. Quando se prega mais sobre Paulo, Pedro,
Lutero do que sobre Cristo, a cruz corre o risco de ser esvaziada.
No entanto, a advertência contra brigas e partidarismo na igreja leva
a outro tema epifânico. Uma igreja dividida certamente não é uma boa
“proclamação” ao mundo. Uma igreja unida não é a pregação que salva,
mas as divisões com certeza são um escândalo que atrapalha o teste-
munho cristão no mundo. (Convém notar que, em uma ou outra série
litúrgica, essa epístola aparece no dia em que se celebra a Reforma. Para
os herdeiros da Reforma, a tentação é dizer “eu sou de Lutero”. A rigor,
a igreja é uma só e una, apesar da falta de concórdia. Neste sentido, os
luteranos são verdadeiramente ecumênicos. Contrastam com os que dão
a entender ou dizem abertamente que extra ecclesia (mea/nostra) nulla

93
IGREJA LUTERANA

salus. Além disso, luteranos reconhecem que somos batizados em Cristo,


e não nesta ou naquela igreja. Isto faz com que não repitam o batismo
de novos membros).
O texto tem também uma aplicação ao contexto mais local e imediato.
Quando grupos de interesse têm espaços exclusivos e armários chaveados
no salão da igreja, não seria isso uma forma moderna, embora atenuada,
de partidarismo? Além disso, facilmente surgem conflitos dentro de distritos
ou competição entre igrejas locais próximas. O “eu sou de Apolo” também
leva a pensar nas assim chamadas “viúvas” de pastores do passado. Qual
a cura para isso? Esquecer as coisas “vazias” ou superficiais, os alvos er-
rados ou secundários, e focalizar o alvo principal, no período da Epifania
e sempre: a palavra da cruz.

Vilson Scholz
São Leopoldo/RS
vscholz@uol.com.br

94
QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Salmo 15; Miqueias 6.1-8; 1 Coríntios 1.18-31; Mateus 5.1-12;

CONTEXTO: ÊNFASES E ANÁLISE DOS TEXTOS

Salmo 15: Este Salmo de Davi nos protege contra o formalismo dos
rituais que, se forem realizados de forma mecânica e automatizada, não
irão, efetivamente, participar da comunhão com Deus. Se os oficiantes
e comunidade realizarem os rituais de modo mecânico, as cerimônias se
tornarão fórmulas mágicas que, automaticamente, procuram forçar Deus
à ação. Daí surge a pergunta inicial (v.1) que busca saber quem e qual
adoração é aceitável a Deus.
A resposta (vv.2-5a) é que a devoção será considerada blasfêmia se
não for realizada a partir de uma intenção, fala e ação orientadas pela
vontade de Deus. Se estiver alinhado com a vontade de Deus, o crente
estará num terreno sólido e receberá a bênção outorgada pela aliança da
graça de Deus.
Miqueias 6.1-8: Miqueias era contemporâneo de Isaías e sua
profecia tem como foco alertar o povo contra a corrupção religiosa e
social que reina em Juda e em Jerusalém. Por isso o chamado ao ar-
rependimento para que o povo novamente olhe (4.1-5) para o Senhor
Deus na perspectiva do Messias (5.2-15). Depois disso, o profeta fala
em 6.1-8 sobre a controvérsia do Senhor com o seu povo e uma busca
pelo perdido chamando-o ao arrependimento. Estes 8 versículos do
capítulo 6 são, para nós pastores, um excelente guia bíblico de Teologia
Pastoral na busca pelos que se perderam (v.1). O povo é convidado a
refletir sobre a controvérsia que se estabelece com o Senhor, a fim de
comprender a questão como se estivesse num tribunal. Na presença
das testemunhas silenciosas, os montes, a questão se desenrola. O
caso é apresentado (v.2) com grande ternura por parte do Pai celeste
(v.3). A fim de o povo compreender melhor o seu intento, Deus mostra
como conduziu o povo no passado (vv.4 e 5). E, após o exposto, Israel
é convidado a responder ao Senhor (vv.6-7): que tipo de serviço e
adoração Deus, efetivamente, espera de seus filhos e filhas? No final,
Deus mostra o que espera (v.8) de seu povo: justiça, misericórdia e
humildade; ou seja: caminhar segundo os preceitos do Senhor. O profeta
registra que um andar santo perante o Senhor é a melhor evidência da
verdadeira religião. Por isso, no versículo 8 temos a simplicidade da
verdadeira religião e um resumo do ensino de outros grandes profetas
como Amós, Oseias e Isaías; que juntamente com Cristo, essa palavra
IGREJA LUTERANA

de Miqueias é uma regra suficiente para a vida das pessoas que são
crentes e perseveram no caminho do Senhor.
1 Coríntios 1.18-31: Nesta perícope, Paulo, o apóstolo, após expor
fatos (1.10-17) chocantes mostrando que os cristãos estão brigando
uns com os outros, passa a ensinar sobre o contraste existente entre a
verdadeira sabedoria (que vinha de Deus, portanto teocêntrica) e a falsa
sabedoria (oriunda da racionalidade antropocêntrica). Essa discussão
estava acontecendo dentro de uma congregação que ficava numa cidade
(Corinto) onde a população era constituída a partir de uma vasta diversi-
dade racial, o que criava frequentes divisões partidárias. A congregação
cristã de Corinto também sofria essa influência e aí estava a razão de os
crentes se posicionarem como apoiadores de líderes destacados com o
intuito de se sobressairem em suas divisões. Até Jesus Cristo era invo-
cado como líder de um partido contra o outro. Isso fez Paulo, o apóstolo,
escrever de modo bastante contundente, o que é vísível numa leitura dos
primeiros quatro capítulos de 1ª Coríntios.
Neste contexto temos a perícope que serve de base para a mensagem.
Para um não-cristão, a pregação da cruz é loucura (v.18), pois não
consegue crer na séria consequência do pecado e, por essa razão, não tem
condições de perceber a necessidade de receber a Cristo que, conforme
2 Co 5.21: “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós;
para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”.
V.18: A cruz de Cristo (v. 17) e a palavra da cruz são atos de Deus por
nós homens e pela nossa salvação. Tanto uma como a outra são poder de
Deus (Rm 1.16-17). Isso não é compreensível para a razão humana, já que
a racionalidade humana não consegue chegar, por suas próprias forças,
ao amor ilimitado de Deus demonstrado na cruz de Cristo. Isso porque o
ser humano não-cristão é limitado em seu próprio pensamento egoísta e
não tem condições de ver a infinita dimensão do que, efetivamente, é o
amor de Deus. Por isso, ao falar da cruz, o apóstolo enfatiza na segunda
parte do versículo 18: “mas para nós, que somos salvos, poder de Deus”.
Um poder que nos salva, ou seja: Deus salva a criatura, não a criatura
salva-se a si mesma. Desta maneira Paulo, de forma magistral e robusta,
demonstra (v.19) que aquilo que é considerado sabedoria entre os homens
não pode ser comparado à dimensão do que é a sabedoria de Deus. Isso
o apóstolo faz utilizando-se das palavras do texto de Isaías 29.14.
Tendo estabelecido os parâmetros e clarificado o caminho a ser seguido,
i.é, aquele que se volta unicamente a Deus e não à sabedoria humana, o
apóstolo passa a considerar a sabedoria do mundo contrapondo-a à natureza
e ao valor da sabedoria encontrada em Cristo (vv.20-21). Todos os sistemas
filosóficos que não estão em perfeita sintonia com a palavra de Deus acabam
em nada (Jó 11.7ss.). O conhecimento natural não consegue aceitar a verdade

96
QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

de Deus, porque somente consegue “imaginar” Deus, e nisso está envolvida


a emoção que direciona o pensamento para o que interessa ao homem e
não para o que, efetivamente, Deus é: o Criador, o Salvador e o Santifica-
dor; unicamente revelado por si mesmo em sua palavra, a palavra de Deus,
que é aceita através da pregação (v.21), que no grego significa mensagem.
A título de pesquisa, torna-se importante fazer um estudo complementar
e paralelo em Romanos 1, onde ao final do capítulo o apóstolo elabora um
estudo sobre o que acontece aos homens que não aceitam a sabedoria de
Deus. Essa questão da loucura do evangelho, da mensagem, ainda é uma
realidade em nossos dias, pois nos tempos atuais o nascimento virginal, a
salvação pela cruz, a ressurreição, a ascensão, o juízo final, etc. continuam
a ser tachados como “loucura” para os que não têm fé.
Continuando no texto, “tanto os judeus... como os gregos” (v.22) de-
monstra o partidarismo existente. Os judeus buscavam milagres e é digno
de nota rever a atitude de Cristo em relação aos milagres e do objetivo
em realizá-los e, inclusive, muitas vezes ocultar os mesmos das grandes
massas. Já para os gregos, a busca por sabedoria era o foco, procurando
novidades numa área onde havia muitos expoentes entre os filósofos
oriundos da Grécia. Paulo, o apóstolo, joga duro contra todos os partidos
e mostra que o caminho está precisamente na pregação de “Cristo crucifi-
cado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (v.23). Palavras
objetivas e duras, que vão direto ao ponto! Para os judeus a cruz era
sinal de derrota, ou seja, o reverso da vitória esperada por um Messias
que deveria estabelecer um reino glorioso aqui e agora. Por outro lado,
para os gregos era loucura porque não há explicação intelectual e lógica
convincente num sábio que é crucificado.
Mas, com o intuito de salvar e não perder as ovelhas do aprisco, o
pastor Paulo de Tarso mostra que, ao aceitarmos a Jesus Cristo como o
Salvador, temos condições de ver na perspectiva correta a questão (v.25)
e, assim, percebemos que a “loucura” de Deus extrapola em muito a “sa-
bedoria” dos homens. Por isso, tanto os cristãos judeus como os gregos
podem ver “o poder de Deus e a sabedoria de Deus” (v.24).
Mateus 5.1-12: Jesus subiu (v.1) ao monte com o objetivo de estar
a sós com os discípulos e ensinar-lhes, de modo reservado, verdades
essenciais e fundamentais na vida do discipulado. Ou seja, o Sermão
do Monte apresenta o modelo de discipulado esperado por Cristo, um
discipulado orientado para um viver totalmente voltado para o Reino de
Deus, conforme revelado em seu Filho; um viver totalmente voltado a
Deus, o Senhor. O recebimento do Reino e a busca pelo Reino (chamado
ao arrependimento) são as metas de toda a existência dos discípulos. A
partir disso, Jesus passa a ensinar sobre as bênçãos que acompanham os
que buscam os caminhos do Senhor.

97
IGREJA LUTERANA

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: O sinal da sabedoria de Deus está na cruz de Cristo


1. A sabedoria do mundo está onde?
a) No consumismo? – este nos leva a esquecer o foco como cris-
tãos!
b) Na vaidade da sabedoria que rejeita a Deus? – essas nos afastam
para violência tramada por mentes egoístas e apaixonadas pela
inveja (Mt 5.9), perseguição e injustiças (Mt 5.5,8,10).
c) Na sedução do poder dos partidos ideológicos, políticos e eco-
nômicos de nossa sociedade? – eles passam e o seu poder é
relativo, já que está em pessoas e não em Deus.
d) No culto à beleza e ao poder da sedução? – este é efêmero e
passa como a erva do campo que seca.

2. A sabedoria de Deus se mostra na cruz de Cristo.


a) Algo que é considerado loucura para muitos (1Co 1.18-19).
b) A cruz da justiça de Deus, pois todos pecaram (Rm 5.12) e a
morte se espalhou entre toda a humanidade.
c) Cristo morreu pelo pecado de todos (1Pe 3.18), cumprindo
plenamente o determinado pela justiça divina e, assim, nos
concedendo a salvação.
d) A sabedoria de Deus suplanta em muito a sabedoria humana,
pois na cruz temos o poder de Deus e a sua sabedoria (1Co 1.24)
estampados em amor a todos os que foram chamados das trevas
e perseveram nos caminhos do Senhor, a fim de viverem as bem-
aventuranças de Deus (Mt 5.12).

CONCLUSÃO

Se o sinal da sabedoria de Deus está na cruz de Cristo, não podemos


nos esquecer de que esse sinal sempre deve nos acompanhar em todos
os momentos. Tanto da entrada como da saída nesta vida terrena, para
que, assim como Cristo ressuscitou, nós também viveremos eternamente
com ele na bem-aventurança.
Por isso, vivendo à sombra da cruz corajosos lutai!

Clóvis Vitor Gedrat


São Leopoldo/RS
cgedrat@gmail.com

98
QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Salmo 112.1-9; Isaías 58.3-9a; 1 Coríntios 2.1-12(13-16);
Mateus 5.13-20

CONTEXTO DA PERÍCOPE

A 1ª carta de Paulo aos Coríntios foi escrita em virtude de algumas


notícias alarmantes que o apóstolo tinha ouvido sobre o ensino e a moral
da comunidade (1.11; 5.1; 6.1; 11.18). Ela também procura responder
algumas dúvidas que os cristãos daquela cidade tinham (7.1; 8.1; 12.1).
De maneira geral, as dificuldades podem ser resumidas à falta de clareza
quanto à pessoa e obra de Cristo (por isso a divisão em partidos, a busca
por “conhecimento”, o desrespeito pela ceia) e as implicações para a vida
prática de fé, uma vez que não compreender a obra de Cristo em nosso
favor geralmente implica uma vida descompromissada da prática de amor
e serviço ao próximo (daí o desrespeito nos relacionamentos, a falta de
preocupação com a consciência alheia e o descompromisso com o amor
no uso dos dons).
No 1º capítulo de 1 Coríntios, após a saudação usual, com ação de
graças, Paulo faz um apelo à unidade da igreja de Corinto, passando a
apresentar o tema da carta, a suficiência do conhecimento de Cristo e de
sua cruz, que leva a nos gloriarmos não em valores humanos ou carnais,
como eles faziam, dividindo-se em partidos, mas no Senhor. “Mas vós sois
dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria,
e justiça, e santificação, e redenção, para que, como está escrito: Aquele
que se gloria, glorie-se no Senhor” (1. 30-31).
A partir daí, no capítulo 2, passa a contrastar a sabedoria de Deus,
manifestada no crucificado, na aparente fraqueza e derrota, contra a
sabedoria dos “poderosos deste século”, que existe para legitimar o seu
domínio e opressão, a desigualdade e o sofrimento humano, sustentada
na eloquência e na lógica do mundo. A sabedoria de Deus é revelada pelo
Espírito e é centrada na cruz de Cristo. Paulo centra e foca a sua mensagem
nesta sabedoria para que, conforme ele disse, “a vossa fé não se apoiasse
em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (2.5). Este capítulo é
uma transição para que Paulo possa tratar das dificuldades da igreja de
Corinto, expondo a imaturidade dos cristãos daquela igreja: comparados
a recém-nascidos, eles que se achavam tão avançados no conhecimento
de Cristo (cf. cap.3.1ss.).
IGREJA LUTERANA

O TEXTO

Problemas na vida congregacional/comunitária geralmente estão re-


lacionados à incompreensão da mensagem de Cristo e de seu significado.
Problemas na “prática” geralmente são ocasionados por problemas na
“teoria”, ou seja, não há essa divisão na fé cristã, pois Palavra é vida.
Aparentemente, os coríntios estavam lidando com o conhecimento da
palavra de Cristo como lidavam com as outras formas de conhecimento, a
saber, como uma maneira de distinguir quem é mais do que o outro, sabe
mais do que o outro, utilizando-o como uma forma de poder – buscando
a maior vantagem pessoal ou de seu grupo.
Paulo procura desfazer esta compreensão orgulhosa dos cristãos co-
ríntios. A maneira como o faz é apontar para a natureza e origem desta
mensagem, revelando que ela é um mistério. Ele utiliza este termo nos
vv. 1 e 7 (no v. 1 a ARA segue a sugestão de rodapé, marturion). A men-
sagem é proveniente de Deus exclusivamente, por isso é o mistério de
Deus, a “verdade secreta de Deus” (NTLH). Capacidade humana não pode
alcançar. E ela é tão inesperada de um ponto de vista humano que o seu
ponto central é Jesus Cristo crucificado (v.2). Reparar também que no v.8
Paulo dá o argumento definitivo da incompreensão da sabedoria de Deus
por parte da natureza humana: se esta conhecesse aquela, não teria cru-
cificado o Senhor da glória. Simples assim. E o poder de persuasão dela
não se deve ao fator humano (eloquência, habilidade, presença), mas ao
convencimento do Espírito de Deus (cf. vv. 10-15).
Com toda essa exposição, Paulo vai construindo o argumento para
mostrar a imaturidade espiritual deles, que é vista mais obviamente na
divisão em partidos então existente (3. 1-9). Porém, esta divisão é a
ponta do iceberg, pois há muitos outros problemas submersos que emer-
girão ao longo da carta, revelando que a igreja de Corinto estava mais
propensa a ser um obstáculo no qual encalhar do que um barco seguro
no qual navegar.
O texto evidencia a tensão de conhecer a mensagem de Cristo – é
aquilo de mais importante que se pode saber, dado pelo próprio Deus, mas
que é desprezado pela natureza humana, por sua aparente simplicidade
e humildade. Ela é algo grandioso, mas que torna o seu receptor mais
humilde (esta é, por exemplo, a lógica do amor, como ele a apresenta
no capítulo 13). Contudo, é necessário haver o discernimento necessário
para acabar não equacionando ignorância em assuntos humanos com fé
em Cristo e salvação. Quando Paulo menciona que só quis saber do Cristo
crucificado, ele o faz dentro do contexto e o faz por ênfase, ressaltando
aquilo que é realmente distintivo na mensagem cristã. Também, quando
fala da sabedoria humana, ele não rejeita em absoluto aquilo que a mente

100
QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

humana pode sondar e descobrir e o conhecimento que ela acumula pelos


esforços próprios, mas sim o raciocínio e conhecimento que implicam em
descompromisso para com o próximo, resultando no engrandecimento e
busca do melhor para si apenas – algo diametralmente oposto à sabe-
doria que se expressa na entrega de Cristo por amor, para a remissão
dos nossos pecados. A lógica desta sabedoria ele expõe claramente em
2 Coríntios 5.15ss.
Na Epifania se celebra a luz da salvação que chega aos gentios. Em
nosso texto, o apóstolo enfatiza o mistério de Deus que foi revelado, por
meio do Espírito (apokaluyw, v. 10). Entretanto, temos esta capacidade
bastante desenvolvida de obscurecer a revelação de Deus e o brilho de sua
glória em sua Palavra. Geralmente isto acontece porque temos dificuldade
de compreender que Deus resolve se revelar através de meios – a palavra
da cruz, o batismo, a ceia. Deus se esconde para se revelar. Isto para que
se revele aquilo que procuramos esconder tão bem: o nosso pecado, que
travestimos da maneira que for necessária para que tenha uma aparência
respeitável – muitas vezes até atrás de uma “sadia” piedade – e que faz
as suas vítimas em nossa vivência comunitária. É o que aborda o texto de
Isaías 58, no qual os “piedosos” israelitas se escondiam atrás de práticas
rituais para justificar e legitimar a maldade e opressão perpetrada contra
o próximo.
É importante aproveitar este texto e aplicá-lo à realidade de vida de
fé comunitária, que é a do contexto de Coríntios, e não individualizá-la,
tratando apenas do “pecado do coração”. Ou seja, mostrar como a incom-
preensão da mensagem da cruz leva a dificuldades na vivência do amor
de Cristo na vivência com os outros, na família, na igreja!
Muitas vezes se pensa (até em igrejas cristãs, imagine só!) que para
mudar a prática e os relacionamentos é necessário que busquemos novas
técnicas, nos amparemos em recursos e cultivemos bons hábitos. Bem,
isto pode até auxiliar paliativamente. Verdadeira mudança, contudo, só
acontece quando o coração humano é atingido pela palavra de sabedoria
divina, centrada no Cristo crucificado, apresentada em lei e evangelho. Por
vezes, achamos que já falamos demais do Cristo crucificado e queremos
partir para questões mais “práticas”. Triste engano, pois se formos veri-
ficar, a vida confortável em pecado, o rancor do pecado não perdoado, o
sofrimento infligido ao próximo pelo orgulho do coração, a divisão entre
as pessoas do convívio entre os que se gosta e não se gosta, ama e odeia,
resulta da incompreensão do significado da cruz de Cristo.
Esse texto é uma ótima oportunidade para revisitarmos a cruz de Cris-
to e as implicações para o viver cristão na prática do amor e do perdão,
orientado pela sabedoria divina do crucificado – é uma ótima oportuni-
dade de explicitar o que significa aquilo que confessamos no 2º artigo do

101
IGREJA LUTERANA

Credo: Cristo “[...] me remiu a mim, homem perdido e condenado, me


resgatou e salvou de todos os pecados, da morte e do poder do diabo; não
com ouro ou prata, mas com seu santo e precioso sangue e sua inocente
paixão e morte, para que eu lhe pertença e viva submisso a ele, em seu
reino, e o sirva em eterna justiça, inocência e bem aventurança, assim
como ele ressuscitou dos mortos, vive e reina eternamente”. De especial
importância vai ser ter em mente a que conhecimento e sabedoria numa
perspectiva bíblica nunca está limitado apenas ao intelecto e à cognição,
como gostavam os gregos, mas tem uma perspectiva mais holística, en-
volvendo a vontade e o comportamento. Em outras palavras, verdadeira
sabedoria é aquela que passa pela cabeça e pelo coração, transformando-
se em ação.
Pode parecer óbvio falar sobre o Cristo crucificado, mas como dizia
um professor: por vezes o óbvio precisa ser repetido. Claro, não repetido
como um bordão, como uma frase feita para preencher vazios do sermão,
mas repetido para que possa ser enfatizado, desenvolvido, destrinchado,
aplicado, compreendido, de modo que o Espírito de Deus possa nos con-
duzir também em sua sabedoria, ensinando-nos a viver no Reino de Deus
a partir dos valores do Reino e não dos deste mundo!
A vivência deste valores comunitariamente fará com que nossa luz
brilhe, que sejamos o sal da terra, conforme o evangelho. E veja que
Jesus fala no plural. Não é uma preocupação ética individual apenas, do
faça o melhor que puder e brilhe. É uma preocupação comunitária, que
leva a fazer o que o próximo necessita. Esta é a diferença entre a justiça
dos escribas e fariseus e a de Jesus.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Título: Para que eu lhe pertença – a sabedoria do Crucificado


1. O Crucificado e o meu pecado – “Pois me remiu a mim, homem
perdido e condenado, me resgatou e salvou de todos os pecados,
da morte e do poder do diabo; não com ouro ou prata, mas com
seu santo e precioso sangue e sua inocente paixão e morte”
2. A Cruz de Cristo e minha identidade – “para que eu lhe pertença
e viva submisso a ele, em seu reino”
3. A Cruz de Cristo e o meu próximo – “e o sirva em eterna justiça,
inocência e bem aventurança”.

Paulo S. Albrecht
Rio de Janeiro/RJ
pastorpaulo@igreja-cristoredentor.org.br

102
SEXTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Salmo 119.1-8; Deuteronômio 30.15-20; 1 Coríntios 3.1-9;
Mateus 5.21-37

Salmo 119.1-8: “Bem-aventurados” (felizes) determina o tema de


todo o poema – Sl 119. O segredo da felicidade para a pessoa que crê no
Deus verdadeiro é fazer a vontade dele revelada em sua palavra. Estes
versículos falam do coração indiviso do cristão que se apega a Cristo e às
Escrituras. As Escrituras são reverenciadas por serem declaração de Deus
e os servos de Deus o procuram nelas.
Deuteronômio 30.15-20: É um texto que impressiona por sua clareza
e objetividade! Exige tomada de posição! Mostra o caminho da vida sob
as bênçãos de Deus e alerta para as consequências da maldição aos que
optam pelo caminho do mal. Exemplifica-o muito bem o Salmo 119.1-2,
que felizes são os crentes que “andam na lei do Senhor”, “que guardam
suas prescrições e o buscam de todo o coração”. Em nossos dias não fal-
tam ofertas tentadoras e tesouros que desviam os corações para longe
de Deus. Mas Deus, em seu infinito amor, vem a nós e nos dá a liberdade
de escolha. Movidos pelo seu amor e na fé em Jesus Cristo, somos livres
para escolher entre a vida e a morte, entre a bênção e a maldição. Sem
dúvida, Deus quer mover os seus filhos a escolherem a vida e o bem, e
então conceder-lhes bênçãos nesta vida e na eternidade.
Mateus 5.21-37: O texto assusta um pouco à primeira vista. Ele é
comprido, abrange vários temas, tem uma linguagem difícil, radical, cheia
de ameaças. Ele inclui as quatro primeiras de um total de seis antíteses
que retomam mandamentos do Antigo Testamento e os radicaliza dentro
do contexto atual (“Ouvistes o que foi dito aos antigos... Eu, porém, vos
digo...”). Enquanto a divisão da Bíblia inicia o novo trecho só no v.21,
encontramos justamente no versículo anterior, v. 20, a chave para in-
terpretar corretamente o texto. Sem dúvida, nele transparece o ponto
de partida, ou melhor, o conflito concreto, que está por trás dessa fala
de Jesus: “... se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas
e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus”. Jesus reinterpreta os
mandamentos do Antigo Testamento mostrando que Deus exige mais
no cumprimento da lei e que o ser humano é incapaz de cumpri-la per-
feitamente para ter salvação. Por isso, seus discípulos precisavam de
justiça que excedesse a “dos escribas e fariseus”, qual fosse – a justiça
do próprio Senhor Jesus como o cumpridor da lei de Deus em lugar das
pessoas.
IGREJA LUTERANA

1 Coríntios 3.1-9: Em 1.11-12, Paulo escreveu que foi informado de


que havia contendas na congregação de Corinto, pois uns diziam “eu sou
de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo”.
V. 1: Apesar dos vários problemas entre os cristãos de Corinto, Paulo
os chamou de “irmãos”, demonstrando a afeição que tinha por eles e por
considerá-los ainda na fé em Cristo. Também o fez para que, depois quando
lhes fizesse severas reprimendas, o vissem como um irmão mais velho que
lhes chamava atenção visando ao bem. Os verbos no aoristo (h vdunh,qhn
lalh/sai) mostram que o apóstolo estava se referindo ao passado quando
os coríntios foram iniciados na fé pela sua pregação. Então naquela época
eles não eram pneumatikoi/j (pessoas que tinham a mente orientada pela
Palavra de Deus), pois eram pessoas recém-convertidas, chamadas por
Paulo de sarki,noij (pessoas que viam as coisas mais do ponto de vista
terreno). Por isso os compara com bebês na fé em Cristo. Toda pessoa ao
ser convertida pela ação do Espírito Santo é um bebê espiritual, que pre-
cisa de cuidados maternais e paternais de outros cristãos mais maduros,
tanto do pastor como de membros, para ir crescendo e tornando-se forte
e madura espiritualmente.
Vv. 2,3: Paulo disse que no tempo da conversão ele lhes deu “leite”
– os ensinamentos básicos da fé cristã, pois não tinham condições para
entender ou assimilar conteúdos mais profundos. O tempo passou, porém
os cristãos coríntios não cresceram no conhecimento da palavra de Deus,
na fé e nem na prática da palavra. Evidência disso era o fato de viverem
em ciúmes, divisões e desavenças (cf. v.3), sentimentos e desejos comuns
da natureza humana.
V. 4: Quando a pessoa cristã tem pouco conhecimento da palavra de
Deus, não percebe, às vezes, erros ou pecados bem evidentes. Aqueles
cristãos não se davam conta que, dividirem a congregação em grupos
polêmicos em que cada qual dizia ser seguidor de um dos pastores que lá
trabalharam ou ainda trabalhavam, só estava causando danos à congre-
gação como um todo e a cada membro individualmente.
Vv. 5,6: Em detrimento de glorificar a Cristo e ao evangelho, os co-
ríntios glorificavam seus pastores. Eles deveriam saber que seus pasto-
res eram apenas dia,konoi (servos) de Jesus Cristo, através de quem os
coríntios ouviram a palavra de Deus e creram. Paulo não usou o termo
dou/loj (escravo) que enfatizava a vontade dos apóstolos subordinada ao
mestre Jesus, mas dia,konoi, para enfatizar os benefícios do trabalho dos
apóstolos aos coríntios – “pelos quais crestes”. Paulo deixa claro que ele
e Apolo eram meios (causae instrumentales = “eu plantei; Apolo regou”)
nas mãos de Jesus, e Jesus, sim, era (causa efficiens = “mas Deus deu o
crescimento”) “o autor e consumador da fé” (Hb 12.2). Por isso, toda honra
e glória deveriam ser dadas a Jesus e em torno dele e de sua palavra os

104
SEXTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

coríntios deveriam se unir, bem como os apóstolos deveriam ser vistos


apenas como mensageiros de Jesus.
V.7: Paulo não falou de modo absoluto, como se a personalidade hu-
mana não tivesse qualquer valor. Esta possibilidade é enfaticamente con-
tradita pelo estudo que Paulo apresenta em seguida acerca dos galardões.
Porém, na conversão de alguém e na concessão da vida eterna a outrem,
o cristão não representa nada, pois é Deus quem opera sozinho.
V.8: O apóstolo considera o trabalho missionário (levar a Palavra para
a conversão = plantar) e o trabalho pastoral (ensino da Palavra para o
crescimento espiritual = regar) como “uma só coisa”, é o mesmo trabalho
no Reino de Deus, e quem os realiza não é mais importante que o outro.
No entanto, em sua misericórdia Deus dará “seu galardão segundo o seu
trabalho” aos mensageiros do evangelho, bem como a cada cristão (veja
parábola dos talentos em Mateus 25.14-30). A palavra “galardão” deriva
do termo grego cujo sentido originário é salário. Figurativamente esta
palavra indica qualquer recompensa por serviço prestado. Em 1Coríntios a
palavra “galardão” é usada em 3.8,14 e 9.17,18. Deus não está debaixo
da obrigação de galardoar ninguém, mas ele mesmo se obrigou a isto por
amor aos seus filhos e filhas por causa de Jesus Cristo.
V.9: A ênfase está nos três possessivos “de Deus”. Dois se referem
aos coríntios: “vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus”. Os coríntios
e os cristãos em geral são “lavoura de Deus”, nos quais pela palavra e
sacramentos ele vai fortalecendo a fé e produzindo muitos bons frutos
para a glória de Deus, para a salvação de outras pessoas e para o aper-
feiçoamento da sociedade. Os coríntios e os cristãos em geral também
são “edifício de Deus”, o qual por ele foi construído pela implantação da fé
nas pessoas e no qual Deus habita com sua graça. O primeiro possessivo
do versículo refere-se aos apóstolos ou aos pregadores do evangelho.
Destes Paulo escreveu “somos cooperadores de Deus”. Paulo não escreveu
co-trabalhadores, pois Deus não trabalha, mas sim “opera”, age. A pre-
posição sun encontrada em sunergoi, conecta os ministros de Deus com
ele. “Nós” refere-se a Paulo, Apolo e em geral aos ministros (dia,konoi) do
evangelho. O ministério cristão é um ofício distinto, que pertence a Deus,
é para levar as pessoas a Deus através de palavra e sacramentos, e é para
a glória de Deus. É a única ‘profissão’ neste mundo que ajuda as pessoas
terem a verdadeira felicidade neste mundo e serem felizes plenamente
após esta vida. Que ofício maravilhoso! Quando o pastor batiza, prega ou
ministra a santa ceia, Deus opera fé, perdão, fortalecimento da fé, vida
de união com ele, etc.

105
IGREJA LUTERANA

SUGESTÃO DE ESBOÇO

Tema: Dois tipos de cristãos


1. Os carnais
a) São os cristãos de fé fraca e que normalmente veem as coisas
do ponto de vista terreno.
b) Por não estudarem a palavra de Deus com afinco, permanecem
bebês espirituais.
c) Sinais em tais cristãos: ciúmes, contendas (1Co 3), sem preocu-
pação de andarem nos mandamentos de Deus nem de guardá-los
(Dt 30.16), acreditam ser possível por esforço próprio cumprir a
lei de Deus para a salvação (escribas e fariseus).
d) Resultado: perda da fé e condenação eterna.

2. Os espirituais
a) São os cristãos de fé forte e que por isso procuram ver as coisas
do ponto de vista de Deus.
b) O Espírito Santo vai lhes dando o crescimento na fé e na obedi-
ência pelo estudo da palavra e recepção assídua da santa ceia,
tornando-os maduros na vida cristã.
c) Sinais em tais cristãos: apegam-se à justiça de Jesus Cristo para
terem salvação (Mt 5.20), não são seguidores de pastores e sim
de Cristo, têm a vida espiritual recebida de Cristo e nesta vida
querem permanecer “dando ouvidos à sua voz e apegando-se a
ele” (Dt 30.20).
d) Resultado: em sua misericórdia, Deus lhes concede bênçãos (in-
clusive amor ao próximo, amadurecimento espiritual), galardões
terrenos (Dt 30.16,20) e na eternidade.
e) Através de seus ministros (pastores), “de Deus... cooperadores”,
Jesus ministra aos seus seguidores com palavra e sacramen-
tos.

Leonerio Faller
São Leopoldo/RS
leoneriofaller@yahoo.com.br

106
SÉTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Salmo 103.1-13; Levítico 19.1-2,17-18;
1 Coríntios 3.10-11,16-23; Mateus 5.38-48

A leitura do Antigo Testamento precisa ser vista em seu paralelismo


temático com o evangelho do dia. Levítico 19 abre com a mensagem do
Senhor a toda a congregação dos filhos de Israel: “Santos sereis, porque
eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (v. 2). A seguir, esta exigência é
aplicada a uma série de situações. O ponto alto da perícope é o versículo
18, que resume a segunda tábua da lei de Deus: "Amarás a teu próximo
("teu irmão", v. 17; "os filhos do teu povo", v. 18) como a ti mesmo". Em
Mateus 5, com seu notável "eu, porém, vos digo", Cristo reitera o manda-
mento e, ao mesmo tempo, o aprofunda: "amai os vossos inimigos". Ao
final da perícope do evangelho aparece uma palavra semelhante ao início
da leitura do Antigo Testamento: "Sede vós perfeitos, como perfeito é o
vosso Pai celeste" (Mt 5.48).
Tendo diante de si o texto de Levítico 19, o pregador pode aproveitar a
oportunidade e aprofundar sua meditação de conceitos bíblicos fundamen-
tais, como santidade e amor ao próximo. Neste caso, o dicionário teológico
é imprescindível. Sob "santidade", lê-se no Novo Dicionário Internacional
de Teologia do Novo Testamento (Edições Vida Nova), entre outras coisas:
"A ideia básica não é aquela da ‘separação’, mas, sim, o conceito positivo
de um encontro que inevitavelmente exige certas maneiras de resposta.
Embora o culto hebreu se ocupasse especialmente com este encontro, a
esfera daquilo que era santo era mais lata do que o ritual. O "santo" é,
portanto, um termo pré-ético. Do outro lado, é um conceito que postula
valores éticos. Esta ética não é a primeira etapa da moralidade humana,
mas, sim, a expressão da santidade de Javé" (SEEBASS, H. "Santo",
NDITNT IV, p. 365). Quando entramos no âmbito do Novo Testamento,
"ressaltam-se dois fatos. Em primeiro lugar, Deus raramente é descrito
como "Santo" (Jo 17.11; 1Pe 1.15-16; Ap 4.8; 6.10), e só uma vez Cristo
é chamado "Santo" no mesmo sentido que Deus (Ap 3.7; cf. 1 Jo 2.20).
O conceito neotestamentário da santidade é determinado, pelo contrário,
de conformidade com o Espírito Santo, a dádiva da nova era. Em segundo
lugar, e como consequência, a esfera apropriada daquilo que é santo no
NT não é a ritual, mas, sim, a profética. O sagrado já não pertence a coi-
sas, a lugares ou ritos, mas, sim, às manifestações da vida que o Espírito
produz" (Ibid., p. 368).
O uso de Levítico 19 como leitura no tempo de Epifania sugere que
este é tempo de santidade. É claro, Epifania é antes de tudo manifestação

107
IGREJA LUTERANA

de Cristo. Todavia, não se pode esquecer que Cristo nunca está sem seu
corpo, a igreja. A santidade de Cristo irradia-se ao mundo, por ação do
Espírito Santo, na vida dos cristãos.
O pregador, ciente de que não estará anunciando a palavra de Deus a
menos que pregue o evangelho, encontrará ampla exposição do mesmo
no salmo do dia, Salmo 103.

Vilson Scholz
São Leopoldo/RS
Igreja Luterana, ano 49, n. 01, jan./jun. 90

108
OITAVO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Salmo 115.(1-8)9-18; Isaías 49.8-16a; 1 Coríntios 4.1-13;
Mateus 6.24-34

CONTEXTO

Paulo, em sua primeira carta aos Coríntios, trata de vários assuntos,


entre eles aqueles que dizem respeito ao relacionamento entre os cristãos.
Paulo fala a respeito das divisões que haviam acontecido na igreja de Co-
rinto, grupos que se formaram em torno de líderes como Pedro, Apolo e
o próprio Paulo. Cada grupo achava que seu líder era o mais importante.
Por isso Paulo precisa mostrar aos coríntios que o importante não são os
líderes, e sim, a mensagem, a palavra de Deus.
Então, no capítulo quatro, Paulo volta a sua atenção aos ministros,
pregadores. Ele quer mostrar que o julgamento que os homens fazem
deles não importa, porque somente Deus pode fazer um verdadeiro jul-
gamento deles. Por isso, depende de Deus que o ministro fique em pé ou
caia, ou seja, a importância do ministro não está nele, mas na mensagem
que prega.

TEXTO

Vv. 1,2: Paulo começa o texto mostrando de forma brilhante duas


perspectivas: como o pastor deve se enxergar e como os outros de-
vem enxergar o pastor! Paulo mostra que o pastor deve se enxergar
como ministro e despenseiro. A palavra que Paulo usa para ministro
é uphre,taj (huperetas). Originalmente aplicava-se este termo a um
“remador inferior”, aquele que remava no grupo da parte de baixo de
um grande navio, portanto uphre,taj (huperetas), que é traduzido por
“ministro”, tem a ver com um serviço de natureza inferior. O outro termo
que Paulo usa é oivkono,mouj (oikonomos), traduzido por despenseiro.
Oikonomos era o gerente de uma propriedade, ou seja, o representante
do proprietário. A sua posição era de muita responsabilidade. Em rela-
ção aos escravos e servos era ele o gerente, tinha uma grande tarefa a
desempenhar, mas em relação ao seu senhor era um escravo e tinha de
prestar contas de si. Portanto, ser ministro e despenseiro não provém
de uma glória própria. Ser ministro é colocar-se como inferior a todos
e servir. Ser despenseiro é um dom de Deus, é ele que o coloca nesta
função de senhor e servo.
IGREJA LUTERANA

Para entendermos a segunda perspectiva que Paulo mostra “como os


outros devem enxergar o pastor”, é muito importante olhar o complemento
de cada palavra. Paulo mostra que o pastor não é um simples ministro e
despenseiro, mas é ministro de Cristo e despenseiro dos mistérios de Deus.
Os apóstolos e também pastores não deveriam ser subestimados, pois,
apesar de serem ministros (servos, escravos), são ministros de Cristo.
O caráter e a dignidade do seu Senhor colocam sobre eles importância e
honra. Embora sejam servos, não são servos das coisas comuns do mundo,
mas dos mistérios divinos, são ministros da família de Deus! São também
despenseiros dos mistérios de Deus. Aqui Paulo usa o termo musthri,wn
(musterion), que significa não um enigma que o homem acha difícil de
resolver, mas sim, um segredo que o homem é totalmente incapaz de
penetrar. Ao mesmo tempo que a palavra aponta para a impossibilidade
de o homem saber o segredo de Deus, também aponta para o amor de
Deus que torna esse segredo conhecido ao homem através da pessoa de
Jesus Cristo. Portanto, os ministros não têm autoridade para propagar
suas próprias fantasias, mas sim, para difundir a fé em Cristo. Isto torna
a função do ministro importante!
Por isso Paulo, no versículo seguinte, completa dizendo que se requer
que os despenseiros (ministros) sejam encontrados fiéis. Isso significa
que eles não devem exigir qualquer coisa sem mandado de seu Senhor.
Eles não devem alimentar sua congregação com a palha de suas pró-
prias invenções, mas sim, com a comida saudável da doutrina cristã e
da verdade. Eles devem ensinar o que Jesus ordenou.
Vv. 3-5: Paulo, então, tendo como base os dois versículos anteriores,
ou seja, de que ele é ministro de Cristo e despenseiro dos mistérios de
Deus, afirma que somente Deus, o seu Senhor, pode julgá-lo. No ver-
sículo 3, Paulo afirma que nenhum homem pode julgá-lo, nem mesmo
ele próprio. E aqui Paulo usa o verbo anakri,nw (anakrino). Este termo
não indica um julgamento final, mas o processo de exame crítico com
vistas àquele julgamento. Portanto, Paulo não está interessado em ne-
nhuma ação ou julgamento humano preliminar, mas ele, por ser ministro
de Cristo, espera o julgamento de Deus. As opiniões que ele tem dele
mesmo são tão irrelevantes como as de qualquer outra pessoa. Isto é
algo muito importante, pois o autojulgamento ou o julgamento de outras
pessoas pode causar tanto uma depressão indevida como também uma
exaltação além dos limites. Por isso, o que deve valer é o julgamento
do Senhor.
Paulo, então, tendo como base esta perspectiva de julgamento, mostra
que Deus é o único que pode julgar corretamente, por que ele conhece
todas as coisas, aquilo que está oculto nas trevas e os desígnios (inten-
ções) do coração. (Pode-se fazer uma referência às palavras de Jesus em

110
OITAVO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Lucas 12.2-5). Paulo termina o v. 5 dizendo “e, então, cada um receberá


o seu louvor da parte de Deus”. Paulo não está querendo dizer que cada
um receberá aquilo que merece: “se sou bom recebo coisas boas, se sou
mau recebo coisas ruins”; aqui é importante chamarmos a atenção para
as palavras “da parte de Deus” (avpo. Tou qeou). Tudo o que é dado vem
da parte de Deus, e isto indica o caráter final do julgamento.
Vv. 6 e 7: Nos versículos 6 e 7, Paulo mostra aos coríntios o porquê
de não julgar os outros, e para isso ele usa o seu exemplo com Apolo.
Em relação aos ministros, o importante não é a pessoa, mas sim a Pa-
lavra que anuncia, aquilo que está escrito! E antes de julgar os outros,
devemos olhar para nós mesmos! Paulo pergunta aos coríntios no v. 7:
“Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas re-
cebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras
recebido?” Paulo os leva a pensar de onde vem tudo o que têm e são, e
a conclusão implícita: tudo vem de Deus! Por isso não pode haver glória
própria, consequentemente todos são iguais, não podendo, assim, julgar
uns aos outros.
Vv. 8-13: Os versículos 8 ao 13 são muito enfáticos! Paulo quer que
os coríntios compreendam o que é a vida do cristão e para isso ele usa
os apóstolos como exemplo. Faz um contraste muito forte entre a vida
do grego e a vida do cristão. Paulo está preocupado, pois a igreja de
Corinto está voltando ao pensamento grego, um pensamento de orgulho
próprio. Nesses versículos ele mostra aos coríntios o que faz parte da
vida cristã, fazendo uma contraposição a vários conceitos gregos!
No v. 8 fala até com certa ironia. As expressões “Já estais fartos, já
estais ricos” mostram que os coríntios se sentiam seguros e sem carência
de nada. Em vez de se preocuparem com a sua fé cristã, estavam se
aproximando da ideia de autossuficiência. Paulo, portanto, quer mostrar
aos coríntios que esta é uma falsa segurança.
No v. 9 coloca os apóstolos em último lugar. Ele não está se lamentan-
do por um destino infeliz, mas, ao contrário disto, ele mostra que onde
quer que os apóstolos estejam é Deus quem os colocou lá. Se assim é
com os apóstolos, assim também é com todas as pessoas, o lugar em
que estamos, aquilo que somos e possuímos vem de Deus, por isso não
pode haver em nós motivo de orgulho e glória própria.
Paulo, no v. 10, coloca três pontos importantes em contraposição
aos conceitos gregos, e faz isso em um tom de ironia. Louco, fraco e
desprezível: nenhum grego teria orgulho de anunciar que se encontrava
nesta situação. Paulo quer inverter os valores dos coríntios, quer mos-
trar que sabedoria, força, nobreza, riqueza são dons de Deus, por isso
não há motivo para um orgulho próprio. Paulo reconhecia que em sua
natureza era um louco, fraco e desprezível, e assim cada um deveria se

111
IGREJA LUTERANA

reconhecer também, para não haver um falso orgulho, mas reconhecer


que todas as coisas vêm de Deus, sejam estas coisas boas ou más. E
então Paulo, nestes versículos finais, passa a despejar várias privações
sofridas pelos apóstolos, mostrando que nem os apóstolos, ministros e
despenseiros de Deus, estão livres de sofrimentos. Por isso, qualquer
que seja a nossa posição, se estamos bem ou mal, devemos bendizer a
Deus e suportar.
Nestes versículos, Paulo entra em algumas particularidades de seus
sofrimentos: “Até a presente hora, ou seja, depois de todos os serviços
que temos vindo a fazer no meio de vós e de outras igrejas, temos fome
e sede, estamos nus, recebemos bofetadas e não temos morada certa,
trabalhamos com nossas próprias mãos”. Circunstância pobre para os
primeiros ministros do Reino de Deus. Paulo enfatiza coisas que para os
coríntios (gregos) eram motivos de vergonha, mas que para os cristãos
deveriam ser motivos para glorificar a Deus, pois estavam assim por
serem servidores de Cristo.
Temos, ainda, no v. 12, o comportamento dos apóstolos para com
todos e também o retorno deles para este “mau-tratamento”: injuriados,
bendizemos; perseguidos, suportamos; sendo difamados, procuramos
reconciliação. Eles voltaram bênçãos para censuras, pedidos e exortações
amáveis para as mais rudes calúnias e difamações, e foram pacientes
sob as maiores perseguições. Os discípulos de Cristo e, especialmente,
seus ministros, devem manter firme a sua retidão e uma boa consciên-
cia, em qualquer que seja a oposição ou dificuldade que encontrarem no
mundo. Os coríntios até podiam pretender ocupar um lugar majestoso,
mas Paulo não tinha ilusão quanto ao lugar reservado para ele e para
os cristãos neste mundo, ou seja, “lixo do mundo, escória de todos”.
Paulo precisa levar os coríntios a ver que a glória do cristão não está
nele, mas em Deus; tudo o que os coríntios possuíam e eram vinha de
Deus, por este motivo não deveriam causar divisões por orgulho próprio
e nem julgar os outros.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Objetivo: Reconhecer que tudo o que possuímos e tudo o que somos


vem de Deus, sejam coisas boas ou ruins. Sendo assim, não temos mo-
tivos para ficarmos orgulhosos e julgar as outras pessoas, mas devemos
deixar para Deus todo e qualquer julgamento. O nosso papel deve ser
ajudar os outros, suportar os sofrimentos, procurar a reconciliação e
sempre bendizer a Deus.
Temática: De Deus vem tudo o que somos e temos!

112
OITAVO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Desdobramentos:
- De Deus vem a Palavra e os ministros que a anunciam;
- de Deus vem o julgamento final;
- de Deus vêm os sofrimentos para nosso aprendizado;
- de Deus vêm a riqueza e a sabedoria;
- de Deus vem o desejo de ajudar o próximo.

Carlos Henrique Weirich


São Leopoldo/RS
carlos.weirich@yahoo.com.br

113
A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR
Salmo 2.6-12; Êxodo 24.8-18; 2 Pedro 1.16-21; Mateus 17.1-9

LEITURAS

Salmo 2.6-12: “Tu és meu Filho”. Deus revela que todos terão de
curvar-se diante do seu Filho Jesus, que estabeleceu como rei de todas
as coisas.
Êxodo 24. 8-18: Deus fala com Moisés no alto do monte, do meio de
uma nuvem: “A glória do Senhor pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem
o cobriu por seis dias” (v.16). Foi a entrega da Lei a Moisés pelo SENHOR,
no monte Sinai.
2 Pedro 1.16-21: O apóstolo Pedro confessa e se reconhece como
testemunha ocular da majestade de Deus, lembra da transfiguração de
Jesus Cristo, onde Jesus recebe a honra e a glória de Deus.
Mateus 17.1-9: Deus revela sua glória na transfiguração de Jesus
diante de três discípulos (Pedro, Tiago e João), mostrando-lhes a natureza
divina de Jesus. Deus, o Pai, do meio de uma nuvem luminosa, confirma:
“Este é o meu Filho amado”. Dele brota a palavra de Deus e a ele devemos
prestar ouvidos (Mt 17.5).

TEXTO: 2 PEDRO 1.16-21

A epístola de 2 Pedro é a última obra do apóstolo Pedro, enviada


pouco antes da sua morte às igrejas com as quais ele se comunicou na
sua primeira epístola. Tem em mente fortalecer a fé de todos os cristãos.
Influenciadas pelos ensinos dos falsos mestres, muitas pessoas da igreja
começaram a duvidar do ensino dos apóstolos a respeito de Jesus Cristo e
da sua segunda vinda, como se tudo não passasse de uma grande mentira.
Além do mais, argumentavam que o evangelho era uma ideologia humana,
um mito, sem fundamento e do qual não havia provas concretas. Além
disso, afirmam que o evangelho foi simplesmente preparado para oferecer
uma esperança falsa ao ser humano, para consolá-lo diante da morte.
Vv. 16 e 17: O apóstolo Pedro afirma nesta perícope (2Pe 1.16-21) que
os ensinamentos a respeito de Jesus e sua segunda vinda estão fundamen-
tados em fatos que eles mesmos viram e ouviram. Foram testemunhas
oculares da majestade de Jesus Cristo, conforme o evangelho de Mateus
17.1-9 nos relata. Fatos estes que aconteceram durante a vida de Jesus
Cristo aqui na terra e que eles presenciaram e não podiam deixar da falar,
testemunhar o que eles mesmos tinham visto e ouvido (At 4.20). Pedro
A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

enfatiza que o poder e a majestade de Jesus Cristo e a sua vinda não são
coisas inventadas, não são “fábulas engenhosamente inventadas” por eles.
Também não foi copiado de contadores de mitos ou de fábulas.
Pedro fala com convicção sobre o episódio da transfiguração do Senhor,
no qual Jesus recebeu, “da parte de Deus Pai, honra e glória” (Mt 17.1-9).
Assim, todo o ensinamento e doutrina de Jesus é palavra de Deus. Pedro
afirma que todos os apóstolos pregam a mesma mensagem. “Pois Cristo
não me enviou para batizar, mas para anunciar o evangelho e anunciá-lo
sem usar a linguagem da sabedoria humana, para não tirar o poder da
morte de Cristo na cruz” (1Co 1.17).
Vv. 18 e 19: “Seis dias depois, Jesus foi para um monte alto, levando
consigo somente Pedro e os irmãos Tiago e João” (Mt 17.1). A vinda de
Jesus Cristo, para muito em breve, estava demorando. Assim, para con-
trariar a palavra de Deus, os falsos mestres usavam esse fato para afir-
mar que o evangelho anunciado era somente um mito. Pedro novamente
afirma que aquilo que ele e os apóstolos pregam não era coisa inventada
senão presenciada e que sua fonte é a palavra de Deus, Jesus Cristo. A
todo aquele que não vê e não entende pelos olhos da fé, isto é loucura
e escândalo.
As profecias do Antigo Testamento não são sonhos e muito menos
ideias dos apóstolos, mas são revelações feitas por Deus aos profetas e
estes falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo. Notamos aqui
a preocupação de Pedro argumentando que a finalidade de seu ensino a
respeito de Jesus é que nós podemos estar certos que sua mensagem é a
palavra de Deus. As profecias da Escritura Sagrada não provêm dos profe-
tas em si, por vontade humana deles. Eles falaram movidos pelo Espírito
Santo. E Pedro ensina que estas profecias ficam esclarecidas e confirmadas
a partir de Jesus Cristo. Jesus Cristo é a glória de Deus, a chave que nos
dá a compreensão do Antigo Testamento e dos planos de Deus.
Vv. 20 e 21: Pedro conclui dizendo que uma vez que sabemos que
temos a palavra de Deus, por meio de Jesus Cristo, neste devemos crer
para não sermos enganados, mesmo que esses outros mestres venham
com a alegação de que eles, também, têm o Espírito Santo. “Portanto,
usemos os nossos diferentes dons de acordo com a graça que Deus nos
deu. Se o dom que recebemos é o de anunciar a mensagem de Deus,
façamos isso de acordo com a fé que temos” (Rm 12.6).
Agora o que está escrito e proclamado nos profetas não foi inventado
ou criado pelo homem: “toda a Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm
3.16). “Falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas
ensinadas pelo Espírito, conferindo cousas espirituais com espirituais” (1
Co 2.13). Pedro afirma que homens piedosos e santos têm dito que eles
foram movidos pelo Espírito Santo.

115
IGREJA LUTERANA

PROPOSTA HOMILÉTICA

Os textos deste último domingo do período da Epifania nos mostram


a importância da transfiguração do Senhor, tanto para os apóstolos
quanto para nós, hoje. Jesus, no alto da montanha, mostra aos apóstolos
sua “glória como o Unigênito do Pai” (Jo 1.14). É um momento passageiro,
pois o ministério de Jesus aqui na terra está ainda por ser completado,
na cruz e na ressurreição. Isto torna a transfiguração um momento muito
especial. É uma demonstração da glória a ser revelada, depois da ressur-
reição e especialmente em sua segunda vinda.
Mas a segunda vinda de Jesus Cristo para muito em breve, conforme
anunciado pelos apóstolos, não estava se confirmando. Para contradizer
as promessas e a palavra de Deus, os falsos mestres usavam esse fato
para afirmar que o evangelho anunciado pelos apóstolos era somente para
enganar o povo, dando uma esperança falsa da vida eterna. Pedro defende
o evangelho e afirma que foram “testemunhas oculares da majestade de
Deus”, que viram e ouviram a glória de Deus. Com esse fato os apósto-
los visam firmar-nos na fé, asseguram que o Evangelho que ouvimos é
a palavra de Deus, dando-nos a absoluta certeza de que as promessas
de Deus não falham. Assim a palavra de Deus continua agindo em nossa
vida, e a promessa da vida eterna é uma realidade do amor de Deus por
cada um de nós.
Esta realidade do amor de Deus podemos ver em nossa própria vida:
um Deus que diariamente estende a mão e ampara os seus filhos, acolhe
o sofredor, o desamparado, o aflito. A promessa da vida eterna é uma
realidade que Cristo aponta, mas enquanto estamos no mundo temos a
vinda contínua de Cristo na Palavra e nos sacramentos – batismo e santa
ceia. E é nesta vinda contínua de Cristo que somos consolados e ampa-
rados. Além disso, a promessa da vida eterna é uma realidade já agora
a todos os que creem no Filho de Deus: “Em verdade, em verdade vos
digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a
vida eterna” (João 5.24).

Tema: Cristo, a glória de Deus.

Celson Leandro Wagner


São Leopoldo/RS
celsonwagner@gmail.com

116
QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Salmo 51.1-13 (14-19); Joel 2.12-19; 2 Coríntios 5.20b-6.10;
Mateus 6.1-6, 16-21

CONTEXTUALIZAÇÃO

A Quarta-feira de Cinzas marca o início de um novo período que re-


lembra e revive a verdadeira realidade humana, sua fragilidade, miséria
e mortalidade. Para tanto, a cor litúrgica para a Quarta-feira de Cinzas
é o preto, que remete à morte. Porém, também quer apontar para a so-
lução de toda esta perdição: a obra redentora de Cristo Jesus na cruz,
tornando esta mesma humanidade mortal e miserável, agora perfeita,
pura e imortal.
Nem sempre fica claro o motivo da Sua obra na cruz e suas consequências.
A falta de compreensão sobre este assunto não é algo recente. Nas Sagradas
Escrituras são inúmeras as mensagens que falam sobre o arrependimento
e a graça de Deus ao mundo. O salmista mostra o seu arrependimento ao
pedir que o Senhor o lave de sua iniquidade, com a qual nasceu. O profeta
Joel, no Antigo Testamento, diz ao povo para que se arrependa, se reúna
e peça misericórdia ao Senhor. E, por fim, o próprio Senhor Jesus fala para
que o povo não mantenha uma aparente santidade, como se quisesse
reconciliar-se com Deus a partir disso.
Essas mensagens ecoam hoje também pelas ruas deste mundo. Diante
disso, a Quarta-feira de Cinzas e as Escrituras querem nos fazer refletir
sobre o que levou Cristo a sofrer e o que isto causa em nós. Arrepender-se,
voltar-se para o Senhor, não de aparência, mas com o coração. Reconhecer
que cada ser humano nada mais é do que cinza e pó, e que essa miséria
se transforma, através de Cristo, em uma fonte de bênçãos eternas. Por
nós mesmos não conseguimos nada, mas, em Cristo, temos tudo.

O TEXTO – 2 CORÍNTIOS 5.20b-6.10

Após ter dito que toda a humanidade, através de Cristo, fora recon-
ciliada com Deus, o apóstolo Paulo faz uma exortação, em particular,
aos coríntios: “Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis
com Deus” (v.20b). A situação do povo coríntio era delicada. O cenário
envolvia falsos apóstolos (2Co 11.12-14), que tentavam colocar em dú-
vida a mensagem de Paulo ao povo da igreja de Corinto. Segundo eles, a
reconciliação com Deus era algo que as pessoas tinham de alcançar com
IGREJA LUTERANA

seu esforço próprio. Dessa forma, Paulo apela e exorta em sua carta para
que a congregação se arrependa e volte para Deus, não dando ouvidos
a falsas mensagens.
As muitas mensagens sobre uma aparente justiça que o ser humano
possui ecoam com força. Não longe, o número de falsos pregadores e
apóstolos aumentam cada vez mais. São muitas as versões que apresen-
tam um ser humano capaz, que por seus próprios méritos ou obras, por
viver uma vida piedosa, pode tornar-se uma pessoa justa perante Deus e
assim reconciliar-se com Ele. Dessa forma, a nossa realidade acaba sendo
a mesma do povo coríntio.
a. A verdadeira mensagem
Não diferente do tempo atual, muitos, na cidade de Corinto, eram
persuadidos a manter uma aparência justa e santa. Por isso o apóstolo é
enfático e escreve: “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por
nós; para que, nEle, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.19). Esta é a
verdadeira mensagem. Através de Cristo somos reconciliados com Deus,
e não pelo esforço de manter uma aparência justa. A realidade humana
é a imperfeição, a miséria e a mortalidade. A santidade e a verdadeira
justiça somente podem ser encontradas em Cristo, que nos religa ao Pai.
Ele não conheceu o que era pecado. Porém, para que fôssemos limpos de
nossa iniquidade natural, Deus o fez nascer como humano, colocando sobre
Ele nossos pecados, tornando-o nosso substituto, sofrendo a punição, o
castigo da lei pela desobediência da humanidade: a morte.
“[...] para que, nEle, fôssemos feitos justiça de Deus”. Paulo, nesse
ponto, relaciona o ‘estar em Cristo’ com a justiça. Pelo fato de se estar
com Cristo, a humanidade se torna justa. Não é uma virtude ou qualidade
a ser adquirida mediante a conversão, mas somente estando com Cris-
to, mantendo um relacionamento com Ele, através da fé, é que se pode
adquirir uma verdadeira justiça e santidade, não somente de aparência,
mas de coração. Esta é a verdadeira mensagem para um mundo cheio de
equívocos: “justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos os
que creem [...], pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm
3.22a-23).
b. Paulo: cooperador de Deus
O apóstolo é um cooperador de Deus, que trabalha com Ele. Dessa
forma, ele quer exortar os coríntios para que não recebam em vão a gra-
ça de Deus, ao tentar reconciliar-se com Deus através de seus esforços,
como vinham se comportando. Em suma, que deixem de escorregar no
erro que os falsos apóstolos pregam.
Deus havia chamado os coríntios à verdadeira justiça e santidade,
pela fé em Cristo: “Eu te ouvi no tempo favorável e te socorri no dia da
salvação[...]” (2Co 6.2a). Dois aspectos que, nessa frase, nos remetem

118
QUARTA-FEIRA DE CINZAS

ao texto original são importantes. O primeiro é a palavra kairw/|/ dektw/|,


traduzido como “em tempo favorável”. Aponta para um tempo que é fa-
vorável para que a graça de Deus frutifique. O segundo aspecto, por sua
vez, diz respeito ao “dia da salvação” (hvme,ra| swthri,aj). Nessa frase,
o genitivo presente pode ser de direção ou de propósito: “um dia para
salvação” – “um dia para a proclamação da salvação”. Refere-se mais ao
que vai acontecer do que pelo dia em si. Em última análise, remete à obra
de Cristo Jesus na cruz, um tempo favorável para que Deus socorresse
a humanidade e a reconciliasse consigo. “Eis, agora, o tempo oportuno,
eis, agora, o dia da salvação” (2Co 6.2b). Os coríntios haviam recebido
a mensagem da salvação, e, agora, por meio da fé em Cristo, a própria
salvação estava assegurada individualmente.
A fim de não terem motivos para deixar de acreditar na mensagem de
Paulo e dar ouvidos aos falsos apóstolos, o apóstolo escreve: “não dando
nós nenhum motivo de escândalo em coisa alguma, para que o ministério
não seja censurado” (2Co 6.3). Aqui, a forma grega utilizada por Paulo
na frase é uma enfática, juntamente com uma partícula de negação:
mhdemi,na evn mhdeni, literalmente “não, de forma nenhuma”. Outra palavra
que chama a atenção é proskoth,n, traduzida por “escândalo”, mas que
também implica “fazer algo que leva os outros a tropeçar, ofensa”. Se fosse
possível encontrar falhas no ministério de Paulo, como os falsos apóstolos
colocavam em dúvida, isso poderia ser usado como desculpa para que sua
mensagem fosse recusada. Por isso ele diz que, em nada fizeram alguém
tropeçar, e que, por isso, não deram motivo de escândalo nenhum.
“Pelo contrário, em tudo recomendamos a nós mesmos como ministros
de Deus [...]” (v. 4a). O apóstolo, agora, destaca seu ministério como servo
de Deus e faz sua ‘carta de recomendação’. Ele enumera nove elementos,
que dão o caráter de seu ministério. São três grupos: 1º) aflições, pri-
vações, angústias; 2º) açoites, prisões, tumultos; 3º) trabalhos, vigílias,
jejuns. Desta forma Paulo recomenda seu ministério, mostrando-o como
verdadeiro, seguindo o exemplo do Servo Sofredor, Cristo. O atestado
pelo qual Paulo afirma a autenticidade da sua pregação não são vitórias,
triunfos e conquistas, mas sim, rejeição e perseguição.
Prosseguindo em sua recomendação, Paulo cita elementos que inte-
gram seu ministério: pureza, longanimidade, bondade, permeado pela
ação do Espírito Santo, do amor não fingido, na palavra da verdade, no
poder de Deus, pelas armas da justiça, para atacar ou defender-se dos
inimigos. Não obstante, prossegue e conclui sua recomendação (vv.8,9).
Em outras palavras, ignorado, posto em dúvida, criticado e tido por falso
pelos que visavam uma igreja de sucesso, de fama por seus esforços.
Mesmo criticado por estes, o apóstolo diz que é honrado, tem boa fama
e é verdadeiro.

119
IGREJA LUTERANA

E, finalmente, conclui com o vers. 10: “[...] entristecidos, mas sempre


alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo
tudo”. O propósito da longa recomendação de Paulo e de seu ministério
era mostrar que não havia falhas no mesmo como muitos apontavam.
Desejava, ao escrever isto, que os coríntios o compreendessem como
verdadeiro ministro de Deus.
Muitos rejeitavam não o apóstolo, mas seu ministério e suas mensa-
gens. O povo coríntio estava dando ouvidos mais aos falsos profetas do
que a Paulo. Atualmente, nada muda. Muitos das congregações são per-
suadidos por mensagens que distorcem a palavra divina. A Quarta-feira
de Cinzas exige uma reflexão. O ser humano não possui justiça própria,
nem méritos que possam agradar ao Senhor para reconciliar-se com Ele.
Muitas mensagens que pregam a reconciliação por esforço humano são
enganosas. Por isso, esta perícope quer mostrar a miséria humana. A
necessidade da fé em Cristo para a salvação. Confessar a miséria e ouvir
a salvação para que o povo de Deus não seja enganado e receba em vão
a graça de Deus.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Assunto: A glória de Deus se manifesta pelo ministério da reconci-


liação.
Objetivo: Apontar para as perguntas que Paulo responde aos coríntios:
Onde Deus se manifesta ou se oculta? No sucesso ou no fracasso? A quem
Jesus foi enviado? Aos sãos e poderosos ou aos doentes e perdidos? Como
identificar uma Igreja que está identificada com Jesus?
Tema: O ministério da reconciliação está presente:
Desdobramentos:
- na morte de Cristo na cruz (v.14);
- no coração que se alegra com este Jesus (v.16);
- na palavra que confirma ao pecador o perdão de Deus (v.20).

Charles T. da Rocha
São Leopoldo/RS
charles.tailor.da.rocha@hotmail.com

120
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA
Salmo 32.1-7; Gênesis 3.1-21; Romanos 5.12-19; Mateus 4.1-11

CONTEXTO LITÚRGICO

A Quaresma é a aurora deste tempo santo de Páscoa e a liturgia para


este primeiro domingo de intensa preparação para a renovação da Páscoa
é um convite ao arrependimento e crescimento na fé. É um momento
oportuno para refletirmos o que somos, voltarmos ao nosso batismo e
seu significado para nós. No entanto, a caminhada quaresmal do povo de
Deus não é apenas um período de tristeza pelo pecado, mas também um
período de se alegrar no triunfo de Cristo. Os próprios orientam nossas
meditações de Quaresma nesta direção:
A Epístola expõe o efeito do pecado do primeiro Adão que nos trouxe
culpa e o resultado da obediência do segundo Adão, Jesus Cristo, que nos
liberta da culpa do pecado. A leitura do Antigo Testamento ilustra a tenta-
ção e queda do primeiro Adão, a desobediência de um só homem que está
na origem da condenação humana. No Santo Evangelho, a obediência de
um só homem que torna justo a muitos é concreta na tentação e triunfo
do segundo Adão. O Salmo do Dia louva o Deus que perdoa e encobre
pecados e livra de culpas. O Introito (Sl 91.9-13, antífona Sl 91.15-16)
proclama a promessa de Deus em guardar e livrar o seu povo. O Gradual
(Hb 12.2) convida a olhar para o segundo Adão, que obedientemente
suportou a cruz para nos dar vida. Conforme o Verso (Ef 6.11), somente
cobertos por Deus resistimos à tentação do diabo. A igreja reúne na petição
e propósito da Coleta os anseios de que Deus guie o seu povo, para que,
seguindo Jesus, possa “andar através do deserto deste mundo em direção
à glória do mundo que está por vir”. “Castelo Forte” (HL 165) – sugestão
de Hino do Dia (Hauptlied) – mostra que, apesar da nossa fragilidade,
“nada nos perturbará com Cristo por defesa”, pois ele “triunfará na luta”
(LSB Hymn Selection Guide, p. 167).

TEXTO

Paulo inicia um paralelo e contraste entre Adão e Cristo, “assim como


por um só homem entrou o pecado no mundo” (v. 12), mas, antes de
concluir, faz duas afirmações parentéticas importantes para a compre-
ensão do paralelo. O primeiro parêntese (vv. 13-14) reforça a afirmação
de que a morte passou a todos os homens a partir do pecado de Adão.
O segundo parêntese (vv. 15-17) ressalta o “muito mais” de Cristo como
IGREJA LUTERANA

a grande diferença da comparação. A conclusão do paralelo (vv. 18-19)


desenvolve o contraste entre Adão e Cristo.
V. 12: Paulo aponta para a universalidade do pecado e da morte e para
a solidariedade de todos para com o primeiro homem. O hebraico ’adam
“Adão”, significa ser humano (Gn 2.7) e denota o homem à imagem de
Deus (TWOT 25a). No entanto, a queda de Adão trouxe o pecado para
toda a humanidade e herdamos dele a culpa e o desejo de pecar. Paulo
confronta-nos com a realidade do pecado original e da nossa culpa, afinal,
somos uma humanidade só.
Vv. 13-14: Paulo explica a conexão entre o pecado e a morte. A decla-
ração de Paulo “o pecado não é levado em conta quando não há lei” (v. 13)
deve ser entendida à luz de 2.12, sendo melhor traduzida como “onde não
há lei, um pecado não é listado como pecado” (Louw-Nida 33.45). Embora
a Torá ainda não tivesse sido revelada, Adão tinha a imago dei. O termo
tupos (v. 14), literalmente “tipo” (ARC: “figura”), é um modelo ou exemplo
que antecipa ou precede uma realização posterior (Louw-Nida 58.63). Adão
aqui é um tipo de Cristo. E o antítipo é sempre maior que o tipo: Jesus é
o único que justifica, sua graça excede em muito a transgressão humana
e seu ato de justiça se estende a toda a humanidade.
Vv. 15-17: Paulo contrasta Cristo com Adão. No entanto, Adão, com
sua transgressão, não é um paralelo perfeito para Cristo com seu dom
gratuito da graça divina. O pecado de Adão trouxe a morte, enquanto
que Jesus dá a vida eterna. A bênção de Deus é o dom gratuito da graça,
que é nosso unicamente por causa da obra Cristo. No v. 16, krima, “jul-
gamento”, significa decidir uma questão legal, determinando a inocência
ou culpa do acusado e atribuir punição ou castigo apropriado (Louw-Nida
56.20). O veredito aqui é a katakrima, “condenação”, como resultado do
nosso pecado. No entanto, Deus reconhece o ser humano como justo,
não lhe imputando o seu pecado, mas sim a justiça de Cristo. A dikaiōma,
“justificação”, resulta tão somente do dom da graça de Deus em Cristo, o
charisma, ou seja, nada tem a ver com as nossas ações. Aqui Paulo opõe
justificação à condenação. Se o pecado poderia causar – e causa – muito
dano, agora muito mais benefício pode causar a abundância da graça aos
que a recebem. O verbo basileusousin, “reinarão”, é futuro, indicando
que o reinado pleno daqueles que recebem o dom da justiça se dará no
eschaton, mas, desde agora, Deus já oferece o refúgio na sua graça pelo
batismo e pela palavra.
Vv. 18-19: Adão e Cristo determinam o destino de todos os seres hu-
manos. Enquanto o ato de Adão traz julgamento, condenação e morte, o
ato de Cristo traz graça, justificação e vida. O que Cristo realizou é muito
mais intenso, com um efeito muito mais prodigioso. O mais surpreendente
é que a graça não se opõe somente à transgressão de Adão, mas às ofen-

122
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA

sas de todas as pessoas, resultando em justificação. Deus dá a justiça de


Cristo para cobrir nosso pecado, de forma que a morte já não reina sobre
o povo de Deus, pois restituiu para eles o domínio da vida (Sl 8.6).

MEDITAÇÃO

Reconhecer e aceitar quem somos é uma das tarefas mais difíceis.


Alguns estudiosos sugerem que vivemos uma epidemia narcisista, em que
protegemos nosso ego e o de nossas crianças e o tornamos mais inflado
e exaltado, sempre almejando nos elevar acima da média das pessoas
comuns. Causou alvoroço o discurso do professor David McCullough Jr.
na formatura do ensino médio da Wellesley High School (EUA) ao dizer
para os formandos coisas que deveríamos, de antemão, saber de nós
mesmos, enquanto seres incurvatus in se: “Vocês não são especiais. Vocês
não são excepcionais. Ao contrário do que seus troféus de futebol e seus
brilhantes boletins da sétima série sugerem [...] vocês não são especiais.
[...] Vocês têm sido mimados, afagados, adorados, protegidos, envoltos.
Adultos capazes e com outras coisas para fazer mantêm vocês, beijam
vocês, alimentam vocês, limpam a suas bocas, limpam os seus bumbuns,
treinam vocês, ensinam vocês, tutoriam vocês, orientam vocês, ouvem
vocês, aconselham vocês, encorajam vocês, consolam vocês e encorajam
vocês de novo. [...] Vocês foram festejados e bajulados e chamados de
docinhos. E, certamente, assistimos a seus jogos, suas peças de teatro,
seus recitais, suas feiras de ciências. Sorrimos quando vocês entram na
sala e suspiramos centenas de vezes em todos os seus tweets. [...] Mas
não fique a ideia de que vocês são alguma coisa especial. Porque vocês
não são”.1 O bem-estar e as conquistas que granjeamos durante a vida
não deveriam nos desviar do que a fé cristã confessa: não somos espe-
ciais, mas miseráveis e mortos. No entanto o diabo, diz Lutero, acrescenta
às nossas misérias a miséria da cegueira, de modo que acreditamos ser
livres, potentes e vivos; presumimos sermos capazes de fazer tudo que
queremos (OSel 4, 94).
A verdade é que somos solidários com Adão no pecado e morte. Quando
olhamos os noticiários e ficamos estarrecidos diante de homicídios brutais
e outras tragédias que abalam a sociedade, dificilmente nos enxergamos
naquela humanidade caída e geradora de morte ali exposta. No entanto, ali
está o retrato de nossa humanidade. Não somos especiais como pensamos
ser. Se não nos reconhecemos como pecadores miseráveis, a morte escan-
cara esta angustiante realidade diante de nós. Ela nos ensina que somos

1
THE SWELLESLEY REPORT. Wellesley High grads told: “You’re not special”. Disponível em:
<http://theswellesleyreport.com/2012/06/wellesley-high-grads-told-youre-not-special/>.
Acesso em: 30 abr. 2013.

123
IGREJA LUTERANA

mortais. Uma personagem do dramaturgo Samuel Beckett em Esperando


Godot descreve muito bem nossa existência ao dizer que “o nascimento
ocorre com um pé sobre a cova”. Assim que nascemos, começamos o
processo de morrer. Na origem deste processo está o pecado e não está
em nós o poder alterar este estado, pois em pecado fomos concebidos
(Sl 51.5). A perdição profunda do ser humano começou quando “entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou
a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12).
Contudo, se as palavras de São Paulo aos Romanos retratam o motivo
e a origem de nossa miséria, mais vigorosamente elas nos direcionam
para o dom gratuito de Deus em Cristo Jesus: “se, pela ofensa de um e
por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abun-
dância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só,
a saber, Jesus Cristo” (v. 17). Este dom da justificação, uma intervenção
de Deus extra nos, é que concede a vida eterna. A morte reinava absoluta
desde o primeiro Adão até que o segundo Adão venceu o poder arrogante
da morte e reina sobre tudo e todos, de modo que temos a promessa
segura de reinar com o nosso Rei agora e para sempre na vida eterna.
Com Cristo, já estamos nos lugares celestiais, embora reconheçamos que
não somos merecedores. Temos aqui, conforme Lutero articula, a síntese
da fé cristã como um saquinho com dois bolsinhos; “num deles, coloque-
se o seguinte artigo: cremos que pelo pecado de Adão estamos todos
corrompidos, somos pecadores e condenados, conforme Rm 5 e Sl 51.5.
No outro bolsinho, coloque-se o artigo de que todos somos redimidos por
meio de Jesus Cristo dessa natureza corrompida, pecaminosa e condenada,
conforme Rm 5.18s e Jo 3.16ss.” (OSel 7, 181).
Enquanto aguardamos o reinado com Cristo na eternidade, conti-
nuamos sendo pessoas decaídas que vivem em um mundo decaído. O
velho Adão dentro de nós continua a arrastar-nos de volta ao pecado.
Por isso, nossa vida é um contínuo retorno ao batismo, onde “o velho
Adão em nós, por contrição e arrependimento diários, deve ser afogado
e morrer com todos os pecados e maus desejos e, por sua vez, ressurgir
diariamente novo homem, que viva em justiça e pureza diante de Deus
eternamente” (Catecismo Menor, O Sacramento do Santo Batismo, IV).
O cristão considera “o batismo como sua vestimenta cotidiana, em que
sempre deve andar, para que em todo o tempo se encontre na fé em
seus frutos, a fim de subjugar o velho homem e crescer no novo”, de
forma que o perdão dos pecados obtido no batismo permanece todos
os dias de nossa vida, “enquanto arrastamos conosco o velho homem”
(OSel 7, 430).
A graça de Deus é uma realidade para os que agora vivem ingressus
in Christum e, por conseguinte, não se reconhecem especiais aos próprios

124
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA

olhos, podendo lidar com as realidades da vida, até mesmo confessar a


própria pecaminosidade, sabendo que o pecado e a morte não podem rei-
nar onde o reino de Cristo se encontra pela fé. Deus cumpriu a promessa
de enviar o descendente anunciado no protoevangelium. Jesus veio para
esse mundo para cuidar das necessidades de pessoas deste mundo. Por
isso vivemos uma nova vida, dada por Deus, visto que na justificação Deus
cria novamente. Não merecíamos nada, mas Deus nos deu demais, de
modo que não partilhamos apenas os sofrimentos de Cristo, mas também
a vida, a glória e o reino que lhe pertencem e agora são oferecidos a nós.
Podemos ter paz porque Deus nos buscou em nosso pecado. Nesta fé te-
mos tranquilidade na vida para tomar decisões e fazer aquelas coisas da
nossa vocação, porque Deus está cuidando de nós. Em Cristo, Deus nos
libertou de uma existência condenada e moribunda.
Este grande panorama da salvação da humanidade que São Paulo
descreve, toca a nossa própria existência, na medida em que enxergamos
a Cristo e a nós mesmos corretamente. Visto que em Cristo temos vida
assegurada em seu reino, damos graças por Deus nos manter numa zona
de conforto e bem-estar por muito tempo. Reconhecemos que esta con-
cessão é pura graça de Deus e não é o normal da vida. Por isso, diante dos
sofrimentos também encontramos consolo, pois reconhecemos que a vida
já foi conquistada por Cristo. O poeta inglês John Donne encontrava-se no
leito de enfermidade quando compôs seu último poema, intitulado “Hino
a Deus, meu Deus, em minha Enfermidade” e foi precisamente a obra do
segundo Adão que lhe deu o conforto que testemunhou nesta estrofe:

Creio que juntos o Calvário e o Paraíso,


A Cruz de Cristo e a árvore de Adão se achem.
Olha, Senhor, e vê em mim Adão e Cristo:
Se o suor do primeiro inunda a minha face,
Que o sangue do segundo a minha alma enlace.

Josemar da Silva Alves


São Leopoldo/RS
josemarbr@gmail.com

125
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA
Salmo 121; Gênesis 12.1-9; Romanos 4.1-8,13-17; João 3.1-17

CONTEXTO HISTÓRICO

Roma era a cidade para onde se dirigiam pessoas de todos os tipos.


Era o centro comercial, financeiro e político da época. Em Roma havia
um reduto judeu estimado em 40 a 50 mil pessoas, num universo de
aproximadamente um milhão de pessoas. Era uma comunidade judaica
representativa e influenciava na vida dos cristãos. Paulo chama muito
destes cristãos de fracos na fé (cap. 14) e demonstra preocupação com
o fortalecimento da fé deles.
Paulo escreve a carta aos Romanos com um forte caráter argumen-
tativo com o objetivo de rebater os cristãos-judeus que se agarravam às
tradições e levar argumento lógico para o povo de Roma. Esse povo estava
culturalmente acostumado com explicações lógicas, e Paulo se vale disso
em sua carta. Os romanos tratavam os deuses como parceiros e com
eles argumentavam como se o fizessem com outra pessoa. Ao argumen-
tar racionalmente, Paulo usa um tema familiar aos judeus para expor a
doutrina da justificação. Para os judeus, Abraão era um homem da Lei e
acreditavam que os méritos do “amigo de Deus” (cf. Tg 2.23; 2Cr 20.7; Is
41.8) podiam ser creditados aos seus descendentes até a presente data.
Esse ensino estava se infiltrando naquela igreja.
Paulo coloca judeus e gentios no mesmo balaio. Todos necessitam da
graça que é recebida por meio da fé em Jesus, a qual justifica a huma-
nidade. Pois, segundo a carne, todos estão sob o poder do pecado: “não
há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3.12). A observância
de certas leis não irá suprir a perfeição requerida por Deus, a qual só
Cristo nos dá.

CONTEXTO LITERÁRIO

O texto de Romanos, como um todo, é considerado a primeira ex-


posição teológica bem desenvolvida por um teólogo cristão que chegou
até nós. Paulo desenvolve em Romanos o tema da justificação pela fé.
A clareza com que o faz leva Lutero a dizer que “esta epístola é, sem
dúvida, o escrito mais importante do Novo Testamento e o mais puro
Evangelho” (LUTERO, 129). O texto, que é objeto deste estudo, é o
exemplo usado por Paulo para clarificar perante os olhos dos romanos
assuntos que lhes eram obscuros. Nele se usam duas figuras conhecidas
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA

dos judeus e que, talvez, fossem usadas pelos judaizantes como exem-
plos a serem seguidos, principalmente no que diz respeito à circuncisão
e obediência às leis.

CONTEXTO LITÚRGICO

O texto se insere no período da Quaresma – momento de reconhecer


a incapacidade de servir e agradar a Deus com os próprios atos, de mover
os olhos dos cristãos ao arrependimento, para que, assim, o amor de Deus
revelado na leitura do Evangelho (Jo 3.16) seja de fato relevante.
Deus já reconquistou o mundo. A obra em favor da humanidade já foi
cumprida, já foi imputada. Resta ao homem pecador ter esperança nesta
promessa, a qual Deus fez e faz por meio de sua Palavra.

O TEXTO

Vv. 1-3: O orgulho já foi excluído por Paulo versículos antes (3.27).
Abraão não tem de que se orgulhar perante Deus. As obras vieram depois
do crer (Gn 15.6). Paulo evoca a lei de Moisés e os profetas (Antigo Testa-
mento) para desenvolver seu argumento a respeito da fé que é imputada
em Abraão. A voz da Escritura é a voz de Deus; é nela que se pode ouvir
sua vontade e veredito, como descrito em Gênesis a respeito de Abraão,
não falando de suas obras, mas de sua fé.
A tradição rabínica usa o mesmo texto que fala a respeito da aceitação
(ou imputação) da justiça. Eles defendem a tese de que Abraão creu e
com isso tem o “mérito da fé”. Nesse caminho já é derrubada, de certa
forma, a justificação por obras. Mas ainda há a problemática a respeito
do “mérito da fé”. A salvação já foi conquistada para a humanidade, não
depende de fé, só podemos ter esperança na promessa (ou recusá-la).
Primeiro vem a Palavra de Jesus e depois a confiança.
Não são expostas as obras de Abraão, mas sua fé. Como diz
Franzmann:“Que mais podia fazer esse nômade sem filhos, que viveu
esperando, até cansar, pelo cumprimento da promessa de descendentes
e de uma terra?”. Além disso, Abraão é aquele medroso que entrega sua
própria esposa ao rei (Gn 20.2). Que boa obra ele tem para ser-lhe im-
putada a justiça?
Vv. 4-5: O trabalhador sempre aguarda, ao final de cada mês, o salário
merecido pelo trabalho desempenhado. Na lógica de Deus é diferente.
No final da vida, aquele que confia nas obras que fez e nelas coloca seu
coração, esse não receberá o salário que Deus tem reservado. Paulo está
apontando para a justificação. O homem não pode ser nada além de “ím-
pio” (ARA) e “culpado” (NTLH). “O que não trabalha, porém crê”. A lógica

127
IGREJA LUTERANA

humana se esvai. Como pode alguém receber algo pelo que não merece?
Essa é a loucura e o escândalo.
Onde há a “imputação” aí se pode ter confiança na Palavra, assim como
aconteceu com Abraão. O que legalmente e racionalmente é impossível,
Deus faz por graça. Abraão era alguém que não tinha exigência alguma a
fazer por causa de suas obras. Lutero chama atenção para isso:

Que fez Abraão com suas obras? Foi tudo em vão? Foram sem
proveito suas obras? E conclui que Abraão foi justificado sem
quaisquer obras, exclusivamente pela fé, sim [...] a obra da
circuncisão em nada contribuiu para a justiça, obra esta que
Deus lhe ordenou e que foi uma boa obra da obediência [...] a
circuncisão de Abraão foi um sinal exterior com que demonstrou
sua justiça na fé, assim todas as boas obras são apenas sinais
exteriores que resultam da fé e, como bons frutos, demonstram
que interiormente a pessoa já está justificada perante Deus
(LUTERO, v. 08, p.135).

Vv. 6-8: Paulo, seguindo a argumentação, cita o rei Davi, que confirma
o que diz a respeito da justiça, fé e obras. O homem, cujo pecado foi per-
doado por Deus, apenas recebe. Deus é quem age. É ele quem perdoa. Não
há no homem senão pecado e é de Deus que vem a imputação da justiça.
Isso faz com que haja o acolhimento de Deus ao homem pecador. Assim
como Cristo, que comia com os pecadores. Ele era a imputação da justiça
de Deus, a consequência de sua presença era a confiança ou rejeição.
A pessoa que reconhece seu pecado e é perdoada, essa não ficará sem
obras. Paulo cita o texto do Salmo 32 de Davi, que expressa sua felicidade
ao receber o perdão, respondendo com louvor e gratidão.
Vv. 9-12: Esse trecho é omitido na leitura trienal. O motivo provavel-
mente se dê por conta do assunto aqui tratado. Fazer com que a circuncisão
tenha relevância em nossa cultura exige muita explicação a respeito da
cultura judaica. Aqueles que escolherem essa perícope podem poupar o
povo desse assunto, dando ênfase ao que de fato interessa: a promessa
de Deus e o crer de Abraão.
Vv. 13-15: A promessa que Deus faz a Abraão não dependeu de seu
trabalho. Ele não tinha muito que oferecer a Deus. Foi “mediante a justiça
da fé” que Abraão creu na promessa que Deus havia feito, sendo assim
aceito por Deus, que lhe imputou a sua justiça. Assegurar pagamento ao
que trabalha já não será mais promessa. O que Deus exige em sua Lei
serve para mostrar o fracasso do homem. É nela que o homem tem o
“pleno conhecimento do pecado” (3.20).
Vv. 16-17: O fim da perícope neste ponto mostra que o texto chega
ao seu ápice. Os temas principais são apontados por Paulo. Fé, promes-
sa e graça – essas três constituem um trio indivisível. Somente quando

128
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA

uma pessoa desiste da tentativa de alcançar a Deus por meio de obras;


somente quando em fé permite que Deus faça tudo para chegar até ela;
somente então a poderosa promessa de Deus pode realizar sua obra da
graça, sua obra universal para todos os filhos crentes de Abraão (FRANZ-
MANN, p. 35).

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Deus nos aceita:


1. Assim como aceitou Abraão e Davi;
2. Assim também somos aceitos por Deus;
3. Assim também acolhemos pessoas para a comunhão.

BIBLIOGRAFIA

CARSON, Donald A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao


Novo Testamento. Tradução de Márcio L. Redondo. São Paulo: Vida
Nova, 1997.
FRAZMANN, Martin H. Carta aos Romanos. Porto Alegre: Concórdia,
1972.
LUTERO, Martinho. Obras selecionadas. São Leopoldo: Sinodal, 2003. v. 8

Juan Iurk Nogueira


São Leopoldo/RS
juaniurk@gmail.com

129
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA
Salmo 95.1-9; Êxodo 17.1-7; Romanos 5.1-8;
João 4.5-26 (27-30, 39-42)

CONTEXTO

O texto escolhido em Paulo faz parte do seu amplo discurso sobre o


estado/condição da humanidade diante de Deus. Após o texto que ficou
conhecidocomo o versículo da Reforma Protestante – 1.17, Paulo inicia
constatando a depravação da humanidade: não há nenhum justo, a ira
de Deus se revela contra todos: “Portanto, és indesculpável, ó homem,
quando julgas, quem quer que sejas; porque, no que julgas a outro, a ti
mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que condenas” (2.1).
Este é o primeiro ou antigo estado/condição, o homem sob a revelação
da ira de Deus (1.18-3.20), o que Paulo, a propósito, argumenta de tal
forma a ponto de não deixar dúvidas sobre a perdição e condenação total
da humanidade. Na segunda parte do discurso o apóstolo fala do novo
estado/condição: o homem sob a revelação da justiça de Deus. O Deus
que é justo revela a sua justiça para todos: Cristo e fé (3.21-4.25). Por
sua vez, todo o capítulo cinco – e especialmente o texto escolhido para
este auxílio – descreve a vida do homem sob a justiça de Deus.
Os textos estão colocados no tempo da Quaresma. Tempo litúrgico
onde se lembra a ação de Cristo, o seu sacrifício e sua morte vicária, o
seu caminho de sofrimentos, dores e angústias até a cruz do Calvário.
Isto é tudo que precisa ser lembrado. Porém, a história da igreja cristã no
mundo sempre foi e é uma história de luta contra influências erradas que
focalizam a ação humana. Esta também é a luta de Paulo em Romanos:
ensinar que o homem é salvo pela justiça de Cristo e não pela sua pró-
pria. Neste contexto quaresmal, onde por vezes se dá mais importância a
obras e aparências humanas, como o mostrar-se triste, o ato de reprimir
manifestações de alegria, o destaque e até imposição de uma falsa pie-
dade e demais coisas que geram hipocrisia e podam a liberdade cristã, é
imprescindível ouvir que a justificação é por fé e através de Jesus.
Neste sentido, os demais textos da perícope também falam do Deus
que age em favor do ser humano que não pode fazer nada e parece só
ver que ele próprio é o prejudicado da situação. O texto de Êxodo relata
as reclamações do povo de Israel e a solução vinda de Deus. O Salmo,
registrado também na Ordem das Matinas: Venite – convida o povo a vir
com ação de graças e conclui: “não endureçais o coração, como em Meribá
[...] no deserto, quando os vossos pais me tentaram, pondo-me à prova,
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

não obstante terem visto as minhas obras” (Sl 95.8-9). E o Evangelho é


a obra culminante de Deus, a solução que coloca no ser humano o novo
estado/condição da justiça divina: Cristo, a água da vida.

CONSIDERAÇÕES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM E PONTOS DE


CONTATO

V. 1: Dikaiwqe,ntej: declarar justo, reto, direito, honesto ou até mesmo


livre. O verbo, estando no passivo, exclui qualquer tentativa humana de
participar no processo e quando se refere a esta relação do pecador com
Deus, justificar significa uma sentença, um ato legal, o veredito pelo qual
a pessoa é declarada justa. Está envolvida a ideia de um julgamento onde
o juiz, ao invés de sentenciar culpa, declara inocência. Nota-se que há
neste versículo uma ordem estabelecida: 1º - Justificação pela fé; 2º - Paz
com Deus. Uma coisa não pode vir antes da outra e verdadeiramente a
segunda não existe sem a primeira. Somos aceitos pela obra de Cristo e,
então, por causa desta obra temos paz com Deus. É importantíssimo ver
que esta paz não é um simples “cessar fogo” entre duas partes que estão
em guerra, continuando assim as rixas e inimizades entre elas, mas a paz
mediante Cristo, que é nossa, é paz completa. Não é somente escapar da
punição divina, mas ter com Ele uma relação positiva e boa. Vale ressaltar
ainda que o substantivo di,kaioj (justo, reto, correto, honesto) era usado
no mundo greco-romano para designar aquele cidadão-modelo, que era
exemplo para as demais pessoas, por ser cumpridor da lei e equilibrado.
É desta mesma forma que os cristãos são vistos por Deus em Cristo.
V. 2: prosagwgh.n esch,kamen.. esth,kamen.. kaucw,meqa: acesso temos...
permanecemos...gloriamo-nos. A colocação destes três verbos dá uma
ideia de início, meio e fim. A Fórmula de Concórdia em sua Declaração
Sólida, artigo IV – Das boas obras, § 34, cita este versículo ao dizer que a
fé não somente no princípio apreende a justiça e a salvação, entregando,
depois, seu ofício às obras, mas que ela nos preserva não apenas a entrada
na graça, porém o ainda estarmos na graça e o nos gloriarmos na glória
futura. Paulo, portanto, atribui tudo somente à fé: o princípio, o meio e o
fim. Como já foi dito antes, nesse contexto de quaresma, onde por vezes
e erroneamente é focada a ação do homem, esta afirmação do apóstolo
se torna essencial. Nada se atribui ao ser humano, nem o crer: “pois pela
graça sois salvos, mediante a fé, e isso não vem de vós, é dom de Deus”
(Ef 2.8). kaucw,meqa ep’ elpi,di thj do,xhj tou qeou: gloriamo-nos na
esperança da glória de Deus. Aquela glória que foi perdida no paraíso: “pois
todos pecaram e estão privados da glória de Deus” (Rm 3.23) agora se
torna motivo de alegria, orgulho e esperança, pois em Cristo o ser humano
retorna a ter a justiça dada a Adão e Eva antes do pecado.

131
IGREJA LUTERANA

Vv. 3-5: h. qliyij katerga,zetai upomon h. de. upomonh. dokimh,,n h,, de.
dokimh, elpi,da: a aflição produz perseverança, a perseverança caráter, e o
caráter esperança. A velha natureza do homem tende a fazê-lo olhar para
estes versículos como comportamentos requeridos pela lei, como algo que
é necessário que os cristãos façam, estando eles em sofrimentos. Porém
Paulo não está fazendo uma lista de virtudes que os seus leitores deveriam
procurar alcançar por sua própria vontade, pelo contrário, estas coisas
são efeitos da obra do Espírito Santo na vida dos cristãos. Deus trabalha
e ajuda através dos sofrimentos e aflições. Ele ensina perseverança, de-
senvolve o caráter e dá a esperança. Mas como a aflição é transformada
por Deus de uma coisa ruim em uma coisa saudável e boa? A esperança
que provém da aflição não decepciona nem causa vergonha, porque ela
não é falsa ou infiel, mas é o próprio Deus que, através do Espírito Santo,
derrama o seu amor no coração do homem (v.5). Os versículos 3 e 4 por
vezes são lidos como um texto que esconde mais conteúdo do que pare-
ce ter, a ideia de que neles existe mais conhecimento do que aparenta,
como a ordem das coisas, o que dá origem a uma coisa e o que dá origem
a outra pode camuflar ou retirar a importante afirmação de que Deus é
um Deus presente no sofrimento, nas aflições. E que este sofrimento e
aflição, por sua vez, não são uma maldição ou castigos divinos, mas são
verdadeiramente uma bênção, pois empurram o homem para sua verda-
deira condição de dependência de Deus, dando-lhe a esperança da glória
celestial através do amor derramado em seu coração, especialmente visto
no sofrimento.
V. 6: o;ntwn hmwn asqenwn e;pi: sendo nós ainda fracos. O termo
grego descreve alguém que está afligido por alguma doença e que por
si só é completamente impotente contra ela. A palavra que dá origem a
asqenwn, asqeneia, que denota o estado de incapacidade para fazer, ser
ou experimentar alguma coisa: incapacidade, doença, fraqueza, limita-
ção. Cristo morreu pelos ímpios, ou seja, por aqueles que sozinhos são
incapazes de sair da situação em que se encontram, a doença que os
mantém fracos e limitados.
Vv. 7,8: Estes versículos apresentam um paradoxo, duas ideias que
são contrárias entre si. Uma que segue o raciocínio lógico humano e outra
que é completamente contrária ao senso comum. Nas relações humanas
o bem só é feito se houver dignidade no recebedor, ou ainda se este fizer
algo para motivar a parte que doa. É o que afirma o versículo sete ao usar
advérbios de dúvida para falar da iniciativa do ser humano em sacrificar-
se por outros: mo,lij tij apoqaneitai – dificilmente alguém morrerá;
eta,ca tij tolma apoqanein – talvez alguém ouse morrer. Nesta lógica
de troca o apóstolo então declara um “mas”, uma sentença que adverte
que o que vem adiante é completamente contrário a todo pensamento do

132
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

homem de retribuição e pagamento. Deus mostra ou realiza o seu amor


matando Cristo na cruz por pessoas que não merecem, por pecadores
que são incapazes de dar ou fazer algo em troca! Nesta ação de Deus,
impensável e incabível ao ser humano, é mostrado o próprio amor de dEle
para os pecadores, não existe dúvidas, mas é uma afirmação: Cristo.j
u`pe.r h,,mwn ape,qanen – Cristo por nós morreu.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Assunto: A paz que Deus cria entre Ele próprio e o ser humano através
e a partir da justificação na fé em Cristo.
Objetivo: Mostrar que a paz alcançada por Cristo e concedida ao
homem não é só o fim do castigo e condenação, mas a justificação é o
decreto divino que garante uma relação positiva de comunhão entre Deus
e o ser humano, sem necessidade de cumprimento de obrigações, tarefas
e preocupações, como se algo ainda precisasse ser feito.
Tema: A vida de liberdade que provém da justiça de Cristo.
Desdobramentos:
A paz concedida por Jesus é paz completa:
- Pois não depende do que fazemos e não traz exigências, nem rei-
vindicações.
- Pois é pela fé que dá o acesso à justiça, a permanência nela e o
futuro na glória de Deus.
- Sendo assim, os sofrimentos e aflições ditas por Paulo não são cas-
tigos para pecados cometidos, mas bênçãos que mostram o cuidado
de Deus, a dependência do ser humano e dão a esperança que não
decepciona e desanima, mas é prova do amor de Deus.
- O amor incompreensível e incabível: o justo pelo injusto, o reto pelo
pecador.

Marcos Daniel Weirich


São Leopoldo/RS
marcos_weirich@yahoo.com.br

133
QUARTO DOMINGO DA QUARESMA
Salmo 142; Isaías 42.14-21; Efésios 5.8-14;
João 9.1-41 ou João 9.1-7,13-17,34-39

LEITURAS DO DIA

Salmo 142: Este salmo é uma oração de Davi feita quando esteve
na caverna enquanto Saul o perseguia para matar. Através de sua leitura
podemos ver quão grande é o seu pesar. Davi está profundamente abati-
do e seu semblante parece não ser nada agradável. Então ele ora: “ergo
minha voz e clamo” (v. 2), “derramo perante ele a minha queixa” (v.3),
“ninguém que por mim se interesse” (v. 4), “tu és o meu refúgio” (v.5).
Diante de tais palavras percebe-se que Davi se sente sozinho, está
passando por uma situação de grande sofrimento e sem a ajuda de nin-
guém, “ninguém que por mim se interesse” (v. 4). Então pede ajuda a
Deus. Deus, no entanto, já sabia da situação dele antes mesmo de pedir
ajuda e conforta o seu coração (Salmo 57) enviando seus familiares até
onde se encontrava escondido: “Davi retirou-se dali e se refugiou na ca-
verna de Adulão; quando ouviram isso, seus irmãos e toda a casa de seu
pai desceram ali para ter com ele” (1Sm 22.1).
Vale ressaltar ainda que Davi não sofreu somente a perseguição de
Saul; outro cenário conhecido e digno de nota é o caso de Bate-Seba.
Natã o repreende com veemência e, diante de tal repreensão, Davi apenas
responde: “Pequei contra o Senhor. Disse Natã a Davi: também o Senhor
te perdoou o teu pecado; não morrerás” (2Sm 12.13).
Deus mostra a Davi o seu pecado, sua total dependência de Deus.
Deus mostra também a nós o que realmente somos. Não somos pessoas
diferentes de Davi porque não adulteramos, ou matamos, ou não fazemos
isso ou aquilo. A verdade é que diante de Deus todos estão numa situação
que por nós mesmos nada podemos fazer para nossa salvação. Apenas
reconhecer nossa total dependência de Deus. O que podia fazer Davi lá
na caverna, sendo perseguido por Saul? Levantar os olhos ao céu e dizer:
“tu és o meu refúgio” (v.5). Deus o ouve e, antes mesmo dele pedir ajuda,
Deus já estava enviando seus familiares até ele.
Este salmo é um belíssimo texto que ressalta como é grande o amor de
Deus para com os seus filhos, um Deus que vê e conhece o sofrimento de
cada um, suas dores, suas angústias e preocupações. Tudo isso tem sua
característica, o pecado, cujo salário é a morte. Essa é a nossa existência –
morte, pois vida só existe em Deus, no Seu Filho Jesus Cristo que foi levado
à morte por nós e, nós, por meio dele, voltamos da morte para a vida.
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA

A época da Quaresma nos convida a olhar para esse Deus, um Deus


que na pessoa de Jesus Cristo, o servo sofredor é o nosso refúgio em
quem encontramos perdão, consolo, um Deus que acolhe o necessitado,
o aflito e abatido que clama e reconhece que necessita de ajuda.
Isaías 42.14-21: O texto da perícope do dia é antecedido pelo anúncio
do Servo do Senhor e seus atos salvíficos. O capítulo 42 de Isaías traz o
primeiro dos quatro cânticos do Servo do Senhor. Cristo Jesus é Servo.
Tudo aponta para Cristo desde a criação do mundo. Fora de Cristo nada
tem valor, pois ele sustenta o mundo e tudo o que existe. Este é o Servo
do Senhor “a quem sustento” (v. 1).
E Deus continua dizendo: “o meu escolhido”. É Deus quem escolhe!
Isso difere da visão humana. Olhando para o povo de Israel, foi o próprio
Deus quem escolheu, não foi porque mereciam. O Escolhido é Cristo. A
luz é Cristo.
Dentro desse contexto do cap. 42, o Servo do Senhor, é que podemos
entender a perícope de hoje (42.14-21). O Servo do Senhor é que abre os
olhos aos cegos. Aqui temos a ação de Deus que abre nossos olhos e nos
tira das trevas. A ação vem de fora, não está em nós, mas em Deus, em
Seu Escolhido, o Seu Servo a quem sustenta. Nós estamos nas trevas. Se
Deus não agir, há perdição, pois por nós mesmos nada podemos fazer. Em
nós há morte, condenação. No entanto, Deus nos tira dessa morte e abre
nossos olhos para ver por causa de Seu Filho Jesus Cristo, Seu Escolhido.
Assim, apenas Deus transforma a escuridão em luz e faz ouvir os surdos
e os cegos enxergarem.
João 9.1-41: Podemos associar esta perícope com a declaração de Je-
sus no contexto anterior: “Eu sou a luz do mundo” (12.8). Agora Jesus dá
visão a um cego de nascimento. O texto começa dizendo que Jesus estava
caminhando. Esta cena acontece fora do Templo. Enquanto caminhava, viu
um cego de nascença (v.1). Interessante a destacar é a pergunta dos discí-
pulos: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?”
(v.2). Segundo a concepção judaica e farisaica, a desgraça é resultado de
algum tipo de pecado, que Deus castiga proporcionalmente à gravidade do
pecado. Jesus, porém, responde: “nem ele pecou, nem seus pais; mas foi
para que se manifestem nele as obras de Deus” (v.3). Não é uma doença
específica que caracteriza alguém como pecador, pois nesta situação todos
nós estamos: “em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5).
Este homem que desperta a atenção de Jesus é um cego de nascença.
Jesus cura sua visão. No contexto de Isaías também vemos que o Servo
do Senhor é o enviado para abrir os olhos aos cegos. Este Servo é Jesus
Cristo. O próprio Deus abre os olhos desse homem para que possa ver. O
Servo do Senhor não somente traz visão, luz à vida humana, como também
se compadece com a realidade física daquele homem cego.

135
IGREJA LUTERANA

O texto nos diz que foi Jesus quem viu o homem cego, não que este
o procurara para ser curado. É interessante notar que nestas palavras
que, a princípio, parecem ser tão simples, desponta a compaixão de Je-
sus para com o ser humano. Um Deus que vê o sofrimento do seu povo,
que sofre junto. Esse mesmo Deus é aquele que dá a luz ao mundo, na
pessoa de Cristo.
A ênfase que o texto permite apontar também é o fato de que Jesus
não apenas cura a cegueira física, mas ele próprio aponta a si mesmo
como aquele que tira as pessoas da escuridão, das trevas do pecado e
mostra a luz, que é ele próprio.

TEXTO PARA O SERMÃO: EFÉSIOS 5.8-14

A epístola de hoje, bem como as demais leituras, remetem ao tema


de trevas e luz, cegueira e visão espiritual. Cristo, que é a luz do mun-
do, mostra a verdadeira natureza dos fariseus (bem como a de todos os
seres humanos) – pessoas que veem, mas são cegas e não entendem o
que Deus lhes mostra (Is 42.18,20). Deus quer nos curar da cegueira.
Primeiramente ele mostra nossa verdadeira natureza, “cegos, trevas”, ou
seja, por nós mesmos somos incapazes de ver o que quer nos ensinar.
Até podemos ver, mas somos incapazes de reconhecer.
Dentro do contexto do capítulo 5, Paulo faz um alerta a respeito das
consequências do pecado que o povo vinha cometendo. No entanto, Paulo
os adverte para que “ninguém os engane com palavras vãs” (v.6). É de se
notar que havia falsos ensinamentos dentre o povo. Isso nos remete também
ao primeiro mandamento: “Não terás outros deuses diante de mim”.
Assim, nas palavras de Paulo podemos perceber que ele faz um alerta
sobre a existência de Deus e a devida honra a ser dada somente a Ele.
Portanto, não há outro Deus a não ser o Deus que se apresenta a nós
através de sua Palavra e sacramentos, e não existe salvação fora desse
único e verdadeiro Deus.
A preocupação de Paulo para com o povo é de que não se deixe levar
pelos falsos ensinamentos. Dessa forma, a partir do v. 8 Paulo esclarece o
motivo pelo qual não se deve seguir os falsos ensinamentos. Nas palavras
do apóstolo, podemos ver que o ser humano nada mais é do que “trevas”,
“mundo de escuridão”. O viver nas trevas aponta que somos pecadores
e estamos afastados do nosso Criador, único e verdadeiro Deus. Esta é a
real situação de todos nós.
Já na segunda parte do v.8, Paulo diz: nu/n de. – Mas agora [sois] luz
no Senhor; andai como filhos da luz”. Por causa do Servo do Senhor, des-
crito por Isaías, é que o ser humano é tirado das trevas para a luz. É Ele
(Jesus) quem faz a luz brilhar em meio à escuridão do pecado.

136
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA

Por isso a pergunta dos discípulos: “Mestre, quem pecou, este ou seus
pais, para que nascesse cego?” (Jo 9.2). Paulo responde aqui que nem ele
nem os pais, porque pecado é pecado em todos nós e dignidade é aquela
que Deus nos dá. Quando Jesus vê o cego e vai em direção a ele, tira dele
a indignidade na qual está, condenado pelos fariseus, pecador, e Deus o
acolhe na sua dignidade divina.
Dessa forma é que podemos entender a pergunta dos discípulos. “Quem
pecou, ele ou os pais?... Nem ele nem os pais”, diz Jesus (Jo 9.2,3). O
pecado vive em nós, entretanto, se não o cometemos é porque Deus nos
livra, nos cobre com seu amor; por sua misericórdia Ele nos protege, não
nos deixa cair em tentação, nos livra do mal.
Jesus, a luz do mundo, quer nos ensinar a primeiramente reconhecer
pecado como pecado. Todos são pecadores. Mas ele quer também nos
ensinar a reconhecer nosso pecado, confessar nosso pecado, reconhecendo
a justiça como dom de Deus. Se somos justos é porque Deus nos justifica;
se somos dignos, é Deus que nos dignifica; se somos honrados, da mesma
forma também é Deus que nos dá a honra. Nada vem de nós, tudo o que
temos e somos é por causa da misericórdia de Deus.
Esse é o movimento que a Luz (Jesus) cria em nós: primeiro ela aponta
o que realmente somos, pecadores, indignos diante de Deus. Ao mesmo
tempo também nos convida a confessar que a dignidade que temos é a
dignidade que Deus nos dá por causa de seu Servo, Jesus, a Luz do mundo.
É no Servo do Senhor que temos luz.
No entanto, quem pode aceitar essas palavras? Quem consegue ouvir
tais palavras? Somente aqueles que se encontram perdidos e desesperados
em seus pecados e culpas, os aflitos a quem esta Luz (Jesus) é apresen-
tada. Os que são justos aos seus próprios olhos e praticam sua própria
justiça têm dificuldades em aceitar e reconhecer a necessidade de perdão
e compaixão.
A quaresma, entretanto, nos convida a olhar para a cruz e ver um
Deus que acolhe o seu povo. Jesus se identifica como a luz do mundo que
vai ao encontro dos perdidos, dos afastados, os de longe e leva até eles
a misericórdia e o amor de Deus.
Somos convidados por Deus a dar atenção às suas palavras, a viver
uma vida de gratidão a Ele por tudo o que tem feito por nós. Jesus é a
luz do mundo que brilha em meio às “trevas” do pecado, que cura, que
perdoa e dá a vida eterna aos que creem em suas palavras.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Por causa do nosso pecado, somos trevas e estamos afastados de Deus.


Essa é a real situação do ser humano: “mortos em delitos e pecados” (Ef

137
IGREJA LUTERANA

2.1). Mas Deus tem compaixão do seu povo e lhe envia o seu servo, Cristo
Jesus, o qual paga o preço dos pecados e os tira das trevas. Agora somos
filhos amados de Deus e somos convidados a ter uma vida de gratidão
a ele, pois Cristo é a luz do mundo. É ele quem abre os olhos aos cegos
para ver e nos mostra que ele está no comando de tudo. Ele cuida de cada
um de nós também. Ele abre nossos olhos para ver e mostra que nossa
vida está em suas mãos e dele dependemos inteiramente, pois tudo o que
temos e somos vem dele, por causa de Cristo, nossa Luz.

Tema: Em Cristo temos Luz no Senhor.

Marcos Reinicke
São Leopoldo/RS
marcosreinicke@gmail.com

138
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA – JUDICA
Salmo 130; Ezequiel 37.1-14; Romanos 8.1-11; João 11.1-53

ASSUNTO DAS LEITURAS BÍBLICAS

Salmo 130: Este cântico mostra a situação do ser humano diante de


Deus. Das profundezas clama ao Senhor (v.1). Para que ele possa sair das
profundezas, confessa que, se Deus olhar para o pecado humano, ninguém
seria salvo (v.2). Porém o cântico aponta para o perdão de Deus (vv.4,5).
E é por este perdão que o povo de Israel espera e aguarda (v.5), anseia
(v.6) pela sua misericórdia e redenção (v.7). Pois Deus perdoa todos os
pecados (v.8). Um cântico que expressa “a espera” do povo de Israel para
a salvação prometida por Deus, o Messias-Salvador dos seus pecados.
Ezequiel 37. 1-14: O vale dos ossos secos da visão de Ezequiel mostra
a realidade do povo que está no cativeiro babilônico. Somente Deus pode
dar-lhes vida e liberdade. Essa visão em Ezequiel marca a passagem das
mensagens de juízo para o anúncio de uma nova esperança, uma nova vida
(v.14) para um povo que dizia estar sem esperança e sem futuro (v.11).
Romanos 8. 1-11: Paulo enfatiza o fato de o ser humano em Cristo
estar livre da lei do pecado e da morte (v.2) e ter uma nova vida, vida
eterna e paz (v.6) pela direção do Espírito Santo.
João 11. 1-53: Jesus ressuscita Lázaro, mostrando que ele é o Messias
prometido por Deus, a nova esperança profetizada pelo profeta Ezequiel.
Ele prometeu dar uma nova vida para os seus, dizendo: “Eu sou a ressur-
reição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (v.25).

CONTEXTO LITÚRGICO E HISTÓRICO

O nome do Quinto Domingo na Quaresma é Judica. Palavra inicial


na língua latina do intróito –Salmo 43. 1: “Faze-me justiça...”. Os textos
bíblicos apontam para a justiça divina. O salmista espera a justiça e
misericórdia divinas. O profeta recebe a visão dos ossos secos onde Deus
fará justiça a seu povo que sofre no exílio babilônico. Jesus ressuscita
Lázaro, sendo este o seu último e maior sinal, levando as autoridades a
planejarem sua morte que se aproxima com o próximo Domingo (Domingo
de Ramos), o qual abre a Semana Santa no calendário litúrgico. O plano
dos fariseus de matar Jesus estava designado por Deus, pois “Deus fez
isso para que as ordens justas da lei pudessem ser cumpridas por nós”
(Rm 8.4 NTLH).
IGREJA LUTERANA

Sugestão de Hino: 349 do Hinário Luterano, “Das profundezas clamo,


ó Deus”, escrito por Martinho Lutero no ano de 1524 e baseado no Salmo
130. Traduzido por Martinho Lutero Hasse.

CONTEXTO

A carta aos Romanos divide-se em duas partes principais: a primeira é


doutrinária, onde Paulo estabelece conceitos doutrinários (1.16 - 11.36);
a segunda possui um caráter mais aplicativo, onde Paulo aplica os con-
ceitos estabelecidos na primeira parte (12.1-15.13). A perícope de hoje
se encontra na primeira parte.
O tema da carta é anunciado em Romanos 1.16,17: “Pois não me
envergonho do evangelho porque é o poder de Deus para a salvação de
todo o que nele crê [...] visto que a justiça de Deus se revela no evangelho
de fé em fé, como está escrito: o justo viverá por fé” (ARA).
No cap. 1 da carta aos Romanos, Paulo repreende os pecados grosseiros
e a falta de fé. No cap. 2 ele repreende também aqueles que exteriormente
parecem retos, porém, pecam às ocultas. No cap. 3 faz de ambos um bolo e
diz que todos são pecadores diante de Deus: “Não há justo, nem um sequer”
(Rm 3.10). No cap. 4, contra a graça barata, Paulo cita o exemplo de Abraão
para mostrar que antes da obra da circuncisão Abraão teria sido justificado
exclusivamente pela sua fé (Gn 15.16). No cap. 5, ele fala da justificação
mediante a fé em Cristo e das obras e frutos da fé que são: paz, alegria,
amor, bem como segurança, esperança no amor e no sofrimento.
Os capítulos 6, 7 e 8 são uma unidade, pois têm por alvo a obra da fé:
matar o velho Adão e subjugar a carne. O homem é libertado do pecado
(cap. 6) por isso não há de pecar para que a graça seja mais abundante
(5.20; 6. 1-2,15). O homem é libertado da Lei (cap.7) citando um exemplo
da vida matrimonial. Quando morre o marido, a mulher está realmente livre
para tomar outro. Assim a nossa consciência (velho homem) está presa à
lei e estará livre pelo Espírito quando este velho homem é morto. Em se-
guida ele mostra como o Espírito e a carne lutam entre si numa pessoa. O
homem é libertado da morte (cap. 8). Há consolo a esses lutadores para que
não condenem a carne, mas que se consolem pelo Espírito que amortece a
carne e nos assegura que ainda somos filhos de Deus, pois o Espírito “que
ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo
mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita” (Rm 8. 11b ARA).

TEXTO – MEDITAÇÃO PRÁTICA/PONTOS DE CONTATO

Segundo Lutero, ao estudar a carta aos Romanos temos que inteirar-


nos da linguagem e saber o que Paulo quer dizer com estas palavras: lei,

140
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA - JUDICA

pecado, graça, fé, justiça, carne, espírito, e similares. No texto de Ro-


manos 8. 1-11 os termos que mais aparecem são πνεῦμα “Espírito” (11
vezes) e σάρξ “carne” (10 vezes). Segue a designação de Lutero desses
dois termos:
Carne e Espírito não se deve entender aqui como se carne fosse apenas
aquilo que se refere à impudicícia, e espírito, o que tange à interioridade
do coração. Carne é a pessoa inteira, com corpo e alma, razão e todos os
sentidos. É uma pessoa que interior e exteriormente vive e atua de forma
a servir o proveito da carne e à vida temporal. Espírito seria aquele que
interior e exteriormente (pessoa inteira) vive e atua de forma a servir ao
Espírito e à vida futura.
V. 1: ἄρα νῦν – “Agora, pois”. Indica uma nova realidade. A prepo-
sição ἄρα indica resultado. (“Agora”, evento escatológico inaugurado).
Paulo diz que verificou que a Lei se me tornou para a morte (Rm 7.10).
A Lei, na verdade, é boa (Rm 7.7,8), mas ele via outra lei guerreando
contra a lei da sua mente. E essa lei o fazia prisioneiro da lei do pecado
que estava nele (Rm 7. 23). Agora, pois, “nenhuma” Οὐδὲν “condenação”,
“punição” κατάκριμα. Melanchthon lembra-nos do “simultaneamente justo
e pecador”, pois não diz que não há nenhum pecado no ser humano, mas
nenhuma condenação. Não há razão por que os que estão em “Cristo Je-
sus” devam continuar fazendo trabalhos forçados penais, como se nunca
tivessem sido libertados da prisão do pecado. ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ – “Em
Cristo Jesus”. Aqui está a descrição da nova realidade onde o ser humano
recebe gratuitamente a liberdade pela fé em Cristo. Importante ressaltar
que essa nova ordem começa no santo batismo “em Cristo” – em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
V. 2: Paulo se diz prisioneiro da lei do pecado (Rm 7.23). Mas agora,
nenhuma condenação, punição há para os que estão em Cristo Jesus. Por
que não há mais condenação? O versículo 2 responde: γὰρ – conjunção
que expressa causa ou razão. “Porque, por isso, pois” a lei do Espírito
da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte”. Essa é
a nova realidade apresentada por Paulo. O que antes era prisioneiro da
lei do pecado, agora é livre pela lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus
(Rm 8.2), não somente da lei do pecado, mas também da lei da morte.
“Porque o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). (Notar o contraste de
prisioneiro e livre).
V. 3: “Porquanto o que fora impossível à lei”, a saber, tornar o ser hu-
mano livre do pecado e da morte. Porque era ἠσθένει (fraca) a σαρκός
(carne, natureza humana, ser humano por completo). “Deus fez envian-
do seu Filho ἐν ὁμοιώματι σαρκὸς ἁμαρτίας – em semelhança de carne
pecaminosa. Paulo diz “em semelhança” em vez de somente “em carne
pecaminosa” para não implicar que nele havia pecado, como Paulo também

141
IGREJA LUTERANA

disse: “Ele não conheceu pecado” (2 Co 5.21). Por outro lado, temos que
tomar cuidado para não sermos docetistas e dizer que Jesus teve um corpo
diferente de nós. É neste seu Filho em semelhança de carne pecaminosa,
onde foi punido o pecado, condenado por Deus. Sendo assim, “se na carne
de Jesus foi punido, condenado o pecado por Deus” (v.3) “agora, nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus (v.1).
V. 4: ἵνα – conjunção denotando propósito: “a fim de que, para que”
a exigência da lei se cumprisse em nós. Verbo πληρωθῇ na voz passiva
–“fosse cumprida, completada” em nós. A exigência da lei foi cumprida
em nós passivamente e em Cristo ativamente. Agora a Lei se cumpre
em nós pela fé por causa de Cristo. “Que andamos não segundo a carne,
mas segundo o Espírito” que foi dado a nós. Ele aperfeiçoa a justiça por
completo em nós. Somos justificados pela fé em Cristo, e essa justiça de
Cristo em nós nos santifica por completo corpo e alma.
Vv. 5-8 formam uma seção. Podemos chamá-la de “seção da carne”.
“Os que se inclinam para a carne cogitam das coisas da carne (v.5) e o
seu pendor (da carne) dá para a morte (v.6). Por isso o pendor da carne é
inimizade contra Deus (v.7). E os que estão na carne não podem agradar a
Deus” (v.8). Os que se inclinam para a carne são aqueles que interiormente
e exteriormente vivem e atuam de forma a servir o proveito da carne e à
vida temporal (ver acima conceito de ”carne” de Lutero). Estar na carne
é exatamente não confiar em Cristo e cair nos extremos de procurar uma
autojustificação pelas obras meritórias ou no caminho da libertinagem
(graça barata). Os que não confiam na justiça de Cristo, e sim, na justiça
própria (da carne) ou na libertinagem não podem agradar a Deus.
Vv. 9-11 formam outra seção que podemos chamar de “seção do
Espírito”. “O pendor do Espírito dá para a vida e paz” (v.6). O Espírito de
Deus – πνεῦμα θεοῦ – habita em vós, e se alguém não tem o Espírito de
Cristo – πνεῦμα Χριστοῦ – esse tal não é dele (v.8). Se Cristo está em
vós, o corpo está morto para o pecado, mas o Espírito é vida, por causa
da justiça” (v.10).
O Espírito (é) vida por causa da justiça – πνεῦμα ζωὴ διὰ δικαιοσύνην.
Todo este contraste entre a “seção da carne” onde o seu pendor é morte,
inimizade contra Deus, não agradar a Deus, com a “seção do Espírito”,
onde seu pendor é vida e paz, vida no Espírito de Cristo – tudo isso se
dá por causa da justiça de Cristo, onde a vida do cristão já é agradável a
Deus. Confia-se na justiça humana e estará na “seção da carne”, confia-se
na justiça de Cristo e estará na “seção do Espírito”.
O fechamento da perícope diz que o Espírito que ressuscitou (ἐγείρω)
Jesus dentre os mortos, vivificará (ζῳοποιέω) o vosso corpo mortal por
meio do Espírito, que em vós habita (ἐνοικέω – v.11). Paulo usa verbos
diferentes para falar da ressurreição de Jesus e da vivificação do vosso

142
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA - JUDICA

corpo mortal. Assim como o texto inicia com um evento escatológico


inaugurado (“agora”, v. 1) da mesma forma termina com este evento es-
catológico inaugurado. O corpo mortal será vivificado, ainda que morto por
causa do pecado (v.10), mas, já agora está vivo por causa da justiça de
Cristo (v.10). Aqueles em que habita o Espírito já não estão mais mortos
no pecado, apesar de ainda pecarem. Porém “vivificados” pelo Espírito
que ressuscitou Jesus dos mortos.

SUGESTÕES HOMILÉTICAS – ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA

Assunto: Justiça divina (ver acima)


Objetivo: Falar do dualismo: Espírito x Carne; Justiça Divina revelada
no Evangelho x “Justiça Humana” na tentativa do cumprimento da lei.
Prisioneiro do pecado x Livre em Cristo.
Tema: Jesus é a nossa justiça.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.


BÍBLIA DE ESTUDO NTLH. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005.
BRUCE, F.F. Romanos: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1981.
FRANZMANN, Martin. A Carta aos Romanos. Porto Alegre: Casa Publicadora
Concórdia, 1972.
GINGRICH, F. Wilbur. Léxico do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1984.
GOERL, Otto. Púlpito – Est. Homiléticos. Quaresma V. 3. Porto Alegre:
Concórdia Editora, 1983.
HINÁRIO LUTERANO. Porto Alegre: Editora Concórdia, 2010.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Vol. 8. Porto Alegre: Editora
Concórdia, 2003.
MELANCHTHON, Philip. Commentary on Romans. Saint Louis: Concordia
Publishing House, 1992.
MORRIS, Leon. The Epistle to the Romans. Michigan: Grand Rapids, 1988.
ROLL, Elmer A. Tradutor. Comentários Bíblicos. Porto Alegre: Concórdia
Editora, 1988.
SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento Interlinear Grego-Português. São
Paulo: SBB, 2004.

Maxwell Roberto Thonn


São Leopoldo/RS
maxwell.r10@hotmail.com

143
DOMINGO DE RAMOS
DOMINGO DA PAIXÃO
Salmo 118.19-29 ou Salmo 31.9-16; Isaías 50.4-9a;
Filipenses 2.5-11; Mateus 26.1-27.66 ou Mateus 27.11-66
[ou Mateus 21.1-11] ou João 12.20-43

CENÁRIO LITÚRGICO

Início do período litúrgico da Semana Santa, onde temos no Domingo


de Ramos um grande contraste entre a grande exaltação da parte do povo
a Jesus e o caminhar de Jesus para a cruz. A exaltação e a humilhação de
Jesus andam lado a lado. Para nós um ato redentor. Para Jesus a entrega
ao martírio. Dentro da tradição da Igreja, um dia festivo, onde acontece o
reconhecimento do ministério de Jesus, suscitando a declaração: “Hosana
ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas
maiores alturas!” (Mt 21.9).

CONTEXTO LITERÁRIO

A ênfase de Paulo nesta carta está intimamente ligada à necessidade


de unidade e humildade na congregação de Filipos. Paulo os exorta a favor
da necessidade de harmonia dentro da igreja (Fl 2.1-4), mostrando-lhes
que, por estarem unidos a Cristo, eles são fortes e o amor de Cristo os
capacita a também serem bondosos e misericordiosos uns para com os
outros (v. 1). No versículo 3, Paulo desenvolve a importância da humil-
dade, dizendo: “Para que não façam nada por interesse pessoal ou para
receberem elogios, ou com o intuito de serem exaltados perante a comu-
nidade, mas que sejam humildes considerando o próximo superior a si
mesmo”. Também no versículo 4 diz: “que ninguém procure somente os
seus próprios interesses, mas também os dos outros”. É neste contexto
da carta aos filipenses que Paulo desenvolve os conceitos de humildade
e igualdade (Fl 2.5-11).

TEXTO

Paulo, discutindo sobre a liberdade cristã, se utiliza do poema que dos


vv. 6-8 mostra até que ponto Jesus se humilhou, e de 9-11 como Deus o
exaltou até o nível mais alto. Tudo para criar o sentido de humildade, a
qual gera a unidade da igreja.
DOMINGO DE RAMOS - DOMINGO DA PAIXÃO

Para chegar à unidade é preciso estabelecer um ponto de contato, e


Jesus Cristo é este ponto, por isso inicia dizendo: “Tende em vós o mesmo
sentimento que houve em Cristo Jesus” (Fp 2.5). E após estabelecer este
ponto, usa de um hino para expressar qual é este sentimento.
O sentimento é a total abnegação do orgulho. Jesus evke,nwsen (v.7),
isto é, se esvaziou não de sua divindade, mas se esvaziou do ganho
pessoal desta manifestação. O verbo está no ativo, revelando que não
foi algo imposto, mas o próprio Cristo escolheu assumir esta forma. E a
consequência desta ação é que abnegando a sua vontade tornou-se um
escravo (dou,lou), demonstração máxima de serviço, onde não vale a sua
própria vontade, mas o benefício daquele a quem se serve.
Mas o interessante é que, apesar disso, ele não deixa de ser Deus, a
humildade não afeta a sua integridade tanto que se usa o termo sch,mati
(v.7), que é apenas para uma aparência exterior, usada para descrever
o rei que mudava a sua roupa real por uma roupa de pano de saco. A
aparência de um ser humano, que assume a função de escravo, mas que
na realidade é o próprio Deus eterno.
E este servir é levado até as últimas consequências, a morte. A obra
de Cristo se resume no: “eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância” (Jo 10.10). Para a realização de tal obra se sujeita não a uma
morte comum, mas a uma morte destinada a escravos, a crucificação.
Assim o seu servir é o de ser o sacrifício que nos reaproxima de Deus:
“Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacri-
fício a Deus, em aroma suave” (Ef 5.2).
Agora, a partir do v. 9, começa a exaltação de Cristo. Enquanto na
humilhação Jesus foi o ativo, na exaltação ele é o passivo, Deus o exalta.
Na verdade, agora acontece a restituição da dignidade e os reconhecimen-
tos anteriormente abdicados. E nesta exaltação há um reconhecimento
público dos seus atributos. Destes, o maior de todos: carregar o nome de
Deus, que significa ser a própria manifestação da divindade. Assim um dia
todos irão confessar, seja alegre e voluntariamente ou involuntariamente,
que Jesus de Nazaré é o exaltado "Senhor de todos", não só como Deus,
mas também como homem (cf. Ef 1.21,22). E até a sua própria obra e a
sua exaltação não são para si, mas tudo isto será "para a glória de Deus
Pai" (v.11).

COMENTÁRIO

A obra de Cristo foi exclusivamente em favor de nós. O seu servir foi


até as últimas consequências, que é o morrer em favor do outro. Jesus
não foi servido, mas serviu. É importante olhar para este aspecto quando
iremos adentrar a semana santa, na qual acompanharemos os eventos da

145
IGREJA LUTERANA

vida de Cristo. Ele veio para exaltar os humildes (Lc 1.52). Ele foi como
escravo ao encontro dos sofredores, que eram humilhados e considerados
indignos.
No fim podemos dizer que “Aquele que não conheceu pecado, ele
o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”
(2Co 5.21). Em aspectos práticos, para salvar a todos os que estão a
sofrer neste mundo, ele teve que se humilhar ao máximo para alcançar
o pecador. Jesus se humilha para poder ir ao encontro de todos os que
estão perdidos.
Paulo quer tratar o problema da igreja ao se referir a Cristo. A igreja
deve se lembrar de que tem por objetivo servir, servir a todos os que estão
a sofrer, para que assim as pessoas, em meio aos seus sofrimentos, possam
encontrar Cristo, o qual exaltará o humilde, dando-lhe o perdão.
Portanto, devemos controlar o nosso orgulho, pois não fizemos nada
para alcançar a salvação: esta foi obra exclusiva de Cristo Jesus. Além
do que, o orgulho e a vontade própria impedem a igreja de servir ao
necessitado.

SUGESTÕES DE USO HOMILÉTICO

Problema: O orgulho dificulta a igreja em servir ao perdido e humi-


lhado.
Objetivo: Conduzir o ouvinte a meditar sobre o real objetivo da igreja,
o qual é conduzir o sofredor ao conforto de Cristo.
Tema: Jesus desce ao encontro do humilhado.
Transição: Diante de Cristo que se humilha:
1. Reconheçamos o orgulho que se adere à natureza humana.
2. Reflitamos sobre nós e o serviço que Cristo nos presta.
3. Reflitamos sobre outro serviço de Cristo que nos dignifica.

Rafael Schultz
São Leopoldo/RS
rafaelschultz205@hotmail.com

146
QUINTA-FEIRA SANTA
Salmo 116.12-19; Êxodo 24.3-11; Hebreus 9.11-22; Mateus 26.17-30

CONTEXTO

Como sequência ao que foi tratado na primeira metade do capítulo,


pode-se dizer que essa seção trata do “santuário celestial” e de suas
“regulamentações para a adoração”. Jesus Cristo é o sumo sacerdote
que subiu e sentou no Santo dos Santos no domínio celestial (v.12). Pelo
sangue que derramou na cruz, ele obteve eterna redenção para aqueles
que confiam nele.
Agora, isso significa que a nossa consciência pode ser purificada da
corrupção do pecado e nós podemos adorar de forma adequada e servir
ao Deus vivo (vv.12-14). No final das contas, o sacrifício de Cristo torna
possível que aqueles que têm sido chamados também recebam a promessa
da eterna herança (v.15). Assim o derramamento do seu sangue inaugura
a nova aliança, com promessa do perdão "uma vez por todas" e decisivo
dos pecados (vv.16-22).

LEITURAS DO DIA

Salmo 116.11-19: O salmista usa uma linguagem de retribuição


pelos benefícios recebidos do SENHOR. “Que darei ao SENHOR?” O que
podemos concluir? Nada do que fizermos poderá pagar algo que o próprio
SENHOR pagou em Cristo. Podemos, sim, em retribuição à bondade do
SENHOR, usufruir dela mais e mais. O “cálice” representa aqui um presente
de “salvação”, completa salvação.
Temos nesse Salmo um vínculo tríplice na definição de servo: serviço
escravo pessoal (servo), serviço escravo hereditário (Êx 21.4) e a servidão
voluntária do escravo liberto que ama o seu Senhor e não quer ir embora
(Êx 21. 5,6). A menção do testemunho público.
Êxodo 24.3-11: A ratificação da aliança. Depois de descer da mon-
tanha, Moisés transmitiu ao povo as palavras de Deus. Uma vez mais os
israelitas expressaram sua disposição de fazer tudo o que Deus ordenava.
Em seguida, temos um breve relato da cerimônia que ratificou a aliança
entre o Senhor e Israel (vv.4-11). Assim Moisés os fez lembrar tanto de
como deviam viver como povo santo de Deus quanto da natureza recí-
proca da própria aliança. Depois de os israelitas tornarem a reconhecer
seu desejo de obedecerem a Deus (v.7), selou-se a aliança mediante a
aspersão de sangue no povo (v.8). Por fim, o convite divino para Moisés
IGREJA LUTERANA

e os anciãos subirem a montanha foi aceito, e isso teve como resultado


uma notável visão da glória divina (vv.9-11).
Mateus 26.17-30: A ceia do Senhor. Esse acontecimento da cele-
bração da Páscoa após esse momento passou a ter um novo significado em
virtude da morte e ressurreição de Jesus. Nesse acontecimento pela pri-
meira vez Jesus traz a ideia chocante de que “um dentre vós me trairá”.
Essa perícope é especialmente marcante pelo fato de Jesus instituir a
Santa Ceia usando o pão e o vinho da ceia da Páscoa como recursos visuais
para explicar o significado de sua morte. Se o pão partido representava
seu corpo, não restava dúvida quanto à realidade de sua morte iminente.
Entretanto, ao dizer a eles que comessem (“tomai, comei”) daquele pão,
ele indicou que em certo sentido eles estavam envolvidos em sua morte. As
palavras sobre o cálice deixaram a questão ainda mais clara, uma vez que
o seu sangue deveria ser derramado por muitos, para remissão de pecados.
Essas palavras evocam expressões de Isaías 53.10-12 e a ideia de uma
morte que traz perdão do pecado é solidamente baseada naquele capítulo.

O TEXTO

Hebreus 9.11-22 retrata o sacrifício perfeito e eficaz de Cristo.


Vv.11,12: Com o comparecimento de Cristo como sumo sacerdote dos
bens já realizados, as coisas prefiguradas no AT se tornaram realidade!
Isso mostra como Cristo cumpriu o papel do sumo sacerdote no Dia da
Expiação anual (7.26,27; 9.7; Lv 16.1-19). Os sumos sacerdotes passavam
pelo tabernáculo exterior para o Santo dos Santos. Ali aspergiam no propi-
ciatório o sangue dos animais sacrificados do lado de fora do tabernáculo
e intercediam pelo povo. Jesus, por outro lado, passou pelo maior e mais
perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação.
O seu ministério sacerdotal abre o caminho para o santuário celestial ou
o próprio céu (24). Depois de ter sido morto como sacrifício pelos nossos
pecados, ele subiu e “penetrou os céus” (4.14) para se assentar à direita
de Deus e “interceder” por nós (7.25). Ele entrou na presença celestial
de Deus não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu
próprio sangue. E visto que o seu sacrifício foi tão perfeito, ele entrou no
Santo dos Santos uma vez por todas: sua crucificação e exaltação celes-
tial não precisaram ser repetidas. Aliás, ele obteve eterna redenção. A
palavra “redenção” sugere libertação à custa da vida dele. Uma expressão
semelhante em 9.15 é traduzida por remissão das transgressões, e está
claro com base no contexto que essa libertação é do juízo e da culpa
produzidos pelo pecado.
Vv. 13,14: As consequências práticas da morte de Cristo contrastam
com o efeito de oferecer sangue de animais ou aspergir a cinza de uma

148
QUINTA-FEIRA SANTA

novilha. Esses rituais eram para o benefício dos que estavam cerimonial-
mente contaminados, para santificá-los quanto à purificação da carne, ou
seja, a purificação exterior.
A verdade fundamental de que o sangue “purifica” e “santifica”, mesmo
que só num nível cerimonial, fornece a base para o argumento introduzido
pela expressão “muito mais” (v.14). O sangue de Cristo é uma forma de
falar da sua morte como o sacrifício pelos pecados. Isso foi singularmente
eficaz porque ele a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus. Jesus em
perfeita obediência ao Pai, culminando na cruz.
“Pelo Espírito eterno” muito provavelmente se refere ao poder do
Espírito Santo de sustentá-lo e suportá-lo (Is 42.1), embora alguns inter-
pretem a expressão como significando o próprio espírito dele, destacando
a natureza interior ou espiritual do seu sacrifício. O sangue de Cristo é
suficientemente poderoso para purificar a nossa consciência de obras
mortas. Deus requer o arrependimento de tais atos (6.1), pecados que
contaminam a consciência e trazem o juízo dele. Mas os que se arrepen-
dem precisam ser purificados de tal contaminação, e somente a morte
de Jesus pode fazer isso (9.9 com 9.14). O propósito da purificação no
AT era que o povo fosse consagrado novamente ao serviço de Deus. A
promessa da nova aliança de um “coração” renovado, fundamentado no
perdão definitivo dos pecados (Jr 31.33,34), ecoa no v. 14. Somente a
purificação provida por Cristo pode nos libertar para servirmos ao Deus
vivo da forma como Jeremias predisse.
V.15: O elo entre a obra sumo sacerdotal de Jesus e o cumprimento
da profecia de Jeremias é explorado mais a fundo. Por meio da sua morte,
Cristo é o Mediador da nova aliança (8.6).
Primeiro, ele morreu para remissão das transgressões que havia sob a
primeira aliança. Como observado em conexão com o v. 12, a sua morte é
o preço da libertação do juízo e da culpa produzidos pelo pecado (Jr 31.34).
O sacrifício de Jesus é válido para todos os que confiaram em Deus para o
perdão dos seus pecados no antigo Israel (11.40). Mas sabemos também
que, pela graça de Deus, ele experimentou a morte “por todos” (2.9) e ele
é capaz de salvar a todos “os que por ele se chegam a Deus” (7.25).
Em segundo lugar, com base na morte dele, que recebam a promessa
da eterna herança aqueles que têm sido chamados. Assim como a antiga
aliança prometia a terra de Canaã como herança para o povo de Deus,
assim a aliança inaugurada por Cristo abre o caminho para a eterna
herança. Isso é equivalente ao “mundo que há de vir” (2.5), o “repouso
para o povo de Deus” (4.9), a “Jerusalém celestial” (12.22) e outras
descrições do nosso destino como cristãos. Jesus abriu o caminho para
a sua herança para nós ao tratar do pecado que nos impede de chegar
perto de Deus.

149
IGREJA LUTERANA

Vv. 16-22: A palavra grega diathêkê é primeiramente empregada no


sentido técnico e legal de um testamento (16,17). Em questões humanas
comuns, para que os benefícios do testamento de uma pessoa entrem em
vigor é necessário que intervenha a morte do testador.
A mesma palavra é então usada para se referir à aliança que Deus fez
com Israel no tempo de Moisés (18-20). Não havia necessidade para que
o testador morresse nesse caso, mas nem a primeira aliança foi sancio-
nada sem sangue. Chama a atenção que essa cerimônia foi mencionada
em Êxodo 24.1-8, quando Moisés aspergiu o altar e o povo com o sangue
sacrificial e os chamou a obedecer a tudo que Deus tinha ordenado. Assim,
o relacionamento com o Senhor foi selado e confirmado com o sangue da
aliança e a posição santificada da nação foi proclamada. Hebreus acres-
centa ainda outros detalhes do ritual de purificação do AT para indicar a
forma abrangente com que o sangue foi usado para a purificação sob a
primeira aliança (21). Isso leva a uma observação final (quase todas as
coisas, segundo a lei, se purificam com sangue) e um princípio fundamen-
tal (sem derramamento de sangue não há remissão). Embora o sangue
fosse usado em grande escala para a purificação cerimonial (v.13), esses
rituais apontavam para as necessidades mais profundas do povo de Deus
de libertação do poder e do castigo do pecado.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: Pelo sangue de Cristo, eterna redenção.


Assunto: No sangue de Cristo, Deus fez uma nova aliança.
Objetivo: O evangelho e toda a Escritura apresentam a Cristo como o
“sumo sacerdote que, uma vez por todas, pela única oferta de si mesmo,
tirou os pecados de todos e consumou sua santificação em eternidade. Pois
entrou uma vez no santuário por seu próprio sangue, adquirindo eterna
redenção” (Hb 9.12,28; 10.12,14). De sorte que doravante não nos ficou
nenhum outro sacrifício pelos pecados além desse um. Confiados nele de
fé pura, sem méritos e obras nossas, somos salvos dos pecados. Desse
sacrifício e de sua oferta estabeleceu uma memória perpétua, porquanto
quis que esse sacrifício fosse anunciado no altar sob a eucaristia e que a
fé nele fosse alimentada.
A santa ceia é a promessa do perdão dos pecados que Deus nos fez,
e é promessa tal que foi confirmada pela morte do Filho de Deus. Pois
promessa e testamento somente se distinguem pelo fato de o testamen-
to envolver ao mesmo tempo a morte de quem promete. E testador é o
mesmo que um promitente que vai morrer; o promitente, em troca, é
(por assim dizer) um testador que há de viver. Esse testamento de Cristo
está prefigurado em todas as promessas de Deus, desde o princípio do

150
QUINTA-FEIRA SANTA

mundo. Ou melhor: todas as antigas promessas, qualquer que tenha sido


seu valor, valeram nessa nova promessa que se realizará em Cristo e dela
dependiam. Por isso são tão usadas nas Escrituras palavras como “pac-
to”, “aliança” e “testamento do Senhor”. Significavam que Deus morreria
algum dia. “Porque onde há testamento é necessário que intervenha a
morte do testador”, conforme Hb 9.16. Ora, Deus havia feito testamento,
por isso foi necessário que morresse. Mas não podia morrer se não fosse
ser humano. Assim, no próprio vocábulo “testamento” estão incluídas a
encarnação e a morte de Cristo de maneira brevíssima.

Rangel Augusto Bredow


São Leopoldo/RS
bredow1983@hotmail.com

151
SEXTA-FEIRA SANTA
Salmo 22; Isaías 52.13-53.12; Hebreus 4.14-16, 5.7-9;
João 18.1-19.42, João 19.17-30

Ele o inferno no inferno derrubou;


Feito pecado, Ele o pecado destronou;
Curvado para o túmulo, destruiu-o assim,
E a morte, ao morrer, exterminou.
Poema de S.W. Gandy

CONTEXTO LITÚRGICO

A Sexta-Feira Santa é o segundo dia do Tríduo, celebração solene da


morte e ressurreição de Jesus Cristo. O primeiro dia é intitulado Endoen-
ças, instituição da Santa Ceia; o segundo dia é a Sexta-Feira Santa, cru-
cificação de Jesus. E, por fim, a Vigília Pascal, Sábado de Aleluia, finaliza
a Semana Santa.
Se todo sermão é uma oportunidade de proclamar Cristo crucificado,
a Sexta-Feira é o dia por excelência para tal proclamação. No entanto,
essa proclamação deveria enfatizar mais o significado teológico do sofri-
mento e morte de Jesus do que manter-se somente nos detalhes físicos
de sua morte.1

ESTUDOS DOS PRÓPRIOS DO DIA

LEITURAS
Salmo 22: As palavras iniciais deste salmo são as palavras que Jesus
repetiu na cruz: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. O
começo do salmo descreve o sentimento de abandono vivido pelo sal-
mista. Mas também descreve a confiança na fidelidade de Deus e no seu
livramento. O Salmo 22 faz referência a Jesus.
Isaías 52.13-53.12: Este é o último dos cânticos sobre o Servo So-
fredor. Este cântico é riquíssimo, podendo ser base para vários sermões.
Cristo foi moído pelos pecados no mundo inteiro e o castigo que pairava
sobre nós foi levado por Cristo.
Hebreus 4.14-16, 5.7-9: Cristo é Supremo Sacerdote, o Autor da
Salvação, pelo qual temos livre acesso a Deus.

1
GIESCHEN, Charles A. Preaching through the seasons of the Church Year. In Preaching is
Worship – The Sermon in Context. Editado por Paul J. Grime. Saint Louis: Concordia
Publishing House, 2001, p. 87.
SEXTA-FEIRA SANTA

João 18.1-19.42 ou João 19.17-30: Segundo Carson, o Evangelho


de João tem a intenção de demostrar que Jesus está no controle dos fatos,
e tudo que fez foi um ato voluntário, obediência a Deus.2 Outro aspecto
interessante deste controle da história é que o próprio Pilatos foi usado
para anunciar quem era Jesus: “Rei dos judeus”. As últimas palavras
de Jesus chamam nossa atenção. Ele disse: tetelestai, ou seja, “está
cumprido”. Jesus cumpriu a missão que lhe foi dada. Finalmente, Jesus
entregou o Espírito; ninguém lhe tirou a vida, mas ele, por sua vontade
própria, a entregou.
Introito: O introito descreve a situação humana de um pecador, mas
Jesus Cristo assume esta condição e remove o fardo que nos pesava. E
isto ele fez na cruz.
Coleta do dia: A coleta do dia é uma súplica a Deus para que mante-
nha a família cristã pela qual Cristo aceitou ser traído, entregue nas mãos
de pecadores e ser crucificado.
Gradual: O gradual, que dá o tom do período eclesiástico, neste caso a
Semana Santa, enfatiza a obra de Cristo que entrou na presença de Deus
e ofereceu o seu próprio sangue para a salvação de todos.
Verso: O verso, que dá o tom do específico para a Sexta-Feira Santa,
enfatiza que Cristo carregou em si mesmo os nossos pecados.
Prefácio próprio da Semana Santa: Duas comparações são reali-
zadas: árvore do jardim e árvore da cruz; assim como a morte veio em
consequência da vitória da serpente junto à árvore do jardim, assim tam-
bém Cristo, que no lenho da cruz conquistou a salvação à humanidade,
venceu todos os nossos inimigos pela árvore da cruz.

ESTUDO DO TEXTO

O texto escolhido para a base deste estudo é o de Hebreus 4.14-16,


5.7-9. O texto da perícope está dentro de um bloco onde Jesus é apresen-
tado como Sumo Sacerdote, superior a todos os sacerdotes, pois ele é o
autor da salvação. A si mesmo se entregou em favor de muitos.
No versículo 14 três confissões nos são apresentadas: 1) Jesus, o
Filho de Deus; 2) grande sumo sacerdote e 3) ele penetrou no céu. O
primeiro ponto salienta a origem de Jesus: ele é Filho de Deus. Segundo
ponto: Jesus, o grande Sumo Sacerdote, é superior a todos os sacerdotes
da antiga aliança. Finalmente, este Sumo Sacerdote penetrou no céu, li-
teralmente “atravessou o céu”. Nesta confissão – Jesus como nosso Sumo
Sacerdote – nós nos agarramos.

2
CARSON, D.A. O comentário de João. Tradução Daniel de Oliveira e Vivian Nunes do
Amaral. São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 611.

153
IGREJA LUTERANA

O versículo 15 nos revela por que o sacerdócio de Jesus é diferente dos


de origem araônica. Jesus, o Sumo Sacerdote, conhece as dores humanas
e compadece-se de todas as nossas fraquezas, pois ele as conhece, as
vivenciou e, principalmente, não pecou. O verbo grego para compadecer
dá um significado de “sofrer junto”.
O versículo 16 enfatiza a consequência de ter um Sumo Sacerdote
que se compadece do ser humano. O ser humano tem acesso ao trono
da graça. Pode chegar confiante, sem medo e sem temor ao trono, cuja
característica é a graça. Este chegar ao trono da graça tem como objetivo
receber graça e misericórdia para oportuno socorro.
A segunda parte da perícope, os seis primeiros versículos de Hebreus
5, enfatizam a superioridade de Jesus sobre o sacerdócio de Arão. No
entanto, a perícope mantém-se na ação de Cristo, deixando de lado a
comparação estabelecida nos seis primeiros versículos.
Capítulo 5, versículo 7: “forte clamor, lágrimas, orações e súplicas” –
todas estas ações retratam toda a obra de Cristo enquanto viveu entre nós,
sua angústia, sofrimento, choro. É verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
que cumpriu fielmente a vontade de Deus. “Tendo oferecido”: toda a sua
vida foi oferecida como sacrifício. Este é o verdadeiro sacrifício, segundo
Lutero. E Ele ofereceu “a quem o podia livrar da morte” – Jesus confiou
em Deus Pai e cumpriu tudo o que era necessário.
O v. 8 lembra que mesmo sendo Jesus, o Filho de Deus, ele, como
verdadeiro homem, experimentou e demonstrou o que é obedecer a von-
tade do Pai celestial.
No v. 9, um problema nos é apresentado. Fica complicado pensar que
Cristo foi aperfeiçoado por aquilo que ele viveu. Jesus não é perfeito de
eternidade a eternidade? O ponto é que Jesus não precisava ser aperfei-
çoado, ele é perfeito. No entanto, o fato de ele ter passado por todas as
situações e dramas de sua vida terrena e que em nenhum momento caiu
em erro ou pecado, ratificaram a perfeição. Cristo é perfeito! E ele tornou-
se o autor da salvação, Jesus é a causa de nossa salvação.
Cristo nos dá livre acesso à presença de Deus, fazendo-nos reis e sa-
cerdotes de Deus. E nós, que fomos feitos sacerdotes, oferecemos, através
de Jesus Cristo, sacrifício agradável a Deus, nosso celestial Pai.
Lei: O homem, com seu pecado, não pode estar na presença de
Deus.
Evangelho: O evangelho desta perícope é riquíssimo. Nós temos
um sacerdote perfeito que penetrou no seu céu. O homem não podia,
mas Cristo o fez por nós. Jesus, o sacerdote perfeito, é especial, pois se
compadece da humanidade. Ele não está alheio ao sofrimento, ele sofre
conosco. Ele é o autor, a causa da salvação.

154
SEXTA-FEIRA SANTA

Objetivo: Demostrar que Jesus Cristo, o sacerdote perfeito, é causa


de nossa salvação e que este sacerdote perfeito conhece e viveu as nossas
dores e sofrimento.
Tema: Jesus, o sacerdote perfeito, é a causa da nossa salvação.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: O sacerdote perfeito


1. Jesus é um sacerdote perfeito
• Ele é o Filho de Deus;
• Jesus é sumo sacerdote;
• O sumo sacerdote Jesus penetrou no céu.

2. Ele é um sacerdote perfeito, pois se compadece e sofre com o


sofrimento dos seus. Ele nos conhece.
• Jesus, o sumo sacerdote, conhece as nossas fraquezas, pois ele
mesmo foi tentado, no entanto, não pecou.
• Jesus se compadece de nós; ele não está alheio ao nosso sofri-
mento, mas sofre junto conosco.

3. Jesus, o sacerdote perfeito, é o autor e a causa da salvação. Na


cruz, Cristo mudou os destinos, mudou a trajetória humana.
• Podemos nos achegar ao trono da graça, pois Cristo a si mesmo
se entregou e deu a sua vida na cruz do calvário.
• Podemos nos achegar ao trono que é caracterizado pela graça,
através de Jesus, para recebermos graça e misericórdia.
• E esta misericórdia nos manterá na confissão que Jesus, o sa-
cerdote perfeito, é causa de nossa salvação.

Elissandro Silva
São Leopoldo/RS
hans_luther@hotmail.com

155
SÁBADO DE ALELUIA
Salmo 16; Daniel 6.1-24; 1 Pedro 4.1-8; Mateus 27.57-66

LEITURAS

Salmo 16: Este é um salmo de Davi. O salmista expressa fé no poder


e na bondade de Deus, bem como gratidão por sua presença e proteção.
Ele põe toda a sua confiança em Deus e encontra nele tudo o que precisa.
“Tu, ó Senhor Deus, és tudo o que tenho. O meu futuro está nas tuas
mãos. Tu diriges a minha vida” (literalmente: “tu sustentas a minha sor-
te”) (v.5); Ele é o meu conselheiro (v.7); O Senhor está sempre comigo
(v.8); Me proteges do poder da morte (v.10). Talvez Davi pense em morte
prematura ou inesperada. Ele professa que mesmo que seu corpo morra,
está seguro e confiante de que não verá corrupção. Em Cristo a morte já
está vencida, pois ele ressuscitou!
Daniel 6.1-24: Daniel tinha cerca de 15 anos quando foi levado para
o cativeiro na Babilônia. Ao longo de sua vida, ele foi um homem dedicado
e temente a Deus. Daniel estava com 80 anos e seus inimigos ainda não
conseguiam torná-lo repreensível ou culpá-lo em alguma falta. Os seus
inimigos o pegaram em algo que teve a ver com a religião dele: a oração.
Pelo decreto do rei, Daniel estava impedido de orar ao seu Deus. Ele foi
condenado à morte e jogado na cova dos leões. Porém, ele foi salvo pelo
Anjo enviado por Deus, sendo protegido dos leões. Assim como na épo-
ca, também hoje Deus usa Daniel para demonstrar a adoração a Deus,
a prática da oração ao Deus verdadeiro e o testemunho da fé em Deus
perante as pessoas.
1 Pedro 4.1-8: O apóstolo Pedro fala do sofrimento de Cristo como
modelo para os cristãos a fim de não viverem mais como pessoas sem
Deus. Através do sofrimento, Deus refreia o pecado em nós. Por isso, o
apóstolo adverte os leitores de sua carta (e também a nós) a abandonar
o pecado. Ele destaca que o julgamento de Deus é iminente. Além disso,
não diz apenas o que não fazer, mas também o que fazer. Pedro chama a
atenção para as virtudes cristãs a que o Espírito Santo capacita, tais como
a oração e o amor ao próximo, amor esse que perdoa os outros.
Mateus 27.57-66: Pode-se comparar neste texto a atitude de José
de Arimateia com a dos líderes judeus. O primeiro tem uma atitude de
respeito e fé em Jesus. O texto afirma que ele era discípulo do Mestre.
Já os principais sacerdotes e fariseus não acreditaram em Jesus e ainda
o desrespeitavam, chegando ao ponto de chamá-lo de falso, mentiroso.
O versículo 61 mostra que Maria Madalena e a outra Maria estavam lá
SÁBADO DE ALELUIA

sentadas em frente ao túmulo. Elas, portanto, viram onde Jesus fora se-
pultado! Outro ponto a ressaltar é o fato de o evangelista Mateus ser o
único a fazer referência à guarda (escolta) no sepulcro.

O CONTEXTO

Apesar de não haver uma evidência óbvia de que a epístola se relacione


com as demais perícopes, pode-se perceber pontos de contato da epístola com
as demais leituras do dia. Pedro fala do sofrimento – do sofrimento de Cristo
(Mt 27.57-66) e do sofrimento dos cristãos (Dn 6.1-24). Exalta as atitudes
cristãs como também podemos perceber em Daniel, em especial a oração e
o testemunho para com os de fora. Ainda o salmo que mostra o agir de Deus
na vida do crente, a dependência que este tem de Deus, seja no sofrimento,
diante da morte e de todas as ameaças que afligem o crente.
O apóstolo Pedro previne os cristãos a respeito de um tempo de sofri-
mento e perseguição violenta que se abaterá sobre os destinatários de sua
epístola. Ao chegar esse período, eles devem estar preparados: perseve-
rantes, vigilantes, dedicados à oração e ao amor ao próximo. Eles sofrerão
por amor a Cristo. Precisam permanecer firmes frente à oposição a Cristo e
à marcha do evangelho. Deus nunca deixará de cuidar do seu povo e zelar
por ele. O sofrimento é apenas passageiro, mas a glória que Cristo trouxe
para todos os cristãos com sua morte e ressurreição será eterna!

O TEXTO DE 1 PEDRO 4.1-8

V.1: O apóstolo volta nesse versículo com o assunto de 3.18, o so-


frimento e morte de Cristo. Também Pedro faz uma alusão aqui a 3.17,
referindo-se aos que sofrem por fazerem o bem e não a todos os que so-
frem. O cristão, participando do sofrimento de Cristo, mostra a sua união
com Cristo e a sua ruptura com o pecado.
Vv.2, 3: Ver 1Pe 1.14-15, onde o autor já havia feito um contraste com
a vida que seus leitores tinham antes de se tornarem cristãos, quando
eram gentios e pagãos; adoravam falsos deuses, viviam na imoralidade
e eram dominados pelas demais paixões humanas. Aparecem aqui vícios
semelhantes aos mencionados pelo apóstolo Paulo na epístola aos Roma-
nos (Rm 1.29-31).
Vv.4,5: A antiga maneira de viver ficou no passado. Agora eles levam
uma nova vida, dedicados a Deus e às outras pessoas a ponto de deixarem
de queixo caído os que não eram cristãos, sendo insultados e difamados
por eles. Mas esses que perseguem a Cristo (em contraste, ver 1Pe 1.5) e
aos cristãos (a Igreja) terão de prestar contas àquele que está preparado
para julgar os vivos e os mortos – Jesus Cristo.

157
IGREJA LUTERANA

V.6: Conforme a Bíblia de estudo Almeida, outra tradução possível


para “foi o evangelho pregado” pode ser: “ele (Cristo) foi pregado”. No
texto não é determinado quem foi que fez essa pregação/anúncio, nem
fica claro quem são os “mortos” referidos. Provavelmente Pedro está fa-
lando daquelas pessoas cristãs que já tinham morrido até ele ter escrito a
carta. Eles morreram. O corpo morreu como consequência do pecado que
entrou no mundo. Sofreram o juízo da morte, mas viverão eternamente
e ressuscitarão!
V.7: O fim de tudo está perto. O apóstolo, portanto, os chama para
serem ajuizados e estarem sempre prontos para orar. Buscar em Deus
o consolo, a proteção e a orientação sempre, principalmente diante de
sofrimentos, angústias e tribulações.
V.8: Pedro fala do amor. Ele pede para que os cristãos tenham muito
amor uns para com os outros (1Pe 1.22). Esse amor é ativo, não um mero
sentimento, mas verdadeiro amor que se expressa no servir ao próximo
e no perdão incondicional. Esse amor perdoa, cobre, abafa, apaga muitos
pecados. As faltas e ofensas do meu próximo devem ser esquecidas e
apagadas, bem como as minhas. O amor deve prevalecer sempre.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: Deus nos capacita a viver como cristãos e a desenvolver as


virtudes cristãs.
Propõe-se a inversão da ordem dos assuntos no texto da epístola.
Pode-se abordar o ser humano corrompido pela natureza pecaminosa,
afastado de Deus. Em seguida, pregar sobre o sofrimento dos cristãos
em semelhança ao sofrimento de Cristo. E, após, o homem regenerado,
a nova criatura.
1. O homem natural
2. O sofrimento
De Cristo
Do cristão

3. O homem regenerado
As orações (a Deus)
O amor (ao próximo)

Tiago Braga Schneider


Alvorada/RS
tiagobragatbs@ibest.com.br

158
RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR
Salmo 16; Atos 10.34-43 ou Jeremias 31.1-6;
Colossenses 3.1-4; Mateus 28.1-10

CONTEXTO

A Páscoa é a âncora da fé cristã. Cristo é o nosso substituto. A hu-


milhação e a morte de Cristo expiam nossos pecados. No domingo, ele
é ressuscitado e aparece a seus discípulos. O medo e as incertezas dão
lugar à alegria. Mas, de que maneira isso reflete no dia a dia do cristão?
Na Páscoa celebramos que, com a ressurreição de Cristo, nós, por meio
do batismo, somos ressuscitados para uma nova vida.
Não há um quadro claro da heresia que ameaçava os cristãos de
Colossos (pequena cidade que ficava a 160 quilômetros a leste de Éfeso,
atual Turquia). Parecia mais com um sincretismo, onde judeus, gregos e
frígios estavam incorporando ideias provenientes de filosofias e religiões
pagãs. Acreditavam que estas heresias serviam para complementar a obra
de Cristo: a circuncisão, leis alimentares e dias de festa (Cl 2.11,16);
adoração a anjos (Cl 2.18); a doutrina de que certos místicos recebiam
revelações especiais de Deus, inacessíveis a outras pessoas (Cl 1.26,27 e
2.2). Era um tipo de ascetismo e de uma filosofia sofisticada que levava
as pessoas a se voltarem para si mesmas e para a sabedoria humana
(Cl 2.18-23).
Paulo, então, lhes escreve em contraposição a essas doutrinas: a
respeito da autoridade de Cristo, da suficiência completa de sua expia-
ção e da adoração somente a ele, eliminando a necessidade de qualquer
prática humana para completar a obra Cristo.
A palavra su=n (pois ou portanto) com que começa o capítulo 3 é a
conexão entre o que foi dito anteriormente e o que está para ser ensi-
nado. Paulo está introduzindo o desfecho do pensamento expresso em
Colossenses 2.20-23, onde exorta os cristãos a não se sujeitarem a
regras inúteis, já que morreram com Cristo para as coisas deste mun-
do, ao mesmo tempo que os leva, de acordo com o capítulo 3, a viver
diferentemente das atitudes e pensamentos do presente século.
IGREJA LUTERANA

O TEXTO

Neste capítulo da carta aos Colossenses, Paulo declara a morte das


coisas passadas, das práticas de autorredenção e das vãs filosofias, através
da ressurreição com Cristo pelo batismo.
V.1: Neste versículo, Paulo usa o verbo sivvnegeiro (ressuscitar junta-
mente com alguém), que pertence ao grupo de verbos combinados com a
preposição sin (com), expressando o que sucede quando alguém crê em
Cristo para perdão dos pecados, “ao ser sepultados com ele no batismo”
(Rm 6.4), e “nele também foram ressuscitados”.
Dessa maneira, a ressurreição de Cristo não foi somente um aconte-
cimento histórico na vida dele, mas, também, mediante nosso batismo,
um acontecimento que afetaria diretamente nossas vidas. Por isso, no dia
da ressurreição, nós ressuscitamos da morte do pecado para uma vida
com Deus.
“Buscai as coisas lá do alto” complementadas pelas palavras “onde
Cristo vive, assentado à direita de Deus” vem afirmar a suficiência de
Jesus, sendo ele o Messias e Senhor. Uma resposta clara e firme contra
as heresias dos Colossenses.
De acordo com Oscar Cullmann, afirmar que “Cristo está sentado à
destra de Deus Pai” é confessar o Kyrios Christos. Enquanto esta mesma
frase no Salmo 110 se refere aos inimigos terrenos de Israel, a igreja pri-
mitiva a identificava como as potestades invisíveis. A menção de sujeição
destas potências significa que Cristo agora é, para eles, o único soberano
ao lado de Deus e que não existe outro, nem nos céus e nem na terra.
Ainda que estas potestades existam, todavia, todo o poder lhes foi tirado.
(Cristologia do Novo Testamento, p. 292). Paulo, com estas palavras, ins-
pira o leitor a confiar somente em Jesus Cristo e em mais ninguém.
V.2: Neste versículo o autor aponta para o oposto de viver “buscando as
coisas lá do alto”. Talvez o termo usado fronei/te (pensar, dedicar a mente
a, ser devotado a) seja uma advertência específica às filosofias humanas e
aos seus costumes. É próprio da natureza humana alimentar-se de desejos
somente pelas coisas do presente século, sentindo-se encantada com suas
ofertas e promessas, passando a viver de acordo com esses anseios. É,
também, um combate a tudo aquilo que é terrenal, o velho mundo para
o qual o cristão morreu, o velho mundo do erotismo (v.5), o velho mundo
da cobiça (v.5), o velho mundo do ódio e da raiva (v.8), o velho mundo
da mentira (v.9), o velho mundo na qual as divisões étnicas, religiosas,
culturais e sociais fragmentam a sociedade (v.11).
Para Paulo, a morte pelo batismo, definitivamente, é a morte para as
coisas humanas. O cristão não vive simplesmente em retidão de vida por
adotar um sistema elevado de normas éticas, mas sim pelo fato de sua

160
RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR

realidade anterior ter sido sepultada (Rm 6.1-2; 2 Co 5.14,15), sendo


certo que ele participa agora da vida do próprio Cristo ressurreto.
V.3: Aqui o verbo ke,kruptai (ocultar ou esconder), ainda que possa
ter a idéia de proteção, provavelmente queira se referir à vida gloriosa
que pertence ao cristão. Essa vida não pode ser vista agora em todo o
seu esplendor, permanecendo escondida aos olhos de todos. O texto diz
que ela está “com Cristo em Deus” porque o Salvador, estando junto ao
Pai, vive em completa participação dela (Jo 17.5; Fp 2.9; 1Tm 3.16; Hb
2.9). Desse modo, ao falar sobre o que deveriam pensar, Paulo dá ênfase
especial à vida gloriosa oculta aos olhos do homem, mas que um dia se
manifestará com todo o seu exuberante esplendor. É a vida eterna vista
tanto como uma possessão presente como uma esperança futura. A tensão
entre o “já, mas ainda não”.
V.4: Na frase “quando Cristo, que é a sua vida” (v.4), Paulo quer afir-
mar mais uma vez um ajuste do foco da lente do cristão frente à qualquer
ensino que venha a destruir a obra completa de Cristo. Jesus é a fonte de
toda a vida (Jo 1.4), é o manancial de vida nova e abundante que todo
o crente precisa (Jo 6.35; 10.10; 14.6). Ele é a vitória sobre a morte e o
doador da vida eterna (Jo 11.25; 3.36; 1 Jo 5.11-12). Porque Ele vive é
que nós viveremos para sempre (Jo 14.19).
Mas acima de tudo, o versículo 4 é uma clara alusão à volta de Cristo
em pessoa (se manifestar), tão visível quanto da primeira vez, onde a
glória hoje oculta para os cristãos (v.3) será revelada em todo o seu es-
plendor (sereis manifestados com ele), com a ressurreição e redenção do
corpo (1 Co 15.51-57; 1 Ts 4.16-17), uma transformação do corpo fraco
e mortal para um corpo igual ao próprio corpo glorioso de Cristo, onde
haverá uma alegria absoluta e integral (1 Pe 4.12-13).

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

De nada teria adiantado a ressurreição de Cristo se isso não afetasse


diretamente a vida do ser humano. É com o batismo e a fé que a Pás-
coa da ressurreição ganha sentido. A morte e a ressurreição de Cristo
ligada à fé e ao batismo decretam o sepultamento do velho homem e
a ressurreição do novo homem. Ali também são enterradas não só as
obras da carne, mas toda a forma humana de substituir Cristo ou ten-
tar completar sua redenção. Não existe nada dentro do homem ou fora
dele, a não ser o sola Christus, que venha lhe trazer salvação. A obra
do Cordeiro divino é completa e suficiente! Por essa razão, a vida do ser
humano morto e ressuscitado dá um giro de 180 graus. Há nele trans-
formação. Uma transformação da busca, do pensamento, da segurança
e de sua eternidade.

161
IGREJA LUTERANA

PROPOSTA HOMILÉTICA

Objetivo: Levar o ouvinte a entender e crer que a ressurreição de


Cristo afeta toda a sua vida aqui no mundo.
Tema: Ressuscitados juntamente com Cristo
1. Em nosso batismo
2. Buscamos as coisas do alto
3. Nos apropriamos da glória eterna
4. Veremos e participaremos da glória eterna.

Martinho Lutero Weiss Santos


Dourados/MS
panamartinho@yahoo.com

162
SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA
Salmo 148; Atos 5.29-42; 1 Pedro 1.3-9; João 20.19-31

CONTEXTO LITÚRGICO

Estamos apenas no segundo domingo de Páscoa, e o Salmo 148 faz


questão de lembrar que Páscoa é motivo de aleluia e louvor! Todas as cria-
turas que estão no céu, bem como as que estão na terra, são convidadas
a unirem suas vozes em um cântico de louvor ao Senhor, reconhecendo
que ele é superior, o seu nome está acima de tudo e de todos. Louvamos
a Deus por seu poder criador, louvamos a Deus por seu poder redentor,
pois foi ele quem “ressuscitou a Jesus...[e] o exaltou a Príncipe e Salvador”
(Atos 5.30-31). Pedro sublinha que “somos testemunhas destes fatos”
(Atos 5.32), não importando se vimos os mesmos com os nossos olhos ou
não (João 20.29, 1 Pedro 1.8), já que esses sinais foram registrados para
o nosso próprio benefício, para que creiamos que Jesus é o Cristo, o Filho
de Deus e, assim, tenhamos vida em seu nome (João 20.30-31). Deus,
em sua grande misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança,
por meio da ressurreição de Jesus Cristo; somos forasteiros e peregrinos,
espalhados por esse mundo (1 Pedro 1.1, 2.11), aqui passamos dificul-
dades e provações, mas em fé e esperança aguardamos a nossa herança
incorruptível, reservada nos céus para todos nós (1 Pedro 1.4).

TEXTO E CONTEXTO

Pedro, ao escrever a sua epístola, logo de início faz questão de se


identificar como “apóstolo” (1 Pedro 1.1), ou seja, alguém enviado por
Jesus Cristo para proclamar a sua Palavra. Pedro foi testemunha ocular do
ministério de Jesus e dos acontecimentos da Semana Santa, que culmi-
naram com a ressurreição do Senhor; agora, como apóstolo, ele se torna
uma importante testemunha da verdade do evangelho (Mateus 16.17-19;
Lucas 24.44-49 e João 20.21). O apóstolo escreve aos “eleitos” (1 Pedro
1.1) de Deus que estão na diáspora, judeus e gentios residindo na Ásia
Menor (a moderna Turquia), muitos dos quais, provavelmente estiveram
presentes em Jerusalém no dia de Pentecostes (Atos 2.9-11).
Apesar de ser uma breve carta, 1 Pedro tem uma longa lista de títulos,
os quais tentam descrever o seu conteúdo: “Epístola da Coragem”, “Epístola
da Peregrinação” e a “Epístola da Esperança”. Obviamente todos esses
títulos podem ser justificados, todavia, o tema dominante desta epístola
não é coragem ou mesmo peregrinação, mas sim, “esperança”. Mas Pedro
IGREJA LUTERANA

não fala de esperança como um mero desejo, um otimismo nebuloso de


que no fim as coisas vão dar certo, o que frequentemente é confundido
com esperança. O apóstolo está falando de uma esperança religiosa, uma
esperança que está fundamentada não no homem, mas em Deus, o Deus
vivo, o qual ressuscitou Jesus Cristo dos mortos e lhe deu honra e glória,
para que a nossa fé e esperança possa estar nele firmada!
Essa perícope é uma continuação natural da celebração da Páscoa.
Enquanto a nossa alegria no Cristo ressurreto está intimamente liga-
da com a nossa própria ressurreição dos mortos para a vida eterna, a
celebração da nossa nova vida em Cristo já começa a acontecer nesse
mundo, aqui e agora! Entretanto, ao observarmos os cristãos de todas
épocas, aprendemos que o nosso viver nesse mundo não é um “mar de
rosas”, na verdade, a nossa fé é testada constantemente. A leitura de 1
Pedro nos leva a reconhecer que provações e tempos difíceis são parte
da nossa vida até o fim dos tempos. Ela também explica o propósito
desses momentos desagradáveis, mas, além disso, oferece conforto e
poder no Cristo vivo para enfrentarmos os mesmos.
A ressurreição de Jesus dentre os mortos trouxe um fim aos nossos
maiores inimigos: pecado, morte e Satanás. A vida para o povo de Deus
deveria ser agradável, já que estamos a poucos passos do céu. A vitória
é completa e é nossa, mas as batalhas continuam a surgir na forma de
testes que Deus permite que apareçam em nosso caminho. Nosso Pai
celeste não demonstrou o poder da ressurreição apenas no sepulcro
vazio; aquele poder também pode ser visto de forma concreta na vida
dos crentes, quando provê ajuda e conforto em tempo de provação. Não
devemos nos sentir traídos quando as provações surgem em nossa vida,
mas sim confortados, fortalecidos e purificados, pois em Cristo podemos
enfrentar o teste, sabendo que no fim “obteremos o fim da nossa fé: a
salvação da nossa alma” (1 Pedro 1.9).

PONTES E PONTOS DE CONTATO

A perícope proposta para esse segundo domigo de Páscoa oferece


diferentes temas que certamente poderiam ser abordados em um ser-
mão. Mencionamos alguns:
Batismo – Embora o tema batismo seja mencionado diretamente
apenas uma vez (1 Pedro 3.18-22), Pedro faz referências ao batismo em
outras partes de sua epístola (e.g. 1 Pedro 1.3,23; 2.22,9-10). Alguns
estudiosos do NT na verdade chegaram à conclusão que a primeira carta
de Pedro está baseada em uma liturgia de Páscoa ou em um sermão
apresentado a novos membros de uma congregação recentemente
batizados. Obviamente essas informações não podem ser provadas

164
SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA

efetivamente, mas certamente oferecem um interessante contexto para


essa epístola.
Sofrimento – Pedro fala do sofrimento de Cristo para a nossa redenção
(1 Pedro 1.18-21; 2.21-25; 5.4) como uma forma de ajudar a congre-
gação a compreender o profundo significado espiritual do sofrimento
que eles mesmos estão enfrentando. O objetivo de Pedro ao falar de
sofrimento não é ensinar os cristãos que eles devem sofrer ou procurar
sofrimento e perseguição, mas ajudá-los a verem que eles nunca pode-
rão evitar algum tipo de sofrimento enquanto estiverem vivendo nesse
mundo pecador.
Em sua primeira carta, Pedro encoraja os presbíteros na Ásia Menor
a pastorearem o rebanho de Deus em suas congregações com paciência
e amor pastoral (1 Pedro 5.1-11), fortalecendo o mesmo na fé e na nova
vida que Deus lhe dá em Cristo. Essa nova congregação, predominante-
mente formada de gentios, estava sofrendo perseguição e alienação da
cultura corrupta na qual estavam vivendo. Pedro os descreve como povo
de Deus – raça eleita, nação santa, povo de propriedade exclusiva de
Deus e, obviamente, povo precioso aos olhos do Supremo Pastor, o nosso
Senhor Jesus (1 Pedro 1.1; 2.9-10 e 5.4).

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Como pregador, fico pensando como abordaria esse texto diante da


minha congregação em um culto dominical. A realidade da ressurreição
de Jesus certamente traz conforto e ânimo quando estamos contristados e
passamos por diferentes provações na vida.Enquanto preparava esse es-
tudo, comecei a pensar em algumas notícias que li recentemente no jornal
ou mesmo em fatos que aconteceram com amigos muito próximos.
Uma pessoa que ficou com a mão entalada na prensa de uma side-
rúrgica; a senhora de 80 anos que esperava no corredor de um hospital
por um leito; uma filha que chama a polícia porque a mãe estava agindo
de forma estranha; a mulher que reclama para a amiga que o esposo não
anda bem emocionalmente. Qual é a grande provação de sua vida? Será
que é aquele aborto involuntário que você não consegue esquecer? Ou
será aquele tão esperado emprego que nunca chega? Ou quem sabe a sua
provação e a memória de uma infância cheia de abusos que reluta em ir
embora? Ou será o fato de seu esposo, que agora vive em um centro de
cuidado especial para pacientes de Alzheimer, não conseguir reconhecer
a pessoa que tanto o ama?
E Pedro nos diz... “No presente, por breve tempo, se necessário, sejais
contristados por várias provações” (1 Pedro 1.6). Jesus nos ama ali onde
estamos, mas ele nos ama demais para nos deixar ficar onde estamos...

165
IGREJA LUTERANA

Ele conhece a nossa realidade e aponta para uma herança incorruptível


que está reservada aos seus eleitos nos céus.
A professora do jardim perguntou à sua turma: “Quem pode me dizer
qual é a cor da maçã?” A maioria das crianças respondeu: “vermelha”.
Mas uma das crianças disse: “branca”. Bem, a professora tentou expli-
car que as maçãs podem ser vermelhas, verdes e até algumas são meio
douradas, mas nunca brancas. Mas o pequeno aluno estava irredutível e
finalmente disse: “mas profa, olha dentro!” Deus está sempre olhando o
que está dentro, ele conhece o que se passa em nosso coração e ele está
sempre tentando aumentar a nossa fé e, algumas vezes, ele o faz através
de provações e sofrimento.
O apóstolo Pedro considera o sofrimento como parte integral da fé (1
Pedro 1.7), uma realidade universal experienciada pelos cristãos espalha-
dos pelo mundo (1 Pedro 2.19-20; 4.12; 5.9,12). Apesar da salvação em
Cristo ser uma realidade na vida do cristão, a qual com certeza produz
grande alegria, Pedro não hesita em falar que sofrimentos e provações
irão acompanhar a vida do cristão. A nossa nova vida em Cristo é cons-
tantemente testada, mas “Louvado seja Deus, que segundo a sua grande
misericórdia nos regenerou para uma viva esperança, mediante a
ressurreição de Jesus Cristo[...]” (1 Pedro 1.3).
1. A vida no Cristo Ressurreto é uma dádiva de Deus.
A. O evangelho de hoje continua a proclamar a alegre mensagem da
ressurreição de Jesus. Deus o ressuscitou dos mortos e ele vem
aos seus discípulos para lhes anunciar “paz” (João 20.19,21,26),
os nossos inimigos estão derrotados!
B. Jesus nos oferece uma nova vida de esperança.
- Em sua misericórdia Deus nos regenerou para uma viva esperança
(v.3).
- Essa nova vida em Cristo aponta para uma herança incorruptível
no céu (v.4).
- Essa nova vida em Cristo nos dá grande alegria e, pela fé, obtemos
a salvação de nossa alma (vv.8-9).
2. Os testes em nossa nova vida em Cristo podem ser duros
A. Cada cristão tem a suas provações
- Pedro escreve para cristãos na dispersão sofrendo perseguição
por causa de sua fé (v.6).
- Hoje cristãos também passam por provações e testes (aqui o pre-
gador pode usar exemplos que se aplicam à sua realidade local).
Tribulações são comuns a todos os seres humanos, mas cristãos
sofrem também devido à sua fé e à sua relação com Cristo (Atos
5.41; Mateus 16.24).

166
SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA

B. O propósito desses testes é fortalecer e purificar a nossa fé (v.7)


- Com certeza mereceríamos ser punidos pelos nossos pecados que
diariamente cometemos.
Mas, arrependidos, pedimos perdão. Perdoados por Deus, não
somos punidos para pagar pelos nossos pecados.
- Por meio dessas tribulações a nossa fé se prova verdadeira.
- Testes eliminam impurezas; em momentos de tribulação e estresse
aprendemos o que é valioso e o que não é em termos de fé.
C. Esses testes são temporários (v.6).
- Pedro deixa claro que esses testes e tribulações acontecem no
presente e duram por um certo tempo; para algumas pessoas
esse tempo é mais longo, para outras é mais curto, mas definiti-
vamente são temporários.
- Deus em sua misericórdia estabelece limites com relação ao tem-
po e a severidade dos testes e tribulações (aqui o exemplo de Jó
pode ser citado pelo pregador).
3. A nova vida no Cristo Ressurreto suporta firmemente o teste.
A. Somos nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus (2.9).
Somos guardados pelo poder de Deus (v.5), o mesmo poder que
ressuscitou Jesus dos mortos também protege os eleitos de Deus.
- A proteção de Deus está aí para garantir que os eleitos não caiam
da fé em Cristo. Os testes vão acontecer, mas Deus mantém os
seus firmes na fé e protegidos sob seu cuidado.
B. Quando Jesus retornar, receberemos a glória que nos está reser-
vada (v.7).
- Jesus irá honrar e reconhecer os seus escolhidos, aqueles que
passaram por testes e tribulações, mas, por sua graça, perseve-
raram na fé até o fim.
C. Até o retorno de Jesus, viveremos uma vida cheia de alegria e
esperança, apesar dos testes e provações que passamos.
- Muitos pensam que alegria só mesmo acontecerá no céu, após
a nossa morte. Não, os cristãos desfrutam da alegria que Cristo
oferece já nesse mundo! Jesus nos regenerou para uma viva
esperança mediante a sua ressurreição, e essa certeza nos traz
imensa alegria... agora, mesmo que as vezes tenhamos que
enfrentar momentos difíceis na vida (o pregador poderia citar o
exemplo do apóstolo Paulo – Filipenses 4.11).
- Não nos esforçamos por obter alegria; na verdade, estamos
cheios de alegria pela graça de Deus, que nos dá vida no Cristo
ressurreto! (v.8).

167
IGREJA LUTERANA

REFERÊNCIAS

CONCORDIA SELF-STUDY BIBLE, St. Louis: Concordia Publishing


House[CPH], 1986.
ROSSOW, Francis & AHO, Gerhard. Lectionary Preaching Resources – Series
A. St. Louis: CPH,1986.
THE LUTHERAN STUDY BIBLE. St. Louis: CPH, 2009.
THE NEW INTERPRETER’S BIBLE. Nashvillle: Abingdon, 1944.
RATHMANN, Rodney, Editor. 1 Peter – God’s Chosen People. St. Louis:
CPH, 1994.

Ely Prieto
San Antonio, Texas/USA
elyp@lincsa.org

168
TERCEIRO DOMINGO DA PÁSCOA
Salmo 116.1-14; Atos 2.14a, 36-41; 1 Pedro1.17-25; Lucas 24.13-35

CONTEXTO

A Primeira Epístola de Pedro, de autoria do apóstolo Pedro (1.1), tam-


bém conhecida como a “epístola da esperança”, possivelmente escrita em
Roma (5.13), no ano 65 A.D., foi dirigida aos cristãos forasteiros da Ásia
Menor (1.1,17; 2.11), muitos de origem gentílica (1.14,18; 2.9ss.; 4.3),
para admoestar e confirmar a sua fé (5.12) frente à hostilidade do mundo
pagão e às calúnias que sofriam (1.6; 4.12-15; 3.14-16), prevenindo-os
da apostasia (5.8-10; 2.12,19-24). Roma havia sido incendiada no ano
64 A.D. e a perseguição aos cristãos era muito grande. O sofrimento é um
dos temas centrais da carta, sendo mencionado 15 vezes (por exemplo,
2.12,19-21). Em 1 Pedro encontra-se uma noção importante do ensino
bíblico a respeito do Servo Sofredor (Is 42,49,50,53,61).
O texto em destaque, 1 Pedro 1.17-25, está no contexto no qual o
apóstolo aponta para a ressurreição de Jesus Cristo como o grande motivo
de esperança em meio às tribulações e sofrimentos que os cristãos podem
enfrentar em sua trajetória neste mundo.

LEITURAS

Salmo 116.1-14: O salmista constata tribulações e sofrimentos. “Os


laços da morte estavam me apertando, os horrores da sepultura tomaram
conta de mim, e eu fiquei aflito e apavorado” (v.3).
Mas ele confia no socorro divino: “[...] ele me ouve; ele escuta as
minhas orações [...] sempre que eu clamo pedindo socorro (vv.1,2); “O
Senhor é bondoso e fiel” [...] (v.5); “O Senhor protege os que não podem
se defender. Quando eu estava em perigo, ele me salvou”. (v.6); “[...] ele
tem sido bom para mim” (v.7); “Deus me livrou da morte, fez parar as
minhas lágrimas e não deixou que eu caísse na desgraça” (v.8).
Atos 2.14a, 36-41: Faz parte do discurso de Pedro por ocasião do
Pentecostes. Pedro diz que Jesus, a quem os judeus haviam matado, é o
Messias. Pedro conclama seus ouvintes ao arrependimento e batiza quase
três mil pessoas.
Lucas 24.13-35: É o relato dos acontecimentos envolvendo dois dis-
cípulos no caminho de Emaús. O tema “sofrimento” também é bastante
forte neste relato. “Eles estavam conversando a respeito de tudo o que
IGREJA LUTERANA

havia acontecido” (v.14); “Eles pararam, com um jeito triste [...]” (v.17);
“pois era preciso que o Messias sofresse [...]” (v. 26).

TEXTO

1 Pedro 1.17-25 enfatiza bastante a vida santificada dos cristãos, a


vida de obediência a Deus, mesmo em meio aos sofrimentos. “[...] te-
nham respeito a ele (Deus)” (v.17); “amem uns aos outros com todas as
forças e com um coração puro” (v.22). Mas a vida de santificação não está
desvinculada da obra justificadora de Deus em Cristo Jesus. “Pois vocês
sabem o preço que foi pago para livrá-los da vida inútil” (v.18); “Vocês
foram libertados pelo precioso sangue de Cristo” (v.19); “Por meio dele
vocês creem em Deus” (v. 21). Desta forma, Pedro leva seus leitores a se
apegar em Deus e não nos seus esforços para viver uma vida santificada.
“Assim, a fé e a esperança que vocês têm estão firmadas em Deus” (v.21b).
“Pois vocês, pela viva e eterna palavra de Deus, nasceram de novo como
filhos de um Pai que é imortal e não de pais mortais” (v. 23).

PROPOSTA HOMILÉTICA

Em meio aos sofrimentos, firmamos nossa fé e esperança em


Deus...
Porque ele pagou o preço da nossa libertação e agora somos dele;
Porque ele nos fez nascer de novo e nos possibilita viver em amor e
obediência.

Geraldo Walmir Schüler


Porto Alegre/RS
geraldo@ielb.org.br

170
QUARTO DOMINGO DA PÁSCOA
Salmo 23; Atos 2.42-47; 1 Pedro 2.19-25; João 10.1-10

LEITURAS

Salmo 23: Geralmente denominado de “o salmo do bom pastor”, este


salmo tem imagens riquíssimas a respeito do cuidado de Deus para com
os seus. Além de falar em pastor, ele fala em descanso, em guiar, em não
temer porque Deus está com ele. A partir do v. 5, porém, a imagem muda.
Deus passa a ser descrito como um hospedeiro. Ele prepara a mesa, unge
a cabeça e prepara lugar para morarmos em sua casa. Seria de muita valia
analisar essas imagens à luz dos atos de Jesus Cristo.
Atos 2.42-47: O versículo final desta perícope nos mostra como a
ação de Deus é determinante para que alguém seja salvo. Na verdade, o
que os discípulos faziam não era nada mais do que o Senhor lhes havia
ordenado. A perícope fala de como os irmãos na fé permaneciam na ver-
dadeira doutrina, na vida em comum, na Santa Ceia, nas orações e no
amor ao próximo. Isso era testemunho de que eles serviam a um Deus
bondoso e, por isso, podiam agir com bondade.
João 10.1-10: É sempre importante olhar o contexto de um texto.
Aqui se vê bem isso, pois João 10.1-21 simplesmente segue o diálogo
iniciado em João 9.35, quando Jesus ficou sabendo que o cego a quem
ele curara havia sido expulso da sinagoga. Portanto, a parábola do Bom
Pastor é uma defesa do ministério de Cristo diante dos fariseus, que o
acusavam de ter realizado uma cura em dia de sábado. Diante disso, Jesus
mostra que ele se importa mais com as suas ovelhas do que com dias da
semana, pois ele é o Pastor!

O TEXTO: 1 PEDRO 2.19-25

É difícil lermos a primeira carta do apóstolo Pedro e não pensarmos nos


sofrimentos que aqueles cristãos decerto estavam passando. A palavra que
Pedro mais utiliza para falar de sofrimento é pa,scw (1Pe 2.19,20,21,23;
3.14,17,18; 4.1,15,19; 5.10) aparecendo doze vezes em onze versí-
culos. Por quatro vezes, Pedro também faz uso de pa,qhma (1Pe 1.11;
4.13; 5.1,9). Mais uma palavra deste campo semântico presente nesta
carta é pu,rwsij (1Pe 4.12), que significa experimentar um sofrimento
severo (Louw-Nida). Ao todo, portanto, o apóstolo Pedro utiliza a palavra
sofrimento dezessete vezes. Isso é notável para uma carta de apenas
cinco capítulos. Para se ter uma ideia, Pedro é quem mais vezes utiliza a
IGREJA LUTERANA

palavra pa,scw. O segundo é Lucas com apenas seis ocorrências em um


livro de 24 capítulos. Portanto, este é um assunto importante para Pedro.
À exceção de pu,rwsij, as outras duas palavras são utilizadas para falar
tanto do sofrimento de Cristo como dos cristãos.
Os destinatários de Pedro são sofredores. Ele os saúda como “eleitos
que são forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e
Bitínia” (1Pe 1.1). A partir disso, podemos inferir a causa do sofrimento
deles: eram perseguidos por causa de Cristo. Não sabemos muito mais
do que isso a respeito dos destinatários. A preocupação de Pedro é a de
animar esses cristãos. Afinal de contas, eles poderiam pensar que as au-
toridades estavam certas em proibi-los de crer e, então, desistiriam da fé.
Não seria impossível surgir a pergunta: “Será que não estamos sofrendo
porque somos injustos, servos de um Deus injusto?”
Diante disso, o apóstolo Pedro tem algumas coisas importantes a nos
dizer a respeito do sofrimento. No início do primeiro capítulo, ele diz qual
é o objetivo da fé que eles têm: a salvação da alma (1Pe 1.9). Portanto,
a fé aponta para algum lugar; ela não é um fim em si mesma e nem uma
motivação revolucionária do tipo: “Independência ou Morte!”. Ela aponta
para a salvação! Nos vv.10-12, o apóstolo conecta a salvação com os so-
frimentos de Cristo. Em seguida, o apóstolo demonstra que o sofrimento
de Cristo, o derramamento do seu sangue, torna possível a eles serem
santos (1Pe 1.13-21) e, portanto, terem fé.
No segundo capítulo, Pedro mostra que é possível continuar crescendo
na fé e, por isso, incentiva os seus leitores a que desejem o alimento es-
piritual. Mas para que isso seja possível, eles precisam ter a experiência
de que o Senhor é bondoso. Seria como ele dizer: Deus está permitindo
esses sofrimentos, mas não porque ele seja mau ou injusto. Há um sentido
nisso. Antes de os cristãos serem perseguidos, o próprio Cristo foi perse-
guido; a pedra preciosa da qual fala o Salmo 118.22 foi rejeitada. Essa
pedra é Jesus (Mc 12.10-11)! No entanto, Cristo não foi rejeitado porque
não tinha respeito pelas autoridades. Pedro dá testemunho disso em 1
Pedro 2.13-17, quando exorta os cristãos a respeitarem as autoridades
e sujeitarem-se a elas.
Chegamos então à perícope prevista. Aqui aparece claramente que os
cristãos sofrem por estarem unidos a Cristo. O sofrimento que recebem é
injusto! Os cristãos sofrem pela causa de Cristo porque há quem rejeite
a pedra, a qual é Jesus. Cristo sofreu porque foi rejeitado. Os cristãos
sofrem porque Cristo foi rejeitado. O apóstolo deixa bem claro que, em
questão de sofrimento, Cristo foi um exemplo para nós. Isto quer dizer,
assim como Cristo sofreu, nós também sofreremos. Em outros casos,
Cristo não é exemplo. A saber, não podemos dizer que, assim como Cristo
conquistou a salvação, nós também devemos conquistá-la. Em questão

172
QUARTO DOMINGO DA PÁSCOA

de sofrimento, porém, Cristo é exemplo, como também se pode notar


alhures (Mt 16.24).
Pedro diz: “Porquanto para isso mesmo fostes chamados” (1Pe 2.21a).
Pedro está dizendo que os cristãos foram chamados para sofrer! Isso pa-
rece completamente estranho a nós. Podemos procurar, mas dificilmente
vamos encontrar no vidro de um carro ou na boleia de um caminhão a
frase: “Chamado para sofrer”. Fácil é encontrar frases do tipo: “Chamado
para reinar”, “Chamado para fazer a diferença”, “Chamado para fazer
acontecer”, “Geração eleita” e coisas do tipo. Os cristãos a quem Pedro
escrevia não tinham adesivos para colarem por aí. E nem precisavam
mesmo. Seus indeléveis adesivos estavam escancarados para que todos
pudessem ver que eles haviam sido chamados para sofrer. A questão é que
parece que eles tinham vergonha disso. É claro que não dá para afirmar
isso com certeza, mas o fato é que Pedro se esforça em demonstrar que
há grande glória em sofrer por causa de Cristo. Quem está sofrendo por
causa de Cristo sofre por fazer o que é correto e, portanto, não precisa
ter vergonha. Agora, para quem sofre por causa de seus próprios erros é
diferente. Este deve esperar sofrer de fato e envergonhar-se disso.
Observe as últimas palavras de 1Pe 2.20: tou/to ca,rij para. qew/|
(Isto é grato a Deus). Pedro está dizendo que é grato a Deus suportar
o sofrimento fazendo o bem. Este assunto repete-se ainda outras vezes
nesta mesma carta. 1Pe 3.14: maka,rioi (felizes); 1Pe 3.17: krei/tton
(melhor); 1Pe 4.14: maka,rioi (felizes) o[ti to. th/j do,xhj kai. to. tou/ qeou/
pneu/ma evfV u`ma/j avnapau,etaiÅ (Porque sobre vós repousa o Espírito da
Glória e de Deus).
Martinho Lutero, quando falou do sofrimento por causa de Cristo,
definiu-o como uma das marcas da igreja juntamente com a santa ceia e
o batismo, por exemplo. Lutero, ao fazer essa reflexão, estava seguindo
a mesma reflexão de Pedro, dando forma às palavras de Jesus registra-
das em Mateus 16.24: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém
quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me”.
O que mais seria tomar a cruz de Cristo a não ser suportar sofrimentos
por causa de Cristo? Quem sofre por causa de Cristo está participando
dos mesmos sofrimentos que ele teve, isto é, está seguindo o exemplo
de Cristo (1Pe 2.21).
Quando o apóstolo chega no v.22 ele traz um assunto chocante. Até
então ele dizia das semelhanças de nossos sofrimentos com o de Cristo e
até mesmo o colocou como um exemplo para nós. Neste versículo, porém,
o apóstolo revela a diferença: “o qual não cometeu pecado, nem dolo al-
gum se achou em sua boca”. Quer dizer, nós sofremos sendo pecadores.
Por mais injusto que consideremos um sofrimento, este nunca será mais
injusto do que o que fizeram com Cristo. Portanto, Cristo sofreu por estar

173
IGREJA LUTERANA

sendo injustiçado. É o mesmo que está acontecendo com os cristãos. Daí


a importância de Pedro ter dito que o fim da fé é a salvação.
Quando se prega sobre um texto que fala do sofrimento dos primei-
ros cristãos, as conexões com os cristãos atuais nem sempre são óbvias.
Cristãos ainda sofrem perseguições por causa da fé (cf. http://www.por-
tasabertas.org.br/), mas isto talvez não seja tão explícito para os cristãos
brasileiros. Existe, porém, uma tendência muito forte no meio religioso de
não aceitar o sofrimento em geral. Alguns chegam até mesmo a afirmar
que quem sofre não é de Deus. Aqui está uma boa oportunidade para se
clarificar o assunto. É importante, então, dizer que sofrer fazendo o bem
faz parte desta vida, pois o mundo não aceita o bem que vem de Deus.
Para aqueles que aceitam o sofrimento, é importante deixar claro que o
sofrer fazendo o bem é grato a Deus, e não o sofrimento por fazer o que
é incorreto. Deveríamos, porém, começar falando dos sofrimentos de
Cristo, daquele que não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em
sua boca (1Pe 2.22; cf. Is 53.9; Jo 8.46; 2Co 5.21; 1Jo 3.5). O único que
poderia ter reclamado por estar sofrendo, não reclamou, não revidou, mas
entregou tudo àquele que julga retamente (1Pe 2.23). O que Cristo fez
nos sarou (1Pe 2.24) e nos fez ter um guia (1Pe 2.25). Por causa disso,
podemos seguir o exemplo de Cristo.

Francis Dietrich Hoffmann


CEL São João – Canguçu/RS
francisdh_87@yahoo.com.br

174
QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA
Salmo 146; Atos 6.1-9;7.2a,51-60; 1 Pedro 2.2-10; João 14.1-14

COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO

No texto de 1 Pe 2.2-10, Cristo é apresentado como a pedra viva


(v.4), a pedra angular (v.6), a pedra rejeitada (v.7) e a pedra de tropeço
(v.8). O texto está repleto de recordações de Êxodo 19. O povo santo de
outrora não podia aproximar-se de Deus. Moisés era o mediador entre
Deus e o povo. O povo de Deus na nova aliança tem Cristo como mediador.
Por meio de Cristo somos acolhidos pelo nosso Deus. O próprio Jesus se
tinha comparado a uma pedra rejeitada, depois acolhida por Deus. Os
cristãos, pedras vivas como Jesus, formam um edifício espiritual. Por meio
de Cristo, aproximam-se de Deus e lhe prestam culto. Os judeus, por sua
própria culpa, perderam os seus privilégios, agora transferidos aos gentios
(At 28.26-28; Jo 12.40) . Porém é preciso completar essa afirmação com
Romanos 11.32; 1 Timóteo 2.4, e não julgar de antemão que aconteceu
uma rejeição escatológica. O povo de propriedade exclusiva de Deus no
NT (v.9) é formado por judeus e gentios crentes em Cristo.
Uma série de referências bíblicas atribui à Igreja os títulos de povo
eleito, a fim de sublinhar a sua relação com Deus e a sua responsabilida-
de no mundo. Esta “raça” usufruía, pelo fato de pertencer a Cristo, uma
unidade que estava acima de toda classificação. Para a palavra “eleita”
usa-se no grego a palavra eklektos. Esta palavra designa alguém esco-
lhido em meio a um grupo maior para serviços ou privilégios especiais.
A Igreja é o novo Israel, agora incluindo os cristãos gentios que noutro
tempo não eram povo e que não tinham alcançado misericórdia.
Lutero fazia uma clara diferença entre o Sacerdócio Universal dos
Crentes (homens e mulheres cristãos), do Ministério Pastoral (pastores).
Por isso escreve: “Todos os cristãos são sacerdotes, mas nem todos
exercem o sacerdócio. Mesmo que todos possam ensinar e exortar, ainda
assim um só deve fazê-lo. O outro deve ouvir, a fim de que não falem
ao mesmo tempo. Deve-se observar, portanto, a disposição de Paulo de
que Tito eleja, em cada cidade específica, ‘presbíteros’, no plural, que
são chamados de bispos e anciãos. Logo, no tempo dos apóstolos, cada
uma das diferentes cidades tinha vários bispos”.

DESTAQUES NOS OUTROS TEXTOS DA PERÍCOPE

Salmo 146: O salmista louva a Deus por sua grandeza, graça e compai-
xão. O salmo contrasta a sabedoria daqueles que esperam o reinado eterno
IGREJA LUTERANA

do Senhor com a tolice daqueles que confiam em governantes mortais. A


pessoa sábia põe a sua confiança em Deus e não em seres humanos fracos
e mortais. O Senhor é diferente dos deuses de outras nações, porque ele
se importa com todos os seres da sua criação, até pelos mais humildes,
que não têm ninguém que se preocupa com eles.
A agenda social listada aqui foi o coração e a alma do ministério de
Jesus aos mais necessitados durante a sua primeira vinda. O peregrino, o
órfão e a viúva representam três classes de pessoas que ficam sem direitos
civis, quando lhes falta o braço forte da família. A compaixão de Deus se
manifesta mais claramente na vida dos menos privilegiados.
Atos 6.1-9;7.2a,51-60: A solução de conflitos é vital para a recupe-
ração hoje em dia, assim como foi para a Igreja Primitiva. Os primeiros
cristãos aceitaram suas limitações, estabeleceram as suas prioridades
e planejaram tarefas específicas para satisfazer as suas necessidades.
Nesse caso, buscaram a sabedoria de Deus e selecionaram sete líderes
cheios do Espírito Santo e muito respeitados, para que administrassem
o programa de alimentos. Nenhum problema que apareça no processo
de recuperação é insuperável. Com a sabedoria divina e com a ajuda de
uma rede de pessoas piedosas, podemos encontrar maneiras saudáveis
para reconstruir a nossa vida e satisfazer as necessidades das pessoas
que nos cercam.
Os helenistas eram judeus que tinham vivido fora da Palestina e
haviam assimilado a língua e alguns aspectos da cultura grega. Eles se
reuniam em Jerusalém, em sinagogas particulares, onde a Bíblia era lida
em língua grega. Todos os diáconos escolhidos tinham nomes gregos,
sendo Nicolau um prosélito. Assim o grupo de cristãos helenistas recebe
uma organização e uma tarefa importante na igreja cristã, nos primórdios
de sua existência.
Estêvão confrontou os líderes religiosos com a sua negação obstinada
a Cristo. Estavam resistindo ao Espírito Santo e não gostaram de ser cen-
surados. Apesar da ira deles, Estêvão não desejou se vingar, nem guardou
rancor. Manteve o seu foco em Cristo, perdoando aquelas pessoas, mes-
mo quando o estavam matando, num processo de linchamento popular.
A paz e o autocontrole de Estêvão são dons do Espírito Santo, que estão
disponíveis para todos nós, por meio da fé.
João 14.1-14: Esse texto é um dos mais confortantes em toda a Bí-
blia. A ideia que perpassa todo o capítulo 14 de João é que o anúncio da
traição de Judas, da partida de Jesus e da negação de Pedro perturbou os
apóstolos. Jesus quer fortalecê-los na fé e confortá-los. Para tanto, dá aos
seus discípulos alguns estímulos que incluíam o preparo da morada eterna,
a promessa do seu retorno, a perspectiva de fazerem obras maiores, em
alcance e número, do que ele fez e a promessa de resposta às orações.

176
QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA

Uma grande promessa está no v.16: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará
outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco”.
Jesus é o Caminho que revela o Pai; ele nos faz conhecer o caminho
que leva ao Pai; ele é o único acesso ao Pai; ele vem do Pai e volta ao Pai
e, no entanto, é um com o Pai. Lutero, refletindo sobre João 14.6, escreve:
“Aprenda a compreender este belo dito de Cristo: ‘Eu sou o Caminho’. Que
não se pense em um caminho ou em uma estrada onde se pisa e anda
com os pés, mas entenda-se que se trata de um caminho onde se cami-
nha com a fé que está no coração, que se apega tão somente a Cristo, o
Senhor. Pois há vários modos de caminhar e andar na terra, assim como
existem diferentes caminhos e sendas”.
Jesus é o caminho que leva a Deus, a verdade a respeito de Deus e
de sua vontade para com as pessoas, e a vida que ele dá para os que
vivem unidos com Deus.

SUGESTÃO DE ESBOÇO HOMILÉTICO

A epístola de hoje segue imediatamente a parte da carta de Pedro que


nos conclama a desejar ardentemente o puro leite espiritual da Palavra,
para que possamos crescer nela a respeito da salvação. Voltando a nossa
atenção para este assunto, o Espírito Santo, através da Palavra, nos revela
e esclarece sobre o dom e o propósito do crescimento espiritual.

O DOM E O PROPÓSITO DO CRESCIMENTO ESPIRITUAL


I. O dom do crescimento espiritual.
Temos vida espiritual como um dom de Deus por intermédio de
Cristo, não como algo que merecemos por nós mesmos.
A. O crescimento espiritual começou com o dom da vida espiritual.
1. Antes não éramos povo; antes não tínhamos recebido mise-
ricórdia (1 Pedro 2.10), isto é, por natureza éramos espiritu-
almente mortos.
2. Deus enviou seu Filho como a “pedra eleita e preciosa” (v.
4). Ele é chamado de pedra viva porque morreu pelos nossos
pecados, ressuscitou vitoriosamente e agora vive para sempre
e nos dá verdadeira e eterna vida.
3. Pela fé nessa pedra viva, tornamo-nos “pedras vivas” (v. 5), ale-
gramo-nos que Deus nos acolheu como “raça eleita, sacerdócio
real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (v. 9).
B. O crescimento espiritual é dado por Deus para preservação da
vida espiritual.
1. Isso acontece porque “estamos sendo edificados por Deus
como uma casa espiritual” (v.5) por meio da fé em Cristo.

177
IGREJA LUTERANA

2. Deixados por nossa conta, estaríamos entre os que não creem


(v. 7).
C. Deus usa o evangelho e os sacramentos do batismo e da santa
ceia para iniciar e continuar o crescimento espiritual.
1. “Despojar-se” é linguagem batismal (v. 1).
2. “O genuíno leite espiritual” refere-se ao evangelho (v. 2).
3. “Experimentando a bondade do Senhor” nos faz lembrar a
santa ceia, na qual até sentimos o gosto do pão e do vinho
(v. 3).

II. O propósito do crescimento espiritual.


A. O propósito não é fugir da dependência em Deus.
1. O velho homem nos diz que é vergonhoso crermos em Jesus,
confiar que sua obra redentora nos fez merecer o favor de
Deus e não erguer-se com as próprias forças (cf. v. 6).
2. Uma variação sutil de incredulidade sugere que Jesus fez a
sua parte e agora nós precisamos fazer a nossa parte para
sermos salvos.
3. Render-se a esta idéia também é “desobedecer a Palavra” (v. 8).
B. O propósito do crescimento espiritual é que tornemos conhecidas
as maravilhosas obras de Deus.
1. Nós as tornamos conhecidas quando “anunciamos” (v. 9) a
redenção das trevas e pecado que foi conseguida pela morte
e ressurreição de Cristo.
2. Nós as tornamos conhecidas quando concluímos que depen-
demos mais e mais da graça de Deus.
3. Nós as tornamos conhecidas quando “oferecemos sacrifícios
espirituais” (v. 5), motivados pela graça de Deus que produz
o amor a Deus e ao nosso semelhante (Rm 12).
Agradeçamos a Deus pelo imerecido dom de vida e crescimento es-
piritual; sigamos confiantemente a sua vontade; e tornemos conhecidas
no mundo as maravilhosas obras em Cristo.
Obs.: Esboço homilético traduzido do CTQ e adaptado.

Arnildo Schneider
Porto Alegre/RS
arnildo@ielb.org.br

178
SEXTO DOMINGO DA PÁSCOA
Salmo 66.8-20; Atos 17.16-31; 1 Pedro 3.13-22; João 14.15-21

LEITURAS

Atos 17.16-31: Paulo em Atenas. Paulo, o apóstolo, está revoltado,


triste com a idolatria dominante na cidade. Dissertava na praça, todos os
dias. Dialogava com muitos. Foi visto como “tagarela”. A curiosidade de
muitos abre portas para o falante apóstolo. E Paulo foi afirmativo, ousa-
do, mas respeitoso, educado, sensível, esperto e fiel às promessas
de Deus. Não buscou aplausos, mas foi sábio. Fez-se tudo para com todos
a fim de ganhar alguns.
O resultado aparentemente não foi o esperado, mas o povo ateniense
teve a resposta à sua curiosidade quanto a esse forasteiro. Falou o que
não queriam ouvir e foi dispensado. Triste para eles.
João 14.15-21: Jesus promete outro Consolador. Cristãos vivem com
e na promessa do Espírito da Verdade, o Consolador. Em Deus estamos
orientados para falar com vida e palavras.
Salmo 66.8-20: Ele preserva com vida a nossa alma e não permite que
nos resvalem os pés. Deus nos tem ouvido e atendido a voz da oração.

O CONTEXTO DE 1 PEDRO 3.13-22

A carta de 1 Pedro, conforme 1Pe 1.1, destina-se aos forasteiros es-


colhidos da Ásia Menor. O autor quer consolar e exaltar os cristãos face
à perseguição, calúnia e sofrimento. Estimula seus leitores a permanecer
firmes na fé, na esperança da salvação futura e no procedimento correto.
Encoraja-os em vista do grande perigo de negarem sua fé.

TEXTO

O tema da epístola está focado no sofrer com Cristo, na “alegria” no


sofrimento, na humildade e subordinação. Cristo é o modelo, referência
por excelência para todo viver.
Na visão cristã o ser humano não está à mercê do destino, mas sim, da
vontade de Deus Pai e Criador. Também no sofrimento a vontade de Deus
vem ao meu encontro. Nada da minha vida está fora do seu poder.
Pedro reflete sobre o sentido das tentações e dos sofrimentos. Se fé
é a obediente e confiante entrega à palavra de Deus, exigir provas é falta
de fé. A fé não vê. É a verdadeira esperança sedimentada nas promessas
IGREJA LUTERANA

de Deus. E nessa esperança experimentamos alegria e paz. Nosso futuro


escatológico já determina nosso presente.
De certo modo o texto é um eco das palavras de Jesus ditas muito
antes: “Não temam os que matam o corpo, mas não podem matar a
alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma
como o corpo” (Mt 10.28).
Vale a pena ser cristão. Desistir do desafio da corrida da fé é um
grande equívoco.
Pessoas podem se prevalecer do cristão desrespeitando-o, mas
ninguém pode tirar dele a fé, o céu, pois o Senhor guarda e protege os
seus, conforme o hino Castelo Forte de Martinho Lutero.
V.14: “Não vos amedronteis”. A “viva esperança” (1.3) dos cristãos
está além da compreensão do mundo descrente. O mundo julga tudo
conforme o que vê nas realidades externas. Ao ver os cristãos sofrendo,
entende que bom comportamento merece aprovação e mau compor-
tamento merece condenação divina. Conclui que uma pessoa que está
sofrendo está sempre sendo punida pelos seus delitos e, portanto, não
há razão para a fé cristã em meio ao sofrimento. O mundo não vê que
o senhorio de Cristo é fundamento sólido para a esperança cristã. Em
Cristo, vemos o justo sofrer e até morrer por todos os injustos (3.18).
V.15: “Preparados para responder”. Cristãos precisam estar preparados
para oferecer uma “explicação e defesa quando são questionados sobre
sua esperança” (v.15). Assim põem em prática o seu cristianismo como
sacerdócio real e povo santo, chamado para anunciar as boas novas (2.9).
Oportuno lembrar nesse momento a palavra de Jesus em Marcos
13.11: “Não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos
for concedido naquela hora, isso falai, pois não sois vós os que falais,
mas o Espírito Santo”.
Pedro escreve para uma geração de cristãos posterior à de Jesus
e como tal é mais assustada e com menos entusiasmo missionário. O
autor da epístola, no entanto, dá forças aos seus leitores para que re-
conheçam que sua incumbência maior é testemunhar os feitos de seu
Senhor (2.9).
E esse testemunho precisa ser verbal e existencial, isto é, através
de sua conduta marcada pelo respeito e mansidão. Cristãos não podem
ser orgulhosos, arrogantes e ofensivos nas suas respostas às perguntas
do mundo. Opositores são objetos de nossa missão e nossa conduta é
muito eloquente (2.15). Só assim poderão opor-se com consciência limpa
às difamações. É melhor sofrer por causa de obras boas do que por causa
de obras más. O melhor jeito de viver a fé é pelo amor (1Co13).
Vv.18-22: Os versículos 18 e seguintes seguem a fundamentação
cristológica para o procedimento do cristão face às perseguições, pois

180
SEXTO DOMINGO DA PÁSCOA

também Cristo morreu uma vez pelos pecados, o justo pelo injusto. A
motivação para nosso ser é Cristo.
Este trecho vai até o v.22. O autor da carta parte do sofrimento injusto
dos cristãos nas perseguições e então fala da paixão e morte de Cristo
que igualmente sofreu como justo em favor dos injustos.
Há uma clara relação entre Cristo e os cristãos: também os cristãos
devem sofrer injustamente, não como malfeitores, mas como justos
entre os injustos.
A morte de Cristo foi o único sacrifício expiatório que põe fim a todos
os sacrifícios expiatórios do Antigo Testamento e quaisquer tentativas de
pagar o que já foi pago. Em Cristo se realizou a única salvação perfeita
e que vale de uma vez por todas.

PROPOSTA HOMILÉTICA

O cristão precisa estar preparado para dar resposta a toda ou a qualquer


pessoa que lhe pergunta sobre a razão da esperança que está nele.
Pedro está prevendo aflições que estão por vir e seus leitores precisam
aproveitar as oportunidades para glorificar o Senhor Jesus Cristo. Mas tal
preparo não pode ser tirado do ar; ele não pode ser feito do dia para a
noite; ele só pode ser recebido na medida em que santificamos o Senhor
em nossos corações (v.15).
Tal santificação do Senhor em nossos corações somente pode ser
alcançada através da meditação e estudo da sua Palavra e através da
comunhão pessoal com ele nos sagrados momentos da oração.
Tudo que há nesse texto encontra seu início e fim em Cristo. Repetindo:
Cristo e somente Cristo é a verdadeira motivação para o viver santifica-
do. Não podemos ser meros membros de uma ONG piedosa e caritativa.
Queremos compartilhar nossa esperança no Cristo vivo.

Santificai ao Senhor em vossos corações


Precisamos constantemente, pastor e congregação, ser encorajados
para crescermos na fé e no amor em nossa comunhão congregacional,
familiar e social. Precisamos ser “pequenos Cristos” na sociedade e estar
preparados para sermos o que somos, não meros cumpridores de regras,
normas e regulamentos externos, mas filhos unidos com e no coração do
Pai! Congregações não são centros de tradições eclesiásticas (C.T.E).
Cristo necessita de ecos, respostas em cada geração. Hoje o desafio
é nosso. Nossa vida e discurso podem ecoar os ensinamentos de nosso
Senhor Jesus Cristo que transformam corações.
Em um mundo de rápidas e constantes mudanças, queremos viver
Cristo. Isso é um desafio imutável para o cristão. Foi no tempo de Jesus,

181
IGREJA LUTERANA

de Pedro, de Lutero, de hoje. Hoje o privilégio é nosso de vivermos nosso


chamado de testemunhas do Senhor.

Gerhard Grasel
Canoas/RS
pastorgrasel@ulbra.br

182
A ASCENSÃO DO SENHOR
Salmo 47; Atos 1.1-11; Efésios 1.15-23; Lucas 24.44-53

A festa da Ascensão de Jesus Cristo, 40 dias após a Páscoa, é a grande


festa de sua coroação como Rei dos reis, Senhor dos senhores, Rei do
universo, Cabeça de sua Igreja.
Na terra, ali no monte das Oliveiras, perto de Betânia, um pequeno
grupo de pessoas – e parece que até hoje é assim – só poucas pessoas,
Jesus, seus 11 discípulos. Mas no céu, Jesus foi recebido com júbilo
por milhares de anjos, como afirma o salmista: “Subiu Deus por entre
aclamações, o Senhor, ao som de trombeta” (Sl 47.5).
Compreendemos ainda este importante passo na exaltação de Jesus
e seu significado para nós, seus seguidores? Confessamos no Credo
Apostólico: “Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus... e verdadeiro ho-
mem... desceu ao inferno, no terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu
ao céu, e está sentado à direita de Deus Pai, todo-poderoso, donde há
de vir a julgar os vivos e os mortos”. A ascensão de Cristo é o terceiro
passo em sua exaltação, pela qual encerra sua presença visível na terra.
Ele, porém, garantiu a seus discípulos: “Eis que estou convosco, até a
consumação dos séculos”, quando voltará glorioso, com todos seus santos
anjos, para julgar vivos e mortos (At 17.31).
Um relato do ano de 385 A.D. (Ano do Senhor Jesus) afirma que o
dia da Ascensão era celebrado em Jerusalém com uma peregrinação ao
monte das Oliveiras, onde era celebrado um culto campal. O historiador
inglês Bede, do século VIII, relata que a celebração da Ascensão de Cristo
igualava-se aos festejos da Páscoa. As comunidades tinham o hábito de
celebrar a quinta-feira da Ascensão com cultos campais. Hoje, em nossos
dias corridos, a maioria das comunidades cristãs celebra a Ascensão de
Jesus no domingo após a Ascensão.
Queremos ater-nos neste dia da Ascensão à epístola do dia: Efésios 1.15-23.
O evangelho de Lucas afirma que os discípulos voltaram alegres para
Jerusalém. “Eles voltaram tomados de grande júbilo; e estavam sempre
no templo louvando a Deus” (Lc 24.52,53). O que tudo não deve ter
passado pela cabeça dos discípulos durante estes dez dias, entre a Ascen-
são e o dia de Pentecostes? Eles examinaram as Escrituras. Num estudo
com os jovens, nós percorremos rapidamente as principais passagens
que falam da Ascensão de Jesus: AT: Sl 47.5; Sl 68.18; Sl 110.1; Sl
22.8,28; Is 53.11-12. E no NT: Mt 28.18-20: Mc 16.19-20; Lc 24.25-26,
50-51; At 1.1-2,9-11; Jo 3.13; Jo 12.32; Jo 16.5,6,28; Ef 4.8; 1Pe 3.22;
Hb 1.3; 8.1,27; Hb 10.11-14.

183
IGREJA LUTERANA

Jesus os deixou na terra com uma grande incumbência: “Ide fazei dis-
cípulos de todas as nações” (Mt 28.19). Devem ter-se sentido pequenos e
com muitas interrogações, como nós ainda hoje, pois a ordem cabe a nós
também. Ouçamos, portanto, as palavras de nossa epístola.

INTRODUÇÃO

O apóstolo Paulo encontra-se preso, provavelmente em Roma. Ali me-


dita e contempla seu trabalho. O evangelho não está preso. Ele escreve
cartas e ora pelas comunidades. Nesta carta aos efésios temos uma de
suas belas orações pela comunidade. Como andam nossas orações pelas
comunidades e a Igreja Cristã em geral?
Vv. 15-17: Ele recebeu boas notícias da comunidade e agradece a Deus,
Pai de Jesus, Pai de toda a glória, por ter abençoado estas comunidade
com conhecimento de Cristo, isto é, fé na graça de Cristo. O apóstolo
suplica a Deus para que lhes conceda o Espírito de sabedoria e de reve-
lação no pleno conhecimento dEle. O que vem a ser isso? Não se pensa
aqui em dons (carismas) especiais, mas na sabedoria do conhecimento da
salvação. Nós diríamos, hoje, no conhecimento das verdades principais da
salvação, a saber, do Catecismo Menor. Também a expressão “revelação”
tem o mesmo sentido: refere-se a conhecimento do evangelho, isto é, da
história da Bíblia, para serem firmados, fundamentados e selados na fé
em Cristo (1 Jo 2.27).
V.18: “Iluminando os olhos de vosso coração [...]”. Os fiéis têm o
Espírito Santo. Eles foram selados com ele no batismo, mas importa
crescer. Quando o Espírito Santo gerou a fé, ele os chamou e iluminou
com seus dons. Ele veio fazer neles habitação (Jo 14.17). Ele gerou a fé
e eles precisam agora, na fé, crescer no conhecimento, pelo ouvir e ler,
estudar e meditar na palavra de Deus. Pois é somente por Palavra e sa-
cramentos que o Espírito Santo chega ao coração, gera a fé e edifica sua
Igreja. Deus nos amarrou aos meios da graça. “Enchei-vos do Espírito”
não significa outra coisa do que ouçam, leiam, meditem na palavra de
Deus com oração, pedindo para que o Espírito, por estes meios, vos ilu-
mine, faça conhecer a graça de Deus e vos firme na fé. O Espírito Santo
que habita nos fiéis glorifica a Cristo em seus corações (Jo 16.14), isto
é, ele torna Cristo grande, mostra-lhes a obra redentora de Cristo e seu
significado para a vida.
Desta fé brota o amor a Deus e ao próximo, e somos firmados na
esperança. A esperança tem um alvo, a herança celestial, a plenitude da
salvação, a alegria celestial.
Enquanto aqui na terra, nós estamos em luta com nossa natureza
carnal, com as trevas no mundo, com as forças do mal que querem nos

184
A ASCENSÃO DO SENHOR

desviar da fé. A luta é árdua. Diariamente precisamos pedir perdão a Deus


e pedir que ele não retire de nós o seu Espírito e nos restitua a alegria da
salvação. Vigiai e orai (Mc 14.38; 1Pe 5.8; Ef 6.13-20). Andai no Espírito
e jamais satisfareis a concupiscência da carne (Gl 5.16-25).
A conservação da fé é um grande triunfo do gracioso poder de Deus
(Ap 2.10).

CONCLUSÃO

Estamos entre a grande festa da Ascensão e à nossa frente a festa de


Pentecostes. É hora de suplicar “que Deus Pai, por sua graça, nos conceda
rica medida do seu Espírito, de sabedoria e de revelação, para crescermos
na fé, no amor e na esperança”. Amém.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Esta exegese pode ser usada como sermão. Podemos incrementá-la


com o salmo do dia, bem como o evangelho e a leitura de Atos. A epís-
tola sugere o tema: a súplica pelo Espírito Santo em preparação ao dia
de Pentecostes.

Horst R. Kuchenbecker
São Leopoldo/RS
horstkuchenbecker@gmail.com

185
SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA
Salmo 68.1-10; Atos 1.12-26; 1 Pedro 4.12-19;5.6-11; João 17.1-11

LEITURAS

Salmo 68.1-10: A vitória de Deus sobre os seus inimigos. O povo de


Deus se regozija e exulta na presença de Deus. O Senhor luta pelo seu
povo perseguido.
Atos 1.12-26: Matias é escolhido para fazer parte dos doze apóstolos
como testemunha da morte e da vitoriosa ressurreição de Cristo.
João 17.1-11: Jesus ora pelos seus discípulos, que “continuam no
mundo”, para que Deus os guarde do mal.

CONTEXTO

Histórico: Os cristãos estavam sendo duramente perseguidos por


causa da sua fé. Pedro os incentiva a ficarem firmes na fé e a se re-
gozijarem no sofrimento, em vista da glória futura. O Cristo sofredor e
vitorioso é colocado diante dos olhos dos perseguidos, na esperança da
ressurreição.
Litúrgico: Estamos no domingo entre a Ascensão de Cristo e o Pen-
tecostes. Jesus volta aos céus (João 17.11a) e o Espírito Santo (1 Pedro
4.14) é enviado para estar com os cristãos e guardá-los na graça.

O TEXTO

1 Pedro 4.12-19
V.12: A perseguição não deve ser vista como algo novo. Se o próprio
Cristo foi perseguido e morto pelos inimigos da igreja, não será diferente
com os seguidores de Cristo.
Vv.13,14: Cumpre-se o que Jesus havia dito nas bem-aventuranças,
conforme Mateus 5.10-12.
Vv.15-18: Se um cristão sofre por praticar o mal (determinados pecados
são mencionados), isto não é motivo de glória, mas de vergonha e juízo.
A justiça de Deus não falha, nem nesta vida nem no dia final.
Vv.19: Nossas almas estão nas mãos de Deus. Diante do mal, pratica-
mos o bem: 1 Pedro 3.13-17, um tema constante nesta carta de Pedro.
SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA

1 Pedro 5.6-11
V.6: A recompensa pertence a Deus (Lucas 14.11).
V.7: Ansiedade… Sempre de novo temos que ser lembrados desta
verdade. Filipenses 4.6,7: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em
tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela
oração e pela súplica, com ações de graça…”
Vv.8,9: O diabo continua sendo uma realidade. Não podemos ignorá-lo
nos seus ataques contra os cristãos e nos seus intentos.
Vv.10,11: Graça de Deus e esperança da vida eterna. Doxologia.

MEDITATIO

Vv.12,13:
a) Recebo semanalmente relato de perseguições sofridas por cristãos
na Índia: cultos interrompidos, igrejas incendiadas, famílias expulsas de
sua vila natal por se terem tornado cristãs, pastores e líderes aprisionados.
Ouvimos da perseguição aos cristãos no Afeganistão e em outros países
muçulmanos… No século XX foram mortos mais cristãos do que em toda
a história da Igreja Cristã.
b) No livro Histórias da História da IELB (Concórdia Editora), temos
vários relatos de perseguições sofridas pelos nossos pioneiros. Destaco a
página 83, onde o professor John Neukucatz escreve: “Um dia um grande
grupo constituído de todos os maus elementos da comunidade se reuniu
em frente à igreja para me dar o ultimato: ‘Deixe de dar instrução religiosa
na escola – isto é perda de tempo – ou vá embora! Fora com a Bíblia’. A
grande turba se aproximava de mim enquanto eu tentava explicar, mas
os gritos e as ameaças cresciam cada vez mais. Vi revólveres acenando...
Aí o barril de pólvora explodiu...” (Recomendo a todos a leitura deste li-
vro para conhecermos melhor a que duras penas a IELB foi estabelecida,
valorizando mais a nossa herança).
c) Temos liberdade religiosa em nossa pátria, mas sofremos pressão
e ameaças por causa de nossas ‘opiniões’ bíblicas, e somos chamados de
‘atrasados’ por não seguirmos as tendências atuais de comportamento
libertinoso e contrário à Escritura. Nem sempre ‘a voz do povo é a voz de
Deus’. Somos discriminados por não seguirmos a opinião de uma minoria
(gay, etc.) que está impondo a sua vontade dentro do que se chama de
‘politicamente correto’.
d) Em todas as situações da vida, especialmente em sofrimentos,
temos que fixar os nossos olhos em Cristo, sofredor e vitorioso por nós!
“Cristo sofreu em nosso lugar...” (1 Pedro 2.21). Sua vitória é a nossa
vitória! Sua ressurreição é a nossa ressurreição! Jesus orou por nós em
sua Oração Sacerdotal (evangelho para hoje).

187
IGREJA LUTERANA

Vv.14-19:
Enquanto preparo este estudo, Papa Francisco foi eleito líder da Igreja
Católica Romana. Ele é abertamente contra o aborto e a união de pessoas
do mesmo sexo. Muito bem foi comentado no Facebook: “Será que alguém
terá a coragem de acusá-lo de homofóbico, como estão ameaçando as
igrejas e os pastores sérios do Brasil?” Mesmo que soframos pela verdade,
jamais podemos negar a verdade. “Se é com dificuldade que o justo é
salvo, onde vai comparecer o ímpio, sim, o pecador?”
5.8,9:
“Leão que ruge procurando alguém para devorar...” Parece apenas uma
figura de linguagem, mas nós vivenciamos isto inúmeras vezes durante
o nosso ministério no Quênia. As aldeias da tribo Massai são construídas
em círculo e cercadas por espessas camadas de galhos e árvores com
espinhos. À noite o gado é guardado no pátio circular que se forma no
centro da aldeia. Alguns jovens guerreiros montam guarda a noite toda
para espantar leões e outros animais que tentam se aproximar para matar
o gado. Acampamos em parques/reservas com guardas Massai fazendo
a ronda a noite toda, e ouvíamos o rugido dos leões, as ‘gargalhadas’
sinistras das hienas e o barulho típico de outros animais saindo a caçar à
noite em busca de uma presa. – Se alguém se descuida, o diabo arrebata.
Cristo venceu o diabo por nós. Por isso o apóstolo Pedro pode terminar a
perícope de hoje com um ‘glória’ e um ‘amém’!

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Situações difíceis para o cristão.


Objetivo: Refletir sobre as situações de ‘perseguição’ dentro da nossa
realidade atual, e apontar para Cristo como o único que nos orienta e nos
fortalece nas pressões que sofremos.
Problemas na vida cristã:
- Acomodar-se com a situação à nossa volta.
- Conformar-se com o mundo.
- Desistir da luta em face das pressões.
- Reclamar de Deus.

A solução de Deus:
Cristo sofreu em nosso lugar! O maior sofrimento no inferno não nos
aflige mais!

INTRODUÇÃO:
Expor a realidade de perseguição do texto e da nossa realidade atual.

188
SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA

I. Desafios diários:
- A vida de negócios, concorrência desleal, entrar no mesmo jogo.
Catecismo Maior, Sétimo Mandamento.
- Amigos com comportamento sexual contrário à Escritura: Vamos
fazer como eles?
- Cap. 4.15,16; 5.8.
II. Ansiedade x Fé: – Quem não é ansioso?
- Neste quesito, vemos como nossa fé é pequena e o quanto preci-
samos da ajuda de Deus.
- Cap. 5.6,7.
III. Diante de injustiças que sofremos, temos um justo Juiz.
- Cap 4.17-19

CONCLUSÃO:
- Olhamos para Cristo e louvamos a Deus.
- Cap. 4.13; 5.10,11.

Carlos Walter Winterle


Cidade do Cabo, África do Sul
cwwinterle@yahoo.com.br

189
DOMINGO DE PENTECOSTES
Salmo 25.1-15; Números 11.24-30 [Joel 2.28-32];
Atos 2.1-21; João 7.37-39

LEITURAS DO DIA

Salmo 25.1-15: Oração de Davi. Dos versículos 1 a 3, exaltação pes-


soal/individual ao Senhor. Elevação da alma demonstrando confiança. De 5
a 7, pedidos pessoais. De 8 a 10, elevação coletiva, como um testemunho.
De 11 a 15, volta a ser pessoal/individual, porém é em nome do Senhor,
em função de sua santidade, que o salmista pede perdão. Não há exalta-
ção própria, mas um pedido que tem abrigo e amparo na misericórdia de
Deus. (Todo o salmo deveria ser lido no culto).
Números 11.24-30: Moisés reclama a Deus. Acha sua responsabi-
lidade pesada demais. Deus ouviu seu clamor e pediu que ele ajuntasse
setenta homens dos anciãos de Israel para receberem o Espírito e, juntos
com Moisés, levarem a carga do povo. O Espírito repousou sobre eles e
profetizaram.
João 7.37-39: Jesus aponta para o dia em que receberiam o Espírito.
Aponta para a realidade que viveriam seus discípulos, aqueles que nele
creem, conforme registrado em Atos.

APRESENTAÇÃO: ATOS 2.1-21

Temos nesta perícope dois aspectos a serem observados: o relato da


manifestação do Espírito Santo e parte do discurso de Pedro. Ambos en-
focam o cumprimento da promessa de Deus feita ao povo de Israel, bem
como de Jesus aos discípulos.
Quanto à manifestação do Espírito Santo, o milagre ocorre tanto entre
os apóstolos que passaram a falar em outras línguas quanto entre a mul-
tidão de ouvintes que passaram a ouvi-los em sua própria língua.
É interessante observar que eles receberam o Espírito e falaram em
línguas sem a necessidade de um batismo especial.
Jesus havia instruído os seus para que esperassem a vinda do Espírito
Santo. O cumprimento da promessa se deu no dia de Pentecostes.
Pentecostes é a festa que se celebra no quinquagésimo dia depois da
Páscoa. Era a segunda grande festa do ano judaico, uma festa da colhei-
ta. Para o judaísmo pré-cristão essa festa era vista como da renovação
da aliança. Para Lucas, é cumprimento da promessa divina (Lc 24.49;
At 2.33) e é o cumprimento da promessa da aliança (At 2.39). Por outro
DOMINGO DE PENTECOSTES

lado, ele apresenta o Pentecostes como o início da missão mundial. Porque


aqueles que testificam os efeitos do derramamento do Espírito e ouvem o
evangelho, proclamado por Pedro, representam “todas as nações debaixo
do céu” (At 2.5), pois a lista das nacionalidades abrange um vasto pano-
rama do Mediterrâneo Oriental. Não se enfatiza a dimensão escatológica
do entusiasmo produzido pelo Pentecostes. Ao contrário dos cristãos pri-
mitivos, que o encaravam como precursor do fim, Lucas esforça-se para
representá-lo como sendo o início de uma era completamente nova da
história da salvação (DITNT, 2000, pp. 1638-1641).
“As chamas em forma de lingueta, por cima das cabeças dos discípulos,
simbolizaram a capacidade de falar miraculosamente, em idiomas que não
haviam aprendido, em reversão da ‘confusão das línguas’ por ocasião da
construção da torre de babel” (GUNDRY, 1991, p. 243). O grupo de pesso-
as peregrinas não residentes na Palestina, tanto judeus quanto prosélitos
gentios, reconheceram os idiomas de suas próprias terras. Já os palestinos
que não as entendiam acusaram os cristãos de embriaguez.
Enquanto o dom de línguas estava sendo concedido, os apóstolos não
estavam alheios ao que estava acontecendo, como em estado de êxtase.
Pelo contrário, estavam lúcidos, sensatos e racionais. Até este momento
estavam assentados. No entanto, Pedro, ao perceber que debochavam
deles, levantou-se com os onze e, erguendo a voz, advertiu os zomba-
dores e discursou.
A partir daí temos o discurso de Pedro. Para uma reflexão mais apro-
fundada, é necessário ler até o versículo 41. Com isso tem-se uma visão
de todo o discurso e o resultado dessa pregação em que quase três mil
pessoas foram batizadas naquele dia.
Pedro primeiramente refuta as zombarias, enfatizando que era a ter-
ceira hora do dia e que não estavam embriagados. Entretanto, a força de
seu argumento está no cumprimento da profecia anunciada pelo profeta
Joel. Destaca-se a amplitude do derramamento do Espírito, pois acontece
sobre toda a carne: filhos, filhas, jovens, velhos, escravos e escravas,
tanto homens quanto mulheres profetizariam. Pessoas de todas as classes
e condições de vida e de diferentes nacionalidades se tornariam partici-
pantes do Espírito e de seus dons.
A argumentação de Pedro é que os judeus haviam tirado a vida de
Jesus, mas que Deus o ressuscitara dentre os mortos e o exaltara. O der-
ramamento do Espírito, sobremaneira, comprovava a exaltação de Jesus
e que o milagre de falar em “línguas” (idiomas estrangeiros) comprovava,
por conseguinte, o derramamento do Espírito (GUNDRY, 1991, p. 243).
Não podemos nos esquecer de refletir sobre o Terceiro Artigo do Credo
Apostólico. Na explicação, destaca-se não apenas a pessoa do Espírito
Santo e sua função, mas também das três pessoas da Trindade. Lemos que

191
IGREJA LUTERANA DOMINGO DE PENTECOSTES

não poderíamos saber algo a respeito de Cristo ou crer nele e conseguir


que seja nosso Senhor, se o Espírito não nos tivesse oferecido e presen-
teado pela pregação do evangelho. O Espírito Santo efetua a santificação
por intermédio das seguintes partes: a congregação ou igreja cristã, o
perdão dos pecados, a ressurreição da carne e a vida eterna. E santificar
nada mais é do que conduzir ao Senhor Jesus. Porque onde não se prega
a Cristo, aí não há Espírito Santo, que cria, chama e congrega a igreja
cristã, fora da qual ninguém pode vir a Cristo Senhor. Por fim, ressalta-se
que a criação já é coisa feita. Também a redenção já está realizada. Mas
o Espirito Santo leva avante sua obra sem cessar, até o último dia. (LIVRO
DE CONCÓRDIA, 1997, p. 451-457).

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Deus cumpre suas promessas.


Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.

Jeferson Andre Samuelsson


Santarém/PA
jasamuelsson@gmail.com

192
Volume 72 • N° 1 • 2013

Volume 72 • Junho 2013 • Número 1

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