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MARIVALDA GUIMARÃES SOUSA

O RIO CACHOEIRA AQUÉM DE SUA POESIA: imaginário das águas e


sustentabilidade ambiental através do turismo litorâneo de Ilhéus -BA

ILHÉUS – BAHIA
2005
MARIVALDA GUIMARÃES SOUSA

O RIO CACHOEIRA AQUÉM DE SUA POESIA: imaginário das águas e


sustentabilidade ambiental através do turismo litorâneo de Ilhéus -BA

Dissertação apresentada, para obtenção do


título de Mestre em Cultura & Turismo, à
Universidade Estadual de Santa Cruz e
Universidade Federal da Bahia.

Área de Concentração: Memória, Identidade e


Expressões culturais

Orientadora: Profa Dra Maria de Lourdes Netto


Simões

ILHÉUS – BAHIA
2005
13

MARIVALDA GUIMARÃES SOUSA

O RIO CACHOEIRA AQUÉM DE SUA POESIA: imaginário das águas e


sustentabilidade ambiental através do turismo litorâneo de Ilhéus -BA

Dissertação apresentada, para obtenção do


título de Mestre em Cultura & Turismo, à
Universidade Estadual de Santa Cruz e
Universidade Federal da Bahia.

Área de Concentração: Memória, Identidade e


Expressões culturais

Orientadora: Profa Dra Maria de Lourdes Netto


Simões

Ilhéus-BA,

_____________________________________________
Maria de Lourdes Netto Simões – Profa Dra.
UESC/DLTA
(Orientadora)

_____________________________________________
Milton Araújo Moura – Prof. Dr.
UFBA-BA

_____________________________________________
Ada de Freiras Maneti Dencker - Profa Dra.
USP- SP
DEDICATÓRIA

Para os meus familiares,

Especialmente minha mãe Isabel, meu exemplo maior a ser seguido,

Para Célio, presença firme e amorosa de todos os momentos,

Para nossas filhas Maíra e Isabel Luci, duplicações de um amor integral,

Para o meu sobrinho e afilhado Afonso Augusto,

E para a minha querida mana, Marlúcia, apoio enérgico nos corriqueiros


momentos de “malemolência”.

In memorian

Para minha inesquecível Vó Orminda, amorosíssima presença de uma infância


que ainda não se consumiu,

Para meu querido tio Vivaldo que tantas vezes me levou


para nadar em outro cachoeira,

Para o meu querido e saudoso painho Manoel,

Para Cyro, Telmo e Val, poetas do rio,

Ao Rio Cachoeira, na pessoa de suas de populações ribeirinhas,

dedico.
15

AGRADECIMENTOS

À Universidade Estadual de Santa Cruz, à Universidade Federal da Bahia, à CAPES e


ao Departamento de Mestrado em Cultura & Turismo, pela oportunidade de realização do
curso.

À Profa. Dra Maria de Lourdes Netto Simões (adorável Tica), pela orientação,
amizade e apoio indispensáveis para uma caminhada acadêmica segura e, sobretudo, de vida.

A todos os professores do mestrado, em especial ao Prof. Dr. Dr. Helio Estrela


Barroco e à Profa Dra Sandra Maria Pereira do Sacramento, pelo apoio e dedicação.

Às amigas Aline, Gisane e Silmara pela amizade sincera, companheirismo e apoio:


indispensáveis.

A todos os amigos e colegas do mestrado, Moabe Breno, Letícia (Lelê), as Cíntias, o


divertidíssimo Adailson Henrique, Nina, Ailson, Adriana, Ana Paula, Mailane, Renata e
Anninha Grammont e Leonardo, cada um em sua especificidade de ser cada um:
inesquecíveis.

À secretária Graça Argolo, pela eficiência e cordialidade e a todos os funcionários do


mestrado pela presteza e zelo.

Ao Núcleo de Bacias Hidrográficas da UESC, na pessoa de seu coordenador, Prof.


Dr. Neylor Calasans, pelas fotografias gentilmente cedidas e que compõem este trabalho,
nossos agradecimentos.

Aos pescadores e contadores de ‘causos’ da comunidade ribeirinha do Banco da


Vitória, especialmente Seu Ozias, Tum, Pepeu, Pedro Silva, Miraldo, Nado e D. Enedina,
pelos depoimentos que direcionaram a pesquisa. A todos vocês meus sinceros
agradecimentos.

A toda minha família, em especial, Célio, companheiro prestimoso e incansável, que


na cumplicidade dos pequenos atos do cotidiano é o apoio desta travessia, e de tantas outras,
Ao meu cãozinho Freddie, fiel companheiro das madrugadas dissertativas.

A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, meus
sinceros agradecimentos.
RIO CACHOEIRA

Cada cidade ou região tem o seu rio, com sua gente, águas, bichos e
lendas. Escorrendo sentimentos líquidos, cada pessoa carrega no
coração o rio de sua cidade.
Cachoeira é como se chama o rio que atravessa a minha cidade. Já
teve lavadeiras e areeiros, quando ainda não existia a represa
próxima à Ponte Velha. Baronesas não ficavam entulhadas entre as
pedras pretas, espalhadas em vários trechos do rio. Bocas de vômito
não despejavam detritos nas águas claras. Lavadeiras estendiam
roupas que coloriam as inúmeras pedras. Cores e cantos davam um
belo visual ao velho rio.
Cyro de Mattos

Rio

Que rio é esse


sem brilhinhos na correnteza ?
Que rio é esse
sem corredeiras, pitus e lavadeiras?
Esse não é o rio da minha aldeia
Esse é o que restou do rio da minha aldeia.
Tica Simões

Um rio.
Um outro rio...
No tempo
E no espaço
Alterações...
Mari Guimarães
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O RIO CACHOEIRA AQUÉM DE SUA POESIA: imaginário das águas e


sustentabilidade ambiental através do turismo litorâneo de Ilhéus -BA

Autora: Marivalda Guimarães Sousa


Orientadora: Maria de Lourdes Netto Simões

RESUMO

Fonte de subsistência e de criação literária, o Rio Cachoeira, valioso patrimônio


natural da Região Sul-baiana, é tomado como tema deste estudo pela importância
socioambiental e cultural, bem como pelo potencial para o turismo que apresenta,
especialmente, na comunidade ribeirinha do Banco da Vitória, localizada no km 8 da Br-415,
no eixo da rodovia Ilhéus/Itabuna. A exuberante beleza paisagística e a riqueza cultural ali
presentes possibilitaram o estudo de seu imaginário, ficcionalizado nos causos assombrosos
contados pelos pescadores locais. O estudo constata o estado de degradação do rio Cachoeira,
decorrente da intensa poluição de suas águas; evidencia o seu valor histórico (Rio-caminho);
e ressalta o seu potencial cultural para o turismo local, através da Literatura Oral (Rio-
recre(i)ção). O texto dissertativo também apresenta reflexões ecológicas sobre a
transformação do outrora rio-provedor, fonte de sustentação ambiental, no agora rio-grande-
lixeira em que se tornou, devido aos maus tratos que o rio vem recebendo ao longo de toda a
bacia. Conclui que tal fato interfere, sobremaneira, na sustentabilidade turística litorânea de
Ilhéus, devido ao lançamento de esgotos sem tratamento diretamente no estuário de Coroa
Grande, espalhando-se em seguida pelas praias ilheenses. Com base nessas análises, o estudo
afirma que o meio ambiente (natural e cultural) preservado se constitui na principal matéria-
prima de uma destinação turística, e sugere um roteiro turístico baseado no potencial do Rio
Cachoeira.
THE CACHOEIRA RIVER AQUÉM DE SUA POESIA: The water imaginary and
sustentabilidade ambiental através do turismo litorâneo de Ilhéus -BA

Autora: Marivalda Guimarães Sousa


Orientadora: Maria de Lourdes Netto Simões

ABSTRACT

Fountain of subsistence and literary creation, the Cachoeira river, valuable natural
patrimony from southern region of Bahia, is the theme is this study due the cultural and
environmental importance, and for touristic potential that presents, specially, at Banco da
Vitoria community, localized 8 km from Ilhéus to Itabuna. The exuberant paisagistic beauty
and the cultural wealth presents there, allowed the imaginary study fictionalized in dreadfull
tales related by local fishermen. The study presents the degradation level of Cachoeira river,
caused by pollution show the historic value (“Rio-caminho”); and the cultural potential.
Through oral literature (“Rio-recre(i)ação”). The dissertate text presets too ecological
reflections about the “Rio-provedor” transformation, environmental sustentation fountain, in
the actual “Rio-grande-lixeira” that was transformed, due the bad treatments that the river is
receiving along the basin. It´s concluded that such fact influence, mainly, in the touristics
sustentability of Ilheus, due the untreated sewerage throwing direct in he “Coroa Grande”
estuary affecting the beaches of Ilhéus. Based in this analyses the study report that the
protected environment (natural and cultural) constitute the main row material of a touristics
destination, and suggest a tourists route based in the Cachoeira river potential.
19

LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Costa marítima de Ilhéus - foz do rio Cachoeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14


Figura 02: Drenagem exorréica do Rio Cachoeira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Figura 03: Vista panorâmica de Ilhéus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
.
Figura 04: Vista panorâmica de Ilhéus – Foz do Rio Cachoeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Figura 05: Áreas de manguezais – Coroa Grande . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Figura 06: Canoagem Rumo ao Mato Virgem - MARAMATA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
...
Figura 07: Vista aérea do Porto de Ilhéus - Coroa Grande. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
Figura 08: Córrego poluído que deságua diretamente nas praias ilheenses . . . . . . . .. .. . . . 77
. . . . . . 09:
Figura . . . Esgoto
. . . . . . sem
. . . .tratamento
. . . . . . . . . desaguando
. . . . . . . . . .na
. . Praia
. . . do Marciano, Ilhéus-BA . . . . . . . 77

Figura 10: Invasão dos manguezais - Ilhéus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79


Figura 11: Moradores da Rua do mosquito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Figura 12: Mapa Hidrológico- Município de Ilhéus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Figura 13: Mapa municípios que integram a Bacia Hidrográfica do Rio Cachoeira. . . . . . 83
.Figura
. . . . 14: Baronesas - Eichhornia crassipes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
..........
Figura 15: Ponte Miguel Calmon sobre o rio Cachoeira – Itabuna/BA. . . . . . . . . . . . . . . . 85
Figura 16: Multiplicação desordenada de macrófitas aquáticas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Figura 17: Mortandade de peixes do rio Cachoeira, zona urbana de Itabuna . . . . . . . . . . . 86
.
Figura 18: Barragem Rio Cachoeira – Itabuna /BA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Figura 19: Praia do Malhado, encobertas por baronesas – Ilhéus BA. . . . . . . . . . . . . . . 87
. . . . . .20:
Figura . . Praia
. . . . do
. . Malhado- Ilhéus BA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
. . . . . .21
Figura . .:Lavadeiras do Salobrinho – Ilhéus/BA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

Figura 22: Lavadeiras do Banco da Vitória - Ilhéus/BA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88


.
Figura 23: Vista parcial da cidade de Itabuna. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Figura 24: Esgoto sobre o rio Cachoeira – Itabuna/BA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
................
Figura 25: Grande enchente de 1967- Itabuna/BA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Figura 26: Grande enchente de 2002 – Itabuna/BA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
.
Figura 27: Fazenda Monte Alto- Ilhéus/Itabuna, km 9 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
. . . . . . 28:
Figura . . . Fazenda
. . . . . . . Monte
. Alto – rio cheio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
Figura 29: Rio Cachoeira - rodovia Ilhéus/Itabuna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Figura 30: Rodovia Ilhéus/Itabuna – km 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
Figura 31: Rio Cachoeira –Banco da Vitória- km 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
Figura 32: Porto fluvial – Banco da Vitória – km 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
SUMÁRIO

Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII

Abstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VIII

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 11
.
2. REVISANDO CONCEITOS em favor de um turismo cultural . . . . . . . . . . . . 25
.
2.1. Relacionando cultura e turismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 26

. . . ..Re-visitando a história: colonização portuguesa e subordinação cultural


2.2. 47

2.3. Rio-Caminho:mais um foco da história . . .. . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 52

3. DE RIO-PROVEDOR A RIO-GRANDE-LIXEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

3.1. Degradação e poluição dos rios: uma realidade global que se reproduz
localmente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

3.2. O rio Cachoeira e as suas implicações socioambientais: aspectos das


comunidades ribeirinhas do Banco da Vitória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
.
4. RIO-RECRE(I)AÇÃO – potencialidades culturais do Rio Cachoeira através
da Literatura Oral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
..
4.1. Potencialidades culturais: a literatura oral e o imaginário do Rio
Cachoeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
4.2. Questões terminológicas da Literatura oral no contexto da
111
contemporaneidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4.3. O fictício e o imaginário: tessitura e constituição nas narrativas orais dos
ribeirinhos do Banco da Vitória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . 115
4.4. Rio Cachoeira: um possível roteiro turístico-cultural . . . . . . . . . . . . . . . . 135

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140

6. REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
.
7. APÊNDICE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
21

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Bahia possui uma área litorânea de mais de mil quilômetros de extensão. O impacto

dessa informação suscita a imagem de um magnífico postal turístico. Tal magnitude se revela

por meio de centenas de quilômetros de praias extremamente belas e diversificadas, além da

grande variedade e riqueza dos seus ecossistemas.

Nesse aspecto, o litoral sul do Estado se destaca em virtude da sua localização

geográfica, situada em uma zona tropical, onde o sol brilha o ano todo, o que contribui

efetivamente para uma temperatura bastante agradável das suas águas marítimas e fluviais.

Inserido nesse espaço marcadamente aquático, o município de Ilhéus se destaca em

virtude de seu patrimônio natural cujo espaço é composto pela Mata Atlântica remanescente,

inúmeras praias de areias claras, densos coqueirais, grandes áreas de manguezais, rios,

cachoeiras, lagoas, enseadas, encostas, ilhas (inclusive fluviais) e APAS (Áreas de

Preservação Ambiental - Itacaré/Serra Grande e Lagoa Encantada). Assim sendo, oferece

grande vocação turística por uma série de características favoráveis, destacando-se também o

modus vivendi de sua população, pela singularidade de seus costumes, crenças e tradições.

Ilhéus faz-se notar também pela sua história (sede da Capitania de São Jorge dos Ilhéus, no

século XVI; centro irradiador da cultura do cacau, no século XIX), bem como pelas
manifestações culturais, com ênfase em sua literatura, que é reconhecida nacional e

internacionalmente, através de seu maior representante: Jorge Amado.

Em relação às vias de acesso, Ilhéus é considerada como o portão de entrada para a

Costa do Cacau. Localizada a 465 km de Salvador, capital do Estado, contando com o Porto

Internacional do Malhado, com o aeroporto Jorge Amado e uma malha rodoviária de acesso a

diversos municípios. Localizada em um espaço geograficamente privilegiado, a cidade é

cercada pelas águas e pela Mata Atlântica. O centro da cidade fica situado em uma ilha que é

formada pela foz dos rios Almada, Cachoeira e Fundão, formando um complexo estuário

conhecido como Coroa Grande.

De valor ecológico inquestionável, o estuário de Coroa Grande é responsável pelo

equilíbrio e manutenção dos recursos marinhos naquela localidade, pois são áreas de

reprodução, alimentação e refúgio para muitas espécies de peixes, crustáceos e moluscos,

devido à presença de uma extensa área de manguezais, matas ciliares e de restingas em seu

entorno. Também no âmbito socioeconômico, o estuário de Coroa Grande é de suma

importância para um grande número de pessoas que dependem da pesca, da comercialização

de crustáceos e do turismo como fonte de renda.

No prolongamento de Coroa Grande, fica a Baía do Pontal, com uma paisagem de

grande beleza cênica. O encontro das águas do mar com a foz dos três rios forma um amplo

espelho d’água que banha o bairro de Pontal e o Centro Histórico, onde ficam os principais

monumentos da cidade, inclusive o antigo Porto de Ilhéus, responsável pela exportação de

cacau até os anos 50.

Naquele local, onde outrora funcionou a zona comercial de Ilhéus, estão instalados

diversos bares e restaurantes, formando um lugar bastante aprazível. Além disso, a Baía do
23

Pontal constitui-se em excelente área de lazer, pois apresenta grande potencialidade para a

prática de vários esportes náuticos como esqui, windsurfe, jet-ski, caiaque, regatas à vela ou a

remo, “banana boat” e ainda passeios de barco ou em chalanas, etc. Anualmente acontece no

local uma das etapas de natação do Pan-americano de Triathlon, um evento que gera grande

circulação de turistas na cidade.

Não obstante, toda esse potencialidade natural para o turismo, a qualidade das águas

do estuário de Coroa Grande e, por conseguinte, da Baía do Pontal encontra-se comprometida

com a intensa poluição, proveniente do excesso de esgotos in natura e efluentes domésticos

ali depositados. Trazidos pelos rios que deságuam diretamente no estuário, tais detritos

espalham-se, em seguida, pelas praias ilheenses, tornando-as inadequadas para o uso humano.

Além disso, a ineficiência de saneamento básico no local é uma realidade facilmente

observável, devido à presença de diversas redes de esgotos sem tratamento.

O problema da poluição aquática da Baía do Pontal e, por conseguinte, das praias

ilheenses, constitui-se apenas a ponta do iceberg que nesse estudo visamos abordar: O rio

Cachoeira aquém de sua poesia: imaginário das águas e sustentabilidade ambiental

através do turismo litorâneo de Ilhéus – BA, pois o rio Cachoeira, antes mesmo de ser um

elemento inspirador dos poetas grapiúnas, constitui-se em uma unidade socioambiental de

grande valor ecológico para toda a Região Sul-baiana. Desse modo, o estudo do imaginário

das águas é abordado em duas vertentes principais: do ponto de vista ecológico que trata das

condições atuais de poluição e degradação do rio, relacionando-se questões de

sustentabilidade ambiental e socioeconômica, visando o turismo local (capítulo II); e, do

ponto de vista literário, que aborda o fazer literário das populações ribeirinhas do Banco da

Vitória, concernentes aos causos narrados oralmente pelos pescadores daquela localidade

(capítulo III). Nessa perspectiva, entendemos que os estudos turísticos podem contribuir para uma
investigação de problemas relacionados ao setor, podendo tornar-se um grande aliado para a

preservação do meio natural e cultural de uma destinação turística, podendo, inclusive, alertar ou

sugerir possíveis soluções nas tomadas de decisões daquilo que precisa ser potencializado ou

reconfigurado no município de Ilhéus, a fim de garantir a sustentabilidade do segmento.

Embora haja indícios consistentes de que os três rios que compõem o estuário de

Coroa Grande estejam poluídos, trataremos especificamente do Rio Cachoeira, no trecho

compreendido entre o km 8 da rodovia BA 415 (Banco da Vitória) até a Baía do Pontal, em

Ilhéus, local de maior apelo turístico em virtude da paisagem formada pelo rio e pela Mata

Atlântica (Fig. 01).

Banco da Rio Cachoeira Rio Almada


Vitória

Rio Fundão

Baía do
Pontal

Aeroporto
Jorge Amado

Estuário
Coroa Grande (lixeira)

Rio do Engenho

Figura 01: Costa marítima de Ilhéus - foz do rio Cachoeira –


referências acrescentadas pela autora.
Fonte http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/ba

No caso específico do rio Cachoeira, a poluição e degradação vêm se espalhando ao

longo de toda a bacia que abrange também os rios Salgado e Colônia, percorrendo uma área
25

de drenagem aproximada de 4.600 km, até chegar ao seu destino final, a Baía do Pontal. A

crescente degradação é provocada pela falta e pela deficiência de saneamento básico, pelos

dejetos orgânicos e inorgânicos e pela grande quantidade de lixo jogado em suas margens. Em

muitos locais desse percurso, é possível observar que a rede fluvial é utilizada para o

lançamento de esgotos, sem qualquer tratamento, sobretudo nos municípios de Itabuna e de

Ilhéus, os quais possuem maior contingente populacional.

No âmbito socioeconômico, não há dúvida de que a crise da lavoura cacaueira tenha

acelerado o ritmo de degradação do rio Cachoeira. A relação que se estabelece, nesse sentido,

é que o desemprego de milhares de trabalhadores rurais provocou a migração de enorme

parcela dessas pessoas sem renda e sem qualificação para outros serviços que, por um esforço

de sobrevivência, passaram a ocupar grandes áreas de manguezais e terrenos muito próximos

ao rio Cachoeira, aumentando, sistematicamente, o volume de lixo e efluentes domésticos ali

depositados.

A constatação dessa realidade indica o nível de complexidade do problema que, em tal

conjuntura, requer esforços urgentes e determinação por parte de toda a sociedade envolvida, ainda que

o problema de poluição dos rios, decorrente das irrefletidas ações humanas, não se restrinja unicamente

à Região Sul-baiana, uma vez que esse comportamento vem se repetindo em nível mundial. É

importante observar que as dificuldades ambientais e socioeconômicas que advêm do elevado nível de

poluição e degradação do rio Cachoeira comprometem o potencial turístico da região, sobretudo de

Ilhéus, que apresenta o seu ambiente litorâneo como atração principal.

Considerando-se o potencial natural e cultural da área de entorno do rio e evidenciada

a sua importância para o desenvolvimento social da região, mas ao mesmo tempo constatando

o seu estado de degradação, o presente estudo se baseia na premissa de que o meio ambiente

(natural e cultural) preservado se constitui na principal matéria–prima do turismo. Tal

reflexão se propõe a afirmar que a ausência e/ou a deficiência de estratégias que garantam a

prevenção de qualquer tipo de degradação, ou atitudes de destruição, ou ainda de descaso com


o meio ambiente, geram impactos que inviabilizam a sustentabilidade ambiental,

comprometendo todo e qualquer projeto cultural e turístico. Assim sendo, parece imperativo

que a harmonia, o equilíbrio e os cuidados físicos e socioculturais das regiões receptoras

formam a base para que a atividade turística possa ser efetuada de forma sustentável.

A paisagem composta pelo rio Cachoeira e pela Mata Atlântica em seu entorno, no

trecho da BA 415 (Fig. 01), constitui-se em um cenário de grande apelo visual. A

originalidade do roteiro fica também por conta do valor cultural, engendrado pela presença

das fazendas de cacau, facilmente observáveis da rodovia, bem como pela riqueza cultural das

comunidades ribeirinhas instaladas entre o rio e a rodovia. Além disso, um fator importante

que agregaria valor à atividade turística naquela área é a riqueza do imaginário dessas

comunidades que se manifestam através de expressões da Literatura Oral. Portanto, um

roteiro que pode ser explorado turisticamente tanto através da rodovia, como através do rio

em seu trecho mais navegável, no sentido Itabuna/Ilhéus e vice-versa.

A observação empírica da beleza paisagística do rio Cachoeira no referido trecho, bem

como o seu estado de degradação atual, motivou e justificou o recorte da área delimitada por

esta pesquisa. Tais constatações, visivelmente comprováveis, fundamentaram a formulação da

hipótese de que o meio ambiente natural e o cultural relacionado ao Rio Cachoeira, se

devidamente revitalizado, é favorecedor de um roteiro turístico cultural diferenciado e

também do turismo litorâneo de Ilhéus. Desse modo, a análise proposta tem como foco de

discussão a sustentabilidade turística do município de Ilhéus, levando-se em consideração a

poluição das águas do rio Cachoeira e, por outro lado, objetiva sugerir sobre a formatação de

um possível roteiro turístico cultural no rio Cachoeira, no trecho da rodovia Ilhéus/Itabuna.

Assim a pesquisa apresenta como objetivo geral: trazer reflexões para o

estabelecimento de estratégias de revitalização do rio Cachoeira, visando a sua


27

sustentabilidade socioambiental, tendo em vista a sua potencialidade turística, com destaque

para o trecho que compõe a rodovia Ilhéus/Itabuna na BA-415. Tendo como objetivos

específicos: a) identificar dados históricos sobre o rio Cachoeira, ressaltando-se a sua

importância enquanto patrimônio histórico regional; b) identificar, recolher e catalogar as

narrativas orais que abordam o imaginário do rio Cachoeira e da mata em seu entorno; e c)

suscitar o turismo cultural nessa região através da divulgação dessas narrativas.

A pesquisa toma como fundamento norteador a sustentabilidade socioambiental, tendo

como base os princípios ecosóficos, uma vez que estes envolvem uma re-articulação ético-

política dos três registros ecológicos: o do meio ambiente, o das relações sociais e o da

subjetividade humana (GUATTARI, 2001), conforme as suas representações sociais, políticas

e histórico-culturais, no sentido de re-orientar o comportamento humano ecologicamente,

tendo em vista que o homem está no epicentro das questões ambientais.

Em se tratando de sustentabilidade turística, a locução aqui empregada envolve

pelos menos três fatores que são considerados indissociáveis: qualidade, continuidade e

equilíbrio (RATTO, 2004). Esses, por sua vez, estão atrelados a outros fatores mais gerais:

ambientais, socioculturais e econômicos. Essa relação, em conjunto, é fundamental quando se

projeta, prioritariamente, assegurar uma melhor qualidade de vida para todos os habitantes de

uma destinação turística, bem como para os seus visitantes. Com efeito, não há mais como se

pensar em atividades turísticas sem associá-las à utilização sustentável da sua principal

matéria-prima, o meio ambiente.

Elemento motivador deste estudo, o turismo é aqui abordado como uma atividade

socioeconômica que envolve “uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre

produção e serviços, em cuja composição integra-se uma prática social com base cultural,

com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de
hospitalidade, troca de informações interculturais” (MOESCH, 2000, p. 9; grifos nossos). Por

conta dessa demanda, o segmento turístico, de uma forma geral, implica em ações públicas e

privadas, pois exigem grandes investimentos financeiros e tecnológicos, voltados

inicialmente, para atender as necessidades das populações endógenas e, posteriormente, dos

turistas. Nesse sentido, o turismo pode ser abordado como uma atividade que pode

proporcionar resultados que permitam o desenvolvimento socioespacial da sociedade

envolvida (SOUZA,1999), cuja base deve estar indissociavelmente relacionada à questão

ambiental (RUSCHMANN, 1997; BARROS, 2000). Nessa perspectiva, o turismo é

abordado, nesse estudo, como uma prática sociocultural que pode se tornar em um grande

aliado para motivar a preservação do meio natural e cultural de uma destinação

turística.

Tendo em vista a indissocialibidade entre os termos cultura, meio-ambiente e turismo,

pretendida para este trabalho, optamos por uma discussão mais ampla sobre a fundamentação

teórica em capítulo próprio (Revisando conceitos, primeira parte).

Os procedimentos metodológicos da pesquisa foram efetuados em três etapas. Na

primeira etapa, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre turismo, visando observar a

sua inter-relação com os estudos sobre cultura e o meio ambiente, este na perspectiva da

poluição das águas dos rios em um contexto mundial e, em seguida, sobre o caso específico

do rio Cachoeira através das produções acadêmicas da UESC (ASSIS, 2001; GOMES, 2003;

PINHO, 2001) e também através de sites da internet. Na segunda etapa, foram efetuados

estudos sobre História oficial da Região, a fim de efetuarmos um levantamento bibliográfico

sobre a história local com enfoque maior no rio Cachoeira. Devido à escassez de material

sobre o assunto, encontramos muitas dificuldades nesta fase, principalmente por falta de

registros. Na terceira e última etapa, foi efetuado o trabalho de campo propriamente dito, com
29

a finalidade de selecionar qualitativamente as pessoas a serem entrevistadas com o objetivo

prático de atender o nosso objeto de estudo: recolher as impressões sobre as condições atuais

do rio Cachoeira através de representantes da comunidade, bem como, encontrar expressivos

contadores de causos, por se tratar de uma prática muito comum entre os pescadores e demais

grupos sociais que lidam diretamente com o rio, como os areeiros, as lavadeiras, etc. Como o

rio encontra-se muito poluído, as lavadeiras dificilmente foram encontradas. Desse modo,

optamos pelos pescadores, que apesar das condições das águas contaminadas do rio,

sobrevivem ainda da pesca extrativa.

A pesquisa de campo ficou definida em duas vertentes principais: 1) recolha de relatos

sobre as atuais condições do rio e 2) recolha do imaginário dos ribeirinhos, ficcionalizado sob

a forma de Literatura Oral. Para obtenção dos relatos, foi preciso, primeiramente, ganhar a

aquiescência dos moradores daquela comunidade. Para isso, foram efetuadas diversas visitas

de inserção, a fim de estabelecer um clima de confiança e de tranqüilidade entre o pesquisador

e os entrevistados. Superadas as primeiras dificuldades, foram selecionadas pessoas com

idade acima dos cinqüenta anos, que se mostraram interessados em contar as suas

experiências de vida e também os causos vivenciados ou escutados dos mais velhos, quando

jovens. Os critérios para a seleção dos entrevistados foram respaldados pelo objetivo de se

estabelecer um breve paralelo entre as condições atuais e as transformações ocorridas no rio

Cachoeira num espaço de tempo entre dez e vinte anos, além da recolha das narrativas, como

já foi mencionado. Esse procedimento permitiu selecionar 6 pescadores, dentre os quais, uma

senhora de 92 anos, e um areeiro. Os demais entrevistados situados numa faixa etária entre 50

a 60 anos. Conforme mencionamos, não foi possível contactar as lavadeiras, visto que

tivemos dificuldades tanto em relação aos horários, bem como aos locais, por serem mais

isolados e de difícil acesso.


As entrevistas foram efetuadas durantes os meses de maio, junho e julho de 2004,

geralmente nas quintas e sextas feiras, no período da tarde. Levando-se em conta os inúmeros

relatos aqui apresentados, advertimos que as datas de recolha das entrevistas não foram

registradas especificamente para não ficarem repetitivas, bem como pelo fato de que a falta de

registro individual das mesmas não altera qualitativamente o teor dos conteúdos apresentados.

Assim, a metodologia empregada realizou-se de forma exploratória e participante

onde, enquanto pesquisadora, assumimos a postura de mediadora, de intérprete da voz do

contador. No período que antecedeu a recolha das narrativas, as entrevistas foram semi-

estruradas em observância dos dados pessoais dos entrevistados, fator importante para a

interpretação dos relatos em momentos posteriores. Estabelecido um clima de confiança e

tranqüilidade com os entrevistados, as narrativas foram coletadas através de entrevistas

conversacionais (ANDRADE, 1999), de forma semidiretiva, centradas na temática do rio e a

mata em seu entorno. Desse modo, as entrevistas foram tomadas sob a forma de anotações,

algumas vezes foram gravadas, mas como muitos não se mostraram à vontade, as anotações

foram priorizadas.

Com base em todas essas considerações, o estudo sobre a sustentabilidade litorânea de

Ilhéus e o imaginário do Rio Cachoeira, ficou estruturado em 3 capítulos. O primeiro,

REVISANDO CONCEITOS - em favor de um turismo cultural – encontra-se dividido em

três subcapítulos. O primeiro, Relacionando cultura e turismo, tece considerações gerais

sobre o turismo enquanto um fenômeno sociocultural cuja complexidade epistemológica se

apresenta em constante processo de re-elaboração. Faz referência ao largo campo de

investigações acadêmicas que o turismo permite efetuar, em virtude de sua natureza inter,

multi e transdisciplinar (DENCKER, 1998), o que permite o avanço dos estudos turísticos

enquanto um fenômeno cultural. O texto faz uma revisão conceitual do turismo a partir de
31

uma visão cultural e assinala que a diversidade de definições, tipificações e formas de praticar

o turismo estão atreladas às diferentes épocas e áreas do conhecimento, assinalando que as

questões que envolvem a atividade turística têm em seu núcleo de discussões o ser humano.

Acrescenta ainda que as estratégias de sustentabilidade do segmento turístico precisam estar

diretamente subordinadas aos critérios de planejamento que, por sua vez, precisam ser

estabelecidos ecosoficamente (GUATTARI,2001), visando ao, desenvolvimento

socioespacial (SOUZA, 1999) da destinação turística em virtude da indissociabilidade entre

cultura, meio-ambiente e turismo. O segundo e o terceiro, Re-visitando a história:

colonização portuguesa e subordinação cultural e Rio-caminho: mais um foco da

história, respectivamente, faz referência aos procedimentos de expansão marítima européia

que proporcionaram a formação de domínios coloniais que acabou determinando a

subordinação sociocultural, econômica e política de países colonizados, como o Brasil.

Aborda o rio Cachoeira como lugar de passagem (GILROY, 2001) para as primeiras

incursões portuguesas em terras ilheenses no período de implantação das Capitanias

hereditárias e, séculos depois, dos sergipanos e aventureiros, inclusive europeus, no período

de desbravamento e implantação da lavoura cacaueira. Nessa perspectiva o rio Cachoeira é

abordado como o entre-lugar (BHABHA, 1998), o local dos hibridismos culturais

(CANCLINI, 2000), o ponto de entrecruzamento entre os mais variados grupos étnicos aqui

apresentados de uma forma simplificada: índios (que, quando não expulsos, foram

massacrados aos milhares), os negros (aqui trazidos como escravos), e o homem branco de

descendência européia (que não se restringe aos portugueses, etnocentricamente considerado

como o principal elemento civilizador da região). Marcado pelas expedições estrangeiras em

busca de ouro, o rio-caminho testemunhou a escravização e exterminação de diversos grupos

étnicos indígenas, fatos que alteraram para sempre o curso da história local (BARBOSA,

1997; BARROS, 1915; CAMPOS, 1981; FREITAS e PARAÍSO, 2001; SILVEIRA, 2002;
VINHÁES, 2001). O capítulo mostra ainda que o rio Cachoeira teve papel crucial na

formação das vilas e cidades da região ao longo de suas margens, um procedimento que

apesar de comum na história da humanidade, não interfere absolutamente na singularidade e

significância da história local.

O segundo capítulo, DE RIO-PROVEDOR A RIO-GRANDE-LIXEIRA – trata das

implicações socioambientais e econômicas advindas da poluição e degradação do Rio

Cachoeira, devido ao mau uso e o mau gerenciamento dos recursos hídricos, tendo em vista

que as suas águas se tornaram receptoras de detritos domésticos e industriais de toda ordem.

Insere a problemática da escassez de água doce como um comportamento generalizado em

todo o mundo, com grande repercussão em nossa região, apesar de ser considerada abundante

em recursos hídricos (DORST, 1973). Aborda ainda a necessidade iminente de revitalização

do rio Cachoeira em virtude dos inúmeros transtornos causados pelo seu atual estado de

degradação, com ressonâncias no âmbito sociocultural, econômico, político e também

turístico local, mais especificamente do turismo litorâneo de Ilhéus (FIDELMAN, 2004).

Evidencia a importância do rio Cachoeira enquanto uma unidade socioambiental de grande

importância para toda a Região Sul-baiana, sobretudo para as populações ribeirinhas cujo

vínculo de sobrevivência encontra-se extremamente prejudicado devido ao grau de poluição e

degradação de suas águas. Traz reflexões para o estabelecimento de estratégias de preservação

dos mananciais e a contenção de despejo de efluentes industriais e esgotos domésticos nas

águas do rio Cachoeira, visando a sua recuperação para o bem comum das comunidades

endógenas, bem como para os visitantes, tendo em vista a seu potencial para o turismo em

virtude da beleza paisagística que proporciona aos transeuntes, especialmente, no trecho.da

rodovia Ilhéus/Itabuna, na BA415


33

E, finalmente, o terceiro capítulo, RIO-RECRE(I)AÇÃO – potencialidades culturais

do Rio Cachoeira através da literatura oral – que aborda o imaginário do rio Cachoeira,

concernente aos causos narrados oralmente pelos pescadores que ocupam as suas margens,

especificamente no Banco da Vitória, município de Ilhéus, localizado na BA 415 da rodovia

Ilhéus/Itabuna (CASTORIADIS, 1982; ISER, 1996). Trata-se de narrativas que são

elaboradas no cotidiano, a partir da experiência individual de cada contador em sua labuta

diária, na intimidade com as águas do rio Cachoeira. A singularidade dessas narrativas não se

limita apenas ao seu valor estético, mas em sua força representativa, no valor sociocultural

que as revestem, pois evidenciam um ethos cultural característico do lugar. A análise decorre

de dois questionamentos principais: 1- de que modo a Literatura oral pode contribuir para o

estudo dos processos históricos-sociais da construção das identidades culturais de uma

localidade? 2- de que modo o estudo da Literatura oral pode contribuir para com a

sustentabilidade da atividade turística de Ilhéus? Abordadas como literatura oral

(CASCUDO, 1984), como formas simples (JOLLES, 1975), ou ainda como literaturas da voz

(ZUMTHOR, 2000) por definir os elementos fundamentais da vocalidade e da performance

(centrada no ato imediato da comunicação), estas narrativas apresentam caráter de etnotexto

(SANTOS, 1995, p. 39), isto é, um “discurso que um grupo social, uma coletividade, elabora

sobre sua própria cultura, na diversidade de seus componentes, e através do qual reforça e

questiona sua identidade”. A finalidade da recolha e tratamento científico desses causos,

enquanto expressões da Literatura Oral, é contribuir para a inserção e valorização de uma

prática social que está se perdendo por falta de tratamento adequado. O estudo assinala que a

preservação, valorização e divulgação dessas narrativas, por expressarem a cultura local,

aliada à formatação da paisagem ao longo do Cachoeira no trecho da BA 415, podem ser

tomadas como instrumentos potencializadores do turismo, não só naquela localidade, mas do

turismo regional, por proporcionar uma experiência diferenciada ao turista que deseja
conhecer e vivenciar a cultura local. Por se tratar de um discurso que apresenta caráter de

etnotexto, a recolha e análise dessas narrativas podem contribuir para o entendimento de uma

cultura regional de características próprias, além permitir a inclusão de vozes suprimidas e

subalternas (MOREIRAS, 2001), quase sempre excluídas no processo de planejamento

turístico.

Na estruturação deste texto dissertativo, fotografias ilustrativas do rio Cachoeira, bem

como de mapas e imagens aéreas de Ilhéus, foram incorporadas ao trabalho. Inúmeras

fotografias foram cedidas gentilmente pelo Núcleo de Bacias Hidrográficas da UESC, na

pessoa de seu coordenador, Prof. Dr. Neylor Calasans; outras, são de autoria do pesquisador

Prof. Dr. Célio Kersul do Sacramento (CKS), do Departamento de Ciências Agrárias e

Ambientais (DCAA), UESC, que autorizou a utilização das mesmas. Em ambos os

casos, os créditos foram conferidos na citação de fontes.

O roteiro utilizado nas entrevistas e os respectivos relatos obtidos nesta pesquisa são

apresentados na íntegra como apêndice com a finalidade de oportunizar maiores

esclarecimentos sobre a sua execução.

Esta dissertação se conclui, todavia a pesquisa não se encerra. Como desdobramento

das observações feitas e do material recolhido, posteriormente será aprofundada a pesquisa

sobre o imaginário dos ribeirinhos do Banco da Vitória, trabalho esse inserido no projeto

integrado Expressões Culturais e Turismo: patrimônio e desenvolvimento – EXCUL,

coordenado pela Profa Dra Maria de L. N. Simões, e que conta com o apoio financeiro da

FAPESB.
35

2. REVISANDO CONCEITOS em favor de um turismo cultural

Águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que querendo


aproveitar dar se a nela tudo por bem das águas que tem.

Pero Vaz de Caminha

O turismo pode atuar como instrumento de sensibilização, de orientação e de


equilíbrio entre o desgaste que nós estamos causando com o desenvolvimento
econômico e a necessidade de preservar nosso patrimônio.
Sílvio Magalhães Barros
2.1. Relacionando cultura e turismo

O turismo, uma atividade milenar, constitui-se em um fenômeno sociocultural de

características e dimensões qualitativas e quantitativas tão diversas que demanda análises sob

a ótica de várias ciências. A complexidade de sua natureza epistemológica, que se encontra

em contínuo processo de re-elaboração, comprova essa realidade.

Um dos pontos de discussão sobre o turismo diz respeito às inúmeras possibilidades de

investigações acadêmicas no atual contexto da contemporaneidade, pois, como já foi

sinalizado, os estudos turísticos constituem objeto de análise de diversas disciplinas. Assim

sendo, a diluição de fronteiras disciplinares que abrangem tais estudos deve-se ao uso de

conceitos e métodos de ciências consideradas já consolidadas (DENCKER, 1998). Disciplinas

como a Antropologia, a Sociologia, a História, a Geografia, a Economia, a Ecologia e a

Literatura, dentre tantas outras, têm contribuído para o entendimento do turismo enquanto um

campo de conhecimento que encerra uma infinidade de discussões que dizem respeito às

várias implicações históricas, socioculturais e, sobretudo, ambientais. Tais des-limites

epistemológicos, inerentes à condição pós-moderna (BHABHA, 1998), propiciam o

levantamento de problemáticas que ultrapassam os aspectos meramente econômicos do

turismo, como, aliás, é mais freqüentemente abordado, devido à sua inegável posição de

destaque na economia mundial.

São essas condições de multidisciplinaridade, de interdisciplinaridade e de

transdisciplinaridade que possibilitam o avanço dos estudos acadêmicos no campo teórico do

turismo, permitindo uma abordagem mais ampla do fenômeno em sua complexidade. Por

conseguinte, apreender o turismo como um campo transdisciplinar de estudo permite acolher

diversos olhares críticos, mas, por outro lado, também proporciona algumas dificuldades,
37

pois, conforme Dencker (op. cit., p. 28), o turismo tomado como “objeto de estudo de várias

disciplinas está sujeito à influência de diferentes paradigmas, o que prejudica a formação de

um corpo teórico específico”.

Nesse sentido, a multiplicidade de definições, tipificações e formas de praticar o

turismo, também se encontram em processo de re-elaboração, pois como a história do turismo

tem demonstrado, as definições estão vinculadas às diferentes épocas, bem como às diferentes

áreas do conhecimento.

Segundo Oliveira (2000), entre o final do século XIX e início do século XX, muitas

definições de turismo perderam a validade por fraqueza de fundamentação. Dentre as mais

antigas conceituações, o autor destaca a do economista austríaco Hermann von Schullard que,

em 1910, definiu o turismo como “a soma das operações, especialmente as de natureza

econômica, diretamente relacionadas com a entrada, a permanência e o deslocamento de

estrangeiros para dentro e para fora de um país, cidade ou região” (idem, p. 31).

Como podemos observar, tal definição acha-se claramente vinculada ao foco de estudo

do referido economista, não obstante, ressalvando-se a data em que foi estruturada tal

definição, esse procedimento pouco se modificou de lá para cá.

Sem negligenciar a fundamentação econômica em relação ao fenômeno turístico e, ao

mesmo tempo, levando-se em consideração que a cultura, em seu sentido antropológico,

envolve todos os aspectos realizáveis pela sociedade humana, vale reafirmar que as questões

que envolvem a atividade turística têm em seu núcleo de discussões o ser humano. No caso do

presente estudo que, em princípio, trata da relação do meio ambiente (natural/cultural) como

matéria-prima do turismo, compartilhamos da idéia de que o homem é parte integrante e

definidora desse meio. Assim, o turismo é aqui abordado como uma invenção cultural, um
produto resultante da própria necessidade de deslocamento que move a espécie humana desde

os seus primórdios.

Numa perspectiva diacrônica, basta um retrospecto histórico do turismo para entendê-

lo como um atributo da criatura humana devido à sua própria inquietação, força

impulsionadora e incessante, que determina, dentre outras coisas, a eterna busca pela

novidade bem como por melhores condições de vida. Aliás, dados históricos afirmam que,

desde as eras mais remotas, a história da humanidade está intrinsecamente ligada à sua

dispersão pelo mundo.

Conforme Ignarra (2001), a atividade turística, no sentido etimológico da palavra –

viagem de descoberta, de exploração, de reconhecimento -, começou desde quando o homem

deixou de ser sedentário e passou a viajar. Historicamente, com o propósito de incrementar e

expandir o comércio com outros povos; depois, as viagens exploratórias, com a finalidade de

colonização, estimularam o homem a se deslocar de seus locais de origem.

Na tipologia do turismo contemporâneo, as motivações de deslocamento estão

associadas ao prazer de viajar para se conhecer novos lugares, novas culturas. Nesse sentido, a

busca incessante pelo diferente, e não apenas pela diversidade, parece estimular o turista-

viajante a aspirar por novas experiências, novos conhecimentos, novas descobertas, num

exercício que permite defrontar hábitos, costumes, tradições, com o propósito de re-conhecer,

em si próprio e nos outros, as semelhanças e/ou diferenças culturais. Em suma, a ânsia pela

novidade, pelo desconhecido reformula constantemente as motivações e o desejo por novas

aventuras. Desse modo, as implicações socioculturais desencadeadas pelas viagens de

deslocamento, conforme Ianni (2000, p. 14), “desvenda alteridades, recria identidades e

descortina pluralidades”.
39

Na contemporaneidade, a necessidade de se evadir da rotina causticante do cotidiano,

da correria sufocante do acelerado mundo capitalista que delibera o consumo desregrado,

também determina, conforme Carlos (1999), as formas de lazer não mais como uma atividade

espontânea, mas como mais uma necessidade cooptada pela sociedade de consumo que

transforma tudo o que toca em mercadorias. Nessa conjuntura, o turista vem se tornando cada

vez mais um elemento passivo ante a artificialidade dos empreendimentos turísticos,

participando, desse modo, de um mundo fictício e mistificado de lazer, o que não é mau de

todo. No entanto, essa artificialidade produzida pela denominada ‘indústria’ do turismo é

responsável pela manipulação de desejos e gostos, já que especificam e orientam escolhas,

produzindo um “modelo geral do estar satisfeito como consumidor de lazer” (idem, p. 34,

grifos da autora).

Nesse sentido, conceber o turismo como uma invenção cultural humana determina

uma opção teórica que privilegia a cultura como ponto de partida de análise do presente

estudo. Importante ressaltar que o termo cultura aqui utilizado, numa perspectiva

antropológica, inclui em seu escopo todas as possibilidades de realização humana, isto é,

ultrapassa o conceito de ‘civilização’ e/ou de ‘refinamento intelectual’, termos que remetem à

superada idéia de hierarquização cultural. Na esteira dos Estudos Culturais, toda e qualquer

manifestação cultural humana é singular em sua própria essência, independentemente de sua

localização geográfica, porquanto cada cultura possui seus próprios critérios de avaliação,

uma vez que só a espécie humana apresenta em sua essência a capacidade de “ordenação (e

desordenação) do mundo em termos simbólicos” (SAHLINS, 1997, 41).

De acordo com Sahlins (idem), o crescente interesse epistemológico pela cultura nas

Ciências Humanas, incluindo-se aí o turismo, deve-se à abrangência do fenômeno que o termo

designa e distingue como


A organização da experiência e da ação humanas por meio simbólicos. As pessoas,
relações e coisas que povoam a existência humana manifestam-se essencialmente
como valores e significados – significados que não podem ser determinados a partir
de propriedades biológicas ou físicas. [...] um macaco não é capaz de apreciar a
diferença entre água benta e água destilada – pois não há diferença, quimicamente
falando. (p. 41)

Tais observações encontram ressonância em Castoriadis (1982) quando afirma que no

mundo histórico e social tudo o que é instituído encontra-se indissociavelmente entrelaçado

com o simbólico que, por sua vez, tem no imaginário um componente essencial. É desse

modo que as culturas geram símbolos os mais diversos que se manifestam por meio de

normas, valores, crenças, hábitos, costumes e tradições que constituem as identidades, uma

vez que conformam os “repertórios de ação e representação, adquiridos pelo homem enquanto

membro de uma sociedade” (WARNIER, 2000, p. 16).

Partindo desses pressupostos, buscamos compreender o turismo, em uma perspectiva

mais ampla, como um fenômeno que é instituído socialmente (CASTORIADIS, op. cit.), pois

os estudos turísticos não podem se restringir a investigações puramente objetivas e

sistemáticas em relação aos setores econômico-administrativos. Mas, um campo de estudo

que, mais do que permite, necessita de uma análise mais profunda no âmbito da subjetividade

humana, principalmente no que se refere à crescente degradação do meio ambiente natural. A

constatação dessa realidade em nível global, na qual a atividade turística acha-se inserida, tem

gerado grandes preocupações conforme as atuais condições de sobrevivência do homem no (e

do) planeta.

Ainda que subjacente a uma visão um tanto tecnicista, Moesch (2000), num esforço de

uma argumentação sistemática desses fatos, propõe uma definição mais abrangente do

turismo, porquanto demonstra a relação de interdependência entre cultura, meio ambiente e

turismo.

O turismo é uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre produção e


serviços, em cuja composição integra-se uma prática social com base cultural,
41

com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações


sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O somatório desta
dinâmica sociocultural gera um fenômeno, recheado de objetividade/subjetividade,
consumido por milhões de pessoas, como síntese: o produto turístico (op. cit, p. 9,
grifos nossos).

Tais considerações levam ao entendimento de que já está mais do que evidenciado que

não se pode compreender a atividade turística sem associá-la ao uso sustentável do patrimônio

ambiental. As ações desordenadas do homem nesse setor, em virtude da ausência de

planejamentos que viabilizem a preservação do meio natural e cultural, têm causado sérios

estragos nas localidades receptoras.

Conforme Rodrigues (1999, p. 55), o turismo é uma atividade que “produz espaços

delimitados e espacialmente destinados a um determinado tipo de consumo – o consumo da

natureza – através dos denominados ‘serviços’ do turismo”. É, pois, desse modo, que os

recursos naturais (esgotáveis) e culturais (dinâmicos por natureza) tornam-se mercadorias. E o

que é mais grave, na opinião da autora, é que a “produção espacial” para atender a demanda

turística, contrariamente aos princípios de sustentabilidade, atende aos mesmos preceitos da

produção capitalista, isto é, destrói as próprias condições de produção.

As inquietações de Rodrigues, sobre a problemática ambiental relacionada ao turismo,

alertam para a necessidade de se promover uma política de sustentabilidade que “precisa ser

construída socialmente [...], desenvolvendo-se em contínua progressão a capacidade de

pensar, que é a essência da natureza humana”, de modo que a sociedade do ter, caracterizada

pelo consumo desregrado e irresponsável, seja substituída pela sociedade do ser. Nesta

sociedade do ser, defende Rodrigues, “o que seria mais importante de ser contabilizado e que

seria considerado investimento seriam os recursos empregados no atendimento das

necessidades sociais” (2000, p. 44, 45; grifos nossos).


É oportuno comparar essas apreciações com as de Guattari (2001), quando o autor de

As Três Ecologias adverte que o planeta Terra passa por um período de intensas

transformações técnico-científicas que engendram desequilíbrios ecológicos que inviabilizam

a vida em sua superfície. Por conseqüência desses acontecimentos, Guattari afirma que os

modos de vida humanos, individuais e coletivos, caminham também para uma progressiva

deteriorização.

O eixo de argumentação do referido autor se baseia no fato de que o avanço

tecnológico, produzido pelo perverso sistema capitalista, atingiu um nível tão intolerável que

interfere demasiadamente na vida humana. A produção em massa de bens materiais que visa

exclusivamente o lucro com base em um consumo desenfreado e a padronização de

comportamentos gerada pelo consumo da mídia, dentre outros fatores, parece comprometer a

capacidade de pensar e de agir dos indivíduos.

Segundo Guattari (op. cit), as pessoas parecem inertes ante a gravidade dos problemas

que o mundo vem enfrentando em nível global. A ameaçadora destruição progressiva do meio

ambiente e o conseqüente crescimento da miséria e exclusão social da grande maioria da

população mundial, sobretudo nos países do terceiro mundo (denominação patética e

discriminatória), como é o caso do Brasil, têm se caracterizado como situações insustentáveis

que necessitam de soluções em caráter de urgência. Além disso, percebe-se um evidente

despreparo das instâncias políticas e executivas para apreender essa problemática no conjunto

de suas implicações em busca possíveis resoluções.

Nessa mesma linha de pensamento, Anthony Giddens (1991) enfatiza que a sociedade

vive as conseqüências geradas pela modernidade. Para Giddens, todas essas transformações

desastrosas que o mundo vem enfrentando constituem o “lado sombrio da modernidade”, uma

vez que o trabalho industrial não só submeteu aos seres humanos uma disciplina maçante,
43

como também criou “forças de produção” em ritmo extremamente dinâmico e acelerado,

capazes de causar um desgaste sem precedentes ao meio ambiente material.

Para enfrentar tais circunstâncias, Guattari (p. 8) propõe uma revolução em escala

planetária em que só uma ecosofia, “uma articulação ético-política entre os três registros

ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que

poderia esclarecer convenientemente tais questões”. Conforme o filósofo, a ecosofia social

consiste em desenvolver práticas específicas que tendem a modificar e a reinventar maneiras

de ser no seio da família, no contexto do dia-a-dia, no trabalho, nas relações de vizinhança.

Nessa ótica, a questão fundamental seria reconstruir o conjunto das modalidades do ser-em-

grupo; a ecosofia mental, visando-se a re-inventar a relação do sujeito com o corpo, com o

fantasma (entenda-se aí, o inconsciente), com o tempo que passa, com os mistérios da vida e

da morte, buscando também antídotos para a uniformização midiática e telemática, o

conformismo das modas, as manipulações de opinião pela publicidade, etc. Desse modo, o

filósofo parece nos propor uma desrobotização gradativa e continuada do ser humano, pois

somente dessa forma o homem poderia enfrentar e resolver os desequilíbrios provocados pela

própria espécie.

Num contexto de grandes diferenças sociais, Guattari questiona os modos dominantes

de valorização das atividades humanas que se restringem a um império do mercado mundial

(o capitalismo pós-industrial que o autor prefere qualificar como CMI – Capitalismo Mundial

Integrado) onde as economias voltadas exclusivamente para o lucro engendram pauperização

absoluta e irreversível de regiões inteiras. Para o filósofo é preciso que se opere uma

verdadeira revolução política, social e cultural de modo a reorientar os objetivos de produção

tanto dos bens materiais como dos bens imateriais.


Guattari (p. 9) também chama atenção para o fato de que “as forças produtivas vão

tornar disponível uma quantidade cada vez maior do tempo de atividade humana potencial”.

Essas considerações estão intrinsecamente relacionadas à crise do desemprego bem como ao

aumento da marginalidade em escala mundial. Desse modo as disparidades socioeconômicas

e histórico-culturais existentes em todo o mundo geram tensões que se repercutem com

grande intensidade de conflitos de toda ordem: socioculturais, políticas e, principalmente,

ambientais.

Nessa perspectiva, De Masi (2000, p. 139) explica que “foi com o advento da indústria

que o trabalho assumiu uma importância desproporcionada, tornando-se a categoria

dominante na vida humana, em relação à qual qualquer outra coisa – família, estudo, tempo

livre – permaneceu subordinada”. Ao que tudo indica, esse fato deve ter contribuído

efetivamente para com a robotização humana, comprometendo-lhe o direito de escolher, de

pensar em soluções criativas para os seus problemas cotidianos.

Segundo De Masi, o aumento do tempo livre é decorrente de uma sociedade pós-

industrial que tem delegado as tarefas repetitivas e cansativas às máquinas. Nesse contexto,

sua proposta é tornar o ócio uma ferramenta que promova a criatividade humana, de modo a

oportunizar o aprimoramento pessoal fora do trabalho através de atividades que proporcionem

prazer e qualidade de vida, isto é, tornar o ócio uma atividade produtiva. Nesse caso, a

atividade turística parece encaixar-se perfeitamente como uma alternativa para o ócio criativo.

No entanto, faz-se necessário levar em consideração que se trata de um olhar bastante otimista

do sociólogo italiano, já que não condiz com a realidade que, por sua vez, tem se mostrado

preocupante em termos do aumento do desemprego estrutural e da crescente violência que

vem se espalhando no mundo inteiro.


45

Assim, o turismo, enquanto atividade de lazer e/ou de descanso surge como uma

alternativa que poderia preencher o tempo disponível das pessoas. Entretanto, contrapondo-se

a esta idéia, não podemos esquecer que a atividade turística, ainda em vias de

“democratização”, conforme as facilidades tecnológicas alcançadas ao longo da nossa era,

acha-se ainda restrita a quem possui condições de usufruir dessa prática mediante

remuneração. O que não acontece com a imensa maioria da população, pois o modelo de

desenvolvimento, em que o turismo também se acha inserido, gerou um processo dialético de

exclusão/inclusão, fundamentado no poder aquisitivo de classes sociais mais favorecidas

economicamente, o que não implica em afirmar que tais condições não possam ser alteradas

em favor daqueles que se apresentam sob a condição de subalternidade deste sistema.

Levando-se em conta todas essas considerações, Guattari (p. 8) afirma que o turismo

pode se resumir “quase sempre a uma viagem sem sair do lugar, no seio das mesmas

redundâncias de imagens e de comportamento”, apesar do deslocamento físico do turista.

Esta sensação de “viajar sem sair do lugar” pode ser decorrente do longo e contínuo

processo de mundialização cultural a que estamos todos submetidos conforme Ortiz (1998).

Diferentemente da globalização, que se articula diretamente com os fatores de produção,

distribuição e consumo de bens e serviços voltados para um mercado mundial, a

mundialização cultural, que supostamente atinge todo o mundo é, na opinião de Ortiz, “um

fenômeno social total que permeia o conjunto das manifestações culturais” (idem, p. 30), que

contribui para o aspecto homogeneizante dos lugares a serem visitados. Todavia, a idéia

totalizante de que o mundo pode estar subjugado a uma homogeneização cultural em nível

global, preconizada por Ortiz, é, do ponto de vista global, no mínimo, questionável. Para isso,

basta observarmos as desigualdades socioeconômicas e culturais em todo o mundo, seja em

nível de produção/consumo, ou seja, de poder aquisitivo, de educação e demais condições


essenciais à sobrevivência humana nos mais diversos contextos socioculturais. A dissonância

dessas condições, observáveis nas diversas culturas humanas, torna perceptível as grandes

disparidades socioeconômicas a que todos estamos sujeitos. Desse modo, deduzimos que

tanto o processo de globalização como o de mundialização cultural operam em níveis

diferenciados, conforme as especificidades de cada região.

Stuart Hall, por sua vez, faz uma crítica às alarmantes proposições sobre a

homogeneização cultural em nível global. Hall, com base no argumento de Kevin Robin,

afirma que a globalização explora a diferenciação local.

Ao lado da tendência em direção à homogeneização global, há também uma


fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da ‘alteridade’. Há,
juntamente com o impacto do ‘global’, um novo interesse pelo ‘local’. A
globalização (na forma da especialização flexível e da estratégia de criação de
‘nichos’ de mercado), na verdade, explora a diferenciação local. Assim, ao invés de
pensar no global como ‘substituindo’ o local seria mais acurado pensar numa nova
articulação entre ‘o global’ e o ‘local’ (op. cit., p. 77; grifos do autor)

Além disso, o fato de a globalização ser muito desigualmente distribuída ao redor do

globo, é mais provável que se produza, nessas circunstâncias, novas identificações globais e

novas identificações locais, conforme adverte o autor. A globalização pode ainda se tratar de

um fenômeno essencialmente ocidental (processo de ocidentalização, por exemplo). Segundo

Hall, são as “imagens, os artefatos e as identidades da modernidade ocidental, produzidos

pelas indústrias culturais das sociedades ‘ocidentais’ (incluindo o Japão) que dominam as

redes globais”, (ibidem, p. 79).

Num contexto denominado como supermodernidade, caracterizado por Marc Augé

(1994) como a era dos excessos, devido à superabundância de fatos e de informações, o termo

não-lugar é utilizado para designar os espaços públicos de rápida circulação como os

aeroportos, rodoviárias, estações de metrô, supermercados, hotéis, parques de lazer, etc. A

produção desses não-lugares tem relações estreitas com o turismo contemporâneo. Para Augé,
47

o não-lugar se opõe ao lugar antropológico, pois esse, ao contrário do primeiro, visa a ser

identitário, cultural, espacial e historicamente definido.

Carlos (1999), também se apropria do termo não-lugar para descrever os espaços

produzidos e/ou transformados artificialmente para atrair os turistas. A autora afirma que a

‘indústria’ do turismo, voltada inteiramente para o lucro imediato, transforma tudo o que toca

em artificial, criando, desse modo, espaços sem memória, mundos fictícios e mistificados de

lazer

onde o espaço se transforma em cenário para o ‘espetáculo’ para uma multidão


amorfa mediante a criação de uma série de atividades que conduzem a passividade,
produzindo apenas a ilusão de evasão, e desse modo, o real é metamorfoseado,
transfigurado, para seduzir e fascinar. Aqui o sujeito se entrega às manipulações
desfrutando a própria alienação e a dos outros (idem, p. 26)

Mais adiante a autora explica como o espaço produzido pela ‘indústria’ turística perde

o sentido de lugar, transformando-os em simulacros porque constitui um presente sem

profundidade, sem história, sem identidade, sem memória, pois não há qualquer vínculo

cultural, trata-se de um espaço do vazio. Inversamente, o lugar é, conforme Carlos (idem, p.

28), o “produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais

que se realizam no plano do vivido, o que garante uma rede de significados e sentidos que são

tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade”.

Nesse sentido, para se eleger o turismo como uma alternativa de soerguimento

socioeconômico em uma determinada localidade, em um contexto geral, algumas ponderações

precisam ser feitas, pois a elaboração de um plano estratégico que viabilize a sustentabilidade

do segmento é imprescindível, tomando como ponto de partida a preservação das identidades

culturais do lugar através de uma ação conjunta por parte de seus organizadores e habitantes.

No Brasil, particularmente na região Sul Baiana, onde a cultura turística ainda

encontra-se em fase de desenvolvimento, os atrativos naturais e culturais ficam relegados,


quase sempre, ao segundo plano, tanto por parte do poder público (estado, município) como

das empresas privadas que se preocupam demasiadamente com o empreendimento em termos

financeiros, visando, na maioria das vezes, aos lucros imediatos. Não obstante, o que ocorre

com freqüência é uma busca desenfreada em se produzir mercadorias para serem consumidas

nas mais diversas situações. Nesse prisma, as manifestações culturais transformam-se também

em mercadorias e ficam, deploravelmente, reduzidas a categorias de espetáculo.

Subutilizadas, as manifestações culturais, muitas vezes designadas pejorativamente como

folclore, tornam-se, desse modo, um ‘bem cultural’ totalmente desvinculado do cotidiano de

seus moradores, incidindo no problema da artificialidade excessiva. Aliás, como bem

recomenda Menezes (1999), a cultura precisa ser localizada na totalidade da vida social e não

como um segmento compartimentado, que passa a existir exclusivamente no momento de sua

performance.

Com base nessas reflexões, levamos em consideração que há ainda muitos turistas que

não se importam, e até mesmo preferem ter as suas viagens devidamente programadas, onde

tudo é controlado pelos profissionais do trade turístico a fim de se evitar quaisquer tipos de

imprevistos (se é que isso é possível!). A artificialidade e a monitoração de horários para

“ver” (diferentemente de conhecer) as paisagens, os ditos ‘espetáculos culturais’, parecem não

os incomodar, entretanto, corre-se o risco de ficarem impassíveis, pois fica difícil estabelecer

qualquer tipo de interação, e o espetáculo cultural pode tornar-se vazio de significado. É

possível que esses turistas estejam mais ansiosos por ‘comparecer’ aos locais predeterminados

pelo pacote turístico, com a possibilidade de aquisição de souvenires e as previsíveis

fotografias – a prova concreta de que realmente visitaram o lugar.

Entretanto, ao lado desses, surgem os turistas de vanguarda que, segundo Avighi

(2000), cada vez mais, buscam a realização pessoal, pois desejam compreender a cultura e a
49

história dos lugares a serem visitados. São turistas que “mantêm viva a eterna chama interior

do viajante” e por isso trocam a simples curiosidade por inquietações individuais, pois

desejam realmente novas experiências, novos intercâmbios culturais. Nesse sentido, “o

viajante, de uma forma geral, é movido primeiramente por um sentimento de liberdade, de

vontade, do desejo de ir em busca do dessemelhante”.(SOUSA, 2004, s/p)

Nesse sentido, são turistas que estão sendo preparados para compreender que as

paisagens são ambientes construídos e que, por isso mesmo, demandam interpretação, pois

não se trata de um “suporte passivo, mas uma entidade ativa, integrante e testemunha de uma

dinâmica cultural que se constrói no tempo e se manifesta no espaço” (OLIVEIRA, op.cit, p.

225). Daí, o crescente número de turistas que procuram evitar a rigidez dos pacotes turísticos,

afinal, a vida cotidiana, por si só, já estabelece uma rotina bastante estressante.

As paisagens por serem extremamente variadas estão sujeitas às mais diversas

interpretações. Uma pessoa que apenas vê a paisagem não ultrapassa a condição de

espectador. De acordo com Tuan (1980, p. 12) “o mundo percebido através dos olhos é mais

abstrato do que o conhecido por nós através de outros sentidos.” Segundo o autor, o turismo

tem utilidade social e beneficia a economia dos destinos receptores, entretanto, não une

verdadeiramente o homem à natureza, uma vez que

a apreciação da paisagem é mais pessoal e duradoura quando está mesclada com


lembranças de incidentes humanos. Também perdura além do efêmero, quando se
combinam o prazer estético com a curiosidade científica. O despertar profundo para
a beleza ambiental, normalmente acontece como uma revelação repentina. Este
despertar não depende muito de opiniões alheias e também em grande parte
independe do caráter do meio ambiente. As cenas simples e mesmo as pouco
atrativas podem revelar aspectos que antes passavam despercebidos e este novo
insight na realidade é, às vezes, experienciado como beleza. (Cornish Vaughn apud
TUAN, op. cit, p. 110)

Desse modo fica subentendido que para se agregar valor turístico a uma determinada

paisagem, esta deve estar associada aos seus aspectos culturais, inclusive científicos, de modo
a oportunizar experiências diferenciadas a um turista que apresenta condições de compreender

e respeitar as culturas locais, seus hábitos e suas tradições.

Assim sendo, o que precisa ser feito para que ao turista-viajante seja possível

ultrapassar a contemplação da paisagem por si só? Afinal, o que esse turista, desejoso de

novas experiências, espera encontrar além de uma bela paisagem? Para que isso ocorra

verdadeiramente, tornar-se-ia necessário compreender a cultura do lugar? E quanto aos

habitantes locais que estão diretamente envolvidos nesses ambientes, o que pensam em

oferecer aos seus visitantes para que se sintam bem recebidos? Como inspirar boas impressões

sem correr o risco de se perder a naturalidade dos gestos cotidianos que delineiam, de certa

forma, a visão de mundo da comunidade receptora? É sabido que as comunidades receptoras

despreparadas em seu exercício de acolher os turistas estão sujeitas a ter a sua cultura não

apenas alterada, devido os contatos interculturais, mas devassada por visitantes mal-educados,

que não sabem respeitar nem as diferenças culturais nem tampouco as peculiaridades

ambientais dos locais a serem visitados.

Esses questionamentos apontam aspectos verdadeiramente conflitantes que certamente

exigem investigações mais aprofundadas. São contradições que abrangem problemáticas

condizentes às disparidades socioeconômicas, culturais e ambientais, que envolvem ainda o

caráter universalista de padronização de atendimento aos turistas em termos de comodidade e

de amabilidade receptora. Se as comunidades encontram-se organizadas e bem instruídas,

procuram mostrar aos seus visitantes as peculiaridades naturais e culturais daquela localidade

aos turistas desejosos de encontrar algo diferente do seu local de origem. Estas questões

envolvem, certamente, grupos sociais distintos em seus mais diversos aspectos, sejam

socioculturais, de cunho econômicos, políticos e ambientais, dentre muitos outros.


51

Por outro lado, estudos recentes apontam que o turismo, além de promover o

desenvolvimento socioeconômico de uma localidade, pode se tornar um grande aliado na luta

pela preservação do meio natural e cultural de uma destinação turística. Contudo, como

qualquer empreendimento gerado sob a égide do capitalismo, e isso é um fato, requer grandes

investimentos financeiros, planejamento criterioso, fundamentado em dados técnicos de

pesquisas e participativo entre o poder público e entidades privadas, juntamente com as

comunidades receptoras a fim de que se evite a degradação da paisagem e da cultura do lugar,

das quais depende, principalmente, a população local.

Nesse sentido, Ruschmann (1997.) explica porque o planejamento é indispensável para

se obter um desenvolvimento turístico mais seguro, equilibrado e em harmonia com os

recursos físicos, culturais e sociais das regiões receptoras. É preciso evitar que o turismo

destrua as bases que o fazem existir, adverte. Nesse sentido todos os cuidados devem ser

tomados a fim de se minimizar os impactos causados pelo setor turístico.

Segundo Cooper et al (2003) o turismo, como todas as atividades de empreendimento

industrial, sempre acarretará impactos sobre o meio ambiente físico. É fato que os turistas, ao

se deslocarem, visitam o local para consumir o produto turístico. Desse modo, é inevitável

que a atividade turística não esteja associada aos impactos ambientais e culturais. Entretanto,

os referidos autores acreditam na possibilidade de se gerenciar o turismo com planejamento

apropriado em respeito às características naturais do lugar, intentando-se reduzir de forma

significativa os impactos negativos e estimular os positivos.

Para se reduzir os impactos negativos vale recorrer à implantação de um programa de

educação ambiental, intentando-se a construção de saberes que envolvam a conscientização

dos moradores a respeito do valor cultural que possuem, inclusive com ganhos em relação à

auto-estima dos envolvidos, tornando-os capazes de identificar e solucionar os problemas


advindos não só do processo de instauração do turismo, tornando-os verdadeiros defensores

de seu patrimônio natural e cultural. Todas essas questões, evidentemente, estão relacionadas

à sustentabilidade do empreendimento turístico uma vez que garantem não só a preservação

de sua principal matéria-prima (o meio ambiente natural e cultural) ao mesmo tempo em que

promovem melhor qualidade de vida aos seus habitantes, garantem experiências marcantes

aos seus visitantes, contribuindo para o equilíbrio que garante a continuidade de diversas

práticas turísticas possíveis de acordo com o ambiente e a cultura local.

Na perspectiva de atender às necessidades materiais e imateriais das populações

endógenas, o planejamento turístico deve priorizar e manter uma infra-estrutura básica

considerável (saneamento, saúde, vias de acessos, energia, comunicações, etc.), serviços

públicos de apoio aos moradores bem como aos turistas (transportes decentes, segurança

eficiente, serviços bancários, comércio atrativo, postos de abastecimento, etc.) e serviços que

normalmente estão mais voltados para os visitantes (hospedagem, restaurantes,

entretenimentos, eventos, serviço de informações turísticas dentre outros). Todos esses

investimentos são considerados essenciais para o desenvolvimento socioespacial (SOUZA,

1999) de uma localidade, porque, à priori, beneficiam os residentes locais e, por conseguinte,

os seus visitantes que serão mais bem acolhidos. Tais prioridades comportam estratégias

importantes que contribuem para garantir a sustentabilidade e o desenvolvimento do

empreendimento turístico de uma localidade.

Cooper et al (op. cit., p. 188) asseguram que “planos de melhoria ambiental para criar

áreas mais atrativas, incluindo a renovação urbana, projetos de recuperação e planos de

conservação” são benefícios que o turismo pode trazer para uma localidade. Aliados a esses

fatos encontram-se a geração e a manutenção de emprego e renda para os habitantes locais,

mas, para que isso realmente ocorra, é bom lembrar que o planejamento turístico deve ser
53

abordado como um processo continuado, que precisa ser constantemente reavaliado, devido à

sua própria dinamicidade, na tentativa de estar (democraticamente) em consonância com as

identidades locais. Assim, o envolvimento da comunidade poderá definir com segurança o

rumo do planejamento e o sucesso do empreendimento. Planejar é preciso, sobretudo no

turismo, quando se decide a produzir um futuro desejado para um número maior de

beneficiados.

Souza (op. cit.), em seu artigo “Como pode o turismo contribuir para o

desenvolvimento local?”, faz ressalvas importantes quanto ao uso do termo

‘desenvolvimento’ em relação à atividade turística. Para Souza, o termo deve abranger

também as problemáticas sociais vigentes, dadas as proporções do que vem acontecendo no

mundo em nível global. Despido de sua carga ideológica capitalistófila, ou seja, livre de seu

sentido puramente econômico, o termo ‘desenvolvimento’ deveria “designar um processo de

superação de problemas sociais, em cujo âmbito uma sociedade se torna, para seus membros,

mais justa e legítima”. (idem, p. 18; grifos do autor). A fim de demonstrar a perspectiva de

suas reflexões, e reduzir ambigüidades, Souza optou pela expressão desenvolvimento

socioespacial por abranger questões que relacionam conquistas nos mais diversos aspectos

que precisam ser resguardados em uma comunidade como o meio social (a cultura, a

economia, a política, etc.) e o meio natural.

Sobre o significado do turismo em concordância com o desenvolvimento

socioespacial, Souza considera o estabelecimento da autonomia coletiva como ponto

fundamental na gestão dos recursos socioespaciais. De acordo com a s suas reflexões,

O desenvolvimento socioespacial pressupõe que uma coletividade tenha autonomia


para gerir os seus destinos (ou seja, eleger, ela própria e conscientemente, as suas
prioridades e os meios para concretiza-las), até mesmo para disciplinar o turismo
conforme os seus interesses e as suas necessidades. [...] Se a maioria da população
não puder participar livremente da gestão dos recursos socioespaciais de seu
município, o turismo (e outras atividades) dificilmente corresponderão às suas
expectativas e casarão com os seus interesses; dificilmente, portanto, o turismo
tenderá a trazer desenvolvimento socioespacial duradouro. (ibidem, p. 20; grifos
nossos)

Com base nessas orientações, presume-se que as condições determinantes para se

estabelecer o desenvolvimento socioespacial, especialmente, no âmbito do turismo, exigem

análises diversas que direcionem a implantação de políticas adequadas, tendo em vista não só

a implementação de equipamentos físicos, imprescindíveis ao incremento da atividade

turística, visando a rentabilidade dos empreendimentos do setor, mas, sobretudo, o bem estar

da comunidade receptora, como já o dissemos anteriormente.

Na conjuntura atual, em que a degradação ambiental tem alcançado níveis alarmantes,

o turismo, tanto quanto qualquer outra atividade socioeconômica, também promove impactos

de ordem negativa, e isto é um fato. Baseando-se em dados da realidade vigente, muitos

pesquisadores da área têm demonstrado grandes preocupações com a questão da

sustentabilidade do empreendimento turístico, evidenciando-se problemáticas que envolvem

questões socioculturais, históricas, políticas, ideológicas e ambientais, com destaque para o

desgaste das paisagens que, em muitos casos, tem atingido proporções consideradas

irreversíveis.

De acordo com Ruschmann (op. cit.), a finalidade de um planejamento turístico deve

consistir em ordenar as ações humanas sobre o ambiente natural de maneira sustentável. A

constatação de que o turismo contemporâneo é um grande consumidor de natureza, tem

provocado grandes preocupações no âmbito ecológico, visto que os turistas acreditam que

pelo fato de entrarem em contato com a natureza encontrarão o equilíbrio perdido na

desgastante vida cotidiana, principalmente aqueles que vivem nos grandes centros urbanos.

Na tentativa de resguardar o meio ambiente e garantir a atratividade das destinações

turísticas, várias formas de turismo consideradas como alternativas têm surgido: ‘turismo
55

brando’, ‘turismo responsável’, ‘turismo cultural’ ‘turismo ecológico’ ou ‘ecoturismo’, etc.

Entretanto, uma política de prevenção parece ser ainda a melhor opção. Do contrário, como

bem enuncia a sabedoria popular, “é melhor prevenir do que remediar”. Então, está mais do

que provado que é preciso incentivar políticas de prevenção antes mesmo de se pensar em

preservação. Para isso a educação ambiental, voltada para o estabelecimento de uma cultura

turística, por parte dos moradores e, por conseguinte, dos visitantes, pode ser a melhor e a

mais viável das soluções.

Quando falamos de atrativos, sejam eles naturais ou culturais, estamos considerando

que, antes mesmo de serem identificados, inclusive com a participação e aprovação da

comunidade receptora, é indispensável desenvolver estratégias que garantam a prevenção de

qualquer tipo de degradação. Conscientizar e despertar nas pessoas (habitantes locais, turistas,

viajantes, passantes) o desejo de proteger para manter, defender para resguardar um bem,

um patrimônio natural ou cultural, depende de atitudes aparentemente simples, mas que só

funcionam em um conjunto de ações que vise o bem de toda uma coletividade.

Assim, o propósito de se evitar e/ou se tentar reduzir os impactos negativos causados

ao meio ambiente, inclusive com os que são provenientes dos segmentos turísticos, contribui

para o estabelecimento de ações que podem contribuir para serem altamente compensatórias,

tendo em vista a promoção de um turismo próximo do que pode ser considerado como uma

atividade socioeconômica sustentável, tendo como objetivo maior assegurar uma melhor

qualidade de vida para todos, das populações presentes e futuras. Somente dessa forma o

turismo poderia subsidiar estratégias de preservação do meio ambiente como um todo.

Para tanto, faz-se necessário prover os incentivos indispensáveis à formatação dos

produtos turísticos, abalizados por uma infra-estrutura que seja capaz de atender à demanda,

de modo que se evite a sobrecarga de visitantes, cujos danos provocados aos atrativos naturais
e/ou culturais podem ser irreversíveis. Além disso, a falta de um planejamento turístico

adequado pode causar interferências no modus vivendi da população receptora de forma muito

agravante. A apropriação e o uso indevido de bens culturais, sejam materiais ou imateriais,

por exemplo, alteram os valores socioculturais e proporcionam a descaracterização dos

costumes e das tradições, o que compromete irremediavelmente a identidade cultural de um

lugar.

A partir dessas considerações gerais que envolvem questões culturais e ambientais,

voltadas para o segmento turístico da Região Sul-baiana, elegemos o Rio Cachoeira como

objeto de estudo desta pesquisa, enfocando a problemática da poluição de suas águas em

nuances socioculturais (inclusive históricas e literárias) e ambientais como tema de

averiguação da sustentabilidade dos segmentos turísticos de Ilhéus. Verificamos que a

constante e crescente ameaça de descaracterização da paisagem litorânea, relacionada à

poluição de suas praias, está intimamente relacionada ao aumento da quantidade de efluentes

não tratados, despejados diretamente ao longo de toda a bacia do Rio Cachoeira. Ao alcançar

a Baía de Pontal, onde o rio tem a sua foz, a poluição aquática se espalha ao longo do litoral

ilheense, tornando as praias impróprias tanto para as populações endógenas, como para os

seus visitantes. Desse modo, a problemática que se relaciona diretamente com o turismo local

diz respeito à degradação do meio ambiente como um todo, bem como da ausência de

planejamento turístico regional, temas que serão discutidos especialmente no segundo

capítulo. Em contrapartida, o estudo visa também a demonstrar a importância do rio

Cachoeira enquanto patrimônio cultural da região do ponto de vista histórico, conforme

veremos a seguir.
57

2.2. Re-visitando a história: colonização portuguesa e subordinação cultural

A História do Brasil, dita oficial, iniciou-se na Bahia por conta de um percurso que

começou e se completou estrategicamente entre as margens de dois rios intercontinentais. Foi

da praia do Restelo, /*às margens do Tejo, que partiram as caravelas dos conquistadores

portugueses que tencionavam refazer a trilha marítima percorrida por Vasco da Gama em

direção às Índias. Foi a partir desse porto que os lusitanos cruzaram o Oceano Atlântico e

alcançaram a dita “ilha distante”, quando as naus portuguesas chegaram à costa brasileira e

ancoraram “em frente à boca de um rio”, dando início à colonização portuguesa no Brasil,

conforme o relato de Caminha,

E quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos direitos à terra, indo os navios
pequenos adiante por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças até
meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras, em frente da boca de um rio. E
chegaríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos e dali avistamos
homens que andavam pela praia, cerca de sete ou oito, segundo os navios pequenos
disseram, por chegarem primeiro.
Ali lançamos fora os batéis e esquifes. E vieram logo todos os Capitães das naus a
esta nau do Capitão-mor e ali conversaram. E o Capitão mandou no batel em terra a
Nicolau Coelho para ver aquele rio. E assim que ele começou a ir para lá, acudiram
pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca
do rio, já lá estavam dezoito ou vinte (SIMÕES, H., 1999, p.115, grifos nossos)

Documento também conhecido como a “certidão de nascimento do Brasil”, a carta de

Caminha pode ser analisada do ponto de vista de um testemunho1, ou seja, como um relato

extremamente cuidadoso de alguém que presenciou, ouviu e/ou vivenciou os acontecimentos,

evidenciando, inclusive, em determinadas passagens, o olhar deslumbrado de um estrangeiro

em terras estranhas.

1
Vale aqui esclarecer o entendimento de testemunho como performances autoficcionais, porquanto no
testemunho, “a estratégia de construir uma experiência vivida e de exibi-la, como representativa de práticas e
usos socioculturais, é esgrimida, de forma mais ou menos consciente, como legitimação do discurso”
(RAVETTI, 2001, p.10, grifos da autora). Daí, a possibilidade da discussão sobre a Carta Caminha poder ser
considerada ficção (SIMÕES, 1995).
Apesar das descrições de deslumbramento feitas por Caminha, a ocupação portuguesa

em solo brasileiro, como é sabido, só se deu de fato por volta de 1530, com a implantação do

sistema das capitanias hereditárias, intentando-se resguardar toda a costa das invasões

francesas e holandesas, visto que as terras brasileiras já eram consideradas como patrimônio

lusitano.

Por certo, a constatação gradativa das riquezas ambientais presentes em território

brasileiro, aliada à promessa da existência de muito ouro e prata, determinou a nossa

colonização justamente quando as viagens de exploração marítima foram substituídas pelas

expedições terrestres, com objetivo de invadir e dominar os espaços considerados

privilegiados em recursos naturais. Nesse sentido, nossos rios serviram de caminho para as

expedições que, por sua vez, contribuíram para com a escravização dos índios, bem como

para a fundação de vilas e cidades. De modo semelhante, tais procedimentos também se

processaram aqui na Região Sul-baiana, onde o rio Cachoeira se tornou o rio-caminho, um

lugar de passagem para as incursões portuguesas, no período da implantação das Capitanias

Hereditárias, conforme registros oficiais da história local.

Em um contexto nacional, os procedimentos de colonização portuguesa

proporcionaram a formação de domínios coloniais que, ao serem presididos pela lógica

mercantilista e também religiosa, acabou determinando a subordinação sociocultural,

econômica e política dessas “novas terras”, dentre outras adversidades que foram e continuam

sendo mantidas até os nossos dias atuais.

A repercussão desses fatos contribuiu de forma espantosa para a transformação do

espaço físico e cultural das terras então colonizadas por dominação portuguesa. Disso

resultante, o processo de hibridação que abrange diversas mesclas interculturais (CANCLINI,

2000) entre as etnias envolvidas (brancas, indígenas e negras), apresenta até os dias atuais a
59

prevalência cultural portuguesa, devido à herança ideológica infundida e absorvida ao longo

de cinco séculos de imposição cultural.

Para compreender tais procedimentos, em acrescentamento ao discurso histórico

oficial, faz-se oportuno trazer à tona o pensamento de Ianni (2000) quando afirma que a

história dos povos está atravessada pela viagem, seja como realidade ou como metáfora.

Um texto clássico a esse respeito é a obra O Atlântico Negro (2001), na qual o

sociólogo inglês Paul Gilroy utiliza a imagem de um navio em movimento pelo espaço

Atlântico entre a Europa, América e África para refletir sobre a dinâmica cultural da diáspora

negra - intensamente marcada pela violência histórica da escravidão desde que o primeiro

navio negreiro saiu da África em destino às terras que lhes seriam sempre alheias, nunca deles

próprios. Dentre outros aspectos, a obra discute vários temas relacionados às questões étnicas

e aborda aspectos históricos, socioculturais, políticos e antropológicos dessas dolorosas

“passagens” para o negro africano, nesses caminhos marítimos. Todavia, causou-nos

estranhamento o fato de que apesar de o Brasil fazer parte desse espaço simbólico que autor

nomeou como Atlântico Negro, a realidade afro-brasileira, sobretudo a baiana, não foi

conectada ao tema proposto pelo referido autor.

Com base nessas considerações, observamos que, nesse caso, a origem do Brasil,

enquanto nação, está vinculada a uma viagem incursionada através do Atlântico. Desse modo,

este espaço marítimo passa a representar aquilo que Bhabha (1998) designa como in-between,

isto é, o local onde se processam e se articulam as diferenças culturais em trânsito. É, pois,

nesse sentido que o Atlântico Sul passa a representar o caminho, o lugar de passagem, o local

dos hibridismos culturais, onde emerge, em momentos de transformações históricas,

articulados pelas diferenças entre as mais diversas e distantes culturas, o ponto de intersecção

ou de entrecruzamentos culturais (BHABHA, op. cit.).


No Brasil, a sobreposição cultural dos conquistadores europeus junto aos povos

africanos - em seu doloroso processo diaspórico -, somados ainda a dos povos sul-americanos

- que também na sua enorme diversidade contribuíram para a formatação de uma “nova

nação” -, não implicou em torná-la necessariamente homogênea. Ao contrário, os preceitos

hierarquizantes de assimilação cultural, de absorção de uma cultura por outra, imposta pela

força bruta da aculturação que se respaldou na miscigenação e no aniquilamento desses povos

tidos como “inferiores”, agora estão sendo substituídos gradativamente pelos preceitos de

integração, onde se procedem a preservação identitária e a reivindicatória dos grupos étnicos

submetidos a constantes confrontações em sua dinâmica cultural. Isso, quando não anulados

completamente no processo civilizatório.

O Brasil, durante a sua formação colonial, esteve submetido a uma somatória de

confrontos entre as mais diversas identidades que, num jogo de amalgamentos culturais,

resultou, desde os primeiros séculos de ocupação e exploração, em verdadeiras ilhas

socioculturais, cujo formato dissonante parece permanecer até os dias atuais. Segundo Bosi

(1994, p.11), essas “ilhas sociais (Bahia, Pernambuco, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo)

deram à Colônia a fisionomia de um arquipélago cultural. E não só no facies geográfico.”

Essas “ilhas sociais”, simbolicamente instituídas por fatores geográficos,

socioeconômicos e históricos, prevalecem até os dias atuais, contudo não se prendem a

fronteiras territoriais demarcadas linearmente de estado para estado, como Bosi parece supor.

Como é sabido, as fronteiras, as demarcações territoriais e culturais são bem mais relativas do

que parece supor (BORDIEU, 2002). A prova disso é que o estado da Bahia, em sua extensa

dimensão territorial, apresenta peculiaridades ambientais e culturais que se diferenciam

localmente de região para região, dentro do próprio estado. Tais peculiaridades, provenientes

de um conjunto de ações humanas localizadas, são o que constituem o patrimônio cultural, dando
61

feições diferenciadas de lugar para lugar. Em contrapartida, são essas mesmas diferenças que

promovem a diversidade cultural humana - elemento bastante apreciado na qualificação de

um produto turístico.

O fato é que essas diferenças acabaram por criar um país marcadamente multicultural,

o que tem contribuído de forma decisiva como mais um suporte de atração turística a ser

explorado em cada região, em cada localidade, a exemplo da singularidade cultural que a

Região Sul-baiana apresenta, entre tantas outras localidades do Estado. São peculiaridades

históricas e culturais que foram edificadas com base nas relações interétnicas, exercidas pela

presença dominadora do europeu e a conseqüente escravização indígena, além da vinda dos

escravos negros africanos que, por sua vez, tiveram papel fundamental durante os ciclos

econômicos de expansão colonialista, especialmente o da cana-de-açúcar e do ouro, bem

como no início da implantação da lavoura cacaueira sul-baiana.

Em seu artigo Multiculturalismo Intelectual Fernandez (2005, s/p), discute noções

em relação ao termo, que consideramos pertinentes a este estudo. Segundo esse autor o

multiculturalismo, em uma conotação positiva,

refere-se à coexistência enriquecedora de diversos pontos de vista, interpretações,


visões, atitudes, provenientes de diferentes bagagens culturais [em que] as várias
óticas devem ser consideradas em pé de igualdade [onde] não tem sentido falar de
contradição, só de diferença. [...] O multiculturalismo apregoa uma visão
caleidoscópica da vida e da fertilidade do espírito humano, na qual cada indivíduo
transcende o marco estreito da sua própria formação cultural e é capaz de ver, sentir
e interpretar por meio de outras apreciações culturais. O modelo humano resultante é
tolerante, compreensivo, amplo, sensível e fundamentalmente rico: a capacidade
interpretativa, de observação e até emotiva, se multiplica.

Nesse entendimento, de respeito às diferenças, de compreender as particularidades

culturais, fruto de revisionistas e críticos culturalistas da contemporaneidade, torna-se

oportuno enfatizar a discussão dos fenômenos estéticos e filosóficos a partir de uma

perspectiva pós-colonial, inclusive, visando à contestação da hegemonia cultural, embora não

se encerrando nela. Assim sendo, ter noção das diferenças é ter respeito às necessidades
particulares de cada grupo que reivindica o seu reconhecimento, enquanto uma entidade

marcada por uma história e uma visão de mundo que lhe é própria; isso contribui para a

permanência da diversidade cultural entre os grupos humanos, num permanente exercício de

remoção das hierarquias étnicas criadas no perverso âmbito da colonização.

Diante do que foi exposto, há uma necessidade em se rever o foco pelo qual a

memória histórica e cultural da antiga Capitania de São Jorge dos Ilhéus foi escrita, tendo em

vista um melhor entendimento da constituição identitária da Região Sul-baiana que não se

restringe apenas ao ciclo do cacau, apesar de tão amplamente divulgada pela literatura

regional.

Com efeito, retomar a história dita tradicional significa tomar conhecimento de uma

perspectiva que foi privilegiada no passado. No entanto, a recuperação e a re-visão do passado

no tempo-espaço ocorrido, mesmo prevalecendo uma visão hegemônica, pode contribuir para

re-dimensionar e esclarecer as transformações socioculturais pelas quais a região esteve

submetida e, dessa forma, re-focar o presente, visando a incluir uma parcela maior de atores

sociais, nesse processo civilizatório.

2.3. Rio-caminho: mais um foco da história

Em se retomando a História local, dados oficias informam que foi por volta de 1536

que a foz do rio Cachoeira se tornou o caminho de passagem para as primeiras incursões

européias nas terras ilheenses. Com efeito, as águas do rio Cachoeira testemunharam a

chegada da esquadra do castelhano Francisco Romero, quando alcançou o estuário hoje

conhecido como Baía de Pontal. Movido pela necessidade de conhecer e tomar posse das
63

terras doadas por D. João III a Jorge de Figueredo Correia, a esquadra de Romero, após

aportar na ilha de Tinharé e fundar a vila no Morro de São Paulo (localizado ao sul de

Salvador, capital do Estado), optou por procurar um “local mais apropriado, apresentando

defesas naturais, grande fertilidade do solo e boa aguada” (BARBOSA, 1997, p. 26).

Nesse período, o vastíssimo lote da Capitania de São Jorge dos Ilhéus ocupava a

região central do Brasil e media cerca de cinqüenta léguas de largura em todas as direções,

localizando-se entre a Capitania da Bahia e a Capitania de Porto Seguro, tendo dois rios como

limites: o Jequiriçá, ao sul; e o rio Grande ou Jequitinhonha, ao norte (CAMPOS, 1981).

Trilhando o caminho marítimo até chegar à Baía de Pontal, o lugar escolhido para

sediar a capitania passou a ser a península abrigada por quatro ilhéus, pois oferecia uma

posição estrategicamente perfeita para a defesa de previsíveis invasões estrangeiras, já que era

um local resguardado pelo mar e pelos rios, dentre os quais o rio Cachoeira. Por outro lado,

era também necessário promover o povoamento rápido da costa, pois, como era de interesse

da metrópole, ficaria mais fácil resguardar extensões cada vez maiores do litoral. Sob esses

aspectos, o local escolhido oferecia ainda grandes vantagens para o desenvolvimento

comercial, já que podiam contar com um porto para o escoamento do pau-brasil, da cana-de-

açúcar e, mais tarde, dos produtos de subsistência como a mandioca cultivada pelos índios e a

carne proveniente do sertão das Minas Gerais, que eram enviados para as capitanias vizinhas.

A região, densamente coberta por florestas, era povoada pelos Tupiniquins, mais para

a costa, e pelos temidos aimorés, em seu interior, o que configurou alguns problemas para a

penetração dos colonos naquelas terras. Conta-se que foi com o auxílio dos Tupiniquins que

Romero deu início à exploração do pau-brasil, cujos troncos eram transportados ao longo dos

rios e, posteriormente, para a plantação da cana-de-açúcar justamente nas margens do rio


Cachoeira, onde o cultivo se desenvolveu consideravelmente (CAMPOS, 1981; VINHÁES,

2001).

Foi, portanto, naquele local, cercado pela abundância das águas, no cume do atual

outeiro de São Sebastião, que a Vila de São Jorge dos Ilhéus foi fundada, cujas magníficas

terras, banhadas pelo rio Cachoeira, ficavam situadas bem

no centro da orla marítima da capitania [...] um local que apresentava excelentes


condições estratégicas e para o comércio, num promontório formado pelo mar e por
um rio navegável, apresentando pelagoso e abrigado fundeadouro, vigiados os dois
pontais da sua barra por sendos morros. Além disso, a região circunjacente dava
aparências de grande fertilidade, tanta a exuberância da vegetação que a revestia,
sendo ao mesmo tempo abundante de águas correntes. Assim ficaria
magnificamente ubicada a vila. (CAMPOS, op.cit., p. 11-12, grifos nossos).

Não há dúvida que, no âmbito econômico, as boas condições geográficas de solo, de

clima e a grande quantidade de rios existentes no local foram fundamentais para a construção

e o desenvolvimento dos engenhos e da Capitania como um todo. Segundo Barros (1915, p.

33), “toda a Capitania era abundantíssima de mananciais, sendo as chuvas mui freqüentes; e o

terreno, montuoso e coberto de vegetação vigorosa, prometia a esse distrito, quando bem

cultivado, toda a sorte de riqueza e de prosperidade”. Certamente que foi com esse intuito que

Romero escolheu aquele sítio para o estabelecimento da sede da capitania.

Nas incursões feitas pelas armadas locais, a título de exploração e aldeamento dos

índios, o rio Cachoeira tornou-se o rio-caminho, um dos principais canais de penetração para

desbravar a região, inclusive fazendo-se cenário de terríveis massacres provocados pelos

donatários e ouvidores da Capitania contra os nativos Tupiniquins e Aimorés. Ao processo de

conquista, seguiu-se a crescente ocupação com intensa devastação das florestas e aldeamento

dos índios. Nesse sentido, a fundação de vilas e arraiais ao longo ao longo do rio Cachoeira,

primou pela abertura de rotas de penetração, visando a implantar e desenvolver o comércio

entre as vilas, tendo o porto de Ilhéus como escoadouro dos produtos vindos do sertão.
65

Nesse sentido, o rio Cachoeira foi palco de muitos fatos históricos importantes e, por

isso, que devem ser retomados e re-interpretados com a finalidade de valorizá-lo enquanto

patrimônio histórico da região. São fatos que ilustram a nossa História desde o período de

colonização, no século XVI, passando por períodos de decadência econômica da Capitania até

o período de implantação da lavoura cacaueira, no século XIX, que acabou por estabelecer

uma identidade regional em função dos denominados “frutos de ouro”.

É fato que o rio Cachoeira também registrou a passagem de célebres figuras que

integram a história nacional, a exemplo dos três primeiros governadores Gerais, Tomé de

Souza, Duarte da Costa e Men de Sá. Esse último, então, se tornara dono da sesmaria do

Engenho de Santana, situada às margens do Rio de Engenho2. Também o rico empreendedor

florentino Lucas Giraldes, donos de seis engenhos, tornando-se mais tarde o terceiro donatário

da Capitania (BARBOSA, 1997).

Segundo Barros (1915), o rio Cachoeira começou a ser explorado, em sua parte mais

navegável, isto é, no trecho entre Ilhéus e o Banco da Vitória, por volta de 1553. Naquela

época, o Padre Luiz Soares de Araújo, referindo-se ao rio, escreveu a El-Rei, dizendo que

A vila possuía várias ruas: do porto, nova matriz, de São Sebastião, da cadeia, do
Colégio, de São Bento, e uma praça; travessas da matriz, de João de Sousa, e de
Inácio Jorge. Era o único núcleo de população da freguesia, porém às margens do
rio Cachoeira, - cujas fontes ainda não estavam descobertas, dizendo apenas que
procedia das minas, - havia moradores nos lugares denominados Cupipe, Maria
Jape, São João, Tanguape, Tabuná, Pasto, Matendipe, Camurupi, Bando do Furtado
e Pirataquicé. Navegavam-no sumacas, barcas, lanchas e canoas. [...] Noutro
tributário do Cachoeira, o Fundão, de curso mui breve, havia ainda moradores nos
sítios chamos Jaguaripe, Jacaraipe e São Francisco. Tanto no Sant’Ana como no
Fundão trafegavam canoas, barcos, e lanchas de pescaria. (CAMPOS, 1981, p. 35,
grifos nossos)

2
Ainda hoje podem ser observadas as ruínas do referido engenho de açúcar, que prosperou no início da
colonização às margens da Ribeira de Sant’Ana. Naquele local, bastante aprazível para visitações, conhecido
como povoado do Rio de Engenho, localizado a 20 km ao sul da atual Ilhéus, encontra-se a Capela de Santana,
considerada a terceira mais antiga do Brasil, construída no século XVI, em 1537, pelos jesuítas, tombada pelo
Serviço de Patrimônio, Artístico e Cultural do Brasil.
A incumbência de catequização indígena e educação religiosa dos colonos, inclusive

nos locais próximos ao rio Cachoeira, coube aos padres Manoel da Nóbrega, Leonardo Nunes

e Diogo Jâcome, os primeiros obreiros da Companhia de Jesus, em terras ilheenses. Estes

lutaram pela manutenção da fé e do poder da Igreja na Colônia, assim como os demais

jesuítas. Segundo Campos (op. cit. p. 31), naquele período, era comum os padres saírem a

“percorrer as ruas do vilarejo tangendo uma campainha, e disciplinando-se pelos que estavam

em pecado mortal, pela conversão dos índios, e pelas almas do Purgatório, conforme

publicavam no biedomadário e cruento passeio expiatório”

Também outros catequistas como Antonio Pires, João de Azpilcueta Navarro, Vicente

Rodrigues e outros se ocupavam dos índios que viviam nas margens do rio cachoeira, no seu

referido trecho navegável (SILVEIRA, 2002, p. 3).

Personalidades conhecidas da História nacional, como o sertanista Francisco Bruza

Espinosa, bandeirante que, em meados de 1553, embrenhou-se nas matas à procura de pepitas

de ouro, juntamente com o Padre Manoel da Nóbrega e sua equipe, em missão jesuítica,

trilharam caminhos pelo rio Cachoeira. Segundo Silveira (op. cit, p. 5), após uma intensa

caminhada de quatro dias, Espinoza e os mencionados jesuítas “chegaram na margem de um

rio de águas muito claras que correndo entre enormes pedras escuras formavam pequenas

cachoeiras”.

Naquele lugar, as árvores eram ferradas em forma de cruz, para facilitar na

identificação dos transeuntes. Foi assim que nasceu a Villa das Árvores Ferradas, ponto de

pouso para as expedições que avançavam em direção ao sertão de Minas Gerais. As

expedições que saíam de Ilhéus passavam pela Vila de Nossa Senhora da Escada das

Olivenças (atual Olivença), no sentido leste-oeste; seguiam o curso dos rios, até chegar

naquele sítio. Por muito tempo a Vila de Ferradas foi utilizada como rota dos vaqueiros que
67

traziam gado do sertão mineiro para Ilhéus, intensificando o comércio em todo o seu percurso,

nas proximidades do rio Cachoeira. Nascedouro do município de Itabuna, Ferradas compõe

hoje um dos bairros periféricos dessa cidade que fica em torno de 30 km da costa ilheense.

A partir de 1570, é sabido que muitas entradas e bandeiras, utilizadas como formas de

penetração para o interior, passaram pelo rio-caminho em busca de pepitas de ouro e da prata

que, segundo as notícias que se espalhavam, brotavam com facilidade nas barrancas dos rios.

A busca pelas pepitas de ouro foi tão intensa nesse período que foi retomada e ressignificada

até mesmo um século depois sob o pretexto de existir uma Cidade Encantada, localizada

entre as águas dos rios Una do sul, Una-Mirim, Cachoeira e Pardo3.

Em 1595, o rio-caminho deu passagem também aos franceses. Considerados como

hereges, os franceses saquearam e devastaram a pequena vila de Ilhéus. O rio Cachoeira

abrigou também as tropas holandesas da esquadra do almirante Lichthardt que

desembarcaram no Pontal, em 1638 para saquear a vila,

Fez limpa em várias caixas de açúcar e em muitos toros de pau-brasil, colocados nas
barrancas do rio. Não tardou a reação. Indignados, os habitantes se alçaram e
enfrentaram o inimigo. Durante muitas horas foi renhido o desforço contra os
invasores e atroz carnificina. Atônitos diante das sucessivas baixas, foram obrigados
a recolher-se aos seus barcos e velejar para o Norte (BARROS, 1915, p. 62).

Ainda por volta desse período, o rio Cachoeira foi palco de diversos outros episódios

históricos, envolvendo desditosos sacrifícios humanos, particularmente dos indígenas.

Segundo Silveira (op. cit.), o capitão português João Gonçalves da Costa, que muito utilizou o

rio Cachoeira para fazer as suas incursões em direção ao sertão de Conquista (atual Vitória da

Conquista), foi o que mais se destacou pela as suas ações devastadoras contra os aimorés.

3
É possível que a Cidade Encantada não passe de uma re-visitação ao imaginário dos índios mexicanos que
contavam aos aventureiros espanhóis sobre a existência do El Dorado, a Cidade Perdida dos Incas toda
construída em ouro. O acrescentamento de detalhes fantásticos e mirabolantes, por conta da imaginação desses
aventureiros, deve ter exercido um grande fascínio sobre os europeus de modo a induzi-los a conhecer a América
e explorá-la (Vide El Dorado, 2005, s/p).
Também o sertanista João Amaro, contratado pelo Visconde de Barbacena, chefiando uma

entrada, exerceu “cruel matança de gueréns e pataxós praticadas ao longo das barrancas do

rio” (SILVEIRA, 2002, p. 76).

Esses episódios sangrentos causaram muitas reações nos jesuítas que intensificaram

ações no sentido de proteger os índios através da catequese, o que tornou possível o

surgimento de missões nos povoados e aldeias instaladas às margens do rio Cachoeira.

Do ponto de vista econômico, este período, que antecedeu a implantação da lavoura

cacaueira na região Sul-baiana, foi marcado por um grande marasmo comercial em virtude da

decadência dos engenhos de cana-de-açúcar. De acordo com FREITAS e PARAÍSO (2001),

as maiores dificuldades foram atribuídas aos constantes avanços dos colonos europeus em

áreas indígenas e, como ficou evidenciado, houve muitos massacres. Além disso, o

aldeamento e a catequização jesuítica dos nativos que sobreviveram contribuíram de forma

incisiva para o processo de aculturação dos mesmos.

De acordo com Adonias Filho, o ciclo do cacau iniciou-se efetivamente em 1746, com

o desbravamento e a conquista de terras, sendo que o seu cultivo só se desenvolveu porque

teve um solo e um clima organicamente apropriados para ele. Como se sabe, o Theobroma

cacao, por ser uma planta que precisa de sombra e umidade, adaptou-se perfeitamente à

região, devido à boa distribuição das chuvas e à presença maciça da Mata Atlântica.

Aí, em todo esse tempo, nas funduras das grandes florestas, em todo o que foi uma
guerra contra a natureza, gerou-se uma violenta saga humana no ventre mesmo da
selva tropical. Saga que, fermentando matéria artística e ficcional, concorreu para
configurar o que realmente é um complexo de cultura regional. O cacau, à proporção
que altera a paisagem, a empurrar e diminuir a selva, a abrir fazendas, a estabelecer
um sistema de comércio, conforma culturalmente uma região (AGUIAR FILHO,
1976, p. 14).

No decurso de uma lavoura que irrompeu vigorosamente, a dita “civilização

cacaueira” se projetou e se configurou. A lavoura cacaueira engendrou novos hábitos,


69

costumes, o comportamento sociocultural do homem sul-baiano. Em termos simbólicos, o

homem grapiúna4 organizou o seu mundo e passou a ver o cacau como o “fruto de ouro”.

Conforme Castoriadis (1982), tudo o que é instituído culturalmente encontra-se

indissociavelmente entrelaçado com o simbólico. Este tem por essência o imaginário que, por

sua vez, faz gerar normas, valores, crenças, tradições, etc.,que constituem as identidades,

podendo facilmente ser flagrados, conforme as atitudes cotidianas de um povo. Assim, de

uma forma simbólica, o El Dourado passou a existir, provocando migrações mais acentuadas

no período de consolidação da lavoura cacaueira.

Através das narrativas literárias de diversos autores regionais, com ênfase nas obras de

Jorge Amado e Adonias Filho que percorreram o mundo, o cacau acabou por engendrar o

perfil cultural da região, tornando a Região Sul-baiana conhecida em todo o mundo em

virtude do lucro gerado pela lavoura, refletindo tanto no interior, com a criação e

emancipação de cidades, como na capital baiana.

Com efeito, a implantação da lavoura cacaueira trouxe inúmeros aventureiros, dos

quais os sergipanos, bem como diversos grupos estrangeiros que aqui chegaram com o intuito

de enriquecimento rápido. Naturalmente que, por uma questão de sobrevivência e de conforto,

esses grupos instalavam-se ao longo dos rios. Com o passar do tempo, foram se formando as

colônias que, sucessivamente, se transformaram em imensas fazendas particulares. Outras

ainda, de maior extensão, passaram progressivamente de vilas às cidades, como é o caso de

Itabuna que se desenvolveu às margens do rio Cachoeira, a partir de Vila de Ferradas.

A título de ilustração, foi no outrora vilarejo de Ferradas, na Fazenda Auricídia, em

1912, que nasceu o célebre filho de desbravadores de terras, o escritor Jorge Amado. Em sua

4
Termo popularizado por Jorge Amado em Gabriela cravo e canela (1958) para designar os grandes
plantadores de cacau. Grapiúna vem do tupi: guirá - gra por aglutinação = pássaro + pi = branco + una = preto
=> pássaro preto e branco. (Euclides Neto, 1997, p76)
extensa obra sobre a saga do cacau, Amado conta como os desbravadores se tornaram os

lendários “coronéis do cacau”. Importante ressaltar, aqui, principalmente do ponto de vista

antropológico, o quanto as obras de Jorge têm contribuído para ampliar o conhecimento sobre

a história e a cultura Sul-baiana.

Mas o desbravamento de terras não foi executado de forma fácil. Em um contexto

geral, muitos desses desbravadores chegavam por via marítima, a bordo de pequenos navios.

Muitos enfrentaram grandes obstáculos para adentrar as imensas e densas florestas. Isto,

naturalmente, exigia muita coragem desses aventureiros. Por um lado a presença ameaçadora

dos índios - os verdadeiros donos e, por isso mesmo, defensores do lugar. Dou outro, as feras

(onças, caititus, capivara, raposa, macacos, etc.), a grande quantidade de répteis existentes

(jacaré e inúmeros tipos de serpentes peçonhentas) e, como se não bastasse tudo isso,

achavam-se sujeitos às mais diversas epidemias, sendo a febre tifóide a mais temida. Por

outro lado, as condições ambientais, a riqueza da mata e a diversidade da fauna possibilitavam

caça e pesca abundantes, garantindo-lhes a sobrevivência e, com muita luta, riquezas.

No início da implantação da lavoura (até 1860), as áreas ocupadas pelos cacaueiros

estavam restritas aos vales dos rios, devido à necessidade de adaptação da árvore aos terrenos

e do grau maior de umidade. Além disso, os rios eram aproveitados como vias naturais de

escoamento dos frutos das roças, que eram transportados nos lombos dos burros, trazidos

pelos tropeiros5, até o porto fluvial do Banco da Vitória. De lá seguiam pelo rio Cachoeira até

Ilhéus. Em seguida, eram enviados para Salvador, de onde o cacau era exportado para a

Europa (FREITAS e PARAÍSO, op.cit.).

Com a implantação da lavoura cacaueira, muitas povoações surgiram e progrediram

como pouso de tropas em função do comércio dos chamados “frutos de ouro”. O Banco da

5
Pessoas que conduziam o cacau mole ou seco nos burros (EUCLIDES NETO, 1997, p.111)
71

Vitória foi uma dessas povoações que conheceu um surto de progresso no período, servindo

como primeiro porto fluvial, um local de muitos encontros interculturais.

O rio Cachoeira também determinou o direcionamento das estradas construídas na

Região. No período que se seguiu à expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, o

Marquês de Barbacena, um senhor de engenho em Ilhéus, lançou o projeto de abrir uma

estrada ligando Ilhéus a Vitória da Conquista e, por conseguinte, alcançar Minas Gerais. Este

traçado passava, nas proximidades do rio Cachoeira, na altura da Vila de Ferradas. Com a

abertura desta estrada, surgiram os primeiros comerciantes, passando, mais tarde, a ser

administrada pelos jesuítas.

Segundo FREITAS e PARAÍSO (2001), a estrada era vista como promissora já que

acompanhava o percurso dos rios Pardo e Cachoeira, sendo abundante em águas e vários

aldeamentos, fatores considerados essenciais para oferecer boas condições de apoio aos

viajantes, inclusive como locais de pouso para os tropeiros

Segundo Campos (Op.cit., p 192), o capuchinho Frei Ludovico de Liorne, que se fixou

na Vila de Ferradas por volta de 1816, enfrentou muitos problemas quando o Conde dos

Arcos, o então governador, resolveu “mudar os índios gueréns aldeados em Almada para um

ponto da estrada de Ilhéus ao sertão da Ressaca, que então se abria na margem do rio

Cachoeira, [num] lugar denominado Ferradas, a oito léguas de Ilhéus e doze de Almada”.

Outras visitas ilustres, trazidas pelas águas do Atlântico, chegaram a Ilhéus, como o

naturalista e também príncipe Maximiliano Alexandre Felipe de Wied-Neuwied, oitavo na

linha sucessória que tinha o seu principado em Neuwied no Reno, em 1815. Motivado em

pesquisar os costumes e artefatos indígenas, além de fósseis e petroglifos, o príncipe


percorreu as florestas da região, passando pelo rio Cachoeira, indo até os sertões de

Conquista. (SILVEIRA, 2002)

Para conhecer a Mata Atlântica de perto, o rio Cachoeira se configurou, mais uma vez,

em um caminho que permitiu, em 1817, aos bavaros naturalistas Johann Baptiste von Spix e

Carl Friedrich Phillipp von Martius adentrar as florestas em seu famoso itinerário

investigatório que envolveu todo o Brasil de norte a sul, oportunizando, assim, pesquisas

sobre botânica, etnografia, fitogeografia, lingüística, etc, cujas experiências encontram-se

relatadas em Viagem pelo Brasil (SPIX E VON MARTIUS, 2005), uma obra que certamente

é referência para os estudos sobre as condições naturais do Brasil da época.

Em 1860, foi a vez do Arquiduque Maximiliano d’Áustria, irmão mais novo de

Francisco José I, Imperador da Áustria-Hungria e Rei da Boêmia. Segundo relatos

(CULTURAS LUSÓFONAS, 2004), o arquiduque deixou registrada a sua passagem pelas

terras de Ilhéus em um livro intitulado Mato Virgem, uma obra manuscrita, ainda sem

tradução para o português. Conta-se que o arquiduque se hospedou na Fazenda Vitória,

situada à margem direita do rio Cachoeira, do proprietário suíço Barão Ferdinand von Steiger-

Munssingen, localizada nas proximidades do Banco da Vitória onde fez boas caçadas. A

beleza do local impressionou o arquiduque naquela época. Todavia, ainda hoje, apesar da

crescente degradação ambiental daquela localidade, a paisagem impressiona aos transeuntes

que podem desfrutá-la, ainda que rapidamente, ao passar pela movimentada rodovia

Ilhéus/Itabuna, na BA-415.

As visitas dos Maximilianos a Ilhéus foram retomadas e re-configuradas sob a forma

de um evento turístico cultural, promovido pela Universidade do Mar e da Mata –


73

MARAMATA6, que acontece anualmente, durante a última semana do mês de janeiro. O

evento, Canoagem Rumo ao Mato Virgem, é evocativo às viagens dos dois naturalistas e

conta com o apoio da Marinha. Nesse evento são reunidos inúmeros pescadores em suas

rudimentares embarcações (canoas, pequenos barcos e jangadas) que saem do Morro de

Pernambuco, local onde fica sediada a Maramata, passam pela Baía de Pontal, seguindo pelo

estuário de Coroa Grande e depois pelo rio Cachoeira até o Banco da Vitória, trecho onde o

rio é navegável. Nesse percurso, podem ser vistas as ilhas fluviais Mutucujê e Frade, a Serra

da Onça, a Fazenda Vitória e a Ladeira do Príncipe.

Pelo valor histórico, bem como pela beleza paisagística, riqueza cultural de seus

habitantes, este roteiro, se devidamente formatado, tomando como base os princípios

sustentabilidade ambiental (natural e cultural), poderia ser explorado em favor do turismo

local. Entretanto, obstáculos de ordem ecológica, com ênfase na poluição e degradação do rio

Cachoeira bem como do desmatamento das matas, além dos problemas de ausência de política

pública básica e a falta de infra-estrutura, são fatores que impedem a apropriação desse espaço

para a exploração turística.

Nesse propósito, o capítulo que se segue visa a discutir a degradação e a poluição do

rio Cachoeira em suas implicações socioambientais e turísticas, relacionadas ao turismo

litorâneo ilheense, que tem em suas praias os seus maiores atrativos.

6 Trata-se de uma Fundação instituída e mantida pelo município de Ilhéus, cuja finalidade é produzir,
sistematizar e difundir conhecimentos na área de recursos ambientais, visando à sua preservação e utilização
auto-sustentável através de estudos, pesquisas, cursos, palestras, seminários, oficinas de trabalho, produção de
material informativo e também através eventos de massa, dentre outros. Vide www.maramata.org.br
3. DE RIO-PROVEDOR A RIO-GRANDE-LIXEIRA

Projetos que dependem muito de áreas de grande beleza podem


tornar-se inviáveis se degradarem o meio ambiente.
Cooper et al

Do meu crescimento do rio eu peguei experiência...


eu avisava que não sujasse a água.
Sou criado no Banco da Vitória.
Fico mais bem no rio do que em casa.
Eu queria que esse rio tivesse mais uma oportunidade de ficar limpo...!
Osmário Bonfim de Oliveira (Seu Tum)
75

3.1. Degradação e poluição dos rios: uma realidade global que se reproduz localmente

A existência de tudo o que é vivo em nosso planeta depende de um fluxo contínuo de

água. Componente fundamental da dinâmica da natureza, a água impulsiona todos os ciclos

ecológicos, de modo que sustenta a criação.

Por conta disso, os rios constituem-se em margens do habitat humano desde as mais

remotas civilizações. Por uma questão de sobrevivência e também pela própria comodidade, a

espécie humana sempre buscou viver próximo aos rios. As razões para esse procedimento

milenar são bastante elementares, uma vez que o homem aprendeu a lidar com as águas dos

rios em seu favor, dando-lhes diversas funções, dentre as quais a de rio-provedor, fonte

imprescindível de água doce, além de ser uma poderosa fonte de subsistência e também de

riquezas.

Tanto no campo físico, através da pesca, da fertilidade de suas margens e irrigação de

terras para o plantio, como no campo do imaginário, o rio-provedor surge como símbolo de

fertilidade, de renovação e, também, de morte. Sendo assim, o mesmo rio que alimenta,

refrigera, banha, transporta e é usado em muitas opções de lazer, é o mesmo que faz

sociedades inteiras padecerem. Como se sabe, muitos povos não foram capazes de fazer frente

às flutuações climáticas impostas pelas águas, ante as devastadoras inundações, bem como,

nos prolongados períodos de secas. Dessa forma, o rio que é provedor passa, por vezes, por

circunstâncias descaracterizadoras do seu indicativo mais relevante, seja por conta de

intempéries climáticas ou por adversidades da natureza, situações circunstanciais e

temporárias.
Assim, os rios têm fundamental importância histórica para o desenvolvimento da

humanidade, isto é, para a sua fixação em terras, viabilizando a criação de núcleos estáveis

que deram origem às primeiras cidades. Impulsionados por melhores condições de habitação e

de sobrevivência, diferentes povos da antiguidade buscaram regiões férteis e úmidas, ou seja,

próximas aos rios, para desenvolverem as suas civilizações, como o antigo Egito, que

floresceu às margens do Nilo e a Mesopotâmia que surgiu entre os rios Tigre e Eufrates. Essas

civilizações milenares, dentre tantas outras, tiveram as suas estruturas culturais, sociais,

históricas, políticas e econômicas subordinadas aos regimes de seus respectivos rios.

Como se sabe, a distribuição e a disponibilidade espacial de água doce no mundo é

muito desigual. Sendo assim, o volume de água existente em cada região, sob a forma de rios,

lagos ou aqüíferos, acaba determinando inúmeros aspectos de organização cultural das

sociedades humanas. Sob esse aspecto, é possível afirmar que a insuficiência e ou a falta de

água potável em determinados locais do globo tenha motivado a dispersão de muitos povos

pelo mundo em busca de lugares com melhores condições de sobrevivência.

Nessa busca incessante por melhor qualidade de vida, a intimidade crescente com as

águas dos rios, seguramente, tornou possível vencer muitos temores, muitos obstáculos e foi

assim que o homem aprendeu a dominar os recursos hídricos com tanta inventividade.

Construiu diques, aquedutos e canais de irrigação que permitiram lidar com as enchentes,

transporte de água e secas prolongadas. Com isso, passou a irrigar terras desertas, ampliando

as áreas de cultivo e, por conseguinte, reduziu o problema de desabastecimento agrícola.

Desse modo, a condição de rio-provedor enquanto fonte de subsistência não ficou restrita à

aqüicultura e à pesca extrativista. Tais conquistas foram fundamentais para o estabelecimento

e prosperidade de diversos grupos humanos em sua trajetória civilizacional.


77

Certamente que a formação de cidades, seguindo as trilhas das águas, facilitou

diversos aspectos da vida humana, contribuindo, inclusive, para a formação de um ambiente

bastante favorável ao avanço sociocultural e tecnológico. Ao longo da história, o

estabelecimento de cidades promoveu o crescimento populacional e determinou maior

demanda de produtos e mercadorias. Com o aumento da produção agrícola, o comércio se

expandiu, exigindo maior rapidez nos sistemas de produção, o qual acabou impulsionando a

revolução industrial que, através de uma economia densamente extrativa, conduziu a uma

acelerada degradação do meio ambiente em escala global. Também nesse processo, os rios

aparecem como provedores, porque foi a partir de seu potencial é que foram criadas as rodas

hidráulicas, a máquina a vapor, a usina hidrelétrica, etc.

Conforme as atividades humanas foram se ampliando, tornando-se mais complexas e

diversificadas, outros usos foram sendo impostos aos rios, todavia, sem qualquer preocupação

com a sustentabilidade ambiental, com a preservação desses recursos, seja por

desconhecimento ou por descaso. Além disso, a elevada ocupação humana nas proximidades

dos rios, contribuiu muito para ampliar os impactos que passaram a interferir

progressivamente no ciclo hidrológico7, por conta do desmatamento excessivo e a da

urbanização desordenada.

Assim, a poluição aquática começou com a deposição dos dejetos humanos e de

animais ao longo dos mananciais, dos leitos dos rios e lagos e, ainda, por infiltração nos

lençóis d’água. É justamente neste ponto que os rios passaram a exercer funções

concomitantes, no mínimo, contraditórias: à função primordial de rio-provedor foi acrescida a

função adversa de rio-grande-lixeira. Ao contaminar os rios com a deposição de esgotos e os

7
No ciclo hidrológico as águas dos oceanos e dos continentes se evaporam e se condensam sob a forma de
nuvens, voltando à Terra por precipitação, reabastecendo esses mesmos aqüíferos, além de manter, por
infiltração, o nível dos lençóis freáticos durante o ciclo. A redução do volume de água aproveitável da Terra
ocorre devido à poluição e à contaminação contínua das águas, ocasionando problemas no meio ambiente como
um todo.
mais variados tipos de lixo, tanto nas encostas como dentro deles, o homem colocou em

perigo a própria vida.

Segundo Dorst (1973), o agravamento da poluição das águas, deve-se a fatores

quantitativos e qualitativos. No primeiro caso, o crescimento demográfico, sobretudo, nos

centros urbanos, se destaca tendo em vista o aumento proporcional de dejetos orgânicos, uma

vez que as cidades passaram a devolver um volume cada vez maior de águas usadas ou

incompletamente depuradas através dos esgotos e de usos industriais. Assim, a devolução dos

resíduos da vida coletiva é um problema tão antigo quanto o próprio homem. Desde as mais

antigas civilizações a atitude humana em relação aos detritos permanece a mesma: despejá-los

na natureza, sem racionalizar as conseqüências desse comportamento. No plano qualitativo –

embora estes fatores não estejam dissociados -, o que ocorre é que com o evento da revolução

industrial, a produção de lixo inorgânico, menos suscetíveis de reabsorção, aumentou

vertiginosamente, tornando esses impactos cada vez mais desastrosos. Deste modo, os

resíduos químicos, vêm se acumulando e, conseqüentemente, envenenando a atmosfera, a

terra e as águas, transformando os rios em grandes-lixeiras, repercutindo nos mares e nos

oceanos.

Nesta dimensão de análise, importa ressaltar que, embora abundantes em nosso

planeta, as águas que cobrem 3/4 da superfície terrestre estão nos mares e oceanos, de modo

que são impróprias para o consumo humano. Em contrapartida, quase toda a água doce do

mundo está concentrada nas geleiras, secundariamente, nos lençóis freáticos e só uma fração

mínima está disponível ao homem e aos outros organismos sob a forma de rios, lagos, lagoas,

bem como, na umidade do solo e na atmosfera. Nesse particular, o Brasil aparece com grande

vantagem, pois detém 13% das reservas de água doce do Planeta, todavia, com elevado índice

de poluição dos rios e mananciais.


79

É certo que não faltam referências bibliográficas quando se trata deste assunto. No

entanto, questões que envolvem a poluição das águas dos rios e a desigual distribuição de

água doce no planeta nunca estiveram tanto em voga, face o risco iminente de sua

esgotabilidade. Inúmeras são as previsões relativas à escassez da água, não obstante, o volume

total de água no planeta permaneça o mesmo desde a sua criação, em virtude do ciclo

hidrológico. No entanto, essa resposta pode estar no mau uso e também do mau

gerenciamento dos recursos hídricos, por não se respeitar, por exemplo, os limites

estabelecidos pela natureza em seu permanente exercício de reconstituição.

O nível de degradação dos ambientes aquáticos é tão devastador que os ambientalistas

têm se mostrado excessivamente apreensivos com a situação atual do planeta. O tema tem

sido alvo de numerosas conferências, debates e campanhas regionais, nacionais e

internacionais, a exemplo do III Fórum Mundial da Água, realizado em Kyoto, em Março de

2003 e a Cúpula da Água realizada em Johanesburgo em agosto de 2002, o IV Diálogo Inter

Americano de Recursos Hídricos e a Conferência de Bonn sobre Água Doce, em dezembro de

2001. Em 2004, a CNBB, lançou a Campanha da Fraternidade com o tema Fraternidade e

água, com o lema Água, fonte de vida, visando a conscientizar a sociedade de que a água é

uma necessidade de todos os seres vivos e um direito da pessoa humana.

De uma maneira geral, todos esses eventos e campanhas têm ressaltado, em seu

conjunto, a necessidade de se reformular o gerenciamento dos recursos hídricos, visando o

abastecimento e a produção agrícola e industrial. Nesse sentido, a água é imprescindível para

a redução da pobreza e o desenvolvimento sustentável. Já chegamos a um ponto em que já se

faz imperativo encontrar meios de depuração das águas utilizadas, de transformar os detritos

tóxicos resultantes das indústrias e demais atividades humanas. Todavia, como esses

processos são muitos dispendiosos, ao homem parece mais fácil fingir que não está vendo os
devires que esses detritos, lançados indevidamente nos rios, são capazes de sobrecarregar a

natureza e inviabilizar a vida no planeta. Como se sabe, dependendo do nível de poluição, o

seu tratamento, tanto em termos técnicos quanto financeiros pode vir a ser impraticável. Daí a

importância da prevenção.

De acordo com a "Previsão Ambiental Global 3", do Programa das Nações Unidas

para o Meio Ambiente (PNUMA), apenas metade da população mundial tem acesso à água

potável, sendo que

Metade dos rios do mundo estão seriamente devastados ou poluídos e


aproximadamente 60% dos 227 maiores rios do planeta foram grave ou
moderadamente comprometidos por represas ou outras obras de engenharia, 80
países sofrem com escassez de água e 40% da população mundial sofre, hoje, com a
falta de água (JARDIM-LIMA, 2003).

Diante de dados tão significativos, o que está em jogo nos dias atuais é, além da

quantidade, a qualidade desse finito elemento que já é considerado escasso em muitas regiões

do planeta. Em se tratando de deficiência de água potável, a questão que logo se impõe é o

seu aspecto social, porque, além de viabilizar a sobrevivência humana, a água proporciona

dignidade à vida dos indivíduos através do atendimento de necessidades básicas, como

alimentação, higiene e saneamento.

Se um rio deixa de ser provedor e passa a ser utilizado como uma grande-lixeira –

como está acontecendo com tantos rios no mundo e, especificamente, no Rio Cachoeira - suas

águas tornam-se inviáveis para o consumo humano e industrial. Sem água de qualidade, a

integridade e o funcionamento dos ecossistemas aquáticos, juntamente com o sistema

terrestre, ficam inteiramente comprometidos. Ressaltando-se que a diversidade da fauna e

flora das águas continentais está inteiramente relacionada com os mecanismos de

funcionamento dos rios e demais fontes de água doce, pois a dinâmica desses ecossistemas

depende de uma série de fatores que são interdependentes.


81

Conflitos gerados a partir desta realidade têm tomado grandes proporções de miséria

social em todo o mundo. A indigência hidrológica é uma forma de pobreza cruel, muito difícil

de se solucionar, pois gera fome e doenças, distancia o homem da condição de cidadão e do

conhecimento ecológico. Aqui, a sustentabilidade ambiental está sujeita à sustentabilidade

social e vice-versa, porque são indissociáveis. Embora essa afirmação pareça redundante,

torna-se incompreensível as razões pelas quais se pressupõe uma indiferença, ou até mesmo,

uma passividade generalizada, ante à necessidade de preservação dos ambientes aquáticos,

sobretudo quando se sabe que leis jurídicas foram criadas em prol de sua proteção.

Nessa perspectiva, o documento intitulado Declaração Universal dos Direitos da

Água, redigido pela ONU, em 1992, propõe nos itens 7 e 8, respectivamente

A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral,
sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se
chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas
atualmente disponíveis.

A utilização da água implica em respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação
jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser
ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.

Com efeito, a degradante condição de rio-grande-lixeira se concretiza e se avoluma à

medida que as cidades se desenvolvem, já que há um aumento crescente de resíduos tóxicos

resultantes das diversas atividades humanas. Trata-se, portanto, de um equívoco histórico que

vem se reproduzindo e se agravando muito rapidamente, apesar do risco iminente de escassez

de água potável em nível global (até mesmo em regiões tão abundantes em rios, como a

região Sul-baiana), porquanto os níveis de poluição e contaminação8 dos rios vêm atingindo

patamares realmente preocupantes em nossos dias.

De um modo geral, o descompromisso com a natureza é tão flagrante, que não

precisamos ir muito longe para se obter um exemplo desse tipo de comportamento


8
Sobre contaminação por agentes poluentes do Rio Cachoeira, Vide PINHO, A.G. Estudo da Qualidade das
Águas do Rio Cachoeira - Região Sul da Bahia. Ilhéus, 2001 -PRODEMA/UESC (Dissertação de Mestrado).
generalizado, como é o caso do rio Cachoeira, uma unidade socioambiental de grande valor

cultural para toda a Região Cacaueira do Sul da Bahia. De forma bastante evidenciada, o rio

tem sofrido exaustivamente, ao longo das duas últimas décadas, os maus tratos que lhe impôs

à condição de rio-grande-lixeira.

Se analisarmos com maior cuidado essas questões, nada fictícias (embora o rio

Cachoeira sustente o imaginário grapiúna de diversos escritores e contadores de causos),

veremos que a poluição das águas dos rios e mananciais tem um efeito devastador na vida de

todos: homens, animais e plantas. Desse modo, não há como se desvencilhar de uma situação

que já é caótica para muita gente, seja pela ausência de água, seja pela sua qualidade e

também pelo nível de sua contaminação. Como os rios são águas em movimento, por onde

eles passam levam consigo o que lhes compõe a massa líquida. As propriedades químicas e

físicas da água contribuem para que isso aconteça, já que ela é considerada como um solvente

universal, devido a sua alta capacidade de dissolver uma grande diversidade de compostos,

orgânicos e inorgânicos.

A situação é ainda mais grave quando a drenagem do rio é do tipo exorréica, como o

rio Cachoeira que, em seu trajeto até alcançar o litoral ilheense, recolhe em seu leito toda a

sujeira depositada em suas águas ao longo das cidades que fazem parte do seu percurso (Fig.

02).

Figura 02: Drenagem exorréica do Rio Cachoeira – Itabuna Coroa Grande,Ilhéus-BA


Fonte: www.cdbrasil.cnp.embrapa.br/ba
83

Desse modo, a contaminação das águas se espalha, gerando grandes desequilíbrios

ecológicos que se repercutem de forma incisiva, tanto no âmbito sociocultural como no

econômico. No caso de Ilhéus, há um enorme comprometimento no litoral, devido a poluição

e do escoamento de detritos nas praias, as quais constituem um de seus maiores atrativos

turísticos, conforme podemos observar na Fig. 03.

Figura 03: Vista panorâmica de Ilhéus


Fonte: www.tcviagens.com.br/ ios.htm

Elemento dos mais importantes para a manutenção da vida, hoje, mais do que nunca, o

homem depende da água para viver, pois com o desenvolvimento industrial e tecnológico,

cada vez mais surgem novas utilidades para esse finito elemento que possibilita diversas

atividades humanas, inclusive em função do lazer. Sendo assim, convém mencionar que em se

tratando de turismo, ao longo da história, os ambientes aquáticos são muitos valorizados como

fonte de entretenimento e, por isso mesmo, precisam estar em boas condições de preservação.

No caso do rio Cachoeira, há uma necessidade iminente de sua revitalização. Afinal, não há

mais como se pensar em se projetar uma destinação turística sem associá-la aos princípios de

sustentabilidade ambiental.
Numa perspectiva turístico-ambiental - grande filão que vem sendo explorado em todo

o mundo com a denominação de eco-turismo - o município de Ilhéus se sobressai pelo

patrimônio natural acentuadamente aquático que possui. Potencial que poderia ser mais bem

aproveitado para atividades turísticas, envolvendo práticas esportivas ecológicas,

principalmente as náuticas. Entretanto, os impactos causados pela poluição das águas do rio

Cachoeira, somadas às dos rios Almada e Fundão, que compõe o estuário de Coroa Grande,

impedem essa possibilidade de exploração turística (Fig. 04).

Figura 04: Vista panorâmica de Ilhéus – Foz do Rio Cachoeira


Fonte: www.uesc.br/intercambiouniversitario/ilhéus

Conforme podemos observar nas figuras 05 e 06, o estuário de Coroa Grande é

composto de áreas de grande apelo visual, apesar dos altos índices de degradação: poluição de

suas águas e desmatamento em seu entorno. Tais procedimentos têm desencadeado grandes

desequilíbrios ecológicos naquela área. Um espaço que, se revitalizado, poderia ser utilizado

para um turismo diferenciado, levando-se em conta a diversidade dos ecossistemas ali

existentes (que ainda resistem), bem como pelo valor histórico que possui para a Região Sul-

baiana.
85

Figura 05: Áreas de manguezais – Estuário de Coroa Grande


Fonte: CKS

Figura 06: Canoagem Rumo ao Mato Virgem - Evento anual realizado pela
Universidade do Mar e da Mata - Maramata
Fonte: CKS

Segundo Oliveira (2000), o patrimônio natural de uma localidade constitui-se em

matéria-prima, ainda bruta, do turismo, pois reúne os elementos criados pela natureza que, por

suas peculiaridades, podem ser utilizados como atrativos turísticos. Desse modo, faz-se imprescindível

preservar justamente aquilo que transformou o local em uma atração. Em Ilhéus, é notório que a sua

principal matéria-prima, o meio ambiente aquático, não tem recebido os devidos cuidados para

transformá-lo em um patrimônio turístico.


Nessa ótica, as imagens majestosas do litoral Ilheense, divulgadas pela mídia, cujo

visual é composto pela Mata Atlântica remanescente, um mar azul de águas (que um dia

foram) transparentes, margeado por quilômetros de belas praias de areias claras, densos

coqueirais, grandes áreas de manguezais, rios, cachoeiras, lagoas, enseadas, encostas, ilhas,

etc, dando uma impressão de paraíso terrestre, não condiz com a realidade vigente do ponto

de vista ecológico, pois apesar de toda a sua potencialidade ambiental o nível de poluição das

águas é bastante elevado.9. Isso, certamente frustra o turista que deseja ultrapassar a

contemplação da paisagem, conhecer de perto o local e, certamente, vivenciar as delícias

propaladas (Fig. 07).

Figura 07: Vista aérea do Porto de Ilhéus - Estuário de Coroa Grande,


Fonte: http://www.transportes.gov.br/bit/portos/ilheus/poilheus.htm

Desse modo, se o meio ambiente se constitui na principal matéria–prima de uma

destinação turística (RUSCHMANN, 1997), é mais do que evidente a necessidade de sua

preservação, tanto para as populações endógenas que o integram como para os visitantes que

desejam usufruí-lo de forma sustentável, isto é, sem degradar os recursos que o tornaram

9
Vide ASSIS, M. V. G. Impacto do despejo de esgotos domésticos e percepção ambiental. Estudo de caso:
estuário do Rio Cachoeira, Ilhéus, BA, 2001 (Monografia especialização em Oceanografia –UESC).
87

possível. No entanto, a realidade circundante em Ilhéus contraria totalmente tais princípios,

como podemos observar nas Figs. 08 e 09, a seguir.

Figura 08: Córrego poluído que deságua diretamente nas praias ilheenses
Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas -UESC

Figura 09: Esgoto sem tratamento desaguando na Praia do Marciano, Ilhéus-BA


Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas -UESC
A falta de planejamento turístico em Ilhéus, com base nos princípios de

sustentabilidade ecológica, é uma realidade flagrante por diversas razões: poluição das águas

dos rios e balneários, a exemplo da instância hidromineral de Olivença10; a conseqüente

10
Vide DÓRIA, M. A. A, Olivença: uma estância hidromineral? Ilhéus, 2003. CULTURA E TURISMO -
UESC (dissertação de mestrado).
poluição das praias e pelo excesso de lixo doméstico descartado nos rios e mananciais;

desmatamento predatório crescente da Mata Atlântica, até mesmo em áreas de preservação;

depredação da fauna aquática, inclusive com o risco iminente de escassez e contaminação de

peixes e crustáceos, principalmente dos siris e caranguejos, assim como da fauna terrestre.

Um outro fator que contribui de forma incisiva para o aumento da poluição das águas

do estuário de Coroa Grande e, por conseguinte, das praias ilheenses, é o aterramento dos

manguezais naquelas proximidades, além de se constituir em uma grave ameaça ao meio

ambiente como um todo. Um caso a ser citado é o da “Rua do Mosquito”, localizada ao lado

do terminal rodoviário de Ilhéus (Figs. 10 e 11). Naquele local vivem inúmeras famílias na

mais absoluta indigência social. As instalações desordenadas dos casebres geram

desmatamento descontrolado e o aumento na produção de lixo e de efluentes domésticos que

são depositados nas proximidades do estuário de Coroa Grande. É, pois, a partir dessas

constatações que concluímos que o referido estuário se transformou em uma grande-lixeira, já

que se tornou em um verdadeiro repositório de toda espécie de detritos.

Importante ainda ressaltar que os manguezais são ecossistemas de alta produtividade,

pois compõem a base de uma cadeia alimentar que envolve inúmeros organismos, inclusive o

homem que fica no extremo desta cadeia. De acordo com Gomes (2005, s/p.), “a fauna

associada ao manguezal consiste de dois grupos: os que o habitam permanentemente em seu

ciclo vital (moluscos, crustáceos) e aqueles que o freqüentam periodicamente para abrigo,

desova e alimentação na fase de crescimento como os peixes e os mamíferos”.

Resultantes do mau uso e do mau gerenciamento humano, todos esses problemas

acham-se entrelaçados e contribuem sobremaneira para o agravamento da miséria social no e

do município. Todavia, dentre todos problema abordados, não há dúvida de que a

contaminação e a escassez das águas é a mais preocupante, já que o homem não é o único
89

usuário, pois os ecossistemas pedem por água mais limpa para a fauna aquática, aves e demais

animais. Sem água de qualidade a biodiversidade fica comprometida.

Figura 10: Invasão dos manguezais – “Rua do Mosquito”, localizada ao lado do terminal
Rodoviário de Ilhéus
Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas - UESC
)

Figura 11: Moradores da rua do mosquito; esgoto a céu aberto que cai diretamente no
estuário de Coroa Grande.
Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas - UESC

Nesse sentido, embora seja óbvio, vale enfatizar que uma destinação turística não

condiz com miséria social, tampouco com o meio ambiente, sua principal matéria-prima, em

estado crescente de deterioração, de completo descaso por parte das autoridades relacionadas
ao setor de gerenciamento dos recursos hídricos, bem como dos organismos públicos e

privados responsáveis pela preservação do meio ambiente. Não é mais possível dissimular

uma realidade que já se faz evidente a tantos anos.

Contudo, em se tratando da problemática ambiental e a sua relação com o turismo, o

que acontece em Ilhéus (e cidades circunvizinhas) não é muito diferente de outros lugares do

mundo, pois este é um comportamento mundial. Inclusive em locais consagrados enquanto

destinações turísticas que vem se prejudicando com o alto índice de poluição de suas águas.

Em Veneza, por exemplo, uma cidade de grande apelo turístico mundial, a poluição aquática e

atmosférica levou a Itália a declarar, em finais de 2001, emergência ambiental. Como se não

bastasse, o aumento do fluxo de embarcações em seus famosos canais está provocando a

erosão de importantes edifícios históricos. Da mesma forma, no Egito, o rio Nilo - berço de

uma das mais antigas civilizações humanas - e na Índia, o rio Ganges - sagrado para os

hindus, encontram-se igualmente poluídos, devido aos resíduos orgânicos e industriais não

tratados, procedentes de hotéis, hospitais e sistemas de esgotos que são despejados em seus

respectivos leitos.

Embora não haja fundamento racional que justifique o comportamento humano em

continuar depositando nos rios toda a espécie de imundícies, transformando-os literalmente

em grandes-lixeiras há milênios, apesar do risco iminente de desabastecimento de água doce

em nível global, apesar de todas as leis e artigos jurídicos de proteção às águas em vigor no

mundo inteiro que prevêem multas e punições para os órgãos públicos e privados que

exerçam mau gerenciamento dos recursos hídricos ou que poluem os rios e mananciais, como

compreender a persistente e irrefletida atitude humana de manter e continuar poluindo os rios?

Como compreender que aos rios, outrora provedores, fontes de vida e de sustentação deste

planeta, seja dado o fatídico destino de se tornarem em rios-grandes-lixeiras?


91

Talvez a visível abundância das águas tenha criado no homem, desde as épocas mais

remotas, a falsa idéia de sua inesgotabilidade. Juízo falso e comprometedor pelo qual nós,

destruímos as nossas próprias condições de vida, o nosso próprio habitat, tendo em vista os

altos índices de poluição do planeta, com ênfase no envenenamento das águas dos rios. A

realidade circundante tem demonstrado a vulnerabilidade a que se acha submetido o meio

ambiente: um desequilíbrio ecológico crescente no Brasil e no mundo e que se repercute de

forma tão desastrosa em nossa região, tendo no rio Cachoeira, um caso clássico a ser

analisado.

A Declaração de Estocolmo de 1972 afirma que o homem é, ao mesmo tempo, criatura

e criador do seu ambiente e isto lhe dá a devida responsabilidade pelas alterações boas e más

que tem provocado em seu habitat. Seria muito bom e sensato se essa liberdade de ação fosse

usada para o bem comum de todos. A natureza, em toda a sua grandeza agradeceria.

Conforme o princípio 2 da referida declaração,

Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e,


especialmente, amostras representativas dos ecossistemas naturais, devem ser
salvaguardadas no interesse das gerações presentes e futuras, mediante planejamento
e ou gestão cuidadosa, como apropriado (In: PELEGRINI, 1997, p. 176).

Efetuadas todas essas considerações, mostrando, inclusive, as implicações sociais que

advém da problemática da degradação e poluição das águas do rio Cachoeira, analisaremos

em seguida como esses assuntos estão inseridos na realidade diária das populações ribeirinhas

carentes que moram no Banco da Vitória, no município de Ilhéus, localizado na rodovia daBA

415, no km 8. Com base no testemunho (MOREIRAS, 2001; RAVETTI, 2001), constituídos

pelos relatos dos pescadores locais faremos uma avaliação mais detalhada sobre os danos

socioambientais vivenciados por estes representantes da comunidade, selecionados conforme

o grau de intimidade e relação de sobrevivência e convivência com o rio Cachoeira.


3.2. O rio Cachoeira e as suas implicações socioambientais: aspectos das comunidades

ribeirinhas do Banco da Vitória

A Bacia do Rio Cachoeira é formada pelo próprio Cachoeira e pelos rios Colônia e

Salgado e está localizada na parte leste da região sudeste do sul da Bahia, entre as

coordenadas 14°42'/15°20' de latitude S e 39º01'/40°09' W de Greenwich. Encontra-se

limitada ao norte pelas bacias dos rios Almada e de Contas; ao sul, pelas bacias do rio Una; a

oeste pela bacia do rio Pardo; e a leste, pelo Oceano Atlântico (Fig. 12).

Figura 12: Mapa Hidrológico- Município de Ilhéus


Fonte : ANDRADE (2003)
93

O rio Cachoeira nasce a 260 km do litoral, na serra do Itaraca, no município de Vitória

da Conquista e sua área de drenagem é de aproximadamente 4600 km. Ao longo de sua

trajetória, o Cachoeira desempenha o imprescindível papel de rio-provedor, provendo, de forma

direta, água e alimento às populações mais carentes, ou ainda, dando suporte à pecuária, agricultura e uso industrial. Suas águas

banham vários municípios que nasceram nas proximidades de suas margens: Firmino Alves,

Itaju do Colônia, Itapetinga, Santa Cruz da Vitória, Itororó, Floresta Azul, Ibicaraí, Jussari,

Itapé e, finalmente, Itabuna até chegar em Ilhéus, desaguando no Atlântico (Fig. 13).

Figura 13: Municípios que integram a Bacia Hidrográfica do Rio Cachoeira


Fonte: ANDRADE (2003)

A extensão de cobertura e de uso dessa rede hidrográfica denota a sua relevância

histórica e socioambiental para toda a Região Sul-baiana que apresenta como principais

atividades econômicas a agropecuária, a indústria, o comércio e, de forma ainda incipiente, o

turismo, com maior ênfase nas áreas litorâneas.


Apesar de se tratar de um patrimônio natural e cultural da referida região, o outrora rio

de águas transparentes e de expressiva piscosidade tornou-se, de forma mais acentuada nas

duas últimas décadas, em uma grande-lixeira, ou seja, um enorme recipiente para toda

espécie de efluentes. Ao longo da referida bacia é possível observar a sua crescente

degradação, já que toda a rede fluvial é utilizada para o lançamento indevido de esgotos in

natura e depósito de lixo doméstico, hospitalar e industrial. Em Itabuna e Ilhéus, o índice de

poluição das é ainda mais crítico, tendo em vista ao maior contingente populacional existente

nesses dois municípios, os quais somados totalizam cerca de 450 mil habitantes11.

Em conjunto, todos esses detritos despejados no rio contribuem para a proliferação de

bactérias e fungos que, por sua vez, desencadeiam o consumo elevado do oxigênio diluído nas

águas, agravando ainda mais a poluição do rio Cachoeira. Conhecido como eutrofização, este

processo decorre do enriquecimento de nutrientes fornecidos pelos esgotos sem tratamento e

contribui efetivamente para a proliferação descontrolada de macrófitas aquáticas, sendo as

mais proeminentes as do tipo Eichhornia crassipes, comumente conhecidas como baronesas

(Fig. 14).

Figura 14: Eichhornia crassipes -baronesas


Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas - UESC

11
A contingência populacional e o índice de poluição são considerados diretamente proporcional quando se
verifica a ausência ou deficiência de saneamento básico o qual envolvem a construção de redes de esgoto com
sistema de tratamento, abastecimento de água e principalmente a remoção do lixo. Um problema que denuncia a
ineficiência e o descaso de políticas públicas em favor do meio ambiente e, por conseguinte, do cidadão. Desse
modo, o problema do rio Cachoeira não é de um município apenas, mas de toda a bacia que o compõe.
95

Em baixas densidades, a Eichhornia crassipes é considerada benéfica, pois contribui

para a depuração da água, tendo em vista sua eficiência em absorver nutrientes e metais

pesados do ambiente (FIDELMAN, 2004). Por outro lado, o seu crescimento excessivo causa

inúmeros impactos, visto que acarretam o detrimento gradativo da fauna e da flora, atuando

ainda como verdadeiros criadouros de mosquitos que se reproduzem na base de suas folhas.

Retratando o ápice do crescimento das baronesas, as figuras 15 e 16 evidenciam a dimensão

do problema.

Figura 15: Ponte Miguel Calmon sobre o rio Cachoeira – Itabuna/BA


Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas - UESC

Figura 16: Multiplicação desordenada de macrófitas aquáticas


Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas - UESC
Em Itabuna, o rio Cachoeira fica praticamente todo encoberto pelas baronesas. Como a

água está sempre suja e empoçada é comum se observar uma enormidade de peixes

agonizantes na superfície em busca de oxigênio. O agravamento dessa situação ocasiona, por

vezes, expressiva mortandade dos peixes, conforme podemos observar na Fig. 17.

Figura 17: Mortandade de peixes do rio Cachoeira, zona urbana de Itabuna


Fonte: JORNAL AGORA, dez. de 2003

Durante os períodos de vazão, sobretudo quando ocorrem as enchentes, o Cachoeira

lança toneladas de baronesas em toda a zona costeira da região, cobrindo extensos trechos de

praias, inviabilizando, assim, as atividades turísticas e de recreação nas áreas litorâneas (Fig.

18).

Figura 18: Grande massa de macrófitas em destino ao litoral ilheense -


Barragem Rio Cachoeira – Itabuna /BA
Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas - UESC
97

Conforme Fidelman (2004), a ocorrência de macrófitas nas praias da região, sobretudo

no verão, período de maior escoamento do Rio Cachoeira, implica na redução de tempo de

estada do turista, devido às condições impróprias de utilização, resultando em grandes

prejuízos ao setor turístico e demais setores associados. No entanto, o que agrava realmente a

situação é a quantidade de lixo que vem junto com as baronesas, conforme podemos observar

nas figs. 19 e 20.

Figura 19: Praia do Malhado – trecho encoberto por lixo e macrófitas


Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas - UESC

Figura 20: Praia do Malhado – Ilhéus -BA


Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas - UESC
Apesar do nome, o rio não possui nenhuma cachoeira importante ao longo de seu

curso. É navegável por canoas e jangadas em trechos descontínuos, devido ao afloramento de

granito e gnaisse que tornam o seu leito encachoeirado (SILVEIRA, 2002). É, portanto, um

rio de leito rochoso que apresenta acentuada declividade e diversas corredeiras até às

proximidades do Banco da Vitória, em Ilhéus, onde a maré invade-o por vários quilômetros,

permitindo a navegação por barcos de médio porte até aquela localidade. As figuras 21 e 22

mostram o local preferido das lavadeiras no Salobrinho e Banco da Vitória, respectivamente.

Figura: 16
Fonte:

Figura 21: Lavadeiras do Salobrinho- Figura 22: Lavadeiras do Banco da Vitória –


Ilhéus/BA Ilhéus/BA
Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas Fonte: CKS

Nos primórdios da civilização grapiúna, o rio era conhecido como Cachoeyra da Villa,

depois se tornou Cachoeiras do Itaúna que na linguagem tupi significa “pedra preta”.

Segundo Silveira (Op. cit.), o rio inspirou o nome da cidade de Itabuna, tendo em vista que o

município nasceu e cresceu ao longo de suas margens, tornando-se a quarta cidade mais

importante economicamente do Estado em função da lavoura cacaueira. Assim, o rio

Cachoeira se constitui em seu maior referencial paisagístico, atravessando-a numa extensão

média de 12 km de área urbana (Fig. 23).


99

Figura 23: Vista parcial da cidade de Itabuna


Fonte: CKS

Conforme a divulgação em jornais locais, a situação atual do rio Cachoeira é bastante

grave, tanto em termos de qualidade como de quantidade de água. Conforme Calasans (2004),

coordenador do Núcleo de Bacias Hidrográficas do Rio Cachoeira - UESC, “é muito esgoto

pra pouca água”. A redução do volume de suas águas tem se tornado incompatível com o

lançamento cada vez maior de efluentes não tratados ao longo da bacia (Fig. 24). Além disso,

com a deficiência dos serviços de limpeza urbana, muito lixo é levado pelas enxurradas para

dentro do rio, transformando-o, literalmente, em uma grande-lixeira.

Figura 24: Esgoto sobre o rio Cachoeira – Itabuna/BA


Fonte: CKS
Nessa perspectiva, o problema de poluição das águas rio Cachoeira repercute

negativamente de forma incisiva no plano socioeconômico da região como um todo. Se a sua

degradação é sinônimo de prejuízo para toda a sociedade, sobretudo no âmbito ecológico, o

problema de sua degradação precisa de uma solução, porque embora visivelmente condenado

pelas ações predatórias sofridas ao longo de toda a bacia, o rio Cachoeira ainda resiste.

Alimentado pelas chuvas, que ocorrem com maior intensidade durante a primavera e o

verão, é justamente aí que as suas águas se renovam e o rio cresce de forma surpreendente,

modificando completamente a paisagem. Em Itabuna, é muito comum, durante esses períodos,

juntar uma grande multidão em torno do rio para apreciar a força de sua correnteza. E, assim,

o rio passa a ser o comentário de todos diante da ameaça que se processa.

Por diversas vezes o itabunense foi surpreendido com grandes enchentes, quase

sempre catastróficas, com destaque para as de 1914 e de 1967 pelo teor de destruição causado,

deixando parte das cidades ribeirinhas submersas. O que ocorre é que quando chove muito nas

cabeceiras, as temidas “trombas d’água”, o rio acaba ultrapassando as suas margens,

provocando grandes inundações. Afinal, é o rio Cachoeira que drena as chuvas de toda a

região, desde as suas nascentes sertanejas até desaguar em Ilhéus. As figuras 25 e 26 dão a

dimensão do impacto e os estragos causados pelas enchentes do Cachoeira nos anos de 1967 e

2002.

Figura 25: Grande enchente de 1967 Figura 26: Grande enchente de 2002
Fonte: www.itabuna-ba.com.br Fonte: www.itabuna-ba.com.br
101

De acordo com Rocha (2003), o itabunense tem uma relação topofílica e, ao mesmo

tempo, topofóbica com o rio Cachoeira. Ou seja, ao rio são associados sentimentos e

significados conflitantes, pois ao ultrapassar a condição física de rio-provedor, o Cachoeira

ocupa, no fluir de suas águas, o imaginário de suas populações e se transforma no rio-símbolo

de fertilidade, renovação e esperança, mas também, de destruição e morte, fazendo brotar aos

borbotões os poemas, os contos, os causos, as crendices e também as superstições.

Diante das memoráveis enchentes protagonizadas pelo rio, é possível observar a

perplexidade humana ante o espetáculo que a natureza promove, da força indomável das

águas que tudo carrega: animais mortos, móveis, árvores arrancadas pela raiz, moitas imensas

de baronesas, caixotes, enfim, coisas que ficaram inadvertidamente ao alcance das águas,

inclusive pessoas que se afogaram tentando salvar objetos pessoais, ou por não resistir ao

fascínio das águas. Quando o rio Cachoeira se agiganta, segue espalhando a sua força

higiênica pelo caminho, em direção ao litoral. Invade a rodovia, fazendas, isola pessoas, deixa

os ribeirinhos estarrecidos. Ao longo da rodovia Ilhéus/Itabuna, as águas ganham força e, por

vezes, impedem o trânsito entre as duas cidades. A força das águas modifica completamente a

paisagem, conforme as figuras 27 e 28.

Figura 27: Fazenda Monte Alto – Km 17BA 415 Figura 28: Fazenda Monte Alto – km 17 Ilhéus
Fonte CKS Fonte: Núcleo de Bacias Hidrográficas -UESC
Conforme o relato de Seu Ozias Antério dos Santos, pescador há mais de 29 anos,

estabelecido no do Banco da Vitória, ver a enchente chegar, deixou-o estarrecido.

Na enchente de 67 eu tava com 21 anos. Lembro como se fosse agora. Eu me lembro


desde quando chegou a primeira cabeçada d’água. A chuva começou no dia 23 de
dezembro. Passou a noite toda chovendo. No dia 25, no Natal, eu tava no meio do
rio e vi quando chegou a primeira pancada... vem assim... como uma onda do mar,
pegando tudo, levando tudo que encontrar pela frente: árvore, bicho, gente, tudo...
se você tiver no rio cê tem que correr porque é muito, muito rápido. Num instante
alaga tudo e a tendência é muito assustadora. Inda mais agora que vem com muito
bagaceira. A gente procura logo se sair senão ela leva tudo mesmo!

No diálogo encetado sobre as enchentes, Seu Ozias rememora o que o seu pai lhe

contou sobre a grande enchente de 1914.

Na de 14 eu nem sonhava ainda... meu pai contou que a de 14 foi ainda a maior que
teve. Foi a que abriu esse ribeirão. A de 80 foi grande, mas nada se compara a
essas duas. Tá perto de vim outra... com certeza, nós já tamo até esperando... Olha,
minha comadre! Eu gosto mesmo é quando o rio tá cheio.
Quando o rio enche...! Dificilmente num morre uma pessoa. Aqui o povo acredita
que quando tem enchente, enquanto o rio não leva uma pessoa, ele não pára de
encher. Isso é uma realidade!

Entretanto, nos períodos de estiagem, o Cachoeira parece ‘clamar’ por água de tão

seco, no dizer dos ribeirinhos, pois é muito sofrimento para os peixes e também para eles

próprios que ficam sem a principal fonte de subsistência, além do mau cheiro que o rio exala

devido ao excesso de lixo atirado tanto nas margens como dentro do rio (Fig. 29).

Figura 29: Rio Cachoeira – Rodovia Ilhéus/Itabuna, km 14


Fonte: CKS
103

Segundo Seu Miraldo, o rio Cachoeira já está morto, uma vez que o esgoto cai direto

no rio e mesmo pagando IPTU, o que considera um absurdo, não há rede de tratamento,

desabafa. Mas apesar da afirmação ressentida, nota-se que há esperança em vê-lo recuperado:

O rio ainda dá para ficar bem, embora as pessoas joguem lixo nas margens mesmo
tendo coleta de lixo. É ignorância. Pessoa que tem filho, tem neto... o lixo transmite
doença! E o poder público não entra com ação nenhuma. É só fazer propaganda
para conscientizar.
O perigo maior é a água que é contaminada. Os esgotos de Itabuna que cai no rio...
restos do matadouro é jogado no rio! Não tem fiscalização. A churrascaria de um
amigo nosso foi fechada por causa do esgoto a céu aberto.

D. Enedina, uma senhora de 92 anos, nascida e criada no Banco da Vitória, pela idade

e pela relação afetiva e de sobrevivência com o rio se constitui em uma especial testemunha

das alterações sofridas pelo rio Cachoeira ao longo de todos esses anos. Ela conta que

trabalhou muito na roça, mas como o dinheiro era pouco, para ajudar o marido a criar os oito

filhos, ela pescava e lavava de ganho no Cachoeira. A fartura era tanta que “se pegava pitu até

de mão”, isto é, sem qualquer utensílio de pesca como rede, jereré, tarrafa ou munzuá. Depois,

era só vender na pista (na rodovia Ilhéus/Itabuna)

O rio hoje tá muito mudado. Naquele tempo era um rio bom. Tinha muito peixe.
Hoje tá escasso pra pessoa ganhar o pão. Água fedendo, as pessoas adoece, muita
poluição, muito esgoto sendo despejado... isso entristece. Antigamente todo mundo
ia lavar roupa no rio. Ficou perigoso por causa da sujeira e dos malandro.
Não há mais como mudar o rio. O esgoto cai direto no rio...

É em torno dessas agressões ecológicas que o rio Cachoeira, outrora fonte provedora

de vida e de sustentação, passou, devido ao mau uso de suas águas, à conseqüente condição de

rio-grande-lixeira. Todavia, para as carentes comunidades ribeirinhas, o rio Cachoeira é ainda

o rio-provedor, a principal fonte de subsistência de inúmeras famílias: alimentação, trabalho,

higiene e lazer, apesar das más condições de suas águas. É ainda o rio que gera vidas e

mantém as sobrevidas de humildes pescadores, lavadeiras, areeiros, trabalhadores rurais e

vendedores ambulantes. Embora se sintam consternados, esses grupos sociais são movidos

por um sentimento de esperança pela recuperação do rio. Sentimento que se revela na voz
eloqüente e emocionada de Seu Tum, filho de D. Enedina que o criou graças aos recursos

retirados do rio. Seu Tum é testemunha diária dos impactos sofridos pelo Cachoeira.

O rio para mim é ... o que eu posso dizer...? ...É uma roça frutífera porque toda vez
que eu vou lá eu colho. Foi de lá que eu comecei, que eu criei família. Tenho tudo
de lá.
Ah! Eu queria que esse rio tivesse mais uma oportunidade de ficar limpo...! O rio
hoje não tem mais agasalho, não tem esconderijo para os peixes. As pessoas cortam
as árvores e os peixes vive no aberto. Peixes não dormem no aberto. Nosso rio está
de uma maneira não do modo que eu alcancei. Reduziu muito a quantidade de
peixes.
Antigamente tinha muito rubalo, tambaqui, crumatá, bagre africano, tucunaré
verdadeiro e o comum. O tilápio ta acabano porque o [tipo] que a CEPLAC botou
come os ovos das outras. Quando eu pego um eu abro a boca deles e tiro as ovas e
jogo no rio.
... Sinto hoje a falta de emprego... hoje o rio num dá mais para se lavar roupa. Cai
tudo dentro d’água. O sangue do matadouro cai todo no rio. Para mudar esse
problema que nós tamo acontecendo hoje era bom que tivesse uma fiscalização
desde Itaju donde ele nasce. A sujeira começa de Itabuna. Podia tirar aquela rede
de esgoto. A fiscalização do IBAMA. A gente vê fiscalização pra venda, pra
madeira, mas não tem pra água... A água tá preta, tá como se fosse um sumo
escuro. Quando chega o verão vai piorando. O peixe não dá para encontrar o
outro. Morre muito peixe. Morre o pitu, morre o camarão, o siri, o tilápio. Morre
quantidade de peixes. A água era limpa. Nós tinha de fartura. Nunca faltou nada
para o pescador. Hoje o pescador só pega se for ‘profissional’.

A exposição de Seu Tum demonstra a convicção de quem viu, ouviu e vivenciou uma

realidade que encontra ressonância nos testemunhos dos outros entrevistados, pelo simples

fato de tratar de experiências comuns, compartilhadas na dor da perda gradativa do rio. Nesse

sentido, um misto de aflição e impotência é o sentimento mais comum entre esses grupos

sociais. Situação facilmente observável nas comunidades ribeirinhas do Banco da Vitória.

Mas o vivido dos ribeirinhos se constitui também de doces lembranças, quando da

limpidez de suas águas que serviam para os mais longos e prazerosos banhos. Conta-se que a

água era tão limpa que até se podia beber, da fartura de peixes: robalo, tainha, tucunaré,

tilápia, pratibu, acari, piau, etc.; e de crustáceos em abundância: pitus, camarão, calambau,

curuca. Pescas de qualidade que podiam ser comercializadas sem medo de contaminação.

Segundo Seu Ozias,


105

Há doze, quinze anos atrás eu pegava 15/20 kg de pitu por noite. Hoje não pego
nem 300 g. Nós não tem mais pitu aqui. Nem tem mais fartura de peixe.Já peguei
100 kg de peixe, hoje não pego mais nada. Tá ficando muito difícil. A multidão é
muita de pescadores. Muita gente com a situação ruim que corre para o rio.

Quando é questionado sobre a qualidade atual das águas e o que pode ser evitado para

não piorar ainda mais o nível de poluição, Seu Ozias responde que se sente muito mal, mas

que não tem jeito a dar, pesca ainda apesar de toda a sujeira que vem do lixo e do matadouro,

inclusive, fez denúncia no rádio de um curtume que jogava toda a sujeira no rio.

A senhora sabe... tem o IBAMA, mas não adianta nada... O rio não tem trato nem
pela prefeitura, nem pelo estado. Os esgotos é o que há de mais grave. É preciso
dar o tratamento básico no rio. Quando as autoridades limpar a cabeça do rio, ter
mais higiene... a sujeira vem toda para o Banco.

Na memória de muitos, o Cachoeira é o rio das margens adornadas por ingazeiras, dos

imensos bambuzais anunciando a exuberante presença da Mata Atlântica, abrigo de tantas

espécies silvestres como as lontras (tantas vezes confundidas com o nego d’água) e os jacarés

que eram vistos com freqüência nas proximidades ou dentro do rio. Há dez, vinte anos atrás,

adentrando-se um pouco mais na mata era possível ver com facilidade “uma enormidade de

bichos”: porcos-do-mato, raposas, antas, caititus, capivaras, pacas, cotias, preás, guaxinins,

tatus, sariguês, quatis, tamanduás-bandeira, bichos-preguiça e macacos, como o guariba, o

sagüi e o jupará12. Todos eram passíveis de serem caçados, não como um esporte, mas como

fonte segura de alimentação. Por outro lado, várias espécies de serpentes peçonhentas se

constituíam em grande perigo para os passantes, sobretudo para os lavradores das roças de

cacau, causando-lhes por muitas vezes a morte. Contudo a recompensa maior se achava no

canto e na diversidade das aves: araras, papagaios, garças, perdizes, codornas, jacutingas,

jacus, curiós, canários, juritis, tucanos e macucos dentre tantos outros13.

12
Considerado como um dos principais disseminadores da lavoura cacaueira, pelo hábito de comer a polpa do
cacau e depois enterrar a semente.
13
Sobre a fauna, os dados foram recolhidos através de entrevistas conversacionais com os moradores do Banco
da Vitória, sendo posteriormente confirmados em Barbosa (1977).
Hoje, no entanto, segundo o relato dos entrevistados, a realidade que se observa é

bastante diferente devido aos impactos sofridos pela intensa e continuada degradação do rio,

bem como pelo desmatamento das matas ciliares, abrigo de muitas espécies, inclusive para o

sombreamento dos peixes em desova.

Como bem rememora o ex-areeiro, Seu Pedro Silva, que criou os 15 irmãos tirando

areia do rio,

Antigamente, o rio era saudio, tanto que a gente tomava banho, bebia a água. No
rio dos anos 70 a gente sentia prazer, tinha muitos ingazeiros em suas margens.
Criei a minha família tirando areia do rio. Depois o rio foi ficando fundo demais, eu
tive que ir trabalhar no matadouro...Hoje as pessoas correm muito perigo de
doença: febre, gripe muita, muitas ostras que oferecem perigo da gente se cortar.
[referência aos caramujos]

Hoje eu fico triste só de ver o rio. Não posso sequer tomar banho. Antigamente se
podia até beber a água do rio de tão limpa que era. Dava para ver o fundo do rio, a
senhora acredita? A tristeza é muita, não posso nem pescar. O rio já teve muito
peixe, muito pitu, siri, calambau, beré, tucunaré, robalo.

De acordo com Tuan (1980), o apego à terra do pequeno agricultor ou camponês é

profundo porque conhecem a natureza e ganham a vida com ela. Desse modo a topofilia que

se estabelece entre o rio e o pescador se forma na intimidade física, da dependência material e

também pelo fato de que o rio passa a ser um repositório de lembranças. No caso do rio

Cachoeira, percebe-se entre os entrevistados um saudosismo que parece alimentar a esperança

de revitalizá-lo.

Um fator que tem contribuído decisivamente para o aumento da degradação do rio é o

desmatamento crescente da Mata Atlântica, potencializada pela crise econômica na lavoura

cacaueira, iniciada no final dos anos 80. Tal crise foi desencadeada pelos baixos preços no

mercado internacional e pela baixa produtividade e também pelo alastramento da “vassoura

de bruxa”, doença provocada pelo fungo Crinipellis perniciosa. Assim, a lavoura que antes

tinha caráter conservacionista através do sistema cabruca (cacaueiro cultivado à sombra de


107

árvores nativas), foi cedendo lugar ao desmatamento e as áreas cultivadas foram

transformadas em pastagens.

Nesse sentido, a crise da lavoura cacaueira por ser responsável pelo alto índice de

desemprego regional, especialmente dos trabalhadores rurais, desencadeou um expressivo

processo de ocupação/invasão das margens do rio Cachoeira. Não obstante, toda a sujeira que

se faz perceptível pela cor enegrecida e fetidez da água, inúmeras famílias sobrevivem

mediante ao que o rio ainda oferece, mesmo estando expostos a diversos tipos de doenças

infecciosas14, veiculadas pelas águas poluídas e/ou pelo consumo de peixes contaminados,

além do excesso de lixo exposto nas áreas próximas do rio. Trata-se de pessoas que vivem em

condições de absoluta indigência, onde as crianças são as maiores vítimas. É evidente que

essas ocupações contribuem para agravamento do índice de poluição do rio.

Nesse contexto, a degradação contínua do rio Cachoeira alcança níveis que interferem

nos mais variados setores que estão relacionados às condições de vida de seus habitantes,

principalmente os que se encontram mais próximos dessa triste realidade, no caso, os

ribeirinhos. Entretanto, em maior ou menor grau, a poluição aquática atinge a vida de todos os

moradores da região. Por se tratar de uma questão notadamente de sustentabilidade ambiental,

há uma grande ressonância no âmbito sociocultural, econômico, político e também turístico

local, mais especificamente de Ilhéus pelas razões já apresentadas.

Assim, enfocar a sustentabilidade ambiental, buscando soluções viáveis para o

problema da poluição e degradação do rio Cachoeira e dos demais problemas dele

decorrentes, é fundamental para que se possa estabelecer o desenvolvimento socioespacial

(SOUZA, 1999) necessário à implementação de um turismo consolidado em bases

14
Dadas às condições atuais do rio Cachoeira, inúmeras doenças como cólera, disenteria, febre tifóide,
gastroenterite, giardise, hepatite infecciosa, leptospirose, salmonelose, escabiose, vários tipos de verminoses,
dentre muitas outras, podem chegar facilmente às populações mais carentes através de banhos, ingestão da água
ou de peixes contaminados.
ecosoficamente definidas, uma vez que se faz imprescindível a superação dos problemas

sociais e modificar a atitude antiecológica de cada indivíduo. Nessa ótica, resolver as

necessidades básicas das populações envolvidas, sobretudo de educação ambiental, pode

contribuir para re-formular o pensamento e, por conseguinte, modificar a atitude de cada

indivíduo. Dessa forma, as transformações partiriam do individual para o coletivo.

Esta é uma tarefa que certamente precisa ultrapassar a meta comum de conscientização

ambiental, da qual estamos tão habituados a ouvir: “que estamos destruindo o planeta”, “que

precisamos pensar nas gerações vindouras”, etc., até porque tais procedimentos não têm

desencadeado ações concretas.

Diante de tais constatações, o que precisa realmente ser feito a fim de reverter essa

realidade indesejável que tão imprudentemente criamos? A passividade e a indiferença

humana ante os desastres ecológicos que nós próprios desencadeamos, a exemplo do que está

acontecendo com o rio Cachoeira, são aspectos extremamente intrigantes, já que envolve a

própria sobrevivência humana no planeta.

Evidentemente que não há nada de novo nessas discussões, mas em se tratando do rio

Cachoeira - uma unidade socioambiental de grande importância para toda a região - muitas

pesquisas e programas ambientais foram e estão sendo realizados através da UESC em

conjunto com outras instituições, visando a sua revitalização. O Programa de Recuperação da

Bacia do Rio Cachoeira, por exemplo, foi implantado com o propósito de salvar os três rios que compõe a

bacia: Colônia, Salgado e o Cachoeira. O programa previa ações permanentes de educação ambiental às

populações ribeirinhas, re-plantio de árvores nativas, criação de pesqueiros, tratamento de esgotos e

retiradas de lixões de suas margens e de seus afluentes. Apesar de todos esses requisitos básicos, por

diversas razões, o programa não obteve o êxito esperado.


109

Em entrevista ao jornal local, A Região (2004), o professor Neylor Calasans,

coordenador do Núcleo de Bacias Hidrográficas da UESC, afirmou que a universidade é

principalmente uma instituição de pesquisa e ensino e, apesar de ter a parte de extensão, não é

o seu papel executar as ações, porque na verdade isto depende muito da mobilização pública para que

as prefeituras envolvidas possam, efetivamente, ir a busca de soluções.

Os pronunciamentos do professor demonstram claramente que há um impasse entre os

principais órgãos públicos responsáveis pelo Programa de Recuperação da Bacia do Rio

Cachoeira. Afinal, de onde devem partir as primeiras ações que realmente viabilizem traçar

metas executáveis em favor da revitalização do rio Cachoeira? Nesse sentido, parece-nos

prioritário resolver primeiramente as questões que dizem respeito a essa transferência de

responsabilidades que comprometem a eficiência dos órgãos públicos envolvidos.

Em relação à UESC, enquanto um órgão público de fundamental importância na

propagação de conhecimentos e execução de imprescindíveis atividades de pesquisa, vale

reafirmar a sua posição de agenciador político, papel imprescindível que precisa operar com

maior resolução para que se torne possível promover, o desenvolvimento socioespacial

(SOUZA, 1999) de sua área de abrangência.

Um dado que nos intriga muito, em relação à ineficiência dos órgãos públicos ante a

degradação do rio Cachoeira, é que nos cursos de graduação e pós-graduação da UESC, nas

mais diferentes áreas de conhecimento, o rio Cachoeira é o tema escolhido de inúmeras

pesquisas que normalmente resultam em artigos, monografias e dissertações, sobretudo ao

longo desses últimos anos, considerados os mais críticos de sua história. Cabe aqui uma

reflexão: o que acontece com os trabalhos acadêmicos depois de defendidos e divulgados? A

resposta que conhecemos é exatamente aquela que não podemos ou não mais deveríamos

admitir, pois, estas pesquisas ficam, na verdade, engavetadas, guardadas na biblioteca, em


stand by, esperando que algum órgão público, de preferência, assuma o encargo de desvendá-

las e, se possível, avaliar as sugestões que precisam ser efetuadas em favor das comunidades a

serem beneficiadas, protegidas. No entanto, em se tratando de estratégias de recuperação,

seguidas de estratégias de preservação de um patrimônio natural e cultural tão importante para

as conhecidas terras do cacau como o rio Cachoeira, esses cuidados deveriam ser, no mínimo,

do interesse de todos.

Diante dos desequilíbrios socioambientais que vêm se intensificando cada vez mais no

mundo, Guattari (2001) sugere que é preciso re-articular os três registros ecológicos, o do

meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana, para que seja possível re-

orientar o comportamento humano, inclusive, para modificar os mecanismos de produção

dos quais somos tão dependentes, seja de bens materiais ou imateriais. A reflexão do filósofo

implica em uma re-avaliação de tudo que a engenhosidade humana foi capaz de construir e,

conseqüentemente, destruir a natureza, afim de que se torne possível identificar os equívocos

que precisam ser reparados o quanto antes. Afinal, os exemplos negativos servem para que

não mais se repitam decisões e situações anteriores.

Segundo Tuan (1980, p. 1), o homem é, de fato, o dominante ecológico e o seu

comportamento “deve ser compreendido em profundidade e não simplesmente mapeado”.

Assim sendo, não se deve subestimar a diversidade e a subjetividade humanas, pois

Sem a autocompreensão não podemos esperar por soluções duradouras para os


problemas ambientais que, fundamentalmente, são problemas humanos. E os
problemas humanos, quer sejam econômicos, políticos ou sociais, dependem do
centro psicológico da motivação, dos valores e atitudes que dirigem as energias para
os objetivos.

Em se tratando da degradação do rio Cachoeira, não há dúvida de que muitas coisas

precisam ser revistas: a sua re-valorização enquanto patrimônio natural e histórico-cultural da

Região Sul-baiana pode vir a ser uma boa motivação, um bom re-começo em prol de sua
111

recuperação e preservação. Enxergar o Cachoeira com olhos de visitante, também é preciso.

Segundo Tuan (idem, p. 75), “o visitante, freqüentemente, é capaz de perceber méritos e

defeitos, em um meio ambiente, que não são mais visíveis para o residente”.

Embora a potencialidade turística de Ilhéus - e cidades circunvizinhas, vale ressaltar -

seja notável pela ambiência e riqueza cultural, isso não é o bastante para transformá-la em

uma destinação turística bem sucedida. Conforme pudemos observar, além da falta de infra-

estrutura básica e aproveitamento adequado dos atrativos que possui, há uma negligência

generalizada com o meio ambiente, onde a pessoa humana é também parte integrante desse

meio. Com efeito, não há dúvida de que a poluição visível do rio Cachoeira, aliada às más

condições das comunidades ribeirinhas, fornece uma imagem bastante desfavorável aos

visitantes.

Assim, o problema é bastante complexo, sobretudo, em relação ao grande contraste

sociocultural e econômico que envolve as comunidades ribeirinhas em questão. A realidade

de muitas pessoas que dependem exclusivamente do rio para sobreviverem é muito penosa,

pois não há outras opções econômicas, outros recursos, e o rio é realmente parte integrante da

dessas comunidades. Trata-se, portanto, de cidadãos cujos direitos a uma vida digna parece ter

sido negado ou esquecido, apesar de mundialmente assegurados pela Declaração de

Estocolmo em 1972. Conforme o princípio 1, que proclama o direito e responsabilidade do

homem com o meio ambiente:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de


condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe
permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar; e é portador da solene
obrigação de proteger e melhorar esse meio ambiente, para as gerações presentes e
futuras. (In: PELEGRINI FILHO, 1997, p. 175; grifos nossos).

Uma localidade pode até ser detentora de um patrimônio natural e cultural expressivo,

como é o caso de Ilhéus. No entanto, para que esse potencial se transforme em patrimônio
turístico, em recursos que possam ser utilizados para atrair o turista, faz-se necessário, além

dos investimentos em saneamento básico e infra-estrutura, o planejamento criterioso e

participativo, visando a responsabilidade e o benefício de sua população, sobretudo no que se

refere à sustentabilidade do meio ambiente.

Segundo Oliveira (2000), a sustentabilidade do turismo deve envolver a tomada de

medidas que viabilizem delinear primeiramente estratégias de preservação tanto do

patrimônio natural, como o cultural de uma localidade.

No entanto, em relação ao Rio Cachoeira que, pelas razões apontadas, interfere

indiretamente na sustentabilidade turística de Ilhéus, trata-se especificamente de um caso de

revitalização, uma vez que o rio tem dados sinais evidentes de esgotamento, inclusive

comprovados cientificamente, conforme demonstramos ao longo deste capítulo.

Diversos autores, dentre os quais Figueiredo (2000), ressaltam a importância da

educação ambiental para a atividade turística, inclusive como uma forma de melhor conhecer,

divulgar e preservar os recursos naturais e culturais de uma destinação que se pretende

turística, como é o caso de Ilhéus. Nesse sentido, um programa ativo e permanente de

revitalização do rio Cachoeira, visando a sua recuperação, se justifica devido a sua

importância enquanto patrimônio natural e cultural da Região Sul-baiana.

O capítulo que se segue visa a demonstrar as potencialidades culturais do rio

Cachoeira concernente ao imaginário da comunidade ribeirinha do Banco da Vitória, que

dentre outras expressões artísticas se manifesta através da Literatura oral, onde o rio e mata

em seu entorno são tomados como cenários dos causos narrados pelos pescadores. Elementos

de representações culturais, a divulgação dessas narrativas, aliada à formatação da paisagem

ao longo do Cachoeira no referido trecho da BA 415, podem contribuir para a ampliação de


113

ofertas de atrações culturais daquele espaço, proporcionando uma experiência diferenciada ao

turista que deseja conhecer e vivenciar a cultura local.


4. RIO-RECRE(I)AÇÃO – potencialidades culturais do rio Cachoeira através da
Literatura oral –

Tenho uma alma ribeirinha que percebe a essência do que há no visível,


por intermédio do imaginário

João de Jesus P.Loureiro

Esses doces fantasmas da água costumam estar ligados às ilusões factícias


de uma imaginação que quer divertir-se.
Gaston Bachelard

Contar uma estória, ou compreendê-la, pressupõe o conhecimento dos meios e


modos de produzir sentido em determinada cultura.
José Luís Jobim
115

4.1. Potencialidades culturais: A literatura oral e o imaginário do Rio Cachoeira

Um rio tem histórias para contar e verdades que não pode ocultar. Um rio que

reúne uma população inteira em seu entorno é o mesmo que é capaz de gerar um valor

simbólico, um sentimento de pertença ou até mesmo de indiferença ante uma realidade que

identifica e ao mesmo tempo flagra a incompetência ecológica de um povo.

Símbolo de fluidez heraclitoniana, o rio Cachoeira é o rio cuja transitoriedade de

suas águas, atualmente escassas e fétidas, parece sugerir o fluxo contínuo da existência

humana em sua incansável luta pela sobrevivência. Apesar da desastrosa transformação do rio

Cachoeira - outrora rio-provedor, agora em rio-grande-lixeira -, imposta pelos maus tratos

que lhes foram e continuam sendo infligidos pelas ações antrópicas, o rio é tomado

constantemente como fonte inspiradora para os poetas, prosadores e contadores de causos

regionais que contemplam suas águas, suas margens.

No que concerne à criação literária, o rio Cachoeira é ainda o rio-provedor, pois é o

rio que sustenta o imaginário dos poetas grapiúnas e de suas populações pesqueiras e

ribeirinhas, pessoas simples, na sua maioria, que nutrem um sentimento topofílico pelo rio

(TUAN, 1980). É o rio que carrega consigo a memória de muitos, daqueles que tiveram a

oportunidade de conhecê-lo quando de águas limpas, claras e brilhantes. Dada a sua

indiscutível importância socioambiental, atuando inclusive como coadjuvante na constituição

histórica regional, é o rio-tema-inspirador das mais diversas produções intelectuais, sendo

permanentemente ficcionalizado na poesia e na prosa de renomados escritores regionais como

Telmo Padilha, Cyro de Matos, Valdelice Pinheiro, Ritinha Dantas, Hélio Pólvora, Anísio J.

S. Cruz, dentre muitos outros.


Por outro lado, o rio Cachoeira também se faz presente no imaginário dos ribeirinhos e

se revela, dentre outras formas de expressão, através de narrativas orais, aqui abordadas como

Literatura Oral, uma prática social antiga que está se perdendo, tanto pela falta de tratamento

adequado que inclua a sua valorização, bem como pela falta de espaço e de tempo no agitado

mundo contemporâneo. Como se sabe, no atual contexto de uma suposta homogeneização

cultural (ORTIZ, 1994), os conteúdos dinâmicos da memória social, em especial, os

transmitidos oralmente, estão sujeitos às peripécias imperativas do tempo, sob pena de serem

descaracterizados em sua essência e, sobretudo, esquecidos.

Entretanto, Hall (1999) afirma que apesar de as identidades nacionais estarem se

desintegrando como resultado da homogeneização cultural, as identidades locais estão sendo

reforçadas como uma forma de resistência à globalização.

Essa declaração lança claramente um foco de valorização das diversidades culturais.

Nesse sentido, privilegiar a cultura, como foco de discussão nos estudos turísticos, pode

contribuir para o reconhecimento do turismo como um fator favorável à preservação das

identidades culturais de uma destinação turística.

Desse modo, averiguar, registrar e analisar o imaginário do rio Cachoeira, concernente

à Literatura oral, que ainda se faz presente nas áreas ribeirinhas, pode contribuir para a

compreensão das identidades culturais dessas comunidades e também para revitalizar suas

tradições.

Embora essas manifestações culturais não se restrinjam aos ribeirinhos residentes no

Banco da Vitória, a opção por essa comunidade, mais especificamente neste capítulo, foi

conduzida, primeiramente, pelo teor paisagístico local, já que a paisagem se constitui em um

dos fundamentais elementos que mais influenciam na competitividade turística. Nesse caso,
117

por se tratar de um cenário que é composto pelo rio Cachoeira e pela Mata Atlântica em seu

entorno, pode ser explorado turisticamente tanto através da rodovia (Fig. 30), como através do

rio em seu trecho mais navegável, no sentido Itabuna/Ilhéus ou vice-versa (Figs. 31 e 32).

Além disso, levamos em consideração que a paisagem demanda interpretações culturais, uma

vez que é parte integrante e testemunha de uma dinâmica sociocultural que se “gesta e se

produz através da criação intersubjetiva” (OLIVEIRA, 2002, p. 225).

Figura 30: Rodovia Ilhéus/Itabuna – km


Fonte: CKS

Figura 31: Rio Cachoeira –Banco da Vitória- km 8


Fonte: CKS
Figura 32: Porto fluvial – Banco da Vitória – km 8
Fonte: CKS

Muitos outros fatores contribuíram em favor da apreciação da literatura oral no Banco

da Vitória. Primeiro, saber que não basta a exuberância da paisagem para transformá-la em

uma destinação turística, pois a sua formatação é imprescindível, inclusive, em prol de sua

própria preservação. Segundo, para ultrapassar à simples condição contemplativa da

paisagem, a fim de torná-la diferenciada, mais duradoura e capaz de despertar emoções aos

visitantes, faz-se necessário evidenciar os seus aspectos culturais para que possa ser

interpretada e, por conseguinte, devidamente valorizada, não apenas em favor do segmento

turístico, mas, principalmente, para o benefício das populações endógenas. Terceiro, a

preocupação em se preservar o meio natural deve incluir também a preservação do elemento

humano em todas as suas instâncias enquanto cidadão, pois este é, antes de tudo, parte

integrante e decisiva desse meio. Quarto, a recolha e análise dessas narrativas podem

contribuir para o entendimento de uma cultura regional de características próprias, além de

permitir a inclusão de vozes suprimidas e subalternas (MOREIRAS, 2001), quase sempre

excluídas no processo de planejamento turístico.

Com base nessas considerações, a divulgação e o tratamento literário dessas narrativas,

aliada à formatação da paisagem ao longo do rio Cachoeira no mencionado trecho daBA 415,
119

podem contribuir para a ampliação de ofertas de atrações turísticas da Região Sul-baiana,

proporcionando uma experiência diferenciada ao turista que, conforme Simões (2001, s/p),

“reúne condições de ser o elo na cadeia de transmissão sobre as qualidades da sociedade/lugar

visitado; que interpreta e respeita a cultura local”. Nesse caso, o turismo, enquanto uma

atividade que proporciona intercâmbios culturais, assume papel de relevância, já que pode

contribuir para a valorização e preservação desses bens simbólicos.

Nessa perspectiva, a sustentabilidade turística que se propõe, passa, como já

mencionamos anteriormente, por uma re-avaliação da subjetividade humana, segundo as suas

representações sociais, políticas e histórico-culturais (GUATTARI, op. cit.). Como o

instituído encontra-se indissociavelmente entrelaçado com o simbólico e este, por sua vez,

tem no imaginário um componente essencial (CASTORIADIS, op.cit.), a literatura oral,

enquanto objeto social, se constitui em importante fonte de pesquisa desses processos na

construção identitária de uma determinada localidade - fator determinante na diferenciação e

valorização das culturas, um dos aspectos fundamentais na qualificação das destinações

turísticas, vale acrescentar.

Desse modo, o rio Cachoeira é mais do que fonte de vida para aqueles que habitam

suas margens. É também fonte de criação literária. Isto ocorre quando o rio, juntamente com a

mata em seu entorno, ultrapassa a sua condição física e é percebido pelos ribeirinhos como

cenários ou como coadjuvantes na constituição de histórias que dão vida a seres assombrosos

como a mulher de sete metros, que fica vagando na rodovia Ilhéus/Itabuna; a dona das

águas, que impõe respeito ao rio; o nego d’água que assusta os pescadores quando distraídos;

os compadres que viraram biatatás e que dão carreira nas pessoas desavisadas; a caipora

dissimulada que faz o ribeirinho se perder na mata; o lobisomem cachorrão comedor de


criancinhas; as tarrafas e canoas encantadas que desaparecem no rio; as visagens, também

conhecidas como as almas penadas dos que se afogaram no rio.

Pertencentes ao vasto campo da cultura popular, no sentido daquilo que é feito pelo e

para o povo, estas manifestações atestam a riqueza cultural do Banco da Vitória, uma vez que

revelam informações históricas, etnográficas, sociológicas e, portanto, identitárias. Contudo, o

fato de estarem sujeitas a uma dinâmica que é própria da oralidade – pois apresentam menor

formalidade e maior expressividade no ato da performance em relação ao texto escrito -, estas

narrativas são passíveis a constantes re-formulações. Além disso, a falta de seu

aproveitamento enquanto um evento cultural, por exemplo, pode contribuir para o

esquecimento das mesmas.

Para a análise proposta, os relatos foram coletados através de entrevistas

conversacionais (ANDRADE, 1999), semidiretivas, centrada na temática e nos indivíduos

representativos de cada locus, sem o estabelecimento prévio de duração, de modo a propiciar

uma atmosfera de tranqüilidade e confiança, o que possibilitou aos entrevistados se

expressarem com maior espontaneidade.15 Nesse sentido, a postura do pesquisador (ouvinte) é

a de tornar-se um mediador, uma testemunha (MOREIRAS, op.cit.) da performance

autoficcional (RAVETTI, op.cit) do contador de causos e, também, coadjuvante do processo

de elaboração das narrativas, inclusive na transcrição das mesmas, já que a passagem do vocal

para o escrito é, conforme Zumthor (1993), repleta de confrontações, mais do que transcrição,

é transcriação.

Partindo de uma visão etnoliterária (SANTOS, 1995), a pesquisa fundamentou o

tratamento das narrativas nas concepções de Moreiras e Ravetti (2001) quanto à ótica do

testemunho por admitir a introdução de vozes subalternas no discurso disciplinar; na


15
Sobre maiores detalhamentos da metodologia aplicada vide “Procedimentos metodológicos” nas
Considerações iniciais.
121

perspectiva antropológica, baseou-se em Iser (1996) para o entendimento da articulação entre

o fictício e o imaginário no processo da criação literária, no caso, da produção oral; e, na

perspectiva estética, em Zumthor (2000), para o entendimento das questões inerentes à

performance, centrada no jogo de expressão e percepção entre o contador e o (s) receptor (es)

no ato imediato da comunicação

Na esteira dos Estudos Culturais, o conceito de etnotexto torna-se relevante, pois como

afirma Santos (Op. cit., p. 39), trata-se do “discurso que um grupo social, uma coletividade,

elabora sobre sua própria cultura, na diversidade de seus componentes, e através do qual

reforça e questiona sua identidade”. Desse modo, o etnotexto propõe uma leitura cultural do

texto literário. A Literatura Oral é, pois, um discurso que possui características de etnotexto.

Daí a pertinência do seu estudo, tanto no âmbito antropológico como no âmbito do estético.

Sendo assim, antes de esboçarmos o material coletado e suas respectivas análises,

algumas discussões terminológicas serão necessárias, devido à polissemia e à complexidade

teórica que envolve as pesquisas demandadas pela Literatura oral.

4.2. Questões terminológicas da Literatura oral no contexto da contemporaneidade

A terminologia Literatura oral foi criada oficialmente por Paul Sèbillot, em 1881, com

o intuito de unir e definir as manifestações culturais transmitidas por processos não grafados.

Trata-se, portanto, de uma definição de fronteira que visa a diferenciar e limitar os campos de

ação do oral e do escrito. Desse modo, a Literatura oral se manifesta, conforme Cascudo

(1984), mediante um corpus extremamente amplo e variado: mitos, lendas, contos, causos,
adivinhas, canções, sagas, rezas, ritos e provérbios transmitidos exclusivamente por via oral,

de geração para geração.

Apesar de possuir um corpus tão extenso de análise, Cascudo (idem) apresenta quatro

características fundamentais da Literatura oral: a antiguidade, uma vez que é impossível

identificar a data de seu surgimento; a persistência, pois são transmitidas de geração para

geração através dos séculos, onde são reformuladas, mas não esquecidas; o anonimato da

autoria, o que a faz de todos e de ninguém; e a oralidade, voz anônima do povo que tem na

sonoridade, na entonação e no ritmo, além dos gestos, os grandes aliados que reforçam o

significado da mensagem. Tais recursos são denominados por Zumthor (2000) como

elementos performáticos.

Na tentativa de uma definição compatível com os estudos literários, malgrado a

riqueza e complexidade do objeto em estudo, os gêneros que constituem a Literatura oral

passaram a ser designados por Jolles (1976) como formas simples. Uma locução adjetiva que

parece atribuir uma certa depreciação ante a hierarquia dos gêneros, criada pela tradição

acadêmica. Todavia, o autor denuncia que, pelo fato de se tratar de manifestações artísticas

que “não são apreendidas nem pela estilística, nem pela retórica, nem pela poética, nem

mesmo pela escrita” (idem, p. 20, grifo do autor), a história literária e a crítica literária

negligenciaram, em seus métodos de interpretação do sentido, a elucidação do significado

dessas formas, deixando-as para a etnografia ou outras disciplinas mais ou menos estanhas

aos estudos literários, o cuidado de ocupar-se disso.

Com o processo de deshierarquização do cânone literário, no entanto, essas narrativas,

outrora marginalizadas, atualmente são consideradas como uma importante fonte de estudo,

tanto nas vertentes da crítica literária, como no âmbito cultural, sobretudo em pesquisas que

visem a compreender e realçar as diversidades culturais de localidades a serem analisadas.


123

Além disso, as narrativas orais podem contribuir para o entendimento do comportamento

humano em relação aos fenômenos naturais, bem como em relação à sua própria história,

tradições, hábitos, valores, medos, crenças e superstições que, estabelecidas pelo imaginário,

constituem a sua identidade. Pode mostrar, ainda, a utilidade e o sentido das instituições

sociais que determinam o comportamento coletivo da comunidade em estudo.

Segundo Jolles, a força que impulsiona os estudos literários passa por critérios que

estão orientados em três direções: o estético (beleza), o histórico (sentido) e o morfológico

(forma). São instâncias que se empenham em apreender conjuntamente o fenômeno literário

em sua totalidade. Entretanto. conhecer e explicar as diversas formas literárias, incluindo-se a

forma oral, tem sido um grande desafio para os teóricos da literatura desde o seu surgimento.

Importante observar que a função da literatura, enquanto uma atividade artística

comunicadora, vai além do entretenimento, da informação, documentação ou simples

passatempo. Como se sabe, a literatura vem desvendando, de maneira própria e inconfundível,

a natureza incógnita e sempre surpreendente do ser humano, independentemente da sua forma

de manifestação, seja oral ou escrita.

Como todas as coisas estão sujeitas às peripécias e necessidades do tempo, para o

lingüista francês Paul Zumthor (2000), trata-se de Literaturas da voz (no plural), justamente

por abranger elementos fundamentais da vocalidade, da performance e também da recepção,

onde a presença da voz e do corpo desempenha papel fundamental. Conforme o autor, a

vocalidade é plena de materialidade, pois envolve o empenho do corpo do locutor que, ao

estabelecer uma situação comunicativa, coloca em ação simultânea o emissor, o texto (oral) e

o receptor. Assim, elementos subjetivos como a entonação e o ritmo da voz, as pausas, aliados

às várias formas do olhar e dos gestos, a memória do locutor, a finalidade da transmissão, bem

como o espaço físico e temporal, utilizados para reforçar o significado da mensagem,


contribuem para desencadear reações especiais nos ouvintes no exato momento da

performance. Centrada no ato imediato da comunicação, cada performance torna-se singular,

visto que se estabelece em um “contexto ao mesmo tempo cultural e situacional” (idem, p.

36).

Para Zumthor, a performance é um momento privilegiado da recepção, onde um

enunciado é realmente percebido. No entanto, vale mencionar, que o termo não se restringe

exclusivamente à oralidade. A performance é possível, sim, no ato da leitura solitária, só que

em níveis diferenciados.

Na situação performancial, a presença corporal do ouvinte e do intérprete é presença


plena, carregada de poderes sensoriais, simultaneamente, em vigília. Na leitura, essa
presença é por assim dizer colocada entre parênteses; mas subsiste uma presença
invisível, que é manifestação de um outro, muito forte para que minha adesão a essa
voz, a mim assim dirigida por intermédio do escrito, comprometa o conjunto de
minhas energias corporais.

[...] A performance com audição acompanhada de uma visão global da situação de


enunciação, é a performance completa, que se opõe da maneira mais forte,
irredutível, à leitura de tipo solitário e silencioso. (ibidem, p. 80, 81)

Todas essas considerações são necessárias, pois definem fronteiras que visam a

diferenciar-se e a limitar o campo de ação do oral e do escrito. Nesse sentido, a linguagem

oral apresenta mais recursos em termos de expressividade, mesmo se apresentando através de

um suporte aparentemente efêmero como a performance e a vocalidade. Entretanto, essa

efemeridade se dilui graças à faculdade dos mecanismos de resistência das narrativas orais

(antiguidade, persistência, anonimato da autoria e oralidade), tornando-se reiterável em seu

processo comunicativo. É assim que a Literatura Oral se mantém e se propaga pelo mundo,

variando conforme os ambientes, as ocasiões e as culturas, como outrora afirmou Cascudo.

Segundo Jerusa Pires Ferreira (2000), Zumthor representa um divisor de águas nos

estudos medievais e de poéticas do oral, pois dissolveu dicotomias obsoletas, discutiu e

ampliou a noção de texto literário e criou uma plataforma de atuação em que a voz, o corpo, a
125

presença desempenham um importante papel. Passando pelas teorias da comunicação e da

cultura, deixando-nos a percepção de que o texto se tece na trama das relações humanas.

Estabeleceu ainda diferença de conceitos entre oralidade e vocalidade, cuja posição teórica é

a de contemplar desde os textos tradicionais da voz viva aos que se transmitem pelos mais

diversos suportes e mediações (grifos nossos).

Nesse contexto, estudos recentes têm demonstrado que, na contemporaneidade, a arte

designada como popular ganha mais força e prestígio no espaço acadêmico. A necessidade de

retorno às raízes de um mundo supostamente mais autêntico, com menor formalidade e maior

expressividade e liberdade criadora, desencadeia maior interesse por expressões com tais

características. Burke (1989) afirma que a pesquisa sobre cultura popular está muito além de

se restringir aos historiadores, pois há muito tempo se constitui em um objeto de investigação

que é compartilhado pelos sociólogos, antropólogos, folcloristas, historiadores da arte e

estudantes de literatura, portanto, perfeitamente cabível em relação aos estudos turísticos que

privilegiam a cultura como foco de discussão e sustentabilidade turística de uma localidade,

como é o caso deste estudo.

4.3. O fictício e o imaginário: tessitura e constituição nas narrativas orais dos ribeirinhos

do Banco da Vitória

Na tarefa de examinar o imaginário do rio Cachoeira, concernente aos causos narrados

pelos ribeirinhos do Banco da Vitória, interessa-nos abordar, primeiramente, como o fictício e

o imaginário, enquanto disposições antropológicas distintas, se articulam, de forma interativa

e organizada, no processo de constituição dessas narrativas (ISER, 1996).


De acordo com Iser, não há definições ontológicas nem do fictício nem do imaginário,

porquanto só podemos apreendê-los mediante uma descrição operacional de suas

manifestações observáveis. Nesse sentido, o termo imaginário não pode ser confundido com

conceitos como fantasia, faculdade imaginativa ou imaginação, pois estes termos envolvem

uma ampla carga de tradição, sendo freqüentemente justificados como faculdades humanas

distintas. Para Iser, o imaginário se apresenta de “modo difuso, informe, fluido e sem um

objeto de referência, manifestando-se em situações que, por serem, inesperadas, parecem

arbitrárias, situações que ou se interrompem ou prosseguem noutras bem diversas” (idem,

p.14). Iser também afirma que o imaginário existe na vida real, no entanto, precisa ser

ativado, uma vez que o imaginário “não é um potencial que ativa a si mesmo, mas uma

instância que precisa ser mobilizada por externo, seja pelo sujeito (Coleridge), pela

consciência (Sartre) ou pela psique e pelo sócio-histórico (Castoriadis), o que não esgota as

possibilidades de ativação” (ibidem, p.259), ao contrário, multiplica as suas possibilidades de

manifestações.

Castoriadis (1982), por sua vez, define imaginário como “criação incessante e

essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir

das quais somente é possível falar-se de ‘alguma coisa’. Aquilo que denominamos ‘realidade’

e ‘racionalidade’ são seus produtos.” (1982, p. 13). Para Castoriadis imaginário é sinônimo de

coisa inventada,

quer se trate de uma invenção ‘absoluta’ (uma história imaginada em todas as suas
partes), ou de um deslizamento, de um deslocamento de sentido, onde símbolos já
disponíveis são investidos de outras significações que não suas significações
‘normais’ ou ‘canônicas’. [...] Nos dois casos, é evidente que o imaginário se separa
do real, que pretende colocar-se em seu lugar (uma mentira) ou que não pretende
fazê-lo (um romance) (ibidem, p. 154)

É o que ocorre, por exemplo, quando narrativas são criadas para explicar um

fenômeno natural ou ainda para falar de algo que é inerente ao ser humano, como ditar
127

normas de comportamento diante de certos acontecimentos, através de uma linguagem repleta

de imagens e de símbolos. Essa combinação geralmente é muito utilizada nos gêneros

denominados por Jolles (1976) como formas simples (mitos, lendas, contos, causos, etc), uma

vez que exigem e permitem, em conformidade com as culturas, interpretações diferenciadas.

De acordo com Iser, o fictício (que é intencional) e o imaginário (espontâneo) servem

de contexto um para outro num processo de interação que funciona como uma matriz

geradora da qual emerge a Literatura (Oral). Nesse processo, a estrutura duplicadora do

fictício, regulada pelos atos do fingir (seleção, combinação e auto-evidenciação), re-formula

o real e, conseqüentemente, interfere na compreensão da realidade. É nesse sentido que os

causos narrados pelos ribeirinhos ultrapassam o mundo real em que estão inseridos, tornando-

se ficção que, em sua etimologia, significa fingimento, re-criação do real, coisa imaginária.

Laplantine e Trindade (1997) fazem distinções importantes entre os termos real e

realidade. Conforme as referidas autoras, a realidade corresponde a tudo que existe

independentemente da nossa vontade. Por outro lado, o real é a “interpretação que os homens

atribuem à realidade. O real existe a partir das idéias, dos signos e dos símbolos que são

atribuídos à realidade percebida” (ibidem, p.12).

Também em relação às distinções entre o simbólico e o imaginário, Laplantine e

Trindade afirmam que o imaginário evoca e mobiliza as imagens de modo que utiliza o

simbólico para expressar-se e existir. Por conseguinte, o imaginário é uma das formas de

interpretação simbólica do mundo e, portanto, da realidade.

Nessa ótica, os processos de simbolização, isto é, os processos de substituição

de uma coisa por aquilo que a significa, são fundamentais para a compreensão e o

entendimento das culturas. “É a simbolização que permite que as informações sejam


processadas, que a experiência acumulada seja transmitida e transformada” (SANTOS,

1985, p.42)

Das muitas narrativas recolhidas na pesquisa (que integrarão um vídeo-documentário a

ser elaborado posteriormente como desdobramento desta dissertação), aqui tomamos para

análise narrativas que sinalizam temáticas de interesse para turismo. Para compreender a

essência desse imaginário específico que se ficcionaliza nessas narrativas orais, abordamos

essas manifestações artísticas como elementos de representações culturais, que expressam,

através de uma linguagem própria, o pensamento de um povo, a essência de sua cultura.

No Banco da Vitória, os grupos sociais que sobrevivem diretamente do rio Cachoeira -

em sua maioria pescadores, lavadeiras, areeiros e trabalhadores rurais desempregados -,

costumam contar causos que supostamente “aconteceram” dentro e/ou nas proximidades do

rio. Trata-se de narrativas orais que, em geral, abordam o cotidiano dessas pessoas; somando-

se a isso a liberdade criadora e imaginativa de seus contadores. Em tais narrativas, as

situações reais, o simbólico e o imaginário são tecidos conjuntamente como resultado de

experiências vividas e/ou inventadas. São causos em que os contadores são, normalmente, as

personagens principais, testemunhas ou simplesmente ouvintes dos episódios narrados,

conforme podemos observar no relato do Sr. Fernando Borges da Silva, mais conhecido como

Seu Pepeu, pescador por mais de 20 anos,

Meu pai, era o maior mentiroso do mundo. Quando eu tinha uns 17 anos ele dizia

que lá em frente à [fazenda] Cordilheira, bem na beira da estrada, aparecia uns

vultos vagando por ali. Dizia que tinha um padeiro que ia e vinha com um cesto

cheio de pão. Quando ele dizia que queria pão o padeiro nunca atendia e sumia

tudo. (Entrevista concedida em 15 de agosto de 2004)


129

O trecho em que fica localizada a fazenda Cordilheira, às margens do rio Cachoeira,

no km 18 daBA 415 é, de forma recorrente, o cenário dos causos narrados pelo Seu Pepeu.

Talvez pelo fato de se ter nas proximidades um cemitério naquela localidade, faça aflorar o

imaginário com causos que abordam vultos pela estrada, as ditas visagens. Durante as fases

de recolha, pudemos observar as interferências diretas das histórias orais no comportamento

dos entrevistados, com reações que vão do assombro ao riso.

Um fato curioso e que nos chamou a atenção é que os causos são quase sempre

acompanhados de uma explicação racional para os fenômenos que foram (supostamente)

vivenciados pelos pescadores. Em boa parte, testemunhas são solicitadas para comprovar os

fatos. A este respeito, pudemos observar também uma grande influência das religiões

seguidas pelos contadores, pois muitos ao se declararem evangélicos, conforme os preceitos

religiosos, não poderiam mentir. Apesar disso, nunca desmentiam totalmente que foram

testemunhas visuais dos episódios narrados. Fato que poderemos constatar a seguir com o

causo narrado de forma muito espirituosa pelo Seu Osmário, pescador desde criança, naquela

localidade. Seu Tum, como é conhecido entre os seus companheiros, é um senhor de 54 anos,

estudioso dedicado da Bíblia

O finado Vavá, pai de Alfredo, xingava muito. Ele era ferreiro. Ele usava um fole
pra fazer as peças dele. Ele tinha o costume de toda às seis horas ir tomar banho no
rio e ficar esquentando na Pedra de Guerra. Às 6:40, mais ou menos, estava tudo
escuro e apareceu pra ele a imagem de um homem dentro d’água. Ele tinha mais de
dois metros. Tava nu. Mas a gente só via da cintura pra cima. O homem tava assim
parado com os braços encruzados. Pergunta a Zé Evanildo e Jatobá que também
conhece esse caso. Todo mundo viu. Lorinho [o valentão do lugar] pegou o facão e
foi atrás do tal homem e não encontrou nada. Quando chegou lá não tinha mais
ninguém. Olha, eu sou evangélico e não posso contar uma coisa negativa. Eu
tenho que contar o testemunho que eu vi (grifos nossos).

A Pedra de Guerra a qual o Seu Tum se refere é, na voz dos moradores, um “lajedão

que vai até o Iguape”. Eles acreditam que se trata de uma rocha cuja dimensão alcança uma

média aproximada de uns 15 km. É nesse lugar que geralmente aparecem as assombrações, as
visagens. Foi ali, na Pedra de Guerra, que o Seu Tum se deparou por mais de uma vez com o

Nego D’água.

No rio também já apareceu o Nego d’água na Pedra de Guerra e na poço das


Freiras. Foi visto duas vezes. Ele é um anão, escurinho e forte, careca e tem a
cabeça redondinha. Tem mais de vinte anos que eu vi. Quando você chega perto
dele ele cai n’água espalhando muita água. Quer dizer que ele tem volume, né?
Essas coisas a gente via era com a lua clara.

Para Seu Tum o Nego D’água, um ser aquático que vive no fundo do rio Cachoeira,

mas que gosta muito de ficar se esquentando em cima de um rochedo, existe de verdade, tanto

que a prova maior é que “ele tem volume” e molha quem está por perto.Também conhecido

como caboclo d’água, é uma assombração que se manifesta através de uma figura de

aparência humana distorcida, de cor escura, com a cabeça grande e redonda; é tronchudo, isto

é, de baixa estatura e muito forte, pois são capazes de virar as embarcações que lhes

desagradam; às vezes surgem, conforme os relatos, com uma grande cabeleira dura de tão

enlameadas, ou se apresentam como carecas de um único olho, localizado bem no meio da

testa.

Segundo afirmam os pescadores do Banco da Vitória, o Nego D’água gosta de

aparecer nu e tem o poder de se transformar em qualquer coisa para assustar os ribeirinhos,

além disso, eles são muito ágeis, no entanto, se tornam razoáveis se receberem fumo ou pinga.

Coisas que, normalmente, fazem parte dos apetrechos dos pescadores.

Trata-se de um mito que também é recorrente na Lagoa Encantada (Ilhéus) entre os

ribeirinhos daquela localidade. Conforme o relato de seus moradores, o Nego D’água tem

mãos e pés de pato e são bem escurinhos e adoram virar as canoas e desaparecer em

seguida16.

16
Vide SANTOS, R. S. 2004. O encanto da lagoa O imaginário histórico-cultural como elemento propulsor
para o turismo cultural na Lagoa Encantada. Ilhéus/UESC [Dissertação de Mestrado em Cultura & Turismo].
131

Há registros de que o tal caboclinho costuma assustar as populações ribeirinhas,

localizadas na região do Vale do Rio São Francisco, sendo uma das mais temidas

assombrações entre os moradores. Dependendo do local onde aparece, o Nego D’água

assume diferentes formas, inclusive são capazes se transformar em outros animais

assustadores com o intuito de apavorar ainda mais os pescadores, principalmente os que

gostam de pescar à noite, bem como as lavadeiras.

De uma forma geral, o Nego D’água apresenta características que se assemelham aos

Sacis pela forma endiabrada como agem, apavorando a todos que encontra pela frente, bem

como pela sua cor e agilidade de deslocamento. Apresenta semelhanças também com a

Caipora que, segundo Cascudo (1976) é uma figura indígena pequena e forte, coberta de

pelos, doida por fumo e aguardente.

Segundo Seu Ozias, 59 anos, pescador a mais de 30 anos, o Nego D’água já o fez

passar por situações muito vexatórias quando era jovem:

Por causa do Nego d’água eu saí uma vez correndo assustado. Sempre ouvi falar do

Nego d’água. Aconteceu que um dia eu tava pescando e a rede enganchou na

pedra. Aí, eu mergulhei. Quando eu tava lá embaixo eu me lembrei do Nego e saí na

carreira. Minha mulher falou: Ôxe! Já voltou da pescaria?!! É... Não tinha peixe...

Quando a gente é jovem, até o barulho de pau rangendo assusta nós. De dia, tudo

bem, todo mundo tem coragem de olhar o que é, mas de noite...!!!

Por aqui aparece muito pau que range, parecendo a Caipora. Muitas vezes eu

deixei de entregar a comida de meu pai, que trabalhava na roça. E ele ficava lá com

fome. Tudo isso por causa do medo da Caipora. Se ela pegasse um...

A caipora é, segundo Cascudo, um duende que é considerado como o guardião da

floresta, por isso ele amedronta os caçadores com a fim de expulsá-los e proteger os animais.

É uma espécie de assombração que apronta toda sorte de ciladas, desorientando aqueles que
penetram a floresta através da simulação de ruídos: assobia, estala os galhos, dando falsas

pistas, fazendo com que o ribeirinho se perca na mata.

Todavia, o Seu Tum tem uma explicação curiosa sobre o encantamento da

Caipora

Essa história de se perder na mata por causa da Caipora, sabe por que é que

acontece? Não sabe menino, quando tá caçando passarinho? Pois ele se perde

porque enche os bolsos de pedra e sai com o badoque atrás dos passarinhos.

Quando vai ver, já tá perdido no mato e depois fica dizendo pra mãe que foi a

Caipora. Caipora, meu pai nunca contou pra nós. Mas meu pai já se perdeu na

mata.

A explicação de Seu Tum demonstra a necessidade que tem o homem em

refletir sobre as próprias ações, visando a esclarecer os comportamentos diante do

perigo, bem como criar, inventar soluções para as ameaças que surgem em seu

cotidiano e que fogem ao seu controle.

A maneira como o imaginário de seres assombrosos se propaga ultrapassa os

limites de tempo e de espaço. Assume variantes que, conforme Cascudo (1986, p.34),

se constituem em “enredos com diferenciações que podem trazer as cores locais,

algum modismo verbal, um hábito, frase, denunciando, no espaço, uma região e no

tempo, uma época”.

A aparição do Nego d’água é denominada pelos entrevistados como visagens.

Há também quem afirme que o Nego d’água não passa de uma capivara ou uma lontra

que, ao ver o homem, assustada, mergulha imediatamente no rio, provocando um certo

estardalhaço. Percebe-se aí uma contradição, pois ao mesmo tempo em que se procura

demonstrar a existência concreta do caboclo d’água, adimite-se que, na verdade, trata-

se de seres providos do devaneio poético (BACHELARD, 2002), ou seja, frutos da

livre imaginação.
133

Nesse contexto, há uma máxima popular que diz: “De noite, todos os gatos são

pardos”, isto é, na escuridão da noite, impossível se discernir o que se vê. À noite, para

interpretar a realidade, a percepção se modifica, outros sentidos se tornam ainda mais

aguçados. Nesse caso, os sentidos auditivos, acompanhados de uma visão turva,

ativam o imaginário, gerando explicações assombrosas.

Conforme Tuan (1980, p 12), “o mundo percebido através dos olhos é mais

abstrato do que o conhecido por nós através de outros sentidos. Os olhos exploram o

campo visual e dele abstraem alguns objetos, pontos de interesse, perspectivas”. Nesse

sentido, a percepção da realidade

é a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade proposital, na

qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para

a sombra ou são bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para nós, para a

sobrevivência biológica, e para propiciar algumas satisfações que estão enraizadas

na cultura. (ibidem, p. 4)

Mas, em se tratando de um devaneio, por que o mesmo mito ocorre, apesar das

peculiaridades que apresentam enquanto variantes, em outras regiões do país, mostrando,

inclusive, pontos em comum que se evidenciam através dos elementos selecionados e

combinados através do imaginário específico de cada cultura? Ao que tudo indica, trata-se dos

mecanismos de resistência da Literatura oral (antiguidade, persistência, anonimato da autoria

e a oralidade).

De acordo com Cascudo (1976, p. 37), uma característica geral dos mitos e das

tradições fabulosas no Brasil é que

os nossos são mitos de movimento, de ambulação, porque recordam os velhos


períodos dos caminhos, dos rios, das bandeiras, de todos os processos humanos de
penetração e vitória sobre a distância. Quase sempre são mitos cuja atividade é
apavorar “quando passam” ou “correm”. Curupiras, Caiporas, Mapinguaris, Sacis,
Lobisomens seriam ineficazes em atitude hirta, como uma parada de monstros.
Mesmo nos rios, lagoas e mar, os seres assombrosos não têm pouso fixo. Nadam
para aqui e para além. [...] A nossa Iara é campeã de distância a nado livre...

De uma forma emblemática, isto que dizer que os mitos andam, viajam por distâncias
incomensuráveis do imaginário humano, oralmente, de boca em boca, de geração para
geração.

Um outro aspecto que Cascudo chama a atenção é sobre o caráter híbrido dessas
narrativas, uma vez que se percebe a influência de diversas etnias que compõe o imaginário
da Literatura oral. Por isso, “um exame dos tipos fabulosos mostra a hibridez de todos, sua
confusão fisiológica, dando-os como somas espontâneas de reminiscências diversas.” (ibidem,
p. 185)

Por outro ângulo de análise, as obras do filósofo francês Gaston Bachelard que

abordam o estudo do imaginário a partir das evocações perceptivas dos quatro

elementos primordiais (ar, água, terra e fogo) contribuem para o entendimento dos

elementos selecionados e combinados no processo de constituição das narrativas.

Ao dedicar-se ao estudo psicológico da imaginação, Bachelard valoriza a

liberdade criadora, o devaneio poético enquanto tomada de consciência a partir das

experiências evocadas através da percepção desses elementos. No livro A Água e os

sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria (Martins Fontes, 2002), por exemplo,

Bachelard elaborou um estudo psicológico sobre as várias percepções das águas por

meio de textos míticos e literários (prosa e poesia). A água substancial como mestre do

devaneio poético se desdobra em diversas imagens simbólicas: águas claras,

primaveris, correntes, profundas, suaves, violentas, bem como, a água combinada a

outros elementos como o fogo, a terra e a noite.

A água, representada pelos rios, lagoas, mares, mangues, etc; o fogo que aparece

através de chamas e grandes fachos luminosos em outras histórias, como é o caso do mito do

Biatatá (que será apresentado a seguir); o ar que, além da sua necessidade básica, pode ser

considerado como o responsável direto pelas combustões provocadas pelos biatatás; e a noite,
135

a grande coadjuvante das estórias, um dos ingredientes básicos de que se utiliza a Literatura

Oral em suas manifestações, porque liberta a imaginação, o devaneio total, a fantasia. A noite

é, sem sombra de dúvida, o elemento primordial que faz aflorar os medos, as superstições, as

crendices, conforme afirma Bachelard (ibidem)

A noite é uma substância, a noite é a matéria noturna. A noite é apreendida pela


imaginação material. E como a água é a substância que melhor oferece às misturas, a
noite vai penetrar as águas, vai turvar o lago em suas profundezas, vai impregná-lo
(2002, p. 105)

A seleção, a combinação e o autodesnudamento desses elementos são explicados por

Iser (1999) como atos intencionais do fingir17 no jogo interativo entre o fictício e o imaginário

no processo de constituição dessas narrativas. É justamente a estrutura duplicadora desses atos

que possibilita a concretização do fictício, uma vez que possibilita a liberação do imaginário

de modo que, num processo de interação entre ambos a obra literária se concretize.

O mito do Biatatá18, que também faz parte do imaginário do Rio Cachoeira, é uma das

mais conhecidas expressões da Literatura oral e se apresenta em diversas variantes em todo o

território nacional. Também conhecido por “Boitatá”, “Baetatá”, “Batatá”, “Bitatá”,

“Batatão”, “Cumadre Fulôzinha”, “João Galafuz”, “Mbaê-Tata”, cuja origem do nome vem

do tupi mboi (cobra) e tatá (fogo)– é, de uma forma geral, uma assombração que se manifesta
17
1. Seleção – faz incursões nos campos referenciais extratextuais, transgredindo-os ao recolher elementos que
serão reposicionados e incorporados ao texto, com a finalidade de engendrar novas formas. Esses elementos
selecionados continuam subordinados ao campo de referência que o originou. O ato de seleção invade também
outros textos (escritos ou orais, não importa), produzindo, desse modo, a intertextualidade.
2. Combinação – lida com as funções convencionais da denotação e da representação; é também onde ocorrem
as transgressões intratextuais de limites, que vai do léxico aos personagens. Em relação aos significados lexicais,
os agrupamentos estão indissociavelmente ligados, quer se trate de palavras cujos sentidos foram excedidos, quer
se trate de territórios semânticos no interior do texto cujos limites foram transpostos pelos personagens.
3. Auto-indicação ou autodesnudamento – ocasiona um ato de duplicação peculiar designado pela expressão
como se que, por sua vez, indica que o mundo representado no texto deve ser visto como se fosse um mundo,
embora não o seja, pois o mundo textual não significa aquilo que diz. O como se (fosse) “cria um espaço entre o
mundo empírico e sua transformação em metáfora para o que permanece não dito.” (ibidem, p. 70)
18
Sobre o mito de biatatá e suas variantes vide SOUSA, M.G. 2004. Literatura oral e o imaginário

das águas: o caso do biatatá em pedras – município de Una/BA. Ilhéus/UESC [monografia

(Especialização em Estudos de |Literatura Comparada –UESC)]


por meio de uma gigantesca cobra-de-fogo que vive nas águas e que aparece apenas à noite.

Em algumas culturas, esse monstro desempenha o papel de proteger os campos contra

incêndios, em outras, é a força causadora deles no intuito de assustar os homens e expulsá-los

de seu ambiente.

Segundo Seu Ozias,

Os mais velhos sempre contavam que existia o biatatá, quando eu tinha uns 14 anos.
O problema do biatatá era o compadre e a comadre pecarem. Quando eles morrem
viram o biatatá e ficam batendo facho. Numa moita de bambu eu vi, junto com a
minha tia, por volta das 7:30, 8:00 da noite uma coisa facheando. Quando subiu na
moita eram duas tochas de fogo. Minha tia dizia que via sempre.

Muitas outras visagens aparecem no rio Cachoeira, como é o caso das canoas e

tarrafas encantadas. Conforme as experiências noturnas de Seu Tum,

Antigamente o Banco tinha um gerador que funcionava até as dez da noite. Quando
eram dados dois sinais antes de desligar pra valer, todo mundo corria para casa,
pois na encruzilhada apareciam muitas visagens. Depois que o Seu Lindote, fiscal
do posto, morreu, sempre aparecia alguém no rio e desaparecia logo depois.
Alfredo é testemunha disso.

Um certo dia saímos, eu e Alfredo, de uma maré vazante e a lua tava clara e nós

vimos uma canoa enorme no meio do rio. Era a canoa de Seu Alagoano que tirava

areia do fundo do rio. Vimos a canoa solta no rio. – Vamos pegar aquela pra nós

ganhar um dinheiro? Disse pro Alfredo. Nós pelejamos pra pegar a canoa, mas a

agente nunca que conseguia pegar. Eu remava naquela direção e quando a gente

tava chegando pertinho a canoa sumia. A canoa ficava invisível.

D. Enedina, uma senhora de 92 anos, também evangélica, conta que nunca viu nada de

estranho no rio Cachoeira, mas reafirma que o tio falava dos vultos de canoa que aparecia

deslizando sozinha sobre as águas. Uma canoa que por mais que se remasse nunca se

conseguia alcançar.

Meu tio contava que via umas coisas quando ia pescar. Diz que quando jogava a
tarrafa, outra logo aparecia. Aparecia também vultos de canoa... era as visagens!
137

De acordo com Seu Ozias, as visagens são almas penadas, pantomimas19 daqueles que

morreram afogados no rio Cachoeira.

Contam que pessoas [que já morreram] do Banco costumam ficar em cima das

pedras. Eu mesmo já amanheci o dia, mas nunca vi nada... Hoje não aparece mais,

porque antigamente era mais... as visagens apareciam. As pessoas ficavam

penando...Hoje, a devassidão tá demais. Ninguém tem mais o poder de ver mais

nada porque ninguém cumpre mais nada. Essas coisas com certeza existe. Quando

não existe a gente vendo, tem no sonho. Já vi contar que quando uma pessoa mata o

outro, aí nas encruzilhadas vira as pantomimas da pessoa. Quando a gente vê, a

gente sente um arrepio. Muita gente contava de pessoas que morriam afogado ali no

poço da [fazenda] Pirataquissê. Lá apareciam muitas visagens.

Ainda em relação às visagens, Seu Pepeu esclarece, com muito humor, as situações em

que, tomado de medo durante as pescarias noturnas, era impossível não ficar imaginando

coisas assombrosas diante de qualquer ruído.

Uma noite, eu tava pescando ali por perto da Cordilheira, quando eu jogava a

tarrafa, fazia um barulho assim: toc-toc. E cada vez mais ia aumentando o toc-toc.

Eu já tava invocado. Fui ficando cabreiro, pois era bem enfrente ao cemitério.

Parei assustado! Quando tô assim parado, vi foi uma latinha que batia na pedra.

Sabe o que acontecia? Quanto mais eu chegava junto, mais a latinha batia na

pedra. O que é a imaginação, né? E eu pensando que era alma penada. Muita coisa

acontece na beira do rio...

Uma vez ali mesmo, perto da Cordilheira, tinha uns dez dias após a enchente eu

joguei a tarrafa em um canto e a dita enganchou e desci cabreiro. Tive a impressão

que tinha pisado na cabeça de uma pessoa, pois tinha uns cabelos se mexendo.

Fiquei sem ânimo durante uns cinco minutos. O coração disparou! Quando fui

olhar... era um coco verde cheio de cabelo de tanto que ele ficou na água. Foi tudo

19
O sentido aqui empregado é o de almas que aparecem fazendo gestos aterrorizantes.
um susto. Nada foi real. Naquela época o rio era limpo, não tinha limo, não tinha

essa goga que tem hoje (grifos nossos).

Segundo Bachelard (op.cit., p. 18) a “imaginação é a faculdade de formar imagens que

ultrapassam a realidade, que cantam a realidade. A imaginação inventa mais que coisas e

dramas, inventa vida nova.”

Uma análise que se propõe a demonstrar como o imaginário se processa, é

perceber que a imaginação criadora de Seu Pepeu corresponde a uma espécie de botão

acionador que ativa o imaginário. Nessa perspectiva, o imaginário pode ser apreendido

como uma “solução fantasiosa das contradições reais” (LAPLANTINE e TRINDADE,

1997, p. 24).

O próprio Seu Pepeu admite a força criadora da imaginação.

À noite eu sempre ouvia um barulho. Quando ia ver era uma capivara. Aqui tem

uma palha que tem um brilho à noite, chamada patioba. Quando o venço balança

ela de noite parece uma pessoa de branco vagando.(grifos nossos)

Trata-se, pois, de um contexto pelo qual o imaginário é ativado no sentido de

permitir uma construção que necessariamente não corresponde a todos os aspectos da

realidade, mas que possui alguma conexão com ela. Aqui, a estratégia do imaginário é

tão somente deslocar a apreensão da realidade de tal modo que possibilite criar "novas

relações inexistentes no real" (LAPLANTINE e TRINDADE, 1997, p. 25).

Por isso não exigem comprovação ou verificação com o real. É, portanto, outra

instância, coisa imaginária, capacidade que se restringe ao homo sapiens em atribuir

soluções, nem sempre práticas, para os acontecimentos que compõem o seu cotidiano.

Na construção imaginária da realidade, a memória ocupa um papel

fundamental. A recuperação da memória é imprescindível para a compreensão da

constituição de um lugar. No entanto, a memória não se restringe apenas a um


139

instrumento que possibilita a explorar o passado por si mesmo, mas é também um

meio que possibilita entender como se deram as vivências de um grupo social em um

determinado lugar.

Barreto (2000) enfatiza a importância que assume o trabalho de recuperação da

memória, visto que o mesmo pode levar tanto ao conhecimento como à valorização do

patrimônio, principalmente por parte dos próprios habitantes locais. Desse modo,

numa perspectiva turística, a preservação da memória, através da recuperação das

narrativas orais do Banco da Vitória, pode contribuir para a preservação de um bem

cultural, além de tornar possível a valorização cultural daquela localidade

É, pois, através da memória, que Seu Miraldo, um senhor de 55 anos, pescador

por hobby desde criança, conta a espantoso (e trágico) causo do Lobisomem

Cachorrão que apareceu no Banco da Vitória, tendo a Mata Atlântica como o

principal cenário.

Minha mãe contava caso de lobisomem. Diz que tinha uma mulher... (isso foi no
tempo da quaresma e foi verdade mesmo) que tinha um marido e um nenenzinho.
Eles vinham passando pelo mato de noite. Tavam indo para a casa, eu acho. De
repente, o marido se afastou prá dentro do mato e sumiu, deixando a pobre sozinha.
Mas isso era para ele se espojar no lugar dos outros animais e virar o lobisomem.
Aí apareceu o cachorrão querendo engolir o menino. E a mulher subiu numa
árvore, assombrada gritando pelo marido pra socorrer ela e o menino e nada do
marido chegar. O menino tava enrolado em um xale e o cachorrão tentava pegar o
menino mas só conseguia arrancar os fiapos do xale. E ela ficou em cima da árvore
esperando que ele desistisse. Quando o marido apareceu o lobisomem já tinha ido
embora. Aí ela disse: “Mas fulano, onde é que tu tava, que te gritei tanto e tu não
apareceu? Bom, sei que quando foram dormir ela olhou para os dentes dele e viu
que tava cheio de fiapos do xale do menino. Ela saiu e pegou o machado e matou o
marido.

Também o Seu Pedro, ex-areeiro, mas ainda pescador, de 58 anos, nascido e criado no

Banco da Vitória, nos contou a sua experiência pessoal com o lobisomem.

Quando eu tinha uns dez anos, eu vi o lobisomem. Eu tinha o costume de levantar


de madrugada e sair de casa, perambulando pela rua. Naquele tempo a luz do
bairro só ficava acesa até as 10:00 da noite. Quando vi, corri ligeiro e fiquei
assombrado. Era um bichão preto, de uns quatro metros, grande como um homem.
Vi somente uma vez. Nunca mais saí de casa tarde da noite. Pai e mãe falavam que
tinha lobisomem. Que na quaresma o bicho era um homem que só saía no escuro,
que ele corria 7 léguas, tirava a roupa, se espojava no lugar de outros animais e
virava bicho. Depois, saía correndo pelas sete encruzilhadas para no tempo certo
desvirar, serão ele ficava lobisomem para sempre.

De acordo com Cascudo (op. cit, p. 145), o lobisomem nos foi trazido pelos colonos

europeus. É, pois, um mito que aparece “em todos os países e épocas, com histórias

espelhadas, sob nomes vários, registrados nos livros eruditos”. O autor cita a tradição clássica

de Licaon, rei da Arcádia, que tentou matar Zeus e o deus o castigou, dando-lhe a forma

vulpina. Segundo a lenda, Licaon, tornado lobo, teria que se abster de comer carne humana

durante dez anos para voltar à forma humana. Nesse sentido, não há dúvida de que o mito,

está associado à prática antropofágica de eras precedentes.

Cascudo associa o mito também à história dos fundadores de Roma, Rômulo e Remo,

que teriam sido criados por Acca Laurentia, uma prostituta, loba, termo que designava as

mulheres que rondavam as vielas e lugares escuros em busca do amor furtivo. A loba de

Roma tornou-se sagrada e foi deificada através de festejos denominados como Lupercais, uma

manifestação de estilo orgiástico que incluía ritos de flagelação e que previam, inclusive, a

matança de lobos e cães, cujos sangues e peles adornavam os moços que saiam correndo e

uivando pelas ruas de Roma, açoitando os transeuntes a fim de promover a purificação.

Dessa forma, os romanos espalharam o mito em todos os recantos das terras

conquistadas. Onde “o animal fantástico foi assimilando peculiaridades locais, deformando-

se, nacionalizando-se, mas com os traços característicos que o fazem uno, inconfundível e

completo no quadro geral do fabulário popular” (CASCUDO, op. cit. 150). Alterações que

pudemos observar na narrativa de Seu Miraldo.

A metamorfose vulpina é tema de muitas outras culturas, que visam a justificar as

razões morais para o castigo divino. Todavia, no Brasil, a explicação portuguesa para o

fenômeno perdura, como por exemplo, o fato de uma mulher que possuir sete filhos, um deles

está condenado a virar lobisomem; justifica-se o castigo por relações incestuosas entre irmãos,
141

primos e, incluídos também nessa classe, os compadres. Nota-se, portanto, que o mito assume

importante papel social, enquanto provedor da ordem ética e moral entre as sociedades

humanas.

Já o causo da Mulher de Sete Metros, é uma lenda que se faz muito presente no

imaginário popular, particularmente da região Sul-baiana. Embora já exista a sua forma

impressa em folhetos de cordel, isso não a exclui do corpus daquilo que denominamos como

Literatura oral (em princípio, restrita à oralidade), pois apresenta características próprias que

segundo Jolles (1976, p. 146), “se realizam na vida e na linguagem sob o domínio de uma

disposição mental” para a imitação de que resultam, de modo semelhante, os outros gêneros,

denominados como formas simples (idem).

A versão do poeta e xilógrafo Minelvino Francisco Silva, intitulada “A mulher de sete

metros que apareceu em Itabuna”, publicada na Antologia Baiana de Literatura de Cordel,

pela Secretaria da Cultura e Turismo em 1997, é, na verdade, a escritura da voz (SANTOS,

1995), é re-criação escrita de uma expressão literária que se manifestou, primeiramente, na

forma oral.

Como se sabe, o intercâmbio entre a oralidade e a escrita é um processo antigo, a

exemplo dos contos recolhidos e registrados por Charles Perrault, na França do século XVII,

bem como, os irmãos Grimm que, no século XIX, pesquisaram a Literatura Oral com o

objetivo de reafirmar a nacionalidade alemã. Este foi um período fortemente marcado pela

busca e valorização das tradições e costumes populares, enquanto elementos representativos

de identidade das nações européias. Algo muito parecido que está acontecendo na

contemporaneidade com o movimento de recomposição das tradições ameaçadas por uma

suposta mundialização cultural.


Nessa perspectiva, convém mencionar que a passagem do oral para o escrito está

sujeita às várias modificações, onde as mudanças de ambientes e de suporte (principalmente

da palavra oral ao texto escrito) ocasionam alterações tanto de forma como de conteúdo.

Um exemplo a ser citado a esse respeito é o mito da Mãe-d’água, que ao passar da

oralidade para a versão escrita sofreu diversas modificações e, por conseguinte, geraram

outras lendas: o Ipupiara – um monstro meio homem, meio peixe, afogador de índios; a Uiara

– versão portuguesa da sereia; e também uma variação da Iara, inclusive narrada por José de

Alencar em O Tronco do Ipê, em que figura uma moça de longos cabelos verdes e anelados,

que vive no fundo do lago; Até mesmo o poeta baiano Sosígenes Costa apropriou-se desse

tema ao escrever Iararana, um longo poema narrativo que cria um mito de fundação da

Região Cacaueira do Sul da Bahia. De acordo com Paes (1959, p.7) “Iararana é a falsa iara, a

iara branca, mestiça, nascida da violação da mãe d’água do Jequitinhonha por Tupã-Cavalo, o

centauro invasor”.

Nesse jogo de revezamento entre as produções orais e escritas, cabe-nos observar a

narrativa do Seu Nado, morador na referida comunidade que, apesar de não querer se

identificar, nos contou sobre a sua experiência imaginária na infância com a Mulher de Sete

Metros

Quando eu era menino, na base de uns 13 anos, eu tava na rua com outros meninos
conversando. E uma pessoa do grupo contou o caso da Mulher de Sete Metros que
aparecia na estrada pra pegar a gente. Quando deu o primeiro sinal que a luz ia
apagar, todo o mundo saiu na carreira pra casa. Quando eu tava voltando, que eu
fui atravessar a rodagem, vi uma figura enorme também atravessando. Saí correndo
disparado pensando que era a Mulher de Sete Metros. Cheguei em casa gritando:
“Me acode que a Mulher de Sete Metros quer me pegar!!” No outro dia, fui ver
que era o primo de um morador daqui que tinha chegado. Ele era muito alto e
cabeludo.

Não há dúvida de que a performance do contador, ao narrar este caso, fez toda a

diferença e garantiu muitas risadas aos presentes.


143

A fim de estabelecermos um pequeno quadro comparativo do imaginário local,

observaremos agora o cordel intitulado “A mulher de sete metros que apareceu em

Itabuna” do poeta Minelvino Francisco Silva (1997), que optamos por transcreve-lo na

íntegra a título da riqueza de significados que apresenta, bem como visando à divulgação de

uma material tão precioso para a Região Sul-baiana.

Vou contar uma história E naquele mesmo instante


Da região grapiuna Com o motor já ligado
Pra moça velha e rapaz Saiu em cento e quarenta
Que mora nesta comuna, Correndo desesperado.
Da mulher de sete metros
Que apareceu em Itabuna Um chofer de caminhão
Que já se acostumou
Diz o povo por aí Conquistar toda mulher
Que a meia noite não saía Conforme alguém me contou
Que está aparecendo Com a mulher de sete metros
De Itabuna até à praia De madrugada encontrou.
Uma mulher com sete metros
Vestida de mini-saia De Ferradas pra Itabuna
Vinha ele madrugada
Dizem que uma mulher No clarão dos dois faróis
De cor assim: amarela... Viu uma mulher na estrada
Só com dois dentes na boca, Disse consigo: É aquela
Pois ela é quase banguela, Que vai ser minha amada!
Não tem quem não se assombre
Ouvindo a risada dela. Quando foi chegando perto
Ele o seu carro parou
O chofer Manoel de Souza Pra onde ela ia
De Ilhéus vinha correndo O chofer lhe perguntou,
Em sua bela rural, Se ela estava calada
Lá bem distante foi vendo Calada mesmo ficou.
Uma mulher no asfalto
Com um sinal lhe fazendo. Prá onde vai minha querida?
Se pôs ele perguntar –
Dando um sinal de parada Entre logo no meu carro
O motorista parou, Que nada vai lhe custar –
Que a mulher ia crescendo A mulher ficou calada
Ligeiramente notou Fingindo não escutar.
E a mulher foi crescendo
Com sete metros ficou. O chofer continuava
A mesma cousa a dizer,
O motorista assombrado A mulher sem dizer nada
Fez logo o Pelo-Sinal Se pôs somente a crescer,
A mulher deu uma risada O motorista assombrado
Que foi tão descomunal Saiu doidinho a correr.
Que só o bafo da boca
Quase que vira a rural Pedro e Chico pescadores
No Salobrinho pescando
O pobre motorista Quando foi a meia noite
Ficou todo arrepiado Começaram palestrando
Em relativo a coragem E o que veio aqui fazer
Cada qual mais se gabando. Que vive assombrando ao povo
Chico disse: Eu sou um homem Fazendo a gente correr,
Que nada me mete medo! Vestindo de mini-saia
Eu pego alma de anzol Qual o seu proceder?...
Mato na unha do dedo,
Já peguei um lobisomem Não se assombre
E amarrei num rochedo! Que agora vou me envergar,
Pois vou contar o meu caso
O Pedro disse: Eu também Para você escutar
Não tenho medo de nada... E dizer à mocidade
Eu pego onça de mão Para não se enganar.
Por mais que esteja assanhada,
Eu já surrei uma caipora E ali se envergou
Que deixei morta, estirada.... No joelho pôs a mão,
O velho Zé Pé de Suia
Sentiu-se alto do chão,
Então cada um ali A mulher de sete metros
Contava o talento seu – Deu começo a explicação:
Por não Ter medo de nada
De medo nunca correu Eu morri de mini-saia
A mulher de sete metros E no céu não pude entrar,
Nessa hora apareceu. esta roupa escandalosa...
Não deixou me aproximar
Assim que viram a mulher Voltei ao mundo outra vez
No momento conheceram E aqui vivo a penar.
Que era a de sete metros
Pela estrada correram
A carreira foi tão grande Com ninguém posso falar
Que até as calças perderam. Todos têm medo de mim...
quando eu apareço a um
Na cidade de Uruçuca Já correm dizendo assim:
Fez um assombro fatal É a mulher de sete metros!!!
A mulher de sete metros Me consideram um Caim
Apareceu afinal
Deixando uns assombrados Mas agora resolvi
E outros no hospital Vou fazer uma campanha
Às moças de mini-saia
O velho Zé Pé de Suia Do Brasil até Espanha
Que é muito resolvido Que eu quero levar pra casa
Certa noite foi à rua Da velha mãe de Pantanha...
Vinha lá do “Pau-Caído”
Já perto do cemitério Também estou resolvida
Ele escutou um gemido E agora vou fazer
Ajuntar todas as mocinhas
Quando ele ouviu o gemido Que brincam com bambolê
Seu corpo todo tremeu E levar todas comigo
Quem será que geme aqui?... Pra ensinar a remexer
Pensou assim no seu eu,
A mulher de sete metros Também estou resolvida
Adiante apareceu A não dar passo perdido
Vou fazer uma coleção
Ficou ela da altura Da mulher falsa ao marido
De um dos postes da luz, Que a velha mãe de Pantanha
O velho Zé Pé de Suia Não atende o seu gemido.
Fazendo o sinal da Cruz
Disse a ela: - eu te requero Eu estou bem preparada
Em nome do Bom Jesus! Para o que der e vier,
Quero outra coleção
Me diga como é o seu nome Do homem falso à mulher
145

Que eu vou levar de presente


Para a mãe de Lucifer
Quero outra coleção
Desde o pequeno ao graúdo
Dos beberrões de cachaça,
E de rapaz cabeludo
Que a velha mãe de Pantanha
Ela precisa de tudo...

Outra bela coleção


Eu quero fazer com zelo:
Da mulher que faz fuxico
E da que corta o cabelo
E das que pintam as pestanas
Parecendo um desmantelo!...

Quero preparar com calma


Outra bela coleção
Do homem que não trabalha
Para ganhar o seu pão
E rouba as coisas dos outros
Sem ter outra profissão

Também outra coleção


Agora quero fazer
De todos os maus vizinhos
Que fazem mau proceder
A velha mãe de Pantanha
Ensina tudo a viver!
Conforme mencionamos anteriormente, em se tratando de Literatura oral não há como

se delimitar uma fonte inicial. No entanto, é possível se buscar o caminho percorrido e a

convergência de temas que persistem em lugares distintos, as influências entre os mesmos, a

força e a representatividade identitária dessas narrativas.

Há, pois, nos textos apresentados sobre a Mulher de Sete Metros, a presença

incontestável do imaginário popular regional. Nesse sentido, a Literatura oral contribui

efetivamente para o estudo e entendimento da mentalidade popular local, pois sua força viva e

sonora se faz presente na voz anônima do povo. Ao mesmo tempo, denuncia comportamentos,

costumes, crenças, superstições, decisões e julgamentos que são instituídos culturalmente.

Mais que isso, as narrativas aqui analisadas apresentaram soluções práticas do dia-a-dia dos

ribeirinhos que, muitas vezes, utilizavam-se de causos assombrosos para conter a criançada

longe de situações perigosas. Mantida pelas fontes perpétuas de seu imaginário, a prática de

contação de histórias ainda se faz presente no Banco da Vitória.

No entanto, a riqueza desse imaginário não se esgotou. Pelo contrário, há ainda muitos

mistérios por se desvendar, muitas histórias a serem recuperadas e preservadas para que

possam despertar, nas gerações vindouras, a essência de uma cultura tão singular como a da

Região Sul-baiana, uma região que se destaca e se diferencia até mesmo das outras regiões do

Estado.

Com efeito, reavivar, estimular, rememorar tais manifestações é também possibilitar a

revitalização de uma tradição que deve ser valorizada, difundida e, especialmente,

compartilhada com seus visitantes. Além disso, a Literatura oral do Banco da Vitória pode

vir a ser a oportunidade plausível de salvar do silêncio a história e a cultura dos grupos

subordinados daquela localidade.


II

Essas observações são pertinentes, pois justificam a valorização e a inserção dos

contadores de causos do Banco da Vitória no discurso disciplinar. Quem já teve o privilégio

de ouvir histórias da boca de um contador expressivo tem noção do prazer que é compartilhar

de uma reunião onde a inventividade e a imaginação se manifestam através de uma linguagem

livre, especial, porque envolvente. Uma prática que possibilita o intercâmbio contínuo de

experiências entre o contador e o (s) ouvinte (s), todos envolvidos em um mundo fictício onde

prevalecem o riso, o encantado, a fantasia, o mistério.

4.4. Rio Cachoeira: um possível roteiro turístico-cultural

Muito discorremos sobre o valor socioambiental e histórico do rio Cachoeira para a

região, das atuais condições de degradação em que o rio se encontra e, em decorrência disso,

das dificuldades socioeconômicas de suas populações ribeirinhas, especialmente dos grupos

sociais que dependem diretamente do rio para sobreviver, como os pescadores e as lavadeiras

(De rio-provedor a rio-grande-lixeira). De uma forma geral, demonstramos como esses

fatores estão inter-relacionados e como interferem diretamente (e indiretamente) na

sustentabilidade turística do município de Ilhéus. Evidenciamos, ao longo desse estudo, a

importância do rio, tanto do ponto de vista ecológico como do ponto de vista afetivo, através

dos relatos dos ribeirinhos do Banco da Vitória. Ao recolhermos tais impressões, através das

visitas locais e das entrevistas, pudemos constatar a relação de dependência socioeconômica e

também o elo afetivo estabelecido entre aqueles moradores e o rio. Todos esses fatores

pesquisados, de uma forma conjunta, evidenciam a urgência de revitalização do rio Cachoeira.


III

Se, por um lado, o meio ambiente (natural e cultural) se constitui na principal matéria-

prima do turismo, então, podemos deduzir que, no sentido inverso, e com muito otimismo, o

turismo pode contribuir como um processo desencadeador de estratégias de revitalização do

rio Cachoeira. De que modo isso seria possível, se o rio já se encontra visivelmente

degradado? Possivelmente, através da formatação de um roteiro turístico cultural no percurso

em que o rio corre paralelo a BA 415, da rodovia Ilhéus/Itabuna em seu trecho mais

navegável, isto é, entre o Banco da Vitória (Km 8), passando pelo estuário de Coroa Grande,

chegando até a Baía de Pontal (vide figuras: 01, 05, 06, 31 e 32, correspondentes ao roteiro).

Na verdade, esse roteiro já existe e é realizado sob a forma de um evento anual através

da Maramata (Universidade do Mar e da Mata). No entanto, tal passeio se restringe a se fazer

o referido percurso sem qualquer evocação cultural que proporcione aos visitantes o

conhecimento sobre a parte histórica do rio, que é extremamente rica, pois envolve épocas

que remontam à colonização portuguesa, ao desbravamento da matas para a implantação da

lavoura cacaueira, a dizimação e o processo de aculturamento dos índios através do

aldeamento feito pelos jesuítas, do transporte do cacau efetuado pelo rio, quando sequer havia

a uma estrada, etc. (vide Capítulo Rio-caminho: mais um foco da história). Nem, tão pouco,

se tem conhecimento do potencial artístico, condizentes à contação de causos, narrados pelas

comunidades ribeirinhas que habitam aquelas áreas. Talvez pelo fato de se tratar de pessoas

de condições sociais muito humildes, e também pela falta de conhecimento formal, são

incluídos na programação desse evento de uma forma muito superficial, que se resume numa

pequena competição de remos, em canoas bastante rudimentares.

Com base nessas constatações, idealizamos um roteiro turístico-cultural no rio

Cachoeira que contemple o valor cultural do rio, incluindo-se aí, as populações ribeirinhas,

uma vez que o potencial paisagístico por si só torna-se insuficiente para se manter uma
IV

programação turística. É preciso colaborar para a construção de um turismo cultural

sustentado em bases políticas de preservação tanto do patrimônio natural como do patrimônio

cultural, comprometido não apenas com os interesses econômicos vigentes mas,

principalmente, com o desenvolvimento e o bem estar dessas comunidades, visando garantir a

memória social e, ao mesmo tempo a valorização por parte dos habitantes locais. Nesse caso,

a riqueza cultural presentes naquele local, seja através dos fatos históricos ali ocorridos, seja

através de manifestações da Literatura oral, onde o imaginário das águas é aflorado e

ficcionalizado nos causos narrados pelos pescadores locais, justificam a sua formatação.

Para a realização desse roteiro, passeios de barcos e chalanas, com estrutura adequada,

seriam programados, inclusive com guias turísticos treinados que pudessem contar os

episódios importantes sobre a história local. A bordo, contadores de causos seriam uma

atração à parte com suas histórias assombrosas e cheias de imaginação; professores e

estudantes poderiam utilizar tal roteiro para aulas-vivas de ecologia, biologia, geografia,

dentre outras; tudo isso seria formatado em virtude do potencial ecológico que o trecho

apresenta, pois o rio, apesar da poluição de suas águas, tendo a Mata Atlântica em seu

entorno, torna o percurso bastante atrativo, além da riqueza da biodiversidade ali presentes (as

quais ainda resistem).

Perpassando o roteiro, noções de educação ambiental seriam apresentadas aos

participantes, alertando crianças e adultos para a real necessidade de preservação da natureza,

através de uma experiência cultural rica e diferenciada. Nesse contexto, a sustentabilidade

turística se faria presente através de estratégias de revitalização e de preservação do rio e das

matas ciliares em virtude de sua formatação turística, além de contribuir para a inclusão de

uma prática social como a contação de histórias realizadas pelos moradores locais. Nesse

sentido, a ação da UESC poderia ampliar-se, inclusive através do seu Programa de


V

Intercâmbio Universitário, treinando professores das redes pública e privada, tendo em vista a

execução de um programa de educação ambiental.

Certamente que há uma distância muito grande em se planejar e se executar tal

projeto, uma vez que seriam necessários investimentos tanto por parte do poder público como

por parte da iniciativa privada. Além disso, seria imprescindível traçar estratégias de

revitalização do rio em toda a sua extensão, tendo em vista todos os fatores que levantamos,

com maior ênfase na questão do equilíbrio ecológico, pois sem ele não há sustentabilidade

ambiental e, nem tampouco, sustentabilidade turística. Sob esse aspecto, sem tratar a questão

ecosoficamente, isto é, sem colocar o homem no centro dessas questões, a execução de

quaisquer planos de revitalização do rio Cachoeira ficam realmente inviáveis.

Desse modo, se a pesquisa em turismo contempla investigações de problemas

relacionados ao setor, por isso mesmo deve alertar ou sugerir possíveis soluções na tomada de

decisões daquilo que precisa ser potencializado ou reconfigurado em uma destinação turística.

Os estudos turísticos podem auxiliar também na formatação de um planejamento que se ajuste

ao produto que se deseja oferecer aos visitantes, fazendo com que os mesmos levem a melhor

impressão do lugar. Assim sendo, identificar e avaliar os problemas relacionados ao meio

natural pode contribuir e muito para impedir que, no futuro, toda essa riqueza ambiental do

rio Cachoeira se perca no tempo e no espaço. No tempo, pela ausência de memória e, no

espaço, pela própria degradação do meio ambiente.

Nessa perspectiva, o turismo pode contribuir como um elemento motivador de

estratégias de revitalização e de preservação, pois a inter-relação entre o turismo e meio

ambiente é um fato incontestável. O turismo pode impulsionar, sim, o desenvolvimento

socioespacial das comunidades receptoras, mas somente quando esse é gestado com base nos
VI

princípios de sustentabilidade, isto é, quando visa a manter a qualidade do meio ambiente de

que tanto dependem os residentes locais e, também, os visitantes.


VII

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES

Cabe à educação patrimonial proceder à escuta e à mediação dos sujeitos sociais


portadores de tradições, de saberes e fazeres que, em sua diversidade, constroem
atrativos geradores de significação e integradores da identidade e identificação
cultural. É a sua responsabilidade sensibilizar e conscientizar as comunidades em
torno de seus valores e tradições, inserindo tais práticas na vida sustentável,
resgatando e preservando o imaginário coletivo e o patrimônio representativo da
cultura, no eixo temporal e espacial.
Eny Kleyde Vasconcelos Farias

Pensar um futuro turístico implica antes de mais nada a realização da cidadania.


Yázigi
VIII

Conforme ficou evidenciado, Ilhéus é uma cidade predominantemente aquática. Com

quase cem quilômetros de praias exuberantes, o município conta com inúmeros atrativos

naturais, cuja paisagem, de grande beleza cênica, é constituída de restingas, recifes, ilhas,

baías e manguezais, além dos remanescentes da Mata atlântica como suas fazendas

centenárias de cacau, tendo ainda como vantagem as facilidades de acesso a esses recursos, o

que demonstra que, no âmbito paisagístico, existe um grande potencial turístico a ser

explorado. Entretanto, o mesmo não pode ser dito em relação ao equilíbrio ecológico desses

recursos naturais, considerando-se que a qualidade das águas, das quais dependem esses

atrativos, se encontra em um crescente processo de poluição. Desse modo, a poluição aquática

interfere sobremaneira, na sustentabilidade ambiental de Ilhéus, uma vez que põe em risco as

possibilidades de uso desses atrativos em favor de um turismo local.

As informações recolhidas pela pesquisa, através de estudos bibliográficos sobre o rio

Cachoeira e também nas entrevistas realizadas com os moradores do Banco da Vitória,

demonstraram que em Ilhéus, o descuido e o descompromisso com os princípios de

sustentabilidade ambiental são flagrantes, não obstante o conhecimento comum de que a falta

de cuidados com o meio ambiente (natural e cultural) ocasiona desequilíbrios ecológicos que,

convém ressaltar, não comprometem apenas a atividade turística e setores associados a

segmento, mas, interferem, principalmente, nas condições gerais de vida de seus habitantes.

Por outro lado, assim como o rio Cachoeira, há indícios de que os outros rios (Almada,

Fundão, do Engenho) que compõem o estuário de Coroa Grande, também se transformaram

em grandes-lixeiras, pelas mesmas razões mencionadas. A obviedade desses fatos, por si só,

já isenta qualquer dúvida a respeito da poluição de pelo menos uma grande parte das praias

ilheenses. Isto, sem contar com os esgotos que escoam livre e diretamente nas praias, como é

o caso da Praia dos Marcianos, do Pontal, da Avenida, das Praias do Sul, principalmente.
IX

No caso específico do rio Cachoeira, foi verificado que as suas condições atuais de

degradação são decorrentes de um comportamento generalizado do desrespeito e,

principalmente, da ineficiência e do descaso de políticas públicas em favor do meio ambiente

e, por conseguinte, do cidadão. A derrubada de matas ciliares, a deficiência de saneamento

básico e falta de remoção de lixo ao longo de toda a bacia do rio Cachoeira foi constatada

como problemas graves e sem perspectivas imediatas de solução. Além desses fatores, o

desmatamento crescente tem diminuído a capacidade de retenção de águas em seu leito.

Conforme foi constatado, o fato de o rio Cachoeira receber, ao longo de toda a bacia,

esgotos e toda a forma de detritos orgânicos e inorgânicos, alterou a sua função principal

enquanto um recurso natural provedor de alimento, sustentação e lazer, sobretudo, para

grande parcela da população que vive em seu entorno. Como mais um agravante, a indigência

social, decorrente da crise da lavoura cacaueira compromete a sustentabilidade turística de

Ilhéus. E aqui cabe uma observação que apesar de óbvia, se faz necessária: turismo não

combina com miséria.

Tal situação, que contribui para a escassez e a contaminação de peixes, impede o

exercício de profissões, de extrema importância socioeconômica, como a dos pescadores e

lavadeiras. Assim, além de favorecer para um desequilíbrio social muito grande, o estado de

degradação do rio provoca inúmeras doenças contagiosas que, principalmente, atingem as

populações ribeirinhas, devido ao seu maior contato com o rio e consumo de peixes

contaminados. Também o desmatamento excessivo e a retirada de grande parte das matas

ciliares, aliados à grande quantidade de lixo depositado em suas margens, são constatações

que, conforme verificamos, evidenciam a gravidade e complexidade de um problema, cujas

soluções, ou pelo menos a tentativa delas, não podem mais ser adiadas.

Se o rio Cachoeira se transformou em uma grande-lixeira - de uma forma muito mais

intensificada nos últimos dez, quinze anos -, e este processo é decorrente das ações antrópicas
X

descontroladas, isto significa que, em se retirando as tais ações desordenadas, haveria

possibilidade de recuperação do nosso precioso curso d’água. Embora saibamos que a

resolução desses problemas não seja tão simples, a conscientização dessa grave situação e a

possibilidade de reverter esse quadro, nos torna mais ecosoficamente responsáveis.

A pesquisa permitiu verificar que muitos fatores contribuíram (e continuam a

contribuir) para com a crescente poluição e contaminação do litoral ilheense. O nível de

poluição do rio Cachoeira vem aumentando consideravelmente ao longo dos anos, conforme o

crescimento populacional das cidades que compõem a bacia, uma vez que implica numa

maior produção de dejetos e de águas residuais. Como o saneamento básico não tem

acompanhado o ritmo de crescimento da população, há, obviamente um desequilíbrio muito

grande cuja tendência é aumentar sempre, tornando a situação cada vez mais insustentável.

A partir dessas análises, observamos que os problemas que envolvem a degradação

contínua do rio Cachoeira estão diretamente relacionados ao do crescimento da indigência

social no município, que inclusive tem alcançado patamares bastante significativos.

Desse modo, a falta e/ou ou a insuficiência de saneamento básico em Ilhéus, bem

como em Itabuna e em outras cidades circunvizinhas (aliás, esta é uma realidade geral na

região, conforme pudemos constatar), compromete de forma extremamente negativa o

segmento turístico litorâneo de Ilhéus, em virtude de que praias poluídas se constituem em

focos de numerosas enfermidades, que estão relacionadas diretamente às águas marinhas, à

areia, bem como aos alimentos servidos, em geral mariscos (com grandes chances de estarem

contaminados). Aliado a esses fatores que estão diretamente relacionados à sustentabilidade

ambiental, a falta de planejamento turístico contribui também, para a redução do fluxo de

turistas.

Tendo em vista que a sustentabilidade socioambiental deve anteceder as preocupações

que envolvem o turismo, constatamos o quanto a resolução do problema ambiental está


XI

relacionado às mudanças de comportamento do homem. O homem é, de fato, o determinante

ecológico e, sendo assim, constitui-se no epicentro do problema. Nesse sentido, ao se pensar

em educação ambiental é preciso levar em consideração a diversidade e a subjetividade de

cada grupo humano, de cada grupo social, pára que seja possível re-orientar o indivíduo

ecologicamente.

Já em relação ao turismo litorâneo de Ilhéus, os resultados dos dados analisados

impõem a questão: até quando um ambiente natural, de beleza tão exuberante como o litoral

ilheense, resistirá a toda essa carga de detritos despejados em suas águas? A análise das

imagens paradisíacas, divulgadas pela mídia, ratificaram tal questionamento que trazemos

para essas reflexões conclusivas: quantos desses locais podem estar condenados a não mais

existirem daqui a dez, quinze anos, talvez? As imagens retratam espaços aparentemente

perfeitos para o chamado turismo de natureza, ou ecoturismo como preferem alguns. Locais

que só de olhar é um refrigério para alma, para revigorar as energias desfeitas, ou ainda para

praticar diversos tipos de esportes, principalmente, os náuticos. Mas aí um problema se

instala: como usufruir deste paraíso, sem, no entanto, correr o risco de contaminação? Afinal,

quais são os limites de segurança que a saúde pública de uma destinação que, a exemplo de

Ilhéus, pretende apostar no turismo como uma atividade de soerguimento econômico sem, no

entanto, ao que parece, associá-lo aos princípios de sustentabilidade do segmento turístico?

É certo que a situação ainda não é irreversível; mas o que os resultados da pesquisa

apontam é que se logo não forem tomadas medidas enérgicas, que atentem para a preservação

dos recursos naturais dos quais estamos tratando, essas previsões poderão vir a se confirmar.

Uma prova incontestável disso é que, pelo menos há uns vinte anos atrás, o rio Cachoeira não

tinha as feições de grande-lixeira que tem hoje.

Desse modo, é evidente que o problema de degradação e poluição das águas do rio

Cachoeira está intimamente relacionado à deficiência de um programa de educação ambiental


XII

que precisa ser efetivado em todos os níveis sociais com base em princípios ecosóficos. Nesse

sentido, entendemos que o turismo pode contribuir para motivar a preservação tanto da

natureza como da cultura local, já que se trata de instâncias que são indissociáveis.
XIII

6. REFERÊNCIAS

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VISTA PANORÂMICA DE ILHÉUS . Disponível em:


<< www.tcviagens.com.br/ ios.htm > Acesso em 15 de jul de 2005
XXII

APÊNDICE
XXIII

ROTEIRO ENTREVISTA

1. Sexo ( )M ( )F

2. Nome completo ___________________________________________-

3. End. _______________________________________________

4. Data de Nascimento __________________ Idade ______________

5. Escolaridade. Qual a última série que o (a) senhor (a) concluiu? ______________

6. Qual a sua profissão?_________________

6.1 O que faz atualmente? _________________

6.2 Renda ____________________

7. Há quanto tempo o (a) senhor (a) mora nesse lugar? _____________________

8. Quais as vantagens de viver próximo a rodovia? E as desvantagens?

9. Como o (a) senhor (a) se sente morando nesse lugar?

9.1. como é o seu cotidiano?

10. Que significado o Rio Cachoeira representa para o sr?

11. O que o sr sente quando olha para o rio?

12. Como é a sua relação com o Rio? O sr já pescou nesse rio?

12.1. como está a qualidade da água? Como era antes?

12.2. Que tipos de peixes ainda se encontram no rio?

13. Como o sr. gostaria de ver o rio?

14. Que tipo de perigo o rio apresenta para a comunidade?

15. O sr conhece estórias sobre o rio? Conhece alguém que sabe?

16. Alguém da sua família possuía ou possui o hábito de contar causos acontecidos aqui
nesse local?

17. O sr tem uma estória para contar sobre o rio?


XXIV

PEDRO CONCEIÇÃO SILVA [negro]

1. R. Dois de Julho, 15, Banco da Vitória


2. 18.10.46 --- 58 anos
3. 1a série primária
4. Pesca como lazer; foi areeiro e hoje está aposentado como servidor público, 1 SM
5. Nasceu no Banco, gosta do lugar devido à tranqüilidade.
6. Não vê desvantagens em morar perto de uma BR tão movimentada. [vive em local um
pouco afastado da BR]
7. Sente-se bem, tem amigos e parentes, convivência boa com todos
8. Toma conta de um pequeno comércio (bomboniere); é cristão, procura viver em paz
9. Vê o rio como fonte de renda. Criou os irmãos (15) tirando areia do rio. O rio foi
ficando fundo demais, teve que trabalhar no matadouro. “Quando o rio tinha água era
melhor, hoje não existe mais areia”
10. Fica triste ao olhar para o rio, não pode sequer tomar banho, anteriormente se podia
até beber a água do rio de tão limpa que era. “dava para ver o fundo do rio”
11. Afastou-se do rio. Sente-se doente devido à poluição. Sente-se mal, pois não consegue
pescar. Já pescou muito de anzol. Anteriormente pegava até siri de anzol. O rio já teve
muitos peixes como pitu, siri, calambau, beré, tucunaré, robalo. Nos anos setenta se
pescava muito com bomba.
A água está poluída. Quando limpa servia até para beber
ainda tem pilape (tilápia), tainha...

13. Como antigamente: saudio, que a gente tomava banho, bebia a água. No rio dos anos 70
sentia prazer, tinha muitos ingazeiros em suas margens. - saudosismo

14.As pessoas correm muito perigo de doença: febre, gripe muita, muitas ostras que oferecem
perigo de se cortar com as ostras.

15. Nos anos 60 uma mulher foi tomar banho e o cabelo dela saiu com um nó que precisou
cortar o cabelo. Foi porque ela xingou muito a mãe... No rio tem uma Pedra de Guerra
[lajedão] que vai até o Iguape.

16.Seu Zé Vieira que mora na Duque de Caxias, tem 70 anos.

[Sobre o passeio da Maramata – muito movimento no Banco da Vitória. É muito bom!]


turismo

17. Aos 8 anos viu o diabo porque tinha xingado muito. Estava dormindo e acordou
assustado. De tanto medo, nunca mais xingou; aos 10 viu assombração: o lobisomem. Tinha o
costume de levantar de madrugada e sair de casa, perambulando pela rua. Naquele tempo a
luz do bairro só ficava acesa até as 10:00 da noite. Quando viu, correu ligeiro e ficou
assombrado. Era um bichão preto, de uns quatro metros, grande como um homem. ?Vi
somente uma vez. Nunca mais saí de casa tarde da noite. Pai e mãe falavam que tinha
lobisomem. Que na quaresma o bicho era um homem que só saía no escuro, que ele corria 7
léguas, tirava a roupa, se espojava no lugar de outros animais e virava bicho. Saía correndo
pelas sete encruzilhadas para no tempo certo desvirar, serão ele ficava lobisomem para
sempre.
XXV

MIRALDO CARDOSO NASCIMENTO [cor parda]

1. Praça Guilherme Xavier, 132, Banco da Vitória


2. 1/8/49 – 55 anos
3. 3a série primária
4. Aposentado. Foi feirante, firma de terraplenagem (tratorista), motorista de carro pipa;
costumava pescar quando jovem, dos 12 aos 20 anos. - 4,5 SM
5. 30 anos
6. Pista muito perigosa, muitos amigos foram atropelados. Viu muitas batidas.
7. Sente-se bem. Nasceu em S. José, chegou no Banco aos 2 anos de idade.
8. viúvo, é da Igreja católica, lugar tranqüilo
9. Responde em tom dramático: “O rio tá morto. Conseguiram matar o rio. Fico muito
triste de ver o rio assim do jeito que ta. Já tomei muito banho no rio .ta muito poluído. A água
tá muito contaminada. Tem muita é micose...”.
10. Muita tristeza
11. Só vai ao rio pescar para distrair. O peixe tá contaminado. O esgoto cai direto no rio,
não tem rede de tratamento e paga IPTU. “Um absurdo”
12. “Eu queria ver o rio como de Correntina (na Lapa) com a água cristalina. O peixe pode
até não tá contaminado, mas a água tá. O rio ainda dá para ficar bem, embora as pessoas
joguem lixo nas margens mesmo tendo coleta de lixo
13. . É ignorância. Pessoa que tem filho, tem neto... o lixo transmite doença. E o poder
público não entra com ação nenhuma. É só fazer propaganda para conscientizar.”
14. “O perigo maior é a água que é contaminada. Os esgotos de Itabuna que cai no rio.
Restos do matadouro é jogado no rio. Não tem fiscalização. A churrascaria de um amigo
nosso foi fechada por causa do esgoto aberto”.
15. “Já vi fala de pessoas que pescam à noite. Pessoas que jogam a tarrafa e vê outra
pessoa jogando adiante e quando tenta chegar perto nunca tem ninguém. São visagens que
aparece no rio”.
16. “Tem o caso da mulher que xingava muito a mãe. Um dia ela foi tomar banho no rio lá
pela 6 da noite. Eu vi. O cabelo da mulher virou um bombril que teve que cortar de tão grande
que tava o nó. Ela tinha um cabelão. Isso aconteceu mesmo porque eu vi. Foi de tanta que ela
xingou a mãe. Era um povo assim sem respeito. Mas logo eles foram embora. ”
17. “Minha mãe contava caso de lobisomem. Diz que tinha uma mulher... (isso foi no
tempo da quaresma e foi verdade mesmo) que tinha um marido e um nenenzinho. Eles
vinham passando pelo mato de noite. Tavam indo para a casa, eu acho. De repente, o marido
se afastou prá dentro do mato e sumiu, deixando a pobre sozinha. Mas isso era para ele se
espojar no lugar dos outros animais e virar o lobisomem. Aí apareceu o cachorrão querendo
engolir o menino. E a mulher subiu numa árvore, assombrada gritando pelo marido pra
socorrer ela e o menino e nada do marido chegar. O menino tava enrolado em um xale e o
cachorrão tentava pegar o menino mas só conseguia arrancar os fiapos do xale. E ela ficou em
cima da árvore esperando que ele desistisse. Quando o marido apareceu o lobisomem já tinha
ido embora. Aí ela disse: “Mas fulano, onde é que tu tava, que te gritei tanto e tu não
apareceu? Bom, sei que quando foram dormir ela olhou para os dentes dele e viu que tava
cheio de fiapos do xale do menino. Ela saiu e pegou o machado e matou o marido.

Informações adicionais: “Antigamente o rio era estreito e fundo. De 1967 para cá,
depois da enchente – era ingazeira de um lado e do outro. Aos poucos, as areias e as
ingazeiras foram acabando
XXVI

OSMÁRIO BONFIM DE OLIVEIRA (Seu Tum) [cor parda]

1. Rua Aldair, 52, Banco da Vitória


2. 1950 – 54 anos
3. Até 3o ano primário
4. Pescador e soldador (conserta fogões)
5. Pesca todos os dias. Duas vezes por dia e deixou de pescar à noite.
6. Na calcula. +_ 1 SM. No inverno é melhor porque o rio tem mais água.
7. Mora desde que nasceu no Banco da Vitória
8. Vê vantagens. Em 2003 a comunidade recusou a construção de uma FEBEM no local.
9. Sente-se feliz, não tem do que reclamar. Pescando ganho R$ 3,00 hoje, R$ 5, 00
amanhã. To esperando a aposentadoria. Pago a Capitania e o INPS.
10. O rio para mim é ... o que eu quero dizer...? [parou para pensar um pouco] É uma roça
frutífera porque toda vez que eu vou lá eu colho. Foi de lá que eu comecei, que eu criei
família. Tenho tudo de lá.
11. Sinto hoje que foi a falta de emprego... hoje o rio não dá mais para se lavar roupa. Cai
tudo dentro d’água. O sangue do matadouro cai todo no rio. Para mudar esse problema que
nós tamos acontecendo hoje era que tivesse uma fiscalização desde Itaju donde ele nasce. A
sujeira começa de Itabuna. Que podia tirar aquela rede de esgoto. A fiscalização do IBAMA.
A gente vê fiscalização pra venda, pra madeira, mas não tem pra água. [disse um tanto
aborrecido e com conhecimento de causa]. 12.1. A água tá preta.tácomo se fosse um sumo
escuro. Quando chega o verão vai piorando. O peixe não dá para encontrar o outro. Morre
muito peixe. Morre o pitu, morre o camarão, siri, pilápio. Morre quantidade de peixes. A água
era limpa. Nós tinha de fartura. Nunca faltou nada para o pescador. Hoje o pescador só pega
se for profissional.
12. Rubalo, tambaqui, crumatá, bagre africano, tucunaré verdadeiro e o comum. O pilápio
ta acabano porque o que a CEPLAC botou come os ovos das outras. Quando eu pego um eu
abro a boca deles e tiro as ovas e jogo no rio.
13. Eu gostaria de ver o rio limpo. O rio hoje não tem agasalho, não tem esconderijo para
os peixes. As pessoas cortam as árvores e os peixes vivem no aberto. Peixes não dorme no
aberto. Nosso rio está de uma maneira não do modo que eu alcancei. Reduziu muito a
quantidade de peixes.
14. É quando ta poluído. No verão você pega um pouco d’água e vai verificar que tá
amarga. Temos dois braços de água. O canal sul e o canal norte. Hoje não se navega mais. O
rio tá seco, não tem como passar mais. Nem peixe.
15. Na Pirataquissê tem um poço fundo. A água é fria. Tem várias qualidade de águas. É
onde está a criação [o berçário] – lugar mais fundo onde ficam os peixes.
16. Do meu crescimento do rio eu peguei experiência... eu avisava que não sujasse a água.
17. Já fiz muito livramento [salvou ]. Sou bom nadador e bom mergulhador. Fiz muitos
amigos no Rio.
18. Sou criado no Banco da Vitória. Fico mais bem no rio do que em casa. Eu queria que
esse rio tivesse mais uma oportunidade de ficar limpo...!’ Nosso rio é um rio que deve ser
fiscalizado vinte quatro horas por dia.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

A enchente de 67 inundou totalmente o Banco. Alagou totalmente a estrada. Foi quando o rio
enlargueceu, ficando mais raso.
Pedra de guerra – lajedo enorme- Marinha proibiu de detonar
XXVII

HISTÓRIA DE VIDA

Filho de pescadora (D. Enedina – 92 anos). Quando criança a mãe levava os oito filhos para
pescar. O pai era tropeiro, por isso a mãe pescava para sustentar a casa. Pescavam de jereré e
de tarrafa de tucum tingida com murta, depois vendiam camarão no bairro. Quando estavam
maiores vendiam na pista (Br 415). Continua pescando no Rio Cachoeira.

Foi para S. Paulo como “mecânico de fogão”. Vive até hoje assim. Tem seis filhos e pesca
para sobreviver desde os nove anos. No verão o rio vira lama e produz muitos micróbios, dá
urubu. Ficou enfermo de cólera e acha que foi da água suja do rio. Quando criança, o rio era o
banheiro.

FATOS CURIOSOS
Na década de 70 praticavam tourada na antiga praça da feira. [indícios de portugueses ou
espanhóis]
Antigamente o Banco tinha um gerador que funcionava até as dez da noite. Quando eram dados dois
sinais antes de desligar pra valer, todo o mundo corria para casa, pois na encruzilhada apareciam
muitas visagens. Depois que o Seu Lindote, fiscal do posto, morreu, aparecia alguém no rio e
desaparecia logo depois. Alfredo é testemunha disso.
Um certo dia saímos, eu e Alfredo, de uma maré vazante e a lua tava clara e nós vimos uma
canoa enorme no meio do rio. Era a canoa de Seu Alagoano que tirava areia do fundo do rio.
Vimos a canoa solta no rio. – Vamos pegar aquela pra nós ganhar um dinheiro? Disse pro
Alfredo. Nós pelejamos pra pegar a canoa, mas a agente nunca que conseguia pegar. Eu
remava naquela direção e quando a gente tava chegando pertinho a canoa sumia. A canoa
ficava invisível.
O finado Vavá, pai de Alfredo, xingava muito. Ele era ferreiro. Ele usava um fole pra fazer as
peças dele. Ele tinha o costume de toda às seis horas ir tomar banho no rio e ficar esquentando
na Pedra de Guerra (uma laje de mais de 30 metros). Às 6:40, mais ou menos, estava tudo
escuro e apareceu pra ele a imagem de um homem dentro d’água. Ele tinha mais de dois
metros. Tava nu. Mas a gente só via da cintura pra cima. O homem tava assim parado com os
braços encruzados. Pergunta a Zé Evanildo e Jatobá que também conhece esse caso. Todo
mundo viu. Lourinho [o valentão do lugar] pegou o facão e foi atrás do tal homem e não
encontrou nada. Quando chegou lá não tinha mais ninguém. Olha, eu sou evangélico e não
posso contar uma coisa negativa. Eu tenho que contar o testemunho que eu vi.
No rio também já apareceu o Nego d’água na Pedra de Guerra e na Laje das Freiras. Foi visto
duas vezes. Ele é um anão, escurinho e forte, careca e tem a cabeça redondinha. Tem mais de
vinte anos que eu vi. Quando você chega perto dele ele cai n’água espalhando muita água.
Quer dizer que ele tem volume, né? Essas coisas a gente via era com a lua clara.
Aparece também muito pau que range, parecendo a Caipora. Muitas vezes deixei de entregar
a comida de meu pai, que trabalhava na roça. E ele ficava lá com fome. Tudo isso por causa
do medo da Caipora.
Essa história de se perder na mata por causa da Caipora´-, eu porque é que acontece. Não sabe
menino, quando tá caçando passarinho? Pois ele se perde porque enche os bolsos de pedra e
sai com o badoque atrás dos passarinhos. Quando vai ver, já tá perdido no mato e depois fica
dizendo que foi a Caipora. Caipora, meu pai nunca contou pra nós. Mas meu pai já se perdeu
na mata.
XXVIII

Depois que Deus me deu o discernimento da escritura e uma pessoa de Ciência disse que a
gente era da geração do macacão, eu peguei a Bíblia para mostrar para ele que a gente não é
da geração de macaco.
Fomos criados no rio e vimos muita coisa por aqui... Tinha o areão. Areia que sumiu. Não
tivemos draga...
“Mas tivemos a draga humana. Eu mesmo já tirei muita areia” – Afirmou S. Pedro [impacto
das ações humanas]

NADO – Não quis se identificar. Um rapaz de aparentemente uns 33 anos de idade contou um
episódio sobre a Mulher de Sete Metros (mito criado pelo poeta Minelvino e que incutia medo
nas crianças...)

Quando eu era menino, na base de uns 13 anos, eu tava na rua com outros meninos
conversando. E uma pessoa contou o caso da Mulher de Sete Metros que aparecia na estrada
pra pegar a gente. Quando deu o primeiro sinal que a luz ia apagar, todo o mundo saiu na
carreira pra casa. Quando eu tava voltando, que eu fui atravessar a rodagem, vi uma figura
enorme também atravessando. Saí correndo disparado pensando que era a MSM. Cheguei em
casa gritando: “me acode que a MSM quer me pegar!!” No outro dia, fui ver que era o primo
de um morador daqui que tinha chegado. Ele era muito alto e cabeludo.

OZIAS ANTÉRIO DOS SANTOS

1. 10/06/1945 - 59 anos
2. R. da União, Sítio Beira Rio, Km 8, Banco da Vitória.
3. 2o ano primário.
4. Pescador por mais de 29 anos e continua pescando. A renda não é fixa, atualmente a
situação é bastante ruim, pois não há peixes.
5. Vive no Banco desde que nasceu. Veio para o sítio em 1969
6. Vantagens de morar no lugar - O melhor lugar que existe devido o contato com o rio;
conhece toda a região vendendo mariscos.
7. Cotidiano - É pescar. “Amanheceu o dia e eu não fui nas águas, fico desassossegado”.
8. Vive sossegado – vive só; sente que as pessoas não sã solidárias.
9. Não sai, bota o manzuá [armadilha] para pegar os peixes – coloca à tarde e tira pela
manhã;
XXIX

10. “O valor que o rio tem é igual a de uma roça que produz, valor maior que uma roça. É
natureza. Não botemos nada e lá a gente só faz colher. É uma obra de Deus que nos
serve para alimentar” – Criou toda a família, 8 filhos e dezesseis pessoas ao todo. “ O
rio é fonte de vida. E das melhores. Há muitos anos ele mais limpo, agora está
maltratado. Adoeci no rio por mode de resfriado.” - “Trabalhei em firma mas o salário
não dá. Hoje o rio ta fraco mas a gente arruma despesa”
11. Sente-se um pouco mal, mas não tem jeito a dar. “ Temos o IBAMA, mas não adianta
nada. O rio não tem trato nem pela prefeitura, nem pelo estado. [O que deve ser
evitado?] Os esgotos é o que há de mais grave. É preciso dar o tratamento básico no
rio. Quando as autoridades limparem a cabeça dório, ter mais higiene... a sujeira vem
toda para o Banco. [E apesar disso ainda pesca, com toda a sujeira que vem do lixo e
do matadouro; Fez denúncia no rádio de um curtume que jogava toda a sujeira no rio.
12. “Há 12,15 anos atrás eu pegava 15/20 kg de pitu por noite. Hoje não pego nem 300 g.
Nós não tem mais pitu aqui. Nem tem mais fartura de peixe.Já peguei 100 kg de peixe,
hoje não pego mais nada.táficando muito difícil. A multidão é muita de pescadores.
Muita gente com a situação ruim que corre para o rio”
13. Peixes ainda encontrados: tucumaré, pilape
14. A água desbota. Fica escura, verde, barrenta na cheia. Enverdece por causa do limo
nas pedras.
15. “Gostaria de ver ele com água. O rio seco é tristeza para nós. Com água o rio fica mais
limpo. O rio cheio não se pode facilitar. Quem não tem costume pega febre.”
16. “Os mais velhos sempre contavam que existia o biatatá quando eu tinha uns 14 anos.
O problema do biatatá era o compadre e a comadre pecarem. Quando eles morrem
viram o biatatá e ficam batendo facho. Numa moita de bambu eu vi, junto com a
minha tia, por volta das 7:30, 8:00 da noite uma coisa facheando. Quando subiu na
moita eram duas tochas de fogo. Minha tia dizia que via sempre.”
“Contam que pessoas (que já morreram) do Banco ficam em cima das pedras. Eu
mesmo já amanheci o dia, mas nunca vi nada... Umas 20 pessoas que morreu. Hoje
não aparece mais, porque antigamente era mais... as visagens apareciam. As pessoas
ficavam penando...Hoje, a devassidão tá demais. Ninguém tem mais o poder de ver
mais nada porque ninguém cumpre mais nada. Essas coisas com certeza existe.
Quando não existe a gente vendo, tem no sonho. Já vi contar que quando uma pessoa
mata o outro, aí nas encruzilhadas vira as pantomimas da pessoa. Quando a gente vê,
a gente sente um arrepio. Muita gente contava de pessoas que morria afogado ali no
poço da Pirataquissê,” aparecia muitas visagens.”
“Por causa do Nego d’água eu saí uma vez correndo assustado. Sempre ouvi falar do
Nego d’água. Aconteceu que um dia eu tava pescando e a rede enganchou na pedra.
Aí, eu mergulhei. Quando eu tava lá embaixo eu me lembrei do Nego e saí na carreira.
Minha mulher falou: Ôxe! Já voltou da pescaria?!! É... Não tinha peixe... Quando a
gente é jovem, até o barulho de pau rangendo assusta nós. De dia, tudo bem, todo
mundo tem coragem de olhar o que é, mas de noite...!!!”
“Quando o rio enche, dificilmente num morre uma pessoa. Aqui o povo acredita que
quando tem enchente, enquanto o rio não leva uma pessoa, ele não pára de encher. Isso
é uma realidade”
XXX

[E as enchentes?] “Na enchente de 67 eu tava com 21 anos, lembro como se fosse


agora. Eu me lembro desde quando chegou a 1a cabeçada d’água. A chuva começou no
dia 23 de dezembro. Passou a noite toda chovendo. No dia 25, no Natal, eu tava no
meio do rio e vi quando chegou a primeira pancada... vem assim como uma onda do
mar, pegando tudo, levando tudo que encontrar pela frente: árvore, bicho, gente,
tudo... se você tiver no rio ce tem que correr porque é muito rápido. Num instante
alaga tudo e a tendência é muito assustadora. Inda mais agora que vem com muito
bagaceira. A gente procura logo se sair senão ela leva tudo mesmo”
“Na de [enchente]14 eu nem sonhava ainda... meu pai contou que a de 14 foi ainda
maior que teve. Foi a que abriu esse ribeirão. A de 80 foi grande, mas nada se compara
a essas duas. Tá perto de vim outra... com certeza, nós já tamo até esperando. Olha,
minha comadre. Eu gosto mesmo é quando o rio tá cheio”. ESPERANÇA,
RENOVAÇÃO
“Quando eu coloco as artes [munzuá], eu só peço a Deus que tenha algo para mim”
“Eu acredito que existe a dona das águas. Por isso eu nunca xingo. Não sofro porque
sempre adquiro o necessário. Não sofro por pescaria porque tudo que Deus me dá eu
agradeço. Existe criatórios, mas aí acaba. Aí no rio nunca acaba. Fica mais fraco, mas
nunca acaba... Tudo o que eu tenho foi dado pelo rio...”

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Trabalhou desde os 6 anos no Pirataquissê com o pai na fazenda de cacau. Depois na


construção civil. Trabalhou na fundação da UESC por dois anos e quatro meses.
A fazenda mal-assombrada – o dono da fazenda dizia que dava a fazenda a qualquer um
que não saísse correndo de lá. As pantomimas era caça...

ENEDINA BONFIM DE OLIVEIRA (mãe de Seu Tum)

1. Praça Guilherme Xavier, 87


2. 10/01/1912 – 92 anos
3. ‘Não estudou.
4. Aposentada, trabalhou muito na roça, mas o dinheiro era muito pouco.Para ajudar
o marido a criar os oito filhos pescava no Rio Cachoeira e lavava de ganho.
Pegava pitu de mão. Nasceu na Fazenda Cachoeira.
5. Desde os 21 anos (71 anos)
6. O lugar era mais tranqüilo. Criou seus filhos livremente.
7. Atualmente plantas sua hortinha.
XXXI

8. “O Rio hoje tá muito mudado. Naquele tempo era um rio bom. Tinha muito peixe.
Hoje tá escasso pra pessoa ganhar o pão. Água fedendo, as pessoas adoece, muita
poluição, muito esgoto sendo despejado... isso entristece. Antigamente todo
mundo ia lavar roupa no rio. Ficou perigoso por causa da sujeira e dos malandro.”
9. A relação com o rio é de subsistência. Quando era mais moça costumava ir de
canoa para Ilhéus, costumava fachear também, mas nunca viu nada estranho no
rio.
10. Tainha, robalo, carapeba, camarão. Hoje não tem mais em quantidade. A CEPLAC
11. “Limpo como era, onde todo mundo, as famílias iam e ficavam na beira do rio” –
RIO-RECREAÇÃO
12. “Meu tio contava que via umas coisas quando ia pescar. Diz que quando jogava a
tarrafa, outra logo aparecia. Aparecia também vultos de canoa... era as visagens”.
13. “Eu nunca vi nada!
14. Não há mais como mudar o rio. O esgoto cai no rio. [visão pessimista/ ausência de
esperança]

FERNANDO BORGES DA SILVA - Seu Pepeu – FAZENDA ALIANÇA – km 9

1. 28/5/54 -50 anos


2. 5o ano primário, pescador, já foi motorista profissional da empresa Águia Branca,
viveu em Santos (SP) durante 8 anos.
3. pescador profissional – “colonizado” – Associação Zé Neguinho, era motorista
profissional da Águia Branca, viveu em Santos/SP por oito anos.
4. Tá difícil hoje porque acabou o cacau. Acabou a grandeza. As fazendas se
acabando, que não tem mais emprego, vai tudo pro rio

O rio é um meio de sobrevivência. É um presente da natureza. Um presente que Deus


nos deu. Uma maravilha. Dá uma tristeza quando agente corre o grampo e só desce
lixo.
Isso é bíblico, é falta de amor à natureza, falta de consciência. Fim de geração, não
tem mais jeito. Se Itabuna bota cinqüenta fiscais não tem como evitar lixo no rio. A
coleta é boa. Não é culpa da prefeitura,mas consciência das pessoas. É triste.
Tristeza de ver a poluição, desmatamento, tirada de areia contribui para destruição do
Cachoeira.
O IBAMA não liga. Se preocupa com a natureza, mas não é tanto. O IBAMA só dá
importância as coisas grandes. Para o pescador... não tem atenção pra gente.
A luta pela sobrevivência é grande com toda essa escassez
XXXII

Os peixes de Itabuna ficam agoniados... foi tanto projeto que já fizeram...!


O povo precisa ter mais respeito com o rio. Se as margens ficassem mais arborizada
isso ajudaria um pouco. Mas não tem mais jeito. A ambição não deixa! Tira o direito
da gente. A desigualdade social acaba com a natureza.
As doenças nossas são provocadas pela poluição. Todos os detritos dos hospitais cai
no rio.Verminose, ameba. A falta de conhecimento da palavra de Deus é a causa de
muito descuido com o rio. Quando passamos a observar a palavra de Deus entendemos
que a desobediência a Deus é que nos faz sofrer. A ignorância.
À noite eu ouvia um barulho. Quando ia ver era uma capivara. Aqui tem uma palha

que tem um brilho à noite, chama patioba. Quando o venço balança parece uma pessoa

de branco vagando.

Meu pai, o maior mentiroso do mundo. Quando eu tinha uns 17 anos ele dizia que lá
em frente à (fazenda) Cordilheira, bem na beira da estrada, aparecia uns vultos vagando por
ali. Dizia que tinha um padeiro que ia e vinha com um cesto cheio de pão. Quando ele dizia
que queria pão o padeiro nunca atendia e sumia tudo.

Uma noite, eu tava pescando ali por perto, quando eu jogava a tarrafa, fazia um
barulho assim: toc-toc. E cada vez mais ia aumentando o toc-toc. Eu já tava invocado,
pois era bem enfrente ao cemitério. Parei assustado! Quando tô assim parado, vi foi
uma latinha que batia na pedra. Sabe o que acontecia? Quanto mais eu chegava junto,
mais a latinha batia na pedra. O que é a imaginação, né? E eu pensando que era alma
penada. Muita coisa acontece na beira do rio...
Dez dias após a enchente eu joguei a tarrafa em um canto e a dita enganchou e desci
cabreiro. Tive a impressão que tinha pisado na cabeça de uma pessoa, pois tinha uns
cabelos se mexendo. Fiquei sem ânimo durante uns cinco minutos. O coração
disparou! Quando fui olhar... era um coco verde cheio de cabelo de tanto que ele ficou
na água. Foi tudo susto. Nada foi real. Naquela época o rio era limpo, não rinha limo,
não tinha essa goga que tem hoje.

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