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Tem poucos temas hoje que geram tanta controversa no Islam como a
distinção entre o que é Sunnah e o que é Bid’a, ou inovação repreensível,
talvez por causa dos tempos em que agora vivemos os Muçulmanos e os
desafios aos quais nós enfrentamos. Sem dúvida, um dos acontecimentos de
maior impacto tem tido sobre os muçulmanos nos últimos mil anos tem sido o
fim do califado islâmico no começo deste século, um acontecimento que
colocou não só o fim da autoridade temporal e política, senão, em grande
medida, o término do consenso do Islam Sunni ortodoxo. A tudo o que esteja
familiarizado com a literatura clássica de qualquer das ciências tradicionais
islâmicas, bem seja exegeses corânica (tafsir), hadith ou jurisprudência (fiqh),
lhe surpreenderá o fato de que hoje se tenha perguntas acerca dos
fundamentos básicos da Lei Islâmica Sagrada (Shari’a) e suas disciplinas que
nunca haviam sido formuladas no período clássico do Islam – não porque os
ulemás islâmicos não foram suficientemente brilhantes para fazê-lo, senão
porque já conheciam as respostas.
‘(...) Tenha cuidado com as novidades, pois toda novidade é inovação, toda
inovação é um desvio e todo desvio termina no inferno’.
Fazendo uso das fontes islâmicas tradicionais, centrarei minha discussão entre
três pontos.
E nosso terceiro e último ponto é que as novidades no Islam não podem ser
rechaçadas meramente porque não existiram no primeiro século, mas devem
ser avaliadas e julgadas de acordo com a exaustiva metodologia da Lei
Sagrada, por virtude da qual esta Lei constitui o código moral universal para
todos os povos até o final dos tempos.
Também está o hadith relatado por Muslim em que o Profeta disse: ‘Ninguém
que reza entre o amanhecer e o entardecer entrará no inferno’, que constitui
uma generalização que, como é óbvio, não pode ser entendido de forma
literal, pois não inclui a alguém que reza a oração da alvorada e da tarde e
descuida-se das demais orações e atos obrigatórios. Trata-se, mas bem, de
uma generalização com um referente particular, ou uma generalização
qualificada por outros textos, pois quando existem ahadith claramente
verificados, é obrigatório alcançar um acordo entre eles: em realidade
constituem um único hadith, em que algumas afirmações são qualificadas por
outras, de maneira que possam se utilizar de forma combinada.
Desde este ponto de partida, podemos observar que muitos dos Companheiros
realizaram ações as que chegaram por meio de seu próprio raciocínio
(ijitihad), e que a Sunna e o caminho do Profeta era aceitar os atos de
adoração e boas obras conforme com o estabelecido pela Lei Sagrada, assim
como rechaçar aqueles que estavam em conflito com ela. Esta era sua Sunna e
sua senda, prosseguida pelos Califas e Companheiros. A partir dela, os ulemá
do Islam (que Allah esteja comprazido com eles) tem estabelecido a norma de
que qualquer novidade deve ser julgada de acordo com os princípios e textos
primários da Lei Sagrada: o que a Lei testemunha como inovação
repreensível (bid’a). Algumas vezes, se chama ao primeiro tipo de novidade
de inovação boa’ (bid’a hasana), em virtude do significado genérico de bid’a
(novidade). Desde o ponto de vista legal, no entanto, não se trata realmente de
uma inovação senão de uma Sunna por inferência – sempre que os textos
básicos da Lei Sagrada atestam que é aceitável.
Estes hadith constituem evidência explícita de que Bilal e Jubaib usaram seu
raciocínio (ijtihad) para escolher as horas dos atos de adoração, sem previa
ordem ou precedente do Profeta, aparte de sua demanda geral de que é
necessário realizar a oração. (2) Bukhari e Muslim relatam que Rifa’a a ibn
Rafi’ disse: ‘Um dia em que rezávamos por trás do Profeta, ele ergueu sua
cabeça da prostração e disse: “Allah escuta a quem quer e lhe apraz.” Então
um homem que estava por de trás dele disse, “Senhor Nosso, a Ti te pertence
o louvor, abundante, sadio e bendito”. “Quando se levantou para ir, o Profeta
perguntou quem havia dito essas palavras e quando o homem respondeu que
havia sido ele, o Profeta disse ‘Vi uma trintena de anjos lutando para serem o
que as escreveu”. Ibn Hajar comenta em seu Fath al-Bari que o hadith indica
a permissibilidade de iniciar novas expressões de dhikr na oração, aparte das
transmitidas nos ahadith, sempre e quando não contradigam as que tem sido
recolhidas nestes últimos. É claro que isto é assim, já que as palavras citadas
acima constituem um adicional as já conhecidas na sunna dhikr’.
(3) Bukhari relata (em um hadith transmitido por Aisha) que um homem que
o Profeta havia enviado ao chefe de uma expedição militar, ao recitar o
Alcorão nas orações, terminava cada recitação com a Sura al-Ikhlass (Alcorão
112). Quando regressaram e mencionaram ao Profeta, este disse: ‘Pergunta a
ele porque faz isso. E perguntaram, e o homem respondeu: ‘Porque descreve
ao Misericordioso e amo recitá-la’. O Profeta disse: ‘Diga-lhe que Allah o
ama’. Apesar disto, não conhecemos nenhum ulemá sustenta que tal prática é
recomendada, pois os atos que o Profeta costumava fazer regularmente são
superiores. O fato, no entanto, de que o Profeta aprovar este tipo de
iniciativas ilustra sua Sunnah sobre sua aceitação de várias formas de
obediência e atos de adoração, e mostra que não os considerava como
inovação repreensível (bid’a), como fazem os hipócritas que competem entre
si para serem os primeiros em catalogar certos atos como inovação e desvio.
Além disso, devemos ter em conta que todos os ahadith anteriores tratam da
oração, que é o mais importante dos atos físicos de adoração, e acerca do que
o Profeta disse: ‘Reza como me tem visto rezar’. Apesar disto, o Profeta
aceitou os citados exemplos de raciocínio pessoal porque não se distanciavam
da forma definida por Lei, pois ainda que todo limite deva ser observado, tem
uma margem em tudo mais, sempre que se encontra dentro da categoria geral
do requerido pela Lei Sagrada. Esta é a Sunna do Profeta e seu caminho e não
poderia ser mais claro. Assim, os Ulemás inferem que todo ato de que o
beneficio tem evidência na Lei Sagrada e que não contradiz um texto básico
inequívoco ou implica conseqüências prejudiciais, não deve ser incluído na
categoria de inovação repreensível (bid’a), mas na Sunna, embora existam
outros cuja realização seja muito mais vantajosa.
(4) Bukhari relata (em um hadith transmitido por Abu Said al-Kudri) que um
grupo de Companheiros do Profeta que estavam em viagem chegaram ao
acampamento de alguns árabes do deserto. Quando lhes pediram que os
alojassem, os árabes se negaram. Mas pouco depois, o líder do acampamento
foi mordido por um escorpião e seus seguidores fizeram todo possível para
lhe salvar, sem êxito. Então um disse: ‘Se os aproximásseis ao grupo que
acampa próximo de vós, um deles poderia ter algo (que servisse de ajuda).
Assim que foram ver os Companheiros e disseram: “Nosso líder tem sido
mordido por um escorpião e temos provado de tudo. Algum de vós tem um
remédio? ’ Um respondeu: ‘Sim, por Allah. Recitou palavras que curam
(ruqia) sobre a pessoa, mas, por Allah, pedimos que nos hospedassem e nos
negaste, assim não recitarei nada a menos que nos dêem algo em troca’.
Concordaram que os árabes entregariam um rebanho de ovelhas, assim que o
homem começou a salivar e recitar a Fatiha sobre a vítima até que esta se
levantou e começou a caminhar como se tratasse de um cabelo que acabaram
de libertar de sua atadura, como se não tivesse ocorrido nada. Quando os
árabes entregaram o rebanho, alguns dos Companheiros quiseram dividi-lo,
mas o homem que havia feito a recitação disse: ‘Não faça isso até
retornarmos junto ao Profeta e lhe contar o que tem acontecido, para ver o
que ele ordenará fazer. Quando se apresentaram ante o Profeta e lhe contaram
a história, este disse: “Como sabias que essas palavras podiam curar? Vós
estas certo. Divida o gado e me de uma parte.
(5) Bukhari relata (em um hadith transmitido por Abu Said al-Kudri) Em
certa ocasião, um homem escutou a outro que recitava e repetia a Surat al-
Ikhlas. No dia seguinte, foi ver ao Enviado de Allah e contou-lhe o que fazia
aquele homem, como se o considerasse de pouca valia. Então, o Enviado de
Allah disse: "Juro por Quem tem minha alma em Sua mão! Que a Surat al-
Ikhlas equivale a um terço de todo o Al-Qur'an". Daraqutni registrou outra
versão deste hadith na que o homem disse: “Tenho um vizinho que reza pela
noite e não recita nada mais que a Sura al-Ikhlass’. O hadith mostra que o
Profeta sancionou que aquele homem se limitasse a Sura al-Ikhlass em suas
orações noturnas, apesar de não ser esta a mesma prática do Profeta, pois
embora a prática do Profeta de recitar todo o Alcorão era superior, o ato do
homem estava dentro dos parâmetros gerais da Sunna e não implicava nada
que pudesse se considerar indigno.
(6) Ahmad Ibn Hibban relata (em um hadith transmitido por Abdullah Ibn
Buraida) que seu pai disse: Um dia entrei na mesquita com o Profeta, um
homem estava rezando, realizando uma súplica com as seguintes palavras:
“Ó, Allah, Te suplico pelo meu testemunho de que Tu eis Allah, não há
Divindade exceto Tu, o Uno, o Eterno, que nada tem gerado e nada tem sido
gerado e com o que nada pode se comparar”. E o Profeta disse: ‘Por Aquele
em cujas mãos estão minha alma, ele tem suplicado a Allah pelo seu maior
nome, E o concedeu; sempre que se suplica por este nome, Ele responde: “É
evidente que este apelo surgiu espontaneamente a parti do Companheiro, mas
quando ajustado às exigências da Lei Sagrada, o Profeta aprovou.
Agora podemos voltar ao hadith com o que começa este ensaio, no qual o
Profeta (paz e bênçãos de Allah sobre ele) diz: ‘Tenha cuidado com as
novidades, pois toda inovação é desvio’. Devemos entender estas palavras no
sentido ortodoxo exposto por um proeminente ‘Alim clássico, Shaykh
Muhammad al-Jurdani, cuja extensa paráfrases e comentário diz assim: Tenha
cuidado com as novidades ‘Tenha cuidado com as inovações que não
existiam previamente’, quer dizer, novidades no Islam que contradizem a Lei
Sagrada, Pois toda inovação é desvio que quer dizer que ‘toda inovação é o
contrário da verdade’, quer dizer, falsidade – um hadith que tem sido também
registrado como pois toda novidade é inovação, toda inovação é desvio e todo
desvio termina no inferno quer dizer que tudo o que se desvia, bem por si
mesmo ou por seguir ao outro, termina no inferno; se referindo ao hadith a
inovações que não são boas e não tem uma base na Lei Sagrada. Tem sido
afirmado (por Al-‘Izz Ibn ‘Abd al-Salam) que as inovações (bid’a) se
classificam de acordo com as cinco categorias da Lei Sagrada; a obrigatória
(Wajib), proibida (haram), recomendada (mandub), repreensível (makruh) e
permissível (mubah):
Concluirei meu resumo da postura clássica acerca deste assunto com uma
tradução da seguinte afirmação de Sheikh Abdullah al-Ghumari: