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Neste artigo vamos refletir sobre a teologia da criação do pintor da Libertação Cerezo
Barredo, a partir do mural “La História de la Salvacion”. Esta obra foi o primeiro dos
inúmeros murais realizados por Cerezo na América Latina. Nosso texto se divide em três
partes: em primeiro lugar faremos uma reflexão sobre a função comunicativa e expressiva da
arte; em seguida a apresentação de alguns aspectos biográficos do pintor Cerezo Barredo e,
por fim, em terceiro plano, uma leitura e interpretação da teologia da criação presente na obra
realizada em Junjuí no Peru.
Vamos iniciar este percurso tendo diante dos olhos as observações do artista eslovaco
Marko Ivan Rupnik. O enfoque de Rupnik nos interessa porque ele coloca em evidência a
dimensão comunicativa da arte. Tal perspectiva converge com a apresentação feita por Cerezo
que desejava pintar os acontecimentos do povo oprimido e massacrado na América Latina.
Para Rupnik (1994, p. 174) - pintor e teórico da arte - a primeira característica do artista é,
precisamente, a criação de uma arte para a comunhão:
A arte torna-se uma comunicação livre e capaz de criar uma cultura não restritiva
para a convivência. Esta oferece uma linguagem para uma comunicação mais ampla
e livre, porque esta linguagem é tal enquanto conteúdo de um fluxo comunicável no
qual cada um se reconhece segundo a índole de sua pessoa e de sua cultura. A arte
torna-se uma linguagem do símbolo em que as realidades já estão ali unidas .
De fato, a arte permite a comunhão entre as pessoas, ela suscita um diálogo. A própria
subjetividade constitui-se a partir destas relações dialógicas que se estabelecem entre as
pessoas a partir de um objeto-motivo. As obras de arte podem retratar a condição humana. E,
a pintura de Cerezo é uma arte dialética e também dialógica, pois procura mostrar sempre a
passagem da morte para a vida. É uma arte com a linguagem da Páscoa. Ele concebe os
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Bacharel em Teologia pelo Studium Theologicum de Curitiba.
2
Professor do Programa de Mestrado em Teologia da PUCPR e do Studium Theologicum de Curitiba.
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pobres latino-americanos como otimistas. São rostos marcados pela fé no Deus da vida, com a
esperança e a certeza de que as injustiças não poderão vencer. A pintura de Cerezo comunica,
portanto, o Deus de Jesus que pela encarnação associou os homens à comunhão de vida com
Ele.
Esta compreensão de sua missão como pintor aconteceu no dia em que preparando o
altar para a missa, o padre Cerezo vê uma pobre senhora do povoado entrar na Igreja e
percorrer lentamente todas as cenas do mural: desde a cena da Criação, passando pelo Êxodo
e os profetas, até chegar ao centro onde se encontra Cristo e Maria. E, finalmente, observa no
ângulo esquerdo do mural um grupo de pessoas típicas da selva: um homem que carrega lenha
e uma mulher sentada que chora a perda prematura do filho.
Diante da última cena - no ângulo esquerdo do mural - vejo que a senhora pára e tira
de sua bolsa uma vela, acende-a, fixando-a no pavimento. Depois se coloca de
joelhos e começa a rezar diante da imagem da mulher que estava chorando pelo seu
menino morto. Ela se coloca de joelhos diante de uma representação de uma mulher
do povo que não era sacra. Mas algo suscitou nela a realidade dolorosa daquela
mulher com o filho morto. E ali permaneceu por um longo tempo. Aquela cena me
atingiu profundamente (MARTINEZ, 2005, p. 36).
De fato, aqui aparece o tema da revelação para aquela mulher. A cena representada no
quadro suscitou imediata correspondência com a experiência humana vivida por ela e por
tantas mães do povoado que se confrontava com os altos índices de mortalidade infantil. Além
disso, a mulher pôde, então, como descreveu Cerezo ter uma relação viva de diálogo com
Deus. Como diz Ricoeur (1996, p. 71) “é no segredo do colóquio entre Deus e uma alma
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solitária que o amor se declara, e se declara forte como a morte”. Cerezo, portanto, se dá conta
que a sua arte chegava à alma das pessoas, levava às pessoas ao reconhecimento do mistério.
Foi, então, que ele definitivamente pensou em retomar a pintura como missão de sua vida. E,
além disso, esta experiência confirma, por outro lado, a importância do programa iconográfico
de uma igreja como “o mapa com que o cristão faz a leitura de sua fé (...) leitura feita através
dos materiais, das formas, dos tratos que damos ao ambiente” (PASTRO, 2008, p. 74).
Antes, porém, de começar a contemplar e interpretar o mural “La historia de la
Salvación”, é importante ressaltar a diferença entre dois níveis de leitura crítica da mesma
obra. Num primeiro nível, devem-se evidenciar as opções pessoais do artista e a dimensão
contextual na configuração de sua obra, ou seja, a realidade sócio-política e religiosa, tal
como foi salientado acima. No segundo nível, o interesse concentra-se sobre a visão teológica
e, em especial, para a função da arte sacra de projetar para fora de si a manifestação da beleza
de Deus. Neste aspecto vale seguir o caminho visual indicado pelo próprio autor da obra na
conquista da parede.
O pintor mostra as principais etapas da história da Salvação presente nas Escrituras:
começando pelo esplendor da Criação, passando pela cena da expulsão do paraíso e a
caminhada do povo de Israel pelo deserto, sob a guia de Moisés e os profetas rumo a
plenitude dos tempos: Cristo o Libertador. Por fim, retrata-se a cena da presença do Espírito
Santo como guia e defensor da Igreja até chegar a sua expressão na comunidade concreto por
meio dos rostos e as expressões do povo.
O mural parece concebido para ser lido da direita para a esquerda, ou seja, conforme a
forma usual de leitura ocidental. Na verdade, pela perspectiva do autor, a parede tem de ser
observada a partir do centro do mural no qual se vê a figura de Cristo ressuscitado envolto em
plena luz e que abandona a cruz para se dirigir à comunidade. Nele o paraíso é recriado:
Cristo novo Adão, Maria a nova Eva. Aparece Jesus Ressuscitado evidenciando nas palmas
das mãos os sinais da paixão e da cruz. É o Verbo encarnado, o Filho amado do Pai
constituído, por sua morte e ressurreição, em Senhor e Cristo para os fiéis. O Cristo da Glória,
não aparece sem a cruz, pois ela faz parte da beleza de Jesus.
Podem-se notar dois gigantes braços atravessando o mural todo. É a mão de Deus,
sinal da sua misericórdia que se estende para acompanhar a caminhada do povo de Israel –
desde as primeiras cenas no ângulo direito do mural até tocar, em primeira pessoa, as
situações da vida real do povo de Junjuí representada no ângulo esquerdo do quadro
(MARTINEZ, 2005, p. 126). No centro do mural encontramos a figura de Cristo ressuscitado
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envolto em plena luz e, ao seu lado, a serena figura de Maria que assinala a passagem da luz
do Antigo Testamento à luz do Novo Testamento.
Desse modo, o mural pode ser denominado como “A beleza da Criação” pois o tema
não se refere apenas a cena da primeira parte do mural porque Cerezo procura indicar que
será no drama e esplendor de toda a historia salutis que se refletirá a libertação, ou seja, o
despontar do novo, da nova Criação de Deus. Evdokimov (1991), diz que ao criar o mundo
do nada, o Criador viu que cada uma de suas criaturas era bela. A palavra belo significa em
grego: „kalón‟. A palavra grega Kalón indica dois significados simultaneamente: belo e bom.
O mundo foi criado e será recriado até o final. A beleza deste mundo emerge da Beleza
suprema que é Deus e volta para ele: tudo vem de Deus e converge para ele. Uma beleza
busca outra Beleza que é perfeita: o Reino. O mural tem essa indicação ao colocar Jesus no
centro do mural porque Ele é o centro da História, o Alfa e o ômega, princípio e fim como nos
indica a celebração da Vigília Pascal.
O mural de Cerezo é, pois, uma representação do percurso da humanidade: um
caminho que começa no Pai (primeira parte) tem sua plenitude na manifestação do Filho
(quinta parte do mural) e continua a realizar-se na história pela presença do Espírito Santo
(sexta parte do mural). A Criação e a Redenção estão em contínua tensão e querem manifestar
o Reino de Deus acontecendo no hoje da história do povo. A primeira cena indica-nos o ser
humano: homem e mulher que tem de deixar para trás o paraíso, a riqueza dos bens a qual eles
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têm de dizer adeus por conseqüência do pecado. A figura do anjo anuncia o juízo de Deus
pela desobediência do ser humano.
Em suma, a primeira parte do mural parece nos falar de uma dimensão antropológica e
fenomenológica, onde o ser humano é essencialmente religioso e anseia pelo infinito. Cerezo
retrata o ser humano ferido. Vemos as figuras apresentadas na sua nudez com os olhares
dirigidos ao alto. O olhar para o “Infinito” os separa das circunstâncias e, mesmo marcados
pela ferida do pecado original, os corpos humanos são representados ainda com a sua total
Luminosidade (representada pelo amarelo). A arte de Cerezo ao falar da criação, da vida do
povo e sua cultura, fala de tudo o que é belo neste mundo, fazendo imediata referência Àquele
que é a fonte e a meta. Na primeira parte do mural, a teologia tem a beleza como objeto, pois
remete à revelação do amor de Deus e o significado desta revelação para o ser humano.
Na segunda e terceira parte a harmonia é corrompida. Começa a ser representado o
drama do esforço do ser humano em construir uma cidade por suas próprias forças. Cerezo
representa um homem sentado e rejeitando a ajuda da mão de Deus. O ser humano foge da
Beleza. No fundo o cenário da construção da Torre de Babel. E Deus aparece simbolizado
por uma mão para conduzir o ser humano ao seu lugar originário. A rejeição à oferta salvífica
de Deus vem representada pela ausência de cores: as trevas.
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Na terceira parte do mural, a luz começa a aparecer, simbolizada pelo azul. Apesar de
caminharem ainda nas trevas e, portanto, afastados de Deus eles estão a caminho da luz.
Segundo Martinez (2005) representa-se o povo de Israel que caminha no deserto com seus
momentos de esperança e desolação marcados na pintura pelo movimento de descida e subida
dos montes.
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Na cena da quarta parte são apresentados quatro homens que caminham em direção a
Cristo: luz do mundo e da história. Eles são os profetas do Antigo Testamento. Estão
carregando nas mãos os rolos das antigas Escrituras as quais falam do Messias prometido.
Com as mãos apontam um horizonte de esperança para o povo: a realização das promessas do
Reino de Deus em Cristo que aparece no centro do mural.
Su propria obra, en cuanto Espíritu de la Belleza, es una “poesia sin palabras”. Por
relación al Verbo, el Evangelio del Espíritu Santo es visual, contemplativo. En sus
revelaciones, es el “dedo de Dios” que dibuja el Icono del Ser con la Luz increada.
En el umbral de la inefable Sabiduría de Dios, hace contemplar la Belleza sofiánica
del Sentido y constituye en Templo cósmico de la Gloria. (EVDOKIMOV, 1991 p.
9).
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CONCLUSÃO
A arte cristã afirmou desde o princípio a íntima conexão existente entre palavra e a
imagem. O prólogo do Evangelho de João expressa a lógica paradoxal que fundamenta toda a
realidade cristã: o Verbo carne (Logos-sarx) se fez. O invisível se fez visível, Deus revelou o
seu rosto humano. Assim, a imagem passará a ocupar lugar essencial no cristianismo. É a
partir deste fundamento teológico que as comunidades cristãs – nos diversos continentes e a
partir das culturas locais – passarão a traduzir a fé em imagens. No trabalho de Cerezo as
dimensões e a grandeza próprias dos murais querem indicar a grandeza do ser humano, criado
a imagem e semelhança de Deus. O trabalho artístico ao longo dos séculos – documentada
nas igrejas, oratórios e museus da Igreja latino-americana são o testemunho vivo de um
patrimônio que pertence a toda a humanidade justamente porque conseguiu exaltar a história,
as tradições e a memória do povo à categoria de arte.
REFERÊNCIAS
FORTE, Bruno. A porta da beleza: por uma estética teológica. Aparecida: Idéias & Letras,
2006.
PASTRO, Cláudio. O Deus da beleza: a educação através da beleza. São Paulo: Paulinas,
2008.
MARTINEZ, Jesús Maria. A tu per tu: colloquio con Mino Cerezo Barredo. Lima: Peru (15-
17 set. 2005), pro manoscritto.
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Loyola, 1996.