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Crédito aos colaboradores
Conteudistas
Elaboração de Conteúdo
Prof. Dra. Virginia de Carvalho Leal - Graduada em Direito pela Universidade Federal
de Pernambuco (1999), com Mestrado em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco (2004) e Mestrado e Doutorado em Direito pela Universidad de León,
Espanha (2015).
Prof. Dra. Maria Lucia Barbosa - Graduada em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco (2000), com Mestrado e Doutorado em Direito pela Universidade Federal
de Pernambuco (2007/2014) e Doutoranda em Direito na Universitat de València,
Espanha.
Prof. Rosa Maria Marques - Mestre em Ciências Sociais
Edição de Texto
Ana Lúcia Gusmão Brindeiro
Consultora de Direitos Humanos
Alessandra de Lima e Silva
Coordenadora do Centro Estadual de Apoio às Vítimas da Violência
Maria das Neves Cavalcante Chaves
Coordenadora do Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos
de Pernambuco
Giovana Caldas Lustosa de Araújo
Supervisora dos Programas de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos
Apoio
UPE - Universidade de Pernambuco
Comitê para Educação em Direitos Humanos
Edição de Texto
Andréa Bandeira
Sônia Fortes
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SUMÁRIO
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1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
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que aceitar, por exemplo, que a origem da gramática de direitos humanos esteja fixada
em um marco temporal (século XVIII) e espacial (Europa) e seja de base iluminista. Na
realidade, a universalização dos direitos humanos é uma obra ainda inacabada, e talvez
jamais alcançada diante das particularidades regionais.
O resgate histórico ajuda-nos a entender os limites e as possibilidades de defesa
de direitos em cada momento e é indispensável para detectar as regras que já existiram
em diversos sistemas jurídicos e que expressaram o respeito a valores relacionados à
concepção atual de direitos humanos.
No âmbito internacional, e a partir das teorias abstratas e universalistas
eurocêntricas, comumente são apontadas as revoluções liberais inglesa, americana e
francesa, e suas respectivas declarações, como marcos de afirmação histórica das
primeiras declarações de direitos humanos.
A chamada Revolução Inglesa reconheceu a supremacia do parlamento e da lei
em oposição à vontade ilimitada do rei, enquanto a Revolução Americana correspondeu
ao processo de independência das colônias britânicas na América do Norte, em 1776, e
à criação da primeira Constituição moderna, a Constituição norte-americana de 1787.
Ambos os movimentos buscavam a defesa das liberdades públicas contra o
absolutismo do rei.
A Revolução Francesa é igualmente reconhecida como marco para a proteção
de direitos humanos no plano internacional. A declaração francesa ―dos Direitos do
Homem e do Cidadão‖ foi adotada pela Assembleia Nacional Constituinte francesa em
27 de agosto de 1789.
Costuma-se também identificar a criação, em um momento posterior, do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, relacionado à nova organização da sociedade
internacional no pós-Segunda Guerra Mundial. Como ―marco‖ dessa nova etapa do
direito internacional, foi criada, na Conferência de São Francisco, em 1945, a
Organização das Nações Unidas (ONU). A reação às atrocidades do nazismo fez
nascer a Comissão de Direitos Humanos da ONU e, a partir dela, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em 1948. A carta da ONU obrigava todos os
Estados e indivíduos a respeitarem e promoverem os direitos humanos para garantir
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dignidade e respeito às liberdades de todos e todas.
As cartas e declarações europeias têm sua importância dentro do processo
histórico de lutas por direitos, mas não devem ser entendidas como marcos — iniciais
ou paradigmáticos — do surgimento dos direitos humanos propriamente ditos. Se assim
entendêssemos, estaríamos excluindo do contexto, como elementos ausentes e
desperdiçados, por exemplo, as inúmeras e importantíssimas lutas dos indígenas, que
até os dias atuais defendem seus direitos — que emanam do seu modo de vida —, mas
que não tiveram seus esforços contra os colonizadores europeus catalogados como
lutas por direitos humanos; ou ainda as das comunidades quilombolas ou as das
mulheres (SANTOS; CHAUÍ, 2013). É preciso também chamar atenção para o fato de
que as teorias liberais abstratas, universalistas e normativas dos direitos humanos
acabam por apresentar as normas e direitos como se fossem, em si, o próprio
fundamento — pronto e acabado, dado —, dissociado da dinâmica social e da história,
e não como produto ou resultado da ação humana, de lutas seculares dos mais
diversos povos e nações.
Além disso, como apontam Escrivão Filho e Sousa Junior (2016), as teorias
abstratas comumente disseminadas como conceito e origem dos direitos humanos
universais podem ainda gerar três consequências ou efeitos que, muitas vezes, são
ignorados: o (i) efeito encantatório ou ilusório; o (ii) efeito imobilizante; e o (iii) efeito de
ordem.
Resumidamente, por efeito ilusório, seria entendida a situação usual da distância
entre direitos previstos e direitos efetivados, ou seja, a situação em que o direito esteja
previsto na norma, mas não passe de verdadeira ilusão, sem real efetivação. Essa
ilusão de direito previsto gera também um efeito imobilizante, na medida em que pode
produzir uma sensação de satisfação, reforçado pelo discurso de ordem e justiça social.
Além dos efeitos ilusório e imobilizante, há o efeito de ordem, aquele que reduz a
justiça social aos estritos termos e limites do ordenamento jurídico, passando a ser os
direitos humanos aqueles ali contidos na lei, o que gera ilusão e, ao mesmo tempo,
imobiliza, sem que os indivíduos, grupos ou sociedades possam interferir na condição
de efetivação dos direitos humanos.
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Escrivão Filho e Sousa Junior (2016, p. 56) resumem da seguinte forma esses
efeitos:
Por via de consequência a esses efeitos, os direitos humanos que ainda não
tiveram força econômica, política e social para emergir ante um sistema de
opressão em determinada sociedade, e dessa forma ainda estejam situados do
lado de fora de determinada ordem legal, não são sequer considerados direitos,
ao passo em que as lutas emergentes pela sua conquista passam a ser
consideradas ilegais. Desse modo, negando os processos históricos que
produziram, no embate de forças políticas, econômicas e sociais, os direitos
humanos hoje institucionalmente reconhecidos no ocidente, inverte-se o
fundamento pelo seu produto. Assim, o direito positivado assume a condição de
fundamento, enquanto os processos de lutas sociais que produziram a
positivação como resultado são retirados da história.
São normas que estão fincadas em nossa Constituição, bem como nos tratados
internacionais de defesa dos direitos humanos aprovados pelo Estado brasileiro e por
outros países no mundo. Os direitos humanos na Constituição são a norma
hierarquicamente superior a todas as demais leis do país.
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humanos. Por sua vez, os direitos fundamentais são os reconhecidos no plano interno,
na Constituição Federal.
Diante disso, sabendo que os direitos humanos são reconhecidos no plano
internacional, é possível observar a presença de tratados e declarações abordando o
tema. Em contrapartida, como os direitos fundamentais estão relacionados ao plano
interno de cada país, eles serão observados, em regra, nas suas constituições.
Assim, não há diferença quanto ao conteúdo desses direitos, a diferença é
terminológica e consiste em que os direitos humanos são direitos previstos nos tratados
internacionais, e os direitos fundamentais são previstos na legislação de cada país, seja
na Constituição, seja nas demais leis. Por isso, no Brasil, o artigo 5º da Constituição
Federal de 1988 trata dos direitos e garantias fundamentais, mas estes não se
resumem ou se exaurem nesse artigo.
2 CONCEITO
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O conceito ou o que se entende por concepção de direitos humanos não deve
ser visto como algo dado ou imposto, mas sim como uma construção histórica e social,
de caráter progressivo e a partir de lutas permanentes.
Faz-se necessário chamar atenção para a importância de se falar em cidadania e
em direitos, pois ―viver em um mundo no qual as pessoas são vistas como detentoras
de direitos é uma grande conquista‖ (RABENHORST, 2016, p.14), já que, durante
séculos, em diversas partes do mundo e no Brasil, milhões de pessoas foram
escravizadas e subjugadas a categorias subumanas.
Até os dias atuais, falamos da necessidade de proteger, garantir espaços e
empoderar mulheres, crianças, negros, índios, imigrantes e todos os segmentos que na
maioria das vezes são expropriados de sua cidadania.
Reconhecer um direito é reconhecer algo que é devido, e falar de direito é
também falar de dever. Ter um direito é ser beneficiário igualmente de um dever
correlativo, seja este devido pelo Estado ou por outras pessoas. Assim, a um direito
sempre vai corresponder um dever.
Para esclarecer o alcance e o sentido de ―ter um direito‖ e da existência de ―um
dever correlato‖, utilizemos os ensinamentos de Rabenhorst (2016, p. 15):
Se vamos falar sobre direitos, é bom que tenhamos uma noção um pouco mais
precisa do que significa ―ter um direito‖. Um direito, de forma muito geral, é a
possibilidade de agir ou o poder de exigir uma conduta dos outros, em termos
de uma ação (um fazer) ou de uma omissão (um não fazer). [...] Na realidade,
quando digo, por exemplo, que ―tenho direito à vida‖, estou exigindo o direito de
não morrer injustamente, o que significa que os outros têm o dever de respeitar
a minha vida. [...] Para cada classe de direitos existentes, há pessoas ou
instituições com deveres correspondentes (RABENHORST, 2016, p. 14-15,
grifo nosso).
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Dessa forma, são conquistas e que o Estado determina na Constituição, ou
ainda porque os países assim pactuaram em um tratado internacional, mas são direitos
que cada ser humano possui pelo simples fato de ser pessoa humana.
No entanto, a admissão desses direitos por parte dos Estados ou mesmo da
ordem internacional custou a vida de muitas pessoas. A construção de sua afirmação, o
processo de conquista de reconhecimento dos seres humanos como detentores de
direitos inatos, só se deu através de muitas lutas sociais, que custaram e ainda custam
muito aos sujeitos envolvidos.
Exatamente por haverem sido conquistados — e no Brasil essa conquista de
direitos também custou muitas vidas e um esforço conjunto e sofrido de vários coletivos
—, os direitos humanos não podem ser vistos como favores, gentilezas ou mesmo
súplicas.
Os direitos humanos estão positivados nas constituições e em diversas outras
normas nacionais e internacionais, é algo devido e pelo que não se deve pedir, mas
lutar por sua integral implementação. Não é favor, mas direito garantido e dever do
Estado e da coletividade.
Entretanto, mesmo que exista um direito não significa que esse direito seja
eficaz, isto é, que ele consiga produzir todos os seus efeitos concretos.
Para que os direitos sejam respeitados e cumpridos e tenham eficácia, é
necessária não só a atuação do Estado através dos seus agentes e aparatos estatais
(juízes, promotores, defensor público, advogados, leis, etc.), mas também a atuação da
sociedade civil organizada, em forma de sindicato, de movimentos sociais, de
associação de moradores, de partidos políticos, conselhos de Direitos e outros. Além
disso, para que se possa exigir a efetivação de um direito, antes se faz necessário
conhecê-lo, ter a consciência de sua existência e a disposição de lutar por ele como
uma razão para agir.
Todos nós, cidadãs e cidadãos, de qualquer gênero, classe social, raça, etnia e
crença, sem qualquer distinção, e pelo simples fato de sermos humanos, somos
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detentores e detentoras dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, responsáveis por
respeitar o direito de todas as pessoas.
Somos detentores de direitos humanos, e a capacitação e a educação em
direitos humanos (EDH) desenvolvem um papel primordial em desconstruir a errônea
(mas cada vez mais disseminada) concepção de que ―direitos humanos é coisa de
bandido‖.
Uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada no
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2015, indica que nada menos do que 50%
(cinquenta por cento) dos residentes nas grandes cidades brasileiras concorda com a
frase Bandido bom é bandido morto. Esse número demonstra o forte descrédito da
sociedade nas políticas de concretização de direitos humanos e tem como
consequência a construção de um discurso negativo sobre tais direitos.
Assim, a educação em direitos humanos que se consolida em políticas públicas
de concretização de princípios constitucionais assume um papel de extrema relevância
no sentido do reconhecimento e empoderamento do cidadão e da cidadã em relação a
seus direitos fundamentais e do preparo para o exercício pleno de sua cidadania. Essa
educação em direitos humanos permite, também, que cada cidadão e cidadã
compreenda, dessa maneira, sua própria humanidade, já que falar de direitos humanos
é aceitar, em primeiro lugar, que todos e todas, pelo simples fato de serem pessoas
humanas, são merecedoras de um tratamento condizente com sua humanidade.
As ações de falar sobre direitos humanos, educar em direitos humanos e
implementar políticas públicas de direitos humanos são — todas elas — obrigações
dispostas no texto constitucional: fazer com que a população conheça e compreenda a
extensão e o alcance do conteúdo dos direitos humanos é uma obrigação do Estado
Federal, a qual deve ser cumprida e efetivada em todos os âmbitos, como dever
também dos estados e dos municípios.
A proposta do presente curso é formar educadores, educadoras e agentes
multiplicadores em direitos humanos, e também executar as políticas públicas de
concretização constitucionalmente previstas.
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O desafio aqui presente é implementar uma agenda estadual e municipal de
políticas de direitos humanos, com objetivo não só de efetivação dos direitos
fundamentais previstos, mas também de instalação de uma nova cultura em direitos
humanos que ressignifique o papel que eles têm assumido no complexo cenário social
atual.
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lideranças, médicos, artesões, intelectuais, profissionais diversos), de algumas colônias
que Portugal havia estabelecido na África no final do século XV. A escravidão negra
durou oficialmente até o ano de 1888 e possuía previsão legal que legitimava um
processo violento de coisificação de seres humanos. Tratou-se de uma diáspora, já que
o afrodescendente foi capturado e obrigado a sair de suas terras e deixar sua
ancestralidade, seus costumes, sua língua para possibilitar a produção de recursos em
favor da elite colonial. Com a ―abolição formal‖ da escravidão negra, o Brasil investiu na
migração de trabalhadores europeus, contratados para trabalhar no campo.
Para pensar: por que os negros não foram contratados para o trabalho no campo, serviço já
realizado por eles durante anos, em condições desumanas? Por que trazer pessoas da
Europa?
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Pelo seu conteúdo, a Constituição de 1988 consigna os direitos fundamentais da
pessoa humana, bem como seus instrumentos de garantia e as responsabilidades dos
entes da Federação, fixando competências à União, aos estados e aos municípios, para
que promovam políticas públicas de garantia de direitos. O Ministério Público e demais
órgãos fiscalizatórios e a sociedade civil organizada têm o dever de acompanhar as
ações que buscam dar efetividade aos direitos fundamentais constitucionais.
Embora a ampliação dos direitos de liberdade individual e dos direitos sociais,
difusos e coletivos, além de econômicos e culturais, ainda corresponda a promessas e
desafios constituintes, há que se reconhecer que a Constituição de 1988 é a mais
democrática e preocupada com a justiça social que o Brasil já teve.
É claro que a simples existência do texto legal não é suficiente para transformar
uma sociedade marcada pela exclusão e pelos privilégios de elites políticas e
econômicas em uma sociedade igualitária. Muitos são os desafios ainda enfrentados
pelas instituições, pelos entes da Federação e pelos movimentos da sociedade civil
organizada no sentido de promover a dignidade humana para todos os cidadãos e
cidadãs brasileiros, o que aumenta a demanda por uma formação humanística da
sociedade.
A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, trouxe uma importante modificação da
Constituição para assegurar que os direitos e garantias previstas nela não excluam
outros direitos provenientes de tratados internacionais com os quais o Brasil haja
pactuado. Incluiu, também, a possibilidade de tratados internacionais de direitos
humanos que forem aprovados pelo Brasil com o mesmo procedimento de aprovação
das emendas constitucionais sejam recepcionados com a hierarquia de norma
constitucional. Isso possibilitou a inclusão do tratado de proteção à pessoa com
deficiência, com hierarquia constitucional, na ordem jurídica nacional (o que confere
uma cláusula de abertura da Constituição para a inclusão de tratados de direitos
humanos posteriormente aprovados).
No Brasil, ainda hoje, a luta pela concretização dos direitos humanos é marcada
pela busca de atuação do Estado no sentido de dar oportunidades iguais a todos os
indivíduos. A nossa herança colonial permanece, em uma sociedade marcada pelo
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racismo, pelo patriarcado, pelo machismo/sexismo e pelo extermínio indígena,
resultando em graves violações aos direitos humanos e colocando os povos e
comunidades tradicionais do Brasil, como negros, indígenas, quilombolas, ciganos,
pantaneiros, catingueiros, e as mulheres, em condição de pobreza e dificuldade
extrema. O Estado brasileiro tem o dever de incluir todos e de dar iguais oportunidades,
é o que diz a Constituição de 1988.
Um outro desafio ainda a ser vencido é a desconstrução da ideia dos direitos
humanos como sendo para bandidos, a qual desconsidera que as leis são o marco
legal para punir, banir quaisquer violações aos direitos de todas as pessoas.
Relembramos que todas as pessoas são detentoras dos direitos humanos e devem
respeitar os direitos humanos dos outros.
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Outro conselho específico identificado é o da Criança e do Adolescente —
presente em 98,4% das cidades. O estudo revela que alguns conselhos dobraram em
quantidade no período de 5 anos, como os conselhos municipais do Direito do Idoso,
que existiam em 35,5% dos municípios em 2009 e, atualmente, estão presentes em
61,9% das cidades.
Dos 5.570 municípios brasileiros, 25 não têm conselho tutelar. Os conselhos
tutelares são responsáveis por garantir o cumprimento dos direitos das crianças e dos
adolescentes previstos em lei, em parceria com estado, comunidade e família. A
maioria dos municípios sem conselho tutelar tem até 20 mil habitantes e se concentra
no Maranhão e em Minas Gerais.
Nas unidades da Federação, os conselhos estaduais dos Direitos da Criança e
do Adolescente — ausentes apenas no Amazonas —, do Idoso e da Pessoa com
Deficiência são os mais frequentes. Já os conselhos de Direitos LGBTI só existiam em
12 unidades da Federação até o ano passado. Esse tipo de conselho foi o que teve
menor proporção de reuniões nos 12 meses anteriores à pesquisa.
A Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Munic, investigou, no âmbito
municipal, o tema de direitos humanos nas suas edições de 2009, 2011 e 2014. A
Pesquisa de Informações Básicas Estaduais – Estadic, investigou o mesmo tema no
âmbito das unidades dos estados federados, em 2012 e em 2014. Houve um
diagnóstico de crescimento de estruturas específicas de gestão de direitos humanos.
Em 2014, 2.457 municípios apresentaram um crescimento significativo (44,1% do total),
em relação a 2009, quando 1.408 municípios tinham tal estrutura (25,3%). Também
houve um aumento de secretarias exclusivas (de 1,1% para 6,4%) e secretarias em
conjunto com outras políticas públicas (4,2% para 17,5%), enquanto decresceram as
estruturas diretamente subordinadas ao poder executivo. Assim, houve crescimento de
estruturas específicas como conselhos, centros e programas, com maior autonomia
institucional e maior representatividade social.
Em 2014, todos os estados da Federação apresentaram órgão específico
responsável pela política de direitos humanos.
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O Munic e o Estadic também investigaram os programas ou ações direcionadas
a públicos específicos por parte dos órgãos gestores de direitos humanos. Em 2014,
2.198 municípios (39,5% do total de 89,5% dos municípios que tinham estrutura de
direitos humanos) declararam desenvolver ao menos um tipo de programa ou ação
dessa natureza. E, dentre os estados, apenas Santa Catarina declarou que o órgão
gestor de direitos humanos não era responsável por promover programas de ação para
o público investigado.
Os programas de ações mais recorrentes são para: crianças e adolescentes
(37,6%), idosos (35,2%) e mulheres (31,8%). Nas unidades da Federação, os órgãos
de direitos humanos aparentemente desenvolveram políticas de forma mais abrangente
e também direcionadas a públicos específicos, o que indica uma condição
organizacional e financeira mais consolidada. As maiores incidências de políticas
específicas nos estados são para os seguintes públicos: LGBTI (25), indígenas,
quilombolas, ribeirinhos e outros povos de comunidades tradicionais (24) e crianças e
adolescentes (23). A política menos adotada foi a voltada a ciganos (12), da mesma
forma que no âmbito municipal, já que apenas 3,5% dos municípios declararam possuir
essa política específica.
Um dos grandes desafios em um contexto de exclusão e de ampliação dos
direitos de cidadania e, ao mesmo tempo, de políticas setoriais, é reconhecer e
aumentar o atendimento às demandas específicas necessárias e, concomitantemente,
às demandas universais, sem compartimentalizar a concepção de direitos humanos e
de políticas públicas.
Para o funcionamento dos conselhos, é fundamental a percepção dos interesses
e das necessidades de todos os segmentos sociais; é até uma ação pedagógica para
os/as conselheiros/as conhecer a realidade da questão social sob vários ângulos e
demandas. Por isso é tão importante a formação em direitos humanos para gestores e
conselheiros. O desafio para potencializar a atuação dos conselhos de direitos e de
defesa é construir um diálogo capaz de ampliar o reconhecimento das especificidades
de cada um e, ao mesmo tempo, apoiar-se mutuamente nas lutas e ações. Nesse
sentido, é relevante que cada área se articule internamente e se mantenha em contato
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com outros conselhos na localidade. Conhecer a legislação e o regimento dos
conselhos nacionais e estaduais é uma condição para viabilizar possíveis articulações.
Nesse sentido, crescem as iniciativas para se romper com as ações
fragmentadas e promover a conexão entre sujeitos, ações, órgãos e políticas. Para
tanto, é necessário um diálogo de intersetorialidade, de transversalidade e de
integração de políticas e ações para defender e garantir direitos.
É fundamental a articulação das políticas dos conselhos e a integração das
ações do Estado. Por exemplo, para formular políticas para crianças e adolescentes
considerando a especificidade de raça/etnia, é essencial a comunicação entre os
conselhos dos direitos da criança e os conselhos de combate à discriminação e de
promoção da igualdade racial e ações da área de educação; para elaborar políticas de
educação, é imprescindível considerar as necessidades de crianças e de adolescentes
com deficiência e dialogar junto com os conselhos e órgãos de defesa das pessoas
com deficiência. As demandas de crianças e de adolescentes com deficiência física, por
exemplo, é maior do que a oferta de serviços e equipamentos adequados para sua
inclusão e acesso ao direito à educação. A mesma dinâmica deve ser considerada
quando se trata de políticas que envolvem a discussão de gênero, como, por exemplo,
a exploração sexual de crianças e de adolescentes ou o trabalho infantil doméstico: há
necessidade de se articular com os conselhos dos direitos das mulheres ou com os
órgãos governamentais e da sociedade civil que tratam especialmente desta temática,
como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, os núcleos de pesquisa
sobre gênero das universidades, as organizações feministas, entre outros.
Os pactos intersetoriais e as agendas mínimas são também exemplos de ações
típicas da função potencializadora e estratégica dos conselhos, construídas a partir da
articulação entre conselhos junto aos órgãos governamentais, ao legislativo e judiciário,
às entidades sociais, aos sindicatos, às empresas de comunicação, entre outros.
Destacam-se os pactos pela erradicação do trabalho infantil, contra a exploração e o
abuso sexual e contra a violência, que ganharam destaque na mídia, engajamento dos
órgãos governamentais e não governamentais e a sensibilidade e apoio da população.
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O diálogo e a integração entre conselhos podem potencializar resultados na
promoção dos direitos e no combate à violação deles. O município é o local de
realização das políticas de promoção de direitos fundamentais, dada a maior
proximidade entre a população e o ente federativo. Os programas e os conselhos que
tratam de políticas públicas constituem importantes redes de suporte para a redução de
violência e garantia de direitos. Por exemplo, um Centro de Referência de Combate à
Homofobia está diretamente relacionado ao Conselho Nacional de Combate à
Discriminação, mas pode ser um apoio importante nas ações dos conselhos de Direitos
Humanos, dos Direitos da Mulher, dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre
outros. O Centro de Defesa do Consumidor pode ajudar, por exemplo, na situação de
uma pessoa com deficiência que tem seus direitos violados por não conseguir entrar em
um estabelecimento comercial ou instituição por falta de rampa de acesso.
Os programas de atendimento às políticas públicas vêm contribuindo para o
processo de promoção da igualdade e de garantia dos direitos. Nessa direção, as
políticas buscam reconhecer as especificidades, mas é necessário cuidado para não
cair no risco da fragmentação. O desafio que está posto é discutir políticas públicas com
o viés da transversalidade dos direitos humanos, considerando a sua indivisibilidade e,
ao mesmo tempo, valorizando suas especificidades.
Os municípios poderão criar conselhos, centros e programas em variadas áreas
de promoção de direitos humanos; dentre eles, podemos relacionar:
Conselho Municipal de Saúde;
Conselho Municipal de Educação;
Conselho Municipal de Assistência Social;
Centro de Apoio às Vítimas de Violência;
Centro de Referência e Combate à Homofobia;
Centro de Referência de Proteção à Pessoa Idosa;
Centro de Defesa dos Direitos da Mulher, da Criança e do Idoso;
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente;
Programa de Proteção aos Adolescentes Ameaçados de Morte;
Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos; e
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Programa de Educação em Direitos Humanos.
Sobre o PNDH-1:
• O maior foco residiu no combate às injustiças, ao arbítrio e à impunidade,
nomeadamente daqueles encarregados de aplicar as leis;
• O Programa cuidou da proteção do direito à vida, do direito à liberdade, do
tratamento igualitário das leis, dos ―direitos humanos para todos‖;
• Ele silenciou quanto aos direitos à livre orientação sexual e às identidades de
gênero.
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sua promoção. No PNDH-2, ainda, a abordagem explícita da necessidade de um
planejamento próprio das ações educativas em direitos humanos não é feita, embora o
conjunto proposto induza (quase imponha) esse referido planejamento.
Sobre o PNDH-2:
• Ele manteve as orientações do PNDH-1 e ampliou o escopo de direitos a serem
protegidos;
• Em face das críticas que o anterior mereceu, este incorporou os direitos à livre
orientação sexual e identidade de gênero, assim como a proteção dos ciganos;
• Conferiu maior ênfase à violência intrafamiliar, ao combate ao trabalho infantil e
ao trabalho forçado e à luta dos cidadãos que demandam necessidades
especiais.
2
http://www.pndh3.sdh.gov.br/portal/sistema/sobre-o-pndh3.
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O PNDH-3 concebe a efetivação dos direitos humanos como uma política de
Estado, centrada na dignidade da pessoa humana e na criação de oportunidades para
que todos e todas possam desenvolver seu potencial de forma livre, autônoma e plena,
e parte também de princípios essenciais à consolidação da democracia no Brasil:
diálogo permanente entre Estado e sociedade civil; transparência em todas as áreas e
esferas de governo; primazia dos direitos humanos nas políticas internas e nas relações
internacionais; caráter laico do Estado; fortalecimento do pacto federativo;
universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos civis, políticos,
econômicos, sociais, culturais e ambientais; opção clara pelo desenvolvimento
sustentável; respeito à diversidade; combate às desigualdades; e erradicação da fome
e da extrema pobreza.
O PNDH-3 estrutura-se em torno dos seguintes eixos orientadores: I. Interação
Democrática entre Estado e Sociedade Civil; II. Desenvolvimento e Direitos Humanos;
III. Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades; IV. Segurança Pública,
Acesso à Justiça e Combate à Violência; V. Educação e Cultura em Direitos Humanos;
e VI. Direito à Memória e à Verdade.
Entre os principais avanços trazidos pelo Programa, destacam-se a
transversalidade de suas diretrizes, objetivos e ações programáticas e o envolvimento
de diversos ministérios, partindo da perspectiva da indivisibilidade e interdependência
dos direitos humanos.
Sobre o PNDH-3:
Ele é mais extenso e com organização distinta;
Sua linguagem é mais direta;
Há maior detalhamento das ações programáticas;
Introduziu várias inovações polêmicas: a criação da Comissão Nacional da
Verdade; a descriminalização do aborto; a união entre pessoas do mesmo sexo;
o direito à adoção de casais homoafetivos; a interdição à ostentação de símbolos
religiosos em estabelecimentos públicos da União; o ―controle da mídia‖; e a
adoção de mecanismos de mediação judicial nos conflitos urbanos e rurais.
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Nessa direção, compreende-se que todos os agentes públicos e todas as
brasileiras e brasileiros são responsáveis pela efetivação dos direitos humanos no país.
33
fundamentais das pessoas; desenvolver políticas públicas e executar ações correlatas
de modo a garantir o acesso à justiça e à mediação de conflitos; promover a política
pública de promoção e defesa dos direitos humanos e da cidadania no âmbito do
estado, em articulação com a União e os municípios; planejar, apoiar, coordenar e
executar a política estadual de amparo e garantia de direitos aos idosos e às pessoas
com deficiência; coordenar, planejar e executar programas de proteção às pessoas
vítimas da violência, incluindo familiares, crianças, adolescentes e defensores dos
direitos humanos ameaçados de morte; desenvolver política de combate à tortura,
criando mecanismos de assistência aos anistiados e vítimas; controlar e manter em
funcionamento o Sistema Penitenciário do Estado, mediante a guarda e administração
dos estabelecimentos prisionais, buscando a ressocialização; prestar assistência
jurídica e social aos apenados e egressos do sistema prisional, assim como aos seus
familiares; fiscalizar o cumprimento das regras impostas como condição à liberdade
vigiada, ao livramento condicional e ao regime aberto de egressos de estabelecimentos
prisionais; desenvolver política pública estadual de medidas e penas alternativas;
promover a proteção ao consumidor; e atuar no relacionamento e na articulação com as
entidades da sociedade civil.3
Dentro da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, a Secretaria Executiva de
Direitos Humanos agrega o Sistema Estadual de Proteção a Pessoas (SEPP), com os
programas que integram a política pública de proteção e promoção dos direitos
humanos do Governo do Estado de Pernambuco, através de estratégias articuladas,
refletidas em uma intervenção que possibilita o desenvolvimento de ações que
legitimam a internalização dos direitos humanos fundamentais a qualquer cidadão ou
cidadã pernambucano que esteja em situação de risco e/ou vulnerabilidade social.
Através dessas iniciativas estruturadoras e articuladas, o SEPP pôde aprimorar o
conjunto de políticas, inicialmente capitaneadas pelo Governo Federal, e consolidadas
em Pernambuco, para atender pessoas ameaçadas (testemunhas e defensores de
direitos humanos) e determinados segmentos sociais historicamente vulnerabilizados
3
Informações contidas no site: http://www.sjdh.pe.gov.br/secretaria.
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(tais como crianças e adolescentes, pessoas idosas, público LGBTI e vítimas de
violência de modo geral).
Ocorre que, de forma pioneira, o Estado de Pernambuco avançou na criação do
seu Sistema Estadual de Proteção a Pessoas (SEPP), que se reverbera na Lei
Estadual nº 13.371/07, que dispõe sobre a Política Estadual de Assistência e Proteção
a Vítimas e Colaboradores da Justiça, a qual, por sua vez, incorporou as propostas de
alteração da Lei Federal nº 9.807/99, em trâmite no Congresso Nacional.
Em Pernambuco, essa proposta ganha guarida e força no esteio da
implementação do Plano de Segurança Pública ―Pacto pela Vida‖, o qual, de maneira
inédita no estado, conjuga segurança pública com a temática dos direitos humanos e
conta, ainda, com o fundamental apoio do Ministério dos Direitos Humanos, parceiro na
execução de vários programas que integram o SEPP.
O SEPP também atua na perspectiva de integrar os eixos de Reparação,
Promoção e Proteção de direitos — por meio de um atendimento a vítimas de
violações de direitos humanos, com foco na articulação com os demais órgãos que se
relacionam com o SEPP, através do monitoramento dos equipamentos e redes
existentes no estado. Na Prevenção, atua com o Programa de Mediação Comunitária
de Conflitos e a Formação em Direitos Humanos.
Nos âmbitos da Promoção e da Prevenção, o SEPP conta com os seguintes
programas:
a) CEAV – Centro Estadual de Apoio às Vítimas da Violência;
b) CIAPPI – Centro Integrado de Atenção e Prevenção a Violência contra a
Pessoa Idosa;
c) CECH – Centro Estadual de Combate à Homofobia;
d) Programa de Mediação Comunitária de Conflitos;
e) Balcão de Direitos.
36
3.2.2 Os eixos de Proteção de diretos humanos
37
4 OS SISTEMAS INTERNACIONAIS E REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS
• O que são?
Os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos são formados por
um conjunto de normas, mecanismos e órgãos internacionais que nascem com o
objetivo de garantir e promover a proteção dos direitos em todos os seus âmbitos e em
todo o mundo.
Os direitos humanos desenvolvem-se tanto no âmbito internacional como dentro
de cada ordem jurídica, ou seja, como direitos positivos particulares no momento em
que cada Constituição de cada país incorpora as declarações de direito. Assim, os
direitos humanos estão em constante evolução e aprimoramento, além de em crescente
processo de internacionalização.
Por outro lado, a Declaração dos Direitos Humanos da ONU não possui força
normativa, apesar de ser um padrão comum sustentado por várias nações do mundo
inteiro. Fez-se necessário, pois, buscar mecanismos para efetivar e fazer cumprir as
determinações.
Em 1966, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, depois de
quase duas décadas de trabalho, criou um corpo de lei de direitos humanos
internacionais baseado na Declaração e com força executória. Foram elaborados dois
documentos principais: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e
o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966),
tornando-se ambos leis internacionais em 1976.
Enquanto o primeiro enfoca questões relacionadas com o direito à vida, à
liberdade de expressão, à religião e ao voto, o segundo enfoca a alimentação, a
educação, a saúde e o refúgio. Ambos os pactos destinam-se a todos os seres
humanos indiscriminadamente.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos e estes dois pactos constituem o
que é conhecido como a ―Lei Internacional de Direitos umanos‖, ou seja, são os
principais instrumentos do sistema internacional de proteção dos direitos humanos.
Para que houvesse funcionamento e observância do cumprimento dos direitos
humanos por parte dos países que assinaram o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, formou-se a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos para
40
examinar os relatórios que os países enviariam a cada cinco anos e assegurar-se que
eles estariam cumprindo o pacto, devendo emitir igualmente conclusões sobre o
funcionamento do país.
42
livremente consentiram com um determinado tratado não podem tomar a ordem ou o
direito interno para descumprir o referido tratado4.
Se um Estado que livremente ratificou5 um tratado internacional não o cumpre ou
obsta o seu cumprimento, viola o princípio da boa fé, segundo a Convenção de Viena
sobre tratados internacionais, e pode ser responsabilizado no âmbito internacional.
Importante estabelecer também a relação entre o direito interno, de um país, e a
ordem internacional. Ela baseia-se no princípio anteriormente comentado da
prevalência da norma mais benéfica, ou seja, no fato de que se deve sempre aplicar
a norma mais favorável, seja ela do direito internacional, seja do direito interno. A
primazia não seria, assim, dos direitos nem internacional nem interno, mas da norma
que estabeleça o tratamento mais benéfico para o ser humano, visando, dessa forma, a
aprimorar e fortalecer — nunca a restringir ou debilitar — os direitos que foram
consagrados na Constituição.
Devem os instrumentos nacionais de direitos humanos, pois, incorporar ao
ordenamento interno os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos,
sendo imprescindível essa interação entre os direitos nacionalmente previstos e o
catálogo de direitos internacionais que se apresentam através dos diversos tratados
internacionais de direitos humanos.
No momento em que o Estado aceita e ratifica um tratado internacional, ele
permite o monitoramento internacional da forma como passa a implementar os direitos
fundamentais e, ao mesmo tempo, consente que as comissões e comitês internacionais
vigiem e fiscalizem sua atuação de forma suplementar à ordem interna. Ou seja, os
Estados têm sempre primazia de atuação e controle sobre sua ordem e seu
ordenamento, e apenas de maneira suplementar à ordem interna é que a ordem
internacional — no caso em que aquela mostrou-se falha ou omissa ou quando se
esgotaram os recursos internos para o seu acionamento — atuaria através dos comitês
4
É o que estabelece expressamente o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.
5
―Ratificação: processo de incorporação pelo qual o corpo legislativo de um estado confirma a ação de
um governo ao assinar um tratado; procedimento formal pelo qual um estado se obriga a um tratado
depois de sua aceitação‖ — definição oferecida no Manual do Professor publicado e distribuído pela
United For Human Rights, Los Angeles, USA, 2012.
43
e comissões da ONU e do próprio Tribunal Penal Internacional na defesa do direito
violado.
Além disso, se um Estado sofrer uma condenação ou for chamado a atenção no
âmbito internacional, também em todos os canais de comunicação, isso já é, por si só,
um constrangimento político e moral, levando a tal Estado buscar a reparação daquela
prática através de políticas públicas positivas e imediatas de defesa do direito por ele
violado, procurando retomar a confiança e imagem internacional.
Assim, as medidas de proteção internacional atuam tanto como parâmetro de
proteção mínimo de direitos humanos quanto como instância suplementar de proteção
diante da ausência ou omissão dos Estados em relação à garantia de determinados
direitos.
Em relação ao indivíduo, este passa à condição de sujeito de direito na ordem
internacional, ou seja, deve ter seus direitos protegidos não só pelo Estado ao qual está
relacionado (como nacional, cidadão, residente, etc.), mas também na esfera
internacional, podendo inclusive — quando lhe seja permitido — demandar perante
cortes e tribunais a defesa dos direitos violados. Assim, as relações internacionais
deixam de ser estritamente entre Estados para incluírem também o indivíduo.
Em resumo: busca-se propiciar não só avanços à proteção dos direitos humanos
em âmbito internacional, como também fiscalizar e incentivar os países em relação às
suas políticas protecionistas e impedir retrocessos e arbitrariedades na ordem interna
dos Estados. Dessa maneira, deve haver sempre uma harmonização entre a ordem
internacional e a ordem interna dos Estados.
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Os sistemas regionais, como dito, não são antagônicos nem conflitam com o
sistema global ou universal; pelo contrário. Os sistemas regionais e o sistema global
são harmônicos e complementares, buscando aqueles refletir as peculiaridades dos
Estados, regiões e continentes correspondentes, complementando, dessa forma, as
normativas de caráter mais geral estabelecidas pelo sistema global.
São sistemas regionais exatamente para setorizarem o interesse, ou seja,
envolver um menor número de Estados-membros e direcionar a atenção para as
necessidades regionais desses países-partes, além de buscar facilitar as negociações,
o consenso e também o controle e a fiscalização das políticas de proteção e promoção
dos direitos humanos nessas regiões.
Além disso, amplia-se também a possibilidade de os valores regionais serem
levados em conta, sem que haja uma padronização ou tentativa de ―universalidade‖ a
partir do padrão europeu patriarcal e branco ao se definirem as normas de direitos
humanos. Permite-se, igualmente, estabelecer mecanismos de cumprimento e
estabelecimento de direitos-deveres que se coadunam muito melhor com as condições
locais do que um sistema global.
Quanto à lógica de implementação e aplicação, segue-se a mesma aplicada ao
sistema global: tem validade para todos os Estados que aderiram voluntariamente aos
tratados e convenções celebradas, além de criar um sistema de monitoramento para
assegurar o cumprimento das normas nos Estados que as adotaram.
Os sistemas regionais cobrem três partes ou regiões do mundo: a África, as
Américas e a Europa.
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Como principais instrumentos de proteção do sistema americano, estão: (i) a
Carta da Organização dos Estados Americanos, conhecida como Carta de Bogotá,
assinada na Colômbia, em 1948; e (ii) a Convenção Americana de Direitos
Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, por haver sido aberta
à assinatura na conferência de direitos humanos que ocorreu naquela cidade em 1969;
foi incorporada pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº 56, de 1995 e promulgada
pelo Decreto nº 3.321, de 30 de dezembro de 1999.
Outros importantes instrumentos são (iii) o Protocolo de San Salvador, de
1988, em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais e (iv) a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,
adotada pela Assembleia Geral da OEA em 1994 e ratificada pelo Brasil em 1995.
O Pacto de São José da Costa Rica, ou Convenção Americana de Direitos
Humanos, merece destaque por sua importância neste sistema de proteção de direitos
humanos. Somente Estados que pertençam à Organização dos Estados Americanos
podem fazer parte dessa Convenção, tendo o Brasil aderido a seus termos apenas em
1992, através do Decreto Legislativo nº 27, de 25 de setembro.
Esse Pacto trata essencialmente dos direitos civis e políticos, semelhante ao
firmado em 1966, para dar efetividade jurídica à Declaração da ONU.
Entre outros direitos, o Pacto de São José assegura: direito à liberdade pessoal,
à residência, consciência, religião, pensamento, locomoção e expressão; direito a não
ser submetido à escravidão; igualdade perante a lei; garantias judiciais; nacionalidade;
proíbe o restabelecimento da pena de morte para delitos políticos e comuns conexos
com delitos políticos; e proíbe a prisão por dívida, salvo aquela proveniente do
inadimplemento da obrigação alimentar.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem competência contenciosa e
consultiva. Podem apresentar petição apenas os Estados-partes e a própria Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A sentença proferida pela Corte tem efeito
definitivo e inapelável, com execução supervisionada pela Assembleia Geral da
Organização dos Estados Americanos (OEA).
46
No âmbito contencioso, a competência da Corte está condicionada aos Estados-
partes da Convenção que a reconheçam expressamente (artigo 62). Depois de admitida
a demanda, as vítimas e seus familiares ou representantes legalmente reconhecidos
poderão apresentar suas solicitações, argumentos e provas de forma autônoma durante
todo o processo.
A partir de 2001, ficou permitida a participação da vítima e dos seus
representantes em todas as fases do processo judicial, podendo manifestar-se em
igualdade de condições com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o
Estado-réu.
Os casos que cabe à Corte Interamericana de Direitos Humanos investigar são
aqueles relacionados com a violação, por parte dos Estados-partes, de direito protegido
pela Convenção. A Corte pode determinar a proteção e o gozo do direito, caso decida
que houve direito ou liberdade violada, ou ainda que seja reparada a consequência ou
consequências da violação do direito, bem como o pagamento de indenização à parte
que suportou o prejuízo.
O Brasil reconheceu a competência da Corte Americana de Direitos Humanos
através do Decreto Legislativo nº 89, de 1998, para todos os casos relacionados à
interpretação ou aplicação da Convenção e ocorridos a partir do reconhecimento da
autoridade da Corte, de acordo com o artigo 62.
Já a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (COIDH) tem função
consultiva e de promover a observância e a defesa dos direitos humanos, além de
―estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; formular
recomendações aos governos dos estados-membros quando considerar conveniente,
no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no
âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais‖, entre diversas outras.
Quanto ao oferecimento de denúncia, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos faz um juízo de admissibilidade, mas caberá à Corte Interamericana fazer o
juízo de mérito que caiba, com a determinação do pagamento de uma indenização, se
assim for devido.
47
4.2.1 Programa Nacional em Direitos Humanos Brasileiro
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REFERÊNCIAS
ESCRIVÃO FILHO, Antônio Sérgio; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Para um
debate teórico-conceitual e político sobre os direitos humanos. Belo Horizonte:
D’Pl cido, 1 . (Coleção Direito e Justiça).
RABENHORST, Eduardo R. O que são direitos humanos. In: FERREIRA, L.; ZENAIDE,
M.; NÁDER, A. (Orgs.). Educando em direitos humanos: fundamentos histórico-
filosóficos e político-jurídicos. João Pessoa: Ed. UFPB, 2016. v. 1.
SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos humanos: uma teoria dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
ZENAIDE, Maria de Nazaré T.; FERREIRA, Lúcia de Fátima G.; NÁDER, Alexandre
Antonio G. (Org.). Direitos humanos: capacitação de educadores. João Pessoa: Ed.
UFPB, 2008. 2 v.
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