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IGREJA LUTERANA

Revista Semestral de Teologia

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IGREJA LUTERANA

SEMINÁRIO
CONCÓRDIA

Diretor
Gerson Luis Linden

Professores
Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Gerson Luis Linden,
Leopoldo Heimann, Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille
Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

Professores Eméritos
Donaldo Schüler, Paulo F. Flor
Norberto Heine

IGREJA LUTERANA
ISSN 0103-779X
Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de
Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB),
São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho Editorial
Paulo Wille Buss (Editor), Paulo Proske Weirich (Editor Homilético), Acir Raymann.

Assistência Administrativa
Nara Coelho do Rosário

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana


e Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com


endereço e selado.

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CORRESPONDÊNCIA
Revista Igreja Luterana
Seminário Concórdia
Caixa Postal 202
93001-970 – São Leopoldo/RS
Telefone: (0xx)51 3592 9035
e-mail: revista@seminarioconcordia.com.br
www.seminarioconcordia.com.br

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ÍNDICE
ARTIGOS
CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ:
DESENVOLVENDO UMA ATITUDE ACOLHEDORA 5
Samuel Reduss Fuhrmann

FÓRMULA DE CONCÓRDIA - EPÍTOME (p.529-531)


E DECLARAÇÃO SÓLIDA (p.654-660)
X. DE PRAXES ECLESIÁSTICAS CHAMADAS ADIAPHORA
OU COISAS INDIFERENTES 29
Ezequiel Blum

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 37

DEVOCIONAL
“TODOS OS DEUSES ESTÃO MORTOS” - João 5.1-9 188
William D. Miller

IGREJA LUTERANA
Volume 69 – Novembro 2010 - Número 2

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ARTIGOS

CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A


PARTIR DA CRUZ: DESENVOLVENDO UMA
ATITUDE ACOLHEDORA
Samuel Reduss Fuhrmann*

1 INTRODUÇÃO

A maneira como o mundo aborda o problema do alcoolismo é, na


maioria das vezes, moralista. Embora exista um constante incentivo ao
consumo de bebidas alcoólicas através da mídia, quando alguém se torna
um alcoolista, este é tratado com certa discriminação e, segundo membros
do AA, a pessoa perde até o próprio nome, pois passa a ser chamado de
“o bêbado”.
Por vezes percebe-se que até mesmo comunidades cristãs assimilam
tal forma de portar-se frente a este problema; assim, ao invés de serem
instrumentos de Deus, acolhendo, ajudando e oferecendo perdão, igrejas
incorrem no risco de tornarem-se não acolhedoras e apenas mais uma
voz a pronunciar julgamentos morais com respeito a pessoas que têm
problemas com o álcool.
Devido a isso, a problemática desta pesquisa está na maneira como
dependentes do álcool são acolhidos pastoralmente e por irmãos na fé (ou
até mesmo na “não acolhida” da parte de muitas congregações). Assim,
este trabalho não abordará todas as dimensões do alcoolismo, mas apenas
aqueles aspectos considerados relevantes para o objetivo da pesquisa, a
saber, a busca de uma atitude acolhedora.
Para tanto, o primeiro capítulo focará numa correta definição do alco-
olismo e sua dimensão (individual, familiar - comunitária), mencionando
algumas abordagens ao assunto, bem como uma visão bíblica do consumo
de bebidas alcoólicas.
Já no segundo capítulo, visando respostas à problemática da pesquisa,
buscar-se-á desenvolver uma abordagem pastoral que tomará por pres-
supostos fundamentais alguns princípios teológicos luteranos tais como:
a condição humana após a queda em pecado, lei e evangelho, Palavra e
sacramentos; tais elementos são, aqui, considerados fundamentais no
cuidado pastoral a alcoolistas.

* Pastor da IELB em Santa Cruz do Sul, RS. Trabalho produzido sob a orientação do
pastor e psicólogo Norberto E. Heine e apresentado como trabalho de conclusão ao
Colóquio Teológico Pastoral (CTP) do curso de Especialista em Ministério pelo Seminário
Concórdia.

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IGREJA LUTERANA

Concluindo a pesquisa, o terceiro capítulo apresentará um breve es-


tudo exegético de Romanos 15.1-7 a fim de buscar apontar biblicamente
para a origem e a motivação da atitude acolhedora por parte do pastor,
sem deixar de mencionar o caráter comunitário da mensagem da cruz, o
que é muito importante no cuidado a alcoolistas; tal aspecto será tratado
brevemente em termos de liberdade cristã.
Um pressuposto fundamental nesta pesquisa é que o cuidado pastoral
ao alcoolista, de forma acolhedora, configura-se nas verdades aprendidas
a partir da cruz (o que justifica a escolha do referido texto).

2 ALCOOLISMO: CONCEITO E DIMENSÃO

Conceituar o alcoolismo, como destaca José Manoel Bertolote, não


é uma tarefa fácil. Indo, além disso, buscar acolher pessoas que lutam
contra tal problema, vem a ser ainda mais desafiador. Para tal, desde já
e a fim de evitar uma abordagem com ênfase no ponto de vista moral,
esta pesquisa referir-se-á a pessoas com tal problema como “alcoolistas”.
Um alcoolista é aquele que, segundo a Organização Mundial da Saúde, “é
um bebedor excessivo, no qual a dependência do álcool é de abrangência
física e psicológica, o que, consequentemente, passa a gerar transtornos
físicos, mentais e sociais (interpessoais)”.

Neste primeiro capítulo, onde se quer desenvolver uma breve, porém,


correta definição do alcoolismo, bem como apontar para a dimensão do
problema no que concerne ao acolhimento de um alcoolista, serão apre-
sentados alguns aspectos bíblico/teológicos que servirão de base para
uma reflexão teológica sadia. Tais aspectos são necessários porque, por
vezes, a bebida alcoólica é, em si mesma, considerada como algo mau e
seu consumo, como pecado; tal idéia coloca o foco no lugar errado e não
compreende a visão bíblica sobre o assunto.

2.1 A BEBIDA ALCOÓLICA NO CONTEXTO BÍBLICO

O Antigo Testamento faz várias referências ao uso do álcool sob uma


perspectiva positiva de seu consumo, afirmando que o vinho alegra o co-
ração do homem e é algo bom aos olhos de Deus (Sl 104.15; Jz 9.13).
De acordo com Wilhelm Mundle,

O vinho [...] também fazia parte da vida diária, e seria mais


saudável para beber do que boa parte da água disponível. O
vinho era bebido nas festas, e era um presente honrado (1 Sm
15.18; 2 Sm 16.1).

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CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

O Antigo Testamento ainda registra aquele que é, por vezes, chamado


de o primeiro “porre” da história da humanidade. Tal ocasião refere-se a
Noé, que se embriagou com o vinho de sua plantação de uvas. Um aspecto
importante aqui é que o texto bíblico não apresenta qualquer repreensão
ou castigo a Noé, mas sim a seu filho Cam, pois tornou pública a situação
humilhante na qual o pai se encontrava (Gn 9.18-29).
No entanto, o Antigo Testamento também afirma que, para aquele que
é vencido pela bebida, o vinho torna-se escarnecedor (Pv 20.1).
No Novo Testamento o vinho também é visto como algo importante para a
sociedade da época. Conforme o evangelho de João, Jesus transformou água
em vinho em uma festa de casamento (Jo 2.1-12), o que indica que nem
bebida alcoólica nem seu consumo são maus, em si, aos olhos de Deus.
Além disso, o apóstolo Paulo, em uma de suas cartas pastorais, acon-
selha o jovem pastor Timóteo para que beba não “somente água”, mas
também “um pouco de vinho” devido a seus problemas de estômago (1
Tm 5.23). Tal aspecto evidencia que o vinho, por exemplo, era, às vezes,
usado como remédio.
Um fator importante aqui é que:

O NT mantém uma atitude em relação ao vinho semelhante


àquela no AT. De um lado, é uma das dádivas da criação de Deus
a ser desfrutada. Do outro lado, abster-se de beber vinho pode
ser necessário [...].

Com isso, conclui-se que a bebida alcoólica não é condenada na Es-


critura, visto ser uma dádiva de Deus que alegra o coração do homem.
No entanto, quando é feito mau uso de tal dádiva, é vista como prejudi-
cial. Nesse sentido, ao falar sobre o bom e o mau uso que é feito da lei
de Deus, Martinho Lutero ilustra seu ponto por afirmar que tudo o que
Deus criou é para o nosso deleite; o problema, porém, está no uso que
fazemos disso.

2.2 CONCEITUANDO O ALCOOLISMO

O termo alcoolismo é atribuído ao médico suíço Magnus Huss e foi


popularizado em meados do século XIX, sendo considerado, “inequivo-
camente”, como uma doença. Tal conceitualização, no entanto, é objeto
de discordância entre muitos, como lembra Gary R. Collins. Segundo o
autor, “o conceito de doença tende a aliviar o alcoólatra [alcoolista] de
sua responsabilidade pessoal”, e não compreenderia a dimensão completa
do problema. Nesse ponto, argumenta Collins, “em algum momento todo
bebedor decide tomar o primeiro gole”, o que parece caracterizar um en-
foque do ponto de vista moral na abordagem à dependência do álcool.

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IGREJA LUTERANA

Ambas as posições são claramente observadas nas palavras de Ber-


tolote:

Assistimos, nos últimos dois séculos, um embate entre duas po-


sições predominantes polarizadas: de um lado, uma concepção
moral do fenômeno [o alcoolismo] e, de outro, uma concepção
médica que o caracteriza como doença [grifo do autor].

Tendo em vista que esta pesquisa não tem por objetivo entrar nesta
discussão de conceitos, busca-se aqui evitar uma definição que minimize
a dimensão do problema, mas que o compreenda tal como é. Por isso, é
importante considerar a definição sugerida por Bertolote. Segundo o au-
tor, nos últimos anos o alcoolismo tem sido devidamente definido “como
um fenômeno que se manifesta em várias dimensões, expressando-se ao
longo de distintos eixos: físico, mas também psicológico e social”. Dessa
forma, conclui o autor:

O alcoolismo não deixou de ser considerado como uma


doença, mas o fato de constituir uma doença é apenas um dos
inúmeros problemas encontrados, em associação com determi-
nados padrões de ingestão de álcool [destaque nosso].

Portanto, a partir do que foi evidenciado até aqui, este trabalho assume
como princípio o fato de que o alcoolismo é uma doença, mas como sugere
Burns, uma “doença multifacetada” [destaque nosso] em que os aspec-
tos físico, emocional, social e espiritual são afetados; consequentemente,
o acoolista, a família e a igreja sofrem tais consequências.

2.3 DIMENSÃO DO PROBLEMA

Uma dificuldade no cuidado pastoral a um alcoolista, entre outros fato-


res, é o fato de que todo dependente do álcool sofre, além da dependência
química e da autoexclusão do convívio social, a falsa imaginação de que
não é doente, ou de que o problema não existe. Embora o alcoolismo seja
um fenômeno muito comum nos dias de hoje, é uma das doenças menos
compreendidas como tal. Nesse sentido, Juiz Bill C. afirma o seguinte:

O alcoolismo é, sem dúvida alguma, a mais mal interpretada e


mal compreendida doença em todo mundo. É a única doença da
qual homens e mulheres sofrem e cuja natureza é tal que ela
convence essas mesmas pessoas de que não estão doentes. É
exatamente por isso que tem causado mais problemas, mais
sofrimento, mais miséria do que qualquer outra doença da qual
a humanidade já tenha sofrido.

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CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

Sofrimento é uma palavra importante para alcançar uma compreensão


correta da situação na qual todo alcoolista se encontra. Embora geralmente
taxados de “sem-vergonhas”, muitas vezes alcoolistas vivem sob profunda
depressão e sem qualquer esperança. Situação assim é mencionada pelo
autor Richard C. Eyer, em seu livro Pastoral care under the cross. Des-
crevendo situações de pacientes em depressão, Eyer menciona a história
de um padre aposentado que lutava contra o alcoolismo. “Existe qualquer
esperança?” é a pergunta feita pelo alcoolista em recuperação, expressando
um profundo sentimento de desespero e culpa diante de seu problema.
Além disso, para uma possível recuperação, os Alcoólicos Anônimos
(AA) acreditam que o dependente precisa chegar “ao fundo do poço” e,
assim, admitir que não tem controle sobre o álcool. No entanto, como
lembra Collins, “algumas pessoas morrem ou sofrem danos irreversíveis
antes de chegar ao fundo do poço”.
Com isso, quer-se deixar claro e em destaque que o alcoolismo é,
antes de tudo, sofrimento humano. Tal sofrimento não é apenas visto na
pessoa do alcoolista, mas também na família do indivíduo dependente do
álcool, sendo este cristão ou não – o alcoolismo pode afetar a todos. Nesse
sentido, Collins destaca que o uso indevido de bebidas alcoólicas

[...] separa famílias, arruína carreiras, destroi corpos, acaba com


amizades e provoca sofrimentos incalculáveis. [...] uma em cada
quatro famílias é afetada pelo álcool. O alcoolismo atinge homens
e mulheres. Ele atinge tanto os que estão fora da igreja quanto
os que estão dentro dela, inclusive os evangélicos.

2.3.1 Reflexos do Alcoolismo na Vida Familiar

Os problemas e sofrimentos causados pelo alcoolismo são refletidos


de forma mais intensa no âmbito familiar. Nesse sentido Griffith Edwards,
falando sobre o tratamento à família vítima do alcoolismo, observa que:

Um problema de bebida envolve tão intensamente a família


quanto o paciente (neste caso o cônjuge) [...], é preciso ven-
cer uma restrição social inconsciente – o sentimento de que é
embaraçoso pedir a uma mulher que fale a respeito do marido
e sobre si mesmo.

Em famílias que convivem com problemas de bebidas alcoólicas pode


ser observado quão agravante são as brigas, traumas e medos, visto que
estas consequências do mau consumo do álcool desencadeiam em per-
das, no afastamento do cônjuge e na indiferença de um para com o outro
(principalmente da pessoa saudável para com o alcoolista). Tal fato pode
ser evidenciado no seguinte depoimento:

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IGREJA LUTERANA

É terrível, mas eu acho que todos nos acostumamos a isto: à


noite, todos vamos para a cama antes que ele volte e eu finjo
que já estou dormindo quando ele entra no quarto. Aviso às
crianças para ficarem longe dele. Às vezes ele chega mais cedo,
mas, se estamos na sala vendo televisão, em geral ele vai direto
para cozinha. Saio com as crianças no fim de semana, sem ele.
Sinceramente, nós nem o convidamos.

Estes problemas podem, com o passar do tempo, desencadear no


divórcio do casal, o que reforça ainda mais o que está se dizendo neste
tópico, a saber, que o problema do alcoolismo reflete de maneira mais
evidente no convívio familiar. O não saber lidar com o problema resulta
na exclusão parcial ou total de um alcoolista do convívio familiar.
Tal situação pode levar toda a família a isolar-se do convívio social, visto
que seus membros temem e evitam qualquer situação que os exponham
à alguma situação constrangedora devido ao problema do cônjuge e pai
(ou mãe). Este medo e vergonha também podem levar os familiares a
buscar “manter o problema longe dos olhos da comunidade”, evitando,
por exemplo, que o alcoolista amanheça sobre seu próprio “vômito” e
“urina” e, dessa forma, não permitindo que o dependente do álcool veja
e reconheça a gravidade do próprio problema (o que será referido nova-
mente no cap. 2).
Além da exclusão gerada dentro da própria família do alcoolista, a
sociedade como um todo tem preconceitos e concepções morais nada
acolhedoras diante do dependente do álcool. Isto é evidenciado, conforme
Ernani Luz Jr., até mesmo entre aqueles que, profissionalmente, têm por
função acolher e ajudar pessoas com este problema. O autor destaca que
“muitas vezes profissionais apresentam dificuldades em conversar aberta-
mente com os pacientes sobre o uso do álcool”; com isso, conclui Luz,

É provável que isso mostre preconceitos dos técnicos com o


assunto álcool-alcoolismo, sentindo-o como imoral, vergonho-
so, secreto, com o qual os pacientes poderiam ofender-se [...]
[destaque nosso].

Tais atitudes diante do alcoolismo são, na maioria das vezes, “não aco-
lhedoras” e, em muitos casos, passam a ser assimiladas por congregações
cristãs; assim, a igreja perde seu caráter acolhedor. Este aspecto, bem
como os demais mencionados neste capítulo – doença, sofrimento, culpa,
preconceitos e exclusão – tornam-se pontos de contato entre o conselheiro
e o alcoolista, de modo que o pastor pode oferecer cuidado pastoral aco-
lhedor. Tal cuidado, sem deixar de considerar a importância da disposição
do alcoolista para lutar contra o alcoolismo, baseia-se na esperança que
provém do Deus que nos acolhe incondicionalmente em Cristo.

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CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

3 CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA

Cuidado pastoral, conforme defende Eyer, “não consiste em remover o


sofrimento de alguém, mas em ajudar o sofredor a aprender a interpretar
seu sofrimento à luz da cruz”. Esta concepção sobre a função pastoral
diante do sofrimento humano é de suma importância quando diante de
problemas relativos ao uso indevido do álcool, pois, por vezes, tem-se a
falsa idéia de que o “pastor irá resolver o problema”, ou que a obrigação
dele é “restaurar” o membro que está em “pecado”. No entanto, o fato é
que o pastor/cuidador não possui tal poder, mas pode colocar-se ao lado
daquele que está sofrendo e apontar, em primeiro lugar, para o Deus que
acolhe pecadores incondicionalmente, oferecendo a esperança baseada no
que Ele fez e faz por nós em Cristo. Em outras palavras, o pastor aponta
para o fato de que Deus está presente também em meio ao sofrimento
do alcoolista.

3.1 CUIDADO PASTORAL E ACOLHIDA INCONDICIONAL

Considerando o que de fato é o alcoolismo bem como sua dimensão,


o pastor/cuidador pode ajudar um alcoolista, primeiramente, evitando co-
meter erros comuns que muitos cometem ao tentar fazer um dependente
do álcool parar de beber. Nesse ponto Collins lembra o seguinte:

Para começo de conversa, é bom saber o que não ajuda: cri-


ticar, envergonhar, bajular, fazer a pessoa prometer parar,
ameaçar, esconder ou destruir garrafas de bebida, insistir que a
pessoa tenha força de vontade, pregar um sermão, fazer com
que a pessoa se sinta culpada. [Tal atitude] raramente funciona
[destaque nosso].

Além de “não funcionar”, tais atitudes mostram-se não acolhedoras e


nem confortadoras, pois centralizam toda a esperança de livrar-se do so-
frimento no próprio ser humano, no caso, no próprio dependente do álcool.
Além disso, atitudes como as descritas acima são ações contraditórias,
pois, primeiramente, o alcoolista precisa reconhecer sua incapacidade de
vencer o álcool, e não confiar numa capacidade para tal ação, na “força
de vontade”. Portanto, caso o pastor não tome por princípio evitar tais
abordagens, poderá tornar-se uma barreira entre o alcoolista e Deus, que
é a única fonte de esperança, ao invés de ser um instrumento dEle.
O que, então, fazer ou como agir pastoralmente diante do alcoolismo?
A fim de responder esta que é uma das principais questões que perpassam
cada parte desta pesquisa, tomar-se-ão por base dois princípios pastorais
básicos encontrados em C.F.W. Walther. O primeiro deles consta na 23ª tese

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IGREJA LUTERANA

de Walther, em seu livro A correta distinção entre Lei e Evangelho. A


tese foi sumarizada por Rogers Hake nos seguintes termos:

Ele (o pecador) não necessita tornar-se um ser diferente, não


necessita tornar-se purificado, não necessita corrigir sua conduta
antes de vir a Jesus. Quem é capaz de fazer dele um homem me-
lhor é somente Jesus, e Jesus o fará por ele se ele apenas crer.

Ao citar Walther, Hake aponta para o fato de que, ao aconselhar qual-


quer pessoa, o pastor conselheiro não pode pressupor que o aconselhando
abandone seus pecados para, então, ser acolhido com o evangelho. Tal
pressuposto é fundamental, também, no cuidado ao alcoolista; conforme
visto acima, o alcoolista não possui forças para, sozinho, vencer a luta
contra o alcoolismo. E, além disso, seria contra a antropologia luterana
(que será referida a seguir) pressupor que qualquer pessoa possa, primeiro,
tornar-se um ser melhor para, então, ser acolhida por Deus.
Vemos assim que a capacidade de tornar-se alguém diferente ou “me-
lhor” não está no homem. O ser humano como tal é incapaz disso, visto
ser pecador e não poder mudar essa situação. Na verdade, em Cristo,
por meio da fé, o homem é visto por Deus como alguém digno de ser
acolhido por Ele.
Dessa forma, Robert Kolb afirma que:

O ato em que Deus aceita aquilo que é imperfeito e falho sempre


transforma ao mesmo tempo que aceita. Ele nos aceita como
somos e, simultaneamente, nos transforma em seus filhos justos.
O cristão que dá testemunho aceita o semelhante com falhas e
erros, e aplica a Palavra de aceitação para combater a tolice e
seus efeitos devastadores na vida dele.

E em se tratando daqueles que já fazem parte da família da fé, Walther


lembra que:

A palavra de Deus não é aplicada corretamente quando se prega


que o abandono de certos vícios e a prática de certas obras
piedosas e virtudes são prova suficiente de que se está verda-
deiramente convertido [destaque nosso].

Mais uma vez as palavras de Walther são tomadas como princípio


importante no cuidado ao alcoolista. Uma teologia que busca provas da
acolhida de Deus (conversão) em obras humanas é teologia antropocên-
trica, e só aumenta o sofrimento, a culpa e o estado depressivo do alco-
olista. A teologia teocêntrica, no entanto, é aquela que afirma que o que
Cristo fez é suficiente e, por causa de sua obra, o homem é e permanece
acolhido por Deus.

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CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

Estas duas teses de Walther, embora desenvolvidas para uma aplicação


prática na pregação, refletem princípios pastorais luteranos e precisam
fazer parte, também, do cuidado pastoral ao alcoolista; assim como Deus
não impõe condições para acolher pecadores e acolhe a todos em Cristo,
assim também alcoolistas precisam ser acolhidos. Conforme as palavras
do apóstolo Paulo: “[...] acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo
nos acolheu para a glória de Deus” (Rm 15.7) (este texto será estudado
no capítulo conclusivo).
Somado ao que foi dito até aqui, ainda é importante considerar as pala-
vras de Hugo N. Santos, ao falar sobre uma “aceitação incondicional” sem
deixar de considerar a necessidade de um tratamento. O autor afirma:

Aceitação incondicional não é ausência de capacidade para esta-


belecer os limites necessários durante o tratamento. É, antes de
tudo, a expressão de sensibilidade humana ante o sofrimento do
outro […]. Nos evangelhos, Deus é apresentado como um Deus
de aceitação incondicional (Lc 15.11-32).

Com isso, evidencia-se que a acolhida incondicional oferecida pelo


pastor/cuidador, que é baseada na obra de Deus por nós, não desconsidera
a necessidade e importância de um tratamento clínico. Pelo contrário, o
pastor o considera como um meio pelo qual Deus ajuda pessoas em seu
sofrimento.

3.1.1 Cuidado Pastoral e a Necessidade do Tratamento Clínico

Conforme supramencionado, pastores não têm a capacidade de re-


mover o sofrimento das pessoas; pastores proclamam a mensagem que
traz alívio e conforto em meio ao sofrimento. Considerando que esta é a
função pastoral e que o alcoolismo é também uma doença física, o pastor
precisa reconhecer suas limitações no processo de cuidar do dependente do
álcool e devidamente aconselhá-lo para que o mesmo aceite submeter-se
a um tratamento. Para tal, tornam-se relevantes as palavras de Vernon E.
Johnson. Segundo o autor, o pastor conselheiro precisa abordar o assunto
de tal maneira que os alcoolistas aceitem a “realidade da existência da
doença [...], e que eles, de fato, possuem este distúrbio”.
A dificuldade que surge nesse processo, no entanto, como lembra
Collins, é o fato de que alcoolistas negam que têm problemas com o álcool
e, ainda, têm sua situação “mascarada”, em muitos casos, pela própria
família (conforme já mencionado). “Então, como podemos fazer o alcoó-
latra [alcoolista] entender que precisa de ajuda?” questiona o autor. Para
responder esta questão, Collins remete seus leitores, mais uma vez, ao AA.
Segundo os membros da organização, “o dependente precisa chegar ao

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IGREJA LUTERANA

fundo do poço” (conforme mencionado no capítulo anterior). Tal condição


também é descrita nos seguintes termos: “o dependente acha que chegou
ao fim da estrada, que o mundo acabou”, que tudo lhe parece perdido e
etc. A partir de então, o alcoolista “assume” sua condição deplorável bem
como suas responsabilidades diante do problema, aceitando “ativamente”
o tratamento.
Esta necessidade de chegar-se “ao fundo do poço” é considerada fun-
damental e inquestionável. No entanto, do ponto de vista pastoral surgem
algumas preocupações, pois, às vezes, o “fundo do poço” é o divórcio do
casal, o abandono dos filhos ou, até mesmo, uma profunda depressão que
pode levar “a tentativas de suicídio”.
Devido a isso, o pastor poderia tentar “antecipar” a idéia de que se
“chegou ao fim da estrada”, de que “tudo parece perdido” – antecipar o
“fundo do poço” – a fim de prevenir sofrimentos maiores que possam
vir a ser irreparáveis do ponto de vista humano, tais como o abandono
completo da família e o suicídio. Para tal, o pastor necessita utilizar-se
das ferramentas que tem; ao passo que médicos, psicólogos e assistentes
sociais têm diagnósticos, avaliações psicológicas e estudos de caso para
ajudar o dependente a reconhecer sua situação, o pastor tem, além da
informação provinda destes profissionais, a palavra de Deus e a condu-
ção do Espírito para aplicá-la nos termos de lei e evangelho, o que será
desenvolvido a seguir.
Antes de abordar o próximo tópico, cabe ainda lembrar que, devido à
necessidade de tratamento clínico na luta contra o alcoolismo, o pastor/
cuidador jamais deve entender a cura do alcoolismo como um evento.
Pelo contrário, conforme afirma Collins, “a recuperação do vício do álcool
é um processo que dura a vida inteira, e não um evento único”. A idéia
de que o abandono de qualquer vício seria um evento imediato a partir da
decisão pessoal do dependente provém de teologias arminianas, em que
“o livre arbítrio humano coopera na conversão” e, uma vez convertido,
o crente deve decidir abandonar seus pecados antigamente cometidos.
Cabe destacar que esta pesquisa refuta tal idéia e considera fundamental
não a decisão e os sentimentos subjetivos do alcoolista, mas as verda-
des objetivas provindas da Bíblia, tais como a Cruz – Deus presente no
sofrimento.

3.1.2 Lei e Evangelho no Cuidado Pastoral ao Alcoolista

Entre as muitas dificuldades enfrentadas no cuidado pastoral a alcoo-


listas, há o fato de que, além de negarem que são doentes, dependentes
do álcool “são mestres em manipular os outros”. E isto é feito de tal modo
que o dependente coloca-se sempre como a vítima da situação e, negando

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CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

seu problema com o álcool, utiliza-se do argumento de que, se até o pastor


bebe, por que eu não posso beber? ou então, eu bebo e paro de beber
quando quero. Assim sendo, surge a dúvida: como confrontar o alcoolista
com a lei se este é manipulador e nega sua doença e sofrimento?
Ao mesmo tempo, há situações em que o alcoolista já não age mais
com tal sagacidade, pois já percebeu a situação miserável em que está,
e não encontra forças para lutar contra o alcoolismo. Este apenas chora,
se lamenta e encontra um falso alívio em mais um copo de cachaça ou de
cerveja – o que fazer neste caso?
Embora não seja possível encontrar respostas para cada situação es-
pecífica através de pesquisas bibliográficas, a partir de reflexão teológica
em aulas de Teologia e Aconselhamento Pastorais, percebeu-se que, por
vezes, a presença do pastor diante do alcoolista naquela situação de miséria
já é parte da lei. Mas isto não significa que a necessidade do pastor falar
da origem de tal situação, a condição humana da qual o pastor também
faz parte, esteja excluída (o que será tratado a seguir).
Com respeito ao primeiro caso, no entanto, do alcoolista que ainda
vive na ilusão de não ter problemas com o álcool, que manipula e que
se aproveita da boa vontade da esposa e filhos, a abordagem talvez seja
diferente. Se este afirma que todos bebem, o pastor pode apontar para
situações de destruição e sofrimento da família do alcoolista, mostrando
que há diferenças no beber de um não dependente do álcool para o beber
do dependente. O fato de que o pai e marido estariam, por causa da be-
bida, destruindo e causando sofrimento à família que Deus lhes deu para
cuidar poderia ser dura palavra de lei que pode vir a antecipar o “fundo
do poço” antes que seja tarde demais.
Nesse sentido, afirma Collins:

Enquanto a família parece estar bem, não há motivação para a


mudança de comportamento. Desse modo, a família cai numa
armadilha de onde não consegue sair. Se eles se adaptarem ao
vício, o problema continua, e o sofrimento também. [...] a maio-
ria das famílias de alcoólatras [alcoolistas] acaba descobrindo
que superproteger o dependente ou aceitar suas racionalizações
e desculpas não ajuda em nada. Quanto mais cedo as pessoas
enfrentarem a realidade, melhor para todo mundo.

Em razão disso alguns conselheiros chegam a aconselhar a família para


que não limpem a sujeira deixada pelo marido e pai que estava bêbado na
noite anterior, e isto com o intuito de que o alcoolista perceba a situação
miserável na qual se encontra.
Esta abordagem pode fazer parte das atitudes do pastor frente ao
alcoolista e sua família para que o mesmo venha a reconhecer a neces-
sidade do tratamento, mas a abordagem pastoral na perspectiva de lei

15
IGREJA LUTERANA

e evangelho não se limita apenas a apontar para estes problemas bem


como apenas para a solução através de um tratamento; tais problemas
são apenas sintomas de uma “doença” muito maior, conforme dito acima.
A principal função do pastor ao fazer uso da lei é, portanto, mostrar a
origem do problema. Este aspecto é devidamente tratado nos Artigos de
Esmalcalde (Art. 2):

Mas a função ou virtude principal da lei é revelar o pecado


hereditário com os frutos e tudo, e mostrar ao homem a que
tremenda profundidade sua natureza caiu e quão abismalmente
está corrompida [...].

Dessa forma, o alcoolismo é visto como uma evidência da condição


humana após a queda em pecado, o que é tomado por pressuposto funda-
mental ao falar-se do alcoolismo também como um pecado. Este princípio
merece destaque porque muitas vezes a lei é pregada com o intuito de
refrear o erro, de combater o consumo do álcool sem, no entanto, uma
referência à real origem do problema.
Além disso, embora a presença do pastor já seja lei em alguns casos,
o apontar para a condição humana antes de oferecer o evangelho de
perdão ainda faz parte da proclamação da palavra de Deus. Isto se deve
ao fato de que, como lembra Kolb, “embora existam muitos problemas
familiares [...] o mundo ainda oferece uma grande porção de segurança”
que leva o ser humano a não reconhecer a miséria de sua situação e a
necessidade por um salvador para tal situação. Apontando, no entanto,
para a raiz do problema, a pecaminosidade humana, não há segurança
nem saída. O culpado pelo fato do alcoolista beber não é o patrão que
cobra mais rendimento, nem a esposa que reclama de algo ou os filhos
que não obedecem; também não está no fato de o alcoolista ser alguém
pior que os outros – o alcoolismo está presente no mundo e traz sofri-
mento a milhares de famílias por causa da condição humana depois da
queda em pecado.
Tal condição é descrita da seguinte forma pelas Confissões Luteranas:

[...] a palavra de Deus ensina que a natureza corrupta, de si e


por si, nada de bom pode fazer em coisas espirituais, divinas,
nem ao menos a coisa mínima, como bons pensamentos. E não
só isso, mas que de si e por si, aos olhos de Deus nada pode
senão pecar.

Esta concepção sobre quem é o ser humano bem como o correto uso
da lei conduz o pastor a, sadiamente, não fazer distinções entre membros,
entre os “bêbados” e os sóbrios. Todos são vistos e cuidados pastoralmente
como pecadores iguais diante de Deus. Conforme afirma Lutero:

16
CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

Este é, pois, o raio de Deus, com que destrói tanto os pecadores


manifestos como os falsos santos, e não reconhece razão a nin-
guém, levando todos ao terror e desalento [...] e aqui o homem
precisa ouvir este juízo: Todos vós nenhuma importância tendes,
quer sejais pecadores manifestos, quer sejais santos [em vossa
opinião santos].

É também nesta perspectiva que é importante que o pastor entenda


as referências que o apóstolo Paulo faz ao problema do alcoolismo, mais
precisamente falando, aos “bêbados”. Ao tentar ajudar um alcoolista, há
muitos que citam os textos 1Co 6.9,10 e Gl 5.19-21, como se o beber em
excesso fosse um pecado maior e mais condenável do que os demais, e
cuja consequência é o não entrar no reino de Deus. Na verdade, Paulo cita
o problema do beber excessivo entre muitos outros problemas (pecados)
que a igreja enfrentava e enfrenta hoje – que cometemos hoje – colocando
todos os membros como sendo iguais diante de Deus. Dizer apenas que
“os bêbados não entrarão no reino de Deus” como se esta fosse a men-
sagem de Deus nesses textos poderá, mais uma vez, levar o alcoolista
a dizer: eu não sou bêbado e não tenho problemas com o álcool ou, em
outra palavras, estas palavras de lei não servem para minha situação – a
lei não gera o seu devido efeito. Ou então, o uso indevido destes textos
poderá conduzir o pecador arrependido ao desespero, pois o mesmo po-
derá pensar: agora estou perdido, pois só Deus podia me ajudar nessa
situação; agora não tem volta, pois estou fora do reino de Deus.
As palavras de Paulo nos textos referidos acima podem, pelo contrário,
servir para colocar o pastor e os demais membros ao lado do alcoolista
– todos como pecadores necessitados e dependentes da misericórdia de
Deus, o que conduz o “bêbado” e o sóbrio a Cristo, que é o “remédio” que
precisa ser oferecido em todo cuidado pastoral a alcoolistas.
Um aspecto que precisa estar claro em meio ao que foi dito até o
presente momento é que a dependência do álcool é um sinal da natureza
pecadora em nós, assim como muitos outros sinais, mesmo depois da
conversão. Assim, o resistir ao consumo do álcool constitui-se de uma
luta diária em que o pastor se coloca ao lado do dependente do álcool,
apontando para aquilo que lhe dê esperança.

3.2 A MENSAGEM NO CUIDADO A ALCOOLISTAS: A ESPERANÇA PRO-


VINDA DO DEUS PRESENTE EM MEIO AO SOFRIMENTO HUMANO

Conforme Scheunemann (2003),

É papel do conselheiro ajudar a pessoa a recuperar os fragmentos


de esperança ainda existentes no recôndito de sua alma, trazendo
à luz a pequena reserva espiritual que ainda possa existir dentro

17
IGREJA LUTERANA

dela. “Quero trazer à memória o que pode me dar esperanças...”


Lamentações 3.21.

Tal esperança não é constituída pela idéia de que tudo vai dar certo, de
que tudo vai ficar bem, o que seria uma confusão entre fé e “pensamento
positivo”; também “não é um sentimento [subjetivo] ou mesmo um desejo
para que as coisas sejam diferentes, mas uma realidade presente baseada
nas promessas de Deus”.
Cuidado pastoral evangélico ao alcoolista é, portanto, baseado não na
subjetividade da maneira que o alcoolista se sente e em suas disposições
e capacidade para parar de beber, mas nos atos objetivos realizados por
Deus. Ao passo que pessoas depressivas, como a maioria dos alcoolistas,
focam sua melhora e recuperação na maneira como se sentem, como
lembra Eyer, o pastor precisa focar sua mensagem na objetividade da cruz,
onde também os pecados do alcoolista foram pagos e de onde ele tem o
perdão e a certeza que Deus está presente em meio ao seu sofrimento.
Desse modo, o pastor aponta para as “promessas objetivas que Deus
nos dá, de que ele nunca nos abandonará”. E esta promessa é cumprida
também fisicamente, conforme corretamente destacado pelo autor. Eyer
afirma:

Esta presença de Cristo é cumprida – dramaticamente – para o


depressivo [alcoolista] – de forma física pelo corpo e sangue no
pão e vinho da Comunhão, e também na presença do pastor que
se reúne com a pessoa depressiva em nome de Jesus.

Somado a isto, é fundamental mencionar o ato objetivo da obra de


Deus no derramar da água no batismo, “o lavar regenerador da água e
do Espírito” (Tito 3.5). Assim, a presença do pastor proclamando a men-
sagem centrada na cruz, Batismo e Santa Ceia – Palavra e Sacramentos
– constituem-se itens fundamentais no cuidado pastoral ao alcoolista
e, por seu caráter proclamatório de perdão e comunhão com Deus, são
atitudes acolhedoras.

4 ACOLHIMENTO COMUNITÁRIO A ALCOOLISTAS


A PARTIR DA CRUZ

Até o presente capítulo foi apresentada uma definição do alcoolismo e


a dimensão do problema, focado no aspecto do sofrimento de alcoolistas.
A necessidade de acolhimento e possíveis meios de fazê-lo também foram
observados ao falar-se da atitude do pastor/cuidador.

18
CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

Falta, ainda, uma evidência bíblica do acolhimento incondicional bem


como a motivação para tal atitude. Por isso, este capítulo visa abranger
estes aspectos através de um breve estudo do texto de Rm 15.1-7, com
destaques aos versículos que melhor apontam para o objetivo desta pes-
quisa – o acolhimento de alcoolistas – bem como os resultados práticos
para a vida de uma congregação referente a este assunto.

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO E LITERAL DA CARTA AOS ROMANOS

A carta do apóstolo Paulo aos romanos foi escrita por volta do ano 56
d.C., provavelmente enquanto o apóstolo estava em Corinto. Ela apresenta
a doutrina fundamental da Igreja Cristã, a saber, “o justo viverá por fé”
(1.17). Na verdade, através deste ensino Paulo não estava apresentando
algo novo aos romanos, pois eles já eram cristãos; o apóstolo estava
lembrando a eles quem os membros daquela igreja eram em Cristo.
Este fato é importante aqui porque quando Paulo escreveu esta carta
ele tinha um plano em mente – pregar o evangelho na Espanha (15.24),
“não onde Cristo já fora anunciado” (15.20). Ele queria que mais pecado-
res fossem acolhidos pela Igreja de Cristo, o que poderia tornar-se real
através da ajuda dos romanos. Segundo Martin H. Franzmann, “Paulo
evidentemente espera que Roma possa tornar-se sua base missionária
no Oeste”.
Para tanto, Paulo busca alcançar seu objetivo sem apelar para a piedade
dos romanos, mas ele os faz retornar às suas bases, às bases da Igreja
de todos os tempos – Cristo crucificado e batismo (6.1-14) – mostrando
como é a vida “sob a graça” (6.14). E parte desta vida sob a graça de Deus,
baseado em Cristo na cruz e no batismo, é evidenciada em Rm 15.1-7.
Outro aspecto que merece destaque é o fato de haver os chamados
“fracos na fé” naquela igreja. Independentemente se estes eram “legalis-
tas” que julgavam alcançar a justiça de Deus por suas obras, ou apenas
pessoas que não toleravam o consumo de certas comidas e bebidas (ofere-
cidas em sacrifícios), como lembra Cranfield, o fato é que se tais questões
entre os romanos não fossem devidamente tratadas, correr-se-ia o “risco
de destruir a fé do colega-cristão”. Por este motivo, as exortações sobre
o cuidado com os “fracos” (caps. 14 e 15) são devidamente abordadas
pelo apóstolo.
A partir disso é permitido assumir que esta carta, além de ser fun-
damental para a doutrina da justificação pela fé, tem algo a dizer sobre
vida cristã e, consequentemente, ensina algo a pastores/cuidadores pois,
conforme dito acima, Paulo remete seus leitores às bases corretas, focando
as obras objetivas de Deus.

19
IGREJA LUTERANA

4.1.1 Contexto de Romanos 15.1-7

A presente perícope encontra-se em um grupo de textos que, por


vezes, é intitulado “A vida cristã”, pois trata de aspectos práticos da vida
daqueles que são justificados pela fé.
Antes de qualquer consideração sobre a perícope, é importante desta-
car que Paulo já falara sobre a vida daqueles que são justificados pela fé,
dos capítulos 5 até 8. Nesta primeira sessão sobre vida cristã o apóstolo
menciona a paz com Deus mediante a reconciliação trazida por Cristo (cap.
5), batismo e santificação (cap. 6), e conecta estes pontos com seu ensino
sobre a contínua luta contra o pecado, porque o pecado ainda “habita em
mim” (7.17), referindo-se ao velho homem; junto a isso, no entanto, ele
fala do “homem interior” que tem “prazer na lei de Deus” (7.22), mos-
trando o paradoxo da vida cristã – ser justo e pecador ao mesmo tempo.
Desse modo, Paulo reafirmou verdades cristãs fundamentais evitando
qualquer mal entendido com respeito às obras dos romanos, que seriam
seus futuros mantenedores da missão na Espanha, bem como introduziu
seus leitores a uma sadia acolhida de suas exortações apresentadas no
texto estudado aqui.
A referida sessão em que Rm 15.1-7 está inserida inicia no capítulo
12 e é concluída no capítulo 15, versículo 13. O motivo da escolha deste
texto, delimitando-o no versículo 7, deve-se ao fato de que os versículos
1-7 do cap. 15 “concluem a sessão iniciada em 14.1” e, segundo Lutero,
trata sobre o uso da liberdade cristã.

4.2 NOTAS TEXTUAIS

Romanos 15.1-4:

1
Ora, nós que somos fortes devemos suportar as debilidades dos
fracos e não agradar-nos a nós mesmos. 2 Portanto, cada um de
nós agrade ao próximo no que é bom para edificação. 3 Porque
também Cristo não se agradou a si mesmo; antes, como está
escrito: As injúrias dos que te ultrajavam caíram sobre mim. 4 Pois
tudo quanto, outrora, foi escrito foi escrito para o nosso ensino,
a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras,
tenhamos esperança.

V. 1: “[...] suportar as debilidades dos fracos”: A palavra basta,zein –


“carregar, suportar” – provém do verbo basta,zw. O termo aparece nas
Cartas Paulinas seis vezes: duas em Romanos (11.18; 15.1) e quatro em
Gálatas (5.10; 6.2,5,17); neste segundo grupo de textos, o verbo aparece
em 6.2 com o significado muito próximo ao do texto estudado aqui: “Levai
(basta,zete: imperativo plural) as cargas uns dos outros”. O mesmo verbo

20
CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

recebe um significado especial por ser também usado pelo evangelista


Mateus ao traduzir Isaías 53.4, quando afirma ser Jesus o cumprimento
daquela profecia (Mt 8.17). Um aspecto importante aqui é que Mateus
traduz a expressão ‘WnyE’l’x\ ~l’_b’s. WnybeÞaok.m;W af’ên” aWh (“nossas
enfermidades ele carregou e nossas dores levou sobre si”) do texto de
Isaías por auvto.j ta.j avsqenei,aj h`mw/n e;laben kai. ta.j no,souj evba,stasen
("Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas doen-
ças”), e Paulo faz uso dos mesmos termos em Rm 15.1, ao dizer que os
fortes devem “suportar (basta,zein) as debilidades (ta. avsqenh,mata) dos
fracos” (com uma pequena variação na palavra “falhas”). Esta palavra,
avsqenh,mata, provém do termo avsqe,nhma e aparece apenas nesta passa-
gem. Com pequenas variações (avsqenh,j, avsqe,neia, avsqene,w), no entanto,
o termo aparece com mais frequência e traz a idéia de “fraco, fraqueza”
ou “ser fraco”. Esta definição não refere-se apenas à fraqueza física mas,
no NT, designa uma condição do “homem como um todo”. Na presente
carta, o termo aparece com as referidas variações em Rm 4.19; 5.6; 8.3;
14.1, 2, 21. Um fato a ser observado aqui é que todas estas passagens
referem-se a uma fraqueza espiritual.
Nesse sentido é relevante mencionar que Lutero traduz o presente
versículo da seguinte forma: “Cada um deve carregar a vergonha do ou-
tro” [destaque nosso]. O reformador ainda comenta que “esta expressão
– carregar – significa que alguém faz dos pecados de todos o seu próprio
pecado e sofre com eles [com os pecadores]”.
Somado a isto, é relevante mencionar que o termo referido acima está
no caso acusativo (avsqenh,mata) e, portanto, “fraqueza ou falha” (ou ainda,
debilidade) é o termo que recebe a ação do verbo anterior (carregar), cujo
sujeito são os “fortes” (oi`` dunatoi). Com isso, evidencia-se a veracidade
das palavras de Lutero mencionadas acima.
Tais aspectos referidos até aqui são relevantes devido ao que segue
no versículo 3 da presente perícope, no qual Paulo lembra aos Romanos
que Jesus Cristo recebeu sobre si “as injúrias dos que o ultrajavam” (Rm
15.3). Assim, Paulo coloca o foco não em uma possível motivação subje-
tiva dos membros da igreja em Roma, mas nos atos objetivos que Cristo
sofreu por nós. A cruz é a motivação para cristãos colocarem-se ao lado
dos que sofrem. Conforme Lutero lembra:

Embora possa ser difícil carregar (suportar) a vergonha de al-


guém outro e compartilhar disto quando se é inocente, ainda
assim isto é um ato louvável. E será fácil, se este reconhecer que
Cristo carregou a nossa vergonha alegremente, mesmo embora
foi difícil para ele.

21
IGREJA LUTERANA

Além disso, o fato de que Jesus assume na cruz o sofrimento humano


mostra que Deus, de fato, está presente em meio ao sofrimento de cada
um hoje, também no sofrimento de um alcoolista.
Romanos 15.5-7:

5
Ora, o Deus da paciência e da consolação vos conceda o mesmo
sentir de uns para com os outros, segundo Cristo Jesus, 6 para que
concordemente e a uma voz glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo. 7 Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como
também Cristo nos acolheu para a glória de Deus.

V. 5: “O Deus da paciência e da consolação”: O termo paraklh,sewj,


de para,klhsij, significa “conforto, consolo, consolação” e aparece com
destaque especial em 2Co 1.3 nos termos de “o Deus de toda consolação”,
mostrando que Ele é a fonte de todo o consolo. Por repetir os dois termos
do versículo anterior, paciência e consolação (v.4), Paulo mostra que o
próprio Deus fala e nos dá “esperança” através das “Escrituras” (v.4).
“Vos conceda o mesmo sentir de uns para com os outros, segundo
Cristo Jesus”: A palavra “conceda” traduz o termo dw,|h – verbo optativo
aoristo ativo, 3ª pessoa singular de di,dwmi . Este verbo “é a mais comum
expressão pela qual um sujeito deliberadamente transfere alguma coisa
para alguém a fim de que isto se torne disponível para o recipiente”, e
tem como sujeito na maioria das vezes Deus, o “doador”. Na presente
passagem não é diferente, pois Deus é o sujeito que realizaria o grande
desejo do apóstolo, a saber, de que os romanos tivessem “o mesmo sen-
tir de uns para com os outros , segundo Cristo Jesus”. Algo que merece
destaque aqui é que tanto a paciência e o consolo como o sentimento
segundo Cristo para com o próximo não são qualidades que os romanos
tinham por si só, mas expressões do amor de Deus que já se revelara na
cruz e que, então, Deus lhes concederia por graça, para que vivessem em
harmonia para com os mais fracos na fé. Nesse sentido, Lutero afirma que
estas palavras de Paulo poderiam ser entendidas da seguinte forma:

Vocês não possuem estas duas qualidades por vocês mesmos, mas
Deus é aquele que as concede [a vocês] [...] para ser da mesma
mente, sentimento e pensamento, um com o outro, por sua vez,
para que não haja divisão ou cismas entre vocês, segundo Jesus
Cristo, e não segundo a carne e o mundo, naquelas coisas as
quais pertencem a Cristo ou que estão de acordo com o exemplo
de Cristo, que fez isto por vocês para a honra de Deus.

V. 6: “Para que concordemente e a uma voz glorifiqueis ao Deus [...]”:


o verbo doxa,zhte, de doxa,zw, está no modo subjuntivo e precedido pelo
termo i[na. Tal construção expressa um “propósito”. Assim, as exortações

22
CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

do apóstolo até aqui têm como propósito glorificar a Deus, o que é enfa-
tizado nas palavras do versículo seguinte.
V. 7: “Portanto, acolhei-vos uns aos outros”: a palavra “acolhei-vos”
traduz o termo proslamba,nesqe, de proslamba,nw. Esta palavra aparece
3 vezes na carta aos Romanos, em 14.1,3 e 15.7, e é usado ao referir-se
ao fato de que os fracos na fé deviam ser acolhidos e, principalmente,
ao fato de que “Deus o acolheu” (14.3) (aos fortes e aos fracos na fé).
Tais passagens evidenciam que “Deus acolheu cada membro da Igreja
para dentro da comunhão com Ele”, o que motivaria membros da Igreja
a acolher a outros em seu meio.
“Como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus”: a expressão
eivj do,xan tou/ qeou/, traduzida por “para glória de Deus” também é digna
de atenção especial aqui. A preposição eivj por vezes “denota a direção
de uma ação para um fim específico”. A partir disso conclui-se que o fim
para a ação de acolhimento mútuo é a glória de Deus, pois o acolhimento
de pecadores o glorifica. Conforme Lutero,

Ele é glorificado quando pecadores e o fraco são recebidos. Pois


sua glória está no fato de que ele [Deus] é o nosso benfeitor.
Portanto, é para sua glória, ou seja, uma ocasião para sua bon-
dade, quando aqueles que são trazidos para Ele, são os que
receberão sua bênção. Por conseguinte, nós não somos para
trazer o forte, o santo, o sábio. Pois neles Deus não pode ser
glorificado, já que Ele não pode ser uma bênção para eles, pois
eles não precisam dele.

Além disso, é importante destacar que “Paulo passa imediatamente


da motivação para sua ordem”, o que mostra que a correta motivação da
Igreja, a cruz, é seguida de ação em favor ao próximo.
Com isso, é evidenciado que a cruz de Cristo é o meio pelo qual peca-
dores são acolhidos por Deus e é ela o foco da Igreja, para onde a Igreja
precisa sempre olhar também no cuidado ao alcoolista. A cruz é o ato
objetivo de Deus por nós, pelo qual pecadores são acolhidos e a partir do
qual a Igreja é motivada a acolher os mais fracos. Conforme as palavras
de Lutero:

No capítulo 15 [de Romanos] ele [Paulo] mostra Cristo como um


exemplo: Nós devemos tolerar também aqueles outros fracos que
caíram em outros caminhos, em pecados públicos ou hábitos de-
sagradáveis. Nós não devemos lançá-los fora, mas suportar com
eles até eles amadurecerem. Pois assim Cristo fez conosco, e ainda
faz a cada dia; ele tolera nossas muitas faltas e maus hábitos, e
todas nossas imperfeições, e nos ajuda constantemente.

23
IGREJA LUTERANA

Tendo em vista a dimensão comunitária e o cuidado para com os mais


fracos aprendidos desse texto, é importante ainda falar algo sobre o uso
sadio da liberdade cristã no que concerne ao acolhimento de alcoolistas.

4.3 IMPLICAÇÕES PARA VIDA DA CONGREGAÇÃO NO ASPECTO PRÁ-


TICO DO ACOLHIMENTO AO ALCOOLISTA

Entre muitos problemas apontados por Eyer no cuidado pastoral dos


dias de hoje, o individualismo, tão presente na sociedade em geral, é algo
muito comum até mesmo dentro da Igreja. O autor diz: onde o indivi-
dualismo está presente,

[...] sacrifício próprio de qualquer tipo é um valor que desapareceu


[...] Isto está nos afastando um do outro, e até mesmo cristãos
ingênuos e fiéis muitas vezes procuram emoções espirituais mais
do que cuidado espiritual de uns para com os outros.

Diante dessa tendência humana de buscar cuidar de si mesmo e não


do outro, presente visivelmente na sociedade e, às vezes, também na
Igreja, as palavras de Paulo em Rm 15.1-7 ensinam e motivam comu-
nidades cristãs a buscar aquilo que é para o bem comum de todos. Ao
mesmo tempo, as palavras do apóstolo ensinam a Igreja a dispor-se em
zelar pelo bem de cada um, principalmente daqueles que necessitam de
maior cuidado, tais como um alcoolista.
Por isso, como parte conclusiva desta pesquisa, serão apresentados,
de maneira breve, alguns aspectos sobre liberdade cristã e uma reflexão
sobre seu uso e o cuidado a alcoolistas, o que vai ao encontro do texto
bíblico estudado aqui.

4.3.1 A Liberdade Cristã e a Dimensão Comunitária do Cuidado


ao Alcoolista

O problema do alcoolismo tem um caráter social muito forte. Além


de gerar problemas interpessoais na família e na comunidade onde o
dependente do álcool está inserido, o aspecto social constitui um dos
elementos “mais relevantes e preocupantes em determinadas fases” do
alcoolismo. Isto se deve ao fato de que, conforme lembra Bertolote, “a
ingestão de bebidas alcoólicas é um fator predominantemente social; o
bebedor isolado é raro e, na maioria das vezes, um indivíduo desviante
da norma de sua cultura”.
Este aspecto é relevante aqui porque o consumo de bebidas alcoólicas
é devidamente considerado como algo que está dentro da liberdade cris-
tã de cada um e, por isso, é comum em muitas congregações da Igreja

24
CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Embora haja denominações que


proíbem tal consumo, Lutero sugere que o beber não deveria ser proibido
através de leis, como acontecia nos mosteiros. No entanto, considera-se
que há algo a ser dito sobre o consumo de bebidas alcoólicas exagerado
bem como sobre a liberdade cristã e o uso da mesma diante daqueles que
lutam contra o alcoolismo.
A liberdade cristã tem por princípio o amor e visa, acima do bem es-
tar pessoal, o bem do próximo, “segundo Cristo Jesus” (Rm 15.5). Nesse
sentido Lutero afirma:

Assim me porei à disposição de meu próximo como um Cristo, do


mesmo modo como Cristo se ofereceu a mim, nada me propondo
a fazer nesta vida a não ser o que vejo ser necessário, vantajoso
e salutar a meu próximo, visto que, pela fé, tenho abundância
de todos os bens em Cristo.
Eis que assim flui da fé o amor e a alegria no Senhor, e do amor,
um ânimo alegre, solícito, livre pra servir espontaneamente ao
próximo, de sorte que não calcule com gratidão ou ingratidão,
louvor ou vitupério, lucro ou dano.

A partir dessas palavras vê-se que todo aquele que foi libertado por
Cristo não está mais preso a buscar as coisas para si mesmo, pois já possui
tudo de seu Senhor e pode, portanto, buscar o que o próximo precisa, o
que é “vantajoso” a ele, embora seja preciso considerar que a velha natu-
reza ainda habita no crente e, por isso, há a constante luta entre o “velho
homem” e o “novo homem”, o que também foi vastamente abordado pelo
reformador no seu tratado sobre “a Liberdade Cristã”.
Além disso, quando Lutero comenta o capítulo 14 de Romanos (con-
texto da perícope estudada aqui), em que o apóstolo trata sobre o comer
de determinadas comidas e o não comer delas em favor dos mais fracos,
o reformador diz o seguinte:

No capítulo 14 ele [Paulo] ensina que consciências fracas na fé


são para ser conduzidas gentilmente, poupadas, para que nós
não usemos nossa liberdade cristã para causar dano, mas para
a assistência aos fracos.

Tais palavras resumem bem o que é entendido aqui por liberdade cristã
e seu correto uso diante de um alcoolista. Jamais devemos permitir que
nossa liberdade para ingerir bebidas alcoólicas venha a “causar dano” na
luta diária do irmão na fé contra o alcoolismo.
Tal cuidado dentro de uma comunidade cristã estaria em, talvez, infor-
mar os membros que não têm problema com o álcool sobre a dimensão
do alcoolismo bem como a luta constante que o irmão na fé alcoolista
enfrenta a cada dia. Já a maneira como cada comunidade responderia a

25
IGREJA LUTERANA

tal preocupação, devidamente motivados pela cruz de Cristo, talvez varie


de cultura para cultura e de acordo com os diferentes graus do proble-
ma e suas consequências na comunidade específica. Talvez o evitar do
consumo de bebidas alcoólicas em determinadas situações, por amor ao
próximo, possa ser um meio de auxiliar o pastor no cuidado pastoral ao
alcoolista e sua família.
Contudo, o que precisa ficar evidente é que o alcoolista precisa ser
acolhido incondicionalmente como cada membro da Igreja foi acolhido
por Deus em Cristo, e que ele necessita ser cuidado pastoralmente com
o auxílio de toda a congregação – “Portanto, acolhei-vos uns aos outros,
como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus”.

5 CONCLUSÃO

O alcoolismo é, antes de tudo, sofrimento humano; assim sendo, tal


problema é um sinal da condição humana após a queda em pecado.
Somado a isto, o seu caráter “multifacetado” de doença desafia o pastor
a oferecer cuidado pastoral a partir das ferramentas que possui – Palavra
de Deus: lei e evangelho - sem deixar de considerar que alcoolistas ne-
cessitam também de um tratamento clínico.
Através desta pesquisa evidenciou-se que alcoolistas precisam ser
acolhidos incondicionalmente e, somado a isto, a verdade de que Deus
está presente também em meio ao sofrimento de alcoolistas é um fator
determinante nesse processo de acolhida, pois é parte da mensagem de
esperança que pessoas que lutam contra o alcoolismo precisam ouvir.
Além disso, foi observado que acolhida incondicional não exclui o es-
tabelecimento de responsabilidades ao alcoolista, tal como a aceitação do
tratamento de maneira “ativa” no processo de luta contra o problema, o
que também constitui parte do cuidado pastoral ao mesmo.
Por fim, também foi verificado que tanto a origem da acolhida incon-
dicional como a motivação para a Igreja continuar acolhendo pecadores
está na cruz. Todos na Igreja foram acolhidos incondicionalmente em
Cristo, por meio da fé, o que conduz membros a acolherem uns aos outros
e, principalmente, a acolherem aqueles considerados mais “fracos”, tais
como os alcoolistas. Esta mensagem mostra um caráter comunitário de
cuidado de uns para com os outros, devidamente conduzido pela liberdade
cristã, o que, em termos de cuidado a alcoolistas, é uma grande ajuda
ao pastor no processo de acolher e cuidar de pessoas que lutam contra
o alcoolismo.

26
CUIDADO PASTORAL AO ALCOOLISTA A PARTIR DA CRUZ

6 BIBLIOGRAFIA

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28
FÓRMULA DE CONCÓRDIA -
EPÍTOME (p.529-531) E DECLARAÇÃO
SÓLIDA (p.654-660)
X. DE PRAXES ECLESIÁSTICAS CHAMADAS
ADIAPHORA OU COISAS INDIFERENTES
Ezequiel Blum*

1 INTRODUÇÃO

Razão do artigo: O Epítome afirma que “houve uma divisão entre os


teólogos da Confissão de Augsburgo com respeito a cerimônias ou usos
eclesiásticos que não são ordenados nem proibidos na palavra de Deus,
mas foram introduzidos na igreja no interesse de boa ordem e decoro”. E a
Declaração Sólida acrescenta que “foram introduzidos na igreja com boas
intenções, no interesse de boa ordem e decoro, ou, a outros respeitos,
para manter disciplina cristã”.
Questão principal: O assunto estava baseado na seguinte questão:
“Se, em tempo de perseguição e em caso de confissão, e mesmo que os
inimigos do evangelho não tenham acordo conosco em doutrina, se ainda
assim a gente pode, em presença da pressão e exigência dos adversários,
restabelecer, de consciência ilesa, algumas cerimônias ab-rogadas, e que
em si mesmas são coisas indiferentes e não ordenadas nem proibidas
por Deus, e assim ter conformidade com eles em tais cerimônias e coisas
indiferentes”. “Um dos partidos sustentou que... assim bem se pode ter
conformidade com eles em tais adiaphora ou coisas indiferentes. O outro
partido, entretanto, sustentou que... de modo nenhum se pode fazer isso,
nem quanto a coisas indiferentes”.

2 ASPECTOS HISTÓRICOS

Partidos teológicos: Podem ser distinguidos três partidos nos conflitos


teológicos depois da morte de Lutero. 1. O primeiro partido envolveu prin-
cipalmente os adeptos do Ínterim, dos sinergistas e os cripto-calvinistas.
Aqui havia os adeptos de Philip Melanchton, liderados pelos teólogos
da Saxônia Eleitoral. O objetivo deles foi substituir a autoridade e a teo-

* Pastor da IELB em Camboriú, SC. Trabalho produzido no programa de Mestrado em


Teologia do Seminário Concórdia em janeiro de 2011 para a disciplina Fórmula de
Concórdia, ministrada pelo prof. Clóvis J. Prunzel.

29
IGREJA LUTERANA

logia de Lutero pelos pontos de vista unionistas e liberais de Melanchton.


2. O segundo partido, os assim chamados gnesio-luteranos (luteranos
genuínos), esteve principalmente representado pelos teólogos do Ducado
da Saxônia, envolvia homens firmes e leais como Amsdorf, Flacius, Wigand,
Gallus, Matthias Judex, Moerlin, Tileman Hesshusius, Timann, Westphal
e Simon Musaeus. Ainda que alguns destes líderes fossem mais tarde
difamados pela sua própria queda em posições extremas, todos eles se
mostraram como herois valentes de Lutero e oponentes muito determi-
nados dos filipistas. Seeberg diz, em resumo: Os gnesio-luteranos eram
contrários à filosofia dos filipistas e representaram “a verdade simples da
Bíblia tal como Lutero a entendeu”. 3. O terceiro, um partido de centro,
se compôs dos luteranos leais, não tomaram parte conspícua nas contro-
vérsias, mas apareceram quando começou a obra de pacificação. Tiveram
função especial na resolução das controvérsias, redigindo a Fórmula de
Concórdia, e na restauração duma verdadeira e piedosa paz para nossa
igreja. Entre estes estão Brenz, Andrear, Chemnitz, Selneccer, Chytraeus,
Cornerus, Moerlin e outros. Estes teólogos, dum lado, foram contrários a
quaisquer logomaquias desnecessárias, isto é, controvérsias que não en-
volviam quaisquer controvérsias doutrinárias, e, ao mesmo tempo, foram
extremamente cuidadosos para eles mesmos não caírem em qualquer
posição extrema. Doutro lado, porém, se mostraram à altura de todas
as controvérsias realmente necessárias no interesse da verdade, rejeita-
ram e condenaram todas as formas de indiferentismo e unionismo, e de
modo estrênuo se opuseram a qualquer esforço de sacrificar, dissimular
ou comprometer qualquer doutrina por meio de fórmulas ambíguas por
causa de paz externa ou quaisquer outros programas.
Controvérsias teológicas: Várias controvérsias teológicas ocorreram
dentro da igreja luterana depois da morte de Lutero, que foram resolvidas
nos diversos artigos da Fórmula de Concórdia. Uma destas controvérsias foi
a assim chamada Controvérsia Adiaforística desde 1548 a 1555, em que os
teólogos de Wittenberg e Leipzig (Melanchton, Eber, Pfeffinger, etc.) defen-
deram o Ínterim de Leipzig e a reintrodução de cerimônias romanas na igreja
luterana. Foram contrariados pelos heróis dum luteranismo consistente e
determinado, liderados por Flacius, que declararam: “Nada é adiáforo num
estado de confissão e de ofensa”. A controvérsia foi decidida pelo Artigo X.
Problema da controvérsia: O problema exato da Controvérsia Adiafo-
rística foi: Podem luteranos, sob condições como as que reinaram durante
o Ínterim, quando os romanistas, sob pena de perseguição e de violência,
exigiram a re-introdução de abolidas cerimônias papais, mesmo que as
cerimônias em questão fossem por si mesmas realmente indiferentes,
submeter-se de boa consciência, isto significa, sem negar a verdade e a
liberdade cristã, sem sancionar os erros do romanismo e sem dar ofensa,

30
FÓRMULA DE CONCÓRDIA

seja aos inimigos ou aos amigos da igreja luterana, em especial aos seus
membros fracos? Esta pergunta foi respondida afirmativamente pelos
adeptos do Ínterim, mas negado pelos seus oponentes.
Sancionada a atitude teológica de Flacius: A posição teológica que
Flacius e seus amigos de luta ocuparam em relação aos adiaforistas foi
concretizada no Décimo Artigo da Fórmula de Concórdia, e assim endossada
pela igreja luterana em bloco. Frank diz com respeito a este mui excelente
artigo que nossa igreja deve à fidelidade dos que se opuseram a Melan-
chton, notavelmente a Flacius: “As teses que receberam reconhecimento
eclesiástico na Fórmula de Concórdia foram as de Flacius”. O problema
todo, igualmente, sobre os adiáforos fora discutido de modo tão amplo
e correto que a subsequente formulação e o reconhecimento do Décimo
Artigo só causou poucas dificuldades. Até mesmo Melanchton, ainda que se
recusasse a reconhecer que fosse culpado de qualquer desvio doutrinário,
finalmente cedeu aos argumentos de seus opositores e admitiu que estes
estiveram corretos em seu ensino sobre os adiáforos.

3 ASPECTOS EXEGÉTICOS E DOGMÁTICOS

Doutrina correta: As questões doutrinárias defendidas na Fórmula


de Concórdia, neste artigo, são as seguintes: 1. As cerimônias ou ritos
eclesiásticos que não são ordenados nem proibidos na palavra de Deus,
porém foram instituídos apenas por causa de bem-estar e boa ordem,
não são, em e por si mesmos, culto divino, nem parte dele. 2. A congre-
gação de Deus de todo lugar e época tem o poder de mudar, conforme as
circunstâncias, tais cerimônias, de acordo com a maneira que for a mais
útil e a mais edificante. 3. Que se evite nisso toda leviandade e ofensa, e
poupem-se especialmente os fracos na fé. 4. Em tempo de perseguição,
quando se exige de nós confissão clara, cumpre não ceder aos inimigos
em tais coisas adiáforas. 5. Nenhuma igreja deve condenar outra por ter
menos ou mais cerimônias externas não ordenadas por Deus, se quanto
ao mais existe concórdia entre elas na doutrina e em todos os artigos dela,
como também no uso correto dos santos sacramentos.
Doutrina falsa: A Fórmula de Concórdia ainda apresenta as seguintes
doutrinas como falsas: 1. Que preceitos e instituições humanas na igreja
devem ser considerados como por si mesmos culto divino ou parte dele.
2. Quando tais cerimônias, preceitos e instituições são impostos. 3. Que
em tempo de perseguição e confissão pública se possa ceder aos inimi-
gos do santo evangelho ou chegar a um acordo com eles. 4. Quando tais
cerimônias externas e coisas indiferentes são abolidas de um modo que
dê a entender não devesse a congregação de Deus ser livre para valer-se
de uma ou mais, em liberdade cristã, de acordo com suas circunstâncias,
como a cada tempo for mais útil à igreja.

31
IGREJA LUTERANA

Citações Bíblicas no Artigo X da Fórmula de Concórdia:


Citações bíblicas no Epítome (incluindo notas de rodapé do Livro
de Concórdia): Mt 15.9; 1Co 8.9-13; Rm 14.1, 13ss; Gl 5.1; 2Co 6.14;
Gl 2.5.
Citações bíblicas da Declaração Sólida (incluindo notas de rodapé
do Livro de Concórdia): 2Co 6.14, 17; Mt 15.9; At 16.3; At 21.26; 1Co
9.19; Gl 5.1; Gl 2.4-5; 1Co 7.18-19; At 16.3; Gl 2.5; Rm 14.6; Cl 2.16;
Gl 2.14; Gl 2.5; Mt 18.7; Mt 18.6; Mt 10.32.
Observação: As passagens em destaque são as citadas tanto no
Epítome como na Declaração Sólida.

Destaque para citações bíblicas no Artigo X da Fórmula de


Concórdia:
Mt 15.9 é citado no seguinte contexto: Cerimônias ou ritos não or-
denados nem proibidos na palavra de Deus, instituídos para boa ordem e
decoro, não são, em si e por si mesmos, culto a Deus.
2Co 6.14; Gl 2.5; Gl 5.1 são citados na questão de não ceder aos
inimigos em adiáforos em tempo de perseguição, quando se exige confissão
clara. Também no que diz respeito a confessar livre e abertamente não
apenas com palavras, mas também com obras e atos, a doutrina e o que
pertence à religião íntegra, de acordo com a palavra de Deus.

A questão da liturgia como adiáfora:


John T. Pless apresenta um artigo, tratando de “A relação de adiáfora e
liturgia nos escritos confessionais luteranos”, colocando que a preocupação
básica do Artigo X é com a doutrina da Igreja, e só secundariamente com
as práticas litúrgicas. Existem usos e cerimônias incorporados dentro da
liturgia que podem ser identificados na categoria de adiáfora. No entanto,
não podemos julgar questões litúrgicas com a resposta rápida “liturgia é
apenas adiáfora”.
As seguintes afirmativas resumem o pensamento de Pless: 1. Nas
Confissões Luteranas afirma-se que a liturgia é o serviço público do Senhor
para seu povo. 2. As Confissões defendem uma distinção entre cerimônias
divinamente instituídas e cerimônias estabelecidas pelos homens. 3. A
polêmica das Confissões Luteranas contra o uso indevido de cerimônias
humanas não é iconoclasta. Nas Confissões, uma compreensão espiritual
de adoração não leva ao abandono da preocupação com as formas externas
que devem ser usados no serviço divino. 4. De acordo com as Confissões
Luteranas, cultos da igreja estão sempre envolvidos na confissão da palavra
de Deus e diante do mundo. Mesmo itens de verdadeira adiáfora devem
ser rejeitados ou mantidos na base de confissão clara e intransigente.
Pless conclui que o culto da Igreja da Confissão de Augsburgo leva
adiante o que tem recebido do passado, tanto a Escritura como a tradição.

32
FÓRMULA DE CONCÓRDIA

A hermenêutica da liturgia teria como princípio material a doutrina da


justificação pela graça mediante a fé, por amor de Cristo.

4 ASPECTOS PASTORAIS E PRÁTICOS

Mudança de foco: Charler P. Arand comenta, em um artigo, que “nem


todos adiáforos são criados iguais”. De acordo com ele, as questões que
profundamente perturbavam nosso sínodo pareciam ser mais explicita-
mente doutrinárias do que hoje em dia. Um dos aspectos característicos
de nossas controvérsias e divergências em anos recentes é que elas giram
em torno de questões relacionadas à prática. Alguns vão argumentar que
estas práticas pertencem ao reino dos adiáforos. Outros vão argumentar
que vivemos numa situação que demande confissão e, com esta, a sus-
pensão da qualidade de adiáfora de certas práticas.
Arand diz que, se quisermos falar não somente de teologia confessio-
nal, mas de prática confessional, precisamos perguntar: “O que constitui
prática confessional?” Ser confessional, em parte, tem a ver com refletir
em questões de uma maneira confessional. É ter uma mentalidade confes-
sional e compartilhar as mesmas preocupações e pressupostos dos próprios
confessores – entendendo por que e o que fizeram. Se, no passado, havia
sido importante identificar “Princípios de Teologia Luterana”, talvez seja
importante hoje identificar “Princípios dos Adiáforos Luteranos”.
Princípios das Confissões: Tratando da questão dos adiáforos, Arand
afirma que podemos identificar quatro princípios das confissões. Mas, que
não é suficiente privilegiar somente um destes princípios ou dois destes
quatro princípios. Em vez disso, é necessário tomar todos os quatro em
conta e expô-los. Como balancear estas delimitações, estes princípios? 1.
Confissão do Evangelho: Todas as formas e práticas deveriam apoiar
o ensino do Evangelho. 2. Continuidade com a tradição católica: Os
confessores procuram demonstrar que eles não são cismáticos ou sectários.
Somos igreja; não somos simplesmente alguma denominação protestante
a despeito de como muitos nos classificam: somos uma expressão da
“igreja única, santa, católica, apostólica”. 3. Sensibilidade contextual
por missão: Lutero baseia-se em expressar o conteúdo da fé em imagens
concretas que criem quadros na mente e situações da vida do dia a dia às
quais o povo pudesse relacionar (“casa e lar, campos e gado”). Sua atenção
à contextualização é encontrada na forma física do catecismo em si. 4.
Consenso da igreja: Este princípio salienta nossa obrigação e respon-
sabilidade de uns para com os outros como irmãos dentro do ministério
pastoral. Colocado de outra maneira, fazermos coisas em conjunto.
Equilibrando os limites: Assim, como trazemos todos estes quatro
princípios com respeito aos adiáforos para sustentar práticas particulares?
Primeiro, e mais evidente, a confissão do evangelho por si mesmo como

33
IGREJA LUTERANA

o primeiro principal artigo (ou valor central) do cristianismo e, por con-


seguinte, o princípio primeiro e principal para todos os adiáforos. Robert
Kolb é muitas vezes encontrado usando a metáfora do corpo humano para
ilustrar a unidade orgânica da doutrina. Justificação, isto é, o evangelho,
é a cabeça; os outros artigos de doutrina são as juntas dos membros do
corpo. O mesmo pode ser aplicado quando se consideram os princípios
que guiam nosso uso de adiáforos. Segundo, o princípio do evangelho
não existe isolado dos outros três. Idealmente, precisamos tomar todos
os quatro princípios em conta quando consideramos o desenvolvimento,
adoção, revisão ou rejeição de qualquer prática ou adiáforo. As Confissões
não selecionam simplesmente um único princípio e vão com ele excluindo
todas as outras considerações.
Uma variedade de formas e práticas podem não ser erradas, mas elas
também podem não ser igualmente boas. Assim, se nós somente pergun-
tamos se algo é proibido, fazemos uma pergunta errada. Devemos, em
vez disso, perguntar “O que nosso entendimento luterano das Escrituras
e nossa visão de mundo nos induz a fazer? A distinção não é ver se algo
pode ser racionalizado em prática, mas se nossa doutrina luterana no induz
a tal prática. Mas, que as práticas adotadas não venham a tirar o foco de
nossa Palavra e Sacramento; pois então mudamos quem nós somos e nos
tornamos algo diferente de luteranos.
A solução não é reivindicar que se alguma coisa é adiáfora possamos
fazer o que quisermos enquanto não envolve falsa doutrina nem dirigir
cada prática debatida numa questão de confissão. A fim de nos consen-
tirmos em prosseguirmos em conjunto, é necessário identificar alguns
dos princípios que guiaram nossos confessores e predecessores luteranos
que os permitiu a reconhecerem-se uns aos outros como luteranos nas
práticas bem como na teologia. Neste sentido, poderemos continuar a
permanecer em seus ombros enquanto confessamos a fé, em palavra e
prática, perante o mundo em nossos dias.
Questões para Debate: Timothy J. Wengert apresenta questões que
nos levam à reflexão: a) Que problemas têm causado conflitos dentro
da sua congregação? b) O que poderia levar uma pessoa a sair de uma
congregação? c) Isso se relaciona com a justificação pela fé ou adiáfora?
d) O que é a liberdade cristã? e) O que em suas práticas de culto são coi-
sas sobre as quais você não abriria mão, e por quê? f) Que são questões
de adiáfora? g) Pense nos conflitos que ocorreram na sua igreja. Foram
eles sobre questões de evangelho ou adiáfora? h) Será que as pessoas
fracas na congregação têm voz no conflito? i) Será que a resolução do
conflito edifica a fé no “corpo de Cristo” ou diminui a fé na comunidade?
j) Como você se sente sobre concordar com os “fracos” em uma disputa
congregacional?

34
FÓRMULA DE CONCÓRDIA

5 CONCLUSÃO

Quando refletimos sobre adiáforos, somos lembrados de muitos assun-


tos práticos e doutrinários debatidos e vividos dentro das congregações.
São tantos os assuntos que nos remetem à questão dos adiáforos que,
obviamente, nem é possível citar todos. Uso de projetor nos cultos, teatros,
bandas, construções de templos, vestimenta pastoral, ordens litúrgicas,
uso de músicas que não são do Hinário Luterano, uso de traduções bíblicas
diversas... Observamos que nem todos os assuntos citados são adiáforos
em si, mas envolvem questionamentos que apontam para este assunto
também. Também poderíamos apresentar outro tipo de debate, como: O
que acontece quando coisas referentes à liberdade cristã são consideradas
determinantes dentro da igreja?
O tema nos leva a grandes questionamentos, tanto no que diz respeito
ao dia a dia da vida cristã, como também aos nossos cultos, departamentos
e todas as atividades que possamos imaginar dentro da igreja cristã.
Algumas frases muito fortes nos fazem pensar sobre nossa maneira
de pensar e agir igreja: “Espetáculos inúteis e pueris, sem proveito para a
boa ordem, a disciplina cristã ou o decoro evangélico na igreja, igualmente
não são verdadeiros adiaphora ou coisas indiferentes”. Talvez, corremos
o risco de simplesmente apontar para programações da igreja que não
concordamos e, por isso, consideramos desnecessários ou até mesmo
abomináveis. Mas, melhor seria se observássemos tudo o que fazemos
como igreja e pensássemos se o seu objetivo de levar Cristo está de acordo
com a doutrina bíblica e as Confissões Luteranas, de forma que também
não prejudiquemos aquilo que consideramos tradição saudável.
Ou, ainda: “Ninguém grave a igreja com suas próprias tradições. Aqui
a palavra deve ser: o poder ou prestígio de ninguém deve valer mais do
que a palavra de Deus”. Aqui podemos colocar questionamentos a respeito
de frases como “sempre foi assim”, “nisso não se mexe”... Mas também
nos remete a outros assuntos como Liturgia Luterana e Hinário Luterano,
por exemplo. O problema está no conteúdo ou na forma? E as palavras
desconhecidas e complicadas, explicamos eternamente às pessoas ou as
modificamos? E a dinâmica da Liturgia, da ordem litúrgica, e os costumes
que a envolvem, são todos adequados? Podemos pensar em modificar
algo neste sentido? Mas cuidado, aqui não se pretende derrubar nossas
tradições, porém levar à reflexão. Aqui nos vemos num dilema entre o que
pode ser considerado praxe da igreja e ao mesmo tempo hinos e liturgias
tradicionais como confissão de fé.
Enfim, determinar o que é um adiáforo não é possível através de um
simples comentário ou artigo, mas acreditamos que, ao menos, uma
pergunta deve ser feita quando tratamos do assunto: O que estamos

35
IGREJA LUTERANA

fazendo como congregação aponta para a centralidade de Cristo como o


Salvador do mundo e preserva a igreja de ataques que possam prejudicar
sua doutrina e testemunho?

36
AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO


28 de novembro de 2010

Salmo 122; Isaías 2.1-5; Romanos 13(8-10)11-14;


Mateus 21.1-11 ou Mateus 24.36-44 [Mateus 3.1-12]

TEU REI VEM

1 CONTEXTUALIZAÇÃO

O Advento revive a vinda de Jesus e as expectativas que o cercam.


Nem sempre fica claro o motivo da sua vinda bem como as consequências
aliadas a ela. A decepção com Jesus não é algo recente. Os apóstolos
em suas cartas tiveram de se levantar contra o espírito do século que se
decepciona com Jesus e tiveram de repor a verdade, muitas vezes sob o
risco da própria vida e em sempre em grande adversidade.
O espírito do presente século não é diferente. As versões sobre o rei
Jesus e seu reinado se proliferam hoje a cada esquina e todos somos ten-
tados por idéias mais simpáticas a respeito do rei e seu Reino. É oportuno
que as pessoas de hoje, cercadas e invadidas por essas versões, possam
se espelhar e definir sobre o retrato daquela multidão que teve o privilégio
de saudá-lo pessoalmente: Hosana ao Filho de Davi.

2 O EVANGELHO À LUZ DA LEI

Toda a cidade se alvoroçou. Este é o depoimento de Mateus no evange-


lho do dia. No ano que passou, o Brasil inteiro se alvoroçou com a presença
do cantor inglês, Paul McCartney. Nos anos sessenta do século passado
este cantor Beatle tanto alvoroçou o mundo ao lado dos seus parceiros,
que eles se permitiram dizer: Somos mais famosos do que Jesus Cristo.
O mundo se alvoroça com facilidade. Aliás, o mundo vive em função
dos alvoroços. Ainda mais hoje, quando a internet pode turbinar qualquer
evento ou pessoa, criando a impressão de que as pessoas são parte de
algo grande, poderoso e importante. Durante muitos anos haverá aque-
les que dirão: Eu estive lá. A decisão do campeonato, o show de alguém
famoso, um acidente espetacular com muitas mortes, e por aí vão: Eu
estive lá. Eu vi.
Entretanto, as lembranças, os souveniers, a tatuagem do nome no
braço, qual o seu real valor? O que fazer com essas marcas e lembranças,
quando o médico diz: “A situação é grave”. Ou quando o patrão diz: “In-

37
IGREJA LUTERANA

felizmente, está despedido”. Ou quando o banco avisa: “Vamos executar


a dívida”. Ou quando, finalmente, a pessoa precisa olhar para si mesma
e se perguntar: “O que faço nos anos que ainda restam?”
O povo de Jerusalém não era diferente. O povo que ali estava visitando,
vindo de todas as partes do mundo, não era diferente. O ser humano vive
em busca de glória. Ele consegue visualizar e se identificar com aquilo que
o eleva acima do comum e do mortal. Os jovens são muito susceptíveis a
isso. Olham para a vida ao seu redor e escolhem aquilo que sentem que
lhes pode dar essa satisfação. Pensar em morte? Por quê? Têm a vida toda
ainda pela frente antes que seja necessário pensar nela. Perigos? Perigos
ao volante? No álcool? Orgulho? Não, isto é audácia e coragem. Soberba?
Não! Isso é autoconfiança. Os adultos precisam estabelecer o seu espaço,
crescer, afirmar-se. Desonestidade? Não! Necessidade e esperteza. Atro-
pelando pessoas e sentimentos? Não! Determinação e coragem.
E de acordo com esses sentimentos, buscam-se ou fabricam-se heróis
os quais valha a pena identificar-se e seguir. Se eles podem, eu também
quero. A sensação de querer tudo que se imagina como direito se alimente
de ilusão. Estar no estádio dá a ilusão de que se faz parte do mundo de
sucesso dos jogadores e da história do clube. Assistir um concerto cria a
ilusão de que se faz parte do mundo Rei Roberto Carlos, dos Beatles, da
tradição popular, e quantas mais correntes se apresentam para arrastar as
pessoas. E no dia seguinte, ou quando um imprevisto acontece, o que fazer
com a ilusão? Sim, porque a ilusão nada pode fazer pelo ser humano.

3 A VERDADE POR TRÁS DAS APARÊNCIAS

Jesus não nega que é Rei. Dali a poucas horas ele vai confirmar o rumor
que se espalhara pelas províncias da Judeia, Galileia e Samaria, e além
fronteiras. Até li ele evitara essa identificação. João deixa este registro:
Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo
para o proclamarem rei, retirou-se […]” Jo 6.13. O povo queria alguém
que os alimentasse com as próprias ilusões. Entretanto, agora Jesus aceita
o canto e a explosão de entusiasmo com que a multidão o acompanha.
Enquanto o povo canta, ele vê diante de si o momento em que dirá a
Pilatos: “Tu o dizes”, confirmando que assume o título de Rei. Enquanto
que a Pedro ele tinha de dizer: “Basta!” quando esse atacou os que vi-
nham prender Jesus. E a Pilatos responde, finalmente: “O meu Reino não
é deste mundo” Jo 18.36.
Não só não é deste mundo, como também é hostilizado até à morte
pelo espírito que governa este mundo. O reino de Jesus ofende “o presente
século” (Rm 12.1) porque Jesus apresenta a verdade sobre o espírito do
presente aioon. A verdade a respeito deste século se manifesta na presença

38
PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO

de Jesus. Essa verdade escandaliza e ofende. O amor que Jesus revela e


pratica é escandaloso e ofensivo para a natureza humana onde quer que
esta esteja. A presença de Jesus mostra que por maior que seja o esforço
humano e de afirmar-se como senhor e rei deste aioon, a verdade é que o
ser humano está perdido na morte. Para negar esta morte, o ser humano se
refugia nas promessas de saúde, beleza, sucesso físico, moral e espiritual
que se oferecem na ciência e nas religiões que são deste século.
Também por isso o presente século se vê ofendido pelo escândalo do
perdão e do amor que o Rei, que não é deste século, vive e pratica. Ele
não ofende pelo fato de ensinar sobre um amor idealizado que este século
também prega. Ofensivo é que ele se junta aos pequeninos deste século,
os pecadores notórios, os condenados pelo presente século e, ao olhar
para os poderosos deste século, diz: Todos sois igualmente culpados e
condenados à destruição final. A não ser que o reconheçam e recebam a
minha salvação destinada somente a perdidos. Esta palavra da verdade
humilha quem se sente poderoso e acima das necessidades dos fracos.
Admitir-se fraco e necessitado ofende o espírito deste século.

4 O NOVO OU O OUTRO REINO, NÃO DESTE MUNDO

Eis aí vem o teu Rei, manso e humilde (humilde, no sentido de meigo,


gentil, em brandura de sentimentos). Ele não se impõe ao caído, não julga,
não ameaça. Procura, busca, carrega os fracos, confunde-se com eles e
esvazia-se do que tem para que também tenham. É o anti-rei deste aioon.
É um rei que somente o suspiro de desespero aspira. “Lembra-te de mim,
quando entrares no teu Reino”. Esse é o ponto matemático do encontro
do ser humano com o seu rei. Ele se esvazia de toda glória e autoridade,
dando e fazendo sinais que dizem: ”Ninguém que está perdido será re-
jeitado”. Assim os perdidos se aproximam sem temor com o suspiro de
uma possível esperança no desespero de uma vida desperdiçada no aioon
deste mundo para fazer ouvir: “Lembra-te”. O Senhor não só lembra. Ele
tem, agonizante para este mundo, a autoridade suprema para afirmar:
Hoje estarás comigo no meu reino”.

5 VIVER O OUTRO AIOON

O apóstolo ensina na leitura paralela das epístolas: “A ninguém fiqueis


devendo coisa alguma a não ser o amor (13.8) e remata no versículo 14:
“revesti-vos do Senhor Jesus.”
O seguidor do Rei sabe que todas as suas intenções e tentativas de
amar, antes e depois de ser encontrado por Jesus, se dependem da força
do ser humano redundam em morte e fracasso porque tudo que sentimos e

39
IGREJA LUTERANA

pensamos é pensado e sentido em benefício próprio e pessoal. A natureza


humana mente para si própria de que faz o bem e de que é capaz de ser
boa. Atribui a si própria sentimentos e qualidades que nunca terá, a não
ser na ilusão a respeito de si própria.
Jamais dirá: “Tudo que penso, sinto e sou é resultado único e exclusivo
da ação de Deus em mim e ao meu redor”. A não ser que Deus a derrube
do seu pedestal, retirando a sua proteção e ajuda. Alguns nem então vão
ter esse reconhecimento. Vão acusar o seu próprio mundo como autor
da sua desgraça. Jamais poderá admitir: Eu sou culpado, Eu mereci essa
queda. Aliás, a queda, o sofrimento e a morte são a única realidade que a
minha natureza merece. “Eis aí o teu Rei”. Por causa dele o ser humano,
aliás, o mundo (Jo 3.16, At 17.28) é de Deus que o preserva e mantém.
Infelizmente a natureza humana não reconhece o reino em que vive,
sob a proteção deste rei. Não lhe rende o louvor e a honra porque não
admite e não reconhece que vive a vida que ele deu ao mundo na cruz.
Os irmãos do malfeitor na cruz, entretanto, esperam ver confirmado um
dia plenamente a promessa que lhes está anunciada: “Hoje, comigo, no
paraíso.”
Enquanto isso, os irmãos do malfeitor se animam uns aos outros para
ficarem firmes na espera pela promessa. Ao mesmo tempo, enquanto
esperam, saúdam o seu rei com cânticos, hinos e orações que traduzem
em voz alta a alegria desta esperança. Ao mesmo tempo, enquanto isso,
pedem ao seu Rei que a sua promessa de cuidar deles se confirme a cada
dia.
Quando os irmãos do malfeitor olham para os lados e para dentro de
si e recebem amor, dignidade, compreensão e perdão no correr de mais
um dia, eles não se orgulham disso. Têm algo muito mais elevado a fazer:
dar graças, louvor e honra ao seu Rei que os conserva e protege, livra do
mal e da tentação e, assim, sejam felizes de querer viver no seu espírito
de brandura e humildade. Ao mesmo tempo, com ele testemunham em
obras, atitudes e palavras pela verdade que lhes foi revelada a respeito
do seu Rei do seu Reino.

Paulo P. Weirich
São Leopoldo/RS
weirich.proskep@gmail.com

40
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO
5 de dezembro de 2010

Salmo 72.1-7; Isaías 11.1-10; Romanos 15 4-13; Mateus 3.1-12

1 DESTAQUES DO TEXTO

V.1: “Naqueles dias” – o que chama a atenção é que entre o versículo


anterior (2.23) e este há um espaço de tempo de quase três décadas.
A passagem de tantos anos não tem importância para a narrativa. A
referência a “aqueles dias” conecta o relato do capítulo 3 com os dois
capítulos anteriores de forma teológica, não cronológica. “Aqueles dias”
são os dias do cumprimento das Escrituras, como já mostrado nos capí-
tulos 1 e 2 (1.22; 2.15,17,23). Também aqui, neste relato de um evento
separado cronologicamente dos anteriores, o tema do cumprimento está
presente (3.3).
V. 2: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” – Jesus
fará este mesmo anúncio mais adiante (4.17). E ao enviar seus discípulos,
estes irão proclamar a chegada do reino de Deus (10.7). O arrependimento
de que falam João e Jesus não se refere a um mero sentimento (o popular:
“estar triste com o pecado”), nem mesmo a um ato que faz parte integrante
da vida cristã diária (reconhecer os pecados e receber gratuitamente o
perdão). O verbo metanoe,w neste contexto tem um significado ainda mais
radical, de alguém ser trazido da descrença para a fé.
“O reino dos céus” – um genitivo subjetivo: os céus (aqui usado me-
taforicamente para designar Deus) reinam, isto é, Deus reina. Mateus
usa trinta e duas vezes esta expressão (e quatro vezes “reino de Deus”).
Nos evangelhos (assim como no Antigo Testamento) o reino não se re-
fere a um lugar geográfico. É um conceito dinâmico. Trata-se da ação de
Deus no mundo, sua atividade de reinar sobre a humanidade. Este reino
manifesta-se em juízo e em graça, sendo seu objetivo último trazer as
pessoas à comunhão com ele.
“Está próximo” – o verbo evggi,zw , aqui usado no perfeito do indicativo,
designa a proximidade de alguém. O uso do perfeito acentua o resultado
de uma ação. Desta forma, o reino não só está perto, mas já se mani-
festa no tempo presente. O próprio Jesus chamará a atenção de que nos
seus atos messiânicos o reino de Deus está se manifestando (Mt 12.28).
Assim, o chamado ao arrependimento por parte de João (e mais tarde
pelo próprio Jesus) é feito no contexto da chegada do reino, na pessoa
de Jesus e na sua obra salvadora.

41
IGREJA LUTERANA

V. 3: “Preparai o caminho do Senhor” – a citação de Is 40.3 identifica


João Batista como o precursor do Messias, mais especificamente, do próprio
Senhor. Ao citar o texto do AT desta forma, Mateus usa uma das formas
mais comuns que os autores do NT empregam para afirmar a divindade
de Jesus: cita um texto do AT, aplicando a Jesus o que lá é afirmado a
respeito de Yahweh.
Jeffrey Gibbs, em seu comentário a Mateus, chama a atenção para o
complexo relacionamento presente neste texto (vv. 6-11) entre arrepen-
dimento, o batismo de João e a confissão de pecados. A narrativa começa
com o chamado ao arrependimento por parte de João e então as pessoas
vêm ao batismo. A falta de arrependimento é a causa da repreensão de
João aos líderes judeus (v. 7). O texto também diz que as pessoas eram
batizadas ao mesmo tempo em que confessavam seus pecados – o verbo
evxomologe,w é usado no particípio presente, normalmente usado para
referir-se a uma ação simultânea àquela do verbo principal (neste caso,
evbapti,zonto = eram batizados). O texto ainda mostra, nas próprias pa-
lavras de João, que seu batismo trazia como resultado o arrependimento
(v. 11: eivj meta,noian). Assim, a pregação de João (= palavra de Deus)
produzia arrependimento, o voltar-se do pecado e crer em Deus. Esse
arrependimento era expresso no confessar de pecados por parte do povo,
à medida em que eram batizados. E o batismo de João produzia constante
arrependimento e fé naquele que João estava anunciando.
V. 9: “Não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão”
– o texto inicia com João dizendo: mh, do,xhte le,gein. O verbo doke,w [pen-
sar] é aqui usado no aoristo subjuntivo antecedido pela negação mh, – para
expressar a proibição do início de uma ação, acompanhado de verbo no
infinitivo: “não pensem em dizer”; ou mesmo: “nem comecem a pensar
em dizer que são filhos de Abraão”. Nesta postura dos líderes judeus, ou
seja, na sua justificativa usando do “histórico” religioso ou étnico, João
vê o oposto daquilo que o reino de Deus produz e procura: verdadeiro
arrependimento (conversão da incredulidade para a fé). A busca de uma
justificativa em si mesmo faz com que a pessoa rejeite a proclamação do
reino de Deus em Cristo.
Chama a atenção no v. 10 o uso dos verbos no presente: “toda árvore
que não está produzindo (poiou/n – particípio presente) fruto bom é cortada
(evkko,ptetai – presente indicativo) e para o fogo é lançada (ba,lletai –
presente indicativo).” As duas últimas ações são escatológicas e terão seu
pleno cumprimento no juízo final (o uso do passivo nos dois verbos do
presente do indicativo referem-se à ação de Deus). No entanto, o julga-

42
SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO

mento já começa agora, nas próprias palavras de João, como juízo contra
a atitude das pessoas que se colocam contra o reino de Deus, manifestado
na pessoa e obra de Jesus (cf. Jo 3.18b).
V.11: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” – ainda que
estas palavras se cumpram de forma inicial no Pentecostes e no batismo
cristão, é importante observar o contexto escatológico destas palavras
de João (vv. 10,12). Jesus é aquele que concede o Espírito Santo. Isto já
é uma realidade no caso do batismo cristão, quando o Espírito Santo é
recebido como o sinal (“penhor”) da redenção final – 2 Co 1.22; 5.5; Ef
1.13,14; 4.30. O fogo do juízo veio antecipadamente sobre o próprio Jesus
(Lc 12.49,50), mas virá de maneira definitiva no dia do juízo final sobre os
que o rejeitaram. Assim também o Espírito Santo será dado plenamente
aos crentes como dádiva escatológica.

2 REFLEXÃO HOMILÉTICA

Arrependei-vos!

1. Porque há um julgamento severo pela frente

O chamado ao “arrependimento” mostra que algo deve ser modificado


e, portanto, algo está errado da forma como está sendo feito. Os “fariseus
e saduceus”, tão diferentes nas suas crenças, são apresentados como se-
melhantes no seu erro, em rejeitar a proclamação do reino e ao assumir
uma atitude de autojustificação. As palavras de João se dirigem, assim,
aos que querem viver conforme seus próprios padrões. Arrepender-se
significa estar pronto a questionar a própria maneira de ser, as próprias
convicções, à luz da revelação de Deus na Sua palavra. Isso vale espe-
cialmente para a maneira de alguém ser religioso.
A proclamação de juízo sobre fariseus e saduceus também se dirige
aos que, a exemplo deles, baseiam sua religiosidade em seus feitos ou
“histórico religioso”. Isso tem os seus paralelos em outras épocas, com
outras palavras, mas mesmo conteúdo: “sou membro há.... anos”, “mi-
nha família toda é da igreja”, “contribuí muito para que a Igreja estivesse
aqui”, etc.
João foi vigoroso no combate a tais idéias, pois viu nelas o oposto
do caminho do arrependimento; viu nelas uma negação da necessária
preparação ante a vinda do Messias. Tais ideias, notou João, levavam a
um julgamento muito mais severo do que estava nas palavras dele (v.
10). Por isso, o chamado ao arrependimento é sério e necessário porque
mostra que há um julgamento pela frente.

43
IGREJA LUTERANA

2. Porque o reino de Deus está aí

O chamado ao arrependimento não leva a um salto no escuro. João


deixa claro o porquê da necessidade de arrepender-se nas palavras: “por-
que está próximo o reino dos céus”.
O reino de Deus é a ação de Deus entre os homens. Deus realiza um
trabalho no mundo. Ele reina. Deus vem para reinar. No Antigo Testamento,
os fiéis esperavam que viria o dia quando Deus iria reinar com Seu amor
sobre Seu povo. A esperança que os antigos tiveram se concretizou na
vinda do reino, na pessoa e obra de Jesus. Quando Cristo veio ao mundo e
realizou a obra da cruz, aí estava o reino de Deus em ação: a ira de Deus
colocada sobre um Homem e tirada de cima de todos os demais.
Arrepender-se, por isso, envolve o recebimento de uma dádiva, que
é Cristo, que vem até nós. Ele não se esconde ou se afasta de nós, mas
vem. O arrependimento verdadeiro é obra do Espírito Santo, pelos meios
da graça (a Palavra de Deus em todas as suas formas). No caso de João,
o chamado ao arrependimento está ligado a sua proclamação e ao ato
do Batismo (v. 1, 2, 6). Também hoje o reino de Deus vem pelo Batismo.
No Batismo Deus opera o arrependimento – é obra dele! Com a vinda de
Cristo, o Espírito Santo é dado (v. 11). E Cristo vem a nós nos meios da
graça, na Palavra, na Absolvição, nos Sacramentos. O nosso Batismo é a
nossa entrada nesta nova vida, do arrependimento. Viver em arrependi-
mento é viver o nosso Batismo dia após dia.
Arrependei-vos: um alerta sério, pois há um julgamento à frente;
mas também um chamado à vida, porque é o próprio Senhor, através da
Palavra que ouvimos, que nos coloca no caminho! Este é bem o espírito
do Advento, que nos chama à expectativa solene, séria, mas jubilante
pela vinda do Senhor.

Gerson L. Linden
São Leopoldo/RS
gerson.linden@gmail.com

44
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO
12 de dezembro de 2010

Salmo 146; Isaías 35.1-10; Tiago 5.7-10; Mateus 11.2-15

1 TEXTO E CONTEXTO

Quando João Batista aparece nas leituras bíblicas é sinal de que o Na-
tal está perto. Ele é o precursor do Messias; ele é o mensageiro; ele é o
“Elias”. João está na prisão, confinado na fortaleza de Maquerus, junto ao
mar Morto. Do cárcere João envia “por seus discípulos” (ARA) uma per-
gunta a Jesus. A expressão é controvertida. Roger L. Omanson, Variantes
Textuais do Novo Testamento, diz que “uma leitura que tem amplo apoio
de manuscritos antigos de diferentes tipos de texto traz “dois dos seus
discípulos” e que “resulta de uma modificação feita para harmonizar o texto
com o relato paralelo em Lc 7.18, que tem “dois dos seus discípulos” (p.
15). Embora a NTLH opte por “alguns de seus discípulos”, homileticamente
o pastor pode preferir ARA para enfatizar a certeza que João esperava na
resposta: ela precisava vir em coro!
O v. 3: “aquele que estava para vir” traduz o particípio presente ho
erchomenos. Tecnicamente, portanto, “aquele que vem” seria mais ade-
quado por ser uma referência direta ao Messias, tantas vezes mencionado
no Antigo Testamento.
V. 10: Alguns consideram esta citação de Malaquias 3.1 uma inserção
feita por Mateus. Na verdade ela não precisa ser olhada desta forma. Jesus
substitui “meu” e “mim”, do Texto Massorético, por “teu” e “ti”, de forma
que a citação se torna um anúncio feito por Deus ao Messias.
V. 12: O termo traduzido por “tomado por esforço” (ARA) seria melhor
traduzido por “sofre violência”, proposta por meu colega Vilson Scholz,
Novo Testamento Interlinear, p. 42.

2 SUGESTÕES HOMILÉTICAS

Esta semana muita gente ficou famosa no Brasil por causa do futebol.
Um time foi vencedor, jogadores foram premiados por serem goleadores;
técnicos foram homenageados. O ser humano premia os melhores – estes
se tornam celebridades, não por muito tempo, mas são celebridades.
João não foi o melhor, nem o maior. Não se destacou em nada. Jamais
foi o homem do ano, não fundou uma ONG ou inaugurou uma instituição
de caridade. Não usava roupas da moda - em resumo, João não era uma

45
IGREJA LUTERANA

celebridade. Ao contrário, homens religiosos do seu tempo achavam que


ele era um louco e que possuía demônio. O pior: João criticou o próprio
rei Herodes Antipas por ter se ajuntado com a sua cunhada, mulher de
seu irmão Felipe (Mt 14.1-4). Como resultado, João foi parar na cadeia.
Ali João morreria decapitado e sua cabeça serviria de escárnio na dança
sensual de Salomé (segundo Josefo), filha de Herodias.
Herodes era grande. César era grande. Mas João não era grande.
Com sua vestimenta em pele de camelo, alimentando-se de gafanhotos e
mel silvestre ele estava mais para rude e exótico. Podemos imaginar um
homem numa praça gritando “Arrependam-se!” e carregando uma placa
pendurada no peito “Sejam batizados!”? Poderia alguém chamar a este
homem de “grande”? Mas Jesus o chama de grande, de “maior”. Jesus diz
que “ninguém apareceu maior do que João Batista” (v. 11).
João, entretanto, não se considera grande. Esta é a diferença entre
uma celebridade e um profeta de Deus. O foco não está nele ou no que
ele faz. João é grande não porque aponta para si mesmo. O centro não é
ele. “Eu não sou digno”, diz ele. João é grande porque aponta para fora
de si mesmo.
Quando olha para dentro de si, João é um homem de dúvidas. Quem
não as têm? E a dúvida de João, assim como as nossas por vezes, é maior
do que ele próprio. É uma dúvida atroz porque chega às raízes da sua fé.
Na prisão há um ano e sabendo que provavelmente não mais sairia dali
vivo, ele ainda tem dúvida sobre aquele que é o centro da sua fé, sua
vida e sua pregação. Para dirimir a dúvida, envia seus discípulos a Jesus.
Há dois motivos nesse envio. Primeiro, estando na prisão, João não podia
fazer nada pelos seus discípulos. Ele seria morto; eles provavelmente
também. Por isso, era melhor buscar consolo diretamente nAquele que é
a razão pela qual João, seus discípulos (e nós!) são perseguidos e mortos.
Segundo: João os envia para perguntar a Jesus: “És tu aquele que vem
ou havemos de esperar outro?”. A expressão “aquele que vem” é uma
referência direta ao Messias. João falara sobre a expectativa dos Messias
(3.10-12). Mas parece que Jesus não estava à altura dAquele que vem,
do Messias. A incerteza de João tinha a ver com a missão de Jesus. Claro,
na sua mensagem João falara do Messias como aquele que batiza não
apenas com o Espírito Santo, mas também com fogo. João esperava que
Jesus executasse juízo sobre os injustos como aqueles que o estavam
aprisionando. Mas Jesus não estava “limpando completamente a sua
eira”, ou “recolhendo o seu trigo no celeiro” como também não estava
“queimando a palha em fogo inextinguível”, como João pregava (3.12).
Estas atividades eram as dignas do Messias, na opinião de João. Mas não
era isso que Jesus estava fazendo. Ao contrário, Jesus “percorria toda a
Galileia ensinando, [...] pregando o evangelho do Reino e curando toda

46
TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO

sorte de doenças e enfermidades entre o povo” (4.23). Jesus estava frus-


trando as expectativas de João. João estava em dúvidas. Grande homem;
grandes dúvidas.
João era o precursor do Messias. Por isso João era “o maior”. Mas
“maior” aos olhos de Deus, não diante dos homens nem diante do próprio
João. João era precursor de Jesus num sentido mais especial ainda. Um
precursor na morte tanto como na vida. Também sua vida foi marcada pela
cruz. O Reino dos céus é tomado por esforço, ou, pela violência, diz Jesus,
e homens forçam para tentar impedir o avanço do Reino. Foi assim nos
dias de Acabe e Jezabel com Elias; é assim com Herodes e Herodias com
João. Esta mesma violência iria crucificar o Messias. Esta mesma violência
lança hoje cristãos na prisão e na morte em vários países do mundo.
“És tu Aquele quem vem?” perguntam os discípulos de João a Jesus.
E a resposta vem lá de longe, do fundo, da fonte, do capítulo 35 do
profeta Isaías - um texto que dá os sinais de como reconhecer e atestar
quem é o Messias: cegos veem, coxos andam, leprosos são purificados,
surdos ouvem, mortos são ressuscitados, aos pobres está sendo pregado
o evangelho. Jesus estava cumprindo o que ele anunciara a respeito de
si mesmo ao profeta Isaías há mais de 750 anos. Sim, o Messias é este!
Está aqui. Deus está conosco! O tempo se cumpriu! É o Advento! Já vem
perto o Natal!
Esta é a palavra que João ouve. É a palavra que ele, João, pregara
desde o início: Quando vê Jesus pela primeira vez, João não lhe traz
nenhum presente; ao contrário, de certa forma, antecipa o Seu destino.
Profetas, como pastores, antecipam as coisas de Deus: “Eis o Cordeiro
de Deus que tira o pecado do mundo”. Ninguém tira o pecado do mundo
senão o próprio Deus, senão o Messias. Não há nele outra função. E nes-
ta palavra João confiava. “Eis o Cordeiro de Deus!”. Lutero dizia que se
quisermos conhecer e identificar o Messias, devemos olhar para a ponta
do dedo de João Batista, ou seja, para quem ele está apontando – e João
aponta para Jesus. É para Jesus que João aponta no momento de dúvidas
e incertezas. Foi assim no começo; é assim agora quando de dentro da
cadeia aponta para fora, dando a direção certa a seus discípulos. É para o
dedo de João Batista que em momentos de incertezas nós devemos olhar
neste tempo de Advento.
João era o maior, diz Jesus. Mas Jesus também diz que o menor no
Reino dos céus é maior do que ele. Até mesmo o bebê recém batizado é
maior do que João. Ser grande no Reino de Deus não é ser campeão, ser
famoso, ser celebridade. Ao contrário, é ser humilde diante de Deus e estar
morto para o mundo. Não é nada que o mundo admira e respeita. Não se
trata de uma vitória pessoal, mas de uma vitória ganha pelo Messias. A
honra não é nossa, mas dEle. Nós somos os maiores. Não aos olhos do

47
IGREJA LUTERANA

mundo nem aos nossos olhos. Aos nossos olhos somos apenas pecadores,
filhos de Adão, que não foi aquela celebridade. Mas batizados na vinda,
vida e morte de Jesus e unidos a ele pela Sua Palavra somos certamente
os maiores, porque nEle somos mais que vencedores.

Sugestão de tema: Maiores do que João Batista

Acir Raymann
São Leopoldo/RS
acir.raymann@gmail.com

48
QUARTO DOMINGO NO ADVENTO
19 de dezembro de 2010

Salmo 24; Isaías 7.10-17; Romanos 1.1-7; Mateus 1.18-25

Deus se faz criança por amor de cada pessoa que ele criou. Aliás, Deus
nasce daqueles que ele criou. Não existe forma nem maneira de harmonizar
esses fatos com a nossa maneira de ver e entender as coisas. Mesmo o
mais cético ser humano pára diante do quadro que está diante dos olhos.
O que teria obrigado Deus a nascer da humanidade por ele criada? Talvez
seja meramente uma impressão pessoal e, admito, talvez equivocada.
Mas as celebrações de Natal a que tenho presenciado ultimamente, salvo
algumas exceções, mais se parecem com qualquer espetáculo (show)
que mais faz aparecer e dar visibilidade aos cantores com seus vocais e
ritmos, com textos por vezes desconexos, do que induzir à contemplação
do Natal que aconteceu em Belém. Nota-se nos pastores e suas equipes
um esforço intenso de valorizar a data, torná-la marcante, mas José e
Maria com o menino Jesus acabam por parecerem a mim, naquele cená-
rio, figuras decorativas, personagens de ficção de um passado remoto.
As próprias crianças que até a algum tempo tinham espaço central para
expressar certo jeito de ver o Natal, agora parecem estar sendo espremi-
das para uma lateral para que atores e cantores e instrumentistas façam
o papel central.
O que provocou essa reflexão de cunho crítico? Um dos textos mais
preciosos do Natal é o Cântico de Maria (Lc 1.46-55). Ao contemplar o
quadro natalino de Mateus, mais focado em José, vem à mente o olhar de
Lutero sobre Maria no seu comentário sobre o Cântico de Maria. Lutero
sente nas palavras de Maria o reconhecimento da completa nulidade do
ser humano diante da vida e diante de Deus. Nessa contemplação, Lu-
tero se consola na contemplação de Maria diante da tremenda tarefa de
comparecer diante das autoridades do Império em Worms onde lhe seria
ordenado retratar-se da doutrina do Evangelho.
Ao traduzir “Pois contemplou a humildade da sua serva”, Lutero prefere
pôr na boca de Maria a palavra nulidade ou ser insignificante. O que Maria
poderia oferecer a Deus para ter a dignidade de ser a mãe de Deus? Nada,
é a resposta de Maria. Nada, é a resposta de Paulo em vários momentos
das suas cartas. Lutero sente esse NADA diante de Worms. E isso lhe
permite dar os passos naquela direção.
Na verdade, como poderíamos testemunhar esse nada numa celebração
em que queremos honrar Deus? Como podemos testemunhar ao mundo

49
IGREJA LUTERANA

e a nós próprios para dentro das nossas igrejas e suas celebrações que,
tal como Maria, temos de admitir que o nosso louvor é nada, mas que
Deus contempla esse nada, nasce desse nada para que ele nos faça ser
tudo que Deus tem para dar e oferecer ao nada? Como podemos fazer
algo assim? Nunca saberemos fazê-lo. Não conseguiremos jamais anu-
lar a nossa pretensão de querermos ser algo de nós próprios diante das
pessoas e do próprio Deus.
Em razão disso, minha própria crítica ao louvor que se faz em algumas
cenas do Presépio é também nada. O que sei eu do que se passa no co-
ração de qualquer pessoa? O que sei eu do que significou para cada uma
daquelas pessoas estarem ali tentando do seu jeito expressar gratidão
e louvor a Deus? O mesmo Deus que prometeu receber e aceitar o mais
indigno e imperfeito louvor por causa do amor que tem pela sua criatura
revelado no Natal?
A perplexidade e confusão de José, mas finalmente a sua singeleza
em seguir os fatos tal como lhe foram apresentados, é talvez também
a única maneira de estar diante da representação do presépio. Mas não
somente isso. É também o que consola cada pessoa que precisa enfrentar
as tarefas que Deus impõe a cada um. Pessoas como José, Paulo, Maria,
Lutero, você, seus familiares, não precisamos de coragem. Os nossos
olhos, como os deles, foram abertos por Deus para vermos a ele no co-
mando das forças desse mundo. José não tem coragem para enfrentar a
opinião de uma aldeia. Com ele podemos aprender a ver Deus em cada
fato e acontecimento das nossas vidas, os impedimentos, os desafios, os
atrasos, as acelerações, os momentos felizes e encorajadores, como as
tristezas, as fugas e as perdas. Não importa como eu me sinto diante das
coisas e das pessoas. Importa saber se reconheço Deus no comando de
tudo para o louvor e honra do seu nome.
Aquela criança é Deus para resgatar pessoas que são nada e fazer de
todos os Nada filhos de Deus. Porque muitos Nada ainda necessitam saber
disso, se consolar nisso e viver.

ORGANIZAÇÃO DO EVANGELHO PARA A PREGAÇÃO

Como José, estamos diante dos fatos da vida


Como José, nos esforçamos para ter uma saída
Como José, aprendemos que os fatos são palavra de Deus
Essa palavra nos consola e anima a viver.

Paulo P. Weirich
São Leopoldo/RS
weirich.proskep@gmail.com

50
VÉSPERA DE NATAL
24 de dezembro de 2010

Salmo 110.1-4; Isaías 7.10-14; 1 João 4.7-16; Mateus 1.18-25

DOIS EXEMPLOS DA CONDUTA DAQUELE QUE CRÊ NO MESSIAS

1. Maria: exemplo de uma serva disposta a pagar o preço de


ser fiel

Maria se destaca pela sua submissão à vontade de Deus. Para ela a


sua fidelidade a Deus é algo inegociável – sua atitude nos lembra a deci-
são de Daniel e seus amigos de não comerem das iguarias do rei, por sua
fidelidade ao Senhor Deus.
“Achou-se grávida” é um resumo do que nos diz Lucas: O anjo lhe
disse o propósito do Senhor e ela, tendo pensado em todas as possíveis
consequências, disse: “Eis aqui a serva do Senhor, que se cumpra em mim
conforme a sua vontade”.

a. Maria, a serva do Senhor, está disposta a perder o noivo para


servir a Deus.

Ela sabia que José poderia não acreditar na história e teria o “di-
reito legal” de anular o seu compromisso de casamento.
“Se alguém vem a mim e não aborrece pai, mãe... não pode ser
meu discípulo.”

b. Ela está disposta a sofrer humilhações (ser difamada) por ser fiel
a Deus.

Maria poderia ser humilhada, difamada, acusada de promiscuidade,


mas não se importa com isso se esse for o preço de ser fiel.
“Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem e persegui-
rem...”
“Todo aquele que quer viver piedosamente em Cristo será perse-
guido.”

c. Está disposta a abrir mão de seus sonhos e vontade para fazer a


vontade de Deus.

51
IGREJA LUTERANA

Maria certamente tinha o sonho de se casar e ter uma família; mas


está disposta a perder a oportunidade por seu amor a Deus.
“Seja feita a tua vontade”; “não seja como eu quero e sim como
tu queres.”
“Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça...”

d. Ela está disposta a perder a vida para fazer a vontade de Deus.


Naquele tempo os adúlteros poderiam ser punidos com a morte e
ela sabia que poderia ser acusada de tal.
É um exemplo da renúncia do crente: “negue-se a si mesmo”,
disse Jesus.
Atos 20:24: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim
mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que
recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça
de Deus.” – “vivo não mais eu mas Cristo vive em mim.”

2. José: exemplo de um servo disposto a ser obediente

Duas opções se apresentavam a José: divorciar-se secretamente ou


vingar-se infamando a Maria. Ele escolheu a primeira. Por quê? Por causa
da sua obediência e temor a Deus. Ele queria viver os ensinos da Palavra,
e como tal é um exemplo para nós:

a. Ele era um homem perdoador, “não a querendo infamar”

“Pensou em quem o traiu” – se importou com o que aconteceria


a Maria, mesmo pensando que ela o havia traído da pior maneira
que uma pessoa pode trair a outra.
Ao agir assim, José estava pondo em prática em sua vida os man-
damentos bíblicos: “Como o Senhor vos perdoou assim perdoai
vós também.”
Lucas 6:37: ”Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e
não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados.”

b. Ele era um homem justo, escolheu a pena menos severa para


Maria.

Ele não quis tratar Maria com todo o rigor da lei e exigir seus di-
reitos; ao contrário, demonstrou misericórdia, segundo a Palavra.
O próprio Cristo nos ensina:
“Bem-aventurados os misericordiosos...”

52
VÉSPERA DE NATAL

c. Ele era um homem que pensava duas vezes antes de agir. “En-
quanto ponderava”.

Ele resolveu, depois de muito pensar, divorciar-se secretamente,


mas, mesmo depois de tomar a decisão, ainda antes de agir, ele
continuou ponderando em sua decisão. Ele queria certificar-se de
que estava tomando a decisão mais acertada, mais de acordo com
a vontade de Deus e não de acordo com seus impulsos e orgulho
ferido.
Ele é um exemplo do domínio próprio que Jesus espera daqueles
que creem nele. Domínio próprio é um dos aspectos do fruto do
Espírito na vida do crente.

d. Tinha urgência em obedecer: “Despertado do sono, fez como lhe


ordenara o anjo...”

Quando recebeu a ordem de Deus, ele prontamente se casou


com Maria e só teve relações com ela depois que ela deu à luz o
menino; e deu ao menino o nome que o Senhor mandou.

e. A discrição de José

Alguns personagens da palavra de Deus são lembrados sempre pelos


seus atos maiores ou menores que se destacam na narrativa bíblica. Poucos
personagens são lembrados por sua discrição e anonimato. Aliás, esta é
a natureza essencial da mídia moderna também: divulgar apenas aquilo
que é notícia, boa ou má – para ela não importa.
José, o pai humano de Jesus, é um desses personagens que se destaca
por sua discrição, modéstia e sensatez. Em nenhum momento o vemos
exaltado ou chamando a atenção. Em toda a narração bíblica, ele é visto
como alguém submisso, tranquilo, diligente, em silêncio, fazendo a sua
parte com dedicação e eficiência. Assim ele procede diante da revelação
de que sua esposa, ainda virgem, estava concebida do Espírito Santo;
diante da ordem do anjo do Senhor para que ele entendesse que a profecia
do Messias se cumpria na sua vida e na vida de sua esposa; na ida para
Belém, ao recenseamento ordenado pelas autoridades romanas; na busca
por uma estalagem; na recepção aos pastores e magos; na fuga para o
Egito, na educação do filho, seu primogênito, Jesus, o Cristo prometido;
no exercício de sua profissão em Nazaré.
Esta sua característica humilde e discreta está registrada no texto em
apreço, conforme lemos no versículo abaixo:
“E como José, seu esposo, era justo, e não a queria infamar, intentou
deixá-la secretamente.” (Mt 1.19)

53
IGREJA LUTERANA

A discrição é uma das características mais marcantes do servo de


Deus. O evangelho deve impor-nos sempre um procedimento comedido
e contido diante da vida.
O estardalhaço, o chamar a atenção dos que estão ao redor, o pedir
holofotes para a nossa obra não deve ser procedimento do crente. O pró-
prio Senhor Jesus pedia àqueles a quem curava que não divulgassem o
fato. José, com sua vida e exemplo, nos ensina esta virtude. Que sejamos
discretos em nossa atuação no lar, no trabalho, na igreja, fazendo a nossa
parte com discrição e competência, sabendo que o Senhor, que é o Senhor
da obra, está vendo isto, e não nos preocupemos com o reconhecimento
dos outros.

CONCLUSÃO

A fidelidade e a obediência ao Messias Salvador já foram recompensa-


das pelo seu amor e sua infinita misericórdia. Somos fiéis e obedientes,
não para recebermos recompensas, mas porque já fomos infinitamente
recompensados por sua graça.

Jesus nasceu de uma virgem................................................ Mt 1.23


Foi gerado pelo Espírito Santo .............................................. Mt 1.20
Nasceu para libertar os povos do pecado ............................... Mt 1.21
Nasceu para ser honrado como Rei recebendo ouro ................. Mt 2.11
Nasceu para ser adorado como Deus recebendo incenso .......... Mt 2.11

Nasceu para ser presenteado como homem recebendo mirra, o prin-


cipal componente do óleo utilizado para ungir, provando assim que Ele
era o ungido, o Messias, o homem prometido, Profeta, Sacerdote e Rei
(Mt 2.11).

Paulo Gerhard Pietzsch


São Leopoldo/RS
pgpietzsch@yahoo.com.br

54
DIA DE NATAL
25 de dezembro de 2010

Salmo 2; Isaías 52. 7-10; Hebreus 1.1-6(7-12); João 1.1-14 (15-18)

1 CONTEXTO

Leituras do Dia

Salmo 2
Este Salmo mostra que os reis nos tempos do Antigo Testamento eram
escolhidos por Deus como seus representantes na terra. Deus ganhava
as batalhas e derrotava os inimigos de Israel através do rei. Porque Deus
havia escolhido o rei, este se tornava “filho de Deus”. Além disso, o rei era
o “ungido de Deus” porque Deus lhe dava poder. Na cerimônia da investi-
dura real, um sacerdote derramava azeite consagrado sobre a cabeça do
rei escolhido. Este Salmo é messiânico, pois aponta também para Cristo
por meio do qual Deus cumpriria suas promessas (Mt 1.17; At 4.25-27;
13.33; Hb 1.5; 5.5).

Isaías 52.7-10
“Quão formosos são os pés” é uma referência aos mensageiros que
vêm correndo da batalha para anunciar boas novas ao rei e aos moradores.
Neste texto as boas novas se referem à volta dos exilados para Jerusalém.
Esta libertação do exílio prefigura também a libertação dos pecados que
Cristo concede: é a salvação concedida a toda humanidade.

Hebreus 1.1-6
Tudo o que Deus falou através dos escritores do Antigo Testamento
apontava para Cristo. Agora Deus tem uma mensagem final através de
seu Filho Jesus Cristo. Por intermédio de Cristo o universo foi criado e a
humanidade foi purificada de seus pecados. Por isso, todos, homens e
anjos, devem render glória a Cristo.

João 1.1-14
Jesus Cristo é o Verbo ou a Palavra que já existia antes da fundação do
mundo. Ele estava com Deus e era Deus e, por meio dele tudo passou a
existir. Este Jesus se tornou um ser humano para morar entre os homens,
demonstrar o seu amor e nos mostrar quem é Deus.

55
IGREJA LUTERANA

2 TEXTO

João apresenta Jesus como o Verbo, ou a Palavra (lógos). E esta Pala-


vra ou Verbo existe desde o princípio (arxé). O Verbo já existia antes da
Criação, pois foi por meio deste Verbo ou desta Palavra (Jesus Cristo) que
tudo foi criado (v.3). Isto é um conforto para nós sabermos que Jesus, o
Verbo, não é somente o nosso Salvador, mas também o nosso Criador e
interessado em tudo o que há no universo. E este Verbo era Deus, ou seja,
Jesus é Deus igual ao Pai, desde a eternidade. O texto nos mostra que
há desde a eternidade o lógos, junto com o Pai, mas uma pessoa distinta
que “é o verdadeiro Deus” (1 Jo 5.20).

Os gregos usavam este termo (lógos) não somente para a pa-


lavra falada, mas também para a palavra não falada, a palavra
ainda na mente – a razão. Quando eles a aplicavam ao universo,
eles tinham em mente o princípio racional que governa todas as
coisas. Os judeus, por outro lado, a usavam para referir-se a
Deus. Assim João usou um termo que era significativo a ambos,
judeus e gentios.

É notório observar que, no princípio, o “Verbo (lógos) estava com


Deus”. A partir de então ele veio para estar com a humanidade, para lhe
trazer vida. A vida é um dom de Deus. O próprio Jesus afirma: “Eu lhes
dou a vida eterna” (Jo 10.28) e ele mesmo é a vida. Antes de ir embora
aos céus, Jesus conforta seus discípulos dizendo: “Eu sou o caminho, e a
verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Jesus
também é a luz. Luz e vida são sinônimas, pois as duas palavras caracte-
rizam a obra de Cristo. Ele mesmo se autodenomina “a luz do mundo” e
garante que quem o seguir não ficará nas trevas, mas terá a luz da vida
(Jo 8. 12). Luz, segundo o uso das Escrituras, significa salvação, pois ele
é a luz para os gentios, o Salvador de todos (Sl 27.1; Is 49.6; 60.1-2),
iluminando o caminho em meio às trevas.
Para preparar o caminho a esta luz, Deus enviou João Batista, como
um resultado do plano de Deus (Mt 3.3). Ele foi testemunha de Jesus, pois
ele não era a luz, mas veio para testificar da luz que é Jesus. Portanto, as
pessoas não deveriam crer em João Batista, mas, através dele, deveriam
crer em Jesus, como o próprio João anunciava (Jo 1.26-27).
O evangelista João enfatiza a encarnação de Cristo, que serve como
luz para a humanidade, pois em Cristo nos é mostrado o caminho para a
salvação. O Verbo veio para o mundo, este mundo que por ele foi criado,
mas o mundo, e até seus próprios conterrâneos, não o receberam. O mundo
são as pessoas dominadas por Satanás, que odeiam a obra de Cristo (Jo
15.18-19). Mas Deus transforma pessoas que o recebem em seus filhos.
Esta transformação não vem do esforço humano, mas de Deus (Jo 1.9)

56
DIA DE NATAL

que transforma as pessoas e as adota como filhos (Gl 4.4-5), dando-lhes


a fé (Jo 1.12-13; Hb 11.1-3).
Jesus, o Verbo, tornou-se (egéneto) um ser humano e morou entre as
pessoas. O Verbo veio para este mundo humano, tornou-se carne, pessoa
humana. Isto indica uma transição. O Verbo, a Palavra (o Deus Jesus) já
existia antes de ele se tornar homem. Ao tornar-se carne, Jesus assume
plenamente a natureza humana, sendo igual a nós, aperfeiçoando-se nas
aflições e manifestando-nos a glória de Deus (Fp 2.5-11; Hb 2.10-11,14).
Cristo é, portanto, não somente todo-poderoso Deus, mas também todo-
poderoso homem; onisciente como Deus e homem e onipresente como
Deus e homem.
Este Verbo habitou (eskénosen) entre nós. Isto faz referência ao ta-
bernáculo do Antigo Testamento. Jesus habitou entre nós significa que
ele pôs a sua tenda de acampamento aqui no mundo para viver tempo-
rariamente aqui. Deus se faz presente na carne de Jesus, substituindo o
antigo tabernáculo.
Os discípulos de Cristo tiveram a oportunidade de ver a glória do Ver-
bo. Os milagres de Cristo e a constante preocupação de Deus em querer
salvar o seu povo mostravam esta glória (1Rs 8.10-11; Is 6.3; 60.1-2; Jo
2.11; 17.4-6). João, referindo-se a Cristo como aquele que está cheio de
graça e verdade, mostra-nos que Deus, em Cristo, é amor e fidelidade,
que cumpre as promessas referentes ao Messias neste Cristo, glória de
Deus e Salvador da humanidade.

3 APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Esta perícope nos mostra Jesus Cristo, o lógos, a Palavra, o Verbo,


como a luz que na escuridão nos aponta a vida eterna. No Natal este
lógos se torna carne.
O texto apresenta a moléstia que rejeita esta luz, Cristo: “veio para
o que era seu e os seus não o receberam” (v. 11). Rejeitar a luz significa
ficar nas trevas, rejeitar a vida e a salvação.
O meio para superar a moléstia está bem explícito no texto também:
“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos
filhos de Deus, a saber, aos que creem em seu nome” (v. 12). O texto
também deixa claro que os crentes não são salvos por iniciativa ou es-
forço próprios: “os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da
carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (v. 13). O Natal é a
confirmação da iniciativa de Deus de buscar a humanidade perdida com
o lógos que se fez carne.

57
IGREJA LUTERANA

4 PROPOSTA HOMILÉTICA

O Natal é a confirmação do Verbo que se fez carne.


Por meio do Verbo todas as coisas foram criadas.
O Verbo habitou entre nós, mas muitos não o recebem.
O Verbo manifesta a sua glória para a salvação do seu povo.

Raul Blum
São Leopoldo/RS
raulblum@yahoo.com.br

58
SEGUNDO DOMINGO APÓS O NATAL
26 de dezembro de 2010

Salmo 111; Isaías 63.7-14; Gálatas 4.4-7; Mateus 2.13-23

“A HISTÓRIA DE DOIS REIS” – A ESCRITURA


SE CUMPRE COM O REI JESUS

O texto de Mateus 2.13-23 é continuação do relato dos primeiros meses


de vida do Filho de Deus, Jesus. No episódio descrito, outro personagem
é notado: o rei Herodes. Assim, os eventos narrados nesta perícope for-
mam a “história de dois reis”. Um estava resolvido a ir para cima, o outro
estava decidido a ir para baixo.

1 CONTEXTO

Mateus introduz a “história dos dois reis” com uma afirmação, diante
do que se sabe de Herodes, aparentemente absurda. O poderoso rei da
Judeia ficou perturbado com o “rei-bebê” nascido em Belém. Sua primeira
reação foi tentar descobrir o local exato em que estava seu “rival”. Quando
isto não funcionou, ele colocou em prática um recurso particular seu du-
rante toda a sua vida: ignorar qualquer princípio humanitário, ordenando
a execução de todos os meninos de dois anos para baixo. Herodes apenas
revelou seu incontrolável ímpeto de “subir” a qualquer custo.

2 TEXTO

Os versículos iniciais (13-15) desse texto formam um resumo da


história envolvendo a Jesus, sua família, a fuga para o Egito, a morte do
rei Herodes e o cumprimento do Antigo Testamento. Na segunda parte
(16-23), Mateus descreve os eventos relacionados a essa síntese, mas
de forma mais detalhada.
Vv. 13-15: Nesses versículos é rapidamente resumido o contrastante
quadro do rei Herodes, depois seu filho Arquelau e do rei Jesus. Em tons
sintéticos, Mateus conta como Deus avisou a José sobre os planos homi-
cidas de Herodes e como ele o orientou para fugir para o Egito. O relato
do evangelista ainda nos revela que José obedeceu, partiu para a terra
egípcia e lá permaneceu até a morte de Herodes.
Vv. 16-19: Nessa parte Mateus descreve detalhes que faltavam para
compor a história de Herodes: sua fúria quando ficou sabendo que havia
sido enganado pelos magos, sua consequente decisão em decretar a morte

59
IGREJA LUTERANA

dos meninos até dois anos e a própria morte do rei.


Vv. 20-21: A descrição do retorno do Egito é similar à sua fuga para
aquele país. Ambos os casos aconteceram pela intervenção de Deus. Não
há mais nada a temer “porque Herodes já morreu”. Essa é a segunda
vez que José teve que levantar acampamento e obedientemente tomar o
menino Jesus e sua mãe, a fim de voltar.
Vv. 22-23: Porém, ainda não foi dessa vez que o retorno do rei Jesus
à cidade de Davi, Belém, acabou se concretizando. Havia outra ameaça.
Arquelau, filho de Herodes, governava aquela região. O medo de José e
Maria era justificado. Embora incompetente, tanto que foi deposto pelos
romanos no ano 6 A.D., Arquelau era conhecido pela sua intensa cruel-
dade. Sem maiores detalhes, Deus os advertiu desse perigo e a solução
foi morar em Nazaré.

3 REFLEXÕES TEOLÓGICAS

Dois aspectos desse texto merecem ser destacados. O primeiro é o uso


de citações do Antigo Testamento. O segundo, decorrente do primeiro, é
a ênfase cristológica. Por isso, na verdade, ambos os detalhes se fundem
e podem ser vistos quase que ao mesmo tempo.
A primeira referência profética é a de Oséias 11.1, “do Egito chamei
o meu filho”. Mateus mantém o singular “filho”, em contraste à LXX, que
usa o plural “seus filhos”. O contexto original de Oséias tem como pano de
fundo a rebelião e pecaminosidade de Israel. Por causa de sua manifesta
idolatria (Os 10.5-6) e injustiças (Os 10.13), Deus sinalizou com guerras
e destruição (Os 10.14-15). No capítulo 11, não obstante as declarações
de amor por parte de Deus (Os 11.1-4), o tema do julgamento continua
(Os 11.5-7), ainda que a disposição compassiva de Deus para com seu
povo venha logo a seguir (Os 11.8-11).
Três aspectos podem ser desprendidos do contexto original de Oséias
11. (1) O texto não descreve previsões do futuro, mas relembra o passado
de Israel no tempo do Êxodo. (2) É importante notar que a linguagem do
profeta a respeito da nação como “filho de Deus” reflete um detalhe comum
que se originou no tempo de Moisés (Êx 4.22-23). No caso, no tempo do
Êxodo, Deus se tornou pai de um “filho” e que é a nação de Israel, em
cumprimento às promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó (Êx 2.24-25;
3.14-15). (3) Há um contraste entre o “filho” do êxodo, quando Deus
adotou Israel em amor e o “filho” rebelde de Oséias 11, ocasião em que
Israel falhou em ser “filho” e por isso estava sob o julgamento de Deus.
Agora, aqui no evangelho de Mateus, um “filho” veio para salvar seu
povo dos pecados dele (Mt 1.21). É o filho de Davi e Abraão (Mt 1.1). O
Cristo, não é o filho de José, mas é o filho de Deus (Mt 1.18-25). É inte-

60
SEGUNDO DOMINGO APÓS O NATAL

ressante adicionar a ideia de que a identidade de Jesus como filho de Deus


é aplicada para ele como o próprio Israel. Esse aspecto tipológico, visto
em comparação e no contraste, presume que Deus começou a realizar
o maior ato da salvação e do qual o Êxodo foi um tipo. Isto nos ajuda a
compreender a viagem do filho de Deus ao Egito (Mt 2.15), tendo em
vista que sua vida estava em risco. Jesus recapitula e repete a história de
Israel. Os filhos do povo de Deus voltaram do Egito libertos da escravidão
e cativeiro. Jesus voltou do Egito para salvar o seu povo. Israel falhou em
andar nos caminhos de Deus. Jesus não vacilou e nada o deteve para ser
o Filho Perfeito e Salvador.
Em relação à segunda citação do Antigo Testamento, há outra observa-
ção interessante. Na tentativa de impedir o plano salvador, o rei Herodes
pode ter sido responsável por um genocídio de 20 crianças. Esse mal não
pode ser atribuído a Deus, como se a origem estivesse nele, porém, na
vontade perversa do homem. É por isso que a fórmula do evangelista, ao
citar essa profecia, difere das outras e ao invés de usar “para que fosse
cumprido”, como é comum em todas as outras referências proféticas, aqui
ele utiliza “então se cumpriu”. Esse é o caso também de Mateus 27.9, no
episódio Judas.
A referência do Antigo Testamento é Jr 31.15 e o contexto é o choro
de Ramá, para descrever o exílio de Judá sob o poder babilônico. Os “fi-
lhos” de Raquel estão para a nação que sofre com o julgamento divino.
Mas, Jeremias se apressa em dizer boas palavras de esperança, a saber,
o retorno do exílio e consequente restauração de Israel (Jr 31.16-19).
Não obstante o choro, por causa do divino julgamento sobre o pecado,
há esperança e promessa para o futuro.
Esse episódio tem correspondência em Mateus 2. O mal bateu às
portas e foi causado por Herodes, mas uma melhor e renovada aliança
será estabelecida pelo filho de Deus. Ainda que um inaceitável e impen-
sado mal, como a morte de crianças em Belém, esse episódio faz parte
da história operada por Deus através de Jesus. Depois do choro sobre o
julgamento e o pecado em Ramá, houve esperança. Num maior e mais
final feliz, porém, os pecados do povo não tiveram a última palavra em
Belém, mas o filho de Deus trouxe de volta a esperança e restauração a
todos os filhos da humanidade.
A terceira citação profética é uma referência a Nazaré. Esse lugar
definitivamente não foi muito importante, tanto que nem é mencionado
no Antigo Testamento. Mateus aqui mantém o tradicional “para que se
cumprisse”, mas, ao contrário das outras, fala em “profetas”. A menção a
Nazaré, uma obscura e insignificante vila vem ao encontro de “profecias”,
cujo foco repousa principalmente sobre Isaías 53 e o Servo Sofredor. Esse
é o caminho que Deus escolheu para trazer salvação a todos. Só que a

61
IGREJA LUTERANA

possível “majestade messiânica” como cidadão de Belém deu lugar a uma


cidadania de um lugar que “nem no mapa aparece”, Nazaré.

4 HERODES: O GRANDE?

Herodes, o Grande, nasceu em 73 a.C. e foi nomeado rei da Judéia


pelo senado romano em 40 a. C. Em 37 a. C., com auxílio de forças ro-
manas, derrotou toda e qualquer oposição a seu governo. Seu pai era
um idumeu e sua mãe de descendência arábica. Seu perfil, além de um
político bem articulado, tinha como marca a riqueza, lealdade, excelente
administrador e suficientemente esperto para permanecer nas graças dos
imperadores romanos.
Dentre as suas realizações está uma grandiosa providência num tempo
de carestia, o projeto de construção do templo, que começou em 20 a.
C. e a reconstrução de Samaria. Tudo isto gerou admiração até dos seus
inimigos.
Só que ele amava o poder e seu desejo obsessivo era subir. Quando
seu pai morreu envenenado por um adversário político, ele imediatamente
articulou um macabro plano. Ele convidou os assassinos do seu pai para
um jantar. Quando eles chegaram, eles foram massacrados um por um.
Para sustentar seu poder, ele cobrava impostos abusivamente e ainda se
ressentia que muitos judeus o consideravam um usurpador. Nos últimos
dias de sua vida, sofreu com a doença, mas mesmo assim mandou ex-
terminar seus aliados mais próximos, sua mulher Mariana e pelo menos
dois dos seus filhos. Resumidamente, ele era um inescrupuloso tirano, o
orgulho materializado, mas suas realizações o consagraram para ser “o
Grande”.

5 REFLEXÃO HOMILÉTICA

Nenhum rei tem poder sobre o Rei Jesus. Nem Herodes, nem Antipas,
tinham algum controle nessa situação. Seu reinado é estabelecido em
lugares e condições improváveis, mas Ele é o rei. Por um momento era
necessária a fuga para o Egito, mas seu reinado estava se consolidando. O
rei divino mais tarde seria coroado com uma coroa de espinhos, sem contar
a zombaria e os açoites. Ele é rejeitado e deixado sozinho na cruz, mas
o Rei Crucificado sabe a verdade. Esse era o caminho. O seu sofrimento
e morte são instrumentos que acabaram com a morte. Com ela também
acabaram nossa fraqueza, desespero, culpa, vergonha, medo, pecado e a
própria morte, o último inimigo vencido pelo Rei Jesus. Desde o começo
foi assim. Em situações paradoxais, Cristo se torna o nosso Rei.

62
SEGUNDO DOMINGO APÓS O NATAL

6 BIBLIOGRAFIA

GIBBS, Jeffrey. Matthew 1.1-11.1. Saint Louis: Concordia Publishing


House, 2006.
KOLB, Robert. Comunicando o evangelho hoje. Trad. Dieter Joel Jag-
now. Porto Alegre: Concórdia, 2010.
LESSING, Reed. Matthew 2.13-15, 19-23. In.: Concordia Journal, Volume
30, Number 4, Outubro 2004, pp. 389-391.
MORRIS, Leon. The Gospel According to Matthew. Grand Rapids:
Eerdmans Publishing Company, 1995.

Anselmo Ernesto Graff


São Leopoldo/RS
agraff@uol.com.br

63
VÉSPERA DE ANO NOVO
31 de dezembro de 2010

Salmo 90.1-12; Isaías 30.(8-14) 15-17; Romanos 8.31b-39;


Lucas 12.35-40

1 CONTEXTO

O final de um ano lembra, aos cristãos, o final dos tempos. Por isso,
é um momento de reflexão, de meditação e de trazer à memória a orien-
tação da Palavra de Deus sobre este tema.
No capítulo 12 do evangelho de Lucas, Jesus orienta seus discípulos
sobre a qualidade de suas vidas neste mundo. Na primeira parte (vv.
1-34), ele os admoesta à pureza de coração. Na segunda parte (vv. 35-
59), ele os convida a olhar para o futuro, animando e exortando para uma
viva esperança.
Os demais textos da perícope deste dia contrapõem o homem pecador
e rebelde ao Deus gracioso. Os textos apontam para a misericórdia de
Deus que quer salvar o pecador, mas também alertam para a limitação
do tempo disponível para a conversão e a aceitação da graciosa oferta
de Deus. O Salmo 90.1-12 enfatiza a brevidade da vida humana. Os dias
e anos passam em rapidíssima sucessão, em flagrante contraste com a
eternidade de Deus. O salmo aponta também para a pecaminosidade do
ser humano e a bondade de Deus (v. 1), e conclui esta seção com o pe-
dido: “Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração
sábio”. Isaías 30.15-17 lembra a pecaminosidade do povo e o convida à
conversão e confiança em Deus. Mas, o povo não aceita o convite e corre
para sua ruína e perdição. Romanos 8.31b-39 insiste enfaticamente no
imenso amor de Deus por nós em todas as circunstâncias e contextos – um
amor que não diminui nem se altera com a passagem do tempo.

2 DESTAQUES DO TEXTO

O texto é composto por duas parábolas breves. A primeira retrata


servos à espera do retorno iminente de seu senhor das festas de casa-
mento. A segunda é a parábola do ladrão que invade uma casa de maneira
inesperada. Os servos da primeira parábola e o pai de família da segunda
parábola são os discípulos. Jesus é o senhor da festa de casamento da
primeira parábola e o ladrão da segunda. A primeira parábola insiste na
necessidade de estar pronto e preparado para servir o senhor que pode
voltar a qualquer hora. Os servos devem estar com o “corpo cingido”,
VÉSPERA DE ANO NOVO

isto é, a longa túnica deve estar erguida e presa pelo cinto para facilitar
os movimentos necessários para o serviço. As luzes devem estar acesas
e os servos devem estar esperando, vigilantes, para abrir a porta assim
que o senhor chegar.
O retorno do senhor pode demorar um pouco. Ele pode vir na segun-
da ou terceira vigília. Os romanos dividiam a noite em quatro vigílias, os
judeus em três: a 1ª do pôr do sol até as 22 horas; a 2ª das 22h até as
02h e a 3ª das 02h até o nascer do sol. A demora pode induzir os servos
a relaxar a atenção e vigilância, por isso, a segunda parábola reforça a
idéia da vinda inesperada do Senhor. Ele pode vir a qualquer hora e sur-
preender os discípulos assim como um ladrão que vem na hora em que
ninguém está atento ou vigiando.
A primeira parábola traz um elemento completamente imprevisível
que causa surpresa total. Os servos estão aguardando seu senhor em
vigilância total, prontos para atendê-lo e servi-lo assim que ele chegar.
Mas, aí acontece o inesperado: em vez de se deixar servir, o senhor se
cinge, conduz os servos à mesa e os serve. O pregador, obviamente, deve
dar destaque a este elemento da Boa Nova.
Enquanto a primeira parábola enfatiza a recompensa que os servos
preparados e vigilantes receberão, a segunda sublinha o perigo de ser
pego despreparado.

3 APLICAÇÕES E PROPOSTA HOMILÉTICA

A vida dos discípulos neste mundo é animada por uma viva esperança
que os mantém vigilantes e fiéis, alertas e atentos às realidades dos últi-
mos dias, enquanto esperam o dia final, o dia do retorno de seu Senhor.
Os cristãos vivem no meio de dois grupos de pessoas que não pensam e
agem desta maneira: 1) Os indiferentes. Estes são pecadores rebeldes
que amam este mundo e o pecado e se apegam aos mais diversos ídolos
que lhes parecem prometer prazer e segurança. Não aceitam o convite
gracioso de Deus que deseja salvá-los; 2) Os que esperam o retorno de
Cristo de maneira equivocada. São os que seguem suas próprias ideias e
opiniões e não se deixam orientar pelo ensino bíblico e tentam marcar o
dia e hora do retorno; defendem um milênio terreno; creem em arrebata-
mento; e até abandonam trabalho, família e serviço ao próximo “supondo
tenha chegado o Dia do Senhor” (2 Ts 2.2; 3.10-11).
Qual deve ser a atitude dos cristãos em contraste com estes dois gru-
pos? À base do texto, o pastor precisa pregar a Lei e o Evangelho para
conduzir e guiar seu rebanho à atitude correta. A Lei exige prontidão e
condena o apego às coisas deste mundo, a falta de vigilância e atenção
para o limitado tempo de graça à nossa disposição. Ela condena nossa falta

65
IGREJA LUTERANA

de amor ao próximo enquanto estamos no mundo (cf. Lc 12.45). Ela revela


que ninguém está preparado por conta própria para receber o Senhor. O
Evangelho mostra como o próprio Deus age para nos deixar prontos e
vigilantes, ou seja, perdoando nossos pecados e nos concedendo vida e
salvação pelos seus meios da graça, a Palavra e os Sacramentos – meios
que o Espírito Santo utiliza para nos levar a Cristo e nos conservar na
fé (cf. explicação de Lutero referente ao terceiro artigo do Credo). Uma
dose extra de Evangelho neste texto é o que nos mostra que o Senhor
que aguardamos é o nosso Salvador. Ele não vem para nos submeter à
servidão. Ele é o mesmo Senhor que veio ao mundo “não para ser servido,
mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28.) Ele não
nos servirá apenas no futuro banquete celestial, ele já nos serviu na cruz e
nos serve agora com suas dádivas que ele concede por intermédio de sua
Palavra e Sacramentos (com relação ao senhorio de Cristo, cf. também a
explicação de Lutero referente ao segundo artigo do Credo; veja também
o texto de 1 Ts 5.1-11 que se parece praticamente com um comentário
do apóstolo sobre o nosso texto).

4 SUGESTÃO DE TEMA E PARTES

Como devemos aguardar o retorno do Senhor?


1. Não como os que não têm esperança
1.1. Não com indiferença
1.2. Não conforme nossas próprias idéias e opiniões
1.3. Não com medo e pavor
2. Cheios de viva esperança
2.1. Preparados e vigilantes
2.2. Ocupados no serviço a Deus e ao próximo
2.3. Com calma e alegre expectativa

5 BIBLIOGRAFIA

HOERBER, Robert G., ed. Concordia Self-Study Bible. St. Louis: Con-
cordia, 1986.
LEWIS, David. “Twelfth Sunday after Pentecost”, in: Concordia Journal
24/3 (July 1998), 278-281.
ROEHRS, Walter; FRANZMANN, Martin H. Concordia Self-Study Com-
mentary. St. Louis: Concordia, 1979.

Paulo Wille Buss


São Leopoldo/RS
pwbuss@hotmail.com

66
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR -
DIA DE ANO NOVO
01 de janeiro de 2011

Salmo 8; Números 6.22-27; Gálatas 3.23-29; Lucas 2.21

A leitura das perícopes coloca em destaque duas verdades a respei-


to de Jesus que, à primeira vista, parecem se excluir mutuamente: sua
majestade e sua humildade. Como podem conviver na pessoa de Jesus
Cristo a majestade e a humildade? A resposta será encontrada apenas
naquilo que é a verdadeira e única razão para a encarnação de Cristo: a
salvação da humanidade. Fora dela tudo passa a ser um absurdo, ou pelo
menos, totalmente improvável.
A majestade de Cristo ganha destaque no Salmo 8 e no texto de Nú-
meros (a bênção araônica). No salmo, a grandeza e glória do primeiro
homem, Adão, prefigura, é um tipo do que Cristo é. Como salmo messiânico
é mencionado em Hb 2.6-8 e Mt 21.16. Em Números, a bênção araônica é
tríplice, apontando para a Trindade como a fonte da bênção a ser proferida
por Arão. A segunda pessoa da Trindade é o Filho, Jesus Cristo.
Embora pleno de majestade por ser Deus, Jesus Cristo abraçou também
a humildade quando se colocou debaixo da lei ao ser circuncidado. Estar
debaixo da lei é estar sob a “tutela da lei e nela encerrados”, conforme
afirma Paulo em Gl 3.23. O Senhor da lei colocou-se debaixo da tutela,
do “aprisionamento” da lei, sujeitando-se ao seu cumprimento. Por quê?
Para cumprir o propósito da sua encarnação, pois nossa salvação depende
daquele que se submeteu à lei e a cumpriu integral e perfeitamente por
nós, em nosso lugar, visto que tal coisa nos é impossível.

1 PERÍCOPE DO EVANGELHO: LUCAS 2.21

Contexto e texto

Deus tinha instituído a circuncisão. Havia dado a ordem para Abraão.


O patriarca deveria circuncidar todo o menino quando completasse oito
dias de vida (Gn 17.9-14). Tal ordem foi repetida pelo Senhor para Moisés
(Lv 12.3).
A circuncisão fez de Jesus um membro do povo com o qual Deus fizera
aliança. Sendo circuncidado, Jesus foi colocado debaixo da lei. Era neces-
sário que assim acontecesse? Para o Filho de Deus, não, pois é o Senhor
da lei. Mas para o Deus-homem, sim, pois veio ao mundo para ser nosso

67
IGREJA LUTERANA

substituto, tomando nosso lugar naquilo que é exigido para nossa salvação.
A exigência do cumprimento da lei de Deus pesa sobre nós. Visto que não
conseguimos “carregá-lo”, ele nos esmaga e nos aniquila, condenando-
os diante de Deus. Contudo esse “peso” foi colocado sobre os ombros
de Jesus. Ao ser circuncidado, Jesus já provou que se dispunha a tomar
nosso lugar debaixo da lei, a fim de cumpri-la por nós. A majestade não
rejeitou a humildade. Assim é nosso Deus. Ele não fica escondido na sua
majestade, porém se revela na humildade de seu próprio Filho, a fim de
nos aproximar dele. Aceitou se humilhar por amor a nós.
O contexto e o texto, acompanhados das demais perícopes, permitem-
nos explorar no sermão a maneira como Deus se revela por meio da cir-
cuncisão de Jesus. Na humilde sujeição à lei percebemos uma parcela da
imensa soma de amor que o Senhor tem pela humanidade pecadora. Há
gente que pergunta por provas do amor de Deus, assim como também
há aqueles que procuram apontá-las, embora nem sempre sejam muito
felizes nas suas tentativas. Assim acontece quando se procura limitar o
amor de Deus às bênçãos materiais e corporais. Certamente que elas
também apontam para o amor de Deus, mas não são as maiores provas,
pelo menos parecem perder força naqueles momentos em que não são tão
visíveis ou não preenchem as expectativas de algumas pessoas (privações,
catástrofes, doenças e outros sofrimentos ou dificuldades). Agora, quando
vemos Jesus Cristo, o Senhor grandioso e majestoso, o Deus Eterno, o
Senhor da lei, se sujeitar a ela para poder cumpri-la em nosso lugar, não
encontraremos outras palavras para descrever tal ação divina, a não ser
graça, misericórdia, amor... por quem? Por todos nós, a fim de nos dar a
maior de todas as bênçãos: a reconciliação com Ele próprio, por meio da
obra que Jesus Cristo veio realizar aqui em nosso mundo, tornando-se
carne. Com poucas palavras Lucas relata a circuncisão de Jesus. Embora
poucas, todavia, aquelas palavras não escondem a grandiosa verdade
que transparece através delas: nosso Deus se dispôs a ficar sob a lei,
humildemente, porque nos ama e quer nos salvar.
Deram-lhe o nome de JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser
concebido. Para cumprir com a ordem do anjo Gabriel (Lc 1.31), o menino
recebeu o nome de JESUS. É um nome que veio escolhido do céu. Não
foi uma simples escolha de um nome qualquer. Trata-se de um nome que
define a missão que o menino cumpriria no mundo: porque ele salvará o
povo dos pecados deles (Mt 1.21). JESUS = Salvador! A salvação vem do
céu, pois na terra não há ninguém que possa realizá-la.
Cabe aqui um registro importante. Deus teve que mandar do céu seu
próprio Filho para salvar os pecadores. É a prova do quanto custa a nossa
salvação. O “preço” dela não pode ser pago por ninguém mais, além do
próprio Deus na pessoa de Jesus. Tal verdade aponta para duas realida-

68
CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR - DIA DE ANO NOVO

des que não podemos ignorar. Primeiramente, sempre de novo revela


o extraordinário amor do Senhor pela sua criação, especialmente pelos
seres humanos. Não quer a condenação de ninguém. Lembramos aqui as
palavras do Senhor pelo profeta Ezequiel: Tão certo como eu vivo, diz o
Senhor, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso
se converta do seu mau caminho e viva (Ez 33.11). Em segundo lugar,
derruba certas inverdades que são ditas a respeito de salvação. Ofende a
Deus imaginar e afirmar que poderá haver salvação fora de Jesus Cristo,
que Jesus vem a ser “um” salvador e não “o” Salvador. Não há outro “Je-
sus”; não existe salvação fora dele, ou então Pedro teria mentido quando
afirmou perante o Sinédrio de Jerusalém: E não há salvação em nenhum
outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre
os homens, pelo qual importa que sejamos salvos (At 4.12). Ao menino
circuncidado foi dado o nome de JESUS, porque ele salvará o povo dos
pecados deles.
A salvação vem do céu; a salvação vem com Jesus; a salvação vem
para nós! O registro da circuncisão de Jesus feito por Lucas não se restrin-
ge a ser somente um registro histórico, porém transmite uma mensagem
maravilhosa de salvação para todos nós, a qual se encontra dentro da
moldura do amor de Deus, amor por nós. Contemplar a circuncisão de
Jesus dentro dessa moldura provoca reações em nós, sentimentos que
brotam da fé naquele que recebeu o nome de JESUS, porque nos salvará
da condenação por causa dos nossos pecados. Tais sentimentos se unem
no cantar agradecido de nossa parte, ao dizermos: Grato sou por tanto
amor, meu bendito Redentor!

2 SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: O Deus majestoso abraça a humildade para nos engrandecer.


1. A verdade expressa pelas perícopes do dia: a majestade e a humil-
dade do Filho de Deus encarnado.
2. A razão para o Deus majestoso abraçar a humildade, conforme
demonstrada pelo acontecimento da circuncisão.
3. Os resultados para a nossa vida da ação divina em Jesus Cristo.
Cabe lembrar que o material para o desenvolvimento dessas três par-
tes sugeridas encontra-se na análise do contexto e texto da perícope do
evangelho. Evidentemente que são sugestões à disposição, por isso não
esgotam o que pode ser concluído e dito sobre o tema.

Paulo Moisés Nerbas


São Leopoldo/RS
pmnerbas@gmail.com.br

69
SEGUNDO DOMINGO APÓS O NATAL
02 de janeiro de 2011

Salmo 119. 97-104; 1 Reis 3.4-15; Efésios 1.3-14; Lucas 2.40-52

1 CONTEXTO LITÚRGICO

O calendário litúrgico privilegia o ciclo da Páscoa, fazendo com que


o ciclo de Natal seja bastante reduzido. Tanto assim que, já no segundo
domingo depois do Natal, Jesus está com os seus doze anos. (No domingo
seguinte, terá início o seu ministério público, com o batismo. Ele terá en-
tão, “mais ou menos trinta anos de idade”, como consta em Lc 3.23.) Se
tal aceleração do tempo parece estranha, era mais estranha ainda antes
da reforma da Série Trienal, quando essa perícope estava no primeiro
domingo após o Natal!
Além de receber “novas companheiras” (as demais leituras são uma
nova seleção, feita na recente reforma da Série Trienal), a perícope tam-
bém recebeu uma nova configuração: foi acrescentado o versículo 40.
Isto, além de ampliar a perícope (com a inclusão de um versículo que
é, a rigor, a conclusão do parágrafo anterior), fornece um contexto mais
amplo, dentro do qual se desenrola a história da perícope de hoje. Além
disto, cria uma interessante moldura, que ajuda a entender o ponto ou a
mensagem da história.
O acréscimo do v. 40 sugere que os “reformadores” da Série Trienal
(em 2006) quiseram dar ênfase ao tema da sabedoria. Um exame das
demais leituras do domingo parece confirmar tal suspeita.
No Salmo 119, o salmista (ou seria o Messias?) confessa: “Como eu
amo a tua lei” (v. 97). Não foi isso que reteve o menino Jesus no Templo?
Diz mais o salmista e profeta: “Eu entendo mais do que todos os meus
professores” (v. 99). Não foi isso que se confirmou no mesmo Templo?
Na leitura do Antigo Testamento, 1 Reis 3.4-15, o ponto alto parece
ser o v. 12: “Darei a você [Salomão] sabedoria e inteligência, como nin-
guém teve antes de você, nem terá depois”. Se isto parece excluir Jesus
ou colocar Jesus abaixo de Salomão, é bom lembrar Lc 11.31: aqui está
quem é maior do que Salomão!
E a leitura da epístola (Ef 3.1-12), que nem sempre é muito promissora
em termos de paralelismo temático, tem um ponto de contato nos vv.
10-11 (NTLH): “E isso aconteceu a fim de que agora, por meio da Igreja,
as autoridades e os poderes angélicos do mundo celestial conheçam a
sabedoria de Deus em todas as suas diferentes formas. Deus fez isso de

70
SEGUNDO DOMINGO APÓS O NATAL

acordo com o seu propósito eterno, que ele realizou por meio de Cristo
Jesus, o nosso Senhor”. Claro, existe também um contato mais distante
ou tênue, em Ef 3.4, no uso do mesmo termo grego que aparece em Lc
2.47: synesis, isto é, inteligência, entendimento, discernimento.

2 CONTEXTO LITERÁRIO

Dentro da estrutura do Evangelho de Lucas, não há como não perceber


que essa história é o final do segundo capítulo. Só que Lucas não escreveu
o Evangelho em capítulos. Seja como for, o começo do capítulo três, que
é uma espécie de reinício do Evangelho, deixa bem claro que a história de
hoje é o final de uma narrativa. Na verdade, é o final da assim chamada
narrativa da infância (de Jesus), em Lucas.
Um detalhe interessante desta narrativa (Lucas 1 e 2) é o paralelismo
estabelecido entre João Batista e Jesus, em que o “lado” de Jesus sempre
sobressai ou leva a melhor. Por exemplo, o nascimento de João Batista é
descrito em dois versículos (Lc 1.57-58), quando o de Jesus ocupa vinte
versículos. Ponto para Jesus. Quando se trata de circuncidar e dar nome
aos meninos, a história de João Batista é longa (Lc 1.59-66), pois há toda
aquela controvérsia quanto a que nome deveria receber. No caso de Jesus,
o relato é bem breve (Lc 2.21), pois essa questão havia sido decidida pelo
mensageiro celestial. Apesar da brevidade, mais um ponto para Jesus!
Sobre o crescimento e a vida antes do ministério público, há um breve
registro sobre João Batista em Lc 1.80: ele cresceu, ficou forte no espírito,
e vivia no deserto. No caso de Jesus, ele também cresce e fica forte, mas
tem o diferencial da sabedoria (v.40). Ponto adicional para Jesus!

3 TEXTO

Dentro da narrativa de infância (Lc 1 e 2), que tem um acentuado


caráter semítico, esta perícope como que destoa. Ela é menos semítica do
que o restante. O simples uso de, no mínimo, doze particípios (em orações
subordinadas, típicas do estilo grego) já aponta nessa direção.
A história é intitulada “o menino Jesus no meio dos doutores” (ARA)
e “Jesus no Templo” (NTLH). Por mais que Jesus seja o foco da história,
não deveria nos escapar o fato de que treze verbos têm “eles” (os pais
de Jesus) como sujeito. Isto revela que a história é como que narrada da
perspectiva de José e Maria. No entanto, o foco da pregação será, certa-
mente, a pessoa de Jesus.
Esta é, a rigor, a única história canônica da “infância” de Jesus, isto
é, do período que vai dos dois anos (mais ou menos) até os doze anos.
(Depois, haverá um intervalo de mais ou menos 18 anos, dos doze aos
trinta.) Em contraste com os evangelhos apócrifos, não há nem sinal

71
IGREJA LUTERANA

de milagre. Ao contrário, Jesus, pleno de sabedoria, ensina no Templo.


Segundo as expectativas daquela época, um relato do período da “juven-
tude” de uma pessoa notável era uma janela que permitia entrever o seu
significado futuro. Se isto é assim, a presente história deixa entrever o
ministério profético de Jesus.
Os pais dele iam todos os anos à festa da Páscoa, em Jerusalém. Será
que Jesus não os acompanhava? O v. 41 silencia a respeito disto, ou, me-
lhor, fala apenas a respeito dos “pais dele”. (Este “os pais dele” incomodou
os copistas, tanto assim que, em muitos manuscritos, principalmente do
texto bizantino, aparece, no v. 43, a variante “José e a mãe dele”. Esta
variante é registrada na edição de Nestle-Aland.) O v. 42 parece deixar
implícito que Jesus costumava acompanhá-los, pois não registra que
naquele ano específico ele começou a ir junto. Fato é que Lucas não se
preocupa com este aspecto; interessa-lhe o que aconteceu quando Jesus
tinha doze anos.
Aos doze anos (v.42), ele era um menino, um jovem ou um adulto?
Sabemos a idade e temos a palavra grega páis, traduzida por “menino”.
Já se afirmou que, aos doze anos, Jesus já teria “passado a confirmação”
(na cultura judaica, o “bar mitzvá”), sendo, portanto, um adulto. Acontece,
porém, que o “bar mitzvá” (literalmente, “filho do mandamento”) é uma
instituição bem recente. Além do mais, se Jesus já fosse “adulto”, sua
discussão com os mestres não teria causado espécie. Foi exatamente por
se tratar de um menino que o fato chamou a atenção!
Lucas não explica (tampouco dramatiza) o aparente desleixo dos pais
de Jesus, que só deram pela falta dele ao final de um dia de caminhada.
Constatada a ausência, procuraram-no ao longo de três dias (v.46). Tudo
indica que nunca imaginavam que o menino estivesse no Templo (aqui o
termo grego - hierón - refere-se ao complexo como um todo, não espe-
cificamente ao santuário). Aliás, o Templo ocupa um lugar de destaque
no Evangelho de Lucas, que começa (Lc 1.8) e termina (Lc 24.53) com
uma cena no Templo.
O v. 47 forma uma espécie de parêntese ou flashback (“cena retros-
pectiva”), que dá conta do que se passou antes que os pais de Jesus che-
gassem ao Templo. O que chamou a atenção foi a inteligência de Jesus. O
termo grego, neste caso, é diferente do termo para “sabedoria”. Trata-se
da palavra synesis, que poderia, também, ser traduzida por entendimen-
to ou compreensão. Lucas não costuma apontar para o cumprimento de
palavras proféticas, mas vem à mente o texto de Isaías 11.2-4.
Diante da pergunta de Maria (v. 48), seguida de uma expressão de
extrema aflição (Lucas emprega o particípio odynómenoi; começa a se
cumprir Lc 2.35), Lucas registra as primeiras palavras de Jesus em todos
os Evangelhos: “Por que estavam me procurando? Não sabiam que eu

72
SEGUNDO DOMINGO APÓS O NATAL

devia estar na casa de meu Pai?” De certa forma, a última palavra de


Jesus, dita na hora da morte (Lc 23.46), inclui essa menção do Pai. Ao
mencionar o Pai ele indiretamente se identifica como o Filho. Aparece aqui
sua filiação divina.
Aliás, essa parte final da resposta de Jesus (em forma de pergunta)
é um tanto ambígua. O texto grego diz simplesmente “nas do meu Pai”.
A antiga Almeida (ARC), na esteira da King James Version (de 1611),
diz “tratar dos negócios de meu Pai”. Os Pais da Igreja entenderam essa
expressão no sentido em que ela aparece na Revisada (ARA) e na NTLH:
“na casa do meu Pai”. É, também, a leitura mais natural ou simples. Do
contrário, que negócios seriam esses de que Jesus estaria tratando?
No v. 50, a não compreensão dos pais (um tema bem frequente em
Lucas e Atos) contrasta com a inteligência de Jesus. Tema este que é rea-
firmado no final, no v. 52, que forma uma inclusio (um “colchete”) com o
v. 40. E os dois versículos enfatizam a natureza humana ou a verdadeira
humanidade de Jesus. O v. 52 registra um crescimento intelectual (sofía),
físico (helikía) e espiritual (cháris). O “diante de Deus” se conecta com
“graça” e o “diante dos homens” aponta para a dimensão do crescimento
em sabedoria e estatura.

4 APLICAÇÃO

Esta história pode ser aplicada, fundamentalmente, de duas maneiras:


como lei e como evangelho. A aplicação mais corrente é em termos de
lei: assim como Jesus gostava de estar na casa do Pai também os seus
discípulos (os cristãos de hoje) amam (ou deveriam amar) a casa de
Deus. O problema (que poderia ser levantado por um “menino travesso”
na escola dominical!) é que aquele culto era anual. Dirá alguém: “Assim
é fácil; de ano em ano eu também iria!” Este é, em todo o caso, um dos
problemas da aplicação em termos de lei.
Outra aplicação em termos de lei é a submissão de Jesus, registrada no
v. 51. No entanto, também neste caso um “pequeno advogado do diabo”
poderia argumentar que isso é apenas parte da história, pois anteriormente
houve uma implícita e aparente “insubmissão”, quando Jesus permane-
ceu em Jerusalém (v. 43). Não, não foi esquecimento dos pais; foi Jesus
quem ficou para trás. Sempre ainda se poderia argumentar que se trata
de um caso em que obedecer a Deus é mais importante do que obedecer
aos pais (quando se trata de um “ou ... ou”), mas nada indica que Jesus
tivesse sido proibido pelos pais de ter acesso ao Templo.
Isto mostra que, ao que tudo indica, Lucas não nos quer ver tirando
dessa história lições de ordem legal ou moral. Se a lermos sob a perspec-
tiva do evangelho, focaremos a pessoa de Jesus. Fazendo isto, vemos nele

73
IGREJA LUTERANA

os primeiros indícios daquilo que se confirmaria depois: o Filho de Deus


em perfeita sintonia com o Pai (obediência ativa), mas, acima de tudo,
veremos nele o Profeta que devia vir ao mundo (Jo 6.14). Tanto assim
que o título da perícope poderia ser: Jesus ensina no Templo. Como se
ouvirá mais tarde, “a ele (e somente a ele) ouvi”!

Vilson Scholz
São Leopoldo/RS
vscholz@uol.com.br

74
EPIFANIA
06 de janeiro de 2011

Salmo 72.1-11(12-15); Isaías 60.1-6; Efésios 3.1-12; Mateus 2.1-12

1 TEXTOS

Olhando para os textos do dia, percebe-se que há conexões importantes


que podem ser observadas para a preparação e para a apresentação da
mensagem. As leituras do Antigo Testamento e Salmo podem ser abor-
dadas quanto à questão profética. A relação profecia-cumprimento. O
Rei querendo o bem, a salvação do seu povo. O Rei sendo reverenciado,
adorado pelo seu povo. Os cativos, em alegria, voltando a Jerusalém. O
brilho da vitória do SENHOR. Presentes sendo apresentados pelos povos.
Na epístola, o apóstolo lembra que a obra salvífica de Cristo é para todos,
não somente para um determinado povo. Que ele, Paulo, foi escolhido para
anunciar essa mensagem maravilhosa e que isso é um grande privilégio.
Percebe-se o seu tom de alegria, mesmo estando preso. Esse sentimento
vem pela certeza na participação nas bênçãos divinas, participação no
mesmo corpo e promessas de Deus feitas por meio de Jesus Cristo.

2 CONTEXTO LITÚRGICO

É Natal! É tempo de festa, de alegria! Isso mesmo. No calendário da


Igreja, estamos no ciclo de Natal. A Epifania é também conhecida como
“Natal dos Gentios”. É a manifestação de Jesus ao mundo como o Mes-
sias, o Salvador prometido no Antigo Testamento. Nesse novo período
do calendário da Igreja que se inicia, o pregador pode apontar para os
primeiros anos do ministério de Jesus, lembrando da importância dele e
de sua mensagem ter sido apresentada ao mundo.
Como a Epifania é celebrada no dia 6 de janeiro, muitas vezes, pelo
fato de serem selecionados para a pregação os textos da trienal para o
fim de semana, ou até por causa das férias do pastor, pouco é falado na
igreja sobre a visita dos homens do Oriente. Que tal pregar esse texto no
dia de Epifania ou no fim de semana seguinte?
Olhando para a manifestação de Jesus, para os primeiros anos de seu
ministério, para a data litúrgica, o pregador tem à sua disposição uma
imensidão de material para falar sobre a missão de Deus e a missão da
Igreja de levar Cristo para Todos. Como é bom e importante começar o
ano tendo isso em mente!

75
IGREJA LUTERANA

3 O TEXTO PARA O SERMÃO

O evangelho do dia narra o local e o nascimento de Jesus (v.1); a


visita dos homens do Oriente a Jerusalém em busca do menino Jesus
(vv.1-2); a preocupação e questionamento de Herodes sobre quando e o
local onde o menino havia nascido (vv.3-8); a estrela guiando os homens
(vv.2,9-10); e a consequente visita e adoração dos homens ao menino
Jesus, numa casa em Belém.
Os homens do Oriente podem ter sido três. Fala-se isso por causa do
número de presentes, três. Mas podem ter sido em número maior, como
algumas pinturas da arte sacra indicam. Uma delas, por exemplo, apre-
senta quinze homens junto a Jesus. Nomes foram dados a eles, Gaspar,
Melquior, Baltazar, o que não pode ser afirmado com a Escritura Sagrada.
São chamados de reis. Em algumas cidades de nosso país celebra-se a
“festa dos reis magos”, ou a “folia dos reis magos”. Não há evidência que
eram reis. São também chamados de sábios. Com certeza eram sábios,
pois buscaram o Deus-Menino para cultuá-lo, e foram salvos. Qual era a
ocupação daqueles homens? O texto bíblico responde dizendo que estuda-
vam as estrelas (v.1) e que eram do Oriente. Que lugar do Oriente? Não
se sabe exatamente o local. Mas esse é um detalhe. O foco está na ação
daqueles homens, que não eram do povo judeu e vieram com o objetivo
de adorar Jesus (vv.2,11).
Jesus veio para ser o Salvador de todos os povos, de todas as pessoas.
Carregou sobre si o pecado de toda a humanidade. A culpa dos ricos e
dos pobres, dos judeus e dos gregos, dos orientais e dos ocidentais, dos
alemães, dos brasileiros. E Deus quer que todos sejam salvos (1Tm 2.6),
que todos venham diante de seu Filho e o reconheçam, o cultuem como
seu Salvador.
Nas encenações de Natal, logo pensa-se na figura dos homens do Orien-
te junto a Jesus, Maria, José, os pastores, os anjos. Mas aqueles homens
foram visitar Jesus numa casa (v.11) e não numa estrebaria. Que tipo de
casa era essa? O texto não descreve. O importante é o acontecimento e
aquele que foi cultuado, adorado na casa, Jesus.
Vale lembrar que essa visita provavelmente aconteceu quando Jesus
tinha entre dois a três anos de idade. Isso porque Herodes, após perceber
que os magos não retornaram para dizer onde Jesus estava, ordenara a
matança de crianças com idade inferior a dois anos (v.16).
Sobre os presentes, pode-se destacar que 1. o ouro lembra que Jesus
era Rei. Não um rei terreno, como era esperado por muitos na época. Mas
o Rei dos reis. O Rei que foi massacrado, humilhado, morto para dar a
salvação ao seu povo; 2. o incenso aponta para a divindade de Jesus. O
incenso era usado no culto a Deus. Aquele menino, visitado pelos homens

76
EPIFANIA

do Oriente, não era uma criança como as outras. Era o próprio Filho de
Deus, o Verbo habitando entre os homens (Jo 1.1ss.), digno de toda honra
e louvor; 3. a mirra era utilizada no preparo do corpo para o funeral. Ou
seja, a mirra pode estar apontando para o futuro sepultamento de Jesus,
para seu sofrimento, para sua morte.
Não se sabe exatamente o que era a estrela que guiou os homens
até onde Jesus estava. Mas é interessante observar que os homens do
Oriente estudavam as estrelas e falaram: vimos a estrela dele (v.2). Era
uma estrela diferente. Como foi identificada como a estrela de Jesus?
Perguntas podem ficar sem respostas. Uma coisa, porém, é certa: aquela
estrela mostrou o caminho, mostrou o local exato onde o Messias pro-
metido estava (vv.9-10). Sem a estrela os homens nunca teriam vindo a
Jerusalém, nunca teriam achado Jesus na casa em Belém.
Sem Palavra e Sacramentos o ser humano também não tem como
achegar-se a Jesus. Não tem como achá-lo, não tem como adorá-lo.
Precisa dos meios da graça para que sejam guias, condutores, canais
da infinda graça divina em Cristo Jesus. O homem está perdido e é cego
para as coisas de Deus. Está longe do seu Senhor e Salvador. O apóstolo
Paulo lembra que o ser humano, quando descrente, está morto para as
coisas de Deus. Precisa que o Senhor lhe dê vida, a vida verdadeira (veja
Ef 2.1ss.). Quantas pessoas ainda tateiam por aí sem saber direito por
onde andam. Podem até ouvir falar de Jesus, mas não são conduzidos a
Ele verdadeiramente. A missão de Deus acontece quando Palavra e Sa-
cramentos são pregados e administrados de forma fiel, conforme a ordem
e instituição de Jesus.
Chama atenção também a alegria dos homens quando viram a estrela
(v.10). Que alegria sentiram quando viram e puderam prostrar-se diante
do Rei Jesus! E que alegria provavelmente sentiram em poder retornar
aos seus e contar-lhes sobre o Messias. Assim o apóstolo Paulo se alegrou
pelo fato de ser mensageiro de Cristo. Assim o cristão se alegra com o
privilégio que tem de poder anunciar a mensagem da salvação.

4 SUGESTÃO PARA A PREGAÇÃO

Tema: Das trevas para a luz

Parte I – Das trevas


Como os homens do Oriente, o ser humano está nas trevas
Parte II – Para a luz
Assim como os homens do Oriente foram guiados pela estrela até
Jesus, fomos trazidos para a luz pelo Espírito Santo
Parte III – Deus quer trazer mais pessoas das trevas para a luz

77
IGREJA LUTERANA

Tema: De longe para perto

Parte I – Estávamos longe de Deus


Os homens do Oriente
O ser humano descrente
Parte II – Fomos aproximados de Deus
Os magos através da estrela
Nós através dos meios da graça
Parte III – Missão da Igreja: aproximar os que estão longe.

André dos Santos Dreher


Frederico Westphalen/RS
andredreher@gmail.com

78
PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA
09 de janeiro de 2011

Salmo 29; Isaías 42. 1-9; Romanos 6.1-11; Mateus 3.13-17

1 CONTEXTO LITÚRGICO

O período de Epifania revive a voz do Senhor anunciando a salvação


a todos. Os reis que compareceram à casa da família de Jesus tinham a
incumbência de ser a voz da Notícia Boa aos quatro ventos. Epifania é o
som da salvação rompendo as fronteiras de Nazaré. Depois dos vizinhos,
é tempo de dizer ao mundo todo o que o Senhor quer que seja dito. O
primeiro domingo atesta, pelas leituras indicadas, a tarefa de proclamar
o grande milagre de Deus, através do Batismo.

2 LEITURAS DO DIA

Salmo 29
É um convite ao louvor, ao anúncio e à reverência quando o Senhor
aparecer. Em seguida o destaque vai para a voz do Senhor, que opera
maravilhas e faz tremer os alicerces da terra. É ouvida nas águas. En-
quanto a voz do Senhor promove maravilhas, no templo o povo glorifica,
em reconhecimento de que o Senhor é Rei.
Isaías 42.1-9
O Senhor Deus fala e mostra quem é o seu escolhido. É a voz da
promessa. É o anúncio de visão e liberdade, porque esta é a vontade do
Senhor em relação ao seu povo. A aliança está garantida. A promessa
está posta e os resultados são maravilhosos. O servo do Senhor, o Deus/
homem que ensina, que mostra coisas boas e reafirma o senhorio daquele
que é o único a ser louvado e crido.
Romanos 6. 1-11
É o resultado da promessa cumprida. Vida que supera a morte; vida
onde todos os sinais apontam para a morte. É a aliança na palavra do
Senhor, que faz existir vida em meio a uma realidade de morte. É o mi-
lagre de Deus através de água e Palavra. A voz do Senhor faz tremer os
alicerces da morte, dando Vida.

79
IGREJA LUTERANA

3 ÊNFASES GERAIS

Que conexões são possíveis?


- A voz tem emissor: o Senhor que faz tremer as bases do mundo.
A voz do Senhor faz com que haja o que ser humano algum pensou que
fosse acontecer.
- Época de Epifania traz a mensagem forte do Deus que se fez gente e
não grita, não esmaga o que já está fraco. É a dinâmica do poder que age
na fraqueza; da voz forte que se manifesta no sussurro calmo do convite
da fé. O todo-poderoso Deus se faz gente para falar a nossa língua. O
prometido se faz pecado em nosso favor. Estamos ligados a Cristo pelo
batismo.

O evangelho do dia: Mateus 3. 13-17

4 ÊNFASES TEXTUAIS

O contexto enfatiza a proclamação de João Batista. “Arrependam-se


dos seus pecados porque o Reino do Céu está perto!” (NTLH). A pregação
de João precede e prepara a vinda. É a preliminar da voz do Senhor: “Este
é...” As palavras de João Batista sacodem os alicerces da religiosidade feito
trovão de tempestade. É o prenúncio da voz que estava chegando. Estava
muito perto. E quando chega o dia, o Deus feito gente está à disposição
do Batista, o que batiza.
O cenário está montado. Os personagens se aproximam num dia me-
morável. O roteiro Deus já tem escrito desde muito tempo. Maravilhosas
surpresas esperam os expectadores.
V. 13: To,te – então. O advérbio usado por Mateus conecta o texto
ao que vem antes, ou seja, a pregação de João Batista está intimamente
ligada ao batismo de Jesus. O conteúdo da mensagem de arrependimen-
to aponta para o evento que teve lugar naquele dia. Sinaliza ‘o caminho
para o Senhor passar’. E o caminho de Jesus precisa passar pelas águas
do rio Jordão.
V. 14: Somente Mateus registra a tentativa de João Batista de mudar
a ordem dos fatos. João não vê sentido na proposta de Jesus; para ele,
ali estava o prometido, mas a solicitação de batismo estava invertida.
João Batista sabia que aquele era o Cristo, porém desconfiou da forma
do ‘credenciamento’ de Jesus como o Cordeiro de Deus que tira pecado.
A maravilhosa e surpreendente linguagem de Deus parece ter pego até
João Batista de surpresa. No evangelho de João 1. 31-33, o próprio Batista
conta sobre seu conhecimento, poderíamos dizer, ‘embaçado’ sobre a obra
de Jesus antes do batismo. Talvez por isso tenha ‘negociado’ com Jesus

80
PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

outra forma de batismo, ao invés de Jesus, ele. – “Eu é que preciso (tenho
necessidade de) ser batizado por ti...”. Diante da necessidade humana, a
providência de Deus.
V. 15: A resposta de Jesus aos questionamentos de João é ao mes-
mo tempo tranquilizadora e reveladora. São as primeiras palavras de
Jesus, registradas por Mateus. “Deixa por enquanto, porque assim nos
convém cumprir toda a justiça.” - pre,pon evsti.n h`mi/n plhrw/sai pa/san
dikaiosu,nhn. Cumprir a justiça aponta para a tarefa do Cordeiro de Deus,
ou seja, a tarefa de assumir o pecado da humanidade. Eis a grande reve-
lação, penso, também para João Batista: o Salvador vem como Cordeiro
sacrificial. “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós;
para que, nele, fôssemos feitos justiça (dikaiosu,nh) de Deus.” 2 Co 5.
21. (ARA)
V. 16: “tendo sido batizado, saiu (subiu) logo da água...” Esta passagem
pelas águas, a entrada e a saída, parecem indicar a identificação com a
humanidade pecadora, dramatizando sua morte vindoura, sepultamento
e ressurreição. Paulo usa esta dinâmica de abordagem ao referir e ligar
nosso batismo com o de Jesus. Morte e vida compartilhadas, no milagre
de Deus, em nosso favor. A manifestação do Espírito Santo em forma de
pomba (única manifestação) pode sinalizar a força do Senhor, revestida
em mansidão e suavidade. Pode também relacionar o animal conhecido
pelos judeus como oferta pela culpa. A linguagem não verbal de Deus é
completa e cheia de significado. O Pai aponta para o Filho amado, através
do Espírito Santo. Que bela imagem!
V. 17: As palavras da voz do Senhor atestam o evento ocorrido na água.
Deus credencia Jesus Cristo através do Batismo. Jesus é. – ou-to,j evstin.
As palavras do Pai mostram a credencial de Cristo: o Messias, o ungido,
cf. Salmo 2.7. Servo do Senhor, cf. Isaías 42. 1. Ele não foi alguém que
agradou o papai com seu bom comportamento; mas nele e só nele, Deus
se compraz – euvdo,khsa ou seja, o plano de Deus se completa. A salvação
é estabelecida. O pecado é punido. A conta é paga. A credencial para a
obra é dada pela voz do Senhor.
Esta credencial de Cristo nos adentra na salvação de Deus através do
nosso batismo; nos dá a identidade de filhos; nos reafirma a alegria de
Deus em relação a nós devido ao pertencimento que temos em Cristo.
Juntos na morte e na vida de Cristo. Somos batizados na obra de Cristo,
em morte e ressurreição, como Paulo destaca no texto aos Romanos.
O contexto posterior mostra que o Cordeiro de Deus tem obra sacri-
ficial a cumprir. Não teve festa de batizado, mas o deserto o esperava e
nele, Satanás. O advérbio To,te usado por Mateus para ligar o batismo à
pregação anterior de João Batista no contexto anterior, agora é repetido,
ligando pregação de arrependimento (preparo da estrada) e o batismo no

81
IGREJA LUTERANA

rio Jordão ao deserto com Satanás (caminho da cruz ao invés da glória


oferecida pelo tentador). Este é Jesus Cristo. Este é o Filho amado que
compraz a Deus.

5 ENCAMINHAMENTO HOMILÉTICO

Um acontecimento gigantesco, traçado em ambiente tão humano, tão


simples. ‘Não gritará nem clamará...’ afirma o profeta Isaías. A salvação
de Deus, a ser proclamada ao mundo inteiro, se reveste de singeleza
desde os primeiros atos. Epifania: revelação da grandiosidade de Deus
na singeleza do Batismo. O Deus poderoso age no mundo com o cuidado
dos singelos atos que, aparentemente contraditórios e algumas vezes
tachados de fracos, são a concretização do plano mais eficaz e grandioso
de todos os tempos.
Na dinâmica proposta pelos textos, a igreja continua pregando a Palavra
da Vida e proclamando os sacramentos do perdão, do pertencimento ao
Senhor pela fé. A voz da Igreja também propõe o que aos ouvidos e olhos
do mundo muitas vezes parece contraditório, fraco, simples demais. Diante
de autoridades e poderes estabelecidos como grandes, e verdadeiras vozes
da verdade, a Igreja proclama a fé cristã, pela Palavra e sacramentos,
como elemento de reconciliação, firmada no Deus feito gente – Jesus Cris-
to. Epifania é a revelação de que o poder se reveste de fraqueza quando
a salvação ‘invade’ o mundo em Cristo. As vozes do mundo não podem
calar, sequer abafar o que precisa ser dito: A salvação chegou. É tempo
de salvação. A salvação vem pelo Batismo naquele que é – ou-to,j evstin –
o Filho amado. A salvação é selada pela Santa Ceia onde o “isto é” – tou/
to, evstin – de Jesus é o selo. Atos desenhados em linguagem humana,
com simples água, pão e vinho que, com a Palavra, se tornam o milagre
de Deus. O domingo parece convidar à contemplação da obra do Senhor
revestida em gestos tão nossos. Esta é a linguagem de Deus.
Nas palavras do Batismo, ordenadas por Jesus, está desenhada a
imagem da beira do rio Jordão, ou seja, o Deus Triúno que age pela Pala-
vra. Somos batizados em nome do Deus Triúno, que manifesta poder na
suavidade e mansidão gestual da pomba que desce e paira.
A voz do Senhor, que é poderosa para operar milagres e balançar
as estruturas da terra, afirma a todo o que é batizado em Cristo: “Você
também é meu filho querido, minha filha querida”. A Palavra opera o mi-
lagre da fé, do pertencimento, do acolhimento do ser humano por parte
do Senhor da Vida. A voz do Senhor traz salvação. Foi assim no batismo
de Jesus, lá no rio Jordão, foi assim no nosso batismo; é assim na vida
diária, na constante dinâmica morte/vida, como explica Lutero ao falar
do significado do batismo na vida diária.

82
PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

SUGESTÃO DE TEMA
– Fomos batizados. Pertencemos a Cristo.

Arnildo Münchow
Canguçu/RS
arnildomunchow@yahoo.com.br

83
SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA
16 de janeiro de 2011

Salmo 40.1-11; Isaías 49.1-7; 1 Coríntios 1.1-9; João 1.29-42a

1 COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO

“Cordeiro de Deus.” Este título é dado a Jesus apenas neste capítulo,


nos vv. 29 e 36. Em outros textos do NT Jesus é chamado simplesmente
de ”Cordeiro”. Jesus é o Cordeiro que Deus providencia e que é sacrificado
para tirar o “pecado do mundo”. Notem bem: não somente dos filhos de
Israel, mas de todos os povos do mundo. O título “Cordeiro” lembra Is
53.6,7 e também o cordeiro da Páscoa (1 Co 5.7; 1 Pe 1.18,19).
João Batista ergue os braços e aponta para Jesus dizendo: “Eis o
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Os filhos de Israel com-
preendiam bem o significado da palavra “cordeiro”. Lembra os sacrifícios
sobre o altar no templo de Jerusalém; lembra a primeira Páscoa no Egito,
onde o sangue do cordeiro, derramado na porta das residências, livrara
da morte o primogênito da família; lembra o sangue derramado para
purificação dos pecados das pessoas.
Jesus é o “Cordeiro de Deus”. Ele não tinha nenhum pecado. Ele mesmo
pergunta a seus perseguidores: “Quem de vós me convence de pecado?”
Mas ele carrega os pecados de todas as tribos, povos e nações, desde
Adão até hoje. Ele carrega todas as injustiças, transgressões, maldades,
crimes e ofensas; tudo o que cometemos em pensamentos, palavras,
ações e omissões; toda impureza, ganância, inveja, ódio e ingratidão;
toda falta de fé, de amor fraterno, de paciência e compaixão para com
os que sofrem; enfim, todos os pecados que levam muitos à ruína e à
condenação eterna, o Cordeiro levou sobre si. “O Senhor fez cair sobre
ele a maldade de nós todos”.

2 DESTAQUES DOS OUTROS TEXTOS DA PERÍCOPE

Sl 40.1-11 – O Salmo 40 revela a bondade e o socorro de Deus a


Davi. O Senhor o livra das profundezas do lamaçal do pecado, o tira do
poço da perdição e o coloca sobre rocha firme e segura. O rei, motivado
pelo amor, canta e louva ao Senhor.
Neste Salmo destacam-se as palavras proféticas dos versículos 7-12,
que apontam para o Messias que virá. “Os versículos 9 e 10 melhor se
aplicam ao Messias do que a qualquer homem de Deus”, afirma W. G.

84
SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Kunstmann. Lutero, ao comentar sobre o versículo 12, diz que o teste-


munho deste Salmo aponta para o Cristo sofredor, que se dispôs a tomar
sobre si a culpa dos pecados de todo o mundo.

Is 49.1-7 – No texto profético, Jesus fala da missão que veio cumprir


aqui na terra. No v. 7 o Pai lhe mostra a obra que deveria realizar. Jesus,
no v. 3, é chamado de Israel, porque nele se cumprem as promessas de
Deus. Sua missão é reunir os filhos de Israel a Deus e servir de luz para
os gentios. Embora desprezado na primeira vinda, será adorado e glori-
ficado na segunda vinda.

1 Co 1.1-9 – As leituras para o Segundo Domingo após Epifania são


oportunas para que a Igreja reflita sobre a sua ação missionária. As leituras
enfatizam a ação salvadora de Deus através do nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo e a missão da Igreja. Percebemos em todas as leituras que
as coisas boas que acontecem em meio aos cristãos são feitos de Deus
através de Jesus Cristo.
Nos vv. 1 e 2 da epístola temos algo em comum entre Paulo e seus
leitores. Ambos foram chamados por Deus. Ele foi chamado para o apos-
tolado e os cristãos de Corinto para a Igreja. Assim como os cristãos de
Corinto, também hoje temos problemas pessoais e problemas que atingem
as congregações da Igreja. A boa notícia do texto aos coríntios é que a
solução para esses problemas não está em nossas fracas ações, mas no
poder do nosso Deus, que é fiel. A fidelidade de Deus no passado é uma
base sólida para a nossa confiança em sua fidelidade no futuro, v. 9. Por
isso também nós podemos cantar e jubilar com todos os cristãos, pois o
nosso Deus é o mesmo ontem, hoje e para sempre.

3 SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

João 1.29-42a

Tema: Epifania é tempo de proclamar


Introdução: Quantas pessoas levamos a Jesus no ano que passou?
Concordam comigo que temos dificuldade de passar do discurso para a
ação?

Epifania é tempo de proclamar:


I – Que Cristo é o Cordeiro de Deus
- testemunho de João Batista
- o cordeiro no AT – sacrifícios e primeira Páscoa
- Cristo, o Cordeiro de Deus, santo e sem pecado
- tomou sobre si os nossos pecados

85
IGREJA LUTERANA

- cumpriu a Lei em nosso lugar, padeceu, morreu e...


- Ressuscitou!!!

Epifania é tempo de proclamar:


II – Que Cristo é para todos
- Epifania – Cristo se revela como o Salvador de todos os po-
vos
- conferir nas leituras deste domingo os versículos que apontam
para a universalidade da graça de Deus.
- Paulo e seu apostolado em meio aos gentios, isto é, os não
judeus
- o bonito exemplo no Evangelho onde André levou seu irmão
Pedro a Jesus
- mencionar ações concretas da congregação e da Igreja, que
servem de estímulo e motivação para que, de fato, Cristo seja
levado para todos. Uma ótima estratégia é dividir a congregação
em pequenos grupos de estudo – comunhão – tarefa.
- alertar sobre a importância do nosso testemunho pessoal em
palavras e atitudes.
- Um bom início de abordagem evangelística poderia iniciar com
a pergunta: “O que Jesus significa para a sua vida?”

4 CONCLUSÃO

Citar exemplos de como podemos ser uma igreja mais acolhedora. Ouvi
esta semana que uma congregação da IELB apresenta os não-membros
como “convidados” e não como “visitantes”. O Pastor cita o nome do
convidado e o nome de quem o convidou. Isto pode fazer uma grande
diferença em termos de acolhimento e integração.

Arnildo Schneider
Porto Alegre/RS
arnildo@ielb.org.br

86
TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA
23 de janeiro de 2011

Salmo 27. 1-9 (10-14); Isaías 9.1-4; 1 Coríntios 1.10-18;


Mateus 4.12-25

1 LEITURAS

Sl 27.1-9 – Oferece conforto para pessoas muito aflitas, angustiadas


e com grande medo. O salmista oferece uma palavra de encorajamento a
partir da segurança que ele mesmo encontra na certeza da presença de
Deus ao seu lado. Quem reconhece a presença de Deus não tem motivo
para ter medo, mesmo na aflição.

Is 9.1-4 – O profeta consola e anima o seu povo aflito na escuridão e


disperso como ovelhas sem pastor, com a promessa da vinda do Messias.
O povo espalhado pelo cativeiro e agora fragilizado e sem rumo pela falta
de perspectiva de reconstrução e de um recomeço num país estrangeiro,
pagão e idólatra recebe uma injeção de ânimo. Isaías anuncia o fim da
humilhação. E a grande prova do profeta de que Deus não se esqueceu
do seu povo é a promessa da vinda do Messias, que está cada vez mais
próxima.

1 Co 1.10-18 – Ressalta a importância da obra messiânica na evan-


gelização. Jesus se torna relevante na missão por ser um personagem
histórico e por haver um fato histórico recente que repercutiu não só
entre os judeus e na diáspora, mas também entre os gentios e pagãos. O
fato único e diferente é a sua morte na cruz, que vem acompanhada da
ressurreição. Sem Cristo há divisão, brigas e a consequente paganização.
Com Cristo claro diante dos olhos das pessoas há conversão, graças à ação
do Espírito Santo, que abre os ouvidos para o evangelho e transforma os
corações.

Mt 4.12-25 – Mateus começa enfocando a trajetória da caminhada de


Jesus pelo mundo. Por volta de 30 anos após a eufórica notícia do nasci-
mento do Messias Prometido, Jesus de fato assume seu ministério terreno
em meio ao povo judeu. Mas logo também nos é dito por Mateus que em
Nazaré e nas proximidades de Jerusalém houve resistência em relação à
Palavra de Deus. João Batista, o preparador do caminho, havia sido preso

87
IGREJA LUTERANA

e a repetição desse mesmo fato em Jesus era apenas uma questão de


tempo. O evangelista João diz que Jesus veio para os seus, mas não foi
recebido pelos seus, logo no primeiro capítulo, quando fala do sentido do
nascimento do Messias e da sua vinda ao mundo (Jo 1.10-12).

Conhecendo cada passo da sua missão terrena, Jesus coloca o pé na


estrada. O tempo de permanência de Jesus no mundo era por um período
curto e nesse curto espaço de tempo era preciso fazer com que o maior
número possível de pessoas viesse a conhecer a boa notícia da Salvação.
E também era preciso preparar pessoas que assumiriam o desafio conti-
nuado de anunciar a boa notícia da Salvação. Se os judeus não quisessem
ouvir, então o alvo passaria a ser os gentios, confirmando as profecias
e promessas anunciadas pelo salmista, profetas e na Torah. Mateus cita
Isaías como prova dessa compreensão. Mas mais do que isso, Mateus
garante que Jesus é o Messias prometido, quando o descreve como “a luz
que brilha sobre os que vivem na região da sombra da morte”.
Jesus é o Messias e se revela como tal em meio às tribos de Zebulon
e Naftali. Essas duas tribos são mencionadas pelo árduo confronto que
enfrentaram ao tomarem posse das suas terras. Na região que ganharam
por herança moravam vários povos pagãos e por ordem divina esses po-
vos deveriam ter sido destruídos ao tomarem posse das terras (Jz 2.2).
Porém quando as tribos de Zebulon e Naftali se apropriaram das terras
destinadas a eles, não os destruíram por completo, apenas os derrotaram
e usaram como escravos. A consequência dessa desobediência foi que,
logo os filhos casaram com moças estrangeiras e passaram a adorar os
deuses pagãos e sempre de novo tentavam incorporar o culto pagão ao
culto a YAWEH.
A idolatria evidente trouxe sérios prejuízos materiais, por exemplo, com
saques e roubos nas colheitas aos israelitas, mas também trouxe prejuízo
espiritual. Muitos israelitas abandonaram sua fé definitivamente, seguindo
religiões pagãs. Esse abandono a YAWEH fez com que os assírios viessem
e dominassem os israelitas, tornando-os escravos (2 Rs 15.29). Embora os
israelitas voltassem 70 anos depois e reconstruíssem as cidades, muitos
morreram espiritualmente, virando pagãos. Nessa região muitas pessoas
estão “assentadas” na sombra da morte.
Agora, no evangelho de Mateus, Jesus retoma essa região tomada de
povos pagãos para mostrar ao povo que Deus não se esqueceu das suas
promessas. E anunciando a boa notícia do Reino e curando as enfermi-
dades e graves doenças, Jesus prova que ele é um profeta do Deus vivo,
mas não um simples profeta como muitos outros foram. Ele é o profeta
dos profetas: o Messias prometido, o Salvador. E como resultado dessa
revelação, grandes multidões o seguiam, comenta Mateus.

88
TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

É interessante observar que Jesus não é centralizador na missão,


mas logo chama pessoas para serem treinadas e preparadas como futu-
ros auxiliares na proclamação da boa notícia. Na medida em que estes
acompanham Jesus, diariamente são confrontados com uma séria de
situações da vida corriqueira e assim se tornam ajudantes da sementeira
do evangelho, mesmo que nem tenham compreendido muito bem a sua
missão desde o princípio.
É interessante também observar que os primeiros discípulos são pesca-
dores do mar da Galiléia. Isto é, eram moradores que foram despertadas
do “assentamento da sombra da morte e foram colocadas em movimento
por Jesus” em meio às tribos de Zebulon e Naftali e viviam em meio aos
povos da Galiléia. E esse povo amado por Jesus é o grande alvo da missão
naquele momento. É dentre estas pessoas que Jesus chama e prepara pes-
soas para exercerem o ministério pastoral cristão. E hoje nós, IELB, somos
a igreja de Cristo do nosso tempo. Como anda nossa igreja? Adormecida
em berço esplêndido? Assentada na região da sombra da morte ou em
pleno movimento ativo em favor da missão? Qual é o nosso empenho na
missão? Quanto de fato nós investimos em missão em nossas congrega-
ções? No ano em que discutimos acolhimento na igreja, refletimos qual é o
acolhimento que oferecemos aos recém chegados à igreja? Quanto tempo
nós levamos para dar um voto de confiança a um prospecto? Em quanto
tempo de fato será um membro acolhido pela igreja? E para convidá-los a
uma preparação ao ministério (ingresso no Seminário)? Quanto tempo é
necessário? Quanto tempo seria o mais apropriado para a formação de um
pastor? E depois de quanto tempo no ministério estará o pastor maduro
para os desafios que a vida pastoral oferece?
A perícope nos faz pensar na necessidade urgente de revelar Cristo
ao mundo tão trágico recentemente (Haiti, Chile, Iraque, Japão, Egito,
Líbia, temporais pelo Brasil, hospitais lotados...). Quantas oportunidades
de missão! E tão mal aproveitadas!

2 APLICAÇÃO PRÁTICA

Os textos em apreço apontam para as situações que clamam com


urgência para o consolo e a segurança que vêm da presença de Deus. Há
tantos conflitos no mundo, pessoas que sofrem nas filas sem uma perspec-
tiva de consolo. Como oferecer o Messias que ama estas pessoas? Como
Jesus lidaria com estes conflitos? Como seria luz em meio às trevas se ele
estivesse preparando discípulos diante do mundo que nós estamos?

Evangelho – os textos apontam para o Messias que é o nosso consolo


verdadeiro por ser luz em meio às trevas. É em meio à dor, em meio ao

89
IGREJA LUTERANA

sofrimento que ele se revela como a cura das nossas feridas e enfermidades
graves. Ele é o cumprimento das promessas e a grande prova do Deus
presente que ama o seu pequeno rebanho disperso pelo mundo. Jesus, a
luz do mundo, chegou aos nossos dias. A alegria do Natal também pode
ser sentida e experimentada pelos cristãos do nosso tempo por que não
só os judeus estão sob a graça, mas também os gentios.

Lei – mostrar como a igreja muitas vezes é cega para as oportunidades


no mundo. O longo período entre a entrada na terra prometida e a vinda
do Messias, por vezes se parece o “longo período de férias” da igreja que
para muitos começa bem antes do Natal e se estende para além da Pás-
coa. Quantas oportunidades perdidas! Quantos cristãos abandonam a fé e
voltam a ser pagãos. Enquanto a igreja “descansa” adormecida, o inimigo
trabalha através das instituições não cristãs, que correm e fazem a sua
“missão” praticando caridade, evangelizando não com o Cristo morto na
cruz e ressuscitado na Páscoa, mas com o espírito reencarnado da luz.

3 SUGESTÃO DE ESBOÇO PARA SERMÃO

Mateus 4.16
Tema: a luz do Messias brilha:
Para o povo que andava em trevas (missão entre os gentios).
Para o povo que sofre (enfermos, graves doenças, povo aflito).
Para os discípulos que vão se tornar multiplicadores.
Para nós cristãos hoje.
Para as gerações futuras

4 OBRAS CONSULTADAS

BÍBLIA INTERLINEAR. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.


GRUNDMAN, Walter. Theologischer Handkommentar zum NT, Das
Evangelium nach Matthäus. Evangelischen Verlagsanstalt GmbH Berlin,
1968.
SCHLATTER, Adolf. Das Evangelium nach Matthäus. Calwer Verlag
Stuttgart, 1836.

Arsildo Fernando Wendler


Santa Rita, Guaíba/RS
awendler@uol.com.br

90
QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
30 de janeiro de 2011

Salmo 15; Miqueias 6.1-8; 1º Coríntios 1.18-31; Mateus 5.1-12

O SERMÃO DO MONTE

1 INTRODUÇÃO

Antes de mais nada, é importante salientar que o texto do Sermão


do Monte, ou Sermão da Montanha, está na lista dos mais conhecidos da
Bíblia. Isso mostra a relevância do texto e dos ensinamentos de Jesus
presentes nessa perícope.

2 CONTEXTO

No contexto anterior, essa primeira parte do Sermão do Monte vem na


sequência de curas, milagres e logo após a escolha dos doze discípulos.
Jesus, como que numa primeira aula (embora alguns especialistas digam
que esse não foi apenas um encontro, mas que Mateus e Lucas reuniram
em apenas um sermão) fala das “Bem-aventuranças”.
Já o contexto posterior, a continuação do Sermão do Monte, que vai
até o capítulo 7 de Mateus, nos presenteia com grandes ensinamentos.
Os discípulos como sal da terra (v.13); luz do mundo (vv.14-16) e os
ensinamentos sobre homicídio, adultério, juramentos, vingança e amor
ao próximo marcam o capítulo 5. No capítulo 6, além de muitos outros
ensinamentos, Jesus entrega aos discípulos de todos os tempos a forma
de orar (Pai Nosso – vv. 9-15). E no capítulo 7 Jesus fala das duas estra-
das (vv. 13-14), dos falsos profetas (vv. 15-23) e dos dois fundamentos
(vv.24-27).
O professor Tasker resume o Sermão do Monte da seguinte forma:
“nesta seção encontramos o ensino de Jesus sobre o modo como homens
e mulheres devem orientar sua conduta ao tornar-se súditos do reino de
Deus, cristalizado na forma de instruções diretas”.

3 TEXTO

A introdução ao Sermão do Monte é o texto em análise (Mateus 5.1-


12). Aqui Mateus relata que Jesus, a exemplo dos rabinos e religiosos
da época, se assenta para ensinar. Neste ensino, que talvez tenha sido a

91
IGREJA LUTERANA

primeira aula formal de Jesus aos discípulos e também ao povo, o Mestre


usa a forma dos judeus para ensinar (assentado), mas com um conteúdo
totalmente diferente.
Jesus aqui fala de nove bem aventuranças. As oito primeiras falando ao
povo em geral, e a última falando diretamente aos seguidores (discípulos)
“bem-aventurados sois vós”.

Vv. 1 e 2: “se assentasse ... passou a ensiná-los” – como já dito


acima, Jesus toma a forma de ensino dos judeus e modi-
fica o conteúdo. Jesus chama a atenção daquele povo que
estava (talvez nem todos) acostumado a ver os líderes nas
sinagogas ensinando.
V. 3: “Bem-aventurados os humildes de espírito” – que
se apresentam diante de Deus humildes, sem condições
próprias para a salvação. São aqueles que reconhecem que
nada podem contribuir para estar nesse “reino dos céus”.
V. 4: “Bem-aventurados os que choram” – aqueles que sen-
tem o pesar de seus pecados, que sofrem (Sl 126). Para
esses o consolo vem de Deus. Não serão consolados por
homens, mas pelo bom Pastor (Sl 23).
V. 5: “Bem-aventurados os mansos” – os mansos, aqueles
humildes, estes serão os habitantes da terra, pois terão
como herança a vida eterna.
V. 6: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justi-
ça” – aqueles que têm fome e sede de fazer a vontade de
Deus, o Justo. Estes também, em sua vida de santificação,
tentam fazer o que é justo e reto aos olhos de Deus.
V. 7: “Bem-aventurados os misericordiosos” – são aqueles
que sabem que não são dignos de receber a misericórdia
de Deus, mas que, por causa de Jesus, agora recebem
misericórdia e refletem essa mesma atitude para com o
próximo (relacionamento vertical e horizontal).
V. 8: “Bem-aventurados os limpos de coração” – os que
não têm no coração “dois senhores”. Aqueles que confiam
unicamente no Deus Triúno. Para estes, a promessa é ver a
Deus. Uma promessa que, para a época, era escandalosa,
pois “ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1.18; 1 Jo 4.12). Ver
a Deus é algo que não se poderia aceitar, pois na presença
de Deus só subsiste o que for santo e justo. Mas Jesus
garante esse privilégio aos limpos de coração.
V. 9: “Bem-aventurados os pacificadores” – aqueles que
procuram a paz e ajudam a mantê-la. Aqueles que sabem

92
QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

que esta paz, verdadeira, só vem Deus em Cristo. Estes


serão chamados filhos de Deus.
V. 10: “Bem-aventurados os perseguidos por causa da jus-
tiça” – aqueles que são perseguidos, zombados, afligidos
por causa de Cristo. Todos aqueles que mantêm a sua fé
firme, que sustentam a verdade e não se deixam levar por
vãs doutrinas serão perseguidos (2 Tm 3.12).
V. 11: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos
injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem
todo o mal contra vós” – Jesus dirige-se diretamente
aos doze discípulos, e também aos discípulos de todos os
tempos: bem aventurados sois vós que sofrem por minha
causa. Estas palavras de Jesus assustam, mas se cumprem.
Cumprem-se na vida dos discípulos, que foram mesmo
perseguidos e martirizados, e de todos os discípulos que
passam por todo tipo de provações por serem seguidores
de Jesus.
V. 12: “... é grande o vosso galardão nos céus” – a recom-
pensa, o prêmio é prometido àqueles que passam por
estas perseguições. Jesus ainda lembra que é importante
“regozijar” e “exultar” por estar nessa situação que também
os profetas passaram.

4 APLICAÇÕES

Seria fácil resumir essa perícope como “a aula de Jesus para chegar
ao céu”. Mas não é somente isso. Jesus mostra um novo ensinamento
referente a essa caminhada rumo ao céu. Principalmente no que diz res-
peito ao “eu” em relação a Deus. Jesus tira o foco do ser humano, que
era muito latente na época por causa dos fariseus, e devolve esta posição
central a Deus.
O termo “bem-aventurado” (makarioi) carrega consigo um teor escato-
lógico em Mateus. O texto aponta também para a vida eterna. A plenitude
dos resultados aos bem aventurados só será encontrada na eternidade.
Por isso, as bem-aventuranças foram ensinamentos novos, para pesso-
as com ideologias diferentes, com projetos de vida dirigidos por regras e
ordens diferentes. Estes agora contemplam o ensinamento de Jesus e ao
final ficam “maravilhadas com a doutrina” e com o que está acontecendo
(Mt 7.28-29).

93
IGREJA LUTERANA

5 SUGESTÕES DE TEMA

Tema: Bem-aventurado sou


Pela fé que recebi
Pela vida que tenho
Pelo lugar que vou

Tema: Rumo ao céu


Sugestão de hino: Caminhando alegres (HL 538)

Introdução: não somos bem-aventurados se não temos fé. Por isso,


ser e agir como bem-aventurado requer fé em Cristo Jesus.

1. Como devo ser?


a. Humilde – dependência de Deus
b. Manso
c. Chorar pelos pecados
d. Limpo de coração
2. Como devo agir?
e. Querer justiça
f. Pacificador
g. Misericordioso
h. Resistir às perseguições

Conclusão: Regozijando e exultando, vamos para os céus.

6 LIVROS UTILIZADOS

Bíblia de Estudo Almeida – NTLH


Bíblia de Estudo Almeida – RA
Bíblia Interlinear
Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento – Volume 1
Glow
TASKER, R. V. G. Mateus – Introdução e comentário.
Obras Selecionadas de Martinho Lutero – volume 9

Paulo Sérgio Kühl


Novo Hamburgo/RS
paulokuhl@yahoo.com.br

94
QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
06 de fevereiro de 2011

Salmo 112.1-9; Isaías 58.3-9a; 1 Coríntios 2.1-12 (13-16);


Mateus 5.13-20

1 CONTEXTO

Epifania é época de luz: a estrela que guiou os magos até Jesus, o


Espírito Santo que desceu visivelmente sobre Jesus no seu batismo, as
manifestações de Jesus como sendo o enviado de Deus (o Messias)...
Esta é a ligação entre Epifania e o texto deste domingo, em que Jesus
fala de LUZ.

2 COMENTÁRIOS

Vv. 13,14,15: “Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo.” Jesus
não cogita, Jesus não ordena, Jesus não discute; ele afirma: “Vós sois!”
Isto é graça divina! É uma constatação.
“Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12).“Vós sois a luz do mundo.” Esta é a
única comparação que Jesus aplica a si mesmo e aos cristãos. Isto mostra
o quanto estamos identificados com Cristo nesta imagem de “luz”. Jesus
nunca disse que nós somos “a porta”, “a videira”, “o caminho”, etc.
Ele nos fez sal e luz quando fomos batizados e reabastece regularmente
o óleo da nossa lâmpada com a Sua Palavra e o Sacramento do Altar.
“Aquecendo Corações” é baseado no ABLAZE, desafio lançado pela
igreja irmã dos Estados Unidos, a LCMS, de atingir 100 milhões de pes-
soas com o Evangelho de Jesus até 2017, quando serão celebrados os
500 anos da Reforma. Um verbo muito usado no ABLAZE é “to ignate”:
acender, incendiar. Daí vem a palavra em português “ignição”: a ignição
de um carro, que dá a partida ao motor. É a faísca, o início do fogo. O
Espírito Santo acende a chama da nossa fé pela Palavra e pelo Batismo, e
reabastece esta luz pela Palavra e pela Santa Ceia. Independente da ação
do Espírito Santo, que se manifestou em “línguas de fogo” no Pentecostes
(At 2.3) não temos condições de ser “luz do mundo” nem condições de
permanecer acesos. Somos totalmente dependentes do Espírito Santo
através dos Meios da Graça em nosso agir e falar.
Uma sugestão: Acender uma vela ao lado do púlpito após a leitura do
Evangelho e antes de começar o sermão, para ilustrar a chama da fé que

95
IGREJA LUTERANA

foi acesa em nossa vida por ocasião do Batismo.


Há quem diga que este texto é Lei, pura Lei: O que devemos fazer ou
deixar de fazer. Eu vejo este texto como Evangelho: O que Deus fez por
nós (sal, luz, justiça de Cristo) e como ele nos capacita a vivermos a nova
vida. Certo é que devemos fazer o correto balanço entre Lei e Evangelho
também neste texto. O incentivo de Jesus é nos lembrar quem nós somos
pela graça de Deus (Evangelho). O alerta de Jesus é contra os que tentam
esconder e abafar a luz que somos (Lei).
Aqui não existe meio termo. É “ou” e “ou”: Ou somos sal da terra,
temperando o mundo à nossa volta com a nossa presença e com nossas
atitudes de acordo com a vontade de Deus; ou negamos a nossa fé e ca-
pacidade de temperar e preservar o mundo e somos lançados no lixo, fora
da graça divina, inúteis! - Ou somos luz pela graça de Deus, iluminando
o mundo com nosso testemunho e glorificando o nosso Pai que está nos
céus; ou “apagamos o Espírito” (1 Ts 5.19) e voltamos a ser trevas, de-
sonrando o nome de nosso Pai. A explicação de Lutero à Primeira Petição
do Pai Nosso, “Santificado seja o teu nome”, fornece bons subsídios para
este contraste.
Em Ap 3.15,16 Jesus repreende a Igreja em Laodiceia por sua posição
“em cima do muro”: “Conheço as tuas obras, que não és frio nem quen-
te. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és
quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca!” Dura coisa
é rejeitar a graça divina e cair no juízo de Deus!
Deus não quer que nos escondamos, mas que sejamos vistos. Nossa
vida é um livro aberto; ou, talvez possamos dizer nos termos da cultura
televisiva de nossos dias, nossa vida é uma edição do Big Brother (BBB).
Todo o mundo pode ver o que estamos fazendo e está de olho em nós. É
triste quando tantos cristãos se amoldam aos costumes do mundo para
agradar às massas em vez de salgarem o mundo com a mensagem bíblica
e iluminarem o mundo com a luz do Evangelho. Quando cristãos e igrejas
apoiam e praticam comportamentos antibíblicos (corrupção, homossexu-
alismo…), o que os outros vêem são trevas, e não a luz de Cristo. E isto
desonra o nome do Pai que está nos céus.
Não fiquemos acanhados nem envergonhados em deixar brilhar es-
pontaneamente a luz que Deus nos deu! Não abafemos a chama da fé.
Não entristeçamos o Espírito (Ef 4.30 e contexto). Por incrível que pareça,
mesmo que num primeiro momento novos colegas na escola ou no trabalho
estranhem que somos cristãos praticantes, pois isto está fora da moda;
num segundo momento, observando nosso bom comportamento e nossa
maneira de enfrentar as adversidades da vida, estas pessoas nos procu-
rarão para buscar conselhos ou para comentar nossas atitudes cristãs.
Mt 25.1-13: A parábola das dez virgens. “As nossas lâmpadas estão

96
QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

se apagando” (v.8), disseram as cinco néscias. Faltou combustível. O re-


abastecimento deve ser contínuo na Palavra e na Santa Ceia. Deus nos
dá condições de fazer brilhar a nossa luz.
V. 16: “Assim brilhe...” Somos “sal e luz” para proclamarmos “as vir-
tudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1
Pe 2.9). Jesus simplesmente descreve aqui como é a vida de um cristão,
e não como deveria ser.
Filhos de Deus vivem para glorificar o Pai celeste. Todas as nossas pa-
lavras e ações refletem a Sua luz em nossa vida, quer queiramos ou não.
Somos diferentes como cristãos. Os demais olham para nós esperando uma
reação, uma resposta, uma ação prática. Muitos cristãos se comportam de
uma maneira negativa. Isto causa decepção. Isto acontece mesmo dentro
do lar e dentro da família pastoral. Não são poucos os filhos de famílias
cristãs (e filhos de pastores) que abandonam a igreja porque sofreram
decepção em comportamentos contrários à Palavra de Deus.
Nossos filhos refletem o que veem dentro de casa e a educação que
receberam. Esta é a regra; há exceções. Se o comportamento deles é bom,
isto é notado e os pais ficam felizes! Se o comportamento deles é mau,
isto causa vergonha e vexame aos pais. - É nestes termos que Jesus fala
do Pai Celeste e dos seus filhos.
A nossa luz brilha na escuridão do mundo e mostra o caminho a outros.
Deus é glorificado quando outros chegam à fé em Jesus por intermédio
de nosso testemunho em palavras e em obras.
A luz brilha na escuridão; mas jamais a escuridão pode obscurecer a
luz. A chama de um pequeno fósforo faz diferença na escuridão.
“Pai que está nos céus.” Mateus usa 17 vezes este termo ou o equiva-
lente “Pai celestial”. Marcos e Lucas usam apenas uma vez; e João não usa
esta expressão. Este texto tem íntima ligação com a oração do “Pai nosso
que estás nos céus”. Suas petições e a respectiva interpretação dada por
Lutero podem fornecer várias ideias para o sermão.
V. 17: “Não vim para revogar...” Jesus não criou uma nova religião. Ele
veio cumprir a promessa do Pai feita no AT e dar continuidade ao plano da
salvação elaborado por Deus, completando-o com o “Está consumado!” da
Sexta-Feira Santa e com a “Paz seja convosco” do Domingo da Páscoa!
V. 19: “aquele que violar...” O que dizer das igrejas que apoiam a união
entre pessoas do mesmo sexo? A Lei de Deus continua válida para todos
os tempos. Pecado continua sendo pecado e precisa ser condenado. Os
que assim procedem contra a Lei de Deus não estão fazendo brilhar a luz
de Cristo, mas estão abrindo as portas para a escuridão eterna.
V. 20: “vossa justiça...”. Não a justiça que procede da Lei, mas a justiça
da fé. Cf. Romanos e toda a luta de Lutero.
“Justiça dos fariseus...” : Uma justiça de aparências, hipócrita, e não

97
IGREJA LUTERANA

de coração. Jesus cita neste capítulo seis exemplos de obediência externa


da Lei e da interpretação farisaica: não matar, não adulterar, o divórcio, o
juramento, a vingança, o amor aos inimigos, além de outras referências
na continuação do Sermão do Monte. Jesus não está criticando a Lei em
si, mas a interpretação dos fariseus.
Nós recebemos de graça a justiça de Cristo, que nos torna justos pela
fé, e mostramos esta justiça em nossas vidas quando nossa luz brilha
no mundo. Esta justiça é superior à justiça dos fariseus e nos garante a
entrada no reino dos céus.

3 ILUSTRAÇÕES POSSÍVEIS

Um farol para navios: Ele é construído e precisa abastecimento e ma-


nutenção contínua para cumprir o seu objetivo de alumiar e mostrar a rota
aos navios. Nós não somos luzes por nós mesmos, mas fomos “criados
em Cristo Jesus para boas obras” (Ef 2.10).
Uma lâmpada: precisa estar ligada à corrente elétrica para alumiar.
Nossa luz só brilha enquanto estamos unidos com Cristo, que é a fonte
de vida e de toda energia.

Carlos Walter Winterle


Cidade do Cabo, África do Sul
cwwinterle@yahoo.com.br

98
SEXTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
13 de fevereiro de 2011

Salmo 119.1-8; Deuteronômio 30.15-20; 1 Coríntios 3.1-9;


Mateus 5.21-37

1 LEITURAS

Salmo 119.1-8
“Este Salmo sapiencial sobre a lei do Senhor é um acróstico alfabético
em que cada estrofe de oito versículos é dedicada a uma das letras do
alfabeto hebraico, com cada versículo de uma mesma estrofe começando
com a mesma letra. O salmo comunica a idéia de que a Palavra de Deus
contém tudo o que o homem precisa saber. Com a exceção dos versículos
1-3 e 115, ele é dirigido ao Senhor. O salmista usa dez termos diferentes
para a lei ou Palavra de Deus e cada versículo, à exceção dos versículos
90, 122 e 132, menciona pelo menos um desses termos: lei (instrução ou
revelação), testemunhos (ou preceitos), mandamentos, juízos (ou orde-
nanças), palavra, veredas e palavra (sendo essa última um outro termo,
indicando promessa ou declaração, como no versículo 11).” (Observações
de Charles Caldwell Ryrie, A Bíblia Anotada, ed. Mundo Cristão).
Vale a pena compartilhar e mostrar (inclusive com cópia do texto
hebraico) as características deste salmo tão peculiar, o maior da Bíblia, e
com um conteúdo tão importante quanto a comunicação do Criador com
a criatura.

Deuteronômio 30.15-20
Nas vésperas de entrar na terra prometida, muitas ações e emoções.
Moisés se despede do povo que guiou por 40 anos, as esperanças se
transformam em realidade e a nação de ex-escravos é convidada a tomar
decisões importantes desde aquele momento para ser considerada Povo
de Deus, Israel. Nesta renovação de aliança com o Criador, Moisés repete
que amando ao Senhor de coração, a sua Palavra sempre estaria presente
e seria uma bênção. No entanto, esse processo envolve decisões de vida
ou morte, que estão resumidas no versículo 20: Amem o SENHOR, nosso
Deus, obedeçam ao que ele manda e fiquem ligados com ele. Assim vocês
continuarão a viver e viverão muitos anos na terra que o SENHOR Deus
jurou que daria aos nossos antepassados Abraão, Isaque e Jacó.
Decidir (o que pensar sobre a proposta de Deus / entre a vida e o bem
ou a morte e o mal) – guardar (o mandamento) – andar nos seus cami-

99
IGREJA LUTERANA

nhos (mais que atitudes individuais, toda a vida no caminho do Criador)


é a melhor “religião”, é estar religados e reconciliados com o Criador e
Pai de todos.

1 Coríntios 3.1-9
Com tantos problemas e divisões na comunidade de Corinto, o após-
tolo Paulo teve que ser duro e, como um bom cirurgião, calcular bem
as palavras para utilizar como um excelente bisturi. Conta um pouco
da história daqueles cristãos, como foi o processo de amadurecimento
espiritual (que precisaram de leite e não comida forte) e conclui que na
verdade “ainda não estão prontos, porque vivem como se fossem pessoas
deste mundo” (vv. 2 e 3). Estar pronto na área profissional é muito mais
que ter um diploma. É preciso amadurecer. Esse enfoque pode ajudar na
interpretação do evangelho, que é o ponto forte do culto e da pregação.
Assim amadureceram os discípulos ao escutar que Jesus afirmava: “Mas
eu lhes digo” (Mateus 5).

Mateus 5.21-37
O texto do evangelho é parte do famoso Sermão do Monte, um dos
cinco longos discursos de Jesus registrados por Mateus. Ao falar com os
discípulos, não apresenta o caminho da salvação, mas o caminho da vida
justa para os que fazem parte da família de Deus, contrastando o novo
Caminho com o caminho “antigo” dos escribas e fariseus.
Para entender melhor os vários exemplos que Jesus utiliza nesta pe-
rícope é fundamental olhar o versículo 20: Pois eu afirmo a vocês que só
entrarão no Reino do Céu se forem mais fieis em fazer a vontade de Deus
do que os mestres da Lei e os fariseus.
A natureza da nova justiça proposta por Jesus é exceder aquele míni-
mo cumprimento da lei que já realizavam com muito orgulho os escribas
e fariseus. Esse forte “mas eu lhes digo” revela que o próprio Jesus é o
fim da lei como está escrito em Romanos 10.4: Porque, com Cristo, a lei
chegou ao fim, e assim os que crêem é que são aceitos por Deus. Aquele
que pode cumprir literalmente toda a lei, agora se propõe a mostrar aos
seus alunos o que estava por trás das sugestões de Deus, qual era sua
verdadeira finalidade.
No primeiro exemplo, Jesus mostra que a mão protetora de Deus se
estende não somente sobre a vida física do próximo, mas também sobre
sua existência integral, ameaçada às vezes pelo pensamento rancoroso ou
pela palavra carregada de ódio. Além disso, mostra a vida como um todo:
as relações humanas e o próprio culto e por isso aconselha: “deixe a sua
oferta ali, na frente do altar, e vá logo fazer as pazes com o seu irmão.
Depois volte e ofereça a sua oferta a Deus” (v. 24). Palavras importantes

100
SEXTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

de Jesus para os nossos dias onde vivemos uma carga muito grande de
fragmentação entre o que fazemos e sentimos, entre a nossa vida e a
fé que praticamos. Outros detalhes podem ajudar na tarefa homilética:
desde a vinda de Jesus, todos os dias são os últimos: “vá logo fazer as
pazes”. Isso é mais urgente que a adoração a Deus. Essa inversão de
prioridades possivelmente deixou atônitos os especialistas em religião
que escutavam a Jesus.
Outro exemplo para mostrar a nova justiça é a transgressão do Sexto
Mandamento. O olho de Deus que tudo vê, cuida com carinho do matri-
mônio que muitas vezes é machucado ou destruído tanto por olhares mal
intencionados como por atitudes infiéis. Jesus convida seus discípulos a
viver inclusive o casamento com uma férrea disciplina sobre “seu olho e
sua mão”, simbolicamente sobre o desejo e a ação que coloque em risco
uma relação fiel com a esposa ou esposo. A Bíblia vê as diferentes partes
do corpo humano como instrumentos que expressam a vontade do ser
humano: suas atitudes são um reflexo da atitude do homem inteiro. Exem-
plo disso está registrado em Provérbios 4.27 (tradução Almeida Revista e
Atualizada): “Não declines nem para a direita nem para a esquerda; retira
o teu pé do mal”. Portanto, arrancar o olho ou cortar a mão e jogar tudo
fora significa reprimir com toda energia o desejo pecaminoso, por mais
doloroso e estranho que possa resultar tal esforço.
A questão do divórcio, tão comum nos nossos dias, tinha sido resolvida
no Antigo Testamento com um “documento de divórcio”, pois segundo o
próprio Jesus “Moisés deu essa permissão por causa da dureza do coração
de vocês” (Mateus 19.8). No entanto, Jesus convida para outro tipo de
reflexão quando diz “mas eu lhes digo”. Ele quer mostrar que a intenção
de Deus no ato da criação era que o matrimônio fosse para toda a vida,
como uma união indissolúvel entre homem e mulher. Essa intenção Jesus
volta a reafirmar e a escreve no coração do discípulo que o escuta.
O último exemplo desta nova perspectiva de obedecer a Deus é quanto
ao juramento. A lei organizava o juramento para que o homem lembras-
se, pelo menos em certas ocasiões, que na hora de dizer algo importante
estava falando na presença de Deus. Jesus eliminou os juramentos para
que os discípulos sejam conscientes de que o sim é sempre sim, e o não
seja não tanto entre os homens como na presença de Deus.

2 APLICAÇÃO HOMILÉTICA

Introdução:
Alice perguntava diante de uma bifurcação: “Qual é o caminho cor-
reto?”. O fato perguntou: “Para onde você quer ir?” “Não sei”. Esse é o

101
IGREJA LUTERANA

contexto da famosa frase do gato de Cheshire de “Alice no País das Mara-


vilhas” que afirma: “Se você não sabe para onde vai, qualquer caminho
serve”.

Tema:
– Epifania é lembrar que Deus se manifesta na nossa vida, pela Palavra
e sacramentos. As reações à Epifania nos remetem a uma nova perspecti-
va de cumprir os mandamentos, de uma maneira integral e ampla, como
Jesus quer. Somos convidados, assim como os primeiros discípulos, a
olhar de outra maneira a nossa relação com Deus e com o nosso próximo.
Perdoados pela obra de Cristo na cruz, somos desafiados a nadar contra
a corrente e viver uma vida que agrade a Deus.
– Os textos do Antigo Testamento e a epístola nos dão pistas de que
precisamos de ajuda externa: o Salmo 119 mostra a importância da
Palavra do Criador na nossa vida. Deuteronômio aponta para essa nova
aliança. 1 Coríntios mostra o processo de amadurecimento na vida cris-
tã. Em todas as leituras, a necessidade de referências para responder ao
amor de Deus.
– Em Jesus (o caminho, a verdade e a vida) começamos um novo
caminho. Sabemos onde queremos chegar, pois seguimos as pegadas
do mestre Salvador. Já conhecemos os mandamentos que nos servem
como freio e espelho. Agora precisamos de uma régua que nos ajude a
viver uma vida reta diante do Criador, seguindo as palavras do seu Filho:
“Mas eu lhes digo”. Por isso o Sermão do Monte nos traz outra dimensão
que nos ajuda a esforçar-nos mais e melhor para superar as tentações
do maligno.

Christian Hoffmann
Montevidéu, República Oriental do Uruguai
luteranos@gmail.com

102
SÉTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA
20 de fevereiro de 2011

Salmo 119.33-40; Levíticos 19.1-2, 9-18; 1 Coríntios 3.10-23;


Mateus 5.38-48

VIVIFICA-ME POR TUA JUSTIÇA

Por que estes textos aparecem na época da Epifania? Como Jesus quer
se “manifestar” neste domingo? Os textos falam da lei de Deus e pedem
que todos sejam perfeitos como o Pai celeste. Visto que “não há quem faça
o bem, não há nem um sequer” (Sl 14.3), aguardamos ansiosamente a
manifestação daquele que veio “cumprir a Lei e os Profetas” (Mt 5.17).
Mateus 5.38-48 faz parte do Sermão do Monte, no qual Jesus ensina
seus discípulos da necessidade de uma justiça que excede “em muito a dos
escribas e fariseus” (Mt 5.20) e acrescenta: “Portanto, sede vós perfeitos
como perfeito é vosso Pai celeste” (v.48). Lucas parece nos apresentar
um discurso mais doce: “Sede misericordiosos, como também é misericor-
dioso vosso Pai” (6.36). Se bem que essa também se torna uma missão
impossível a todos nós, visto que não conseguimos ser misericordiosos
como Deus é.
“O que foi dito” é uma referência ao Antigo Testamento, se bem que
nem sempre fica clara a origem, como é caso do “odiarás o teu inimigo”.
Jesus não está invalidando estas leis, mas revela as exigências que elas
fazem, demonstrando que elas estão acima da capacidade humana.
Lutero explica, ao comentar Mt 5.39, que é necessário fazer uma dis-
tinção entre Reino de Cristo e o Reino secular. No que diz respeito a “não
resistir ao perverso...” ele afirma que “no Reino do imperador, porém,
não se deve tolerar injustiça, e, sim, resistir ao mal e reprimi-lo, e ajudar
a proteger e preservar o direito conforme o exige o ofício e o estado de
cada um”. Por outro lado, “no Reino de Cristo vale sofrer, perdoar e pagar
o mal com o bem” (OS 9, p. 121).
Pode-se afirmar que Jesus está ensinando ou revelando aos seus dis-
cípulos o tipo de lei que ele próprio se propõe a cumprir. Ele se propõe a
cumprir todo o rigor da Lei de Deus. Assim nos ensina também 1 Pedro
2.23,24: “pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando
maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga reta-
mente, carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos
pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça;
por suas chagas, fostes sarados.”

103
IGREJA LUTERANA

Jesus fala, ainda, em “próximo” e “inimigo” (que possivelmente é o


mesmo que fere a face, etc.), e fala em “amar” este inimigo. Esta é a
condição, segundo Jesus, para se tornar filho de Deus, uma vez que o Pai
que está no céu, faz o sol brilhar tanto para bons como para os maus. O
que Jesus se propõe a fazer é justamente isso: amar os inimigos, pelos
quais ele precisa morrer e se entregar.
É importante destacar que Jesus está falando com seus discípulos.
Lutero, ainda no comentário de Mateus 5-7, diz: “A vocês, porém, como
meus discípulos, aos quais não ensino como devem governar exteriormen-
te, e, sim como devem viver perante Deus, a vocês digo: não resistam ao
mal, e, sim, suportem toda sorte de adversidades e tenham um coração
puro e amigável para com os que lhes infligem injustiça ou violência. E se
alguém te tira a túnica, não procures vingança, pelo contrário, cede-lhe
também a capa, se não o poder impedir, etc.” (OS 9, p.121)
O texto “mata” em três sentidos: 1. estar disposto a dar a outra face
e não resistir; 2. estar disposto a perder tudo e a dar o que tem; 3. amar
o inimigo e orar pelos que perseguem. Em resumo, ser perfeito como o
Pai é perfeito. O consolo está naquele que dá o discurso, o qual garante
que veio para cumprir a Lei e os Profetas. Nesse sentido, Jesus não ape-
nas explica a lei neste discurso, mas também revela o tipo de lei que ele
veio cumprir.
A sociedade em geral age de acordo com o “olho por olho, dente por
dente”, e de forma alguma se preocupa com os inimigos. Além disso, não
está disposta a dar ou a perder todos os bens. Por outro lado, as pesso-
as agradecem quando ganham o que precisam, quando são perdoadas,
quando a vingança é deixada de lado. Elas aguardam com ansiedade por
um mundo sem vingança, sem exigências e sem inimigos. Somente no
Reino de Cristo isso é possível, pois nesse reino o próprio Rei se entregou
pelos culpados, assumindo as exigências da Lei em vigor. Já no início do
seu ministério, ele propôs a João Batista: “deixa por enquanto, porque,
assim, nos convém cumprir toda a justiça” (Mt 3.15). E João “o admitiu”.
Assim, também, a Igreja toda é inspirada a admitir que Jesus assuma
toda a Lei e faça justiça.
Ele se propôs a dar a face e todo o corpo para ser ferido, não resistin-
do aos perversos; ele dá muitas coisas aos que lhe pedem; e ele ama os
inimigos, dando sua vida por eles.
O tom da mensagem é dado pelo Salmo 119.40: “Eis que tenho sus-
pirado pelos teus decretos; vivifica-me por tua justiça”. O salmista pede
(119.33-40), de várias formas, que o Senhor ensine os seus decretos a ele.
Talvez mais do que isso, ele pede que Yahweh o faça viver nessa justiça,
segundo o v. 40: “vivifica-me por tua justiça”. De forma alguma alguém
pode viver pela justiça própria. Todos precisam da justiça de Cristo.

104
SÉTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Para o 7º Domingo na Epifania, a proclamação da Palavra de Deus tem


por objetivo revelar que Jesus Cristo veio cumprir as exigências de Lei de
Deus em nosso lugar. De modo específico ele fez isso quando não se vingou
dos que lhe batia no corpo; quando fez mais do que era necessário, dando
seus bens aos que lhe pediam; e quando amou seus inimigos.

ESBOÇO

Vivifica-me por TUA justiça


1) pois tu és, Senhor, o único capaz de dar teu corpo para ser morto
2) pois tu és, Senhor, o único capaz de abrir mão do que é teu
3) pois tu és, Senhor, o único capaz de amar o inimigo

Clécio Leocir Schadech


Corbélia/PR
schadech@hotmail.com

105
OITAVO DOMINGO APÓS EPIFANIA
27 de fevereiro de 2011

Salmo 115.(1-8)9-18; Isaías 49. 8-16a; 1 Coríntios 4.1-13;


Mateus 6.24-34

1 CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)

O texto do Evangelho é o discurso de Jesus contido no sermão do


monte. Este sermão é o ensino de Jesus sobre a vida dos cristãos: como
devem ser as responsabilidades e o resultado (recompensa) para os que
continuam no caminho certo.
No capítulo 6 de Mateus Jesus começa analisando três práticas dos
judeus: a ajuda aos necessitados, a oração e o jejum. Ele mostra que
estes (os judeus e todos nós) não devem exercer tais práticas com o fim
de vangloriar-se. E que quando as realizarem, façam sem buscar a glória
entre os homens.
Depois disto Jesus fala sobre as riquezas mostrando que “onde estão
o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.21).
Nos versículos 22 e 23 Jesus nos fala que os olhos são a lâmpada para
o corpo, isto é, de acordo com a forma que olhamos as coisas deste mundo
estaremos na luz ou na escuridão. As nossas atitudes são um reflexo de
como vemos as coisas, onde está a nossa prioridade.
É importante lembrar que na época de Jesus os judeus praticavam uma
religião externa, isto é, queriam estar em destaque pelas atitudes. Jesus
nos ensina que não devemos procurar a glória entre os homens, mas em
tudo glorificar somente a Deus. A prática da caridade cristã, do jejum e
das orações são feitas da maneira correta se o nosso coração estiver no
verdadeiro tesouro.
No contexto posterior ao texto somos alertados para que não julguemos
os outros, antes olhemos para nós mesmos quanto às nossas atitudes.
As demais leituras nos trazem pontes com o Evangelho onde o destaque
está na bênção de Deus a todos os que confiam nele. Tudo foi criado por
Deus, os céus e a terra. A terra nos foi dada para que façamos uma boa
administração da mesma.
Na leitura de Isaías, Deus promete a restauração de Israel. O povo
responde com reclamações (Is 49.14). Mas Deus, mesmo diante da in-
gratidão do povo, se mostra um Deus amoroso (Is 49.15).
Em 1 Coríntios o apóstolo Paulo se defende das acusações dizendo

106
OITAVO DOMINGO APÓS EPIFANIA

que os coríntios não devem julgar alguém superior a outro. Tudo o que
nós temos e somos pertence a Deus (1 Co 4.7).

2 ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

V. 24: Jesus deixa claro que não é possível servir a dois senhores ao
mesmo tempo. Se amamos a um, odiamos (antônimo de amamos) a ou-
tro. Os dois senhores a que Jesus se refere são Deus e Mâmon (palavra
aramaica que designa riqueza).
O uso do verbo douleu,w indica estar sujeito a alguma coisa. Nós po-
demos estar sujeitos somente a uma autoridade – Deus ou as riquezas.
Sempre estaremos sujeitos a uma destas autoridades.
V. 25: Este versículo é uma conclusão a partir do versículo anterior.
Devemos servir somente a Deus e por isso não devemos nos preocupar
com a nossa vida (yuch//).
E assim temos as seguintes conclusões: não devemos nos preocupar
com as coisas referentes à nossa vida aqui neste mundo: o que havemos
de comer e o que temos para vestir.
Note que estas preocupações são preocupações comuns aos seres hu-
manos. Como não se preocupar com tais coisas? Jesus diz que em primeiro
lugar devemos servir a Deus e assim também Ele nos dará estas coisas
que são de fundamental importância para o nosso bem estar físico.
V. 26: Jesus diz para que olhemos as aves e como elas, sem traba-
lhar, têm o seu sustento. E a pergunta: Quem vale mais: vocês (seres
humanos) ou as aves?
V. 27: Destaca-se a palavra h`likian que pode ter o sentido de idade
ou de estatura. Pelo contexto, refere-se a crescer em estatura. Através
deste versículo Jesus ensina que ninguém pode crescer em estatura pela
sua própria vontade. Também pelo contexto podemos entender que quando
alguém cresce, isso ele deve a Deus.
Vv. 28-29: Mesmo Salomão com toda a sua glória (riqueza) não se
vestiu como os lírios do campo.
V. 30: Os discípulos são chamados de ovligopistoi (gente de pequena
fé), homens que confiavam pouco no sustento que Deus poderia dar a
eles.
V. 31: Novamente três pontos são destacados, os quais não devem ser
o motivo de nossa preocupação: comida, bebida e vestes.
V. 32: Quem se preocupa com estas coisas (comida, bebida e vestes)
são os gentios (ta. e[qnh), aqueles que não conhecem como Deus é no
seu agir, um Deus que não deixa faltar o sustento.
V. 33: Devemos buscar em primeiro lugar a dikaiosu,nhn (justiça)
de Deus. É importante notar que o verbo deste substantivo é dikaio,w

107
IGREJA LUTERANA

(justificar). Este verbo é usado para designar o que Jesus fez por nós.
Em Rm 3.20 lemos: “justificados (dikaiou,menoi) gratuitamente pela sua
graça mediante a redenção em Cristo Jesus”. Por isso, é necessário, em
primeiro lugar confiar no Deus que justifica (através de Jesus) e tudo nos
será acrescentado.
V. 34: Não vos preocupeis com o amanhã, mas com o hoje. Basta o
kaki,a (mal) de cada dia. Sabemos que a cada dia teremos dificuldades,
mas que enfrentemos a cada dia as dificuldades confiando na providência
divina.

3 PARALELOS, PONTES E PONTOS DE CONTATO

Vivemos em um mundo onde somos “forçados” a entender que o mais


importante é ganhar dinheiro e ser feliz. Muito se fala que devemos em
primeiro lugar buscar um bom emprego, o sucesso profissional e assim
seremos felizes.
Para a maioria, a felicidade está nas riquezas, no dinheiro. Se tenho
dinheiro, posso comprar tudo. Ainda, segundo o senso comum, preciso
fazer de tudo para conseguir dinheiro.
Aproveitando esta ansiedade das pessoas em conseguir riquezas, al-
gumas denominações religiosas prometem bênçãos materiais (riquezas)
para aquele que der o dízimo, aquele que for um “crente fiel”. Chegam a
ensinar que se a pessoa não possui muitos bens materiais isto é resultado
de sua falta de fé. Mas não é isso que a Palavra de Deus ensina.
Diante da grande preocupação em ganhar riquezas, Jesus ensina de
forma diferente ao que ouvimos nestas denominações religiosas. Ele diz
que se servirmos às riquezas não poderemos servir a Deus. As riquezas
precisam ser usadas em nosso benefício e não podemos nos tornar escravos
delas. Devemos servir a Deus não em busca de riquezas neste mundo,
mas na certeza de que teremos a riqueza no céu e também receberemos
as riquezas deste mundo.
Assim somos ensinados que precisamos colocar em primeiro lugar a
Deus, a sua justiça revelada em Jesus e assim também precisamos reco-
nhecer que tudo o que somos e temos nos foi dado por Deus.
Nós cremos que Deus me criou a mim e a todos as criaturas; e me
deu corpo e alma... além disto me dá vestes,... comida e bebida... E tudo
isso faz unicamente por sua paterna e divina bondade e misericórdia,
sem nenhum mérito ou dignidade de minha parte (explicação do primeiro
artigo do Credo Apostólico).
Se assim reconhecemos, podemos ter a certeza de que Deus nos dará
tudo o que precisamos.

108
OITAVO DOMINGO APÓS EPIFANIA

4 SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA,


DESDOBRAMENTOS)

Assunto: O que é mais importante: Servir a Deus ou as riquezas?


Objetivo: Fazer com que reconheçamos as bênçãos de Deus na nossa
vida e que percebamos que Ele nos dá todo o necessário para o corpo e
a vida, sem nenhum mérito ou dignidade de minha parte. E que assim,
a nossa confiança possa estar sempre em Jesus como nosso único Sal-
vador.
Tema: E todas estas coisas vos serão acrescentadas
Desdobramentos:
- O nosso mundo: Qual é a prioridade? O que o mundo ensina sobre o
que é o mais importante? (Meios de comunicação, outras denominações
religiosas).
- Quem busca a prioridade nesta vida são os gentios. Somos nós gen-
tios? Somos homens de pequena fé? A ansiedade muitas vezes faz com
que nos preocupemos muito com comida, bebida, vestes, etc. (Lei)
- O que fazer? Crer na justiça de Deus e reconhecer as dádivas de
Deus. Ele nos dá tudo (material e espiritual).
- O resultado de colocar a justiça de Deus em primeiro lugar: colo-
cando Jesus em primeiro lugar, somos abençoados com a certeza da Vida
Eterna e também temos a promessa de que todas as coisas nos serão
acrescentadas.

Clóvis Renato Leitzke Blank


Imperatriz/MA
clovisblank@yahoo.com.br

109
TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR -
ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA
06 de março de 2011

Sl 2.6-12; Êx 24.8-18; 2 Pe 1.16-21; Mt 17.1-9

1 O TEXTO EM SEU CONTEXTO

O texto da transfiguração do SENHOR sempre está presente como o


evangelho a ser lido no último domingo de Epifania. Isto é muito impor-
tante, pois no domingo seguinte se inicia a quaresma. E o texto se localiza
logo após Jesus ter anunciado sua morte. Antes de ir para o calvário, Jesus
revela um pedacinho do céu aos seus discípulos e mostra a eles que o
sofrimento vale a pena, que o sofrimento que viria seria para proporcionar
que todos pudessem estar diante do SENHOR exaltado no céu.
O mesmo Cristo Glorificado será condenado, não outro, mas aquele
a quem Deus glorificou, a quem Deus reconheceu como Filho, esse é o
cordeiro sem defeito, o Rei colocado no monte de Sião.

2 EXEGESE DO TEXTO

Esta é a segunda vez que o Senhor leva consigo os três discípulos


mais íntimos, Pedro, Tiago e João. Estes três discípulos testemunharam
em certas ocasiões acontecimentos a que os demais não assistiram. O
fato de serem três cumpriu cabalmente a lei de Moisés a respeito de
testemunhas.
metemorfw,qh – verbo indicativo aoristo passivo 3 do singular.
Não há dados linguísticos úteis no AT, mas duas passagens fornecem
um pouco de pano de fundo. Em Êx 34.29-35 a pele do rosto de Moisés
brilhava depois de seu encontro com Deus no monte Sinai. Esta experiência
subjaz 2 Co 3.12-18. A visão de Dn 10.5-4 não envolve uma transforma-
ção, mas certamente fornece linguagem figurada apocalíptica que é útil
no estudo da descrição da transfiguração de Jesus.
Dn 12.3 descreve o brilhar dos “sábios” na ressurreição futura.
No NT a palavra é empregada quatro vezes (Mt 17.2; Mc 9.2; Rm
12.2; 2 Co 3.18) e parece que é deliberadamente evitada uma vez. Esta
omissão ocorre no relato de Lucas da transfiguração de Jesus, possivel-
mente porque Lucas não queria usar um termo que poderia convidar a
comparação com as ideias pagãs da transformação.

110
TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR - ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Em Mt 17.2 e Mc 9.2 a palavra é usada para descrever a transforma-


ção das feições (somente Mt) e das roupas (Mt e Lc) de Cristo durante o
evento da transfiguração.
Para entender seu significado e relevância, faz-se necessário o uso
não somente destas duas passagens como também do relato em Lc 9 e
a descrição em 2 Pe 2. Mateus e Lucas usam terminologia diferente para
expressar a radiância transfigurada do rosto de Jesus.
Mt 17.2 emprega a figura de linguagem do brilho do sol (kai. e;lamyen
to. pro,swpon auvtou/ w`j o` h[lioj). Lc 9.29 incorpora o conceito da trans-
figuração sem empregar o termo, ao dizer que “a aparência do seu rosto
se transfigurou”( kai. evge,neto evn tw/| proseu,cesqai auvto.n to. ei=doj tou/
prosw,pou auvtou/ e[teron kai. o` i`matismo.j auvtou/ leuko.j evxastra,ptwn).
Até aqui pode haver uma comparação com a radiância do rosto de Moi-
sés em Êx 34, embora deva ser lembrado que a terminologia da LXX,
excetuando-se a única palavra “rosto”, é diferente. Na transfiguração de
Jesus, além disto, suas vestes também ficaram brilhantes: “brancas como
a luz” (Mt), mais resplandecentes que pano alvejado (Mc), “brilhantes
como um raio” (Lc, NIV). A aparência total de Jesus, portanto, foi assim
transformada.
Esta experiência foi claramente entendida e relatada pelos apóstolos
como sendo um evento real. Foi também chamada uma “visão” (o[rama, Mt
17.9), palavra esta que frequentemente se refere a alguma coisa obser-
vável que participa de uma qualidade ou origem sobrenatural (em outros
lugares no NT, At 7.31; 9.10, 12; 10.3,17, 19; 115; 12.9; 16.9,10; 18.9).
O relato de Marcos, que usualmente é considerado primário, simplesmente
a chama “as coisas que viram” (Mc 9.9). Embora o indicador do tempo,
“seis dias depois” (Mt 17.l; Mc 9.2; “cerca de oito dias depois”, Lc 9.28),
talvez tenha alguma relevância adicional, pelo menos serve para ligar este
acontecimento com um contexto coeso. O seguinte episódio ocorre, pelo
menos conforme Lc 9:37, enquanto descem do monte. As teorias que
veem este relato como uma história deslocada, pertencente ao período
após a ressurreição (R. Bultmam, Theology of the New Testament, 1954,
1, 26) devem ser julgadas incapazes de serem provadas.
Além disto, 2 Pe 1.16-18 emprega a transfiguração como evidência da
fidedignidade do evangelho cristão. O escritor obviamente a considerava
um evento histórico que tinha valor apologético convincente, e declarou
que ele mesmo fora uma testemunha ocular. A transfiguração, portanto,
é atribuída uma realidade além daquela que às vezes é subentendida na
palavra “visão”.
É importante deixar que a totalidade do contexto e cosmovisão bíblicos
sejam a orientação primária em tais assuntos. É assim que o comentário
em 2 Pe 1. 17, de que Jesus “recebeu, da parte de Deus Pai, honra e glória''

111
IGREJA LUTERANA

quando Deus o declarou Filho, mostra que Jesus é o objeto digno da glo-
rificação. É diferente da manifestação de uma essência divina mediante a
transformação milagrosa de alguma figura helenística semi-mitológica.
Muitos teólogos devotos ao helenismo pensavam que a transfiguração
fosse uma manifestação da glória essencial interior de Cristo. Embora este
ponto de vista tenha validade, 2 Pe 1.17 indicaria uma situação diferente.
Outra característica sem igual da transfiguração de Jesus é que todos os
três evangelhos sinóticos mencionam roupas radiantes. Embora o rosto
possa resplandecer com glória interior, parece que a situação não seria
assim no caso das vestes. Cristo foi Transfigurado, ou Glorificado por Deus
Pai, um ato externo-interno e não o contrário, o que fica evidente no uso
do passivo metemorfw,qh. O que nos leva a dizer que a transfiguração
não foi um ato de Jesus, mas de Deus. O que derruba a pergunta: O que
Jesus quis mostrar? Talvez fosse mais plausível a pergunta: O que Deus
nos mostra, ou quis mostrar às testemunhas?
Se as palavras introdutórias de Mt 16.28, Mc 9. 1 e Lc 9.27 forem
entendidas como aplicáveis primariamente à transfiguração, seu ponto
de referência mais natural, a linguagem figurada, é certamente a de
Dn 7.13-14. A palavra “poder” que se acha em Mc 9.1, também ocorre
na descrição de Pedro (2 Pe 1.16), onde a palavra parousia, “vinda” ou
“presença”, também é achada. Vários dos elementos da narrativa que se
segue também sugerem um tema do Filho do homem glorificado, mais
notavelmente a nuvem. Este ponto de referência não esgota o significado
da transfiguração, no entanto, não somente há temas messiânicos, mas
também destaca-se a linguagem figurada do êxodo bíblico. Naquele evento
veterotestamentário, por exemplo, Deus também tomou conhecida sua
presença em uma nuvem.
O intervalo de seis dias em Mt 17.1 e Mc 9.2 talvez relembre o perí-
odo de espera quando Moisés subiu uma montanha, também com três
companheiros, para receber os mandamentos de Deus (Êx 24.9-16). Uma
nuvem estava presente ali também, como cobertura e também como
veículo para a manifestação da glória de Deus. O próprio fato de que
Moisés aparece no Monte da Transfiguração sugere que o tema do êxodo
é proeminente. Lucas registra, além disto, que Moisés e Elias falavam
acerca da “partida” (Gr. exodos) que Jesus estava para levar a efeito em
Jerusalém (Lc 9.31).
Ao invés de limitar a linguagem figurada da cena da transfiguração
a um só ponto de referência, é melhor vê-la da perspectiva tipológica
(êxodo) e escatológica (parousia).
Este último aspecto é reforçado pela presença daquela grande figura
judaica de significância escatológica, Elias. O significado essencial, no en-
tanto, não se centraliza em um evento passado nem futuro, mas sim, na

112
TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR - ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA

pessoa transfigurada. Este fato é revelado pela voz do Pai, que emprega
terminologia que relembra quatro passagens cristologicamente importan-
tes: S1 2:7 acerca do Filho Real; Gn 22:2 acerca do Filho Amado (onde a
redação da LXX é muito semelhante a Mt 17.5; e Mc 9.7); Is 42.1 a respeito
do Servo Escolhido; e Dt 18.15 (“a ele ouvirás”) a respeito do profeta
Moisés. Isso marca a idéia de que o povo de Deus ouve as suas palavras
através daquele que Ele envia. A transfiguração deve ser entendida, por-
tanto, como afirmação por Deus do Messias e filiação sem igual de Jesus,
que na realidade cumpriria Sua missão de Servo Sofredor de acordo com
as declarações na narrativa anterior em Mc 8.27-9.1 e paralelos.
A palavra metemorfw,qh têm relacionamento com a experiência dos cris-
tãos. Em Rm 12.2 um processo contínuo de transformação deve caracteri-
zar o crente. É levado a efeito por uma renovação interior da mente e por
uma resistência à influência do mundo (ou “século”, aiõn). Uma explicação
mais detalhada da transformação do cristão é dada em 2 Co 3.18, onde
a experiência de Moisés em Êx 34.29-35 serve como modelo imperfeito.
A glória trazida pelo evangelho não é temporária, como a radiância do
rosto de Moisés, mas sim, é duradoura e transcende a morte tornando-se
eterna ou escatológica. O crente cristão tem um relacionamento aberto
com o Senhor da glória, o que tem um efeito transformador nesta vida e
para toda a eternidade.

3 OBJETIVOS

Levar o ouvinte a visualizar a cena, onde os discípulos são colocados


diante de Jesus, em sua manifestação máxima, a qual reproduz a glória
que será vista no fim.
Para que possamos estar com ele naquele dia. O Pai diz: A ele ouvi.
Jesus é quem devemos ouvir, e a legitimidade de sua autoridade é confir-
mada com a voz do Pai e a presença da lei e dos profetas. Ouvir a Jesus
vale a pena, pois, com por Ele podemos nos levantar de nosso estado de
pecado e não mais temer, e assim estar com Ele glorificado no céu, porque
é muito bom estarmos com Ele.

Tema: A Ele ouvi


Por quê? Porque esse é meu filho amado.
Por quê? Com ele podeis vos erguer e não mais temer.
Por quê? É bom estarmos com Jesus.

Elemar Frederico Reus


Curitibanos/SC
elemarreus@yahoo.com.br

113
QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Salmo 51.1-13(14-19); Joel 2.12-19; 2 Coríntios 5.20b-6.10;
Mateus 6.1-6, 16-21

1 DESTAQUES DAS LEITURAS DO DIA

Os textos focam no arrependimento do pecador e na misericórdia de


Deus.

Sl 51.1-13(14-19): O salmista arrependido e confesso coloca sua


esperança na misericórdia de Deus pela qual espera perdão e renovação
da vida, pois só em Deus há purificação. Da purificação no Senhor brota
a possibilidade de viver vida santificada, que é testemunho.

Jl 2.12-19: Deus deseja que todos se arrependam e voltem para ele.


Ele sempre convida ao arrependimento e fé (conversão).

2Co 5.20b-6.10: A pregação consiste em chamar ao arrependimento


para reconciliação em Cristo; Nele se faz justiça (justificação). Da justifi-
cação em Cristo decorre a verdadeira santificação.

2 CONTEXTO

O texto insere-se no que chamamos Sermão do Monte, no qual Jesus


apresenta a nova dimensão do Reino de Deus. E nisto aponta-se para
uma nova justiça, não a aparente justiça exterior, mas a que acontece
pela mudança do interior, movida pelo poder do Espírito Santo.

3 TEXTO – MATEUS 6.1-6, 16-21

V.1: Justiça – o termo justiça refere-se aos atos piedosos obrigatórios


da religiosidade judaica de então; é o andar em retidão, o agir correto, o
fazer algo justo. A ajuda aos necessitados, a oração e o jejum eram as
principais virtudes deste modo de viver. Para os cristãos estas práticas
são igualmente recomendadas, porém destituídas do propósito de receber
reconhecimento e honra humana.
V. 2: Esmola – esmola aqui é todo ato de bondade, oferta caridosa. Na
concepção judaica, dar esmolas era uma obra que conferia méritos para a
salvação. As obras cristãs são frutos da fé; as fazemos não para sermos

114
QUARTA-FEIRA DE CINZAS

salvos, mas porque somos salvos. Então, galardão (recompensa), dada


por Deus não deve ser entendida no sentido de pagamento ou retribuição
por serviço prestado, antes indica até mesmo a alegria que decorre do
ato de fazer o bem e da relação que se estabelece com o Pai celeste que
presenteia (mas não paga) com alegrias eternas.
Vv. 5-6: A oração – orar em pé era comum na época. Assim aqui, a
posição de oração não é o problema, mas o desejo de ser notado em sua
“piedade” e a oração sem a disposição interior de sinceridade-realidade
e confiança. Na oração é preciso “estar junto o coração”. No “vãs repeti-
ções” – o problema não está nas repetições (como às vezes é enfatizado),
mas no vãs, isto é, na oração vazia, oca.
Vv. 16-18: O jejum – o abster-se de alimentos por motivos religiosos
era prática comum. Embora quase abominado no meio cristão luterano,
o jejum tem o seu valor quando não visa conquistar méritos junto de
Deus ou superioridade em relação ao próximo, mas é demonstração de
arrependimento e estímulo para a caridade.
Vv. 19-21: A maior riqueza está escondida em Deus. O homem ine-
vitavelmente segue o seu tesouro, apaixonado por aquilo que crê ser o
seu bem supremo. Se o coração está pleno de Deus, a materialidade é
vista como necessária para a subsistência, mas ela não consegue tomar
o primeiro lugar e aprisionar.

4 ALGUMAS REFLEXÕES

O ser humano tem a tendência de se elevar diante das pessoas e


até mesmo diante de Deus. No caso da salvação, por exemplo, se per-
guntamos: “Você acha que deve ir para o céu, por quê?” As respostas
geralmente estão no âmbito do mérito pessoal: “Sou boa pessoa, creio
em Deus, faço o bem”.
A justiça humana é insuficiente diante de Deus no quesito salvação. A
prática da piedade judaica: a ajuda aos necessitados, a oração e o jejum
queriam ser instrumentos de conquista da honra humana e do favor de
Deus. Também hoje, os atos piedosos da caridade, da oração, do jejum
e qualquer outra virtude cristã podem ser facilmente deturpados pelos
cristãos. A tendência de autojustificação perante Deus e de glorificação
diante dos homens permanece uma das maiores tentações ao pecado.
Exercer a piedade para ser vista pelos outros ou alcançar graça de Deus
é no mínimo deslocar o foco do culto e da adoração, e revela egoísmo e
idolatria.
Atos piedosos fazem parte da dinâmica da santificação do cristão. São
frutos da justificação (que é ato de santificação inicial de Deus no ser

115
IGREJA LUTERANA

humano). Como cristãos fazemos boas obras porque Deus já operou em


nós. Os filhos de Deus, os filhos do Reino, buscam exercer misericórdia,
evidenciando a nova vida na relação com o próximo (ajuda, caridade,
amor), na relação com Deus (intimidade na oração) e consigo mesmo
(luta interna da alma contra o pecado). O bom testemunho das nossas
obras dá-se quando são vistas pelo que Deus operou em nós (a transfor-
mação, nova vida), e não para autoglorificação. Os atos de piedade (dar
esmolas, oração, jejum) são características dos filhos do Reino de Deus,
mas somente quando praticadas sem nenhuma ostentação e sem nenhum
desejo de receber louvores dos homens.
Deus não vê as coisas como o homem vê. Ele vê o coração, não neces-
sitando de nenhuma mostra exterior para que sua atenção seja atraída.
Quer queiramos ou não a aprovação dos homens, importa estar ao agrado
de Deus. E isso passa por um coração marcado pelo arrependimento e fé;
por um desejo de corrigir a vida pecaminosa, confiar no projeto redentor
de Deus em Cristo e viver pelo auxílio do Espírito Santo.

5 SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: A piedade dos filhos de Deus...


a) Não é justificadora, mas é realidade de santificação (manifestação
da nova vida do cristão)
b) Expressa-se na relação com o próximo (atos de amor), na relação
com Deus (oração e estudo da Palavra) e relação consigo mesmo
(vida moderada).

Eliseu Teichmann
Porto Alegre/RS
eliseu@comcristo.org.br

116
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA
13 de março de 2011

Salmo 32.1-7; Gênesis 3.1-21; Romanos 5.12-19; Mateus 4.1-11

1 CONTEXTO LITÚRGICO

O primeiro Domingo na Quaresma estabelece com clareza qual será


o tema deste novo período no calendário da igreja. Enquanto a Epifania
nos diz quem Jesus é – “Este é o meu Filho amado...” (Mateus 3.17), a
Quaresma nos diz o que Jesus faz! E Jesus começa muito bem, pois por
meio de sua obediência muitos se tornam justos (Romanos 5.19).
O Salmo 32 faz uma ponte entre a leitura do Antigo Testamento e a
Epístola e o Evangelho (Salmo 32.2). Depois de ouvir a respeito do pecado
de Adão e a promessa do Salvador em Gênesis 3, o ouvinte é convidado
a fixar os seus olhos em Jesus. Se olharmos para nós mesmos, a única
coisa que vemos é o nosso pecado e a desobediência, herdados de Adão
(Romanos 5.19a). Todavia, se olharmos para Jesus e o que ele faz, vere-
mos a sua perfeita obediência (Romanos 5.19b), ao ponto de tomar sobre
si a nossa culpa, cravando-a na cruz. Com o autor sacro, cantamos: “Eu
vejo aquela cruz, na qual o meu Jesus por mim foi pendurado, levando
o meu pecado. Sua angustiosa morte, mudou a minha sorte.” (Hino 80,
Hinário Luterano).

2 TEXTO E CONTEXTO

Ao considerar a tentação de Jesus pelo diabo, o pregador não deveria


ignorar a narrativa que a precede, o batismo de Jesus. O leitor atento irá
perceber que há três temas centrais que unem esses dois episódios de
forma única:
Primeiro, nas duas narrativas, o Espírito Santo está diretamente envol-
vido no ministério de Jesus, seja descendo como pomba sobre ele (Mateus
3.16) ou guiando Jesus ao deserto, com o claro propósito de ser tentado
pelo diabo (Mateus 4.1).
Segundo, a questão da sua identidade como Filho de Deus é assun-
to em destaque nos dois textos, através da voz do Pai, vinda dos céus
(Mateus 3.17), bem como na primeira tentação que o diabo lança contra
Jesus (Mateus 4.3).
Terceiro, em nenhum momento, em ambas narrativas, Jesus é uma
figura de poder ou mesmo toma a iniciativa. Ao contrário, surpreenden-

117
IGREJA LUTERANA

temente, ele se submete ao batismo de João, mesmo após João lhe dizer
que é ele que deveria ser batizado por Jesus (Mateus 3.14); e quando,
voluntariamente, guiado pelo Espírito, é levado ao deserto para ser tentado
pelo diabo (Mateus 4.1).
Juntos, esses três temas fazem a conexão entre Mateus 3.13-17 e
4.1-11 e enfatizam que o verdadeiro e unigênito Filho de Deus leva a cabo
o plano de seu Pai, não por meio de poder e glória, mas sim, através de
seu humilde servir. E a última tentação (Mateus 4.8-9), proposta pelo
diabo, especialmente destaca esse tema. O diabo pressupõe que Jesus irá
adorar e servir alguém, sendo assim, arrogantemente oferece a ele uma
conveniente oportunidade para adorar e servir. Mas, como perfeito Filho,
Jesus está determinado a adorar e servir apenas seu Pai, o Senhor Deus
e Ele somente (Mateus 4.10)!
Mas além desta conexão textual, há também uma conexão tipológica,
que apresenta Jesus como aquele que enfrenta a batalha com o diabo no
lugar do povo de Deus, Israel. Aqui cabe lembrar os acontecimentos em
Êxodo, quando Deus nomeia Israel como seu filho primogênito, e a ordem
para Faraó é bem clara, deixa meu povo (filho) ir (Êxodo 4.22). E contra
a vontade de Faraó, finalmente Deus conduz seu “filho” à liberdade e ao
deserto. Mas no deserto, o “filho” – o povo – acaba traindo a Deus e falha
diante das provações que Deus coloca diante deles.
Agora, um outro, perfeito e verdadeiro Filho, aparece no deserto. O
diabo tenta Jesus para que ele use seu poder para satisfazer suas pró-
prias necessidades. Em resposta, Jesus cita as palavras de Moisés em
Deuteronômio 8.3, quando este descreve o fracasso de Israel no deserto.
Mas Jesus não falha, ele não sucumbe diante das provações no deserto,
Jesus não é o “tipo de Filho” que usa seu próprio poder para prover para
si mesmo. Ao contrário, Ele prefere depender em tudo que procede da
boca de seu Pai. Onde Israel falhou, Jesus triunfou – coincidentemente,
no mesmo lugar e em seu lugar. Jesus é o Heroi de Israel, Jesus é aquele
que lutou com o diabo, em favor de Israel, e venceu a luta.
Na segunda tentação, o diabo usa outra estratégia, ele quer que Jesus
exija do Pai proteção, mas isso deve ser feito de certo modo, quando Jesus
se atirar do pináculo do templo, colocando-se em situação de perigo des-
necessária. Israel falhou em similar provação no deserto, quando exigiu
de Deus que ele provesse água de acordo com seus termos e necessida-
des (Deuteronômio 6.16; Êxodo 17.1-7). Jesus, todavia, passa no teste,
citando as mesmas palavras de Moisés – “Não tentarás o Senhor, teu
Deus.” – para repelir o ataque do diabo. Israel não havia entendido o
que significava ser filho de Deus, mas Jesus não nega a sua identidade
ou mesmo se desvia de seu chamado como verdadeiro e perfeito Filho
de Deus.

118
PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA

Na última tentação, surge a questão que todo filho, cedo ou tarde, terá
de responder. Por definição, um “filho” serve seu “pai” e faz o que ele lhe
mandar. Quem Jesus irá servir? Israel vacilou no deserto e mais tarde, tam-
bém na terra prometida, quando correu atrás de outros deuses, disposto
a servi-los e a adorá-los. Mas Jesus não quer saber disso. Uma vez mais,
ele se apropria das palavras de Moisés (Deuteronômio 6.13), revelando o
contraste entre a imperfeita (e pecaminosa) obediência do povo de Israel
e a sua perfeita obediência à vontade do Pai. Na luta com o diabo, Jesus
não hesita, ele assume a sua identidade e papel como verdadeiro Filho de
Deus. Jesus, em perfeita obediência, cumpre a vontade do Pai.

3 PONTES E PONTOS DE CONTATO

Obviamente, o primeiro interesse do Evangelho de Mateus é a obra de


Jesus em favor do povo de Israel. Todavia, o fato deste Evangelho ser o
único que diretamente menciona o viver em congregação (Mateus 16.18;
18.17) e Mateus dirigir-se a uma ampla audiência cristã, de judeus e
gentios, vivendo na Síria e Palestina durante a metade do primeiro sécu-
lo da era cristã, com certeza sua mensagem extrapola tempo e espaço,
chegando até o povo de Deus nos dias de hoje.
O relato de Mateus 4.1-11 nos apresenta dois personagens, persona-
gens da vida real. A batalha de Jesus com o diabo não é ficção, mas rea-
lidade. De forma geral, as pessoas preferem falar de Jesus, amor, perdão,
vida e paz. “O diabo, o maligno – bem, deixemos esse assunto para uma
outra hora” costuma-se dizer. Mateus deixa claro que o diabo não é ape-
nas uma figura do imaginário popular, mas ele existe, e sua única meta é
atacar a obra redentora de Cristo, a proclamação do evangelho e o povo
de Deus (cf. Mateus 16.23; João 8.44; 1 Pedro 5.8-9). Todavia, o relato
de Mateus oferece uma mensagem de encorajamento e vitória. Jesus, o
verdadeiro Filho de Deus, enfrenta o diabo no mesmo lugar onde Israel
havia falhado e em seu (e nosso) lugar, sai vencedor da luta. Obviamente,
isso é apenas o início; o perfeito culto e serviço de Jesus ao Pai culmina
na cruz, na Sexta-Feira Santa, e recebe a confirmação do Pai (cf. Atos
10.40-41; Romanos 4.25) na manhã de Páscoa, com o sepulcro vazio.

4 SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Mateus 4.1-11 oferece uma excelente oportunidade para o pregador


proclamar um sermão permeado de evangelho, apontado obviamente
para o fracasso (lei) do “filho” Israel diante das provações no deserto e
a vitória do verdadeiro Filho, que vence o tentador no deserto, por nós e
em nosso lugar. Creio que o contexto tipológico, mencionado acima, seria
uma boa opção homilética para se abordar esse texto.

119
IGREJA LUTERANA

O pregador poderia iniciar o seu sermão levantando a pergunta: Por


que Jesus teve de ir ao deserto? O que ele está fazendo ali? Depois de ser
declarado o Filho amado do Pai, em seu batismo, vemos um Jesus, não
em glória ou poder, mas no deserto! E ele não está só, pois foi levado ao
deserto para ser tentado pelo diabo. Um esboço que poderia nortear o
pregador a responder essa pergunta, seria o seguinte:

1. Porque Deus tem planos para Jesus no deserto


Ele foi levado pelo Espírito
Ele foi levado para ser tentado pelo diabo.
2. Porque todos nós falhamos
O cenário é o mesmo onde Israel falhou, quando Deus o chamou
para ser seu “filho”, seu povo.
Como Israel, frequentemente negamos a nossa identidade como
cristãos. Falhamos como filhos e filhas de Deus, falhamos como seu
povo. Esquecemos quem somos e vivemos nesse esquecimento.
Se Deus nos deixasse sozinhos no “deserto” para enfrentarmos o
diabo, certamente pereceríamos.
3. Porque Jesus é outro tipo de “Filho de Deus”
A. Ele é o verdadeiro Filho de Deus, e ele vem no lugar dos outros
“filhos(as)” e por eles.
B. Guiado pelo Espírito e no poder da palavra, Jesus se recusa a usar
seu poder em benefício próprio. Ele sabe quem ele é e porque veio
ao mundo.
C. Sua vitória em nosso lugar, primeiramente no deserto e, depois,
na cruz, silencia o acusador e suas mentiras de que não somos
filhos(as) de Deus e que não pertencemos a ele (Segundo Artigo
do Credo – Cm). Jesus é o nosso herói, sua vitória é a nossa vi-
tória.
D. Em nossa luta pessoal com tentações, lembremo-nos da vitória de
Jesus por nós – no deserto e na cruz – e olhemos em esperança
para a vitória final sobre o maligno, quando nosso Senhor voltar
em glória.

Mateus 4.1-11 nos lembra que Deus nos dá a vitória por intermédio
de Jesus Cristo, seu único e verdadeiro Filho (cf. 1 Coríntios 15.57). Jesus
é o Filho que Israel e nós jamais poderíamos ser. Sejamos gratos a Deus
pelo seu Filho e a vitória que ele nos dá!

Ely Prieto
San Antonio, Texas/USA
elyp@concordia-satx.com

120
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA
20 de março de 2011

Salmo 121; Gênesis 12.1-9; Romanos 4.1-8, 13-17; João 3.1-17

1 ASSUNTOS DAS LEITURAS BÍBLICAS DO DIA

Sl 121: O socorro verdadeiro vem do Senhor Deus, pois ele é o nosso


Criador e Protetor, guardando-nos sempre do perigo e do mal, estando
ao nosso lado durante toda nossa vida.
Gn 12.1-9: Deus faz um chamado a Abrão, pede para sair de sua terra
e promete que, através dele, todos os povos do mundo seriam abençoados.
Abrão confia na palavra do Senhor e segue o caminho de Deus.
Rm 4.1-8, 13-17: Abraão foi aceito por Deus pela fé e não por aquilo
que ele fez. Assim, nós também não colocamos nossa esperança naquilo
que fazemos, mas cremos em Deus e, por isso, somos declarados ino-
centes. Sendo assim, Deus nos promete a salvação não por aquilo que
fazemos, mas pela fé que temos na salvação que vem de Deus, o Senhor
que ressuscita mortos e faz com que exista o que não existia.
Jo 3.1-17: Uma história do Antigo Testamento (A serpente de bronze
– Nm 21.4-9) é comparada com a história da salvação pela obra de Cristo
(v.14). O versículo central é Jo 3.16, pois resume a história da salvação, a
missão do Filho de Deus. O texto de Nm 21.4-9 mostra que o próprio povo
de Deus, impaciente, falava contra Deus e contra Moisés. Deus, então,
envia serpentes com o objetivo de os levarem ao reconhecimento de seu
pecado. Aqueles que confiaram na promessa de Deus, olhando para a ser-
pente de bronze, foram salvos da morte. A serpente de bronze levantada
aponta para Cristo que seria erguido na cruz pela nossa salvação.

2 TEXTO DO SERMÃO (JOÃO 3.1-17)

Observação: Por fazer parte do contexto da leitura bíblica do Evange-


lho, os versículos 18 a 21 também serão citados em alguns momentos.
Vv. 1-2: O encontro de Jesus com o fariseu Nicodemos é um encontro
de Jesus com o sistema legal judeu. Não se sabe ao certo se Nicodemos
era um seguidor de Jesus, mas sabe-se que ele defendeu Jesus contra
acusações injustas de alguns dos seus conterrâneos e também se associou
a José de Arimatéia na providência de um sepultamento decente para
Jesus (Jo 7.50-52; 19.39-42; cf. Jo 12.42).
Vv. 3,5: “Ver o Reino de Deus” (v.3) significa fazer parte do Reino,
“entrar no reino de Deus” (v.5).

121
IGREJA LUTERANA

V. 3: Outra tradução possível para “nascer de novo” (v.3) é “nascer


do alto”, ou seja, é presente de Deus (Jo 1.12). Jesus leva a conversa a
uma direção diferente do esperado: em vez de tratar sobre possibilidade
de salvação pela observância da Lei, a questão é “nascer de novo”.
V. 4: Parece que Nicodemos entendeu as palavras de Jesus literalmente,
assim como aconteceu com os judeus quando Jesus falou da construção e
reconstrução do Templo, quando na verdade estava falando de sua morte
e ressurreição (Jo 2.19-21).
V. 5: “Água” parece representar o batismo de João Batista, e “Espírito”
o batismo que Jesus faz (Jo 1.32-33). Nos versículos seguintes (vv. 6,8),
Jesus fala sobre nascer do “Espírito”. A salvação no Reino de Deus requer
o novo nascimento, não simplesmente no batismo pela “água” como João
Batista ofereceu, mas um novo nascimento pelo poder do “Espírito” (v.5).
Vv. 6-7: Ser nascido da “carne” (v.6) é ser nascido de pais pecadores;
logo, é ser nascido pecador. Não basta nascer de maneira natural e física,
é necessário um nascimento sobrenatural, “nascer de novo” (v.7), do
“Espírito” (v.6; cf Jo 1.13).
V. 8: Neste versículo é feito um jogo de palavras. Em grego, a mesma
palavra quer dizer tanto “vento” como “Espírito”. O versículo quer dizer
que o nascimento espiritual é um processo misterioso, que é visto somente
pelos resultados que produz. Assim como não se pode ver o vento, exceto
em seus efeitos, assim também ser nascido do Espírito não é perceptível
aos olhos carnais a não ser em seus efeitos.
V. 10: Mesmo sem entender o que Jesus estava falando, Nicodemos
deveria ao menos saber que era preciso “nascer de novo” (v.7), pois
este assunto também é claro no Antigo Testamento (v.10; cf. Ez 11.19;
36.25-27; Is 44.3; Jr 31.33). Jesus afirma que o conhecimento do Antigo
Testamento deveria ter feito Nicodemos entender isso.
Vv.14-15: Estes versículos fazem referência à história do Antigo Tes-
tamento (A serpente de bronze – Nm 21.4-9). Aqueles que acreditaram
que ao olhar para a serpente de bronze seriam salvos, foram curados e
viveram. Assim, também, aqueles que creem que Jesus é o Filho de Deus
que morreu e ressuscitou por nós, serão salvos eternamente.
Vv. 14-21: Em algumas traduções, estes versículos aparecem como
palavras de Jesus. Outras traduções entendem que estas são palavras do
autor do Evangelho. O texto original grego não tem sinais de pontuação
que indiquem claramente de quem são estas palavras.
V. 16: Crer em Cristo quer dizer: a) Confiar que ele nos mostra
quem é Deus (Jo 1.18); b) que ele é o caminho para chegar até o Pai
(v.13; Jo 14.6); c) que ele é o único que dá vida eterna (vv.14-15). Nes-
te versículo lemos o resumo da mensagem do evangelho, a salvação em
Cristo Jesus.

122
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA

Vv. 17-19: Pelo fato de Jesus ser Salvador, é também juiz de todas
pessoas (Jo 5.22; 9.39). A intenção de Deus era que o “mundo” (vv.16,17)
fosse salvo. Jesus não veio com o objetivo de condenar o mundo, mas
de salvar (1Jo 4.9). Aquele que “crê” (v.18) não é condenado. Deus não
deseja a morte do pecador (Ez 33.11), ele enviou Cristo ao mundo para
trazer vida eterna e salvação. Porém, aqueles que se negam a crer no
Filho do Homem condenam-se a si mesmos pela recusa da salvação ofe-
recida (v.18).
Vv. 20-21: Cristo veio trazer salvação, mas a vinda da luz (Cristo)
também julga e condena aqueles que amam as trevas (o pecado).

3 DOUTRINAS RELACIONADAS

A Dogmática Cristã, de John Theodore Mueller, cita o texto de Jo


3.1-21 em diversos assuntos, entre eles:
A definição Escriturística da conversão: A conversão dos que
caíram da graça (Jo 3.7) é idêntica à primeira conversão. (Dogmática
Cristã, p.328)
A conversão é instantânea: Não devemos falar de um estado in-
termediário entre conversão e não-conversão. As Escrituras reconhecem
apenas duas classes de pessoas: as convertidas e as inconvertidas, ou
crentes e incrédulas (Jo 3.18-36). (Dogmática Cristã, p.338)
O Batismo – Um meio da graça verdadeiro: Não pode haver re-
nascimento sem fé na remissão dos pecados adquirida por Cristo (Jo 3.5,
14-15). (Dogmática Cristã, p.463)
Sinônimos de conversão: Regeneração – a regeneração, no sentido
restrito, descreve o renascimento (Jo 3.5-6) que o pecador experimenta
em sua conversão, ou seja, a concessão de nova vida espiritual pela fé
em Cristo. (Dogmática Cristã, p.349)
A doutrina da justificação – A doutrina central da Religião Cristã:
A Escritura insiste com muita ênfase na proclamação clara e inalterada da
salvação pela fé em Cristo (Jo 3.16). (Dogmática Cristã, p.357)
A quem a Igreja deve batizar: Rejeita-se que o Batismo possa ser
realizado em favor daqueles que morreram sem esse sacramento. Que
o justo viverá pela sua fé e não pela de outra pessoa é doutrina clara da
Escritura (Jo 3.15-18). (Dogmática Cristã, p.468)
Necessidade do Batismo: Embora a Igreja Luterana confessional
sempre tenha ressaltado a necessidade absoluta da fé na remissão dos
pecados por amor de Cristo, jamais ensinou a necessidade absoluta do
Batismo. Àqueles que, a partir de Jo 3.5, procuram provar a necessidade
absoluta do Batismo, respondemos que Cristo aqui repreendeu o desprezo
farisaico do Batismo, considerando que nos é relatado expressamente que

123
IGREJA LUTERANA

os fariseus e doutores da Lei “rejeitaram, quanto a si mesmos, o desígnio


de Deus, não tendo sido batizados por ele” (João Batista). (Dogmática
Cristã, p.469)
Sobre costumes batismais: Por esse meio da graça, a pessoa ba-
tizada é transplantada do reino de Satanás para o de Jesus Cristo, nosso
Senhor (Jo 3.5). As perguntas feitas a esta altura são endereçadas ao
neófito, não aos padrinhos, embora estes as respondam em nome da
criança; porquanto quem é batizado (inclusive crianças) é batizado se-
gundo a própria fé, e não segundo a de seus padrinhos ou segundo uma
fé potencial futura. (Dogmática Cristã, p.471)
Também no Catecismo Menor o texto bíblico de Jo 3.5-6 é citado
após a pergunta “Como se prova que também as criancinhas devem ser
batizadas?” (Catecismo Menor, p.140 – Pergunta 291).

4 COMENTÁRIOS E REFLEXÕES

Quaresma: O período da Quaresma lembra a obra realizada pelo Ser-


vo Sofredor que é Cristo Jesus. Esta obra de salvação está resumida na
passagem bíblica de Jo 3.16. No texto do Evangelho (Jo 3.1-17), temos
uma boa oportunidade para destacar a ênfase da época da Quaresma no
arrependimento, pois apresenta uma referência ao Antigo Testamento
(Nm 21.4-9 – A serpente de bronze), onde aqueles que se arrependeram
e creram na promessa de Deus, tinham suas vidas salvas. Vale ressaltar
que é o próprio Deus quem nos move ao arrependimento.
Leituras do 2º Domingo na Quaresma – Trienal A: Comparação
entre as leituras bíblicas: Salmo (Sl 121 – confiança do salmista na pro-
teção de Deus), Antigo Testamento (Gn 12.1-9 – confiança de Abrão nas
promessas de Deus), Epístola (Rm 4.1-8, 13-17 – Abraão é aceito pela fé,
por sua confiança em Deus) e Evangelho (Jo 3.1-17 – Jesus é a promessa
concedida por Deus e somos salvos pela confiança na obra de Cristo). De
modo geral, todos os textos bíblicos apontam para a salvação pela fé nas
promessas de Deus.

Hinário Luterano: Hinos do Hinário Luterano que citam o texto de Jo


3.1-21: 29 (v.16 – Classificação: Natal), 32 (v.16 – Classificação: Natal),
252 (v.5 – Classificação: Batismo), 253 (v.5 – Classificação: Batismo),
375 (v.16 – Classificação: Fé e Justificação), 488 (v.19 – Classificação:
Manhã), 547 (v.16 - Classificação: Canções de Natal), 550 (v.16 Classifi-
cação: Canções de Natal).

Passagens paralelas: v.1: Jo 7.50; 19.39; Lc 23.13. v.2: Mt 23.7;


Jo 3.11; Jo 2.11; 10.38; 14.10-11; At 2.22; 10.38. v.3: Jo 1.13; Mt 3.2.

124
SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA

v.5: At 22.16; Tt 3.5. v.6: Jo 1.13; 1Co 15.50. v.8: 1Co 2.14-16. v.9: Jo
6.52, 60. v.10: Lc 2.46. v.11: Jo 1.18; 7.16-17; Jo 3.32. v.13: Pv 30.4;
At 2.34; Ef 4.8-10; Jo 3.31; 6.38, 42; Hb 4.14; 9.24; Mt 8.20. v.14: Nm
21.8-9; Jo 12.32. v.15: Jo 3.16, 36; Gn 15.6; Nm 14.11; Mt 27.42; Mc
1.15; Jo 1.7, 12; 2.23; 5.24; 7.38; 20.29; At 13.39; 16.31; Rm 3.22;
10.9-10; 1Jo 5.1, 5, 10; Mt 25.46; Jo 20.31. v.16: Rm 5.8; Ef 2.4; 1Jo
4.9-10; Is 9.6; Rm 8.32; Gn 22.12; Jo 1.18; Jo 3.15, 36; Jo 6.29, 40; Jo
11.25-26. v.17: Jo 6.29, 57; 10.36; 11.42; 17.8, 21; 20.21; Is 53.11;
Mt 1.21; Lc 2.11; 19.10; Jo 1.29; 12.47; Rm 11.14; 1Tm 1.15; 2.5-6;
1Jo 2.2; 3.5. v.18: Jo 5.24; 1.18; 1Jo 4.9. v.19: Jo 1.4; Sl 52.3; Jo 7.7.
v.20: Ef 5.11, 13.

5 SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: Deus traz nova vida ao mundo. a) Através da obra de Cristo


na cruz: comparação da história do Antigo Testamento (A serpente de
bronze) com a obra do Salvador. b) Por amor ao mundo todo: aqueles
que não creem condenam a si mesmos. Deus deseja salvar o mundo e
demonstra seu amor por todas as pessoas, enviando a solução para os
pecados. Conclusão: Necessidade de um novo nascimento, efetuado pelo
Espírito Santo.

6 BIBLIOGRAFIA

Dogmática Cristã – John Theodore Mueller. Catecismo Menor –


Editora Concórdia, p.137-147. Preciso Falar 16 – 2005, p. 55-56. Co-
mentários Bíblicos – Editora Concórdia, p.222-223. Bíblia de Estudo
NTLH – SBB. Concordia Self-Study Bible – NIV – CPH.

Ezequiel Blum
Balneário Camboriú/SC
ezequielblum@gmail.com

125
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA
27 de março de 2011

Salmo 95.1-9; Êxodo 17.1-7; Romanos 5.1-8;


João 4.5-26 (27-30, 39-42)

QUAL A FONTE DA DIGNIDADE DO SER HUMANO?

1 CONTEXTO HISTÓRICO

O texto de João 4.5-26 contém uma série de fatores sócio-culturais


importantes, os quais ressaltam a ação de Jesus para com a mulher samari-
tana. Dentre estes fatores, destacam-se três. 1. A pessoa com quem Jesus
desenvolve o diálogo era uma mulher (mulheres eram desvalorizadas na
sociedade da época.); 2. A mulher com quem Jesus desenvolve o diálogo
era adúltera; 3. Esta mulher adúltera era samaritana. A junção destes três
aspectos torna esta mulher samaritana uma pessoa de baixíssima estirpe
e sem dignidade alguma para a sociedade e para a igreja da época.
Cabe destacar o relacionamento conturbado entre judeus e samarita-
nos. Estas divergências têm raízes políticas e religiosas muito profundas.
Na época de Jesus, a Samaria e a Judéia estavam unidas sob o poder do
procurador romano. Mas, anteriormente, chegaram a pertencer a domínios
diferentes, sendo, inclusive, a cidade de Samaria a capital do Reino de
Israel. Além disto, “após os assírios conquistarem Samaria... eles depor-
taram todos os israelitas de posses e povoaram a terra com estrangeiros,
que se casaram com os israelitas remanescentes e aderiram, de alguma
forma, à antiga religião deles (2Rs 17.18)”. E, depois que o exílio aca-
bou, quando os judeus retornaram à sua terra natal, aconteceu que eles
passaram a ver “os samaritanos não só como filhos de rebeldes políticos,
mas como mestiços raciais cuja religião estava manchada por elementos
inaceitáveis (Ne 13).” Estes fatores foram os causadores das dificuldades
de relacionamento existentes entre judeus e samaritanos.

2 CONTEXTO LITÚRGICO

O texto de João 4.5-26 está incluído na perícope do 3º Domingo na


Quaresma. O Salmo 95 convida a que “celebremos o rochedo de nossa
salvação”. O grande Deus, rochedo de nossa salvação, que no texto de
Êxodo 17.1-7 providenciou água da rocha para que o povo de Israel, se-

126
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

dento em meio ao deserto, pudesse beber. Em Romanos 5.1-8, novamente


está registrada a ação salvífica de Deus ao providenciar Jesus Cristo para
nos salvar, “sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Como ponto culminante
desta perícope, aparece o Salvador Jesus oferecendo água viva para uma
mulher considerada indigna (João 4.10).
Os textos desta perícope nos levam a refletir sobre a nossa condição de
pecadores, mostrando que a nossa salvação vem unicamente de Deus, sem
nenhum mérito da nossa parte. Pois, quando Jesus ofereceu-nos a água
da vida, nós ainda éramos pecadores, tal como a mulher samaritana.

3 ÊNFASES DO TEXTO

A.
V. 7: “Nisto, veio uma mulher samaritana tirar água”. Jesus estava
cansado da longa viagem (v.6). Era meio-dia (hora sexta) e Jesus resolve
descansar um pouco, sentado à beira da fonte. Ele sente sede, mas, apa-
rentemente, não possuía nenhum equipamento para tirar água do poço.
Neste contexto, aparece uma mulher samaritana para tirar água.
O fato de aparecer apenas uma mulher para tirar água do poço deve
ser destacado. De acordo com o desdobramento do texto, ela realmente
estava sozinha com Jesus, algo que lhe propiciou ter um fantástico diálogo
com ele, até a vinda dos discípulos.
O fato de ela ter ido sozinha tirar água do poço, bem como o fato de
ela ter ido ao meio-dia, é destacado por Carson: “Aparentemente, a mu-
lher foi ao poço sozinha. Era mais comum que as mulheres fossem buscar
água em grupos, ou mais cedo ou mais tarde no dia, quando o calor do sol
não era tão forte. Possivelmente, a vergonha pública da mulher (4.16ss.)
contribuiu para o seu isolamento”.

B.
V. 10: “... e ele te daria água viva”. Este versículo nos remete ao
Antigo Testamento, quando Deus fala as seguintes palavras através do
profeta Jeremias: “Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me
deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas
rotas, que não retêm as águas” (Jeremias 2.13). O manancial da água
viva é o próprio Deus. Somente ele pode dar ao ser humano o perdão, a
vida e a salvação.
A tendência humana é buscar a vida e a salvação eterna em seu inte-
rior. A tendência humana é de achar que sua dignidade está dentro de si
e nas suas ações. Mas Deus nos mostra que buscar estas coisas dentro
de nós é cavar cisternas rotas. Nosso interior, por si só, não possui água
viva. Nosso interior não possui dignidade e salvação alguma. Somos com-

127
IGREJA LUTERANA

pletamente contaminados pelo pecado, mesmo que, exteriormente, não


o aparentamos, tal como aparentava a mulher samaritana.
A esta mulher, que não tinha nada de bom para apresentar diante de
Deus, Jesus oferece o seu melhor: a água viva. Ou seja, Jesus oferece-se
a si próprio, a sua vida, a sua salvação, a sua dignidade, que nunca irão
acabar, pois são sempre frescas e correntes.

C.
V. 15: “Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água, para que eu
não mais tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la”. A resposta da mulher
samaritana neste versículo demonstra um dos mais profundos anseios dos
seres humanos: a resposta imediata aos problemas.
No versículo 10, Jesus havia lhe oferecido “água viva”. Ou seja: Jesus
ofereceu-se a si mesmo a esta mulher e, por consequência, a eternida-
de.
Mas a mulher samaritana não havia compreendido a profundidade e
grandeza daquilo que Jesus havia lhe oferecido. Ela estava mais preocu-
pada com os fardos que ela carregava diariamente, tal como o fardo de
buscar água da fonte ao meio-dia. Analisando este versículo, aparenta
que a mulher se daria por satisfeita se Jesus resolvesse o seu problema
imediato.

D.
V. 18: “... porque cinco maridos já tiveste, e esse que tens não é teu
marido.” Fazendo-se uma análise desta mulher samaritana, conclui-se que
ela é “desqualificada” como pessoa, de acordo com as regras culturais e
farisaicas vigentes no tempo de Jesus.
Para iniciar, esta pessoa era uma mulher, algo que lhe dá certo des-
crédito perante a sociedade da época. Analisando-se do ponto de vista
judeu/farisaico, esta mulher era samaritana. Devido a acontecimentos
e contendas históricas, os judeus não se davam com samaritanos (vide
contexto histórico). Além disto, esta mulher já tivera cinco maridos, e o
homem com o qual ela convivia não era seu marido. Ou seja, do ponto
de vista cultural/judeu/farisaico, Jesus estava diante de uma “grande
pecadora”.
A esta pecadora, Jesus encheu de dignidade. A esta pecadora, Jesus
deu o privilégio de tirar água do poço para dar-lhe de beber. A esta peca-
dora, Jesus anunciou-lhe o Evangelho, dando-lhe de beber da água viva.
Esta pessoa, indigna perante a sociedade e igreja da época, foi dignificada
por Jesus.
Jesus poderia ter esperado seus discípulos voltarem para dar-lhe água
de beber. Jesus poderia, ao menos, esperar outra pessoa “menos impura”

128
TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

para pedir-lhe de beber. Mas foi a esta pessoa “indigna” que Jesus trouxe
dignidade. Esta pessoa indigna foi a escolhida de Jesus.

4 PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

A. Vive-se o período da quaresma. Período de arrependimento. Época


de colocar a vida na balança. O v. 9 convida o leitor a repensar seus re-
lacionamentos. Jesus, pedindo de beber à mulher samaritana, convida as
pessoas a repensarem seus relacionamentos para com seus semelhantes,
especialmente aqueles que pertencem a “outros grupos”.
B. No versículo 10, Jesus ofereceu a água viva à mulher samaritana.
Ou seja: Jesus ofereceu tudo e ela. No entanto, esta mulher, no versículo
15, quis apenas algumas coisas para satisfazer seus problemas momen-
tâneos.
A teologia do “Deus que serve apenas para satisfazer meus interesses
momentâneos” está muito difundida na sociedade atual. A “fé” que “Deus
vai resolver meu próximo problema” é a tônica de muitas igrejas e muitas
teologias. E quando o problema imediato não é resolvido, o que acontece
com a “fé” desta pessoa? Será que Deus não “presta” mais?
Deus está conosco todos os dias. Ele é nosso refúgio e fortaleza. No
entanto, ele dá á água viva a quem crê. Deus já resolveu muito mais
que o nosso problema atual
C. A mulher samaritana e os samaritanos em geral eram os indignos
da época. Jesus foi até uma pessoa indigna e ofereceu o melhor que ele
tinha a oferecer. Com certeza, a igreja da época não considerava a mulher
samaritana digna de receber a palavra de Deus. E, nos dias atuais, em
nossas igrejas, há alguém considerado indigno de receber o Evan-
gelho? Quem são os indignos dos dias atuais?
D. Nós também fomos indignos. Quando Jesus nos salvou, ainda éra-
mos pecadores (Romanos 5.8). Se nós, hoje, temos uma “fonte de água
a jorrar para a vida eterna” (João 4.14), devemos isso exclusivamente à
ação de Deus em nossa vida, nos concedendo de beber “água viva”. Pelo
fato de também termos sido indignos, sendo dignificados somente pela
ação de Cristo em nosso favor, não podemos considerar o outro indigno
de receber o Evangelho.

5 SUGESTÕES DE USO HOMILÉTICO

A. Assunto: Jesus devolve a dignidade ao ser humano.

B. Objetivos: Refletir sobre qual é a fonte da dignidade humana: a

129
IGREJA LUTERANA

água viva, que somente Jesus pode dar de beber.


Compreender e crer que, se de nosso interior jorra uma fonte para a
vida eterna, foi porque Jesus nos deu de beber da água da vida. Não fui eu
que criei em mim esta fonte devido a minhas boas obras. Se a sociedade,
a igreja e minha família me consideram uma pessoa digna, isso não é
mérito meu. A minha dignidade não brota de meu interior ou de minhas
ações. Ao contrário. Minha dignidade provém da água viva que Jesus me
deu para beber.
Compreender e crer que, para Jesus, todos são dignos de receber a
água da vida, inclusive aqueles que nós, nossa igreja e nossa sociedade
julgam indignos.

C. Tema: Qual a fonte da dignidade do ser humano?

D. Desdobramentos:
Introdução. O que é dignidade humana?
Desenvolvimento.
Parte 1. Mulher samaritana – indigna para a sociedade e para a reli-
gião da época. Quem são aqueles que a nossa sociedade, a nossa igreja,
e as pessoas em geral, consideram indignos?
Parte 2. Jesus devolve a dignidade à mulher samaritana, oferecendo-
lhe a água viva. Esta é a nossa missão: levar A TODOS a palavra de Deus,
a água viva (inclusive para aquelas pessoas que, no nosso interior, no
nosso pensamento, consideramos indignos).
Conclusão. Jesus devolve a dignidade do ser humano. Jesus, a fonte
da água viva, já nos devolveu a dignidade. Não somos dignos porque
fazemos ou deixamos de fazer algo. Pelas nossas ações, todos somos
indignos, pois nossas ações já têm a marca do pecado. Jesus lava esta
marca, devolvendo-nos a dignidade por meio do beber da água da vida.
Assim ele fez com a mulher samaritana, uma mulher “visivelmente” in-
digna. Assim ele fez e faz conosco, sendo nós “visivelmente” ou “invisi-
velmente” indignos.

Fábio André Neumann


São Diogo, Pedras Altas/RS
fabioandredeco@yahoo.com.br

130
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA
03 de abril de 2011

Salmo 142; Isaías 42.14-21; Efésios 5.8-14; João 9.1-41 ou


João 9.1-7, 13-17, 34-39 [João 9]

1 CENÁRIO HISTÓRICO

Jesus está em Jerusalém. Ele vive os últimos dias antes de sua morte
na cruz. Sua atividade ministerial é intensa. Jesus gasta suas horas en-
sinando e pregando para o povo. Igualmente intensa se torna a oposição
ao seu ensino. As relações com os líderes judeus estão cada vez mais
tensas. O capítulo 8 tem seu ápice quando os líderes judeus pegam em
pedras para apedrejá-lo (v.59). Cada vez fica mais claro que o ensino e
as atitudes de Jesus fogem do padrão. Para a maioria dos líderes, suas
ideias são subversivas. Desestabilizam a ordem. Tiram as coisas dos trilhos.
Demonstram outra prioridade. Há pouco, por causa de suas palavras, uma
mulher que segundo a lei deveria ser morta por apedrejamento (8.1-11)
saiu ilesa. Em tenso discurso com líderes judeus Jesus afirmou ser Deus
(8.58). Na ótica farisaica, Jesus está se tornando uma poderosa ameaça.
Deve ser contido. Não muito tempo depois o sumo sacerdote Caifás profe-
tiza: “É melhor que morra um só homem do que a nação inteira” (11.50).
E daquele dia em diante decidem matá-lo (11.53).

2 CENÁRIO LITÚRGICO

Neste período, estamos relembrando nos cultos a grande demonstra-


ção do amor de Deus, em Cristo, que em meio ao sofrimento e rejeição
caminha para a sua paixão e morte, na Semana Santa. Vale destacar que
mesmo neste caminho de dor e oposição Jesus jamais deixa de demonstrar
compaixão e graça. Enquanto a humanidade, representada pelos líderes
judeus e algozes romanos, lhe inflige crescentes tribulações, Cristo está
ativo, agindo, ensinando, com fidelidade e amor. A noite chegará. Mas
enquanto é dia nada pode parar sua ação (9.4). Cristo cumpre em si
mesmo a missão da Igreja que, em meio à caminhada sob a cruz, ama e
vela pelos necessitados, trazendo-os para Deus.

3 ANÁLISE DO TEXTO

V. 1: O homem era cego de nascença. A esta sorte acrescentava-se


o fato de ser esmoleiro, estigmatizado pela sociedade (o v.34 demonstra

131
IGREJA LUTERANA

a opinião corrente a respeito dele) e de nunca ter ouvido falar sobre um


cego de nascença que ficasse curado (v.32). Não lhe restava qualquer
esperança. Era um “desgraçado” no sentido mais fiel da palavra.
Vv. 2,3: Diante de uma vida “desgraçada”, a opinião geral era a de
que havia um pecado específico envolvido. De certa forma, esta opinião
tentava “proteger” Deus de ser declarado injusto. Por outro lado, exaltava
as pessoas que viviam prosperamente como se não tivessem pecado. É
uma teologia da prosperidade.
Para Jesus, a questão não é “quem pecou”. Todos pecaram. E os so-
frimentos estão aí, consequência do pecado. Deus, porém, pode usar o
sofrimento para demonstrar a sua disposição em salvar. A glória de Deus
está em perdoar o pecado e salvar o pecador. Em meio ao sofrimento, Deus
é glorificado. (Igualmente na cruz) Jesus assume o sofrimento do cego.
Este é curado. Jesus, no entanto, vê crescer a oposição e a perseguição
que o levaria à cruz (ver Is 53.4).
V. 4: “Dia e noite” é uma expressão simbólica que parece sugerir a
estada de Jesus no mundo e o concluir de sua missão. A noite se aproxi-
mava pela crescente oposição dos líderes judeus.
V. 5: Este versículo evidencia uma clara conexão com o capítulo 8
(ver 8.12). “Jesus é a luz do mundo.” Ele traz luz à Verdade. Fora dele,
só há tentativa e cegueira (ver Atos 17.27: sem a Luz, o mundo busca
Deus “tateando”).
Vv. 6, 7: O cego não tinha nenhuma outra esperança a não ser crer
em alguém que sequer podia ver.
V. 14: Os interrogatórios e debates tinham um motivo: “...era sábado”.
Nitidamente, a oposição a Jesus era fundamentada em nome da guarda
da lei. O fato de Jesus ter feito lodo e ter mandado o homem lavar-se
em dia de sábado agravou ainda mais a situação. Para os líderes judeus,
Jesus não estava disposto a guardar a lei como deveria e, pior, desafiava
publicamente a sua autoridade.
V. 25: O cego dava seu testemunho baseado em sua experiência pes-
soal. Para os fariseus era difícil concordar que um homem que violava o
sábado não fosse pecador.
V. 28: Ao afirmar serem discípulos de Moisés, os líderes demonstravam
o grande abismo entre a ação de Jesus, baseada no amor e na misericór-
dia, e o judaísmo farisaico, baseado em um fabricado legalismo “mosaico”.
Para os líderes judeus, nenhuma experiência pessoal, por notável que
fosse, seria de algum valor, se de algum modo contrariasse seu legalismo
(deve-se enfatizar que a ação de Jesus de modo algum contrariava a Lei
de Deus, tão-somente a interpretação errônea e as ordenanças incluídas
pela tradição)
Vv. 16-34: Tanto entre os fariseus quanto entre os vizinhos havia de-

132
QUARTO DOMINGO NA QUARESMA

bates entre grupos mais legalistas e aqueles que estavam impressionados


com os sinais que Jesus fazia. Muitos não podiam admitir que Jesus fosse
um pecador por causa dos seus sinais. Estes inevitavelmente questiona-
riam a interpretação farisaica da Lei.
Enquanto os líderes judeus cada vez mais se endureciam na incredulida-
de, há indicações de que o cego estava progredindo em sua compreensão
a respeito de Jesus: primeiro o chama de “homem chamado Jesus” (v.11)
depois de “profeta” (v.17) e por fim se ajoelha diante do Cristo (v.38).
V. 38: Expulso da sinagoga, o cego foi acolhido por Jesus. O clímax do
texto acontece em na confissão de fé: “Creio, Senhor.”
Vv. 39-41: Uma frase de Jesus resume o capítulo 9: “Eu vim para que
o cegos vejam e os que veem fiquem cegos”. No Reino de Deus entrarão
aqueles que sem esperança em si mesmos reconhecem sua desgraça
(efeito da lei), porém são tocados pela graça (efeito do Evangelho), tendo
sua visão clarificada pela Luz do mundo. Humilhados serão aqueles que
cheios de convicções e certezas rejeitam a graça e o amor de Deus.

4 PROPOSTA HOMILÉTICA

Moléstia: Tendência humana e pecaminosa de criar e eleger algumas


leis e basear a fé em méritos humanos, fazendo com que estas leis sirvam
de pretexto para julgar e excluir outros. Perigo presente mesmo na vida
dos cristãos.
Meio: Jesus, a Luz do mundo que nos revela a compaixão e a glória
de Deus que está em perdoar, por graça, a todo pecador.
Objetivo: Levar o ouvinte a reconhecer a ação de Cristo que vai ao
encontro do necessitado pecador levando cura e perdão, mesmo que
isto lhe custe oposição. Reconhecer que esta ação graciosa nos ensina a
maneira de Deus agir e nos desautoriza a julgar e excluir o próximo por
causa de leis e tradições humanas.
Tema: A Luz do mundo brilha para que vejamos a graça!
Esboço:
A Luz do mundo que brilha para...
I – Trazer graça aos “desgraçados”
O pecado é um problema de todos, igualmente (Rm 3.23).
Deus, em Cristo, foi ao encontro do pecador
Acolheu àquele que não tinha esperança
Restaurou a ele a visão de sua real condição e da grandeza do
amor de Deus.

133
IGREJA LUTERANA

II – Suportar a oposição
Daqueles que persistem na incredulidade
Daqueles que se julgam superiores por guardar preceitos e leis
Daqueles que não suportam ver o amor de Deus ir ao encontro
de todos, mesmo dos que não o merecem.
Para ser glorificado do alto da cruz.
III – Ser proclamada
Por aqueles que experimentaram a graça
Diante daqueles que a ela desprezam
Em direção aos que dela necessitam.

5 BIBLIOGRAFIA

Concordia Self-Study Bible

Fernando E. Garske
Pastor no Colégio Luterano Concórdia
São Leopoldo/RS
pastorfernando@gmail.com

134
QUINTO DOMINGO DE QUARESMA
10 de abril de 2011

Salmo 130; Ezequiel 37.1-14; Romanos 8.1-11; João 11.1-45 (46-53)


ou João 11.17-27, 38-53

Lázaro já estava morto há quatro dias no sepulcro (11.39). Lázaro no


sepulcro aponta para os seres humanos que estão mortos e putrefatos
dentro de si mesmos. Quantos hoje não são “mortos vivos”, mortos e
putrefatos dentro de si mesmos? O ser humano do século XXI perdeu
o sentido, sua vida, seu meio. O projeto da modernidade centrada no
binômio ser humano/razão instrumental e a posterior desfragmentação
desse projeto iluminista com as duas grandes guerras mundiais do sé-
culo XX geraram um tremendo mal-estar em nossa civilização ocidental.
A sociedade ocidental do século XXI já não vê mais um projeto (do latim
projicere = que se lança para diante) que dê sentido às vidas humanas.
Estamos todos imersos num mar de microteorias explicativas e de supe-
respecialização (por exemplo, o médico que conhece tudo de um órgão
ou parte do corpo). Diante disso, muitos já não conseguem mais ver e
experimentar Aquele que é Pai de todos, é sobre todos e age por meio
de todos (Ef 4.6).
Os “mortos vivos” de nosso tempo são o resultado de uma civilização
que tem sistematicamente negado a dimensão da espiritualidade, do sagra-
do. Ora, o que é mais ancestral no ser humano: a razão ou a afetividade?
Muito antes das ciências reconhecerem a precedência da afetividade, a
Bíblia já falava da dimensão do coração, da sabedoria como sendo algo
bem anterior à razão. Especificamente, a tradição proverbial na Escritura
coloca a afetividade como temor ao Senhor: “O temor de Iahweh é o
princípio do conhecimento” (Pv 1.8). Somos mais do que razão. A razão
é posterior à afetividade. Não que a razão não seja importante. Sem o
uso da razão o homem não teria descoberto doenças, não teria encurtado
os caminhos entre os povos. Mas quando numa civilização como a nossa,
que por vários séculos deu prioridade à razão, endeusando-a e negando
o que de mais ancestral temos, a afetividade/cuidado/fé, então, quais
frutos tal civilização colherá? Os “frutos” já aparecem claramente entre
nós: depressão, ansiedade, insatisfação, consumismo e preocupação ex-
cessiva com a aparência.
O ser humano visto somente em termos racionais é reduzido a uma
coisa, um objeto, uma máquina. O ser humano visto somente em termos
do que produz não passa de uma coisa entre outras coisas. O ser humano

135
IGREJA LUTERANA

julgado pelo seu lugar na sociedade (status) não passa de mera sombra;
não é a verdadeira pessoa; não é mais o humano (de humus, terra). Sua
humanidade lhe é negada. Quando tais práticas são instituídas, o vazio
existencial vem nos cobrir com sua sombra.
Somente Deus pode preencher o vazio existencial. Como diz o salmista:
“Felizes os homens cuja força está em ti” (Sl 84.6). Em tom de promessa
continua: “Descarrega teu fardo em Iahweh e ele cuidará de ti” (Sl 55.23).
Como disse Agostinho nas Confissões: “Senhor, criaste-nos para Ti e o
nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Ti”. A saudade de
Deus fisga o coração do homem. É como um espinho cravado em sua
carne. Riobaldo, personagem do livro Grande Sertão: Veredas, de Guima-
rães Rosa, sem dúvida, um dos maiores clássicos da nossa literatura, diz:
“Como não ter Deus? Com Deus existindo, tudo dá esperança, o mundo
se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e
a vida é burra”. Nosso tempo é de putrefação, de saudade, nostalgia de
Deus, mas a fisgada ainda está lá. Ou seja, há esperança, pois os “Láza-
ros” de nosso tempo ainda sentem a fisgada da saudade de Deus. Por
isso, o cristão nunca desiste de testemunhar, falar de Cristo, viver Cristo
porque seu testemunho está fundado sobre a esperança que não falha.
Apesar da frieza espiritual, sempre haverá espaço para a proclamação da
Palavra do Senhor que liberta os cativos, como libertou Lázaro do túmulo.
Há esperança porque a fisgada da saudade está marcada na carne e na
alma de todo ser humano.
Quando o espírito de Deus atua, então tudo se faz vivo. Quando a voz
de Jesus irrompe sepulcro adentro, então nem mesmo a pedra sobre-
posta que fecha o sepulcro (11.38) pode deter o grito (11.43) de Jesus.
O texto fala que o morto sai (11.44), ou seja, a pedra é removida pelo
poder de Jesus. Lázaro sai com as mãos e pés enfaixados e com o rosto
recoberto com um sudário (11.44). Então Jesus diz: “Desata-o e deixa-o
ir embora” (11.44).
O texto diz que uma pedra sobreposta fecha o sepulcro. A pedra fecha
a entrada. Somos a geração da informação. No seu livro O Universo numa
casca de noz, o físico teórico Stephen Hawking, sem dúvida um gênio
da ciência do nosso tempo, chama atenção do leitor para o crescimento
exponencial do conhecimento. Contudo, fica a pergunta: Tanta informa-
ção resolve a angústia humana? Pessoalmente creio que não. Existe uma
grande diferença entre informação e sabedoria. Ter informação não significa
necessariamente viver sabiamente. A Bíblia diz que o temor do Senhor é
o princípio do saber (Pv 1.8). E a mesma Bíblia alerta para o excesso de
conhecimento: “muito estudo cansa o corpo” (Ec 12.12). Hoje, o excesso
de informação é a pedra que fecha o sepulcro e não permite a entrada das

136
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA

coisas boas do reino: amor, alegria, paz, bondade, benignidade, longanimi-


dade, mansidão, autodomínio e fidelidade (Gl 5). O excesso de informação
não nos tem permitido digerir o que recebemos pela via dos sentidos. E
sem esse processo de digestão, apenas “engolimos” o que nos dizem,
sem reflexão. Está armado o circo para a confusão generalizada de nosso
tempo. Talvez o exemplo mais evidente sobre a relação entre informação
e sabedoria seja o caso dos jovens que atearam fogo num índio pataxó
em Brasília. Tais jovens passaram com boas notas numa universidade de
renome nacional. Detinham muita informação, mas faltava-lhes sabedoria
e com ela o cuidado e o respeito à dignidade do outro. A informação em si
não gera coisas boas em nós. Sozinha, a informação torna o ser humano
manco, ou talvez cego. O excesso de informação fecha a entrada para que
a voz do Senhor liberte os “Lázaros” de nosso tempo.
O texto também diz que Lázaro tinha dificuldades para se locomover
quando saiu do túmulo porque os panos não permitiam que ele andasse
livremente. As ataduras (keiriai) e o lenço (soudarion) são símbolos da-
quilo que nos atrapalha na caminhada com Jesus (ataduras); são escamas
que não nos permitem ver o Senhor claramente (lenço). O texto diz que
o Senhor mandou que o desatassem e o deixassem ir. Que rica imagem
para a nossa libertação espiritual em Cristo. Afinal, quem está em Cristo já
não manca e são-lhe tiradas as escamas que cobrem os olhos. Em Cristo
andamos livremente e vemos em pleno dia. Como diz o apóstolo Paulo:
“É para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto,
e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão” (Gálatas 1.1).
A igreja (aqueles que creem em Cristo) é o espaço onde Jesus cura, li-
berta e restaura. Em muitos casos também os cristãos não precisam se
libertar das mortalhas do legalismo? Em muitos casos não precisa a igreja
se libertar de seu tecnicismo acadêmico e do tradicionalismo que afasta
pessoas? A voz de Cristo (a sua Palavra) lida e meditada em comunidade
tem o poder de nos livrar das “ataduras” que nos prendem ao que não é
essencial na caminhada com Deus.
Por fim, podemos testemunhar com um sábio cristão de nosso tempo:
“O ‘sabor’ que a minha fé emana combina comigo. É o sabor da misericór-
dia e do amor, da amplitude e da liberdade, do proceder cuidadosamente
e do afeto. E, antes de mais nada, é o sabor da graça. Não sou obrigado
a fazer tudo sozinho. Deus se curvou para vir até mim. Ele veio ao meu
encontro em Jesus Cristo e nele me tocou, com amor, e me falou. E Deus
continua a me falar através dele... Esse sabor de Jesus me acompanha
por todas as estações de minha jornada. E me acompanhará também em
minha morte. Espero que, então, Jesus ressuscitado venha ao meu en-
contro e me dirija a palavra de conforto que, na cruz, dedicou ao malfeitor

137
IGREJA LUTERANA

à sua direita: ‘Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no paraíso’


(Lc 23.43). E eu estou confiante de que, nisso, ele me chama pelo meu
nome e que eu, então, entenda que: ‘Mais forte que a morte é o amor’”
(Anselm Grün).

Gelson Neri Bourckhardt


nerigelson@yahoo.com.br

138
DOMINGO DE RAMOS –
DOMINGO DA PAIXÃO
17 de abril de 2011

Salmo 118.19-29; Isaías 50.4-9a; Filipenses 2.5-11; Mateus 26.1-


27.66 ou Mateus 27.11-66 [ou Mateus 21.1-11] ou João 12.20-43

1 CONTEXTO

Os acontecimentos narrados nos dois capítulos que constituem a leitura


do Evangelho do Domingo de Ramos ocorreram na semana que sucedeu
a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. É a reação dos líderes religio-
sos da época à ousada atitude de Jesus de entrar em Jerusalém, fazer a
purificação do templo, questionar a espiritualidade dos líderes religiosos,
profetizar a destruição do templo da cidade e falar do Juízo Final, entre
outros.

2 TEXTO

Como é um texto longo, 141 versículos, não é possível analisar todo


ele neste espaço. Por isso vamos nos ater aos aspectos que se destacam
em toda a perícope. Sendo assim, vejamos primeiramente as demais
leituras do Domingo.

3 LEITURAS DO DIA

Salmo (118.19-29)
O salmista mostra seu ardente desejo de adentrar as portas do Templo
para louvar o Senhor. E o motivo do louvor é que a pedra (Cristo) que os
construtores rejeitaram e que veio a ser a mais importante de todas (v.
22) é a própria porta que dá acesso à presença gloriosa e graciosa.

Antigo Testamento (Is 50.4-9a)


Destaca a entrega espontânea de Cristo em favor da humanidade. Ele
ofereceu as costas aos que lhe batiam, o rosto aos que lhe arrancavam a
barba e lhe cuspiam; não se escondeu quando o xingavam. Ele fez tudo
isto sem sentir-se envergonhado porque confiava no cuidado de seu Pai.

Epístola (Fp 2.5-11)


Mostra como Cristo nos abriu a porta para o reino de Deus: abrindo

139
IGREJA LUTERANA

mão de tudo o que era seu, tornando-se servo obediente até a morte de
cruz, embora tivesse a natureza de Deus. Por isso Deus lhe deu toda a
honra e pôs nele o nome que está acima de todos os nomes, a quem
todos devem se prostrar e adorar.

Evangelho
O que fica muito claro nas três leituras acima citadas é a entrega es-
pontânea de Jesus em favor da humanidade. Ele poderia ter se defendido
dos seus acusadores, dos seus agressores, mas ele não usou seu poder
para isso, abriu mão de tudo e ofereceu-se para ser sacrificado. E por
causa deste sacrifício ele se tornou a porta que dá acesso à vida eterna
com Deus. Sendo assim, vamos destacar do texto do Evangelho apenas
os aspectos diretamente relacionados a esta entrega de Cristo.
26.v.2: Jesus lembra os seus discípulos que em dois dias ele seria
entregue para ser crucificado. Faltavam dois dias e ele ainda estava solto.
Livre. Poderia fugir, mas não o fez porque estava decidido a entregar-se
para ser sacrificado.
26.v.11: Ao referir-se aos pobres, Jesus diz que os discípulos os teriam
para sempre, mas a ele não o teriam por muito tempo. Ao dizer que ficaria
por pouco tempo com os seus discípulos reafirmava sua disposição para
morrer em favor da humanidade.
26.v.18: Questionado pelos discípulos sobre o local onde comemorariam
a Páscoa, ele os manda procurar um certo homem ao qual eles deveria
dizer: “O Mestre manda dizer: A minha hora chegou...” Jesus sabia que
esta era a sua última Páscoa com os seus discípulos. Mesmo assim, en-
tretanto, dirige-se a Jerusalém.
26.v.21: “... um de vocês vai me trair”. Essa afirmação de Jesus
mostra que ele sabia detalhadamente o que aconteceria com ele nas
próximas horas. Entre outras coisas, seria traído por um dos seus discí-
pulos. E ele, conscientemente, prossegue na sua missão de morrer pela
humanidade.
26.v.24: “Pois o Filho do Homem vai morrer da maneira como dizem
as Escrituras Sagradas”. Aqui Jesus mostra que o Plano da Salvação seria
cumprido integralmente por ele.
26.vv.26-30: Durante a instituição da Ceia, Jesus se refere pelo menos
três vezes ao seu sacrifício iminente: ao oferecer o pão aos discípulos
dizendo “isto é o meu corpo”; ao oferecer o vinho dizendo “isto é o meu
sangue, que é derramado em favor de vós...”; e ao dizer “Eu afirmo a vocês
que nunca mais beberei deste vinho...”. Todas estas afirmações apontam
para seu sacrifício, para sua morte.
26.v.31: Jesus alerta seus discípulos de que eles seriam covardes e
o deixariam só no momento mais difícil. Cita as Escrituras: “Matarei o

140
DOMINGO DE RAMOS – DOMINGO DA PAIXÃO

pastor, e as ovelhas serão espalhadas”. O pastor que ira ser morto era ele
próprio. Jesus sabia disto e estava disposto a isto.
26.v.34: “Mas Jesus lhe disse: Eu afirmo a você que isto é verdade:
nesta noite, antes que o galo cante, você dirá três vezes que não me co-
nhece”. Jesus sabia que seria negado pelo líder de seus discípulos. Estava
claro para ele que enfrentaria o Calvário absolutamente sozinho.
26.vv.39,42,44: “Meu Pai, se possível, afasta de mim este cálice de
sofrimento! Porém não seja feito o que eu quero, mas o que tu queres”.
Jesus sabia que o sofrimento que lhe aguardava era muito grande, mas
ele estava disposto a fazer a vontade do Pai. E a vontade do Pai era punir
o Filho para redimir a humanidade pecadora.
26.v.45: “Olhem! Chegou a hora, o Filho do Homem está sendo entre-
gue nas mãos dos maus”. Ser entregue nas mãos dos maus é sinônimo de
sofrimento, de julgamento sem direito de defesa. Era o que Jesus estava
disposto a suportar em nosso favor.
26.v.50: “Amigo, o que você vai fazer agora”. São as palavras ditas por
Jesus a Judas quando recebeu o beijo da traição. Jesus chama de amigo
aquele que o está traindo. O Mestre tem um olhar de compaixão por Judas
e por todos aqueles que o estão maltratando.
26.vv.52,53,54: “Guarda a espada ... você não sabe que, se eu pedisse
ajuda ao meu Pai, ele mandaria agora mesmo doze exércitos de anjos?
Mas, nesse caso, como poderia cumprir aquilo que as Escrituras dizem que
é preciso acontecer?” Jesus dispensou a ajuda de quem o quis defender.
Tinha consciência plena de que o sacrifício era necessário. Sem ele não
haveria salvação para a humanidade.
26.v.63: “Mas Jesus ficou calado”. Ele não abriu a boca para se defender,
embora fosse totalmente inocente. Todavia, sabemos que Jesus estava
ali substituindo a humanidade pecadora, e ele sabia disso, e neste caso
ele já não era inocente, pois estavam sobre os seus ombros os pecados
de toda a humanidade.
27.v.14: “Porém Jesus não disse nada, e o Governador ficou muito
admirado com isso”. Outra vez Jesus não se defende, desta vez perante
Pilatos.
27.v.46: “Eli, Eli, lemá sabactani?”. Jesus estava só, desamparado até
mesmo pelo próprio Pai. Sofria na cruz o que todos nós deveríamos sofrer
no inferno. Certamente a dor do desamparo era infinitamente superior à
dos ferimentos causados pelos açoites e pelos pregos.

141
IGREJA LUTERANA

4 PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: O Rei que espontaneamente se entrega pelos seus sú-


ditos

Introdução: Conta-se que um rei baixou um decreto em seu reino


condenando à morte qualquer pessoa que cometesse algum furto ou
roubo. Na opinião do rei, a não existência de furtos e roubos garantiria a
felicidade de todos os seus súditos. Por longo tempo não houve nenhuma
reclamação de roubos e furtos em todo reino. Certo dia, porém, alguém
se queixou que alguns objetos haviam desaparecido. O rei ordenou uma
ampla investigação e, para sua surpresa, os investigadores concluíram
que a mãe do rei era a responsável pelo furto. O rei ficou muito triste,
pois amava muito sua mãe. Por outro lado, não pode voltar atrás na sua
palavra, ela deveria ser cumprida na íntegra. Diante disso, o rei reuniu
seus súditos e lhes disse: “Eu decretei que quem praticasse algum furto ou
roubo seria punido com a morte; minha mãe desobedeceu minha ordem
e deve morrer, pois minha palavra precisa ser cumprida. Mas, como eu
amo minha mãe e não quero que ela morra, ofereço-me para ser morto
em seu lugar. Assim a minha palavra se cumprirá e minha mãe poderá
continuar viva”. No texto do Evangelho deste Domingo, temos o relato de
um Rei que espontaneamente se entrega pelos seus súditos.

1. Para cumprir as Escrituras (26.24,54)


2. Para substituir a todos os pecadores no desamparo e na morte
(27.46)
3. Para tornar-se a única porta que dá acesso à vida eterna (Sl
118.20,22; Jo 10.7-9)

Geraldo Walmir Schüler


Porto Alegre/RS
geraldo@ielb.org.br

142
QUINTA-FEIRA SANTA
21 de abril de 2011

Salmo 116.12-19; Êxodo 24.3-11; Hebreus 9.11-22; Mateus 26.17-30

1 CONTEXTO

O cenário litúrgico e histórico de Mt 26.17-30

1. Festa dos Pães Asmos (Festa dos Pães sem Fermento). Havia
sete dias durante os quais os judeus não podiam comer pão levedado,
desde o dia 14 até 21 do mês Nisã (equivalente aos nossos meses de
março e abril). Isso em comemoração à súbita partida da terra do Egito,
o que não lhes deu tempo para levedar a massa que levariam consigo.
Todo o fermento, portanto, era removido das casas, em busca cuidadosa,
e queimado ou eliminado de outra maneira. Estritamente, a Páscoa e a
Festa dos Pães Asmos – hCm – matzá (Ázimos – Dicionário Aurélio) eram
duas instituições separadas, embora intimamente vinculadas, visto que
as celebrações tinham lugar ao mesmo tempo.

2. Prepararam a Páscoa – um cordeiro foi preparado; pães, ervas


amargas e vinho. Ingredientes da festa da libertação do Egito. O cordeiro
teria de ser morto por um representante oficial dos sacerdotes nos átrios
do templo. Como se fosse uma família, Jesus e os discípulos se reuniram
ao pôr do sol. De acordo com a lei judaica, o número mínimo para tal ce-
lebração era de dez pessoas, portanto eles perfaziam um número legal.

3. O meu tempo está próximo – Jesus agrega uma profecia a res-


peito de sua morte, que ocorreria dentro de pouco tempo; essa é uma
observação que figura somente no evangelho de Mateus. Alguns creem
que o tempo mencionado é da celebração da Páscoa, ou então o tempo da
revelação messiânica. Porém, pelo texto, parece claro que Jesus expunha
apenas mais um aviso sobre o seu fim próximo.

2 ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

Destaca-se, neste pedido, o zelo de Jesus pela questão histórica. Ele


faz uma conexão íntima entre a libertação do povo de Israel e a libertação
que está por oferecer ao mundo; somente é beneficiado quem nele crê.
Este jantar, ceia, é o “divisor de águas”. É o antes e depois que acontece

143
IGREJA LUTERANA

durante a Ceia pascal naquela quinta-feira. O que estava velado por um


milênio e meio vem à luz. Cristo é o cordeiro de Deus que liberta da escra-
vidão satânica e morte eterna. Faz-nos seus servos, escravos e, portanto,
co-herdeiros com Cristo da Vida Eterna. É a xs;P,î do Senhor que supera
e extingue a antiga comemoração. Faz com que o povo de Deus, o novo
Israel, conectado a Deus pela fé, tenha um olhar não para o passado
apenas, mas um tríplice olhar: passado, presente e futuro. “Tríplice olhar”
na Santa Ceia: A. lembra-se a morte do Senhor até que venha (1Coríntios
11.26); B. participa-se do corpo e sangue de Cristo, recebendo-o em, com
e sob o pão e o vinho. “O pão e o vinho, na verdade, de modo natural
(manducatio naturalis), contudo o corpo e sangue, de modo sobrenatural,
incompreensível” (veja mais detalhes na Dogmática Cristã de MUELLER).
Recebemo-lo para a remissão dos nossos pecados; C. aspira-se, pela fé, a
uma ceia ainda maior com Cristo no céu, lá onde todas as barreiras terão
caído (Mateus 26.29).
Uma das expressões que se destacam, “isto é meu corpo”, “isto é o
meu sangue” gerou muita confusão em meio aos não convertidos. Em
João 6.52: “Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode
este dar-nos a comer a sua própria carne?” A interpretação dos judeus
em Cafarnaum deu origem à expressão “comer cafarnaítico/capernaítico”.
Os sacramentários afirmavam que a doutrina luterana da presença real
implicava um comer grosseiro do corpo de Cristo. Alguns chegavam a
falar em canibalismo.
O verbo ser, em “isto é” - tou/to, evstin é o grande ponto de controvér-
sia na teologia quanto à Santa Ceia. Formula-se, no seio da igreja cristã,
quatro interpretações no que se refere ao Sacramento do Altar: a. Tran-
substanciação; b. Simbolismo; c. Consubstanciação, doutrina rejeitada
pelos luteranos; d. Presença real, união sacramental.
Bible online - PÁSCOA = Festa em que os israelitas comemoram a
libertação dos seus antepassados da escravidão no Egito (Êx 12.1-20).
Cai no dia 14 de NISÃ (mais ou menos 1 de abril). Em hebraico o nome
dessa festa é Pessach. A FESTA DOS PÃES ASMOS era um prolongamento
da Páscoa (Dt 16.1-8).
Bible Works: Pa,sca (palavra Aramaica sem declinação) significando:
1. o sacrifício Pascal (que costumeiramente era oferecido pela libertação
do povo de Israel do Egito). 2. o Cordeiro pascal, ou seja, o Cordeiro que
os israelitas estavam acostumados a matar e comer no décimo quarto
dia do mês de Nisã (o primeiro mês do ano) em memória do dia em que
seus pais preparavam-se para sair do Egito; foi ordenado por Deus que
matassem e comessem um cordeiro, e pintassem o portal de suas casas
com seu sangue, e que o anjo destruidor, vendo o sangue, passaria por
cima de suas residências; Cristo crucificado é comparado ao Cordeiro

144
QUINTO DOMINGO NA QUARESMA

pascal morto. 3. a festa Pascal, a festa de Pessach, estendia-se desde o


dia 14 ao dia 20 do mês de Nisã.

3 PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

1. Textos paralelos a Mateus


26.17-19: Mc 14.12-16; Lc 22.7-13;
26.20-25: Mc 14.17-21; Lc 22.21-23; Jo 13.21-30;
26.26-30: Mc 14.22-26; Lc 22.14-20; 1Co 11.23-25.
2. Pontes, pontos de contato – Jesus, inserido na cultura e história
Israel, não menosprezou a importância do passado, mas apresentou um
tempo presente e futuro ainda com maior relevância. Sermos suas teste-
munhas de toda a obra da Salvação e herdeiros da Glória eterna. Não só
da salvação, mas, também, de criação e santificação. A ação completa de
Deus, a Trindade na Unidade. Seu ministério inicia com esta manifestação
e culmina com a sua entrega voluntária (João 10.18).

4 SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA,


DESDOBRAMENTOS)

Nota: poder-se-ia ilustrar com um partilhar do pão ázimo entre os


presentes ao culto, ou até mesmo preparar uma ceia com cordeiro assado,
pão ázimo, ervas amargas (chicória, agrião, cebolas, rúcula, espinafre,
etc) e um bom vinho tinto leve. Após a ceia celebrar a Santa Ceia.

Tema: Cristo, o Cordeiro da Nova Aliança (Hb 9.1,6,7,11,12).


“o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29)

I Ensinamento do Novo Testamento


Depois da ressurreição e ascensão de Cristo, ele não foi mais conhecido
pelos apóstolos “segundo a carne”.
Veja os seguintes textos:
1. “... mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos,
…” (Hb 10.19).
2. “... o sangue de Cristo...purificará a nossa consciência …, para
servirmos ao Deus vivo!” (Hb 9.14).
3. “Tendo intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue
de Jesus...” (Hb 10.19).
4. “Mas tendes chegado... a Jesus, o Mediador da nova aliança,
…” (Hb 12.22, 24).
5. “…para santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora
da porta” (Hb 13.12).

145
IGREJA LUTERANA

6. “Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a


Jesus, nosso Senhor... pelo sangue da eterna aliança...” (Hb
13.20).
II. O Sangue da Nova Aliança
“sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, … mas pelo pre-
cioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de
Cristo” (1Pe 1.18,19).
III. Justificados e Redimidos pelo Sangue de Cristo
1. Romanos 5.9: “… justificados por seu sangue…”
2. Efésios 1.7: “…pelo sangue de Jesus Cristo que temos a re-
denção …” As Escrituras usam os termos “redimir”, “resgatar”
e “justificar” para descrever o que Jesus fez por nós quando
morreu.
3. Marcos 10.45: ele veio “para dar sua vida em redenção por
muitos”.
IV. Santificação pelo Sangue
1. 2 Coríntios 5.17: “…se alguém está em Cristo, é nova criatu-
ra…”
2. 2 Pedro 1.4: “…por elas vos torneis co-participantes da natu-
reza divina…”
V. Jesus Cristo Sacerdote: Vítima e Altar
Hebreus 9.11-14: Assim como os sumos sacerdotes entravam no Santo
dos Santos no Templo para fazer a expiação pelo povo, Jesus entrou no
Santo Lugar dos céus. E ele não levou o sangue dos animais sacrificados,
“mas o seu próprio sangue”, o qual carrega a eterna, sem defeitos e
perfeita vida de Deus.
Conclusão: Jesus, “… purificará (purifica) a nossa consciência de obras
mortas, para servirmos ao Deus vivo!” (Hebreus 11.14). “Quem comer a
minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei
no último dia.” (João 6.54).

Günter Martinho Pfluck


Passo Fundo/RS
revgunter@yahoo.ca

146
SEXTA-FEIRA SANTA
22 de abril de 2011

Salmo 22 ou Salmo 31; Isaías 52.13-53.12; Hebreus 4.14-16; 5.7-9;


João 18.1-19.42 ou João 19.17-30

1 LEITURAS DO DIA

Salmo 22 – aponta para o sofrimento e vitória do Messias. As palavras


iniciais do Salmo: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” são
as mesmas que Jesus proclama na cruz conforme o relato de Mateus, frase
não mencionada por João, cujo propósito com seus leitores é diferente.
Seu foco é outro.

Isaías 53.2b-8 – o homem de dores e sofrimento experimenta em


nosso lugar (feliz troca, conforme Lutero) a rejeição, o desprezo, o debo-
che. Aparentemente abandonado, padece por causa dos nossos pecados.
Maltratado, ficou calado como um cordeiro e foi levado para ser morto.
Esse sacrifício expiatório é a nossa garantia de paz, pois através dele
nossa dívida está paga.

Hebreus 4.14-16 – nosso Mediador compreende nossa situação,


pois foi tentado do mesmo modo que nós, mas não pecou. Por meio dEle
chegamos ao favor de Deus, ou melhor, sua graça salvadora. Nele a ajuda
está sempre disponível.

Jo 19.17-30 – Texto – Tema: Está consumado!

2 CONTEXTO – HOJE E ONTEM

Pregar na sexta-feira é, com certeza, um desafio todo especial. Pre-


cisa ser pregado o evangelho, isto é, focalizar Cristo. Com esse desejo,
queremos olhar para o texto bíblico.
Há uma perda da memória de datas e eventos significativos para a
igreja nos dias de hoje! Semana Santa virou feriadão e, por consequência,
não há muita reflexão sobre o significado da data.
Por outro lado, vida e morte são banalizadas nos mais diferentes ce-
nários. Ex.: joguinhos eletrônicos e a quantidade de notícias trágicas e
fatais. É muita morte diante de nossos olhos.

147
IGREJA LUTERANA

No contexto sócio-religioso e político do cenário de então, a páscoa


judaica era a festa mais importante. Ela atraía multidões de peregrinos
judeus e não-judeus de muitos lugares e países a Jerusalém. A cena da
morte do Messias tem um “bom público”.
Palavras e atitudes de Jesus irritaram a liderança religiosa do judaísmo
que, por isso, planejava eliminar Jesus. Ele, no entanto, sabia e vivia o
“meu reino não é deste mundo”.
Aliás, a Igreja não pode esquecer essa verdade para que, em seu meio,
a disputa pelo poder não se instaure. A ânsia e luta pelo poder precisam
constantemente ser desmascaradas pela Palavra da cruz de seu Filho.
Em momento algum, portanto, Deus perdeu o controle da situação na
caminhada sofrida até a morte, mas a “aparente fraqueza” é tropeço para
muitos. É a loucura da cruz.

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO

O evangelista João tem um enfoque próprio ao relatar a morte de


Jesus. Não relata o grito de desamparo de Mateus. Quis guardar a sere-
na majestade dessa morte. Ele o apresenta como Aquele que cumpre as
Escrituras como o Enviado de Deus. Os planos humanos estão a serviço
do PLANO DIVINO – a reconciliação universal.
Jesus está sozinho nessa caminhada de sofrimento. Levaram-no para
fora da cidade. Ele próprio tem que carregar a cruz da execução. É con-
denado e expulso do meio social. Está só, mas não estava só. “Eu e o Pai
somos um.” Mistério.
Ao ser crucificado entre criminosos, fica evidente que sua pessoa e
obra não foram compreendidas. Foi igualado a marginais, quando era de
fato “o justo por excelência”.
As palavras que o identificaram na cruz foram escritas em três línguas,
apontando para a universalidade desse acontecimento salvífico.
Com certeza houve perguntas a respeito desse letreiro sobre a cruz.
“Que rei é esse?” Muitos visitantes que naqueles dias vieram a Jerusalém
estavam confusos. “É um agitador político esse Jesus?”
Pilatos, apesar de tudo, ficou impressionado com a convicção com a
qual Jesus encarou a morte, mas encerra o processo lavando as mãos.
Junto à cruz estão mulheres e sua mãe, Maria. Jesus demonstra sua
ternura e cuidado com sua mãe. Em meio ao seu sofrimento enxerga o
sofrimento dos outros.
Aquele que é a fonte da água da vida, no seu estado de fraqueza, pede
água. É a humanidade e humilhação de Jesus diante de nós. E depois que
a esponja embebida em vinagre tocou sua boca, mais uma vez provou
que Ele sabia o que estava acontecendo. Disse que sua missão estava

148
SEXTA-FEIRA SANTA

cumprida em todos os aspectos. Terminou o plano. Tinha assumido a


natureza humana para assumir nossa iniquidade.
Portanto, ninguém lhe tirou a vida, mas ele a entregou consciente e
voluntariamente ao Pai. Seu grito é de vitória. Está acabado o plano de
reconciliação. Ninguém precisa completá-lo com obras meritórias. Ora,
essa verdade é profundamente libertadora. Livra-nos de fazer contas e
do desespero da culpa.

4 MEDITAÇÃO

O ponto alto dessa perícope é o “está consumado”. É a “hora”. Ao


assumir a condição humana, Jesus assume inclusive a necessidade de
morrer, mesmo não tendo pecado. (G.Brakmeier)
Convém ressaltar que só a fé pode falar em vitória numa cena como
a da sexta-feira. Só na fé o símbolo de horror e morte pode ser visto
como o mais poderoso símbolo do amor divino. Com sua vida e obra Je-
sus veio comunicar o amor de Deus para todos, e só. Nada mais. Ele é o
Evangelho em pessoa. O centro da boa notícia proclamada nas Escrituras
Sagradas.
Enfim, como já dissemos, em meio às alianças e pactos maldosos, o
Plano Divino acontece. A mentira é dita, fatos injustos se consumaram
naqueles dias, como ainda hoje a maldade humana marca a vida no mundo,
mas a vontade de Deus acontece. Apesar de!
Nesse mundo Jesus disse: Está consumado! O novo de Deus está em
ação, e isso gera fé, esperança e amor. Mas como Jesus pode dizer “está
consumado”, se o sofrimento continua sobre esta terra?
“No mundo passais por aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o
mundo”, (Jo 16.33) disse Jesus. Esperamos contra a esperança e estamos
em paz apesar das tribulações. Apesar de!
Mas dentro do plano divino há espaço para o plano humano com toda
sua miserabilidade. Chama a atenção o quanto os principais sacerdotes
estão envolvidos nessa ação repressora. Autoridades religiosas fazem
seus planos de executar o Nazareno, mas eles próprios estão a serviço
do Todo-Poderoso.
Jo 19.17-30 – Está consumado! Quando fatos consumados da minha
vida me ameaçam desorientar e tirar a paz, conheço e confio naquela
palavra libertadora de Jesus: Fiz a obra do Pai. Está terminado o PLANO
DA SALVAÇÃO.

149
IGREJA LUTERANA

5 TENTATIVA PARA PRÉDICA

O símbolo da igreja cristã é a cruz. Cruz é nosso símbolo principal, que


está no centro de nossa identidade. Ela nos lembra do sentido de nosso
“estar aí” e nos fala muito sobre como vemos as coisas, ou melhor, como
vemos a vida, a nossa vida.
A cruz como espelho nos ajuda a olhar com mais cuidado e profundidade
para dentro de nossas almas. Mostra quem somos de verdade. Ela nos
ajuda a estar livres de nossas ilusões e como estamos diante de Deus.
Amamos a vida, mas a cruz fala de morte. Buscamos a vitória, o sucesso,
mas a cruz nos fala de derrota. Procuramos paz e harmonia, mas a cruz nos
fala de conflito. Por que então ainda a cruz é o símbolo central da fé?
Talvez porque no fundo sabemos que ela fala a verdade sobre nós
mesmos, o mundo e sobre Deus e seu amor por nós.
A cruz como espelho é uma imagem depressiva, mas acurada. Mas há
outra imagem para a cruz: a janela. Ao olharmos através da cruz como
janela podemos ver Deus em ação, revelando-se e redimindo o mundo.
Jo 3.16
Cruz, portanto, é símbolo de verdade e graça. Nela aconteceu e se
cumpriu Jo 1.14: “A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós,
cheia de amor e de verdade. E nós vimos a revelação de sua natureza
divina”

6 SUGESTÃO DE ESBOÇO

No meio da morte possuímos a vida. Através da morte Deus destruiu


a morte. A morte não tem a última palavra.

Está consumado!
I - A morte de Jesus foi real – mistério como Deus pode morrer.
II – Sua morte foi voluntária
III – Sua morte foi a morte da própria morte
IV – Sua morte significa vida para nós
A. A morte agora é só sombra do que era. Perdeu sua força. Não é
mais um passo para o desconhecido (Sl 118.17). Seu terror foi
removido.
B. A morte agora é a avenida para a presença de Deus (1Co 15.54c-
57). Vivemos na esperança de um “viver e morrer bem”. As pala-
vras de Jesus na hora de Sua morte são fonte de consolo quando
eu estiver diante da minha morte.

150
SEXTA-FEIRA SANTA

7 BIBLIOGRAFIA

Augsburg Sermons Gospels Series – A. Augsburg Publishing House,


1974.
Proclamar Libertação – vários volumes. Editora Sinodal, São Leopol-
do, RS.

Gerhard Grasel
Capelão Geral da ULBRA
Canoas/RS
pastorgrasel@ulbra.br

151
RESSURREIÇÃO DO SENHOR –
DOMINGO DA PÁSCOA
24 de abril de 2011

Salmo 16; Atos 10.34-43; Colossenses 3.1-4; Mateus 28.1-10

As leituras deste grande dia festivo focalizam a Páscoa. Ninguém


compreenderá a Páscoa sem entender o que aconteceu na Sexta-feira
Santa. Ninguém entenderá a Sexta-feira Santa sem compreender a santa
justiça de Deus e a profunda corrupção do ser humano (pecado original),
e com isto sua culpa pessoal diante de Deus (eu miserável pecador, réu
da eterna condenação). Ninguém entenderá a Sexta-feira Santa sem
compreender que ali morreu Jesus, o verdadeiro unigênito Filho de Deus
(100% Deus). Ninguém entenderá a Páscoa, sem saber que ali ressuscitou
Jesus, verdadeiro homem (100% homem, nosso irmão na carne), agora
não mais em humilhação, mas exaltado, usando sempre e inteiramente
sua majestade divina comunicada à sua natureza humana. Colocado isso,
vejamos as leituras.

Salmo 16. Para a leitura do salmo, recomendamos a tradução RA. Os


títulos nos Salmos são obra humana. Um título apropriado é: Profecia de
Davi a respeito do sofrimento e da ressurreição de Jesus. – Muitos teólo-
gos dizem que Davi fala de si mesmo. O Espírito Santo diz que Cristo fala
através de Davi do seu sofrer e ressuscitar, cf.: At 2.25-31.
V.1: Guarda-me, ó Deus. É Cristo, que está morrendo, abandonado
por todos, que recorre a Deus.
V.5: O Senhor é minha porção. Ele tem uma belíssima herança no céu,
junto ao Pai, os salvos, sua igreja.
V.10: Não permitirás que o teu santo veja corrupção. Jesus profetiza
através de Davi do seu sofrer e ressuscitar.

At 10.34-43. O apóstolo Pedro reconhece a “graça objetiva”, isto é,


Jesus salvou todos (Jo 3.16) e quer a salvação de todos (1Tm 2.4). Em
coisas espirituais, que tratam da salvação, Deus não faz acepção de pes-
soas. O versículo 35 tem sido muitas vezes mal interpretado, a saber: se
alguém pratica a justiça, então, é indiferente se ele crê ou não em Cristo,
ou a que religião alguém pertence, ele será salvo. Mas a expressão teme e
faz o que é justo precisa ser tomada no sentido do 1° Mandamento, como
a encontramos em Cornélio: piedoso e temente a Deus, que anseia pela
salvação que Pedro veio lhe anunciar. No sentido da própria afirmação do

152
RESSURREIÇÃO DO SENHOR – DOMINGO DA PÁSCOA

apóstolo Pedro: Não há salvação em nenhum outro... (At 4.10), sua men-
sagem a Cornélio o confirma. Pedro testemunha da morte e ressurreição
de Jesus a judeus e gentios. Para que pela fé na graça de Cristo recebam
perdão, vida e eterna salvação.

Jeremias 31.1-6. (Sugerimos a leitura de 31.1-8).


V.1: Traz o pensamento base que é explicado em todo o capítulo: Deus
preparará para todo o Israel, a Santa Igreja Cristã, a salvação. Título:
Vejam, eu faço tudo novo. – O profeta Jeremias está falando aos que
escaparam da espada de Nabucodonosor e foram levados ao cativeiro
babilônico. Através da pregação dos profetas Jeremias, Ezequiel e Daniel,
o Espírito Santo conduziu muitos judeus de volta à fé. Formou-se um novo
núcleo de fiéis que serviam a Deus voluntariamente. Deus dará descanso
(Hb 4.9) ao verdadeiro Israel, a sua Igreja.
V. 3: Com amor eterno e benignidade te atraí. É sua graça e seu amor.
Quanto mais nós cristãos podemos jubilar e agradecer a Deus por ter-nos
salvado e atraído a si, revelando-se e levando-nos à fé.
V.4: A virgem... ela fez coisas horríveis (18.13-16), será perdoada. As
divisões entre norte e sul serão levantadas. Jerusalém, onde Deus realizará
seus grandes feitos da salvação, é o centro da adoração.
V.7: Por causa da cabeça das nações, que é Cristo.
V.8: Eis que os trarei... cegos, aleijados, mulheres grávidas. Ele os
trará, pois por própria razão ou força não posso crer... Jesus formará sua
grande e universal igreja, a Igreja Cristã.

Mateus 28.1-10. Quando abordamos o tema “ressurreição da carne”,


ouvimos muitas objeções de nossa própria razão, bem como do mundo
que nos cerca; uma enormidade de teorias das mais diferentes religiões e
mesmo dentro do próprio cristianismo. Por exemplo, a teoria da reencar-
nação; ou, a matéria perece, só o espírito ressuscita, etc. Aqui importa, no
entanto, deixar as teorias de lado e dar atenção, unicamente, aos fatos.
Só os fatos interessam. Fatos não podem iludir nem serem esvaziados.
E vejam, os fatos da ressurreição de Jesus foram aceitos sem pestanejar
pelos inimigos de Cristo e com muita dificuldade pelos discípulos. Isto é
consolador para nós.
Olhando para os fatos, vemos que a Páscoa mudou tudo. Em tudo isso
é preciso lembrar: Jesus morreu e ressuscitou para mim. Isto nos leva à
pergunta: O que a Páscoa significa para mim?

1. Olhemos para os fatos da Páscoa. Ali encontramos pessoas como


tu e eu. Vemos o povo que grita: Crucifica-o! Os soldados que, no cum-
primento do seu dever, fazem disto um prazer. Encontramos os discípulos

153
IGREJA LUTERANA

e as mulheres piedosas aos quais Jesus havia convencido durante três


anos ser ele o verdadeiro filho de Deus, o Messias prometido, o salvador
da humanidade. Eles precisaram encarar, agora, a dura realidade de sua
morte na cruz. Isto é espantoso não só para os discípulos, mas também
para seus inimigos. Os malfeitores o desafiaram, dizendo: Ó tu que des-
tróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, (e a nós
também) se és Filho de Deus! (Mt 27.40; Lc 23.39). Mas Jesus não desceu
da cruz. Ele morreu ali. Não há como negar o fato de que Jesus, o Filho de
Deus, o Salvador da humanidade, verdadeiramente morreu na cruz.

2. Ele ressuscitou. As mesmas pessoas que ouviram suas últimas


palavras e o viram morrer dão testemunho de sua ressurreição.
Certos de sua morte, as mulheres preparam os bálsamos para que,
passado o sábado, possam prestar-lhe sua última homenagem. A morte
destrói sonhos. Mas os fatos que passaram a ver não eram sonhos, mas
realidade.
Os soldados que guardavam incrédulos o sepulcro foram surpreen-
didos pelo anjo que removeu a pedra e abriu a sepultura (Mt 28.4). As
mulheres foram surpreendidas pelo sepulcro aberto, pela presença e
mensagem dos anjos, e pelo próprio Jesus que lhes apareceu no cami-
nho ao voltarem (Mt 28.9). Pedro e João correram para o sepulcro e o
viram aberto; entrando, viram a roupa bem posta, pelo que concluíram:
ninguém roubou o corpo. Eles creram que Jesus ressuscitou (Jo 20.8).
Maria Madalena viu Jesus ressuscitado (Jo 20.11ss.). Os discípulos de
Emaús (Lc 24.13ss.) o reconheceram no partir do pão. Correram de volta
a Jerusalém e presenciaram com todos os outros discípulos, menos Tomé
que estava ausente, como Jesus lhes apareceu e falou com eles (20.19-23).
Uma semana depois novamente com a presença de Tomé, a quem Jesus
disse: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos... não sejas incrédulo,
mas crente. E Tomé confessou: Senhor meu e Deus meu! (Jo 20.27,28).
Jesus lhes ordenou que fossem para a Galiléia, lá ele os encontraria (Jo
21). Apareceu a mais de 500 pessoas (1 Co 15.8). Depois de 40 dias, nos
quais falou diversas vezes com eles, os discípulos presenciaram sua subida
ao céu. E o testemunho dos anjos (At 1.9-11). Isto são fatos inegáveis.
Fatos que mudaram tudo, mudaram a vida dos apóstolos, como muda a
vida de todos os que creem (Rm 6.8-11).

3. Fatos que mudaram suas vidas. Por natureza, todos nós somos
céticos. Isto é natural. O ceticismo não se baseia tanto em fatos, mas no
que é compreensível. O discípulo Tomé foi realista. Morreu, acabou. Vou
tratar de minha vida. Deste ceticismo só a palavra de Deus pode nos ar-
rancar. Cada um precisa passar pessoalmente por esta experiência. Com

154
RESSURREIÇÃO DO SENHOR – DOMINGO DA PÁSCOA

quantas perguntas e lutas Lutero se defrontou até chegar à fé! Até ver
que não se tratava de verdades religiosas, mas de fatos dos mais profun-
dos da vida humana! Até reconhecer a impossibilidade de salvar-se por
suas obras, até reconhecer os fatos do evangelho a respeito da pessoa de
Cristo, “verdadeiro Deus gerado do Pai e verdadeiro homem nascido da
virgem Maria, é meu Senhor, pois me remiu...”. Não simples Senhor para
ser obedecido, mas que me remiu e salvou, que é Senhor sobre meus
inimigos, pecado, morte e Satanás; e que nele temos perdão, vida e eterna
salvação. Então sua vida mudou. Ele mesmo diz: Renasci! Ainda vivo na
carne, mas não mais pela carne, mas por Cristo que vive em mim.
Reconheceu a importância de morrer diariamente, por arrependimento
e contrição, e ressurgir diariamente novo homem que vive diante de Deus
em justiça e pureza para sempre.
O que significa, portanto, a ressurreição de Cristo para mim? Res-
pondemos com o Catecismo: “Por que a ressurreição (o fato) de Cristo é
tão consoladora para nós? Porque prova: 1° que Cristo é o Filho de Deus
e verdadeira a sua doutrina; 2° que Deus Pai aceitou o sacrifício de seu
Filho para a reconciliação do mundo; e 3° que todos os fiéis ressuscitarão
para a vida eterna”. Jesus diz: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê
em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim, não
morrerá (Jo 11.25,26). Amém.

Horst R. Kuchenbecker
São Leopoldo/RS
horstkuchenbecker@gmail.com

155
SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA
1º de maio de 2011

Salmo 148; Atos 5.29-42; 1 Pedro 1.3-9; João 20.19-31

No segundo domingo de Páscoa ainda se vivem as fortes emoções


dos acontecimentos da crucificação e ressurreição de Jesus. É o início do
período pós Páscoa, que vai até a ascensão de Jesus. São os quarenta
dias que o Jesus ressurreto ainda está com seus discípulos e o povo antes
de voltar à presença do Pai.

1 LEITURAS

O Salmo 148 é um hino de louvor. Toda a criação de Deus é chamada


a louvar o Senhor. A criação louva porque ele é superior a todos os outros
deuses! A sua glória está acima da terra e do céu. Ele fez com que a sua
nação ficasse cada vez mais forte (Salmos 148.13-14 NTLH). Nós somos
convidados a louvar o Senhor, eu, você, cada cristão, cada membro da
Igreja Luterana é convidado a louvar com intensidade e vibração. Não é
um louvor mecânico, mas um louvor vivo e vibrante que envolve toda a
criação. Um louvor que com entusiasmo celebra a superioridade e a glória
do Senhor. Não deveríamos ter dúvidas e nem timidez no nosso louvor,
mas convicção e ousadia. Deus pede, Deus manda toda a sua criação
louvar e a criação louva com alegria.
O texto de Atos 5.29-42 nos apresenta um tema crucial para a vida
humana, a obediência incondicional à vontade de Deus. O que alguns
classificariam como fanatismo aqui é tratado como uma opção e um estilo
de vida daqueles que foram alvos da graça de Deus. Mesmo com a ordem
de não ensinar e correndo risco de serem mortos (At 5.28), os apóstolos
não paravam de espalhar os ensinamentos de Jesus. Os apóstolos tinham
um pacto de fidelidade com Deus. “Nós devemos obedecer a Deus e não
às pessoas” (Atos 5.29 NTLH). Os apóstolos pregavam a oportunidade do
arrependimento e perdão dos pecados (Atos 5.31) testemunhando sua
confiança no poder do Espírito Santo. “Nós somos testemunhas de tudo
isso, nós e o Espírito Santo, que Deus dá aos que lhe obedecem” (Atos
5.32 NTLH). A convicção dos apóstolos não os livraria de uma condenação
humana por desobediência às autoridades judaicas. Mas pela intervenção
de um dos membros do Conselho, um fariseu chamado Gamaliel, que era
um mestre da lei respeitado por todos (Atos 5.34 NTLH), as coisas se de-
senrolam diferente do que imaginavam inicialmente. A defesa de Gamaliel

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SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA

leva em conta o bom senso chamando a atenção para a possibilidade de


transformar os apóstolos em mártires, incitando uma revolta popular como
já ocorrera anteriormente (Atos 5.35-37). Se é humano acabará, mas se
for divino não há como impedir (Atos 5.38-39)! Esta foi a tese de Gama-
liel. Os apóstolos foram fustigados com açoites e liberados (Atos 5.40).
O desenrolar dos fatos, apesar do castigo, promove alegria e gratidão no
coração dos apóstolos por serem seguidores de Jesus. Isso só a graça de
Deus consegue. (Atos 5.41).
O texto de 1Pedro 1.3-9 nos convida a louvar a Deus. Temos uma
nova vida pela esperança viva da salvação por causa da ressurreição de
Jesus. A esperança revitaliza o filho de Deus e o faz viver em alegria,
mesmo que momentaneamente passe por provações (1Pedro 1.6-7). A
mesma alegria que os apóstolos sentiram, mesmo sendo fustigados com
açoites, nós podemos sentir porque vem da fé provada e aprovada (1Pedro
1.7) por estar firmada no Salvador Jesus que amamos e em quem confia-
mos mesmo sem ver (1Pedro 1.8). A alegria indescritível é por estarem
recebendo a salvação, que é um resultado da fé (1Pedro 1.9).
O texto de João 20.19-31 mostra a espantosa alegria dos discí-
pulos de Jesus na primeira aparição do Salvador ressurreto e a dúvida
intrigante de Tomé que não esteve presente nesse momento. O medo dos
discípulos era real e é por isso que Jesus se apresenta com uma palavra
de paz: Que a paz esteja com vocês (João 20.19, 21). A paz que Jesus
promete e declara aos seus discípulos é total e plena, é a paz que só ele
pode dar (João 14.27). A presença de Jesus causa nos discípulos uma
alegria extraordinária. A mesma alegria que sentiriam mais tarde quando
foram fustigados com açoites por ensinarem e espalharem a verdade so-
bre a ressurreição de Jesus. Jesus soprou sobre os discípulos dando-lhes
o Espírito Santo (João 20.22) para que se tornassem instrumentos de
proclamação do perdão dos pecados (João 20.23), mensagem que lhes
rendeu a prisão e os açoites relatados em Atos 5.29-42. Como Tomé não
esteve presente na primeira aparição de Jesus e não creu no testemunho
dos discípulos (Jo 20.24-25), uma semana depois Jesus se apresenta
novamente com a mensagem de paz: Que a paz esteja com vocês (João
20.26 NTLH). Da mesma maneira como se mostrou anteriormente aos
discípulos (João 20.20), agora se mostra a Tomé (João 20.27). Tomé e os
discípulos creram porque viram Jesus (João 20.20, 27-28). Jesus diz que
são muito mais felizes aqueles que creram sem ver (João 20.29). Jesus
fez muito mais milagres para que se creia que Jesus é o Messias, o filho
de Deus (João 20.30-31).

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IGREJA LUTERANA

2 TEXTO: 1 PEDRO 1.3-9

A primeira epístola de Pedro é uma carta de estímulo e ânimo às pesso-


as que vivem dificuldades e sofrimentos por causa da fé. O Salvador Jesus
é nosso maior exemplo de abnegação. Ele nos dá o benefício da graça e
é em seu nome que podemos proclamar a salvação a todos.
V.3: Recebemos uma nova vida, fomos regenerados pela grande mise-
ricórdia de Deus, que se revela na ressurreição de Jesus Cristo, que nos
dá uma esperança viva. Deus transforma nossa mente por misericórdia e
transfere para nós, mediante a fé, o benefício da ressurreição de Jesus,
a vida verdadeira agora e eternamente.
V. 4: As ricas bênçãos de Deus que esperamos, que estão reservadas
para nós, são a nossa grande e inestimável herança, que não perdem o
valor, não podem se estragar nem ser destruídas. A salvação é a bênção
que não perde o valor, não se estraga nem é destruída.
V. 5: As bênçãos, a herança eterna, a salvação é para os que, por meio
da fé, são guardados pelo poder de Deus para a salvação que está pronta
para ser revelada no último tempo.
Vv.3-5: Somos transformados para receber a graça, por fé, no tempo
de Deus, o dia da salvação (2Coríntios 6.2).
V. 6: A alegria é por causa da salvação e por que ela acontece no
tempo de Deus. Mas a tristeza é momentânea e acontece por causa das
provações. O que causa a tristeza momentânea é a provação.
V. 7: As provações que Deus permite e manda tem a função de mostrar
e certificar o valor da fé mostrando que é uma fé verdadeira na graça de
Deus, o perdão, a salvação em Cristo Jesus. Uma fé mais valiosa do que
o ouro que precisa passar pelos processos de purificação e depuração. A
fé resulta, redunda, acontece, se mostra em consequência das ações de
Deus em aprovação, glória e honra no dia em que Jesus Cristo for reve-
lado. O que mostra a fé verdadeira que vai receber a salvação é o que a
graça de Deus causa na vida da pessoa.
Vv. 6-7: A vida não é um mar de rosas, tem suas dificuldades e pro-
vações mas jamais estará alheia à graça de Deus que gera e fortalece a
fé que se apropria da salvação, a vida eterna quando Jesus voltar.
V. 8: O amor e a fé não dependem das coisas palpáveis. Não precisamos
ver para amar, nem precisamos ver para crer. A alegria por amar e crer
é indescritível. Exultamos e nos alegramos de uma maneira tão gloriosa
e magnífica que não tem explicação, que palavras não podem descrever.
Amar a Deus e crer nele é um acontecimento inexplicável causado pela
graça de Deus em nossas vidas.
V. 9: A fé no perdão de Cristo Jesus é o resultado da alegria da salva-

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SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA

ção. O filho de Deus obtém como resultado da fé a salvação da alma. A


salvação da alma para a vida eterna é o objetivo final da graça de Deus.
Nisso há alegria.
Vv. 8-9: A fé no perdão salvador não depende daquilo que é palpável,
mas da graça de Deus.

3 PROPOSTA HOMILÉTICA

Pensamento Central: O que fica característico nos textos do 2º


Domingo de Páscoa é a esperança alegre da salvação que a certeza da
ressurreição de Cristo Jesus causa na vida dos seus filhos. A presença de
Jesus gera convicção e alegria. Hoje Jesus se faz presente nos meios da
graça para gerar esta convicção e alegria em nossos corações pelo milagre
da fé em nossas vidas.
Tema: A alegria da salvação vem da fé. (1Pedro 1.9)
1. Que começa no novo nascimento. (1Pedro 1.3-5; João 3.3-8)
- Temos esperança viva. (1Pedro 1.3)
- Não perde o valor, não se estraga, não é destruída (1Pedro
1.4)
- A salvação está pronta. (1Pedro 1.5)
2. Que passa por provações. (1Pedro 1.6-7; At 5.40-42; João 20.20,
27)
- São por pouco tempo. (1Pedro 1.6)
- Comprovam a verdadeira fé. (1Pedro 1.7)
3. Que não precisa ver e apalpar. (1Pedro 1.8-9; João 20.29)
- A fé vale mais do que ouro depurado. (1Pedro 1.8)
- A fé se alegra e louva. (Salmos 148)

Coleta: Misericordioso Deus e Pai, louvamos-te porque és superior a


todos os outros deuses e a tua glória está acima da terra e do céu. Permita,
por tua graça, que testemunhemos nossa fé a despeito de qualquer tipo de
perseguição. A nova vida que recebemos pela ressurreição de Jesus nos
enche de uma alegria tão grande e gloriosa que as palavras não podem
descrever. Que a paz do Salvador Jesus esteja conosco pelos teus meios
da graça. Oramos em nome do Salvador Jesus ressurreto que vive e reina
contigo e com o Espírito Santo, um só Deus eternamente. Amém.

Horst Siegfried Musskopf


Porto Alegre/RS
hsmusskopf@bol.com.br

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TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA
08 de maio de 2011

Salmo 116.1-14; Atos 2.14a, 36-41; 1 Pedro 1.17-25; Lucas 24.13-35

1 CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)

O encontro de Jesus com os discípulos no caminho de Emaús, conforme


Lucas registra, aconteceu no mesmo dia, domingo, em que Jesus ressus-
citou. A ressurreição tinha acabado de acontecer conforme Jesus tinha
anunciado, e as mulheres que foram ao túmulo já tinham visto o milagre
divino. Aquele domingo maravilhoso, no qual Jesus ressuscitou, foi um
dia inesperado, pois parece que nenhum seguidor de Jesus compreendeu
bem as palavras que havia dito sobre a necessidade do Messias sofrer e
morrer, mas que venceria a morte pela ressurreição. Isso é uma verdade
e pode ser constatado pelo fato de as mulheres irem bem cedo com per-
fumes para embalsamarem o corpo morto de Cristo, e pela demora dos
discípulos em acreditar que Jesus tinha voltado a viver.
Aquele dia começou a ser maravilhoso e inesquecível quando Jesus se
apresentou e lembrou a todos o que tinha dito sobre a sua ressurreição.
A partir do momento em que o próprio Cristo anuncia o evangelho da
ressurreição, a vida das mulheres e dos discípulos começa a ter um novo
sentido e uma nova perspectiva. E foi exatamente isso que aconteceu com
os seguidores de Jesus no caminho de Emaús, quando tiveram a incrível
oportunidade de conversar com o próprio Messias ressurreto. Eles sabiam
de todas as coisas que tinham acontecido nos dias anteriores: a prisão de
Jesus, o julgamento injusto, o seu sofrimento quando foi pregado na cruz
ao lado de dois criminosos e sua morte. Eles só não sabiam que estavam
por receber a grande notícia da ressurreição da boca do próprio Jesus.
A volta daqueles discípulos para Emaús provavelmente foi triste porque
tinham na memória a imagem de um provável Salvador morto numa hor-
rível cruz. Mas a tristeza deles terminou quando Jesus foi ao encontro dos
dois e, ao conversar com eles, anunciou a boa nova de alegria de que Ele
é o Salvador que voltou a viver e está vivo para sempre.

2 ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

Jesus não perdeu tempo! No mesmo dia em que ressuscitou foi anun-
ciar a muitas pessoas que o plano de salvação estava completo. Em uma

160
TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

caminhada de mais ou menos 10 quilômetros, Jesus e dois seguidores


seus conversaram, e no final da caminhada eles tiveram plena certeza
de que vale a pena confiar nas palavras e promessas de Deus. Aqueles
seguidores experimentaram a doce sensação de ter Jesus por perto e
caminhando com eles, lado a lado, glorificado pelo poder do Pai. Apesar
disso, eles não reconheceram o Senhor. Jesus, para começar um diálogo,
pergunta aos discípulos sobre o que estavam conversando. Os discípulos
realmente sabiam muitas coisas a respeito de Jesus. Estavam bem infor-
mados sobre tudo o que havia se passado com Ele e contaram com poucas
palavras, mas em detalhes, todos os acontecimentos referentes a Cristo,
até mesmo que ouviram falar da ressurreição pelas mulheres do grupo,
mas que ainda não o tinham visto vivo. Eles estavam tristes e desanimados
porque aquele no qual estavam depositando suas esperanças de redenção
estava há três dias morto. Eles esperavam que Jesus fosse redimir (livrar
mediante o pagamento de um preço, cumprir a obrigação de protetor
da família conforme o AT) a Israel. Talvez estivessem com a imagem de
Jesus como profeta somente e que, por isso, as esperanças messiânicas
tinham morrido com Ele na cruz. Eles também não tinham entendido, ou
não queriam admitir que o Messias devesse sofrer tanto.
Então o Senhor Jesus toma o controle da situação e passa a falar
com eles. Primeiramente, Jesus ratifica a condição humana pecadora no
que diz respeito a entender e crer, ou seja, demoramos muito a captar a
mensagem e a confiar na Palavra revelada. Em segundo lugar, Ele explica
tudo novamente, com paciência, desde o começo, o perfeito plano de Deus
para a salvação de todas as pessoas. O Senhor diz claramente que tudo
aconteceu de acordo com a vontade do Pai, pois era preciso que assim
fosse. É muito difícil para nós entendermos os caminhos e as formas da
ação de Deus. É certo que se Deus quisesse nos salvar sem o sofrimento,
o sangue e a morte de Cristo, Ele o teria feito, pois é Deus Todo-Poderoso.
Mas, para provar que é o único Deus e Senhor de toda a história, Ele
cumpre as promessas do Antigo Testamento no seu Filho primogênito, e
a partir dEle faz uma Nova Aliança pelo sangue do Cordeiro, que tira o
pecado do mundo e dá salvação a todos aqueles que creem. Aprendemos
dessa forma que o nosso entendimento e fé são obras de Deus Espírito
Santo, e que Jesus é um exemplo de evangelista para todos nós, pois vai
em busca de todas as ovelhas: aquelas que pecam, que não entendem,
que demoram a crer, que não creem, que precisam de cuidado, prote-
ção, perdão, amor e salvação. A viagem está quase no fim, e Jesus e os
discípulos estão bem perto do destino, e após ouvirem aquela pregação,
os discípulos insistem para que Ele fique na casa deles porque a noite já
estava chegando. Então, Jesus aceitou o convite e entrou na casa para
ficar com os dois. Dentro da casa, à mesa, Jesus pegou o pão, deu graças

161
IGREJA LUTERANA

a Deus e, partindo-o, deu aos dois discípulos.


Distribuir o pão era o que o hospedeiro deveria fazer em relação aos
seus convidados. Jesus veio convidar as pessoas para irem morar na casa
eterna do Pai. No céu Deus é o hospedeiro, por isso, Cristo nos prova que
é aquele que nos serve o pão da vida. E quando repetiu o mesmo gesto
de partir o pão e dar aos discípulos, como tinha feito no jantar com os
doze discípulos, Jesus se identifica, identifica o seu ministério e a obra
completa do Pai. Agora sim, os olhos dos dois discípulos foram abertos e
assim reconheceram Jesus. O culto particular que aqueles dois discípulos
tiveram acabou com a cegueira espiritual tornando claras as explicações
sobre as Escrituras Sagradas. O culto que Jesus deu, agora completo
por causa da ressurreição, transformou a vida daqueles discípulos. E
imediatamente voltaram para Jerusalém e ouviram testemunhos sobre a
ressurreição de Cristo e também contaram o que havia acontecido com
eles na estrada.

3 PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

O texto do evangelho tem muitos pontos importantes para serem co-


locados em prática na nossa vida. Aprendemos que nascemos em pecado
e por isso estamos mortos para Deus. Por isso mesmo, não conseguimos
visualizar as ações de Deus. Recebemos a vida física e espiritual pela ação
amorosa do Pai em Cristo. É fundamental que Jesus venha ao nosso en-
contro e caminhe conosco para termos a certeza que estamos no caminho
certo – e Ele faz isso pelos Meios da Graça. Mesmo assim, por muitas vezes
queremos somente o Jesus médico, das bênçãos materiais, dos grandes
milagres, da alegria fácil e o do não-sofrimento. E esquecemos do Jesus
que ama, perdoa, acolhe, conversa, mostra o rumo certo, que vai junto,
que mora em nossa casa, nos serve na Santa Ceia seu corpo e sangue,
que morreu, mas ressuscitou, e deseja, acima de tudo, a nossa salvação.
Qual é o Jesus que conhecemos? Qual é o que queremos? O próprio Jesus
se apresentou como o Salvador de todos. E falou sobre isso quando pregou
sobre as profecias do Antigo Testamento. Ele não era um simples “enxerto”
na história do mundo, mas era a parte essencial do plano salvador do Pai.
Cristo veio cumprir e fazer a vontade de Deus, para que nós fôssemos
“enxertados” na família cristã. O Pai vem nos encontrar em seu Filho por-
que os nossos pecados estavam nos levando para os desencontros com
Deus. Cristo morreu sem culpa, pela culpa dos humanos, para perdoar a
culpa dos pecados dos filhos de Deus.
Jesus ressuscitou pelo poder do Pai para confirmar as promessas de
vida eterna. E hoje esperamos o Jesus glorioso que virá do céu e do Pai
para buscar todos aqueles que creram em sua obra – morte e ressurreição.
Logo, não há espaço para dúvidas, pois tanto a morte quanto a ressurrei-

162
TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

ção de Cristo são fatos consumados e era preciso que assim acontecesse.
Para crer nisso é importante ter um coração aberto e não endurecido, algo
que somente é possível pela ação constante do Espírito Santo em nós. E
desta forma, Cristo é o nosso convidado diário para estar conosco e agir
em nossa vida. E foi assim, na presença de Jesus e na sua ação ao tomar o
pão, dar graças a Deus e reparti-lo, numa lembrança à Ceia que instituiu e
compartilhou com os discípulos antes da sua morte, que os dois discípulos
tiveram seus olhos abertos e reconheceram o Senhor. A ação é divina,
e nós recebemos e desfrutamos as bênçãos de Deus. Fortalecidos na fé,
conseguimos ver, entender, aceitar e agradecer por tudo o que recebemos
do Pai por graça e misericórdia. E, além disso, recebemos força para tes-
temunhar ao mundo sobre a maior história de amor presente no coração
de Deus desde a eternidade. Por causa da ressurreição de Jesus temos
totais condições de contarmos essa história, que tanto nos alegra e nos
motiva a vivermos na expectativa e na certeza da vida no céu. Adoramos
o Deus da vitória sobre a morte, aquele que cumpriu todas as promessas
e sofreu o castigo dos pecados por nós e em nosso lugar. Adoramos a
Jesus o Filho de Deus, que também, como verdadeiro homem, pagou toda
a nossa dívida e perdoou a nossa culpa. Adoramos a Jesus que nos dá
a vida eterna, e assim queremos servir a Jesus com tudo o que temos e
somos para benefício do próximo. Queremos ir ao encontro daqueles que
não creem e acolher a todos no amor de Jesus.

4 SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA,


DESDOBRAMENTOS)

Tema e partes: Jesus vem ao nosso encontro


Como?
– Através da Palavra e Sacramentos
Para quê?
– Acabar com nossas dúvidas (morreu, mas ressuscitou).
– Morar em nosso coração.
– Acolher e perdoar.
– Dar Salvação e Vida Eterna.

Iderval Strelhow
Porto Alegre/RS
strelhow@yahoo.com.br

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QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA
15 de maio de 2011

Salmo 23; Atos 2.42-47; 1 Pedro 2.19-45; João 10.1-10

1 INTRODUÇÃO

A Páscoa é, também, o período em que relembramos os grandes feitos


de Deus, através de Moisés, na libertação do seu povo Israel da escravidão
no Egito. Quando da instituição dessa festa, Deus ordenou que ela fosse
comemorada ano após ano, como memorial, como solenidade a Ele. Em
Jesus, no entanto, temos a ressignificação da Páscoa. Ele é a personificação
do sacrifício. Ele é o cordeiro que foi imolado. Sem mancha. E seu sangue
nos libertou da escravidão do pecado. Sua ressurreição é a coroação de sua
vitória sobre a morte. Na figura do pastor que dá sua vida pelas ovelhas,
evidencia-se a libertação garantida por Jesus.
O estudo do texto não pode ficar restrito à parábola. É necessário
ter, como pano de fundo, todo o episódio da cura, o alvoroço causado no
vilarejo, a atitude dos fariseus em relação ao que fora cego, à sua família
e a Jesus. Precisa-se, em função disso, pensar nas seguintes questões:
quem são os ouvintes de Jesus? Quem são as ovelhas? Quem é o pastor
das ovelhas? Quem são os ladrões e salteadores? Como era o curral ou
aprisco? Qual o sentido de “eu sou a porta”? Quais as diferenças entre o
pastor e os ladrões?

2 APRESENTAÇÃO

A separação em capítulos atrapalha, de certa forma, a sequência do


texto. No final do capítulo 9, os fariseus questionam a Jesus perguntando-
lhe: “porventura somos nós também cegos?” A resposta de Jesus não é
apenas: “se fôsseis cegos, não teríeis pecado, mas como agora dizeis:
nós vemos, permanece o vosso pecado” (9.41); mas também a parábola
que vem a seguir, isto é, na resposta incluem-se a figura do pastor, do
aprisco, das ovelhas, do porteiro e dos salteadores. O homem que fora
cego e os seguidores de Jesus são as ovelhas que os fariseus estavam
deixando com medo.
Por que Jesus utilizou, primeiramente, o aspecto negativo? Os fariseus,
por causa da cura efetuada por Jesus, estavam causando certo pânico nas
pessoas (o que fora cego, sua família e, certamente, um número conside-

164
QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA

rável da população). O burburinho se espalhou rapidamente, a tal ponto


que causou comoção geral, fazendo com que os fariseus se preocupassem
e inquirissem o cego e os pais dele. Todos, pela leitura do texto, temero-
sos. Nós podemos não perceber, porém a resposta negativa de Jesus foi
diretamente aos fariseus. “Em verdade, em verdade vos digo” convida,
chama a atenção de seus ouvintes para que ouçam com muito cuidado
o que ele dirá. Talvez, como se quisesse dizer: “Prestem atenção no que
vou dizer agora”: “Quem não entra no aprisco das ovelhas, mas sobe por
outra parte, esse é o ladrão e salteador”.
O curral ou aprisco era o local onde os rebanhos eram reunidos à noite
para segurança e proteção. Mais de um rebanho pernoitava no mesmo
aprisco, uma espécie de hotel de ovelhas. Tratava-se de um cercado alto
de pedras, entretanto passível de se entrar saltando. Agiam assim os la-
drões e salteadores, e, ao entrarem, colocavam as ovelhas em pânico. O
porteiro ficava na porta e permitia ou não a entrada e saída dos pastores
com suas ovelhas.
O porteiro somente deixava entrar alguém autorizado ou aquele que
tivesse um rebanho lá dentro. O pastor, de manhã cedo, apresentava-se
ao porteiro e chamava suas ovelhas e elas o acompanhavam porque co-
nheciam a sua voz. Diferentemente dos grandes rebanhos, dos grandes
fazendeiros contemporâneos, os rebanhos, no contexto de Jesus, não eram
grandes e, provavelmente, o pastor conhecia cada uma de suas ovelhas
por uma marca ou sinal específico. Jesus fala que o bom pastor chama as
suas ovelhas pelo nome.
Além de conhecer suas ovelhas e elas reconhecerem sua voz, o modo
de entrar no curral revela aquele que é o verdadeiro pastor. O pastor entra
pela porta, isto é, não se apresenta como pastor, é o pastor e o porteiro
o conhece. O pastor é o próprio Jesus; ele vem para o curral judaico e
chama os seus discípulos para fora. Na verdade, um deles tinha saído um
pouco antes – o cego (F. F. Bruce, 1987, 194).
O genuíno pastor conhece as suas ovelhas, chama-as pelos nomes
e as conduz para fora. O ladrão, ao contrário, entra sorrateiramente e
coloca-as em pânico. “O caráter indefeso da ovelha contrasta com a ação
independente do pastor. A liberdade da ovelha depende dessa ação do
pastor, é somente por seu intermédio que a ovelha desfruta de liberdade”
(Hoskyns). É o pastor quem conduz as ovelhas, vai adiante delas para
guiá-las, e elas o seguem.
A expressão conhecer a voz pode ser considerada, talvez, um dos
aspectos mais importantes do texto. Pois o conhecer no sentido bíblico é
mais do que uma simples apreensão cognitiva ou capacidade intelectual.
Implica comunhão, intimidade. Os animais, instintivamente, seguem seus
donos porque sentem o cheiro ou conhecem a voz. Como se conhece a

165
IGREJA LUTERANA

voz? Os bebês de colo conhecem a voz de seus pais e se agitam no colo


de estranhos. Ao ouvirem a voz de seus pais se acalmam. Essas crianças,
cognitivamente, não compreendem as palavras proferidas por seus pais,
entretanto conhecem/sentem um timbre afável, carinhoso e protetor. Para
os maiores, um simples “vamos!” basta para seguirem aqueles pelos quais
são nutridos por um sentimento de proteção.
Lutero, discorrendo sobre o direito e autoridade de uma comunidade
de julgar doutrina, chamar, nomear e demitir pregadores, citando o texto
de João, que ora estudamos, lembra que Cristo tira dos bispos, eruditos
e concílios tanto o direito como o poder de julgar a doutrina, dando-os a
todo mundo e a todos os cristãos de modo geral, ao dizer que “minhas
ovelhas não seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhe-
cem a voz de estranhos”; ou “todos quantos vieram antes de mim são
ladrões e salteadores, mas as ovelhas não lhes deram ouvido” (Osel, vol.
7, p. 29).
Os ouvintes de Jesus não compreenderam a parábola. Então, conti-
nuando seu discurso, ele identifica-se com a porta. Acontecia, no Oriente
Médio, do pastor, frequentemente, deitar-se à porta, tornando-se, desse
modo, literalmente a “porta” das ovelhas ou a porta do curral.
Jesus é a porta no sentido de ser tanto a entrada como a saída. Através
dele entramos e nos achegamos à presença do Pai, e ninguém consegue
chegar ao Pai senão por meio de Jesus (Jo 14.6). “Por ele saímos para
uma vida de liberdade e serviço. Jesus põe de lado a falsa autoridade dos
fariseus que usurpam, injustificadamente, a posição de liderança espiri-
tual. Em relação ao curral, Cristo é a porta” (Westcott). Jesus é o único
meio pelo qual as pessoas se tornam parte do povo de Deus. É preciso
frisar que somente Jesus é a porta, o caminho, a vida. Apenas ele pode
ser o mediador entre Deus e o ser humano para salvação. A rejeição ou
admissão no aprisco de Deus compete só a Jesus e a mais ninguém.
Jesus, por outro lado, estabelece diferenças entre si e os outros que
vieram antes dele. Estes são ladrões e salteadores. O pastor em sua lida
lutava constantemente contra os lobos. São lobos todos aqueles que ofus-
cam o verdadeiro ensino da palavra de Deus, que colocam as tradições
humanas acima da vontade de Deus. No entanto, as ovelhas não reco-
nhecem a voz daqueles lobos que se disfarçam de ovelhas. Comparando
sua ação com a dos ladrões, Jesus expressa seu objetivo, destacando que
veio para que, nele, todos tenham vida e vida em abundância. Os ladrões,
ao contrário, vêm somente para roubar, matar e destruir. Querem, sim,
prejudicar as ovelhas e explorá-las.
“Achar pastagem”, linguagem pitoresca, transmite a idéia de completa
liberdade, junto com satisfação e segurança. O propósito do bom pastor
Jesus, o verdadeiro pastor, que dá a vida por suas ovelhas, é proporcionar

166
QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA

abundantemente aquilo que enriquece a vida. Esse sentido nos é trans-


mitido, igualmente, pelo conteúdo do Salmo 23, pois o Senhor é o nosso
pastor e nada nos faltará. Ele nos faz deitar em pastos verdejantes, guia-
nos mansamente às águas tranquilas. E o mais importante, a bondade e
a misericórdia do nosso bom pastor nos seguirão todos os dias de nossa
vida. E habitaremos no aprisco de Deus.

3 PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Jesus é o verdadeiro pastor


1. Conhece suas ovelhas
2. Chama suas ovelhas pelo nome
3. Dá sua vida pelas ovelhas

Jeferson André Samuelsson


Santarém/PA
jasamuelsson@gmail.com

167
QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA
22 de maio de 2011

Salmo 146; Atos 6.1-9; 7.2a, 51-60; 1 Pedro 2.2-10; João 14.1-14

Há mentiras tão amplamente difundidas ou tão coloridamente conta-


das que parecem assumir uma conotação de verdade. Quem não lembra
do tal número na parte inferior das caixinhas de leite longa vida? Rolou
aquele papo de que aquele número indicaria quantas vezes o leite havia
sido repasteurizado. Todos optavam pelas caixinhas com números 1 e 2,
descartando as que tinham os números 3, 4 e 5.
Ou ainda aquela história ouvida desde criança que tomar leite e chupar
manga pode fazer mal e, pasme, até matar. Poucos sabem que esta é uma
lenda que remonta aos tempos da escravidão. Os escravos costumavam
se alimentar com mangas. Temendo que eles fossem também tirar leite
das vacas, os senhores espalhavam essa história. E então, será que mata
mesmo?
Acreditar nestas mentiras afeta nossos hábitos. Mas há mentiras que
podem afetar a nossa vida e, mais que isso, a eternidade. Quem, por exem-
plo, já não ouviu que “todos os caminhos levam a Deus” ou “que não existe
uma verdade única”, esse papo de “verdade relativa”, ou ainda o tão batido
“afinal, todos são filhos de Deus”? O texto de João 14.1-14 nos mostra o
quanto acreditar nesta sabedoria popular pode ser catastrófico. Por outro
lado, Jesus mostra aquilo que, de fato, não é “lenda espiritual”.

1 CONTEXTO HISTÓRICO

João 14 é visto como um discurso de despedida de Jesus. Ele já havia


alertado os discípulos sobre sua missão aqui neste mundo. Agora, Ele os
prepara quanto à sua ida para o Pai e a sua posterior volta. Jesus começa
a falar logo após a saída de Judas da última ceia e a consequente predição
de que Pedro o negaria três vezes antes do cantar do galo (ainda cap.
13). O discurso todo abrange ainda os capítulos 15 e 16, já na caminhada
rumo ao Getsêmani, finalizando seu ensino com a oração sacerdotal no
17. A promessa de enviar o Espírito Santo, o ensino sobre a videira e os
ramos, um conforto aos seus discípulos para os dias de perseguição e
explicações sobre a obra do Consolador são tópicos abordados por Jesus
nestes capítulos.

168
QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA

2 CONTEXTO LITÚRGICO

O curioso é que este texto pré-paixão e morte é utilizado no 5º Domin-


go de Páscoa. Parece sem sentido, mas não. Contados 11 dias após este
domingo, celebraremos a Ascensão. Muito oportuno quando lembramos
que o capítulo 14 prepara os discípulos também para este momento. E,
logicamente, também para a permanência deles aqui na ausência física
do Mestre e o iminente derramamento do Espírito.
O Salmo 146 exalta as obras divinas. Só Deus realmente as faz. O v.
3 alerta para a confiança em homens “em quem não há salvação”. Esse
poderia ser o paralelo com a sugestão homilética.
Atos 6.1-9; 7.2a; 51-60 conta a história de Estêvão. Ao chegar a hora
de sua partida deste mundo, Estêvão vê o céu aberto e Jesus à destra do
Pai. Jesus prometeu ir para o Pai na leitura do evangelho. A ponte pode ser
também o discurso de Estêvão, onde ele ataca a “incircuncisão de coração”
dos judeus, o que não deixa de ser verdade na presente época. Por fim, na
leitura da epístola, o apóstolo Pedro (1 Pe 2.2-10), dentre outras coisas,
destaca Jesus como uma pedra, ou de tropeço, ou de salvação. Razão pela
qual nem todos são filhos de Deus, pois “tropeçam na palavra”.

3 ANÁLISE

João 14.1-14 é um texto rico. Em primeiro lugar, porque é um discurso


do próprio Jesus. Em segundo lugar, porque Ele aborda temas que con-
frontam com nossa realidade como igreja e nos deixam pensativos sobre
algumas de suas promessas.
1. Jesus conhece o coração dos seus seguidores. Conhece igualmente
aqueles onze que estão ali em sua companhia. Conhece sua aflição, seus
medos, sua insegurança, sua fragilidade. “Não se perturbem” (um impe-
rativo presente com negação) é evangelho pleno. O coração já perturbado
poderia descansar.
2. “Creiam em Deus e creiam em mim” nos remete aos vv. 7 a 11,
onde Jesus fala da sua relação com o Pai. Não é de estranhar que Filipe
não compreenda esta matemática da Trindade. Ela não cabe na razão. Por
isso o imperativo do v. 1 é “crer” e não “entender”. Por isso também que
nossos símbolos ecumênicos são denominados de “Credo”. Jesus e o Pai
são, na essência, um único Deus. Mas há uma diferença: ainda são três
pessoas, incluindo o Espírito Santo.
3. A autoridade divina de Jesus também está presente no discurso.
As palavras ditas por Jesus são o meio pelo qual o Pai realiza a sua obra
nos homens (v.10). Jesus é o rosto do Pai (v.9). Recusar-se a aceitar a
messianidade de Jesus é o mesmo que rejeitar a obra do Pai. A autoridade

169
IGREJA LUTERANA

está ainda no anúncio das suas “obras” (atos miraculosos), que são as
mesmas que as do Pai.
4. Jesus foi, mas voltará (v. 3). A razão de sua partida é confortadora:
preparar um lugar no céu para a sua igreja. Poeticamente diríamos que
Jesus está, agora, decorando o céu para nós.
5. A promessa de Jesus no v. 12 desperta uma natural curiosidade.
Como interpretá-la? Afinal, não há obra maior do que a obra da salvação
levada a cabo por Jesus. De que obras maiores realizadas pelos crentes
Jesus fala? Penso que a chave está no entendimento da expressão “porque
eu vou para junto do Pai”. As obras estão, por isso, atreladas à descida do
Espírito Santo. Neste sentido, a leitura de Atos 6 e 7 nos mostra grandes
obras do Espírito operadas por intermédio de Estêvão (“homem cheio de
fé e do Espírito Santo”, At 6.5), mas especialmente a obra do crescimento
da igreja, a multiplicação do número de discípulos (At 6.7). Mais vidas
sendo salvas – esta obra é grandiosa. Obras maiores, então, podem ser
entendidas no sentido de quantidade e não no sentido de serem maiores
em natureza.

4 MEDITATIO

O ponto principal está na resposta de Jesus no v.6. Tomé, em sua natu-


ral honestidade, pergunta qual é o caminho para ir até onde Jesus estaria.
O curioso é que Jesus não repreende Tomé. Ele o faz com Filipe mais tarde
(v. 9), mas não com Tomé. Na verdade, Jesus responde à dúvida de seu
discípulo com uma afirmação que continua surpreendendo as barreiras
da razão em pleno século XXI. As dúvidas de Tomé não passam ao largo
das nossas. E a resposta de Jesus também vem ao nosso encontro, em
meio ao pensamento holístico de nossos dias e ao pluralismo religioso e
relativista dos tempos pós-modernos.
Caminho, verdade e vida são concepções importantes da religião ju-
daica. Jesus toma tais concepções para si, como pessoa e obra. “Eu sou o
caminho, e a verdade, e a vida” é mais que uma descrição de Jesus sobre
si próprio. É uma confissão de fé da igreja de todos os tempos. Esteja ela
em que século estiver. Ou esteja ela localizada acima ou abaixo da linha
do Equador.

1. “Eu sou o caminho” x “Todos os caminhos levam a Deus”


Poucas vezes os artigos definidos mudaram tão radicalmente uma
concepção.
Os judeus falavam muito sobre os caminhos dos homens e os caminhos

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QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA

de Deus (só em Salmos a palavra aparece 75 vezes). Deus mesmo adverte


a Moisés para não se desviar, nem para a direita, nem para a esquerda,
mas que andasse no caminho que o Senhor ordenara (Dt 5.32-33). O povo,
porém, seguiu o seu próprio caminho, um caminho de corrupção, como
bem alertou Moisés (Dt 31.29). Não é à toa, portanto, que repetidas vezes
os salmistas pedem que o Senhor lhes ensine os Seus caminhos, que os
guie por estradas retas. Os judeus sabiam o contraste entre os caminhos
de Deus e os caminhos humanos (Sl 1.6).
Mas a concepção é radicalmente alterada. Não há mais caminhos. Há
um só caminho, o caminho (h` o`do.j). É muito fácil se perder com infor-
mações sobre o caminho. Os judeus haviam se perdido em meio às suas
leis e observâncias. Jesus veio para acabar com essa confusão.
Ainda hoje essa corajosa afirmação de Jesus balança os alicerces da
razão humana. “Todos os caminhos levam a Deus”, mais que uma diplo-
macia evangélica, é uma doutrina perniciosa que contamina corações. Se
apenas Jesus é o caminho, os outros fatalmente darão em morte. São os
caminhos do cumprimento de regras (roupa, comida, bebida ou dia de
culto), do merecimento próprio e auto-suficiência (promessas), da bar-
ganha com Deus, da busca insensata de prodígios vindos de estátuas, do
sectarismo de 144 mil ou ainda da visão de Jesus como um bom mestre,
um mero exemplo para a humanidade.
Jesus é o caminho. O caminho da liberdade do cativeiro, não apenas da
Babilônia, mas do pecado e da morte. É o Caminho Santo (Is 35.8). Veja:
Jesus não fala sobre o caminho em termos de conselhos e orientações para
chegar lá. Ele próprio é o caminho. Então, para chegar lá, precisa passar
por Ele, ir com Ele ao Calvário e sair com Ele do túmulo.

2. “Eu sou a verdade” x “Não há uma verdade única. Tudo é


relativo”
Jesus cumpre, aqui, novamente no artigo definido (h`` avlh,qeia), a
personificação da verdade. Verdade, como tal, era, para os judeus, um
dos atributos da essência divina. Afinal, Ele se compraz “na verdade” (Sl
51.6). O próprio Decálogo lembra a verdade ao proibir o falso testemunho
(Êx 20.16). O diabo é, em sua essência, o pai da mentira (Jo 8.44), já
alertara Jesus.
Andar na verdade ensinada por Deus era parte da vida israelita. Mui-
tos foram os enviados de Deus que falaram acerca desta verdade. Mas
nenhum era a própria encarnação da verdade. Os profetas, por mais que
falassem a verdade, ainda poderiam incorrer na mentira, pelo seu exem-
plo, por causa da sua pecaminosidade. Com Jesus isto não acontece. Ele
é a verdade não apenas no discurso, mas no exemplo.

171
IGREJA LUTERANA

Essa verdade não muda com o tempo. Ela não está condicionada a
algum lugar e não é verdade apenas para um povo em especial. A ver-
dade é universal. Jesus é esta verdade. Assim, o Espírito Santo também
não está agindo fora da proclamação de Cristo, pois Deus não é Deus
de mentira. Mais adiante Jesus vai lembrar que a santificação que nós
tanto precisamos vem da Palavra, que é a verdade, que é o Logos, que
é o próprio Jesus. Negar esta verdade absoluta [Jesus] é o mesmo que
viver na mentira.

3. “Eu sou a vida” x “Todos são filhos de Deus”


Vida é mais que um conceito humano. É mais que uma união do óvulo
com o espermatozóide. Vida é dádiva divina. Foi para a vida que fomos
criados. Por isso o homem sempre busca a vida. Fisicamente todos a têm.
Mas espiritualmente todos carecemos da mesma dádiva. Não nascemos
vivos. Nascemos mortos em nosso ser corrupto (Ef 2.1). Não há vida em
nós além do coração que palpita. É preciso mais.
“Tu [Deus] me farás ver os caminhos da vida”, lembra Davi de um lado
(Sl 16.11). “Louco, esta noite te pedirão a tua alma” lembra, de outro, o
próprio Deus (Lc 12.20). O que fazer? Só há uma chance: receber uma
nova vida. “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo
10.10). A vida neste mundo e depois deste mundo só pode ser desfrutada
com abundância na fonte da vida, que subsiste na única pessoa divino-
humana que já sobrepujou o ferrão da morte: “Eu sou a vida” (h` zwh,).
Se na visão judaica vida era um conceito com “duração”, para Jesus
vida foge dessa esfera. Justamente quem permanece desconectado desta
fonte desfruta de anos contados. Mas quem une-se à vida que passa as
fronteiras do finito recebe uma expectativa eterna. Esse não é mais ape-
nas um ser vivo, em conceito humano. Agora é filho de Deus, herdeiro
da vida eterna (1 Jo 5.12). “Vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas,
agora, sois povo de Deus” (1 Pe 2.10). Não, nem todos são filhos de Deus.
Infelizmente.

5 SUGESTÃO HOMILÉTICA

Uma boa idéia seria pregar sobre o v. 6, não desprezando o quadro


maior da perícope e do evangelho. Mas abordar estas três partes em
contraste com o pensamento moderno seria interessante. O tema poderia
ser: Jesus – ninguém chega lá sem Ele!

1. Introdução
Há mentiras tão amplamente difundidas ou tão coloridamente contadas
que parecem assumir uma conotação de verdade. Ex: caixinhas de leite

172
QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA

longa vida, chupar manga e tomar leite, etc.


Estas mentiras interferem nos nossos hábitos. Mas há mentiras que
podem afetar a nossa eternidade. Ex: “todos os caminhos levam a Deus”;
“não existe uma verdade absoluta”; “todos são filhos de Deus”.

2. Desenvolvimento
a) “Eu sou o caminho” x “Todos os caminhos levam a Deus”.
b) “Eu sou a verdade” x “Não há uma verdade única. Tudo é relati-
vo”.
c) “Eu sou a vida” x “Todos são filhos de Deus”.

3. Aplicação
Não dá para fingir-se de avestruz: enterrar a cabeça na terra e fingir
que não está acontecendo nada. A igreja não é chamada para conces-
sões diplomáticas. A função da igreja é confessar, anunciar. Diplomacia
evangélica pode fazer com que doutrinas perniciosas interfiram na nossa
eternidade.

4. Conclusão
Os números das caixinhas de leite não têm nada a ver com (re)pas-
teurização. Pode comprar o número 5 sem problemas...
Chupar manga e beber leite não mata, não! Aliás, se você inverter a
ordem, também não tem problema...
O que não pode, porém, é viver com lendas que afetam a eternida-
de.
Por essas e outras, quer saber qual é o caminho certo? Quer a verdade?
Prefere vida ao invés da morte? Então você só tem uma opção: Jesus. Ele
é “o caminho, a verdade e a vida”. A cruz e o túmulo estão aí para provar:
ninguém chega lá sem Ele.

Júlio Jandt
Itararé/SP
jullynho@yahoo.com.br

173
SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA
29 de maio de 2011

Salmo 66.8-20; Atos 17.16-31; 1 Pedro 3.13-22; João 14.15-21

1 LEITURAS

Salmo 66: O salmo inicia evocando a lembrança do êxodo e os grandes


feitos do Senhor em favor do seu povo. A partir do v. 8 o salmista lida com
a realidade de que o povo redimido ainda tem que lidar com os sofrimen-
tos, entendendo-os não como castigo, mas sim como provação que Deus
colocou para o bem do seu povo. No v.13 ele dá ainda mais um passo,
trazendo a experiência para o nível individual e ressaltando a resposta de
gratidão do que se reconhece amparado pelo Senhor. Por fim, aquilo que
Deus fez por ele serve de testemunho para os outros, mostrando que esse
Deus poderoso e temível do êxodo é o Deus pessoal que “não me rejeita
a oração, nem aparta de mim a sua graça” (v.20).

Atos 17.16-31: Paulo discursa em Atenas e procura fazer pontes


com a cultura local para transmitir a mensagem da ressurreição de Jesus
(v.31). O interessante a se reparar é que o seu testemunho é marcado
por perseguição e sofrimento antes, durante e depois deste episódio. Ele
vai para Atenas, fugindo de Bereia, onde judeus vieram de Tessalônica
para atrapalhá-lo (17.10-15). Em Atenas encontra o repúdio e desprezo
da maioria que, ou zombaram dele ou então o desprezaram como sem
importância (17.32). Por fim, ao chegar a Corinto, também sofre oposi-
ção dos judeus, indo, então, para os gentios. Mas em meio a tudo isso,
o Senhor diz para Paulo: “Não temas; pelo contrário, fala e não te cales;
porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho
muito povo nesta cidade” (At 18.10).

1 Pedro 3.13-22: toda a carta de Pedro é um estímulo e exortação


para que os cristãos espalhados pela Ásia Menor continuem firmes no
Senhor. É a resposta do apóstolo a dificuldades que devem ter surgido
por causa da vida cristã naquela realidade. Já em sua ação de graças o
apóstolo menciona que os sofrimentos por causa da fé em Cristo podem
entristecer por momentos a vida, mas que eles servem para, na verdade,
aperfeiçoar a fé em Jesus Cristo, a quem amam e por isso, com ele sofrem
num mundo que não entende este amor (1 Pe 1.3-9). Em nosso trecho
vemos uma clara conexão com o próprio sermão do monte de Jesus –

174
SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA

“sofrer por causa da justiça”. A vida no Reino de Deus acaba implicando


dificuldades, que não devem ser entendidas como falta de cuidado de
Deus, mas oposição aberta de um mundo mau, que devem ser respondidas
não com um revide pelos valores deste mundo, mas pelos do reino, com
“mansidão e temor, com boa consciência” (v. 16).

João 14.15-21: este trecho é colocado na moldura dos vv.15 e 21,


que dizem a mesma coisa, mas de forma inversa. A moldura maior é en-
tendida a partir do cap. 13, do lavapés e do novo mandamento: “Que vos
ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis
uns aos outros” (v.34). Como luteranos podemos ficar desconfortáveis
com esta linguagem “amorosa” de Jesus, uma vez que gostamos de falar
de fé em sua concepção forense. Esta linguagem terna de Jesus, porém,
é peculiar a João, que sempre ressalta o amor de Deus que o motiva a
agir em favor dos seres humanos (Jo 3.16).

2 COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO DE JOÃO 14

O lecionário coloca diante de nós uma tarefa hercúlea: buscar uma


concordância entre os três grandes apóstolos do Senhor e unificar suas
diferentes ênfases teológicas. Podemos tentar fazer isto, mas não deve-
ríamos com isso ignorar o tom próprio de João, suas ênfases e contexto.
Aqui ele fala sobre discipulado. São as últimas palavras de Jesus antes
dos eventos que o levariam à condenação. Este trecho ocupa parte signi-
ficativa do Evangelho de João, cerca de ¼ do mesmo. Começa no capítulo
13 e vai até ao 17 e João o inicia assim: “Ora, antes da festa da Páscoa,
sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para
o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”
(Jo 13.1). Dentro desta moldura maior, vemos que Jesus fala em nosso
texto exatamente de sua partida e do amor que deveria permanecer entre
seus discípulos (cf. Jo 13. 34-35).
Jesus não está ensinando justificação por obras, pelo amor. Se temos
dificuldade aqui, podemos ver no capítulo 15 que as coisas ficam bem
claras na parábola da videira, onde Jesus deixa claro que seus discípulos
só podem dar frutos se estiverem conectados a ele, a videira, e que são
limpos por meio da Palavra. Além disso, fica bem claro o paradigma para
o amor cristão quando João diz em sua epístola: “Nós amamos porque
ele nos amou primeiro” (1 Jo 4.19).
Como usual em João, muitas coisas do que Jesus diz parecem ser de
difícil entendimento e parece difícil precisar quando acontecerá aquilo a que
ele se refere. Por exemplo, quando ele voltará para os discípulos (v.18)?
Está falando de sua morte e ressurreição (v. 19), ou de seu retorno no
último dia, após ter enviado o Espírito (cf. v.16)?

175
IGREJA LUTERANA

Liturgicamente, o 6º Domingo de Páscoa é aquele que antecede o dia


de Ascensão. A vida em comunhão fundada na morte e ressurreição de
Jesus, a partir da Ascensão vive uma dupla expectativa: a da descida do
Espírito Santo, que está sempre conosco (v.16) e se manifesta na vida da
igreja na Palavra de Deus anunciada e nos sacramentos administrados,
e a do retorno de Cristo (poderíamos dizer que esta dupla expectativa é
atendida pela dupla tarefa da igreja, cf. Mt 28 – batizar, para que o Espírito
desça sobre o crente, e ensinar, aperfeiçoando os crentes até o retorno
de Cristo. Porém isto seria adicionar um quarto discípulo, o que seria um
pouquinho demais para o mesmo domingo).
O capítulo 14 do evangelho de João começa com a promessa de Jesus
que iria, mas que voltaria também para os seus discípulos, para os rece-
ber e para que vivessem com ele. A Igreja de Cristo caminha pela força
do Espírito, sempre ansiando e antecipando o retorno de seu Salvador.
Creem, pela ação do Espírito, que a morte e a ressurreição de Jesus foi
a inauguração desta nova realidade, onde a morte e o pecado não têm
mais seus poderes devastadores e destruidores, mas ainda não conse-
guem apreender esta realidade pelos seus sentidos, pois os sofrimentos
e dificuldades do mundo sob o pecado são bem reais e as vezes desespe-
radores. Somente quando pela Palavra compreendem que é necessário
que Jesus retorne para que todas as coisas sejam restauradas, é que
eles conseguem caminhar com esperança (1 Jo 3.2-3). Uma esperança
que não faz abandonar o mundo, que continua gemendo sob o pecado,
mas que preenche o coração e da qual sempre se está pronto a falar (cf.
1 Pe 3.15-16). Assim, a grande esperança cristã não é “morrer e ir para
o céu”, pois com isso não acaba o pecado, o sofrimento e a morte neste
mundo, mas sim o retorno de Cristo, que põe fim a tudo isso. Não é uma
esperança apenas para a outra vida, mas sempre e onde quer que exista
vida. Uma esperança que não é coisa de palavra (1 Jo 3.18), mas é vista e
experimentada no amor mútuo entre os irmãos, no amor e cuidado pelos
que “se perdem”, como o demonstrado por Paulo em Atenas, e no amor
pela criação deste Deus triúno que é amor em si mesmo (1Jo 4.16) e que
quer o ser humano nesta mesma comunhão.
Em sua epístola, João contrapõe o medo ao amor, dizendo que o medo
produz tormento (1Jo 4.18). Só teme aquele que deve alguma coisa ou
então quem tem a sua integridade ameaçada. No evangelho, porém,
vemos que Jesus promete outro parákleto. A palavra é originária de con-
textos legais, mas também pode significar aquele que está ao lado para
ajudar. Se é outro parákleto, isto quer dizer que já existe um. Vemos que
o próprio João nos apresenta este parákleto, o próprio Cristo (1Jo 2.1).

176
SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA

Cristo é o nosso parákleto, que defende a nossa causa e acaba com as


nossas dívidas, sendo o nosso advogado, e o Espírito é o outro parákleto,
que zela pela nossa integridade espiritual (não entendida num sentido
dualista, porém!), amparando os filhos de Deus (cf. Rm 8.22-27). Assim,
amparados por um e pelo outro parákleto, não precisamos ter medo, mas
podemos viver no amor concedido por Deus.
Vencer as barreiras que impedem que o amor de Deus possa ser vi-
vido, transmitido e compartilhado é o grande desafio para a comunidade
do ressuscitado. E não somente as barreiras impostas pelo “mundo”, mas
as que existem dentro das famílias e da própria congregação. Claro que
atualmente é ainda mais difícil a convivência com os irmãos na fé, devido
aos muitos compromissos (e muitas desculpas também!) de uma vida
urbana e bastante caótica, mas deveríamos sempre repensar quais são as
maneiras concretas de amar o irmão: da congregação, da vizinhança, do
mundo que sofre sob o pecado? Seria um cumprimento polido no início e/
ou final do culto suficiente? Seria uma ênfase nas ofertas o bastante, para
que a congregação tenha bastante atividades e as pessoas “engajadas”?
E como vencer as barreiras do medo e da insegurança que impedem a
vivência do amor em nossos relacionamentos? Quantas famílias conhe-
cem o amor apenas como substantivo, como uma classe gramatical, e
não como ação que se manifesta na vivência diária? Quantos filhos hoje
poderiam ser considerados órfãos, mesmo tendo pai e mãe? Não recebem
afeto, carinho, limites, não têm pais que lhes ensinem a palavra de Deus
e o seu amor?

3 PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Você sabe o que é amor?

Seria um substantivo? (um ideal, um anseio, uma “verdade”)


Não, ele é ação, com iniciativa de Deus (Triúno – concretizada em
Cristo, manifestada a nós pelo Espírito – os parákletos que nos auxiliam
a sentir, viver e compartilhar o amor de Deus).
É algo que se compartilha (em ações, palavras e na perseverança).

Paulo Samuel Albrecht


Rio de Janeiro/RJ
pastorpaulo@igreja-cristoredentor.org.br

177
ASCENSÃO DO SENHOR
02 de junho de 2011

Salmo 47; Atos 1.1-11; Efésios 1.15-23; Lucas 24.44-53

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS AO TEXTO DE EFÉSIOS

V. 16: Este versículo olha para trás, para o v.15. Paulo agradece a Deus
porque ele tem ouvido coisas boas sobre os cristãos de Éfeso: a fé em
Jesus e seu amor uns para com os outros. Mas o versículo também olha
para frente e nos dá uma pista para o restante do texto. Versos 15-23
são uma sentença. A idéia central é realmente a oração de intercessão
de Paulo pela igreja em Corinto, que poderia muito bem ser a oração de
um pastor por sua congregação.
V.17: O conhecimento de Deus é o pensamento chave neste versículo.
Lenski comenta que epignosis é “o conhecimento que realmente apreende
Deus, verdadeira realização no coração e não somente a do intelecto”.
Deve ser um conhecimento de Deus como o de Abraão, que “foi chamado
o amigo de Deus” (Tiago 2.23). Nós só conhecemos a Deus pessoalmente
por meio do Filho de Deus, Jesus (João 14.7).
Vv.18-19: A esperança está na “herança” e “poder”. Esta mesma he-
rança é mencionada em 1Pedro 1.4, e poder é concedido para ser cristão
agora nesta era, ver 2Tm.1.7. Devemos ser cuidadosos para não esquecer
o poder que Deus nos dá ou deixar o nosso cristianismo deteriorar-se em
mera religiosidade, ver 2 Tm. 3.5. O Deus vivo está com a gente!
Vv. 20-21: Os dois particípios aoristo colocam como Deus operou Seu
poder: egeiras e kathisas. Cristo foi ressuscitado uma vez por todas dos
mortos, e ele foi exaltado uma vez por todas acima de tudo. Sua exaltação
também é expressa em Filipenses 2.9-11. A frase “muito acima de todo
poder e autoridade, poder e dominação” (Ef. 1.21) expressam o domínio
de Cristo sobre a hierarquia angelical, anjos no céu e os anjos caídos. Seu
governo é permanente e se estende até a era “que está por vir”.
Vv. 22-23: “Ele colocou todas as coisas debaixo de seus pés” faz alusão
à profecia messiânica do Sl 110.1-2, a passagem do Antigo Testamento
mais citada no Novo Testamento.
No dia da Ascensão, Cristo deixou os Seus discípulos de forma visível.
Se um pastor soubesse que logo estaria deixando sua congregação, po-
demos imaginar o que sua oração de intercessão significaria. Ela poderia

178
ASCENSÃO DO SENHOR

muito bem ser a mesma oração de intercessão de Paulo pela igreja de


Éfeso (Bruce J. Lieske)

2 LUCAS 24.44-53

A ascensão de nosso Senhor marca um final e um começo também. O


ministério terreno de Jesus havia sido realizado. Agora, como registrado
nas palavras de encerramento do evangelho de Lucas, Jesus deu instruções
finais aos seus discípulos. Então ele subiu no alto para a posição de glória
eterna que Ele, o Filho de Deus, tinha deixado para ser nosso Redentor.
Mas esse final foi realmente um começo, pois agora ele iria conceder o
poder sobre o Seu povo fiel.

3 ESBOÇO DE SERMÃO

Poder para final e começo

I. Nós finalizamos e começamos com a poderosa Palavra.


A. Jesus é o cumprimento da Palavra.
1. O alcance da história da salvação abrange “todas as coisas es-
critas sobre mim na Lei de Moisés, nos profetas e nos Salmos”
(Lucas 24.44).
2. Evangelho de Lucas é um registro de cumprimento (aqui o pre-
gador irá querer rever o tema de Lucas e a progressão através
da vida de Jesus. Este dia oferece uma boa oportunidade para
resumir a vida de Jesus desde João Batista até a ascensão).
B. Jesus se revela como o centro da Palavra.
1. Ele “abriu suas mentes para entenderem as Escrituras” (v.45)
(sem Cristo, a Palavra se torna um mero registro da história
antiga).
2. Sua morte e ressurreição são a chave que abre a Palavra.
C. O cumprimento, Cristo – é centro da Palavra que deve ser procla-
mada.
1. O anúncio é o arrependimento e o perdão em Seu nome.
2. É proclamada a todas as nações.

O propósito das Escrituras não é um beco sem saída. É um novo co-


meço, pois tem poder, pela proclamação, para trazer arrependimento e
perdão e novos começos.

179
IGREJA LUTERANA

II. Nós finalizamos e começamos com o poder do Espírito Santo.


A. Somos chamados a ser testemunhas.
1. Somos testemunhas do que os discípulos tinham visto em
Cristo (passado)
2. Somos testemunhas do que pela fé nós vimos (passado)
B. Mas, espere! O poder virá!
1. Pentecostes “vestiu” os discípulos com o poder do Espírito
Santo.
2. Nós também começamos pelo poder do Espírito a testemunhar
Jesus Cristo.

Uma testemunha é aquele que não pode deixar de falar e viver os finais
e os começos que Deus concedeu por sua graça. Quando começamos, nós
recebemos o Cristo vivo.

III. Nós finalizamos e começamos com a poderosa bênção de Cristo.


A. O ponto final do ministério terreno de Jesus foi a ascensão.
1. Ele ascendeu ao céu para receber toda a glória e honra.
2. Ele subiu para abençoar a sua Igreja em sua vida; é o cabeça
presente através da Palavra e dos Sacramentos.
B. Somos abençoados com alegria.
1. Os discípulos não lamentam a ida de Jesus, eles se alegra-
ram.
2. Isso é muito diferente do que um dia para lembrar tristeza e
desamparo.
3. O Cristo ressuscitado está conosco, e Ele voltará em Sua se-
gunda vinda.

Assim, cheios de alegria, os discípulos esperavam e “estavam sempre


no templo” (v.53). Nós também aguardamos o regresso do Senhor, não
com tristeza, mas com alegria, e não na fraqueza, mas em seu poder. A
ascensão é o final que trouxe novos começos. É o poder como o do nosso
batismo. Nossa vida terrena vai acabar, mas também vai começar com
alegria e vida eterna. (Richard G. Kapfer)

Marco A. Jacobsen
Canoas/RS
mamjacobsen@yahoo.com.br

180
SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA
05 de junho de 2011

Salmo 68.1-10; Atos 1.12-26; 1 Pedro 4.12-19; 5.6-11; João 17.1-11

CRISTO É GLORIFICADO NOS SEUS CRENTES

1 LEITURAS

Salmo 68.1-10
O Salmo 68 é um canto de louvor do povo que reconhece que nada
é, a não ser aquilo que Deus dele faz. Os justos (v. 3) são aqueles que
andam porque Deus é o seu caminho, suas pernas e seu destino. São
aqueles que caíram, que estão no desespero, a não ser que alguém tenha
deles misericórdia e os salve. São os órfãos deste mundo. São as pessoas
abandonadas que não têm como cuidar de si próprias e não têm ninguém
que as procure e lhes ofereça abrigo (vv. 5 e 6).
Este abrigo e seus abrigados é o monte Sinai. Havia e ainda os há,
montes maiores e mais férteis e com mais recursos para abrigar um povo.
Mas este é o abrigo reservado por Deus e no qual Deus promete cuidar
do seu povo.
A alegria e o louvor brotam do fato de que Deus está presente. Lem-
brar que nenhum fio cai da nossa cabeça sem a vontade expressa de
Deus consola e revigora o espírito. Essa presença não está oculta. Ela
está marcada pelos sinais visíveis de Deus entre o povo: sua palavra e os
sacramentos. E se Deus, por eles, nos marca e garante como seu povo,
o povo não precisa temer por ser fraco. Sua força é Deus.

At 1.12-26
Lucas nomeia o grupo que voltou para Jerusalém um a um, onze ao
todo. São estes os que Jesus separou para que esperassem pelo próximo
momento, ou kairós, de Deus. Parecem órfãos, como muitas vezes ao
longo da história do Reino de Deus sua igreja fiel se mostra frágil, fraca
e abandonada.
O grupo é pequeno. Jesus não está mais entre eles. O que fazer? Eles
oram. A igreja de Jesus, o povo de Deus, precisa ser lembrado de que é
pequeno e fraco para que a oração não esmoreça e não cesse.
A oração resulta da fraqueza. A oração reconhece a fragilidade humana
e a sua dependência de quem tenha misericórdia do ser humano. Mas
olhando para a história, foram os fracos, órfãos e viúvas que levantaram

181
IGREJA LUTERANA

as mãos em busca de misericórdia. E Deus jamais permitiu que um grito


de socorro fosse erguido em vão. Por eles e por causa deles Deus mantém
a pregação do seu Evangelho vivo.
Havia uma vaga no grupo. Eles a preencheram com o nome de Matias.
Deus tinha sua própria ideia de como esta vaga seria preenchida.
Precisamos planejar e agir. Mas sabemos que o caminho será percorrido
não graças ao nosso planejamento das rotas, mas pela graça, previdência
e providência de Deus.

1 Pe 4.12-19
Esta leitura nos remete para um tempo em que a igreja precisava ser
lembrada de que Deus é o Deus dos afligidos.
O ser humano nem sempre quer assumir sua realidade. O sofrimento
é parte da existência humana. Se não fosse a perseguição, a doença,
a derrota e a morte, o ser humano se gloriaria na forças própria, como
se a graça fosse mérito pessoal. Contra a sua natureza, Deus precisa
aproximar-nos da morte, até que somente nos reste a sua misericórdia
como única esperança.

2 GUARDADOS NO NOME DE DEUS – JOÃO 17.1-11

O cristão é cidadão de dois reinos distintos. A um destes ele está ligado


por nascimento. Ao outro ele está ligado pelo seu próprio desespero. O
segundo reino expõe toda a pequenez e fragilidade do ser humano. O se-
gundo reino somente começa a fazer sentido quando o ser humano se dá
conta de que as palavras “Tu és pó, e ao pó tornarás” são a única grande
verdade que o seu nascimento no primeiro reino lhe oferece.
Os discípulos queriam e insistiam em interpretar Jesus à luz da visão
equivocada que a vida no reino da carne requeria deles. “Podemos assentar
à tua direita e à tua esquerda quando o teu reino se revelar?” Foi este o
tópico de uma grande discussão entre eles. O evangelista Mateus não se
furta em dizer algo intrigante a respeito dos discípulos, mesmo enquanto
adoravam o Cristo ressuscitado: “… alguns duvidaram.”
Não é somente o mundo como realidade externa que ameaça os discípu-
los de Jesus. O mundo interior que percebe o mundo exterior necessita da
proteção e da guarda do Pai. Duvidar da palavra e da promessa é o pecado
mais presente no ser humano. Identificar e reconhecer este pecado em
nós talvez seja o exercício mais difícil e que somente Deus pode realizar
naqueles que querem e pedem misericórdia para si e para o mundo que
quer pensar que necessita de Deus em parte e não totalmente.
Assim, Deus nos chama para si pelo sofrimento, pela fraqueza, pelas
perdas e lutos que se abatem sobre nós e ao nosso redor. É exatamente
o sofrimento, que revela a nossa fraqueza, o instrumento amoroso de

182
SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA

Deus que nos faz implorar pela sua presença e a sua proteção. Ao pedir
ao Pai: “Pai santo, guarda-os em teu nome” Jesus está pedindo que Deus
nos faça buscá-lo.
Mas Deus também nos atrai a si pelas bênçãos que nos dá quando
as reconhecemos como tais: bênçãos de Deus. Não são leis da natureza.
Pois a própria ordem que se pode perceber na natureza é uma bênção de
Deus. Mas Deus, ele próprio, não está sujeito a elas, a não ser naquilo
que Deus é fiel às ordens que ele criou e preserva a favor da vida que ele
nos oferece para que a experimentemos.
Jesus intercede a favor dos seus porque conhece o Pai e pede por
tudo aquilo que Deus tem dado desde o princípio. O mais importante e
revelador é que Jesus mostra-se aos seus discípulos como o intercessor
junto ao Pai. Ele é o POR VÓS, aquele que se deu por nós e que ainda se
dá por nós na palavra e no sacramento.

3 SUGESTÃO PARA USO DESTES TEXTOS, NO ESPÍRITO


DA PÁSCOA

Tema: Somos guardados por Deus


Transições: Somos chamados a confiar nisto:
1. Em toda e qualquer circunstância
1.1 Nas coisas boas que Deus concede
Nelas confirma em nós e para nós que ele quer o bem de todos
assim como o seu Filho demonstrou
1.2 Nas coisas que não consideramos boas, mas que também
vêm de Deus
Nelas Deus confirma que somos de Jesus, considerados dignos de
conhecer o sofrimento. Deus nos chama a si para que confiemos mais e
mais na sua palavra.
Somos chamados a confiar nisto:
1. Porque temos um intercessor junto a Deus
2. Porque necessitamos que alguém interceda por nós
3. Porque temos um intercessor dentro de nós
Somos chamados a confiar nisto:
1. Para intercedermos junto a Deus pelos que nos fazem mal
2. Intercedermos junto a Deus pelos que sofrem
3. Intercedermos junto a Deus por aqueles que ele envia a fazer
o bem por nós.

Paulo P. Weirich
São Leopoldo/RS
weirich.proskep@gmail.com

183
PENTECOSTES
12 de junho de 2011

Salmo 25.1-15; Joel 2.28-32; Atos 2.1-21; João 7.37-39

1 CONTEXTO LITÚRGICO

“A obra do Espírito Santo inclui a recriação”, afirma Robert Kolb, em seu


livro Comunicando o Evangelho Hoje (p.171). Somos recriados através da
água unida à Palavra, para uma vida verdadeira – eterna – na presença
de Deus já aqui neste mundo, embora ainda não de forma perfeita.
O Domingo de Pentecostes faz parte do período de Páscoa, que com-
preende também os domingos da Ressurreição e Ascensão. É o dia em
que os textos bíblicos refletem o cumprimento da promessa do envio do
Espírito Santo, bem como enfatizam a obra dEle.
Dentro deste arranjo o Sl 25.1-15 apresenta-nos um rei que vivia na
presença de Deus e que, portanto, pede Sua ajuda, orientação e perdão.
Davi pede, ainda, que Deus lembre de Suas misericórdias e que não lembre
dos pecados do salmista – o Deus verdadeiro lembra de Suas promessas
e não lembra dos nossos pecados (Is 43.25).
No texto de Jl 2.28-32, Aquele que lembra de Suas promessas, o
SENHOR Deus, promete que o Espírito seria derramado “sobre toda a
carne” – não mais apenas sobre os profetas e outros que desempenha-
vam funções de liderança entre o povo de Deus – todos, sem distinção,
são objetos desta tão amorosa promessa. O derramamento do Espírito
Santo também fora prometido pelo SENHOR em Is 44.3, onde água seria
derramada “sobre o sedento” e “o meu Espírito”, diz o SENHOR, “sobre
a tua posteridade”.
Já no texto de At 2.1-21 é registrado o cumprimento da promes-
sa; o que fora dito por Deus através do profeta Joel é cumprido no dia
do Pentecostes. A forma visível e extraordinária do cumprimento de tal
promessa – as línguas de fogo e o falar em diferentes idiomas milagrosa-
mente – indicam o resultado do derramamento do Espírito. Os seguidores
de Jesus passam a proclamar sua obra, o que resulta na “recriação” de
vidas: “Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo
um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas” (2.41).

184
PENTECOSTES

2 CONTEXTO E COMENTÁRIO: JOÃO 7.37-39

No Evangelho de João, o Espírito Santo recebe uma atenção toda


especial. Além de apresentar uma série de afirmações que enfatizam a
obra do Espírito (14.17; 14.26; 15.26; 16.8; 16.13; 16.14), João relata
episódios em que Jesus aponta para o resultado da presença do Espírito
Santo na vida de alguém – “do seu interior fluirão rios de água viva”.
Diferente dos evangelhos sinóticos (nos quais Jesus ensina geralmente
através de parábolas), em João os ensinos de Jesus acontecem através
de discursos e diálogos. Entre eles, merecem destaque as conversas de
Jesus com pessoas sedentas por uma mensagem e atitude confortadora/
acolhedora. No capítulo 3, por exemplo, Jesus tem um diálogo com um
fariseu chamado Nicodemos, que vai ao seu encontro; ele vê em Jesus um
“Mestre vindo da parte de Deus”, embora não creia nele como o Messias;
faltava-lhe “nascer da água e do Espírito” (3.5). Já no capítulo 4 Jesus
rompe as barreiras culturais e conversa com uma mulher samaritana em
frente a um poço de onde ela costumava tirar água; sozinha e no horário
mais quente do dia (talvez por viver excluída devido à má fama que tinha
– v.18), ela encontra em Jesus palavras que a fazem sentir sede por uma
vida verdadeira, completa – eterna – o que é oferecido por Jesus a todo
ser humano, sem distinção.

2.1 Comentário Textual


V.37: “No último dia, o grande dia da festa [...]” – A festa à qual João
se refere é a “Festa dos Tabernáculos” (Lv 23.34). No oitavo dia da festa
era feita uma cerimônia com água, o que explica o porquê das palavras
de Jesus no que segue. “Se alguém tem sede, venha a mim e beba”. O
diálogo de Jesus com a mulher samaritana no cap. 4 e a resposta dele
após a murmuração dos judeus devido o seu discurso sobre “o pão da
vida” (6.53-56) permitem-nos concluir que Jesus não fala aqui de uma
sede física, mas da sede espiritual presente em todos os seres humanos,
e que era, na época, acentuada pelas exigências da lei ensinada pelos
líderes judeus. O cumprimento de tais exigências atenderia expectativas
e idéias sobre o relacionamento com Deus inventadas pelo homem, mas
levaria os sedentos, no entanto, a morrerem de sede espiritual. Jesus,
pelo contrário, oferece vida a todos.
V.38: “do seu interior fluirão rios de água viva” – O pronome pessoal
no caso genitivo - auvtou/: “dele, seu” – refere-se ao sujeito da frase – o`
pisteu,wn – “quem crer” (um particípio funcionando como um substantivo).
Conclui-se, assim, que “rios de água viva” fluiriam de todo aquele que
crê em Cristo. Outro fator relevante aqui é a expressão “u[datoj zw/ntoj”,
traduzida por “rios de água viva”; tal expressão nos remete às descrições

185
IGREJA LUTERANA

feitas por João no livro de Apocalipse sobre o “novo céu e a nova terra”
(Ap 7.17; 21.6; 22.21), em que Jesus diz: “Eu, a quem tem sede, darei
de graça da fonte da água da vida” (21.6), e onde o cordeiro apascentará
e guiará seu rebanho “para as fontes de água da vida. E Deus lhes enxu-
gará dos olhos as lágrimas” (7.17). Através desta fonte, a vida passa a
ser eterna, pois a pessoa vive na presença de Deus.
V.39: João interpreta o que Jesus dissera afirmando que as palavras
do Salvador diziam “respeito ao Espírito”. Os rios de água viva não são,
portanto, algo que o ser humano possui por si mesmo, mas, sim, a vida
recriada pelo próprio Espírito, e que flui da igreja na medida em que o
Espírito dá testemunho de Cristo (Jo 15.26) pela boca de seres humanos
(At 1.8), assim como aconteceu com os apóstolos na ocasião do Pente-
costes (At 2).

3 REFLEXÃO HOMILÉTICA

As diferentes e crescentes formas de espiritualidade dos dias de hoje


apontam para uma realidade – o ser humano nasce sedento espiritual-
mente. A pergunta qual será o sentido da vida?, por exemplo, indica-nos
que pessoas podem estar morrendo de sede espiritual; em alguns casos,
talvez, porque não sabem quão saudável é beber de uma água cuja fonte
é pura. Em outros, ainda, porque podem não ter a seu alcance tal água
para beber. De qualquer forma, a água que Jesus oferece é para aqueles
que têm sede. É necessário, portanto, que a Palavra seja pregada de
modo que todos venham a sentir sede (lei), para que possam em seguida
saciar tal necessidade com o evangelho em abundância, conforme afirma
Martinho Lutero, ao comentar o presente texto.
Refletindo mais profundamente, a sede espiritual provém do distan-
ciamento do ser humano do Senhor da vida (Gn 3), o que causa todo o
sofrimento e morte – física e espiritual. Mas, em amor e misericórdia, Deus
prometeu e realizou uma obra que nos reaproxima dEle – a obra de Cristo.
E por meio da fé nesta obra o Espírito é derramado sobre os sedentos, sem
distinção; de modo que, embora sejamos frágeis e diariamente sedentos
por perdão devido o nosso constante “distanciar-se/afastar-se” de Deus,
somos feitos testemunhas de Cristo, apontando para o perdão e a vida
que jamais acaba – uma vez começada no batismo, esta vida não tem
mais fim, pois continua no céu.
Diante das dificuldades diárias vividas pelos cristãos do século I, bem
como do século XXI, assim como foi com os apóstolos (At 2), o Espírito
Santo está em nós e fala através de nossas bocas, mostrando o poder de
Deus em meio à nossa fraqueza. Tendo sido saciada a sede espiritual, a
vida tem sentido, sim, porque não precisa mais ser vivida para os desejos

186
PENTECOSTES

egoístas que conduzem à culpa, mas pode ser vivida em direção e serviço
àqueles que precisam de nossa ajuda e da água que Jesus oferece.
Em Cristo, vida passa a fluir do interior daquele que crê, pois neste
habita o Espírito da Vida.

4 SUGESTÃO HOMILÉTICA

Objetivo: Proclamar que Jesus é fonte de vida; não de qualquer vida,


mas da vida verdadeira – eterna e na presença de Deus – mostrando que
nesta vida já se desfruta de pequenas antecipações do que ainda está por
vir no novo céu e nova terra, pois o Espírito Santo, o Deus verdadeiro, já
habita em nós.

Tema: Jesus é a fonte da vida verdadeira!


1. Ele enviou Aquele que nos recria para a vida eterna;
2. Ele nos permite viver na presença de Deus – o Espírito habita em
nós!
3. Ele faz fluir vida da igreja, pois o Espírito aponta para o Senhor da
Vida.

5 BIBLIOGRAFIA

LUTHER, Martin. Luther’s Works: Sermons on the Gospel of St. John.


V. 23. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1999.
SCAER, Peter. “Jesus and the Woman at the Well: Where does Mission
Meets Worship.” Concordia Theological Quartely 67 (2003) 3-18.
KOLB, Robert. Comunicando o Evangelho Hoje. Trad. Dieter Joel Jag-
now. Porto Alegre: Concórdia, 1995.
R.C.H., LENSKI. The Interpretation of St. John’s Gospel. Saint Louis:
Concordia Publishing House, 1961.

Samuel R. Fuhrmann
Santa Cruz do Sul/RS
samuelfuhrmann@yahoo.com.br

187
DEVOCIONAL
“TODOS OS DEUSES ESTÃO MORTOS”

João 5.1-9

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, amém.


“Todos os deuses estão mortos. Eles morreram há muito tempo atrás.
E eles nos deixaram completamente sozinhos.” Foi isso que ela me falou.
Era um dia quente na temporada de seca na Tailândia, um país na Ásia.
Eu estava morando lá e ensinando inglês numa escola. Num dia de folga
decidi fazer um tour em um centro budista. A guia do tour explicou so-
bre os templos e a cultura tailandesa e também conversou comigo sobre
religião. Nós conversamos especialmente sobre as diferenças e algumas
similaridades surpreendentes entre o cristianismo e o budismo. Quando
questionei o que ela pensava sobre como o mundo e tudo o que existe
foi criado, ela me respondeu assim: “Todos os deuses estão mortos. Eles
morreram há muito tempo atrás. E eles nos deixaram completamente
sozinhos”.
E daí, a conversa mudou para a oração. Eu perguntei: “Se todos os
deuses estão mortos, para quem vocês oram?” E ela me respondeu: “Eu
oro, mas as minhas orações não são iguais às suas, como de um cristão. O
que estou fazendo quando oro é mais parecido com o que vocês chamam
de meditação. Eu medito para poder agir nesta vida como uma pessoa
sensível e querida em tudo que eu faço”. Tudo isso é só para dizer que ela
não ora para ninguém na verdade.
E antes que vocês aqui hoje concluam que estas ideias de deuses mor-
tos e de orações que você simplesmente joga para o vento são somente
aspectos de religiões não-cristãs, quero que vocês pensem comigo sobre
as situações destes cristãos de quem eu vou falar.
Ela estava sentada sozinha no quarto, uma esposa de um homem que
foi o marido dela simplesmente por nome porque há muitos anos não se
comportou como um marido de verdade. E ela estava lá sentada, orando
para mais um dia. Orando para que o marido dela mudasse. Orando por um
milagre. Que ele parasse de beber. Que ele conseguisse um emprego.
E a situação de um homem que está orando pela sua mulher que está
sofrendo de câncer? Será que ele deve orar para ela falecer? Será que
ele deve orar para o perdão de Deus mais uma vez porque ele tinha este
pensamento e ele se sente culpado?
Ou quem sabe a sua situação, orando pedindo perdão por mais uma
vez cometer o mesmo pecado que você comete quase todo dia e que

188
DEVOCIONAL

você não fala para ninguém? Orando que Deus vai te apoiar com a sua
santificação enquanto o diabo está tomando conta de você?
E aí começa a surgir uma pergunta. Ela começa bem pequeninha dentro
do coração de um cristão. Uma pergunta que começa como uma pequena
voz na sua cabeça: “Cadê Deus?” “Será que Ele está me ouvindo?” “Por
que Ele está permitindo isso ou aquilo acontecer na minha vida?” Antes
que você saiba, você fica inseguro na sua fé. Você se sente como o budista,
pensando que talvez Deus esteja morto e que nos deixou completamente
sozinhos no meio do nosso sofrimento e confusão.
Bom, eu sei que há pessoas nesta comunidade que jamais pensaram
nestas questões que estou descrevendo. Mas também sei que há pessoas
nesta comunidade que já pensaram sobre estas questões de fé. Por isso
gostaria de falar com vocês hoje sobre o assunto oração. Quero olhar
junto com vocês estas perguntas difíceis. E para ter um fundamento mais
seguro do que a minha própria opinião, vamos olhar juntos para a leitura
do evangelho de João, capítulo 5, versículos 1-9.
38 anos. 38 anos este homem na leitura de hoje sofreu de uma doença
debilitante que afligiu o seu corpo e até comprometeu a sua capacidade
de caminhar, a capacidade de viver a sua própria vida. 38 anos. Meus
irmãos, esta é uma doença que naquele ponto da história já tinha dura-
do mais tempo do que algumas pessoas viviam! E eu li um comentário
bíblico sobre esta leitura enquanto estava preparando este sermão. Um
comentário é um livro escrito por um professor ou outro falando sobre o
texto bíblico. Neste comentário diz que Jesus chegou perto deste homem
que não pediu ajuda e o curou. Mas isto não é a verdade. Concordo que
provavelmente este homem não compreendeu que Jesus é o próprio Deus.
Concordo que provavelmente este homem não entendeu que este outro
homem de pé diante dele, e com quem ele estava falando, era o Verbo
que no princípio estava com Deus e era Deus. Mas isto não quer dizer
que este paralítico jamais pediu a ajuda dele. Pense comigo. Vocês não
acham que este homem orou por uma cura? Em 38 anos, será que ele
nunca orou para a libertação desta doença horrível?
Eu sei que ele deve ter orado por uma cura porque ele até já estava
seguindo a superstição dos gentios e dos romanos que moravam entre os
judeus na época. Ele estava deitado ao lado de uma fonte de águas mine-
rais. Os romanos e os gregos acreditavam que este tipo de água tinha o
poder de curar o organismo de várias doenças. Mas esta superstição não
fez parte das convicções tradicionais dos judeus na época. Não faz parte
da religião judaica. Então, vou fazer uma pergunta para vocês: Quanto
tempo vocês acham que este homem orou durante os 38 anos até que
ele se desesperou e decidiu que Deus não o estava ouvindo e começou
a seguir as práticas não tradicionais para uma cura? Vocês acham que o

189
IGREJA LUTERANA

nome deste tanque foi uma ironia para ele? Pessoal, Betezata significa
“casa de misericórdia” na língua deles. Vocês acham que este paralítico
ficou lá deitado todo dia e pensou consigo mesmo: “Cadê a misericórdia
para mim?”
Porém, de repente, Jesus chegou. E ele tinha uma coisa só para falar
com este homem que sofria. É uma pergunta bem direta sobre oração
que vem do único que nos ouve. Uma pergunta que vai direto ao ponto:
“Você quer ficar curado?” “Você quer ficar curado?” É uma pergunta muito
importante, não é mesmo? Sim, é uma pergunta importante porque depois
de 38 anos uma pessoa pode se acostumar com o sofrimento. Ela pode se
acostumar com a dor. Ela pára de olhar para a ajuda e o resgate que vem
de Deus e consequentemente não consegue ver a sua própria vida fora do
sofrimento. O próprio sofrimento se torna a identidade da pessoa.
Esta também é uma pergunta importante para nós hoje. E eu viajei
dos Estados Unidos para dizer a todos vocês que sua identidade hoje não
é “divorciado”. Sua identidade não é “viúva”. Seu nome não é “doente” ou
“viciado”. Sua identidade, seu nome próprio é “filho de Deus”. Em virtude
do seu batismo, a sua vida está escondida em Cristo que está unido com
Deus, segundo o apóstolo Paulo em Colossenses. Mas mesmo assim, será
que o seu sofrimento atrapalha as suas orações porque você já não con-
segue ver a sua própria vida fora do seu sofrimento? Se você está aqui
hoje e está trocando sua identidade como um filho de Deus com o nome
do seu sofrimento, então segura aí, porque aqui vem Jesus! Aqui vem
Jesus com uma pergunta para você: “Você quer ficar curado?”
Note bem a resposta do paralítico. É interessante. Parece que quando
Jesus faz a pergunta mais importante na vida deste homem, ele responde-
ria num jeito muito positivo. “Sim, senhor! Quero ficar curado!” Ou pelo
menos ele responderia com algo semelhante como “Olha, não sei se você
é um médico ou um curandeiro ou rabi. Mas de qualquer maneira, se você
pode me ajudar, me ajude então!” Mas ele não responde assim. Ele só
fica lá olhando para sua situação e sua dor. A resposta dele é a resposta
de alguém que está afogando-se em dor. No versículo 7 o paralítico disse:
“Senhor, eu não tenho ninguém para me pôr no tanque quando a água se
mexe. Cada vez que eu tento entrar, outro doente entra antes de mim”.
Ele está tão fixado no fato de que ele não pode descer até a água.
Ele é tão doente que nem é capaz de mergulhar na promessa de uma
cura. E Jesus? Pois é, Jesus ignora os assim chamados aspectos mágicos
da água e simplesmente diz para ele: “Levante-se, pegue a sua cama
e ande!” Simples, hein? É uma coisa tão simples de dizer para alguém:
“Levante-se e anda”. E não há nenhuma resposta de Jesus para 38 anos
da pergunta “por quê?” que, sem dúvida, este homem perguntou muitas

190
DEVOCIONAL

vezes. Não há nem castigo por abandonar a oração em favor da supers-


tição da cultura ao redor dele. Cura. Só cura. Só: “Levante-se, pegue a
sua cama e ande!”.
Quero dizer a vocês hoje que eu não sei as respostas certas para
grandes perguntas como “Por que o mal existe neste mundo?”, e “Por que
algumas pessoas morrem de um jeito horrível?”, e “Por que Deus permi-
tiu isso?” E mesmo que eu não saiba qual é o grande desafio na vida de
cada um de vocês, eu quero incentivar vocês para uma vida devocional.
Quero oferecer uma esperança para as suas orações. Se você já orou e
orou e não consegue ver aquelas grandes promessas na Bíblia como:
“Pedi, e dar-se-vos-á”, e “tudo quanto pedires em meu nome, eu o farei”,
com sua experiência no dia a dia, continue orando. Sim. Continue orando
exatamente porque você já perguntou aquelas perguntas assustadoras:
“Cadê Deus?”, “Será que Ele está me ouvindo?”, “Por que Ele permitiu
isso?”, “Será que Deus existe?” Porque se você quer saber se Deus está
morto, eu posso dizer a você com confiança que Ele não está mais morto.
Mas uma vez Ele morreu. Uma vez Deus morreu e nos deixou sozinhos
no nosso sofrimento por 3 dias. E no terceiro dia ele ressuscitou. E hoje
ele vive e é a nossa esperança.
“Você quer ficar curado?” Eu gosto muito desta pergunta por que tem
dois significados. Tem o sentido que significa a cura de uma doença. E
também tem o sentido que significa o desejo de ser são em alma e es-
pírito. E daí, o mandamento de Jesus: “Levante-se, pegue a sua cama e
ande!” pode ser entendido como uma bênção. É uma bênção de Cristo
para viver em paz com Deus. E lembre bem que o próprio Jesus também
chegou perto de cada um de nós ao lado de uma fonte de água. Não foi
um tanque que todo mundo achou que tinha propriedades mágicas, mas
foi uma fonte onde a palavra dele vem para nos tornar sãos. No batismo
fomos perdoados de todos os nossos pecados. No batismo começamos a
viver as nossas vidas de novo em renovação.
Deus ouve você. Ele sabe do seu sofrimento. A Bíblia fala que nós
vamos sofrer nesta vida. Alguns de nós vamos ter de suportar um tipo de
sofrimento que parece ser insuportável. Um pastor que prega que você
não vai ter sofrimento ou dor nesta vida está pregando a mensagem do
diabo. Mas deixa-me falar mais uma vez que Deus morreu uma vez. Ele
morreu para você no seu sofrimento. E hoje, ele vive para ouvir sua ora-
ção. Ele vive para compartilhar com você na sua dor. Lembre que ele foi
um homem. Foi tentado que nem você, mas sem pecado. E ele conhece
muito bem o que é a dor e o sofrimento deste mundo porque ele foi in-
justamente crucificado por você.

191
IGREJA LUTERANA

E ele curou você. Você vai sofrer neste mundo e vai morrer um dia.
Mas, mesmo que você morra, você vai viver. Cristo é a verdadeira vida
de vocês, e, quando ele aparecer, vocês aparecerão com ele e tomarão
parte na sua glória (Colossenses 3.4). E para cada um de vocês, que hoje
não se sente são, vai ser mostrado como Deus vê você: são e bem no seu
Filho Jesus Cristo. Amém.

Sermão proferido pelo Pastor William D. Miller, pastor da LCMS em


Knoxville, Tennessee (EUA), na Comunidade Evangélica Luterana São
Paulo em Novo Hamburgo/RS, no dia 20 de março de 2011.

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